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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

IFAC/DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE ARTES CÊNICAS – BACHARELADO
DISCIPLINA: Dramaturgia A
DOCENTE: Elvina M. Caetano Pereira
DISCENTE: Gabriely M. Lemos

ANÁLISE DA TRAGÉDIA GREGA “ANTÍGONA”, DE SÓFOCLES

Ouro Preto
Dezembro de 2015
Esta análise é baseada na concepção aristotélica de tragédia, a qual fundou a
dramaturgia clássica. Aristóteles definiu a tragédia como sendo uma imitação direta de
ações humanas de caráter elevado, tendo como objetivo principal provocar a catarse
(identificação) no público, através do terror e da compaixão, que causariam também um
aprendizado. Segundo ele, o homem aprende através da imitação e, portanto, a
tragédia possui propriedades didáticas no ensino da moral e da virtude.

Aristóteles seria hoje considerado mais um crítico teatral do que um


dramaturgo, uma vez que escreveu suas considerações a partir de obras prontas.
Apesar do fato de a Poética não ser normativa, isto é, não se manifestar como um
manual de se escrever tragédias, a partir de Scaligero, na Itália, ela se torna uma
norma que foi vigente por séculos.

As tragédias ocorrem no momento de formação da democracia ateniense e a


maior parte delas sustenta o embate entre dois pensamentos igualmente legítimos: o
pensamento mítico-religioso (leis divinas) em oposição ao pensamento jurídico (leis do
Estado). Na maioria das tragédias, o herói advém das forças míticas e ao se opor à
ordem transcendental e à coletividade (pólis), escapa à democracia e é punido por essa
ação (em um plano não humano).

Deste modo, a obra Antígona trata de um drama social e se apresenta como


metáfora da lei do Estado defendida por Creonte em contraposição à lei religiosa,
defendida por Antígona. As personagens da tragédia são: Antígona (filha de Édipo),
Creonte (regente de Tebas), Ismena (irmã de Antígona, Polinice e Eteocles), Eurídice
(esposa de Creonte e mãe de Hemon), Hemon (filho de Creonte e Eurídice), Tirésias
(representante da esfera divina), Coro (assembléia dos cidadãos) e os Guardas
(executantes das ordens de Creonte).

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O enredo da tragédia conta a história da filha de Édipo, que se opõe ao regente
Creonte, que promovera um decreto em Tebas proibindo que todos os traidores da
pátria fossem enterrados. Polinice, morto em combate contra o próprio irmão Eteocles,
enquanto vivo, se voltou contra a sua pátria e, por isso, não era digno de receber um
sepultamento (culturalmente sagrado). Antígona, que possui um amor quase incestuoso
pelo irmão, não aceita abandoná-lo e resolve enterrá-lo mesmo sabendo que poderia
ser punida. Segundo Aristóteles, o que Antígona está postulando para Polinice é o
cumprimento de uma lei sagrada comum a todos os povos: o direito ao sepultamento.
(ALVES, 2008, p.337)

Antígona terá então que criar uma situação de hybris (desmedida), ou seja, terá
de transgredir as leis criadas por Creonte. A desobediência de Antígona ao decreto de
Creonte atende valores que estão permanentemente em confronto (oikos versus
cidade; mundo divino versus mundo dos homens; privado versus público). (JATOBA,
2001, p.82)

Em certo trecho, Ismena diz a sua irmã, Antígona, que não quer ajudar a
sepultar o corpo do irmão devido ao decreto do rei. Pode-se perceber que Ismena não
deseja desobedecer a lei implementada pelo poder político, porque ela cumpre e
respeita aquilo que foi decidido pelo povo, mesmo que venha a sofrer posteriormente
devido a atitude.

Quando Creonte proíbe, em nome do bem da pólis, que sejam conferidos os


devidos rituais funerários ao cadáver de Polinice e institui uma lei, atrai contra si as
ações de Antígona e a ira dos deuses. A hybris de Creonte conduz à hybris de
Antígona.

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Entretanto, em razão de sua personalidade rigorosa e de seu governo
autoritário, há questionamentos a respeito do caráter da posição tomada por Creonte
quando descobre que Antígona transgrediu sua ordem. Além disso, ele temia pela
consolidação de seu poder político e a punição de Antígona serviria de exemplo aos
cidadãos, estabelecendo seu poder sobre a cidade. A fúria que o governante tinha
sobre Antígona é alvo de contradições devido ao empecilho do epiclerado: até que
ponto a condenação de Antígona se deu pela gravidade do crime que cometera? É
subjacente nos escritos da tragédia que Creonte alimentava o medo de perder o trono
de Tebas.

Existem dúvidas sobre quem seria o(a) protagonista da tragédia; talvez ambos,
Antígona e Creonte, assumam o mesmo papel. O texto de Antígona mostra que uma
tragédia pode ter um protagonista (primeiro ator) e um deuteragonista (segundo ator)
com o mesmo peso, sem necessariamente possuir um herói ou um vilão. Outro ponto a
ser ressaltado diz respeito ao fato da mulher não ser considerada cidadã na Grécia
Antiga, o que torna difícil a colocação de uma mulher como protagonista da tragédia.

Sobretudo, tomando como base a visão aristotélica, como Creonte passa por
reconhecimento e peripécia, assume-se aqui que este é o herói trágico. Desta forma, o
enredo da tragédia é, por definição, complexo.

Em Creonte, a peripécia se dá quando, após os conselhos do Coro e as


profecias de Tirésias, este percebe que não deveria ter condenado Antígona à morte,
determinando a libertação da moça. Já o reconhecimento sucede quando ele descobre
que Antígona já está morta porque se enforcou no meio tempo em que a ordem de
Tirésias de enterrar o corpo de Polinice é concebida.

As catástrofes são mortes, dores, ferimentos e sofrimentos que ocorrem na


tragédia. As catástrofes de Antígona, assim como em outras tragédias, não aparecem
em cena e não são detalhadas, pois se o fizessem, causariam repulsa no público.
Exemplo de catástrofe nessa tragédia é a morte de Antígona, bem como a de Hemon e
o suicídio de Eurídice.

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O Coro, por sua vez, representa a cidade na estrutura da tragédia, tendo por
função comentar a fala e as ações dos heróis. A inovação democrática tem na figura do
Coro seu representante, que celebra o homem condicionado ao respeito pelas leis da
cidade e à fé aos deuses. A conexão entre as leis da cidade e as leis divinas é
fundamental à preservação da medida humana e da ordem da pólis. Logo, o Coro,
enquanto porta voz da cidade, repudia todo humano que cometa a hybris de atentar
contra os deuses ou contra a cidade. É o Coro, portanto, que evidencia a hybris de
Antígona, definida por não ser capaz de submeter-se, não a Creonte, mas ao destino,
aos fatos. (JATOBA, 2001, p.82-85)

Sófocles apresenta o solucionamento da contradição da tragédia por meio do


sentimento religioso e não por meio da racionalidade jurídica humana. Assim, o mundo
divino triunfa sobre o mundo dos homens: o que prevalece não é a temporalidade do
poder humano (individualidade, Estado ou coletividade), mas sim a correspondência
deste com o poder atemporal, o divino.

Apesar de não ser a tragédia mais perfeita para Aristóteles (este posto era
ocupado por Édipo Rei), Antígona também possui mito, caráter, elocução, pensamento,
espetáculo e música e é dividida em prólogo, episódio, êxodo e canto coral. Através do
desequilíbrio inconsciente (hybris), característico do herói trágico, apresentando o seu
ethos (caráter) juntamente ao o daímon (gênio mau) e a falha trágica (hamartía), o
personagem se instaura na relação com o espectador, proporcionando o efeito trágico.

Ao figurar o fim trágico de Antígona morta e o sofrimento de Creonte diante do


filho e da mulher também mortos, a tragédia procura incitar no espectador a premência
do controle nas ações humanas a fim de prevenir a desestabilização de uma sociedade
que está passando por mudanças e evitar a dor causada pela falta de equilíbrio no
comportamento do homem que se sujeita à paixões e instintos violentos, ou se deixa
levar por ambições pessoais. (ROCHA; SOUZA, 2009, p.13)

O sofrimento de Creonte é provocado pelo ato de irracionalidade diante de


questões delicadas e a dor causada obriga o governante a tomar uma nova consciência
para que assim possa recuperar a ordem social. (ROCHA; SOUZA, 2009, p.13)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Jerônimo Basil de. Grécia: a caminho da democracia. Rio Grande do Sul:
EDIPUCRS, 2007. Disponível em:
http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/Jero
nimo_Basil.pdf. Acesso em 26 de Novembro de 2015.

ALVES, Marcelo. Uma leitura crítica de Antígona para o direito. Novos Estudos
Jurídicos. [S.l.], v. 10, n. 2, p. 325-376, out. 2008. ISSN 2175-0491. Disponível em:
http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/404/347. Acesso em 26 de
Novembro de 2015.

ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Sousa. São Paulo: Ars Poetica, 1993.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.

JATOBA, Maria do Socorro da Silva. Sócrates e Antígona: os desobedientes.


Cadernos de Atas da ANPOF. Rio de Janeiro, nº1, 2001. Disponível em:
http://www.puc-rio.br/parcerias/sbp/pdf/12-socorro.pdf. Acesso em 27 de Novembro de
2015.

ROCHA, Alessandro Santos da; SOUZA, Paulo Rogério. O teatro e a democracia na


Grécia do século V a.c.: um gênero artístico a serviço da aristocracia no período
clássico. Revista de História e Estudos Culturais. Maringá, v. 6, ano VI, n. 3, 2009.
ISSN 1807-6971. Disponível em:
http://www.revistafenix.pro.br/PDF20/ARTIGO_14_Paulo_Rogerio_de_Souza_FENIX_J
UL_AGO_SET_2009.pdf. Acesso em 27 de Novembro de 2015.

ROSENFIELD, Kathrin. H. Antígona — de Sófocles a Hölderlin: por uma filosofia


trágica da literatura. Porto Alegre: L&PM, 2000.

SÓFOCLES. Antígona. In: A trilogia tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona.
Trad. Mário da Gama Kury. 8. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 195-253.

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