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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Pós-graduação em Letras Clássicas: Doutorado

SATYRICON DE PETRÔNIO: ESTUDO


LINGÜÍSTICO E TRADUÇÃO

Trabalho apresentado como um dos requisitos


necessários à obtenção do grau de Doutor em
Letras (Língua e Literatura Latina) junto
à Universidade de São Paulo.

Aluna: Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet


Orientadora: Profa. Dra. Zélia de Almeida Cardoso

São Paulo

-2002-
SATYRICON DE PETRÔNIO: ESTUDO
LINGÜÍSTICO E TRADUÇÃO

2
SUMÁRIO

conteúdo pág.

- Lista de abreviaturas ....................................................................................... 07


- INTRODUÇÃO
I- Fontes para o estudo do latim vulgar ......................................... 08
II- O Satyricon como fonte para o estudo do latim vulgar ............. 10
III- Latim clássico e latim vulgar no Satyricon ................................ 13

- Capítulo 1: FONÉTICA/FONOLOGIA
I- Introdução .................................................................................. 17
II- Sistema vocálico ........................................................................ 19
II.1- Listagem de alterações no sistema vocálico ...................... 21
II.2- Análise dos dados .............................................................. 27
II.3- Conclusão ........................................................................... 29
III- Sistema consonântico ................................................................. 29
III.1- Listagem de alterações no sistema consonântico ............. 32
III.1.1- Alterações em consoantes simples .................... 33
III.1.2- Alterações em grupos consonantais .................. 34
III.2- Análise dos dados ............................................................ 37
III.3- Conclusão ........................................................................ 38
IV- Considerações finais acerca da fonética/fonologia do
Satyricon .................................................................................. 39

- Capítulo 2: MORFOLOGIA
I- Introdução ................................................................................. 40
II- Morfologia nominal .................................................................. 43
II.1- Alterações na categoria de caso, associadas
ou não a mudança de paradigma temático ........................ 45
II.1.1- Listagem das alterações na categoria de caso ................ 47
II.1.2- Análise dos dados .......................................................... 53

3
conteúdo pág.

II.1.3- Conclusão ...................................................................... 59


II.2- Alterações na categoria de gênero .................................... 59
II.2.1- Listagem das alterações na categoria de gênero ............ 61
II.2.2- Análise dos dados .......................................................... 68
II.2.3- Conclusão ...................................................................... 71
III- Morfologia verbal ..................................................................... 72
III.1- Alterações nas categorias de tempo, modo e
aspecto .............................................................................. 75
III.1.1- Listagem das alterações nas categorias de
tempo, modo e aspecto .................................................. 77
III.1.2- Análise dos dados ............................................. 86
III.1.3- Conclusão ......................................................... 92
III.2- Alterações na categoria de voz .......................... ............. 93
III.1.1- Listagem das alterações na categoria de
voz ......................................................... 94
III.2.2- Análise dos dados ............................................. 96
III.2.3- Conclusão ......................................................... 97
III.3- Alterações nas categorias de número e pessoa ................ 97
III.3.1- Listagem das alterações nas categorias de
número e pessoa ............................................................. 99
III.3.2- Análise dos dados ............................................. 100
III.3.3- Conclusão ......................................................... 101
III.4- Alterações morfológicas diversas ................................... 101
III.4.1- Listagem de alterações morfológicas diversas . 101
III.4.2- Análise dos dados ............................................. 102
III.4.3- Conclusão ......................................................... 103
IV- Considerações finais acerca da morfologia do Satyricon .............. 103

- Capítulo 3: SINTAXE
I- Introdução ................................................................................ 105

4
conteúdo pág.

II- Ordem de palavras ................................................................... 107


II.1- Listagem de ordem de palavras ....................................... 111
II.1.1- Listagem de ordem de palavras no
sintagma nominal ............................................. 113
II.1.2- Listagem de ordem de palavras no
sintagma verbal ................................................ 138
II.2- Análise dos dados ............................................................ 155
II.3- Conclusão ......................................................................... 162
III- Emprego de pronomes ................................................................... 163
III.1- Listagem de emprego de pronome .................................. 166
III.1.1- Listagem de emprego de pronomes em
função adnominal .............................................. 167
III.1.2- Listagem de emprego de pronomes em
substantivos ....................................................... 192
III.2- Análise dos dados ............................................................ 209
III.3- Conclusão ........................................................................ 213
IV- Considerações finais acerca da sintaxe do Satyricon .................... 214

- Capítulo 4: LÉXICO
I- Introdução ........................................................................................ 216
II- Helenismos...................................................................................... 217
II. 1- Listagem de vocábulos tomados de empréstimo
ao grego............................................................................ 221
II.1.1- Helenismos propriamente ditos.......................... 222
II.1.2- Helenismos acrescidos de prefixos e/ou
sufixos latinos.................................................... 236
II.1.3- Helenismos acrescidos de desinências latinas... 238
II. 2- Análise dos dados............................................................ 238
II.2.1- Status dos helenismos em relação ao vernáculo. 240
II.2.2- Alteração ou manutenção do sentido original da
palavra grega ...................................................... 241

5
conteúdo pág.

II. 3- Conclusão ....................................................................... 245


III- Neologismos ................................................................................... 246
III.1- Listagem de neologismos................................................. 247
III.1.1- Neologismos formados por sufixação, ou com
acréscimo de desinência .................................... 249
III.1.2- Neologismos formados por prefixação ............. 254
III.1.3- Neologismos formados por aglutinação ............ 255
III.1.4- Neologismos formados por mais de um
processo .............................................................. 255
III.1.5- Neologismos sem processo de formação
evidente .............................................................. 257
III.2- Análise dos dados ............................................................. 258
III.3- Conclusão ......................................................................... 259
IV- Vulgarismos .................................................................................... 260
IV.1- Listagem de vulgarismos ................................................. 262
IV.2- Análise dos dados ............................................................ 264
IV.3- Conclusão ........................................................................ 266
V- Arcaísmos ........................................................................................ 267
VI- Considerações finais acerca da composição do
léxico do Satyricon ................................................................... 268
- CONCLUSÃO
I- Conclusão .......................................................................................... 269
- APÊNDICE
I- Tradução ........................................................................................... 273
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 402

6
LISTA DE ABREVIATURAS

p. = página
Petr. = Petrônio
Sat.= Satyricon

7
INTRODUÇÃO

I- FONTES PARA O ESTUDO DO LATIM VULGAR

No que se refere às fontes para o estudo do latim vulgar1, os estudiosos são


unânimes em apontar a dificuldade para se ter acesso a registros dessa modalidade da
língua latina, que deu origem às línguas românicas (Palmer, 1954; Maurer Jr. 1962).
Um dos meios encontrados para suprir a escassez de material disponível foi a utilização
do Método Comparativo para a reconstrução do latim vulgar com base nas línguas
românicas, em especial o romeno (cf. Maurer Jr., 1962), nos mesmos moldes utilizados
para a reconstrução do Indo-Europeu, principalmente a partir do latim, do grego, do
sânscrito, do hitita. Para Meillet (1928, p. 239)2, a gramática comparada das línguas
românicas é a única maneira de se chegar ao latim vulgar, uma vez que este se
manifesta apenas como “tendências”, que se realizam em diferentes graus, segundo os
fatores de condição e educação dos sujeitos falantes, de época e de lugar.
No entanto, mesmo tendo em mente as vantagens e os avanços que podem ser
obtidos através desse método, o mesmo possui as seguintes limitações:

a) as conclusões a que se chega exclusivamente através desse método não


fornecem certeza absoluta do fato lingüístico apontado, a não ser que o processo
considerado esteja corroborado em textos latinos;
b) o Método Comparativo está limitado aos fatos lingüísticos recorrentes nas
línguas românicas, excluindo as transformações ocorridas na gramática do latim
que possam estar associadas a determinada língua românica;

1
Apesar de toda a discussão acerca da imprecisão da expressão “latim vulgar”, a mesma será mantida ao
longo deste estudo, sempre empregada no sentido de “língua falada pelo povo”, independentemente do
período da língua latina que se está considerando, uma vez que foge ao escopo deste trabalho discutir e
propor a alteração de uma nomenclatura já consagrada nos estudos da língua latina, mesmo que em
diferentes acepções. Para uma breve apresentação dessas diferentes acepções, remete-se o leitor a Herrero
(1981, p. 127-131).
2
Meillet (1928, p. 239), diferentemente do presente trabalho, considera como latim vulgar apenas o latim
falado durante a época imperial.

8
c) o Método Comparativo não permite um estudo detalhado da história do latim
vulgar, já que não identifica os fatores externos (nível social do falante, época e
espaço geográfico) em que o processo de mudança teria ocorrido;
d) o Método Comparativo não permite reconstituir uma gramática do latim vulgar,
já que fornece apenas uma imagem parcial, até mesmo hipotética da língua
falada.

Ao lado do Método Comparativo, defendido, dentre outros, por Meillet (1928) e


Maurer Jr. (1962), uma outra visão do que teria sido o latim falado pelo povo nos
diferentes períodos da língua latina (desde o período arcaico até o imperial) pode ser
obtida através de textos literários, epigráficos, ou gramaticais escritos em latim, que, em
virtude de seu caráter mais popular e menos associado à tradição gramatical clássica,
são geralmente apontados como fonte para o estudo do latim vulgar. São eles3:

a) as comédias de Plauto;
b) a fabula togata;
c) expressões e frases que aparecem nos escritores clássicos, como Cícero
(especialmente em suas correspondências), Catulo, Horácio, etc.;
d) a obra Satyricon, de Petrônio, em especial a seção denominada Cena
Trimalchionis;
e) tratados técnicos sobre veterinária, agricultura, arquitetura, etc, como, por
exemplo, a obra Mulomedicina Chironis;
f) o texto Peregrinatio Aetheriae;
g) inscrições feitas por pessoas de pouca instrução formal, tais como os
epitáfios, os graffiti de Pompéia e as Defixionum tabellae;
h) o Appendix Probi;
i) as obras dos gramáticos latinos;
j) as glosas e glossários, como o de Reichenau.

Dentre os três tipos de fontes acima listados, são, em geral, aceitas como
genuinamente representativas do latim vulgar apenas as gramaticais, que muitas vezes
se apresentam sob o formato normativo, contrapondo o “certo” ao “errado” (como no

3
Obra utilizada para enumeração das fontes para o estudo do latim vulgar: Herrero (1981, p. 132-137).

9
Appendix Probi), e as epigráficas, cuja espontaneidade pode ser dificilmente
questionada (Herrero, 1981, p. 132; Stolz, 1922, p. 230).
As fontes literárias, por sua vez, apesar de mais numerosas e de representarem
diferentes níveis de oralidade em diferentes épocas, o que permitiria traçar a evolução
de algumas transformações ocorridas na gramática da língua latina ao longo dos
séculos, são utilizadas com bastante reserva para estudo e caracterização do latim
vulgar. A falta de consenso em relação à representatividade de um ou outro documento
literário, ou de partes de um mesmo documento, para o estudo da língua falada do
período da língua latina correspondente ao texto considerado, se deve, em primeiro
lugar, ao fato de que muitas vezes não se pode facilmente discernir entre expressões
populares, familiares e arcaicas (Herrero, 1981, p. 138); outro fator que torna relativas
as conclusões acerca do latim vulgar a partir dos traços de oralidade identificados nos
textos literários é o caráter intencional e estilístico, portanto, não espontâneo, com que
as expressões populares são empregadas por diferentes autores (Herrero, 1981, p. 132).

II- O SATYRICON COMO FONTE PARA O ESTUDO


DO LATIM

Dentre as obras literárias citadas como fonte para estudo e caracterização do


latim vulgar, vários autores (Hofmann, 1958; Stolz, 1922; Rohlfs, 1969; Herrero, 1981,
dentre outros) destacam o Satyricon, uma obra escrita muito provavelmente nos anos 60
do séc. I d. C.4, que chegou até o presente em fragmentados 141 capítulos. O Satyricon
é atribuído a Petrônio, o elegantiae arbiter da corte do imperador Nero, cujos dados
biográficos, poucos e incertos, se encontram nos Anais, de Tácito, livro 16, capítulos
17-19.
Credita-se a maior importância dada ao Satyricon como fonte para o estudo do
latim vulgar ao fato de que Petrônio apresenta elementos bastante característicos do
latim falado, principalmente na seção denominada Cena Trimalchionis (capítulos 27 a
78), onde se encontram discursos de personagens de várias camadas sociais inferiores,

4
Apesar de alguns autores defenderem a tese de que o Satyricon teria sido escrito no séc. III d. C. (por
exemplo, Marmorale, apud Rohlfs, 1969, p. 3) e, portanto, não teria sido pelo mesmo Petrônio citado por
Tácito, adota-se nesse estudo a tese mais comumente aceita de que o Satyricon é um romance de tempos

10
escravos e libertos, que conservam o tom coloquial e despreocupado da fala cotidiana
(Hofmann, 1958, p. 6). Adamik (1990, p. 1) afirma que o emprego consciente de formas
vulgares no Satyricon, como um recurso para caracterizar o latim vulgar falado por ex-
escravos, demonstra que Petrônio era bem versado nas "artes da linguagem",
especialmente a retórica, e que conhecia as normas do latim escrito, das quais seu texto
apropriadamente se desviava. Similarmente, Codoñer (1990, p. 57) identifica na Cena
Trimalchionis um uso consciente de diferentes níveis de linguagem: popular para
Trimalquião e seus convivas, coloquial culto para os protagonistas do Satyricon e
linguagem própria para criações em verso, utilizada nos pequenos poemas inseridos na
Cena.
Por outro lado, autores que não compartilham dessa posição afirmam que, com
exceção de alguns elementos isolados que podem ser identificados com a fala do povo,
a linguagem empregada por Petrônio não se distancia do registro formal utilizado pelos
autores clássicos (corrente defendida por Marmorale e Pepe, apud Adamik, 1990, p. 4).
Além disso, um argumento utilizado para reforçar esse posicionamento é a alegação de
que o episódio do jantar se passa numa cidade grega da Itália; os desvios em relação ao
latim clássico seriam, assim, analisados não como um registro da linguagem informal
empregada pela plebs romana, mas como uma sátira de Petrônio ao latim fragmentado
dos moradores gregos dessa região da Itália (cf. Salonius, apud Palmer, 1954, p. 152).
Posição mais neutra apresenta Palmer (1954, p. 153), ao concluir da seguinte
maneira: “(...) Petronius does in the conversation of Trimalchio and his guests reveal to
us something of the sermo plebeius of the first century AD”5. No entanto, o autor coloca
a seguinte ponderação linhas abaixo: “We have already said that none of these texts (...)
can claim to be a true and undistorting mirror of the spoken language”6.
Em estudo anterior (Bianchet, 1996), ao contrapor o emprego da estrutura
clássica de orações completivas objetivas diretas, com verbo no infinitivo, ao emprego
da estrutura vulgar com as conjunções quod/quia ao longo da Cena Trimalchionis,
obtive resultados que reforçam a posição de que a linguagem empregada por Petrônio,
no que se refere à estrutura analisada, é basicamente clássica. Nesse estudo, atestei que
Petrônio utiliza, na grande maioria dos casos (72 % do número total de ocorrências), a

neronianos, o que limita sua datação a até 66 d. C.. Para uma apresentação de dados históricos e do
próprio Satyricon que corroboram esse posicionamento, remete-se o leitor a Aquati (1991, p. 6-11).
5
“Petrônio, nos diálogos entre Trimalquião e seus convidados, realmente nos mostra alguma coisa do
sermo plebeius do século I d.C”.

11
estrutura clássica com infinitivo, apresentando apenas duas ocorrências da estrutura
vulgar com a conjunção quod/quia, ambas na fala de um mesmo conviva:

a) Sed subolfacio quia nobis epulum daturus est Mammea, binos


denarios mihi et meis (45, 10);
b) (...) et dixi quia mustella comedit (46, 4).

Diferentemente de Codoñer (1990), Maurer Jr. (1962, p. 24) afirma que o latim
de Trimalquião, um “liberto rico e desejoso de exibir a sua grandeza e sabedoria”, não
pode ser considerado como “simples latim vulgar”, uma vez que sua linguagem
apresenta formas que certamente não eram correntes no latim vulgar, dentre as quais se
pode destacar o uso de:

• oração infinitiva (me putatis illa cena esse contentum - 39, 3);
• gerúndio regido de preposição (inter cenandum - 39, 4);
• verbos depoentes (nascitur - 39, 5; 48, 2);
• duplo dativo (erit mihi curae - 71, 8)7.

Apesar dos incontestáveis elementos da linguagem padrão acima identificados,


são também numerosos e irrefutáveis no Satyricon os elementos de linguagem oral, os
quais se encaixam em processos de mudança já completada nas línguas românicas e que
figuram nos estudos de processos de mudança lingüística ocorridas na passagem do
latim para as línguas românicas (Grandgent, 1952; Bastardas Parera, 1953; Maurer Jr,
1959; Neto, 1957; Coutinho, 1968). Esses estudos incluem, de maneira assistemática,
dados retirados a partir do Satyricon que exemplificam processos lingüísticos tais como:

- confusão na atribuição de gênero (balneus - 41, 11; caelus - 39, 5; fatus - 42,
5; uinus - 41, 12);
- confusão entre verbos ativos e depoentes (loquere - 46, 1; amplexaret - 63, 8;
delectaris - 64, 2)8;

6
“Nós já dissemos que nenhum desses textos pode ser indicado como um espelho verdadeiro e não-
distorcido da língua falada”.
7
Algumas dessas formas apresentadas por Maurer Jr. aparecem também no texto da Cena sob a forma
dita vulgar, como, por exemplo, as orações com quod/quia analisadas em meu trabalho anterior
(Bianchet, 1996).

12
- problemas na atribuição de caso nas construções que envolvem as questões
ubi e quo (Fui enim hodie in funus - 42, 2).

A linguagem empregada por Petrônio tem sido, pois, até o momento, analisada
do ponto de vista de duas correntes: uma que enfatiza o caráter popular empregado pelo
autor apenas na Cena Trimalchionis, a outra que considera como não substanciais as
diferenças de linguagem identificadas nas falas de ex-escravos e de pessoas com nível
educacional mais elevado (Adamik, 1990, p. 4). Apesar da divergência, porém, ambas
as correntes reconhecem que há elementos de linguagem oral no Satyricon e que estes
se encontram concentrados nos capítulos da Cena Trimalchionis, mas diferem quanto à
representatividade e importância desses elementos.

III- LATIM CLÁSSICO E LATIM VULGAR NO


SATYRICON

A partir da bibliografia consultada e discutida acima, evidencia-se que, em geral,


se considera que os elementos de linguagem oral do Satyricon se encontram precisa e
exclusivamente nos capítulos da Cena Trimalchionis, em oposição à linguagem padrão
dos demais capítulos, descontextualizando a linguagem do grupo de episódios que narra
o jantar de Trimalquião do sistema lingüístico da obra como um todo. No entanto, esta
divisão tão bem delimitada se configura como demasiadamente simplista para ser
aplicada ao Satyricon. A generalização proposta nesses estudos não associa os
elementos de linguagem oral empregados ao longo do Satyricon aos diferentes níveis de
análise da gramática (fonética/fonologia, morfologia, sintaxe e léxico), apresentando o
quadro generalizado, mais uma vez simplista, de que os elementos de todas as partes da
gramática são empregados sob a forma vulgar na Cena e sob a forma culta nos demais
capítulos.
Diferentemente dos estudos apresentados, parte-se, no presente trabalho, do
ponto de vista de que tanto os elementos de linguagem oral, quanto os elementos de
linguagem culta se encontram ao longo de todo o texto do Satyricon e a maior

8
Observe-se que o item “verbos depoentes” figura tanto como um indício de que a linguagem de Petrônio
está mais voltada para o latim clássico, bem como é utilizado para corroborar o argumento contrário.

13
incidência de um ou de outro registro em determinados episódios, ou grupo de episódios
está relacionada especificamente ao nível de análise da gramática a que pertence o
processo em questão.
Assim, para que se possam fazer generalizações mais precisas acerca do latim
vulgar do séc. I d. C. a partir do sistema da língua latina utilizado por Petrônio ao longo
do Satyricon, é preciso estabelecer quais seriam os elementos que compõem os registros
oral e culto da língua latina na obra como um todo (sempre um em contraposição ao
outro), tendo como ponto de partida e instrumento de análise as diferentes partes da
gramática.
O objetivo principal deste trabalho é, pois, fazer um levantamento detalhado e
sistemático de elementos de linguagem oral presentes na obra Satyricon, não somente
na Cena Trimalchionis, com vistas a estabelecer com precisão como e onde se emprega
o latim vulgar na obra de Petrônio e, a partir daí, delinear alguns princípios da gramática
do latim vulgar do séc. I d. C., relativos à época, ao espaço geográfico e aos grupos
sociais apresentados por Petrônio. Para uma melhor caracterização das ocorrências de
linguagem oral ao longo do texto por grupos de episódios, a obra será subdividida para
análise em três grandes grupos de episódios:

- episódios iniciais (capítulos 1 a 26);


- episódios da Cena Trimalchionis (capítulos 27 a 78);
- episódios finais (capítulos 79 a 141).

Os processos lingüísticos selecionados para estudo envolvem todas as partes da


gramática e serão agrupados, segundo os princípios da gramática descritiva, em quatro
capítulos:

- Capítulo 1 - fonética/fonologia;
- Capítulo 2 - morfologia;
- Capítulo 3 - sintaxe;
- Capítulo 4 - léxico.

Ao final do estudo, obter-se-á um mapeamento dos elementos de


linguagem oral constantes na obra Satyricon, de acordo com o agrupamento proposto
acima, com a indicação desses elementos de linguagem oral em contraposição com os

14
elementos da linguagem padrão, consideradas as ocorrências nos diferentes grupos de
episódios, ou grupo de episódios; além da análise lingüística desses elementos. Através
desse estudo, pretende-se, enfim, fazer uma exploração sistemática e exaustiva dos
elementos de linguagem oral presentes na obra Satyricon, evitando a apresentação de
dados de forma seletiva e atomística. O agrupamento por tipo de processo lingüístico
permitirá identificar se a obra Satyricon pode ser utilizada como fonte para o estudo de
elementos de linguagem oral de qualquer tipo de processo lingüístico, ou seja, em
qualquer nível de análise, ou se se restringe a algum(ns) tipo(s) mais especificamente,
além de definir quais processos seriam esses e em que grupo(s) de episódio(s) o(s)
mesmo(s) se encontra(m).
Para a identificação de um determinado fato lingüístico como representativo do
latim vulgar, adotaram-se os seguintes critérios:

- comparação entre uma determinada ocorrência no texto de Petrônio e


o tratamento dado em gramáticas do latim clássico a esse mesmo tipo
de ocorrência;
- as características de linguagem oral apontadas por estudos acerca do
latim vulgar, em especial Grandgent (1952) e Maurer Jr. (1959).

Através da utilização de estudos já realizados acerca do latim vulgar, serão


oferecidos dados complementares para a análise dos processos lingüísticos arrolados
nesses estudos; por outro lado, ao contrastar uma determinada ocorrência no Satyricon e
a forma diferenciada da mesma prevista em gramáticas do latim clássico, serão
apresentados novos elementos acerca do latim vulgar. A análise lingüística dos
elementos de linguagem oral identificados na obra Satyricon será feita seguindo-se os
princípios da gramática descritiva de identificação do sistema lingüístico em uso e
caracterização de seu funcionamento.
O estudo inclui, ainda, a tradução completa da obra Satyricon, edição Les Belles
Lettres, com a indicação dos mesmos capítulos e subdivisões dos capítulos anotados na
análise para identificação dos dados. Optou-se por fazer, em todos os casos possíveis,
uma tradução que mantivesse a estrutura latina, uma vez que o objetivo de se incluir a
tradução neste estudo é única e exclusivamente o de permitir que os dados utilizados no
trabalho sejam identificados e entendidos em seus respectivos contextos de ocorrência,
o que, muitas vezes, não é factível através das traduções literárias já existentes, que

15
retiram, ou acrescentam termos e expressões, alguns deles justamente os que foram
objeto do processo de mudança, para tornar a leitura da obra mais agradável, o que
inviabiliza seu uso com esse fim específico.

16
FONÉTICA/FONOLOGIA

I- INTRODUÇÃO

Os sons da fala podem ser abordados sob a perspectiva de duas ciências, em


princípio, diferentes: a fonética e a fonologia. A distinção entre elas se baseia na
diferenciação entre som, definido como unidade fônica em geral, e fonema, definido
como unidade fônica funcional mínima, ou seja, uma imagem fônica capaz de distinguir
um elemento lingüístico de outro (ex.: os sons representados pelas letras b e p em latim,
que distinguem o vocábulo bello do vocábulo pello) (Maniet, 1975, p. 18). No entanto,
identifica-se na lingüística moderna uma tendência a se unir estreitamente ambas as
ciências, acrescentando aos estudos sobre fonética questões relativas à fonologia
(Herrero, 1981, p. 327). A tendência a obliterar esta distinção se evidencia já nas
definições de fonética apresentadas nos tratados sobre o assunto, como por exemplo em
Niedermann (1931, p. 3): "La phonétique est la science des phònemes qui constituent le
langage" (grifo meu)9, ou em Maniet (1975, p. 17): "La phonétique est la science qui a
pour objet les sons du langage articulé ou phonèmes" (grifo meu)10.
Uma das questões essenciais envolvendo os estudos sobre fonética/fonologia é o
cuidado de não se confundirem os sons com as letras do alfabeto, signos convencionais
que os representam na escrita, mas de maneira imperfeita (Maniet, 1975, p. 18; Herrero,
1981, p. 337), já que podem existir, em uma mesma língua, várias grafias para um
mesmo som e, pelo contrário, vários sons podem ser representados por uma única
grafia.
A inexistência de um sistema fônico em que se pode identificar para cada som
uma grafia leva a que se considerem os sons como autônomos em relação à grafia que
os representa11, gerando dificuldade principalmente nos estudos de fonética descritiva
de línguas que possuem apenas o registro escrito (ex.: latim, grego antigo, português
arcaico), que pressupõem a identificação da equivalência entre som/sons e grafia/grafias

9
"A fonética é a ciência dos fonemas que constituem a linguagem".
10
"A fonética é a ciência que tem por objeto os sons da linguagem articulados ou fonemas".
11
O princípio da autonomia entre som e grafia se baseia no principal axioma da lingüística, qual seja, o
princípio de que a relação entre som e significado é arbitrária (Palmer, 1954, p. 209).

17
única e exclusivamente através de textos (Maniet, 1975, p. 18; Herrero, 1981, p. 338).
Essa identificação se torna bastante complexa diante de dois fatores: em primeiro lugar,
as línguas antigas não apresentam uma uniformidade ortográfica12, a partir da qual se
possam estabelecer tais correspondências; em segundo lugar, os manuscritos, que
serviriam de base para descrever o sistema fônico em uso em determinado texto, não
oferecem informações seguras, já que não são contemporâneos dos autores das obras e,
por isso, podem ter sido alterados, apresentando o padrão ortográfico vigente em época
bem posterior13.
Especificamente em relação ao latim, Desbordes (1995, p. 143) afirma que "os
fatores que determinam as grafias latinas são tão numerosos e tão dificilmente
discerníveis que parecem efeito do acaso. Os modernos que tiveram algum interesse
pela questão puderam apenas constatar uma incoerência desconcertante".
A falta de um padrão ortográfico a ser seguido em latim14 deixava aos escritores
a liberdade de escolherem entre adotar o critério etimológico, pelo qual se procurava
grafar o vocábulo atendendo à sua origem, ou o critério fonético, em que se tentava
reproduzir a pronúncia (Faria, 1995, p. 41). Desbordes (op. cit., p. 152) generaliza a
adoção desses critérios de acordo com o período da língua latina correspondente ao
texto. Assim, na República coexistiriam as duas tendências, no início do Império teria
havido a procura sistemática por uma ortografia legitimamente baseada na oralidade e,
mais tarde, a opção pela ortografia baseada na autoridade dos antigos.
Em função desses dois critérios, os manuscritos não são tidos como fontes
confiáveis para a reconstrução do sistema fônico do latim; o conhecimento deste apenas
é possível se se considerar15:

- o testemunho dos antigos gramáticos latinos (Varrão, Vélio Longo,


Terenciano Mauro, dentre outros);
- as observações ocasionais de outros autores latinos, tais como Cícero e
Quintiliano, sobre questões de fonética;

12
Segundo Desbordes (1995, p. 145), a preocupação com a uniformidade ortográfica é uma característica
do homem moderno que se manifesta a partir do séc XIX.
13
Herrero (1981, p. 30) afirma que nenhum dos manuscritos clássicos conservados até o presente é
autógrafo ou copiado durante a vida de seu autor.
14
Faria (1957, p. 118) afirma que "não havia sistema uniforme de escrita seguido por todos os escritores
(nunca houve em latim). Havet (apud Desbordes, 1995, p. 146) declara que "não existe ortografia latina.
A própria palavra ortografia é um contra-senso quando se trata do latim".
15
Obras utilizadas para a enumeração das fontes consideradas confiáveis para a reconstrução do sistema
fônico do latim: Maniet (1975, p. 19), Herrero, 1981, p. 338, Faria, 1995, p. 42).

18
- a escrita fonética de muitas inscrições latinas;
- as grafias gregas de palavras ou de nomes latinos, e vice-versa;
- a comparação do latim com as línguas românicas.

Apesar das restrições em relação ao estudo de questões fonéticas com base em


textos tais como o Satyricon, cujos manuscritos podem ter sido alterados no decurso da
transmissão, mas sem perdê-las de vista, proceder-se-á à descrição do padrão fonético
presente no texto, subdividindo-se o estudo em:

a) sistema vocálico;
b) sistema consonântico.

Em ambos os sistemas, o estudo estará delimitado às grafias que se diferenciam


do padrão clássico, na tentativa de registrar os pontos de interferência do registro oral na
modalidade escrita da língua latina.

II- SISTEMA VOCÁLICO

O sistema vocálico do latim clássico é composto por duas séries de cinco vogais
cada uma, diferentes entre si apenas pela quantidade longa (ā ē ī ō ū) e breve (ă ĕ ĭ ŏ
ŭ) (Palmer, 1954, p. 156; Rohlfs, 1963, p. 42; Maniet, 1975, p. 22). Combinadas entre
si, duas vogais de timbre diferente, mas com uma única tensão, formam ditongos, que
em latim clássico são três: ae oe au (Maniet, 1975, p. 25; Machado, 1940, p. 84;
Niedermann, 1931, p. 82). Na transliteração de palavras tomadas de empréstimo ao
grego contendo a vogal -υ-, havia ainda o emprego da letra -y-, estranha ao alfabeto
latino, no lugar da correspondente latino -u- (Väänänen, 1985, p. 81).
A quantidade longa ou breve das vogais representava uma distinção fonêmica
em latim clássico, isto é, se constituía em única marca de diferenciação entre vocábulos
(ex.: rosă e rosā, respectivamente, nominativo e ablativo singular de tema em –a)
(Palmer, 1954, p. 155; Maniet, 1975, p. 22). Através do testemunho das línguas
românicas e de descrições de gramáticos antigos, pode-se dizer que, na pronúncia, a

19
diferença entre vogais longas e breves se manifestava pelo timbre mais fechado com
que se produziam as vogais longas (Maniet, 1975, p. 22)16.
As mudanças no sistema vocálico do latim clássico que se processaram no latim
vulgar, identificadas através de confusões na escrita, envolvem duas grandes
transformações: a eliminação da distinção entre vocábulos baseada na quantidade e a
generalização do processo de monotongação.
A perda do valor funcional da quantidade é apontada como a mais importante
modificação do sistema vocálico no latim vulgar, que passou a considerar todas as
vogais acentuadas como longas e todas as vogais não acentuadas como breves (Palmer,
1954, p. 155).
O novo sistema vocálico passou a compreender uma série de vogais,
diferenciadas entre si pelo grau de abertura (a, e aberto, e fechado, i, o aberto, o
fechado, u) (Palmer, 1954, p. 156; Rolhfs, 1963, p. 42). Essas alterações se refletem nos
textos através da instabilidade na grafia principalmente de vogais átonas, em sílaba
intermediária, que podem desaparecer completamente (processo fonético denominado
de síncope); ou ter seu timbre modificado (processo que recebe a denominação de
apofonia).
A ocorrência de síncope é, em geral, associada à rapidez com que se
pronunciavam as sílabas breves átonas, na linguagem familiar em latim (Niedermann,
1931, p. 47; Väänänen, 1985, p. 89)17. No entanto, a síncope, comum principalmente
em sílabas posteriores à sílaba tônica (como por exemplo em calǐdus/caldus)18, não é
um processo que possa ser considerado como “mudança lingüística”, ou “lei fonética”,
uma vez que atinge de maneira irregular os diversos vocábulos que apresentam o
mesmo ambiente fonético, favorável a sua ocorrência, o que não permite que se
estabeleça com precisão quando o fenômeno deve ou não ocorrer (Maniet, 1975, p. 132;
Väänänen, 1985, p. 87).
A apofonia, modificação do timbre das vogais breves em sílaba medial, é uma
alteração que ocorre em latim condicionada pelo lugar em que a vogal ocupa na palavra
e por efeito da intensidade inicial das palavras (Juret, 1913, p. 256; Niedermann, 1931,
p. 27; Herrero, 1981, p. 343). O timbre mais ou menos fechado (u ou i,

16
Maurer Jr (1959, p. 10-11) apresenta discussão sobre o timbre das vogais longas e breves, a partir de
autores que questionam a associação entre vogal longa/timbre fechado e vogal breve/timbre aberto.
17
Para Jespersen (1949, p. 328), a síncope é um processo, presente em todas as línguas, que reflete a
tendência fonética universal de encurtar as palavras.
18
A forma plena calǐdum é qualificada de pedante (otiosum) por Quintiliano (Inst. Orat. I, 6, 19).

20
respectivamente) que a vogal passa a assumir varia conforme a consoante seguinte
(Machado, 1940, p. 76)19.
Também o processo de monotongação se tornou geral em latim a partir de
contextos em que o ditongo se encontrava em sílabas átonas, já no período republicano,
tendo estendido-se para as sílabas tônicas no séc. I d. C. (Palmer, 1954, p. 156) e
representa a manutenção de uma tendência evidente em latim desde o começo da
tradição escrita, quando o grupo de cinco ditongos (ou, oi, ei, ai, au) se reduziu a três
no latim clássico (Väänänen, 1985, p. 83) Apenas um dos três ditongos do latim clássico
(o ditongo au) permaneceu como ditongo até nas línguas românicas; os demais ditongos
- ae e oe - se tornaram e aberto e e fechado, respectivamente (Climent, 1962, p. 74-
76)20.

II.1- LISTAGEM DE ALTERAÇÕES NO SISTEMA VOCÁLICO

A partir da discussão apresentada acima acerca das principais alterações


fonéticas ocorridas no sistema vocálico do latim vulgar, os pontos de divergência
identificados ao longo do Satyricon em relação ao padrão clássico serão listados para
análise em três tabelas, que expressam o processo fonético envolvido:

a) síncope21;
b) apofonia;
c) monotongação.

Cada uma das tabelas está organizada em três colunas, em ordem alfabética. A
primeira coluna contém as formas padrão e/ou alteradas, estas últimas apenas nos casos
em que se encontrem indicadas em verbete separado nos dicionários consultados
(basicamente Lewis & Short e F. Gaffiot), seguidas de sua tradução na(s) acepção(ções)

19
Williams (1961, p. 17) descreve um processo puramente ortográfico de modificação de e em i e de o
em u, freqüente em documentos do latim medieval, que decorre de confusão entre essas duplas de letras,
e que não deve ser confundido com casos de apofonia.
20
A monotongação do ditongo au em o, que ocorre em textos latinos, é a expressão de uma pronúncia
considerada rústica, que teria penetrado em Roma nos séc. II e I d. C., principalmente nas camadas mais
baixas (Climent, 1962, p. 74) e seria um processo diferente da posterior monotongação de au nas
diferentes línguas românicas (Palmer, 1954, p. 156; Väänänen, 1985, p. 85).
21
Diferentemente de Niedermann (1931, p. 49), não foram listados como casos de síncope os compostos
de iacere grafados com apenas um i (ex.: proicere, coniciet, conicias, deiciebat, coniciamus), uma
vez que estes foram considerados como contração de vogais (crase), após a apofonia de a para i.

21
utilizada(s) por Petrônio. A segunda coluna traz as formas alteradas identificadas no
texto do Satyricon e a terceira lista as formas padrão presentes na obra, cada uma das
ocorrências acompanhada da indicação de sua localização no texto (capítulo e
subdivisão de capítulo).

A) Síncope

Verbete Forma sincopada Forma plena


1- bubŭlus, -a, -um: bublum (44, 12) bubulae (35, 3)
relativo ao boi
2- calefǎcio, -feci, - calfacti (28, 1) -
factum: aquecer calfecit (41, 11)
3- calǐdus, -a, um: caldum (66, 3) (67, 10) -
22
quente caldam (65, 7) (68, 3)
calda (41, 11)
4- dexter, -ĕra, -ĕrum: dextrum (32, 4) dexteram (71, 11) (74,
direito dextro (30, 5) 2)
dextros (30, 7) (30, 9)
dextram (121, 1, 100) (122,
1, 167) (133, 2, 8)
dextrae (121, 1, 100)
dextra (124, 1, 263) (124, 1,
277) (134, 5)
5- fericŭlum/fercŭlum, -i ferculis (21, 7) fericulo (68, 2)
(n): bandeja ferculo (41, 9) fericulum (60, 7) (69, 7)
ferculum (35, 1) (39, 1) (66, fericulus (39, 4)
3)
6- lamǐna, -ae (f): lâmina lamna (57, 4) lamina (32, 4)
lamnam (58, 8)
7- offǔla, -ae (f): pequeno offla (56, 8) (58, 2) -
pedaço offlam (56, 9)

22
Como o adjetivo caldicerebrius (45, 5 e 58, 4) ocorre apenas sob a forma sincopada, considerou-se que
este neologismo de Petrônio tenha sido formado a partir de caldus e não de calĭdus, motivo pelo qual foi
excluído da listagem.

22
8- pedicǔlus, -i (m): peduclum (57, 7) -
piolho
9- ridicǔlus, -a, -um: ridiclei (57, 8) ridiculum (54, 3)*
ridículo
10- scribilita/scriblīta, - scriblita (35, 4) sciribilita (66, 3 - bis)
ae (f): pastel de queijo
11- stipĕs, -ǐtis (m): stips (43, 5) stipite (124, 1, 263)
idiota (136, 2)
12- struthiocamelus, i struthocamelus (137, 4) -
(m): avestruz
13- uincŭlum, -i (n): uincla (102, 12) uinculo (97, 5) (102, 1)
corda uinculum (114, 12)
(126, 17)
uincula (123, 1, 188)
(136, 4)

B) Apofonia

Verbete Forma alterada Forma padrão


1- apoculo, -aui, -atum: apocalo (67, 3) apoculamus (62, 3)
desaparecer
2- camera, -ae (f): arco camaram (40, 1) camera (30, 3)
cameram (73, 3)
3- caunĕae, -arum (f): figos cauniarum (44, 13) -
secos (da cidade de Caunus)
4- Corinthĭus, -a, -um: de Corinthea (50, 2) (50, Corinthius (31, 9)
Corinto 4) (50, 5) (50, 6) Corinthia (50, 1)
Corintheum (50, 4)
5- cymba, -ae (f): barca cumba (121, 1, 118) -
6- decĭmus, -a, -um: décimo decumam (37, 9) -
decuma (89, 1, 1)
7- diuerbĭum, -ii (n): diálogo deuerbia (64, 2) (64, 4) -

*
Texto incerto.

23
8- dupondiarius, -a, -um: sem dupunduarius (58, 4)
valor dipundiarius (74, 15)*
9- dupondius, -ii (m): dois dipondium (14, 3) dupondii (58, 14)
asses dupundii (58, 4)
10- huc: para aqui hoc (39, 8) huc (17, 9) (23, 3, 1 -
bis) (37, 1) (77, 5) (79,
2) (80, 2) (89, 1, 8)
(101, 5) (113, 8) (114,
3) (133, 2, 5) (141, 8)
11- illuc: ali illoc (39, 8) illuc (37, 1) (101, 5)
(114, 3)
12- inclŭtus, -a, -um: ilustre inclita (133, 2, 2) -
13- ipsĭmus, -a, um: o(a) ipsumam (69, 3) ipsimi (63, 3)*, (75, 11)
dono(a) da casa (76, 1)
ipsimae (75, 11)
14- istuc: para aí istoc (57, 10) -
15- lacrĭma, -ae (f): lágrima lacrumas (9, 2) lacrimas (17, 2) (18, 1)
lacrumis (91, 4) (24, 1) (57, 1) (75, 3)
(89, 1, 17) (91, 8) (105,
11) (110, 3) (111, 4)
(111, 8) (115, 12)
lacrimis (18, 4) (81, 1)
(99, 2) (101, 8) (134, 5)
lacrimae (113, 9)
lacrimarum (117, 6)
16- lineamentum, -i (n): traço liniamenta (110, 2) -

*
Texto incerto.

24
17- monumentum, -i (n): monimenta (62, 4) monumenta (65, 5)
monumento (111, 6)
monumentum (71, 5)
(71, 7) (71, 8) (111, 8)
(112, 3) (112, 4) (113,
2)
monumenti (71, 9) (74,
17) (111, 4)
18- nausĕa, -ae (f): enjôo nausia (74, 6) nauseam (78, 5)
nausea (103, 5)
19- neglĕgens, entis: negligens (128, 1) -
indiferente
20- ossicŭlum, -i (n): ossinho ossucula (65, 11) -
21- paratissĭmus, -a, -um: paratissumus (31, 6)* -
muito bem preparado
22- pedicŭlus, -i (m): piolho peduclum (57, 7) -
23- pertracto, -aui, -atum: pertrectaui (79, 10) pertractato (24, 7)
tocar
24- praefiscine: inofensivo praefiscini (73, 6) -
25- regĭmen, -ĭnis (n): direção regumen (123, 1, 235) -
26- robigo, -ĭnis (f): ferrugem rubigine (124, 1, 274) -
27- tricenties: trezentas vezes trecenties (71, 12) (76, tricenties (45, 6)
4) (88, 8) (117, 8)
28- ualetudo, -ĭnis (f): saúde ualitudinem (61, 1) (88, -
8)
29- uulpes, -is (f): raposa uolpis (58, 12) uulpes (44, 14)

C) Monotongação

Verbete Forma monotongada Forma ditongada


1- cauda, -ae (f): cauda coda (44, 12) cauda (89, 1, 38)

*
Texto incerto.

25
2- caudex, ĭcis (m): codex (74, 13) caudice (135, 8, 6)
tronco de árvore
3- caulicŭlus/colicŭlus coliculi (132, 8, 2) -
(m): caule
4- caupo, -onis (m): copones (39, 12) (61, 6) cauponi (98, 1)
taberneiro copo (62, 12)
5- claudo, clausi, clusissem (57, 2) clausus (55, 6, 2)
clausum: fechar cluso (63, 8) claudit (122, 1, 147)
clausum (137, 9, 10)
6- lautus, -a, -um: lota (30, 11) lauta (31, 8)
lavado, louvável lotam (40, 7) lautum (65, 10)
lautas (137, 12)
7- nenĭa/naenĭa, -ae (f): nenias (46, 4) (47, 10) naenias (58, 7)*
canto fúnebre
8- paene: quase pene (136, 6) paene (15, 2) (29, 1)
(33, 7) (62, 10) (64, 3)
(64, 9) (66, 5) (70, 11)
(79, 3) (88, 5) (92, 6)
(100, 4) (113, 9) (115,
11) (126, 15) (140, 6)
9- plaudo, plausi, plodo (45, 13) plaudentibus (25, 3)
pausum: aplaudir plaudentes (26, 1)
plaudentem (67, 5)
plaudebat (70, 10)
plaudente (119, 1, 18)
10- scaena, -ae (f): cena scenam (5, 1, 7) (33, 5) scaena (80, 9, 5)
scena (117, 2) scaenae (117, 10) (126,
6)

*
Texto incerto.

26
II.2- ANÁLISE DOS DADOS

As alterações no sistema vocálico do Satyricon, identificadas a partir de


divergências entre a forma grafada no texto e a forma indicada como padrão nos
dicionários consultados, refletem, por um lado, as tendências gerais apresentadas na
discussão que antecede a listagem, mas, por outro lado, apresentam alguns dados ainda
não levados em consideração.
Em relação ao processo de síncope, observa-se que as ocorrências das formas
sincopadas se concentram no grupo de episódios da Cena e no poema sobre a guerra
civil (capítulos 119 a 124 dos episódios finais) e reafirmam a tendência de se realizar a
síncope nas vogais ĕ ǐ ǔ pós-tônicas em sílaba medial (vocábulos 1, 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 13).
As razões que levam ao emprego das formas sincopadas nesses contextos são motivadas
pela diminuição de uma sílaba que ocorre quando há a síncope e resultam em maior
rapidez na pronúncia, no caso dos diálogos e narrações dos episódios da Cena, além de
permitir moldar o vocábulo segundo a métrica, para os poemas. No entanto, as formas
plenas são também freqüentes nos mesmos grupos de episódios, o que confirma que a
síncope não se caracteriza como "lei fonética", mas como um recurso de que o
falante/escritor lança mão de maneira assistemática. Os demais vocábulos apresentam
síncope em vogais pré-tônicas (ocorrências 2, 5, 10 e 12) e pós-tônicas (ocorrência 11),
aos quais se aplica a mesma motivação de diminuição de uma sílaba23.
Os casos de apofonia listados na tabela B) envolvem, em sua maioria, a
alternância entre três pares de vogais: -e-/-i- (vocábulos 3, 4, 7, 16, 18, 19, 24, 27 e 28),
-i-/-u- (vocábulos 6, 8, 9, 12, 13, 15, 17, 20, 21, 22 e 26), -o-/-u- (vocábulos 8, 9, 10,
11, 14, 26 e 29). As demais formas (vocábulos 1, 2, 5 e 23) alternam -a-/-e-, -a-/-u- e -
u-/-y-. Nos diversos pares em que ocorre a apofonia, não se pode indicar uma direção
única para a alternância (-o- alterna com -u- e vice-versa, por exemplo), nem identificar
o contexto favorável a sua ocorrência. Esta falta de sistematicidade se deve à influência
de fatores não fonéticos sobre a escolha da grafia que melhor representa os sons
vocálicos que se deseja reproduzir em latim, alterando a tendência geral de que as
vogais de timbre mais aberto tendem a se fechar, tomando um grau de abertura menor,
numa escala que vai de -a- até -u-. São eles:

23
É interessante notar que a ocorrência 10 apresenta o movimento contrário ao de diminuição de sílaba,
uma vez que a forma plena sciribilita, empregada duas vezes em seqüência na fala de Habinas, possui
duas sílabas a mais, por causa da inserção de um -i- entre as consoantes -c- e -r- que não pode ser
justificado, senão por hipercorreção.

27
a) a força da grafia etimológica;
b) o emprego de grafias arcaicas;
c) a oscilação de emprego dos padrões ortográficos gregos, ou latinos na grafia
de palavras tomadas de empréstimo ao grego.

A força da grafia etimológica se evidencia, por exemplo, nos vocábulos 7 e 27


(deuerbia por diuerbia, trecenties por tricenties), em que a forma clássica, com
apofonia, é substituída pela forma sem apofonia, devido ao prefixo de e ao numeral
tres, presentes na formação dos vocábulos. Como exemplos de emprego de grafias
arcaicas, podem-se citar os vocábulos 6 e 15, com alternância de -u- para -i-, uma
alteração contrária à apofonia. A oscilação na grafia de palavras tomadas de empréstimo
ao grego24 não reflete, propriamente, o fenômeno da apofonia, mas está relacionada a
ele por envolver a alternância entre vogais, como, por exemplo, no vocábulo 2, que é
utilizado no Satyricon sob as formas camera(m) e camara, esta última em função da
forma grega кαµάρα.
O processo de monotongação, identificado no Satyricon, envolve apenas os
ditongos -au- e -ae-, que passam, respectivamente, a -o-/-u- e -e-. Os vocábulos 1, 2, 3,
4, 6 e 9 exemplificam a monotongação de -au- em -o-, considerada como uma marca de
rusticidade (cf. discussão feita acima na seção "Sistema Vocálico"), o que é confirmado
pelo fato de as formas monotongadas ocorrerem quase que exclusivamente nos
episódios da Cena (à exceção do vocábulo 6), podendo ser analisada como um recurso
estilístico utilizado por Petrônio, para caracterizar a fala dos personagens25. A
monotongação de -au- em -u- ocorre apenas no vocábulo 5 e pode ser creditada à
analogia com as formas compostas do verbo claudo (por exemplo, excludo). A análise
dos vocábulos que apresentaram a alteração de -ae- para -e- (itens 7, 8 e 10) demonstra
que, diferentemente do ditongo -au-, o processo de monotongação não pode ser
caracterizado como um recurso estilístico, uma vez que as formas com e sem ditongo
ocorrem indistintamente ao longo de todos os grupos de episódios.

24
O estudo detalhado das palavras tomadas de empréstimo ao grego utilizadas por Petrônio ao longo do
Satyricon encontra-se no capítulo que analisa o léxico da obra.
25
Os vocábulos 1, 2 e 4 deixam bem maracda esta diferenciação, uma vez que as formas monotongadas
(coda, codex, copo/copones) ocorrem nos episódios da Cena, enquanto que as formas com ditongo
(cauda, caudice, cauponi) ocorrem nos episódios finais.

28
II.3- CONCLUSÃO

As dados analisados acima esboçam um quadro de instabilidade no sistema


vocálico, uma conseqüência da falta de um modelo ortográfico a ser seguido por todos.
As ocorrências de síncope e algumas das ocorrências de monotongação
demonstraram estar sendo utilizadas como recurso estilístico por Petrônio, o que dá
mais garantia de que sejam realmente relativas ao padrão fonético vigente no séc. I d.
C.; a partir disso, pode-se concluir que esses processos não chegaram a se configurar
como transformações fonéticas (ou "leis fonéticas") e sua ocorrência se manteve como
esporádica nos diversos períodos da língua latina.
As ocorrências de apofonia, por sua vez, não se encontram relacionadas aos
diferentes grupos de episódios do Satyricon, ausência interpretada como um indício de
que possam ter sido alteradas no decurso da transmissão, retratando o sistema vocálico
da época posterior, em que foi feito o registro escrito.

III- SISTEMA CONSONÂNTICO

O sistema consonântico do latim clássico compreende dezesseis fonemas,


diferentes entre si pelo modo de articulação (oclusivo x constritivo, oral x nasal, surdo x
sonoro) e pelo ponto de articulação (labial x dental x velar x lábio-velar x fricativa), aos
quais se acrescentam as semivogais (Maniet, 1975, p. 26; Maurer Jr. 1959, p. 25),
conforme demonstra o quadro abaixo:

surdas sonoras
(bi)labiais p b
Oclusivas dentais t d
velares c (k) g
lábio-velares qu gu
fricativas s, f -
Constritivas líquidas - m, n, r, l
semivogais - i, u

29
Além dessas consoantes e semivogais, havia ainda os correspondentes latinos de
algumas consoantes gregas - as aspiradas χ θ φ ρ΄ e a letra ζ - grafadas,
respectivamente, ch, th, ph, rh, z, que foram introduzidos em latim por influência
puramente erudita, já no começo do séc. I a. C. (Maurer Jr, 1959, p. 24).
As principais mudanças em relação ao quadro acima que se processaram no
latim vulgar geralmente apontadas são26:

a) mudança do ponto de articulação do -b- intervocálico de consoante


oclusiva bilabial para constritiva fricativa bilabial, gerando pronúncia
idêntica à de -u- consonântico;
b) palatalização das consoantes -c- e -g- e da seqüência -ti- antes de
vogal;
c) sonorização de consoantes oclusivas surdas em posição intervocálica;
d) perda da marca de aspiração (-h-) nas palavras tomadas de
empréstimo ao grego e queda de -h- em palavras em geral;
e) eliminação do apêndice labial das consoantes oclusivas velares surdas
(-qu- e -gu-);
f) apócope de -m- e -t-.

A passagem do som do -b- intervocálico para o de uma consoante fricativa


bilabial se deu, segundo Niedermann (1931, p. 117), a partir do séc. I d. C., mesma
época em que a semivogal -u- se teria transformado em fricativa, mudança que se pode
confirmar pelo Appendix Probi, através da indicação de pares tais como "plebis non
pleuis" (Palmer, 1954, p. 158).
O processo de palatalização das consoantes -c- e -g- e da seqüência -ti- se deu
em diferentes épocas, entre os séculos II e VI d. C.; a sonorização de consoantes
oclusivas surdas em posição intervocálica, uma característica das línguas românicas
ocidentais, é um fenômeno datado a partir do séc. V (Palmer, 1954, p. 158), apesar de
representar uma redução antiga, como, por exemplo, na formação clássica do particípio
passado secutus a partir de sequor (Väänänen, 1985, p. 105).
A notação da aspiração em palavras tomadas de empréstimo ao grego através da
grafia -h- representava a utilização de um recurso artificial, que deixou de ser
empregado por volta do começo do séc. I a. C. (Niedermann, 1931, p. 112). De fato, o -

30
h- não era considerado uma littera pelos gramáticos romanos, mas uma simples nota
aspiratonis (Niedermann, 1931, p. 135; Rohlfs, 1963, p. 23; Desbordes, 1995, p. 158).
No entanto, seu uso foi restabelecido pela "sociedade cultivada" no período clássico,
passando a ser um indicador de nível cultural, o que levou as camadas mais baixas a
empregarem o -h- de modo abusivo, em palavras em que seu uso não era justificado
(hipercorreção) (Niedermann, 1931, p. 136; Maurer Jr., 1959, p. 37; Väänänen, 1985, p.
111), ao mesmo tempo em que se presenciava a queda do -h- nos vocábulos em geral,
mesmo os que não eram de origem grega (ex.: abet por habet, nos muros de Pompéia)
(Rohlfs, 1963, p. 24).
A queda das consoantes -m- e -t- em posição final, de que se têm exemplos em
inscrições, se deu em todos os vocábulos desde tempos remotos (Palmer, 1954, p. 158;
Kieckers, 1960, p. 154-155).
Os grupos consonantais, por sua vez, apresentam menor estabilidade e cedem
mais facilmente a processos de mudança, geralmente condicionados pela dificuldade de
se pronunciarem os fonemas consonânticos que entram em contato. Os mais comuns
desses processos são27:

a) a assimilação (ex.: officina, e não opficina);


b) a dissimilação (ex.: a forma caeruleus, e não *caeluleus, de caelum);
c) a haplologia (ex.: fastidium, e não *fastitidium, de fasti- + -tidium);
d) a metátese (leriquiae por reliquiae);
e) a simplificação de consoantes geminadas (stela, por stella).

Dentre os processos enumerados acima, apenas a simplificação de consoantes


geminadas não é condicionada por fator fonético, uma vez que se constitui na
eliminação de artifício ortográfico, empregado para indicar uma articulação em dois
tempos (mais longa) (Machado, 1940, p. 113; Väänänen, 1985, p. 159). Segundo Faria
(1995, 48), a tendência à não geminação das consoantes é característica da língua latina
apenas até o século II a.C., o que confirma a tese de Graur (1929, p. 102), para o qual o
emprego de consoantes simples no lugar de geminadas em épocas posteriores representa
a manutenção de um estado antigo da língua.

26
Fontes utilizadas para enumeração das mudanças: Palmer (1954) e Niedermann (1931).
27
Fontes utilizadas para enumeração dos processos mais comuns e indicação de exemplos: Niedermann
(1931), Maniet (1975).

31
III.1- LISTAGEM DE ALTERAÇÕES NO SISTEMA CONSONÂNTICO

A partir da discussão apresentada acima acerca dos principais processos de


mudanças fonéticas operadas no latim vulgar, as alterações no sistema consonântico do
Satyricon foram subdivididas nos seguintes itens:

a) alterações em consoantes simples;


b) alterações em grupos consonantais.

Em ambos os itens, foram listados os vocábulos empregados no Satyricon que


envolvam os processos de mudança fonética contemplados na discussão, cujas grafias
representativas dos sons consonantais não condizem com o sistema consonântico
considerado padrão28, mesmo que já estejam previstas no dicionário como forma
secundária.
As alterações em consoantes simples estão organizadas em subitens, intitulados
de acordo com o processo de mudança envolvido. Cada um dos subitens lista a(s)
ocorrência(s) que representa(m) o processo considerado, com a indicação de sua
localização no texto, seguida da forma não alterada e de sua(s) ocorrência(s) no texto,
quando identificadas. Sempre que se julgou necessário, foram feitas observações sobre
o processo fonético em questão, com a indicação de ocorrências do Satyricon
pertinentes ao fato.
As alterações em grupos consonantais identificadas no Satyricon estão
organizadas em quatro diferentes subitens: dissimilação, metátese, assimilação e
simplificação de consoantes geminadas. A listagem dos vocábulos que apresentam os
processos de dissimilação, metátese e simplificação de consoantes geminadas segue o
mesmo padrão de organização descrito para as alterações em consoantes simples acima.
Devido ao maior volume de dados, a listagem dos vocábulos em que se identificou o
processo de assimilação foi organizada em uma tabela, que apresenta a forma
dicionarizada da palavra (forma não assimilada) e seu significado. A seguir, indicam-se
a(s) forma(s) assimilada(s) identificada(s) no texto. Ao final da tabela, encontram-se
observações com dados complementares, julgados importantes para uma melhor
compreensão do processo de assimilação.

28
Foram consideradas formas padrão as indicadas como principais nos verbetes dos dicionários de Lewis
& Short e F. Gaffiot.

32
III.1.1- Alterações em consoantes simples

a) emprego de -b- por -u- consonântico:


1- berbex (57, 1) por ueruex

b) eliminação do apêndice labial das consoantes oclusivas velares (-qu- e -gu-):


1- cocos (38, 15) por coquos

Obs.: Em sentido oposto ao da eliminação do apêndice bilabial das consoantes


oclusivas velares surdas, encontram-se no texto vários exemplos de emprego da
grafia -qu- em vocábulos em que a mudança já se havia efetuado. São eles:

1- quamplures (21, 4) por complures


2- quom (38, 8) por cum
3- quotidie (10, 5) (44, 12) (75, 10) (117, 6) (117, 10) (125, 2) (140, 2)
por cottidie/cotidie (42, 1-bis) (46, 8)

c) perda da marca de aspiração (-h-)

c.1- em palavras tomadas de empréstimo ao grego:

1- scolastici (39, 5) por scholastici (10, 6)


2- scolasticorum (6, 1) por scholasticorum
3- scolasticos (61, 4) por scholasticos
4- tropaeis (122, 1, 172) por trophaeis
5- elleboro (88, 4) por helleboro
6- spintriam (113, 11) por sphinthriam
7- cordae (66, 7) por chordae
8- freneticus (63, 10) por phreneticus (115, 5 - phrenetico)
9- tisicus (64, 3) por phthisicus

33
c.2- em palavras latinas em geral:

10- adibitis (116, 9)* por adhibitis (45, 12 - adhibite) (101, 3 -


adhibuisse);
11- deprensam (119, 1, 51) por deprehensam (22, 5 - deprehensos) (45,
7; 98, 6; 129, 2 - deprehensus) (53, 10 - deprehensa);
12- mi (15, 8) (76, 5) (76, 7) (76, 11) (77, 2) (90, 4) (116, 4) por mihi (1, 1)
(6, 1) (7, 4) (8, 1) (8, 4-bis) (9, 4) (10, 6) (12, 5) (14, 1) (21, 1) (30, 11)
(32, 3) (33, 1-bis) (33, 7) (37, 3) (39, 4) (41, 12) (42, 4) (45, 10) (46, 1)
(46, 8) (47, 2-bis) (47, 3) (47, 6) (48, 4) (48, 7) (50, 7-ter) (52, 8) (53, 6)
(53, 8) (54, 3) (56, 3) (57, 5) (57, 10) (61, 4) (61, 8) (62, 5) (62, 10) (63,
1) (64, 2) (67, 1) (69, 3) (71, 6) (71, 8) (74, 6) (76, 11-bis) (77, 3) (77, 6)
(78, 2) (79, 7) (79, 9) (80, 7) (81, 3) (87, 1) (88, 1) (94, 3) (96, 7) (98, 6)
(104, 1) (104, 2) (105, 2) (108, 14, 4) (112, 7) (113, 7) (121, 1, 104)
(121, 1, 109) (127, 1) (127, 4) (127, 5) (129, 1) (129, 3) (129, 9) (130, 6)
(132, 7) (132, 10-bis) (133, 1-bis) (133, 2, 12) (134, 2) (134, 12, 1) (134,
12, 4) (134, 12, 6) (137, 11) (139, 5) (140, 12).
13- au, au ! (67, 13) por hau, hau !

III.1.2- Alterações em grupos consonantais

A) Dissimilação

1- gizeria (66, 2) por gigeria

B) Metátese

1- accersere (37, 1) (101, 10)* por arcessere (122, 1, 158)


2- accerse (121, 1, 117) por arcesse
3- accersito (139, 3) por arcessito (102, 15)

*
Texto incerto.
*
Texto incerto.

34
C) Assimilação

1- exsecror, -atus: amaldiçoar


execratus (103, 5)
2- exsero, -rui, rtum: tirar
exeruit (114, 10)
3- exsilium, -ii (n): exílio
exilio (81, 4)
4- exspectatio, -onis (f): desejo
expectatio (27, 7)
expectatione (35, 1) (47, 10)
5- exspecto, -aui, -atum: esperar
expectauimus (17, 2)
expectarem (19, 4) (136, 10)
expectata (47, 11)
expectabam (50, 3)
expectes (55, 3)
expectantes (60, 2)
expectanti (85, 6)
expectare (86, 6) (131, 1)
expectantem (94, 7)
expectaturum (112, 6)
expecto (114, 12)
expectat (115, 9)
expectant (125, 2)
expectabant (141, 7)
6- exspiro, -aui, -atum: exalar
expirabo (72, 5)
expirasse (112, 3)
7- exspuo, -pui, -putum: expelir
expuit (44, 9)
expuere (131, 5)

35
8- exstinguo, -nxi, -nctum: extinguir
extinxit (88, 5) (94, 4) (122, 1, 130)
extinxerat (126, 18)
extincta (134, 12)
extincti (111, 8) (140, 1)
9- exstruo, -xi, -ctum: acumular
extrui (118, 2)
10- exsul, -ulis (m/f): exilado
exul (55, 6, 7) (81, 3) (122, 1, 162)
exulem (100, 4) (100, 7)
11- exsulto, -aui, -atum: exaltar
exultantes (109, 6)
exultans (131, 7)
12- inexspectatus, -a, -um: não esperado
inexpectato (100, 5)

Observações:

1- O grupo consonantal exs- aparece uma única vez ao longo do Satyricon:


exstruere (84, 2).

2- Os compostos por outros prevérbios (principalmente ad-, cum-) apresentam


uma oscilação maior na grafia de palavras com e sem assimilação. Vejam-se os
exemplos:
→ conlibertis (57, 1) - collibertos (38, 6), colliberti (59, 1)
→ adplicuit (24, 6), adplicui (25, 5) - appliciti (22, 2), applicitus
(114, 8)
→ adfirmaui (25, 3) - affirma (101, 8), affirmauit (139, 5)

3- Alguns compostos aparecem nos diferentes manuscritos ora sob a forma


assimilada, ora sob a forma não assimilada. São eles:
→ adflauit/ afflauit (2, 7)
→ adnuissetis/ annuissetis (18, 5)

36
→ adplicuerat/ applicuerat (26, 4)
→ inligatae/ illigatae (109, 7)
→ adflictantem/ afflictantem (111, 3)
→ adsidebat/ assidebat (111, 4)
→ adfulsisse/ affulsisse (111, 5)

D) Simplificação de consoantes geminadas

1- besalis (58, 5)
2- cotidie (42, 1) (46, 8)
3- matus (41, 12)
4- quotidie (10, 5) (75, 10) (125, 2)
5- stelio (50, 5)

Observações:

1- O vocábulo sagi(t)tario (39, 11) oscila entre as formas com consoante simples
e geminada em diferentes manuscritos.
2- A grafia com consoante geminada é injustificada para o vocábulo
ballaenaceam (21, 2).

III.2- ANÁLISE DOS DADOS

Os dados relativos às alterações em consoantes simples revelam que, dentre os


principais processos fonéticos por que passou o latim vulgar considerados na discussão
anterior, foram identificados exemplos de três: emprego de -b- por -u- consonântico,
eliminação do apêndice bilabial das consoantes oclusivas velares e queda da marca de
aspiração. No entanto, o pequeno número de ocorrências desses processos demonstra
que estes são, de fato, casos isolados, e não a representação do processo fonético em si.
O fato de se ter identificado um número maior de re-inclusão do apêndice labial
em consoantes oclusivas velares representa um arcaísmo na grafia do Satyricon.

37
A não representação gráfica da aspiração em palavras tomadas de empréstimo ao
grego ocorre em todos os grupos de episódios da obra, não se caracterizando, pois,
como um estigma indicador de baixo nível de instrução. Em palavras latinas, a queda de
-h- parece ser favorecida pela possibilidade de crase entre as vogais anterior e posterior
ao -h-; porém, o número de ocorrências de formas com -h- é muito superior, o que
caracteriza o emprego de -h- como padrão na grafia do Satyricon. Não foram
identificadas ocorrências de hipercorreção (inclusão indevida de -h-).
As alterações em grupos consonantais envolvem os processos de dissimilação,
metátese, assimilação e simplificação de consoantes geminadas. No entanto, apenas as
ocorrências de assimilação envolvendo a seqüência exs- se caracterizou como processo
fonético, uma vez que a consoante -s- é sempre assimilada, independentemente se
seguida por consoante, ou vogal, em todos os grupos de episódios do Satyricon, exceto
uma única vez (exstruere - 84, 2). Os demais vocábulos oscilam entre as formas
assimilada e não assimilada, demonstrando uma inconsistência no emprego de uma ou
de outra forma.
A dissimilação e a metátese ocorrem em vocábulos isolados, não se
caracterizando, pois, como processo fonético. As ocorrências de simplificação de
consoantes geminadas se encontram concentradas em vocábulos em que a forma com
consoante simples, apesar de ser considerada secundária, já está prevista nos dicionários
consultados, o que indica que havia grande variação no emprego desse recurso gráfico e
que o mesmo não seria tido como essencial.

III.3- CONCLUSÃO

A análise das alterações no sistema consonântico do Satyricon revela que as


consoantes seguem um padrão diferenciado de emprego das formas alteradas ao longo
dos diferentes grupos de episódios da obra, se comparadas as alterações no sistema
consonântico ao padrão identificado para o sistema vocálico.
Enquanto as transformações fonéticas relativas a vogais se concentram nos
capítulos da Cena e parecem ser utilizadas como recurso estilístico para caracterizar a
linguagem descuidada dos convivas (podendo, por isso, ser analisadas como a
expressão do sistema vocálico vigente no século I d.C., na linguagem dos grupos sociais
retratados no Satyricon), as transformações fonéticas relativas a consoantes ocorrem

38
indistintamente ao longo de toda a obra e não permitem que se estabeleça uma relação
entre a grafia adotada e os diversos registros de fala empregados pelo autor. Essa falta
de uma caracterização mais específica para o emprego de consoantes leva a que se
possam considerar as alterações no sistema consonântico como o retrato da grafia de
uma época posterior à dos grupos sociais retratados na obra, especificamente a época
dos manuscritos que chegaram até o presente. Além disso, interfere no estudo a própria
qualidade de conservação desses manuscritos, que muitas impede de se ter
conhecimento da forma realmente utilizada.
Com base nessas considerações, conclui-se que as alterações no sistema
consonântico não podem ser levadas em conta na presente análise, uma vez que esta
objetiva caracterizar o padrão fonético do séc. I d. C. a partir dos traços de oralidade do
Satyricon, o que só pode ser realizado na medida em que sejam realmente identificados
pertencentes ao século I d. C..

IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DA


FONÉTICA/FONOLOGIA DO SATYRICON

Em linhas gerais, as alterações fonético-fonológicas listadas acima, reveladas


pela ortografia, podem ser analisadas como reflexo de duas tendências: uma de caráter
arcaizante, outra de caráter inovador. A primeira se mostra presente na utilização de
formas e padrões dos séculos II e I a.C., revelando a primazia do critério etimológico
sobre o fonético; a segunda apresenta formas mais recentes, a partir do séc. I, que
podem ser vistas como a tentativa de se escrever como se fala, tornando a escrita um
reflexo da língua falada (critério fonético).
A dificuldade, no entanto, de se afirmar que as grafias selecionadas para análise
eram efetivamente as utilizadas pelos grupos sociais do século I d. C. retratados no
Satyricon reside no fato de que os manuscritos, não sendo contemporâneos do autor,
podem ter sido alterados (e provavelmente o foram) no decorrer de sua transmissão.
Assim, à exceção das alterações no sistema vocálico que foram identificadas como
comprovadamente características da linguagem popular, as demais alterações fonéticas
não fornecem dados para que se chegue a conclusões acerca da fonética do séc. I d. C. a
partir do Satyricon.

39
MORFOLOGIA

I- INTRODUÇÃO

Em termos morfológicos, as palavras podem ser estudadas a partir de uma


divisão em diversas classes definidas em virtude de diferenças de forma e/ou de função
(Monteil, 1970, p. 118). Na gramática tradicional, estas classes de palavras recebem o
nome de "partes do discurso", que, segundo Faria (1995, p. 56), são nove em latim:
substantivos, adjetivos, pronomes, numerais, verbos, advérbios, preposições, conjunções
e interjeições.
O estudo dessas classes de palavras apresentado por Faria analisa conjuntamente
os substantivos e adjetivos, dividindo-os em sistemas de flexão, denominados
declinação. De acordo com o critério de classificação do autor, os pronomes formam
um grupo separado, pois, embora sejam declináveis, como os adjetivos e substantivos,
seu sistema de declinação é diferente dos diversos sistemas de declinação nominal (p.
129). Os numerais, compostos por formas declináveis (ex.: os cardinais de 1 a 3 e os
ordinais) e indeclináveis (ex.: os cardinais a partir de 4), compõem um grupo à parte (p.
145). O grupo de palavras flexionáveis se completa com o verbo, estruturalmente
segmentado em radical, sufixo temporal e desinências pessoais. Os advérbios,
preposições, conjunções e interjeições formam o grupo de palavras invariáveis, que não
comportam nenhuma flexão, exceção feita aos advérbios que "se derivam de adjetivos,
quase todos advérbios de modo" que "costumam admitir os graus de significação" (p.
211). As palavras pertencentes a essas classes tidas como indeclináveis, apesar de
muitas vezes se originarem de formas da declinação nominal e pronominal (p. 215, 217,
233 e 235), se encontram fixadas em determinado caso, como que fossilizadas, o que,
segundo o autor, faz com que sejam destacadas do sistema de declinação (p. 215).
Meillet (1965, p. 175) critica a divisão tradicional em determinadas partes do
discurso, afirmando que não se utilizam princípios homogêneos para distingui-las e que
a diferença apresentada na listagem das partes do discurso de uma língua para outra não
permite que se fixe um número de categorias representativas dos elementos
fundamentais da linguagem.

40
Ao lado da classificação acima, ligada à tradição gramatical greco-latina ("a
atual enumeração das partes do discurso ascende a Dionísio Trácio, autor da mais antiga
gramática grega" - Faria, 1995, p. 59), Câmara Jr. (1969) propõe uma divisão dos
vocábulos, de base semântica, também formulada a partir de nomenclatura de uso
corrente em latim e proposta em Meillet (1965, p. 175), em três classes essenciais:
nomes - substantivo + adjetivo - (símbolo de representação estática), verbos (símbolo de
representação dinâmica) e pronomes (sinal, ou signo dêitico). O autor não considera os
advérbios como uma classe distinta de vocábulos, justificando que, com base no critério
semântico adotado, estes não se diferenciam de nomes ou pronomes, são antes o próprio
nome ou pronome fixado numa função especial modificadora de um verbo ou um nome,
o que caracteriza uma diferença funcional, não semântica. Além dessas três classes
essenciais, faz o autor referência aos vocábulos que funcionam como "instrumentos
gramaticais", correspondentes às preposições e conjunções na classificação tradicional,
que servem como "morfemas de relação", sendo estes "especializações funcionais dos
advérbios", isto é, pronomes e nomes na função modificadora, destituídos de conteúdo
nocional, em que se concentra um conceito de relação.
Para Monteil (1970, p. 118), que utiliza a mesma classificação de Câmara Jr., as
duas classes, nas línguas indo-européias, a que se deve prender a atenção e que
englobam quase a totalidade do léxico, são o verbo e o nome. No entanto, ambos os
autores ressaltam que essas duas classes de palavras não se distinguem necessariamente
nem no plano lógico, nem no lexical, uma vez que são deduzidas da "mesma realidade
objetiva ou do mundo real, conforme ela se apresenta ao nosso espírito sob um aspecto
ESTÁTICO ou sob um aspecto DINÂMICO (grego stásis ‘posição em pausa’, dúnamis
‘força’ em desenvolvimento)" (Câmara Jr., 1969, p. 151). Por outro lado, distinguem-se
por circunstâncias formais, já que obedecem a dois sistemas de flexão completamente
diferentes: o nome é um vocábulo com declinação, que expressa as categorias
gramaticais de gênero, número e caso; o verbo é um vocábulo com conjugação, sujeito
às marcas de pessoa, número (de natureza diferente do anterior), modo, aspecto, tempo,
voz (Meillet, 1965, p. 175; Câmara Jr., 1969)29. A distinção entre nomes e pronomes,
por sua vez, é pouco expressiva em termos morfológicos, já que tanto os nomes, quanto
os pronomes são vocábulos com declinação; alguns pronomes apresentam tão somente

29
A discussão apresentada pelos autores supracitados não contempla as formas nominais do verbo,
vocábulos que se caracterizam por expressar categorias próprias ao nome e ao verbo, já que possuem um
tema verbal, um sufixo verbo nominal e flexões casuais (Ivo et alii, 1987, p. 149). Para uma discussão
mais detalhada das formas nominais do verbo, veja-se capítulo referente ao estudo da sintaxe nesta obra.

41
paradigmas flexionais próprios para expressão das categorias de caso, gênero e número
(ex.: desinência –ius de genitivo singular). Em termos semânticos, acentua-se a
distinção, uma vez que os pronomes, diferentemente dos nomes, não se referem a um
"ser" específico, pois que são destituídos de conteúdo semântico, mas representam um
"ser" qualquer, desempenhando função de dêitico (Câmara Jr., 1969, p. 154; Monteil,
1970, p. 120)30.
Para Guardia & Wierzeyski (1876, p. 74), as palavras fundamentais são de fato
as suscetíveis de flexão, isto é, o nome e o verbo, pois que “ils ont une vie propre, et
31
leur vitalité se manifeste par le mouvement ou la mobilité des formes ” . As demais
classes de palavras são particulares e, muitas vezes, não têm sequer existência
independente na frase (ex.: partículas enclíticas tais como –ne, -ue). No entanto,
diferentemente de Câmara Jr., que separa os nomes dos pronomes com base no critério
semântico adotado, os autores não analisam os pronomes como uma classe separada da
classe dos nomes e agrupam, sob a designação genérica de “nome”, os substantivos,
adjetivos, pronomes e numerais. A base para esse agrupamento é o critério morfológico
segundo o qual todas essas variações do nome se submetem à flexão nominal. A flexão
do verbo, por sua vez, é em parte nominal, em parte verbal, considerando-se que, além
das formas verbais propriamente ditas, existem as formas nominais do verbo, que
seguem a flexão do nome (como, por exemplo, os particípios); as formas mistas de
conjugação perifrástica, que apresentam as duas flexões (ex.: voz passiva amatus est);
os supinos, que se rattachent, assim como o advérbio, à flexão nominal. Os advérbios
são considerados termos de transição entre palavras flexionáveis e palavras invariáveis,
considerados como um “caso invariável do adjetivo”, ou, em outras palavras, um tipo de
“qualificativo invariável” (p. 75), passíveis de expressar, tal como os adjetivos, os
diversos graus de comparação, o que justifica que sejam agrupados conjuntamente.
A partir dessas premissas e considerando-se que a divisão dos vocábulos
flexionáveis em apenas duas classes fundamentais, proposta por Guardia & Wierzeyski
(1876), é a que melhor atende ao estudo de morfologia aqui proposto, uma vez que se
baseia em critério estritamente morfológico, proceder-se-á à análise dos elementos
relativos à morfologia selecionados como desvios do latim clássico na obra Satyricon,
tomando-se como critério de classificação desses desvios a oposição entre morfolgia

30
Dessa distinção semântica resulta uma distinção sintática bem marcada entre nomes e pronomes, que
será estudada na seção dedicada ao emprego dos pronomes, no capítulo sobre sintaxe.
31
“Eles [o nome e o verbo] possuem vida própria e sua vitalidade se manifesta através do movimento ou
mobilidade de suas formas”.

42
nominal e morfologia verbal, segundo suas respectivas categorias gramaticais: gênero,
número e caso para os nomes; tempo, modo, aspecto, voz, pessoa e número para os
verbos.

II- MORFOLOGIA NOMINAL

As línguas de tipo flexional, grupo do qual o latim faz parte, apresentam um


sistema morfológico que se caracteriza por uma alteração na forma da palavra em
função do papel sintático que a mesma desempenha na frase. Essas alterações formais
podem ser internas (alternância de tom e alternâncias vocálicas), ou externas (emprego
de desinências) (Monteil, 1970, p. 123).
Em latim, o emprego de alterações internas se limita a alguns casos raros de
alternâncias vocálicas de timbre (como no nome próprio Aniō - Aniēnis) e, em maior
número, traços de alternâncias vocálicas de quantidade (ex.: homō – homĭnis); as
alterações com base em alternâncias de tom não deixaram qualquer vestígio em latim,
que desde uma época pré-histórica apresenta tom fixo (Ernout, 1914, p. 15-17). A
morfologia nominal latina é marcada por alterações formais externas, com o emprego de
desinências, que trazem em si as informações relativas às categorias gramaticais de
caso, número e gênero que um determinado vocábulo expressa. O quadro de
agrupamentos de alterações morfológicas é composto a partir da combinação entre as
diversas subdivisões de cada categoria, a saber: casos nominativo, vocativo, acusativo,
genitivo, dativo e ablativo; números singular e plural; gêneros masculino, feminino e
neutro.
Esse complexo sistema morfológico, tal como descrito acima, está presente no
latim clássico e apresenta algumas modificações em relação ao sistema indo-europeu de
que se origina. Além da supracitada redução do número de mecanismos flexionais de
alterações formais internas, destacam-se como importantes modificações a reunião dos
casos ablativo, locativo e instrumental (sincretismo) em uma mesma forma, que recebe

43
32
o nome do primeiro ; e a eliminação do número dual como parte do paradigma da
categoria de número 33.
A simplificação do sistema flexional do indo-europeu é uma característica
comum a todas as línguas indo-européias e se caracteriza como um reflexo da tendência
a se eliminarem as complicações da flexão e a se suprimirem as distinções tidas como
supérfluas. Em latim, a eliminação do sistema sintético de marcação casual e de
algumas categorias gramaticais nele expressas se implementa gradativamente, sendo
este sistema sintético de base morfológica substituído por dois subsistemas analíticos
auxiliares de base sintática: o uso de preposições e a fixação da ordem das palavras (De
Dardel, 1990, p. 92).
A fixação desses subsistemas analíticos e a redução do número de categorias
gramaticais que se mantiveram nas línguas românicas em geral no lugar do sistema
sintético, no entanto, são processos extremamente complexos e não se pode estabelecer
com exatidão os caminhos que teriam sido percorridos até sua completa implantação nas
línguas. Estes se encontram como que diluídos, fragmentados em algumas obras de
alguns autores latinos, obras essas apontadas como fontes para o estudo dessas
alterações morfológicas, como o Satyricon de Petrônio, que será neste estudo
considerado como uma amostragem do estágio de implantação desses subsistemas
analíticos no séc. I d.C., mormente pelos grupos sociais nela retratados. Dessa forma,
serão levantadas para análise, ao longo da obra, todas as ocorrências que caracterizam
esse quadro de simplificação progressiva do sistema morfológico nominal latino,
considerando a divisão por episódios estabelecida anteriormente.
Para o estudo dos desvios da morfologia nominal presentes no Satyricon, as
ocorrências selecionadas foram agrupadas de acordo com a categoria gramatical a que
estão associadas da seguinte maneira:

a) alterações na categoria de caso, associadas ao não a mudança de paradigma


temático (formação analógica do NOM., confusão na atribuição de casos,
uso de formas analíticas pelas sintéticas, troca de declinação,

32
O locativo em latim sobrevive apenas em algumas expressões fixas (como por exemplo domī, rurī e
em nomes de cidades e pequenas ilhas), que são consideradas como um tipo de advérbios, uma vez que
não admitem aposto, ou complemento adnominal (Ernout, 1914, p. 11-13).
33
Vestígio das desinências de dual do indo-europeu podem ser encontrados em latim no cardinal duŏ, em
ambō, que se declina como duŏ, e em uiginti, cuja desinência -i se opõe à desinência -a dos outros
decimais (Ernout, 1914, p. 154-157).

44
desaparecimento da 4a e da 5a declinação, uso de desinências latinas e gregas
para a mesma palavra, uso de desinências arcaicas);
b) alterações na categoria de gênero (decadência do neutro, desinência -a de pl.
neutro usada como fem. sing., mudança do gênero da palavra).

Das categorias gramaticais associadas à morfologia nominal, excluiu-se apenas a


categoria de número, da qual não foram identificadas alterações morfológicas relevantes
para este estudo.

II. 1- ALTERAÇÕES NA CATEGORIA DE CASO, ASSOCIADAS OU NÃO A


MUDANÇA DE PARADIGMA TEMÁTICO

As alterações na categoria de caso em relação ao latim clássico que caracterizam


a linguagem popular envolvem dois grandes processos lingüísticos que afetam a língua
latina em sua totalidade: a redução do número de casos de seis para dois e do número de
paradigmas temáticos (grupos de desinências casuais) de cinco para três.
A tendência à redução do número de casos (sincretismo) é uma característica
própria do latim desde o início da tradição literária (Väänänen, 1985, p. 197; Ernout,
1914, p. 13). No fim do período vulgar, o latim apresentava, exceto na Dácia, apenas
dois grupos de desinências casuais: as de nominativo, mantido como caso do sujeito, e
as de acusativo/ablativo, usado como caso regime universal, tanto no singular, como no
plural (Grandgent 1952, p. 220; Ernout 1914, p. 13). As razões apontadas para essa
tendência residem na própria composição do quadro de paradigmas temáticos, que
apresenta muitas formas semelhantes, ou mesmo idênticas, para expressar diferentes
casos e valores semânticos, tais como:

a) identidade entre nominativo e vocativo singular e plural, exceto para


as palavras em -us/-ius de tema em –o, que fazem vocativo singular
em -e e em -i, respectivamente;
b) existência de uma única forma para expressar o ablativo e o dativo
plural em todos os temas (-is para as palavras de tema em –a e em –o,
-bus para as pertencentes aos temas em –i/consoante, –u e –e).

45
Outro fator importante que teria atuado de maneira a condicionar a redução no
número de casos é a possibilidade de se expressar o mesmo valor semântico por meio de
casos diferentes, como, por exemplo:

a) "distância" e "duração" através de acusativo ("uiginti passus abesse"/"tres


annos regnare") e ablativo ("milibus passuum consedere"/"tribus annis
regnare) 34;
b) "qualidade" através de genitivo ("uir magni ingenii") e ablativo ("uir magno
ingenio") 35;
c) "posse" através do genitivo e da estrutura de dativo de posse ("est patri meo
domus").

Contribuiu ainda para a diminuição da força expressiva dos casos a


generalização do emprego de preposições de forma sistematizada: o genitivo passou a
ser expresso pela preposição de + ablativo, o dativo pela preposição ad + acusativo, o
ablativo instrumental pela preposição per + acusativo, ou de + ablativo (Ernout, 1914,
14).
No entanto, a própria utilização de preposições em latim se constitui em outro
ponto importante de instabilidade em relação ao emprego dos casos, primeiramente,
porque diferentes preposições regiam diferentes casos (ex.: ad + acusativo, a/ab +
ablativo, causa + genitivo), ou uma mesma preposição podia reger dois diferentes
casos (ex.: in, sub + acusativo ou ablativo); em segundo lugar e decorrente dessa
variação de casos, porque a regência das preposições nem sempre era respeitada,
especialmente das preposições que podiam reger acusativo, se o verbo fosse de
movimento (em resposta à questão quo? - para onde?), ou ablativo, se o verbo fosse
estático (em resposta à questão ubi? - onde?). Assim, podem-se encontrar exemplos de
in + acusativo associados a verbos estáticos, ou de in + ablativo com verbos de
movimento, como exemplificado abaixo, com dados retirados do próprio Satyricon:

“fui enim hodie in funus” (42, 2) [esse – estático + in + acusativo];


“Non est dignus quem in oculis feram” (75, 4) [ferre – movimento + in
+ ablativo].

34
Exemplos retirados de Cart et alii (1986).
35
Exemplos retirados de Ernout (1914).

46
A redução do número de temas para três envolveu a eliminação do tema em –u
(-us/-u, -us) e do tema em –e (–es, -ei), que tiveram as palavras em sua maioria
absorvidas pelo tema em –o (–us/-um, -i) e em –a (–a, -ae), respectivamente, havendo
também a passagem para o tema em –i/consoante. Em termos funcionais, o ponto de
partida para essa transferência parece ter sido o pequeno número de palavras
pertencentes a esses temas (Faria, 1995, p. 109; Cart & alii, 1986, p. 21), insuficiente
para justificar a aquisição de mais dois paradigmas temáticos. Além disso, a identidade
existente entre algumas formas dos temas em –o e em –u (nominativo e acusativo
singular) e a duplicidade de temas de algumas palavras (do tipo materies/materia)
parecem ter atuado de forma a acelerar essa transferência. A partir das formas duplas,
com o predomínio das pertencentes aos temas em –a e em –o, a alteração se estendeu a
praticamente todas as palavras de tema em –u e em –e, que desapareceram na
linguagem popular de fins do império (Faria, 1995, p. 109; Ernout, 1914, p. 106). O
tema em –i/consoante, apesar de se ter mantido, sofreu algumas alterações,
principalmente no que se refere à normalização de algumas formas de nominativo
singular que tinham aspecto de anomalia. Tal normalização se efetuou através de
formações analógicas, algumas vezes com mudança de tema (do tipo strix- tema em
consoante, que passa a striga, tema em –a), outras vezes dentro do próprio tema em –
i/consoante (ex.: Iouis, como nominativo singular, ao lado de Iuppiter).
Outras questões a serem analisadas em relação a alterações de paradigmas
temáticos referem-se a dois padrões de utilização de desinências que representam um
movimento contrário ao de simplificação descrito acima, a saber, o emprego corrente de
desinências gregas em latim, em palavras tomadas de empréstimo, e o uso de
desinências arcaicas. Ambos os padrões são característicos da linguagem poética, que
muitas vezes lançava mão desses recursos metri gratia, ou simplesmente para
demonstrar erudição (Faria, 1995, p. 79).

II. 1.1- LISTAGEM DAS ALTERAÇÕES NA CATEGORIA DE CASO

Diante das alterações em relação à norma clássica levantadas e discutidas acima,


os desvios morfológicos envolvendo o emprego dos casos e dos paradigmas temáticos
presentes no Satyricon serão listados a partir do seguinte agrupamento:

47
a) alterações no sistema de emprego dos casos;
b) alterações no quadro de paradigmas temáticos;
c) emprego de desinências gregas;
d) emprego de desinências arcaicas.

Os agrupamentos acima foram organizados de forma diferenciada, levando-se


em consideração as particularidades de cada um dos processos em questão. Assim, as
alterações no sistema de emprego dos casos foram listadas em uma única coluna por
ordem de aparecimento no texto, em destaque (negrito) no contexto oracional em que
ocorrem. As alterações no quadro de paradigmas temáticos se encontram organizadas
em dois quadros: um que lista alterações ocorridas dentro de um mesmo tema, outro que
lista alterações com mudança de tema; ambos os quadros estão subdivididos em duas
colunas, das quais a primeira traz a forma padrão, tal como indicada no dicionário, em
ordem alfabética, com sua respectiva tradução na(s) acepção(ções) utilizadas por
Petrônio, seguida das ocorrências no Satyricon relevantes para se estabelecer a oposição
com a forma alterada, e a segunda traz a forma alterada, no mesmo formato da
dicionarizada, seguida da(s) ocorrência(s) presente(s) no Satyricon. O emprego de
desinências gregas foi também organizado em duas colunas: na primeira, descreve-se a
troca de desinência que é efetuada e, na segunda, listam-se sua(s) ocorrência(s)
atestada(s) no Satyricon. Por fim, o emprego de desinências arcaicas é apresentado em
dois subgrupos, de acordo com a alteração de desinência efetuada, e traz apenas a forma
com a desinência arcaica. Todas as ocorrências listadas apresentam a devida indicação
do capítulo e subdivisão do capítulo do texto em que as mesmas se encontram.

A) ALTERAÇÕES NO SISTEMA DE EMPREGO DOS CASOS

1- "neue plausor in scenam sedeat redemptus histrioniae addictus" (5, 1, 7-8)


2- "Neque enim res tantum, quae uiderentur in controuersiam esse" (15, 3)
3- "ut subinde sciat quantum de uita perdiderat" (26, 9)
4- “Habebat etiam in minimo digito sinistrae manus anulum grandem
subauratum, extremo articulo uero articulo sequentis minorem...” (32, 3)

48
5- "sed liberti scelerati, qui omnia ad se fecerunt" (38, 12)
6- “Itaque quisquis nascitur illo signo, multa pectora habet (...)” (39, 5)
7- " in capricorno aerumnosi, quibus prae mala sua cornua nascuntur" (39, 12)
8- " fui enim hodie in funus" (42, 2)
9- "Ab asse creuit et paratus fuit quadrantem de stercore mordicus tollere"
(43, 1)
10- "Et quam benignus resalutare, nomina omnium reddere, tanquam unus de
nobis" (44, 10)
11- " Scimus te prae litteras fatuum esse" (46, 1)
12- "Voca, uoca cocum in medio" (49, 4)
13- “Admissus ergo Caesarem est suo munere (…)” (51, 2)
14- “(. ..) quibus Trimalchio cum elogio exheredabatur (...)” (53, 9)
15- “(…) et atriensis Baias relegatus (…)” (53, 10)
16- "Recte, uidebo te in publicum" (58, 4)
17- "Qui de nobis ?" (58, 8)
18- "Dicam tibi, qui de nobis currit et de loco non mouetur; qui de nobis
crescit et minor fit" (58, 9)
19- “(...) sed luce clara Gai nostri domum fugi (...)” (62, 12)
20- “ ‘(...) attuli illi Roma múnus cultros Norico ferro’ ”. (70, 3)
21- "Omne genus enim poma uolo sint circa cineres meos, et uinearum
largiter" (71, 7)
22- “(...) Trimalchio iussit ut aeneo coctus fieret”. (74, 4)
23- "Non est dignus quem in oculis feram ?" (75, 4)
24- "et ut celerius rostrum barbatum haberem, labra de lucerna unguebam"
(75, 10)
25- "Tu parum felix in amicos es" (77, 1)
26- “Et ut scias non longe esse quaerentibus mortem (...)”. (94, 11)
27- "aut cuius tam crudeles manus in hoc supplicium durassent" (105, 11)
28- "ne quid de nobis relinquat sepultura ?" (115, 19)

episódios iniciais: 03
episódios da Cena: 22
episódios finais: 03

49
B) ALTERAÇÕES NO QUADRO DE PARADIGMAS TEMÁTICOS

B.1- Dentro do próprio tema

FORMA PADRÃO FORMA ALTERADA


1- Bos, bouis (m): boi Bouis, bouis (m)
Bouis (62, 13) – nom.sing.
2- Excellens, -entis: excelente IV- Excellens, excellente
Excellente (45, 4) – acus. sing. (66, 3) –
nom. sing.
3- Lac, -tis (n): leite Lacte, -tis (n) e lactis, -tis (m)
Lacte (38, 1) – acus. sing, lactem (71, 1)
4- Iuppiter, Iouis (m): Júpiter Iouis, -is (m)
Iuppiter (22, 5) (83, 4) (122, 1, 140) Iouis (47, 5) (58, 2) - nom.sing.
(123, 1, 206) (123, 1, 241) (126, 18,
1) (127, 9, 3)
5- Sanguis, -inis (m): sangue Sanguen, -inis (m)
Sanguis (124, 1, 270) Sanguen (59, 1)
6- Stipes, -it is (m): estúpido Stips, stipis (m)
Stips (43, 5)
7- Volpes, -is (f): raposa Volpis, -is (f)
uolpis (58, 12) – nom. sing.

episódios iniciais: 00
episódios da Cena: 10
episódios finais: 00

50
B.2- Com mudança de tema

FORMA PADRÃO FORMA ALTERADA


1- Deus, -i (m): deus Deus, -us (m) 36
Diis (58, 14) (114, 8) (115, 16) Diibus (44, 16) – ablativo plural
2- Discolor, -oris: de cores Discolorius, -a, -um
diferentes Discoloria (97, 3) – abl. sing.
3- Gustus, -us (m): aperitivo, Gustus, -i (m)/gustum, -i (n)
entrada, amostra Gusti (76, 5) – gen. sing.
4- Lampas, -adis (f): tocha Lampada, -ae (f)
Lampada (124, 1, 277) Lampadas (124, 1, 284)
5- Palumbes(-is), -is (m): pombo Palumbus, -i (m)
Palumbum (70, 2)
6- Schema, -atis (n): colocação, Schema, -ae (f)
rodeio (ao falar) Schemas (44, 8)
Schema (126, 8)
7- Stigma, -atis (n): marca, estigma, Stigma, -ae (f)
marca de ferro em Stigmam (45, 9) (69, 2)
brasa
Stigmate (103, 2), stigmata (105,
11)
8- Strix, -gis (f): bruxa, feiticeira Striga, -ae (f)
Striges (134, 1) Strigae (63, 4) (63, 8)
9- Trimalchio, -onis (m): Trimalquião Trimalchius, -i (m)
Trimalchionem (74, 9) Trimalchium (72, 4)
10- Vas, uasis (n): vaso Vasum, -i (n)/uasus, -i (m)
Vasum (50, 3), uasus (57, 8)

36
Apesar de o ablativo em –bus poder igualmente ser associado ao paradigma de tema em –i/consoante,
optou-se pela forma hipotética seguindo o paradigma de tema em –u, em função da identidade entre as
formas de nominativo singular dos dois temas.

51
episódios iniciais: 00
episódios da Cena: 11
episódios finais: 02

C) EMPREGO DE DESINÊNCIAS GREGAS37

1- Nominativo em -os por nominativo Heros (108, 14, 2), chaos (120, 1, 74)
em –us
2- Nominativo em -as por nominativo Embasicoetas (24, 4) (26, 1)
em –a
3- Nominativo/acusativo em -on por Corymbion (110, 5), cyperon (127, 9,
nominativo/acusativo em –um 4)
4- Acusativo em -a por acusativo em Lampada (124, 1, 277), daphnona
–em (126, 12), platanona (126, 12) (131, 1)
5- Acusativo em -an por acusativo em Embasicoetan (24, 1)
-am
6- Acusativo em -in/-im por acusativo Praxim (39, 4), genesim (39, 8),
em –em peristasim (48, 4), halosin (89, 1),
paralysin (129, 6) (131, 1), apodixin
(132, 10)

episódios iniciais: 03
episódios da Cena: 03
episódios finais: 11

37
Nomes próprios, geográficos e gentílicos de origem grega foram excluídos da listagem, uma vez que se
constituem em grupo à parte e, como tal, devem ser analisados levando-se em consideração suas
particularidades extra-lingüísticas, que fogem ao escopo da análise morfológica aqui proposta.

52
D) EMPREGO DE DESINÊNCIAS ARCAICAS

Genitivo em -um por genitivo em -orum:

1- Liberum (89, 1, 48)


2- Deum (109, 9, 5) (117, 3) (122, 1,
127) (124, 1, 247)
3- Virum (121, 1, 118)
4- Diuum (124, 1, 245)

Ablativo em -ubus por ablativo em -ibus:

1- Portubus (101, 9)
2- Verubus (137, 12)

episódios iniciais: 00
episódios da Cena: 00
episódios finais: 09

II.1.2- ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados sistematizados acima será feita separadamente, seguindo-se


a mesma subdivisão utilizada na composição das tabelas.

Alterações no sistema de emprego dos casos: As alterações no sistema de


emprego dos casos listadas acima apresentam duas tendências acentuadas: a
generalização do emprego do acusativo e a mudança de formas sintéticas para formas
analíticas.
A generalização do emprego do acusativo se evidencia através do uso de
acusativo regido pela preposição in com verbos estáticos (em resposta à questão ubi? -
onde?) e pelo uso de acusativo regido pela preposição prae, que pertence ao grupo de

53
desinências que sempre rege caso ablativo. Ao todo, há no Satyricon 6 (seis)
ocorrências de in + acusativo em contextos reservados ao ablativo, presentes nos três
grupos de episódios (ocorrências 1 e 2 - nos episódios iniciais, ocorrências 8, 16 e 25 -
nos episódios da Cena, ocorrência 27 - nos episódios finais), o que caracteriza esse
fenômeno como uma tendência comum aos diferentes níveis de fala do latim
representados na obra. Contrariamente, o emprego de ablativo, em contextos reservados
ao acusativo, com a mesma preposição in ocorre apenas duas vezes, ambas nos
episódios da Cena (ocorrências 12 e 23) 38. Esse padrão de emprego dos casos acusativo
e ablativo reflete um período de grande confusão no emprego dos casos, que se teria
iniciado justamente nesses contextos em que o uso de acusativo, ou de ablativo
dependia do sentido do verbo, se de movimento, ou estático, respectivamente; com a
anulação da marcação formal da diferença existente entre as questões quo? e ubi?, o
uso de acusativo se teria estendido aos contextos “reservados” apenas ao ablativo, o que
está representado nos dados pelas ocorrências 7 e 11 (emprego de prae + acusativo), até
atingir a fase máxima desse período de confusão, qual seja, a fixação da forma de
acusativo como caso regime universal.
A mudança de formas sintéticas para formas analíticas está marcada no
Satyricon principalmente através do emprego da preposição de + ablativo no lugar de
genitivo (ocorrências 3, 9, 10, 17, 18 – bis, 28). Essas ocorrências representam a
generalização do emprego da estrutura analítica, que fazia parte da linguagem clássica,
mas apenas em contextos bastante específicos, segundo afirmam Lewis & Short (1987,
p. 513)39. Esta mesma preposição se encontra na ocorrência de número 24 (de lucerna),
em substituição à estrutura sem preposição de ablativo instrumental (lucerna)40. Além
das estruturas acima com a preposição de, os dados trazem dois outros tipos de
estrutura que expressam a tendência ao analitismo: ad se no lugar do dativo sibi
(ocorrência 5) e cum elogio em lugar do instrumental elogio (ocorrência 14). A maior

38
Casos que geraram dupla interpretação, se de fato o contexto exigia o emprego de acusativo de
movimento, ou aceitava o ablativo locativo, não foram considerados na composição dos dados, como por
exemplo “et Gitona (...) iubemus in balneo sequi” (26, 10).
39
Transcrição da parte do verbete relativa ao uso de de em lugar de genitivo: “Sometimes de with abl.
takes the place of the gen. partit. or gen. obj. In the best writers this occurs mainly (α) to avoid ambiguity
where genitives would be multiplied: ne expers partis esset de nostris bonis, Ter. Heaut, 4, 1, 39: ut
aliquem partem de istius impudentia reticere possim, Cic. Verr. 2, 1, 12, § 32; (β) for greater precision: si
quae sunt de eodem genere, id. Tusc. 4, 7, 16: persona de mimo, id. Phil. 2, 27, 65; in the poets metri
gratia: aliquid de more uetusto, Ov. F. 6, 309; Grat. Cyneg. 17: laudes de Caesare, Ov. Pont. 4, 13, 23:
cetera de genere hoc, Hor. Sat. 1,1, 13; Lucr. 4, 746.
40
Identificou-se em lucerna um processo metonímico de recipiente pelo conteúdo (lâmpada de azeite =
azeite da lâmpada de azeite), que levou à associação da estrutura de lucerna à idéia de instrumental
(“com o azeite da lâmpada”), e não à idéia própria de ablativo de ponto de partida (“a partir da lâmpada”).

54
parte dessas ocorrências se encontra nos episódios da Cena (22 das 28 ocorrências
listadas), o que demonstra que essa era uma tendência mais acentuada na linguagem
popular.
No entanto, em sentido oposto, ocorre a omissão da preposição tanto junto a
acusativo (ocorrências 13, 15 e 19), quanto a ablativo (ocorrências 4, 6, 20, 22 e 26),
principalmente na Cena (7 das 8 ocorrências de omissão da preposição estão em
capítulos da Cena). As primeiras têm em comum o emprego do acusativo de movimento
sem preposição e representam formas junto às quais esse tipo de estrutura em geral
sobrevive, a saber, junto a nomes de cidades ("Baias"), ao lado do vocábulo domum,
junto a verbos compostos por prevérbios de mesma formação da preposição
("admissus (ad) Caesarem"). As demais ocorrências, que apresentam a omissão da
preposição junto ao ablativo, expressam valores adverbiais diferentes (ablativo locativo
- ocorrências 4, 6 e 22; ablativo propriamente dito - ocorrências 20 e 26) e extrapolam
os "casos particulares" registrados em gramáticas (cf. Ernout & Thomas, 1935, p. 80 e
p. 98). Em ambos os casos, demonstra-se que as preposições, apesar de terem ganhado
força com o sincretismo e mesmo com a tendência ao analitismo descrita acima, ainda
tinham caráter acessório na linguagem popular retratada na obra, sendo, por isso,
dispensáveis junto a algumas formas.
Por fim, consta ainda da listagem um problema relativo ao emprego dos casos
que pode ser analisado como uma ocorrência isolada, sem relação com as tendências
analisadas acima, a saber, o uso do nominativo poma num contexto em que se esperaria
o genitivo pomorum (ocorrência 21), uma vez que desempenha a função de
determinante de omne genus (“todos os tipos de frutas”). Tal como se encontra a
construção, com a aposição de dois nominativos, o sintagma omne genus passa a ser
interpretado como um anacoluto, e não como determinado. É interessante observar que
uma forma de genitivo (uinearum) é utilizada logo a seguir, também associada a omne
genus.

Alterações no quadro de paradigmas temáticos: As alterações no quadro de


paradigmas temáticos foram subdivididas em dois grupos: alterações dentro do próprio
tema e alterações com mudança de tema.
O quadro B.1), que lista as formas que sofreram alterações dentro do próprio
tema, é todo ele composto por palavras de tema em -i/consoante, cujo nominativo
singular padrão apresenta algum tipo de anomalia. A forma “anômala” de nominativo é,

55
então, substituída por outra, formada em analogia com um dos paradigmas de tema em
-i/consoante considerado mais regular. Tais formações analógicas representam a
tendência a se eliminarem formas que não se constituem propriamente em paradigma,
pois que em geral se aplicam a um único vocábulo, em favor de paradigmas já
existentes dentro do tema em -i/consoante, substituindo “exceções” por formas tidas
como “regulares”. As formas stips e uolpis (ocorrências 6 e 7) se diferenciam das
demais por serem formações analógicas feitas a partir de outras formas de nominativo
de tema em -i/consoante (do tipo princeps e ciuis, respectivamente). As demais formas
eliminam a “anomalia” através da criação de formas análogas de nominativo dentro de
seu próprio paradigma, a partir do genitivo, que passa a servir de base para formação de
todos os casos, sem exceção. Para Grandgent (1952, p. 227), essa é uma tendência da
linguagem popular que teria tido como ponto de partida formas como bouis,
lacte/lactem, Iouis e sanguen, em que o genitivo apresenta o acréscimo de uma
sílaba, em relação à forma de nominativo padrão, sem mudar a sílaba tônica (sanguis,
sanguinis); somente depois, ter-se-ia estendido para as formas em que há mudança de
sílaba tônica, como em excellens - excellente. Väänänen (1985, p. 191) analisa a
forma excellente como um “caso isolado” em Petrônio. A análise dos dados listados
em B.1) confirma a afirmação de que esta seria uma tendência popular, uma vez que
todas as formas alteradas ocorrem exclusivamente nos episódios da Cena e, quando há a
co-ocorrência de formas padrão e alterada, existe uma diferenciação nítida de emprego
por grupo de episódios: a forma padrão ocorre nos episódios iniciais e/ou finais
(Iuppiter, sanguis), enquanto a forma alterada se restringe aos episódios da Cena
(Iouis, sanguen).
O quadro B.2), por sua vez, é composto por palavras de temas variados, que têm
em comum uma alteração de todo o paradigma temático de que faz parte a forma
padrão. Observa-se que, na maioria dos casos (8 dos 10 ocorrências listadas), a alteração
se processa com a transposição de palavras de tema em -i/consoante para os temas em
-a e em -o. As demais alterações (ocorrências 1 e 3) envolvem os temas em -o e em -u,
mas representam processos inversos: mudança de paradigma de -o para em -u (diibus
por diis) e de -u para -o (gusti por gustus).
Pelo quadro exposto acima, essas alterações não caracterizam a redução dos
paradigmas temáticos de cinco para três (eliminação dos paradigmas de tema em -u e
em -e), uma vez que:

56
a) não há formas alteradas de tema em -e;
b) a ocorrência de uma única forma alterada de tema em -u em proveito do
tema em -o não é suficiente para que se fale em processo de mudança,
especialmente porque o texto traz a forma diibus que faz o movimento
contrário41.

Por outro lado, os dados caracterizam que, antes que houvesse a reorganização
da classe nominal em três paradigmas temáticos, a reorganização atingiu o tema em
-i/consoante, que teve alguns de seus vocábulos “transferidos” para os temas em -a e em
-o, transferência condicionada por fatores morfológicos, a saber:

a) força da desinência -a como marcadora de nominativo singular (lampadas,


schemas, stigmam, strigae)42;
b) força da desinência -um como marcadora de neutro e -us como marcadora
de masculino (uasus/uasum, Trimalchium).

Também no quadro B.2) pode-se encontrar uma relação entre o uso de formas
alteradas e os grupos de episódios do Satyricon: as formas alteradas ocorrem
principalmente nos episódios da Cena e, para algumas formas, existe a mesma
diferenciação de emprego por grupo de episódios identificada acima (forma padrão nos
episódios iniciais e/ou finais - schema, stigmate/stigmata, striges; forma alterada
restrita aos episódios da Cena - schemas, stigmam, strigae).

Emprego de desinências gregas: Formas dos paradigmas temáticos gregos são


empregadas no Satyricon ao longo de todos os grupos de episódios, mas de maneira
diferenciada. Nos episódios iniciais, as formas gregas aparecem apenas em três
ocorrências da mesma palavra (embasicoetas e embasicoetan). Nos episódios da
Cena, o emprego de desinências gregas se restringe à forma de acusativo singular, mas

41
Para Ernout (1914, p. 51), essa forma é um "barbarismo", criado a partir da forma deabus.
42
As formas lampadas, schemas, stigmam já possuíam a desinência -a em seu paradigma (lampada -
acusativo singular, schema e stigma - nominativo singular neutro), o que justifica a transferência para a
primeira declinação; a criação da forma strigae, por sua vez, é motivada pela associação direta entre
gênero feminino e tema em -a.

57
já adaptada à forma latina, utilizada em três palavras diferentes (praxim, genesim,
peristasim). Nos episódios finais, há um aumento considerável do emprego de
desinências gregas (de três ocorrências nos episódios iniciais e da Cena para 11 nos
episódios finais), sem qualquer tipo de adaptação (observe-se o item 6 do quadro, em
que há a nítida diferenciação de emprego da desinência de acusativo singular do grego –
forma adaptada nas ocorrências em capítulos da Cena, forma não adaptada nas
ocorrências em capítulos dos episódios finais). Para Ernout (1914, p. 35), o emprego de
desinências gregas para palavras tomadas de empréstimo é uma tendência, que, apesar
dos esforços dos gramáticos de conformarem as palavras gregas aos padrões
paradigmáticos do latim, se acentua nos poetas de fins da república e no tempo de
Augusto. O padrão de utilização de desinências gregas identificado na obra confirma o
caráter mais erudito da linguagem dos episódios finais, que apresentam grande número
de poemas, a maior parte deles feitos pelo personagem Eumolpo, que, nas palavras do
narrador Encólpio fala “saepius poetice quam humane” (90, 3)43.

Emprego de desinências arcaicas: O emprego de desinências arcaicas ocorre


única e exclusivamente nos episódios finais e resume-se a apenas dois tipos de
desinências: o genitivo em -um de tema em –o e o dativo/ablativo em -ubus de tema
em –u.
No Satyricon, a forma de genitivo em -um é empregada seis vezes em poesias e
apenas uma vez na narrativa (117, 3), o que confirma que a manutenção dessa forma
arcaica se justifica pelo seu importante papel para a métrica (Faria, 1995, p. 87), ou
mesmo em função de expressões especiais (Ernout, 1914, p. 50).
O dativo/ablativo em -ubus ocorre apenas duas vezes, ambas na narrativa, e
representa a manutenção da forma arcaica, em que a desinência –bus se junta à própria
vogal temática –u. Apesar de se alterar foneticamente para -ibus, a forma arcaica pode
ser mantida para evitar ambigüidade com formas de tema em –i/consoante (Ernout,
1914, p. 98)44.

43
"mais como poeta do que como gente".
44
Essa justificativa se aplica a apenas uma das ocorrências listadas, a ocorrência 2, para que não haja
confusão com o dativo/ablativo de uer, ueris.

58
II. 1.3- CONCLUSÃO

As alterações morfológicas em relação à norma clássica relativas à atribuição de


caso e sistema de declinação no Satyricon podem ser analisadas como uma
demonstração de que a morfologia é um recurso de que Petrônio lança mão para marcar
os diferentes níveis de fala de uso corrente na sociedade romana retratada em sua
narrativa. A diferenciação de emprego das formas populares, eruditas e clássicas se
encontra bem marcada nos três grupos de episódios: a morfologia nominal clássica
prevalece nos episódios iniciais, a popular é reservada aos capítulos da Cena, a erudita
faz parte dos episódios finais.

II. 2- ALTERAÇÕES NA CATEGORIA DE GÊNERO

O latim, assim como o indo-europeu, distingue morfologicamente três


componentes na categoria de gênero (masculino - feminino – neutro), sem, no entanto,
manter a dicotomia gênero animado (subdivido em masculino e feminino) X gênero
inanimado (neutro).
A própria distinção tripartida se encontrava ameaçada desde as origens do latim
(Väänänen, 1985, p. 182; Palmer, 1954, p. 159), em função da ilogicidade e da falta de
previsibilidade do gênero gramatical, que deixava transparecer a incoerência dessa
categoria, colocando-a mais sujeita à redução em seu quadro de elementos formativos
(Meillet, 1965, p. 206).
Dessa forma, apesar de manter a subdivisão tripartida herdada do indo-europeu, o
latim apresentava uma oscilação na atribuição de gênero de determinadas palavras, que
podem ser encontradas sob diferentes formas. A co-ocorrência de duplas formas de
gênero se dava principalmente entre o masculino e o neutro, sistematicamente em
proveito do primeiro, esporadicamente em proveito do segundo, o que culminou no
desaparecimento do neutro no sistema nominal das línguas românicas, que mantêm
apenas a distinção morfológica entre masculino e feminino. O neutro se manteve apenas
no sistema pronominal, onde possui um valor bem definido (Ernout, 1914, p. 6). Meillet
(1965, p. 206) afirma que:

59
"(...) l'élimination du neutre montre la tendence à éliminer une catégorie
dénuée de sens, et qui sert seulement, par les faits d'accord, à la structure de
la phrase"45.

Além da falta de estabilidade e sentido na atribuição de gênero apontada acima,


outros fatores são, em geral, indicados como determinantes para o desaparecimento do
neutro. São eles:

1) em termos morfológicos, a distinção masculino - feminino, de um lado, e


neutro, de outro, se limitava aos casos nominativo, acusativo, e, em menor
incidência, vocativo (Faria, 1995, p. 67; Ernout, 1914, p. 4);
2) a diferença entre os gêneros masculino e neutro era uma diferença que se
limitava a uma alteração da desinência, dentro da mesma declinação (Faria,
1995, p. 67);
3) a queda do -m e do -s finais fizeram desaparecer as distinções fonéticas
entre masculinos e neutros de tema em -o (Palmer, 1954, p. 159; Grandgent,
1952, p. 217).

Os dois primeiros fatores, de ordem morfológica, mostram a força exercida pela


categoria de caso sobre a categoria de gênero, uma vez que, segundo esses fatores, a
marcação formal de gênero neutro se teria perdido em função do pequeno contraste que
representava dentro dos paradigmas temáticos. O terceiro fator, de ordem fonética,
parece não ter exercido influência sobre a mudança de gênero de neutro para masculino
em palavras de tema em -o, uma vez que a diferenciação entre o –s e o -m é mantida na
escrita, sem o que não seria possível detectar a alteração do gênero. Além disso, a
transferência de palavras de neutro para masculino não se limitou ao tema em -o. O
grupo de vocábulos que têm seu gênero alterado em latim inclui46:

a) neutros de tema em -o com nominativo em -um que passam a masculinos


(ex.: balneus por balneum);

45
"A eliminação do neutro mostra a tendência a se eliminar uma categoria desprovida de sentido, que
serve somente, por questões de concordância, para a estrutura da frase". (tradução minha)
46
Fontes utilizadas para composição do grupo de vocábulos que sofreram alteração de gênero: Väänänen,
1985; Palmer, 1954; Grandgent, 1952; Ernout, 1953; Faria, 1995.

60
b) masculinos de tema em -o com nominativo em -us que passam a neutros
(ex.: thesaurum por thesaurus);
c) neutros de tema em -i/consoante que passam a masculinos e se mantêm no
tema em -i/consoante (ex.: lactem por lac);
d) neutros, no plural, com sentido coletivo, que passam a femininos de tema em
-a, no singular (ex.: gaudia por gaudium);
e) neutros de origem grega em -µα, -µατοϕ, que passam a femininos de tema
em -a (ex.: stigmam por stigmatem).

A tendência mais acentuada era a transferência de palavras do gênero neutro


para o gênero masculino, devido à semelhança morfológica existente entre os dois
gêneros no tema em -o. No entanto, o fator que parece ter determinado o gênero que as
palavras neutras iriam assumir, se masculino, ou feminino, era a própria forma da
palavra. Parece que o processo de eliminação do neutro foi direcionado pelo sistema de
paradigmas temáticos: o importante era transferir as palavras do gênero eliminado para
os outros dois gêneros restantes com uma alteração mínima de seus elementos mórficos.
Na verdade, não parece ter havido a fusão das flexões de masculino e neutro, como
propõe Grandgent (1952, p. 217), mas uma redistribuição dos nomes neutros pelos
gêneros masculino e feminino, de acordo com a identidade entre os elementos
morfológicos, conforme se pode inferir a partir da descrição apresentada acima dos
grupos de vocábulos que tiveram seu gênero alterado.

II. 2.1- LISTAGEM DAS ALTERAÇÕES NA CATEGORIA DE GÊNERO

A listagem que se segue apresenta todas as ocorrências de palavras do


Satyricon que têm seu gênero alterado e se encontra organizada em ordem alfabética,
seguindo o agrupamento por episódios. Na primeira coluna, está indicada a forma da
palavra encontrada no dicionário e sua respectiva tradução na(s) acepção(ções)
utilizada(s) por Petrônio, em contraposição com a forma de gênero alterado. Na segunda
coluna, são listadas todas as formas da palavra presentes no texto, com a indicação do
capítulo e da subdivisão do capítulo que traz tal ocorrência, na seguinte ordem:

61
a) formas que apresentam gênero padrão;
b) formas que apresentam gênero alterado;
c) formas cujo gênero não pode ser definido (desinência comum ao gênero
padrão e ao alterado).

Algumas formas estão listadas em mais de um sub-item, como, por exemplo,


uinum nos sub-itens a) - quando nominativo singular e c) - quando acusativo singular,
visto que foi observado o contexto em que as formas são utilizadas, para se estabelecer
com exatidão a que grupo a palavra pertence.

EPISÓDIOS INICIAIS (CAP. 1 a 26)

1- Balneum, -i (n): sala de banhos a) -


X b) -
Balneus, -i (m) c) balneo (26, 10)
2- Lorum, -i (n): couro, correia a) -
X b) -
Lorus, -i (m) c) lorum (11, 4)
3- Porticus, -us (f): pórtico a) -
X b) -
Porticus, -us (m) c) porticu (3, 1), porticum (6, 1)
4- Thesaurus, -i (m): tesouro a) -
X b) -
Thesaurum, -i (n) c) thesaurum (13, 2) (14, 1), thesauro
(15, 8)
5- Triclinium, -i (n) a) triclinium (22, 3), triclinio (24, 3)
X (26, 9)
Triclinia, -ae (f) b) -
c) -

62
6- Vinum, -i (n): vinho a) -
X b) -
Vinus, -i (m) c) uino (5, 1, 6) (21, 6)

formas convergentes: 03
formas divergentes:00
formas neutralizadas: 09

EPISÓDIOS DA CENA TRIMALCHIONIS (CAP. 27 a 78)

1- Amphitheatrum, -i (n) a) -
X b) amphitheater (45, 6)
Amphitheater, -tri (m) c) amphitheatro (34, 4)
2- Apophoreta, -orum (n) a) apophoreta (56, 7)
X b) apophoreti (40, 5) (60, 4)
Apophoreti, orum (m) c) -
3- Balneum, -i (n) a) -
X b) balneus (41, 11)
Balneus, -i (m) c) balneum (28, 1) (72, 3) (72, 5) (72,
6) (73, 2 - bis), balneo (30, 8),
balnei (73, 3)
4- Caelum, -i (n) a) -
X b) caelus (39, 5) (39, 6) (45, 3)
Caelus, -i (m) c) caelum (37, 4) (44, 17), caelo
(60, 2)
5- Candelabrum, -i (n) a) candelabrum (64, 10)
X b) candelabrus (75, 10)
Candelabrus, -i (m) c) -
6- Catillus, -i (m) a) -
X b) catilla (50, 6)
Catillum, -i (n) c) catillis (66, 7), catillum (66, 7)

63
7- Cornu, -us (n) a) cornu (29, 6), cornua (39, 12)
X b) cornum (39, 5)
Cornus, -us/-i (m) c) -
8- Fatum, -i (n) a) fata (69, 5) (89, 1, 13)
X b) fatus (42, 5) (71, 1) (77, 3)
Fatus, -i (m) c) fatum (75, 9)
9- Intestina, -orum (n) a) intestina (63, 8) (66, 5)
X b) intestinas (76, 11)
Intestinae, -arum (f) c) -
10- Lac, -tis (n)47 a) -
X b) lactem (71, 1)
Lactis, -is (m) c) -
11- Liber, -bri (m) a) -
X b) libra (46, 7)
Librum, -bri (n) c) librum (59, 3) (75, 4)
12- Lorum, -i (n) a) -
X b) lorus (57, 8)
Lorus, -I (m) c) -
13- Maxilla, -ae (f) a) -
X b) maxillae (44, 3)
Maxilla, -ae (m) c) -
14- Nugae, -arum (f) a) -
X b) nugae (58, 3)
Nugae, -arum (m) c) nugarum (63, 1) (71, 4)
15- Numerus, -i (m) a) -
X b) numerum (63, 3) (68, 8)
Numerum, -i (n) c) numerum (40, 8)
16- Porticus, -us (f) a) -
X b) porticus (77, 4)
Porticus, -us (m) c) porticu (29, 5) (29, 7), porticum (72,
6)

47
Além da forma listada no quadro, o texto traz ainda a forma lacte (38, 1), que pode ser considerada uma
variante da forma neutra lac. As particularidades dessa formação estão estudadas na seção anterior, que
trata das alterações no sistema casual.

64
17- Quisquiliae, -arum (f) a) -
X d) quisquilia (75, 8)
Quisquilia, -orum (n) c) -
18- Rapum, -i (n) a) -
X b) rapam (66, 7)
Rapa, -ae (f) c) -
19- Schema, -atis (n) a) -
X b) schemas (44, 8)
Schema, -ae (f) c) -
20- Stigma, -atis (n) a) -
X b) stigmam (45, 9) (69, 2)
Stigma, -ae (f) c) -
21- Thesaurus, -i (m) a) thesauros (57, 9)
X b) thesaurum (46, 8)
Thesaurum, -i (n) c) thesaurum (38, 8)
22- Triclinium, -i (n) a) triclinium (30, 1) (30, 5) (31, 1) (31,
X 7) (33, 1) (40, 2) (40, 6) (41, 10)
Triclinia, -ae (f) (47, 8) (54, 4) (60, 1) (64, 2) (64, 9)
(70, 11) (72, 1) (73, 5) (78, 1) (78,
5), triclinio (47, 5), triclinii (30, 1)
(65, 3)
b) triclinia (71, 10)
c) -
23- Vasum, -i (n) a) uasa (50, 3) (64, 10), uasum (51, 3)
X b) uasus (57, 8)
Vasus, -i (m) c) -

65
24- Vinum, -i (n) a) uinum (31, 2) (34, 4) (34, 7 - bis)
X (39, 2) (43, 4), (48, 1) (52, 7), uina
Vinus, i (m) (55, 3, 3)
b) uinus (41, 12)
c) uini (38, 15) (60, 8), uino (39, 1),
uinum (65, 7) (71, 11) (73, 5) (74,
1) (76, 3) (76, 6) (78, 4)

formas convergentes: 41
formas divergentes: 31
formas neutralizadas: 33

EPISÓDIOS FINAIS (CAP. 79 a 141)

1- Balneum, -i (n) a) -
X b) -
Balneus, -i (m) c) balneum (92, 5) (93, 3), balneo (91,
3) (92, 6) (97, 2) (130, 7)
2- Caelum, -i (n) a) caelum (122, 1, 134) (123, 1,
X 198)
Caelus, -i (m) b) -
c) caelum (120, 1, 93) (122, 1,
148) (126, 3), caelo (83, 3) (83, 4)
(122, 1, 177) (127, 5) (127, 6) (132,
10), caeli (88, 4) (123, 1, 201) (124,
1, 246) (124, 1, 265) (139, 2, 3)
3- Candelabrum, -i (n) a) -
X b) -
Candelabrus, -i (m) c) candelabrum (95, 6), candelabro
(95, 9)

66
4- Cornu, -us (n) a) cornu (134, 11), cornua (126, 18, 3)
X b) -
Cornus, -us/-i (m) c) -
5- Fatum, -i (n) a) fata (89, 1, 13) (89, 1, 21) (108,
X 14, 5) (111, 11) (119, 1, 19) (127,
Fatus, -i (m) 6), fatum (139, 2, 1)
b) -
c) fatis (114, 9) (119, 1, 6) (123, 1,
220), fatorum (114, 13), fatum
(137, 5)
6- Lorum, -i (n) a) lorum (134, 9)
X b) -
Lorus, -i (m) c) loris (102, 8)
7- Nugae, -arum (f) a) -
X b) -
Nugae, -arum (m) c) nugarum (136, 5)
8- Porticus, -us (f) a) -
X b) -
Porticus, -us (m) c) porticu (106, 2), porticus (82, 1),
porticibus (90, 1)
9- Schema, -atis (n) a) schema (126, 8)
X b) -
Schema, -ae (f) c) -
10- Stigma, -atis (n) a) stigmate (103, 2), stigmata (105,
X 11)
Stigma, -ae (f) b) -
c) -
11- Thesaurus, -i (m) a) thesauros (124, 1, 292) (128, 6, 4)
X b) -
Thesaurum, -i (n) c) thesaurum (88, 8)

67
12- Triclinium, -i (n) a) triclinio (85, 4)
X b) -
Triclinia, -ae (f) c) -
13- Vinum, -i (n) a) -
X b) -
Vinus, i (m) c) uini (111, 10) (137, 10), uino (88, 6)
(109, 8)

formas convergentes: 18
formas divergentes: 00
formas neutralizadas: 37

II.2.2- ANÁLISE DOS DADOS

O que se evidencia na análise dessa listagem é o fato de que as formas alteradas


aparecem exclusivamente e em número bastante expressivo nos episódios da Cena
Trimalchionis. Nos demais episódios, registrou-se apenas o uso de formas padrão e
daquelas cujo gênero não pôde ser definido. Para uma análise detalhada do padrão de
utilização dessas formas, os vocábulos listados foram agrupados segundo a alteração de
gênero ocorrida, comparando-se as formas intra e inter grupos de episódios.

A) alterações de neutro para masculino


Foram identificadas as seguintes palavras neutras utilizadas como masculinas:
amphitheater, balneus, caelus, candelabrus, cornum, fatus, lactem, lorus,
uasus, uinus no singular e apophoreti no plural. As formas amphitheater, balneus,
caelus, candelabrus, fatus, lorus, uasus, uinus são de tema em -o e, à exceção de
amphitheater48, apresentam apenas a alteração da desinência de -m para -s; as formas
cornum e lactem trazem o acréscimo da desinência -m ao acusativo singular neutro,
com as alterações fonéticas necessárias. As palavras amphitheater e balneus
aparecem apenas sob as formas alterada e sem gênero identificável, o que pode ser
interpretado como um indício de que a forma alterada era de uso mais corrente do que a

48
O nominativo masculino amphitheater é construído em analogia com formas do tipo de ater, que
fazem acusativo singular em -trum.

68
forma padrão. Para as palavras caelus e lorus, é utilizada a forma padrão nos episódios
finais e a forma alterada nos episódios da Cena. Interessante ressaltar que, em relação à
palavra lorus, a expressão utilizada é a mesma: "lorus in aqua" (57, 8) na Cena e
"lorum in aqua" (134, 9) nos episódios finais. Essa diferenciação demonstra a
utilização do padrão morfológico como um recurso estilístico do autor, para caracterizar
seus personagens através da forma da palavra selecionada para uso. As formas
apophoreti, candelabrus, cornum, fatus, uasus e uinus são as que apresentam
maior oscilação de uso, pois que aparecem sob as formas alterada e padrão também nos
episódios da Cena. A palavra lactis só é utilizada nos episódios da Cena e uma única
vez, no acusativo singular ("unum lactem biberunt" - 71, 1), o que não permite fazer
generalizações, apenas a simples constatação de seu uso.

B) alterações de masculino para neutro


Foram identificadas quatro palavras masculinas utilizadas como neutras. São elas:
catilla, libra, numerum (duas ocorrências) e thesaurum. As palavras catilla, libra e
numerum são utilizadas apenas nos episódios da Cena sob formas cujo gênero não foi
identificável e sob formas alteradas (desinência -a de acusativo plural neutro no lugar
da desinência -os de acusativo plural masculino e -um em substituição a -us).
Thesaurum é utilizado em todos os grupos de episódios, sob as formas padrão e sem
gênero identificável, mas apenas nos episódios da Cena sob a forma alterada. O número
considerável de ocorrências (5 no total) de palavras masculinas utilizadas como neutras
demonstra ter havido uma fase de grande oscilação na atribuição de gênero, anterior ao
desaparecimento do neutro. Para Palmer (1954, p. 159), a contradição existente no fato
de a categoria destinada a desaparecer receber vocábulos temporariamente é uma
característica comum de períodos de transição ("as is common in periods of transition,
temporary gains were made by the category which was destined to disappear")49.

C) alterações de neutro para feminino


Foram identificadas cinco palavras neutras utilizadas como femininas: rapam,
triclinia, schemas, stigmam no singular e intestinas no plural. As formas em -am e
-as são equivalentes às de tema em -a, mas apenas intestinas traz um determinante que

49
"como é comum em períodos de transição, ganhos temporários são obtidos pela categoria destinada a
desaparecer" (tradução minha).

69
comprova o gênero feminino ("intestinas meas nouerat"- 76, 11). Uma outra maneira
de analisar essa desinência -as é considerá-la como a desinência -a de neutro plural,
acrescida do -s, já como marcador de plural. Essa hipótese pode sustentar-se diante de
duas evidências: a utilização da forma masculina por outros autores, tanto no singular,
quanto no plural, conforme indicam Lewis & Short em seu dicionário, e a manutenção
do gênero masculino nas línguas românicas (intestinos, em português, les intestins, em
francês). As formas stigmam e schemas apresentam a alteração de gênero
condicionada por uma identidade mórfica entre as formas de singular (stigma, -atis/
schema, -atis - tema em -i/consoante - mudam respectivamente para stigma, -ae/
schema, -ae - tema em -a). Essa mudança mostra a supremacia da forma sobre todas
as categorias gramaticais, pois se alteram as categorias de gênero e caso em função
dessa identidade mórfica apenas no nominativo singular. A palavra rapam apresenta a
alteração de gênero direcionada pela identidade de forma entre o nominativo singular de
tema em -a e nominativo/acusativo plural neutro de tema em -o, presente também na
palavra triclinia. Em relação a esta última, existe uma segunda possibilidade de
interpretação da desinência -a, a saber, considerá-la propriamente como nominativo
plural neutro. Isso porque o que define que triclinia é um nominativo singular é a forma
do verbo faciatur ("faciatur, si tibi uidetur, et triclinia" - 71, 10); dessa maneira, se se
considerar que há um desvio sintático de concordância na forma do verbo (faciatur por
faciantur), elimina-se o desvio na categoria de gênero.

D) alterações de feminino para neutro


Há apenas esta única ocorrência ao longo do Satyricon de palavra do gênero
feminino utilizada como neutra: quisquilia por quisquiliae. Nota-se, no entanto, que a
justificativa apresentada anteriormente de identidade entre as formas de nominativo
singular de tema em -a e nominativo/acusativo plural neutro de tema em -o não se
aplica a este caso, uma vez que quisquiliae é um pluralia tantum e, como tal, não
possui formas de singular. Assim, não se trata de interpretar essa ocorrência como um
"ganho temporário" da categoria marcada para desaparecer, como se fez acima em
relação aos masculinos utilizados como neutros. O que parece estar direcionando a
utilização dessa forma de feminino como um neutro é a própria acepção com que
Petrônio a emprega, a saber, de "coisas sem o menor valor".

70
E) alterações de feminino para masculino
Os femininos porticus, maxillae e nugae estão utilizados apenas sob as formas
cujo gênero não foi identificável e sob a forma padrão, com uma particularidade: não há
alteração nem de forma, nem de declinação. O que indica que essas palavras têm gênero
modificado são os determinantes associados a elas ("isti maiores maxillae" - 44, 3,
"isti nugae" - 58, 3 e "porticus marmoratos duos" - 77, 4). No caso de maxillae e
nugae, identifica-se uma relação metonímica ("maxilar" = "homens que não fazem
nada, só vivem a segurar o maxilar", "frivolidades" = "homens frívolos",
respectivamente), gramaticalmente marcada pela mudança localizada do gênero, o que
não caracteriza uma alteração de gênero nos moldes que estão sendo analisados. A
forma porticus já se enquadra no padrão de alteração permanente do gênero, visto que
não envolve qualquer mudança de significado, e permite levantar a hipótese de que a
alteração de gênero teria precedido a mudança de tema em -u para tema em -o, atestada
nas Inscriptiones Orelli, segundo indicam Lewis & Short.

II.2.3- CONCLUSÃO

O número bastante expressivo de vocábulos utilizados com o gênero alterado,


todos concentrados nos episódios da Cena, deixa transparecer a preocupação de
Petrônio em caracterizar seus personagens através de níveis de fala variados. A
alteração do gênero é, pois, um recurso de que dispõe o autor para atingir esse fim,
marcando claramente que a inconsistência e a ilogicidade da divisão tripartida da
categoria de gênero em masculino - feminino - neutro se refletiam na fala da plebs
romana representada pelos participantes da Cena Trimalchionis.
O não aparecimento de desvios na categoria de gênero em nenhum momento nos
demais grupos de episódios do Satyricon, mesmo na fala de personagens pertencentes à
mesma plebs romana, pode ser associado à intenção de Petrônio de deixar bem
caracterizado o universo lingüístico em que se insere a fala descuidada do povo, livre
das amarras gramaticais do latim clássico, aberta a alterações e mudanças.

71
III- MORFOLOGIA VERBAL

A complexidade da estrutura morfológica das formas verbais latinas se evidencia


através das diversas categorias gramaticais que estas expressam. Enquanto o sistema de
flexão nominal analisado acima apresenta as oposições de caso, gênero e número, o
sistema verbal latino se organiza em torno de um maior número de oposições, a saber:
número (singular x plural), pessoa (1a x 2a x 3a), voz (ativa x passiva x depoente), modo
(indicativo x subjuntivo x imperativo), aspecto (perfectivo x imperfectivo), tempo
(passado x presente x futuro) e, em alguns casos, gênero (masculino x feminino x
neutro). Todas essas categorias são marcadas morfologicamente por meio de quatro
paradigmas diferentes, denominados conjugações:

1a conjugação: infinitivo em –are


2a conjugação: infinitivo em –ere
3a conjugação: infinitivo em –ĕre
4a conjugação: infinitivo em –ire

As formas verbais latinas se organizam basicamente em torno da noção de tempo,


um desenvolvimento inovador em relação ao indo-europeu, creditado por Meillet (1965,
p. 198) ao “progresso da civilização”. A oposição entre passado (pretérito imperfeito,
pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito)-presente-futuro (futuro do presente e
futuro perfeito) é, pois, essencial na língua latina e se encontra morfologicamente
marcada através de sufixos, em todas as formas verbais da voz ativa, nos modos
indicativo e subjuntivo.
Em princípio, as oposições listadas acima podem ser marcadas através de dois
padrões flexionais: um sintético e o outro analítico. O sistema sintético compreende o
uso de sufixos e desinências e pode ser exemplificado pela forma dederamus, que
apresenta as informações relativas a todas as categorias gramaticais, exceto gênero: 1a
pessoa do plural, voz ativa (-mus); pretérito mais-que-perfeito do indicativo (-era-);
aspecto perfectivo (ded-). O sistema analítico expressa as mesmas categorias, com o
acréscimo da categoria de gênero, como na forma comprobatum sit, que é analisada
como 3a pessoa do singular, voz passiva, pretérito perfeito do subjuntivo, aspecto
perfectivo, gênero neutro, sem que, no entanto, se possa fazer uma segmentação nos

72
mesmos moldes da forma anterior. Esses dois padrões flexionais se encontram na
gramática da língua latina em distribuição complementar, isto é, não se aplicam às
mesmas formas verbais. O sistema sintético se aplica às formas ativas e passivas de
aspecto imperfectivo, enquanto que o sistema analítico se restringe às formas de passiva
de aspecto perfectivo.
No entanto, no curso de sua evolução, o latim desenvolveu para as formas verbais
um sistema de simplificação morfológica semelhante ao apresentado para as formas
nominais, que passa pela supressão da marcação formal de algumas categorias
morfológicas e pela substituição de traços morfológicos, característicos da língua
sintética, por traços tomados de empréstimo ao léxico e à sintaxe, próprios da língua
analítica (De Dardel, 1990, p. 93-94). As bases do sistema flexional do verbo tal como
descrito acima se mantêm mais sólidas para as formas sintéticas de voz ativa, o que
pode ser atestado pela manutenção, no sistema verbal das línguas românicas, da maior
parte das oposições presentes nas formas verbais latinas (Grandgent, 1952, p. 249). Ao
contrário, a flexão passiva passou por uma importante reestruturação, que envolveu a
completa perda da flexão sintética nas línguas românicas e sua substituição pelas
formações perifrásticas de esse + particípio passado, características das formas
analíticas, que por sua vez sofreram alterações no tempo do verbo esse.
Para Väänänen (1985, p. 181), o processo de simplificação morfológica por que
passou o latim pode ser sintetizado da seguinte maneira:

"Los morfemas que no correspondían a un sentido percibido con nitidez,


como el deponente, los valores sutiles como el aspecto de perfecto, las
categorías incoherentes como el futuro y el pasivo personal, fueron cayendo
o renovándose. En una palabra, se produjo un sistema de simplificación o de
nivelamiento bajo la acción conjugada de evoluciones fonéticas, sobre todo
el debilitamiento de las consonantes y de las vocales finales, y de
evoluciones sintácticas, sobre todo de la tendencia a favorecer los giros
sintácticos, es decir, formados con la ayuda de partículas o de verbos
auxiliares".

A redução do número de categorias gramaticais expressas pelo verbo e a


generalização do sistema analítico, entrando este em concorrência com o sistema
sintético, caracterizam a mudança do latim de língua sintética para língua analítica, uma

73
mudança cujo traçado não se pode estabelecer com precisão, visto que sua
implementação, ocorrida ao longo de séculos, ultrapassa a existência do latim como
língua falada e se estende pelas línguas românicas.
Para descrever o estágio de implementação do sistema analítico e a eliminação de
categorias gramaticais nas formas verbais da língua latina no séc. I d.C., parte-se do
princípio de que a linguagem do Satyricon caracteriza-se como um retrato do latim
falado pelos grupos sociais do séc. I representados por Petrônio.
Para o estudo dos desvios da morfologia verbal presentes no Satyricon, as
ocorrências selecionadas foram agrupadas de acordo com a categoria gramatical a que
estão associadas da seguinte maneira:

a) alterações nas categorias de tempo, modo e aspecto (a utilização de formas


perifrásticas em concorrência com o pretérito perfeito do indicativo sintético;
o uso de pretérito mais-que-perfeito do indicativo em lugar do pretérito
perfeito do indicativo e de pretérito mais-que-perfeito do subjuntivo em lugar
do pretérito imperfeito do subjuntivo; formação da voz passiva analítica com
o verbo esse nos tempos perfectivos; interferência de uso entre presente do
indicativo e imperativo presente; perda da marcação formal de aspecto
perfectivo; descaracterização do tema do perfectum)
b) alterações na categoria de voz (confusão entre formas ativas e depoentes;
utilização de dois padrões para formação do reflexivo; uso generalizado de
particípio presente de verbo depoente)
c) alterações na categoria de número e pessoa (ampliação de uso da desinência
–ere de 3a pessoa do plural)
d) alterações morfológicas diversas (mudança do tema e/ou conjugação do
verbo; uso de formas arcaicas; formação analógica de particípio passado)

Das categorias gramaticais associadas à morfologia verbal, excluiu-se apenas a


categoria de gênero, uma vez que esta já foi analisada na seção anterior, que trata da
morfologia nominal, de que efetivamente faz parte.

74
III. 1- ALTERAÇÕES NAS CATEGORIAS DE TEMPO, MODO E
ASPECTO

Em geral, a marcação formal das categorias de tempo, modo e aspecto segue o


mesmo padrão nas modalidades oral e escrita do latim, que está representado de forma
sucinta no quadro de sufixos a seguir:

INDICATIVO
Presente: ∅
Pretérito imperfeito: -ba-; -eba-
Pretérito perfeito: ∅
Pretérito mais-que-perfeito: -era-
Futuro imperfeito: -a-/-e-; -bi-
Futuro perfeito: -eri-

SUBJUNTIVO
Presente: -a-; -e-
Pretérito imperfeito: -re-
Pretérito perfeito: -eri-
Pretérito mais-que-perfeito: -isse-

Os pontos de divergência entre uma e outra modalidade da língua latina em relação


ao quadro acima compreendem, no latim falado, alguns processos de mudança, que se
encaixam em dois grandes movimentos de simplificação por que passou a língua latina:
a redução no número de oposições morfologicamente marcadas e a substituição de
formas sintéticas por analíticas (De Dardel, 1990).
O primeiro movimento de simplificação envolve a redução do número de oposições
de passado no modo subjuntivo, com a concentração, na forma de pretérito mais-que-
perfeito, dos valores expressos pelos pretéritos imperfeito, perfeito e mais-que-perfeito
(Väänänen, 1985, p. 233; Grandgent, 1952, p. 251). Paralelamente, há a perda da
marcação formal de aspecto perfectivo, através da síncope da soante –u- intervocálica,
inicialmente apenas em alguns tempos formados com base no tema de perfectum (Costa,
1952, p. 9-10; Palmer, 1954, p. 165; Grandgent, 1952, p. 259; Ernout, 1953, p. 211).

75
A substituição de formas sintéticas por analíticas ocorre na formação da voz passiva
(Monteil, 1970, p. 259; Palmer, 1954, p. 163; Grandgent, 1952, p. 250; Ernout, 1953, p.
228), no pretérito perfeito e no futuro imperfeito do indicativo (Väänänen, 1985, p. 229;
Grandgent, 1952, p. 250-251; Ernout, 1953, p. 164/216).
Para Väänänen (1985, p. 229), a utilização do pretérito mais-que-perfeito do
subjuntivo em substituição ao pretérito imperfeito do subjuntivo foi favorecida pela
semelhança de pronúncia (como em putasses x putares), em formas que apresentam a
queda do grupo -ui-.
As formas de aspecto perfectivo em –u- não possuem correspondente em nenhuma
língua indo-européia, ou itálica, caracterizando-se, pois, como uma formação
propriamente latina (Palmer, 1954, p. 273; Faria, 1995, p. 200). Na linguagem popular,
no entanto, que dá preferência a formas reduzidas, o -u- intervocálico sofre a síncope
em algumas formas de perfectum (Costa, 1952, p. 9; Palmer, 1954, p. 165). Em geral,
justifica-se a síncope do –u- como foneticamente motivada pela similaridade entre as
vogais anterior e posterior a ele, especialmente em formas dos verbos pertencentes à 4a
conjugação (do tipo audiuisti), em que a marca de aspecto perfectivo se encontra entre
duas vogais idênticas, que sofriam a posterior crase (Ernout, 1953, p. 209-211; Palmer,
1954, p. 273; Faria, 1995, p. 200). A partir dessas formas, o fenômeno da haplologia das
formas perfectivas se teria estendido analogicamente para as formas de 2a conjugação e,
em seguida, para as de 1a conjugação, sempre em contextos em que a síncope não
poderia gerar uma forma ambígua. Grandgent (1952, p.258) acrescenta outro fator
fonético que teria favorecido a queda do –u- entre dois –i-, em verbos de 4a conjugação,
que seria a tendência a manter o acento sobre a vogal característica.
A gênese da generalização do uso da conjugação perifrástica tanto para as formas
de pretérito perfeito do indicativo, quanto para as formas de voz passiva pode ser
buscada na necessidade de se estabelecer para cada forma uma única função. Uma vez
que a forma sintética possuía a função de expressar os valores semânticos de pretérito
(noção de passado) e de perfeito (noção de estado adquirido), passou-se, na modalidade
oral da língua latina, a utilizar a forma sintética com o valor apenas de pretérito e criou-
se a perífrase de habere no presente do indicativo + particípio passado em acusativo,
para expressar a noção de perfeito (Väänänen, 1985, p. 229; Grandgent, 1952, p. 250).
Segundo Ernout (1953, p. 216), a perífrase destinada a expressar o valor de estado
adquirido foi formada em analogia com a forma analítica já existente para a voz passiva
em latim (esse nos tempos de aspecto imperfectivo + particípio passado), característica

76
do aspecto perfectivo. Palmer (1954, p. 150) cita uma segunda forma perifrástica, que
entrava em concorrência com o pretérito perfeito do indicativo, porém quando este
expressava apenas a noção de passado, a saber, a construção de infinitivo + verbo
coepi, segundo o autor um freqüente substituto para o “perfeito aorístico”.
A completa eliminação do paradigma sintético da voz passiva parte da utilização do
verbo esse como índice temporal da perífrase (Monteil, 1970, p. 259), isto é, existe
uma dissociação entre os componentes da fórmula a seguir:

particípio passado + esse nos tempos imperfectivos = voz passiva de aspecto perfectivo

Essa dissociação levou à necessidade de se utilizarem as formas de aspecto


perfectivo do verbo esse na formação da voz passiva dos tempos do perfectum. Assim,
a oposição entre amatur (presente do indicativo) e amatus est (pretérito perfeito do
indicativo) foi substituída pela oposição amatus est x amatus fuit, nos respectivos
tempos. Ernout (1953, p. 228) atribui essa mudança ao duplo sentido das formas
perfectivas mencionado acima e à mesma necessidade de se diferenciar, pela forma, as
noções de perfeito e de pretérito.
As formações perifrásticas de futuro, compostas de infinitivo + verbo habere, ou
verbos de força modal, tais como uelle e debere, substituíram por completo as formas
sintéticas de futuro da conjugação latina, mas já no período românico (Palmer, 1954, p.
164; Ernout, 1954, p. 164).

III.1.1- LISTAGEM DAS ALTERAÇÕES NAS CATEGORIAS DE TEMPO, MODO


E ASPECTO

A partir das alterações nas categorias de tempo, modo e aspecto apresentadas e


discutidas acima e de padrões diferenciados de uso observados no Satyricon, as
divergências morfológicas presentes na obra serão listadas para análise segundo o
agrupamento abaixo:

a) redução no número de oposições de passado


b) perda da marcação formal de aspecto perfectivo

77
c) substituição de formas sintéticas por analíticas
d) emprego de presente do indicativo pro imperativo

Os agrupamentos acima foram organizados de maneira diferenciada, segundo as


características próprias de cada processo analisado. Para os itens a) e d), as ocorrências
que apresentam a interferência de uso entre as formas de passado no modo subjuntivo e
entre presente do indicativo e imperativo, respectivamente, foram listadas em uma única
coluna, por ordem de aparecimento no texto, em destaque (negrito) no contexto
oracional. Os dados relativos à perda da marcação formal de aspecto perfectivo (item b)
foram subdivididos em dois grupos, segundo a conjugação a que pertencem as formas
alteradas: grupo 1 – 1a conjugação, grupo 2 – 3a e 4a conjugações. Excluíram-se os
verbos de 2a conjugação, pois que todas as formas verbais pertencentes a esta
conjugação identificadas na obra apresentavam a marcação formal de aspecto
perfectivo. Em cada um dos subgrupos, as ocorrências estão organizadas em uma única
coluna, por ordem de aparecimento no texto. Em relação aos verbos de 3a e 4a
conjugação, que têm a particularidade de apresentarem duas formas de perfectum – uma
em –ĭui, a outra em –ĭi, optou-se por listar apenas as formas em que a síncope do –u- foi
acompanhada pela crase entre as vogais anterior e posterior. As ocorrências seguidas de
asterisco sinalizam que o texto apresenta formas com e sem a síncope. O item c)
apresenta quatro subdivisões, segundo a estrutura que o caracteriza: habere + particípio
passado, infinitivo + coepi, particípio futuro + esse, particípio passado + esse. As
estruturas com particípio passado foram listadas em destaque (negrito), em seu contexto
de ocorrência; as demais estão organizadas por ordem de aparecimento no texto, com a
transcrição de apenas a forma perifrástica. Todas as ocorrências selecionadas para
estudo trazem a indicação exata de sua localização no texto (capítulo e subdivisão de
capítulo).

A) REDUÇÃO NO NÚMERO DE OPOSIÇÕES DE PASSADO

1- “Putasses illum semper mecum habitasse” (76, 11).


2- “Quis unquam uenit in templum et uotum fecit, si ad eloquentiam
peruenisset ? (88, 7)

78
3- “quis, si philosophiae fontem attigisset ? (88, 7)
4- “ut quisquis ex notis ignotisque ad monumentum uenisse, putasset
expirasse super corpus uiri pudicissimam uxorem” (112, 3).
5- “quotiescunque aliquem nostrum uocare temptasset, alium pro alio uocaret
...” (117, 10)
6- “ultimo coepit dicere, te noxam meruisse daturumque seruiles poenas, si
laesus in querela perseruasset” (139, 3)
7- “Recte ergo me facturum, si excusationem aliquam idoneam praeparassem
...” (139, 5)
8- “et si non seruasset integram simulationem, periclitabatur totam paene
tragoediam euertere” (140, 6).

B) PERDA DA MARCAÇÃO FORMAL DE ASPECTO PERFECTIVO

B.1- Verbos de 1a. conjugação

improbasse (4, 6)
parasset (9, 2)
pugnasti (9, 9)
laudasti (10, 2)
turbastis (16, 3)
monstrasset (18, 3)
propinasse (28, 3)
intrassemus (31, 1)
intrasset (41, 1)
uindicasset (41, 4)
cenasse (41, 5)
sufflasses (45, 11)
intrasse (47, 9)
declamasti (48, 4)
numerasti (58, 2)
inuolasti (58, 10)

79
optarunt (61, 1) *
adiutasses (62, 11)
gustasset (66, 5)
excatarissasti (67, 10)
cenastis (74, 6)
intrasset (74, 8)
naufragarunt (76, 4) *
putasses (76, 11)
habitasse (76, 11)
pernoctassemus (79, 6)
uiolasti (79, 11)
temperasset (83, 5)
iactasset (87, 4)
intrasse (101, 7)
praecipitasse (102, 9)
durassent (105, 11)
maculassent (106, 1)
notasset (111, 6)
putasset (112, 3)
expirasse (112, 3)
temptassent (117, 10)
pecasse (130, 1)
pecasse (130, 4)
calcasti (134, 1)
excitasti (134, 2)
intrasse (136, 13)
prouocassem (137, 6)
lustrasset (137, 10)
donasset (138, 6)
lassasset (139, 3)
perseuerasset (139, 3)
praeparassem (139, 5)
seruasset (140, 6)

80
B.2- Verbos de 3a. e 4a. conjugação
abimus (15, 8)
eximus (28, 1)
coisse (33, 7) *
nosse (39, 4) *
praeterisset (49, 7)
prodisset (52, 7)
audimus (63, 6)
abistis (64, 3)
nosti (67, 2)
desisset (68, 6)
petissemus (72, 10)
nosti (75, 7)
trasisse (80, 6) *
obdormissem (86, 2)
perissent (88, 1)
redisse (91, 9) *
petisti (97, 9) *
redimus (103, 6)
dormisse (104, 2) *
audisset (104, 9)
perisse (109, 9, 16) *
audisset (111, 6)
isset (112, 8)
subimus (115, 6)
exisse (117, 6) *
nosti (126, 1) *
peristi (129, 6) *
quaesisset (139, 3)

81
C) SUBSTITUIÇÃO DE FORMAS SINTÉTICAS POR ANALÍTICAS

C.1- Estrutura de habere + particípio passado

1- “Trimalchio, lautissimus homo, horologium in triclinio et bucinatorem habet


subornatum...” (26, 9)
2- “et duae tabulae in utroque poste defixae, quarum altera, si bene memini,
hoc habebat inscriptum (...), altera lunae cursum stellarumque septem
imagines pictas...” (30, 3-4)
3- “Rotundum enim repositorium duodecim habebat signa in orbe disposita...”
(35, 2)
4- “Ego tamen duo sustuli et ecce in mappa alligata habeo...” (66, 4)
5- “Videte, numquid hoc placeat: ego uos in duas iam pelles coniciam
uinctosque loris inter uestimenta pro sarcinis habebo...” (102, 8)

C.2- Estrutura de infinitivo + coepi

1- persequi coepi ( 6, 2)
2- coepit praecedere (7, 1)
3- fugere coepi (7, 4)
4- coepit rogare (8, 3)
5- coepit uelle (9, 5)
6- coepit uerberare (11, 4)
7- coepimus...concutere (12, 2)
8- considerare...coepit (12, 3)
9- coepimus...proclamare (14, 6)
10- ridere...coepimus (15, 8)
11- coepit obducere (19, 6)
12- stertere…coeperunt (22, 5)
13- errare coepimus (27, 1)
14- interrogare…coepi (29, 9)
15- rogare coepit (30, 7)

82
16- scrutari…coeperunt (33, 4)
17- coepit euerrere (34, 3)
18- accersere…coepi sciscitarique (37, 1)
19- coeperant dare (39, 1)
20- discurrere coeperunt (40, 2)
21- coepimus inuitare (41, 9)
22- mirari…coepimus et iurare (49, 2)
23- deprecari…coeperunt et dicere (49, 6)
24- circumspicere…coepi (54, 4)
25- uerberari coepit (54, 4)
26- coepit…esse (55, 4)
27- circumferri coeperunt (56, 7)
28- coeperat…respondere (59, 1)
29- sonare coeperunt (60, 1)
30- coeperunt effundere et accedere (60, 6)
31- amare coepi (61, 6)
32- coepit…facere (62, 4)
33- coeperam dicere (62, 7)
34- ululare coepit (62, 7)
35- mirari coepit (62, 8)
36- coeperat surgere (67, 3)
37- coepit imitari (68, 3)
38- coeperat uelle (70, 10)
39- coepit imitari et prouocare (70, 13)
40- agere...coeperant (71, 4)
41- flere coepit (72, 1)
42- coeperam…plorare (72, 2)
43- lauari…coeperat (73, 1)
44- siccare coepit (73, 2)
45- coepit…lacerare (73, 3)
46- osculari...coepit (74, 8)
47- male dicere...coepit et paredicare (74, 9)
48- flere coepit (74, 12)

83
49- rogare coepit (75, 1)
50- rogare coepit (75, 2)
51- coeperam dicere (75, 10)
52- coepi...habere (76, 9)
53- coepi...fenerare (76, 9)
54- tumultuari...coeperunt (78, 7)
55- perire coepi (79, 8, 5)
56- coepi...agere (82, 4)
57- coepit insistere (84, 1)
58- coeperam...diducere, ...ordinare, ...docere ac praecipere (85, 3)
59- stertere coepit (85, 6)
60- uereri coepit (86, 2)
61- coepit...expectare (86, 6)
62- rogare coepi (87, 1)
63- pungere...coepit et dicere (87, 8)
64- consulere...coepi (88, 1)
65- coeperis...exire (90, 4)
66- speculari...coepi (92, 2)
67- circuire...coepi et ...clamitare (92, 6)
68- coepi...mentiri (100, 4)
69- coeperat...rogare (105, 7)
70- sciscitari...coepit (105, 11)
71- redire...coeperat (109, 8)
72- coepit...dicere (109, 8)
73- coepit iactare (110, 6)
74- custodire ac flere...coepit (111, 2)
75- coepit hortari (111, 8)
76- expugnare...coepit (111, 10)
77- coepi...inspicere (115, 8)
78- esse...coepi (122, 1, 164)
79- mirari...coepi (126, 11)
80- interrogare...coepi (128, 5)
81- coepi...expectare (131, 1)

84
82- habere coepisti (131, 3)
83- temptare coepit (131, 5)
84- agere...coepi...perfundi (132, 2)
85- coepit accusare (134, 6)
86- inspicere...coepi (135, 1)
87- coepi...elidere (136, 5)
88- ire...coepi (136, 8)
89- excusare coepit (136, 11)
90- flere...coepit...mesereri (137, 5)
91- coepit inserere (138, 1)
92- coepit...cadere (138, 2)
93- quaerere...coepi (139, 3)
94- coepit dicere (139, 3)
95- coepit redire (141, 1)

C.3- Estrutura de particípio futuro + esse

1- futurum est (44, 16)


2- habituri sumus (45, 4)
3- daturus est (45, 6)
4- facturi sumus (102, 11)
5- uentura sunt (115, 17)

C.4- Estrutura de particípio passado + esse

1- “Vtcunque ergo lassitudine abiecta cenatoria repetimus et in proximam


cellam ducti sumus” (21, 5).
2- “sociorum olla male feruet, et ubi semel res inclinata est, amici de medio”
(38, 13).
3- “Itaque feriatis diebus solet domum uenire, et quicquid dederis, contentus
est” (46, 6).
4- “Curabo iam tibi Iouis iratus sit...” (58, 2)

85
5- “Athana tibi irata sit curabo...” (58, 7)
6- “Ita genium meum propitium habeam, curabo domata sit Cassandra
caligaria” (74, 14).
7- “Non solum era turbata est, sed ancillae etiam omnes familiari sono
inductae ad uapulantem decurrunt” (105, 6).
8- “Prudentior Eumolpus conuertit ad nouitatem rei mentem genusque
diuitationis sibi non displicere confessus est.” (117, 1).
9- “Siue occidere placet, ferro meo uenio; siue uerberibus contenta es, curro
nudus ad dominam” (130, 3).
10-“Oppono ego oculis meis, nullisque effusis precibus, quia sciebam quid
meruissem, uerberibus sputisque extra ianuam eiectus sum” (132, 4).

D) EMPREGO DE PRESENTE DO INDICATIVO PRO IMPERATIVO

1- “Permittetis tamen finiri lusum” (33, 2)


2- “Vides illum qui obsonium carpit” (36, 8)
3- “Vides tot culcitras” (38, 5)
4- “Vides illum qui in imo imus recumbit” (38, 7)
5- “Vides Phileronem causidicum” (46, 8)
6- “Ignoscetis mihi quod dixero” (50, 7)
7- “Videtis mulieris compedes” (67, 7)
8- “Vides me: nec auguria noui nec mathematicorum caelum curare soleo”
(126, 3)

III.1.2- ANÁLISE DOS DADOS

Os dados apresentados acima serão analisados por agrupamento, seguindo-se a


mesma subdivisão utilizada na composição da listagem.

Redução no número de oposições de passado: A redução no número de


oposições de passado no modo subjuntivo e sua manutenção no modo indicativo

86
demonstram a artificialidade do estabelecimento de três formas de passado para as
formas verbais subjuntivas e comprova a instabilidade semântica da simetria criada. Por
outro lado, o pequeno número de ocorrências apresentado acima leva a se considerar
que, apesar de artificial, essa diferenciação era operante no universo lingüístico
representado na obra, uma vez que os dados refletem um período ainda incipiente da
eliminação da subdivisão tripartida de passado em subjuntivo.
A interferência de uso entre as três formas de passado do subjuntivo em favor do
pretérito mais-que-perfeito representada pelos dados acima traz uma particularidade que
merece ser mencionada, a saber, a relação que pode ser estabelecida entre a conjugação
a que o verbo pertence e os tempos verbais, com os quais o pretérito mais-que-perfeito
interfere. Quando se trata de interferência com formas de pretérito imperfeito, os verbos
são sempre de 1a conjugação, contexto em que o tema do perfectum se encontra
descaracterizado. Essa “coincidência” pode ser interpretada como um fator determinante
para o início do processo, uma vez que se elimina a marca formal da categoria de
aspecto, que distancia o valor semântico das duas formas. A única diferença que se
mantém é o sufixo modo-temporal, ele mesmo já descaracterizado juntamente com o
tema do perfectum nas formas de pretérito mais-que-perfeito, uma diferenciação que é
neutralizada pela semelhança de pronúncia referida acima (p. 30). Quando a
interferência ocorre com formas de pretérito perfeito, esse fator não mais atua, uma vez
que ambos os tempos se juntam ao mesmo tema de perfectum, pois que expressam o
mesmo valor aspectual perfectivo, eliminando-se apenas a diferença relativa ao valor
aspectual de anterioridade, expressa na oposição entre os sufixos –isse- e –eri-.

Descaracterização do tema de perfectum: A análise cuidadosa dos dados


referentes à síncope do –u em verbos de 1a conjugação ao longo do Satyricon permite
as seguintes generalizações:

a) há sempre a queda da vogal subseqüente, seja ela –e- ou –i-;


b) a síncope se restringe às formas de pretérito perfeito do indicativo (2a pessoa
do singular e do plural), pretérito mais-que-perfeito do subjuntivo (todas as
pessoas do singular e do plural) e infinitivo perfeito (seqüência –auisse-); as
demais formas de aspecto perfectivo (pretérito mais-que-perfeito do
indicativo, futuro perfeito e pretérito perfeito do indicativo) são sempre
utilizadas na forma plena;

87
c) a síncope da seqüência –ui- não está associada ao registro de fala empregado
pelo autor, uma vez que ocorre de forma sistemática (em 100 % dos dados)
ao longo de todos os episódios da obra;
d) a síncope do –u e da vogal subseqüente na seqüência –auer- ocorre duas
vezes apenas nos capítulos da Cena, restrita às formas de 3a pessoa do plural
do pretérito perfeito do indicativo.

Os verbos de 3a e 4a conjugação apresentam a particularidade de a síncope do –u-


fazer parte do paradigma das formas verbais perfectivas, que sempre trazem as duas
formas: uma em –ĭui, a outra em –ĭi. No entanto, a análise dos dados referentes ao
emprego dessas formas ao longo do Satyricon mostra que a forma plena em –ĭui se
restringe única e exclusivamente às 1a e 3a pessoas do singular do pretérito perfeito do
indicativo, empregada ao lado da forma reduzida, como em pares do tipo
quaesiuit/quaesiit, em 65, 8 e 94, 7, respectivamente. Os demais tempos verbais
utilizam sempre a forma em –ĭi. Outra particularidade relativa às formas de 3a pessoa do
singular do pretérito perfeito do indicativo, que aponta para uma preocupação funcional
de estabelecer para cada forma uma função, diz respeito à ausência da crase nessas
formas verbais reduzidas. Todas as formas reduzidas de 3a pessoa do singular do
pretérito perfeito do indicativo são grafadas com –ĭit, mantendo-se a diferenciação entre
as formas de perfeito e as de presente do indicativo, como por exemplo em petit/petĭit
(16, 4 e 65, 2, respectivamente). Por outro lado, os dados computados acima mostram
que não há essa mesma preocupação funcional quando se trata da 1a pessoa do plural do
pretérito perfeito do indicativo, em que a crase ocorre em todas as formas identificadas.
Na listagem dos dados relativos aos verbos de 3a e 4a conjugação, é ainda
importante ressaltar que:

a) a seqüência –ui- está ausente em todas as formas de pretérito mais-que-perfeito


do subjuntivo identificadas ao longo da obra;
b) nas demais formas em que a seqüência –ui- ocorre de maneira assistemática (2a
pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo e infinitivo perfeito), as
formas sincopadas são mais freqüentes;
c) não é possível associar a ausência da seqüência –ui- ao registro de fala
empregado pelo autor, uma vez que esta ocorre de forma assistemática ao longo
de todos os episódios da obra.

88
Comparando-se os dados computados e analisados acima ao traçado da
implementação da descaracterização do tema de perfectum apresentado anteriormente
por Palmer (1954), Ernout (1953) e Faria (1995), conclui-se que os dados do Satyricon
não refletem o mesmo padrão de uso descrito por esses autores, que identificam a
haplologia das formas verbais perfectivas em verbos de 1a conjugação como uma
extensão do fenômeno em verbos de 4a conjugação, e permitem que se identifiquem
algumas incoerências:

- nas formas de 2a pessoa do singular e do plural do pretérito perfeito do indicativo


(seqüência –auisti/-auistis) e de infinitivo perfeito (-auisse) a síncope da seqüência –
ui- se encontra em estágio mais avançado do que em verbos de 3a e 4a conjugação
(completa para a primeira e em andamento para a segunda);
- a síncope da seqüência –uer- inexiste em verbos de 3a e 4a conjugação e se apresenta
em estágio inicial em verbos de 1a conjugação;
- nas formas de pretérito perfeito do indicativo dos verbos de 1a conjugação, existe
sempre a preocupação de se diferenciarem estas formas das de presente do indicativo,
estabelecendo para cada forma uma função; para os verbos de 3a e 4a conjugações, esta
diferenciação pode ou não ocorrer, dependendo da forma em questão.

A partir do exposto acima, é possível que se construa um novo traçado para essa
mudança, partindo-se do princípio de que se trata de processos diferentes que resultam
em formas similares. Sob essa perspectiva, a ausência do –u- nos tempos de aspecto
perfectivo dos verbos de 3a e 4a conjugação não seria analisada como síncope, mas sim
como parte do paradigma, de uso já bastante disseminado em relação à forma perfectiva
em –u-. O único processo que ocorre é o de crase, já completo nas formas de pretérito
mais-que-perfeito do subjuntivo e em andamento nas demais formas. Já a 1a conjugação
apresentaria a síncope das seqüências –ui-/-ue- em formas em que a descaracterização
do tema do perfectum não tem como resultado uma forma já existente no paradigma
verbal, ou seja, quando o tema de perfectum não é o único marcador de aspecto
perfectivo. Assim, apenas a 3a e 4a conjugação seguiriam o princípio fonético; a 1a
conjugação estaria seguindo o princípio funcional, com o que se pode justificar as

89
diferenças de percurso com resultado final idêntico nas formas verbais perfectivas das
línguas românicas 50.

Substituição de formas sintéticas por analíticas: A listagem acima apresenta dois


tipos de estruturas analíticas que co-ocorrem com as formas sintéticas perfectivas (a
estrutura de habere + particípio passado e a estrutura de infinitivo + coepi), cada uma
delas associada a um aspecto verbal diferente: a primeira associada à noção de perfeito,
a segunda à noção de pretérito. O verbo principal em ambas as estruturas ocorre em
tempos variados, correspondendo a todas as formas verbais de aspecto perfectivo do
indicativo (pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito e futuro perfeito).
É importante ressaltar que nenhuma dessas estruturas apresenta uma ordem fixa
para colocação dos elementos que compõem as perífrases. Também não é possível
estabelecer qualquer tipo de sistematicidade para o uso dessas estruturas, nem associar o
aumento ou diminuição do número de ocorrências das mesmas aos grupos de episódios
do Satyricon.
Quando se comparam os dados do Satyricon às alterações no paradigma das
formas verbais perfectivas latinas, chama a atenção o pequeno número de ocorrências
da estrutura de habere + particípio passado, em relação à estrutura de infinitivo +
coepi, visto que não há vestígios desta última na formação dos tempos perfectivos nas
línguas românicas, enquanto que a primeira estrutura se fixa como parte do paradigma
verbal, ao lado da forma sintética. Esses dados mostram que o desenvolvimento da
estrutura analítica de habere + particípio passado como um processo lingüístico foi
posterior ao séc. I d.C., apesar de já ser utilizada nesse período de maneira
assistemática. A estrutura de infinitivo + coepi, por sua vez, que também aparece de
maneira assistemática, mas em número bem mais significativo - muitas vezes em
correlação com a própria forma sintética - caracteriza-se como uma formação perfectiva
mais simples do que a sintética, já que, no lugar de se usarem diferentes temas de
perfectum, utiliza-se apenas um (o do verbo coepi). Esse fator pode ser apontado para
fundamentar a opção por esta estrutura pelo critério de simplificação, que, segundo De
Dardel (1990), se processava no latim falado como um recurso para diminuir o "esforço

50
É importante ressaltar que a justificativa de base funcional se aplica aos dados analisados, considerados
como representativos do emprego das formas verbais perfectivas no séc. I d.C. Alterações posteriores,
que ocorreram muito mais tarde (Grandgent, 1952, p. 259), confirmam que essa preocupação funcional
deixou de operar, gerando formas tais como julgamos, em português, presente e pretérito perfeito do
indicativo.

90
memorial" necessário na utilização da língua; por outro lado, seu desaparecimento nas
línguas românicas contradiz essa posição e mostra que a linguagem popular não
incorporou a forma mais simples, mantendo a forma sintética, para expressão do
perfeito aorístico, e desenvolvendo a formação perfectiva de habere + particípio
passado, para expressão da noção de perfeito, também ela mais complexa do que a
formação de com o verbo coepi.
A estrutura de particípio futuro + esse em substituição ao futuro imperfeito,
assim como as estruturas analisadas acima, ocorre de maneira esporádica. É formada
segundo os mesmos critérios de concordância da voz passiva analítica, mantendo a
mesma relação semântica entre os componentes da perífrase existente no infinitivo
futuro, mas não se constitui em formação própria do paradigma verbal da língua latina
retratada na obra, uma vez que a forma sintética de futuro é usada de maneira regular. É
importante ressaltar que não foi identificado, ao longo da obra, nenhum outro tipo de
futuro analítico, o que mostra que a estrutura perifrástica denominada "futuro
românico", formada por infinitivo e verbo habere, desenvolveu-se em período posterior
ao séc. I d.C. A ocorrência da formação com particípio futuro demostra, no entanto, que
já havia uma instabilidade quanto ao uso da forma sintética de futuro e uma busca por
estruturas analíticas alternativas.
Nos dados relativos à estrutura de particípio passado + esse selecionados para
análise, pode-se identificar pelo menos um fator que favorecia a substituição das formas
passivas sintéticas de aspecto imperfectivo pelas formas de passiva analítica: a
existência de formas de particípio passado que têm seu valor verbal enfraquecido e em
que prevalece o valor de adjetivo. Em casos como os das ocorrências 2, 3, 4, 5, 7 e 9, se
se interpretar as formas participiais como efetivamente de particípio passado, analisam-
se as estruturas como voz passiva analítica dos tempos de aspecto perfectivo; se, por
outro lado, estas formas são interpretadas como simples adjetivos, prevalece o tempo do
verbo esse para definir o tempo verbal da oração. A partir dessas formas com dupla
possibilidade de interpretação, a estrutura analítica se teria difundido para as todas as
formas participiais, inclusive as que possuíam apenas o valor participial, como nas
demais ocorrências. O exemplo 6 mostra essa difusão por analogia e o exemplo 10
caracteriza claramente a alteração, pois a passiva analítica eiectus sum deve
necessariamente ser interpretada como presente do indicativo, visto que se encontra em
coordenação com o verbo oppono, no presente do indicativo. Nas frases 1 e 8, a
ambigüidade se apresenta também nos verbos com os quais a estrutura passiva está em

91
coordenação, respectivamente repetĭmus e conuertit, que podem ser analisados tanto
como presente, quanto como pretérito perfeito.

Emprego de presente do indicativo pro imperativo: A análise das ocorrências de


presente do indicativo em lugar de imperativo mostra que esta substituição se passa
quase que única e exclusivamente em capítulos da Cena (há apenas uma ocorrência nos
episódios finais), principalmente com o verbo uidere, como se fosse uma fórmula na
fala de Trimalquião e de seus convidados. O fato de essa substituição praticamente se
restringir a esse contexto bastante específico pode ser considerado como um indício de
que a interferência de uso entre presente do indicativo e imperativo presente, em favor
do primeiro, fazia parte da linguagem popular dos grupos sociais do séc. I d.C.
representados por Petrônio na Cena. Essa interferência, que pode ser justificada em
função da semelhança existente entre as formas de presente e imperativo, aparece
apenas como tendência no Satyricon, mas ganha força nas línguas românicas, onde a
forma de imperativo de 2a pessoa do plural em –te não sobrevive, mas sim uma
formação de imperativo gerada a partir da desinência –tis de presente do indicativo.

III.1.3- CONCLUSÃO

Os dados relativos às alterações nas categorias de tempo, modo e aspecto


revelam que as transformações no paradigma das formas verbais latinas se concentram
basicamente nos tempos verbais de aspecto perfectivo, tanto no indicativo, quanto no
subjuntivo. O quadro que pode ser esboçado a partir do levantamento acima é de
instabilidade das formas perfectivas sintéticas, enquanto capazes de expressar o valor
semântico associado a elas. Tal enfraquecimento dos traços morfológicos leva a uma
dissociação entre forma e função e à busca por estruturas analíticas alternativas,
formadas a partir de traços sintáticos e lexicais.
No entanto, a falta de sistematicidade quanto ao uso de grande parte das formas
analíticas analisadas atesta um período ainda incipiente do grande processo de mudança,
que se processou na língua latina, de língua sintética para analítica. Por outro lado, o
estudo feito acima oferece um traçado das estruturas a partir das quais essa mudança se
teria processado.

92
É também significativo o fato de que todos os itens trabalhados, à exceção do d),
são utilizados ao longo de todos os grupos de episódios da obra, independente de seu
caráter mais popular, ou mais erudito, um padrão de uso diferenciado em relação ao
identificado no estudo da morfologia nominal, em que as alterações se concentram nos
capítulos da Cena.

III.2- ALTERAÇÕES NA CATEGORIA DE VOZ

A categoria verbal de voz apresenta em latim um sistema elaborado de oposições


morfológicas, que envolve:

a) dois grupos de desinências (ativa x passiva) para expressar três valores


semânticos diferenciados (ativa x passiva x depoente);
b) dois subsistemas diferentes para formação da voz passiva (sintético x analítico).

A existência desse sistema elaborado, com diferentes formas para desempenhar


funções idênticas e formas idênticas para expressar valores diferentes, certamente se
constitui em elemento de dificuldade para o falante/escritor e leva a que se processem
alterações, através das quais se possam eliminar tais pontos de instabilidade.
Em relação à existência de apenas dois grupos de desinências para expressar três
valores semânticos diferenciados, a alteração ocorrida envolveu a eliminação do
depoente, com sua completa absorção pela conjugação ativa correspondente
(Grandgent, 1952, p.150; Monteil, 1970, p. 262; Vänäänen, 1985, p. 224; Faria, 1995,
p.196).
Dois fatores são em geral indicados como propulsores para que essa alteração se
pudesse processar: a perda do valor semântico médio que diferenciava o depoente das
vozes ativa e passiva (Monteil, 1970, p. 260) e o fato de o depoente possuir as formas de
particípio presente e de gerúndio, próprias da flexão ativa, além da forma de gerundivo
com valor passivo (Ernout, 1953, p. 115). Segundo Faria (1995, p. 196), a eliminação
do depoente é uma tendência que pode ser percebida desde o período arcaico da língua.
A partir do momento em que o depoente passou a não mais ser percebido pelos latinos
como categoria mental importante, ter-se-ia iniciado o processo de seu desaparecimento

93
como categoria lingüística fundamental (Monteil, 1970, p. 261). A imprecisão do valor
semântico dos depoentes se reflete na morfologia através da existência de:

a) dupla flexão para alguns verbos;


b) verbos geralmente depoentes, mas eventualmente flexionados como ativos;
c) verbos normalmente ativos, mas isoladamente flexionados como depoentes;
d) emprego de forma depoente com valor passivo.

No entanto, para Monteil, 1970, p. 261, a criação esporádica de formas depoentes,


principalmente na modalidade oral da língua latina em cada período de sua história, não
deve ser analisada como tentativa de “reanimação” do valor semântico distintivo do
depoente, uma vez que os novos depoentes possuem emprego isolado e não
correspondem a uma necessidade.
A existência de dois subsistemas diferentes para formação da voz passiva, um
sintético, para as formas verbais de tempo imperfectivo, e outro analítico, para as
formas verbais de tempo perfectivo, levou à completa eliminação do primeiro (o
sintético) em proveito do segundo (o analítico). Segundo Grandgent (1952, p. 250), toda
a flexão passiva sintética foi substituída pela formação analítica, ou por outras estruturas
correspondentes, como voz ativa + pronome reflexivo, até fins do período latino vulgar.
Ernout (1953, p. 228) atribui o desaparecimento da voz passiva sintética dos tempos do
infectum à necessidade de se expressar morfologicamente a oposição entre as noções
perfectivas de perfeito e de passado. Em função disso, destinou-se a forma padrão, que
apresenta o verbo esse nos tempos do infectum, à expressão do valor de perfeito
(estado ou resultado adquirido) e criou-se analogicamente uma forma com o verbo esse
nos tempos do perfectum, para expressar a noção de passado. Uma vez criada essa
oposição, as formas sintéticas teriam sido ao poucos eliminadas.

III.2.1- LISTAGEM DAS ALTERAÇÕES NA CATEGORIA DE VOZ

A listagem das alterações na categoria de voz identificadas no Satyricon foi


dividida nos seguintes subgrupos, de acordo com os processos de redução de oposições
morfológicas acima descritos:

94
a) confusão entre conjugação ativa e depoente;
b) voz passiva com verbo esse nos tempos do perfectum.

Em ambos os agrupamentos, as ocorrências foram organizadas por ordem de


aparecimento no texto, seguidas da indicação exata do capítulo e subdivisão do capítulo
em que se encontram na obra.

A) CONFUSÃO ENTRE CONJUGAÇÃO ATIVA E DEPOENTE

ridentur (4, 4)
amicimur (26, 10)
delectaretur (45, 7)
loquere (46, 1)
loquis (46, 1)
pudeatur (47, 4)
rideatur (57, 3)
rideri (61, 4)
delectaris (64, 2)
somniantur (74, 14)
exhortauit (76, 10)
auertitur (124, 1, 248)
mouetur (132, 11)
remunerabat (140, 8)
seruari (141, 3)

B) VOZ PASSIVA COM VERBO ESSE NOS TEMPOS DO PERFECTVM

depulsa fuerat (22, 1)


fuerunt...posita (31, 11)
paratus fuit (43, 1)
empti fuerint (53, 8)
oblitus fuerat (54, 3)

95
fuero persecutus (58, 12)
contentus fuit (70, 13)
uentum fuerit (102, 9)
soluta ... fueris (111, 11)
secutus ... fuerat (135, 4)

III.2.2- ANÁLISE DOS DADOS

Os dados relativos à confusão entre formas ativa e depoente refletem o período de


instabilidade descrito anteriormente, uma vez que apresentam um movimento
bidirecional de emprego de formas ativas como depoentes e, ao mesmo tempo, de
formas depoentes como ativas.
No entanto, chama a atenção o fato de que há um número mais significativo de
formas ativas utilizadas como depoentes (11 ao todo), enquanto que o emprego de
verbos depoentes com morfologia de verbos ativos se limita a 4 ocorrências ao longo de
toda a obra. A partir desses dados, pode-se levantar a hipótese de que o valor semântico
próprio dos depoentes teria sido enfraquecido não pela perda de formas verbais para a
flexão ativa, mas, ao contrário, pela migração de formas ativas para o grupo de verbos
depoentes. Essa migração, mesmo que esporádica e aleatória, teria feito com que não
mais se associasse o emprego do depoente à noção por ele expressa.
A formação da voz passiva dos tempos perfectivos, utilizando-se o verbo esse nas
formas de perfectum, possui um número reduzido de ocorrências no Satyricon (apenas
10). Apesar disso, oferece dados suficientes para que se estabeleça pelo menos uma
generalização importante: essa alteração no sistema verbal se teria processado ao
mesmo tempo em todos as formas passivas perfectivas, uma vez que há uma
diversificação dos tempos verbais presentes na listagem acima (pretérito perfeito do
indicativo e do subjuntivo, futuro perfeito, pretérito mais-que-perfeito do indicativo).
Por outro lado, não comprova que este emprego estaria associado ao enfraquecimento
de valor perfectivo do particípio passado, pois que, em apenas duas das dez ocorrências
listadas, a forma de particípio passado é também utilizada como simples adjetivo
(paratus fuit e contentus fuit).

96
É importante ressaltar que a ocorrência de nenhuma das alterações acima analisadas
está limitada a este ou aquele registro de fala empregado por Petrônio, ou grupo de
episódios da obra.

III.2.3- CONCLUSÃO

As alterações na categoria de voz listadas e analisadas acima refletem dois grupos


de transformações por que passou a língua latina, que se enquadram no maior e mais
complexo processo de mudança ocorrido do latim até as línguas românicas: a mudança
de língua sintética para analítica.
O fato de não estarem associados a um determinado registro de fala, ou grupo de
episódios caracteriza essas alterações como mais profundas, o que se confirma pelo fato
de não haver nenhum vestígio das formas não alteradas nas línguas românicas.

III.3- ALTERAÇÕES NAS CATEGORIAS DE NÚMERO E PESSOA

O quadro de desinências de número e pessoa de uso corrente no latim clássico se


apresenta, na voz ativa, em três subgrupos de formas – um geral e dois específicos – e,
na voz passiva, em apenas dois, já que a formação da voz passiva sintética se restringe
aos tempos verbais de aspecto imperfectivo, tal como sistematizado abaixo:

97
DESINÊNCIAS DE NÚMERO E PESSOA: voz ativa

desinências gerais desinências de pret. desinências de


perf. do indicativo imperativo
pres./fut.
1a pessoa do sing. -o, -m -i -
2a pessoa do sing. -s -isti ∅/-to
3a pessoa do sing. -t -it - /-to
1a pessoa do plural -mus -mus -
2a pessoa do plural -tis -istis -te/-tote
3a pessoa do plural -nt -erunt/-ere - / -nto

DESINÊNCIAS DE NÚMERO E PESSOA: voz passiva

desinências de desinências de
infectum imperativo pres.
1a pessoa do sing. -r -
2a pessoa do sing. -ris, -re -re
3a pessoa do sing. -tur -
1a pessoa do plural -mur -
2a pessoa do plural -mini -mini
3a pessoa do plural -ntur -

No Satyricon, o uso das desinências de número e pessoa segue exatamente os


mesmos padrões estabelecidos para o latim clássico nos quadros acima, sem qualquer
tipo de alteração morfológica, mas traz uma particularidade em relação às desinências
de 3a pessoa do plural de pretérito perfeito do indicativo que merece ser apontada: o uso
mais amplo da desinência -ere.
A observação da obra de outros autores latinos dá conta de que a desinência -ere
tem um uso bastante restrito em latim, chegando mesmo a ser raro. Segundo Ernout,

98
1953, p. 216, Plauto a emprega apenas sob condições especiais, que geralmente
envolvem seu uso antes de vogal com a qual se une em crase; já Terêncio apresenta uma
tendência mais acentuada de seu emprego; mas, na prosa clássica esta forma é evitada
(cf. recomendação de Cícero em Orat., 47, 157). Também na língua falada não há
evidências de que a desinência -ere fosse empregada, o que se pode comprovar através
de seu desaparecimento nas línguas românicas, cujas formas de 3a pessoa do plural do
pretérito perfeito do indicativo provém de -ěrunt (Grandgent, 1952, p. 271; Faria, 1995,
p. 201).
No entanto, ao contrário do que atestam as gramáticas latinas segundo as obras dos
autores citados e na contramão das línguas românicas, há um número significativo de
ocorrências de –ere ao longo do Satyricon dentro e fora de poemas. No primeiro
contexto, o emprego de –ere pode se justificar metri gratia, mas sua ocorrência no
segundo contexto aponta para um padrão diferenciado de uso.

III.3.1- LISTAGEM DAS ALTERAÇÕES NAS CATEGORIAS DE NÚMERO E


PESSOA

Foram selecionadas para análise apenas as formas verbais em que a desinência -ere
de 3a pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo ocorre fora dos poemas, uma
vez que, neste contexto, não se pode justificar a utilização de -ere pela métrica. As
ocorrências estão listadas em negrito em seu contexto oracional, por ordem de
aparecimento no texto, com a indicação do capítulo e da subdivisão de capítulo em que
o relativo dado se encontra.

1- “...erutaque subinde pauonina oua diuisere conuiuis” (33, 4).


2- “Subinde intrauerunt duo Aethiopes...uinumque dedere in manus” (34, 4)
3- “Statim pueri ad sportellas accesserunt…thebaicasque et caryotas ad
numerum diuisere cenantibus” (40, 8).
4- “Ipse Trimalchio cum grauiter ingemuisset..., concurrere medici...” (54, 2)
5- “Nec minus reliqui conuiuae mirantes erexere uultus...” (60, 2)

99
6- “Subiit igitur alia classis, et illi quidem exclamauere: ‘Vale Gai!’, hi autem:
‘Aue Gai!’” (74, 7)
7- “Consonuere cornicines funebri strepitu” (78, 5).
8- “Nam imprudentes noxios in nostrum induxere nauigium...et admonuerunt
pari somniorum consensu” (106, 3).
9- “Ac primum omnium, si ultro uenerunt, cur nudauere crinibus capita?” (107,
8)
10- "Risu excepere fabulam nautae..." (113, 1)
11- "Inundauere pectus lacrimae dolore paratae..." (113, 9)
12- "nubesque undique adductae obruere tenebris diem" (114, 1).
13- "...scaphaeque impositam cum maxima sarcinarum parte abduxere
certissimae morti" (114, 7).
14- "Procurrere piscatores paruulis expediti nauigiis ad praedam rapiendam"
(114, 14).
15- "...Saguntini oppressi ab Hannibale humanas edere carnes, nec
hereditatem expectabant" (141, 9)

III.3.2- ANÁLISE DOS DADOS

Os dados listados acima mostram que o uso da desinência -ere de 3a pessoa do


plural do pretérito perfeito do indicativo no contexto selecionado para análise se
concentra nos episódios da Cena e nos episódios finais, principalmente na narrativa de
Encólpio (12 das 15 ocorrências). Partindo dessa observação, pode-se interpretar o uso
dessa forma como uma maneira de diferenciar o registro de fala empregado pelo
narrador do registro de fala empregado pelos demais personagens, mais popular para
esses, mais erudito para aquele. A ocorrência 15, em que a forma em questão aparece na
fala do poeta Eumolpo, confirma o caráter erudito da desinência, uma vez que este
personagem, quando não se expressa através de poema, o que é muito comum, utiliza
um padrão de linguagem que se equivaleria ao de poemas. Já as ocorrências 8 e 9 se
encontram na fala de Licas Tarentino, um milionário que também apresenta uma
linguagem mais elaborada, principalmente nos capítulos 106 e 107, em que há um
debate entre ele e o poeta Eumolpo.

100
Observa-se também nos dados que as formas verbais em -ere e -erunt são
utilizadas como equivalentes, sem qualquer alteração semântica, pois que ocorrem no
mesmo contexto frasal (ocorrências 3 e 4).

III.3.3- CONCLUSÃO

O emprego mais ampliado da desinência -ere no Satyricon, em contextos


bastante específicos - apenas na narrativa de Encólpio e na fala de dois personagens -
pode ser interpretado como estilístico, como um meio de caracterizar a linguagem mais
apurada e erudita, diferenciando-a de maneira mais marcante da linguagem popular dos
outros personagens, que nunca a empregam.

III.4- ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS DIVERSAS

Nessa seção, é feito um levantamento de todas as formas verbais utilizadas por


Petrônio ao longo do Satyricon que apresentam alguma alteração morfológica em
relação à forma padrão, sem que haja qualquer interferência no valor semântico e/ou
formal das categorias gramaticais associadas ao verbo analisadas anteriormente.

III.4.1- LISTAGEM DAS ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS DIVERSAS

As formas verbais selecionadas para estudo foram organizadas em duas tabelas,


listadas em ordem alfabética. A primeira tabela traz a forma padrão e a segunda a(s)
forma(s) alterada(s), com a respectiva indicação do capítulo e subdivisão de capítulo em
que se encontra(m) no texto.

FORMA PADRÃO FORMA ALTERADA


1- adiuturos adiuuaturos (18, 3)
2- defraudat defraudit (69, 2)
3- delini deliniri (84, 5)

101
4- domita domata (74, 14)
5- erudiebam erudibam (68, 6)
6- faciam faxo (95, 3)
7- falsus sum fefellitus sum (61, 8)
8- farti farsi (69, 6)
9- maluit mauoluit (77, 5)
10- olunt olent (50, 7)
11- respondet respondit (47, 6)
12- uenerunt uenierunt (81, 4)
13- ueto uetuo (47, 5) (53, 8)
14- uincturum uinciturum (45, 11)

III.4.2- ANÁLISE DOS DADOS

As formas verbais que apresentam alterações morfológicas listadas acima se


encaixam em dois tipos de processo: o emprego de formas arcaicas e a criação de
formas por analogia. No primeiro tipo, encontram-se a ocorrência 5, em que há o uso da
desinência -ba- de pretérito imperfeito do indicativo sem vogal epentética; e a
ocorrência 6, que apresenta o emprego da forma de futuro sigmático (faxo). Todas as
demais ocorrências selecionadas para estudo são formações analógicas que se
caracterizam por:

a) confusão entre as classes de conjugação (ocorrências 2, 3, 10, 11, 12, 13,


14);
b) interferência entre o tema de perfectum e a forma de particípio passado
(ocorrências 7 e 8);
c) interferência entre os temas de infectum e perfectum (ocorrências 1, 4 e 9).

As formas verbais alteradas se concentram principalmente nos capítulos da Cena


(11 das 15 ocorrências), o que caracteriza uma tendência à generalização na linguagem

102
popular, com a substituição de formas tidas como exceções por paradigmas gerais já
adquiridos e, por isso, mais simples.
Um claro exemplo dessa generalização de padrões internalizados pode ser dado na
análise das ocorrências 7 e 8, cujo paradigma apresenta três formas bastante
diferenciadas para infectum, perfectum e particípio passado. Para restabelecer o
equilíbrio e diminuir o número de formas a serem aprendidas, elimina-se uma das
formas diferentes (a de particípio) e cria-se uma outra forma a partir de um tema já
existente, o de perfectum.

III.4.3- CONCLUSÃO

Os dados listados e analisados acima mostram que a clássica separação entre as


diversas classes de conjugações e as diversas formações perfectivas e de particípio
passado possuíam limites bastante instáveis e de menor importância no uso da língua
latina. É dada primazia à expressão das categorias gramaticais do verbo,
independentemente de se associar a forma verbal a este ou aquele paradigma de formas.
Essa tendência identificada no Satyricon pode ser considerada em esboço da mudança
ocorrida em período posterior, que se caracterizou pela redução do número de
paradigmas verbais nas línguas românicas.

IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DA


MORFOLOGIA DO SATYRICON

O estudo dos desvios presentes na morfologia do Satyricon em relação à norma


clássica demonstra que há uma distinção importante no emprego dos grupos de formas
nominais e verbais. As alterações listadas e analisadas como parte da morfologia
nominal estão, em geral, associadas ao registro de fala empregado por Petrônio,
principalmente quando o autor se dedica a caracterizar a fala de personagens
pertencentes às camadas mais baixas da sociedade romana nos episódios da Cena. Já
em relação às alterações da morfologia verbal, quase a totalidade ocorre indistintamente
ao longo de todos os grupos de episódios, sendo as únicas exceções o emprego da

103
desinência –ere de 3a pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo e o uso de
presente do indicativo em lugar de imperativo presente.
Essa distinção demonstra que a morfologia verbal sofreu alterações mais profundas
e sistemáticas, que ultrapassam os limites muitas vezes rígidos e bem marcados entre os
registros de fala, antes da morfologia nominal. Caracteriza, outrossim, que as alterações
da morfologia nominal, apesar de numerosas, ainda não haviam alcançado o sistema
lingüístico do latim no século I d.C., o que veio a ocorrer mais tarde, e se constituíam
em meio de estigmatizar a linguagem das classes sociais menos instruídas dos grupos
sociais representados na obra.
Em comum, tanto as alterações na morfologia nominal, quanto na morfologia
verbal apresentam as formações, ainda que em estado incipiente, que levaram a língua
latina ao grande processo de mudança de língua sintética para analítica.

104
SINTAXE

I- INTRODUÇÃO

Considera-se que o termo “sintaxe”, do grego σύνταξις (da linguagem militar -


organização, disposição de determinada agrupação de soldados), foi utilizado
primeiramente em referência a fatos lingüísticos por Apolônio Díscolo, gramático grego
do séc. II d. C., para dar nome a seu tratado sobre as relações existentes entre as
palavras em frases empregadas por poetas. Originalmente, prestava-se tão somente a
distinguir as partes do discurso (nome, verbo, etc). Posteriormente, o estudo da sintaxe
passou a envolver a análise das partes da oração (sujeito, predicado) (Herrero, 1981, p.
348).
Em termos tradicionais, a sintaxe refere-se à parte da gramática que descreve as
regras segundo as quais as palavras de determinada língua, tidas como unidades
significativas, se combinam em frases (Dubois et al., 1995; Crystal, 1991). Dessa
maneira, a sintaxe tem como objeto de estudo a frase considerada sob a perspectiva do
emprego que se faz dos diversos elementos que a compõem (nome, verbo, pronome,
palavras invariáveis) (Ernout & Thomas, p.1), bem como dos recursos utilizados para
estabelecer relações de significados (concordância, ordem de palavras) (Mattews, 1981,
p. 1), tendo-se sempre em conta que, como parte de um sintagma, as palavras perdem
sua autonomia e passam a funcionar como elemento de um sistema constituído de
termos diversos (Marouzeau, 19 , p. 191).
Ao construir uma frase, o falante/escritor deve conformar sua linguagem a uma série
de regras sintáticas, capazes de delimitar todas as construções passíveis de compreensão
e que caracterizam a frase produzida como pertencente a esta ou aquela língua, ao lado
do emprego adequado das palavras, que, a partir do momento em que são utilizadas em
frases, perdem sua autonomia (deixam de ser uma unidade), para se tornar elemento de
um sistema composto por diversos termos do enunciado (Marouzeau, 1935, p. 191).

105
Por outro lado, apesar dos limites impostos pela sintaxe, o falante/escritor encontra,
em muitos casos, diferentes construções e possibilidades de estrutração de frase, que
permitem a ele fazer uma escolha. Segundo Blatt (1952, p. 15), empregar uma língua
consiste, em parte, em se sujeitar a regras, em parte, em realizar uma série de escolhas,
dentro dos padrões pré-estabelecidos pela sintaxe. Ao grupo de escolhas realizadas,
denomina-se a “estilística”, entendida como a ciência das diferentes possibilidades à
disposição do falante/escritor, circunscritas às regras sintáticas.
Nessa perspectiva, as frases podem ser construídas a partir de dois padrões
sintáticos: as construções que se constituem em fatos da língua, sem liberdade de
escolha, em que se exclui a questão de estilo; as construções que se formam a partir de
possibilidades múltiplas, que dão espaço à criação e à originalidade (Marouzeau, 1935,
p.194).
O sistema da sintaxe de determinada língua se forma a partir da concorrência de
diversos fatores, tais como históricos, sociais, literários, psicológicos (Marouzeau, 19 ,
p. 191), o que leva a que a norma sintática possa modificar-se sob a influência das
possibilidades estilísticas que ela própria contém. As construções estilísticas podem
perder seu status de “possibilidade”, bem como seu valor expressivo, e passar a figurar
como necessidade sintática (Blatt, 1952, p. 15).
Essa migração de recursos estilísticos para fatos da língua se impõe como grande
dificuldade para o estabelecimento da norma sintática de línguas antigas, uma vez que
diferentes autores apresentam diferentes construções, que não podem facilmente ser
codificadas ou como particularidades estilísticas de um determinado autor em dado
contexto, visto que cada texto reflete uma prática individual da língua; ou como parte
das regras de construção pertencentes à gramática, isto é, como parte do sistema da
língua em estudo (Herrero, 1981, p. 351).
Na busca pela sistematização das regras sintáticas vigentes à época de determinada
obra, além das dificuldades apontadas acima, é importante ainda levar em consideração
o fato de que a prosa literária pode apresentar uma influência maior de construções
próprias da língua falada (Woodcock, 1959, p. xxiv). Por outro lado, a artificialidade da
língua escrita, que muitas vezes segue padrões lingüísticos não encontráveis na língua
falada, pode levar a interpretações errôneas de qual seria o padrão sintático ali expresso.
Costa (1953, p. 55), por sua vez, afirma que, em matéria de sintaxe, é difícil diferenciar
os processos populares dos literários, uma vez que as expressões da língua vulgar, como
criações vivas, figuram também na língua literária.

106
Em vista das questões expostas acima, optou-se por realizar o estudo sobre a
sintaxe utilizada por Petrônio ao longo da obra Satyricon, com o objetivo de identificar
possíveis desvios em relação à norma padrão e de estabelecer as regras sintáticas
operantes no latim do séc. I d. C. refletido na obra, a partir de dois grandes grupos:

a) Ordem de palavras;
b) Emprego de pronomes.

Limitar o estudo da sintaxe a ordem de palavras e emprego de pronomes se justifica


em função do fato de que esses processos ofecerem dados suficientemente volumosos
para ser estudados de forma sistemática, para estabelecer a regra vigente e descrever
parte do sistema da sintaxe da língua latina representada na obra, enquanto que os
desvios em relação aos demais processos sintáticos levantados (concordância, regência,
subordinação, emprego de formas nominais, etc) ocorrem em pequeno número ao longo
da obra, o que não permite avaliar se fazem parte do sistema lingüístico, ainda que
alguns deles sejam representativos de um estágio inicial de mudanças que vieram a
ocorrer na própria língua latina, ou já nas línguas românicas51. Especificamente em
relação à ordem de palavras, deve-se considerar o fato de que a fixação da ordem das
palavras nas línguas românicas, com a "perda" da liberdade na ordenação das palavras
na frase característica do latim, expressa principalmente através da disjunção de grupos
sintáticos, constitui-se em um dos traços distintivos entre o latim e as línguas românicas
(Väänänen, 1985, p. 260; Joseph, 1991, p. 187).

II- ORDEM DE PALAVRAS

A estrutura da frase em latim conserva a estrutura indo-européia de formação de


frases pelo processo de “aposição”, em que prevalece a autonomia dos vocábulos uns
em relação aos outros, em virtude de cada palavra carregar em si mesma a marca de seu
papel sintático. Apesar disso, o latim apresenta também traços de mudança do processo
de formação de frases por aposição para a formação de frases por grupos definidos, nos

51
Como exemplo, podem-se citar as ocorrências de oração completiva objetiva direta introduzida por
quod/quia, em substituição à estrutura de acusativo com infinitivo, que se encontram localizadas nos
episódios da Cena.

107
quais a forma de um é comandada pela forma do outro (Meillet & Vendryes, 1966, p.
572-573).
Dessa maneira, mesmo unidas em grupos definidos, graças à flexão, mantém-se
a força da morfologia como definidora do papel sintático de cada vocábulo, o que leva a
que a ordem de palavras em latim não tenha função gramatical (Väänänen, 1985, p.
260), sendo, por isso, considerada livre, mas não arbitrária, como adverte Blatt (1952, p.
338), uma vez que se constitui em meio de expressão de determinadas idéias. Para
Meillet & Vendryes (1966, p.578), a liberdade na colocação das palavras na frase se
encontra restrita pelo uso, que tende a estabelecer para cada tipo de frase uma ordem
habitual, que vinha naturalmente ao espírito. Para Lavency (1985, p. 269) é tarefa árdua
definir as normas que regem a colocação das palavras em latim, visto que a oposição
entre ordem normal e ordem enfática não se encontra estabelecida sobra bases sólidas,
com o que concorda Marouzeau (1949a), ao afirmar que “l’arrangement des membres
dans la phrase et des phrases dans la chaîne de l’énoncé est fonction de facteurs
particulièrement complexes"52.
Na tentativa de encontrar o princípio que rege a colocação de palavras numa
frase, três tipos de ordenação são apontados por Marouzeau (1949a, p. 137), a partir da
discussão sobre o assunto presente nas Institutiones Oratoriae (IX e X) de Quintiliano:
a ordem psicológica (denominação de H. Weil), a ordem dita natural e a ordem de
importância (proposta por Quintiliano). A primeira ordem consiste em se considerar que
o desenrolar do enunciado seria paralelo à elaboração do pensamento; pela ordem
natural, considera-se que o usuário da língua reproduz no enunciado a seqüência dos
acontecimentos; de acordo com a ordem de importância, o enunciado é composto de
forma que as informações menos importantes sejam dadas primeiro, até que se chegue à
mais importante, seguindo um princípio de gradação ascendente. Quintiliano apresenta
como argumento para confirmar que a colocação das palavras se faz pela ordem de
importância o fato de que o verbo, elemento que contém a parte essencial do
pensamento, é colocado em latim no fim do enunciado (IX, 3, 26).
Segundo Marouzeau (1949a, p. 138), a partir do princípio de colocação de
palavras na frase por ordem ascendente de importância proposto por Quintiliano,
estudos passaram a considerar o princípio inverso de gradação descendente, o que levou

52
"A organização de termos numa frase e de frases na cadeia enunciativa é função de fatores
particularmente complexos".

108
H. Weil a propor dois "lugares de honra" na frase: o inicial e o final, que são
freqüentemente ocupados pelo verbo53.
Assim considerada a ordenação de palavras na frase latina, isto é, como livre,
mas não arbitrária, são encontradas na literatura diversas tentativas de se estabelecerem
as regras que compõem o sistema de construção usual. Rubio (1976, p. 21), após ampla
discussão baseada principalmente nas obras de Cícero e Quintiliano, conclui que o latim
tinha uma ordem gramatical regular, mas, diferentemente das línguas modernas, podia
libertar-se dessa ordem, sem cair em ambigüidade, estabelecendo uma ordem
excepcional. As regras gerais estabelecidas por Rubio (1976, p. 22) são:

a) o sujeito encabeça a oração e o predicado a encerra;


b) todo elemento determinante precede o determinado;
c) as preposições precedem o substantivo que regem e as conjunções
precedem os termos para os quais estabelece conexão.

Para o autor, os desvios em relação a essa ordem, que estão sempre em franca
minoria e que em momento algum ameaçam a ordem geral operante na língua elencada
acima, constituem-se em recurso estilístico eficazmente expressivos, representativos das
vivências pessoais e muitas vezes não repetidas, e como tal não podem ser resumidos
mecanicamente em "regras", devendo apenas ser entendida como uma ocorrência
isolada daquele autor naquele contexto específico (p. 32).
O autor, no entanto, relativiza ainda mais o escopo de suas generalizações, ao
admitir que essa oposição entre ordem regular e ordem excepcional não se aplica às
chamadas "seqüências fixas", que se podem ter estabelecido em ambos os tipos de
ordem (p. 25).
Marouzeau (1949a, p. 150) evita esse tipo de interpretação ad hoc ao afirmar que
as diferentes possibilidades de ordenação das palavras na frase, consideradas como
inovações e/ou meio de expressão de originalidade e efeitos estilísticos e tratadas como
recursos de que a linguagem literária faz uso, representam, na maior parte dos casos, a
manutenção do estado antigo da língua descrito anteriormente como característico do
indo-europeu.

53
Marouzeau (1949a, p. 140) questiona a argumentação que reforça o princípio da ordem de importância
baseado na posição do verbo, afirmando que o verbo se coloca no final da frase precisamente nos casos
em que não se aplica a questão de "accent d'insistence". Da mesma forma, a posição inicial do verbo
chama a atenção pelo fato de ser excepecional, mas não pelo fato em si de ser inicial.

109
Em contrapartida, a existência da chamada ordo rectus em latim encontra
suporte na afirmação de Jespersen (1949, p. 360) de que há uma tendência universal ao
estabelecimento de uma ordem de palavras regular, que se desenvolve paralelamente à
simplificação da estrutura gramatical e perda das distinções casuais. No entanto,
diferentemente do consenso de se considerar a fixação da ordem de palavras como
posterior à perda das distinções casuais, devido à ação de leis fonéticas, Jespersen
defende a tese de que a fixação da ordem das palavras teria ocorrido primeiro, como
uma conseqüência natural de um maior desenvolvimento mental e amadurecimento, e
traça a seguinte seqüência temporal para a mudança:

a) um período em que palavras eram colocadas em um lugar ou outro, de


acordo com a tendência do momento, mas muitas das quais providas de
signos que poderiam mostrar as relações mútuas;
b) um período com retenção desses signos, combinados com crescente
regularidade na ordenação das palavras e, ao mesmo tempo, um emprego
mais amplo de preposições;
c) uma crescente diminuição de elementos distintivos;
d) perda total das desinências, elevando a ordem de palavras (e as preposições)
ao status de indicadores das relações expressas anteriormente pelas
desinências.

Elerick (1994, p. 66) analisa a co-existência de ordens alternativas para uma


mesma seqüência sintática como um fato lingüístico pertencente a todas as línguas do
mundo, algumas em menor, outras em maior grau, como o latim, que apresenta essa
possibilidade em todos os aspectos de sua sintaxe.
A partir da discussão apresentada acima e considerando, com Elerick, que o
latim seja uma língua de duplicidade de ordenação de palavras, e com Jespersen, que
esta duplicidade representa um estágio no processo de mudança de ordem livre para
ordem fixa, proceder-se-á ao levantamento de dados relativos à ordem de palavras no
Satyricon, com o objetivo de estabelecer o estágio do processo de mudança supra
referido em que se encontra a linguagem utilizada por Petrônio ao longo de toda a obra.

110
II.1- LISTAGEM DE ORDEM DE PALAVRAS

A seleção das seqüências sintáticas a serem analisadas foi realizada com base na
tipologia de ordem de palavras proposta por Greenberg (1963), denominada pelo autor
"basic order typology" (tipologia de ordem básica), a partir dos elementos indicados
pelo autor como relevantes para o estabelecimento da ordem básica54.
A listagem está dividida em ordem de palavras no sintagma nominal (item
II.1.1) e no sintagma verbal (item II.1.2). A primeira inclui as seqüências de genitivo
como complemento de nome, além de genitivo como complemento de adjetivos, de
formas pronominais e adverbiais. A listagem das seqüências que envolvem o uso de
genitivo foram subdivididas em dois grupos, quais sejam, ordem genitivo-nome e ordem
nome-genitivo55. Foram desconsideradas para análise e, portanto, excluídas da listagem
as seqüências que apresentaram as seguintes especificações:

- Genitivo entre nome e adjetivo ligado ao nome (ex. mellitos


uerborum globulos - 1, 3);
- Genitivo antes da preposição a que o nome está ligado (ex. Hyperidis
ad famam - 2, 8);
- Genitivo separado do nome por outros elementos, principalmente
adverbiais (ex. ne carmen quidem sani coloris - 2, 8);
- Genitivo descontínuo (ex. Hermerotis pugnas et Petraitis - 52, 3);
- Genitivo incerto (potentiae admonitum - 47, 13);
- Genitivo entre preposição e nome (ex. cum ipsius naturae ueritate -
83, 1).

Justifica-se essa exclusão pelo fato de que tais tipos de seqüências não
apresentam sistematicidade ao longo da obra, caracterizando-se como variações
estilísticas de emprego assistemático.

54
O autor busca estabelecer universais lingüísticos com base na ordem das palavras. Em seus resultados,
o autor conclui que há uma relação de harmonia entre a existência de preposições e a utilização das
seguintes seqüências: nome-genitivo, verbo-sujeito, verbo-objeto, nome-adjetivo (tendência a se colocar
modificado antes de modificador); pelo tipo oposto, a relação de harmonia se encontra entre posposições,
genitivo-nome, sujeito-verbo, objeto-verbo, adjetivo-nome (p. 100).
55
Apesar de a listagem não incluir apenas as ocorrências de genitivo como complemento de nome,
manteve-se no título apenas a designação "genitivo-nome".

111
Em relação aos adjetivos qualificativos, tendo em vista que o volume de dados
seria imenso, se se fosse considerar todas as ocorrências de todos os adjetivos, foram
selecionados para análise apenas 05 (cinco) adjetivos qualificativos de uso recorrente no
Satyricon e foram listadas todas as ocorrências desses selecionados ao longo da obra.
Cada um dos adjetivos constitui um subgrupo na listagem.
Não foram listados os dados referentes à ordem de palavras no sintagma
nominal que envolvessem a utilização de pronomes, uma vez que, segundo Greenberg
(1963, p. 77), a posição desses elementos em relação ao nome difere da posição de
adjetivos qualificativos, o que iria produzir um resultado diferente, podendo levar a
falsas interpretações. No entanto, os mesmos se encontram listados e analisados na
seção seguinte ("Emprego de Pronomes"), em cuja análise se fará referência à
ordenação desses elementos em relação ao nome.
O item II.1.2 (listagem de ordem de palavras no sintagma verbal) apresenta três
seqüências:

a) verbo modal-infinitivo-verbo modal;


b) sujeito-verbo-objeto e todas as variações possíveis;
c) particípio passado-esse-particípio passado.

A primeira seqüência está organizada em uma única tabela, subdivida por cada
um dos verbos modais analisados (uelle e seus derivados, posse e debere) e traz apenas
o verbo modal e o infinitivo; a existência de outros vocábulos entre as formas verbais
está marcada na listagem ppor reticências. Para a ordem entre sujeito, verbo e objeto,
foram selecionadas para análise apenas as ocorrências que apresentaram sujeito
pronominal (ego, tu, nos, uos, hic, iste, ille, is, ipse e idem), uma vez que fez necessário
reduzir o corpus, sem o que o volume de dados seria dificilmente manipulável. As
ocorrências foram listadas em subgrupos, segundo a ordenação comum; foram
colocados em negrito o sujeito, o verbo e o objeto, no contexto oracional em que se
encontram.
Por fim, as ocorrências relativas a particípio passado e esse foram organizadas
em uma única tabela, subdividida pela forma do verbo esse que faz parte da
composição; foram colocadas em negrito as ocorrências que apresentam a posposição
do particípio passado.

112
Todas as ocorrências de toda a listagem estão organizados por ordem de
aparecimento no texto, com a indicação completa de sua localização no texto (capítulo e
subdivisão de capítulo).

II.1.1- Listagem de ordem de palavras no sintagma nominal

A.1) GENITIVO- NOME

1- rerum tumore (1, 2)


2- sententiarum uanissimo strepitu (1, 2)
3- patrum suorum capita (1, 3)
4- Aegyptiorum audacia (2, 9)
5- magnae artis compendiaram (2, 9)
6- eloquentiae magister (3, 4)
7- laborum gradus (4, 3)
8- sapientiae praeceptis (4, 3)
9- maiestatis suae pondus (4, 3)
10- frugalitatis lege (5, 3)
11- mentis calorem (5, 7)
12- Demosthenis arma (5, 14)
13- Ascylti fugam (6, 1)
14- scolasticorum turba (6, 1)
15- Agamemnonis suasoriam (6, 1)
16- muliebris patientiae scortum (9, 6)
17- praeceptoris colloquio (9, 9)
18- somniorum interpretamenta (10, 1)
19- mendici spolium (13, 1)
20- minoris pallium (14, 4)
21- latrocinii suspicio (15, 3)
22- articulorum strepitu (17, 3)
23- deorum consilia (17, 8)
24- tot annorum secreta (17, 9)

113
25- miserorum oculos (19, 6)
26- Priapi genio (21, 7)
27- sentientis labra (22, 1)
28- urbanitatis uernaculae fontem (24, 2)
29- muliebris patientiae legem (25, 3)
30- puellae caput (26, 1)
31- iocantium libidine (26, 1)
32- nuptiarum nomen (26, 3)
33- ostiarii cella (29, 1)
34- Veneris signum (29, 8)
35- Laenatis gladiatorum munus (29, 9)
36- lunae cursum (30, 4)
37- stellarum septem imagines (30, 4)
38- ministratoris gratia (31, 2)
39- pantomini chorum (31, 7)
40- patris familiae triclinium (31, 7)
41- argenti pondus (31, 10)
42- omnium textorum dicta (33, 3)
43- materiae structor (35, 2)
44- bubulae frustum (35, 3)
45- Trimalchionis topanta (37, 4)
46- nummorum nummos (37, 8)
47- rutae folium (37, 10)
48- animi beatitudo (38, 6)
49- Incuboni pilleum (38, 8)
50- libertini loco (38, 11)
51- sociorum olla (38, 13)
52- uenationis apparatus (40, 1)
53- primis magnitudinis aper (40, 3)
54- conuiuarum sermones (41, 9)
55- fabulae partem (42, 1)
56- mulsi pultarium (42, 2)
57- animi consolatio (42, 5)

114
58- illius mentum (43, 4)
58- terrae filio (43, 5)
59- Fortunae filius (43, 7)
60- omnis Mineruae homo (43, 8)
61- illius uox (44, 9)
62- illius pater (45, 6)
63- populi rixam (45, 8)
64- Hermogenis filicem (45, 9)
65- pauperorum uerba (46, 1)
66- deorum beneficio (48, 2)
67- porci uentrem (49, 8)
68- ponderis inclinatione (49, 8)
69- saltationis libidinem (53, 1)
70- Vrbis acta (53, 1)
71- Gai nostri genio (53, 3)
72- saltuariorum testamenta (53, 9)
73- balneatoris contubernio (53, 10)
74- nequitiae nidum (55, 6, 8)
75- Regis filius (57, 4)
76- crucis offla (58, 2)
77- coruorum cibaria (58, 2)
78- terrae tuber (58, 4)
79- rutae folium (58, 4)
80- colliberti eloquentia (59, 1)
81- horum soror (59, 4)
82- Dianae ceruam (59, 4)
83- omnis generis poma (60, 4)
84- Gitonis sinu (60, 7)
85- Gauillae domus (61, 6)
86- illius sinum (61, 6)
87- huius contubernalis (61, 9)
88- ipsimi nostri delicatus (63, 3)
89- omnium numerum (63, 3)

115
90- ostiarii calce (64, 7)
91- triclinii ualuas (65, 3)
92- uxoris suae umeris (65, 7)
93- ursinae frustum (66, 5)
94- cordae frusta (66, 7)
95- mulieris compedes (67, 7)
96- omnis Musae mancipium (68, 7)
97- omnium numerum (68, 8)
98- tot malorum finis (69, 6)
99- cenarum imaginem (69, 9)
100- alterius amphoram (70, 5)
101- Petraitis omnes pugnas (71, 6)
102- noui generis labyrintho (73, 1)
103- balnei sono (73, 3)
104- Menecratis cantica (73, 3)
105- pedum extremos pollices (73, 4)
106- ipsimi cerebellum (76, 1)
107- peculii mei fermentum (76, 8)
108- uitae annos triginta et menses quattuor et dies duos (77, 2)
109- uiperae huius sessorium (77, 4)
110- ostiarii cellam perbonam (77, 4)
111- Trimalchionis domum (78, 7)
112- occurrentium lumen (79, 1)
113- stabuli ianuam (79, 9)
114- omnis iniuriae inuentor (79, 9)
115- utriusque genua (80, 3)
116- familiaritatis clarissimae sacra (80, 3)
117- amicitiae sacramentum (80, 4)
118- sanguinis pignus (80, 6)
119- inimici uictoriae (80, 7)
120- audaciae nomina (81, 3)
121- ueteris amicitiae nomen (81, 5)
122- unius noctis tactu (81, 5)

116
123- furentis more (82, 1)
124- grassatoris audaciae (82, 4)
125- Zeuxidos manus (83, 1)
126- uetustatis iniuria (83, 1)
127- Protogenis rudimenta (83, 1)
128- pictorum amantium uultus (83, 4)
129- pueri umbram (83, 5)
130- litterarum amatores (84, 3)
131- bonae mentis soror (84, 4)
132- frugalitatis meae hostis (84, 5)
133- tui similis (87, 5)
134- sui uestigium (88, 1)
135- herbarum omnium sucos (88, 3)
136- lapidum uirgultorumque uis (88, 3)
137- astrorum caelique motus (88, 4)
138- statuae unius lineamentis (88, 5)
139- antiquitatis uitia (88, 6)
140- sapientiae cultissima uia (88, 6)
141- philosophiae fontem (88, 7)
142- recti bonique praeceptor (88, 9)
143- Troiae halosin (89, 1)
144- mentis pauidae gaudium (89, 1, 17)
145- remorum sonus (89, 1, 32)
146- Troiae sacra (89, 1, 65)
147- aedicularum custodi (90, 7)
148- cenulae officium (90, 7)
149- peregrini amoris concessio (91, 6)
150- amoris arbitrium (91, 7)
151- Ascylti parem (92, 4)
152- inguinum pondus (92, 9)
153- moderationis uerecundiaeque uerba (93, 4)
154- iracundiae causam (94, 7)
155- tot hospitum potionibus (95, 5)

117
156- clamantis frontem (95, 5)
157- contumeliae impatiens (95, 6)
158- hospitum ebriorum frequentia (95, 7)
159- unius hominis uestigium (97, 6)
160- castrorum firmitatem (97, 8)
161- humanarum rerum arbiter (98, 6)
162- omnium scelerum materia (98, 9)
163- bonarum artium magister (99, 2)
164- Eumolpi genua (101, 2)
165- huius nauigii dominus (101, 4)
166- omnium feminarum formosissima (101, 5)
167- consilii egens (101, 7)
168- aegrorum cubilia (101, 11)
169- scaphae custodiam (102, 4)
170- salutis spem (102, 6)
171- laboris expertes (102, 12)
172- statuarum ritu (102, 12)
173- litterarum studiosus (102, 13)
174- aquae asperginem (102, 15)
175- naufragorum ultimum uotum (103, 5)
176- Tryphaenae somnium (104, 4)
177- diuinae mentis opera (104, 4)
178- miserorum furtum (104, 5)
179- comarum praesidio (105, 2)
180- patrimonii mei reliquas (105, 3)
181- Tryphaenae aures (105, 5)
182- Vlixis nutricem (105, 10)
183- captiuorum frontibus (105, 11)
184- pudoris dignitas (106, 4)
185- nostrae animaduersionis impetum (107, 9)
186- curationis propositum (107, 13)
187- suplicii metu (108, 1)
188- saeuiuentium minas (108, 3)

118
189- uirium auxilia (108, 4)
190- totius nauigii turbam (108, 7)
191- Tryphaenae familia (108, 8)
192- nauis ministerium (108, 8)
193- dimicantium furor (108, 9)
194- cuiusquam ira (108, 9)
195- tot miseriarum causam (108, 10)
196- caduceatoris more (108, 12)
197- paenitentiae occasione (109, 1)
198- capillorum elegidarion (109, 8)
199- iacturae liniamenta (110, 2)
200- praesentis concordiae auctor (110, 6)
201- singularis exempli femina (111, 3)
202- omnis ordinis homines (111, 5)
203- dominae pertinaciam (111, 10)
204- lucis commodis (111, 12)
205- iacentis corpus (111, 12)
206- aliquot dierum abstinentia (111, 13)
207- unius cruciarii parentes (112, 5)
208- iudicis sententiam (112, 6)
209- patris familiae corpus (113, 2)
210- foederis uerba (113, 4)
211- domini supercilium (113, 10)
212- maris fidem (115, 8)
213- patrimonii sui rationes (115, 15)
214- penatium suorum ruina (115, 16)
215- Italiae primam (116, 2)
216- urbanioris notae homines (116, 5)
217- litterarum studia (116, 5)
218- rapinae comes (117, 3)
219- Lycurgi uilla (117, 3)
220- deum matrem (117, 3)
221- ficti dominum (117, 6)

119
222- hominis operas (117, 12)
223- uerborum ambitu (118, 1)
224- furentis animi uaticinatio (118, 6)
225- Arabum populus (119, 1, 12)
226- Persarum ritu (119, 1, 20)
227- Phasidos unda (119, 1, 36)
228- lucri suffragia (119, 1, 40)
229- sui merces (119, 1, 50)
230- faenoris ingluuies (119, 1, 52)
231- amorum strue (120, 1, 62)
232- magnae Dicarchidos arua (120, 1, 68)
233- rerum humanarum diuinarumque potestas (120, 1, 79)
234- Cocyti penetralia (121, 1, 103)
235- Thessaliae rogos (121, 1, 112)
236- Apollinis arma (121, 1, 115)
237- montis iuga (122, 1, 132)
238- armorum strepitu (122, 1, 134)
239- umbrarum facies (122, 1, 138)
240- uerni temporis aura (122, 1, 149)
241- hiemis pruinis (122, 1, 150)
242- Hesperiae campos (122, 1, 154)
243- undarum uincula (123, 1, 188)
244- caeli sidera (123, 1, 201)
245- rumoris sonitu (123, 1, 225)
246- oneris ignara (123, 1, 230)
247- piratarum scopulus (123, 1, 240)
248- imperii deserto nomine (123, 1, 243)
249- caeli timor (124, 1, 246)
250- Ditis chorus (124, 1, 255)
251- Cocyti tenebras (124,1, 278)
252- Epidamni moenia (124, 1, 293)
253- amplioris fortunae domum (124, 2)
254- mathematicorum caelum (126, 3)

120
255- hominum mores (126, 3)
256- flagellorum uestigia (126, 10)
257- matronae superbiam (126, 11)
258- ancillae humilitatem (126, 11)
259- pedum candor (126, 17)
260- Sirenum concordiam (127, 5)
261- deae nomen (127, 5)
262- Solis progenies (127, 6)
263- labentis mundi cursum (127, 6)
264- alarum negligens sudor (128, 1)
265- corporis moram (130, 5)
266- placandi cura (130, 8)
267- uarii coloris filis (131, 4)
268- inguinum uires (131, 5)
269- corporis pulchritudine (132, 1)
270- familiae sordidissimam partem (132, 3)
271- dominae hilaritatem (132, 5)
272- uerberum notas (132, 6)
273- omnium malorum causa (132, 7)
274- furciferae mortifero timore (132, 8)
275- omnium hominum deorumque pudor (132, 9)
276- seuerioris notae homines (132, 12)
277- nouae simplicitatis opus (132, 15)
278- hominum inepta persuasione (132, 16)
279- Nympharum Bacchique comes (133, 2, 1)
280- Bacchi tutor (133, 2, 5)
281- Dryadum uoluptas (133, 2, 5)
282- pecoris pater (133, 2, 14)
283- aetatis longae moram (134, 6)
284- zephyri tacentia (134, 12, 5)
285- taurorum flamma (134, 12, 11)
286- sincipitis uetustissima particula (135, 4)
287- muscarum imagines (135, 6)

121
288- paupertatis ingenium (135, 7)
289- singularum rerum quasdam artes (135, 7)
290- staturae altitudinem (136, 1)
291- cellulae limen (136, 9)
292- iacturae pensionem (136, 12)
293- Priapi delicias (137, 2)
294- anseris fatum (137, 5)
295- urticae trito (138, 1)
296- urticae fascem (138, 2)
297- dearum libidinantium iudex (138, 6)
298- orbis senibus (140, 1)
299- eius prudentiae bonitatique (140, 2)
300- puellae artificium (140, 8)
301- sororis suae automata (140, 11)
302- deorum beneficia (140, 13)
303- ullius turbae frequentioris concilio (140, 14)
304- pecuniae ingens fama (141, 5)
305- multorum bonorum pensationem (141, 6)

A.2) NOME-GENITIVO

1- alio genere Furiarum (1, 1)


2- alium orbem terrarum (1, 2)
3- primi omnium (2, 2)
4- corpus orationis (2, 2)
5- genus exercitationis (2, 5)
6- animos iuuenum (2, 7)
7- spe praedae (3, 4)
8- schedium Lucilianae humilitatis (4, 6)
9- ordinem totius dictionis (6, 2)
10- pater familiae (8, 2)
11- habitu fratris (9, 3)

122
12- oculos Ascylti (9, 6)
13- quidem pretiosarum (12, 1)
14- obscuritas temporis (12, 1)
15- splendor uestis (12, 2)
16- umeros rustici emptoris (12, 4)
17- fidem oculorum (12, 6)
18- pretium maioris compendii (14, 4)
19- faciem Ascylti (15, 7)
20- beneficio Gitonis (16, 1)
21- ancilla Quartillae (16, 3)
22- ostentationem doloris (17, 2)
23- impetum morbi (17, 7)
24- necessitatem mortis (17, 8)
25- sacello Priapi (17, 8)
26- mutatio animorum (19, 1)
27- quemquam mortalium (19, 2)
28- remedium tertianae (19, 2)
29- quicquid saturei (20, 7)
30- ceruicem eius (20, 8)
31- uterque nostrum (21, 3)
32- totam faciem eius (22, 1)
33- pedes discumbentium (22, 2)
34- partem ebriorum (22, 4)
35- hilaritatem comissantis (23, 1)
36- frontem sudantis (23, 5)
37- rugas malarum (23, 5)
38- promulside libidinis nostrae (24, 7)
39- aurem eius (25, 1)
40- limen thalami (26, 4)
41- expectatio liberae cenae (26, 7)
42- seruus Agamemnonis (26, 8)
43- obliti omnium malorum (26, 10)
44- pater familiae (27, 2)

123
45- parte circuli (27, 3)
46- principium cenae (27, 4)
47- momento temporis (28, 1)
48- conspectu eius (28, 3)
49- deliciae eius (28, 4)
50- caput eius (28, 5)
51- gregem cursorum (29, 7)
52- barbam ipsius (29, 8)
53- postibus triclinii (30, 1)
54- aliquis nostrum (30, 6)
55- uestimenta dispensatoris (30, 8)
56- decem sestertiorum (30, 8)
57- neglegentia nequissimi serui (30, 10)
58- patris familiae (31, 7)
59- nomen Trimalchionis (31, 10)
60- granis Punici mali (31, 11)
61- digito sinistrae manus (32, 3)
62- articulo digiti sequentis (32, 3)
63- quid boni (33, 8)
64- quis nostrum (34, 1)
65- articuli eius (34, 8)
66- ius cenae (35, 7)
67- partem repositorii (36, 1)
68- angulos repositorii (36, 3)
69- manu illius (37, 3)
70- tantum auri (37, 7)
71- semen boletorum (38, 4)
72- collibertos eius (38, 6)
73- ostiarii illius (38, 7)
74- plus uini (38, 15)
75- theca repositorii (39, 3)
76- nihil noui (39, 4)
77- urbanitatem mathematici (39, 6)

124
78- aliquid mali (39, 13)
79- latus apri (40, 5)
80- poemata domini sui (41, 7)
81- dictum Trimalchionis (41, 8)
82- micam panis (42, 5)
83- nihil boni (42, 7)
84- frater eius (43, 4)
85- costas illius (43, 4)
86- manu illius (43, 7)
87- buccam panis (44, 2)
88- quid Asiadis (44, 9)
89- nomina omnium (44, 10)
90- coda uituli (44, 12)
91- aedilem trium cauniarum (44, 13)
92- patrimonium illius (45, 6)
93- dispensatorem Glyconis (45, 7)
94- magister eius (46, 5)
95- quis uestrum (47, 4)
96- nemo nostrum (47, 4)
97- liberalitati indulgentiaeque eius (47, 7)
98- medio lautitiarum (47, 8)
99- testamento Pansae (47, 12)
100- decuria uiatorum (47, 13)
101- peristasim declamationis tuae (48, 4)
102- aerumnas Herculis (48, 7)
103- nemo nostrum (49, 6)
104- aurem Agamemnonis (49, 7)
105- coleum Iouis (51, 5)
106- hanc condituram uitreorum (51, 5)
107- urbanitatem iocantis (52, 7)
108- grauitatem eius (52, 10)
109- aedibus Nastae uilici (53, 5)
110- nomina uilicorum (53, 10)

125
111- malum exitum cenae (54, 1)
112- decretum Trimalchionis (54, 5)
113- summa carminis (55, 4)
114- rictu Martis (55, 6, 1)
115- auis exul hiemis (55, 6, 7)
116- titulus tepidi temporis (55, 6, 7)
117- conlibertis Trimalchionis (57, 1)
118- lautitiae domini mei (57, 2)
119- Tutelam huius loci (57, 2)
120- Genio illius (57, 10)
121- aduersarii Ascylti (58, 2)
122- quid noui (60, 2)
123- patri patriae (60, 7)
124- pateram uini (60, 8)
125- imaginem ipsius Trimalchionis (60, 9)
126- affabilitate amici (61, 3)
127- uxorem Terentii copones (61, 6)
128- uestimenta eius (62, 8)
129- uillam amicae meae (62, 9)
130- collum eius (62, 11)
131- collum illius (62, 13)
132- nihil nugarum (63, 1)
133- corpus filii sui (63, 8)
134- praesidium domus familiaeque (64, 7)
135- margaritam Croesi (64, 9)
136- scapulas eius (64, 12)
137- ossucula eius (65, 11)
138- aliquid muneris (66, 4)
139- millesimis Mercurii (67, 7)
140- diligentiam matris (67, 11)
141- matris familiae (67, 11)
142- delicias et indulgentiam uiri (67, 11)
143- pedes Fortunatam (67, 12)

126
144- gremio Scintillae (67, 13)
145- pedes Habinnae (68, 4)
146- omnia artificia serui nequam (69, 1)
147- flagello mulionum (69, 5)
148- insolentia ebriorum (70, 6)
149- pedes discumbentium (70, 8)
150- oblitus nugarum (71, 4)
151- exemplar testamenti (71, 4)
152- pedes statuae meae (71, 6)
153- statuam Fortunatae meae (71, 11)
154- decuriis Romae (71, 12)
155- linguam eius (73, 3)
156- faciem Fortunatae (74, 10)
157- malam eius (74, 12)
158- unguentarius herae proximae (74, 15)
159- statuam eius (74, 17)
160- genium eius (75, 2)
161- consiliator deorum (76, 10)
162- fundos Apuliae (77, 3)
163- ampullam nardi (78, 3)
164- aliquid belli (78, 5)
165- seruus libitinarii illius (78, 6)
166- silentium noctis (79, 1)
167- imprudentia locorum (79, 2)
168- acumine Gitonis (79, 3)
169- minus sudoris (79, 5)
170- tabellarius Trimalchionis (79, 6)
171- oblitus iuris humani (79, 9)
172- extrema parte uerbi (80, 6)
173- nomen amicitiae (80, 9, 1)
174- nomen diuitis (80, 9, 6)
175- deuersorio Graecae urbis (81, 3)
176- die toga uirilis (81, 5)

127
177- uario genere tabularum (83, 1)
178- extremitates imaginum (83, 2)
179- Amor ingenii (83, 9)
180- rectum iter uitae (84, 1)
181- cultum aedicularum (85, 1)
182- patri familiae (85, 1)
183- usu formosorum (85, 2)
184- studia eius (85, 3)
185- praedator corporis (85, 3)
186- par columbarum (85, 5)
187- par columbarum (85, 6)
188- beneficio eius (87, 6)
189- aetates tabularum (88, 1)
190- causam desidiae praesentis (88, 1)
191- cacumine excelsissimi montis (88, 4)
192- animas hominum ferarumque (88, 5)
193- limen Capitolii (88, 8)
194- ponto auri (88, 9)
195- massa auri (88, 10)
196- caesi uertices Idae (89, 1, 5)
197- plausum ingenii sui (90, 1)
198- experimentum oculorum (91, 2)
199- paenitentiam iudicis tui (91, 2)
200- fidem memoriae tuae (91, 8)
201- rimam foris (92, 2)
202- arata Syrtis (93, 2)
203- nomen poetae (93, 3)
204- oblitus officii (93, 4)
205- formam eius (93, 4)
206- ostium cellae (94, 7)
207- mercennario Eumolpi (94, 12)
208- audaciam tonsoris (94, 14)
209- parte cenulae (95, 1)

128
210- foedissimam uolutationem iacentium (95, 1)
211- mercedem cellae (95, 3)
212- os hominis (95, 4)
213- concursus familiae (95, 7)
214- occasionem uindictae (95, 7)
215- oculos eius (95, 8)
216- canem ingentis magnitudinis (95, 8)
217- foramen ualuae (96, 1)
218- oblitus misericordiae (96, 2)
219- caput miserantis (96, 3)
220- iniuria Eumolpi (96, 4)
221- procurator insulae (96, 4)
222- momento temporis (97, 5)
223- genua Ascylti (97, 9)
224- memoriam amicitiae (97, 9)
225- societatem miseriarum (97, 9)
226- praetextu quaetionis (97, 9)
227- foramina parietum (98, 1)
228- effractum ostium cellae (98, 2)
229- collectione spiritus (98, 4)
230- constratum puppis (100, 3)
231- uterque nostrum (100, 5)
232- constratum nauis (100, 6)
233- dominum huiusce nauigii (100, 7)
234- sudor utriusque (101, 2)
235- consortio studiorum (101, 2)
236- causas odiorum (101, 6)
237- antrum Cyclopis (101, 7)
238- impatientem maris (101, 8)
239- aliam partem nauis (102, 4)
240- genus furti (102, 10)
241- aliquot iter salutis (102, 13)
242- umbra suplicii (103, 2)

129
243- latus nauigii (103, 3)
244- frontes utriusque (103, 4)
245- lateri nauis (103, 5)
246- ordinem tristitiae (103, 6)
247- simulacrum Neptuni (104, 2)
248- naue Lichae (104, 2)
249- cuiquam mortalium (104, 5)
250- oculos legentium (105, 2)
251- Tutela nauis (105, 4)
252- deprecationem supplicis (107, 7)
253- primum omnium (107, 8)
254- leges nauigantium (107, 14)
255- facies plorantis (108, 2)
256- oculos Tryphaenae (108, 5)
257- ramum oleae (108, 13)
258- Tutela nauigii (108, 13)
259- antemnam pelagiae (109, 7)
260- extrema parte potionis (109, 8)
261- natura deum (109, 9)
262- sorore Phoebi (109, 9)
263- ancilla Tryphaenae (110, 1)
264- corymbio dominae (110, 1)
265- spetaculum sui (111, 1)
266- conspectu frequentiae (111, 2)
267- imperator prouinciae (111, 6)
268- gemitum lugentis (111, 6)
269- uitio gentis humanae (111, 6)
270- corpus iacentis (111, 8)
271- desiderium extincti (111, 8)
272- corpus iacentis (111, 9)
273- humanitatem inuitantis (111, 10)
274- pudicitiam eius (112, 1)
275- partem corporis (112, 2)

130
276- corpus uiri (112, 3)
277- forma mulieris (112, 4)
278- quicquid boni (112, 4)
279- corpus mariti sui (112, 8)
280- ingenio prudentissimae feminae (112, 8)
281- ceruicem Gitonis (113, 1)
282- patris familiae (113, 2)
283- gremio Gitonis (113, 5)
284- impatiens foederis noui (113, 6)
285- initia coeuntis gratiae (113, 8)
286- partem uoluptatis (113, 10)
287- quid ingenui sanguinis (113, 11)
288- amplexus amantium (114, 9)
289- tempestas mandata fatorum (114, 13)
290- reliquias nauis (114, 13)
291- diaeta magistri (115, 1)
292- uicinia mortis (115, 3)
293- aliqua parte terrarum (115, 9)
294- consilia mortalium (115, 10)
295- uota magnarum cogitationum (115, 10)
296- uires imperii tui (115, 13)
297- momento temporis (116, 1)
298- genus negotiationis (116, 3)
299- nouitatem rei (117, 1)
300- genus diuitationis (117, 1)
301- uerba Eumolpi (117, 5)
302- iuuenem ingentis eloquentiae et spei (117, 6)
303- clientes sodalesque filii sui (117, 6)
304- causam lacrimarum (117, 6)
305- agros Numidiae (117, 8)
306- rationes tabulasque testamenti (117, 10)
307- aliquem nostrum (117, 10)
308- detractor ministerii (117, 11)

131
309- crepitus eius (117, 13)
310- ingenti flumine litterarum (118, 3)
311- corpus orationis (118, 5)
312- ambages deorum (118, 6)
313- fuga nobilis aeui (119, 1, 22)
314- noua nomina uestis (119, 1, 26)
315- greges seruorum (119, 1, 28)
316- uenalis curia patrum (119, 1, 41)
317- sedes Ditis (120, 1, 76)
318- ora bustorum (120, 1, 77)
319- luxuriam spoliorum (120, 1, 86)
320- funera gentis Hiberae (121, 1, 112)
321- fragor armorum (121, 1, 113)
322- simulacra uirum (121, 1, 118)
323- pater umbrarum (122, 1, 124)
324- gremio reducto telluris (122, 1, 124)
325- clades hominum (122, 1, 126)
326- uertice montis (122, 1, 153)
327- nitor Phoebi (122, 1, 181)
328- pondera pinus (123, 1, 235)
329- tremor Ponti (123, 1, 239)
330- turba deum (124, 1, 247)
331- sedes Erebi (124, 1, 254)
332- omnis regia caeli (124, 1, 265)
333- iuga nobilis Appennini (124, 1, 279)
334- ingenti uolubilitate uerborum (124, 2)
335- turbam heredipetarum sciscitantium (124, 2)
336- genus hominum (124, 2)
337- gratiam Eumolpi (124, 4)
338- beneficio amicorum (125, 1)
339- desiderium aestuantis (126, 5)
340- histrio scaenae (126, 6)
341- formam eius (126, 14)

132
342- radices capillorum (126, 15)
343- confinio lumunum (126, 15)
344- hoc templum Amoris (127, 3)
345- uocem loquentis (127, 5)
346- aedem Veneris (128, 4)
347- pars corporis (129, 1)
348- umbra uoluptatis (129, 4)
349- animum eius (129, 11)
350- offensa corporis animique (131, 1)
351- ducem itineris (131, 1)
352- frontem repugnantis (131, 4)
353- manus aniculae (131, 6)
354- amplexum eius (131, 11)
355- omne genus amoris (132, 1)
356- totum ignem furoris (132, 7)
357- oblitus uerecundiae meae (132, 12)
358- ea parte corporis (132, 12)
359- quicquid doloris (132, 14)
360- pater ueri (132, 15)
361- cellam sacerdotis (134, 3)
362- impetum uerberantis (134, 4)
363- altera parte lectuli (134, 6)
364- die feriarum (134, 7)
365- socios Vlixis (134, 12)
366- partem leguminis (135, 5)
367- sacris Hecales (135, 8, 16)
368- ceruix cucumulae (136, 2)
369- uincula calceamentorum (136, 4)
370- dux ac magister saeuitiae (136, 4)
371- pedem mensulae (136, 5)
372- confusa regia caeli (136, 6)
373- nouitate facinoris (136, 13)
374- impensa sacrificii (137, 5)

133
375- causam tristitiae (137, 5)
376- camellam uini (137, 10)
377- uestigium sceleris (137, 11)
378- periculo capitis (138, 5)
379- onus caeli (139, 2, 3)
380- regnum Neptuni (139, 2, 6)
381- rabies irascentis (139, 5)
382- officio aetatis (140, 1)
383- toto orbe terrarum (140, 2)
384- domo Eumolpi (140, 2)
385- quemquam alium antiquorum (140, 12)
386- oculos animosque miserorum (141, 5)

B) Ordem entre nome e adjetivo

Magnus, -a, -um


1- magnae artis (2, 9)
2- magna uociferatione (14, 5)
3- tam magnum facinus (20, 1)
4- magnum animum (45, 5)
5- magna turba (45, 12)
6- magnum tormentum (47, 4)
7- magnus stelio (50, 5)
8- magnam mantissam (65, 10)
9- magna nauis (76, 6)
10- magnam fortitudinem (76, 6)
11- magna fortuna (92, 10)
12- magnarum cogitationum (115, 10)
13- magna naue (115, 13)
14- magnis cogitationibus (115, 14)
15- magnas opes (117, 2)
16- familiam quidem tam magnam (117, 8)

134
17- magno tempore (125, 1)
18- magna fax (127, 7)
19- tam magno periculo (129, 6)
20- tam magnum aeque clamorem (136, 13)
21- magnum flagitium (137, 1)

20 ocorrências de adjetivo anteposto ao nome


01 ocorrência de adjetivo posposto ao nome

Ingens, -ntis

1- ingens scolasticorum turba (6, 1)


2- ingenti calliditate (15, 8)
3- canis ingens (29, 1)
4- ingenti subtilitate (31, 3)
5- clamor ... ingens (40, 2)
6- barbatus ingens (40, 5)
7- sue ingenti (49, 1)
8- circulus ingens (60, 3)
9- ingentis formae (64, 7)
10- ingenti frequentia (65, 3)
11- admiratione ingenti (65, 6)
12- gingilipho ingenti (73, 4)
13- ingens antrum (89, 1, 7)
14- uulnus ingens (91, 6)
15- frequentia ingens (92, 8)
16- ingentis magnitudinis (95, 8)
17- ingenti ... cursu (101, 11)
18- ingentibus litteris (103, 4)
19- membranae ingenti (115, 2)
20- ingentis eloquentiae (117, 6)
21- ingens opus (118, 6)
22- ingenti ... ruina (121, 1, 119)

135
23- ingenti ... niue (123, 1, 201)
24- ingentem ... hastam (124, 1, 268)
25- ingenti uolubilitate (124, 2)
26- ingenti motu (131, 6)
27- cucumam ingentem (135, 4)
28- ingenti risu (140, 10)
29- ingens fama (141, 5)

18 ocorrências de adjetivo anteposto ao nome


11 ocorrências de adjetivo posposto ao nome

Grandis, -e

1- grandis et ... pudica oratio (2, 6)


2- illa grandis oratio (4, 3)
3- grandia ... uerba (5, 1, 20)
4- grande armarium (29, 8)
5- grandi beneficio (31, 3)
6- anulum grandem subauratum (32, 3)
7- cupa uidelicet grandi (60, 3)
8- camellam grandem (64, 13)
9- tam grande munus (86, 6)
10- pondus tam grande (92, 9)
11- minus grandi ... iniuria (106, 4)
12- tam grande facinus (108, 10)

08 ocorrências de adjetivo anteposto ao nome


04 ocorrências de adjetivo posposto ao nome

Bonus, -a, -um

1- bonam mentem (3, 1)


2- bona fide (11, 1)
3- bonum animum (18, 2)

136
4- bonorum consiliorum (37, 7)
5- bona lana (38, 2)
6- tam bonus Chrysanthus (42, 3)
7- stragulis bonis (42, 6)
8- bonum exitum (45, 9)
9- bono filo (46, 3)
10- bonam mentem (61, 1)
11- bonam ualitudinem (61, 1)
12- bonae memoriae (66, 1)
13- bonam mentem (70, 3)
14- bonis lanis (78, 1)
15- bonae mentis (84, 4)
16- ne bonam quidem mentem (88, 8)
17- bonam ualitudinem (88, 8)
18- bona fide (91, 7)
19- bonarum artium (99, 2)
20- bona fide (110, 3)
21- bonam ... mentem (115, 3)
22- bonam mentem (131, 3)

21 ocorrências de adjetivo anteposto ao nome


01 ocorrência de adjetivo posposto ao nome

Malus, -a, -um

1- malae linguae (37, 7)


2- malus fatus (42, 5)
3- malam parram (43, 4)
4- malae memoriae (49, 8)
5- malum exitum (54, 1)
6- malus fatus (71, 1)
7- nec ullum dolum malum (101, 3)
8- malo astro (134, 8)

137
9- malam fortunam (140, 15)

08 ocorrências de adjetivo anteposto ao nome


01 ocorrência de adjetivo posposto ao nome

II.1.2- Listagem de ordem de palavras no sintagma verbal

a) verbo modal + infinitivo

VELLE e derivados
1- nollunt...proficere (4, 1)
2- uellent imitari (4, 3)
3- confiteri...uult (4, 4)
4- uelle...extorquere (9, 4)
5- nollet...reddere (13, 4)
6- uolebant...facere (15, 2)
7- nolo…tenere (15, 9, 1)
8- traducere uelitis (17, 9)
9- uellent conari (19, 4)
10- uolebamus...exclamare (21, 1)
11- experiri uolui (31, 5)
12- uellet...sumere (34, 1)
13- noluisses...accipere (37, 3)
14- uoluit esse (39, 4)
15- uult laborare (46, 5)
16- uolo...gustare (46, 7)
17- uoluerit...facere (47, 4)
18- nolunt...dicere (47, 6)
19- uultis...fieri (47, 10)
20- coniungere...uolo (48, 3)
21- malui...facere (53, 13)
22- malui...esse (57, 4)
23- noluerit accipere (64, 13)

138
24- uolet...imitari (68, 7)
25- perire mallemus (69, 7)
26- uelle saltare (70, 10)
27- adici uolo (71, 7)
28- nolo uideri (74, 16)
29- uolo...efferri (77, 7)
30- uolo efferri (78, 2)
31- uolunt…credi (84, 2)
32- uiolari…nolui (85, 2)
33- spectare uoluisti (94, 11)
34- fugere...uoluistis (95, 3)
35- commonstrare uoluerit (97, 2)
36- uellet occidere (98, 3)
37- uelle saltare (98, 8)
38- uoluerit...sumere (100, 1)
39- nolo habere (100, 1)
40- dare...uolet (101, 11)
41- uolebat...misereri (106, 2)
42- uoluerunt...exonerare (107, 13)
43- uoluit...iaculari (109, 8)
44- uolebat proferre (110, 1)
45- uellemus audire (110, 8)
46- uis...reuiuiscere (111, 12)
47- uellet uiuere (112, 1)
48- malo...impendere (112, 7)
49- uoluerit...expellere (114, 11)
50- temptare uelit (123, 1, 220)
51- uis...esse (129, 8)
52- uis...probari (141, 9)

139
POSSE
53- sapere possunt (2, 1)
54- potuerunt...canescere (2, 8)
55- conuenire...posse (10, 4)
56- posset adducere (12, 2)
57- uincere…potest (14, 2, 2)
58- possis…inuenire (17, 5)
59- possum…ire (18, 6, 2)
60- potui…emitere (19, 3)
61- posset accipere (25, 3)
62- posse...tollere (25, 6)
63- potui…gustare (37, 1)
64- potest afferri (39, 4)
65- indicare potest (41, 3)
66- lauare potest (42, 2)
67- inuenire potui (44, 2)
68- posses…micare (44, 7)
69- potuisses…deuorare (44, 11)
70- dici potest (45, 3)
71- poterat...resecare (45, 9)
72- potes loquere (46, 1)
73- auferre...possit (46, 7)
74- uetare...potest (47, 5)
75- percoqui potuisse (49, 2)
76- potui...tenere (49, 7)
77- collocari...potuit (53, 4)
78- posset dicere (54, 5)
79- dici potest (55, 5)
80- operire…potui (62, 12)
81- gustare potui (62, 13)
82- poterat…tollere (63, 5)
83- poteram…esse (68, 2)
84- potest esse (70, 2)

140
85- posset…esse (71, 12)
86- exire...posse (72, 10)
87- accipere potui (74, 15)
88- posse...dare (74, 17)
89- potuit haurire (81, 2)
90- potest probare (84, 1)
91- deliniri posset (84, 5)
92- contingere posse (94, 10)
93- poterat excludere (98, 2)
94- posses…ostendere (98, 3)
95- suspicari possum (98, 3)
96- potuisset parcere (98, 5)
97- possit offendi (99, 2)
98- dici...potest (100, 1)
99- dicere potes (100, 5)
100- potest esse (101, 2)
101- poteris…obumbrare (101, 8)
102- fieri posse (101, 9)
103- posse…deflecti (101, 11)
104- possumus egredi (101, 11)
105- imponi...posset (102, 4)
106- posse...expelli (102, 5)
107- fieri possit (102, 6)
108- recipere possitis (102, 8)
109- posse durare (102, 11)
110- possit peruertere (102, 14)
111- durare posse (102, 15)
112- possumus...implere (102, 15)
113- possit...ignosci (106, 3)
114- satiari...potuissetis (107, 6)
115- potuerunt abducere (111, 3)
116- posse...pati (111, 8)
117- possit…capere (117, 8)

141
118- extrui posse (118, 2)
119- concipere aut edere...potest (118, 3)
120- poterant...mouere (119, 1, 59)
121- posset...ferre (120, 1, 65)
122- posse...extollere (120, 1, 83)
123- posset aspicere (124, 1, 280)
124- posse resistere (125, 1)
125- possit comprehendere (126, 14)
126- potes uiuere (127, 4)
127- ambulare posse (129, 5)
128- fieri possit (130, 6)
129- habere potui (130, 6)
130- poterat contingere (132, 7)
131- potui...aperire (132, 8, 7)
132- poterant nocere (132, 8, 9)
133- uendere potest (134, 8)
134- possitis...emere (137, 6)
135- posse fieri (139, 5)
136- instruere...posset (140, 2)
137- posset...dari (140, 3)

142
DEBERE
138- deberent loqui (2, 3)
139- debes habitare (7, 2)
140- facere debui (10, 1)
141- debeamus...perire (20, 1)
142- debet esse (33, 8)
143- debemus...esse (45, 3)
144- debet...esse (49, 7)
145- debet...comesse (66, 6)
146- debet habere (67, 7)
147- mori debeo (80, 4)
148- debeat...lustrari (105, 1)
149- debent...facere (107, 10)
150- admonere debet (111, 12)
151- debuit...referre (113, 2)
152- incidere debent (140, 15)

b) Ordem entre sujeito, verbo e objeto

b.1) Sujeito-verbo-objeto

1- (...) iam ille mihi iniecerat manum (...) (8, 1)


2- Quibus ego auditis intentaui in oculos Ascylti manus (…) (9, 6)
3- Ac ne tunc quidem nos ullum adiecimus uerbum, sed attoniti expectauimus
lacrimas ad ostentationem doloris paratas (17, 2).
4- Superbus ille sustulit uultum (...) (30, 10)
5- Ego quidem paene proieci partem meam (...) (33, 7)
6- Sed quare nos habemus aedilem trium cauniarum, qui sibi mauult assem
quam uitam nostram? (44, 13)
7- (...) ego malo mihi uitrea (...) (50, 7)
8- At ille sustulit phialam de terra (…) (51, 3)

143
9- (...) ille canora uoce Latine legebat librum (59, 3).
10- (...) ille exuit se et omnia uestimenta secundum uiam posuit (62, 5).
11- At ille circumminxit uestimenta sua (…) (62, 6)
12- Ille autem iam ebrius uxoris suae umeris imposuerat manus (...) (65, 7)
13- Et ipse nihilo minus habeo decem pondo armillam ex millesimis Mercurii
factam (67, 7).
14- Consternati nos insolentia ebriorum intentauimus oculos in proeliantes (...)
(70, 6)
15- Certe ego notaui super positum cocum (...) (70, 12)
16- (...) ego enim si uidero balneum, statim expirabo (72, 5).
17- Itaque ego ut experrectus pertrectaui gaudio despoliatum torum (...) (79, 10)
18- At ego in societatem recepi hospitem Lycurgo crudeliorem (83, 6).
19- (…) si ego huic dormienti abstulero coitum plenum et optabilem (...) (86, 4)
20- At ille plane iratus nihil aliud dicebat nisi hoc (87, 2)
21- At ille, qui plausum ingenii sui nouerat, operuit caput extraque templum fugit
(90, 1).
22- Ille ut se in grabatum reiecit uiditque Gitona in conspectu ministrantem, mouit
caput (...) (92, 3)
23- (...) neque ego ullum sentiebam dolorem (94, 12).
24- Ego durante adhuc iracundia non continui manum (...) (96, 3)
25- Ego autem alternos opponebam foramini oculos (...) (96, 4)
26- Ego ne suspicioni relinquerem locum (...) (97, 6)
27- Ne istud dii hominesque patiantur, Eumolpus exclamat, ut uos tam turpi exitu
uitam finiatis! (103, 1)
28- (...) hic continuo radat utriusque non solum capita, sed etiam supercilia (103,
1)
29-At illa ignota consolatione percussa lacerauit uehementius pectus, ruptosque
crines super corpus iacentis imposuit (111, 9).
30- (...) donec ancilla uini + certe ab eo + corrupta primum ipsa porrexit ad
humanitatem inuitantis uictam manum (111, 10).
31- hic dat uela fugae Fortunataeque omnia credit (123, 1, 237).
32- Tu (...) donas mihi eum(...) (127, 4)

144
33- (...) tu desiderium meum, tu uoluptas mea, numquam finies hunc ignem (...)
(139, 4)

b.2) Objeto-sujeito-verbo

1- Sudorem ille manibus detersit (…) (8, 1)


2- Idem plane et nos uolebamus (15, 6).
3- Idem ego ex altera parte feci (...) (80, 2)
4- (...) nomen diuitis ille tenet (80, 9, 6).
5- Genua ego perseuerantis amplector (...) (98, 3)
6- Dum haec ego iam credenti persuadeo (...) (98, 4)
7- Haec ut ego dixi (...) (114, 10)
8- Omnia secum hic uehit imprudens praedamque in proelia ducit (123, 1, 231)

b.3) Verbo-sujeito-objeto

1- Non tenui ego diutius lacrimas (...) (24, 1)


2- Complosit illa tenerius manus (...) (24, 2)
3- Damnaui ego stuporem meum (...) (41, 5)
4- Comprobamus nos factum et quam in praecipiti res humanae essent, uario
sermone garrimus (55, 1).
5- (...) detersit ille pallio uultum (…) (91, 8)
6- Haec Eumolpo dicente mutabam ego frequentissime uultum (...) (92, 12)
7- Videmus nos omnia per foramen ualuae (...) (96, 1)
8- (...) haberemus nos extremum solacium (106, 1).
9- Commodaret ergo illa perituro locum, et fatale conditorium familiari ac uiro
faceret (112, 6).
10- Patior ego uinculum extremum (...) (114, 12)
11- Inicio ego phrenetico manum (...) (115, 5)
12- Habes tu quidem et fratrem (...) (127, 2)

145
13- Premebat illa resoluta marmoreis ceruicibus aureum torum myrtoque florenti
quietum ... uerberabat (131, 9).
14- Oppono ego manus oculis meis (...) (132, 4)
15- Collocauit illa ignem cassis harundinibus collectum (...) (136, 11)

b.4) Sujeito-objeto-verbo

1- Et tu litteras scis et ego (10, 5).


2- Cum ergo et ipsi raptum latrocínio pallium detulissemus (...) (12, 2)
3- Ac ne ipse quidem sine aliquo motu hominem conspexi (...) (12, 5)
4- Indignatus enim rusticus quod nos centonem exhibendum postularemus (...)
(15, 7)
5- Immo ego sic iam paria composueram (...) (19, 5)
6- Iam ego etiam tot malis fatigatus minimum ueluti gustum hauseram somni (...)
(22, 2)
7- Exonerata ille uesica aquam poposcit ad manus (...) (27, 6)
8- (...) ego dum omnia stupeo (...) (29, 1)
9- Interim dum ille omnium textorum dicta inter lusum consumit (33, 3)
10- (...) atque ipse etiam taeterrima uoce de Laserpiciario mimo canticum
extorsit (35, 6).
11- (...) ego nihil scio (...) (38, 8)
12- (...) ipse enim domum emit (38, 10).
13- (...) ego uerum dicam (...) (43, 3)
14- Sed si nos coleos haberemus (...) (44, 14)
15- Ego illi tres cardales occidi (...) (46, 4)
16- Cum ille se ex quadragesima respondisset (...) (47, 12)
17- Ego autem si causas non ago, in Domusionem tamen litteras didici (48, 4).
18- Atque ipse erectis super frontem manibus Syrum histrionem exhibebat (...)
(52, 9)
19- (...) oues, quod lana illae nos gloriosos faciunt (56, 4).
20- Quia ipse me dedi in seruitutem (...) (57, 4)
21- Ego fidem meam malo quam thesauros (57, 9).

146
22- (...) ego istud conliberto meo dono (...) (58, 3)
23- (...) aut ego non me noui (...) (58, 6)
24- Ego, quod me sic uides, propter artificium meum diis gratias ago (58, 14).
25- Nam et ipse uobis rem horribilem narrabo (63, 2).
26- Ego tamen duo sustuli (...) (66, 4)
27- (...) ego contra plus libram comedi (...) (66, 5)
28- (...) nam ipsum aprum sapiebat (66, 5).
29- (...) nisi illa discumbit, ego me apocalo (67, 3).
30- (...) et ille auocatus cibo furorem suppresserat (72, 9).
31- (...) ipse mihi asciam in crus impegi (74, 16).
32- Tu dominam tuam de rebus illis fecisti (77, 1).
33- Tu latifundia possides (77, 2).
34- Tu uiperam sub ala nutricas (...) (77, 2)
35- Nos occasionem opportunissimam nacti Agamemnoni uerba dedimus (...)
(78, 8)
36- At ille gladium parricidali manu strinxit (...) (80, 1)
37- Ego, inquit, finem discordiae imponam (80, 5).
38- (...) si ego hunc puerum basiauero (...) (85, 5)
39- At ille ciecumspiciens ut ceruicem meam iunxit amplexu (...) (86, 7)
40- Ego quoque sinum meum saxis onerabo (...) (90, 4)
41- (...) ego te reliqui (...) (91, 8)
42- (...) na tu me prodidisti? (91, 8)
43- At ego ne mea quidem uestimenta ab offocioso recepissem (...) (92, 11)
44- Ego laudes tuas carminibus implebo (94, 2).
45- Ego si te non inuenissem, periturus per praecipitia fui (94, 11).
46- Vos mehercules ne mercedem cellae daretis (...) (95, 3).
47- Ille tot hospitum potionibus liber urceolum fictilem in Eumolpi caput iaculatus
est (...) (95, 5)
48- Sed ille candelabro se ab omni periculo uindicabat (95, 9).
49- Et haec quidem uirilis et paene auribus meis familiaris animum palpitantem
percussit (100, 4).
50- Nec ego in hoc periculum Eumolpon arcesso (102, 2).
51- (...) ego uos in duas iam pelles coniciam (...) (102, 8)

147
52- (...) tanquam et ipse uocem audisset (...) (105, 9)
53- Audacius tamen ille tragoediam implebat (...) (108, 11)
54- (...) ut tu nihil imperabis puero repugnanti (...) (109, 2)
55- Ego, inquit Eumolpus, hoc iussi (105, 2).
56- Et ego quidem tres plagas Spartana nobilitate concoxi (105, 5).
57- Saepius ego cultrum tonsorium super iugulum meum posui (...) (108, 11)
58- Ego maestus et impatiens foederis noui non cibum, non potionem capiebam
(...) (113, 6)
59- Nempe hic proxima luce patrimonii sui rationes inspexit (...) (115, 15)
60- Ille uehiculo lapsus properantem spiritum excussit (...) (115, 16)
61- Ille manu pauida natos tenet (123, 1, 226)
62- (...) ille penates occultat gremio (...) (123, 1, 227)
63- (...) quemadmodum ego te uolo? (127, 4)
64- Numquam ego aegrum tam magno periculo uidi (...) (129, 6)
65- Illa de sinu licium protulit uarii coloris filis intortum (131, 4)
66- Illa solo fixos oculos auersa tenebat (132, 11, 1)
67- Numquam tu hominem tam infelicem uidisti (...) (134, 9)
68- At illa inertiam meam accusans improba tollit (...) (135, 6)
69- Dum illa carnis etiam paululum delibat (...) (136, 1)
70- (...) cum ego praeda simul atque [hoc] uindicta gaudens post lectum occisum
anserem mitto (...) (136, 7)
71- Ego, qui putaueram me rem laude etiam dignam fecisse, ordine illi totum
proelium exposui (...) (136, 12)
72- (...) ego tibi pro ansere struthocamelum reddam (137, 4).

c) Particípio passado + esse

SVM
1- iussa sum (17, 7)
2- passa sum (25, 4)
3- inquinata sum (25, 5)
4- miratus sum (30, 1)

148
5- natus sum (39, 8)
6- diductus sum (41, 1)
7- relictus sum (41, 12)
8- fefellitus sum (61, 8)
9- refectus sum (62, 10)
10- factus sum (64, 3)
11- factus sum (64, 3)
12- tractus sum (72, 7)
13- factus sum (76, 1)
14- delapsus sum (87, 6)
15- auspicatus sum (90, 4)
16- conatus sum (92, 6)
17- eiectus sum (92, 6)
18- contactus sum (128, 2)
19- eiectus sum (132, 4)
20- deprecatus sum (133, 2)
21- uerberatus sum (138, 8)
22- eiectus sum (138, 8)
ES
23- uestitus es (83, 9)
24- locutus es (90, 3)
25- ausus es (98, 6)
26- expositus es (115, 13)
27- contenta es (130, 3)
EST
28- est passus (3, 1)
29- delectata est (7, 1)
30- effusa est (18, 7)
31- refectum ... est (23, 1)
32- producta est (25, 2)
33- impositus est (28, 4)
34- allata est (31, 8)
35- allatus est (32, 1)

149
36- allatum est (33, 3)
37- insecutus est (34, 3)
38- est insecutum (35, 1)
39- inclinata est (38, 13)
40- sublatus est (40, 2)
41- secutum est (40, 3)
42- elatus est (42, 6)
43- planctus est (42, 6)
44- relictum est (43, 4)
45- frunitus est (43, 6)
46- datum est (43, 7)
47- relictum est (45, 6)
48- deprehensus est (45, 7)
49- coactus est (45, 8)
50- contentus est (46, 6)
51- inquinatus est (46, 7)
52- natus est (47, 4)
53- est exinteratus (49, 4)
54- honoratus est (50, 1)
55- captum est (50, 5)
56- admissus ... est (51, 2)
57- actus est (53, 3)
58- relatum est (53, 4)
59- factum est (53, 5)
60- delapsus est (54, 1)
61- commorata est (55, 4)
62- allata est (56, 8)
63- allata est (56, 8)
64- est allata (56, 9)
65- allatus est (59, 6)
66- secutus est (59, 7)
67- partitus est (59, 7)
68- factus est (62, 6)

150
69- factus est (62, 7)
70- adductus est (64, 7)
71- peruentum est (67, 6)
72- imitatus est (69, 4)
73- imitatus est (69, 5)
74- est factum (69, 8)
75- miratus est (71, 12)
76- allatus est (74, 4)
77- est coniectus (74, 5)
78- turbata est (74, 8)
79- consternata est (74, 12)
80- natus est (74, 14)
81- fixum est (75, 7)
82- est moratus (78, 1)
83- persuasus est (81, 5)
84- facta est (85, 2)
85- questus est (87, 4)
86- iaculatus est (95, 5)
87- est moratus (97, 5)
88- aggressus est (98, 7)
89- est dillata (103, 3)
90- reiectus est (103, 5)
91- turbata est (105, 6)
92- gestum est (107, 13)
93- detersa est (108, 2)
94- factum est (109, 2)
95- orsus est (110, 8)
96- prosecuta est (111, 2)
97- passa est (111, 13)
98- uicta est (111, 13)
99- aggressus est (112, 1)
100- usus est (112, 8)
101- miratus est (112, 8)

151
102- confessus est (117, 1)
103- ausus est (117, 5)
104- orbata est (119, 1, 37)
105- peracta est (122, 1, 175)
106- factum est (124, 1, 295)
107- paratus est (126, 4)
108- factum est (126, 18, 1)
109- funerata est (129, 1)
110- natus est (134, 8)
111- fracta est (136, 1)

SVMVS
112- ducti sumus (21, 5)
113- deprecati sumus (30, 9)
114- coacti sumus (65, 11)
115- deiecti sumus (70, 11)
116- deducti sumus (73, 5)
117- expliciti ... sumus (79, 3)
118- partiti ... sumus (79, 12)
119- petiti sumus (106, 1)

SVNT
120- allatae sunt (34, 6)
121- secti sunt (45, 12)
122- parata sunt (47, 5)
123- effusa sunt (49, 10)
124- factae sunt (50, 5)
125- nata sunt (50, 6)
126- nati sunt (53, 2)
127- empti sunt (53, 6)
128- datae sunt (56, 8)
129- facta sunt (62, 8)
130- insecutae sunt (65, 1)

152
131- circumlatae sunt (65, 2)
132- circumlata sunt (66, 7)
133- insecuta sunt (69, 7)
134- facta sunt (69, 9)
135- inuentae sunt (141, 11)

ERAM
136- oblitus eram (76, 11)

ERAT
137- parata erat (18, 5)
138- erat ... fixus (28, 6)
139- erat pictus (29, 1)
140- erat ... pictum (29, 3)
141- erat scriptum (30, 1)
142- erat positus (30, 5)
143- rogatus erat (31, 6)
144- erat ... positus (31, 9)
145- inscriptum erat (31, 10)
146- sublatum erat (39, 1)
147- positus erat (40, 3)
148- collisa erat (51, 3)
149- erat facta (57, 9)
150- erat positum (60, 4)
151- erat ... laesus (94, 14)
152- factum erat (98, 7)
153- erat relicta (114, 13)
154- satiatus erat (119, 1, 3)
155- pulsus erat (119, 1, 48)
156- uicta erat (123, 1, 201)
157- ueneratus erat (123, 1, 242)
158- erat ... posita (135, 4)
159- paratus erat (141, 5)

153
ERAMVS
160- praecincti ... eramus (19, 5)

ERANT
161- erant facta (11, 2)
162- strati erant et ... expositus (21, 5)
163- erant … fixi (30, 1)
164- erant affixa (34, 6)
165- erant picta (40, 1)
166- erant posita (56, 8)
167- erant facta (62, 12)
168- erant … praecisae (83, 2)
169- erant scripta (129, 3)

SIT
170- nata sit (38, 4)
171- iratus sit (58, 2)
172- irata sit (58, 7)
173- domata sit (74, 14)
proscripta sit (106, 4)
SINT
174- concepti sint (33, 5)
175- nata sint (50, 5)

ESSEM
176- essem emenditus (82, 3)
177- essem ... eductus (85, 1)
178- fraudatus essem (128, 5)

154
ESSET
179- factus esset (29, 4)
180- iratus esset (44, 5)
181- scitum esset (51, 6)
182- esset imitatus (64, 5)
183- acceptus esset (65, 8)
184- esset uocata (67, 3)
185- laudatus esset (69, 4)
186- esset allata (69, 6)
187- positus esset (69, 8)
188- esset oblitus (125, 1)
189- esset locuta (139, 3)
190- esset … capta (141, 11)

ESSENT
191- essent confecta (78, 1)

FVIT
192- paratus fuit (43, 1)
193- contentus fuit (70, 13)

FVERVNT
194- fuerunt … posita (31, 11)

FVERAT
195- depulsa fuerat (22, 1)
196- oblitus fuerat (54, 3)
197- secutus ... fuerat (135, 4)

FVERO
198- fuero persecutus (58, 12)

155
FVERIS
199- soluta ... fueris (111, 11)

FVERIT
200- uentum fuerit (102, 9)

FVERINT
201- empti fuerint (53, 8)

ESSE
202- esse deductum (7, 4)
203- esse deductum (7, 4)
204- esse inuiolatum (13, 2)
205- conditam esse (29, 8)
206- esse contentum (39, 3)
207- esse positam (40, 4)
208- oblitum esse (49, 5)
209- esse mutatum (64, 2)
210- exossatas esse (65, 2)
211- esse contentus (68, 2)
212- inuitatos esse (78, 4)
213- esse puniti (103, 2)
214- esse perductum (104, 1)
215- esse diuisos (116, 6)
216- esse sparsam (117, 8)

II..2- ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados relativos a ordem de palavras será feita seguindo-se as


subdivisões constantes nos itens de ordem de palavras no sintagma nominal e no
sintagma verbal, utilizadas na composição das tabelas da listagem.

156
Ordem genitivo-nome-genitivo: Como se pode facilmente perceber, as
seqüências com genitivo são bastante numerosas ao longo do Satyricon (305
ocorrências de genitivo-nome e 386 ocorrências de nome-genitivo). Especificamente, o
genitivo é empregado como complemento de nomes, adjetivos, formas pronominais e
formas adverbiais da maneira que se segue:

a) genitivo como complemento do nome: 301 ocorrências na ordem genitivo-


nome, 358 ocorrências na ordem nome-genitivo;
b) genitivo como complemento do adjetivo: 04 ocorrências na ordem genitivo-
nome (ocorrências 133, 157, 167, 173), 08 ocorrências na ordem nome-
genitivo (ocorrências 3, 43, 150, 171, 204, 218, 284, 357);
c) genitivo como complemento de formas pronominais: 19 ocorrências na
ordem nome-genitivo (ocorrências 13, 27, 29, 31, 63, 64, 83, 88, 95, 96, 103,
122, 132, 138, 150, 164, 171, 231, 287);
d) genitivo como complemento de formas adverbiais: 01 ocorrência na ordem
nome-genitivo (ocorrência 74).

Os dados sistematizados acima demonstram que, na maior parte dos casos, o


genitivo exerce sua função precípua de complemento de nomes; ressaltam ainda que se
pode estabelecer uma relação entre a ordem empregada e a parte do discurso a que o
genitivo serve de complemento, uma vez que o uso da ordem genitivo-nome se restringe
às ocorrências de genitivo como complemento do nome, ou do adjetivo.
A análise das ocorrências de genitivo listadas acima segundo seu emprego ao
longo dos três grupos de episódios do Satyricon, com o objetivo de avaliar se existe
alguma relação entre os grupos de episódios e a ordem do genitivo utilizada, levou aos
seguintes números:

Genitivo-nome Nome-genitivo
(número de ocorrências) (número de ocorrências)
Episódios iniciais (26 cap.) 32 43
Episódios da Cena (52 cap.) 79 122
Episódios finais (63 cap.) 194 221

157
Os números demonstram que o posicionamento do genitivo é indiferente ao
registro lingüístico empregado pelo autor, se mais ou menos formal, uma vez que a
ordem nome-genitivo é mais freqüente em todos os grupos de episódios. Porém, o
emprego da ordem genitivo-nome em grande escala impede que se considere a ordem
nome-genitivo como habitual. A partir desses dados, considera-se que, na linguagem
retratada por Petrônio, não havia ordo rectus e ordem alterada em relação à posição do
genitivo; tanto a anteposição, quanto a posposição eram utilizadas sem qualquer
diferença de sentido.
Não se confirma, pois, a generalização, proposta por Rubio (1976, p. 22), de que
o elemento determinante sempre precede o elemento determinado na ordem habitual do
latim. Segundo a tese apresentada por Elerick (1994, p. 71), isso se deve ao fato de que,
no processo de mudança da ordem de genitivo-nome para nome-genitivo do latim até as
línguas românicas, são identificados cinco diferentes estágios de variação, por ordem
cronológica:

1o estágio: apenas genitivo-nome;


2o estágio: genitivo-nome (predominante) e nome-genitivo;
3o estágio: genitivo-nome e nome-genitivo, com igual distribuição;
4o estágio: genitivo-nome e nome-genitivo (predominante);
5o estágio: nome-genitivo.

Os estágios propostos por Elerick relativizam a generalização de Rubio, que se


aplicaria apenas para o primeiro estágio e os dados do Satyricon demonstram um
est'sgio já bem avançado da mudança (4o estágio).

Ordem adjetivo-nome-adjetivo: Os dados relativos aos cinco adjetivos qualificativos


selecionados para análise confirmam a generalização tradicionalmente encontrada na
literatura (Ernout & Thomas, 1953, p. 162; Berger, 1933, p. 314; Lavency, 1985, p.
271) de que a posição habitual do adjetivo qualificativo é de anteposição ao nome,
como apresentado no quadro abaixo:

158
Adjetivo-nome Nome-adjetivo
(número de ocorrências) (número de ocorrências)
Magnus, -a, -um 20 01
Ingens, -ntis 18 11
Grandis, -e 08 04
Bonus, -a, -um 21 01
Malus, -a, -um 08 01

No entanto, dentre os cinco adjetivos qualificativos considerados para análise,


chama a atenção o fato de que dois deles - ingens e grandis - apresentam um número
considerável de posposição (11 e 04, respectivamente), bem acima dos demais
adjetivos. Essa diferença não pode ser atribuída ao fator campo semântico (ambos
expressam idéia de grandeza), já que o adjetivo magnus, do mesmo campo semântico, é
posposto ao nome uma única vez. Um outro fator que pode ser associado ao emprego da
posposição é o fato de ingens e grandis pertencerem ao mesmo tema em -i/consoante. A
partir desses dados, pode-se inferir que a ampliação do emprego de adjetivo
qualificativo posposto ao nome está relacionada a fatores morfológicos, mas se
encontrava em estágio inicial no séc. I d. C., na linguagem retratada por Petrônio.

Infinitivo-verbo modal-infinitivo: Diante das duas possibilidades de posicionamento do


infinitivo (anteposto ou posposto ao verbo modal), os dados levantados a partir do
Satyricon demonstram que a preferência é pela ordem verbo modal + infinitivo, para
todos os verbos modais selecionados para análise, como se evidencia na tabela abaixo:

Verbo modal-infinitivo Infinitivo-verbo modal


(número de ocorrências) (número de ocorrências)
Velle e derivados 40 12
Posse 51 34
Debere 11 04

A análise dos dados por grupos de episódios apresenta o seguinte resultado:

159
Velle e derivados Posse Debere
(modal + inf/inf + (modal + inf/inf + (modal + inf/inf +
modal) modal) modal)
Episódios iniciais O8 / 02 07 / 03 03 / 01
Episódios da Cena 16 / 04 13 / 13 05 / 00
Episódios finais 16 / 06 31 / 18 03 / 03

A tabela acima mostra que o emprego de infinitivo anteposto ou posposto ao


verbo modal não está relacionado aos diferentes registros lingüísticos empregados por
Petrônio ao longo dos três grupos de episódios do Satyricon, uma vez que o número de
ocorrências de verbo modal + infinitivo é sempre igual, ou maior do que o número de
ocorrências de infinitivo + verbo modal. Os dados revelam uma forte tendência à
posposição do infinitivo, ordem que se fixou nas línguas românicas e que, segundo
Berger (1933, p. 321), é a posição usual do infinitivo.

Ordem SVO-SOV-VSO-VOS-OVS-OSV: Dentre as seis possibilidades de combinação


entre as palavras em função de sujeito, verbo e objeto, apenas quatro foram atestadas
(SVO, SOV, OSV e VSO). As ordens OVS e VOS não foram encontradas no contexto
selecionado para análise (apenas as ocorrências cujo era pronome pessoal,
demonstrativo, ou anafórico). O fato de ambas as ordens não encontradas terem em
comum o sujeito em posição final pode ser apontado como fator para seu não emprego.
O maior número de ocorrências foi de SOV (72 ocorrências), o que leva a que se
considere esta ordem como habitual na linguagem retratada na obra. Os dados
demonstram, outrossim, que esta ordem habitual sofria a concorrência justamente da
ordem SVO, empregada 33 vezes com sujeito pronominal. Os dados refletem, pois, um
estágio da língua em que havia uma ordem predominante (SOV), não estilística, e uma
ordem intermediária entre a habitual e a expressiva (SVO), que posteriormente veio a se
fixar nas línguas românicas como ordem habitual. As ordens OSV (08 ocorrências) e
VSO (15 ocorrências) podem ser consideradas como de emprego estilístico, diante do
pequeno número de ocorrências registrado.
Para Väänänen (1985, p. 261), o emprego do verbo no interior da frase se
conforma com o uso cotidiano da língua latina e se constitui como uma tendência que se

160
vai firmando desde a mais antiga inscrição latina conhecida, a fíbula de Preneste (ano
600 a. C.), em que se lê Manios (sujeito) med (objeto direto) fhefhaked (verbo)
Numasioi (objeto indireto), até os textos tardios, como a Peregrinatio Aetheriae.

Ordem particípio passado-esse-particípio passado: Os dados listados demonstram que a


ordem predominante de ordenação entre os termos que formam a voz passiva analítica
era a anteposição do particípio passado (172 ocorrências de um total de 215). A
posposição do particípio passado está restrita a 43 ocorrências. No entanto, uma análise
mais criteriosa desses números revela que a opção por antepor ou pospor o particípio
passado está diretamente relacionada ao tempo do verbo esse, como demonstra a tabela
abaixo:

PP + esse Esse + PP
(número de ocorrências) (número de ocorrências)
Presente (ind.) 126 09
(subj.) 07 00
Pretérito imperfeito (ind.) 15 19
(subj.) 07 09
Pretérito perfeito (ind.) 02 01
Pret. Mais-que-perfeito (ind.) 03 00
Futuro perfeito 03 01
Infinitivo presente 04 11

A tabela acima mostra que as ocorrências de esse + particípio passado aumentam


quando o verbo esse se encontra no pretérito imperfeito (do indicativo e do subjuntivo)
e no infinitivo presente (destacados em negrito na tabela), casos em que há um
predomínio do emprego da ordem alterada em relação à ordem habitual (particípio
passado + esse).

161
II.3- CONCLUSÃO

A análise dos dados relativos a ordem de palavras nos sintagmas nominal e


verbal demonstrou que as diferentes seqüências selecionadas para estudo se
encontravam em diferentes estágios dos dois processos de mudança relacionados à
ordem de palavras por que passou a língua latina: primeiro, a alteração do padrão de
ordenação de determinante + determinado (genitivo-nome, adjetivo-nome, infinitivo-
verbo modal, SOV, particípio passado-esse) para determinado + determinante (nome-
genitivo, nome-adjetivo, verbo modal-infinitivo, SVO, esse-particípio passado);
segundo, a fixação da ordem no novo padrão estabelecido.
O quadro lingüístico que se pode esboçar a partir dos dados levantados no
Satyricon é de assistematicidade quanto à ordem na linguagem do séc. I d. C. retratada
na obra, um período em que reina a coexistência de dupla ordem de palavras (às vezes
quádrupla, como no caso de SVO), geralmente com uma preferência nem sempre
acentuada por uma ou outra das possibilidades de ordenação. Em outros casos, havia já
uma única ordem, usada de forma sistemática (ordem fixada), como por exemplo em
algumas seqüências de posposição do genitivo.
Pode-se interpretar esses diferentes padrões de ordenação de palavras como
traços de um estágio posterior da língua latina, abrindo perspectiva para que se
considerem as diferentes ordenações não como "exceções", ou como variações
estilísticas, mas como um aumento da instabilidade quanto ao posicionamento das
palavras na frase, que teria precedido a fixação da ordem de palavras nos moldes
mantidos pelas línguas românicas.
Os dados sistematizados e discutidos acima podem ser interpretados como
confirmadores da tese defendida po Jespersen, apresentada anteriormente, de que a
fixação da ordem de palavras teria precedido a perda das desinências casuais, uma vez
que apresentam indícios de fixação da ordem das palavras, num período em que a
morfologia ainda exercia forte papel de determinação da função sintática através das
desinências casuais.

162
III- EMPREGO DE PRONOMES

Em geral, os estudos sobre os pronomes latinos partem da divisão tradicional


em seis classes: pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos,
interrogativos e indefinidos (Faria, 1995; Cart & al., 1986; Blatt, 1952).
As três primeiras classes têm em comum o fato de suas formas estarem
diretamente relacionadas às pessoas do discurso, enquanto que as três últimas
constituem um conjunto do ponto de vista morfológico, já que todos os relativos e
interrogativos e grande parte dos indefinidos se formam a partir das raízes indo-
européias kwe/kwo- e kwei- (Faria, 1995, p. 144), mas não em termos semânticos e
sintáticos. Para as três primeiras classes, a relação que se pode estabelecer com as três
pessoas do discurso é a seguinte:

Pronome pessoal Pronome possessivo Pronome


(nominativo) (nominativo) demonstrativo
1a pessoa ego/nos meus/noster hic
(singular/plural)
2a pessoa tu/uos tuus/uester iste
(singular/plural)
3a pessoa 56 - suus ille/is

A lacuna gerada pela ausência de uma forma específica de pronome pessoal em


nominativo para a 3a pessoa em latim, limitando seu emprego à 1a e 2a pessoa do
singular e do plural, era suprida com o uso do anafórico is ou de outro demonstrativo
(Faria, 1995, p. 288). Em termos funcionais, os pronomes pessoais em nominativo não
acrescentam qualquer tipo de informação à frase, apenas indicam a pessoa gramatical, já
expressa através da flexão verbal (Faria, 1995, p. 279), o que torna seu emprego restrito
aos casos em que se deseja:

a) insistir sobre a pessoa (Cart et al. 1986, p. 32; Blatt, 1952, p. 134);

163
b) expressar um sentido especial (Meillet & Vendryes, 1966, p. 592);
c) pôr o sujeito em relevo (Faria, 1995, p. 287);
d) marcar uma oposição (Ernout & Thomas, 1953, 143).

A partir desses empregos estilísticos, especialmente nos registros de linguagem


oral (nas comédias, ou nas correspondências familiares), os pronomes pessoais de 1a e
2a pessoas em nominativo se foram introduzindo em várias construções sem qualquer
valor expressivo, o que levou, em última análise, já no período românico, a que se
tornassem ou obrigatórios, como em francês, língua em que passou de palavra autônoma
para instrumento gramatical (Meillet & Vendryes, 1966, p. 592); ou de emprego
relativamente freqüente, como em português (Ernout & Thomas, 1953, p. 143; Faria,
1995, p. 287). Para Blatt (1952, p. 136), o emprego inexpressivo57 dos pronomes
pessoais em nominativo tem sua origem no emprego enclítico desses pronomes,
especialmente nos diálogos, a partir do qual veio a se desenvolver o emprego românico.
Também os pronomes possessivos têm seu uso restrito em casos em que a
relação de posse que exprimem é evidente (Cart et al., 1986, p. 34; Faria, 1995, p. 280),
ou quando não há necessidade de se ressaltar a relação de propriedade (Blatt, 1952, p.
142).
Os pronomes demonstrativos latinos compõem um sistema complexo formado
pelos três demonstrativos de valor pessoal destacados no quadro acima (hic- 1a pessoa,
iste- 2a pessoa e ille- 3a pessoa) e por um pronome anafórico is (Meillet & Vendryes,
1966, p. 496). Além desses, por razões históricas, classificam-se como pronomes
demonstrativos dois compostos de is, quais sejam, o intensivo ipse (formado de is + pse
= o próprio) e idem (o mesmo), que acrescenta ao anafórico a idéia de identidade (Blatt,
1952, p. 141-144; Faria, 1995, p. 283). Todos os pronomes pertencentes a esta classe (os
demonstrativos propriamente ditos, o anafórico is e seus compostos) podem ser
empregados adjetiva ou substantivamente (Blatt, 1952, p. 141-145). No entanto, o largo
emprego destes pronomes em ambas as funções levou à perda de seu valor primitivo de
demonstrativo, o que gerou dois grandes processos de mudança, já nas línguas
românicas, envolvendo essencialmente o pronome demonstrativo de 3a pessoa ille: a
criação de um pronome pessoal de 3a pessoa, a partir do enfraquecimento do valor do

56
Para os demais casos, o latim possui em seu paradigma pronominal as formas de reflexivo da 3a pessoa,
as mesmas para todos os gêneros no singular e no plural (acusativo e ablativo se, dativo sibi, genitivo sui).
57
Literalmente "affaibli", isto é, enfraquecido, debilitado.

164
pronome empregado como substantivo (ex.: ele, em português; il, em francês) e a
criação do artigo definido, a partir do enfraquecimento do valor do pronome empregado
como adjetivo (ex.: o, em português; le, em francês) (Faria, 1995, p. 288; Ernout &
Thomas, 1953, p. 192). Para Meillet & Vendryes, 1966, p. 590, ille é sempre um
pronome demonstrativo em latim, mesmo em que contextos em que se pode associá-lo
ao emprego românico. Outros autores, entretanto, afirmam que se podem encontrar
indícios destas transformações no latim falado, especialmente nos textos dos cômicos e
em autores do período imperial (Ernout & Thomas, 1953, p. 192; Faria, 1995, p. 288).
Para Rosén (1994, p. 129), sintagmas tais como porcus ille siluaticus (Sat. 40, 7)
representam indubitavelmente um contexto que teria favorecido a formação do artigo
definido em latim.
A classe dos pronomes indefinidos é composta por uma longa série de vocábulos
- aliquis, quis/qui, quispiam, quisquam, ullus, multi, plures, quidam, quisque, quilibet,
quiuis, uter e compostos, alius, alter, nullus, nemo, nihil- (Faria, 1995, p. 284; Cart et
al., 1984, p. 42; Blatt, 1952, p. 147). No entanto, como se pode observar, fazem parte
dessa série não apenas pronomes, mas também nomes, como por exemplo nullus, além
de palavras obtidas a partir de diferentes formações verbais (quilibet, por exemplo), o
que torna esta classe uma categoria de difícil delimitação (Blatt, 1952, p. 147); com
isso, alguns autores optam por excluir a denominação de "pronome", já que esta não se
aplica atodos os vocábulos pertencentes à classe, mantendo apenas a de "indefinido" (cf.
Ivo et al., 1986).
O pronome interrogativo se compõe de duas séries de formas - quis, quae, quid e
qui, quae, quod, que se empregam, respectivamente, segundo o pronome seja
substantivo e adjetivo, podendo também ser condicionado, no caso específico das
formas quis/qui, por questão de eufonia (Blatt, op.cit., p. 145). As formas adjetivas do
pronome interrogativo são também empregadas para desempenhar a função de pronome
relativo, que possui o encargo de "exprimir a relação existente entre sua própria oração
e um substantivo que geralmente a precede, denominado antecedente" (Faria, 1995, p.
287).
A partir dos fatos lingüísticos acima expostos, optou-se por reduzir o estudo da
sintaxe dos pronomes no Satyricon à análise das três primeiras classes (pronomes
pessoais, possessivos e demonstrativos), tendo em vista que:

165
a) estes pronomes formam um conjunto do ponto de vista semântico (estão
associados às pessoas do discurso) e sintático (são empregados nos mesmos
contextos de frase);
b) representam padrões de emprego que foram drasticamente alterados do latim
até as línguas românicas (mudança no status de opcional para obrigatório,
alteração de pronome demonstrativo para pessoal e de demonstrativo para
artigo).

Com este estudo, objetiva-se determinar o padrão de emprego das classes de


pronomes selecionadas para análise ao longo do Satyricon, indentificando os estágios
dos processos de mudança revelados na obra.

III.1- LISTAGEM DE EMPREGO DE PRONOMES

A listagem das alterações sintáticas relativas a emprego de pronomes destacadas


neste estudo estão agrupadas em:

d) Emprego de pronomes em função adnominal;


e) Emprego de pronomes substantivos.

O agrupamento de pronomes em função adnominal está dividido em: A)


pronomes demonstrativos e B) pronomes possessivos. Cada um desses subgrupos traz
diferentes tabelas, que listam todas as ocorrências de todos os pronomes identificados
ao longo do Satyricon pertencentes a estas classes. Junto dos pronomes demonstrativos
propriamente ditos (hic, iste, ille), estão listados também o pronome anafórico is e seus
derivados ipse e idem. Estão transcritas as ocorrências dos pronomes, na forma indicada
no texto, e dos respectivos nomes a que estão associados, seguidos da indicação do
capítulo e subdivisão do capítulo em que estas se encontram; as reticências indicam a
existência de outro(s) vocábulo(s) entre o pronome e o nome. Após cada uma das
tabelas, agrupam-se as ocorrências listadas segundo os três grupos de episódios.
O agrupamento de pronomes substantivos se divide em: A) pronomes pessoais de
1a e 2a pessoa em nominativo e B) pronomes demonstrativos. O primeiro subgrupo
registra todas as ocorrências dos pronomes ego, tu, nos e uos, separadas por gupos de

166
episódios (episódios iniciais, episódios da Cena, episódios finais). O segundo subgrupo
traz todas as ocorrências dos pronomes demonstrativos hic, iste, ille, do pronome
anafórico is e de seus derivados ipse e idem, desempenhando a função de substantivos,
na forma utilizada pelo autor, com a transcrição da parte do contexto oracional relevante
para a identificação da função do pronome na frase. Ao final de cada ocorrência, indica-
se o capítulo e a subdivisão do capítulo do texto em que se encontram as ocorrências
destacadas para análise. Após cada uma das tabelas, o total de ocorrências listadas é
agrupado segundo os três grupos de episódios.

III.1.1- Listagem de emprego de pronomes em função adnominal

A. 1- Pronomes demonstrativos

A.1.1- Hic, haec, hoc

1- haec uulnera (1, 1)


2- hunc oculum (1, 1)
3- haec ipsa (1, 2)
4- hoc genus (2, 5)
5- his exercitationibus (3, 2)
6- hoc ... aestu (6, 1)
7- hunc locum (8, 3)
8- hanc ... praecipitem (10, 7)
9- hoc loco (14, 1)
10- haec audacia (17, 4)
11- hanc deprecatione (18, 1)
12- hanc pollicitationem (18, 4)
13- hac medicina (18, 5)
14- hoc deuersorio (19, 2)
15- hoc triclinio (24, 3)
16- hac uoce (24, 4)
17- huic petulantiae (25, 3)
18- hanc aetatem (25, 5)

167
19- has … lautitias (27, 4)
20- hac inscriptione (28, 6)
21- hoc officium (30, 5)
22- his … uoluptatibus (30, 5)
23- hoc … officio (31, 4)
24- his … lautitiis (32, 1)
25- has … diuitias (32, 4)
26- hanc scenam (33, 5)
27- hoc titulo (34, 6)
28- haec lupatria (37, 6)
29- hos dies (38, 4)
30- hoc titulo (38, 10)
31- hoc uino (39, 2)
32- caelus hic (39, 5)
33- hoc signo (39, 5)
34- hi ... apophoreti (40, 5)
35- hic aper (41, 4)
36- hoc ferculo (41, 9)
37- haec colonia (44, 12)
38- haec annona (44, 15)
39- hoc tempore (45, 3)
40- hoc anno (46, 2)
41- haec res (46, 7)
42- porcus hic (49, 4)
43- hoc automatum (50, 1)
44- hac massa (50, 6)
45- hanc condituram (51, 5)
46- his precibus (54, 3)
47- hunc casum (55, 2)
48- hoc epigrammate (55, 4)
49- hoc … officium (56, 7)
50- huius loci (57, 2)
51- hanc coloniam (57, 9)

168
52- hoc dictum (58, 1)
53- hoc ferrum (58, 11)
54- hac re (59, 2)
55- haec apophoreta (60, 4)
56- hanc uenerationem (60, 7)
57- haec ... dicta (61, 5)
58- huius contubernalis (61, 9)
59- hoc loco (63, 6)
60- hoc factum (63, 10)
61- hanc humanitatem (65, 1)
62- hanc trepidationem (65, 5)
63- hoc sermone (65, 6)
64- hac … hilaritate (65, 8)
65- hoc sermone (65, 6)
66- hoc fericulo (68, 2)
67- has lautitias (70, 7)
68- hac contentione (71, 1)
69- hoc monumentum (71, 7)
70- hic bucinus (74, 2)
71- hunc incidem (74, 3)
72- hoc fulmen (75, 1)
73- hic candelabrus (75, 10)
74- hanc … fortunam (75, 10)
75- haec iactura (76, 5)
76- hoc loco (76, 7)
77- hanc domum (77, 4)
78- uiperae huius (77, 4)
79- hoc gladio (80, 1)
80- hac praeda (80, 1)
81- hanc ... dementiam (80, 3)
82- has preces (80, 5)
83- hac pronuntiatione (80, 7)
84- hanc … solitudinem (81, 3)

169
85- haec ... facies (82, 5, 3)
86- hac nota (83, 7)
87- hunc puerum (85, 5)
88- hoc principio (85, 6)
89- hoc uotum (86, 2)
90- hac felicitate (86, 4)
91- hac ... exceptione (86, 4)
92- hanc offensam (87, 1)
93- his sermonibus (88, 1)
94- haec tropica (88, 2)
95- hoc ... fero (89, 1, 12)
96- hic ... alius (89, 1, 62)
97- hac … aduenticia (90, 5)
98- hoc cibo (90, 6)
99- hoc pectore (91, 6)
100- hac iniuria (91, 6)
101- his moribus (94, 5)
102- hac denuntiatione (94, 7)
103- haec fabula (95, 1)
104- hanc insulam (95, 3)
105- huiusce nauigii (100, 7)
106- hoc fulmen (101, 1)
107- hac … inuidia (101, 3)
108- huius nauigii (101, 4)
109- hanc simulationem (101, 8)
110- hoc periculum (102, 2)
111- hoc genus (102, 10)
112- hoc … remedio (102, 13)
113- hic solus color (102, 14)
114- hoc sermone (105, 1)
115- hoc supplicium (105, 11)
116- hac … inscriptione (106, 1)
117- hoc officium (107, 1)

170
118- has plagas (107, 2)
119- hac poena (107, 6)
120- hoc argumento (107, 12)
121- hac in classe (108, 14, 3)
122- hos inter fluctus (108, 14, 6)
123- haec formula (109, 1)
124- hunc diem (109, 2)
125- haec uerba (109, 4)
126- huic tristitiae (110, 5)
127- hanc orationem (112, 8)
128- hoc gaudium (114, 9)
129- hoc opere (115, 6)
130- hanc fidem (115, 16)
131- hanc poenam (115, 18)
132- hoc … officio (116, 1)
133- hac … urbe (116, 6)
134- hac urbe (116, 6)
135- hac urbe (116, 7)
136- huic tristitiae (117, 7)
137- hanc formulam (117, 9)
138- hic impetus (118, 6)
139- hoc … lignum (119, 1, 30)
140- hoc … populo (119, 1, 47)
141- hoc ... caeno (119, 1, 58)
142- hos ... honores (120, 1, 66)
143- has inter sedes (120, 1, 76)
144- haec … dicta (121, 1, 100)
145- pectore in hoc (121, 1, 106)
146- has acies (122, 1, 158)
147- hanc ... dextram (122, 1, 167)
148- hoc ... tonitru (123, 1, 212)
149- hos inter motus (123, 1, 222)
150- has ... uoces (124, 1, 282)

171
151- hac nota (126, 7)
152- hoc ... anno (127, 1)
153- hoc templum (127, 3)
154- hoc loco (127, 7)
155- haec nomina (127, 7)
156- hoc gramine (127, 10)
157- hoc nomine (128, 7)
158- hac ciuitate (129, 10)
159- huius rei (129, 11)
160- hunc diem (130, 1)
161- haec facinora (130, 2)
162- hoc ... carmine (131, 5)
163- hac ... oratione (132, 9)
164- hoc τέλος (132, 15, 8)
165- hac declamatione (133, 1)
166- hac prece (133, 3, 10)
167- hunc adulescentem (134, 8)
168- hunc diem (137, 3)
169- hoc argumentum (137, 8)
170- haec potiones (137, 13)
171- huic formae (138, 6)
172- hoc corpus (138, 7)
173- hunc ignem (139, 4)
174- hanc successionem (140, 1)
175- hac condicione (141, 2)
176- hac epulatione (141, 10)

episódios iniciais: 18 ocorrências


episódios da Cena: 60 ocorrências
episódios finais: 98 ocorrências

172
A.1.2- Iste, ista, istud

1- ist frater (9, 4)


2- istis babaecalis (37, 10)
3- isti maiores maxillae (44, 3)
4- iste ... molestus (46, 1)
5- isti nugae (58, 3)
6- comula ista besalis (58, 5)
7- istos scolasticos (61, 4)
8- isto morbo (90, 3)
9- operam istam (117, 2)
10- istum ... morbum (134, 10)

episódios iniciais: 01 ocorrência


episódios da Cena: 06 ocorrências
episódios finais: 03 ocorrências

A.1.3- Ille, illa, illud

1- illa grandis oratio (4, 3)


2- illa parte (14, 7)
3- illa nocte (17, 7)
4- Syri illi (22, 5)
5- illa domo (23, 2)
6- prouerbium … illud (25, 5)
7- ille idem seruus (31, 1)
8- ostiarii illius (37, 8)
9- illa cena (39, 3)
10- ille fericulus (39, 4)
11- illo signo (39, 5)
12- ille Carpus (40, 5)
13- porcus ille siluaticus (40, 7)
14- illum interpretem meum (41, 2)

173
15- ille stips (43, 5)
16- illos leones (44, 4)
17- illo tempore (44, 10)
18- illa matella (45, 8)
19- cocus ille (54, 3)
20- illum locum (62, 12)
21- baro ille longus (63, 10)
22- illo doctísimo coco (74, 5)
23- rebus illis (77, 1)
24- illa amphora (77, 7)
25- libitinarii illius (78, 6)
26- ille alter (81, 5)
27- illa … tabula (89, 1)
28- miles ille (94, 3)
29- grabatum illum (95, 2)
30- Cyclops ille (101, 5)
31- eadem illa … ancilla (110, 5)
32- illam casulam (111, 5)
33- illa nocte (112, 3)
34- illi ... cruci (112, 8)
34- uestem illam (114, 5)
35- ille tremor (123, 1, 239)
36- illa pars (129, 1)
37- illa … bruma (132, 8, 5)
38- illud caeleste ac diuinum pectus (138, 7)

episódios iniciais: 06 ocorrências


episódios da Cena: 19 ocorrências
episódios finais: 14 ocorrências
-

174
A.1.4- Is, ea, id

1- eam … escam (3, 4)


2- eius aetatem (25, 3)
3- eius coloniae (44, 16)
4- eis uultis (47, 10)
5- suburbano ... eo (48, 2)
6- eam rem (59, 5)
7- eo ipso loco (73, 2)
8- ea urbe (125, 1)
9- eum daphnona (126, 12)
10- ea parte (132, 12)
11- ea nocte (133, 1)
12- eius prudentiae (140, 2)

episódios iniciais: 02 ocorrências


episódios da Cena: 05 ocorrências
episódios finais: 05 ocorrências

A.1.5- Ipse, ipsa, ipsum

1- ipso aditu (7, 4)


2- quod et ipsum (21, 1)
3- ipso limine (22, 2)
4- Quartilla ... et ipsa (26, 2)
5- ipse pater (27, 2)
6- aditu ... ipso (28, 8)
7- ipse Trimalchio (29, 3)
8- ipsum Trimalchionem (31, 8)
9- ipse Trimalchio (37, 8)
10- qui ... ipsi (39, 6)
11- se ipsum (45, 8)
12- ego ipse (48, 8)

175
13- te ipsum (52, 4)
14- ipse Trimalchio (54, 2)
15- is ipse (57, 1)
16- ipse Trimalchio (59, 3)
17- ipsius Trimalchionis (60, 9)
18- Trimalchio ipse (64, 5)
19- Trimalchio ... et ipse (65, 8)
20- eo ipso loco (73, 2)
21- anus ... ipsa (79, 6)
22- puer ipse (80, 5)
23- ipsa trepidatione (82, 4)
24- ipsius naturae (83, 1)
25- ipsis leonibus (84, 5)
26- ipse senatus (88, 9)
27- mors ipsa (89, 1, 47)
28- ipsum hominem (92, 9)
29- ipsos sciniphes (98, 1)
30- se ipsos (101, 11)
31- ipsa gubernacula (102, 4)
32- ipse deus (106, 3)
33- mercennarius tonsor ... et ipse armatus (108, 8)
34- Eumolpus et ipse ... solutus (109, 8)
35- ipsum ... corpus (111, 12)
36- ipsa maiestas (119, 1, 44)
37- Roma ipsa (119, 1, 49-50)
38- ipsa ... Romana iuuentus (120, 1, 84)
39- ipse nitor (122, 1, 181)
40- ipsae ... nubes (123, 1, 199)
41- ipse populus (123, 1, 221-222)
42- ipsa ... tellus (124, 1, 287)
43- ipsa ... pulchritudine (132, 1)
44- ipse pater (132, 15, 7)
45- ipsum ... Acrisium (137, 9, 4)

176
46- ipse Paris (138, 6)

episódios iniciais: 04 ocorrências


episódios da Cena: 16 ocorrências
episódios finais: 26 ocorrências

A.1.6- Idem, eadem, idem

1- eodem cibo (2, 8)


2- eadem anicula (7, 4)
3- eundem locum (9, 1)
4- eadem ratione (9, 9)
5- eadem inuidia (14, 6)
6- eodem tempore (18, 2)
7- idem spetaculum (26, 5)
8- eodem titulo (30, 3)
9- ille idem seruus (31, 1)
10- eodem uerbo (36, 8)
11- eodem die (53, 3)
12- eodem die (53, 4)
13- eodem die (53, 5)
14- idem lapidarius (65, 5)
15- eodem unguento (70, 9)
16- eundem gurgitem (72, 7)
17- eandem ianuam (72, 10)
18- eandem festram (79, 7)
19- eandem fortunam (87, 1)
20- eadem causa (93, 3)
21- eodem synoecio (93, 3)
22- eadem indignatione (100, 4)
23- eaedem litterae (103, 2)
24- eodem … nauigio (105, 2)

177
25- eadem illa … ancilla (110, 5)
26- idem domicilium (111, 8)
27- eadem exhortatione (111, 10)
28- eodem tempore (112, 7)
29- idem litus (114, 11)
30- idem frigus (129, 7)
31- eundem platanona (131, 1)
32- eandem uiam (138, 3)

episódios iniciais: 07 ocorrências


episódios da Cena: 10 ocorrências
episódios finais: 15 ocorrências

A.2- Pronomes possessivos

A.2.1- Meus, -a, -um

1- liberos meos (1, 1)


2- Gitone meo (10, 7)
3- oculis meis (12, 3)
4- torum meum (17, 1)
5- iniuria mea (17, 6)
6- torum meum (18, 1)
7- capillos meos (18, 4)
8- iniuriam meam (18, 5)
9- inguina mea (20, 2)
10- risu meo (20, 6)
11- inguina mea (23, 5)
12- contubernali meo (24, 3)
13- comitem meum (24, 4)
14- fratrem meum (24, 6)
15- Iunonem meam (25, 4)
16- crura mea (29, 1)

178
17- collegae ... mei (29, 2)
18- uestimenta mea (30, 11)
19- natali meo (30, 11)
20- partem meam (33, 7)
21- Patrono meo (39, 4)
22- genesim meam (39, 8)
23- interpretem meum (41, 2)
24- stuporem meum (41, 5)
25- casulas meas (44, 15)
26- pannos meos (44, 15)
27- cicaro meus (46, 3)
28- mei coci (47, 10)
29- meos fines (48, 3)
30- oculis méis (48, 8)
31- meum ... intelligere (52, 3)
32- Fortunatam meam (52, 8)
33- rationes meas (53, 8)
34- choraulen meum (53, 13)
35- suscipio meo (54, 5)
36- memoriae meae (56, 10)
37- domini mei (57, 2)
38- contubernalem meam (57, 6)
39- fidem meam (57, 9)
40- conliberto meo (58, 3)
41- matrem meam (58, 4)
42- exitum meum (58, 12)
43- artificium meum (58, 14)
44- homo meus (62, 4)
45- amicae meae (62, 9)
46- Melissa mea (62, 11)
47- miles meus (62, 13)
48- quadrigae meae (64, 3)
49- domo meo (64, 8)

179
50- oculi ... mei (65, 9)
51- nomen meum (66, 1)
52- mea re (66, 2)
53- meo uernulae (66, 4)
54- domina mea (66, 5)
55- domini ... mei (67, 9)
56- aures meas (68, 5)
57- ipsumam meam (69, 3)
58- cocus meus (70, 1)
59- ingenio meo (70, 2)
60- testamento meo (71, 1)
61- familia mea (71, 3)
62- Fortunatam meam (71, 3)
63- amicis meis (71, 3)
64- monumentum meum (71, 5)
65- statuae meae (71, 6)
66- cineres meos (71, 7)
67- monumentum meum (71, 8)
68- monumenti mei (71, 8)
69- sepulchro meo (71, 8)
70- cicaronem meum (71, 11)
71- nomen meum (71, 11)
72- dexteram meam (71, 11)
73- Fortunatae meae (71, 11)
74- meo periculo (72, 3)
75- seruus meus (73, 6)
76- genium meum (74, 14)
77- monumento meo (74, 17)
78- faciem meam (75, 3)
79- cerebrum meum (75, 6)
80- uirtute mea (75, 8)
81- frugalitas mea (75, 10)
82- peculii mei (76, 8)

180
83- patroni mei (76, 8)
84- patria mea (76, 9)
85- negotium meum (76, 10)
86- intestinas meas (76, 11)
87- fatus meus (77, 3)
88- ossa mea (77, 7)
89- parentalia mea (78, 4)
90- partem meam (80, 1)
91- solitudinem meam (81, 6)
92- iniuriae meae (81, 6)
93- latus ... meum (83, 8)
94- frugalitatis meae (84, 5)
95- aures meas (85, 2)
96- consuetudinem meam (86, 6)
97- humanitatem meam (86, 6)
98- ceruicem meam (86, 7)
99- nequitia mea (87, 4)
100- censum meum (87, 4)
101- sinum meum (90, 4)
102- hospitium meum (91, 3)
103- uultu meo (91, 4)
104- mea ... uestimenta (92, 11)
105- inimici mei (92, 12)
106- iram meam (94, 4)
107- contubernalis mea (96, 7)
108- corporis mei (97, 6)
109- constantiam meam (100, 3)
110- auribus meis (100, 4)
111- manibus meis (100, 4)
112- pectus meum (101, 1)
113- meum ... comitatum (102, 6)
114- mercennarius meus (103, 1)
115- pecuniam meam (105, 3)

181
116- patrimonii mei (105, 3)
117- inguina mea (105, 9)
118- faciem meam (105, 9)
119- uiribus meis (108, 5)
120- audacia mea (108, 6)
121- mea causa (108, 6)
122- iugulum meum (108, 11)
123- oculis meis (113, 7)
124- mea tunica (114, 10)
125- pedibus meis (115, 11)
126- mea regna (120, 1, 90)
127- mea Tisiphone (120, 1, 97)
128- muneribus meis (121, 1, 108)
129- armis ... meis (122, 1, 155)
130- urbe mea (122, 1, 160)
131- mea Roma (122, 1, 166)
132- mei comites (122, 1, 169)
133- mea causa (122, 1, 175)
134- consuetudinem meam (125, 2)
135- Domina ... mea (126, 7)
136- amplexus meos (126, 9)
137- lateri meo (126, 13)
138- meum osculum (127, 2)
139- fratrem meum (127, 3)
140- ancilla mea (127, 6)
141- mea mater (127, 6)
142- osculum meum (128, 1)
143- formam meam (128, 3)
144- animum meum (128, 5)
145- cubiculum ... meum (129, 3)
146- ferro meo (130, 3)
147- excusationis meae (130, 6)
148- latus meum (130, 8)

182
149- ceruicem ... meum (131, 4)
150- Chrysis mea (131, 7)
151- oculos meos (131, 10)
152- iniuria meã (132, 3)
153- oculis méis (132, 4)
154- contumelia mea (132, 6)
155- uerecundiae meae (132, 12)
156- sermonis mei (132, 12)
157- dolorem meum (132, 13)
158- deposito meo (133, 4)
159- brachia mea (134, 4)
160- cellam meam (134, 7)
161- meos … pedes (134, 12, 6)
162- carminibus … meis (134, 12, 9)
163- inertiam meam (135, 6)
164- meo risu (136, 3)
165- tunicam meam (136, 4)
166- crus meum (136, 4)
167- cultu meo (136, 8)
168- Domicilium meum (137, 3)
169- patrem meum (137, 5)
170- manus meas (137, 10)
171- ano meo (138, 1)
172- femina mea (138, 2)
173- inguinibus meis (138, 2)
174- amoris mei (139, 1)
175- Gitone meo (139, 3)
176- uoluptas mea (139, 4)
177- desiderium meum (139, 4)
178- corpus meum (141, 2)
179- testamento meo (141, 2)
180- libertos meos (141, 2)
181- spiritum meum (141, 4)

183
182- amicos meos (141, 4)

episódios iniciais: 15 ocorrências


episódios da Cena: 74 ocorrências
episódios finais: 93 ocorrências

A.2.2- Tuus, -a, -um

1- tuus ... ist frater (9, 4)


2- quaestibus tuis (10, 5)
3- genius tuus (37, 3)
4- seruus tuus (41, 3)
5- declamationis tuae (48, 4)
6- tuo palato (55, 6, 2)
7- magister tuus (57, 8)
8- dominum tuum (58, 5)
9- patrem tuum (58, 8)
10- amicae tuae (58, 10)
11- tuo sermone (63, 1)
12- contubernali tuae (70, 10)
13- tuo beneficio (71, 6)
14- genus tuum (74, 15)
15- peculium tuum (75, 3)
16- bonum tuum (75, 6)
17- fatum tuum (75, 9)
18- dominam tuam (77, 1)
19- res tuas (79, 11)
20- tua uoluntate (91, 2)
21- iudicis tui (91, 2)
22- memoriae tuae (91, 8)
23- matrem tuam (94, 1)
24- laudes tuas (94, 2)
25- iracundiam tuam (97, 9)

184
26- potestate tua (98, 2)
27- tua ... custodia (98, 8)
28- Gitona tuum (98, 8)
29- fratrem tuum (101, 8)
30- nauem tuam (104, 1)
31- supercilia tua (107, 15)
32- tui animi (109, 2)
33- tui animi (109, 3)
34- iracundia tua (115, 12)
35- impotentia tua (115, 12)
36- imperii tui (115, 13)
37- tua ... gementia claustra (121, 1, 114)
38- terrarum ... tuarum (121, 1, 116)
39- tuis ... armis (124, 1, 290)
40- uenerem tuam (126, 1)
41- canos ... tuos (126, 18, 4)
42- tua ... membra (126, 18, 4)
43- formam tuam (127, 3)
44- dominam tuam (128, 3)
45- languori tuo (129, 4)
46- tuis pedibus (129, 5)
47- manus ... tuas (129, 7)
48- neruos tuos (129, 8)
49- tua fide (133, 1)
50- tuis ... Hypaepis (133, 3, 4)
51- tuum ... decus (133, 3, 13)
52- aras ... tuas (133, 3, 13-14)
53- neruos tuos (134, 1)
54- adulescentulus tuus (134, 11)
55- tua causa (137, 7)
56- facto tuo (137, 8)
57- fortunam tuam (138, 5)
58- pecunia tua (141, 1)

185
59- stomachi tui (141, 6)

episódios iniciais: 02 ocorrências


episódios da Cena: 16 ocorrências
episódios finais: 41 ocorrências

A.2.3- Suus, -a, -um

1- patrum suorum (1, 3)


2- líberos suos (4, 1)
3- spes .. suas (4, 2)
4- maiestatis suae (4, 3)
5- pallium suum (15, 1)
6- suam ... rem (15, 1)
7- sua sponte (16, 2)
8- suam regionem (16, 4)
9- uersibus suis (23, 4)
10- ilia sua (24, 5)
11- peccatum suum (30, 7)
12- frequentia sua (34, 5)
13- suam ... mensam (34, 5)
14- dominum suum (37, 9)
15- collo suo (38, 7)
16- sua octingenta (38, 7)
17- sestertium suum (38, 12)
18- sua culpa (38, 12)
19- rebus suis (38, 16)
20- mala sua (39, 12)
21- domini sui (41, 6)
22- capiti suo (41, 7)
23- os suum (42, 5)
24- fratri suo (43, 5)

186
25- bona sua (44, 17)
26- dominam suam (45, 7)
27- collo suo (46, 8)
28- sua re (47, 4)
29- suo munere (51, 2)
30- filios suos (52, 1)
31- Fortunatam suam (52, 11)
32- praecordia sua (56, 2)
33- lotium suum (57, 3)
34- filiam suam (59, 5)
35- uestimenta sua (62, 6)
36- filii sui (63, 8)
37- coloris sui (63, 10)
38- delicias suas (64, 5)
39- dorsum ... suum (64, 11)
40- uxoris suae (65, 7)
41- seruo suo misello (65, 10)
42- intestina sua (66, 5)
43- os suum (67, 2)
44- armillas suas (67, 6)
45- ceruice sua (67, 9)
46- domino suo (68, 4)
47- dominum suum (70, 13)
48- contubernalem tuum (71, 2)
49- interuentu suo (72, 8)
50- libidinem suam (74, 9)
51- faciem suam (74, 11)
52- sinu suo (74, 12)
53- sinum suum (74, 13)
54- aurum suum (76, 7)
55- suo iure (78, 7)
56- fratre non suo (79, 9)
57- lectum … suum (79, 9)

187
58- sua … confessione (81, 4)
59- libidinis suae (81, 5)
60- sua uota (82, 5, 2)
61- suam ... rationem (82, 6)
62- caelo suo (83, 4)
63- amori suo (83, 5)
64- uoces suas (87, 8)
65- ingenii sui (90, 1)
66- sua ueste (92, 10)
67- supercilium suum (95, 6)
68- misericordiae suae (96, 2)
69- fugutiuum suum (97, 10)
70- palliolo suo (98, 7)
71- mercennarium suum (99, 6)
72- suam sententiam (101, 7)
73- suos ... ciues (102, 14)
74- sua sponte (105, 8)
75- bona sua (105, 11)
76- crudelitatem suam (107, 4)
77- ferramenta sua (108, 8)
78- uirilia sua (108, 10)
79- carmina sua (109, 8)
80- sua ... tempora (109, 9, 3)
81- formam suam (110, 2)
82- sua memoria (110, 8)
83- cenulam suam (111, 8)
84- pertinaciam suam (111, 13)
85- ignauiae suae (112, 6)
86- mariti sui (112, 8)
87- uultum suum (113, 1)
88- suas opes (114, 14)
89- animo suo (115, 15)
90- patrimonii suo (115, 15)

188
91- destinatione sua (115, 15)
92- penatium suorum (115, 16)
93- suos heredes (116, 7)
94- fide sua (117, 3)
95- ciuitate sua (117, 6)
96- filii sui (117, 6)
97- dignitatem suam (117, 7)
98- sua ... arua (119, 1, 12)
99- suas uires (120, 1, 84)
100- suis ... ripis (123, 1, 202)
101- pondus ... suum (124, 1, 264-265)
102- Caesaris ... sui (124, 1, 267)
103- opes suas (124, 3)
104- gratiae suae (125, 1)
105- ingenio suo (126, 15)
106- praeceptoris sui (128, 7)
107- Dominae suae (129, 3)
108- sua rura (131, 8, 8)
109- corde ... suo (132, 13)
110- oculos suos (132, 13)
111- pedibus suis (132, 14)
112- oculos suos (133, 2)
113- bona sua (134, 8)
114- sua flabra (134, 12, 6)
115- muneribus suis (135, 8, 3)
116- natalium suorum (136, 1)
117- pondere suo (136, 1)
118- suo ... arbitrio (137, 9, 2)
119- artem suam (140, 1)
120- uota sua (140, 2)
121- liberos suos (140, 2)
122- lumbis suis (140, 7)
123- sororis suae (140, 11)

189
124- suis beneficiis (140, 12)
125- paenitentiam suam (141, 1)
126- carnem suam (141, 3)
127- propinquis suis (141, 3)
128- liberorum suorum (141, 11)

episódios iniciais: 10 ocorrências


episódios da Cena: 45 ocorrências
episódios finais: 73 ocorrências

A.2.4- Noster, -tra, -trum

1- paupertatem nostram (10, 4)


2- rem nostram (13, 3)
3- nostram ... inuidiam (14, 7)
4- tunicam nostram (15, 1)
5- nostra regio (17, 5)
6- periculo nostro (18, 3)
7- pedes nostros (20, 4)
8- libidinis nostrae (24, 7)
9- Pannychis nostra (25, 1)
10- cellam ... nostram (25, 2)
11- C. noster (30, 3)
12- nostrum limen (30, 6)
13- humanitati nostrae (31, 1)
14- suspiciones nostras (40, 2)
15- cor nostrum (42, 1)
16- uitam nostram (44, 13)
17- Titus noster (45, 5)
18- nostrae fasciae (46, 1)
19- casulas nostras (46, 2)
20- electione nostra (47, 11)

190
21- Gai nostri (53, 3)
22- pedes nostros (54, 3)
23- hospitem nostrum (62, 2)
24- seruus ... noster (62, 11)
25- Gai nostri (62, 12)
26- ipsimi nostri (63, 3)
27- baro ... noster (63, 7)
28- hilaritas nostra (74, 8)
29- coloniam nostram (76, 10)
30- pedes ... nostros (94, 12)
31- nostrum ... nauigium (106, 3)
32- nostrae animaduersionis (107, 9)
33- amici ... nostri (107, 11)
34- nostrae ... manus (108, 14, 2)
35- aetati nostrae (109, 9, 6)
36- nostris ... regnis (120, 1, 95)
37- Capitolia nostra (122, 1, 161)
38- uictoria nostra (122, 1, 173)
39- mendacium ... nostrum (125, 3)

episódios iniciais: 10 ocorrências


episódios da Cena: 19 ocorrências
episódios finais: 10 ocorrências

A.2. 5- Vester, -tra, -trum

1- pace uestra (3, 2)


2- errorem uestrum (16, 4)
3- aetate ... uestra (17, 6)
4- genua uestra (17, 9)
5- fidem ... uestram (24, 3)
6- genios uestros (62, 14)

191
7- amicus uester (77, 6)
8- exercitu uestro (82, 3)
9- audaciam uestram (102, 6)
10- conspectu uestro (107, 5)
11- pecuniam uestram (107, 6)
12- aures uestras (107, 13)

episódios iniciais: 05 ocorrências


episódios da Cena: 02 ocorrências
episódios finais: 05 ocorrências

III.1.2- Listagem de emprego de pronomes substantivos

A) Pronomes pessoais de 1a e 2a pessoa em nominativo

Ego
- episódios iniciais:1,3; 7, 1; 7, 2; 7, 3; 8, 1; 9, 3; 9, 5; 9, 6; 10, 1; 13, 4; 16, 3; 18, 2;
19, 3; 19, 5; 20, 5; 22, 2; 24, 1; 24, 6; 25, 3; 25, 4.
- episódios da Cena: 29, 1; 29, 2; 31, 5; 33, 7; 36, 7; 38, 8; 38, 9; 39, 8; 41, 1; 41, 5;
42, 1; 43, 3 [2x]; 44, 4; 44, 16; 45, 13; 46, 4; 47, 4; 47, 9; 48, 2; 48, 4; 48, 7;
48, 8; 49, 7; 50, 7; 52, 5; 55, 5; 56, 2; 56, 6; 57, 2; 57, 9; 58, 3; 58, 6; 58, 14;
60, 2; 61, 7; 62, 2; 62, 4; 62, 8; 62, 14; 65, 4; 66, 2; 66, 4; 66, 5; 67, 3; 68, 6;
69, 3; 69, 9; 70, 12; 72, 2; 72, 5 [2x]; 72, 7; 74, 15; 74, 16; 75, 8; 75, 11; 78,2;
79, 8; 79, 10; 79, 10.
- episódios finais: 80, 2; 80, 4; 80, 5; 80, 6; 81, 6; 82, 6; 82, 7; 83, 8; 85, 3 [3x]; 85,
5; 86, 2; 86, 4; 87, 3; 87, 6; 87, 8; 87, 9; 90, 2; 90, 4; 90, 6; 91, 3; 91, 8; 92, 2;
92, 11; 92, 12; 94, 2 [2x]; 94, 5; 94, 8; 94, 11; 94, 13; 94, 14; 95, 8; 96, 1; 96,
3; 96, 4; 97, 6; 97, 9; 98, 3; 98, 4; 98, 9; 99, 1; 99, 2; 99, 6; 100, 5; 102, 1;
102, 2; 102, 8; 102, 10; 102, 13; 103, 2; 105, 2; 105, 5; 108, 1; 108, 6; 108,
11; 110, 4; 113, 6; 114, 10; 114, 12; 115, 5; 117, 2; 125, 2; 126, 9; 126, 10;
127, 3; 127, 4; 128, 2; 128, 5; 129, 6; 131, 11; 132, 4; 132, 12; 132, 13; 134,
5; 134, 12; 135, 1; 135, 5; 136, 7; 136, 12; 137, 4; 140, 5; 140, 11.

192
Tu
- episódios iniciais: 10, 2; 10, 5; 24, 2.
- episódios da Cena: 45, 3; 46, 1; 57, 2; 57, 7; 57, 8; 57, 9; 57, 10; 58, 2; 59, 1 [2x];
59, 2; 69, 3; 74, 15; 75, 9; 77, 1 [2x]; 77, 2 [2x]; 78, 2.
- episódios finais: 82, 3; 91, 8; 96, 6; 107, 15; 109, 2 [2x]; 111, 12; 114, 5; 121, 1,
119; 124, 1, 288 [2x]; 124, 1, 289; 124, 1, 290; 124, 1, 292; 125, 8; 126, 18;
127, 2 [2x]; 127, 4 [2x]; 134, 9; 136, 11; 137, 8; 139, 4.
Nos
- episódios iniciais: 14, 6; 15, 5; 15, 6; 15, 7; 16, 1; 17, 2; 19, 1.
- episódios da Cena: 27, 1; 28, 6; 30, 1; 35, 7; 41, 9; 42, 4; 44, 13; 44, 14; 44, 18;
47, 8; 49, 2; 55, 1; 60, 9; 62, 3; 63, 4; 63, 8; 64, 1; 67, 7; 69, 8; 70, 6; 72, 6; 73, 5; 78, 8.
- episódios finais: 88, 6; 96, 1; 102, 16; 103, 6; 106, 1.
Vos
- episódios inciais: 16, 3; 26, 8.
- episódios da Cena: 39, 2; 74, 6.
- episódios finais: 95, 3; 103, 1; 117, 12; 134, 7.

B) Pronomes demonstrativos

B.2.1- Hic, haec, hoc

1- ex his, quae (1, 3)


2- inter haec (2, 1)
3- hunc ... audio (6, 1)
4- hoc libet (10, 6) [cat]
5- hoc amo quod (18, 6, 2) [cat]
6- haec dixit (19, 3)
7- hoc conuenisse (22, 5)
8- inter haec (24, 5)
9- haec … militabit (24, 7)
10- haec diceret (25, 1)
11- hic est … apud quem (27, 4)

193
12- hoc habebat inscriptum (30, 3) [cat]
13- hoc est ius (35, 7)
14- haec ut dixit (36, 1)
15- secutum est hos repositorium (40, 3)
16- hoc … indicare potest (41, 3)
17- haec loquimur (41, 6)
18- haec … dixit (44, 1)
19- hoc est … traducere (45, 8)
20- hoc fecerit (45, 10)
21- hunc uinciturum (45, 11)
22- hoc si factum est (48, 6)
23- haec aliaque (48, 7)
24- solebam haec (48, 7)
25- hoc facto (51, 5)
26- haec ... refert (52, 3)
27- mirabatur haec (53, 12)
28- haec dicente (54, 1)
29- haec recitauit (55, 2)
30- his ... dici potest (55, 5)
31- haec sunt ... athla (57, 11)
32- haec docet (58, 13)
33- horum soror (59, 4)
34- haec ut dixit (59, 6)
35- inter haec (60, 8)
36- haec ut audiui (62, 12)
37- hic … procucurrit (63, 6)
38- inter haec (65, 3)
39- notauit haec (67, 7)
40- hoc est … meiere (67, 10)
41- hoc … parentat (69, 2)
42- haec … tolerabilia erant (69, 7)
43- haec … uidetur (71, 12) [cat]
44- haec ut dixit (72, 1)

194
45- haec placuissent (72, 7)
46- exire hac posse, qua uenisti (72, 10)
47- haec dicente (74, 1)
48- illi … exclamuere…, hi autem (74, 7)
49- hic, qui ... natus est, ... somniatur (74, 14)
50- ad hoc perueni (75, 8)
51- hoc fuit … fermentum (76, 8)
52- hic mihi dixit (76, 11)
53- hoc mihi dixit (77, 3)
54- inter hos (78, 6)
55- pater ille uocatur, filius hic (80, 9, 5-6)
56- haec locutus (82, 1)
57- hunc … tractauero (86, 1)
58- huic … abstulero (86, 4)
59- praeter hoc (86, 6)
60- dicebat … hoc (87, 2) [cat]
61- hoc … firmabat (89, 1, 13)
62- haec … fudissem (91, 8)
63- haec … dicente (92, 12)
64- hoc est quod promiseras (93, 3)
65- fefellit hoc (94, 3)
66- haec locutus (94, 12)
67- in hoc (94, 14)
68- haec proclamauit (97, 1) [cat]
69- hoc … concepit … quo (97, 7)
70- haec … persuadeo (98, 4)
71- haec … percussit (100, 4)
72- hoc erat quod (100, 6)
73- hic est Cyclops (101, 5)
74- praeter hunc (101, 5)
75- hi sunt … quos fugimus (101, 6)
76- negauit hoc fieri posse (101, 9)
77- accedit his, quod (101, 10)

195
78- hoc placeat (102, 8) [cat]
79- hic … radat (103, 1)
80- et hoc nocte intempesta (105, 1)
81- hoc iussi (105, 2)
82- haec … effudit (109, 1)
83- haec … extulisset (111, 2)
84- quid proderit hoc tibi (111, 11)
85- haec taliaque (114, 1)
86- hoc meruimus, ut (114, 8) [cat]
87- haec … dixi (114, 10)
88- hunc … expectat (115, 9)
89- hic … inspexit (115, 15)
90- his … ordinates (117, 11)
91- hunc … claudit (122, 1, 146)
92- haec … personuit (122, 1, 177)
93- haec … stabant (123, 1, 190)
94- huic fuga per terras (123, 1, 218)
95- hic uehit (123, 1, 232)
96- hic dat (123, 1, 237)
97- huic comes it (124, 1, 252)
98- huius in ore (124, 1, 272)
99- haec … liquit (124, 1, 278)
100- haec … effudisset (124, 2)
101- haec … aguntur (125, 1)
102- hoc dii sinant ut (126, 9) [cat]
103- haec … est Danae (126, 18, 5)
104- dixit haec (127, 8)
105- si haec non sunt (128, 1)
106- haec errant scripta (129, 3) [cat]
107- quis hoc turbauerit (130, 5)
108- summa ... haec est (130, 6)
109- has inter (131, 8, 4)
110- hoc … merui, ut (132, 10) [cat]

196
111- haec … effudi (132, 11)
112- haec ago (133, 4)
113- his auditis (134, 10)
114- hoc scierint (137, 2)
115- haec … sedet (137, 5)
116- ex hoc (137, 10)
117- inter haec (137, 13)
118- hoc … spargit (138, 2)
119- hanc … destinat (138, 5)
120- contra hanc (138, 6)
121- hanc uidisset (138, 6)
122- huic donasset (138, 6)
123- hoc … fecerat (140, 10)
124- haec locutus (140, 13)
125- his admoneo (141, 4)

episódios iniciais: 10 ocorrências


episódios da Cena: 44 ocorrências
episódios finais: 71 ocorrências

B.2.2- Iste, ista, istud

1- minor est ista quam ego fui (25, 4)


2- tibi ... iratus sit, et isti qui … imperat (58, 2)
3- istud … dono (58, 3)
4- bella res et iste, qui ... docet (58, 13)
5- ista cocus ... fecit (70, 1)
6- ista mures tangant (78, 2)
7- istud ... patiantur, ut (103, 1) [cat]
8- istud … sinant, ut (112, 7)

episódios iniciais: 01 ocorrência

197
episódios da Cena: 05 ocorrências
episódios finais: 02 ocorrências

B.2.3- Ille, illa, illud

1- delectata est illa (7, 1)


2- ille ... detersit (8, 1)
3- ille ... inquit (8, 2)
4- ille ... iniecerat (8, 4)
5- ille ... inquit (9, 3)
6- uidebatur ille (12, 5)
7- illa est tunicula (13, 3)
8- illi possiderent (14, 6)
9- illi monstrasset (18, 3)
10- illa quae ... depulsa fuerat …perfricuit (22, 1)
11- exclamauit illa (22, 4)
12- complosit illa (24, 2)
13- ille ... poposcit (27, 6)
14- ille sustulit (30, 10)
15- ille ... consumit (33, 3)
16- ille, qui ... spectauerat: … inquit (36, 8)
17- uides illum, qui … carpit (36, 8)
18- de manu illius (37, 3)
19- dixerit illi (37, 5)
20- in ostiarii illius cella (37, 8)
21- putes illum ... emere (38, 1)
22- illi ... nascebatur (38, 2)
23- illi ... mitteretur (38, 4)
24- uides illum, qui … recumbit (38, 7)
25- ille ... iacet (38, 11)
26- impropero illi (38, 11)

198
27- puto illum ... habere (38, 12)
28- illum ... uides (38, 14)
29- illum conturbare existimaret (38, 16)
30- super illum (39, 8)
31- comparandos illi … non fuisse (40, 1)
32- at ille (41, 3)
33- cum illo (42, 4)
34- illum perdiderunt (42, 5)
35- illum plorauit (42, 6)
36- illam accepisset (42, 7)
37- ille habet (43, 1)
38- puto ... illum reliquisse (43, 2)
39- costas illius (43, 4)
40- illius mentum (43, 4)
41- illi relictum est (43, 4)
42- illum pessum dederunt (43, 6)
43- in manu illius (43, 7)
44- putas illum ... tulisse (43, 7)
45- illum puto ... reliquisse (43, 8)
46- haec Phileros dixit, illa Ganymedes (44, 1)
47- illis ... iratus esset (44, 5)
48- illud erat uiuere (44, 5)
49- illius uxor (44, 9)
50- puto illa ... fieri (44, 16)
51- aut hoc aut illud erit (45, 5)
52- illi domesticus sum (45, 6)
53- relictum est illi (45, 6)
54- illius pater (45, 6)
55- patrimonium illius (45, 6)
56- ille ... poterat (45, 9)
57- illam ... delebit (45, 9)
58- ille ... fecit (45, 11)
59- illi uacat (46, 3)

199
60- illi ... occidi (46, 4)
61- uolo illum ... gustare (46, 7)
62- destinaui illum ... docere (46, 7)
63- illi auferre ... possit (46, 7)
64- illi ... clamo (46, 8)
65- illum pudeatur (47, 4)
66- ille ... respondisset (47, 12)
67- illi ... extorsit (48, 7)
68- respondebat illa (48, 8)
69- illi ... dicerent (48, 8)
70- putes illum ... coniecisse (49, 5)
71- pro illo (49, 6)
72- illi ignoscerem (49, 7)
73- illum exintera (49, 8)
74- ille ... inquit (50, 4)
75- nec hoc nec illud (50, 6)
76- illam ... proiecit (51, 2)
77- ille sustulit (51, 3)
78- illi dixit (51, 5)
79- iussit illum ... decollari (51, 6)
80- ille ... inquit (52, 5)
81- ille ... percucurrit (52, 6)
82- malui illos ... facere (53, 13)
83- illos odi (56, 2)
84- illae ... faciunt (56, 4)
85- dicuntur illud afferre (56, 6)
86- secundum illum (57, 2)
87- illi ... clusissem (57, 2)
88- circumminxero illum (57, 3)
89- illius <sinu > (57, 6)
90- placemus illi (57, 8)
91- genio illius (57, 10)
92- illi feruet (59, 1)

200
93- ille ... legebat (59, 3)
94- illam rapuit (59, 4)
95- narra illud quod … uenit (61, 2)
96- ab illa (61, 8)
97- illius sinum (61, 8)
98- ad illam (61, 9)
99- ille exuit (62, 5)
100- ille circumminxit (62, 6)
101- illa ... facta sunt (62, 8)
102- illis misit (62, 11)
103- intellexi illum ... esse (62, 13)
104- collum illius (62, 13)
105- cum illo (62, 13)
106- illum ... plangeret (63, 4)
107- illum ... tetigerat (63, 7)
108- inquit ille (64, 3)
109- ille usust (64, 12)
110- illi perfunde (64, 13)
111- ille ... imposuerat (65, 7)
112- nosti ... illam (67, 2)
113- illa discumbit (67, 3)
114- illi praeciderem (67, 10)
115- illa proclamauit (67, 13)
116- illum emi (68, 8)
117- laudo illum (69, 2)
118- illi porrexit (69, 5)
119- est illi nomen (70, 2)
120- attuli illi (70, 3)
121- illos … oppresserit (71, 1)
122- illos … manu mitto (71, 1)
123- commendo illam (71, 3)
124- ille … iussit (71, 4)
125- ait ille (72, 6)

201
126- illi … petunt (72, 6)
127- ille … suppresserat (72, 9)
128- illi dicebant (73, 3)
129- illi … exclamauere (74, 7)
130- illa … perdidisset (74, 11)
131- illam sustuli (74, 13)
132- ad illum (75, 10)
133-putasses illum … habitasse (76, 11)
134- nox fuit illa (79, 8, 1)
135- ille … strinxit (80, 1)
136- sit illi … libertas (80, 5)
137- pater ille uocatur (80, 9, 5)
138- ille tenet (80, 9, 6)
139- ille planus fuit (82, 2)
140- inquit ille (82, 3)
141- uideantur illi (84, 3)
142- ille … sentiat (85, 5)
143- illi … donabo (85, 5)
144- ille … senserit (86, 1)
145- ille … senserit (86, 4)
146- ille … iunxit (86, 7)
147- ille … dicebat (87, 2)
148- ille … inquit (87, 4)
149- reddidi illi (87, 8)
150- ille … inquit (88, 2)
151- illi … referunt (89, 1, 44)
152- ille … operuit (90, 1)
153- ille … inquit (90, 4)
154- ille … inquit (91, 2)
155- detersit ille (91, 8)
156- ille … mouit (92, 3)
157- illi … dedisset (92, 5)
158- illum … circumuenit (92, 8)

202
159- puto illum … incipere (92, 9)
160- ille … iaculatus est (95, 5)
161- ille … uindicabat (95, 9)
162- ille … consedit (96, 4)
163- maledic illam (96, 7)
164- ille … tulit (100, 6)
165- ille … iubet (101, 7)
166- illud mirror … succurrisse (102, 5)
167- illi qui sunt, qui … radebantur (104, 5)
168- illos … extraxi (105, 3)
169- illis ignosci (106, 3)
170- illis … pugnantibus (108, 9)
171- ille … implebat (108, 11)
172- illlae … deferebantur (109, 7)
173- illi … reddidit (110, 2)
174- illud adfulsisse … confitebantur (111, 5)
175- illa … lacerauit (111, 9)
176- commodaret … illa (112, 6)
177- illam facies (113, 11)
178- quidquid illud fuerat (113, 12)
179- illum … excussit (114, 6)
180- illi uacaret (115, 3)
181- ille … excanduit (115, 4)
182- ille … excussit (115, 16)
183- illum … decipiunt (115, 16)
184- illum … sepelit (115, 16)
185- ille … <inquit>(117, 2)
186- illum … moueri (117, 7)
187- tristior est ille, qui uicit (119, 1, 45)
188- illi … probatur (123, 1, 218)
189- ille … tenet (123, 1, 226)
190- ille … occultat (123, 1, 226)

203
191- additur illi (124, 1, 267)
192- illa, quae me amat, tu es (123, 8)
193- illa risit (127, 1)
194- inquit illa (127, 4)
195- illud … memento (130, 4)
196- illa interuenit (131, 2)
197- illa ... protulit (131, 4)
198- illa ... inquit (131, 7)
199- premebat illa (131, 9)
200- illa ... tenebat (132, 11, 1)
201- illa ... sedit (134, 6)
202- illud ... reddidero (134, 11)
203- illa ... tollit (135, 6)
204- illa … delibat (136, 1)
205- collocauit illa (136, 11)
206- illi … exposui (136, 12)
207- illa … inquit (137, 1)
208- illi … ignoscant (137, 8)
209- illum esse solum …, qui ... posset (140, 2)
210- illum … audirent (140, 3)
211- illi ... uiderer (140, 5)
212- ille ... parebat (140, 8)
213- ille ... exhorruit (140, 13)
214- promiseris illi (141, 6)

episódios iniciais: 12 ocorrências


episódios da Cena: 121 ocorrências
episódios finais: 81 ocorrências

B.2.4- Is, ea, id

1- meditantur ... id quod (3, 3)

204
2- eum consalutaui (7, 5)
3- id est (10, 1)
4- is ipse (12, 6)
5- habere eam iussi (18, 2)
6- ceruicem eius (20, 8)
7- faciem eius (22, 1)
8- eum ... distriuit (24, 4)
9- conspicata eum Quartilla (24, 5)
10- aurem eius (25, 1)
11- ea ipsa (25, 2)
12- id est (26, 7)
13- eam repetebat quae ... contigerat (27, 2)
14- numerabat pilas, eas quae ... uibrabant (27, 3)
15- numerabat pilas..., sed eas quae ... decidebant (27, 3)
16- conspectu eius (28, 3)
17- deliciae eius (28, 4)
18- caput eius (28, 5)
19- dono ... eum (30, 11)
20- articuli eius (34, 8)
21- erubui eum qui ... accumbebat (36, 7)
22- ad eum (37, 1)
23- eos culauit (38, 2)
24- collibertos eius (38, 6)
25- is ... inquit (39, 2)
26- eos ... exceperunt (40, 6)
27- frater eius (43, 4)
28- narrat is (44, 1)
29- is ... ibat (44, 7)
30- putares eos gallos (45, 11)
31- magister eius (46, 5)
32- liberalitati indulgentiaeque eius (47, 7)
33- quem ... ex eis ... uultis ... fieri (47, 10)
34- intuens eum (49, 3)

205
35- eas incendit (50, 5)
36- grauitatem eius (52, 10)
37- is ipse (57, 1)
38- uestimenta eius (62, 8)
39- collum eius (62, 11)
40- scapulas eius (64, 12)
41- ossucula eius (65, 11)
42- eum mittendo erudibam (68, 6)
43- curari eas, ubi (71, 7)
44- super eam (71, 11)
45- linguam eius (73, 3)
46- dicente eo (74, 1)
47- inuasit eum (74, 8)
48- malam eius (74, 12)
49- statuam eius (74, 17)
50- genium eius (75, 2)
51- dixit ... ea, quae (76, 11)
52- appareret eum (83, 7)
53- is ... constitit (83, 8)
54- studia eius (85, 3)
55- id est (87, 1)
56- beneficio eius (87, 6)
57- ex is, qui (90, 1)
58- ex is, qui (93, 3)
59- formam eius (93, 4)
60- quem animum ... sumpseram, eum ... exercuissem (94, 3)
61- id est (94, 6)
62- oculos eius (95, 8)
63- is ... perorauit (96, 5)
64- eum reddere ... uoluerit (97, 2)
65- mortem ... eius quem ... habuit (97, 10)
66- affirma ei (101, 8)
67- eos qui sternutare non soleamus (102, 10)

206
68- is qui ... deprehenderat, ... proclamat (104, 5)
69- eo ... meruerunt supplicia (108, 11)
70- ratus id quod (111, 8)
71- id ... credis sentire (111, 12)
72- pudicitiam eius (112, 1)
73- id est (116, 8)
74- id est (117, 2)
75- eorum meminisse, qui (117, 10)
76- crepitus eius (117, 13)
77- id ... trahit (123, 1, 231)
78- formam eius (126, 14)
79- donas ... eum (127, 4)
80- animum eius (129, 11)
81- is est (130, 7)
83- amplexum eius (131, 11)
84- in eam (132, 7)
85- eius prudentiae bonitatique (140, 2)
86- ea ... uenit (140, 2)

episódios iniciais: 12 ocorrências


episódios da Cena: 39 ocorrências
episódios finais: 35 ocorrências

B.2.5- Ipse, ipsa, ipsum

1- ipse sudauerat (3, 1)


2- et ipse ... effigam (4, 6)
3- et ipsi ... detulissemus (12, 2)
4- ipse ... conspexi (12, 5)
5- ipsi qui ... traducunt, ... solent (14, 2, 3)
6- et ipsi ... coepimus (14, 6)
7- et ipsi ... rogaremus (16, 2)

207
8- ipsa uenit (16, 4)
9- intrauit ipsa (17, 1)
10- ipse ... consisterem (19, 5)
11- barbam ipsius (29, 8)
12- atque ipse ... extorsit (35, 6)
13- ipse nescit (37, 6)
14- ipse emit (38, 10)
15- ipso ... homo melior non est (38, 12)
16- et ipse ... pugnauit (45, 12)
17- atque ipse ... exhibebat (52, 9)
18- ipse ... dedi (57, 4)
19- et ipse ... narrabo (63, 2)
20- ipsas non uidimus (63, 6)
21- ipsum aprum sapiebat (66, 5)
22- et ipse ... habeo (67, 7)
23- ipse ... impegi (74, 16)
24- ipse dormio (77, 4)
25- ipsi tenent (84, 2)
26- ipse ... fuerit usurus (101, 3)
27- et ipse ... audisset (105, 9)
28- ipsa porrexit (111, 10)
29- contentus ipse peccare (134, 2)
30- et ipsa ... coepit (137, 5)
31- ipsa dicebat (137, 12)
32- ipse iacebat (140, 7)

episódios iniciais: 10 ocorrências


episódios da Cena: 14 ocorrências
episódios finais: 08 ocorrências

208
B.2.6- Idem, eadem, idem

1- idem ... uolebamus (15, 6)


2- idem ... ancilla fecit (18, 7)
3- idem uirguncula (18, 7)
4- idem ... fecerat (22, 2)
5- eadem omnia poposcerat (34, 1)
6- idem ... dixit (75, 2)
7- idem ... feci (80, 2)
8- idem liceret (86, 1)
9- isdem ... aggressus est (112, 1)
10- eodem uentura sunt (115, 17)
11- eisdem ... consumant (141, 4)
12- idem fecerunt (141, 10)

episódios iniciais: 04 ocorrências


episódios da Cena: 02 ocorrências
episódios finais: 06 ocorrências

III.2- ANÁLISE DOS DADOS

A análise acerca dos pronomes empregados ao longo do Satyricon listados acima


será feita seguindo-se as diversas subdivisões por classes em que se encontram
agrupados, a saber, pronomes demonstrativos, pronomes possessivos e pronomes
pessoais.

Pronomes demonstrativos: O Satyricon apresenta um emprego em larga escala


de pronomes demonstrativos, tanto em função adnominal, quanto como substantivos,
como se pode observar na tabela que se segue:

209
Adnominal Substantivo
Hic, haec, hoc 176 125
Iste, ista, istud 10 08
Ille, illa, illud 38 214
Is, ea, id 12 86
Ipse, ipsa, ipsum 46 32
Idem, eadem, idem 32 12
TOTAL 314 477

Grande parte das ocorrências se concentra nos pronomes de 1a pessoa hic, haec,
hoc (301 no total) e de 3a pessoa ille, illa, illud (252 no total).
Em relação ao emprego adnominal dos pronomes demonstrativos, o fato de
haver um número bastante elevado de ocorrências do pronome demonstrativo de 1a
pessoa e poucas ocorrências do pronome demonstrativo de 2a pessoa pode ser
interpretado como indício de que hic, haec, hoc estaria sendo utilizado também como
pronome de 2a pessoa. Além do fator numérico, o seguinte fator de ordem semântica
reforça essa interpretação: em todas as dez ocorrências de iste, ista, istud listadas acima,
a análise do contexto indica que o pronome, além de ser utilizado em referência à 2a
pessoa do discurso, possui sempre matiz pejorativo. Assim, para os contextos em que
não haveria matiz pejorativo, o pronome demonstrativo empregado seria hic, haec, hoc,
tanto em referência à 1a, quanto à 2a pessoa do discurso. Os demais pronomes
demonstrativos não apresentaram quaisquer alterações de emprego em relação ao uso
padrão, tendo conservado suas significações próprias de referência ao assunto do
discurso (is, ea, id e ille, illa, illud), pronome de reforço (ipse, ipsa, ipsum) e de
identidade (idem, eadem, idem).
Os dados comprovam que a ordenação padrão entre os pronomes demonstrativos
hic, iste, is, idem e o nome que este determina é a anteposição; há apenas 04 casos de
posposição em 176 ocorrências de hic adnominal, 02 casos em 10 de iste adnominal, 01
casos em 12 de is adnominal e nenhum casos nas 32 ocorrências de idem adnominal. Por
outro lado, os pronomes ille e ipse adnominais, apesar de apresentarem predomínio da
anteposição, são empregados com mais freqüência em posposição ao nome,
respectivamente 12 caos em 38 ocorrências e 16 casos em 46 ocorrências.

210
Chama também a atenção nos dados apresentados o fato de que há um aumento
considerável do emprego de pronomes demonstrativos nos episódios finais do
Satyricon, especialmente em relação aos episódios iniciais. O número de ocorrências
por grupos de episódios e a média por capítulos é a seguinte:

- episódios iniciais: 38 ocorrências em 26 capítulos = média de 1,4;


- episódios da Cena: 112 ocorrências em 52 capítulos = média de 2,2;
- episódios finais: 152 ocorrências em 63 capítulos = média de 2,5.

Esse aumento no emprego de pronomes demonstrativos nos episódios finais leva


a que se considere que, no Satyricon, o uso excessivo de pronomes demonstrativos não
se configura como uma marca da linguagem descuidada caracterizada na fala dos
convivas da Cena Trimalchionis.
No que se refere ao emprego dos pronomes demonstrativos como substantivos, a
análise comparativa do número de ocorrências por grupos de episódios leva ao seguinte
quadro:

episódios iniciais episódios da Cena Episódios finais


Hic, haec, hoc 10 44 71
Iste, ista, istud 01 05 02
Ille, illa, illud 12 121 81
Is, ea, id 12 39 35
Ipse, ipsa, ipsum 10 14 08
Idem, eadem, idem 04 02 06

Os dados revelam que, já no séc I d. C., havia uma tendência, mais acentuada
nos episódios da Cena, de se empregar o pronome demonstrativo ille como pronome
pessoal de 3a pessoa, para preencher a lacuna no paradigma de pronomes pessoais, em
lugar do anafórico is. Os dados mostram ainda que, no Satyricon, este emprego do
pronome ille sofria a concorrência de outro pronome, qual seja, do demonstrativo de 1a
pessoa hic, principalmente nos episódios finais. Os demais pronomes demonstrativos

211
são utilizados de maneira mais contante nos deferentes grupos de episódios, o que pode
ser interpretado como um indicação de que seu emprego é o padrão da língua latina.

Pronomes possessivos: A análise das ocorrências de pronomes possessivos no Satyricon


evidencia que há dois diferentes padrões de emprego dessa classe de pronomes: o
padrão clássico e o padrão alterado. O padrão clássico, que consiste em omitir os
pronomes possessivos quando a relação de posse que exprimem é evidente, se encontra
nos episódios iniciais e apresenta uma média baixa de ocorrências (42 ocorrências em
26 capítulos = média de 1,6); o padrão alterado, pelo qual o uso do pronome possessivo
se aproxima do obrigatório, está presente nos episódios da Cena (156 ocorrências em 52
capítulos = média de 3) e nos episódios finais (222 ocorrências em 63 capítulos = média
de 3,5).
Repete-se para os pronomes possessivos o mesmo padrão crescente de utilização
encontrado acima para os pronomes demonstrativos: um número pequeno de
ocorrências nos episódios iniciais, um aumento substancial nos episódios da Cena e um
volume um pouco maior nos episódios finais.
Em relação à ordem entre o pronome possessivo e o nome, as ocorrências
listadas apresentam a ordem padrão de posposição do pronome possessivo. A
anteposição ocorre com mais freqüência nos poemas (ex.: ocorrências 126, 127, 131,
132 e 133 do quadro A.2.1) e em expressões fixas, com determinados nomes (ex.: causa
nas ocorrências 121 e 133 do quadro A.2.1 e ocorrência 55 do quadro A.2.2).

Pronomes pessoais de 1a e 2a pessoa em nominativo: A análise dos dados relativos ao


emprego de pronomes pessoais em nominativo ao longo do Satyricon demonstra que há
um alto índice de ocorrências nos episódios da Cena e nos episódios finais, em todas as
formas pronominais analisadas. O pronome pessoal de 1a pessoa do singular ego ocorre
com muito mais freqüência do que os demais, o que se justifica por se tratar a obra de
uma narrativa em primeira pessoa, obviamente com um número mais elevado de verbos
na 1a pessoa do singular. Independentemente desse fato, no entanto, todos os pronomes
pessoais, exceto o pronome de 1a pessoa do plural nos, são empregados de forma
ascendente ao longo dos três grupos de episódios, isto é, apresentam um número
reduzido de ocorrências nos episódios iniciais, aumentam esse número
consideravelmente nos episódios da Cena e elevam um pouco mais nos episódios finais,
como indicado na tabela abaixo:

212
Episódios iniciais Episódios da Cena Episódios finais
Ego 20 61 84
Tu 03 19 24
Nos 07 23 05
Vos 02 02 04

Os dados acima, tal como os referentes aos pronomes demosntrativos em função


adnominal e aos pronomes possessivos, apresentam dois padrões de emprego: a
manutenção do clássico, nos episódios iniciais e a antecipação do românico, nos
episódios da Cena e nos episódios finais.

III.3- CONCLUSÃO

Os dados relativos a emprego de pronomes demonstrativos, possessivos e


pessoais ao longo do Satyricon apresentados e analisados acima permitem que se
identifiquem os estágios em que se encontram os diferentes processos de mudança,
envolvendo o emprego de pronomes, no séc. I d.C., na linguagem retratada por
Petrônio.
A partir dos dados referentes ao emprego de pronomes demonstrativos em função
adnominal, pode-se dizer que não há indícios da criação do artigo na obra, uma vez que
o pronome ille é utilizado poucas vezes nessa função. Os dados demonstram que o
pronome demonstrativo em função adnominal por excelência na linguagem do séc I
retratada por Petrônio é o pronome hic, justamente a forma pronominal que se perdeu
nas línguas românicas. Este fato atesta que as alterações no quadro de pronomes em
função adnominal, que culminaram na criação do artigo definido, foram posteriores ao
séc. I d.C., tendo sido precedidas por um período de aumento no emprego dos pronomes
demonstrativos.
Por outro lado, pode-se dizer que o pronome demonstrativo ille em função de
substantivo apresenta um estágio bastante avançado de emprego como pronome pessoal
de 3a pessoa, em muitos casos já destituído de seu valor de demonstrativo, uma
característica mais marcante na linguagem descuidada dos episódios da Cena.

213
Os dados demonstram que os pronomes pessoais e possessivos, conquanto não
sejam necessários, são utilizados em larga escala nos episódios da Cena e nos episódios
finais, o que vislumbra o padrão românico de emprego obrigatório, ou com mais
freqüência a que se referiu anteriormente.
Através dessa análise, comprova-se que os episódios iniciais não se prestam ao
estudo das inovações ocorridas na sintaxe dos pronomes, já que apresentou o emprego
clássico padrão em todos os casos abordados, o que fez com que as conclusões sobre o
quadro geral de emprego de pronomes no séc. I d. C. a partir da linguagem do Satyricon
a que este estudo chegou se tenham concentrado nos episódios da Cena e nos episódios
finais.

IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DA SINTAXE


DO SATYRICON

Diante do enorme universo lingüístico que pode ser abordado dentro de um estudo
intitulado "sintaxe", dois aspectos foram selecionados para análise: ordem de palavras e
emprego de pronomes. Ambos os processos são representativos de importantes
processos de mudança na passagem do latim para as línguas românicas, relacionados à
evolução de língua sintética para analítica, quais sejam, a instalação de uma ordem fixa
para os termos da oração, a alteração no emprego de pronomes e a criação do artigo
definido e do pronome pessoal de 3a pessoa.
A partir dos dados selecionados e sistematizados para análise, identificaram-se
diferentes estágios do processo de simplificação da estrutura gramatical em latim nas
diferentes estruturas sintáticas. No entanto, evidenciou-se que a linguagem empregada
por Petrônio no Satyricon retrata um período de grande instabilidade em relação à
instituição de padrões sintáticos, um período em que a força da morfologia como
indicadora da função do vocábulo na frase se faz presente, mesmo em contextos que já
sinalizam para uma marcação de base sintática, mais próxima do analitismo.
Assim, pode-se concluir que o latim do séc. I d.C. retratado na obra de Petrônio,
mais especificamente nos episódios da Cena e nos episódios finais, apresenta uma
linguagem intermediária entre a marcação de base puramente morfológica, característica
do indo-europeu, e a marcação de base estritamente sintática, própria das línguas

214
românicas. A relação entre morfologia e sintaxe que se pode estabelecer nos três
períodos lingüísticos seria a seguinte:

INDO-EUROPEU: (-) sintaxe, (+) morfologia;


LATIM: (+) sintaxe, (+) morfologia;
LÍNGUAS ROMÂNICAS: (+) sintaxe, (-) morfologia.

Esta gradação reforça a teoria de Jespersen (1949) de que primeiro houve a


fixação da ordem (+ sintaxe) e só depois a perda da marcação formal (- morfologia).
Pode, outrossim, ser aplicada às demais estruturas estudadas, em que se evidencia o
avanço da sintaxe como principal indicadora da função do vocábulo na frase, dedicando
à morfologia o papel secundário, e, por isso, opcional antes pertencente aos padrões
sintáticos.

215
LÉXICO

I- INTRODUÇÃO

Diante de todo um universo lingüístico pré-existente e das possibilidades


previstas na língua para expansão deste universo, o falante/escritor de determinada
língua se vê diante de uma variedade de formas de expressão e faz sua escolha
individual (Leumann, Hofmann & Szantyr, 1964, p. 740). Assim se define o estilo de
cada um, que se molda entre as numerosas opções à disposição e os limites impostos
pela obrigação de se fazer compreender.
No âmbito do léxico, a liberdade do falante/escritor de escolher o vocabulário
através do qual deseja expressar-se, ainda que esteja restrita pelos limites das regras
morfológicas e semânticas vigentes no sistema lingüístico a que a língua pertence, pode
ultrapassar essas barreiras lingüísticas, sob a influência de fatores sociais e político-
culturais.
A influência desses fatores extra-lingüísticos sobre o léxico de uma língua se faz
refletir na possibilidade de ampliação do conjunto de palavras disponíveis para escolha,
o que torna essa influência um meio de enriquecimento do vocabulário, não sem
encontrar resistência nos limites impostos pelo sistema lingüístico. Este atua no sentido
de preservar a "Reinheit der Sprache" (pureza da linguagem), ameaçada pelos vocábulos
resultantes da influência de fatores extra-lingüísticos, que simbolizam a
"Sprachmischung" (mistura lingüística) (Leumann, Hofmann & Szantyr, 1964, p. 740).
A partir desses princípios gerais e considerando-se a natureza da obra de
Petrônio, a composição do léxico do Satyricon será analisada levando-se em conta não
só as fontes lingüísticas de enriquecimento do vocabulário, mas também os fatores que
ultrapassam o domínio lexical e atingem o âmbito social (vocabulário culto x popular) e
político-cultural (influência grega sobre o mundo romano).
Assim, destacar-se-ão no vocabulário utilizado por Petrônio para estudo quatro
grupos distintos de palavras, levando-se em conta as possíveis criações petronianas:

216
a) helenismos
b) neologismos
c) vulgarismos
d) arcaísmos

II- HELENISMOS

A influência de uma língua x sobre o léxico da língua y sempre se estabelece a


partir de um contato entre os falantes destas línguas. Assim, a utilização de palavras
estrangeiras para o enriquecimento do léxico pode ser entendida como um recurso
lingüístico que tem suas bases em fatores políticos e culturais.
No que se refere às influências vocabulares de outros povos recebidas pelos
romanos, sem dúvida alguma, a imensa maioria de palavras estrangeiras presentes na
língua latina, seja no latim falado ou na língua culta, provêm do grego. Lüdke (1974, p.
37) assim justifica esse grande afluxo de helenismos:

"Desde los siglos VIII al III a.C. eran los griegos el pueblo de cultura más
importante de Europa. Ejercieron un activo y extenso comercio en las
costas del Mediterráneo y contribuyeron a que los pueblos que en ellas
vivían alcanzaran un grado de civilización más elevado".

A opção pelo estudo apenas das palavras tomadas de empréstimo de origem


grega no texto de Petrônio se baseia, pois, no grande número de vocábulos desta
natureza presentes na língua latina, o que permite um estudo sistemático das diversas
ocorrências no Satyricon. Os vocábulos tomados de empréstimo a outras línguas
estrangeiras, como por exemplo histrioniae (5, 8), do etrusco, são raros e não
permitiriam mais do que a simples indicação de sua ocorrência.
O inquestionável grande número de palavras gregas presentes na língua latina
pode ser comprovado, em maior ou menor grau, em qualquer obra. No entanto, autores
latinos puristas posicionam-se contrariamente a essa utilização e defendem a noção de
latinitas, que pode ser definida como a exclusão de tudo que é estrangeiro e a rejeição
de regionalismos e, em contrapartida, a valorização da língua de Roma. Para citar o

217
mais expressivo desses autores, ao longo da obra de Cícero, podem-se encontrar vários
trechos em que ele assume sua posição de purista e ataca o uso indiscriminado de
empréstimos do grego. Segundo Marouzeau, Cícero afirma que:

Sermone eo debemus uti qui innatus est nobis, ne ut quidam


graeca uerba inculcantes iure optimo rediamur. (Cic. De off.
I, 111)

No entanto, Cícero admite o uso de algumas palavras gregas, num campo


semântico bastante restrito, consagradas pelo uso:

Ea uerba quibus institutio ueterum utimur pro latinis, ut ipsa


philosophia, ut rhetorica ..., quamquam latine ea dici
poterant, tamen, quoniam usu recepta sunt, nostra ducamus.
(Cic. De fin. III, 2, 5)

Apesar desta "concessão" e mesmo reconhecendo o prestígio das palavras


gregas, Cícero considera que as palavras latinas são mais apropriadas:

Bonitate potius nostrorum uerborum utamur quam splendore


graecorum. (Cic. Or. 49, 264)

Em contrapartida, o contexto sócio-cultural romano, ao longo de séculos de


dominação política sobre a Grécia, abria espaço mais e mais à penetração da língua
grega no dia-a-dia da sociedade romana. O contato entre as duas civilizações se
intensificou com o estabelecimento crescente de gregos em Roma. Starr (1974, p.543-
544) assim resume esse estreitamento de relações entre gregos e romanos:

(...) los hombres llegaban en gran número. Sólo la conquista


de Epiro, en el 197 a.C. proporcionó 150.000 esclavos.
Muchos de estos fueron a cultivar las granjas y posesiones
romanas, pero entre ellos había también hombres cultos (...).
Polibio y outros políticos griegos fueron llevados a Roma en
el 167 a.C como rehenes. Outros, entre ellos los jefes de la

218
escuela filosófica de Atenas, acudieron como embajadores y
fueron atraídos por la creciente riqueza y el poderío de la
nueva capital do Mediterráneo. Los próprios romanos, que no
poseían una cultura muy avanzada, se mostraban
especialmente receptivos ante ciertos aspectos de la cultura
helenística".

Como resultado dessa "invasão" da cultura helenística em Roma, tem-se a


ampliação da influência do grego sobre a língua e a literatura romanas. De um lado,
havia a erudição dos pedagogos, trazidos pelos nobres, para educarem seus filhos; de
outro, a força popular dos escravos, que se tornaram parte integrante da vida e,
conseqüentemente, da linguagem das camadas mais baixas da população, através do
58
contato direto e íntimo com a plebs romana . Acrescia-se a esses dois fatores de
grande peso a presença do grego junto às classes mais altas, que recebiam instrução
formal na língua estrangeira, antes mesmo que em latim (Palmer, 1954, p. 83 e 176).
O resultado desse contato foi a utilização de palavras tomadas de empréstimo ao
grego numa escala muito maior do que a "concessão" feita por Cícero. Marouzeau
(1935, p. 160) considera que se chegou a criar nas camadas populares um tipo de jargão
greco-latino, que pode ser atestado, por exemplo, nas comédias de Plauto e no
Satyricon, de Petrônio. O autor ressalta que os helenismos eram também freqüentes na
linguagem das classes mais altas e se caracterizavam como uma índice de familiaridade.
O próprio Cícero, defensor da latinitas em suas obras literárias, como foi apresentado
acima, rende-se, segundo o autor, aos empréstimos gregos em sua correspondência.
No Satyricon esses dois sentimentos em relação à presença de helenismos na
língua latina (o de valorização, que acarreta em sua aceitação tácita, e o de repulsa,
sustentado pelo sentimento nacionalista) se encontram refletidos em algumas passagens
dos episódios da Cena. O fabricante de colchas de retalhos Équion, ao conversar com o
professor Agamênon sobre a possibilidade de seu filho tornar-se discípulo dele, elogia a
mudança de interesse do filho pelo latim, abandonando o grego:

58
O argumento apresentado por Palmer para justificar essa influência popular é o de que, nas comédias de
Plauto, as palavras e expressões gregas ocorrem predominantemente nas passagens faladas por escravos e
personagens da classe baixa, mesmo posicionamento apresentado por Leumann, Hofmann & Szantyr
(1964, p. 761).

219
'Ceterum iam Graeculis calcem impingit et Latinas coepit
non male appetere (...)' . (Sat. 46, 5)

Trimalquião, por outro lado, ao se dirigir ao mesmo Agamênon, desafia o conhecimento


do professor e se vangloria de ter lido Homero no original:

'Rogo, Agamemnon mihi carissime, numquid duodecim


aerumnas Herculis tenes, aut de Vlixe fabulam,
quemadmodum illi Cyclops pollicem poricino extorsit ?
Solebam haec ego puer apud Homerum legere'. (Sat. 48, 7)

Alguns capítulos à frente, Trimalquião se orgulha de oferecer a seus convidados atores


gregos, mas faz questão de dizer que ordenou a seu flautista grego que tocasse canções
latinas.

'Nam et comoedos emeram, sed malui illos Atellanam facere,


et choraulen meum iussi Latine cantare'. (Sat. 53, 13)

Mais uma vez, o anfitrião se apresenta como defensor da língua latina. Encólpio narra
que:

Ipse Trimalchio in puluino consedit, et cum Homeristae


Graecis uersibus colloquerentur, ut insolenter solent, ille
canora uoce Latine legebat librum. (Sat. 59, 3)

Nos trechos acima predomina a valorização da língua latina, um sentimento


nacionalista que não se evidencia ao longo dos capítulos do Satyricon. De fato, a
freqüência com que Petrônio utiliza as palavras de origem grega indica que, de certa
forma, se trata de um "jargão greco-latino", como apontado anteriormente.
A listagem desses vocábulos, como se pode observar a seguir, é bastante extensa
e mostra que, apesar dos pontos de resistência apontados acima, Petrônio não fez
reservas às palavras tomadas de empréstimo ao grego, quer eruditas, quer populares,
sendo, por isso, tido como um representante, ao lado de Plauto, de um bilingüismo
descuidado, que se caracteriza como marca dessa "displicência" da língua popular em

220
relação à influência grega, pois "ao povo, não acometiam pruridos nacionalistas em
matéria de língua" (Costa, 1952, p. 26).

II. 1- LISTAGEM DE VOCÁBULOS TOMADOS DE EMPRÉSTIMOS AO GREGO

Na listagem abaixo estão incluídas todas as ocorrências de palavras tomadas de


empréstimo ao grego utilizadas por Petrônio ao longo do Satyricon. Essas ocorrências
foram organizadas em ordem alfabética, com a indicação completa, na segunda coluna,
de seu aparecimento no texto (capítulo e sub-divisão do capítulo), na forma utilizada por
Petrônio. Diante da forma dicionarizada de cada vocábulo listado na primeira coluna
encontra-se sua tradução na(s) acepção(ções) utilizada(s) por Petrônio.
Para se definir um vocábulo como empréstimo grego, utilizou-se basicamente a
indicação destas palavras como itens lexicais tomados de empréstimo ao grego em "A
Latin Dictionary", de Lewis & Short e no "Dictionnaire Latin-Français", de F. Gaffiot.
Foram agrupados em duas outras listagens separadas os vocábulos tomados de
empréstimo ao grego aos quais foram acrescentados prefixos, sufixos ou desinências
próprios da língua latina, por se entender que estas palavras se constituem em um caso
de hibridismo: são em parte de origem grega, em parte de origem latina.
Foram excluídos desta listagem os nomes próprios e geográficos e os adjetivos
gentílicos de origem grega empregados por Petrônio. A justificativa para esta exclusão
se baseia no fato de que esses vocábulos já são a priori estrangeiros à língua latina,
visto que designam um povo estrangeiro, e sua utilização não se caracteriza, pois, como
um índice de penetração do vocabulário grego na língua de Roma.
Após cada grupo de palavras, separados pela letra do alfabeto, os vocábulos
foram contabilizados de acordo com a seguinte divisão dos episódios do Satyricon:

Capítulos 1 a 26: episódios iniciais


Capítulos 27 a 78: episódios da Cena Trimalchionis
Capítulos 79 a 141: episódios finais

221
II.1.1- HELENISMOS PROPRIAMENTE DITOS

A
Acacia, -ae (f): acácia Acaciae (23, 5)
Acroama, -atis (n): músico, concerto Acroamata (53, 12), acroama (78, 5)
Aedon, -onis (f): rouxinol Aedon (131, 8, 6)
Aenigma, -atis (n): enigma Aenigma (41, 3)
Agaga, -ae (f): prostituta Agaga (69, 2)
Alabaster, -tri (m): vaso de alabastro Alabastris (60, 3)
Alogus, -a, -um: irracional, sem sentido Alogas (58, 7)
Amphitheatrum, -i (n): anfiteatro Amphitheatro (34, 4), amphitheater (45, 6)
Amphora, -ae (f): ânfora Amphorae (34, 6), amphoram (53, 11) (70,
5), amphoras (70, 4) (71, 11), amphora
(77, 7)
Anathymiasis, -is (f): vapor (que quer Anathymiasis (47, 6)
sair)
Antrum, -i (n): cavidade, caverna Antrum (89, 1, 7) (101, 7), antra (120, 1,
92)
Apoculo, -are: caminhar, retirar-se Apoculamus (62, 3), apocalo (67, 3)
Apodixis, -is (f): amostra Apodixin (132, 10)
Apophoreta, -orum (n): presentes Apophoreti (40, 5), apophoreta (56, 7) (60,
recebidos como lembrança de 4)
um jantar
Archipirata, -ae (m): arquipirata Archipirata (101, 5)
Astronomia, -ae (f): astronomia Astronomia (88, 6)
Astrum, -i (n): astro, estrela Astrorum (88, 4), astra (89, 1, 55), astro
(134, 8)
Athlon, -i (n): luta pela vida Atlha (57, 11)
Aula, -ae (f): pátio Aula (119, 1, 17)

222
Automaton, -i (n): (adj.) espontâneo; Automatum (50, 1) (54, 4), automata (140,
(subst.) máquina automática, 11)
movimento automático
Autopyrus, -i (m): pão integral Autopyrum (66, 2)

Capítulos 1 a 26: 01
Capítulos 27 a 78: 24
Capítulos 79 a 141: 12
Total de ocorrências: 37

B
Babae (interj. de admiração): ah ! oh !, Babae (37, 9 - bis)
incrível !
Babaecalus, -i (m): queixo caído (de Babaecalis (37, 10)
admiração)
Balneum, -i (n): sala de banhos Balneo (26, 10) (30, 8) (91, 3) (92, 6) (97,
2) (130, 7), balneum (28, 1), (72, 3) (72, 5)
(72, 6) (73, 2 - bis) (92, 5) (93, 3), balnei
(73, 3)
Barbarus, -a, um: bárbaro Barbara (96, 5)

Basilica, -ae (f): Palácio da Justiça Basilica (57, 9)


Boletus, -i (m): boleto (cogumelo) Boletorum (38, 4)
Bybliotheca, -ae (f): biblioteca Bybliothecas (48, 4)

Capítulos 1 a 26: 01
Capítulos 27 a 78: 13
Capítulos 79 a 141: 08
Total de ocorrências: 22

223
C
Caccabus, -i (m): panela, lar Caccabo (55, 6, 8), caccabum (74, 5)
Calathiscus, -i (m): pequeno cesto Calathisco (41, 6)
Calix, -icis (m): copo, cálice Calicem (52, 3) (74, 10), calices (73, 5)
Camera, -ae (f): teto Camera (30, 3), camaram (40, 1),
cameram (73, 3)
Capo, -onis (m): franguinho Capo (59, 2)
Caryota, -ae (f): tâmara Caryotis (40, 3), caryotas (40, 8)
Cataphagas, -ae (m): guloso Cataphagae (39, 9)
Catastropha, -ae (f): catástrofe Catastropha (54, 3)
Catomidio, -are: açoitar Catomidiari (132, 2)
Cerasinus, -a, -um: cor de cereja Cerasino (28, 8), cerasina (67, 4)
Chaos, -i (n): caos Chaos (120, 1, 74)
Charta, -ae (f): folha de papel Chartae (102, 12)
Chiragricus, -a, um: que tem gota nas Chiragrici (132, 14)
mãos
Chiramaxium, -i (n): carrinho de mão Chiramaxio (28, 4)
Choraules, -ae (m): flautista do coro Choraulen (53, 13), choraulas (69, 5)
Chorda, -ae (f): tripa Cordae (66, 7)
Chorus, -i (m): coro Chorum (31, 7), choro (34, 1), chorus
(124,1, 255)
Cinaedus, -i (m): pederasta, bicha Cinaedus (21, 2) (23, 2) (24, 4), cinaedum
(24, 2)
Cinnamum, -i (n): cravo Cinnamum (93, 2, 9)
Clibanus, -i (m): forninho Clibano (35, 6)
Colepium, -i (n): joelho de porco Colaepio (70, 2)
Colaphus, -i (m): bofetada Colaphis (34, 2)
Comoedus, -a, um: cômico Comoedos (53, 13)
Conchylium, -i (n): marisco Conchylia (119, 1, 35)
Contus, -i (m): bastão Contus (56, 8)
Coptoplacenta, -ae (f): massa dura Coptoplacentis (40, 4)

224
Cordax, -acis (m): córdace (dança Cordacem (52, 8)
licenciosa)
Corona, -ae (f): coroa Coronam (35, 3), corona (50, 1), coronis
(65, 7) (83, 8), coronas (71, 6) (135, 8, 13),
coronae (60, 3)
Corymbion, -i (n): peruca Corymbio (110, 1), corymbion (110, 5)
Critica, -orum (n): crítica literária Critica (58, 7)
Crocum, -i (n): açafrão Crocum (60, 6), croco (68, 1)
Crotalia, -orum (n): brincos Crotalia (67, 9)
Crotalistria, -ae (f): tocadora de Crotalistria (55, 6, 6)
castanhola
Crypta, -ae (f): cripta Cryptam (16, 3)
Crystallinus, -a, um: de cristal Crystallinis (33, 2), crystallina (64, 10)
Cumba, -ae (f): barca Cumba (121, 1, 118)
Cuminum, -i (n): cominho Cuminum (49, 5)
Cupressus, -i (f): cipreste Cupressu (120, 1, 75), cupressus (131, 8,
2)
Cymbalistria, -ae (f): tocadora de címbalo Cymbalistria (22, 6) (23, 1)
Cyperos, -i (m): junco Cyperon (127, 9, 4)

Capítulos 1 a 26: 07
Capítulos 27 a 78: 42
Capítulos 79 a 141: 15
Total de ocorrências: 64

D
Daphnon, -onis (m): loureiro silvestre Daphnona (126, 12)
Diaeta, -ae (f): cabine Diaeta (115, 1)
Dialectica, -ae (f): dialética Dialectica (88, 6)
Draco, -onis (m): dragão Draconibus (124, 1, 275), dracones (134,
12, 7)

225
Capítulos 1 a 26: 00
Capítulos 27 a 78: 00
Capítulos 79 a 141: 05
Total de ocorrências: 05

E
Echinus, -i (m): ouriço Echinos (69, 7)
Elleborus, -i (m): heléboro Elleboro (88, 4)
Embasicoetas, -ae (m): taça (de formato Embasicoetan (24, 1), embasicoetas (24, 4)
obsceno); pederasta, bicha (26, 1)
Embolum, -i (n): esporão Embolum (30, 1)
Ephebus, -i (m): garoto, rapaz Ephebum (85, 3) (87, 1), ephebus (86, 2)
(86, 5) (87, 7), ephebo (140, 4)
Epidipnis, -idis (f): sobremesa Epidipnis (69, 6)
Epigramma, -atis (n): epigrama, Epigrammate (55, 4), epigramma (103, 4)
inscrição, epitáfio (115, 20)
Euripus, -i (m): canal Euripo (36, 3)
Exintero, -aui, -atum: destripar Exinteratus (49, 4), exinterare (49, 5) (49,
7) (54, 3), exintera (49, 8)

Capítulos 1 a 26: 03
Capítulos 27 a 78: 10
Capítulos 79 a 141: 09
Total de ocorrências: 22

F
Freneticus, -a, um: que delira, que se Freneticus (63, 10)
debate

Capítulos 1 a 26: 00

226
Capítulos 27 a 78: 01
Capítulos 79 a 141: 00
Total de ocorrências: 01

G
Garum, -i (n): salmoura Garum (36, 3)
Gastra, -ae (f): vaso Gastris (70, 6), gastrarum (79, 3)
Gausapa, -ae (f): manto Gausapa (21, 2) (28, 4)
Genesis, -is (f): signo do horóscopo Genesim (39, 8)
Geometria, -ae (f): geometria Geometrias (58, 7)
Gingiliphos, -i (m): gargalhada Gingilipho (73, 4)
Grabatus, -i (m): cama (simples, pobre) Grabatum (92, 3) (95, 2) (97, 4 - bis) (98,
4)
Guberno, -aui, -atum: estar em compasso Gubernantibus (127, 1)
Gymnasium, -i (n): escola Gymnasium (85, 3)

Capítulos 1 a 26: 01
Capítulos 27 a 78: 06
Capítulos 79 a 141: 08
Total de ocorrências: 15

H
Habrotonum, -i (n): absinto Habrotono (138, 2)
Halosis, -is (f): tomada Halosin (89, 1)
Hepatia, -orum (n): fígado Hepatia (66, 7)
Heros, -ois (m): herói Heros (108, 14, 2)
Historicus, -i(m): historiador Historici (118, 6)
Horologium, -i (n): relógio Horologium (26, 9) (71, 11)
Hydraules, -ae (m): órgão hidráulico Hydraule (36, 6)
Hypogaeum, -i (n): túmulo Hypogaeo (111, 2)

227
Capítulos 1 a 26: 01
Capítulos 27 a 78: 03
Capítulos 79 a 141: 05
Total de ocorrências: 09

I
Iatralipta, -ae (m): massagista Iatraliptae (28, 3)

Capítulos 1 a 26: 00
Capítulos 27 a 78: 01
Capítulos 79 a 141: 00
Total de ocorrências: 01

L
Labyrinthus, -i (m): labirinto Labyrintho (73, 1)
Laecasin (inf. grego): mandar pro inferno Laecasin (42, 2)
Lagena, -ae (f): bilha Lagoenam (22, 3 - bis)
Lampas, -adis (f): tocha Lampada (124, 1, 277), lampadas (124, 1,
284)
Lasanum, -i (n): penico Lasanum (41, 9), lasani (47, 5)
Lyra, -ae (f): lira Lyram (83, 3)
Lyricus, -a, um: lírico Lyrici (2, 4) (118, 5)

Capítulos 1 a 26: 03
Capítulos 27 a 78: 04
Capítulos 79 a 141: 04
Total de ocorrências: 11

M
Machina, -ae (f): máquina Machina (74, 13)
Magicus, -a, um: mágico Magicis (134, 12, 13)

228
Melica, -ae (f): melodia lírica Melicam (64, 2)
Margarita, -ae (f): tesouro, pérola Margarita (55, 6, 9), margaritam (64, 9)
Margaritum, -i (n): pérola Margaritum (63, 3)
Marmor, -oris (n): mármore Marmor (89, 1, 34) (126, 18), marmore
(135, 8, 2)
Mathematicus, -i (m): matemático Mathematici (39, 6), mathematicus (76,
10), mathematicorum (126, 3)
Mattea, -ae (f): especialidade culinária Mattteae (65, 1), matteis (74, 6)
Methodium, -i (n): brincadeira Methodio (36, 5)
Mimicus, -a, -um: teatral Mimico (19, 1), mimicam (94, 15), mimicis
(106, 1)
Mimus, -i (m): mimo Mimo (35, 6), mimum (80, 9, 5) (117, 4)
Myrtum, -i (n): murta Myrto (131, 9)

Capítulos 1 a 26: 01
Capítulos 27 a 78: 11
Capítulos 79 a 141: 10
Total de ocorrências: 22

N
Nardus, -i (f): perfume de nardo Nardi (78, 3)
Nausea, -ae (f): (ânsia de) vômito, Nausia (64, 6) nauseam (78, 5), nausea
repugnância (103, 5)

Capítulos 1 a 26: 00
Capítulos 27 a 78: 03
Capítulos 79 a 141: 01
Total de ocorrências: 04

229
O
Obsonium, -i (n): carne Obsonium (36, 6) (36, 8) (47, 13)
Odarium, -i (n): canção Odaria (53, 11)
Olea, -ae (f): azeitona Oleae (108, 13)
Oleum, -i (n): óleo, azeite Oleo (21, 4) (64, 10) (98, 7) (138, 1),
oleum (22, 6)
Onager/onagrus, -i (m): burro selvagem Onagro (38 , 4)
Orchestra, -ae (f): orquestra Orchestra (126, 7)
Ostrea, -ae (f): ostra Ostrea (70, 6)
Ostrum, -i (n): púrpura Ostro (83, 10, 3) (119, 1, 10), ostrum (119,
1, 28)
Oxycomina, -orum (n): azeitonas em Oxycomina (66, 7)
conserva

Capítulos 1 a 26: 02
Capítulos 27 a 78: 08
Capítulos 79 a 141: 07
Total de ocorrências: 17

P
Paedagogus, -i (m): pedagogo Paedagogus (94, 2)
Palaestrita, -ae (m): atleta Palaestritae (21, 4)
Palma, -ae (f): palma da mão, vitória Palmam (70, 13), palma (94, 4)
Pantomimus, -i (m): pantomimo Pantomimi (31, 7)
Paralysis, -is (f): paralisia Paralysin (129, 6) (130, 6)
Paralyticus, -a, -um: paralítico Paralytice (131, 11)
Paronychia, -ae (f): cutícula Paronychia (31, 3)
Paropsis, -idis (f): prato comprido Paropsis (34, 2), paropsidem (34, 2),
paropsides (50, 6)
Pelagius, -a, -um: marinho Pelagiis (55, 6, 10), pelagiae (109, 7)
Pelagus, -i (n): mar Pelago (83, 10, 1) (104, 5)

230
Pera, -ae (f): bolsa Pera (11, 4) (14, 2, 3)
Periscelis, -idis (f): pulseira usada em Periscelides (67, 4)
volta do tornozelo
Peristasis, -is (f): assunto Peristasim (48, 4)
Petauristarius, -i (m): malabarista Petauristarios (47, 9) (53, 12),
petauristarii (53, 10), petauristarius (60,
2)
Phaecasia, -ae (f): sandália Phaecasiae (67, 4)
Phalerae, -arum (f): jóia Phaleris (55, 6, 10)
Phantasia, -ae (f): ser fantástico Phantasia (38, 16)
Pharmacus, -i (m): envenenador Pharmace (107, 15)
Phiala, -ae (f): taça de vidro Phialam (51, 1) (51, 3) (51, 4)
Philologia, -ae (f): amor às letras Philologiam (39, 4)
Philosophia, -ae (f): filosofia Philosophiae (88, 7)
Philosophus, -i (m): filósofo Philosophos (56, 7), philosophum (71, 12),
philosophis (85, 2)
Phreneticus, -a, -um: louco, desvairado Phrenetico (115, 5)
Phthisicus, -a, um: tuberculoso Tisicus (64, 3)
Pinacotheca, -ae (f): galeria de artes Pinacothecam (83, 1) (83, 7) (93, 3)
Pirata, -ae (m): pirata Piratas (1, 3), piratarum (123, 1, 240)
Pittacium, -i (n): rótulo, bilhete para Pittacia (34, 6) (56, 7)
sorteio
Placenta, -ae (f): bolo Placenta (35, 4), placentis (60, 4),
placentae (60, 6)
Planus, -i (m): vagabundo Planus (82, 2)
Plastes, -ae (m): escultor Plastas (88, 5)
Platanon, -onis (m): plantação de plátanos Platanona (126, 12) (131, 1)
Platanus, -i (f): plátano Platanus (131, 8, 1)
Podagricus, -a, -um: que tem gota nos pés Podagricus (64, 3), podagrici (132, 14),
podagricum (140, 6)
Poema, -atis (n): poema Poemata (41, 6), poema (115, 3) (118, 2)

231
Poena, -ae (f): castigo, punição, situação Poenas (8, 4) (139, 3), poenam (30, 9)
ruim (102, 9) (106, 3) (107, 10) (115, 18), poena
(107, 6) (122, 1, 172), poenarum (107, 6),
poenae (30, 7) (54, 5)
Poeta, -ae (m): poeta Poetas (2, 5), poetam (10, 2) (90, 2) (115,
5), poeta (83, 8), poetae (93, 3), poetarum
(55, 4) (96, 5)
Poeticus, -a, um: poético Poetica (117, 2)
Polymitus, -a, um: colorido Polymita (40, 5)
Pontus, -i (m): mar Ponto (89, 1, 38), pontum (108, 14, 7),
ponti (123, 1, 200), pontus (123, 1, 219)
(134, 12, 4)
Prasinus, -a, um: verde Prasina (27, 2) (64, 6), prasinus (70, 13)
Praxis, -is (f): prática Praxim (39, 4)
Prora, -ae (f): proa Proram (114, 3)
Pygisiacus, -a, um: ritual das nádegas Pygesiaca (140, 5)
Pyxis, -idis (f): caixinha Pyxis (29, 8), pyxide (110, 2)

Capítulos 1 a 26: 07
Capítulos 27 a 78: 40
Capítulos 79 a 141: 47
Total de ocorrências: 94

R
Rhetor, -oris (m): orador Rhetores (39, 12)
Rhetorica, -ae (f): retórica Rhetoricam (58, 8)
Ruta, -ae (f): planta amarga Rutae (58, 4)

Capítulos 1 a 26: 00
Capítulos 27 a 78: 03
Capítulos 79 a 141: 00
Total de ocorrências: 03

232
S

Salamandra, -ae (f): salamandra Salamandra (107, 15)


Saplutus, -a, um: rico Saplutus (37, 6)
Scapha, -ae (f): bote salva-vidas Scapham (102, 1), scaphae (102, 4) (114,
7), scapha (102, 5)
Scarus, -i (m): sargo Scarus (93, 2, 6) (119, 1, 33)
Scena, -ae (f): cena, cenário Scenam (33, 5), scaena (80, 9, 5), scena
(117, 2), scaenae (117, 10) (126, 6)
Schedium, -i (n): verso improvisado Schedium (4, 6)
Schema, -ae (f): colocação, rodeio (ao Schemas (44, 8), schema (126, 8)
falar)
Schola, -ae (f): escola Scholis (1, 3) (4, 4), schola (3, 1), scolis (3,
2)
Scinifes, -um (f): inseto Sciniphes (98, 1)
Scholasticus, -i (m): retórico Scolasticorum (6, 1), scholastici (10, 6),
scolastici (39, 5), scolasticos (61, 4)
Scorpio, -onis (m): escorpião Scorpione (39, 11)
Scyphus, -i (m): taça Scyphos (52, 1), scypho (54, 2) (56, 7),
scyphum (65, 8)
Sesamum, -i (n): sésamo Sesamo (1, 3)
Sinapi, -is (n): mostarda Senape (66, 7)
Sistrum, -i (n): sistro Sistrum (114, 5)
Smaragdus, -i (f): pedra brilhante Smaragdum (55, 6, 12)
Sophos: incrível ! Sophos (40, 1)
Spado, -onis (m): eunuco Spadones (27, 3), spado (27, 5) (55, 6, 4)
Spatalocinaedus, -i (m): devasso Spatalocinaedi (23, 3, 1)
Spintria, -ae (m): prostituto Spintriam (113, 11)
Spongia, -ae (f): esponja Spongia (108, 2)

233
Stigma, -atis (n): marca, estigma, marca Stigmam (45, 9) (69, 2), stigmate (103, 2),
de ferro em brasa stigmata (105, 11)
Stola, -ae (f): vestido de mulher Stolam (81, 5)
Stomachus, -i (m): estômago Stomachum (47, 3) (103, 5), stomachi
(117, 9) (141, 6), stomacho (141, 8)
Strabo, -onis (m): estrábico Strabones (39, 11), strabonus (68, 8)
Stropha, -ae (f): efeito Strophas (60, 1)
Struthiocamelus, -i (m): avestruz Struthocamelum (137, 4)
Symphonia, -ae (f): orquestra Symphoniam (32, 1) (36, 1) (36, 6) (47, 8),
symphonia (34, 1) (33, 4)
Symphoniacus, -i (m): músico Symphoniacus (28, 5)
Synoecium, -i (n): hospedaria Synoecio (93, 3)

Capítulos 1 a 26: 09
Capítulos 27 a 78: 29
Capítulos 79 a 141: 25
Total de ocorrências: 63

T
Tapanta: braço direito (sent. conot.) Topanta (37, 4)
Terebinthinus, -a, um: de Terebinto Terebinthina (33, 2)
Tessera, -ae (f): dado, bilhete (para Tesseris (33, 2), tesseram (81, 4)
conseguir comida)
Tetrastylum/tetrastylon, -i (n): templo de Tetrastylo (104, 2)
quatro colunas
Thalamus, -i (m): leito nupcial Thalamum (26, 1), thalami (26, 4)
Theatrum, -i (n): teatro Theatrum (90, 5), theatro (92, 6)
Theca, -ae (f): bojo, caixa Theca (39, 3), thecam (94, 14)
Thesaurus, -i (m): tesouro Thesaurum (13, 2) (14, 1) (38, 8) (46, 8)
(88, 8), thesauro (15, 8), thesauros (57, 9)
(124, 1, 292) (128, 6, 4)
Thymbra, -ae (f): segurelha Thymbrae (135, 8, 14)

234
Thyrsus, -i (m): caule Thyrso (132, 8, 2)
Tragicus, -i (m): trágico Tragici (132, 13)
Tragoedia, -ae (f): tragédia, papel trágico, Tragoediam (108, 11), tragoedias (110, 8),
farsa tragoediam (140, 6)
Tragoedus, -i (m): ator trágico Tragoedum (70, 13)
Tricliniarches, -ae (m): mordomo Tricliniarches (22, 6)
Triclinium, -i (n): sala de jantar Triclinium (22, 3) (30, 1) (30, 5) (31, 1)
(31, 7) (33, 1) (40, 2) (40, 6) (41, 10) (47,
8) (54, 4) (60, 1) (64, 2) (64, 9) (70, 11)
(72, 1) (73, 5) (78, 1) (78, 5), triclinio (24,
3) (26, 9) (47, 5) (85, 4), triclinii (30, 1)
(65, 3), triclinia (71, 10)
Tropaeum, -i (n): troféu Tropaeis (122, 1, 172)
Tropica, orum (n): mudanças Tropica (88, 2)
Tyrannus, -i (m): tirano Tyrannos (1, 3), tyranno (41, 9)

Capítulos 1 a 26: 10
Capítulos 27 a 78: 31
Capítulos 79 a 141: 17
Total de ocorrências: 58

Z
Zelotypus, -a, um: ciumento Zelotypos (45, 8), zelotypa (69, 2)
Zona, -ae (f): cinto Zona (114, 10)

Capítulos 1 a 26: 00
Capítulos 27 a 78: 02
Capítulos 79 a 141: 01
Total de ocorrências: 03

235
II.1. 2- HELENISMOS ACRESCIDOS DE PREFIXOS E/OU SUFIXOS LATINOS

Antescholanus, -i (m): mestre Antescholanus (81, 1)


[ante- + schola + -anus, -i]
Ballaenaceus, -a, um: feito de osso de Ballaenaceam (21, 2)
baleia
[ballaena + -aceus, -a,-um]
Balneator, -oris (m): escravo encarregado Balneatoris (53, 10)
dos banhos
[balneum + -tor, -oris]
Barbaria, -ae (f): rispidez Barbariae (68, 5)
[barbarus + -aria, -ae]
Buxeus, -a, -um: amarelo, de madeira Buxeos (58, 10), buxea (74, 5)
[buxus + -eus, -a, -um]
Cisterna, -ae (f): reservatório Cisternae (73, 2)
[cista + -erna, -ae]
Comissator, -oris (m): animador de festa Comissator (65, 3)
[comissor + -tor, -oris]
Conchyliatus, -a, um: tingido de púrpura Conchyliatum (38, 5), conchyliata (54, 4)
[conchylium + -atus, -a, -um]
Corolla, -ae (f): pequena atadura Corollis (70, 8)
[corona + -ola, -ae]
Excatarisso, -are: depenar (sent. conot.) Excatarissasti (67, 10)
[ex + καθαριζω]
Gausapatus, -a, -um: coberto de pelo Gausapatos (38, 15)
[gausapa + -atus, -a, -um]
Gubernaculum, -i (n): timão Gubernacula (102, 4) (114, 13)
[guberno + -culum, -i]
Gubernator, -oris (m): timoneiro Gubernatori (101, 8), gubernatore (108,
[guberno + -tor, -oris] 8), gubernator (101, 8) (102, 3) (108, 12)
(114, 2) (114, 3)
Marmoreus, -a, -um: de mármore, branco Marmoreum (29, 8), marmoreis (131, 9)
como o mármore
[marmor + -eus, -a, -um]
Obsonator, -oris (m): responsável pela Obsonatores (39, 12)
despensa
[obsonium + --tor, -oris]
Phaecasiatus, -a, -um: que usa chinelos Phaecasiati (82, 3)
brancos
[phaecasium + -atus, -a, -um]
Poetice: de modo poético Poetice (90, 3)
[poeticus + -e]
Prasinatus, -a, -um: vestido de verde Prasinatus (28, 8)
[prasinus + -atus, -a, -um]
Prasinianus, -a, -um: simpatizante do Prasinianus (70, 10)
verde
[prasinus + -anus, -a, -um]
Stigmosus, -a, um: marcado com ferro em Stigmosos (109, 8)
brasa
[stigma + -osus, -a, um]
Stolatus, -a, um: nobre Stolatae (44, 18)
[stola + -atus, -a, -um]
Tomaculum, -i (n): salsicha Tomacula (31, 11)
[τοµη′ + -culum, -i]

Capítulos 1 a 26: 01
Capítulos 27 a 78: 17
Capítulos 79 a 141: 14
Total de ocorrências: 32

237
II.1.3- HELENISMOS ACRESCIDOS DE DESINÊNCIAS LATINAS

Bilychnis, -e: que possui duas saídas Bilychnis (30, 3)


[bis + lychnus + -is, -e]
Corono, -are: coroar Coronatum (66, 2)
[corona + -are]
Gypso, -are: cobrir de gesso Gypsatae (34, 6), gypsatas (71, 11)
[gypsum + -are]
Marmoro, -are: revestir de mármore Marmoratos (77, 4)
[marmor + -are]
Nauseo, -are: sentir náuseas Nauseantis (103, 6)
[nausea + -are]
Perperam: inadequadamente, de modo Perperam (75, 3)
errado
[perperus, -a, -um + -am]
Phalero, -are: enfeitar com fáleras Phaleratis (28, 4)
[phalerae + -are]

Capítulos 1 a 26: 00
Capítulos 27 a 78: 07
Capítulos 79 a 141: 01
Total de ocorrências: 08

II.2- ANÁLISE DOS DADOS

A listagem acima contém 451 vocábulos identificados como helenismos


propriamente ditos, isto é, empréstimos do grego adaptados ou não ao sistema
morfológico e à fonética latina e 40 vocábulos formados a partir de empréstimos do
grego, sendo 32 acrescidos de sufixos e/ou prefixos latinos e 08 acrescidos de
desinências nominais ou verbais.
Considerando apenas os primeiros, a média global é de 3,2 palavras gregas por
capítulo. Este índice, que em princípio não chega a ser alto, torna-se mais representativo

238
se se considerar a média do número de palavras gregas, seguindo a divisão por
episódios, apresentada acima, em que se obtém o seguinte resultado:

1) capítulos 1 a 26 (26 capítulos / 46 palavras): média de 1, 7


2) capítulos 27 a 78 (51 capítulos / 228 palavras): média de 4, 5
3) capítulos 79 a 141 (64 capítulos / 174 palavras): média de 2, 7

Em termos quantitativos, a diferença apresentada entre a média global de


palavras gregas por capítulo e a média diferenciada por episódios pode ser analisada
como ligüisticamente significativa e o considerável aumento do número de empréstimos
gregos nos capítulos da Cena sinaliza que o uso de palavras gregas no século I d.C. era
bem mais comum na linguagem da plebs romana, em seu dia-a-dia, do que nos demais
estilos de linguagem empregados por Petrônio: os versos, os diálogos fora da Cena e a
narrativa.
Em relação aos vocábulos formados a partir de empréstimos do grego, é
importante ressaltar que, apesar de pouco numerosos, se comparados ao número de
helenismos propriamente ditos (apenas 40 ocorrências ao longo do Satyricon), estes
representam a incorporação total ao léxico do latim desses vocábulos tomados de
empréstimo, já que a eles foram acrescentados elementos vernáculos. À exceção de dois
vocábulos (ex + καθαριζω e τοµη′ + -culum, -i), todas as ocorrências constantes da
listagem foram formadas a partir de vocábulos gregos de atestada e ampla aceitação na
língua latina. Essas formações híbridas, independentemente de sua origem, se popular,
ou erudita, mostram que, uma vez incorporados ao léxico, os helenismos passam a
sujeitar-se ao sistema de regras morfológicas vigentes em latim.
Em termos de classes de palavras, a grande maioria das 451 palavras listadas são
substantivos e adjetivos. Foram identificados nove verbos e duas interjeições, todos nos
capítulos da Cena. Analisando, segundo Bynon (1977, p. 231), este padrão de
empréstimo lingüístico de itens lexicais isolados (substantivos, verbos, adjetivos)
identificado no Satyricon, pode-se concluir que, apesar da grande influência da cultura
grega sobre a latina e do crescente número de gregos estabelecidos nas cidades romanas,
cujo reflexo se encontra no grande número de palavras gregas listadas, o contato
lingüístico entre esses povos não chega a caracterizar o que a autora denomina "intense
linguistic exchange" (intensa troca lingüística), comum em comunidades bilíngues, em

239
que haveria o empréstimo de pronomes, conjunções e/ou preposições, com a
conseqüente alteração de padrões sintáticos.
Do ponto de vista semântico, é importante ressaltar dois aspectos que envolvem
o uso de palavras estrangeiras: o status dos itens lexicais tomados de empréstimo e a
alteração ou manutenção do sentido da palavra em grego.

II.2.1- STATUS DOS ITENS LEXICAIS TOMADOS DE EMPRÉSTIMO

Destacam-se, no Satyricon, três diferentes grupos de palavras tomadas de


empréstimo ao grego:

a) palavras gregas já incorporadas ao vocabulário latino;


b) palavras gregas sem correspondente em latim;
c) palavras gregas com correspondentes de uso corrente em latim.

O primeiro grupo se compõe dos itens lexicais apontados por Cícero


anteriormente como aceitáveis, ainda que gregos. São palavras cujo uso já se encontra
difundido na língua latina e que nem mesmo os maiores puristas se recusam a utilizá-
las. A listagem do Satyricon não é diferente da apresentada por Cícero e é formada
principalmente por palavras pertencentes ao campo semântico das ciências em geral
(astronomia, mathematici, philologiam, philosophos, etc). Alguns outros grupos de
palavras de origem grega pertencentes ao vocabulário doméstico são utilizados em
todos os episódios do Satyricon, o que aponta para sua incorporação ao dia-a-dia dos
romanos. São palavras como triclinium, balneum, amphora, etc.
Outras palavras são utilizadas em referências a situações características da
Grécia, uma importação muito mais cultural, de costumes, do que simplesmente de um
item lexical. Em geral fazem parte do campo semântico do divertimento, um aspecto da
vida romana especialmente exposto à influência grega (Marouzeau, 1935, p. 159; Starr,
p. 544). Um exemplo disso é a referência feita à dança cordax (Sat.52, 8), sem
correspondente em latim, em que ocorre simplesmente uma substituição de fonemas
gregos pelos latinos.
Por fim, destaca-se em Petrônio o uso de palavras tomadas de empréstimo ao
grego que possuem correspondentes de uso corrente em latim. Trata-se, pois, de uma
opção do falante/escritor pelo vocábulo estrangeiro, que aponta para uma

240
supervalorização da língua estrangeira. Tal opção pode levar à substituição do item
lexical vernáculo, ou a reinterpretação do campo semântico da palavra tomada de
empréstimo. Como exemplo desse último, pode-se citar no Satyricon o uso da palavra
spado, em contraposição ao correspondente latino castratus. Spado, que tem um
significado bastante restrito em grego (significa simplesmente "eunuco"), passa a ter
em latim, ao lado do sentido específico do grego, duas significações muito mais gerais,
uma no mesmo campo semântico de "eunuco" e outra no campo semântico da botânica,
ambos os sentidos relacionados à impossibilidade de reprodução característica dos
eunucos. São elas, respectivamente, "one who has no generative power, an impotent
person (whether by nature or by castration)" [alguém que não possui força reprodutora,
independentemente se por natureza ou em virtude de castração] e "unfruitful or seedless
plants" [plantas que não produzem frutos ou sementes] (Lewis & Short, 1987).

II.2.2- ALTERAÇÃO OU MANUTENÇÃO DO SENTIDO ORIGINAL DA


PALAVRA GREGA

Para análise desse aspecto semântico, foram selecionados aleatoriamente 20


itens lexicais constantes da lista de 451 helenismos propriamente ditos utilizados por
Petrônio, considerados significativos representantes dos seguintes grupos:

a) palavras gregas utilizadas em latim sem alteração de sentido;


b) palavras gregas que tiveram seu sentido alterado em latim;
c) palavras gregas que sofreram alterações de sentido, acompanhadas de
mudanças de categoria.

O significado das palavras em grego foi retirado do dicionário grego-inglês de


Liddel & Scott (edição de 1992) e foi comparado ao significado das mesmas nos
dicionários latim-inglês de Lewis & Short e latim-francês de F. Gaffiot. O sentido das
palavras indicado abaixo, tanto em grego, quanto em latim, corresponde apenas à(s)
acepção(ções) atestada(s) no Satyricon.

241
II.2.2.1- Palavras gregas utilizadas em latim sem alteração de sentido

1) alabaster, -tri (m): "a box or casket for perfumes" - uma caixa ou recipiente para
perfumes
"vase d'albâtre où l'on enfermait les parfums" - recipiente de
alabastro onde se colocam os perfumes
α♥λα′βαστροϕ : "globular vase without handles for holding perfumes (often made
of alabaster") - recipiente em forma de globo sem alças para
guardar perfumes (freqüentemente feito de alabastro)
2) anathymiasis, -is (f): "a rising vapour" - vapor em elevação
"vapeur" - vapor
α♥ναθυµι′ασιϕ : "rising in vapour, exhalation" - vapor em elevação, exalação
3) apophoreta, -orum (n): "presents which guests received at table, especially at the
Saturnalia, to carry home with them" - presentes que os
convidados recebiam em um jantar, especialmente nos
Saturnais, para levar para casa
"présents offerts aux convives le jour des Saturnales ou en
d'autres fêtes" - presentes oferecidos aos convidados no
dia dos Saturnais, ou em outras festas
α♥ποφορητα : "presents which guests received at table to take home" - presentes
que os convidados recebiam em um jantar para levar para casa
4) athlon, -i (n): "a struggle" - luta
"lutte" - luta
α♥θλον : "conflict, struggle" - conflito, luta
5) diaeta, -ae (f): "a dwelling place, a dwelling room" - um lugar para se morar, um
espaço para se morar
"cabine de vaisseau" - cabine de navio
δι′αιτα : "sailor's quarter in a ship" - cabine de marinheiro em um navio
6) gastra, -ae (f): "big-bellied vessel" - recipiente com formato semelhante a uma
barriga grande

242
"vase ventru" - recipiente com formato semelhante a uma barriga
grande 59
γα′στρα (forma do grego jônico para γαστη′ρ) : "the lower part of a vessel bulging
out like a paunch; a vase with such a belly" - a parte mais baixa de
um recipiente que forma um bojo, como se fosse uma barriga; um
vaso com este tipo de formato
7) hepatia, -orum (n): "(little) liver" - (pequeno) fígado
"les intestins" - os intestinos
η∞πατι′αϕ : "liver" - fígado
8) tricliniarches, -ae (m): "a chief servant who has charge of the table" - criado
principal responsável pelo jantar
"maître d'hotel" - mordomo
τρικλινιαρξηϕ : "director of a feast" - chefe de um banquete

II.2.2.2- Palavras gregas que tiveram seu sentido alterado em latim

1) boletus, -i (m) = "the best kind of mushrooms" - o melhor tipo de cogumelos


"bolet [champion]" - boleto [cogumelo]
βωλι′τηϕ = "terrestrial fungus" - cogumelo terrestre
2) caccabus, -i (m) = "a cooking pot" - panela
"marmite, chaudron" - panela, caldeirão
κα′κκαβοϕ = "three-legged pot" - panela que possui três suportes
3) catomidio, -are = "to lay one over the shoulders of another and thus to flog him; to
strike over the shoulders" - deitar alguém sobre os ombros de um
outro e então açoitá-lo; dar golpes nas costas
"fesser, fouetter [qqn tenu incliné sur les épaules d'un autre]" -
açoitar, chicotear [alguém inclinado sobre os ombros de um outro
κατωµι′ζω = "set a dislocated limb by putting one's shoulder under the joint" -
endireitar um membro deslocado colocando o ombro de alguém
sobre a junta

59
No dicionário de Lewis & Short, não há a indicação do vocábulo gastra, mas apenas o verbete gaster,
no sentido indicado acima. O dicionário de Gaffiot, por sua vez, traz o vocábulo gastra relacionado a
gastrum, apontando ambos como provenientes de gaster.

243
4) corymbion, -i (n) = "hair curled in the form of clusters of ivy-berries" - cabelo
enrolado sob a forma de cachos de hera
"perruque" - peruca
κορυ′µβιον (dim. κο′ρµβοϕ) = "cluster of ivy fruit; cluster of fruit or flowers" -
cacho de hera; cacho de fruta ou flores
5) embasicoetas, -ae (m) = "i.q. cinaedus; the name of an obscenely shaped drinking
vessel" - o mesmo que cinaedus [pederasta]; nome de um
recipiente para bebidas de formato obsceno
"[à la fois] sorte de coupe à boire et débauché (cinaedus)"
- [ao mesmo tempo] tipo de taça para beber e obscena
(pederasta)
ε♥µβασικοι′ταϕ = "name of a cup" - nome de um copo
6) hypogaeum, -i (n) = "sepulture" - sepultura
"caveau [pour les morts]" - caverna [para os mortos]
υ(πογειον = "an underground chamber" - um cômodo sob o solo
7) methodium, -i (n) = "a witty conceit; a joke" - comparação espirituosa; uma
brincadeira
"tour plaisant" - expressão jocosa
µεθο′διον = "mode of prosecuting an inquiry; method; system" - maneira de tomar
um depoimento; método; sistema
8) triclinium, -i (n) = " a dining-room; supper-room" - sala de jantar
"salle à manger" - sala de jantar
τρικλινιον = "dining-room with three couches; a family party; a whole dinner-
party; set of three couches" - sala de jantar com três lugares; reunião
familiar; jantar completo; conjunto de três poltronas

II.2.2.3- Palavras gregas que sofreram alterações de sentido em latim, acompanhadas


de mudanças de categoria

244
1) automaton, -i (n) [substantivo] = "a self-moving machine" - máquina que se move
sozinha
" machine qui a la propriété de se mouvoir d'elle-même;
mouvement automatique" - máquina que tem a capacidade de se
mover sozinha; movimento automático
αυ♥το′µατοϕ , -η, -ον [adjetivo] = "(of things) self acting; spontaneous; (of
persons) acting on one's own will; of oneself" -
(referindo-se a coisas) que age sozinho;
espontâneo; (referindo-se a pessoas) que age
segundo sua própria vontade; sozinho
2) melica, -ae (f) [substantivo] = "lyric poem" - poema lírico
"mélodie lyrique" - melodia lírica
µελικο′ϕ, -η,′ -ο′ν [adjetivo] = "lyric" - lírico
3) topanta (n) [substantivo] = "all things, all" - todas as coisas, tudo
"toutes choses" - todas as coisas
πα′ντα (τα≤) [advérbio] = " every way; on every side; altogether" - de todos os
modos; de todos os lados; completamente
4) tropica, -orum (n) [substantivo] = "changes; alterations" - mudanças; alterações
"révolutions, changements" - revoluções;
mudanças
τροπικο′ϕ, -η′, -ον [adjetivo] = "of the solstice; (ο() the tropic or solstice as marked
on the sphere" - referindo-se ao solstício; o trópico
ou solstício como demarcado sobre a esfera

II.3- CONCLUSÃO

O estudo do léxico do Satyricon mostra que a influência helênica no mundo


romano do século I d. C. representado na obra é bastante ampla e vai muito além das
áreas das ciências em geral e das artes, tradicionalmente reconhecidas como ligadas ao
mundo grego. O fato de o número de palavras gregas aumentar consideravelmente nos
capítulos compreendidos pela Cena, mas também apresentar um número significativo
de ocorrências nos demais capítulos, pode ser interpretado como uma confirmação de

245
que palavras gregas integravam a lista de vocabulário tanto da plebs romana, quanto das
classes mais escolarizadas.
Muito mais do que uma penetração de palavras gregas, o volume de itens
lexicais listados retrata uma abertura dos romanos para incorporar a cultura grega,
acompanhada de palavras para designar esses novos costumes, ou para substituir as já
existentes no vernáculo, sem que, no entanto, houvesse um comprometimento das regras
da língua latina em termos morfológicos e sintáticos.

III- NEOLOGISMOS

O neologismo caracteriza-se como um recurso lingüístico de enriquecimento do


vocabulário condicionado pela constante necessidade de se expressar novas noções e
objetos introduzidos às línguas (Marouzeau, 1974, p. 110). Além disso, pode ainda ser
utilizado como um recurso popular de inovação, para intensificar a força de expressão
(cf. estudo sobre prefixação em Catulo, feito por Costa, 1952, p. 11)
Segundo Coutinho (1974, p. 215), consideram-se como neologismos, entre
outras, as palavras introduzidas à lingua pelas seguintes vias:

a) a utilização de processos lingüísticos associados à morfologia (sufixação,


composição, justaposição);
b) a utilização de uma palavra antiga em acepção nova;
c) a inserção de palavras novas através de importação estrangeira.

A primeira via de entrada se caracteriza pela utilização de formas previstas nos


padrões morfológicos da língua e deve gerar um resultado inteligível ao ouvinte/leitor.
A segunda via atinge o léxico de maneira mais indireta, uma vez que se trata de uma
reinterpretação do campo semântico de determinadas palavras, sem alterar suas
características morfofonológicas. A terceira via de entrada pressupõe um contato
lingüístico-cultural entre povos diferentes, contato esse que se reflete acima de tudo no
léxico.

246
No entanto, os neologismos não são em geral aceitos sem resistência. Segundo
Marouzeau, a oposição total e irrestrita de alguns autores latinos ao uso de neologismos
pode ser evidenciada na seguinte norma de César:

Habe semper in memoria atque pectore ut tamquam


scopulum sic fugias inauditum et insolens uerbum. (Cés.
apud Au. Gél. I, 10, 4)

Ao lado deste posicionamento completamente contrário, encontra-se a aceitação


de seu uso, como na obra Rhetorica ad Herennium, desde que se evite o abuso.

Hoc genere raro utendum est, ne noui uerbi adsiduitas


odium faciat; sed si commode quis proferat ea, non modo
non offendet nouitate, sed etiam exornabit orationem.
(Rhet. ad Her. IV, 31, 42)

Para Quintiliano, apesar de se correr um certo risco ao fazer uso de neologismos,


esse recurso não deve ser de todo evitado, uma vez que algumas destas novas palavras
podem ter seu uso aceito e ser incorporadas ao vocabulário da língua latina (Marouzeau,
1935, p. 164).
Em Petrônio, não se evidencia nenhum sentimento de repúdio, nem mesmo de
ressalva em relação ao uso de neologismos. Longe disso, o autor utiliza abundantemente
esse recurso, como se pode comprovar na listagem a seguir.

III. 1- LISTAGEM DE NEOLOGISMOS

Das três vias de enriquecimento do léxico de uma língua apresentados acima, a


análise que se segue se limitará à primeira (utilização de processos lingüísticos
associados à morfologia), acrescentando uma importante restrição: serão estudados
apenas os neologismos que podem ser classificados como criações neológicas de
Petrônio. Para se definir um vocábulo como tal, são utilizados dois critérios: o de a
palavra não ocorrer em nenhum outro texto além do Satyricon, ou de o Satyricon ser a
primeira obra a registrar o uso da palavra.

247
A exclusão dos neologismos em que há a reinterpretação do campo semântico de
um vocábulo já existente se justifica pelo fato de, ao longo do Satyricon, ter sido
identificado apenas um vocábulo que não pode ser considerado como uma palavra nova,
mas sim como a utilização de um termo já existente numa nova acepção: sessorium, no
sentido de "morada, habitação", e não em seu sentido comum de "assento, cadeira".

"Habet quattuor cenationes, cubicula uiginti, porticus marmoratos


duos, susum cellationem, cubiculum in quo ipse dormio, uiperae huius
sessorium, ostiarii cellam perbonam; hospitium hospites capit" (Sat.
77,4).

Os neologismos introduzidos a partir de empréstimos lingüísticos já foram


analisados na seção anterior, no estudo sobre os helenismos, e não serão destacados
novamente, ainda que alguns deles tenham seu uso atestado apenas no Satyricon.
O agrupamento dos neologismos selecionados para análise foi feito segundo o(s)
processo(s) de formação utilizado por Petrônio. Foi ainda acrescentado um grupo de
palavras cuja formação é incerta e que não representa nenhum dos outros processos
morfológicos. Os agrupamentos são os seguintes:

a) sufixação, ou com acréscimo de desinência


b) prefixação
c) aglutinação
d) neologismos formados por mais de um processo
e) neologismos sem processo de formação evidente

Cada um dos agrupamentos acima traz as palavras listadas em ordem alfabética,


tendo sido as mesmas indicadas, na primeira coluna, em sua forma dicionarizada,
seguida da tradução (na acepção utilizada por Petrônio) e dos elementos de que é
formada (à exceção evidentemente das palavras sem processo de formação evidente) e,
na segunda coluna, a(s) forma(s) utilizadas por Petrônio. Ao final de cada agrupamento,
as ocorrências foram contabilizadas seguindo a mesma divisão por episódios adotada
anteriormente: capítulos 1 a 26 - episódios iniciais, 27 a 78 - episódios da Cena
Trimalchionis, 79 a 141 - episódios finais. As criações neológicas de Petrônio que

248
foram encontradas em autores posteriores a ele estão marcadas na listagem com um
asterisco (*).

III.1.1- NEOLOGISMOS FORMADOS POR SUFIXAÇÃO, OU COM ACRÉSCIMO


DE DESINÊNCIA

Absentiuus, -a, -um: ausente Absentiuos (33, 1)


[absens + -iuus, -a, -um]
Abstinax, -acis: abstinente Abstinax (42, 5)
[abstineo + -ax, -acis]
Agino, -are: esforçar-se Aginaui (61, 9)
(agina + -are)
Alicula, -ae (f) *: capa Alicula (40, 5)
[ala + -cula, -ae]
Amasiunculus, -a, um: amante Amasiunculos (45, 8), amasiuncula (75, 6)
[amasio + -culus, -a, -um]
Audaculus, -a, -um *: corajoso Audaculum (63, 5)
[audax + -culus, -a, -um]
Barbatoria, -ae (f): primeira barba Barbatoriam (73, 6)
[barbatus + -ia, -ae]
Basiolum, -i (n) *: beijinho Basiolis (85, 6)
[basium + -olum, -i]
Bonatus, -a, um: (pessoa) de bem Bonatus (74, 16)
[bonus + -atus, -a, -um]
Caligarius, -a, -um *: que usa botina de Caligaria (74, 14)
soldado
[caliga + -arius, -a, -um]
Cantabundus, -a, um: que canta Cantabundus (62, 4)
[canto + -bundus, -a, -um]
Canturio, -ire *: cantar Canturire (64, 2)
[cano + -turio, -ire]
Capsella, -ae (f) *: caixinha Capsellam (67, 9)

249
[capsa + -ella, -ae]
Casula, -ae (f) *: casinha, cabana, túmulo Casulas (44, 15) (46, 2), casula (77, 4),
[casa + -ula, -ae] casulam (111, 5)
Cellatio, -onis (f): adega Cellationem (77, 4)
[cella + -tio, -onis]
Cenatoria, -orum (n) *: traje de gala Cenatoria (21, 5)
[ceno + -toria, -orum]
Coctor, -oris (m) *: cozinheiro Coctores (95, 8)
[coquo + -tor, oris]
Comula, -ae (f) *: cabeleira Comula (58, 5)
[coma + -ula, -ae]
Conditorium, -i (n) *: túmulo Conditorium (111, 2), conditorii (112, 3)
[condo + -torium, -i]
Conditura, -ae (f) *: fabricação Condituram (51, 5)
[condo + -tura, -ae]
Corcillum, -i (n): coração(zinho) Corcillum (75, 8)
[corculum + -ellum, i]
Corporaliter *: por motivos materiais Corporaliter (61, 7)
[corporalis + -ter]
Cruralis, -e *: da perna Cruralibus (40, 5)
[crura + -alis, -e]
Cucumula, -ae (f): caldeirão Cucumulae (136, 2)
[cucuma + -cula, -ae]
Defunctorius, -a, -um *: rápido, ligeiro Defunctoriam (132, 10), defunctorio (136,
[defungor + -torius, -a, -um] 5)
Dignitosus, -a, um: cheio de dignidade Dignitosso (57, 10)
[dignitas + -osus, -a, um]
Diuitatio, -onis (f): enriquecimento Diuitationis (117, 1)
[diues + -tio, -onis]
Eboreus, -a, -um *: de marfim Eboreo (32, 4)
[ebur + -eus, -a, -um]

250
Ferrumen, -inis (n) *: substância para Ferrumine (102, 15)
soldar
[ferrum + -men, -inis]
Fuligineus, -a, -um *: de fuligem Fuliginea (108, 2)
[fuligo + -eus, -a, -um]
Galbinus, -a, -um *: amarelo esverdeado Galbino (67, 4)
[galbus + -inus, -a, -um]
Gaudimonium -i (n) *: satisfação Gaudimonio (61, 3)
[gaudium + -monium, -i]
Gustatio, -onis (f) *: prato de entrada Gustatione (21, 6), gustatio (31, 8)
[gusto + -tio, -onis]
Gustatorium, -i (n) *: prato Gustatoria (34, 1)
[gusto + -torium, -i]
Insularius, -i (m) *: inquilino Insularii (95, 8)
[insula + -arius, -i]
Interpretamentum, -i (n) *: interpretação Interpretamenta (10, 1)
[interpretor + -mentum, -i]
Lacticulosus, -a, um: que ainda cheira a Lacticulosus (57, 8)
leite
[lac + -culu- + -osus, -a, -um]
Lamellula, -ae (f): dinheirinho Lamellulas (57, 6)
[lamella + -ula, -ae]
Lanisticius, -a,-um: profissional Lanisticia (45, 4)
[lanista + -icius, -a, -um]
Leuator, -oris (m) *: o que leva uma Leuatores (140, 15)
vida mansa
[leuo + -tor, -oris]
Lodicula, -ae (f) *: tapete Lodiculam (20, 2)
[lodix + -ula, -ae]
Manuciolum, -i (n): feixe Manuciolum (63, 8)
[manucium + -lum, -i]
Micarius, -i (m): que vive de migalhas Micarius (73, 6)
[mica + -arius, -i]

251
Milua, -ae (f): abutre fêmea Milua (75, 6)
[miluus + -a, -ae]
Minutalia, -ium (n): coisas de menos Minutalia (47, 5)
importância
[minutus + -alia, -ium]
Naufrago, -are *: naufragar Naufragarunt (76, 4)
[naufragum + -are]
Notor, -oris (m): testemunha Notorem (92, 11)
[nosco + -tor, -oris]
Oracularius, -a, -um: profético Oracularios (43, 6)
[oraculum + -arius, -a, um]
Ossuculum, -i (n) *: ossinho Ossucula (65, 11)
[ossum + -culum]
Parricidalis, -e *: de parricida Parricidali (80, 1)
[parricida + -alis, -e]
Pensatio, -onis (f) *: recompensa Pensationem (141, 6)
[penso + -tio, -onis]
Perfunctorie *: ligeiramente Perfunctorie (11, 4)
[perfungor + -torius + -e]
Potiuncula, -ae (f) *: bebidinha Potiunculis (47, 7)
[potio + -cula, -ae]
Promulsidare, -is (n) *: bandeja para Promulsidari (31, 9)
servir aperitivos
[promulsis + -are, is]
Puellarius, -i (m): aquele que gosta de Puellarius (43, 8)
menino(a)
[puella + -arius, -i]
Russeus, -a, -um: avermelhado Russea (37, 1)
[russus + -eus, -a, -um]
Scabitudo, -inis (f): aspereza Scabitudinem (99, 2)
[scabies + -tudo, -dinis]
Sciscitatio, -onis (f): indagação Sciscitatione (24, 5)
[sciscitor + -tio, onis]

252
Scissor, -oris (m) *: trinchador Scissor (36, 6)
[scindo + -sor]
Scordalia, -ae (f): discussão Scordalias (59, 1)
[scordalus + -ia, -ae]
Serratus, -a, -um *: semelhante a uma Serrato (136, 4)
serra
[serra + -tus, -a, -um]
Sestertiarius, -a, -um: mesquinho, Sestertiarius (45, 8), sestertiarios (45, 11)
medíocre
[sestertius + -arius, -a, -um]
Sponsiuncula, -ae (f): acordo Sponsiunculam (58, 8)
[sponsio + -cula, -ae]
Staminatus, -a, um: que possui fios Staminatas (41, 12)
[stamen + -atus, -a, um]
Statunculum, -i (n): estatueta Statuncula (50, 6)
[statua + -culum, -i]
Sterilicula, -ae (f): vulva de leitoa Steriliculam (35, 3)
[sterilis + -cula, -ae]
Sternuto, -are *: espirrar Sternutauit (98, 4), sternutare (102, 10)
[sternuo + -to, -are]
Tabularis, -e *: de madeira Tabulari (75, 7)
[tabula + -aris, -e]
Taurulus, -i (m): pequeno touro Taurulus (39, 6)
[taurus + -ulus, -i]
Tristimomium, -i (n): tristeza Tristimonio (63, 4)
[tristis + -monium, -i]
Venenarius,-i (m) *: envenenador Venenarii (39, 11)
[uenenum + -arius,-i]
Vrceatim: aos baldes Vrceatim (44, 18)
[urceus + -tim]

Capítulos 1 a 26: 06
Capítulos 27 a 78: 55

253
Capítulos 79 a 141: 20
Total de ocorrências: 81

III.1.2- NEOLOGISMOS FORMADOS POR PREFIXAÇÃO

Circummingo, -ere: mijar em volta de Circumminxero (57, 3), circumminxit (62,


[circum- + mingo] 6)
Debattuo, -ere: transar Debattuere (69, 3)
[de- + battuo]
Detumesco, -ere *: ceder espaço Detumescunt (109, 5)
[de- + tumesco, -ere]
Elego, -are *: deixar de herança Elegauit (43, 5)
[ex- + lego, -are]
Indecens, -entis *: feio Indecens (128, 3)
[in- + decens, -entis]
Perbasio, -are: beijar intensamente Perbasiamus (41, 8)
[per- + basio]
Personus, -a, -um *: retumbante Persona (120, 1, 72)
[per- + sonus, -a, -um]
Subauratus, -a, -um *: dourado Subauratum (32, 3)
[sub- + auratus]
Subolfacio, -ere: sentir Subolfacio (45, 10)
[sub- + olfacio]

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Capítulos 79 a 141: 03
Total de ocorrências: 10

254
III.1.3- NEOLOGISMOS FORMADOS POR AGLUTINAÇÃO

Domusio, -onis (f): noção básica Domusio (46, 7)


[Domus + usio, -onis]
Gracilipes, -dis: que tem pés graciosos Gracilipes (55, 6, 6)
[gracilis + pes, -dis]
Malicorium, -i (n): casca de romã Maleicorum (47, 2)
[malum + corium, -i]
Pietaticultrix, -icis (f): exemplo de Pietaticultrix (55, 6, 6)
dedicação materna
[pietas + cultrix, -icis]
Septifluus, -a, um: de sete braços Septifluus (133, 3, 4)
[septem + fluuius]
Vesticontubernium, -i (n): companheiro Vesticontubernium (11, 3)
de cama
[uestis + contubernium, -i]

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Capítulos 79 a 141: 01
Total de ocorrências: 06

III.1.4- NEOLOGISMOS FORMADOS POR MAIS DE UM PROCESSO

Arcisellium, i (n): poltrona Arcisellium (75, 4)


[arcus + sella + -ium, -i]
Bacciballum, -i (n): mulher especial Bacciballum (61, 6)
[bacca + ballo + -um, -i]
Benemorius, -a, um: de bons costumes Benemoria (61, 7)
[bene + mos + -ius, -a, -um]

255
Caldicerebrius, -a, um: que possui cabeça Caldicerebrius (45, 5) (58, 4)
quente
[caldus + cerebrum + -ius, -a, -um]
Decennis, -e *: de dez anos Decenni (89, 2, 8)
[decem + annus + -is, -e]
Depraesentiarum: no mesmo instante Depraesentiarum (58, 3) (74, 17)
[de + praesentia + rerum]
Desomnis, -e: que tira o sono Desomnem (47, 5)
[de + somnus + -is, -e]
Exopinisso, - are: avaliar Exopinissent (62, 14)
[ex + opinor + -issare]
Expudoratus, -a, um: que não tem Expudoratam (39, 5)
vergonha
[ex + pudor + -atus, -a, um]
Fulcipedia, -ae (f): escora-pés Fulcipedia (75, 5)
[fulcio + pes, -dis + ia, -ae]
Furcifera, -ae (f): membro viril Furciferae (132, 8, 8)
[furca + fero + -a, ae]
Gallicinium, -i (n) *: o cantar do galo Gallicinia (62, 3)
[gallus + cano + -ium, -i]
Heredipeta, -ae (m) *: caça-heranças Heredipetarum (124, 2), heredipetae (124,
[heredium + peto + -a, -ae] 4)
Increto, -are *: cobrir com barro branco Increta (102, 14)
[in- + creta + -are]
Indelectatus, -a, -um: descontente Indelectatus (87, 4)
[in- + delectus + -atus, -a, -um]
Larifuga, ae (m): vagabundo Larifuga (57, 3)
[lares + fugio + -a, -ae]
Mascarpio, -onis (m): manuseio do pênis Mascarpionem (134, 5)
[mas + carpo + -io, onis]
Nesapius, -a, um: ignorante Nesapium (50, 5)
[ne + sapio + -ius, -a, um]

256
Percolopo, -are: enfrentar Percolopabant (44, 5)
[per- + colophus + -are]
Plusscius, -a, um: que sabe demais Plussciae (63, 9)
[plus + scio + -us, -a, -um]
Semicinctium, -i (n) *: cinto estreito Semicinctium (94, 8)
[semi + cinctus + -ium]
Serisapia, -ae (f): mal-entendido Serisapia (56, 8)
[serus + sapio + -a, -ae]

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III.1.5- NEOLOGISMOS SEM PROCESSO DE FORMAÇÃO EVIDENTE

Bacalusia, -ae (f): carne macia Bacalusias (41, 2)


Baliscus, -i (m): banho Baliscus (42, 1)
Bucinus, -i (m): tocador de trombeta Bucinus (74, 2)
Burdubasta, -ae (m): mula manca Burdubasta (45, 11)
Cicaro, -onis (m): menino Cicaro (46, 3), cicaronem (71, 11)
Cucuma, -ae (f) *: caldeirão Cucumam (135, 4)
Elegidarion, -i (n): elegia curta Elegidarion (109, 8)
Lupatria, -ae (f): cadela Lupatria (37, 6)
Martiolum, -i (n): martelinho Martiolum (51, 4)
Matus, -a, -um: bêbado Matus (41, 12)
Miscix, icis: volúvel Miscix (45, 6)
Mufrius, -i (m): palhaço Mufrius (58, 13)
Pataracina: ? Pataracina (41, 10)
Secutuleius, -a, -um: que corre atrás, de Secutuleia (81, 5)
rua

257
Seplasium, -i (n): perfume Seplasium (76, 6)
Sterteius, -a, -um: que ronca Sterteia (75, 9)
Tangomenas: brinde Tangomenas (34, 7) (73, 6)
Tonstreinum, -i (n): (arte de) barbeiro Tonstreinum (46, 7), tonstrinum (64, 4)
Vauato, -onis (m): boneco Vauatonem (63, 8)

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Capítulos 79 a 141: 03
Total de ocorrências: 22

III. 2- ANÁLISE DOS DADOS

A listagem acima apresenta 143 palavras que têm seu uso atestado apenas no
Satyricon, ou no Satyricon e em textos posteriores a ele, tendo sido, pois, consideradas
criações neológicas de Petrônio. Desse total, 102 palavras (pouco mais de 70 %) se
encontram nos capítulos da Cena. Nos capítulos iniciais foram identificadas apenas sete
palavras novas (5 %) e nos capítulos finais o número sobe para 35 palavras (cerca de 25
%). Repete-se aqui o mesmo padrão de seleção do léxico verificado no estudo sobre os
helenismos: os episódios iniciais apresentam uma média baixa de neologismos, há um
grande aumento nos capítulos da Cena, para registrar uma queda considerável nos
episódios finais, mas com um número maior do que nos episódios iniciais.
O tipo de formação de neologismos mais utilizado por Petrônio é o que envolve
a sufixação, ou o acréscimo de desinência, seguido pelos neologismos formados por
mais de um processo, que, à exceção de um vocábulo (depraesentiarum), envolve a
sufixação, ou o acréscimo de desinência. Apesar de esses dois processos (sufixação e
acréscimo de desinência) serem semelhantes em termos morfológicos, o que justifica
que sejam agrupados conjuntamente, em termos semânticos existe uma importante
diferença que cumpre ressaltar. Enquanto os sufixos se ligam à raiz do vocábulo,
precisando-lhe a significação (alteram seu valor significativo) e, acessoriamente podem
modificar a categoria a que este pertence, as desinências possuem única e
exclusivamente a função de alterar a categoria do vocábulo a que se ligam. Assim, são

258
utilizadas por Petrônio as desinências -are para formação de verbos (aginare, de agina),
-a para oposição entre masculino e feminino (miluua, de miluus), -is para adjetivos de 2ª
classe (decennis, de decem + annus), dentre outras. A grande maioria dos neologismos
formados por sufixação apresentados na listagem são adjetivos e substantivos derivados
que se utilizam dos principais e mais comuns sufixos que ocorrem em latim (-culus, -ia,
-aceus, -atus, etc).
Também no que se refere aos neologismos formados por prefixação, utilizam-se
prevérbios que figuram na lista de principais elementos de composição (per-, in-, ex-,
sub-, de-).
Os neologismos formados por aglutinação, pouco numerosos, possuem maior
ocorrência em poemas e se caracterizam pela perda mínima de elementos mórficos, o
que permite uma identificação imediata dos vocábulos de que são compostos.
Com base nesses dados, pode-se dizer que os neologismos presentes no
Satyricon respeitam as regras básicas de formação de palavras da língua latina e
configuram-se como vocábulos que ultrapassam o nível do potencial (palavras que são
previstas nas regras da língua e, por isso, possíveis de serem formadas) e chegam ao
nível do real, isto é, sua efetiva utilização por um falante/escritor de latim.
No que se refere aos neologismos em que não se identificou um processo de
formação de palavras, estes podem ser subdivididos em:

a) neologismos que podem ser associados a outras palavras de forma e


sentido semelhantes: bucinus = bucinator; elegidarion = elegidio;
baliscus = balneum/balineum.
b) neologismos derivados de outros vocábulos sem a utilização de
sufixos: seplasium = "perfume", de Seplasia, nome de uma rua na
cidade de Cápua, onde se vendiam perfumes (relação metonímica de
lugar pelo produto); tonstreinum = "arte de barbeiro", de tonstrina =
"barbearia".
c) neologismos que podem ser associados a outras palavras, mas cujos
elementos formadores não estão identificados: burdobasta, de burdo;
cucumam, de coquor; lupatria, de lupa; miscix, de misceo;
pataracina de Patara (nome de uma cidade portuária); secutuleia, de
sequor; sterteia, de stertens.

259
d) neologismos que não podem ser associados a qualquer outra palavra
ou processo de derivação: bacalusias, cicaro/cicaronem, martiolum,
matus, mufrius, tangomenas, uauatonem.

III.3- CONCLUSÃO

Os dados apresentados acima mostram que o uso de neologismos é um recurso


comum na língua latina e que são poucos os casos em que se foge dos padrões
morfológicos pré-estabelecidos nas regras básicas de formação de palavras, o que, em
princípio, tornaria as palavras novas inteligíveis ao ouvinte/leitor.
O fato de o número de palavras novas ser muito mais elevado na Cena confirma
que a plebs romana utilizava este recurso com menos ressalva do que as classes mais
escolarizadas. A atração da linguagem popular por formas "maiores e mais expressivas"
(Palmer, 1954, p. 170; Lüdtke, 1974, p. 57; Costa, 1952, p. 12) seguramente levava à
criação de novas palavras que melhor se encaixassem neste perfil, cuidadosamente
apresentadas por Petrônio: diminutivos, verbos e substantivos compostos, adjetivos
derivados de adjetivos, etc.
Boa parte das palavras novas presentes no Satyricon (47 do total de 141)
conseguiu fixar-se no léxico, tendo sido utilizadas por autores de épocas posteriores.
O uso de neologismos na Cena pode, pois, ser interpretado como uma
característica da linguagem popular, que encontra na formação de palavras um meio de
expressar melhor os pensamentos e idéias de uma língua em constante movimento. Nos
demais episódios, aparece como um recurso esporádico e não se caracteriza como uma
marca de expressividade.

IV- VULGARISMOS

Em geral, existe uma diferenciação, que se pretende nítida, entre o vocabulário


dito popular e o o vocabulário chamado de culto. Autores como Cícero e Quintiliano
situam em polos opostos os termos cultos e os vulgares, ao mostrarem que, enquanto

260
nos primeiros se faz uso de palavras "lecta et illustria - honesta et sublimia", nos
últimos empregam-se palavras "abiecta - humilia - sordida" (Marouzeau, 1935, p. 168).
Costa (1952), ao estudar os elementos populares em Catulo, rejeita este posicionamento
frente aos termos mais populares e afirma: "classificam-se evidentemente como
elementos populares as expressões familiares, isto é, os vulgarismos mais elevados,
vocábulos e construções da língua familiar, portanto nem 'obscaena' nem 'sordida' e que,
entretanto, não são usuais nos grandes prosadores da época clássica" (op.cit. p. 30).
O que se revela nos adjetivos utilizados por Cícero e Quintiliano para se referir
ao vocabulário dito vulgar é o preconceito contra a linguagem popular. Em dois
episódios distintos Petrônio retrata no Satyricon o problema desse preconceito: um na
Cena, na fala de um camponês, e outro nos episódios finais. Na Cena, o personagem
Équion diz:

"Videris mihi, Agamemnon, dicere: 'Quid iste argutat


molestus ?' Quia tu, qui potes loquere, non loquis. Non es
nostrae fasciae, et ideo pauperorum uerba derides. Scimus
te prae litteras fatuum esse". (Sat. 46, 1)

Nesse trecho, Petrônio descreve a irritação de Équion, certamente com a reação


de desprezo do professor Agamênon a sua fala no capítulo anterior, simples e repleta de
desvios morfológicos (loquere, caelus, excellente, stigmam para citar alguns), que
podem ser somados a loquere e loquis no trecho transcrito acima, além de apresentar
muitos helenismos e neologismos. Interessante notar que, quando se poderia empregar
um termo geralmente caracterizado como vulgar, o personagem Équion faz opção pelo
vocábulo considerado culto: magnum animum (45, 5), de magna turba (45, 12).
Em capítulo posterior, Petrônio sai em defesa desta linguagem popular no
seguinte poema de Encólpio:

"Quid me constricta spectatis fronte Catones,


damnatisque nouae simplicitatis opus ?
Sermonis puri non tristis gratia ridet,
quodque facit populus, candida lingua refert".
(Sat. 132, 15)

261
Aqui, o autor se rebela contra o preconceito dos grandes escritores,
metonimicamente chamados de "Catões", em relação não só à língua falada, mas
também às obras de cunho mais popular, como o Satyricon.
Por outro lado, Palmer (1954, p. 168) afirma que, na prática, não existe em latim
um vocabulário genuinamente literário. O autor credita a opção pelo uso de um e não de
outro vocábulo muito mais a uma questão de estilo próprio de cada autor do que a uma
separação entre vocabulário culto e vulgar. A partir desta afirmação, o autor assegura
que "the basic fund of words in the early Empire popular speech hardly diferred from
that of literary latin" (op.cit. p. 169).
A questão, então, que se coloca é: com base em que critério se pode definir que
o vocábulo x é vulgar e o y é culto ? Diante dessa dificuldade de se definir com exatidão
que termos poderiam ser considerados vulgares e não cultos, adota-se a seguinte
restrição para solucionar este problema: selecionar como vulgarismos apenas os
vocábulos presentes no Satyricon comumente listados como vulgares e que
sobreviveram em línguas românicas.

IV.1- LISTAGEM DE VULGARISMOS

Os vulgarismos estão agrupados, em ordem alfabética, em uma única tabela. Na


primeira coluna estão listados os termos vulgares, primeiramente através do verbete
correspondente ao vocábulo, encontrado no dicionário, e, em seguida, sua(s)
ocorrência(s) na forma em é (são) utilizada(s) no texto de Petrônio, com a indicação do
capítulo e sub-divisão do capítulo em que estas se encontram. Na segunda coluna,
listam-se os termos cultos utilizados por Petrônio, considerados sinônimos dos vulgares,
seguindo a mesma descrição presente na primeira coluna. Foram colocados no mesmo
grupo os vocábulos simples e os formados a partir destes (acrescidos de sufixos e/ou
prefixos), igualmente considerados como representativos do mesmo padrão lingüístico.
Estão presentes na listagem abaixo apenas as ocorrências do vocábulo no
Satyricon que possuem o mesmo significado das demais. Foram excluídas, por
exemplo, as formas do tipo osculum no sentido de "boquinha" (126, 16) que, apesar da
forma idêntica, não apresenta o significado que se está contrapondo ao vulgar.

262
VULGAR CULTO
Basio, -are Osculor, -ari
Basiauit (16, 4) (24, 6) (64, 11) (69, 5) Osculati (64, 1), osculata (67, 5), osculari
(135, 2), perbasiamus (41, 8), basiarent (74, 8), exosculatus (91, 9), osculantur
(60, 9), basiet (74, 17), basiaui (75, 4) (86, (126, 10)
7), basiauero (85, 5)
Basium, -i (n) Osculum, -i (n)
Basiis (21, 2) (24, 4), basio (23, 4) (86, 5), Osculum (24, 6) (109, 2) (114, 10) (115, 9)
basia (31, 1), basium (110, 3) (127, 2) (128, 1) (138, 7), oscula (20, 8)
Basiolum, -i (n) (67, 11) (113, 7) (114, 9), osculis (26, 5)
Basiolis (85, 6) (98, 7) (109, 4) (113, 5) (127, 10) (131, 11)
(132, 1), osculo (99, 4) (127, 4)

Bellus, -a, -um -


Bella (5, 1, 19) (25, 2) (58, 12) (58, 13),
bellus (42, 3), bellum (57, 3), belli (68, 2)
(78, 5)
Bellissimus, -a, -um pulcherrimus, -a, um
Bellissima (25, 1), bellissimum (70, 2) pulcherrimum (61, 6), pulcherrimae (88,
1), pulcherrima (111, 7)

Belle -
Belle (46, 2) (64, 2)
Bucca, -ae (f) Os, oris (n)
Buccae (43, 3), buccam (44, 2) (70, 3), Os (67, 2) (91, 4) (95, 4), ore (82, 5, 4)
bucca (64, 12 - bis) (98, 1), ora (89, 1, 45), oris (105, 10)
Caballus, -i (m) Equus, -i (m)
Caballi (117, 12); caballus (134, 2) Equum (24, 4) (52, 2) (89, 1, 6), equo (64,
12)
Comedo, comedere/comesse Edo, edere/esse
Comedi (43, 3) (44, 15) (66, 5), comest Edi (66, 3), edere (118, 3) (141, 9)
(66, 6), comesse (66, 6) (141, 7)

263
Grandis, -e Magnus, -a, -um
Grandis (2, 6) (4, 3), grandia (5,1, 20), Magna (2, 7) (14, 5) (45, 12) (76, 6) (92,
grande (29, 8) (86, 6) (92, 9) (108, 10), 10) (101, 9) (115, 13) (127, 7), magnae (2,
grandi (31, 1) (60, 3) (106, 4), grandem 9) (120, 1, 68), magnis (5, 1, 2) (115, 14),
(32, 3) (64, 13) magnum (20, 1) (30, 7) (35, 1) (45, 5) (47,
4) (83, 7) (91, 2) (136, 13) (137, 1),
magnus (50, 5) (75, 10) (123, 1, 233),
magnam (65, 10) (76, 6) (117, 8) (123, 1,
203), magni (82, 5, 3), magno (83, 10, 1)
(125, 1) (129, 6), magnarum (115, 10),
magnas (117, 2)
? (forma não dicionarizada) Pluo, plui
Plouebat (44, 18) -

IV. 2- ANÁLISE DOS DADOS

A listagem acima apresenta um pequeno número de palavras, a maioria delas


utilizada mais de uma vez, que foram consideradas vulgares, isto é, palavras de uso
popular consagrado, e que se mantiveram em línguas românicas.
Fazendo-se uma análise comparativa do quadro acima e buscando-se identificar,
apenas a partir dos dados referentes ao Satyricon, qual das formas tinha o uso mais
difundido no século I d.C., se a vulgar, ou a culta, observa-se que:

a) quando se trata dos verbos que significam "beijar", Petrônio utiliza com mais
frequência a forma vulgar basiare. A forma culta osculari é utilizada apenas uma
vez em forma finita e quatro vezes em forma infinita. Mas, para o substantivo
"beijo", a forma preferida é a culta osculum. A razão para essa diferença pode ser
encontrada no fato de a forma culta pertencer à conjugação do tipo depoente, o que
poderia estar direcionando a opção pelo vocábulo da conjugação regular. Outro fator
importante para justificar essa diferença é a utilização de locuções verbais que se
referem à ação de "beijar", que são mais freqüentes com o vocábulo culto (oscula
dedit - 20, 8; in osculum adplicuit - 24, 6; osculis uerberabat - 26, 5; osculum

264
capere - 138, 7). Não é possível definir uma ordem de aparecimento da forma vulgar
por capítulo, ou por episódio, uma vez que o autor alterna o uso da forma vulgar e
da culta.
b) o adjetivo vulgar bellus, -a, -um é o único utilizado por Petrônio no grau normal e na
forma adverbializada. A forma culta só aparece no superlativo, ao lado do
superlativo a partir da forma vulgar, o que aponta para uma suplantação quase total
da forma culta pela vulgar e a perda do sentido irônico que esta em geral assume nos
clássicos (Costa, 1952, p. 33).
c) o vocábulo vulgar bucca é utilizado somente em três episódios da Cena e possui
uma característica bastante peculiar: aparece, em todos os três contextos, em sentido
conotativo, usado de forma metonímica, ou metafórica (durae buccae, 43, 3 =
fofoqueiro; buccam panis, 44, 2 = pedaço de pão (suficiente para encher a boca);
bucca, bucca, 64, 12 = "boca-livre" - vocativo direcionado a Trimalquião, i.e. você
que oferece jantares e enche a boca dos convivas. Para se referir ao sentido básico
de "boca", o autor usa sempre o termo culto os, mesmo na Cena: "aquam in os suum
non coniciet" (67, 2). A partir dessa observação, pode-se dizer que o vocábulo
vulgar não se encontra incorporado à linguagem popular apresentada por Petrônio.
d) o uso da forma vulgar caballus se restringe a duas ocorrências nos episódios finais
do Satyricon, ambas em referência a animal de carga. Já a forma culta equus
aparece nos episódios iniciais, duas vezes na Cena e em um poema de Eumolpo nos
episódios finais, em referência a animal de montaria e ao cavalo de Tróia. Apesar do
pequeno número de ocorrências, esses dados mostram a manutenção da
diferenciação semântica existente entre o termo culto e o vulgar.
e) há uma preferência pela forma composta comedere/comesse, apesar de a forma
simples ser utilizada nos mesmos contextos que a composta, pelo mesmo
personagem, numa mesma seqüência de fala (non minimum edi - 66, 3 e plus libram
comedi - 66, 5; finge ... comesse - 141, 7 e Saguntini ... edere carnes - 141, 9). Esse
fato retrata um período de grande oscilação entre as formas culta e vulgar e já
mostra a tendência para fixação desta em detrimento daquela.
f) entre as palavras grandis e magnus, o autor dá preferência ao termo culto magnus. O
número de ocorrências deste é bastante superior ao daquele (34 e 12,
respectivamente). Dentre as ocorrências de grandis, existe um equilíbrio do uso ao
longo dos capítulos do Satyricon, com um ligeiro aumento nos capítulos da Cena (5
ocorrências na Cena, contra 3 nos episódios iniciais e 4 nos episódios finais). Esse

265
resultado aponta para uma fase inicial do período de oscilação entre as formas culta
e vulgar, com a manutenção da diferença semântica existente entre elas mesmo na
linguagem popular.
g) não é possível estabelecer um padrão de utilização da forma plouebat em
comparação com a forma culta pluebat, uma vez que, além de Petrônio não utilizar a
forma culta, a forma vulgar, que deu origem aos verbos de mesmo significado nas
línguas românicas, não é atestada em nenhum outro texto.

IV. 3- CONCLUSÃO

Os dados acima mostram vários níveis de oscilação de uso entre as formas culta
e vulgar analisadas. As palavras que apresentam o padrão de oscilação mais incipiente
são bucca X os, caballus X equus, grandis X magnus, que são utilizadas em contextos
diferentes, o que aponta para diferenciação semântica entre um e outro vocábulo. Um
outro grupo de palavras selecionadas para estudo apresenta uma oscilação maior, não
condicionada por fatores semânticos, com o uso mais difundido ora da forma culta, ora
da vulgar. Fazem parte desse grupo as palavras basium X osculum, comedere/comesse X
edere/esse, basiare X osculari. Somente as palavras bellus X pulcher apresentam um
alto nível de oscilação, em favor da forma vulgar.
O fato de que, à exceção de plouebat, todas as palavras vulgares são utilizadas
por Petrônio ao lado das palavras consideradas cultas mostra que não há uma
exclusividade de uso da forma popular. O que existe é uma preferência ora por um, ora
por outro vocábulo, às vezes condicionada pelo contexto, às vezes utilizada como um
recurso estilístico pelo autor, que pode retratar uma tendência de uso, mas não um
padrão. Essa observação confirma o posicionamento de Palmer, descrito acima, de que
não existe uma polarização, uma barreira rígida, em termos de vocabulário, entre língua
vulgar e língua culta. O máximo que se pode estabelecer é uma tênue linha, que separa
os vocábulos de uso popular consagrado (que foram aqui identificados por sua
manutenção nas línguas românicas) dos vocábulos preferidos pelos eruditos, apesar de
nada impedir que esta linha seja ultrapassada, como ocorre no Satyricon. Não existe,
pois, na obra de Petrônio, um padrão pré-estabelecido de opção pelo vocabulário vulgar,
em detrimento do culto, uma vez que ambos aparecem ao longo de todo o texto e se
alternam assistematicamente.

266
Sob esse ponto de vista, o vocabulário empregado por Petrônio não se diferencia
do empregado por autores clássicos e não se caracteriza como vulgar pelo uso ou não
desta ou daquela palavra. Todas as palavras que compõem a listagem são utilizadas
tanto por Petrônio, quando por autores clássicos, à exceção de plouebat.

V- ARCAÍSMOS

O uso de arcaísmos é, em geral, associado a uma linguagem mais apurada e é


bem aceito pelos autores clássicos, que vêem um certo encanto nas palavras "prisca ac
uetustate ab usu cotidiani sermonis iam diu intermissa", uma vez que estas podem
funcionar como um "enfeite" do estilo do autor (Cíc., apud Marouzeau, 1935, p. 165).
Leumann, Hofmann & Szantyr (1964, p. 768) definem o arcaísmo, ao lado do
neologismo, como "Ausdruck einer individuellen künstlerischen Hochkultur, die sich
vom Alltäglichen abwendet"60.
Coutinho (1974, p. 211), após citar a Arte Poética, de Horácio, propõe, ao lado
do arcaísmo erudito citado acima, que a "ressureição" de vocábulos arcaicos se opera
também de uma outra maneira: "por meio do povo, que freqüentemente conserva na
memória vozes ou torneios, banidos da linguagem acadêmica". Através desta
"ressurreição", pode ocorrer a reincorporação do arcaísmo ao vocabulário, o que explica
a reutilização no vocabulário popular de palavras consideradas arcaicas num período de
tempo precedente.
No Satyricon, são raros os casos de arcaísmos vocabulares, que em geral se
encontram concentrados nos capítulos da Cena, o que sugere que os arcaísmos presentes
no Satyricon sejam do tipo popular, e não erudito. Mais freqüentes do que os
vocabulares são os arcaísmos morfológicos, que serão estudados em capítulo posterior.
Dentre os arcaísmos presentes no Satyricon, destacam-se:

a) Lotus, -a, -um = lautus, -a, -um (particípio passado do verbo lauo), usado no
sentido próprio de "lavado" (vestimenta mea ... iam semel lota - 30, 11). Segundo
Faria, é usado neste sentido próprio apenas no período arcaico. Lewis & Short
caracterizam seu uso nesta acepção como muito raro e citam exemplos de sua

267
ocorrência apenas em Plauto. Passa a assumir o sentido figurado de "rico, suntuoso",
que é freqüente em textos clássicos e também usado por Petrônio (gustatio ualde
lauta - 31, 8; lautum nouendialem - 65, 10).
b) Fruniscor, frunitus, usado em substituição a fruor, fructus (fruniscar - 44, 16;
fruniscaris - 75, 3). Lewis & Short consideram o primeiro como uma forma alargada
do segundo e atestam seu uso nos períodos arcaico e pós-clássico.
c) Introuersus, forma arcaica correspondente ao clássico introrsus (introuersus se
proiecit in lectum - 63, 7).

VI- CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DA COMPOSIÇÃO


DO LÉXICO DO SATYRICON

Na análise do léxico do Satyricon, destacam-se dois dos quatro grupos


estudados: os helenismos e os neologismos.
De um lado, os helenismos, 491, se considerados os propriamente ditos e os
acrescidos de sufixos, prefixos e/ou desinências latinas, representam a força dos fatores
extra-lingüísticos de base político-cultural sobre a seleção do vocabulário. De outro, os
neologismos, 142 no total (considerando também a palavra sessorium - único
neologismo no Satyricon formado pela utilização de uma palavra antiga em acepção
nova), em sua grande maioria formados de acordo com as regras morfológicas vigentes
em latim, comprovam o uso do sistema lingüístico pelas camadas populares para suprir
sua necessidade de se expressar por meio de formas novas de significado mais forte.
Ao contrário do que se poderia julgar, o estudo sobre vulgarismos no Satyricon
mostrou que os vocábulos mais populares, que se mantiveram em línguas românicas,
possuem pouco destaque na obra de Petrônio, mesmo nos episódios da Cena. A partir
dessa análise, considera-se que a generalização do uso das formas preferidas pela
linguagem popular, à exceção dos adjetivos pulcher X bellus no grau normal, foi
posterior ao Satyricon. A não-inclusão dos vocábulos estudados na fala dos
personagens de classes mais baixas de forma sistemática, como é feito com helenismos

60
"Expressão de uma elevada cultura artístico-individual, que se afasta do trivial" (tradução minha).

268
e neologismos, simboliza sua não-popularização, pelo menos nos grupos lingüísticos
apresentados por Petrônio.
Os arcaísmos, em função do pequeno número de ocorrências presentes,
apresentaram um quadro indefinido, incapaz de fornecer informações mais conclusivas
para este estudo.

269
CONCLUSÃO

Apesar da falta de consenso em relação à representatividade dos traços de


linguagem oral identificados em documentos literários para o estudo da língua falada no
período da língua latina correspondente ao texto considerado, o que muitas vezes
relativiza as conclusões acerca do latim vulgar a que se chega a partir deste tipo de
fonte, o pequeno número de informações presentes em fontes mais seguras (as fontes
gramaticais e as epigráficas) levam os estudiosos a considerar diversas obras literárias
como imprescindíveis para o conhecimento do latim vulgar, dentre as quais se destaca o
Satyricon, de Petrônio, principalmente à seção denominada Cena Trimalchionis
(capítulos 27 a 78), onde o autor reproduz o tom coloquial e despreocupado da fala
cotidiana de escravos e libertos.
No entanto, há divergências quanto à representatividade dos elementos de
linguagem oral presentes no Satyricon enquanto característicos do latim vulgar e alguns
autores vêem os desvios em relação ao latim clássico presentes no texto como
elementos isolados, que não seriam o registro da linguagem informal empregada pela
plebs romana, mas uma apenas uma sátira de Petrônio ao latim fragmentado de alguns
falantes estrangeiros (especificamente, gregos), que se fixaram na região sul da Itália,
onde provavelmente se passa a narração.
Esses diferentes pontos de vista em relação à linguagem de Petrônio, porém,
alegam igualmente que os traços característicos da língua falada se encontram apenas
nos capítulos da Cena Trimalchionis, descontextualizando esse grupo de episódios do
sistema lingüístico em uso na obra como um todo.
A divisão tão bem delimitada de que os elementos de linguagem oral do
Satyricon se encontram precisamente nos capítulos da Cena Trimalchionis e de que
Petrônio utiliza a linguagem padrão exclusivamente nos demais capítulos se mostra
demasiadamente simplista e extremamente geral, para ser aplicada ao Satyricon. Os
estudos que propõem esta generalização se baseiam numa utilização seletiva de traços
mais evidentes de linguagem oral, que pré-direciona a análise aos dados da Cena
Trimalchionis. Outro problema que se identifica na simplificação proposta, além da

270
exclusão dos demais grupos de episódios do Satyricon, é o fato de que não se
estabelece, nesses estudos, uma associação entre os elementos de linguagem oral
empregados ao longo do Satyricon e os diferentes níveis de análise da gramática
(fonética/fonologia, morfologia, sintaxe e léxico), sem o que não se pode estabelecer
com precisão o alcance das conclusões a que se chega a partir dos dados do Satyricon,
enquanto expressão de um sistema lingüístico em uso.
Com o objetivo de excluir os problemas decorrentes da seleção atomística de
dados do Satyricon, estabeleceu-se como meta principal deste trabalho fazer um
levantamento detalhado e sistemático dos elementos de linguagem oral presentes na
obra Satyricon, não somente na Cena Trimalchionis, com vistas a definir com precisão
como e onde se emprega o latim vulgar na obra de Petrônio e, a partir daí, delinear
alguns princípios da gramática do latim vulgar do séc. I d. C.
A identificação do sistema lingüístico oral em uso e a caracterização de seu
funcionamento foi feita através do levantamento sistemático dos dados relativos aos
processos lingüísticos selecionados para estudo, que envolveram todas as partes da
gramática, seguindo-se a divisão tradicional, proposta pela gramática descritiva, em
fonética/fonologia, morfologia, sintaxe e léxico.
O método utilizado para composição do corpus vulgar a partir do Satyricon,
através da utilização de estudos já realizados acerca do latim vulgar e do contraste entre
uma determinada ocorrência no Satyricon e a forma diferenciada da mesma prevista em
gramáticas do latim clássico mostrou-se bastante eficaz, uma vez que que foram
apresentadas todas as ocorrências de processos comumente arrolados na bibliografia
consultada através de um exemplo isolado, além de se apresentarem novos elementos
acerca do latim vulgar.
O levantamento sistemático dos elementos de linguagem oral ao longo de todo o
Satyricon em diferentes níveis de análise resultou no mapeamento dos elementos de
linguagem oral constantes na obra Satyricon, que teve diferentes resultados, segundo o
nível de análise e o grupo de episódios levados em consideração. Através do presente
estudo, foi possível demonstrar que:

a) as alterações fonético-fonológicas tidas como marcadamente


características do latim vulgar não estão expressas no Satyricon.
Foram identificadas apenas algumas ocorrências isoladas de formas
populares, mormente no sistema vocálico e com mais freqüência nos

271
capítulos da Cena Trimalchionis, que podem ser associadas a um
emprego intencional de Petrônio;
b) as alterações morfológicas apresentam padrões diferenciados para a
morfologia nominal e para a morfologia verbal ao longo dos três
grupos de episódios do Satyricon. Enquanto as alterações na
morfologia verbal se estendem a todos os grupos de episódios, as
alterações na morfologia nominal se concentram nos episódios da
Cena Trimalchionis;
c) a linguagem empregada por Petrônio apresentou grande instabilidade
em relação à instituição dos padrões sintáticos de fixação da ordem de
palavras e de emprego de pronomes, sem que se pudesse associar esta
instabilidade aos diferentes registros da língua apresentados na obra
através dos três grupos de episódios. Identificou-se um período da
língua latina que já sinaliza para uma marcação de base sintática, sem
perda evidente da marcação de base morfológica;
d) o léxico do Satyricon apresentou uma caracterização popular através
do emprego de helenismos e neologismos, cujo número de ocorrências
aumenta consideravelmente nos capítulos da Cena Trimalchionis. O
mesmo padrão não foi identificado para os vulgarismos e arcaísmos
selecionados para análise, que possuem um emprego uniforme ao
longo dos três grupos de episódios.

A partir do agrupamento por tipo de processo lingüístico e da análise desses


processos nos três grupos de episódios, e não apenas na Cena Trimalchionis, foram
alcançadas três importantes metas do presente estudo:

1) determinar quais os níveis de análise que se podem valer da


obra Satyricon como fonte para o estudo de elementos de
linguagem oral;
2) demonstrar que os elementos de linguagem oral não se
restringem a apenas os episódios da Cena Trimalchionis;
3) comprovar que, para alguns níveis de análise, o Satyricon
apresenta uma caracterização de linguagem popular mesmo
fora dos episódios da Cena Trimalchionis, enquanto que para

272
outros níveis de análise a caracterização popular realmente se
concentra na fala dos convivas de baixo nível de instrução.

A partir da análise sistemática dos traços característicos do latim vulgar ao longo


da obra Satyricon, em contraposição ao emprego de formas e estruturas identificadas
como pertencentes à linguagem culta, segmentada em diferentes níveis de análise, pode-
se concluir que a utilização de obras literárias constitui-se em meio efetivo de
caracterização e conhecimento do sistema gramatical oral vigente em determinada
época, relativo a determinado(s) grupos(s) social(ais), desde que se faça uma análise
sistemática desses elementos, que elve em consideração todo o contexto da obra, e não
apenas dados isolados.

273
SATYRICON, de PETRÔNIO

Tradução de Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet

1
I Por acaso seria em razão de uma espécie diferente de loucura que se inquietam
os retóricos que gritam: “Estas feridas eu as recebi em favor da liberdade pública; este
olho eu dediquei a vocês; dêem-me um guia, que me conduza até meus filhos, pois as
2
pernas cambaleantes não sustentam meus membros” ? Estas mesmas expressões
seriam suportáveis, se mostrassem a direção aos que se encaminham rumo à eloqüência.
Na situação atual, de tal forma estes vão avançando, não só com seu estilo empolado de
tratar os assuntos, mas também com o ruído completamente inútil de suas frases, que,
embora se encontrem no fórum, julgam que foram trazidos para uma outra região do
3
universo. E, por essa razão, considero que os adolescentes se tornam inteiramente
estúpidos nas escolas, porque aí eles não ouvem ou vêem nada daquilo de que temos
necessidade, mas, sim, acerca de piratas que se encontram aportados no litoral, de
tiranos que escrevem os editos, nos quais ordenam aos filhos que cortem as cabeças de
seus pais, de respostas dadas contra a peste, segundo as quais três virgens ou mais
devem ser imoladas, ou ainda acerca do açucarado rodeio de palavras, e de tudo que se
diz e que se faz como que salpicado com papoula e sésamo.

1
II Quem se nutre dessas coisas não é capaz de ter um gosto melhor do que o que
2
pode adquirir quem vive na cozinha. Permita-se que se diga, com sua licença, que
vocês foram os primeiros de todos a destruir a eloqüência, pois, ao suscitarem várias
zombarias com seus sons fracos e fúteis, vocês fizeram com que a substância do
discurso se enfraquecesse e sucumbisse. 3 Os jovens ainda não estavam confinados em
discursos banais, quando Sófocles ou Eurípides descobriram palavras com as quais
4
devessem falar. Um mestre medíocre ainda não tinha destruído os talentos, quando
5
Píndaro e os nove líricos deixaram de recitar em versos homéricos. E para não citar
apenas poetas como prova, eu percebo claramente que nem Platão, nem Demóstenes se

274
aproximaram deste tipo de exercício. 6 Um grande, e por assim dizer, virtuoso discurso
não é nem maculoso, nem túrgido, mas eleva-se em beleza natural. 7 Recentemente essa
leviana e enorme prolixidade mudou-se da Ásia para Atenas e espalhou mentes de
jovens que se elevavam em busca de grandes realizações, como se fosse uma
constelação infectada, e, corrompida de uma vez por todas a regra, a eloqüência
8
estagnou e emudeceu-se. Em resumo, quem, depois disso, chegou até a fama de
Tucídides, ou de Hiperides? E nem ao menos um poema de bom-gosto reluziu, mas tudo
9
que foi alimentado como que com a mesma seiva não conseguiu chegar à velhice. A
pintura também não produziu outro resultado, depois que a audácia dos egípcios
descobriu o caminho mais curto para a grande arte’.

1
III Agamênon não permitiu que eu declamasse no pórtico por mais tempo do que
ele próprio havia suado na escola, mas disse: ‘Jovem, porque você tem um discurso que
não é do gosto popular e, o que é raríssimo, você aprecia o bom-senso, não irei privá-lo
de nossa arte secreta. 2 Os mestres, sem dúvida, não cometem nenhum erro na utilização
desses exercícios, eles que têm necessidade de acompanhar a insanidade de seus alunos
dementes. Assim, a não ser que digam aquilo que os jovens aprovem, como diz
Cícero, "serão abandonados sozinhos nas escolas”.  3
Da mesma forma que os
aduladores fictícios, quando procuram obter jantares dos ricos, não pensam em outra
coisa senão naquilo que julgam ser inteiramente agradável aos ouvintes – pois, na
verdade, de outra maneira não obterão o que buscam, a não ser que preparem algumas
4
armadilhas aos ouvidos - , também o mestre da eloqüência permanecerá em seu
rochedo sem esperança de presa, a não ser que, tal como um pescador, coloque nos
anzóis somente a isca que ele sabe que atrairá os peixinhos.

1
IV Portanto, o que há mais para dizer ? Os pais que não querem que seus filhos
2
progridam por meio de um preceito severo merecem ser repreendidos. Em primeiro
lugar, assim como o fazem com todas as coisas, dão esperanças à ambição. Em seguida,
quando se apressam para realizar seus desejos, forçam a dirigir-se ao fórum os estudos
até então imaturos e revestem de eloqüência, coisa que reconhecem ser a melhor que
existe, os meninos que mal nasceram. 3 Porque, se eles permitissem que houvesse uma
graduação dos estudos, de tal modo que pudessem formar os pensamentos de seus
alunos com lições de filosofia, que pudessem arrancar palavras com este instrumento
implacável, que pudessem ouvir durante muito tempo os modelos que quisessem copiar,

275
que pudessem convencer-se de que não há nada de extraordinário naquilo que agrada
4
aos meninos, aí sim aquele grande discurso mostraria a importância de seu esplendor.
Agora os meninos brincam na escola, os jovens riem no fórum, e o que é mais torpe do
que estas duas coisas é que ninguém quer revelar na velhice o que aprendeu por engano
6
quando criança. Mas, para que você não fique pensando que eu reprovo versos
improvisados à moda da simplicidade luciliana, também eu próprio reproduzirei o que
sinto em um poema:

1
V Se alguém procura obter os efeitos da verdadeira arte
e se dedica a coisas nobres, que antes prefira lapidar
os costumes da frugalidade a lapidar um preceito fixo.
E não se curve diante da cruel corte real de aspecto soberbo
ou, enquanto cliente, ambicione os banquetes dos orgulhosos,
nem, enquanto escravo de pervertidos, aniquile com vinho a impetuosidade
de sua mente; nem vá ao teatro como um espectador profissional,
com seus aplausos vendidos a um ator.
Mas se a cidadela de Minerva armada lhe sorri,
ou a terra habitada por Lecedemônio e a casa das sereias,
que dedique os primeiros anos a seus versos
e beba da fonte de Homero com o peito aberto.
Em pouco tempo, saciado da grei socrática, que ele, livre, solte suas rédeas
e branda as armas do poderoso Demóstenes.
A partir daí, que possa fluir a mão romana e, libertada do modelo grego,
altere seu estilo, regada de bom-gosto.
Que, algumas vezes, desarraigados do fórum, seus escritos possam avançar pelas páginas,
e que celebrem a fortuna, que impressiona por seu curso ligeiro.
Que contemplem festins e guerras famosas por seu canto cruel
e ameacem as grandiosas palavras do invencível Cícero.
Quanto a você, arme seu espírito com os bons: assim, saciado neste abundante rio,
fará com que fluam palavras de seu peito consagrado às Musas’.

1
VI Enquanto estava ouvindo Agamênon muito atentamente, não notei que Ascilto
fugira de mim... E no momento em que me dirigia aos jardins em meio a esta agitação
de palavras, uma enorme e confusa multidão de retóricos chegou ao pórtico, como
parecia, para ouvir um discurso improvisado não sei de quem, que respondera à suasória
de Agamênon. 2 Então, enquanto os jovens ridicularizavam as opiniões e censuravam a
disposição de toda a fala, oportunamente me retirei e comecei a procurar Ascilto às

276
3
pressas. Mas nem eu me lembrava com certeza do caminho, nem sabia em que lugar
4
era a hospedaria. Assim, para onde quer que eu fosse, voltava sempre para o mesmo
lugar, até que, não só cansado por causa da caminhada, mas também molhado de suor,
me aproximei de uma velhinha, que vendia legumes, e disse:

1
VII ‘Por favor, mamãe, será que a senhora saberia onde eu moro ?’ Ela se divertiu
com esse gracejo tão bobo e disse: ‘Por que eu não deveria saber ?’ E pôs-se de pé e
começou a andar a minha frente. 2 Eu estava pensando que ela fosse uma feiticeira e ...

assim que chegamos a um lugar bastante retirado, a gentil senhora lançou sua manta de
3
retalhos para trás e disse: “É aqui que você deve morar”. Enquanto eu negava
reconhecer aquela casa, vi, em meio a letreiros, meretrizes nuas e algumas pessoas que
4
passeavam furtivamente. Tarde, ou melhor, tarde demais, percebi que tinha sido
levado a um bordel. Então, amaldiçoando a armadilha da velhinha, escondi minha
cabeça e resolvi fugir pelo meio do lupanar para outro lugar, quando eis que vem a meu
encontro justamente um fatigado e quase morto Ascilto: você deve estar imaginando
5
que ele tinha sido levado pela mesma velhinha. Então, zombando dele, eu o
cumprimentei e perguntei o que ele fazia num lugar tão degradante.

1
VIII Ele enxugou o suor com as mãos e disse: ‘Se você soubesse as coisas que me
2
aconteceram’. ‘Qual a novidade ?’ perguntei. Mas ele, desfalecendo, disse: ‘Quando
eu estava andando sem rumo por toda a cidade e não conseguia descobrir em que lugar
ficava a hospedaria, aproximou-se de mim um senhor distinto e se ofereceu muito
gentilmente a me conduzir pelas ruas. 3 Em seguida, por ruazinhas sinuosas, afastando-
se da cidade, trouxe-me para este lugar, e, depois de mostrar o dinheiro, me fez uma
proposta indecente. 4
Uma prostituta imediatamente se apoderou da moeda em
pagamento pelo quartinho e ele, sem demora, lançou a mão em mim e , se eu não tivesse
sido mais forte do que ele, teria ficado em maus lençóis’.
*
até esse ponto, em todos os lugares, parecia-me que todos tinham bebido
segurelha.
*
reunidas as forças, fugimos daquele lugar desagradável.

277
1
IX [Encólpio] Como se fosse através do nevoeiro, vi Gitão parado no passeio da
viela e precipitei-me em sua direção.
2
Quando perguntei a meu companheiro o que ele tinha preparado de jantar para
nós, o rapaz desmoronou-se sobre a cama e enxugou com o polegar as lágrimas que
escorriam. 3 Eu, perturbado pelo estado de meu companheiro, procurei saber o que tinha
acontecido. E então ele, mesmo não querendo, depois que misturei indignação a
súplicas, disse enfim : ‘Esse seu companheiro, ou amigo, sei lá, ainda há pouco surgiu
de repente aqui no quarto e quis violentar-me.  5 Como eu reclamei, ele empunhou a
espada e disse: “Se você é Lucrécia, então encontrou um Tarquínio” '.
6 Depois de ouvir essas coisas, eu estendi a mão em direção aos olhos de
Ascilto e disse: ‘O que você me diz, sua bicha prostituta, de quem nem o hálito é puro ?’
7
Ascilto, fingindo estar indignado, imediatamente ergueu suas mãos com mais força
8
ainda e gritou muito mais alto do que eu: ‘Você ainda tem coragem de dizer alguma
coisa, seu gladiador indecente, a quem a arena salvou da ruína ? 9 Você não vai calar a
boca, seu assassino noturno, que nem sequer quando gozava de todo o vigor chegou aos
pés de uma mulher pura, você, de quem fui companheiro no parque nesta mesma
situação, em que agora está esse garoto na hospedaria ?’ Então, eu disse: ‘Você escapou
sorrateiramente do discurso do mestre’.

1
X O que eu deveria fazer, seu imbecil, quando morria de fome ? Deveria ouvir
2
aquelas frases, quer dizer, aqueles vidros quebrados e interpretações de sonhos ? Por
Hércules, muito mais sem-vergonha do que eu é você, que, para jantar fora, ficou
3
elogiando aquele poeta’. Então, por causa dessa vergonhosa discussão, caímos na
gargalhada e muito tranqüilamente saímos para procurar o que fazer.
*
4
Lembrando-me sem parar do ataque a Gitão, eu disse: ‘Ascilto, percebo que
não é possível haver acordo entre nós. Assim, vamos repartir as bagagens que temos em
comum e tentar dissipar nossa miséria com lamentações próprias. Você conhece as
letras tanto quanto eu. Para que eu não prejudique suas atividades profissionais,
prometerei trabalhar em alguma coisa diferente; por outro lado, mil motivos irão
colocar-nos frente a frente diariamente e nos difamarão com boatos por toda a cidade’. 6
Ascilto não recusou minha proposta e disse: ‘Hoje, já que nós conseguimos um jantar,
representando o papel de retóricos, não percamos a noite. Amanhã, contudo, porque

278
você assim o quer, verei para mim um outro quarto e um outro companheiro’.  7

Então eu disse: ‘É perda de tempo deixar para depois o que é conveniente para nós
dois’.
*
Meu desejo por sexo tornava essa separação mais do que urgente, pois já há
muito tempo eu estava com vontade de afastar aquele guardião desagradável, para que
eu pudesse restabelecer minha antiga relação com meu Gitão.

1
XI Depois que percorri a cidade inteira com os olhos, voltei a meu quarto e, tendo
finalmente arrancado beijos de verdade, agarrei meu garoto com abraços apertados e
2
gozei de desejos amorosos de causar inveja. E ainda não tínhamos acabado, quando
Ascilto se aproximou furtivamente da porta e, depois de arrebentar a fechadura com
tamanha força, encontrou-me transando com meu companheiro. Encheu, então, o quarto
3
de risadas e aplausos, separou-me de meu queridinho e disse: ‘O que você estava
fazendo, venerabilíssimo colega ? O quê ? Você estava transando por baixo das
cobertas ?’ 4 E ele não se deteve apenas em palavras, mas desprendeu a correia da bolsa
e me chicoteou sem piedade, além de acrescentar estas palavras petulantes: ‘É isso
mesmo: não queira dividir-me com outro daqui para diante’.

1
XII Chegamos no final do dia ao fórum, onde notamos um grande número de
mercadorias expostas à venda, nada de valioso, mas apenas coisas cuja má-qualidade a
noite poderia facilmente ocultar. 2 Então, como nós mesmos tínhamos trazido um manto
roubado, rapidamente resolvemos aproveitar a ocasião bastante oportuna e começamos
a agitar as extremidades da roupa num canto qualquer, para ver se seu brilho poderia
3
levar alguém a comprá-lo. E não demorando muito tempo, um homem tipicamente
camponês, familiar a meus olhos, aproximou-se em companhia de uma mulher e
começou a examinar muito cuidadosamente o manto. 4 Nesse momento, Ascilto lançou
5
um olhar atento sobre os ombros do propenso freguês e, assustado, calou-se. Eu
mesmo não observei aquele homem sem algum susto, pois a mim ele parecia ser quem
tinha encontrado nossa túnica naquela região deserta. 6 Com certeza era ele mesmo. Mas
como Ascilto ainda não estava certo disso, para que não restasse nenhuma dúvida, ele,
tal qual alguém interessado em comprar, aproximou-se mais, puxou para baixo a ponta
da manta que cobria o ombro do camponês e a apalpou cuidadosamente.

279
1
XIII Mas que admirável golpe de sorte ! De fato, o camponês não só ainda não tinha
passado suas mãos curiosas na costura da túnica, como também até mesmo a tentava
vender com desprezo, como se ela fizesse parte dos pertences de um mendigo. 2 Ascilto,
depois de perceber que o dinheiro nela guardado estava intacto e que a figura do
vendedor era de desprezo, afastou-me um pouquinho daquele tumulto e disse: 'Você
sabe, companheiro, que o tesouro pelo qual eu me lamentava voltou para nós ? 3 Aquela
é a túnica cheia, pelo menos é o que parece, de nossas moedas de ouro ainda intactas. E
agora, o que fazemos, ou melhor, com que direito a reivindicamos como nossa ?'
4
Eu, louco de alegria não apenas porque estava vendo o objeto de nosso roubo,
mas também porque a sorte me tinha livrado daquele péssimo sentimento de perda,
achei melhor não ficar dando voltas, mas evidentemente procurei lutar por meu direito
de cidadão, porque, caso ele não quisesse devolver ao dono a mercadoria alheia, iríamos
ter de resolver isso no tribunal.

1
XIV Contrariamente, Ascilto temia as leis e disse: 'Quem nos conhece neste lugar ?
Quem dará crédito às coisas que dissermos ? Acho melhor comprar o que reconhecemos
como nosso, ainda que já seja nosso, e, com pouco dinheiro, recuperar o tesouro, do que
entrar numa contestação em juízo incerta:

2
O que as leis podem fazer, onde a riqueza impera sozinha,
ou onde a pobreza não consegue vencer nenhum obstáculo ?
Mesmo os que dedicam suas vidas a carregar a sacola da filosofia cínica
algumas vezes costumam vender a verdade por dinheiro.
Portanto, o tribunal nada mais é do que uma fonte de renda pública,
e o encarregado de analisar um processo aprecia subornos.

3
Mas, com exceção de uma única moeda de dois centavos, que nós tínhamos
4
reservado para comprar grão-de-bico e tremoços, não havia nada em nossos bolsos.
Assim, para que nesse meio-tempo a mercadoria que queríamos não se perdesse,
preferimos mesmo entregar o manto por um preço menor do que valia, visto que o
5
resgate de nosso maior lucro tornava o prejuízo mais leve. Então, quando nós
desenrolamos nossa mercadoria pela primeira vez, a mulher, com o rosto coberto, que
tinha estado o tempo todo de pé ao lado do camponês, depois de ter examinado muito
cuidadosamente as marcas do manto, agarrou suas extremidades com as duas mãos e

280
6
gritou, com toda força que pôde, que segurassem os ladrões. Ao contrário do que se
esperava, nós, confusos, para não ficar sem fazer nada, também resolvemos tomar a
túnica rasgada e suja e declarar, com a mesma hostilidade, que era nossa aquela
mercadoria de que eles tinham tomado posse. 7 Mas, de modo algum a confusão parecia
justificar-se, pois até os mediadores que se tinham reunido ali, atraídos pelo barulho,
evidentemente zombavam da indignação presente em nosso comportamento, porque, da
parte do camponês, reivindicava-se uma veste muito valiosa, de nossa parte, uma
8
remendada que não servia nem sequer para uma boa colcha de retalhos. Foi nesse
momento que Ascilto dispersou a zombaria eficientemente e, depois de feito silêncio,
disse:

1
XV 'Vemos que para cada um o mais importante é sua própria mercadoria; que eles
2
nos devolvam nossa túnica e terão seu manto de volta'. Embora a troca agradasse ao
camponês e à mulher, todavia os oficiais de justiça, já quase como ladrões noturnos, que
queriam apoderar-se do manto, exigiram que ambas as mercadorias fossem guardadas
por eles e, no dia seguinte, um juiz examinaria a contestação. 3 E seguramente o juiz não
analisaria apenas as questões que pareciam ser motivo deste processo judicial, mas
sabíamos que outras coisas seriam bem examinadas, porque em ambas as partes
evidentemente a suspeita de roubo seria julgada. 4 Os depósitos já tinham sido aceitos e
então não sei qual dos mediadores, um careca, com a testa cheia de protuberâncias, que
também costumava algumas vezes encaminhar processos, se apoderou imediatamente
do manto, afirmando que no dia seguinte ele iria apresentá-lo em juízo. Mas era
evidente que duas coisas preocupavam acima de tudo: que a veste guardada entre os
usurpadores fosse de uma vez por todas afanada, e que nós, por medo da decisão
judicial, não nos apresentássemos no dia marcado.
6
Nós aceitamos inteiramente o acordo. Assim, a promessa de ambas as partes
favoreceu o fim da discussão. O camponês, indignado, pois nós exigimos que nossa
colcha de retalhos fosse apresentada, jogou a túnica na cara de Ascilto e mandou que
nós, isentos da acusação, entregássemos aos depositários o manto, que permanecia
como único litígio,
*
8
e, depois de termos recuperado nosso tesouro, pelo menos era o que pensávamos,
fomos embora rapidamente para a hospedaria e, com a porta fechada, começamos a rir
não menos da sutileza dos mediadores do que da sutileza dos que nos caluniaram,

281
porque, por causa de nossa enorme esperteza, eles tinham devolvido a nós o dinheiro.

9
Não quero imediatamente conseguir o que desejo
e a vitória, depois de obtida, não me dá prazer.

1
XVI Mas, assim que nos fartamos com o jantar preparado graças a Gitão, a porta
ressoou, impulsionada por uma batida muito violenta.
2
Quando nós, já pálidos de susto, perguntamos quem era, alguém respondeu:
'Abra, você saberá já, já !' E então, enquanto ainda estávamos conversando, a trava da
3
porta, soltando-se sozinha, caiu e, de repente, a porta aberta deixou-a entrar. Era
aquela mulher, de cabeça coberta, que pouco antes tinha ficado em pé ao lado do
camponês, e então ela disse: 'Vocês estavam pensando que podiam zombar de mim ? Eu
4
sou escrava de Quartila, cujo sacrifício religioso diante da cripta vocês atrapalharam.
Eis que ela própria vem a este cortiço e pede para conversar com vocês. Não precisam
se preocupar. Ela não quer denunciar, ou punir o erro de vocês; pelo contrário, ela,
admirada, deseja saber qual teria sido o deus que conduziu jovens tão refinados a seu
domínio territorial.

1
XVII Estando nós ainda em silêncio e sem tomar nenhuma posição, a própria
Quartila, acompanhada de uma jovem, entrou e, sentando-se sobre minha cama, chorou
2
durante muito tempo. Nós não conseguimos dizer uma palavra sequer naquele
3
momento, mas, atônitos, observamos as lágrimas bem preparadas para simular dor.
Finalmente, quando acalmou-se a chuva de lágrimas tão cheia de ostentação, ela livrou
sua cabeça altiva do manto e disse, com as mãos apertadas uma à outra ao ponto de
estalar os dedos: 4 'Mas que audácia é essa, ou melhor, onde vocês aprenderam trapaças
que vão além até mesmo das histórias ? Palavra de honra, tenho pena de vocês, pois
5
ninguém viu o que não foi permitido e não foi punido. De qualquer maneira, nossa
região é tão abundante em divindades poderosas, que se pode encontrar mais facilmente
6
um deus do que um homem. E não pensem que eu vim aqui para me vingar; sou
levada mais pelo vigor de vocês do que pela ofensa feita a mim. Vocês, sem saber, acho
7
eu até agora, cometeram um crime terrível. E naquela mesma noite eu comecei a
tremer, atormentada por um torpor tão ameaçador, que tive medo até de ter crises de

282
febre terçã. E, por esse motivo, pedi um remédio ao sono e fui obrigada a procurá-los
8
por toda parte e abrandar a crise da doença por meio da receita que me deram. Mas
não estou tão preocupada com o remédio, pois uma dor maior maltrata meu espírito,
uma que me leva até a desejar a morte: a preocupação de que vocês, estimulados pela
falta de responsabilidade própria dos jovens, divulguem o que viram no santuário de
9
Priapo e revelem ao povo as deliberações dos deuses. Então, estendo minhas mãos
inclinadas em direção aos joelhos de vocês e não só peço, mas também imploro para
que vocês não transformem as práticas religiosas noturnas em motivo de brincadeira e
de zombaria e não queiram expor ao riso os segredos de tantos anos, dos quais apenas
mil homens tomaram conhecimento.

1
XVIII Depois desta súplica, derramou lágrimas mais uma vez e, com gemidos
abundantes, atirou-se em minha cama, agitando todo o rosto e o peito. 2 Eu, perturbado
ao mesmo tempo pela compaixão e pelo medo, pedi que ela tivesse calma e que
estivesse segura de ambas as coisas, 3 pois ninguém divulgaria os ritos sagrados e, além
disso, se uma divindade tinha indicado a ela que ali havia o remédio para febre terçã,
nós corresponderíamos ao sinal da Divina Providência, mesmo correndo perigo de vida.
Mais contente depois dessa promessa, aquela mulher excitada me beijou muito
vagarosamente e, mudando das lágrimas para o riso, tirou meus cabelos de trás da
orelha com suas mãos delicadas e disse: 5 'Dou trégua a vocês e vou livrá-los do castigo
estabelecido. Porque, se vocês não tivessem dado um sinal positivo em relação ao
remédio que busco, já tinha sido preparada para amanhã uma confusão tal, que pudesse
vingar não só a ofensa feita a mim, mas também minha dignidade:

6
Ser desprezado é vergonhoso, dar ordem é magnífico;
gosto de poder caminhar por onde tenho vontade.
Até mesmo um sábio, quando desprezado, se mete em brigas,
mas aquele que não se abate com isso, costuma sair vencedor'.

7
Em seguida, batendo palmas, começou de repente a soltar tantas gargalhadas, que
ficamos com medo. De outro lado, a escrava, que tinha chegado primeiro, fez a mesma
coisa e também a mocinha, que tinha entrado com ela.

283
1
XIX Tudo ressoou com aquela risada teatral, quando nós ainda não sabíamos o
porquê daquela mudança tão repentina de ânimos, e ficamos olhando ora para nós
mesmos, ora para as mulheres.
2 'Eu proibi que qualquer mortal fosse recebido nesta hospedaria pela seguinte
3
razão: para que eu recebesse de vocês o remédio contra febre terçã sem interrupção'.
Assim que Quartila disse isso, Ascilto ficou paralisado por algum tempo; eu, por outro
lado, fiquei mais gelado do que o inverno da Gália e não consegui pronunciar nenhuma
4
palavra. Mas, meus companheiros me impediram de esperar que o pior fosse
acontecer, pois elas eram três mulherzinhas muito fracas e, naturalmente, se elas
quisessem tentar alguma coisa contra nós, teríamos a nosso favor, se não muito, pelo
5
menos o fato de sermos do sexo forte. Mas sem dúvida alguma nós estávamos
cercados. Eu, ao contrário, já tinha disposto os pares de tal forma que, se fosse preciso
travar combate, eu me colocaria com Quartila, Ascilto com a escrava, Gitão com a
mocinha.
*
Então, toda a firmeza escapou de nós, que estávamos atônitos e a morte certa
obscureceu os olhos desses infelizes.

1
XX Eu disse: 'Por favor, minha senhora, caso você esteja preparando o pior para
nós, acabe logo com isso. Nós não cometemos um crime tão grande assim, que
justifique morrermos torturados'.
*
2
A escrava, que se chamava Psiche, estendeu um tapete no chão.
*
Ela excitou meus órgãos genitais, gelados como se já tivessem experimentado a
morte mil vezes.

3
Ascilto tinha escondido a cabeça com o manto, advertido de que seria
evidentemente perigoso intrometer-se nos segredos dos outros.
*
4 A escrava retirou duas faixas da prega do vestido e, com uma, amarrou nossos
pés, com a outra, nossas mãos.
*

284
5
Ascilto, percebendo que o bate-papo já estava sem graça, disse: 'O que é isso ?
Eu não sou digno de beber ?' 6 A escrava, traída por minha risada, bateu as mãos e disse:
7
'Eu servi para você: meu jovem, você bebeu realmente sozinho toda a poção ?'
Quartila disse: 'É verdade ? O Encólpio bebeu todas as doses da segurelha ?'
*
Com uma risada que veio na hora certa, ela mexeu com os presentes à roda.
*
8
E nem mesmo Gitão, que estava prendendo o riso, conseguiu resistir,
principalmente depois que a mocinha lançou-se sobre o pescoço dele e deu incontáveis
beijos no garoto, que não fez força para rejeitá-los.
*

XXI 1 Nós, infelizes, queríamos gritar, mas não só não havia ninguém para ajudar,
como também, assim que eu ensaiava invocar a proteção dos cidadãos romanos, Psiche
espetava minha bochecha com seu prendedor de cabelos, enquanto a menina oprimia
Ascilto com o mesmo pincel que ela tinha encharcado de segurelha.
2
Por fim, chegou inesperadamente uma bicha equipada com um manto cor de
murta, levantado até a cintura ... Ela nos abateu sucessivamente com suas nádegas
desconjuntadas e nos sujou com seus beijos extremamente mal-cheirosos, até que,
finalmente, Quartila, segurando uma vara feita de osso de baleia e erguendo a roupa
bem alto, ordenou que o fim do massacre fosse concedido aos desgraçados.
3
Cada um de nós jurou, com palavras realmente sagradas, que aquele segredo
tão surpreendente morreria entre nós dois.
*
4
Vários atletas entraram e nos reanimaram, massageando-nos com um óleo
5
apropriado. Então, apesar de tudo, deixado o cansaço de lado, recuperamos nossos
trajes de gala e fomos conduzidos para um quarto próximo, no qual havia três camas
selecionadas e os demais complementos de luxo mais do que esplendidamente expostos.
6
Convidados logo a nos deitar para jantar, assim o fizemos e, iniciados com um
7
maravilhoso prato-de-entrada, nos inundamos de vinho Falerno. Nós já nos tínhamos
servido de vários pratos, quando caímos no sono: 'Ah, é assim ?', disse Quartila, 'Agora
mais essa, vocês estão com idéia de dormir, mesmo sabendo que se deve fazer o culto
noturno em honra de Priapo ?'
*

285
XXII 1 Quando Ascilto, sobrecarregado por tantos flagelos, caiu no sono, aquela
escrava, que tinha sido repelida com uma ofensa, esfregou o rosto inteiro dele com uma
vasta fuligem e pintou com entorpecentes os lábios e ombros dele, sem que ele
2
percebesse. Pouco depois, eu também, fatigado pelos mesmos tantos flagelos, tinha
experimentado uma ínfima amostra de sono; todo o grupo de criados, tanto de dentro,
quanto de fora fizera o mesmo, e uns, espalhados, jaziam em volta dos pés dos
convidados, outros, apoiaram-se às paredes, alguns permaneciam na própria soleira da
porta, com as cabeças apoiadas umas às outras; 3 também as lâmpadas de azeite, quase
apagadas por causa da umidade, espalhavam uma luz fraca e terminal, quando dois
sírios, com o intuito de saquear a bilha, entraram na sala-de-jantar e, enquanto
disputavam muito vorazmente a bilha roubada em meio à prataria, quebraram-na. Até a
mesa caiu junto com a prataria e um copo, derrubado por acaso de um lugar mais
elevado quase quebrou a cabeça de uma escrava que estava adormecida em cima do
leito. Com a pancada, ela gritou e, ao mesmo tempo, não só entregou os ladrões, como
também acordou uma parte dos embriagados. 5 Os sírios, que tinham avançado sobre a
presa, depois que perceberam que tinham sido apanhados em flagrante, se jogaram de
uma só vez atrás de uma cama e começaram a roncar, como se estivessem dormindo há
muito, para que se acreditasse que isso realmente fosse verdade.

6
Nesse momento, o mordomo, também despertado, já tinha derramado o azeite
nas lâmpadas que se apagavam e os escravos jovens, depois de terem limpado os olhos
rapidamente, já tinham voltado à função de servos, quando uma tocadora de címbalo,
que ia entrando e tocando os pratos de bronze, nos despertou a todos.

1
XXIII Então, o banquete foi restabelecido e novamente Quartila nos convidou a
beber. A tocadora de címbalo manteve a alegria da festa.
*
2
Entra uma bicha, o mais imbecil de todos os homens e inteiramente digno
daquela casa, o qual, depois de soltar gemidos em compasso com suas palmas
desconjuntadas, proferiu poemas tais como este:

3
Reúnam-se aqui, agora, seus devassos,
apressem os pés, acelerem a corrida, venham voando,

286
seus descarados de coxa pronta, de nádegas e mãos ágeis,
seus efeminados, veteranos ,castrados da ilha de Delos.

4
Acabados seus versos, ele me sujou de baba com um beijo mais do que nojento.
Logo após, lançou-se também sobre meu leito e, usando de toda a força, entrelaçou-se
5
em mim, que tentei esquivar-me. Muito e longamente triturou meus órgãos genitais
num vai-e-vem sem resultado. Rios de maquiagem feita de acácia corriam
abundantemente pelo rosto dele, que não parava de suar e, no meio das rugas de suas
bochechas, havia tanta maquiagem depositada, que se poderia pensar que era uma
parede descascada pela ação da chuva.

1
XXIV Não segurei as lágrimas por muito mais tempo, mas, tendo chegado até o
limite de minha cólera, disse: 'Por favor, minha senhora, você não me havia prometido
uma taça especial* ?' 2
Ela aplaudiu muito delicadamente e disse: 'Mas que homem
perspicaz e que exemplo de educação romana ! Por que você está perguntando ? Você
3
ainda não percebeu que essa bicha é sua taça especial ?' Em seguida, para que meu
companheiro não ficasse apenas com a melhor parte, eu disse: 'Em nome de sua
credibilidade, Ascilto é o único nesta sala que pode ficar descansando, alheio a tudo ?' -
4
'É mesmo!', disse Quartila, 'Que a taça especial seja oferecida também a Ascilto!'
Depois desta ordem, o pederasta mudou de cavalo e, feita a troca para meu
companheiro, o esfregou com suas nádegas e beijos. 5 Gitão estava de pé em meio a
estes acontecimentos e ria tanto, que até chacoalhava o corpo. Assim, pois, Quartila, ao
perceber sua presença, quis saber, com uma indagação bem cuidadosa, de quem era o
garoto. 6 Quando eu respondi que ele era meu parceiro, ela disse: 'Por que razão, então,
ele não me beijou ?' e, depois de chamá-lo, aproximou-o de si para se beijarem. 7 Pouco
tempo depois, enfiou sua mão por debaixo da roupa dele e, tendo examinado
minuciosamente seu pintinho inexperiente, disse: 'Este servirá muito bem amanhã como
prato-de-entrada de nossa orgia; hoje não quero comer a ração de todo dia depois de ter
comido um prato especial'.

1
XXV Assim que ela falou isso, Psiche, rindo, aproximou-se de seu ouvido e, tendo
cochichado sei lá o quê, Quartila disse: 'É mesmo, você lembrou bem. Por que não

*
Em todo esse capítulo e no XXVI, Petrônio faz um jogo com o significado da palavra embasicoetas,
utilizando-a ora para se referir ao nome de uma taça de formato obsceno, ora como sinônimo de cinaedus.

287
2
aproveitamos esta belíssima ocasião e nossa Paniches não perde sua virgindade ?' E
imediatamente foi apresentada uma menina muito bonita e que parecia ter não mais do
que sete anos, aquela mesma que tinha vindo primeiro com Quartila em nosso quarto.
Tendo, pois, todos aplaudido e exigido que eles fizessem a lua-de-mel, eu fiquei
estupefato e afirmei que nem Gitão, um garoto muito respeitoso, seria capaz de
sustentar tamanha leviandade, nem a menina estava em idade tal, que pudesse suportar
aquela obrigação de mulher. 4 'Mas será que ela', disse Quartila, 'é menor do que eu era,
quando me entreguei a um homem pela primeira vez ? Que eu experimente a ira de
5
Juno, se eu tiver qualquer lembrança de ter sido virgem um dia. Na verdade, até
mesmo quando criança eu fui exposta ao sexo e, freqüentemente, com o passar dos
anos, eu me aproximei dos garotos maiores, até que cheguei à idade que tenho hoje.
Também acho que foi daí que surgiu aquele provérbio, segundo o qual dizem que quem
conseguiu carregar quando bezerro, consegue carregar quando touro'. 7 Sem opção, para
que meu parceiro não se sujeitasse àquele enorme ultraje sem minha presença, pus-me
de pé próximo ao trabalho nupcial.

1
XXVI Sem intervalo de tempo, Psiche cobriu a cabeça da menina com o véu nupcial,
a bicha levava à frente o facho, as mulheres embriagadas, aplaudindo, fizeram uma
longa fileira e enfeitaram o leito nupcial com a colcha em que ocorreria o ato obsceno.
Então, a própria Quartila, inflamada pela excitação dos jovens participantes da
brincadeira, levantou-se e, apoderando-se bruscamente de Gitão, arrastou-o para o
quarto.
3
Sem dúvida, o garoto não opusera resistência e a menina, sem nenhuma
apreensão, não se assustara com a palavra 'núpcias'. 4 Assim, quando eles, fechados no
quarto, permaneceram deitados, nós nos assentamos diante da soleira da porta do quarto
nupcial e, na linha de frente, estava Quartila, que aproximara seu olho curioso da greta
vergonhosamente aberta para, com licenciosa atenção, espreitar o divertimento das
5
crianças. Ela puxou a mim também com sua mão lasciva para ver este espetáculo e,
porque nossos rostos de observadores estavam colados um no outro, ela desviava sua
atenção do espetáculo, excitava de passagem seus lábios nos meus e como que me
golpeava com seus beijos furtivos.
*
6
Atirados em nossos leitos, passamos o resto da noite sem medo.

288
7
Já chegara o terceiro dia, isto é, a expectativa do jantar de despedida; mas,
8
como tínhamos recebido tantas feridas, a fuga era melhor para nós do que o repouso.
Assim, quando nós, desanimados, estávamos tentando resolver de que modo
poderíamos evitar a tempestade iminente, um escravo de Agamênon interrompeu nossos
temores e disse: ' O quê ? Vocês não sabem em casa de quem se vai jantar hoje ? Na de
Trimalquião, um homem riquíssimo, que equipou sua sala-de-jantar com um relógio e
um tocador de corneta, para que ele saiba a todo momento quanto tempo perdeu de sua
10
vida'. Nós, então, nos vestimos prontamente, esquecendo todos os nossos males, e
ordenamos a Gitão, que exercia com prazer sua função de servo, que nos acompanhasse
à sala de banhos.

1
XXVII Enquanto isso, nós, já vestidos, começamos a vagar pelas ruas, ou melhor, a
fazer brincadeiras e aproximar-nos dos círculos dos que jogavam, quando, subitamente,
vimos um velho careca, vestido com uma túnica avermelhada, jogando bola no meio de
2
garotos de cabelos compridos. E não foram tanto os garotos, se bem que valesse a
pena, que nos atraíram ao jogo, mas sim aquele velho, que, calçado de sandálias, se
exercitava com uma bola verde. E ele não pegava a que havia caído no chão, mas um
3
escravo tinha um saco cheio de bolas e as colocava à disposição dos jogadores.
Notamos também algumas situações singulares: estavam de pé, em partes opostas do
círculo, dois eunucos, dos quais um segurava um penico de prata, o outro contava as
bolas, não as que eles arremessavam com as mãos durante o jogo, mas as que caíam no
4
chão. Quando nós estávamos admirando toda esta suntuosidade, Menelau surgiu
repentinamente e disse: 'É na casa dele que vocês vão apoiar o cotovelo para comer e
isto que vocês estão vendo já é o início do jantar'. 5 E Menelau já tinha parado de falar,
quando Trimalquião estalou os dedos; a este sinal o eunuco aproximou o penico do
jogador. 6 Aliviada a bexiga, ele pediu água para lavar as mãos e enxugou os dedos um
pouco molhados na cabeça do garoto.

1
XXVIII Estava demorando muito para observar cada pormenor. Assim, entramos na
sala de banhos e, com calor e suados, aproveitando a oportunidade, nos atiramos na
2
água fria. Neste momento, Trimalquião, inundado com perfume, se enxugava, não
com uma toalha de linho, mas com mantos fabricados da mais macia lã. 3 Enquanto isso,
três massagistas bebiam vinho Falerno na presença dele, | e, enquanto eles disputavam
para ver quem vertia mais, Trimalquião dizia que isso era um brinde em sua honra. | 4 A

289
seguir, envolto em um manto escarlate, ele foi colocado em uma liteira, indo a sua
frente quatro condutores enfeitados com fáleras e, em um carrinho de mão, foi colocado
um escravo, seu amante, um garoto já velhusco, todo remelento, mais feio do que seu
dono Trimalquião. 5 Então, quando ele já se estava retirando, um músico se aproximou
de sua cabeça com minúsculas flautas e, como que dizendo algo em segredo nos
6
ouvidos dele, cantou por todo o caminho. Nós, já cheios de admiração, seguimos o
cortejo e, em companhia de Agamênon, chegamos a uma porta, em cujo batente havia
7
uma placa fixada com esta inscrição: 'Qualquer que seja o escravo que sair sem
8
autorização do senhor receberá cem chicotadas'.| Na entrada, um porteiro vestido de
verde, com um cinto cor de cereja, estava de pé e descascava ervilha em uma travessa
9
de prata. Sobre o portal estava pendurada uma gaiola de ouro, na qual uma pega
malhada cumprimentava os que entravam.

1
XXIX Enquanto estou admirando todas essas coisas, caindo para trás, quase quebrei
minhas pernas, pois, do lado esquerdo de quem entrava, não longe do compartimento
reservado ao porteiro, havia um cão enorme pintado na parede, preso por uma corrente,
2
e, por cima, estava escrito com letras maiúsculas: 'CUIDADO COM O CÃO'. Para
completar, meus companheiros caíram na gargalhada. Eu, no entanto, prendendo a
respiração, não deixei de percorrer toda a parede até o fim. 3 Tinha sido ali pintado um
mercado de escravos, com suas tabuletas, e o próprio Trimalquião, de cabelos
compridos, segurava o caduceu e entrava em Roma, conduzido por Minerva. 4 A partir
daí, ele teria aprendido a fazer cálculos e, em seguida, teria sido promovido a tesoureiro;
5
tudo isso o minucioso pintor tinha reproduzido diligentemente com letreiros. Já no
final do pórtico, Mercúrio arrastava-o erguido pelo queixo em direção a uma plataforma
6
elevada. Ao alcance dele estavam a Fortuna, com uma cornucópia enorme, e as três
Parcas, fiando numa roca de ouro. 7 Observei, também, no pórtico, um grupo de atletas
8
exercitando-se com o professor. Além disso, vi uma estante grande, em cujo nicho
estavam colocados Lares de prata, uma estátua de mármore de Vênus e uma caixinha de
ouro não muito pequena, na qual diziam ter sido guardada a barba do próprio
Trimalquião.
9
Então, eu resolvi perguntar ao escravo encarregado da guarda do pórtico, que
figuras eram aquelas que estavam no meio. 'A Ilíada e a Odisséia', ele disse, | 'e um
espetáculo de gladiadores de Lenas'.

290
1
XXX Não era possível examinar com cuidado todos os detalhes.
Nós | já tínhamos chegado à sala-de-jantar, em cuja ante-sala um gerente
controlava o livro de contabilidade. E uma coisa me impressionou em especial: nas
ombreiras da porta da sala-de-jantar estavam fixados feixes com machadinhas, cuja
parte mais baixa terminava em um objeto de bronze, parecendo o esporão de um navio,
2
no qual estava escrito: ' A Gaio Pompeu Trimalquião, séviro augustal, seu
3
administrador Cinamo'. Sob essa inscrição, pendiam do teto uma lâmpada de azeite
com duas saídas e dois quadros de madeira presos a cada uma das portas, dos quais um,
se bem me lembro, trazia isto escrito: 'Nos dias 30 e 31 de Dezembro, nosso Gaio janta
fora', o outro trazia as fases da lua pintadas e a representação de sete planetas; e eram
marcados, com botão diferenciado, quais dias seriam favoráveis e quais dias seriam
nefastos.
|5 Quando nós, saciados com esses divertimentos, tentamos entrar na sala-de-
jantar, um dos garotos, que estava designado para essa função, gritou: 'Com o pé direito
!' 6 Sem dúvida, durante algum tempo, nós hesitamos, com receio de que algum de nós
atravessasse a porta de modo diferente do ordenado. |7 Mas, assim que nós nos pusemos
em movimento com o pé direito, um servo nu projetou-se contra nossos pés e começou
a implorar que nós o libertássemos do castigo: não era grande a falta, por causa da qual
ele estava em perigo; 8 as roupas do tesoureiro, que estavam sob sua vigilância, tinham
sido roubadas na sala-de-banhos, roupas essas que deveriam valer, quando muito, dez
9
sestércios. Nós, então, recuamos nossos pés direitos e pedimos ao tesoureiro, que
10
estava contando os áureos no átrio, que suspendesse o castigo do escravo. Soberbo,
ele levantou o rosto e disse: 'Não é tanto o prejuízo que me irrita, mas sim a negligência
11
deste escravo imprestável. Ele perdeu minhas roupas de sair para jantar, que um de
meus protegidos tinha dado a mim de presente de aniversário, com certeza importadas
de Cartago, mas já lavadas uma vez. O que mais eu posso dizer ? Ele é de vocês'.

1
XXXI Quando nós, os responsáveis por tão grande favor, entramos na sala-de-jantar,
veio a nosso encontro aquele mesmo escravo, pelo qual nós tínhamos intercedido, e,
agradecendo-nos por nossa benevolência, deu numerosíssimos beijos em nós, que o
2
olhamos com espanto. 'Indo direto ao que interessa', ele disse, 'vocês saberão
imediatamente a quem concederam o favor. O reconhecimento deste seu escravo virá
em forma de vinho especial, tal qual o servido a nosso senhor'.
3
Então, finalmente nos pusemos à mesa, enquanto escravos alexandrinos

291
vertiam água gelada em nossas mãos e uns outros, que os seguiram, tomaram nossos pés
4
e tiraram nossas cutículas com extrema delicadeza. E nem sequer nesse trabalho tão
desagradável eles permaneciam calados, mas, ao contrário, eles até cantavam. 5 Eu quis
6
submeter à prova se toda a criadagem sabia cantar e, assim, pedi uma bebida. Um
garoto muito gentil acolheu meu pedido não menos que com uma canção de som agudo,
assim como todos a quem se pedia alguma coisa. 7 Poder-se-ia acreditar que se tratava
de um coro de pantominos, não a sala-de-jantar de um velho.
8
Nesse meio-tempo, foi trazido um prato de entrada muito suntuoso, pois todos
já tinham tomado seus lugares para jantar, exceto o próprio Trimalquião, ao qual, de
acordo com um costume recente, era reservado o lugar principal. 9 Na bandeja de servir
os aperitivos, estava colocado um burrinho de bronze com dois alforjes, que
10
carregavam, de um lado, azeitonas verdes, do outro, pretas. Acima do burrinho
estavam dois pratos, em cujas bordas estavam gravados o nome de Trimalquião e o peso
da prata. Além disso, pequenas pontes soldadas às bandejas sustentavam arganazes
11
salpicados de mel e papoula. Foram colocadas também salsichas quentes sobre uma
grelha de prata e, sob essa mesma grelha, ameixas sírias com sementes de romã.

1
XXXII Nós estávamos em meio a este luxo, quando Trimalquião foi trazido para
junto da orquestra e, colocado entre minúsculas almofadas, arrancou o riso daqueles que
2
foram surpreendidos pela cena. Ele havia coberto a cabeça raspada com um manto
avermelhado e, em volta do pescoço sobrecarregado de pano, ele tinha colocado um
guardanapo guarnecido de uma larga banda de púrpura com franjas que caíam de um
lado e de outro. 3 Tinha também no dedinho da mão esquerda um anel grande dourado, e
também um menor na última articulação do dedo anterior, ao que me parecia, todo de
ouro, mas completamente soldado com peças de ferro em forma de estrelas. 4 E como se
não bastasse exibir todas estas riquezas, ele deixou à mostra o braço direito enfeitado
com um bracelete de ouro e com uma argola de marfim, fechada com uma lâmina
brilhante.

1
XXXIII Logo depois de palitar os dentes com uma pena de prata, ele disse: 'Meus
amigos, eu ainda não estava disposto a vir à sala-de-jantar, mas, para que, com minha
demorada ausência, eu não fosse motivo de obstáculo para vocês, abri mão de meu
2
prazer. Permitam, contudo, que se termine o jogo'. Um garoto o seguia com um
tabuleiro de madeira de terebinto e com dados de cristal e eu observei que aquilo era a

292
coisa mais fina do mundo, pois, no lugar de pedrinhas brancas e pretas, ele tinha moedas
de ouro e de prata. 3 Nesse meio-tempo, enquanto ele gastava as frases famosas de todos
os textos durante o jogo, trouxeram para nós, que ainda saboreávamos a entrada, uma
bandeja com um cesto de vime, no qual havia uma galinha de madeira com as asas
4
abertas de forma arredondada, tal como costumam ficar as que chocam ovos.
Imediatamente, dois servos se aproximaram e, ao som da orquestra, começaram a
revolver um monte de palha e distribuíram aos convidados ovos de pavão nele
encontrados. 5 Trimalquião voltou-se para esta cena e disse: 'Amigos, eu ordenei que os
ovos de galinha fossem substituídos pelos de pavão. E, para dizer a verdade, receio que
eles já estejam chocos. Vamos, contudo, fazer uma experiência, para ver se eles ainda
podem ser ingeridos'. 6 Nós pegamos as colheres, que pesavam não menos do que meia-
7
libra, e perfuramos os ovos modelados em massa gordurosa. Eu quase joguei minha
8
parte fora, pois parecia que o filhote de pavão já estava começando a se formar. Em
seguida, quando ouvi um convidado experiente dizer: 'Aí dentro deve ter não sei o quê
de bom', terminando de quebrar a casca com a mão, encontrei um papa-figo bastante
gordo envolto em gema-de-ovo temperada.

1
XXXIV Tendo interrompido sua partida, Trimalquião já tinha pedido que lhe
servissem daquele mesmo prato e, falando alto e claro, tinha dado a oportunidade, se
quiséssemos, de tomar de novo do vinho misturado com mel, quando, subitamente, foi
dado um sinal pela orquestra e aqueles pratos foram arrebatados, ao mesmo tempo, pelo
2
coro que cantava. Mas, durante o tumulto, quando um prato comprido caiu
acidentalmente e o escravo o pegou no chão, Trimalquião o repreendeu e ordenou que o
3
garoto fosse castigado com bofetadas e que derrubasse o prato novamente. Um
carregador de liteira veio logo depois varreu a prataria em meio às imundícies restantes.
4
| Imediatamente após, entraram dois etíopes de cabelos compridos carregando
minúsculas garrafas, do tipo que costumam usar no anfiteatro os que espargem areia, e
derramaram vinho em nossas mãos; a verdade é que ninguém oferecia água.

5
| O senhor Trimalquião, elogiado por causa de seu bom-gosto, disse: 'Marte
aprecia a igualdade de direitos. Assim, ordenei que a cada um fosse demarcado um
lugar à mesa. E, ao mesmo tempo, estes servos extremamente fedorentos nos causarão
menos calor em função de sua proximidade.
6
Imediatamente foram trazidas ânforas de vidro cuidadosamente cobertas de

293
gesso, cujos rótulos tinham sido afixados no gargalo com a seguinte inscrição: 'Vinho
Falerno de cem anos, colhido durante o consulado de Opímio'. 7 Enquanto nós líamos as
inscrições, Trimalquião aplaudiu e disse: 'Ai, ai! Então o vinho vive por muito mais
tempo do que o pobre homem. Por essa razão, façamos um brinde. Vinho é vida. Eu
ofereço a vocês o legítimo vinho de Opímio. Ontem eu servi um vinho não tão bom
quanto este e olhem que participavam do jantar homens muito mais nobres'. 8 Enquanto
nós ficamos bebendo e contemplando muito atentamente toda aquela ostentação, um
servo trouxe um esqueleto de tal forma confeccionado, que suas articulações e vértebras
se flexionavam em todas as posições. 9 Quando ele o atirou sobre a mesa repetidamente
e a parte flexível imitou algumas expressões, Trimalquião acrescentou:

10
Ai, ai ! Infelizes de nós ! Como toda a humanidade é um nada !
Assim seremos todos, depois que o Orco nos levar.
Então, vivamos , enquanto é permitido viver bem.

1
XXXV A este panegírico seguiu-se uma bandeja grande, mas nitidamente menor do
2
que nossa expectativa; a novidade, contudo, chamou a atenção de todos. A bandeja
redonda trazia os doze signos do zodíaco dispostos em círculo, sobre os quais o
construtor daquele objeto tinha colocado o alimento característico e representativo de
3
cada um dos signos: sobre Áries, um grão-de-bico parecendo a cabeça de um carneiro;
sobre Touro, um pedaço da planta língua-de-boi; sobre Gêmeos, testículos e rins; sobre
Câncer, uma coroa de flores; sobre Leão, uma figueira africana; sobre Virgem, uma
vulva de leitoa; 4 sobre Libra, uma balança, que trazia, num prato, um pastel de queijo,
no outro, um bolo; |sobre Escorpião, um peixinho marinho; sobre Sagitário, um
oclopeta*; sobre Capricórnio, uma lagosta; sobre Aquário, um ganso; sobre Peixes, dois
ruivos. 5 No meio, um campo verdejante com a grama cortada sustinha um favo-de-mel.
6
Um garoto egípcio com um forninho de prata servia pães de mão em mão.

... e ele próprio, com sua voz desagradabilíssima, desconjuntou uma canção
7
sobre o mimo do vendedor de Láser. Quando nós nos aproximamos, muito
desapontados, de alimentos tão vulgares, Trimalquião disse: 'Aconselho que jantemos; é
isto que se deve fazer em um jantar'.

*
O significado da palavra oclopeta em latim é incerto. No dic. Gaffiot, está associado à forma otopeta
("que tem orelhas grandes"). Já no dic. Oxford, associa-se a oclopecta ("uma criatura que tem seus olhos
fixos em uma base saliente, talvez um carangueijo").

294
1
XXXVI Assim que ele disse isso, quatro dançarinos, saltitando no compasso da
orquestra, apresentaram-se rapidamente e retiraram a parte superior da bandeja. 2 Feito
isso, vimos na parte de baixo, logicamente em outra bandeja, aves gordas, tetas de porca
e uma lebre enfeitada com asas na metade do corpo, de forma tal que parecia o Pégaso. 3
Observamos, também, em volta dos cantos da bandeja, quatro estátuas de Mársias, em
cujos pequenos cálices escorria salmoura apimentada por sobre os peixes, que nadavam
4
como se estivessem em um canal. Todos nós aplaudimos, seguindo os aplausos
iniciados pelos escravos e, sorrindo, nos aproximamos dessas coisas mais do que
5 6
esplêndidas. Trimalquião, não menos contente com a brincadeira, disse: 'Corte !'
Imediatamente apresentou-se o escravo responsável por trinchar a carne e, gesticulando
no compasso da música, despedaçou a carne de tal maneira que se poderia pensar que
era um condutor de carro combatendo ao som do órgão hidráulico. 7 E ninguém menos
do que Trimalquião ficava repetindo com a voz mais vagarosa possível: 'Corte ! Corte !'
Eu, suspeitando de que a repetição daquela palavra se referia a algum tipo de
brincadeira, não me envergonhei de perguntar isto à pessoa que estava à mesa depois de
8
mim. E ele, que já tinha assistido a brincadeiras semelhantes, disse: 'Veja aquele
escravo que está cortando a carne: o apelido dele é Corte. Assim, todas as vezes em que
ele diz "Corte", com a mesma palavra não só o chama, mas também dá a ordem'.

1
XXXVII Eu não consegui saborear mais nada, mas, virando-me para ele, para
apreender o máximo de informações possível, puxei conversa e perguntei quem era
2
aquela mulher que corria de um lado para o outro. Ele disse que era a esposa de
3
Trimalquião, chamada Fortunata, que mede dinheiro com um alqueire. E ainda há
pouco, muito pouco tempo, o que ela era ? Você vai me desculpar, mas você não ia
querer aceitar nem um pedaço de pão das mãos dela. 4 Agora, sem quê, nem porquê, ela
está por cima e é o braço direito de Trimalquião. Só para você ter uma idéia, se, em
pleno meio-dia, ela disser a ele que é de noite, ele acreditará. | 6 Ele próprio desconhece
o que possui, de tão rico que é; mas essa cadela dá conta de tudo, até mesmo onde não
7
se possa imaginar. Ela é seca, reservada, de bons conselhos: a julgar pela quantidade
de ouro que se vê nela. No entanto, é de uma língua ferina, uma fofoqueira de marca
8
maior. De quem ela gosta, gosta mesmo, de quem não gosta, não gosta até o fim. O
Trimalquião possui propriedades da extensão do vôo dos abutres, a riqueza das riquezas.
Tem mais dinheiro guardado no cofre de seu porteiro do que qualquer pessoa possui na

295
soma de seus bens. 9 Quanto à criadagem, é de cair o queixo, palavra de honra, acho que
10
só a décima parte conheceu seu senhor. Em resumo, ele pode colocar no bolso
qualquer um desses queixos caídos.

1
XXXVIII E não pense você que ele precisa comprar alguma coisa. Dá de tudo em
2
suas terras: lã, limão, pimenta Leite de galinha se você procurar, você encontra. Só
para você ter uma idéia, ele não estava tendo lã de boa qualidade em quantidade
3
suficiente; então, ele comprou carneiros de Tarento e formou com eles um rebanho.
Para que se produzisse mel ático em suas terras, mandou que fossem trazidas abelhas de
Atenas; e, de passagem, fez com que as abelhas nacionais ficassem melhores do que as
4
greguinhas. E veja só: há alguns dias ele ordenou que lhe fossem enviadas da Índia
sementes dos excelentes cogumelos boletos. E ele não possui nem sequer uma mula que
5
não tenha nascido de um burro selvagem. Observe estas almofadas: todas elas
6
possuem enchimento púrpura, ou então escarlate. Tal é sua felicidade ! Mas cuidado
7
para não menosprezar os outros companheiros de alforria dele. Eles são muito ricos.
Veja aquele último que está deitado lá na ponta: hoje ele possui seus oitocentos mil
8
sestércios. Ele veio do nada. Costumava apenas carregar lenha em seu colo. Mas,
como dizem - eu mesmo não sei de nada, mas ouvi dizer - logo que ele roubou o píleo
do guardião de tesouros enterrados, também encontrou um tesouro. Eu não invejo
ninguém, se um deus o presenteou com alguma coisa. Contudo, ele acabou de receber a
10
bofetada de liberdade e não quer que nada de mal lhe aconteça. Assim, há pouco
tempo, ele afixou um cartaz com esta inscrição: "C. Pompeu Diógenes, a partir de 1º de
Julho aluga um quarto; ele próprio comprou esta casa". 11 E o que dizer daquele que está
12
perto do liberto ? Como ele se deu bem ! Eu não o recrimino. Ele viu sua fortuna
chegar a ser dez vezes maior, mas vacilou demais. Eu acho que ele já não possui nem
cabelos livres. E, por Hércules, não por sua culpa; realmente não existe homem melhor
do que este; a culpa é de uns libertos criminosos que tomaram tudo dele. 13 Mas saiba de
uma coisa: uma panela de companheiros passa do ponto e, assim que a situação piora,
14
os amigos desaparecem. E de quantos negócios honestos ele se ocupou, para agora a
15
gente vê-lo assim ! Ele foi agente de funerais. Costumava jantar tal como um rei:
javalis inteiros, pães e massas, aves, cozinheiros, padeiros. Derramava-se mais vinho
debaixo de sua mesa do que qualquer um possui em sua adega. 16 Era um ser fantástico,
não um homem de verdade. Tendo seus negócios decaído, como temia que os credores

296
pensassem que ele tinha falido, afixou um cartaz de hasta pública com esta inscrição:
"C. Júlio Próculo realizará um leilão de seus objetos supérfluos".

1
XXXIX Trimalquião interrompeu estas histórias tão agradáveis, pois a bandeja já
tinha sido levada e os convidados, alegres, tinham começado a se concentrar no vinho e
em conversas compartilhadas com todos. 2 Então, ele, reclinado sobre o cotovelo, disse:
3
'É necessário que vocês apreciem este vinho. É preciso que os peixes nadem.
Respondam-me: vocês acham que eu estou satisfeito com aquele prato que vocês viram
no bojo da bandeja ?
"É assim que se conhece Ulisses ?"
Mas por que isso agora ? 4 É conveniente que, mesmo durante o jantar, se cultive
o amor às letras. Que os ossos de meu antigo senhor repousem em paz, ele que quis que
eu fosse um exemplo de homem. Realmente, nada disso é novidade para mim, como
5
aquela bandeja mostrou na prática. Este céu, no qual habitam os doze deuses, se
transforma em outras tantas figuras; em primeiro lugar, se forma o carneiro do signo de
Áries. Assim, qualquer um que nasce sob esse signo tem muitas ovelhas, muita lã e,
além disso, cabeça dura, cara de sem-vergonha, chifre pontiagudo. Sob este signo
6
nascem muitos retóricos e encrenqueiros'. Nós elogiamos a brincadeira do astrólogo;
então, ele acrescentou: 'Em seguida, o céu inteiro se transforma em um pequeno touro.
Então, nascem os que gostam de dar coices, os vaqueiros e ainda os que alimentam a si
próprios. 7 Em Gêmeos, contudo, nascem as bigas, os bois, os testículos e os que tiram
8
proveito de qualquer situação. Eu nasci em Câncer: por causa disto me mantenho
sobre muitos pés e possuo muitas coisas tanto no mar, quanto na terra; o signo de
Câncer se adapta seja aqui, seja ali. Há muito tempo não atribuo nada a ele pela seguinte
razão: para não incomodar meu signo do horóscopo. 9 Em Leão, nascem os gulosos e os
arrogantes; 10 em Virgem, as mulheres, os escravos fugitivos e os algemados; em Libra,
11
os açougueiros, os vendedores de perfume e qualquer um que pesa alguma coisa; em
Escorpião, os envenenadores e os assassinos; em Sagitário, os estrábicos, que olham os
12
legumes, mas pegam o toucinho; em Capricórnio, os azarados, nos quais crescem
chifres na parte da frente de seu rosto; em Aquário, os taberneiros e os abestalhados; em
Peixes, os responsáveis por manter a despensa cheia e os oradores. É assim que a terra
se transforma, girando tal como um moinho, e sempre provoca alguma calamidade, de
forma que ou os homens nascem, ou morrem. 14 Em relação àquele pedaço de terra com
grama no meio que vocês estão vendo e sobre este pedaço de terra um favo, eu não faço

297
nada sem motivo. A Terra, nossa mãe, está no centro, arredondada como se fosse um
ovo, e possui todas as coisas boas em si própria, tal como um favo de mel'.

1
XL 'Incrível !' Todos proclamamos juntos e, com as mãos erguidas para o teto,
juramos que homens como Hiparco e Arato não eram dignos de ser comparados a ele,
até que chegaram alguns escravos e estenderam sobre as mesas algumas toalhas, nas
quais estavam pintadas redes, caçadores em emboscada com suas lanças e todo tipo de
2
equipamento de caça. Ainda não sabíamos nem a que suposições aquilo tudo nos
poderia levar, quando, do lado de fora da sala-de-jantar, soltou-se um grito escandaloso
3
e, de repente, cães da Lacônia se espalharam até mesmo em volta das mesas. Depois
destes veio uma bandeja, na qual tinha sido colocado um javali dos maiores já vistos, e
o que é melhor, usando um barrete de liberto; de seus dentes pendiam dois pequenos
cestos entrelaçados com folhas de palmeiras, um cheio de tâmaras da Síria, o outro de
4
tâmaras de Tebas. Ao redor, filhotes bem pequenos feitos de massa dura, como se
estivessem pendurados às tetas, indicavam que tinha sido servida uma fêmea. 5 E o que
é melhor, estes porquinhos foram distribuídos como lembrança do jantar. Porém, para
partir o javali, não veio aquele escravo com o apelido de Corte, que tinha destrinchado a
ave, mas sim um enorme escravo barbudo, com as pernas amarradas por faixas e vestido
com uma capa colorida, que perfurou, batendo violentamente com uma faca afiada de
6
caçador, a superfície lateral do javali, de cuja ferida aberta saíram voando tordos.
Passarinheiros com varas tinham sido preparados e eles rapidamente retiraram os
pássaros que voavam daqui e dali em volta da sala-de-jantar. 7 Então, depois de ordenar
que fosse entregue um para cada convidado, Trimalquião acrescentou: 'E agora
observem como eram esplêndidas as castanhas de que aquele porco selvagem se
8
alimentou'. Imediatamente os escravos se aproximaram dos pequenos cestos, que
estavam pendurados no dente do javali, e distribuíram todas as tâmaras de Tebas e da
Síria aos convidados.

1
XLI Nesse meio-tempo, eu, que me mantinha em um local retirado, estive dividido
em muitos pensamentos, tentando achar a razão pela qual o javali teria entrado usando o
barrete de liberto. 2 E assim, depois que devorei toda aquela carne macia, não resisti em
perguntar àquele meu interlocutor o que me atormentava. 3 E ele disse: 'É claro que isso
até mesmo este seu escravo pode revelar-lhe, pois não é nenhum enigma, e sim um fato
evidente. Ontem, quando apresentaram este javali como prato principal, ele foi

298
dispensado pelos convidados; assim, hoje, ele volta ao banquete como se fosse um
liberto'. 5 Eu mesmo condenei minha estupidez e não perguntei mais nada, para que não
parecesse que eu nunca tinha participado de um jantar junto aos nobres.
6
Enquanto nós estávamos conversando sobre estas coisas, um escravo de bela
aparência, coroado por ramos de videira e de hera, mostrando ora que era um Dioniso
barulhento, ora relaxado, ora exaltado, nos serviu uvas em um pequeno cesto e
7
interpretou composições em verso de seu senhor com sua voz extremamente aguda.
Virando-se na direção do som, Trimalquião disse: 'Dioniso, esteja livre !' O escravo
8
tirou o barrete do javali e colocou em sua própria cabeça. Então, Trimalquião mais
uma vez acrescentou: 'Vocês não podem negar que a liberdade me acompanha desde
que nasci, pois eu tenho Líber como pai * '. Nós elogiamos a brincadeira de Trimalquião
e beijamos intensamente o escravo, que circulava pela sala-de-jantar.
9
Depois de servida essa bandeja, Trimalquião levantou-se em direção ao
penico. Nós, obtendo liberdade sem o soberano, resolvemos provocar diálogos entre
convidados. 10 E assim, Dama foi o primeiro a falar, depois de pedir uma dose dupla de
vinho: 'Um dia não é nada. Enquanto você se vira de lado, se faz noite. Assim, nada é
11
melhor do que ir do quarto direto para a sala-de-jantar. E nós tivemos um agradável
frio. Apenas a sala de banhos me aqueceu. Contudo, uma bebida quente é como roupa.
12
Eu já confundi tudo e estou completamente bêbado. O vinho já penetrou em meu
cérebro'.

1
XLII Seleuco tomou parte na conversa e disse: 'Eu não tomo banho todos os dias,
pois o banho é um escaravelho: a água tem dentes e nosso coração vai-se desgastando
2
dia após dia. Mas, quando eu bebo uma jarra de vinho com mel, eu mando o frio
praquele lugar. E eu não me pude lavar direito hoje, pois fui a um funeral. 3 Um homem
de boa saúde, o tão bondoso Crisanto faleceu. Ainda há pouco ele me dirigiu a palavra. 4
Parece que eu estou conversando com ele. Ai, ai ! Nós homens andamos inflados de
orgulho. Temos menos valor do que as moscas. Elas, no entanto, possuem alguma
consistência; nós não somos mais do que bolhas de ar. 5 E ai dele se não tivesse levado
uma vida regrada ! Por cinco dias ele não colocou nem água em sua boca, nem uma
migalha de pão. Contudo, ele se juntou aos muitos que já partiram. Os médicos o
desenganaram, ou melhor, foi seu destino amaldiçoado que o desenganou, pois o
médico nada mais é do que um consolo para a alma. 6 Contudo, ele foi bem enterrado,

299
na cama que usava em vida, com boas cobertas. O velório esteve ótimo - ele colocou
alguns tantos em liberdade - se bem que sua esposa tenha chorado por ele
7
mesquinhamente. O que teria sido dela, se ele não a tivesse aceitado tão bem ? Mas
mulher que é mulher não nega sua raça de predadora. Não é preciso que ninguém faça
nada de bom para elas, pois é o mesmo que se jogar num buraco. Mas amor antigo é um
tumor maligno'.

1
XLIII Ele foi desagradável e Fileros protestou: 'Nós devemos lembrar-nos dos vivos.
Ele tem o que lhe era de direito: viveu honestamente, morreu honestamente. O que ele
tem a reclamar ? Ele veio do nada e foi preparado para carregar um quarto de estrume
com os dentes. Foi assim que ele cresceu, tudo dele cresceu, como se fosse um favo de
2
mel. Por Hércules, eu acho que ele deixou para trás uma boa fortuna, e tudo em
3
moedas de ouro. No entanto, sobre este assunto eu direi a verdade, porque eu comi
língua de cão raivoso: ele tinha uma boca apimentada, era um fofoqueiro, a discórdia
em pessoa, não um homem. 4 O irmão dele é que era uma beleza, amigo de seus amigos,
um mão-aberta, de mesa farta. E, no começo, ele comeu o pão que o diabo amassou,
mas conseguiu arrumar a casa em sua primeira colheita: vendeu o vinho pelo preço que
quis. E, o que o deixou de queixo erguido, recebeu uma herança, da qual ele tomou
posse de uma parte maior do que a que foi deixada para ele. 5 E aquele imbecil, porque
6
se irritou com seu irmão, deixou seu patrimônio ao filho não sei de quem. Quem
abandona os seus, abandonado está. No entanto, ele teve alguns servos metidos a profeta
que o arruinaram. | Ora, nunca agirá corretamente aquele que crê facilmente, |
principalmente um homem de negócios. Contudo, a verdade é que ele aproveitou a vida
7
durante todo o tempo em que viveu ... a quem foi dado, não a quem foi destinado.
Com certeza, ele é filho da deusa Fortuna. Na mão dele, chumbo virava ouro. Mas
também é fácil, quando tudo caminha bem. E quantos anos você acha que ele enterrou
consigo ? Mais de setenta. Mas ele era duro como um chifre, disfarçava bem a idade,
8
era preto como um corvo. Eu conheci este homem há tempos atrás e ele já era um
depravado. Por Hércules, eu acho que ele não perdoou nem a cadela da casa dele. E,
além disso, ele ainda era louco por menininhas, um homem que sabia fazer um pouco de
tudo. Eu não o condeno, pois foi só isto que ele levou consigo.

*
Líber é uma antiga divindade latina, que era confundida com Baco.

300
1
XLIV Fileros falou assim, Ganimedes falou da forma que se segue: 'Ele narra
histórias que não se referem a nada de importante, quando, enquanto isso, ninguém se
2
preocupa com o porquê dos preços altos que nos atormentam. Por Hércules, eu hoje
não consegui encontrar um pedaço de pão nem sequer para tapar o buraco do dente. E
3
como a seca persiste ! A fome se instalou por aí há um ano. Malditos sejam nossos
edis, que entram em conchavo com os padeiros: "Ajude-me e eu ajudarei você". E assim
4
o povo simples sofre, pois estes aproveitadores têm feriado todo dia. Ah ! Se nós
tivéssemos aqueles leões, que eu encontrei aqui, quando cheguei da Ásia pela primeira
5
vez. Aquilo sim é que era vida. A Sicília passava por problemas semelhantes aos
nossos e de tal forma eles enfrentavam estes fantasmas que eles pareciam incomodar
até Júpiter * . 6
Mas eu me lembro de Safínio; naquela época ele morava perto de um
velho arco, quando eu era menino: uma pimenta, não um homem. 7 Por onde quer que
ele fosse, queimava o solo. Mas era honrado, determinado, amigo de seus amigos, uma
pessoa com a qual se poderia audaciosamente tirar par-ou-ímpar no escuro. 8 Na sala de
reuniões, no entanto, quase que arrancava os cabelos de cada um. E não fazia rodeios ao
falar, mas ia direto ao assunto. 9 Além disso, quando ele defendia uma causa no fórum, a
voz dele aumentava de tal forma, que parecia uma trombeta. E ele nunca suava, nem
10
cuspia; acho que ele tinha não sei o quê de asiático. E como ele retribuía um
cumprimento com simpatia, repetia os nomes de todos, como se fosse um de nós ! E
11
assim, naquele tempo, comida era do preço de barro. Um pão que se comprava
12
com um centavo, duas pessoas não conseguiam devorar. Agora, eu já vi olho de boi
maior do que pão. Ai, ai ! A cada dia pior ! Esta colônia está crescendo para baixo, tal
como rabo de bezerro. 13 Mas por que nós mantemos no poder um edil imprestável, que
valoriza mais um centavo do que nossa vida ? É por isso que ele fica folgado em casa,
recebe mais dinheiro em um dia do que um outro tem de patrimônio. Já sei de onde ele
14
tirou mil denários de ouro. Mas, se nós tivéssemos testículos, ele não estaria tão
15
satisfeito com sua situação. Agora, o povo em casa é um leão, na rua, uma raposa.
Quanto a mim, já comi até as roupas do corpo e, se esta carestia persistir, venderei
16
minha própria casinha. O que poderá acontecer, se nem os deuses, nem os homens
têm pena desta colônia ? Pelo amor que eu tenho a meus filhos, mas eu acho que todos
17
esses problemas são gerados pelos deuses. | A verdade é que ninguém considera os
deuses, ninguém guarda jejum, ninguém atribui a Júpiter seu valor, mas todos contam
seus bens de olhos fechados. | 18 Antes, as mulheres nobres iam de pés descalços para o

*
Este trecho em itálico é incerto.

301
alto de um monte, com os cabelos soltos, com as mentes puras, e suplicavam água a
Júpiter. E assim imediatamente chovia tanto que dava para encher todos os jarros: é
agora, ou nunca, e todos riam molhados como se fossem ratos. E assim a vingança dos
deuses vem silenciosa, porque nós não cuidamos da religião. Os campos estão ... '–

1
XLV 'Por favor', disse Équion, um fabricante de colchas de retalhos, 'expresse
2
melhor suas idéias. "Ora de um jeito, ora de outro" disse um camponês: ele tinha
perdido seu porco malhado. | O que hoje não é, amanhã será: assim vai-se levando a
3
vida. | Por Hércules, nossa pátria não poderia ser considerada melhor, se ela tivesse
homens. Mas ela está em dificuldade, e não é a única. Não devemos ser exigentes; em
4
qualquer lugar que se vá o céu está sempre no centro. Em qualquer lugar que você
esteja, dirá que aí os porcos assados andam. E atenção ! Nós teremos um excelente
combate de gladiadores daqui a três dias, no feriado; um grupo de participantes não
profissional, mas com muitos libertos. 5 Nosso Tito tem um grande coração, mas é um
cabeça-quente. Se não for de um jeito, será de outro, de qualquer maneira alguma coisa
6
será. Eu sou amigo íntimo dele e sei que ele não é volúvel. Ele oferecerá armas de
ferro da melhor qualidade, sem possibilidade de fuga, um grande carnívoro no meio,
para que o anfiteatro possa ver. E ele tem de onde. Foram deixados para ele de herança
trezentos milhões de sestércios: o pai dele infelizmente morreu. Mesmo que ele gaste
quatrocentos mil, seu patrimônio não se abalará e seu nome será sempre lembrado. 7 Ele
já conseguiu alguns cidadãos romanos, uma gladiadora, que combate em cima de um
carro, e o tesoureiro de Glicão, que foi apanhado em flagrante, quando se deleitava com
a mulher dele. 8 Será possível assistir a uma disputa do povo entre os que defendem os
ciumentos e os que defendem os amantes. Glicão, contudo, um homem mesquinho,
entregou seu tesoureiro às bestas. Isto é que é se exibir. Em que o escravo pecou, se ele
foi forçado a fazer isso ? Aquela prostituta, sim, é que merecia que um touro a
9
arremessasse bem longe. Mas, quem não consegue bater no burro, bate na cangalha.
Mas por que Glicão pensava que uma filha de Hermógenes poderia dar alguma vez em
alguma coisa boa ? Ele conseguia cortar as unhas de um abutre voando; cobra não gera
corda. Quanto a Glicão, ele permitiu as suas; e, assim, durante o tempo em que ele
viver, carregará este estigma, e quanto a ela, nada, senão o Orco, poderá destruir. 10 Mas
cada um peca por si. Mas eu estou sentindo que nosso Mamea oferecerá a nós um
banquete, dois denários para mim e para os meus. Porque, se ele fizer isto, tirará de
11
Norbano toda a demonstração de apoio. É preciso que se saiba que ele buscará a

302
vitória a toda força. E, realmente, o que ele fez de bom para nós ? Ofereceu gladiadores
medíocres, já decrépitos, que se alguém soprasse, cairiam; eu já vi melhores gladiadores
enfrentando as feras. Ele colocou em combate cavaleiros de enfeite; poder-se-ia pensar
que eles eram uns frangotes: um é uma mula manca, o outro é cambota, o reserva é um
12
morto para substituir outro morto, pois ele possui os músculos atrofiados. O único
que fez alguma coisa foi o Trex, que pelo menos lutou segundo o regulamento. Em
resumo, todos depois foram atingidos; até esse ponto, eles tinham ouvido da multidão:
13
"Mostrem a que vieram !": verdadeiras tentativas de fuga. "Mas eu ofereci um
combate de gladiadores a você", ele disse; e eu bati palmas para você. Faça as contas, eu
estou dando mais a você do que recebi. Uma mão lava a outra.

1
XLVI Agamênon, parece que eu ouvi você dizer: "Por que será que este chato fica
tagarelando sem parar ?" Porque você, que pode falar, não fala. Você não é do nosso
meio e, por isso, zomba da linguagem dos pobres. Nós sabemos que você não se mistura
2
por causa de sua instrução. Mas por que isso agora ? Um dia desses eu convencerei
você a vir ao campo e ver nossas cabanas. Encontraremos o que comer, frango, ovos:
será bom, embora este ano uma tempestade sem precedentes tenha devastado tudo. Mas,
3
como eu ia dizendo, encontraremos de onde possamos saciar nossa fome. E meu
menino já pode ser aluno seu. Ele já sabe falar a divisão até por quatro; se ele viver,
você terá um escravo a seu lado. Quando ele tem um tempinho livre, não levanta a
cabeça da tábua de escrever. Ele é hábil e de boa aparência, embora seja doente por
4
aves. Eu mesmo já matei três pardais dele e disse que uma doninha os comeu. No
entanto, ele descobriu outras brincadeiras e gosta muito de pintar. 5 Mas, ele já pôs fim
ao mau grego e começou a se aproximar do latim de modo até satisfatório, ainda que
seu professor seja muito devagar. Também ele não se detém em um único ponto, mas
6
vai e vem (...) Ele gosta de Literatura, mas não quer trabalhar. Há ainda um outro
professor, não tão instruído, mas curioso, que ensina até mais do que sabe. E, assim, nos
dias de folga, ele costuma ir lá em casa e se contenta com qualquer coisa que se dê para
7
ele. Mas, como eu ia dizendo, agora eu comprei para meu filho vários livros de
Direito, porque eu quero que ele tenha pelo menos noções básicas de advocacia. Este
assunto garante o pão de cada dia. Mas a verdade é que ele está bastante estragado pela
Literatura. Se ele abrisse mão disso, eu faria com que ele aprendesse uma profissão,
barbeiro, ou pregoeiro, ou certamente advogado, que nada, a não ser o Orco, poderia
tirar dele. 8 Por este motivo, eu martelo na cabeça dele diariamente: "Meu primogênito,

303
acredite em mim, qualquer coisa que você aprende, aprende para você. Você vê o
advogado Fileros: se não tivesse aprendido uma profissão, hoje ele não tiraria a fome de
sua boca. Há pouco tempo atrás, bem pouco, ele carregava em seu pescoço mercadorias
expostas à venda; agora, ele se engrandece até mesmo na presença de Norbano. A
literatura é um tesouro, mas uma profissão nunca morre".

1
XLVII Conversas desta natureza cintilavam aqui e ali, quando Trimalquião entrou e,
depois de enxugar sua testa, lavou as mãos com perfume; após um pequeno intervalo de
2
tempo, disse: 'Perdoem-me, amigos, mas já há muitos dias meus intestinos não
trabalham para meu alívio. Nem os médicos têm uma explicação para isso. Mas foi útil
para mim uma infusão de casca de romã e de pinheiro em vinagre. 3 Espero, contudo,
que eles já recuperem seus antigos bons modos. De outra maneira, em volta de meu
estômago retumbará um som daqueles, vocês podem achar que é um touro. 4 É por isso
que, se algum de vocês quiser liberar seus gases, não há porque ter vergonha disso.
Ninguém nasceu compactado. Eu acho que não existe suplício tão grande quanto não
5
soltar. Esta é a única coisa que nem Júpiter pode proibir. Você está rindo, Fortunata,
você que costuma fazer com que eu perca o sono à noite ? E, contudo, eu não proíbo
ninguém nesta sala-de-jantar de fazer o que lhe agrade e, além disso, os médicos
proíbem segurar os gases. Mesmo se aparecer alguma coisa a mais, está tudo preparado
6
do lado de fora: água, penico e outras coisinhas menos importantes. Acreditem em
mim, se se prende o vapor que quer sair e ele vai para o cérebro, isso causa um tumulto
no corpo inteiro. Eu sei de muitos que se colocaram em grandes dificuldades, porque
não quiseram reconhecer este fato incontestável'. 7 Nós agradecemos sua generosidade e
complacência e, logo após, contivemos o riso com aquelas bebidinhas servidas sem
8
interrupção. E nós ainda não sabíamos que, como dizem, tínhamos subido apenas a
metade da ladeira da suntuosidade. Depois que, ao som da orquestra, as mesas foram
limpas, três porcos brancos foram conduzidos até a sala-de-jantar, enfeitados com
mordaças e campainhas, dos quais um tinha 2 anos, o outro 3 anos e o terceiro já tinha
9
6, assim dizia o escravo que os conduzia. Eu estava achando que iriam entrar
malabaristas e que os porcos, como é de costume em reuniões, revelariam algum
10
presságio. Mas Trimalquião, dissipando nossa curiosidade, disse: 'Qual desses vocês
querem que seja imediatamente preparado para o jantar ? Um franguinho e outras
porcarias preparam os camponeses: meus cozinheiros costumam preparar até mesmo um
11
bezerro num caldeirão'. E imediatamente ordenou que o cozinheiro fosse chamado e,

304
sem aguardar nossa escolha, ordenou que fosse morto o mais velho. Depois, em voz
12
alta, perguntou: 'De qual decúria você é ?' Como ele respondeu que era da
quadragésima, Trimalquião disse: 'Comprado ou nascido em minha casa ?' - 'Nem um
13
nem outro', disse o cozinheiro, 'Fui deixado para o senhor no testamento de Pansa'.
'Então, preste atenção', ele disse, 'para servir com pontualidade, se não, ordenarei que
você seja jogado na decúria dos mensageiros'. E, para completar, a comida conduziu o
cozinheiro para a cozinha, advertindo-o de sua força.

1
XLVIII Trimalquião volveu os olhos para nós com ar doce e disse: 'Se o vinho não
2
agrada vocês, eu mudarei; são vocês que devem julgar se ele é bom. Graças aos
deuses, eu não compro nada, mas tudo isso que agora dá água na boca de vocês vem de
uma propriedade minha que eu ainda não conheci. Dizem que é vizinha à de Tarracina e
3
à de Tarento. Agora eu quero unir a Sicília através de pequenas propriedades, para
que, quando eu tiver vontade de ir à África, navegue pelos limites de minha
4
propriedade. Mas, conte para mim, Agamênon, em que tipo de controvérsia você se
exercitou hoje ? Eu, se por um lado, não me dedico a processos no tribunal, por outro,
no entanto, adquiri conhecimentos para meu uso próprio. E para que você não pense que
eu tenho repugnância pelos estudos, saiba que eu possuo três bibliotecas, das quais uma
é grega, a outra é latina. Mas, como eu ia falando, diga, por favor, o assunto de seu
discurso'. 5 Quando Agamênon disse: "Um pobre e um rico eram inimigos', Trimalquião
falou: 'O que é um pobre ?' - 'Ótimo !', disse Agamênon e expôs não sei que tipo de
6
argumentação. Imediatamente, Trimalquião disse: 'Se isso é um fato, não existe
7
controvérsia; se não é um fato, não é nada'. Como nós honramos estes e outros
comentários com elogios generosíssimos, ele disse: 'Por favor, meu caríssimo
Agamênon, por ventura você se lembra de cor dos doze trabalhos de Hércules, ou da
Odisséia, ou de como o Ciclope arrancou o polegar de Odisseu com um alicate ? Eu,
quando era criança, costumava ler estas histórias em Homero. 8 Eu mesmo vi com meus
próprios olhos a autêntica Sibila de Cumas, suspensa em um vaso de barro, e, quando os
garotos diziam a ela em grego: 'Sibila, o que você quer ? ', ela respondia: 'Eu quero
morrer'.

1
XLIX Ele ainda não tinha soltado tudo, quando uma bandeja com um porco enorme
2
ocupou a mesa. Nós ficamos admirados com aquela agilidade e juramos que nem
mesmo um franguinho poderia ser bem cozido tão depressa, tanto mais porque aquele

305
porco parecia a nós ser muito maior do que o javali que pouco antes tinha sido
apresentado. 3 Em seguida, Trimalquião, examinando-o atentamente mais e mais, disse:
4
'O quê ? O quê ? Este porco não foi destripado ? Por Hércules, não foi. Chame o
cozinheiro aqui agora !' 5 Quando o desolado cozinheiro colocou-se junto à mesa e disse
que tinha esquecido-se de retirar as tripas, Trimalquião exclamou: 'O quê ? Você se
esqueceu ? Vocês podem pensar que ele nunca manuseou pimenta e cominho. Tire as
roupas dele !' 6 Sem qualquer demora, o cozinheiro é despojado de suas vestes e, triste,
se coloca entre dois carrascos. No entanto, todos intercederam por ele e disseram: 'Isso
costuma acontecer, nós pedimos, deixe-o ir; se ele fizer isso depois, nenhum de nós
7
pedirá em seu favor'. Eu, de um rigor extremamente insensível, não pude conter-me,
mas inclinando-me até o ouvido de Agamênon, disse: 'Com certeza este servo deve ser
um inútil por completo: alguém se esqueceria de retirar as tripas de um porco ? Por
8
Hércules, eu não o perdoaria, mesmo se fosse um peixe'. Mas não Trimalquião, que,
com feições relaxadas, demonstrando alegria, disse: 'Então, porque você tem uma
memória tão ruim, retire as tripas dele na frente de todos nós !' 9 O cozinheiro, depois de
recuperada sua túnica, agarrou uma faca e abriu o ventre do porco de um lado e de outro
10
com mão cautelosa. Sem demora, das fendas abertas, por causa da força de seu peso,
espalharam-se salsichas com intermináveis chouriços.

1
L Depois disso, a criadagem bateu palmas espontaneamente e proclamou a uma só
voz: "Viva Gaio!" E também o cozinheiro foi honrado com uma bebida, além de uma
2
coroa de prata, e recebeu um copo em uma bandeja de Corinto. Como Agamênon a
examinou com cuidado mais de perto, Trimalquião disse: 'Eu sou o único que possui
3
objetos autênticos de Corinto'. Eu esperava que, em função do orgulho afetado, ele
dissesse que os vasos tinham sido trazidos de Corinto especialmente para ele. 4 Mas ele
disse melhor: 'E talvez você esteja questionando por que eu seja o único que possuo
objetos autênticos de Corinto: naturalmente porque o artesão, do qual eu os compro, se
chama Corinto. Ora, o que é mais autenticamente de Corinto, se não alguém que tenha
5
Corinto no nome ? E para que vocês não pensem que eu sou um ignorante, eu sei
muito bem de onde surgiram pela primeira vez as peças de Corinto. Quando Tróia foi
capturada, Haníbal, um homem sagaz e um grande velhaco, amontoou todas as estátuas
de bronze, de prata e de ouro em uma única fogueira e as incendiou; essa mistura com
6
bronze se transformou em uma coisa só. Assim, os artesãos criaram a partir dessa
massa e fizeram pratos pequenos e grandes, além de estatuetas. Dessa forma, surgiram

306
os objetos em bronze de Corinto, a partir de tudo em uma só coisa, nem isto, nem
7
aquilo. Perdoem-me o que vou dizer: para meu gosto, eu prefiro os objetos de vidro,
pelo menos eles não têm cheiro. Porque, se eles não se quebrassem, eu os preferiria ao
ouro; mas, agora eles não têm valor.

1
LI Existiu, contudo, um artesão que fabricou uma taça de vidro que não se quebrava.
2
Então, ele foi recebido pelo Imperador com sua obra-prima; em seguida, conseguiu
pegá-la das mãos do Imperador e a lançou sobre o chão. 3 O Imperador não poderia ter
levado um susto maior. Mas ele ergueu a taça do chão; ela estava amassada, em função
4
do choque, tal como um vaso de bronze. Em seguida, ele retirou um martelinho do
bolso e calmamente corrigiu o amassado da taça com perfeição. 5 Feito isso, achava que
tinha em mãos o testículo de Júpiter, principalmente depois que disse a ele: "Por acaso
outra pessoa conhece a fórmula desta fabricação de objetos de vidro ? "Atenção agora !
6
Depois que negou, o Imperador ordenou que ele fosse decapitado; porque se, de fato,
isso tivesse sido divulgado, nós trataríamos ouro como merda'.

1
LII Eu tenho grande interesse por objetos de prata. Possuo mais ou menos cem
taças de urna ... * de que maneira Cassandra mata seus filhos e os meninos mortos ficam
estendidos no chão, de forma tal que se poderia achar que estão vivos. 2 Possuo um vaso
de uma só asa, que um de meus antigos senhores me deixou como herança, onde Dédalo
3
coloca Níobe dentro do cavalo de Tróia. Possuo os combates de Hermerote e Petrita
em meus copos, tudo isso bastante pesado; eu não vendo meu conhecimento por
dinheiro nenhum'.
Enquanto ele dizia essas coisas, um jovem escravo derrubou um cálice no chão. 4
Olhando para ele, Trimalquião disse: 'Castigue-se a si próprio agora mesmo, pois você é
5
um imbecil'. Imediatamente o garoto, depois de soltar a vasilha, começou a suplicar.
Mas ele disse: 'Por que você está suplicando a mim ? Como se eu é que fosse
desagradável para você. Eu aconselho você a se esforçar para não ser um imbecil'. 6 Por
fim, então, aplacado por nós, concedeu o perdão ao garoto. Ele, autorizado a sair, correu
em volta da mesa ...
7
E gritou 'Água fora, vinho dentro' ...
Nós acolhemos esse gracejo do brincalhão, e mais do que todos Agamênon, que
sabia como se comportar para ser novamente convidado a jantar. 8 De resto, o celebrado

307
Trimalquião bebeu muito alegremente e, mais bêbado do que são, disse: 'Nenhum de
vocês vai pedir a minha Fortunata que dance ? Acreditem em mim: ninguém faz a dança
da corda melhor do que ela.
9
E ele próprio, com as mãos erguidas sobre a testa, imitava o ator Siro, enquanto
10
todos os criados cantavam em coro: madeia perimadeia. E ele teria avançado até o
centro da sala, se Fortunata não tivesse aproximado-se de seu ouvido; eu acho que ela
11
disse que tolices tão baixas não combinavam com um homem de sua importância.
Nada, contudo, era tão inconstante, pois na mesma hora que ele respeitava sua
Fortunata, já voltava a seu natural.

1
LIII Mas aquele seu impulso de dançar foi bruscamente interrompido por seu
contador, que, como se fosse o Diário Oficial de Roma, leu em voz alta: 2 'No dia 26 de
Julho, nas terras de Cumas que pertencem a Trimalquião, nasceram 30 meninos, 40
meninas; foram deslocados da eira para o celeiro quinhentos mil módios de trigo; foram
3
domesticados quinhentos bois. Nesse mesmo dia: O escravo Mitridates foi arrastado
4
para a cruz, porque falou mal do gênio de nosso Gaio. Nesse mesmo dia: foram
5
recolocados no cofre cem mil sestércios, que não puderam ser investidos. Nesse
mesmo dia: aconteceu um incêndio nos jardins de Pompeu, originado na lareira do
caseiro Nasta'. 6 'O quê ?' - disse Trimalquião - 'quando esses jardins de Pompeu foram
comprados para mim ?' - 'No ano passado', disse o contador. 'É por isso que eles ainda
8
não entraram no livro de contabilidade'. Trimalquião irritou-se e disse: 'Quaisquer
propriedades que forem compradas para mim, a não ser que eu tome conhecimento
disso no máximo em seis meses, eu proíbo que sejam lançadas em minha contabilidade'.
9
Até mesmo as proclamações dos edis já estavam sendo lidas em voz alta e os
testamentos dos guardas-florestais, pelos quais Trimalquião era deserdado através de
10
uma cláusula; em seguida, foram lidos os nomes dos caseiros, o de uma liberta,
abandonada pelo guarda, apanhada em flagrante tendo relações sexuais com o escravo
encarregado dos banhos e o de um escravo, que guardava o átrio, banido para a cidade
de Baias; depois, informou-se que o contador foi feito réu e que o julgamento ocorreu
entre os escravos de quarto.
11
Mas, finalmente, chegaram os malabaristas. Um idiota, imbecil por completo,
apoiou-se em uma escada e ordenou que um garoto dançasse aquelas canções pelos
degraus até a parte mais alta da escada, que atravessasse em seguida os círculos de fogo

*
Texto mutilado.

308
12
e que carregasse uma ânfora com os dentes. Trimalquião era o único que admirava
essas performances e dizia que aquela era uma profissão ingrata; de resto, disse que
havia nas coisas humanas duas que ele via com muitíssimo prazer: os malabaristas e os
13
corneteiros; as outras coisas, os animais, os músicos, eram autênticas porcarias. Ele
disse: 'Eu tinha contratado também atores cômicos, mas preferi que eles representassem
a Atelana e ordenei que meu flautista do coro tocasse canções latinas'.

LIV. 1 Quando Gaio estava acabando de dizer estas coisas, um escravo caiu sobre o leito
de Trimalquião. A criadagem gritou toda ao mesmo tempo, e não menos os convidados,
não por causa daquele homem tão estúpido, cujo pescoço eles teriam até mesmo prazer
em ver quebrado, mas por causa do desfecho desagradável do jantar, com o receio de
2
que fosse necessário velar um morto que lhes era indiferente. Quando Trimalquião
gemeu fortemente e deitou-se sobre o braço aparentemente ferido, afluíram os médicos
e, entre os primeiros, estava Fortunata, de cabelos soltos, com uma taça na mão, e
gritando, com toda a força, que ela era uma infeliz e uma azarada. 3 O escravo, que tinha
caído, já há muito tempo perambulava em volta de nossos pés e pedia perdão. Para mim,
aquilo era o péssimo sinal de que aquela catástrofe tinha sido planejada, para
transformar as súplicas em alguma atitude ridícula logo a seguir. E, a propósito, aquele
cozinheiro, que tinha esquecido-se de tirar as tripas do porco ainda não tinha saído dali.
4
Então, examinei com desconfiança toda a sala-de-jantar, para ver se não iria sair de
dentro da parede uma máquina automática qualquer, principalmente depois que um
escravo foi chicoteado, porque tinha envolvido o braço ferido de seu senhor com lã
5
branca, e não com a tingida de púrpura. E minha suspeita não esteve muito longe de
acontecer, pois, no lugar de um castigo, veio um decreto de Trimalquião, no qual ele
ordenou que o escravo assumisse a condição de livre, para que ninguém pudesse dizer
que um senhor de tamanha importância tinha sido ferido por em escravo.

1
LV . Nós aprovamos inteiramente sua atitude e tagarelamos em diversos diálogos
2
sobre como as coisas humanas estão num abismo. 'Por isso', disse Trimalquião, 'não
convém que este incidente passe adiante sem registro por escrito'; e imediatamente
pediu uma tabuinha de escrever e, sem demora, depois de contorcer seus pensamentos,
recitou estes versos:

3
'O que vem sem ser esperado torna-se atravessado

309
 e, mais do que nós mesmos, Fortuna cuida dos negócios.
Por isso, dê-nos garrafas de vinho Falerno, garoto'.

4
A partir deste epigrama, a conversa recaiu sobre o assunto poetas ... e, durante muito
5
tempo, o primeiro lugar foi atribuído a Mopso da Trácia, até que Trimalquião disse:
'Por favor, professor, responda-me: O que você acha que diferencia Cícero de Publílio ?
Eu penso que um foi mais eloqüente, o outro, mais nobre. O que de melhor se pode
dizer deles ?

6
"O desejo de luxo enfraquece as muralhas com a gargalhada de Marte.
Para satisfazer seu paladar, mantém-se em cativeiro um pavão,
coberto por suas plumas de ouro da Babilônia,
para você, a galinha da Numídia, para você, o galo eunuco.
Até mesmo a cegonha, este importado bem-acolhido exemplo de dedicação materna
5 do estrangeiro, com seus pés graciosos, tocadora de castanhola,
ave em exílio do inverno, sinal de tempos arrefecidos,
acabou de fazer seu ninho de malícia em nosso lar.
Que fim levou seu estimado tesouro, a pérola indiana ?
Será que está servindo para que a indomável matrona, enfeitada com jóias marinhas,
10 levante as pernas em uma cama importada ?
A que fim se destinou a verdejante esmeralda, este precioso vidro ?
Para que você deseja as pedras brilhantes de Cartago ?
Que outra razão haveria, senão para que sua probidade ostente o brilho dos rubis ?
É justo que uma mulher casada ponha sobre si roupas tecidas com vento,
15 que se exponha nua na frente de todos usando uma névoa de linho ?"

LVI . 1 'Mas', ele continuou, 'segundo a avaliação de cada um de nós, qual profissão
2
podemos considerar como sendo a mais difícil ? Eu acho o médico e o banqueiro
cambista. O médico, porque ele sabe o que os pobres homens têm no interior de suas
vísceras e quando a febre está para chegar, ainda que eu os odeie muitíssimo, 3 porque
eles freqüentemente mandam que seja preparada carne de pato para mim; o banqueiro
cambista, porque ele consegue ver cobre por detrás da prata. 4 Dentre os animais que só
sabem mugir, os que mais trabalham são os bois e as ovelhas. Os bois, porque, através
de seu serviço, nós comemos pão; as ovelhas, porque, elas nos tornam mais vaidosos
com sua lã. 5 E o que é uma atitude revoltante: come-se a carne da ovelha e, de quebra,
6
ganha-se uma túnica. Quanto às abelhas, penso que elas são animais divinos, porque
elas vomitam mel, se bem que se diga que elas o trazem de Júpiter. E elas picam pelo

310
seguinte motivo: porque onde quer que haja doce, aí também poder-se-á encontrar o
amargo'.
7
Ele já estava também jogando a atividade dos filósofos abaixo, quando
circularam bilhetes de sorteio dentro de uma taça e um escravo, destinado a este ofício,
leu em voz alta os presentes sorteados. 8 'Prata criminosa': foi trazido um pernil, sobre o
qual estava colocado um galheteiro. 'Corda no pescoço': foi trazido um pedacinho de
carne em forma de colar. 'Mal-entendidos e briga': foram oferecidos + biscoitos
* 9
salgados + e um bastão com uma maçã. 'Alhos e pêssegos': um convidado recebeu
um chicote e uma faca. 'Pardais e mata-mosca': uva e mel ático. 'Roupa de festa e roupa
de ir ao fórum': alguém recebeu um pedacinho de carne e tábuas de escrever. 'Canal e
pedal': foram entregues uma lebre e um par de sandálias. 'Moréia e letra': alguém
10
ganhou um rato amarrado a uma rã e um feixe de acelga. Nós rimos durante muito
tempo. Do tipo destes ainda houve mais um monte, de que já não me lembro mais.

LVII . 1 Mas, quando Ascilto, com sua incontrolável indisciplina, zombou de tudo isso
com suas mãos erguidas e riu até chorar, um dos companheiros de liberdade de
Trimalquião, aquele mesmo que estava à mesa logo depois de mim, irritou-se e disse:
2
'Por que você está relinchando aí, seu quadrúpede ? Por acaso o requinte de meu
senhor não agrada a você ? Você certamente é mais rico e costuma jantar melhor. Que a
deusa protetora deste lugar esteja do meu lado, pois, se eu estivesse jantando perto dele,
já teria fechado sua matraca. 3 Um afetado, que pensa que pode ridicularizar os outros;
não sei que tipo de vagabundo, um ladrão barato, que não vale nem sua própria urina.
Em resumo, se eu mijar em volta dele, ele não saberá por onde poderá fugir. Por
Hércules, eu não costumo apelar rápido, mas é na carne fresca que os vermes nascem.
4
Ele está rindo ! O que é que tem de tão engraçado ? Por acaso seu pai comprou um
filho com uma faca afiada ? Você é cavaleiro romano ? E eu sou filho de um rei. "Por
que, então, serviu como escravo ?", você se pergunta. Porque eu mesmo me entreguei à
servidão e preferi ser um cidadão romano a ser um usurpador. E agora espero viver de
5
forma tal, que eu não seja motivo de piada para ninguém. Eu sou um homem
exemplar, ando com a cabeça erguida; não devo nem uma moedinha de bronze a
ninguém; nunca tive de fazer acordo no tribunal, ninguém nunca disse a mim no fórum:
6
"Pague o que você me deve". Comprei um pedacinho de terra, guardei algum

*
+ + Expressão de sentido incerto. O trecho parece ter sido corrompido.

311
dinheirinho; alimento vinte estômagos e um cão; comprei a liberdade de minha esposa,
para que ninguém passe as mãos nela; paguei mil denários pela cabeça dela; fui
escolhido séviro de graça; espero morrer de um jeito tal, que não tenha com o quê me
7
envergonhar depois de morto. Você, no entanto, é tão esperto, então por que não
volta os olhos para si próprio ? Em outra pessoa, você enxerga piolho, em você mesmo,
8
não vê nem carrapato. Nós parecemos ridículos somente para você; lá está seu
professor, um homem mais velho: para ele nós somos agradáveis. Você, que ainda
cheira a leite, não sabe de cor nem o ba, be, bi, bo, bu, você é um vaso de barro, ou
melhor dizendo, um pedaço de couro na água: mais pegajoso, não mais virtuoso. 9 Você
é mais sortudo: almoce duas vezes, jante duas vezes. Eu prefiro minha honestidade a
tesouros. Em uma palavra, quem é que já reclamou de mim duas vezes ? Fui escravo por
quarenta anos; contudo, ninguém sabe se eu era escravo, ou livre. E eu cheguei a esta
colônia um menino de cabelos compridos; o Palácio da Justiça nem tinha sido
construído ainda. 10 No entanto, eu me dediquei a satisfazer plenamente meu senhor, um
homem cheio de dignidade e honra, cuja unha valia mais do que você inteiro. E eu tinha
pessoas em casa que queriam passar a perna em mim de um jeito, ou de outro; mas 
graças à proteção dele!  eu consegui escapar. 11
Estas são verdadeiras lutas pela
sobrevivência, pois nascer livre é tão fácil quanto dizer "Venha cá". Por que você está aí
olhando com cara de bobo, como um bode quando vê uma ervilha ?'

LVIII. 1 Depois desta frase, Gitão, que estava junto a nossos pés, indecentemente soltou
2
uma gargalhada já há muito tempo contida. Quando o rival de Ascilto viu isto, dirigiu
seu falatório ao garoto e disse: 'Mas você, até você está rindo, sua cebola de cabelos
encaracolados ? Ah, é ! Os Saturnais ! Mas, por acaso já é o mês de Dezembro ?
Quando foi que você pagou seu imposto da vintena ? ... O que é que se pode fazer com
você, seu pedacinho de tortura, sua comida de corvos ? Eu já cuidarei para que Júpiter
se enfureça com você e com este sujeitinho, que não domina você. 3 Que eu fique de tal
forma saciado de comida, que eu consiga perdoar tal disparate na presença de meu
colega Trimalquião; se não fosse por isso, eu já teria vomitado em você na mesma hora.
Nós estamos passando bem, obrigado, mas estas porcarias, que não dão conta nem de
mandar em você, não sei não. 4 É claro que tal senhor, tal escravo. Eu estou custando a
me segurar, e olha que eu não sou um cabeça-quente por natureza, mas quando começo,
reduzo até minha própria mãe a dois centavos. Está certo, eu ainda vou ver você na rua,
seu rato, ou melhor dizendo, sua toupeira: que eu não cresça nem para cima, nem para

312
baixo, se eu não acabar com esse seu senhor; e eu não pouparei você, mesmo que você
5
chame Júpiter Olímpico para ajudar. Eu me esforçarei muito para que esta sua linda
cabeleira seja reduzida a um cacho de banana e seu senhor a dois centavos. 6 Está bem,
você ainda vai cair em minhas garras: ou eu não me conheço, ou você não vai ficar
7
fazendo gracinhas por aí, ainda que você tenha a barba dourada. Cuidarei para que
Atana se enfureça com você e com este que foi o primeiro a transformar você nesta
pessoa ridícula. Eu não aprendi geometria, crítica literária e outras porcarias sem
sentido, mas sei gravar letras em pedras, sei tirar porcentagem de moedas de bronze, de
8
pesos de libra, de um dracma. Em resumo, se você quiser, eu e você faremos um
acordo: avance, eu trago minha espada. Você já saberá que seu pai perdeu o dinheiro
que gastou com você, ainda que você conheça até mesmo retórica. Veja isto:

"Qual de nós é assim: eu chego de comprido, eu chego de lado; solte-me? "

9
Eu direi a você qual de nós corre e não se move do lugar; qual de nós cresce e se torna
menor. Você corre, olha com espanto, mostra-se embaraçado, tal como um rato preso
num penico. 10 Então, ou cale a boca, ou pare de molestar os superiores, que nem sabem
que você existe; ainda assim você acha que eu estou preocupado esses anéis amarelos
11
que você roubou de sua amante. Valham-me deuses! Vamos ao fórum e tentemos
pedir dinheiro emprestado: você imediatamente saberá que este ferro aqui tem crédito
12
na praça. Ah ! Que coisa bonita que é uma raposa molhada ! De tal forma ganharei
dinheiro e de tal forma terei uma morte boa, que o povo, durante meu caminho para o
cemitério, não falará em outra coisa senão que eu persegui você por toda a parte com
13
minha toga atrapalhada. Belo traste é este aí, que ensina a você estas coisas: um
palhaço, não um professor. Nós aprendemos de modo diferente. Assim dizia o
professor: "As coisas de vocês estão guardadas ? Direto pra casa. Cuidado para não
14
desviar a atenção do caminho, cuidado para não xingar os mais velhos". Mas, agora,
estas orientações são meras bagatelas: ninguém escapa do dinheiro. Eu, se você me vê
assim, agradeço aos deuses por minha profissão'.

LIX. 1 Ascilto tinha começado a responder a este falatório, mas Trimalquião, encantado
com a eloqüência de seu colega, disse: 'Parem com essas discussões. Seria melhor que
as coisas transcorressem tranqüilamente. E você, Hermerote, dê um tempo para o rapaz.
O sangue dele está fervendo, seja superior a ele de agora em diante. 2 Nesse tipo de

313
situação, sempre quem é vencido é que vence.Você também, quando era um
franguinho, não tinha como cantar de galo. Então, voltemos ao bom-humor do começo,
porque é melhor assim, e esperemos os Homeristas !' 3 Imediatamente entrou um grupo
de pessoas e fez escudos suspensos em hastas retumbarem ao mesmo tempo. O próprio
Trimalquião se sentou em uma almofada e, enquanto os Homeristas conversavam entre
si em versos gregos, como eles pedantemente costumavam fazer, ele lia um livro em
latim com voz cantarolada. Logo após, feito silêncio, ele disse: 'Vocês sabem que
história eles estavam representando ? Era uma vez dois irmãos chamados Diomedes e
4
Ganimedes. A irmã deles se chamava Helena. Agamênon a raptou e a substituiu por
uma corsa de Diana. É assim que Homero conta como os Troianos e os Parentinos lutam
entre si. 5 Evidentemente ele venceu e deu Efigênia, sua filha, a Aquiles em casamento.
6
Por essa razão, Ajax enlouqueceu e em breve o argumento desenvolverá a história'.
Assim que Trimalquião disse isto, os Homeristas elevaram a voz e, em meio à
criadagem que corria de todos os lados, um bezerro cozido na água foi trazido em uma
bandeja que devia pesar uns duzentos quilos, e o que é melhor, coberto com um
capacete. 7 Logo depois deste veio um Ajax, que, com a espada desembainhada, tal qual
um louco, retalhou o bezerro. Em seguida, esgrimando com a espada ora virada para
baixo, ora voltada para cima, recolheu os pedaços com a ponta e distribuiu o bezerro aos
espectadores admirados.

1
LX. Mas não foi possível admirar por muito tempo esses efeitos de tanto bom-gosto,
2
pois, de repente, os painéis do teto retumbaram e toda a sala-de-jantar estremeceu.
Aterrorizado, eu me levantei e fiquei com medo de que um malabarista qualquer
descesse pelo teto. E, não menos apavorados, os demais convidados ergueram seus
rostos, esperando para ver que novidade cairia do céu. 3 Mas, eis que, de repente, depois
que os painéis se afastaram, um arco enorme, tirado de uma cuba evidentemente de
grandes proporções, se solta lá de cima, arco este de onde pendiam coroas de ouro por
4
toda sua borda com vasos de alabastro cheios de perfume. Assim que nós fomos
convidados a pegar estes brindes, volvi meus olhos em direção à mesa ...
Já tinha sido colocada lá uma bandeja com vários bolos, que um Priapo
confeccionado pelo padeiro sustentava na parte central e, com os braços bem abertos,
segurava uvas e frutos de todo tipo, como de costume. 5 Muito avidamente nós metemos
as mãos nas frutas e, de repente, uma nova diversão ali refez a alegria. 6 Todos os bolos
e todos os frutos, tendo sido tocados com o menor movimento, soltaram açafrão e um

314
7
líquido desagradável chegou até nós. Então, pensando que aquela bandeja fosse um
objeto sagrado, coberto por um aparato tão religioso, nós nos colocamos de pé todos ao
mesmo tempo e dissemos: 'Felicidades, Pai da Pátria !' Contudo, como alguns, mesmo
depois desse ato de veneração, estivessem apoderando-se dos frutos, nós também
enchemos nossos guardanapos, principalmente eu, que não achava que nenhum presente
parecia ser bastante para encher o bolso de Gitão.
8
Nesse meio tempo, entraram três garotos vestidos com túnicas brancas, dos
quais dois depositaram sobre a mesa Lares enfeitados com bulas, e o outro, fazendo
circular uma pátera de vinho, clamava "Que os deuses estejam a nosso favor"...
Mas Trimalquião dizia que um se chamava Trabalho, o outro Prosperidade, o
9
terceiro Lucro. Nós então beijamos a autêntica estátua do próprio Trimalquião; uma
vez que todos já a tinham beijado, ficamos com vergonha de cair fora.

1 2
LXI. Então, depois que todos se desejaram vida longa e boa saúde, Trimalquião
voltou-se para Nicerote e disse: 'Você costumava ser mais amável no trato com os
outros; não sei por que você hoje está calado, nem resmunga. Por favor, se você quer
3
me ver feliz, conte aquilo que aconteceu a você'. Nicerote, encantado com a
afabilidade do amigo, disse: 'Que todo lucro passe de liso por mim, se já não faz muito
tempo que não sinto tanta satisfação de ver você tal como agora. 4 E, assim, que venham
as piadas !, se bem que eu tenha medo de que estes tais retóricos me ridicularizem. Eles
sentirão prazer nisso: mas, mesmo assim, contarei a história, pois o que me importa se
eles riem ? É melhor ser fonte de alegria do que de escárnio'.
5
Assim que disse estas palavras
contou a seguinte história:
6
'Quando eu ainda era escravo, nós morávamos em Vicus Angustus; agora a
casa pertence a Gavila. Aí, como os deuses assim o queriam, eu me tornei amante da
esposa de Terêncio, o taberneiro. Vocês a conhecem, Melissa Tarentina, mulher pra
7
ninguém botar defeito. Mas, por Hércules, eu não me aproximei dela por motivos
materiais, ou por causa dos prazeres do sexo, mas porque ela era uma pessoa de muito
bons costumes. 8 Se eu pedi alguma coisa a ela, nunca me foi negado; se ela ganhou um
centavo, eu recebi a metade; eu me entreguei de corpo e alma a ela, e nunca fui
9
enganado. O marido dela passou dessa pra melhor em uma casa de campo. E, assim,
eu fiz o possível e o impossível para chegar até ela, pois, como dizem, é nas horas
difíceis que os amigos aparecem.

315
1
LXII. Por coincidência, meu senhor tinha ido a Cápua para se livrar de uns móveis
2
usados. Eu, aproveitando a oportunidade, convenci o homem que nos hospedou a vir
comigo por uns cinco quilômetros. A propósito, ele era um soldado, forte como o Orco.
3
Nós caminhamos até quase o cantar do galo; a lua iluminava como se fosse meio-dia. 4
Nós chegamos a um cemitério: meu homem começou a andar entre as lápides; eu
permaneci sentado, cantando, e fiquei contando as lápides. 5 Logo depois, quando olhei
para meu companheiro, ele tinha-se despido e colocado todas as suas roupas à beira do
6
caminho. Meu coração quase saiu pela boca; eu estava imóvel, tal como um morto.
Mas ele mijou em volta de suas roupas e, de repente, transformou-se em um lobo. Não
pensem que eu estou brincando; nem toda a fortuna do mundo faria com que eu
mentisse. 7 Mas, como eu estava dizendo, depois que se transformou em lobo, começou
8
a uivar e fugiu para a floresta. No começo, eu não sabia nem onde eu estava; em
seguida, eu me aproximei para pegar as roupas dele: elas, no entanto, se transformaram
em pedra. Quem, senão eu, morreu de medo ? 9 Contudo, eu empunhei minha espada e
cortei os galhos + que faziam sombras assustadoras + * , até que pudesse chegar à casa
10
de minha amiga. Entrei feito um fantasma, quase sem respiração, o suor escorria
abundantemente pelas duas bochechas, os olhos mortos; com muita dificuldade eu me
11
refiz um pouco depois. Minha Melissa estranhou, porque eu tinha ido lá tão tarde, e
disse: "Se você tivesse chegado antes, pelo menos teria-nos ajudado; um lobo entrou
aqui na casa e todas as cabeças de gado ele sangrou, como se fosse um açougueiro. Mas
ele não ficou zombando de nós não, mesmo que tenha fugido, pois nosso escravo
12
atravessou o pescoço dele com uma lança". Quando eu ouvi essa história, não pude
ficar com os olhos mais arregalados do que fiquei, mas, à luz do dia, fugi para a casa de
nosso Gaio, como um taberneiro que tinha sido roubado; e quando cheguei àquele lugar,
em que as roupas tinham-se transformado em pedra, não encontrei nada, a não ser
13
sangue. Porém, quando eu cheguei à casa dele, meu soldado jazia em uma cama,
como um boi, e um médico cuidava de seu pescoço. Eu compreendi que ele era um
lobisomem e, depois disso, não consegui comer nem um pedaço de pão na casa dele,
nem se ele me quisesse matar por causa disso. 14 Cada um que faça sua avaliação sobre
esta história; se eu estou mentindo, quero que os gênios protetores de todos vocês se
voltem contra mim'.

316
1
LXIII. Enquanto todos estavam paralisados pelo espanto, Trimalquião disse: 'Eu dou
crédito a sua palavra, se alguém duvida que haja verdade no que você contou, pois eu
2
fiquei todo arrepiado, porque eu sei que Nicerote não fica contando lorotas por aí.
Muito pelo contrário, ele é de confiança e não é tagarela. E agora eu também contarei
3
uma história horripilante para vocês, tão inacreditável como um asno no telhado.
Quando eu ainda tinha cabelos compridos, pois desde criança levei uma vida mansa, o
queridinho do senhor de nossa casa morreu, por Hércules, ele era uma pérola, +
perfeito + * em todos os sentidos. 4 Então, quando sua pobre mãezinha chorava por ele e
muitos de nós também compartilhavam de sua tristeza, subitamente, bruxas começaram
a fazer um barulho estridente; a gente podia pensar que era um cachorro perseguindo
5
uma lebre. Naquela época, nós tínhamos um homem da Capadócia, alto, muito
6
corajoso e que era forte: conseguia carregar um touro bravo. Ele corajosamente
avançou para fora, espada em punho, com a mão esquerda cuidadosamente protegida, e
atravessou uma daquelas mulheres bem no meio, como se fosse neste lugar aqui  que
o meu que eu estou mostrando esteja a salvo !  Nós ouvimos um gemido, mas  é
claro que eu não vou mentir  ver as bruxas nós não vimos. 7
Porém, nosso corajoso
imbecil, acuado, projetou-se sobre uma cama e seu corpo estava todo da cor de chumbo,
como se tivesse sido ferido por chicotadas, evidentemente porque uma mão funesta
tinha tocado nele. 8 Nós, com a porta fechada, retomamos novamente nossas obrigações,
mas, no momento em que a mãe quis abraçar o corpo de seu filho, ela tocou e viu um
feixe de palha. Não tinha coração, nem intestino, nem nada: é claro que as bruxas já se
9
tinham apoderado do menino e posto em seu lugar um boneco de palha. Por favor,
vocês precisam acreditar em mim, existem mulheres que sabem demais, existem
10
feiticeiras que agem nas trevas e, o que está em cima, elas põem abaixo. De resto,
aquele imbecil grandalhão, depois do acontecido, jamais recuperou sua cor, muito pelo
contrário, poucos dias depois, morreu debatendo-se'.

1
LXIV. Nós ficamos assombrados e igualmente acreditamos e, beijando a mesa,
pedimos às feiticeiras que ficassem em casa, até que nós voltássemos do jantar.

2
E, realmente, para mim, nesse momento as lâmpadas de azeite pareciam
queimar em maior número e toda a sala-de-jantar parecia ter-se modificado, quando

*
Texto incerto.

317
Trimalquião disse: 'Eu pergunto a você, Plocamo, não vai contar nenhuma história ?
Você não está se divertindo com nada ? Você costumava ser mais agradável, recitar
diálogos com sua bela voz, cantar uma melodia lírica. 3 Ai, ai ! Vocês, meus doces figos
cristalizados, desapareceram'.  'Agora', respondeu o outro, 'minhas quadrigas
empacaram, desde quando contraí gota nos pés. Mas, quando eu era jovem, quase fiquei
tuberculoso de tanto cantar. 4 O que dizer da dança ? O que dizer dos diálogos ? O que
dizer da arte de barbeiro ? Quando eu tive alguém que se igualasse a mim na beleza da
5
voz, a não ser apenas o famoso trágico grego Apeles ?' E, colocando a mão perto da
boca, sibilou não sei o quê de desagradável, que depois ele afirmava ser em grego.
E, para completar, quando Trimalquião em pessoa estava imitando um tocador
de trombeta, olhou para seu principal objeto de prazer, que ele chamava de Croeso. 6 O
garoto, um remelento, com dentes mais do que imundos, estava segurando uma
cadelinha preta e exageradamente gorda com uma faixa verde e, em cima da cama,
7
pegava um pedaço de pão e a alimentava, mas ela recusava com ânsia de vômito.
Inspirado por este trabalho, Trimalquião ordenou que Cílax, 'segurança da casa e dos
criados', fosse conduzido até ele. Sem demora, trouxeram um cão de tamanho gigante,
preso a uma corrente, e, advertido por um chute do porteiro para que se deitasse,
8
colocou-se diante da mesa. Então, Trimalquião, jogando um pedaço de pão branco
para ele, disse: 'Ninguém em minha casa me ama mais do que ele'. 9 O garoto, indignado
porque ele elogiou Cílax tão abertamente, colocou sua cadelinha no chão e a encorajou
a procurar briga. Cílax, evidentemente servindo-se de sua natureza canina, encheu a
sala-de-jantar com seu terrível latido e quase dilacerou a pérola de Croeso. 10 Durante a
briga, não houve tumulto, mas sim quando um candelabro, derrubado em cima da mesa,
11
despedaçou todos os vasos de cristal e borrifou óleo fervente em alguns convidados.
Trimalquião, para não demonstrar que estava abalado com o prejuízo, beijou o garoto e
12
mandou que ele subisse em suas costas. Sem demora, ele fez montaria no cavalo e,
com a mão cheia, castigou as costas dele cadenciadamente e, em meio a uma
13
gargalhada, proclamou: 'Boca-livre, Boca-livre, quantos estão aqui ?' Então,
Trimalquião, livre das rédeas por algum tempo, ordenou que, em uma tigela grande, se
misturassem bebidas e que estas fossem repartidas a todos os escravos que estavam
sentados junto a nossos pés, depois de acrescentar a seguinte condição: 'Se alguém não
quiser aceitar, derrame goela abaixo. De dia, o trabalho duro, agora, a farra'.

*
Texto incerto.

318
LXV. 1 A este ato de benevolência seguiram-se deliciosas especialidades, das quais até
mesmo a simples lembrança remexe comigo, isso se há credibilidade nas coisas que eu
2
digo. Foi servida uma galinha gorda para cada um de nós, em vez de tordos, e ainda
ovos de gansa guarnecidos, que Trimalquião pediu insistentemente a nós que
comêssemos, dizendo que as galinhas tinham sido desossadas. 3 No meio de tudo isso,
um lictor abriu com força a porta de dois batentes da sala-de-jantar e um animador de
festa, vestido com um manto branco, entrou em companhia de uma grande multidão.
Eu, impressionado por toda aquela imponência, estava achando que era o governador
que tinha chegado. E, assim, procurei levantar-me e colocar meus pés descalços no
5
chão. Agamênon riu desta minha precipitação e disse: 'Contenha-se, seu bobalhão. É
só o Habinas. Ele é um dos séviro e também um especialista em lapidar pedras. Parece
que ele constrói os melhores túmulos'.
6
Reanimado por esta conversa, tornei a me deitar e, com grande admiração,
fiquei observando a entrada de Habinas. 7 Mas, ele, já bêbado, tinha apoiado suas mãos
nos ombros de sua esposa e, coberto por algumas coroas e com óleo perfumado
escorrendo pela testa em direção aos olhos, sentou-se no lugar reservado ao governador
e imediatamente pediu vinho e água quente. 8 O próprio Trimalquião, satisfeito com esta
mostra de bom-humor, também pediu uma taça com maior capacidade e perguntou
como ele tinha sido recebido. 9 Ele respondeu: 'Nós tivemos de tudo lá, só faltou você,
10
pois meus olhos estavam aqui. Mas, por Hércules, correu tudo bem. Sissa fez um
lauto banquete fúnebre para seu pobre escravo, que ela libertou depois de morto. E, eu
acho, ela ainda tem uma boa quantia de dinheiro com os cobradores de impostos, pois
11
eles avaliaram o morto em cinqüenta mil. Mas, contudo, esteve bom, mesmo que
tenhamos sido obrigados a gastar a metade de nossas bebidas sobre os ossinhos dele'.

LXVI.  1
Trimalquião disse: 'Mas o que vocês tiveram no jantar ?'  'Eu direi', ele
respondeu, 'se eu conseguir me lembrar, pois eu tenho uma memória tão boa, que
2
freqüentemente esqueço meu próprio nome. Mas, nós comemos, em primeiro lugar,
um porco coroado com salsicha e, em volta, chouriço e moela muito bem preparados e,
com certeza, acelga e pão integral de fabricação própria, que eu prefiro ao pão branco,
pois ele não só recompõe as forças, mas também, com ele, não choro quando faço o que
só eu posso fazer por mim. A bandeja seguinte foi uma torta gelada e, por cima, mel
quente infuso em excelente vinho da Hispânia. Da torta mesmo eu não comi nem um

319
4
pedacinho, com o mel eu me lambuzei sem parar. De todos os lados grão-de-bico e
tremoços, avelã à vontade e uma maçã para cada um. Eu, no entanto, peguei estas duas,
que trouxe amarradas neste guardanapo, pois se eu não levar um presente para meu
5
pequeno escravo, vai ter confusão para mim. E minha esposa está refrescando minha
memória na hora certa. Julgando pela aparência, nós pegamos um pedaço de carne de
urso, mas, quando Cintila provou dela imprudentemente, quase vomitou as tripas; eu,
pelo contrário, comi mais de uma libra, pois tinha o sabor igual ao de carne de javali. E
eu digo, se um urso come o pobre homem, por que o homem não deveria comer o urso ?
7
No ponto mais alto do jantar, nós tivemos queijo fresco, caldo engrossado de vinho
cozido, um escargot para cada um, pedaços de tripa, fígado em pequenos pratos, ovos
guarnecidos, nabo, mostarda, um pratinho para colocar os restos  calma Palamedes !
E ainda, em uma gamela, foram servidas azeitonas em conserva, onde descarados
levaram suas mãos umas três vezes. Nós ainda dispensamos um pernil.

LXVII. 1 Mas, por favor, Gaio, diga-me, por que Fortunata não está à mesa ?'  'Como
você sabe', disse Trimalquião, 'enquanto ela não guardar a prataria e não distribuir o que
sobrou aos escravos, ela não coloca nem água na boca'.  3 'Mas, de qualquer maneira',
Habinas respondeu, 'se ela não se puser à mesa, eu me retiro'. E se, depois de dada a
autorização, Fortunata não tivesse sido chamada pela criadagem mais de quatro vezes,
ele já tinha resolvido levantar-se. 4 Então, ela veio, com o vestido erguido por um cinto
amarelo esverdeado, de modo que, na parte de baixo, apareciam sua túnica cor de
cereja, a pulseira sinuosa em volta do tornozelo e as sandálias brancas bordadas em
5
ouro. Então, enxugando as mãos com um lenço, que ela trazia no pescoço, dirigiu-se
para aquele lugar à mesa, em que Cintila, esposa de Habinas, estava e, beijando a outra,
que batia palmas de contentamento, disse: 'Nem acredito que estou vendo você aqui !'
6
Em seguida, chegou-se ao ponto de Fortunata arrancar os braceletes de seus
braços gordos e mostrá-los a Cintila, que os olhava com admiração. Por fim, ela ainda
desamarrou a pulseira que estava em seu tornozelo e a rede que prendia seu cabelo, que
ela dizia ser de ouro legítimo. 7 Trimalquião percebeu isto e ordenou que todas as jóias
fossem levadas até ele e disse: 'Vejam vocês os grilhões de uma mulher: é desta forma
que nós, os babacas, somos saqueados. Aqui deve ter seis libras e meia. Mas, eu mesmo
tenho um bracelete de nada menos do que dez libras, feito da milésima parte do lucro
8
que obtive graças a Mercúrio'. No final, para não parecer que estivesse mentindo,

320
ainda mandou que fosse levada até ele uma balança e fosse demonstrado o peso reunido
ali. 9 E pior do que eles foi Cintila, que puxou de seu pescoço uma caixinha de ouro, que
ela chamava de Boa-Sorte. De lá, exibiu um par de brincos de pérola e, pagando com a
mesma moeda, entregou-os a Fortunata, para que os examinasse, além de dizer: 'Graças
a meu marido, ninguém possui brincos mais maravilhosos'.  10
'O quê ?', disse
Habinas, 'você quase me depenou só para eu comprar essa fava de vidro. Se eu tivesse
uma filha, certamente cortaria os lóbulos das orelhas dela. Se não existissem mulheres,
nós acharíamos tudo uma merda; agora, com elas, o fato é que se serve bebida quente,
mas bebe gelada'.
11
Nesse meio-tempo, as duas mulheres atacadas riram juntas e, bêbadas,
trocaram beijos, enquanto uma gabava a dedicação da dona da casa e a outra, os
12
amantes e a desatenção do marido. E enquanto elas estavam assim, agarradas uma à
outra, Habinas, às escondidas, levantou-se de uma vez e jogou sobre a cama os pés de
13
Fortunata, que ele tinha agarrado. 'Ah, não !', ela gritou, com sua túnica levantada
para cima dos joelhos. Então, recomposta, escondeu seu rosto vermelho de vergonha
com um lenço no colo de Cintila.

1
LXVIII. Em seguida, passado algum tempo, quando Trimalquião ordenou que fosse
servida a sobremesa, os escravos retiraram todas as mesas, trouxeram outras e
espargiram um pó-de-serra tingido de açafrão e vermelhão e, o que eu nunca tinha visto
antes, um pó moído de pedra espelhada. 2 Imediatamente Trimalquião disse: 'Realmente
eu podia dar-me por satisfeito com este prato, pois vocês estão saboreando a sobremesa.
Mas, se você tem alguma coisa de gostoso, traga'.
3
Enquanto isso, um escravo de Alexandria, que estava servindo água quente,
começou a imitar os rouxinóis, quando Trimalquião, imediatamente após, gritou:
'Troque'. E eis que se tem uma outra brincadeira. O escravo que estava sentado aos pés
de Habinas, autorizado, acho eu, por seu senhor, proclamou subitamente com voz
cantarolada:

Enquanto isso, Enéas com sua armada já estava em alto-mar

5
Nunca nenhum som mais desagradável penetrou meus ouvidos, pois, além de
sua declamação demonstrar uma rispidez que se perdia entre o elevar e o abaixar da voz,
ele misturava versos atelânicos, de forma tal que, pela primeira vez, até mesmo Virgílio

321
6
me desagradou naquele momento. No entanto, quando ele, cansado, finalmente
terminou, Habinas dirigiu seu olhar até ele e disse: 'Ele nunca foi à escola, mas eu o
7
eduquei mandando-o conviver com artistas de rua. É por isso que ele não tem
concorrente, se quer imitar seja os carroceiros, seja os artistas de rua. Para desespero de
seus rivais, ele é muito talentoso: do mesmo modo que é sapateiro, é também
cozinheiro, é padeiro, um escravo de toda e qualquer Musa. 8 No entanto, ele tem dois
defeitos, os quais, se não tivesse, seria perfeito: ele fez cirurgia de fimose e ronca. Eu
não me importo de ele ser vesgo: é assim que Vênus olha. É por isso que ele nunca fica
calado, dificilmente mantém os olhos fechados. Eu o comprei por trezentos denários ...

1
LXIX. Cintila o interrompeu, enquanto falava, e disse: 'É claro que você não está
2
contando todas as ocupações deste escravo imprestável. Ele é sua prostituta; mas eu
cuidarei para que ele carregue este estigma'. Trimalquião riu e disse: 'Eu reconheço um
capadócio: ele não se priva de nada e, por Hércules, eu o admiro por isso, pois ninguém
3
tira isso dele. Quanto a você, Cintila, não seja ciumenta. Acredite em mim, nós
também conhecemos vocês. Eu quero que vocês me enterrem vivo, se não é verdade que
eu costumava transar tanto com a esposa de meu senhor, que ele até começou a
suspeitar; e foi por isso que ele me mandou para bem longe, para administrar uma
fazenda. Mas cale-se, língua minha, que eu darei pão para você'. 4 Como se tivesse sido
elogiado, aquele escravo inutilíssimo retirou de seu bolso uma lâmpada de azeite feita
de barro e, por mais de meia-hora, imitou os tocadores de trombeta, enquanto Habinas o
acompanhava, pressionando o lábio inferior para baixo com a mão. 5 No final, ele ainda
avançou para o centro da sala e, sucessivamente, imitou os flautistas do coro com
pedaços de cana e, vestido com uma lacerna, representou o destino dos carroceiros com
um chicote, até que Habinas, chamando-o até si, beijou-o, ofereceu-lhe uma bebida e
disse: 'Você está cada vez melhor, Massa; eu dou a você de presente estas sandálias'.
6
E nada teria posto fim a tanta calamidade, se outra sobremesa não tivesse sido
trazida: tordos feitos com a melhor farinha-de-trigo, recheados com uvas passas e nozes.
7
Logo depois, ainda trouxeram marmelos cravados com espinhos, para que ficassem
parecendo ouriços. Para dizer a verdade, todas esses exageros seriam suportáveis, se não
fosse aquele prato, muito mais monstruoso, que fez com que nós preferíssemos mesmo
8
morrer de fome. Quando foi trazido, pelo menos era o que estávamos pensando, um
pato gordo e, em volta, peixes e todas as espécies de aves, Trimalquião disse: 'Tudo isso
que vocês estão vendo servido aqui foi feito com um só material'. 9 Eu, evidentemente o

322
homem mais esperto dali, imediatamente compreendi o que era e, olhando para
Agamênon, disse: 'Aposto que todas estas porcarias foram feitas de cera, ou mais
provavelmente, de barro. Eu vi em Roma uma imitação de pratos parecida com esta,
feita durante os Saturnais'.

1
LXX. Eu ainda nem tinha terminado minha fala, quando Trimalquião disse: 'Tanto
quanto é verdade que eu quero engordar  meu patrimônio, não meu corpo  também
2
é verdade que meu cozinheiro fez estas coisas com carne de porco. Não pode existir
um homem mais precioso. Basta querer e ele fará, com a vulva, um peixe, com o
toucinho, uma pomba, com o pernil, uma rolinha, com o joelho de porco, uma galinha.
Foi por isso que, graças a minha imaginação fértil, foi colocado nele um nome
3
belíssimo: ele se chama Dédalo. E porque ele tem uma inteligência invejável, eu
trouxe para ele de presente de Roma facas feitas com ferro nórico'. Imediatamente ele
ordenou que elas fossem apresentadas e as admirou com olhar fixo. Ele ainda nos deu a
oportunidade de encostar a ponta afiada delas no rosto.
4
Subitamente, entraram dois escravos, que estavam brigando perto de uma
5
fonte; e ainda por cima eles estavam segurando ânforas no ombro. Então, quando
Trimalquião pronunciou sua sentença em relação aos litigantes, nenhum dos dois acatou
6
a decisão do juiz, mas cada um atingiu a ânfora do outro com um bastão. Nós,
horrorizados com a insolência daqueles bêbados, dirigimos nossos olhares contra os
brigões e vimos ostras e mexilhões escorregando do interior dos vasos, os quais um
escravo, depois de recolhê-los, serviu em uma travessa. 7 O cozinheiro talentoso esteve
à altura deste luxo; em uma grelha de prata, ele trouxe escargots e cantou com sua voz
8
trêmula e desagradabilíssima. Eu me envergonho de contar o que se segue: segundo
um costume de que se tinha ouvido dizer, alguns escravos jovens de cabelos compridos
trouxeram óleo perfumado em uma bacia de prata e untaram os pés dos que estavam à
9
mesa, depois que prenderam suas pernas e tornozelos com pequenas ataduras. Em
seguida, verteu-se uma grande quantidade deste mesmo óleo na ânfora de vinho e na
lâmpada de azeite.
10
Fortunata já tinha começado a querer dançar, Cintila já aplaudia com mais
freqüência do que falava, quando Trimalquião disse: 'Eu permito a você, Filágiro, você
também Cário, embora você seja um famoso simpatizante do verde, diga também a
11
Menófila, sua esposa, que tome lugar à mesa'. O que me resta dizer ? A tal ponto a
criadagem ocupou a sala-de-jantar inteira, que nós quase fomos derrubados de nossos

323
12
lugares. Sem dúvida alguma eu notei que, sobre mim, tinha-se colocado aquele
cozinheiro, que tinha feito um ganso de carne de porco, fedendo a temperos e salmoura.
13
E ele não se contentou apenas em tomar lugar à mesa, mas, sem demora, imitou o ator
trágico Éfeso e, imediatamente após, desafiou seu senhor com esta provocação: 'Se eu
me tornar um verde, ficarei em primeiro lugar nos próximos jogos circenses'.

1
LXXI. Distraindo-se com este momento de tensão, Trimalquião disse: 'Amigos, os
escravos também são gente e igualmente beberam do mesmo leite, embora um destino
infeliz os tenha subjugado. Contudo, estando ainda vivo, eles logo irão saborear o gosto
da liberdade. Afinal, eu liberto a todos eles em meu testamento. 2 A Filágiro eu deixo de
herança uma fazenda e sua esposa, a Cário deixo não só um grupo de casas para
arrendar, mas também os cinco por cento da vintena e uma cama completa. 3 Eu coloco
Fortunata como minha herdeira universal e a recomendo a todos meus amigos. Estou
tornando públicas todas essas decisões, para que minha criadagem goste de mim desde
4
já, assim como quando eu estiver morto'. Todos agradeceram a benevolência de seu
senhor, quando ele, deixando de lado essas frivolidades, ordenou que fosse trazida uma
cópia do testamento até ele e a leu inteirinha, da primeira à última linha, enquanto a
5
criadagem soltava gemidos de satisfação. Em seguida, olhando para Habinas, ele
disse: 'O que me diz, caríssimo amigo ? Você vai construir meu túmulo do jeito que eu
6
mandei ? Eu peço a você encarecidamente que, ao longo dos pés de minha estátua,
você pinte minha cadelinha, coroas, vidros de perfume e ainda todos os combates de
Petrita, para que eu tenha o privilégio de viver depois de minha morte através de seu
trabalho; além disso, desejo que tenha cem pés de largura e duzentos de profundidade. 7
Eu quero que haja em abundância todos os tipos de frutos e de videiras em volta de
minhas cinzas. É muito mesquinho morar em casas requintadas quando vivo, mas não se
preocupar com aquelas, onde nós devemos habitar durante muito mais tempo. E é por
isso que eu quero que, antes de tudo, se escreva: "Não deve caber ao herdeiro a posse
deste monumento".
8
De resto, terei a preocupação de me acautelar no testamento, para que, depois
de morto, eu não receba nenhuma ofensa. Colocarei diante de minha sepultura um de
meus libertos, para protegê-la, para que o povo não corra para cagar em meu
monumento. 9 Eu peço a você que faça em meu monumento navios navegando a plenas
velas e eu, vestido com a pretexta, sentado na tribuna, com cinco anéis de ouro, e
derramando dinheiro de um saco em público, pois você sabe que eu dei um banquete e

324
10
duas moedas para cada um presente. Que seja feita também, se você achar
11
conveniente, a sala-de-jantar. Você fará também todo o povo se divertindo. A minha
direita, você colocará uma estátua de Fortunata, segurando uma pomba, conduzindo sua
cadelinha amarrada pela cintura, e meu queridinho, e numerosas ânforas cobertas de
gesso, para que não derramem o vinho. E você pode esculpir minha urna cinerária
quebrada e, sobre ela, um garoto chorando. Um relógio no centro, para que todos,
quando virem as horas, quer queiram, quer não, leiam meu nome. 12 Quanto ao epitáfio,
veja se este lhe parece adequado: "Gaio Pompeu Trimalquião Meceniano descansa aqui.
Estando ele ausente, foi-lhe concedido o direito de ser séviro. Embora pudesse estar em
todas as decúrias de Roma, no entanto, não o quis. Piedoso, forte, fiel, veio da pobreza,
deixou trinta milhões de sestércios, apesar de nunca ter ouvido lições de um filósofo.
Passe bem !  Você também".

LXXII. 1 Assim que Trimalquião disse isto, começou a chorar copiosamente. Fortunata
chorava, Habinas também chorava, em seguida toda a criadagem, como se convocada
2
para um funeral, encheu a sala-de-jantar com seus prantos. Definitivamente até eu já
tinha começado a chorar, quando Trimalquião disse: 'Como eu estava dizendo, já que
3
nós sabemos que iremos morrer, por que não aproveitamos a vida ? Eu quero ver
vocês felizes assim, vamo-nos reunir em minha sala de banhos, o risco é todo meu,
vocês não irão arrepender-se. 4
Ela está quente tal como um forno'.  'É verdade, é
verdade', disse Habinas, 'de um único dia fazer dois: não tem nada de que eu goste
mais'; e levantou-se de uma vez com os pés descalços e acompanhou o alegre
Trimalquião.
5
Eu, olhando para Ascilto, disse: 'O que você acha ? Eu, só de ver a sala de
banhos posso morrer na hora'.  6
'Vamos combinar', ele disse, 'e, assim que eles se
dirigirem à sala de banhos, no meio da confusão, podemos escapar'. 7 Feito o acordo,
nós, tendo Gitão como guia pelo pórtico, chegamos a uma janela, onde um cachorro
preso nos surpreendeu tanto com seu latido, que Ascilto até caiu na piscina. E eu, ainda
por cima, também bêbado, que tinha ficado com medo até de um cachorro pintado,
quando tentei oferecer ajuda ao nadador, fui arrastado para o mesmo turbilhão de água. 8
Contudo, o porteiro nos salvou, ele que, com sua intervenção, não só amansou o
cachorro, mas também retirou a nós, que estávamos tremendo, para um lugar seco. 9 E o
que é melhor, Gitão já há muito tempo tinha libertado-se do cachorro de um modo

325
extremamente inteligente, pois todos os nossos brindes do jantar que estavam em seus
bolsos ele tinha entregado àquele latidor, que, atraído pela comida, deu fim a sua fúria.
10
Para completar, quando nós, gelados, pedimos ao porteiro que nos deixasse sair de
qualquer jeito pela porta, ele disse: 'Você está enganado, se pensa que pode sair por esta
porta, por onde chegou. Nenhum dos convidados nunca foi a autorizado sair pela
mesma porta por que entrou; entram por uma, saem por outra'.

LXXIII. 1 O que poderíamos fazer, nós, os mais infelizes dos homens e prisioneiros em
2
um novo tipo de labirinto, para os quais tomar banho já se tornara um voto ? Então,
nós espontaneamente pedimos a ele que nos conduzisse à sala de banhos e, depois de
jogar no chão nossas roupas, que Gitão secou, entramos na sala de banhos, realmente
estreita e semelhante a um reservatório de água gelada, na qual Trimalquião estava de
pé. E o pior é que nem assim foi possível escapar a sua mais do que insuportável
ostentação, pois ele dizia que não existe nada melhor do que tomar banho sem a
3
multidão e que naquele mesmo lugar existiu no passado um moinho. Em seguida,
quando, cansado, assentou-se, levado pela acústica da sala de banhos, abriu sua boca
embriagada até o teto e mutilou canções de Menecrates, pelo menos era o que diziam os
4
que entendiam sua linguagem. Alguns convidados corriam em volta da borda com as
mãos entrelaçadas e faziam ressoar gargalhadas numa enorme gritaria. Outros, contudo,
com as mãos amarradas, tentavam pegar anéis no chão, ou então, de joelhos, flexionar a
cabeça para trás e tocar a ponta dos dedos dos pés. 5 Quanto a nós, enquanto os outros
faziam brincadeiras entre si, entramos em uma tina que estava reservada a Trimalquião.
Então, com a embriaguez difundida, fomos levados para outra sala-de-jantar,
onde Fortunata tinha organizado seus objetos de luxo de forma tal que, do alto [...] * eu
consegui ver lâmpadas de azeite, pequenas esculturas de pescadores feitas de bronze,
mesas inteiras de prata, cálices em volta de vasos de barro dourados e vinho jorrando de
6
um filtro em nossa frente. Então, Trimalquião disse: 'Amigos, hoje um escravo meu
fez sua primeira barba, um homem genuinamente honesto e que vive de migalhas. Por
isso, vamos festejar e jantar até o dia amanhecer'.

LXXIV. 1 Quando ele ainda estava dizendo estas coisas, um galo cantou. Perturbado por
este som, Trimalquião ordenou que fosse derramado vinho sob a mesa e, além disso,
2
que uma lâmpada de azeite fosse borrifada com vinho puro. Não satisfeito com isso,

326
passou seu anel da mão esquerda para a direita e disse: 'Não foi sem motivo que este
tocador de trombeta deu o sinal; deve ser ou porque está acontecendo um incêndio, ou
porque alguém na vizinhança está desfazendo-se de sua alma. 3 Longe de nós ! Por isso,
qualquer um que trouxer este delator receberá uma recompensa'. 4 Imediatamente após a
ordem, foi trazido um galo da vizinhança, o qual Trimalquião ordenou que fosse cozido
5
em um caldeirão. Então, picado por aquele cozinheiro muito habilidoso, que pouco
antes tinha feito aves e peixes de carne de porco, ele foi colocado na panela. E,
enquanto Dédalo engolia uma bebida quentíssima, Fortunata triturou a pimenta com um
moedor de madeira.
6
Em seguida, recolhidos os pratos especiais, olhando para a criadagem,
Trimalquião disse: 'Por que vocês ainda não jantaram ? Recolham-se, para que outros
7
venham trabalhar'. Então, uma outra tropa se aproximou e os que se retiravam
exclamaram: 'Tchau, Gaio', mas os que estavam chegando: 'Olá, Gaio'. 8 A partir desse
momento, pela primeira vez nossa alegria foi perturbada, pois, quando um garoto até
bonitinho entrou no meio dos novos escravos, Trimalquião avançou sobre ele e o beijou
9
muito longamente. Por isso, Fortunata, para provar seu sólido direito à igualdade,
xingou Trimalquião e o chamou de nojento e sem-vergonha, pois ele não conseguia
10
conter sua devassidão. No final, ela ainda acrescentou: 'Seu cachorro !' Trimalquião,
11
por sua vez, ofendido com aquela gritaria, jogou um copo na cara de Fortunata. Ela
gritou, como se tivesse perdido um olho, e levou suas mãos trêmulas ao rosto. 12 Cintila
também se assustou e protegeu, em seu colo, sua amiga, que se debatia. Para piorar a
situação, um jovem escravo, querendo ajudar, ainda jogou um baldinho de água gelada
13
nas bochechas dela, com o que Fortunata começou a gemer e chorar. Por sua vez
Trimalquião disse: 'Por que será que essa vagabunda perdeu a memória ? Eu a inventei,
eu a transformei em gente que presta. Mas ela se infla toda, tal como uma rã, e não
14
cospe em sua roupa; é um tronco de árvore, não uma mulher. Mas quem nasceu em
quarto de prostituta não imagina como é uma casa. Assim, que meu gênio me proteja,
15
mas eu vou cuidar para que esta Cassandra com botina de soldado seja domesticada.
E eu, um pobre coitado, consegui juntar uns dez milhões de sestércios. Você sabe que
eu não estou mentindo. Ágato, o vendedor de perfumes, filho daquela senhora daqui de
perto, me chamou em particular e disse: "Eu aconselho você a não deixar que sua
família se acabe". 16 Mas eu mesmo, enquanto procurava agir como um homem de bem
17
e não queria parecer fraco, atirei uma machadinha em minha perna. Com certeza, eu

*
Lacuna no texto.

327
cuidarei para que você venha procurar-me arrastando as unhas no chão. E para que você
perceba agora o que você fez a si mesma, ouça isto: Habinas, não quero que você
coloque a estátua dela em meu túmulo, para que eu não tenha de suportar este castigo
mesmo depois de morto. E mais, para que ela saiba que eu posso castigar, não quero que
ela me beije depois de morto'.

1
LXXV. Após esta fulminação, Habinas pediu-lhe que parasse imediatamente de se
irritar e disse: 'Ninguém deixa de cometer erros. Somos homens, não deuses'.2
Cintila, chorando, também disse a mesma coisa e, em nome do gênio dele, chamando-o
3
de Gaio, pediu-lhe que se acalmasse. Trimalquião não segurou as lágrimas por mais
tempo e disse: 'Habinas, pelo amor que você tem a sua fortuna, se eu fiz alguma coisa
de errado, cuspa em minha cara. 4 Eu beijei um garoto virtuosíssimo, não por causa de
sua beleza, mas porque ele é cheio de qualidades: sabe a divisão por dez, lê um livro
num piscar de olhos, adquiriu uma roupa da Trácia com seu próprio salário e comprou
uma poltrona e dois vasos para vinho com seu dinheiro. Ele não é digno de que eu tenha
apreço por ele ? Mas Fortunata se opõe. 5 Assim parece bom para você, sua escora-pés ?
6
É melhor você aproveitar a boa-vida, sua fêmea de abutre, e não me fazer mostrar os
7
dentes de raiva, minha queridinha, senão você experimentará minha cólera. Você me
conhece: o que eu resolvo uma vez fica pregado com cravo de madeira. Mas, lembremo-
nos dos vivos. 8 Por favor, amigos, sintam-se à vontade. Eu também já fui o que vocês
são agora, mas, graças a minha própria força, cheguei até aqui. É o coração que faz o
homem, o resto é resto. 9 "Compro bem, vendo bem"; um outro pode dizer outra coisa a
vocês. Eu estou saltando de felicidade. Você, no entanto, sua ronca-ronca, por acaso
10
ainda está lamentando-se ? Eu cuidarei já para que você lamente seu destino. Mas,
como eu tinha começado a falar, foi minha temperança que me conduziu até minha
fortuna. Eu cheguei da Ásia tão grande quanto este candelabro aqui. Em poucas
palavras, todos os dias eu costumava medir-me perto dele, e, para que eu tivesse um
11
rosto barbudo mais depressa, embebia meus lábios com o azeite da lâmpada.
Contudo, fui, durante quatorze anos, amante de meu dono. E isso não é vergonha
alguma, pois é o dono que manda. Eu, no entanto, satisfazia também a esposa dele. O
que eu vou dizer vocês já sabem: eu me calo, porque não sou de ficar contando
vantagens.

328
LXXVI. 1 De resto, graças aos deuses, tornei-me soberano na casa dele e, num piscar de
2
olhos, apoderei-me do miolo-mole de meu dono. O que há mais para dizer ? Ele me
colocou como herdeiro juntamente com o imperador e eu recebi um patrimônio digno
3
de um patrício. No entanto, ninguém fica satisfeito com nada. Tive a ganância de
negociar. Sem prender vocês com pormenores, eu construi cinco navios, carreguei-os
com vinho - e naquela época era como se fosse ouro -, mandei-os para Roma. 4 Talvez
achem que eu preparei isto: todos os navios naufragaram. Isso é um fato, não uma
invenção. Em um único dia, Netuno devorou trinta milhões de sestércios. Vocês pensam
que eu desisti ? 5 Não, por Hércules, este prejuízo serviu de aperitivo para mim, como se
nada tivesse acontecido. Fiz outros navios maiores, não só melhores, mas também mais
protegidos pelos deuses, de forma que nem uma pessoa sequer deixou de dizer que eu
6
era um homem corajoso. A gente sabe que navio grande possui grande força.
7
Carreguei-os novamente com vinho, toucinho, cereal, perfume, escravos. Nessa
ocasião, Fortunata fez uma coisa boa, pois ela vendeu todas as suas jóias de ouro, todas
8
as suas roupas e colocou em minhas mãos cem moedas de ouro. Isto foi como o
fermento de meu patrimônio. Rapidamente se fez a vontade dos deuses. Em uma única
viagem eu cheguei a ganhar dez milhões redondos. Imediatamente comprei de volta
todas as fazendas que tinham sido de meu antigo dono. Construí uma casa, comprei um
mercado de escravos no atacado, animais de carga; qualquer coisa que eu tocava crescia
9
tal como um favo. Depois que passei a ter mais do que minha pátria inteira, dei um
basta: tirei meu corpo fora do tráfico de mercadorias e comecei a emprestar dinheiro a
10
juros para os libertos. E, mesmo eu não querendo, encorajou-me a manter meu
negócio um astrólogo, que tinha vindo parar em nossa colônia por acaso, um desses
11
gregos que andam por aí, de nome Serapa, um conselheiro dos deuses. Ele me disse
até mesmo coisas que eu tinha esquecido; narrou-me tudo nos mínimos detalhes; ele
conhecia meus intestinos; a única coisa que ele não me disse foi o que eu tinha jantado
no dia anterior. Até parecia que ele tinha sempre vivido comigo.

LXXVII. 1
Por favor, Habinas, eu acho que você estava presente quando ele disse  :
"Foi você que tirou sua esposa da casa dela. Você é muito pouco feliz no que se refere
2
aos amigos. Ninguém nunca deu a você o merecido reconhecimento. Você possui
grandes fazendas. Você cria uma víbora sob sua asa" e  por que eu não diria a vocês ?
 agora ainda me restam trinta anos, quatro meses e dois dias de vida. Por isso, muito

329
3
em breve, eu receberei uma herança. É isto que meu destino me diz. Porque se
4
acontecer de eu juntar minhas fazendas a Apúlia, chegarei satisfeito ao fim da vida.
Enquanto Mercúrio estava vigiando, construí esta casa. Como vocês sabem, era uma
cabana; agora é um templo. Possui quatro salas-de-jantar, vinte quartos, duas varandas
revestidas de mármore, uma série de adegas lá em cima, o quarto em que durmo, o
ninho desta víbora, uma excelente guarita de porteiro; uma pousada que acolhe meus
5
hóspedes. Só para vocês terem uma idéia, quando Escauro veio aqui, não quis
hospedar-se em nenhum outro lugar, e olha que ele tem a pousada do pai dele à beira-
mar. 6 E existem muitas outras coisas que eu mostrarei a vocês agora mesmo. Acreditem
em mim: se você tem uma moeda, você vale uma moeda; você tem posses e será
7
reconhecido. Foi assim que este amigo de vocês, que já foi uma rã, agora é um rei.
Enquanto isso, Estico, mostre a mortalha com a qual quero ser enterrado. Mostre
também o perfume e ainda uma dose tirada daquela ânfora, de onde sairá o vinho com o
qual ordeno que meus ossos sejam lavados'.

1
LXXVIII. Estico não demorou e ainda trouxe para a sala-de-jantar não só uma
mortalha branca, mas também uma pretexta ... e ordenou que nós as apalpássemos, para
2
nos certificarmos de que tinham sido fabricadas com lã de boa qualidade. Então,
sorrindo, ele disse: 'Cuide, Estico, para que nem ratos, nem traças toquem estas roupas,
senão queimarei você vivo. Eu quero ser enterrado cheio de honrarias, para que todo o
3
povo me cubra de bons votos'. Imediatamente ele abriu um frasco de perfume de
nardo, perfumou-nos a todos e disse: 'Espero que ele me agrade da mesma maneira
4
depois de morto, como se estivesse vivo'. Ele ainda mandou que se derramasse mais
vinho na ânfora e disse: 'Imaginem que vocês foram convidados para meu banquete
fúnebre'.
5
A coisa caminhava para a mais extrema repugnância, quando Trimalquião,
sobrecarregado pela mais torpe embriaguez, mandou que se apresentasse na sala-de-
jantar um grupo diferente de músicos, os corneteiros, e, escorado em muitas almofadas,
estendeu-se sobre seu leito fúnebre e disse: 'Finjam que eu morri. Digam alguma coisa
de belo'. Os corneteiros entoaram uma marcha fúnebre. 6 Um escravo em especial, o de
seu agente de funerais, que era o mais decente deles, chorou tanto, que influenciou
7
todos a sua volta. Por isso, os guarda-noturnos, que vigiavam a região vizinha,
pensando que a casa de Trimalquião estivesse em chamas, arrombaram subitamente a
porta e, com água e machadinhas, provocaram uma enorme confusão no cumprimento

330
de seu dever. 8 Nós, encontrando uma ocasião mais do que oportuna, nos despedimos de
Agamênon e fugimos bem depressa, como de um incêndio.

LXXIX. 1 Mas não havia em nosso poder nem sequer uma tocha, que pudesse indicar
o caminho a nós, que caminhávamos sem rumo, e o silêncio já do meio da noite não
2
prometia a luz de andarilhos mais prevenidos. Juntavam-se a isto a embriaguez e a
3
falta de conhecimento daqueles lugares escuros até em plena luz do dia. Assim,
quando nós já tínhamos arrastado por quase uma hora inteira nossos pés ensangüentados
em todas as pedras pontiagudas e cacos de vasos, finalmente fomos tirados desse beco-
sem-saída pela agudeza de espírito de Gitão. 4 O esperto, no dia anterior, como tivesse
ficado com medo de se perder mesmo à luz do dia, tinha marcado com barro branco
todas as pilastras e colunas; estas suas pinceladas se sobressaíram naquela noite mais
do que densa, e, com seu brilho contrastante, mostraram-nos o caminho que deveríamos
trilhar. 5 Mas, para dizer a verdade, nós ainda tínhamos de suar mais, mesmo depois que
chegamos à hospedaria, 6 pois a velha da portaria tinha bebido durante tanto tempo com
os hóspedes, que não conseguia perceber nem sequer um incêndio perto dela. E talvez
*
nós tivéssemos de pernoitar na soleira da porta, se um + rico + mensageiro de
7
Trimalquião não tivesse intervindo com suas dez carruagens. Sem demora, então,
fazendo barulho, arrombou a porta da hospedaria e nos deu acesso por aquele buraco.

8
Que noite foi esta, deuses e deusas,
que cama macia ! Ardentes, permanecemos agarrados
e roçamos nossos lábios aqui e ali,
almas errantes. Adeus, preocupações
mortais. Foi assim que eu comecei a morrer.

9
Não tenho motivo para me felicitar, pois, quando eu, relaxado pelo vinho,
afrouxei minhas mãos bêbadas e soltei Gitão, Ascilto, o inventor de toda ofensa, roubou
durante a noite meu rapazinho de mim, transferiu-o para sua cama e, rolando várias
vezes com um parceiro que não era seu  que não sei se não percebeu a ofensa, ou se a
ocultou  dormiu em braços alheios, passando por cima do direito humano. 10
Assim,

*
Texto corrompido.

331
quando eu, acordado, examinei minuciosamente minha cama despojada de sua alegria
 se se pode dar algum crédito aos amantes  fiquei em dúvida se deveria ou não
11
atravessar os dois com minha espada e unir o sono deles à morte. Em seguida,
tomando uma decisão mais prudente, acordei Gitão com pancadas; a Ascilto, no
entanto, olhando-o fixamente com ar selvagem, eu disse: 'Porque você violou a
confiança e a amizade comum com seu crime, tire suas coisas daqui imediatamente e
12
procure um outro lugar para poluir'. Ele não se opôs, mas, depois que repartimos
nossos pertences com a mais nobre honestidade, ele disse: 'Mexa-se, agora vamos
dividir o garoto também'.

LXXX. 1 Eu pensava que aquele desertor estivesse brincando. Mas ele desembainhou a
espada com sua mão de parricida e disse: 'Você não vai usufruir desta presa, sobre a
qual só você se deita. Eu preciso da minha parte, ou então, se desprezado, o rasgarei
com esta espada. 2 Eu fiz a mesma coisa do outro lado e, depois de retorcer um manto
3
em volta do braço, tomei posição para travar o combate. No meio desta loucura de
miseráveis, o garoto mais do que desesperado apertava os joelhos de nós dois em
prantos e pedia suplicantemente que aquela humilde taberna não assistisse a um
espetáculo tebano, ou que não sujássemos com sangue mútuo o que havia de sagrado
4
nesta sincera amizade. Ele gritava: 'Porque, se de qualquer maneira um crime for
necessário, aqui está, eu coloco minha garganta à mostra, voltem suas mãos para ela,
apertem bem firme suas espadas. Sou eu que devo morrer, fui eu que destruí o pacto de
amizade de vocês'. 5 Nós recuamos o ferro depois destas súplicas e Ascilto, tomando a
frente, disse: 'Eu vou pôr fim a esta desavença. Que o próprio garoto acompanhe quem
6
ele quiser, que ele tenha total liberdade pelo menos para escolher seu parceiro'. Eu,
que estava pensando que uma relação de muito tempo iria além de uma prova de
sangue, nada temi, muito ao contrário, aceitei o acordo com impetuosa pressa e
entreguei a causa a nosso juiz. Ele nem ao menos ponderou, para parecer em dúvida,
mas, imediatamente após a última sílaba da minha palavra, pôs-se de pé e elegeu Ascilto
como seu parceiro. 7 Fulminado por esta sentença  era assim que eu estava  sem a
espada eu sucumbi sobre minha pequena cama e, desprezado, teria cometido suicídio, se
eu não invejasse a vitória do inimigo. 8 Ascilto saiu soberbo com seu prêmio e, naquele
lugar estranho, abandonou este rejeitado, seu até pouco antes caríssimo amigo do peito e
companheiro de todos os momentos.

332
9
A palavra amizade permanece somente enquanto é conveniente;
um peão cumpre sua função de se movimentar no tabuleiro.
Enquanto a sorte persevera, vocês mostram a cara, amigos;
quando acaba, vocês dão as costas em vergonhosa fuga.
O bando representa seu mimo no teatro: aquele é chamado de pai,
este de filho, aquele outro faz papel de rico.
Sem demora, depois que a peça encerra seus papéis cômicos,
a verdadeira face reaparece, cai a simulada.

1
LXXXI. No entanto, eu não me entreguei por muito tempo às lágrimas, mas, receoso
de que o mestre Menelau, além dos outros males, ainda me encontrasse sozinho na
hospedaria, reuni meus poucos pertences e, triste, dirigi-me a um lugar escondido e
2
perto do litoral. Aí, confinado por três dias, com a solidão e o desprezo presentes
incessantemente em minha alma, eu espancava meu peito doente com murros e, entre
tantos gemidos altíssimos, com freqüência ainda gritava: ' Um monte de terra não podia,
3
então, ter-me destruído e acabado logo com isso? Ou então o mar, que se irrita até
mesmo com os inocentes ? Será que eu escapei a um julgamento, enganei a arena, matei
meu anfitrião, para, entre estes títulos de audácia, acabar abandonado como um
indigente, um exilado, numa hospedaria de uma cidade grega ? E quem me impôs esta
4
solidão ? Um jovem, impuro por toda a devassidão e digno de exílio, segundo ele
próprio reconheceu, que tira seu sustento do sexo, que pagou sua liberdade com sexo,
alguém cujas posses não passam de um bilhete para conseguir comida na fila, a quem,
mesmo o que sabia que era homem, levou pra cama como se fosse uma mulher. 5 O que
dizer daquele outro ? Um que, no dia de vestir a toga de homem, pegou um vestido de
mulher, que foi convencido pela mãe de que não era homem, que fez serviço de mulher
na prisão, que, depois que pôs tudo a perder e reverteu a base de sua devassidão,
abandonou o valor de uma velha amizade e,  que vergonha !  como se fosse uma
mulher de rua, vendeu tudo isso sob a influência de uma única noite. 6 Agora os amantes
estão deitados, entrelaçados todas as noites a noite inteira e, talvez, esgotados pelo
desejo mútuo, estejam rindo de minha solidão. Mas não impunemente. Ou eu não sou
homem e livre, ou vingarei com o sangue do criminoso a ofensa feita a mim'.

1
LXXXII. Dizendo isto, coloquei minha espada na cintura e, para que a fraqueza não
arruinasse minha operação de guerra, restabeleci minhas forças com numerosos
alimentos. Em pouco tempo eu me lancei na multidão e, à maneira de um desvairado,

333
percorri todos os pórticos. 2 Mas, logo que eu, com ar aturdido e feroz, não pensava em
outra coisa senão em carnificina e sangue e, com muita freqüência, levava a mão ao
punho da espada, que eu tinha devotado aos deuses infernais, percebi que um soldado
me estava seguindo  não sei se ele era um vagabundo, ou se um desses bandidos que
atacam à noite ; então disse: 3 'Ei, você, companheiro de armas, de qual legião você
é, ou de qual centúria ? Quando eu, com bastante firmeza, estava inventando um
centurião e uma legião, ele falou: 'Então, diga-me, no exército de vocês os soldados
andam de chinelos brancos ?' 4 Depois disso, como eu, com minha própria expressão e
perturbação, revelei a mentira, ele mandou que eu baixasse a arma e sumisse dali.
Então, despojado de minha arma, ou melhor, com minha vingança cortada pela raiz,
prossegui direto para a hospedaria e, pouco a pouco, agradeci a audácia daquele guarda.

5
Não pode beber, mesmo que rodeado de águas,
ou colher os frutos, mesmo que tombando em sua direção,
o infeliz Tântalo, a quem seus próprios desejos torturam.
A imagem do grande rico será esta: vendo tudo multiplicar-se diante de si,
ele se angustia e digere sua fome com sedenta boca.


6 Não adianta traçar planos, pois a sorte trilha seu próprio caminho.

LXXXIII. 1 Cheguei a uma galeria de artes extraordinária com um variado conjunto de


quadros. Eu não só vi as mãos de Zêuxis ainda não vencidas pelo ultraje da velhice, mas
também examinei, não sem algum espanto, os esboços de Protógenes que contestam a
verdade da própria natureza. Eu ainda admirei uma obra de Apeles, que os gregos
2
chamam de µоνόκνηµоν (homem de uma perna só). Os contornos das imagens
tinham sido delineados com tamanha precisão em busca da semelhança, que se poderia
3
pensar que era a pintura de almas. De um lado, uma águia elevada nas alturas
carregava Ideu; de outro, o transparente Hilas repelia uma Naiade insaciável. Apolo
condenava suas mãos criminosas e reverenciava, com uma flor que acabara de se
4
desabrochar, sua lira quebrada. Em meio a estes semblantes de pintores amantes,
pensando que estivesse sozinho, exclamei: 'Então o amor atinge até mesmo os deuses !
Júpiter não encontrou em seu céu algo que pudesse amar, mas, ao optar por satisfazer na

334
terra sua paixão pecadora, contudo, não cometeu injustiça com nenhum amante. A ninfa
que roubou Hilas teria abrandado seu amor, se acreditasse que Hércules chegaria a
reclamar sua posse. Apolo fez reviver a sombra de seu garoto em uma flor, e outras
tantas histórias apresentaram casos de amor sem um rival. Mas eu recebi como sócio um
parceiro mais cruel do que Licurgo'.
7
Porém, enquanto eu discutia com os ventos, de repente entrou na galeria de
artes um velho de cabelos brancos, de ar perturbado, que parecia anunciar não sei o quê
de importante, mas inversamente proporcional a sua maneira deselegante de se vestir,
pois ele mostrava claramente que era daquela espécie de letrados que os ricos costumam
odiar. 8 Ele, então, parou do meu lado.

'Eu', disse ele, 'sou poeta e, assim espero, não um poeta de humílima inspiração,
se pelo menos se pudesse dar algum crédito às coroas, que, por amizade, costuma-se
9
conceder até mesmo aos inábeis. Você deve estar dizendo: "Por que, então, você se
veste tão mal ?" — Exatamente pela seguinte razão: O amor pela habilidade intelectual
nunca fez ninguém ficar rico.

10
| Quem se confia ao mar se enriquece com o grande lucro;
quem busca as batalhas e o serviço militar é cingido de ouro,
o desprezível bajulador se deita bêbado em púrpura bordada,
e quem seduz as mulheres casadas tropeça em prêmios.
Somente a eloqüência treme em farrapos gelados,
e, com a língua indigente, invoca as artes abandonadas.

1
LXXXIV. Não há dúvida de que seja assim: se alguém, inimigo de todos os vícios,
resolve dedicar-se ao caminho correto da vida, em primeiro lugar, ele atrai a antipatia
dos outros por causa da diferença de costumes: realmente, quem pode aprovar atitudes
2
opostas ? Em segundo lugar, os que têm o cuidado de acumular riquezas só deles
querem que se acredite que não existe na face da terra nada melhor do que ele próprio
3
possui. | Assim, perseguem, por qualquer motivo que conseguem, os amantes da
literatura, para que também eles se mostrem colocados abaixo do dinheiro'.
| 4 Eu não sei como, mas a pobreza é irmã do bom caráter'.

335
*

5
|'Eu queria que o inimigo desta minha moderação fosse tão inofensivo, que
pudesse ser acalmado. Mas ele é um ladrão veterano e mais habilidoso do que os
próprios rufiões'.

1
LXXXV. EUMOLPO. 'Quando fui enviado pelo questor para a Ásia em serviço em
serviço militar, fiquei hospedado numa casa de família em Pérgamo. Eu estava gostando
muito de morar lá, não só pelo luxo dos aposentos, mas também por causa do belíssimo
filho do anfitrião; então inventei um plano, com o qual eu me tornaria amante do rapaz,
2
sem que o dono da casa suspeitasse. Todas as vezes que, durante o jantar, se fazia
menção à relação íntima com rapazes de bela aparência, eu me irritava tão
veementemente e com tamanha austeridade impedia que meus ouvidos fossem
ultrajados por essa conversa obscena, que todo mundo, em especial a mãe dele, me
3
contemplava como se eu fosse o maior dos filósofos. Em pouco tempo, eu passei a
acompanhar o jovem até a escola e era eu quem organizava os estudos dele, era eu quem
o ensinava a evitar a que algum predador de corpo fosse admitido em sua casa.

4
Certa vez, quando nós estávamos deitados na sala-de-jantar, pois aquele dia de
festa se tinha resumido em diversão e a alegria muito prolongada deixara-nos com
preguiça de nos recolhermos a nossos quartos, por volta de meia-noite, percebi que o
5
garoto estava acordado. Assim, com um sussurro mais do que tímido, fiz uma
promessa a Vênus e disse: "Deusa, se eu conseguir beijar este garoto, de forma tal que
6
ele não perceba, amanhã darei a ele um casal de pombos". Tendo ele ouvido o preço
da realização de meu desejo, o garoto começou a roncar. Então, atacando o fingido,
avancei sobre ele com vários beijinhos. Contente com este início, levantei-me bem cedo
e levei para ele, que aguardava ansioso, um casal especial de pombos e cumpri com a
promessa.

336
LXXXVI. 1 Como ele permitiu que eu fizesse a mesma coisa na noite seguinte, mudei a
oferta e disse: "Se eu conseguir tocá-lo com minha mão ávida e ele não perceber, darei
dois ótimos galos de briga a ele, que consentirá em silêncio". 2 Ao ouvir esta promessa,
o rapazinho se aproximou espontaneamente de mim e, acho eu, ficou com receio de que
eu dormisse. 3 Então, entreguei-me ao ansioso rapaz e saciei-me em todo seu corpo, sem
atingir o ponto mais alto do prazer. Depois, quando o dia amanheceu, levei ao alegre
rapaz o que prometera. 4 Logo que a terceira noite permitiu, cheguei perto do ouvido do
falso dorminhoco e disse: "Deuses imortais, se eu conseguir uma relação sexual
completa e apetecível com este que está dormindo, por este favor dos deuses, amanhã
darei ao rapaz um ótimo cavalo da Macedônia, mas com a condição de que ele não
5
perceba". Nunca o rapaz dormiu um sono tão profundo. Assim, primeiro eu enchi
minhas mãos em seu peito branco como leite, logo depois grudei-me nele com um beijo,
6
em seguida resumi todos os meus desejos em apenas um. Pela manhã, ele resolveu
permanecer em meu quarto e esperar minha atitude. Você sabe o quanto é mais fácil
comprar pombos e galos do que um cavalo e, além disso, eu ainda fiquei com receio de
7
que um presente de tanto valor tornasse minha bondade suspeita. Então, depois de
vagar por algumas horas, voltei a meu quarto e não dei ao garoto outra coisa que não um
beijo. Mas ele, olhando a sua volta, juntou meu pescoço com um abraço e disse:
"Diga-me, senhor, onde está meu cavalo ?"

1
LXXXVII. Ainda que, com este desagrado, eu tenha bloqueado para mim mesmo a
porta de entrada que tinha conseguido, no entanto, retomei novamente minha liberdade.
Passados alguns dias, como uma circunstância semelhante nos tornou a levar à mesma
situação, quando percebi que seu pai dormia profundamente, pedi ao rapaz que fizesse
as pazes comigo, isto é, que se permitisse satisfazer-se, e outras coisas que a extensão de
meu tesão me levou a dizer. 2 Mas ele, completamente irado, não me disse outra coisa,
3
senão isto: "Vá dormir, ou então eu contarei a meu pai agora". | Contudo, nada é tão
difícil, que a malícia não possa obter. | Enquanto ele dizia: "Vou acordar meu pai", eu
fui penetrando sorrateiramente e arranquei dele, que mal opôs resistência, o prazer que
desejava. 4 Ele, não descontente com minha astúcia, depois de se queixar longamente de
que tinha sido enganado, de que se tornara objeto de piada e ainda de que se expusera ao
5
riso entre seus colegas, aos quais se tinha vangloriado de minha fortuna, disse: "No

337
6
entanto, você verá que eu não sou igual a você. Se você quer isso, faça novamente".
Eu, deixando de lado a ofensa, fiz as pazes com o garoto e, depois de me servir da
7
generosidade dele, cai no sono. Mas o rapaz, em plena maturidade e com os anos
ansiosos por transar, não ficou satisfeito com a repetição. Assim, ele me despertou de
8
meu sono e disse: "Você quer ?" É evidente que este presente não era de todo
desagradável. Então, apesar de tudo, triturado entre suspiros e esforços, entreguei-me a
seus desejos e de novo cai no sono, esgotado pelo prazer. Menos de uma hora depois,
ele me cutucou com a mão e disse: "Por que não fazemos ?" Então, eu, acordado tantas
9
vezes, irritei-me com extrema veemência e devolvi-lhe suas próprias palavras: "Vá
dormir, ou então eu contarei a seu pai agora" '

1
LXXXVIII. Encorajado por esta conversa, resolvi consultar aquele homem bastante
versado ... *
Perguntei-lhe sobre a idade dos quadros e alguns assuntos obscuros para mim;
ao mesmo tempo, quis saber dele a causa da presente inércia, quando as mais belas artes
2
sucumbiram, entre as quais a pintura, que não deixou o mínimo de vestígio de si.
Então ele disse: 'Foi a ambição por dinheiro que instituiu estas mudanças. | Em outros
tempos, quando a virtude ainda sem enfeites parecia ser suficiente, prosperavam as artes
naturais e havia o maior empenho entre os homens, para que algo que seria útil no
3
futuro não permanecesse desconhecido pelos séculos seguintes. Foi por isso que
Demócrito extraiu a seiva de todas as plantas e, para que a força das pedras e ramagens
não permanecesse desconhecida, consumiu sua vida em meio a experimentos. 4 Eudoxo
envelheceu no cume do mais alto monte, para analisar os movimentos dos astros e do
céu, e Crisipo, para se dedicar a sua descoberta, muitas vezes inundou sua mente de
heléboro. 5 Para me referir também aos escultores, Lisipo morreu por falta de alimento,
dedicando-se aos retoques de uma única estátua, e Míron, que expressava em bronze
quase que as almas dos homens e dos animais, não encontrou um seguidor. 6 Mas nós,
mergulhados em vinho e prostitutas, não ousamos conhecer nem sequer as artes
apropriadas, porém, como delatores da antigüidade, ensinamos e aprendemos apenas
vícios. Onde está a dialética ? Onde está a astronomia ? Onde está o caminho
7
esmeradíssimo da sabedoria ? Quem alguma vez veio ao templo e ofereceu seu voto

338
aos deuses, para chegar à eloqüência, ou alcançar a fonte da filosofia ? E nem sequer
boa disposição de ânimo, ou boa saúde eles pedem, mas, sem demora, antes de
ultrapassarem a entrada do Capitólio, um promete uma oferenda aos deuses, se enterrar
um parente rico, o outro, se desenterrar um tesouro, um terceiro, se chegar são e salvo
9
aos trinta milhões de sestércios. O próprio senado, preceptor da justiça e do bem
moral, costuma prometer ao Capitólio mil libras de ouro e, para que ninguém duvide de
10
que todos cobiçam o dinheiro, ele aplaca até Júpiter com presente. Então, não se
admire de que a pintura tenha desaparecido, uma vez que uma barra de ouro parece mais
atrativa do que todos os deuses e homens, do que qualquer obra que Apeles e Fídias,
esses gregos fora-de-série, produziram.

1
LXXXIX. Mas, vejo que você se deteve por completo diante daquele quadro que
mostra a tomada de Tróia. Por isso, tentarei desvendar-lhe esta obra em versos:

2
Já a décima colheita sitiava os tristes Frígios
em meio a temores ambíguos e a autoridade abalada
do adivinho Calcante hesitava em pérfido temor,
quando, sob o comando de Apolo, são arrastados
5 os cumes de Ida e sucumbem em grande volume
os carvalhos derrubados, para darem forma ao cavalo ameaçador.
É aberta uma enorme cavidade com orifícios ocultos,
para esconder os soldados. A esta altura, irritada por uma guerra de dez anos,
a força se debilita, os perniciosos gregos apressam
10 seu movimento de retirada e se escondem naquela oferenda. *
O' pátria ! Acreditamos que os milhares de navios tinham partido
e que nosso solo estaria livre da guerra: era esta a inscrição entalhada
naquele animal, era isto que o simulado Sínon assegurava ser determinação dos deuses,
era esta a poderosa mentira para nossa perdição.
15 A multidão, já livre dos portões da cidade e em abstinência por causa da guerra,
Busca cumprir seus votos. Os olhos manam prantos
e a alegria do espírito amedrontado se apodera das lágrimas.
A estas o medo dissipou, pois o sacerdote de Netuno,
Laocoonte, de cabelos soltos, invade toda a multidão
20 com seu clamor. Brandindo sua lança sem demora,
ele fez um sinal no ventre do cavalo, mas os destinos imobilizam suas mãos,
e ele, ferido, salta para trás e aumenta a confiança no ardil.

*
Texto com lacuna.

339
Uma vez mais, no entanto, ele firma sua mão debilitada
e com uma machadinha penetra os flancos profundos. A multidão
25 aprisionada lá dentro faz um ruído e, enquanto murmura,
a grande massa de carvalho ressoa, causando estranho medo.
Aprisionados encontravam-se os guerreiros, ao mesmo tempo em que aprisionam Tróia,
e comandam uma guerra inteira com uma nova armadilha.
Eis que surgem outros prodígios: no lugar onde a elevada Tênedos
30 encheu o mar com sua encosta, braços de mar intumescidos se erguem
e a onda mais fraca retumba tranqüilamente,
tal como na noite silenciosa o som dos remos se reproduz ao longe,
quando as armadas comprimem o mar
e a arrebentação por elas impelida lamenta seus enganos desesperançosamente.
35 Volvemos nossos olhos: as ondas lançam nas pedras
serpentes de duas cabeças, cujos peitos intumescidos,
tal como as grandes embarcações, removem as espumas para o lado.
Sua cauda produz um som, suas cristas, livres do mar,
harmonizam-se com as luzes, seu brilho fulminante
40 abrasa a superfície do mar e as águas tremem com seu sibilo.
Ficaram entorpecidas as mentes. Com as ínfulas mantinham-se
os dois filhos de Laocoonte, em vestes frígias sagradas.
De repente, as agitadas serpentes os amarram
pelas costas. Eles levam suas pequeninas mãos aos rostos, nenhum socorre a si próprio,
45 um irmão tenta salvar o outro; o amor alterou os papéis
e a própria morte destrói os infelizes com seu medo recíproco.
Eis que se junta ao funeral dos filhos o pai,
débil auxiliar. Atacam este homem,
já alimentadas pela morte, e arrastam seus membros para a terra.
50 O sacerdote-vítima jaz entre os altares
e chora por sua terra. Foi assim que, profanados seus objetos sagrados,
Tróia, prestes a se destruir, destrói antes seus deuses.
A lua cheia já produzia seu brilho reluzente,
no comando de astros, com sua face radiante,
55 quando, em meio aos Priâmides sepultados, à noite e sob o efeito do vinho,
os gregos tiram a trava e soltam seus homens.
Os generais lançam-se às armas, assim como quando
um cavalo da Tessália, relaxado, com as rédeas soltas,
sacode a cabeça e suas altivas cristas para uma corrida.
60 Eles empunham suas espadas, sustentam os escudos com a mão
e empreendem a guerra. Então, um mata

*
Texto corrompido.

340
os embriagados pelo vinho e une à morte extrema
o sono destes; o outro, nos altares acende as tochas
e contra os troianos invoca os deuses de Tróia'.

XC. | 1 Entre aqueles que passeavam nos pórticos, alguns jogaram pedras em Eumolpo,
enquanto ele recitava seu poema. E ele, que já tinha aprendido a conhecer a repercussão
2
de seu talento, cobriu a cabeça e escapou do templo. Eu fiquei com medo de que se
pensasse que eu também era poeta. Assim, seguindo o fugitivo imediatamente, cheguei
à beira-mar e, quando foi possível pela primeira vez parar a salvo do arremesso de
3
dardo, eu disse: 'Responda-me, o que você quer com esta sua doença ? Você está
comigo há menos de duas horas e conversou mais vezes como poeta do que como gente.
4
É por isso que eu não me admiro de o povo perseguir você com pedras. Eu também
vou encher meu bolso de pedras, para, todas as vezes que você se exceder, arrancar
sangue em sua cabeça'. Ele alterou sua fisionomia e disse: 'Ah, meu querido jovem, hoje
5
não foi a primeira vez que eu fui iniciado neste ritual. Muito pelo contrário, todas as
vezes que eu entro no teatro, para recitar algum poema, a multidão me acolhe com esta
recepção. 6 Mas, para que eu não tenha motivo de briga com você também, o dia todo eu
vou abster-me deste alimento'. Então eu disse: 'Tanto melhor. Se você renunciar a esta
fonte de mau- humor, jantaremos juntos'.

7
Encarrego o guarda de minha pequena hospedaria da preparação de nosso
pequeno jantar.

1
XCI. Vi Gitão, com toalhas e escovas de banho, apoiado a uma parede, triste e
confuso. 2 Qualquer um podia perceber que ele não estava servindo com prazer. Assim,
para ter certeza do que viam meus olhos ...
Ele transformou sua fisionomia, libertada pela alegria, e disse: 'Tenha
compaixão, parceiro. Agora que não há armas, posso falar abertamente. Livre-me deste
bandido cruel e castigue, do jeito que você quiser, com crueldade, meu arrependimento.
Será um consolo bastante grande para este pobre infeliz ter morrido conforme sua

341
vontade.' 3 Eu o mandei parar com a reclamação, para que ninguém descobrisse nossos
planos, e, deixando Eumolpo para trás — na verdade ele estava recitando um poema na
sala de banhos — tirei Gitão dali por uma saída tenebrosa e imunda e o levei voando
para minha hospedaria. 4 Em seguida, a portas fechadas, invadi seu peitos com abraços e
abarquei com meu rosto sua face inundada de lágrimas. 5 Durante muito tempo nenhum
de nós dois disse uma só palavra, pois o garoto ainda ficara sacudindo fortemente seu
6
amável peito com incessantes soluços. Então eu disse: 'Oh, crime indigno ! Eu amo
você, mesmo tendo sido abandonado, e neste peito aqui, ainda que tenha existido uma
ferida enorme, não há nenhuma cicatriz. O que você me diz, réu confesso deste estranho
amor ? Fui eu merecedor desta ofensa ?' 7 Depois que ele percebeu que ainda era amado,
ergueu sua sobrancelha.

Então continuei: 'E eu não escolhi amar outro que não fosse você. Mas eu já não
me queixo de nada, já não me lembro de nada, isto se você se arrepender com
8
sinceridade'. Quando eu soltei tudo isto em meio a gemidos e lágrimas, ele enxugou
meu rosto com seu manto e disse: 'Responda-me, por favor, Encólpio, eu recorro à
honestidade de sua memória: fui eu que abandonei você, ou foi você que me entregou ?
De minha parte, reconheço meu erro e conto qual é sem rodeios: quando vi que os dois
9
estavam armados, refugiei-me com o mais forte'. Cobrindo de beijos aquele peito
cheio de sabedoria, lancei minhas mãos em seu pescoço e, para que ele facilmente
entendesse que eu havia feito as pazes com ele e restituído mais do que sinceramente
nossa amizade que revivia ali, apertei-o de corpo inteiro.

XCII. 1 Já era tarde da noite e a mulher encarregada do jantar já tinha cuidado de tudo,
2
quando Eumolpo bateu a minha porta. Eu perguntei: 'Vocês são quantos ?' e, de
passagem, espreitei muito atentamente pela greta da porta, para saber se por acaso
Ascilto tinha vindo junto. 3 Logo depois, quando vi um único hóspede, o recebi na hora.
Ele, quando caiu deitado em minha pobre cama e viu Gitão servindo na sua frente,
volveu a cabeça e disse: 'Parabéns pelo Ganimedes. 4 Que bom que hoje nós vamos nos
divertir'. Um prelúdio tão indiscreto não me agradou e fiquei com medo de que tivesse
recebido em minha intimidade um outro da mesma laia do Ascilto. 5 Eumolpo ficou de
pé e, quando o garoto ofereceu a ele uma bebida, ele disse: 'Eu prefiro você àquela sala

342
de banhos inteira' e, depois de esvaziar avidamente o copo, disse que nunca tinha bebido
nada mais azedo. Então ele disse: 'Enquanto eu estava tomando banho, quase fui
açoitado, porque tentei recitar um poema aos que estavam sentados em volta da
banheira; e depois que fui expulso da sala de banhos, tal como do teatro, percorri todos
7
os cantos desta cidade e chamei Encólpio repetidas vezes a plenos pulmões. Da
direção oposta, um jovem nu, que havia perdido suas roupas, reclamava aos gritos a
presença de um tal Gitão, com uma não menos forte indignação. 8 Para completar, uns
meninos me ridicularizaram com uma imitação mais do que petulante, como se eu fosse
um maluco; a ele, no entanto, uma enorme multidão rodeou com aplauso e admiração
9
mais do que reverenciosa. A verdade é que ele tinha um pênis tão grande, que se
poderia pensar que era o homem em si que fazia parte do membro viril, e não o
contrário. Mas que jovem trabalhador ! Acho que ele começa no dia anterior e só
10
termina no dia seguinte. Assim, ele encontrou ajuda rapidamente; não sei quem, um
cavaleiro romano, como diziam, um sem-vergonha, envolveu o vagabundo com sua
própria roupa e o levou para sua casa, acho eu, para que pudesse desfrutar sozinho
11
daquela tão grande fortuna. Mas eu não teria pegado nem sequer minhas roupas de
volta com o escravo que as guardava, se não se tivesse apresentado uma testemunha. É
12
muito mais fácil livrar-se de dificuldades com o pênis do que com a inteligência'.
Enquanto Eumolpo ia dizendo estas coisas, eu mudava com bastante freqüência minha
expressão facial, evidentemente alegre com as infortúnios de meu inimigo, triste com
13
suas vantagens. Apesar de tudo, no entanto, como se eu não conhecesse aquela
história, não fiz qualquer comentário e dei ordem de servirem o jantar.

1
XCIII. 'O que é permitido é desvalorizado e a alma persistente no erro aprecia os
infortúnios.

2
Aves caçadas na Cólquida de Medéia
e pássaros africanos agradam ao paladar
porque não são fáceis de se encontrar: mas um ganso branco
e uma pata de penas coloridas
têm sabor trivial. Um sargo, arrastado
dos mais distantes litorais e o que um banco de areia, cultivado pelo naufrágio,
pôs a nossa disposição são apreciados:

343
a mula já está carregada. A amante vence
a esposa. A rosa teme o cravo.
Qualquer coisa que é almejada parece ser a melhor'.

3
| Aí eu disse: 'É isto que você tinha prometido, que hoje não faria nem um
verso sequer ? Tenha paciência, poupe pelo menos a nós, que nunca apedrejamos você.
Se algum dos que estão bebendo aqui nesta hospedaria farejar seu título de poeta,
agitará a vizinhança inteira e linchará todos nós neste quarto por causa disso. Tenha
4
compaixão e pense bem no que aconteceu na galeria de artes, ou na sala de banhos'.
Gitão, um garoto amabilíssimo, me repreendeu por falar desse jeito e disse que eu não
tinha agido corretamente, pois tinha insultado uma pessoa mais velha e, ao mesmo
tempo, esquecendo-me de minhas obrigações de anfitrião, tinha afrontado meu
convidado, que eu deveria ter servido com urbanidade, e disse ainda muitas outras
palavras de equilíbrio e respeito, que estavam em perfeita consonância com a formosura
dele.

XCIV. 1 Então ele disse: 'Que mãe feliz é a sua, que gerou você assim: glorificado seja
você sempre. Ela fez uma mistura rara de beleza com sabedoria. 2 Assim, para que você
não pense que gastou inutilmente tantas palavras, saiba que você encontrou um
apaixonado por você. Eu introduzirei seus louvores em meus poemas. Serei seu
preceptor e guardião, acompanharei você até mesmo aonde você não permitir. E
3
Encólpio não sairá no prejuízo: ele ama outro'. Agora também aquele soldado, que
tomou minha espada de mim, foi útil a Eumolpo, pois, do contrário, aquela mesma
atitude que eu tinha adotado para com Ascilto, eu teria posto em prática contra o sangue
de Eumolpo. E isto não passou desapercebido por Gitão. 4 Assim, ele avançou para fora
do quarto, fingindo que ia buscar água, e fez desaparecer minha ira com seu prudente
5
afastamento. Então, arrefecendo minha cólera um pouquinho, eu disse: 'Eumolpo, eu
já estou mesmo preferindo que você converse através de poemas, a que expresse desejos
desta natureza. Se, por um lado, eu sou nervoso, você é licencioso: veja como nossas
6
maneiras de ser são incompatíveis. Reconheça, portanto, que eu sou um desvairado,
desista desta loucura, ou seja, caia fora já'. 7 Perturbado por esta advertência, Eumolpo
não procurou saber o motivo de minha indignação, mas saiu do quarto no mesmo
instante, puxando a porta de repente consigo, prendeu-me lá, pois que eu não esperava

344
uma atitude de tal natureza, tirou rapidamente a chave e correu para seguir o rastro de
Gitão.
8
Trancafiado, eu decidi pôr fim a minha vida, enforcando-me. E eu já tinha
amarrado um cinto estreito à cama que estava junto à parede e estava prendendo meu
pescoço com um nó, quando, aberta a porta, Eumolpo entrou em companhia de Gitão e
me afastou deste fim funesto para a luz. 9 Gitão, antes de tudo, oscilando entre a dor e a
raiva, deu um grito, empurrou-me sobre a cama, agitando-me com ambas as mãos, e
10
disse: 'Você está muito enganado, se pensa que pode ter a sorte de morrer antes de
mim. Eu resolvi fazer isso primeiro; no quarto de Ascilto eu procurei em vão uma
11
espada. Se eu não tivesse encontrado você, eu já tinha decidido morrer abismo
abaixo. E para que você saiba que a morte não está distante dos que a procuram, é a sua
vez de observar o que você queria que eu observasse'. 12 Falando isto, ele arrebatou uma
navalha das mãos do empregado de Eumolpo e, depois de atingir seu pescoço uma vez e
13
de novo, desfaleceu diante de nossos pés. Eu gritei atordoado e, acompanhando-o,
14
busquei o caminho para a morte com a mesma ferramenta. Mas, nem Gitão, sem
qualquer indício de corte, estava ferido, nem eu sentia qualquer dor, pois o que estava
guardado naquela caixa era uma navalha cega e com a ponta rebatida, especialmente
destinada a ensinar a habilidade de um barbeiro aos garotos que estão aprendendo este
15
ofício. E, por causa disto, nem o empregado se assustara durante o roubo da
ferramenta, nem Eumolpo impedira nossa morte teatral.

XCV.  1
Enquanto esta peça teatral era representada entre os amantes, o dono da
hospedaria apareceu com uma parte de nosso pequeno jantar e, observando a intenção
mais do que vergonhosa dos atores estendidos no chão, ele disse: ' 2 Com licença, vocês
estão bêbados, ou são fugitivos, ou as duas coisas ? Mas quem ergueu aquela cama ? O
3
que quer dizer esta maquinação tão clandestina ? Por Hércules, vocês, para não
pagarem a conta do quarto, queriam fugir à noite para o meio da multidão. Mas não
impunemente. Eu já farei com que vocês saibam que este quarteirão não é de uma
4
viúva, mas sim de Marco Manício'. Eumolpo gritou: 'Você ainda faz ameaças ?' e
5
simultaneamente bateu na cara do homem com extrema força na palma da mão. Ele,
que estava livre para beber com todos os hóspedes, atirou um vasinho de barro na
cabeça de Eumolpo e rachou a testa dele, que gritava sem parar, e se retirou do quarto. 6
Eumolpo, não suportando esta ofensa, arrebatou um candelabro de madeira e não só
perseguiu o fugitivo, mas também castigou seu supercílio com numerosíssimas

345
pancadas. 7 Houve um corre-corre da criadagem e uma afluência de hóspedes bêbados.
Eu, no entanto, encontrando uma oportunidade de vingança, tranquei Eumolpo do lado
de fora e, passando a vez a meu oponente, usufruí não só do quarto, mas também da
noite, evidentemente sem meu rival.
8
Enquanto isso, cozinheiros e inquilinos maltrataram o idiota trancado do lado
de fora e, enquanto um dirigia contra os olhos dele um espeto cheio de vísceras ainda
zunindo, o outro tomava posição de combate com um pau bifurcado, retirado do armário
da cozinha. Mais do que todos, uma velha remelenta, vestida com uma roupa de linho
mais do que imunda, calçada com tamancos de madeira de tamanhos diferentes, puxou
pela corrente um cão de tamanho gigante e o fez avançar contra Eumolpo. 9 Mas ele se
livrava de todo perigo com o candelabro.

1
XCVI. Nós assistíamos a tudo pelo buraco da porta, porque pouco antes a trava da
portinha tinha relaxado, e eu me interessava pelo que estava sendo açoitado. 2 Gitão, no
entanto, não se esquecendo de sua compaixão, achava que a porta deveria ser aberta e
que se deveria oferecer socorro ao companheiro em perigo. 3 Eu, enquanto durou minha
cólera, não tirei a mão da trava, mas acertei a cabeça dele, que estava sentindo as dores
do outro, com um cascudo forte e rápido. 4 Aí sim ele, chorando, sentou-se na cama. Eu,
contudo, alternava um olho depois do outro no buraco e me fartava com a desgraça de
Eumolpo, como se fosse com um alimento, e recomendava-lhe um advogado, quando
Bargates, o administrador do quarteirão, interrompido em seu jantar, foi trazido para o
centro da confusão por dois carregadores de liteira, pois ele estava com os dois pés
5
machucados. Ele, logo que terminou seu discurso contra os bêbados e fugitivos em
tom furioso e selvagem, olhando para Eumolpo, disse: 6 ' O' mais habilidoso dos poetas,
era você que estava aí ? E esses escravos mais do que imprestáveis não se afastam
prontamente de você ? E eles ainda ousam encostar as mãos em você ?'

7 Minha esposa está desprezando-me. Por isso, se você gosta de mim, fale mal
dela em seus versos, para que ela fique com vergonha'.

346
1
XCVII. Enquanto Eumolpo conversava em particular com Bargates, entrou na
hospedaria um pregoeiro acompanhado de um escravo público e de outro grupo de
pessoas absolutamente medíocre e, agitando fortemente uma tocha que mais lançava
2
fumaça, do que iluminava, gritou assim: 'Perdeu-se um garoto há pouco na sala-de-
banhos, de mais ou menos 16 anos, cabelos ondulados, efeminado, bonito, de nome
Gitão. Se alguém devolvê-lo por livre e espontânea vontade, ou indicar seu paradeiro,
receberá mil moedas'. 3 Não longe do pregoeiro estava Ascilto, vestido com uma roupa
multicolorida, carregando em uma bandeja de prata a prova e a garantia da recompensa
4
prometida. Eu ordenei a Gitão que fosse imediatamente para debaixo da cama e
amarrasse seus pés e mãos às faixas, com as quais o estrado prendia o colchão, e,
estendido rente à cama, tal como certa vez Ulisses fixou-se em um carneiro, enganasse
as mãos que cuidadosamente o procuravam. 5 Gitão não se opôs a minha ordem e, num
piscar de olhos, não só amarrou suas mãos com um laço, como também superou Ulisses
com habilidade bastante semelhante. 6 Eu, para não deixar o local sob suspeita, enchi a
cama de lençóis e modelei o vestígio de um único homem de acordo com meu corpo.
7
Enquanto isso, depois de percorrer sucessivamente todos os quartos com o
oficial, Ascilto chegou ao meu e, especialmente pelo fato de ter encontrado a porta
8
cuidadosamente trancada, encheu-se da mais completa esperança. Então, o escravo
público, introduzindo sua machadinha nas junturas da porta, afrouxou a tranca firme da
fechadura. 9 Eu me prostrei diante dos joelhos de Ascilto e, não só em nome da memória
de nossa amizade, mas também em nome das adversidades já compartilhadas, pedi que
ele pelo menos pusesse meu parceiro diante de meus olhos. Ao contrário do que ele
esperava, para que minhas preces tivessem credibilidade, eu disse: 'Ascilto, eu sei que
você veio aqui para me matar. Por que razão, então, você trouxe os machados ? Já que é
assim, satisfaça sua ira: aqui está, eu ofereço meu pescoço, derrame o sangue que você
busca sob o pretexto de caça ao fugitivo'. 10 Ascilto deixou a hostilidade de lado e disse
que, de fato, ele não procurava nenhuma outra coisa que não fosse seu fugitivo e que
não tinha desejado a morte de ninguém, nem de alguém curvado a seus pés, muito
menos a minha, pois eu era uma pessoa que ele considerava muitíssimo, mesmo depois
da disputa fatal.

1
XCVIII. Por outro lado, o escravo público não agiu assim tão amigavelmente, mas
lançou por debaixo da cama um bastão, arrebatado ao taberneiro, e procurou
cuidadosamente até mesmo em todos os buracos das paredes. Gitão esquivava seu corpo

347
da pancada e, ao soltar a respiração muito devagarinho, tocava com a boca todos os
insetos que o mordiam.

2
Eumolpo, no entanto, porque uma porta de quarto arrombada não consegue
deixar ninguém de fora, entrou de repente muito agitado e disse: 'Ganhei mil moedas,
pois eu vou agora correr atrás do pregoeiro que está indo embora e denunciar, por um
motivo mais do que justo, que Gitão está em seu poder'. Eu abracei os joelhos dele, que
prosseguia em seu propósito, pedi-lhe que não acabasse de matar dois que já estavam
com o pé na cova e disse: 'Você poderia irritar-se, com toda a razão, se pudesse
demonstrar a traição. Nesse momento o garoto está fugindo no meio da multidão e eu
não faço a menor idéia de para onde ele tenha fugido. Por favor, Eumolpo, traga o
garoto de volta e o devolva, mesmo que seja para Ascilto'. 4 Quando eu já estava quase
convencendo-o disto, Gitão, sufocado pela contração da respiração, espirrou três vezes
ininterruptamente de uma forma tal que sacudiu a cama. 5 Virando-se para o lado deste
tremor, Eumolpo desejou saúde a Gitão. Levantando o colchão, ele viu meu Ulisses, a
6
quem até mesmo um Ciclope faminto poderia poupar. Voltando-se pouco depois em
minha direção, ele disse: 'O que significa isto, seu ladrão ? Nem sequer apanhado em
flagrante você tentou dizer-me a verdade. Muito ao contrário, se uma divindade
qualquer, árbitro das coisas humanas, não tivesse arrancado do garoto pendurado a
denúncia, eu, enganado, estaria andando à toa pelas tabernas'.

7
Gitão, muito mais carinhoso do que eu, primeiro estancou com teias de aranha
embebidas em óleo o ferimento dele, que tinha sido feito no supercílio. Pouco depois,
trocou a roupa rasgada dele por uma mantilha e, abraçando o já apaziguado, abordou-o
com beijos, como se fossem calmantes, e disse: 8 'Caríssimo chefe, nós estamos mesmo
em suas mãos. Se você ama este seu Gitão, comece por querer salvá-lo. 9 Quisera eu que
o fogo inimigo pudesse dissipar somente a mim, ou o mar tempestuoso pudesse lançar-
se sobre mim ! Eu sou a causa de todos estes crimes, eu é que sou o motivo. Se eu
morresse, seria bom para os inimigos'.

348
*

XCIX. 1 'Eu vivi sempre e em qualquer lugar, de forma tal que pudesse passar cada dia
de hoje como se o de amanhã não houvesse de chegar'.

2
Eu, derramando lágrimas em abundância, roguei e supliquei para que ele
fizesse as pazes comigo também, pois os apaixonados não conseguem controlar o
insensato ciúme. Disse-lhe que, contudo, eu iria esforçar-me para não dizer, ou fazer
mais nada, com o que ele pudesse ofender-se. Ele apenas deveria destruir toda a
aspereza em seu espírito, tal como um professor das artes nobres, sem deixar cicatriz.
Então eu acrescentei: 3
'A neve pode certamente dissipar com mais freqüência as
regiões não cultivadas; mas, onde o terreno domado pelo arado produz em abundância,
espalha-se não mais do que uma fraca geada. Da mesma forma a ira se instala em
4
nossos peitos: com certeza ocupa as mentes selvagens, escapa às bem-formadas'.
Eumolpo respondeu: 'Para que você saiba que eu acredito no que você está dizendo,
aqui está, eu ponho fim a minha ira com um beijo. Então, para que tudo corra bem,
preparem suas pequenas bagagens e sigam-me, ou se preferirem, mostrem o caminho'. 5
Ele ainda estava falando, quando a porta se abriu, e um marinheiro de barba eriçada
parou na entrada do quarto. Ele disse: 'Eumolpo, você está demorando, como se não
soubesse que devemos apressar nossa partida'. 6 Sem demora, nós nos levantamos todos
ao mesmo tempo e Eumolpo mandou seu empregado, que já estava dormindo há muito
tempo, sair com as bagagens. Eu coloquei em uma sacola tudo que havia lá e,
admirando as estrelas, entrei no navio.

C. 1 'É desagradável o garoto agradar a meu hóspede. Mas, por quê ? O que a natureza
fez de melhor não é de uso geral ? O sol brilha para todos. A lua, acompanhada de
inumeráveis estrelas, conduz até mesmo as feras ao alimento. O que pode ser
considerado mais bem feito do que as águas ? No entanto, elas correm em local público.
Então é só o amor que deve ser avaliado como um roubo, antes que como uma

349
recompensa legítima ? Longe de mim ! Eu não quero possuir coisas boas, se o povo não
puder invejá-las de mim. Um só, ainda por cima velho, não pesará na balança; mesmo
2
que ele queira forçar alguma coisa, desistirá do trabalho por falta de fôlego'. Quando
considerei esta situação sem grande confiança e fraudei meu pensamento, que ia em
outra direção, fingi que estava dormindo, cobrindo a cabeça com uma pequena túnica. 3
Mas, de repente, como se o destino estivesse demolindo minha tranqüilidade, uma voz
4
do tipo desta gemeu sobre o soalho do navio: 'Então você zombou de mim ?' E esta
voz de homem, mais ou menos familiar a meus ouvidos, abateu meu coração, que
começou a palpitar. Para completar, com a mesma indignação, uma mulher atormentada
abrasou-se ainda mais e disse: 'Se uma divindade, seja ela qual for, colocasse Gitão em
minhas mãos, como eu acolheria bem este exilado !' 5 Nós dois, fulminados por aquele
som tão inesperado, sentimos o sangue nas veias. Eu, em especial, como se me deixando
levar por um torpor inquietante, examinei aquela voz por muito tempo e, com as mãos
tremendo, puxei a roupa de Eumolpo, que já estava caindo em sono profundo, e disse:
'Por favor, chefe, de quem é este navio, ou melhor, você pode dizer-me quem ele está
transportando ?' 6 Ele, incomodado em seu repouso, levantou-se a contra-gosto e disse:
'Era para isto, para não nos deixar descansar, que você tinha preferido que nós
ocupássemos o lugar mais escondido sobre o soalho do navio ? 7 E, depois, o que você
tem com isto, se eu disser que o dono deste navio aqui é Licas Tarentino e que ele está
levando sua exilada Trifena para Tarento ?

1
CI. Eu comecei a tremer, atordoado depois desta notícia fulminante e, colocando
minha garganta à mostra, disse: 'O' Fortuna, finalmente você me venceu por completo'.
2
Gitão, por sua vez, apoiado sobre meu peito, ficou inconsciente durante muito tempo.
Em seguida, quando nosso suor transbordante nos fez voltar à consciência, agarrei os
joelhos de Eumolpo e disse: 'Tenha pena de nós, pois que estamos à beira da morte, e
dê-nos uma mão, em nome das paixões que compartilhamos; nossa morte está próxima
3
e, a menos que você não permita, isso pode ser como um favor para nós'. Eumolpo,
inundado por este comportamento hostil, jurou, por deuses e deusas, que ele não sabia o
que estava acontecendo, e que não tinha aplicado nenhum golpe com seu plano, mas
pura e simplesmente e com a mais verdadeira boa fé levou-nos como companheiros de
viagem para um navio, no qual ele próprio já há algum tempo tinha resolvido embarcar.
4
Ele disse ainda: 'Mas que armadilha existe aqui ? E que Aníbal está navegando
conosco ? Licas Tarentino, um homem discretíssimo e dono não apenas deste navio, que

350
ele está comandando, mas também de várias fazendas e de um comércio de escravos,
está levando uma carga para vender no mercado. 5 É este o famoso Ciclope e chefe dos
piratas, a quem devemos nosso transporte; e, além dele, Trifena, a mais formosa de
6
todas as mulheres, que por puro prazer viaja daqui e dali'. Então Gitão disse: 'É
exatamente deles que nós estamos fugindo'; e, no mesmo momento e rapidamente,
expôs ao inquieto Eumolpo os motivos de nossa aversão a eles e o perigo ameaçador'. 7
Ele, confuso e carente de um plano, ordenou que alguém manifeste sua opinião e disse:
'Imaginem que nós entramos na caverna do Ciclope. Devemos procurar uma saída, seja
ela qual for, a menos que consideremos a possibilidade de um naufrágio e nos
8
libertemos de todo o perigo'. Gitão disse: 'Longe disso ! Convença o timoneiro a
desviar a rota para um porto qualquer, não sem uma recompensa, evidentemente, e diga
a ele que seu companheiro está nas últimas, enjoado por causa do balanço do mar. Você
pode disfarçar este fingimento com cara de tristeza e com lágrimas, para que, comovido
9
pela compaixão, o timoneiro seja complacente com você'. Eumolpo negou que isto
pudesse ser feito e disse: 'Navios grandes entram apenas em portos + selecionados + *,
além do que não parecerá verdade que meu companheiro se tenha sentido mal tão
10
rapidamente. Soma-se a isto o fato de que talvez Licas, por uma obrigação moral,
queira ver o doente. Avalie o quanto seria conveniente para nós atrair até vocês, por
nossa própria iniciativa, justamente o dono do navio, a pessoa de quem vocês estão
fugindo. 11 Mas finja que o navio possa ser desviado de seu longo trajeto e que, em todo
caso, Licas não vá percorrer os quartos dos doentes: como podemos sair do navio, sem
que sejamos vistos por todos ? Com nossas cabeças cobertas, ou à mostra ? Cobertas, e
quem não vai querer dar a mão aos que estão debilitados ? À mostra, e que outra coisa
será isto, senão nós mesmos assinarmos nossa sentença de morte ?'

CII.  1 Então eu disse: 'Por que não é melhor nós recorrermos ao acaso e entrarmos no
bote salva-vidas deslizando por uma corda e, depois de cortar as amarras, entregarmos
2
nosso futuro a Fortuna ? E eu não chamarei Eumolpo para correr este risco. Que
sentido faz expor um inocente a um risco alheio ? Eu fico contente, se a sorte favorecer
3
nossa descida. Eumolpo disse: 'Um plano inteligente, se pudesse ser levado adiante.
Quem não perceberá que vocês estão fugindo ? Principalmente o timoneiro, que, sempre
4
acordado durante a noite, vigia até o movimento dos astros. E, de qualquer maneira,

*
Texto incerto.

351
ele poderia ser enganado, mesmo não estando dormindo, se se procurasse fugir por
outra parte do navio: mas vocês devem tentar escapar pela popa, pelo próprio timão,
pois que a corda desce desta direção do navio, que prende o bote salva-vidas. 5 Por isso,
Encólpio, eu me admiro de que não lhe tenha ocorrido que um marinheiro fica de
sentinela contínua durante o dia e à noite no bote salva-vidas e que este guardião não
pode ser tirado de lá, nem ser arrastado à força, a não ser com derramamento de sangue.
6
Perguntem à audácia de vocês, se isto poderia ser feito. Agora, no que se refere ao fato
de eu acompanhar vocês, eu não me recuso a correr nenhum risco, que nos dê esperança
de salvação. 7 Eu acho que nem mesmo vocês querem expor, sem necessidade, a vida de
8
vocês, como se fosse um objeto inútil. Vejam se este plano lhes agrada: eu colocarei
vocês agora em duas capas e amarrarei com tiras de couro no meio das roupas, como se
fossem bagagens, evidentemente com pequenas aberturas, através das quais vocês
9
possam respirar e comer. Em seguida, anunciarei que meus escravos, temendo uma
punição mais severa, se jogaram no mar durante a noite. Em seguida, quando o navio
10
tiver chegado no porto, tirarei vocês como bagagens, sem deixar qualquer suspeita'.
Então eu disse: 'Ah, é ? Você nos vai amarrar, como se fôssemos compactados, como se
nosso intestino não costumasse colocar-nos em apuros, ou como se nós fôssemos
daquelas pessoas que não costumam espirrar, nem roncar ? Será que é porque me
ocorreu este tipo de estratagema uma vez com sucesso ? 11 Mas, suponha que possamos
tolerar ficar amarrados por um dia: mas e se a calmaria do mar nos retiver por mais
tempo, ou ainda uma tempestade adversa ? O que nós haveremos de fazer ? 12 A
rugosidade estraga até mesmo as roupas quando mantidas dobradas durante muito
tempo e folhas de papel prensadas mudam de aspecto. Será que nós, jovens até agora
livres do trabalho duro, suportaremos os panos e as amarras neste ritual de estátuas ?' ...

13
'Nós ainda temos de procurar algum meio de salvação. Examinem isto que eu
inventei. Eumolpo, como toda pessoa que se dedica à literatura, carrega consigo tinta
preta. Então, com este recurso, nós podemos mudar nossa cor, começando dos cabelos
até chegar nas unhas dos pés. Assim, como se fôssemos escravos etíopes e estivéssemos
a seu serviço, ficaremos felizes sem o agravo do que nos angustia e, com a cor alterada,
14
podemos enganar nossos inimigos'. Então Gitão disse: 'Por que não ? Além disso,
faça a circuncisão em nós, para parecermos judeus, e fure nossas orelhas, para imitar os

352
árabes, e cubra nossos rostos com barro branco, para a Gália pensar que somos seus
cidadãos. Até parece que a mudança de cor pode alterar sozinha nossa fisionomia e que
não é preciso que muitas partes estejam absoluta e milimetricamente uniformes, para
15
que o disfarce dure. Imagine que nosso rosto tingido com o cosmético conseguirá
suportar por muito tempo; suponha que um borrifo de água não irá depositar alguma
mancha em nosso corpo, nem nossa roupa irá aderir à tinta preta, o que freqüentemente
ocorre, mesmo sem adicionar cola. Vá em frente ! Por acaso podemos também fazer
crescer nossos lábios, para que eles tenham aquela mais do que repugnante inchação ? E
também alterar nossos cabelos com um ferro de frisar ? E marcar nossos rostos com
cicatrizes ? E abrir nossas pernas em forma de arco ? E abaixar nossos calcanhares na
terra ? E moldar nossa barba de maneira estranha ? A cor, mesmo que disposta com
arte, mancha o corpo, não o transforma. 16 Ouçam o que veio à mente deste insano:
vamos cobrir nossas cabeças com panos e mergulhar no fundo do mar'.

1
CIII. Eumolpo exclamou: 'Que os deuses e os homens não permitam que vocês
ponham fim a suas vidas com uma morte tão torpe ! Longe disso ! É melhor fazer o que
eu mando. Meu empregado, como vocês descobriram por causa da navalha, é barbeiro:
ele raspará imediatamente não só os cabelos, mas também as sobrancelhas de vocês
2
dois. Eu virei logo depois, marcando suas testas com uma engenhosa inscrição, para
que pareça que vocês foram punidos com uma marca de ferro em brasa. Assim, estas
mesmas letras afastarão também a suspeita dos que estão perseguindo vocês e cobrirão
seus rostos com o disfarce da pena de morte'.
3
Este estratagema não foi combatido, mas, às escondidas, nós nos dirigimos à
lateral do navio e entregamos ao barbeiro nossas cabeças para serem desnudadas
4
juntamente com as sobrancelhas. Eumolpo encheu nossas testas de letras enormes e
escreveu uma conhecida inscrição, especial para fugitivos, generosamente por toda a
5
nossa face. Por coincidência, um dos passageiros, que, encostado à lateral do navio,
aliviava seu estômago cheio de vômito, percebeu, pela luz da lua, que o barbeiro estava
desempenhando sua função em momento inoportuno e, amaldiçoando aquele presságio,
pois que o mesmo representava a última oferenda de náufragos aos deuses, voltou para
6
seu quarto. Nós, negligenciando a maldição do passageiro enjoado, voltamos a nossa
tristeza de costume e, integrando-nos ao silêncio, passamos as horas restantes da noite
dormindo um sono leve.
*

353
CIV. (LICHAS) 1 'Eu acho que Priapo me disse durante o sono: "Saiba que o Encólpio
2
que você está procurando foi trazido para este navio". Trifena sentiu um calafrio e
disse: 'Até parece que nós dormimos o mesmo sono, pois eu também acho que apareceu
para mim a estátua de Netuno, que eu vi no grande templo de Baias, e me disse também:
3
"No navio de Licas você encontrará Gitão". Eumolpo disse: ' É por estas e outras
que a gente pode saber que Epicuro é um homem divino, pois ele condena brincadeiras
como esta da maneira mais bem feita possível'.
4
Mas Licas, assim que purificou por expiação o sonho de Trifena, disse: 'Quem
impede que nós examinemos o navio, para não parecer que nós estamos condenando os
trabalhos de uma mente divina ?'
5
Aquele que, durante a noite, tinha surpreendido o ardil dos desesperados, de
nome Heso, de repente gritou: 'Então são eles que, durante a noite, à luz da lua, estavam
cortando os cabelos, dando com certeza um péssimo exemplo ? Eu ouvi dizer que não é
permitido a nenhum dos mortais em um navio dispor nem de suas unhas, nem de seus
cabelos, a não ser que o vento esteja irritado com o mar'.

CV. 1 Licas, perturbado por esta fala, irritou-se e disse: 'Ah, é assim ? Alguém cortou os
cabelos no navio, e isto na calada da noite ? Arrastem o mais depressa possível os
criminosos para o centro do barco, para que eu saiba a quem pertencem as cabeças, com
2
as quais o navio deve ser purificado'. Então Eumolpo disse: 'Fui eu que ordenei isso.
Mas não para lançar uma maldição sobre mim mesmo, já que estou neste navio, e sim
porque os criminosos tinham cabelos horrorosos e longos. Para não parecer que eu tinha
feito do navio uma prisão, ordenei que aquela imundície fosse retirada dos condenados
e, ao mesmo tempo, para que também as marcas das letras, não estando todas cobertas
de sombra, sob a proteção dos cabelos, caíssem diante dos olhos dos que as quisessem
ler. 3 Entre outros delitos, eles gastaram meu dinheiro na companhia de uma prostituta,
de quem eu os arranquei na noite passada, inundados em vinho e perfumes. Curto e
grosso, eles ainda cheiram ao que restou de meu patrimônio'.

4
Assim, para que a deusa protetora do navio fosse acalmada, ficou estabelecido
que seriam dadas quarenta chicotadas para cada um de nós. Então, não houve qualquer

354
tipo de demora: aproximaram-se de nós marinheiros furiosos com cordas e tentaram
5
agradar a deusa protetora com nosso sangue mais do que desprezível. Eu, de minha
parte, suportei três chicotadas com resignação espartana. Mas Gitão, acertado uma única
vez, gritou tanto, que invadiu os ouvidos de Trifena com sua conhecidíssima voz. 6 Não
só a dona da casa se agitou, mas também todas as escravas, induzidas por aquele som
7
familiar, partiram rumo ao açoitado. Gitão, com sua admirável beleza, já tinha
desarmado os marinheiros e, até sem voz, implorava clemência aos que o maltratavam,
quando as escravas gritaram ao mesmo tempo: 'É Gitão, é Gitão; detenham suas
8
crudelíssimas mãos; é Gitão, senhora, ajude-o'. Trifena curvou seus ouvidos, que já
9
acreditavam por conta própria, e imediatamente voou no garoto. Licas, que me tinha
notado muito bem, fingindo que ele também tinha ouvido uma voz, correu em minha
direção e não observou nem minhas mãos, nem meu rosto, mas, com o brilho de seus
olhos imediatamente curvados na direção de meus órgãos genitais, levou sua mão
atenciosa até eles e disse: 'Olá, Encólpio !' 10 E alguém ainda se admira de que a ama de
Ulisses, depois de vinte anos, tenha descoberto a cicatriz indicadora de sua origem, uma
vez que este homem extremamente sagaz, mesmo com todos os contornos de meu corpo
e minha boca alterados, chegou tão sabiamente à única prova de que eu era seu fugitivo.
11
Trifena derramou lágrimas, enganada por nosso castigo  pois ela pensava que as
marcas impressas nas testas dos cativos eram de verdade  e nos perguntou muito
humildemente que prisão de escravos nos tinha interceptado em nossa caminhada sem
rumo, ou que mãos tão cruéis tinham perseverado neste castigo. Disse ainda que nós
realmente merecíamos algum tipo de repreensão por termos fugido, pois que suas boas
intenções para conosco tinham-se transformado em ódio ...

1
CVI. Movido pela raiva, Licas apresentou-se rapidamente e disse: 'Mas que mulher
ingênua ! Até parece que ferimentos preparados com ferro absorvem as letras ! Quem
dera que eles tivessem sido realmente manchados com esta inscrição: nós teríamos o
melhor prêmio de consolação. Nós acabamos de ser atacados por artes teatrais e
ridicularizados por uma inscrição mal reproduzida'.
2
Trifena queria ter compaixão de nós, pois não tinha perdido toda sua
voluptuosidade, mas Licas, que ainda se lembrava do adultério da esposa e das palavras
injuriosas, que ele tinha ouvido no pórtico de Hércules, com a expressão do rosto muito
3
fortemente perturbada, gritou: Trifena, você percebeu, acho, que os deuses imortais
direcionam as coisas humanas. Foram eles que introduziram esses criminosos

355
imprudentes em nosso navio e nos avisaram o que eles tinham feito através de uma
convergência de sonhos. Assim, veja se o perdão pode ser concedido a eles, quando o
próprio deus os colocou diante da punição. No que me diz respeito, eu não sou cruel,
4
mas tenho medo de sofrer eu mesmo o castigo que eu deixar passar em branco'. Por
causa deste discurso tão supersticioso, Trifena, mudando de opinião, disse que não
queria interromper o castigo, muito ao contrário, queria que este castigo se aproximasse
de uma punição a mais justa possível. Ela disse ainda que não tinha sido abalada por
uma ofensa menor do que a de Licas, pois sua honra tinha sido posta em cheque em
plena assembléia do povo.

1
CVII. 'Eles me escolheram como embaixador para esta missão, por eu não ser um
desconhecido, pelo menos é o que eu acho, e pediram que eu os reconciliasse com
pessoas que um dia foram seus melhores amigos. 2 Vocês pensam que não foi senão por
acaso que estes jovens caíram nesta armadilha, ainda que todo passageiro procure saber,
3
antes de qualquer outra coisa, aos cuidados de quem está entregando-se a si próprio.
Então, abrandem suas mentes já suavizadas por esta satisfação e permitam que estes
homens livres vão sem nenhuma injúria a seu destino. 4 Senhores desumanos e também
implacáveis abrandam sua crueldade, quando o arrependimento finalmente traz os
fugitivos de volta e nós costumamos poupar os inimigos que se rendem. O que mais
vocês buscam, ou o que vocês querem ? 5 Na presença de vocês estão dois suplicantes
jovens de boa família, dignos de consideração e, o que é mais forte do que essas
6
qualidades, um dia unidos a vocês pelos laços da amizade. Por Hércules, se eles
tivessem desviado dinheiro de vocês, se eles tivessem ultrajado a confiança de vocês
com uma traição, ainda assim vocês poderiam saciar-se com esta punição, que estão
presenciando. Observem bem ! Vocês estão vendo claramente as marcas da escravidão
em suas frontes e dois rostos livres por nascimento proscritos por uma imposição
voluntária destas punições'. 7 Licas interrompeu a deprecação do suplicante e disse: 'Não
8
confunda a questão, mas coloque cada coisa em seu devido lugar. Antes de qualquer
coisa, se eles vieram por vontade própria, por que rasparam os cabelos da cabeça ?
9
Quem muda sua fisionomia está preparando um crime, não a confissão de um. E,
depois, se eles planejavam pedir perdão através de um embaixador, por que você fez
tudo de forma a defendê-los e disfarçá-los ? É claro que foi por acaso que estes

356
criminosos caíram numa emboscada e que você procurou um artifício, com o qual
10
pudesse evitar o ímpeto de nossa punição. Quanto a você nos hostilizar,
argumentando que eles são de boa família e dignos de consideração, preste atenção para
não tornar sua causa mais fraca com sua audácia. Por que eles se devem fazer de
11
prejudicados, quando são eles que correm na direção da punição de seu crime ? Mas,
realmente, eles foram nossos amigos: é por isto que eles mereceram castigos maiores,
pois quem prejudica desconhecidos é chamado de ladrão, quem prejudica amigos é
pouco menos do que um parricida'. 12 Eumolpo dissipou este discurso tão desfavorável e
disse: 'Eu estou percebendo que nada se opõe mais a estes jovens infelizes do que o fato
de eles terem cortado seus cabelos durante a noite: é por causa desta prova que vocês
13
pensam que eles vieram parar no navio por acaso, não se dirigiram até ele. A única
coisa que eu quero que chegue os ouvidos de vocês é a maneira pura e simples como
esta situação se originou. Na verdade, eles queriam, antes de embarcar, descarregar suas
cabeças de um peso desagradável e supérfluo, mas aquele vento repentino adiou a
execução desta tarefa. 14 No entanto, eles não pensaram que tinham de se preocupar com
o lugar onde fariam o que tinham resolvido fazer, pois eles não tinham conhecimento
nem do presságio, nem da lei dos navegantes'. 15 Licas disse: 'Qual foi o interesse desses
suplicantes em cortar o cabelo ? Talvez haja outro motivo que não o fato de que os
carecas costumam ser mais dignos de compaixão. Aliás, em que me interessa buscar a
verdade por intermédio de um intérprete ? O que é que você me diz, seu ladrão ? Que
salamandra arrancou suas sobrancelhas ? A que deus você devotou sua cabeleira ?
Responda, seu envenenador !'

CVIII. 1 Eu, trêmulo de medo do castigo, fiquei gelado e não encontrei nem o que dizer
diante deste argumento mais do que evidente, tinha ficado perturbado ... e deformado,
por causa da vergonha da cabeça privada de sobrancelhas, além da calvície, que se
2
uniformizava com a testa, de modo que nada me parecia conveniente fazer, nem dizer.
Mas, quando minha cara de choro foi enxugada com uma esponja umedecida e a tinta
preta, amolecida por todo o meu rosto, evidentemente misturou meus traços a uma
3
nuvem de fuligem, a ira se converteu em ódio. Eumolpo disse que não iria suportar
que qualquer pessoa manchasse rapazes de boa família, agindo contra a justiça divina e
a lei dos homens, e interrompeu as ameaças dos praticantes de crueldades não só com as
palavras, mas também com as mãos. 4 Estavam do lado do reclamante o empregado que
o acompanhava e mais uns dois passageiros, os mais debilitados, que serviram mais de

357
5
apoio moral a nosso litígio, do que de efetivo acréscimo de forças. Eu não suplicava
nada em meu favor, mas, dirigindo minhas mãos contra os olhos de Trifena, gritei alto e
claro que eu usaria de todas as minhas forças, se aquela mulher desgraçada e única que
deveria ser chicoteada em todo o navio não mantivesse afastada de Gitão aquela ofensa.
6
Licas, bastante irritado com minha audácia, se inflamou e ficou indignado, porque eu,
7
abandonando minha própria causa, gritei apenas em favor do outro. Trifena, não
menos inflamada pela afronta, ficou furiosa e dividiu a multidão de todo o navio em
8
dois grupos. Do lado de cá, o empregado barbeiro, armado ele próprio com sua
ferramenta de trabalho, repartiu para nós também algumas navalhas; do lado de lá, a
criadagem de Trifena posicionou suas mãos vazias para o combate, e nem mesmo a
gritaria das escravas deixou de fazer parte da batalha, apesar de o timoneiro anunciar
que abandonaria o comando do navio, se não cessasse aquela violência, pondo-se fim a
9
um capricho de depravados. Contudo, a cólera dos combatentes não diminuía, pois
eles lutavam pela vingança e nós, pela própria vida. A essa altura, muitos, de ambas as
partes, cambaleavam sem morrer, outros tantos, cobertos de sangue por causa das
feridas, tiravam o corpo fora, como que recuando de um combate, e, contudo, não se
10
abrandava a ira de ninguém. Então, o mais do que corajoso Gitão aproximou uma
perigosa navalha de seu membro viril, ameaçando que iria cortar a causa de tantos
infortúnios, e Trifena impediu este tão grande atentado, não escondendo que o
11
perdoava. Eu, mais do que uma vez, coloquei a navalha de barba sobre minha
garganta, com uma intenção de me matar não maior do que a de Gitão de cumprir sua
ameaça. Ele, contudo, desempenhava seu papel trágico com bastante ousadia, porque
sabia que tinha em mãos aquela conhecida navalha, com a qual ele já tinha cortado seu
pescoço. 12 Então, como ambas as linhas de batalha foram mantidas e porque parecia
que aquela não seria uma guerra comum, o timoneiro finalmente conseguiu que Trifena
desse trégua a nós, fazendo as vezes de arauto. 13 Então, dada e aceita a promessa de paz
segundo o costume tradicional, ela estendeu um ramo de azeitona, retirado da divindade
protetora do navio e, ousando fazer um colóquio, exclamou:

14
Que fúria transformou a paz em guerra ?
Por que nossas mãos se alistaram no exército ? Nenhum herói troiano
está transportando nesta armada a garantia do enganado Atrida,
nenhuma Medéia desvairada está lutando contra o sangue fraterno,
mas um amor desprezado incita-nos a usar a força. Pobre de mim !
Quem, em meio a estas ondas, evoca os destinos com as armas arrebatadas ?

358
A quem não é suficiente uma única morte ? Não superem o mar,
não lancem outras ondas neste bravio turbilhão de água.

CIX. 1 Quando esta mulher proferiu seu brado perturbado, durante algum tempo a linha
de batalha se deteve e as mãos, reconvocadas à paz, interromperam a guerra. Nosso
general Eumolpo aproveitou o momento propício de arrependimento e repreendeu Licas
com bastante veemência, antes de firmar as cláusulas do tratado de aliança, que tinha o
2
seguinte regulamento: 'Você, Trifena, por sua própria vontade, não se queixará de
nenhuma ofensa feita a você por Gitão, nem jogará nada na cara dele, ou reclamará de
coisa alguma que tenha sido feita antes do dia de hoje, ou se dedicará a persegui-lo de
alguma outra forma; você não ordenará ao garoto nada a que ele oponha resistência,
nem um abraço, nem um beijo, nem uma penetração ligada aos prazeres do amor, senão,
3
você pagará no ato, por qualquer destas atitudes, cem moedas. Da mesma forma,
Licas, por sua própria vontade, você não atacará Encólpio nem com uma palavra
injuriosa, nem sequer com seu olhar, nem o procurará, quando ele estiver dormindo à
4
noite, ou, se o fizer, pagará no ato, por cada uma das ofensas, duzentas moedas'. A
estas palavras, constituídos os tratados de paz, nós depusemos as armas, e, para que
não permanecesse nenhuma ira residual em nossos pensamentos mesmo depois do
5
juramento, combinamos que as desavenças do passado seriam apagadas com beijos.
Com a animação de todos, os sentimentos de ódio cederam espaço e o banquete trazido
para o campo de batalha conciliou a boa harmonia à alegria. 6 Então, todo o navio
ressoou com as músicas e, porque uma repentina calmaria no mar interrompera o curso
do navio, um tentava pegar os peixes saltitantes com um tridente, outro, com atraentes
7
anzóis, arrebatava a presa, que opunha resistência. De repente, em volta do mastro
pousaram também aves marinhas, que um habilidoso artista capturou com hastes
entrelaçadas; as aves, presas a varas de vime cheias de visgo, eram trazidas ao alcance
de suas mãos. Uma brisa levantava as penugens esvoaçantes e a espuma inconsistente
lançava as penas pelas ondas.
8
Licas já tinha feito as pazes comigo, Trifena já espargia Gitão com o último
gole de sua bebida, quando Eumolpo, também ele relaxado pelo vinho, quis zombar dos
carecas e marcados com ferro em brasa, até que, finda sua brincadeira mais do que sem
graça, voltou a seus poemas e disse esta curta elegia aos cabelos:

9
 'Seus cabelos, este que é o único enfeite de sua beleza, caíram

359
e suas cabeleiras reflorescentes o impiedoso inverno fez desaparecer.
Agora, suas têmporas já se afligem com a dissipação da própria sombra despida
e o espaço desocupado, queimado de sol, zomba dos pelos destruídos.
O' insidiosa natureza dos deuses: as primeiras alegrias
que você concedeu a nossa juventude são as primeiras que você arrebata'.

10 ' O' infeliz ! Ainda há pouco você seus cabelos brilhavam,
mais belos do que Febo e do que a irmã de Febo.
Mas, agora, mais liso do que o bronze, ou
do que um cogumelo arredondado de jardim, que uma tempestade fez brotar,
você evita e teme as garotas, que riem de você.
Para que você acredite que a morte chegará mais cedo,
saiba que parte de sua cabeça já morreu'.

1
CX. Ele queria declamar mais coisas, eu acho, e mais estúpidas do que as anteriores,
quando uma escrava de Trifena conduziu Gitão para a parte inferior do navio e adornou
2
a cabeça do garoto com uma peruca de cabelos cacheados, pertencente a sua dona.
Além disso, ela ainda retirou sobrancelhas de uma caixinha e, acompanhando muito
3
habilmente os traços das sobrancelhas perdidas, devolveu a ele toda sua formosura.
Trifena reconheceu nele o verdadeiro Gitão e, emocionada a ponto de chorar, deu,
então, o primeiro beijo de verdade no garoto. 4 Eu, ainda que estivesse alegre por eles
terem feito o garoto recuperar sua antiga beleza escondia, contudo, meu rosto quase que
o tempo todo e me sentia atingido por uma feiura fora do normal, uma vez que nem
5
sequer Licas achava que eu era digno de palavras de consolo. Mas, a esta tristeza,
aquela mesma escrava veio prestar auxílio e, chamando-me à parte, enfeitou-me com
uma peruca não menos bonita; muito ao contrário, meu rosto se destacou e ficou ainda
mais atraente, pois era uma peruca loira de cabelos cacheados.

6
De resto, Eumolpo, não só defensor dos periclitantes, mas também promotor
da presente harmonia, para que a alegria não se silenciasse por falta de histórias,
resolveu falar mil coisas sobre a volubilidade feminina. 7 Ele zombou da facilidade com
que elas apaixonam, da facilidade com que elas se esquecem até mesmo dos filhos e
disse que não havia nenhuma mulher que fosse tão íntegra, a ponto de não se desviar
8
para uma louca paixão, movida por um novo desejo. Ele disse que não falava isso

360
considerando as tragédias antigas, ou nomes conhecidos há séculos, mas que o caso que
ele iria contar, se nós quiséssemos ouvir, tinha acontecido na época em que ele era
jovem. Voltados, pois, todos os rostos e ouvidos em sua direção, ele começou a narrar
assim:

CXI. 1 'Havia uma mulher casada em Éfeso que era de uma castidade tão notável, que
atraía as mulheres até mesmo dos povos vizinhos a visitá-la. 2 Então, quando ela perdeu
o marido, não se limitando a seguir o enterro com os cabelos soltos, segundo o costume
geral, ou a bater no peito nu na presença da multidão, ela também acompanhou o
defunto no túmulo e resolveu chorar e velar o corpo colocado na cripta, de acordo com
3
o costume grego, por noites e dias inteiros. Nem os pais, nem os parentes puderam
afastá-la daquele local, pois ela se atormentava assim e buscava a morte através da
abstinência de alimentos; os magistrados, repelidos por último, se foram embora e
aquela mulher de exemplo singular, por quem todos se lastimavam, já passava o quinto
4
dia sem alimento. A mais fiel escrava daquela mulher atormentada não se afastava
dela e, ao mesmo tempo, não só compartilhava suas lágrimas com as de sua senhora,
mas também reacendia a lâmpada colocada no monumento todas as vezes que ela se
apagava. 5 Assim, pois, na cidade inteira era este o único assunto, os homens de todas as
classes sociais reconheciam que tal atitude se destacava como exemplo verdadeiro de
castidade e de amor, quando, nesse meio tempo, o imperador daquela província ordenou
que ladrões fossem pregados em cruzes ao lado daquele túmulo, no qual a mulher
6
velava o cadáver fresco. Então, na noite seguinte, quando o soldado que vigiava as
cruzes, para que ninguém levasse nenhum corpo para a sepultura, notou uma luz
brilhando mais forte entre os túmulos e ouviu o soluço de alguém chorando, por um
vício da raça humana ele desejou saber quem era, ou o que estava fazendo. 7 Então, ele
desceu para o interior do túmulo e, quando viu aquela mulher belíssima, primeiro ficou
8
parado, como que perturbado por algum monstro e fantasmas infernais. Em seguida,
quando viu um corpo de homem estendido e ainda observou as lágrimas e as faces
golpeadas pelas unhas, evidentemente percebendo o que era  uma mulher que não
conseguiu suportar a saudade do extinto marido  levou para aquele túmulo seu
pequeno jantar e aconselhou aquela mulher chorosa a não persistir numa dor inútil e não
dilacerar seu peito com um gemido que não serviria em nada a ela. Ele argumentou que
todos teriam aquele mesmo fim e aquela mesma morada e ainda disse outras coisas,

361
com as quais as mentes atormentadas são reconduzidas à razão. 9 Mas ela, chateada com
aquela tentativa de consolo, castigou mais violentamente seu peito e depositou cabelos
10
arrancados sobre o corpo do defunto. O soldado, contudo, não recuou, mas, com
aquele mesmo estímulo, tentou dar alimento à pobre mulher, até que sua escrava, +
certamente corrompida + * pelo bom cheiro do vinho, primeiro estendeu ela própria sua
mão vencida até o espírito humanitário daquele sedutor, depois, repetida a dose da
11
comida e da bebida, derrotou a obstinação de sua dona e disse: "O que você poderá
lucrar sendo aniquilada pela falta de alimento, sendo enterrada viva, entregando sua
alma que ainda não foi condenada, antes que os destinos o exijam?

12
Você acredita que os restos mortais, ou as almas sepultadas percebem este seu sacrifício ?

Você não quer voltar a viver ? Você não quer usufruir das coisas boas da vida, enquanto
ainda pode, dissipando este erro próprio das mulheres ? O próprio corpo do defunto
deveria encorajá-la a viver". 13 Ninguém deixa de ouvir, quando está sendo coagido a se
alimentar, ou a viver. Assim, a mulher, faminta devido ao jejum de alguns dias, admitiu
que sua perseverança fosse rompida e fartou-se de alimento não menos avidamente do
que a escrava, que foi vencida primeiro.

1
CXII. Mas vocês sabem o que geralmente costuma inquietar a satisfação humana.
Com as mesmas palavras ternas com que tinha conseguido que a senhora quisesse viver,
o soldado abordou também a castidade dela. 2 E aquele jovem não parecia disforme, ou
pouco eloqüente à virtuosa senhora, acrescentando-se a isso a influência de sua escrava,
que dizia o tempo todo:

"Você ainda lutará contra este agradável amor ?


[não vem a sua mente nas terras de quem você veio a se estabelecer ?]"

Para que ficar me alongando tanto ? A mulher não mais se absteve de saciar aquela
parte de seu corpo e o soldado vitorioso a persuadiu de ambas as coisas. 3 Eles, então, se
deitaram juntos não só naquela noite, em que celebraram suas núpcias, mas também no
dia seguinte e ainda no terceiro dia, evidentemente com as portas do túmulo fechadas,
para que qualquer um que viesse ao monumento, entre conhecidos e desconhecidos,

*
Texto incerto.

362
pensasse que aquela virtuosíssima esposa exalava seu último suspiro sobre o corpo de
seu marido.
Mas, o soldado, encantado pela beleza da mulher e pelo mistério, comprava e
levava para o túmulo, imediatamente ao cair da noite, tudo de bom que conseguia,
5
dentro de suas possibilidades. Assim, os pais de um crucificado, quando viram a
guarda baixada, tiraram durante a noite o corpo pendurado e lhe prestaram a última
homenagem. 6 E o soldado logrado, quando viu no dia seguinte uma cruz sem cadáver,
sentiu o chão sumir a seus pés e, temendo a punição, expôs à mulher o que tinha
acontecido. Ele disse que não iria esperar a sentença do juiz, mas que iria determinar ele
próprio para si a pena de morte, com espada, por negligência. Por isso, ele queria que
ela lhe concedesse um lugar para morrer e dividisse aquele túmulo fatal com seu amante
7
e com seu marido. A mulher, não menos misericordiosa do que virtuosa, disse: "Que
os deuses não permitam que eu assista, ao mesmo tempo, aos dois funerais dos dois
8
homens mais especiais para mim. Prefiro pendurar o morto a matar o vivo". Depois
deste discurso, ela ordenou que o corpo de seu próprio marido fosse retirado do caixão e
pregado naquela cruz, que estava vazia. O soldado pôs em prática o plano genial
daquela mulher sapientíssima e, no dia seguinte, o povo, espantado, ficou-se
perguntando de que modo o morto tinha ido parar na cruz'.

CXIII. 1Os marinheiros acolheram a história com uma risada, enquanto Trifena
2
enrubesceu-se não pouco e recostou delicadamente seu rosto sobre a nuca de Gitão.
Porém, Licas não deu um sorriso, mas, erguendo sua cabeça com indignação, disse: 'Se
o imperador tivesse sido justo, ele deveria recolocar o corpo do chefe de família no
túmulo e pregar a mulher na cruz'.
3
Sem dúvida alguma tinham vindo a sua mente a traição e a pilhagem de seu
4
navio em nossa libidinosa passagem por ele. Mas, nem os termos do tratado de paz
permitiam que ele se lembrasse disso, nem a alegria, que tinha ocupado nossas mentes,
dava lugar à cólera. 5 Aliás, Trifena, instalada no colo de Gitão, simplesmente enchia de
beijos o peito dele, enquanto ajustava a peruca naquele rosto privado de cabelos. 6 Eu,
triste e inconformado com o novo tratado de paz, não comia, nem bebia nada, mas, com
olhares disfarçados e ferozes, observava os dois. 7 Todos os beijos me feriam, todas as
carícias que aquela mulher libidinosa imaginava. E, contudo, eu ainda não sabia se
deveria irritar-me mais com o garoto, que me tomava a amante, ou com a amante, que
corrompia o garoto: ambas as coisas eram as mais hostis a meus olhos e mais tristes do

363
que o cativeiro do passado. 8 Acrescia-se a isto o fato de que nem Trifena me dirigia a
palavra, como se eu não fosse um amigo íntimo e não tivesse sido um dia seu amante
favorito, nem Gitão me julgava digno do tradicional brinde a nossa saúde, ou, o que é o
mínimo, convidava-me para uma conversa na roda, temendo, acho eu, abrir uma ferida
9
recente durante aquele princípio de retomada da harmonia. As lágrimas, provocadas
pela dor, inundaram meu peito e o soluço abafado pela respiração profunda quase me
deixou sem ar.

10
Ele tentava ser aceito em nosso grupo e compartilhar de nossos prazeres e não
assumia a austeridade de dono da casa, mas buscava a complacência do amigo.

11
[Escrava de Trifena para Encólpio] 'Se você tem alguma gota de sangue livre,
não pode considerá-lo mais do que a uma prostituta. Se você for homem, não irá atrás
desse prostituto'.

12
Nenhuma outra coisa me causava mais vergonha do que a preocupação de que
Eumolpo percebesse tudo o que tinha acontecido e, como homem extremamente
sarcástico que era, nos punisse com seus poemas.

13
Eumolpo prometeu com todas as fórmulas possíveis de juramento.

1
CXIV. Enquanto nós jogávamos estas e outras conversas fora, o mar agitou-se e
nuvens arrastadas de todas as partes cobriram o dia com trevas. Os marinheiros
espalharam-se agitados rumo a seus postos e retiraram as velas do alcance da

364
2
tempestade. Mas, o vento lançava sobre o navio ondas irregulares e o timoneiro não
sabia a que direção ele deveria voltar seu curso. 3 Às vezes o vento arremessava o barco
rumo à Sicília, mais freqüentemente Aquilão, o soberano do litoral itálico, vertia daqui e
dali nosso navio exposto e, o que era mais arriscado do que todos esses perigos, trevas
tão cerradas engoliram de repente a luz, que o timoneiro não conseguia ver nem sequer
4
toda a proa do navio. Assim, + por Hércules + *, depois que aquela tempestade
manifesta tomou forças, Licas, tremendo, estendeu até mim suas mãos suplicantes e
5
disse: 'Você, Encólpio, socorra-nos neste momento de perigo e devolva ao navio
aquele manto divino e o sistro. Por amor aos deuses, tenha compaixão, como por certo
você está acostumado a fazer'.
6
Um vento, porém, atirou no mar aquele homem vociferando e, atacado
7
novamente, a tempestade o fez rodopiar em um turbilhão de água hostil e o devorou.
Os servos mais fiéis, no entanto, rapidamente puxaram Trifena, já quase sem fôlego, e,
colocando-a em um bote salva-vidas com a maior parte de suas bagagens, a afastaram
da morte mais do que certa.

8
Eu, agarrado a Gitão, chorei alto e disse: 'Nós fizemos por merecer isto da parte
dos deuses, para que eles nos unissem em uma única morte ? Mas, nem isso a sorte
9
insensível nos concedeu. Eis que uma onda está virando nosso barco; eis que o mar
furioso está separando os abraços dos amantes. Então, se você realmente amou este
Encólpio, beije-me enquanto é possível, e roube da morte, que se precipita sobre nós,
10
este último prazer'. Logo que eu disse isso, Gitão tirou sua roupa e, encoberto por
minha túnica, pôs sua cabeça à mostra para me beijar. E, para que uma onda mais
pérfida não nos separasse, pois que estávamos assim ligados em todas as partes, ele
passou seu cinto em volta de nós dois, amarrando-nos, e disse: 11 'Se não nos resta mais
nada, pelo menos o mar nos carregará unidos por muito mais tempo, ou melhor ainda, se
ele, misericordioso, nos arremessar numa mesma praia, algum passante, levado pelo
tradicional sentimento de humanidade, nos recobrirá de pedras, ou a areia, porque
mesmo as ondas bravias têm este fim, sem saber nos sepultará'. 12 Eu permiti este último
laço e, como que acomodado em um leito fúnebre, esperei a morte, já não desagradável.
13
Enquanto isso, a tempestade completou as ordens dos destinos e se apoderou de todas
as partes restantes do navio. Não tinha sido deixado nem um mastro, nem o timão, nem

*
Texto mutilado.

365
uma amarra, ou um remo, mas um material quase que bruto e não trabalhado espalhava-
se com as ondas.

14
Pescadores puseram-se ao mar sem carga em seus pequenos barcos, para
pilhar a presa. Em seguida, logo que viram algumas pessoas dispostas a defenderem
seus bens, transformaram sua hostilidade em auxílio.

1
CXV. Ouvimos um ruído estranho e um gemido, parecido com o de uma fera que
2
deseja escapar, sob a cabine do capitão. Nós, pois, perseguindo aquele som,
encontramos Eumolpo sentado, escrevendo versos em um enorme pergaminho. 3 Então,
admirados com o fato de ele encontrar tempo para fazer um poema na iminência da
morte, nós o tiramos de lá, mesmo com seus altos gritos de protesto, e ordenamos a ele
que recobrasse o juízo. 4 Mas, ele, porque interrompido, irritou-se e disse: 'Deixem-me
5
completar esta frase; o final do poema ainda precisa ser trabalhado'. Eu lancei minha
mão sobre aquele desvairado e mandei Gitão aproximar-se e arrastar o poeta mugindo
para terra firme.

6
Realizada, enfim, à custa de bastante esforço, esta obra, nós, desolados, nos
aproximamos sorrateiramente de uma cabana de pescador e de alguma forma
7
alimentados com o que sobrou do naufrágio, levamos ao fim aquela mais triste noite.
No dia seguinte, quando colocamos em discussão a que direção nós nos entregaríamos,
vi, de repente, um corpo humano, girando em um fraco redemoinho, ser depositado na
8
praia. Então, deprimido, parei e me pus a examinar, com os olhos umedecidos, a
proteção que o mar nos oferece e gritei: 'Talvez, em algum lugar do universo, uma
esposa tranqüila espere esta pessoa, talvez um filho, que não sabe da tempestade, ou
talvez ele tenha deixado para trás pelo menos um pai, em quem, ao partir, deu um beijo.
10
São estes os projetos dos mortais, são estes seus desejos de grandes idéias. Eis aqui
11
um exemplo de como o homem nada !' Até então, eu lamentava por aquela pessoa,

366
como se ela fosse desconhecida, quando uma onda fez aquele rosto paralisado se voltar
para o chão e eu reconheci o até pouco antes terrível e implacável Licas como que
12
subjugado a meus pés. Eu, então, não mais segurei as lágrimas, muito ao contrário,
bati forte em meu peito repetidas vezes com as mãos e disse: 'Onde está sua cólera, sua
13
fúria ? Com certeza você foi abandonado aos peixes e às feras, justamente você, que
pouco antes se vangloriava da potência de seu império e que agora, como náufrago, não
14
possui nem sequer uma tábua de tão grande navio. Vão já, mortais, encham seus
peitos de grandes planos. Vão, donos-de-si, e organizem suas riquezas obtidas com
15
fraudes ao longo de muitos anos. Sem dúvida, este aqui, ao final do dia de ontem,
refez os cálculos de seu patrimônio, com certeza também marcou na memória o dia em
que chegaria em sua terra natal. Deuses e deusas, quão distante de seu objetivo ele jaz !
16
Mas, não são apenas os mares que oferecem aos mortais esta falta de proteção. As
armas enganam o que promove a guerra, os escombros das imagens de seus próprios
Penates sepultam o que consagra oferendas aos deuses. Aquele outro, caindo de seu
carro, apressou a queda de seu apressado espírito, o alimento sufocou o ávido, a
17
moderação o abstinente. Se se calcular bem, o naufrágio está por toda parte. Mas, o
sepultamento não atinge um corpo aniquilado pelas ondas: até parece que importa saber
qual meio consumirá um corpo à beira da morte, se o fogo, se a onda, se a ação do
tempo ! Independente do que se faça, tudo levará a este mesmo fim. 18 No entanto, os
animais ferozes podem dilacerar este corpo: como se fosse melhor o fogo consumi-lo !
Muito ao contrário, pensamos que este é o mais rigoroso castigo, quando nos irritamos
com nossos escravos. 19 Que loucura, então, é esta de fazer tudo, para que uma sepultura
não deixe nada de nós ?'

20
No caso de Licas, ao menos uma pira carregada por minhas mãos inimigas
incinerou seu corpo. Eumolpo, porém, enquanto fazia um epitáfio ao morto, olhou ao
longe à procura de idéias.

CXVI. 1 Cumprida de bom grado esta tarefa, nós tomamos um caminho determinado e,
sem perder tempo, subimos suando em um monte, do qual avistamos não longe dali

367
2
uma cidade localizada no pico de uma montanha. Mas nós, viajantes sem rumo, não
sabíamos que cidade era aquela, até que fomos informados por um caseiro de que era
Crotona, a cidade mais antiga e, outrora, a principal da Itália. 3 Em seguida, quando nós,
muito escrupulosamente, indagamos sobre que tipo de pessoas habitava naquele solo
nobre, ou que tipo de comércio em especial eles apreciavam, depois de terem suas
riquezas arruinadas pelas freqüentes guerras, ele disse: 'Meus prezados viajantes, se
vocês são comerciantes, mudem de idéia e procurem um outro reduto para viver. 5 Mas,
se, por outro lado, vocês, homens de caráter mais impudente, desempenham bem o
papel de sempre mentir, estão correndo em linha reta para o lucro, 6 pois, nesta cidade,
os estudos de literatura não são valorizados, a eloqüência não tem espaço, a moderação
e os costumes probos não resultam em elogios, mas saibam que todas as pessoas, sem
7
exceção, que vocês virem nesta cidade se dividem em dois grupos: ou eles são
caçados, ou caçam. Nesta cidade ninguém tem filhos, pois aquele que possui herdeiros
não é admitido em jantares, nem em espetáculos, mas é privado de todos os benefícios,
8
permanece oculto entre os desonrosos. Mas, quem nunca se casou, nem possui
parentes próximos, atinge as mais elevadas honras, isto é, são tidos como os únicos
9
guerreiros, os mais fortes e, ainda, como irrepreensíveis. Façam uso desta cidade',
disse ele, 'tal como de campos durante uma peste, nos quais não há outra coisa senão
cadáveres que são dilacerados, ou corvos, que os dilaceram'.

CXVII. 1 Eumolpo, mais experiente do que nós, voltou seus pensamentos para este fato
2
novo e confessou-nos que este tipo de enriquecimento não o desagradava. Eu estava
pensando que era uma brincadeira daquele velho com sua frivolidade poética, quando
ele disse: 'Ah, oxalá estivesse a minha disposição um cenário mais amplo, isto é, roupas
mais adequadas a um homem, uma ferramenta mais distinta, que desse credibilidade à
mentira: por Hércules, eu não adiaria este empreendimento, mas eu levaria vocês na
3
hora a esta considerável fonte de riqueza'. De minha parte, comprometi-me a
providenciar tudo que ele determinasse, contanto que ele ficasse satisfeito com aquela
roupa, nossa companheira de rapina, e também com tudo que nos tinha sido oferecido,
enquanto andávamos sem rumo, no sítio de Licurgo; então afirmei: 'Certamente a mãe
dos deuses oferecerá o dinheiro para a presente necessidade em favor de nossa
confiança nela'.

368
4
'Por que, então', disse Eumolpo, 'nós paramos de construir nossa farsa teatral ?
Façam-me, então, dono de vocês, se o acordo lhes parece bom'. 5 Ninguém atreveu-se a
desprezar tal astúcia, que não representava nenhum sacrifício. Assim, para que a
mentira se mantivesse em segurança entre nós, juramos, conforme as palavras prescritas
por Eumolpo, ser queimados, amarrados, chicoteados e mortos a ferro, e qualquer outra
coisa que Eumolpo ordenasse. Tal como autênticos gladiadores, consagramos muito
solenemente nossos corpos e almas a nosso dono. 6 Após a realização do juramento, nós
saudamos cordialmente nosso dono de mentira, à maneira dos escravos, e igualmente
decoramos que Eumolpo tinha enterrado um filho seu, um rapaz de notável eloqüência e
perspectiva de sucesso, e que, por esta razão, aquele velho infelicíssimo saíra de sua
cidade, para não ver nem os colegas, ou os amigos de seu filho, nem a sepultura
perenemente como motivo de lágrimas. 7 Somava-se a esta tristeza o recente naufrágio,
no qual ele tinha perdido mais de dois milhões de sestércios; ele nem se abalara com
este prejuízo, mas com o fato de que, destituído de seu pessoal, ele não tivesse
8
reconhecida sua posição social. Além disso, ele tinha 30 milhões de sestércios na
África, aplicados em fazendas e títulos de crédito; sua criadagem, espalhada pelos
campos da Numídia, era realmente tão numerosa, que poderia tomar até mesmo
9
Cartago. De acordo com as cláusulas de nosso contrato, ordenamos a Eumolpo que
tossisse bastante, que fosse à vezes desenfreado para comer e condenasse abertamente
todos os tipos de alimentos; que falasse não só de ouro, mas também de prata, de
fazendas imaginárias e da contínua esterilidade de suas terras; 10 que ele, além disso, se
sentasse diariamente diante de seu livro de contabilidade e renovasse todos os meses os
termos de seu testamento. E para que não faltasse nada no cenário, todas as vezes que
ele tentasse chamar algum de nós, que chamasse um pelo outro, para que estivesse
visivelmente claro que nosso dono se lembrava até mesmo daqueles que não estivessem
presentes.
11
Com as coisas assim organizadas, nós, pedindo aos deuses que 'tudo corresse
bem e com sucesso', começamos nossa caminhada. Mas, Gitão não conseguia ficar de
pé debaixo daquele embrulho insólito e o empregado Córace, recusando-se a fazer
aquele trabalho, colocava a bagagem a todo momento no chão e nos amaldiçoava,
porque nos apressávamos, e afirmava que ou ele abandonaria as sacolas, ou fugiria com
12
a carga. Ele disse: 'Por que vocês pensam que eu sou um jumento, ou um navio de
carregar pedra ? Eu fui contratado para serviços de homem, não de cavalo. E eu não sou

369
menos livre do que vocês, ainda que meu pai me tenha deixado pobre'. Não contente
com as reclamações, de tempos em tempos ele erguia seu pé e enchia o caminho com
13
aquele som indecente, acompanhado de cheiro. Gitão ria daquela obstinação e
acompanhava cada estalo dele com um ruído semelhante.

1
CXVIII. Eumolpo disse: 'Meus jovens, a poesia já enganou muitas pessoas, pois
bastou ter construído um verso com métrica e expressado um sentimento mais delicado
em um emaranhado de palavras para qualquer um pensar que tinha chegado
2
imediatamente ao Hélicon. É por isso que os que se exercitam nos trabalhos forenses
freqüentemente se refugiam na serenidade de um poema, tal como num porto bastante
seguro, acreditando que podem mais facilmente construir um poema, do que um
3
processo enfeitado com sentencinhas cintilantes. Mas, uma inspiração mais generosa
não aprecia essa falsidade e nenhuma mente pode conceber, ou gerar este tipo de
produto, a não ser que inundada por um enorme rio de letras. 4 Deve-se desviar de toda
e qualquer, por assim dizer, vulgaridade de palavras e devem ser adotados os termos
distantes da plebe, para se pôr em prática o "odeio a multidão ignorante e a mantenho à
distância". 5 Além disso, deve-se tomar cuidado para que não se incluam idéias que vão
além da linguagem proposta, mas somente as que se encontrem entrelaçadas ao assunto,
tal como a cor que brilha sobre as roupas. Homero é testemunha disto, e também os
líricos, o romano Virgílio e a minuciosa produtividade de Horácio. Quanto aos outros,
ou eles não viram o caminho pelo qual seria possível chegar ao poema, ou, se viram,
tiveram medo de trilhá-lo. 6 Vejam só ! Todo aquele que escolher como tema a imensa
obra da guerra civil, se não for um bom conhecedor das letras, sucumbirá sob este difícil
empreendimento. Os fatos realmente acontecidos não precisam ser apresentados nos
versos, porque os historiadores fazem isto muito melhor, mas deve-se deixar que o
espírito criador se lance livre por caminhos sinuosos, pelos ofícios dos deuses e pelo
fabuloso engenho de frases, de maneira que se evidencie mais o vaticínio de uma alma
delirante, do que a fidelidade de linguagem obediente a testemunhos: algo como esta
minha inspiração, caso lhes pareça adequada, apesar de ainda não ter recebido o último
retoque':

CXIX. 'O romano vencedor já tinha o mundo inteiro em suas mãos,

370
tanto o mar, quanto as terras, tanto o sol, quanto a lua no céu;
mas ele não estava satisfeito. Os mares, derrotados por seus pesados navios,
já estavam explorados; se ainda houvesse alguma baía secreta,
5 se houvesse algum domínio, que ocultasse seu amarelado ouro,
havia um inimigo e, com os destinos preparados para tristes guerras,
buscavam-se as riquezas. As alegrias conhecidas pelo povo
não interessavam, nem o prazer comum em seu dia-a-dia.
O soldado elogiava o bronze de Éfira + sobre a onda + * ;
10 o brilho obtido da terra fazia frente à púrpura;
de um lado os Númidas + se revoltam + * , de outro, os chineses entregam suas novas sedas
e a nação árabe espoliou seus próprios campos.
Eis que surgem outros flagelos e feridas de uma paz abalada.
Procura-se, em nome do ouro, uma fera nas florestas e o Júpiter dos africanos
15 é expulso por último, para que não deixem de capturar
a fera de dentes que valem a morte; a fome do estrangeiro comprime as tropas,
um tigre, marchando também ele ornado de ouro, é arrastado em um pátio,
para beber sangue humano sob os aplausos do povo.
Ah ! É vergonhoso contar e propagar destinos mortíferos:
20 seguindo os costumes dos persas, eles roubaram dos homens seus anos
que mal chegaram à puberdade e romperam com ferro
suas entranhas impedidas de amar e, para que o nobre exílio de uma existência
retarde os anos que avançam sobre seu limitado espaço de tempo,
a natureza procura a si própria e não encontra. Então, a todos
25 agradam os prostitutos, os passos requebrados em um corpo efeminado,
os cabelos soltos e todos os novos tipos de roupa,
tudo isso persegue o homem. Eis que surgem bandos de escravos
com uma mesa de pau de limoeiro arrancada de terras africanas e a púrpura reluzente
é posta à mesa e procura imitar com desonras o mais vil ouro,
30 que consegue levar consigo a faculdade de raciocinar. Uma multidão enterrada no vinho
fica em torno desta madeira estéril e pouco conhecida e um soldado errante,
com as armas recolhidas, cobiça todos os prêmios do mundo.
Habilidosa é a gula. Um sargo, mergulhado em mar siciliano,
é trazido vivo para a mesa e mariscos arrancados
35 de praias próximas ao lago Lucrino valorizam seus jantares,
para que renovem sua fome por prejuízos. A onda de Fásis
já não possui aves e, neste silencioso litoral,
apenas as brisas sopram isoladas sobre as folhas desertas.
No campo o furor não é menor e, subornados, os civis romanos
40 convertem seus votos lucrativos em pilhagem e tumulto.

*
Texto corrompido.

371
Subornável povo, subornável cúria de patrícios:
vende-se apoio político. Também dos velhos a coragem independente
se afastara, a dignidade está alterada pela disseminação de riquezas
e a própria soberania do estado romano jaz corrompida pelo ouro.
45 Vencido, Catão é repelido pelo povo; mais triste do que ele está o que o venceu
e se envergonha de ter roubado as honras a Catão.
Realmente  isto significa para um povo a destruição de sua dignidade e costumes 
não era um homem que tinha sido repelido, mas, ao mesmo tempo, foram vencidos
o poder e a dignidade romana. Porque Roma, tão imoderada,
50 era ela própria o castigo de si mesma e uma presa sem defensor.
Além disso, a imundície da agiotagem e a cobiça pelo bronze
corroeram a plebe prisioneira deste duplo abismo.
Nenhuma casa está segura, nenhum corpo sem hipoteca,
mas, como se fosse uma doença contagiosa, contraída por receptivas entranhas,
55 caminha desvairada por entre os membros, causando inquietações alarmantes.
As armas aprazem aos infelizes e as comodidades deterioradas pelo luxo
são recuperadas com feridas. A ousadia sem recursos é segura.
Que artifícios poderiam levar Roma, submersa
neste lodo e imersa em sonho, de volta à sensatez,
60 que não o ódio, a guerra e o desejo excitado pelo ferro ?

CXX. Fortuna enviara três generais, os quais a funesta Belona


aniquilou a todos com sua hostil pilha de armas.
O Parto se apodera de Crasso, Pompeu, o Grande se estabelece no mar da Líbia,
Júlio cobriu de sangue a ingrata Roma
65 e, como se a terra não pudesse carregar tantas sepulturas,
distribui os restos mortais. São estas as honras que a glória restitui.
Existe um lugar inteiramente mergulhado no fundo de um abismo,
entre Partênope e as planícies da grande Dicárcide,
banhado pelas águas do Cocito; o vento violento que
70 dali se dissipa fora de si carrega consigo sua umidade mortífera.
Esta terra não fica verde no outono, ou seu campo fértil
mune as ervas de céspede, ou as retumbantes ramagens macias não exprimem,
com seu ruído irregular, o canto primaveril,
mas o caos e os rochedos impregnados de uma negra pedra porosa
75 se alegram em torno deste mortífero cipreste enterrado.
No meio destes domicílios de Plutão, o pai dos infernos elevou sua face
carregada de fogueiras com chamas e uma cinza branca espalhada sobre si
e atacou a alada Fortuna com tal pronunciamento:
"O' proprietária dos interesses humanos e divinos !

372
80 O' Fortuna, a quem nenhum poder permanente agrada,
você que deseja sempre o novo e, sem hesitar, abandona suas posses,
acaso não se sente vencida pelo equilíbrio romano,
nem sente que não consegue elevar mais essa multidão destinada a perecer ?
A própria juventude romana odeia seus valores
85 e mal sustenta as riquezas que empilhou. Examine bem
a superabundância de despojos e os bens entregues ao prejuízo.
Eles constróem moradas com ouro e as lançam rumo aos astros,
águas são represadas com pedras, o mar nasce em suas searas,
e, alterada a ordem natural das coisas, eles retomam a guerra.
90 Ei-los aqui ! Eles buscam também meus reinos. A terra transpassada
por seus artefatos insanos fende-se, as cavidades se lamentam
pelos montes já dissipados e, enquanto uma pedra descobre seus empregos fúteis,
os manes infernais confessam ter esperança no céu.
Continue com seus propósitos, Fortuna, transforme um rosto pacato em combates,
95 mande vir os romanos e forneça funerais a nossos reinos.
Já há muito tempo não inundamos nossos rostos com nenhuma carnificina,
nem minha Tisífone banha os sedentos membros de seu corpo,
desde quando a guerra sorveu os sulanos e a terrível terra
trouxe para a luz cereais nutridos com sangue".

CXXI.Quando proferiu estas palavras, tentando unir sua mão direita à dela,
desprendeu a terra, separando-a com uma fenda.
Então, Fortuna deixa fluir estas palavras de seu coração leve:
"O' criador, a cujas ordens os santuários de Cocito se submetem,
se, neste momento, é lícito que eu prediga impunemente a verdade,
105 seus desejos se realizarão; realmente, uma ira não menor do que a sua
se rebela neste meu peito e uma chama não mais branda incendeia meu âmago.
Odeio tudo que concedi às cidadelas romanas
e me irrito com suas oferendas a mim. Destruirá estas grandezas
a mesma divindade que as construiu. E certamente meu coração
110 anseia por cremar homens e alimentar meu luxo com sangue.
Vejo, sem dúvida alguma, Filipos já abatida por morte semelhante
e as piras de Tessália e os cadáveres do povo ibero.
O estrondo das armas já faz ressoarem minhas orelhas palpitantes,
e vejo claramente, o' Nilo, suas barreiras ecoando na Líbia
115 e as enseadas de Ácio e os que temem as armas de Apolo.
Mostre, apresente os reinos sedentos de seus domínios
e mande chamar novas almas. O navegante Caronte quase não
conseguirá atravessar os simulacros dos homens em sua barca;

373
precisa-se de uma esquadra. E, você, pálida Tisífone,
120 satisfaça-se com esta enorme destruição e devore as feridas retalhadas:
o mundo dilacerado está sendo conduzido para junto de seus manes infernais".

CXXII.Mal acabara de falar, quando, dilacerada por um raio ondeante,


uma nuvem tremulou e arrebatou as chamas vencidas.
O pai das sombras se deteve e, restabelecida a proteção da terra,
125 temendo os perigos fraternos, empalideceu-se.
Imediatamente mostraram-se, através dos auspícios dos deuses,
a destruição dos homens e os prejuízos por vir. Titã,
disforme, com a boca ensangüentada, cobriu seu rosto com denso nevoeiro:
poder-se-ia pensar que já naquele momento ele respirava a guerra civil.
130 De outra parte, Cíntia eclipsou suas luzes intensas
E afastou seus raios de luz daquele crime. Despedaçado por redemoinhos deslizantes,
o cimo da montanha ribombava e os rios, errando daqui e dali,
não navegavam para a morte em margens conhecidas.
Com o ruído das armas o céu se enfurece, a trombeta agitada
135 pelos astros invoca Marte e o Etna, imediatamente devorado
por chamas insólitas, lança seus raios nos ares.
Eis que entre montículos e ossos privados de sepulturas
faces de almas dos mortos fazem ameaças com seu zumbido funesto.
Um meteoro, acompanhado de estranhas estrelas, provoca incêndios
140 e Júpiter, bem disposto, desce em uma nuvem sangrenta.
Por um momento, o deus afastou os presságios. César ignorou
todos os obstáculos e, movido pelo desejo de vingança,
depôs as armas gaulesas, empunhou as armas civis.

Nos altos Alpes, onde, tocadas por um deus grego,


145 os rochedos se abaixam e se deixam tocar,
existe um lugar consagrado aos altares de Hércules: a este, com uma neve duradoura,
o inverno enclausura e eleva-o rumo aos astros com seu redemoinho branco.
Pode-se pensar que é lá que o céu se apoia: não se derrete
nem com os raios do sol ardente, nem com a brisa da estação primaveril,
150 mas suas formações sólidas de gelo e neve do inverno se mantêm rijas:
este lugar consegue suportar o mundo inteiro em seus ombros sempre ameaçadores.
Quando César pisou estes cimos com seu exército satisfeito
e escolheu uma posição, do pico mais alto do monte
viu amplamente diante de si os campos da Itália e,
155 erguendo ambas as mãos rumo aos astros, disse bem alto:
"Onipotente Júpiter, e você, terra de Saturno,

374
satisfeita com minhas guerras e outrora sobrecarregada de triunfos,
declaro ser contra minha vontade que Marte me convoca para estas batalhas,
é contra a vontade de minhas mãos que elas me conduzem às armas. Mas sou forçado
160 por esta ferida, expulso de minha cidade, enquanto mergulhava o Reno em sangue,
enquanto afastava dos Alpes os gauleses, que mais uma vez atacavam
nossos Capitólios, tornei-me um exilado mais fácil de ser vencido.
Depois do sangue germano e de sessenta triunfos,
passei a ser um criminoso. Todavia, a quem minha glória aterroriza,
165 ou quem são os que assistem a minhas guerras ?
Operários comprados com baixos salários, de quem minha Roma é madrasta.
Mas, penso eu, não impunemente, e um covarde não
amarrará esta minha mão direita, sem que eu me vingue. Marchem como vencedores furiosos,
marchem como meus companheiros e celebrem minha causa com ferro.
170 Um único crime convoca todos nós, um único flagelo
nos ameaça a todos. O crédito deve ser dado a vocês,
não venci sozinho. Porque uma punição ameaça
nossos troféus e nossa vitória foi digna de infâmias,
enfrentemos nossa sorte e que Fortuna seja juíza. Comecem a guerra
175 e exercitem suas mãos armadas. Certamente minha causa foi aceita:
em meio a tantos corajosos, eu, armado, desconheço o que seja ser vencido".
Quando fez ressoar estas palavras, no céu um corvo de Delfos
apresentou todos os presságios favoráveis e cortou os ares com seu vôo.
E, do lado esquerdo de um tenebroso bosque,
180 estranhas vozes ressoaram acompanhadas de uma chama.
O próprio brilho de Febo aumentou mais do que
de costume e cobriu sua face com uma luz dourada.

CXXIII.Mais corajoso do que todos, César moveu suas insígnias


de Marte e antecipa com sua marcha novas estratégias militares.
185 O gelo da superfície e o solo preso à branca neve
não opuseram resistência e permaneceram inertes, em pacífico terror.
Mas, depois que as tropas romperam a condensação das nuvens
e um cavalo apavorado fendeu os grilhões das águas,
as nuvens se inflamaram. Sem demora, rios nascidos ainda há pouco
190 agitavam-se sobre altos montes, mas estes ao mesmo tempo se mantinham inertes 
poder-se-ia pensar que eram ordens  e as ondas estavam entorpecidas, naquele
[desmoronamento congelado,
e a calamidade de pouco antes já jazia pronta para ser deitada por terra.
Então o gelo brincou com as pegadas que antes mal se fixavam
e enganou seus pés; todos, ao mesmo tempo, tropas, homens,

375
195 armas jaziam amontoados naquela pilha deplorável.
Eis que, além disso, nuvens agitadas por um vento rijo
se descarregavam diante deles e não faltavam ventos rompidos por um turbilhão,
nem um céu feito em pedaços por um granizo intumescido.
As próprias nuvens, já rompidas, caíam sobre as armas
200 e o gelo desabava, tal como uma onda do mar condensada.
A terra tinha sido vencida por espessa neve e vencidos estavam
os astros do céu, vencidos estavam os rios, que permaneceram imóveis em suas margens:
César ainda não estava; mas, apoiando-se em uma lança grande,
ele enfrentava aqueles hórridos campos com seus passos seguros,
205 tal como Hércules, ao precipitar-se da cidadela
do Cáucaso, ou como Júpiter com seu olhar ameaçador,
quando decidiu descer do cume do grande Olimpo
e destruiu as armas dos gigantes condenados a morrer.

Enquanto César, irado, coloca a seus pés estes soberbos cumes,


210 neste intervalo de tempo, a alada Fama, cheia de pavor,
voa com suas asas agitadas e busca o elevado cimo do monte Palatino,
e atinge todas as estátuas dos deuses com este trovão romano:
disse ela que os exércitos já flutuavam no mar e que todas as tropas
ferviam pelos Alpes, inundadas de sangue germano.
215 Armas, sangue derramado, massacre, incêndios e todas as guerras
esvoaçavam diante dos olhos. Então, impelidos ao tumulto
e aterrorizados por dois motivos, seus corações se dividem.
Para este é melhor a fuga pelas terras, para aquele a onda é a melhor opção,
pois o alto-mar já é mais seguro do que a pátria. Há aquele que
220 prefere tentar lutar e fazer uso dos destinos, que vão ditando as ordens.
Cada um foge tanto quanto teme. Mais rápido, o próprio povo,
no meio desta agitação, num miserável espetáculo,
é conduzido da cidade deserta para onde sua mente perturbada comanda.
Roma se alegra com esta fuga e seus cidadãos, dominados
225 pelo som do boato, abandonam suas tristes casas.
Um agarra seus filhos com mãos pávidas, o outro
oculta seus deuses protetores no peito e abandona a porta a se lamentar
e destrói o inimigo ausente com suas oferendas.
Há os que unem seus peitos abatidos a suas esposas,
230 e os que carregam seus pais de idade avançada e a juventude alheia à difícil situação.
Cada um carrega o que de mais importante receia perder. Este imprudente
transporta consigo tudo o que tem e leva os despojos para o campo de batalha:
e, tal como quando o grande vento sul se agitou do alto

376
e revolveu as águas lançadas, nem os instrumentos foram úteis aos marinheiros,
235 nem a manobra ao piloto; um amarra os pesos do remo,
o outro procura os locais seguros de uma baía e as praias tranqüilas:
este entrega as velas à fuga e credita à Fortuna toda sua confiança.
Por que me lastimo por coisas tão pequenas ? Em companhia do segundo cônsul,
Pompeu, o Grande, o famoso terror do Mar Negro e explorador do impetuoso Hidaspes,
240 o flagelo dos piratas, a quem há pouco, triunfando pela terceira vez,
Júpiter temeu, a quem, depois de vencer seu turbilhão de água,
o Mar Negro cultuou com as ondas subjugadas de Bósforo,
que vergonha ! abandonada a glória do poder, ele fugiu,
para que a inconstante Fortuna pudesse ver também suas costas.

CXXIV.Então, tamanha calamidade percebeu as vontades dos deuses


e o temor do céu se equiparou ao da fuga. Veja ! Pelo mundo
uma pacífica multidão de deuses está abandonando as terras
que se entregam a coisas odiosas, e se afasta do exército de homens condenados.
À frente das outras divindades, agitando seus braços brancos como a neve,
250 a Paz esconde sua cabeça vencida em um capacete e, abandonando
o mundo, como uma fugitiva, busca o reino implacável de Plutão.
Em sua comitiva iam a Confiança, subjugada; a Justiça, de cabelos soltos;
a Concórdia, chorando, com suas vestes dilaceradas.
Mas, do lado oposto, quando a sede do Érebo, rompida, se entreabre,
255 surgem ao longe o coro de Plutão, a terrível Erínis,
a ameaçadora Belona, Megera, armada com suas tochas,
a Destruição, as Armadilhas e a pálida imagem da Morte.
Entre elas, o Furor, como que livre de rédeas abruptamente cortadas,
carrega a longa distância sua cabeça ensangüentada e cobre
260 com seu capacete sangüinário sua face perfurada por milhares de feridas;
o enfraquecido escudo da mão esquerda de Marte permanece imóvel,
sobrecarregado por incontáveis dardos e, com seu bastão ardente em chamas,
sua ameaçadora mão direita leva incêndios às terras.
A terra sente o poder dos deuses e, tirados de seu lugar, os astros
265 procuraram sua própria gravidade; cada trono do céu,
dividido em partes, desmoronou-se. Primeiro Dione
comanda as ações de seu César, Palas soma-se a sua comitiva,
e Marte, agitando sua enorme lança.
A Pompeu, o Grande, acolheram Diana e Febo, além do filho de Cilene
270 e o deus de Tirinto, semelhante a ele em todas as suas ações.
As trombetas começaram a ressoar e, com seus cabelos arrancados,
a Discórdia elevou sua cabeça infernal até os deuses superiores. Em sua face,

377
sangue coagulado, e seus olhos acabrunhados derramavam lágrimas,
seus dentes de bronze estavam com escabrosa ferrugem,
275 a língua derramando-se em pus, a face invadida por serpentes,
e, no meio de sua ensangüentada veste, dilacerada por seu peito contorcido,
sua mão direita agitava uma tocha trêmula.
Quando se afastou destas trevas do Cocito e dos Infernos,
marchou em busca do alto cume dos nobres Apeninos,
280 de onde ele poderia examinar todas as terras e todos os litorais
e os exércitos flutuando no mundo inteiro,
e lança estas palavras de seu peito furioso:
"Empunhem as armas agora, povos de mentes excitadas,
empunhem e lancem tochas no coração das cidades.
285 Qualquer um que se esconda será vencido; ninguém deve deter-se, nem uma mulher,
nem um menino, nem a velhice destruída pelo tempo;
que a própria terra trema e que as casas mutiladas se rebelem.
Quanto a você, Marcelo, mantenha a lei. Você, Cúrio, incite a plebe.
Você, Lêntulo, não faça desaparecer o corajoso Marte.
290 Por que você, o' divino, de agora em diante hesita em usar suas armas,
não quebra as entradas das cidades, não destrói seus muros
e rouba seus tesouros ? Você, Pompeu, não sabe proteger
as fortificações romanas ? Procure as muralhas de Epidâmio
e banhe com sangue humano as baías tessálicas".
295 Fez-se nas terras tudo o que a Discórdia ordenou'.

2
Quando Eumolpo proferiu seu poema com esta enorme torrente de palavras,
finalmente entramos em Crotona, onde nos refizemos em uma humilde hospedaria. No
dia seguinte, à procura de um local melhor, caímos no meio de uma multidão de caça-
3
heranças, que indagou qual era nosso sobrenome, ou de onde vínhamos. Então,
seguindo o modelo de nossa trama comum, com uma exagerada torrente de palavras,
revelamos a eles, que acreditaram sem hesitar, de onde éramos e quem éramos. Eles
imediatamente amontoaram em cima de Eumolpo suas ofertas de ajuda com a maior
rivalidade.

378
4
[No final, todos os caça-heranças estavam tentando atrair a simpatia de
Eumolpo com seus presentes].

1
CXXV. Durante muito tempo correu tudo bem em Crotona ... e Eumolpo, repleto de
satisfação, de tal forma havia-se esquecido de sua situação anterior, que se vangloriava
a seus amigos de que ninguém ali conseguia opor resistência a sua influência e que, se
eles cometessem algum crime naquela cidade, viriam a conseguir safar-se impunemente
2
através da proteção de seus amigos. Mas, eu, ainda que saturasse diariamente meu
corpo cada vez mais bem alimentado com tudo de bom e de melhor e achasse que a Má
Sorte tinha afastado seu olhar de perto de mim, contudo muito freqüentemente pensava
tanto em minha condição presente, quanto em sua origem e dizia: 3 'O que faremos, se
um caçador de herança velhaco enviar um espião à África e descobrir nossa mentira ? O
que faremos, se o empregado de Eumolpo, cansado de nossa felicidade atual, der
alguma informação a seus amigos e puser à mostra todo nosso ardil com sua revoltante
4
traição ? Certamente deveremos ter de fugir de novo e, no final, em novo estado de
indigência, chamar nossa pobreza subjugada de volta. O' deuses e deusas, quanta
dificuldade existe para os que vivem fora da lei ! Estão sempre na expectativa daquilo
que eles fizeram por merecer'. 

CXXVI. CRÍSIDE, ESCRAVA DE CIRCE, PARA POLIENO. 1 'Porque você conhece seu
poder de sedução, você se enche de soberba e vende seus abraços, não os cede a
ninguém. 2 Para onde estão voltados seus cabelos encaracolados pelo pente ? E seu rosto
impregnado de maquiagem, além da agradável exuberância de seus olhos ? Para onde
está voltado este seu caminhar, construído com arte, e as pegadas de seus pés, que não
são nem sequer desproporcionais, a não ser para que você exponha sua beleza, a fim de
3
vendê-la ? Veja meu caso: eu não entendo nada de adivinhações, nem costumo levar
em consideração o mapa dos astrólogos; no entanto, deduzo os costumes das pessoas a
partir de suas expressões faciais e, só de ver você passeando, percebo o que está
4
tramando. Então, tanto faz: se você vender para nós o que estou procurando, o
comprador está a sua disposição; se, o que é mais decente a um homem, você o ceder,

379
5
faça com que eu lhe deva este favor. A verdade é que, ao mostrar abertamente que é
escravo e pobre, você inflama o desejo de quem arde por você. Algumas mulheres se
sentem estimuladas pela pobreza e não excitam rapidamente sua libido, a não ser que
6
vejam escravos, ou mensageiros com uma roupa mais curta. A outras inflama um
gladiador, ou um arrieiro impregnado de poeira, ou um ator de teatro exibindo sua
7
ostentação. Minha dona é do seguinte tipo: ela desdenha os senadores, sentados em
seus lugares de honra diante da orquestra, e busca, na pior camada da plebe, aquilo de
que ela goste'.
8
Assim, satisfeito com sua mais do que atraente eloqüência, eu disse:
'Responda-me, por acaso não é você a pessoa que está apaixonada por mim ?' A escrava
riu muito desta minha colocação inconsistente e disse: 'Não pense que você é tão
especial assim. Eu até hoje nunca fui para a cama com um escravo, e que os deuses não
permitam que eu condene meus abraços a esta tortura. 10 Isso é uma coisa para as damas
da sociedade, que beijam suas marcas de chicotes; eu, mesmo sendo uma escrava, no
11
entanto, só monto em cavaleiros'. Evidentemente eu fiquei admirado com esta libido
tão discordante e acrescentei a minha lista de coisas espantosas o fato de que a escrava
tinha a soberba de uma dama e a dama, a humildade de uma escrava.
12
Em seguida, depois de prolongar nossas brincadeiras um pouco mais, pedi à
escrava que conduzisse sua dona até uma plantação de plátanos. A garota gostou da
idéia ... Assim, ergueu sua túnica e afastou-se por entre um loureiro silvestre, que
13
seguia rente ao caminho. Sem demorar muito, ela trouxe sua dona para fora do
esconderijo e colocou a meu lado uma mulher mais perfeita do que todas as obras de
14
arte. Não existe palavra que possa exprimir sua beleza, pois qualquer coisa que eu
15
disser será muito pouco. Os cabelos ondulados por natureza se espalhavam pelos
ombros, a testa muito pequena e que curvava para trás as raízes dos cabelos, as
sobrancelhas que se chegavam até a linha dos malares e quase misturadas ao limite de
16
seus olhos, que eram mais claros do que estrelas que brilham na ausência da lua, as
narinas um pouquinho curvadas e a boquinha tal qual a que Praxíteles creditou a Diana.
17
Logo abaixo o queixo, o pescoço, as mãos, a candura de seus pés, pousada nos limites
de um gracioso laço de ouro: 18 tudo isso ofuscava o mármore de Paros. E, assim, eu, até
então antigo apaixonado por Dóris, pela primeira vez desprezei meu amor por ela.

380
O que aconteceu, Júpiter, que você, com as armas depostas,
entre os habitantes do céu, guarda silêncio com seu diálogo inanimado ?
Era chegada a hora de surgirem cornos ameaçadores em sua testa,
a hora de ocultar seus cabelos brancos com uma pena.
É esta a verdadeira Danae. Apenas tente tocar o corpo dela
e seus membros imediatamente irão escoar-se em inflamado calor.

CXXVII. 1Encantada com esses versos, ela sorriu para mim de um modo tão meigo, que
parecia a lua exibindo sua face em plenitude, sem qualquer nuvem. Pouco depois, com
os dedos em compasso com a voz, ela disse: 'Se você não desdenha uma mulher distinta
e que transou com um homem pela primeira vez este ano, ofereço-me a você, meu
jovem, como sua companheira. 2
Você tem também um companheiro  eu sei disso,
pois não fiquei com vergonha de investigar você  ; mas, o que impede que adote uma
companheira também ? É com este mesmo propósito eu venho aqui. Se você tiver
3
vontade, pode-se deliciar bastante e conhecer meu beijo'. Então eu disse: 'Muito pelo
contrário, eu é que peço a você, em nome de sua beleza, que não me desdenhe e admita
este forasteiro entre seus admiradores. Você irá descobrir que sou dedicado, se permitir
que eu preste meu culto a você. E para que você não julgue que eu vou-me juntar de
graça a este templo do Amor, dou a você meu companheiro'. Aí ela disse: 'O quê ? Você
está dando para mim um companheiro, sem o qual não consegue viver, de cujos beijos
5
você depende, a quem você ama da mesma forma que eu desejo você ?' Quando ela
disse isso, tamanho encanto estava presente em sua voz, um som tão doce tocava de
leve a atmosfera por ele invadida, que se poderia achar que um coro de sereias estava
cantando em pleno céu. E, assim, eu, impressionado com ela e com um não sei o quê
mais brilhante do que um céu inteiro a reluzir, procurei saber o nome de minha deusa. 6
Ela respondeu: 'O quê ? Minha escrava não disse a você que me chamo Circe ? Eu não a
filha do Sol, é verdade, nem minha mãe, embora o desejasse, conseguiu deter o curso
dos ágeis astros. No entanto, vou considerar como uma graça divina, se nossos destinos
nos unirem. Ah ! Uma divindade já está preparando não sei o quê com suas
7
maquinações silenciosas. E não é sem motivo que Circe ama Polieno: sempre surge
entre esses dois nomes uma grande excitação. Então, acolha meu abraço, se desejar.
Não há motivo para recear a indiscrição de ninguém: seu companheiro está longe daqui'.
8
Circe disse isso e, enlaçando-me em seus braços mais delicados do que uma pluma,
levou-me para um terreno coberto por uma relva enfeitada de flores coloridas:

381
9
A mãe Terra espalhou flores como estas do alto do monte Ida,
quando Júpiter se uniu a seu amor permitido
e encheu todo seu peito de chamas:
brotaram rosas, violetas e o maleável junco,
e brancos lírios sorriam sobre o verdejante prado:
foi esta a terra que atraiu Vênus para suas tenras ervas
e o dia mais resplandecente favoreceu seu amor secreto.

10
Nesta relva nós, agarrados um ao outro, como se fôssemos um, nos divertimos
com incontáveis beijos, buscando a concretização do prazer.

CXXVIII. CIRCE PARA POLIENO. 1


'Qual o problema ?', ela disse, 'por acaso meu
beijo ofendeu você ? Por acaso meu hálito está ressecado por causa do jejum ? Por
acaso seria o suor de minhas axilas que está com mau cheiro ? Para mim, se não são
estes os motivos, por acaso você está com medo de Gitão ?' 2 Eu, coberto de manifesta
vergonha, perdi toda a força que ainda me restava e, com meu corpo inteiro como que
diminuído, disse: 'Por favor, minha rainha, não difame meus infortúnios. Eu fui
contaminado por um feitiço'.

CIRCE. 3 'Diga-me, Críside, mas diga a verdade: por acaso eu sou feia ? Por acaso estou
despenteada ? Por acaso tenho minha beleza ofuscada por algum defeito de nascença ?
4
Não engane sua dona. Não sei que erro nós cometemos'. Em seguida, arrancou um
espelho das mãos dela, que permaneceu calada, e, depois de experimentar todas as
caras, que uma brincadeira entre amantes costuma produzir, sacudiu sua roupa
5
amassada pelo chão e entrou rapidamente no templo de Vênus. Eu, diferentemente
dela, condenado e quase que completamente tomado de pavor por aquele fantasma,
interroguei meu íntimo, se eu tinha sido despojado do verdadeiro prazer.

6
 Tal como numa noite soporífera, os sonhos iludem
meus olhos errantes e a terra escavada revela o ouro

382
à luz: minha mão ávida revolve este objeto de desejo
e rouba os tesouros, também o suor banha meu rosto
e ocupa minha mente o profundo temor de que, por acaso,
uma testemunha deste ouro secreto tire de mim a sobrecarga deste regaço:
quando, logo após, estas alegrias escaparam a minha mente frustrada
e a verdadeira forma retornou, minha alma deseja aquilo que perdeu
e se volta inteira para aquela imagem silenciada.

GITÃO PARA ENCÓLPIO. 7 'E, assim, eu agradeço a você por esta honra, porque você
gosta de mim com uma lealdade socrática. Nem Alcibíades se deitou tão intacto na
cama de seu preceptor'.

1
CXXIX. ENCÓLPIO PARA GITÃO. 'Acredite em mim, parceiro, acho que não sou
homem, não me sinto homem. Aquele famoso membro de meu corpo, com o qual
outrora eu era um Aquiles, está pronto para receber as últimas homenagens'.

2
O garoto, temendo que, apanhado conversando em particular comigo, desse
espaço para fofocas, saiu correndo e fugiu para o interior da casa.

3 No entanto, Críside entrou em meu quarto e entregou-me uma carta de sua


dona, na qual estavam escritas estas palavras: 'SAUDAÇÕES DE CIRCE PARA
POLIENO. Se eu fosse uma sem-vergonha qualquer, estaria lamentando a decepção por
que passei; agora, como eu não sou, até dou graças por sua enfermidade. À sombra da
satisfação de meu prazer, eu me diverti ainda mais. 5 Contudo, quero saber como você
está passando e se chegou em casa com seus próprios pés, pois os médicos dizem que
6
homens sem nervos não conseguem andar. Eu direi a você uma coisa, meu jovem,
cuidado com a paralisia. Eu nunca vi um doente em estado tão crítico; palavra de honra,

383
você já está no fim. 7 Porque, se esta mesma falta de sensibilidade atingir seus joelhos e
8
mãos, permita que se toque sua marcha fúnebre. Então, o que há mais para dizer ?
Ainda que eu tenha recebido uma grave ofensa, no entanto, não recusarei o remédio a
este pobre homem. Se você quer ficar curado, recorra a Gitão. Eu digo que você
9
receberá seus nervos de volta, se dormir por três dias sem seu parceiro. Quando a
mim, não receio encontrar alguém a quem agrade menos. Nem meu espelho, nem minha
reputação mentem para mim. Passe bem, se conseguir !'
10
Quando Críside percebeu que eu havia lido do princípio ao fim todo esse
insulto, disse: 'Isto costuma acontecer, principalmente nesta cidade, onde as mulheres
11
fazem descer até a lua do céu ... Assim, é a cura deste seu mal que está em jogo.
Apenas escreva de volta a minha dona muito docemente e devolva a ela a razão de
viver, num sincero ato humanitário. Você deve confessar a verdade: desde aquela hora
em que recebeu de você a ofensa, ela não está normal'. 12 Com prazer eu me submeti às
ordens da escrava e coloquei na carta as seguintes palavras:

1
CXXX. 'SAUDAÇÕES DE POLIENO PARA CIRCE. Confesso, minha senhora, que
cometi falhas com freqüência, pois sou homem e, ainda por cima, jovem. Nunca,
contudo, antes deste dia, cometi um erro que pudesse me levar à morte. Você conhece
a situação tal como ela é: qualquer que seja a punição que você ordenar eu fiz por
merecê-la. Eu cometi uma traição, matei um homem, violei um templo: estabeleça uma
pena para estes crimes. 3 Se minha morte agradar a você, eu me apresento com minha
4
própria espada; se você se contentar com chicotadas, eu corro nu em sua direção.
Desta única coisa eu quero que você se lembre: não fui eu que falhei, mas sim meu
equipamento. Eu, soldado preparado para a batalha, não tive armas para combater. 5 Eu
não sei quem é o responsável por esta disfunção. Talvez meu pensamento tenha-se
antecipado ao moroso compasso de meu corpo; talvez, enquanto me fui enchendo de
paixão, consumi prematuramente meu desejo por você. 6 Não consigo descobrir o que
foi que me aconteceu. No entanto, você me aconselha a me precaver contra a paralisia:
até parece que pode haver uma maior do que a que me desviou do caminho pelo qual
eu poderia até mesmo possuir seu corpo. No entanto, a parte mais importante de meu
pedido de desculpas é a seguinte: eu prometo satisfazê-la, se você permitir que eu
corrija meu erro'.

384
7
Depois de despachar Críside com tal proposta, cuidei muito diligentemente de
meu corpo maximamente culpado e usei um suave óleo de massagem ao invés de ir à
sala de banhos, comi rapidamente alguns alimentos mais energéticos, isto é, cebolas e
8
cabeças de escargots sem molho e bebi vinho muito moderadamente. Em seguida,
preparando-me antes do sono com uma levíssima caminhada, entrei em meu quarto
sem Gitão. A vontade de acalmá-la era tão grande, que fiquei com medo de que meu
parceiro se deitasse do meu lado.

CXXXI. 1
No dia seguinte, como eu me levantei intacto de corpo e alma, dirigi-me
àquela mesma plantação de plátanos, ainda que estivesse com receio de que fosse um
lugar mal agourado, e resolvi esperar que Críside me servisse como guia do caminho
2
por entre as árvores. Depois de caminhar por algum tempo, fiquei parado no lugar
onde estivera no dia anterior, quando ela apareceu, trazendo uma velha em sua
3
companhia. E, logo que me cumprimentou, disse: 'Como é que é, magnífico, você
está com mais disposição hoje ?

4
Ela retirou de seu seio um cordão retorcido com fios de cores variadas e
amarrou em meu pescoço. Logo depois, com o dedo médio, pegou um pouco de poeira
misturada com cuspe e fez um sinal em minha testa, apesar de minha resistência ...

5
Terminada esta fórmula mágica, ela ordenou que eu cuspisse três vezes e
arremessasse três vezes em meu peito umas pedrinhas que, previamente encantadas, ela
própria envolvera em um tecido cor de púrpura e, aproximando suas mãos de meu
6
membro viril, testou as forças dele. Pronunciado o comando, meus nervos
obedeceram muito prontamente e encheram as mãos da velha com seu enorme levante.
7
E ela, pulando de alegria, disse: 'Você está vendo, minha querida Críside, você está
vendo que eu despertei uma lebre para as outras ?'

8
 O plátano flexível espalhava suas sombras de verão,
e também o loureiro, coroado de seus frutos, e ainda os agitados ciprestes,
além de pinheiros podados por um turbilhão de vento trepidante a sua volta.

385
Entre essas árvores, um rio espumante brincava com as águas
errantes e sacudia as pedrinhas com sua ruidosa água.
Lugar sob medida para o amor: testemunha disso é o rouxinol silvestre,
e também a amiga das cidades, Procne, que, soltos ao redor da grama e das delicadas violetas,
cultivavam estes campos com seu canto.

9
Ela, bem à vontade, repousava seu pescoço branco como o mármore sobre um
10
leito de ouro e castigava seu tesouro adormecido com um ramo de murta em flor.
Assim que me viu, ela enrubesceu um pouquinho, evidentemente lembrando-se da
ofensa da véspera; depois, com a saída de todos, logo que eu me assentei ao lado dela,
que ofereceu convite para tal, ela colocou o ramo sobre meus olhos e, como que
interposta uma parede, tornando-se mais audaciosa, disse: 11 'Como é que é, paralítico ?
Será que hoje você veio inteiro ?' Então, eu disse: 'Você prefere perguntar a
experimentar ?' E, mergulhado de corpo inteiro em seu abraço, usufruí de beijos isentos
de sortilégio até não agüentar mais.

*


CXXXII. ENCÓLPIO SOBRE O GAROTO ENDÍMION. 1 Ela, que me atraía para junto
de si com a beleza de seu corpo, arrastava-me para os prazeres do amor. Nossos lábios
já davam freqüentes estalos, por causa dos muitos beijos, nossas mãos entrelaçadas já
haviam inventado todo tipo de amor, nossos corpos, ligados em circunferência
recíproca, já haviam feito uma fusão até mesmo de almas.

*


2
Aquela dama da sociedade, ferida pelos manifestos ultrajes, por fim apelou
3
para a vingança, chamou seus criados de quarto e ordenou que eu fosse açoitado. A
mulher, não satisfeita com tão pesada ofensa contra mim, convocou todas as fiandeiras
e a parcela mais desprezível da criadagem e ordenou que eu fosse alvo de seus cuspes.

386
4
Eu coloquei minhas mãos diante de meus olhos e, sem fazer nenhuma súplica, pois
sabia que merecera isso tudo, fui expulso porta afora a pancadas e cuspes. 5 Proselenos
também foi expulsa, Críside foi surrada e a criadagem inteira cochichou entre si e se
perguntou quem teria atrapalhado a alegria de sua dona.

6
Assim, mais animado com esta compensação do destino, disfarcei com
habilidade as marcas dos açoites, para que nem Eumolpo ficasse bastante contente com
a afronta contra mim, nem Gitão bastante triste. 7 Então, somente uma atitude podia
deixar minha honra sã e salva, qual seja, eu inventei uma doença e, paralisado sobre
meu pequeno leito, voltei toda a chama de minha fúria contra aquela parte que fora a
causa de cada um de meus males:

8
Três vezes agarrei com a mão esta terrível faca de dois gumes,
três vezes, subitamente mais mole do que caule de planta sem raiz,
temi sua falta de sensibilidade, que dava vantagem a este mal alarmante.
E eu já não conseguia executar o que ainda há pouco tanto queria,
pois aquele inverno, mais frio do que o insensível medo,
refugiara-se em minhas vísceras enclausuradas em suas numerosas rugas.
Assim, não pude enfrentar o castigo de cabeça erguida,
mas, ridicularizado por um mortífero temor de meu membro viril,
recorri a estas palavras, que mais podiam fazer-lhe mal.

9
Então, apoiado em meu cotovelo, ataquei aquele arrogante com este quase
discurso: 'O que você me diz, vergonha de todos os homens e deuses ? Nem sequer
10
pronunciar seu nome como parte das coisas sérias é justo. Eu fiz por merecer que
você me arrastasse para os infernos, a mim que estava no céu ? Eu fiz por merecer que
você retirasse de mim os prósperos anos de total vigor e impusesse o cansaço da
11
terceira idade ? Por favor, dê-me novamente uma rápida amostra de seu vigor'.
Assim que eu, irado, proferi estas palavras,

 Ele, voltado para baixo, mantinha seus olhos fixos ao chão


e não deslocava sua cabeça, com este início de discurso, mais
do que os flexíveis salgueiros, ou as papoulas de hastes inclinadas.

387
12
E eu, encerrada tão vergonhosa repreensão, fiquei bastante arrependido deste
meu discurso e me cobri de vergonha de mim mesmo, porque, esquecendo-me do
devido respeito, eu dirigi palavras a uma parte do corpo que os homens de caráter mais
13
rigoroso não costumam admitir nem sequer que sabem que existe. Pouco depois,
esfregando muito longamente minha testa, eu disse: 'Mas, o que fiz eu de errado, ao
descarregar minha dor com uma reclamação natural ? Ou melhor, por que é que, em
relação ao corpo humano, nós costumamos reclamar da barriga, ou da boca, ou até
mesmo da cabeça, quando elas muito freqüentemente nos causam dor ? Por quê ? Nem
Ulisses disputa com seu coração,  e alguns trágicos não repreendem seus olhos, como
14
se eles os ouvissem ? Os que têm gota nos pés reclamam dos pés, os que têm nas
mãos reclamam das mãos, os remelentos reclamam dos olhos e os que já esbarraram
seus dedos muitas vezes acusam seus pés de qualquer dor que sentem:

15
Porque vocês me olham com a testa franzida, Catões,
e condenam esta obra de inovadora simplicidade ?
Ela agrada por sua maneira pura, não amarga de falar
e uma linguagem clara reproduz o que o povo faz.
Quem é que não conhece os prazeres de uma relação sexual,
quem é que não conhece os prazeres de Vênus ?
Quem se opõe a que os membros de seu corpo se inflamem em uma cama arrefecida ?
O próprio pai da verdade, o sábio Epicuro nos recomendou isso
em sua obra e disse que a vida possui este τέλος.

16
'Nada é mais falso do que a estúpida crença dos homens, nem mais estúpido
do que a austeridade fictícia'.

CXXXIII. 1
Terminado este meu ruidoso protesto, chamei Gitão e disse: 'Conte-me,
parceiro, mas com toda a sinceridade: naquela noite, em que Ascilto roubou você de
mim, ele ficou acordado até a hora do ultraje, ou ele se contentou com uma noite
honesta e sem amante ?' 2 O garoto encobriu seus olhos e jurou de pés juntos que não
tinha sido vítima de nenhum ataque por parte de Ascilto.

388
*

. . . e, ajoelhado na soleira da porta, supliquei à divindade inimiga da seguinte maneira:

3
1 Companheiro das Ninfas e de Baco, a quem a bela Dione
deu o poder de comandar as ricas florestas, a cujas ordens a célebre
Lesbos se submete, e também a verdejante Tasos,
a quem o rio de sete braços da Líbia adora e, em Hipepa, dedica um templo:
5 aproxime-se de mim, você que é protetor de Baco e prazer das Driades,
e receba minhas tímidas súplicas. Eu não venho coberto de sangue criminoso,
nem direciono minha mão direita a seus templos, como um inimigo ímpio,
mas, fraco e massacrado pela falta de forças,
cometi um atentado contra uma parte de meu corpo.
10 Qualquer um que, sem recursos, comete um erro é menos acusado.
Por esta súplica, peço-lhe, alivie minha mente e perdoe minha pequena falha,
e, quando, algum dia, o momento de sorte vier a me favorecer,
prestarei as devidas homenagens a sua glória. Irá até seus altares,
venerável divindade, um bode, o chefe do rebanho, irá até seus altares
15 um cornígero e uma vítima lactente, o filhote de uma ruidosa porca.
O vinho da estação espumará nas páteras e, festejando a vitória três vezes,
minha mocidade ébria caminhará em volta de seu santuário'.

4
Enquanto fazia estas súplicas e cuidava de encontrar um tratamento eficaz para
meu arquivo-morto, entrou no santuário aquela velha toda descabelada e feia, com um
vestido negro, e, agarrando-me pela mão, conduziu-me para fora da varanda do templo.

* *

CXXXIV. A VELHA PROSELENOS PARA ENCÓLPIO. 1 'Que feiticeiras comeram seus


nervos, ou em que imundície você pisou de noite, ao passar por uma encruzilhada, ou
2
em que cadáver ? Nem mesmo pelo garoto você pôde ser libertado, mas mole,
impotente, derrubado, tal como um cavalo subindo a ladeira, você perdeu não só sua

389
principal atividade, mas também sua capacidade de transpirar. E, não satisfeito em você
mesmo cometer uma falha, ainda despertou a ira dos deuses contra mim'.

3
E ela me conduziu novamente para a capela da sacerdotisa, sem qualquer
recusa de minha parte, lançou-me contra uma cama, arrebatou da porta um bastão e
4
bateu em mim, que, pela segunda vez, nada respondi. E, se o bastão, quebrado no
primeiro golpe, não tivesse reduzido a violência da carrasca, talvez ela tivesse partido
5
em pedaços meus braços e minha cabeça. Eu gemi com toda força, porque a velha
ficou manuseando meu pênis e, com as lágrimas manando em abundância, inclinei
minha cabeça tampada pela mão direita sobre uma almofada. 6 E ela, não menos abatida
por meu gemido, sentou-se do outro lado da cama e, com voz trêmula, ficou acusando-
se de já ter vivido demais, até que a sacerdotisa interveio e disse:
7
'Por que vocês vieram para minha capela, como se estivessem diante de um
túmulo ainda fresco ? Sem contar que isso num dia de festa, em que até mesmo os que
estão de luto se alegram'.
PROSELENOS PARA ENÓTIA, SACERDOTISA DE PRIAPO. 8 Ela disse: 'O' Enótia,
este rapaz que você está vendo nasceu sob uma estrela ruim, pois ele não consegue fazer
valer seus nobres dons nem com menino, nem com menina. 9
Você nunca viu um
homem tão desgraçado: um pedaço de couro na água, não tem pênis. Só para você ter
uma idéia, quem foi que já se levantou da cama de Circe sem a satisfação plena de seu
prazer ? ' 10 Ouvindo isto, Enótia sentou-se entre nós dois e, depois de balançar a cabeça
11
durante bastante tempo, disse: 'Eu sou a única que consegue curar esta doença. E,
para que vocês não pensem que estou agindo de forma equivocada, peço que seu
rapazinho durma comigo esta noite, senão, não poderei devolver isto tão duro quanto
um chifre:

12
Tudo que se vê no mundo está submetido a minhas ordens. A terra florida,
quando eu quero, sugada sua seiva, torna-se seca e sem energia;
quando eu quero, ela desperdiça suas riquezas e rochedos e ásperos penedos
se atiram nas águas do Nilo. A mim, o mar submete
suas tímidas ondas e os ventos colocam seu silencioso
sopro diante de meus pés. A minhas ordens estão submetidos os rios

390
e foi sob meu comando que os tigres da Hircânia e os dragões se imobilizaram.
Por que estou falando de coisas tão sem importância ? A imagem da lua desce,
atraída pelo som de minha voz, e o apressado sol,
fazendo a meia-volta, é obrigado a volver seus desvairados cavalos.

Minhas palavras valem muito. A impetuosidade dos touros se abranda;


aplacada por sacrifícios de virgens, Circe, filha de Febo,
modificou os companheiros de Ulisses com suas fórmulas mágicas;
Proteu costuma ser o que deseja. Eu, bastante conhecedora dessas habilidades,
posso colocar as ramagens do monte Ida em um turbilhão de água
e, inversamente, instalar rios no cume de uma montanha'.

CXXXV. 1 Eu fiquei todo arrepiado, apavorado com tão fabulosa promessa, e olhei para
a velha muito atentamente.

2
Enótia exclamou: 'Então, submetam-se a minha ordem !'
E, limpando cuidadosamente suas mãos, ela se inclinou sobre o pequeno leito e me
beijou repetidas vezes.

3 Enótia colocou no meio do altar uma mesa velha, a qual ela encheu de
carvões ardendo em brasa, e consertou uma gamela quebrada de tão velha com uma liga
4
de resina. Então, ela recolocou na parede enfumaçada o prego que tinha vindo junto,
quando ela puxou a gamela de madeira. Imediatamente após, envolvida em um manto
quadrado, ela pôs um enorme caldeirão diante da lareira destinada a sacrifícios e,
simultaneamente, retirou de cima do defumador de carnes, com um gancho, uma sacola,
na qual tinham sido guardados grãos para consumo próprio e um pequeno pedaço de
cabeça de porco, já muitíssimo velha, perfurada por inúmeros golpes de faca. 5 Então,
quando ela soltou o cordão da sacola, derramou sobre a mesa uma porção de favas e
ordenou que eu diligentemente as limpasse. Eu obedeci a sua ordem e debulhei
6
cuidadosamente os grãos revestidos das mais imundas cascas. Mas ela, percebendo
minha preguiça, retirou os grãos mal debulhados e, com os dentes, arrancou de uma só
vez as cascas e as cuspiu no chão, como se fossem imitações de moscas.

391
*

7
Quanto a mim, eu estava maravilhado com o talento da pobreza e com algumas
de suas extraordinárias habilidades:

8
Ali não luzia o marfim indiano, que se equipara ao ouro,
e o chão, logrado em seus recursos, não apresentava
o brilho comum do mármore, mas, o bosque da tranqüila Ceres
tinha sido forrado com grades de vimes entrelaçados e havia maravilhosos vasos
de terra, que uma roda comum moldara com seu lento movimento.
Depois, uma bacia para a suave gota d'água e, pendurados a
um tronco de árvore maleável, travessas de vime e uma jarra suja dedicada a Baco.
E, em toda a volta, uma parede rústica, construída com uma palha oca
e esparsa argila, segurava alguns pregos
e uma delgada haste pendia do verde junco.
Além disso, esta humilde cabana, protegida por um teto enfumaçado,
preservava suas riquezas naturais: sorvas maduras,
dispostas em meio a coroas de flores, pendiam de lá,
além de velhas segurelhas e uma videira com seus cachos à mostra:
aqui a sacerdotisa é hospitaleira, tal como foi Hécale para Teseu em solo ateniense,
digna da mesma veneração dedicada a esta, cuja hospitalidade uma Musa
registrou em versos, para que se admire sua existência * .

*
1
CXXXVI. Enquanto ela ainda saboreava um pedacinho da carne e recolocava no
defumador, com seu gancho, aquela meia cabeça de porco, que parecia ser tão velha
quanto quem a segurava, a cadeira apodrecida, que ela usara para elevar sua estatura, se
quebrou e lançou sobre um pequeno braseiro aquela velha, derrubada por seu próprio
2
peso. Quebrou-se, então, a base do pequeno caldeirão e apagou o fogo que há bem
pouco começara a aumentar. Ela ainda sacudiu seu cotovelo, para retirar um carvão
ardendo em brasa, e cobriu todo seu rosto com a cinza por ela levantada. 3 Eu me pus de
pé, evidentemente perturbado, e levantei a velha, não sem dar uma risada; e,
imediatamente, para que nenhum outro incidente detivesse o sacrifício, ela correu para a
vizinhança, a fim de reacender o fogo.
4 E assim, eu me dirigi à pequena porta de entrada da cabana.

*
Os três últimos versos são de sentido duvidoso. O texto se encontra bastante mutilado.

392
Mas eis que três gansos sagrados que, assim acho, costumavam cobrar da
velha sua ração diária ao meio-dia, tomaram-me de assalto e, com seu estridor
horrível, bem como raivoso, pararam em redor de mim, que comecei a tremer. E
enquanto um despedaçava minha roupa, o outro desamarrava o cadarço de meus sapatos
e os arrastava; além disso tudo, o terceiro, comandante e maestro da violência, não
5
hesitou em atacar minha perna com seus dentes, que mais pareciam uma serra. E
assim, esquecendo-me de meus problemas menores, arranquei o pé da mesa pequena e
esmaguei aquele violentíssimo animal a mão armada. E, não satisfeito com uma ligeira
pancada, me vinguei do ganso com sua morte:

6
Acho que foi assim que as aves do Estinfalo, impelidas pela habilidade
de Hércules, voaram para o céu e foi quase assim que voaram as rápidas Harpias,
quando seu insidioso banquete para Fineu estava embebido
em veneno. A atmosfera, aterrorizada por insólitos prantos,
estremeceu e, tomada pela desordem, também a realeza do céu.
. . . . . . . . .

7 Os outros gansos já tinham recolhido os grãos que rolaram e se espalharam


daqui e dali por todo o chão e, privados, assim penso, de seu comandante, tinham
voltado para o templo, quando eu, feliz ao mesmo tempo com a presa e com a vingança,
lancei o ganso morto por trás da cama e banhei em vinagre a ferida não profunda de
minha perna. 8 Em seguida, com medo de ser repreendido, tomei a decisão de ir embora
e, depois de reunir meus pertences, saí da cabana. 9 Eu ainda não tinha ficado livre nem
da soleira da porta do quartinho, quando vi Enótia chegando com um vaso de argila
cheio de fogo. 10 Então, eu reduzi o passo e, deixando cair meu manto, fiquei parado na
porta de entrada, como se estivesse esperando alguém que ficou para trás. 11 Ela colocou
o fogo conseguido em bastões ocos e, depois de lançá-los sobre uma quantidade maior
de madeira, desculpou-se pela demora, pois sua amiga não a tinha deixado ir embora,
enquanto não esvaziasse os três copos de bebida, como de regra. Então, ela disse: 'Mas
12
o que você fez na minha ausência ? Onde estão os grãos ? ' Eu, que achava ter feito
uma coisa digna de elogio, expus a ela todo o combate, na ordem em que os fatos
aconteceram e, para que ela não ficasse triste por muito mais tempo, ofereci um outro
13
ganso como indenização pelo prejuízo. Quando a velha viu o ganso morto,

393
igualmente soltou um grito tão grande, que se poderia pensar que os gansos estavam
entrando novamente pela porta. Assim, confuso e assombrado com sua reação
inesperada a meu ato, queria saber por que ela se irritara, ou por que ela tinha mais pena
do ganso do que de mim.

1
CXXXVII. E ela, batendo as mãos uma contra a outra, disse: 'Seu criminoso, você
ainda está conversando ? 2 Você desconhece a amplitude da desonra que praticou: você
matou o prazer favorito de Priapo, o ganso mais estimado de todas as senhoras casadas.
E assim, para que você não fique pensando que não fez nada demais, saiba que, se os
magistrados descobrirem isto, você irá parar na cruz. 3 Você profanou com sangue meu
domicílio, respeitado até o dia de hoje, e fez com que qualquer inimigo meu que queira
possa afastar-me do sacerdócio'.

4 Eu disse: 'Por favor, não chore: eu recompensarei você pela perda do ganso
com uma avestruz'.

5
Enquanto ela permanecia sentada sobre a pequena cama sob meu olhar de
espanto, nesse meio-tempo chegou Proselenos com o material do sacrifício e, depois de
ver o ganso morto, perguntando o motivo da tristeza, ela também chorou muito
impetuosamente e ficou com pena de mim, como se eu tivesse matado meu próprio pai,
não um ganso qualquer. 6 E assim, eu, cansado daquele aborrecimento, disse: 'Por favor,
vocês não podem permitir que eu purifique minhas mãos, pagando um preço por isso ?
... Por acaso eu provoquei vocês, ou cheguei a cometer um homicídio ? Eis aqui ! Eu
estou colocando na mesa de vocês duas moedas de ouro, com as quais vocês podem
comprar não só gansos, mas também deuses' * . 7 Quando Enótia viu as moedas, disse:
8
'Perdoe-me, meu jovem, eu estou preocupada com sua situação. Esta é uma prova de
amor, não de maldade. Por isso, nós nos empenharemos para que ninguém descubra
nada. Quanto a você, apenas rogue aos deuses, para que eles perdoem sua atitude'.

*
Texto incerto.

394
9 Quem tem dinheiro pode navegar sob brisa segura
e temperar seu destino com sua própria vontade.
Pode casar-se com Dânae e ter o direito de ordenar
ao próprio Acrísio que acredite em Dânae.
Pode escrever poemas, declamar, tocar todos bem no fundo,
ganhar todas as causas e ser superior a Catão.
Como jurisconsulto, pode impor seu 'é evidente, não é evidente'
e ser tudo que Sérvio e Labeão foram.
Resumindo: o que você quer, peça com dinheiro vivo,
que chegará até você. Seu cofre mantém Júpiter preso a você.

10 Abaixo de minhas mãos, ela colocou uma gamela de vinho e, depois de
purificar meus dedos, estendidos por igual, com alho-porro e salsinha, mergulhou avelãs
no vinho, fazendo imprecações. E, observando se as avelãs tinham voltado para cima,
ou se tinham submergido, ela ia fazendo seus prognósticos. Mas ela não me enganava,
pois é evidente que nozes ocas e cheias de vento, sem polpa, posicionam-se na
superfície de um líquido; as pesadas, por outro lado, e repletas de seu fruto intacto,
arrastam-se para o fundo.

11
Depois de abrir o peito do ganso, ela arrancou o fígado ainda em ótimo estado
12
e a partir dele previu meu futuro. Como se não bastasse, para que não restasse
qualquer vestígio do crime, ela colocou todo o ganso esquartejado em espetos e
preparou uma refeição até atraente para quem há pouco tempo atrás, usando suas
13
próprias palavras, estava condenado à morte. Copos e mais copos de vinho puro
transitavam entre elas.

1
CXXXVIII. Enótia trouxe um pênis ereto de couro, que ela, logo que lambuzou com
azeite, um pouco de pimenta e semente triturada de urtiga, lentamente introduziu em
meu ânus.
2
Depois, a crudelíssima velha cobriu minha coxas com este líquido.

395
*

Ela misturou suco de mastruz com absinto e, depois de verter essa mistura sobre
meus órgãos genitais, apanhou um feixe de urtiga verde e castigou vagarosamente todas
as partes do umbigo para baixo.

3
As velhinhas, por mais que estivessem sob o efeito do vinho e da sacanagem,
tentavam trilhar o mesmo caminho que eu e, perseguindo-me por algumas ruas,
4
gritavam: 'Prenda o ladrão !' Eu consegui escapar, no entanto, com todos os dedos
feridos em carne viva durante a impiedosa descida.

5
'Críside, que se aborreceu com sua sorte anterior, resolveu persegui-lo, mesmo
colocando sua cabeça em risco'.

6
'O que tiveram Ariadne, ou Leda, que pudesse ser comparado a esta beleza ? O
que Helena poderia contrapor a ela ? E Vênus ? O próprio Páris, árbitro das deusas que
se entregam aos prazeres, se a tivesse visto, durante a comparação, com seus olhos tão
7
insolentes, teria sacrificado por ela tanto Helena, quanto as deusas. Se fosse possível
ao menos beijá-la, ao menos abraçar aquele seu peito celestial e divino, talvez este
corpo restituísse suas forças e seus membros adormecidos, acho eu, por um sortilégio
8
recobrariam os sentidos. Mas suas ofensas não me cansam: por que fui chicoteado ?
Não sei; por que fui expulso ? Acho que faz parte do jogo. Ah ! Se ela pelo menos
fizesse as pazes comigo !'

396
1
CXXXIX. Eu cheguei a bambear minha cama, por causa da constante fricção sobre
ela, como se ela fosse a imagem de meu amor.

2
'Não é somente a mim que a vontade divina e o implacável destino
perseguem. Muito antes de mim, Hércules, atormentado pela ira
de Argos, suportou o peso do céu; antes de mim, Pelíade sofreu
com a profana Juno, Laomedonte, sem saber, provocou
guerras, Télefo saciou a ira de uma dupla divindade
e Ulisses tremeu diante do reino de Netuno.
Da mesma forma, pelas terras, pelas águas do límpido Nereu,
a pesada ira de Priapo do Helesponto vem em meu encalço.

3
Perguntei a meu Gitão se alguém tinha procurado por mim. Ele respondeu:
'Hoje, ninguém. Mas ontem uma mulher de bons tratos entrou pela porta e, depois de
conversar comigo por muito tempo e me cansar com sua inquisição, por fim disse que
você merecia um castigo e que ela lhe daria punições destinadas a escravos, se o
aleijado insistisse na reclamação'.

4
Eu ainda não tinha terminado minha reclamação, quando Críside apareceu do
nada, lançou-se sobre mim com um imoderado abraço e disse: 'Tenho você em minhas
mãos tal como sempre sonhei, você, meu desejo, você, minha fonte de prazer, não
conseguirá nunca acabar com este fogo em mim, nem mesmo com sangue poderá fazê-
lo desaparecer'.

5
Um dos novos escravos de Eumolpo surgiu de repente e disse que meu dono
estava extremamente irado comigo, porque eu há dois dias deixara de cumprir com
meus deveres. Disse, então, que eu faria um bom negócio, se tratasse de preparar

397
alguma desculpa convincente, pois dificilmente eu poderia conseguir que a raiva de
nosso dono enfurecido se abrandasse sem o açoite.

1
CXL. Uma dama da sociedade, entre as mais respeitáveis, de nome Filomena, que
conseguira muitas e freqüentes heranças com o uso de sua juventude, mas agora velha e
de brilho ofuscado, empurrava seu filho e sua filha aos velhos do mundo inteiro e
2
continuava mantendo sua fonte de renda através desta sucessão de mãe para filhos.
Então, ela veio até Eumolpo não só para recomendar seus filhos aos prudentes
ensinamentos dele, mas também para depositar na honestidade dele toda sua confiança e
súplicas. Ela disse que ele era o único em todo o globo terrestre que poderia todos os
3
dias instruir aqueles jovens com ensinamentos salutares. Em resumo, ela iria deixar
seus filhos na casa de Eumolpo, para que eles convivessem com ele: esta era a única
4
herança que poderia ser dada àqueles jovens. E ela fez exatamente como dissera e
deixou sua formosíssima filha com o irmão adolescente no quartinho e fingiu ir para o
templo, a fim de pronunciar seus votos de agradecimento. 5 Eumolpo, que era sensato a
ponto de pensar que até mesmo eu poderia ser seu garoto, não tardou em convidar a
menina para o ritual das nádegas. 6 Mas ele tinha dito a todos que tinha gota nos pés e
fraqueza nas costas e, se não preservasse intacto nosso disfarce, arriscaria a destruir
quase toda nossa farsa. 7 E assim, para que a credibilidade da mentira permanecesse em
segurança, ele chegou a implorar à menina para que se sentasse sobre sua bem
recomendada honestidade, mas ordenou a Córace que se colocasse debaixo da cama, na
qual ele estava deitado e, com as mãos voltadas para o chão, balançasse seu dono com
8
suas costas. Ele ia lentamente obedecendo àquela ordem e sincronizava a
9
movimentação da menina com a sua. Então, quando percebeu a proximidade do
orgasmo, Eumolpo, a plenos pulmões, insistiu com Córace para que apertasse o ritmo.
Assim, posicionado entre seu empregado e sua amante, era como se o velho estivesse
10
brincando numa gangorra. Eumolpo fez isto duas vezes, ao som de uma enorme
11
gargalhada, inclusive dele próprio. E assim, eu também, para não perder o costume
por causa da ociosidade, enquanto o garoto observava os movimentos automáticos de
sua irmã pelo buraquinho da fechadura, aproximei-me dele, para ver se ele aceitava
transar comigo. E ele, um garoto muito bem dotado, não desprezou minhas carícias, mas
aquela divindade inimiga minha me descobriu lá também.

398
*

12
Existem deuses superiores que me fizeram inteiro de novo. Certamente
Mercúrio, que costuma conduzir e reconduzir as almas, restituiu-me seus favores, que
uma mão irada retirara de mim, para que se saiba que eu sou mais favorecido do que
13
Protesilau e do que qualquer um dos antigos'. Falando isto, ergui minha túnica e
provei para Eumolpo que eu estava completo. E ele, primeiro, assustou-se; em seguida,
para ter certeza absoluta, examinou com ambas as mãos os favores dos deuses.
14
'Sócrates, <o mais sagaz> *
dos mortais na visão dos deuses e dos homens,
costumava vangloriar-se de nunca ter levantado o olhar na direção de uma taverna, nem
confiado seus olhares a um agrupamento de uma multidão mais numerosa. Aliás, nada é
mais apropriado do que consultar sempre o bom senso'.
15
Então eu disse: 'Isto tudo é verdade; e não menos verdade do que isso é o fato
de que ninguém deve cair em desgraça mais rapidamente do que os que cobiçam os
bens alheios. Mas, de onde tirariam seu sustento os vagabundos, os vida-mansa, se eles
não lançassem à multidão seus cofrinhos e bolsinhas, tilintando suas moedas, como se
fossem iscas no anzol ? Assim como os animais mudos são atraídos pelos alimentos,
também os homens não seriam capturados, se não alimentassem algum tipo de
esperança'.

CXLI. 1 'O navio, como você tinha prometido, não chegou da África com seu dinheiro e
sua criadagem. Os caça-heranças, com seus recursos já esgotados, reduziram a
generosidade. E assim, ou eu estou enganado, ou nossa sorte começou a virar azar'.

2
' Todos que estão beneficiados em meu testamento, com exceção de meus
libertos, receberão o que a eles eu destinei, sob a condição de que cortem meu corpo em
pedaços e o comam em praça pública'.

*
Texto com lacuna - sentido deduzido.

399
*

3
' Sabemos que, entre alguns povos, até a lei assegura que os defuntos sejam
devorados por seus parentes, chegando ao ponto de os doentes serem freqüentemente
4
repreendidos, porque deterioram sua carne mais e mais. Com este exemplo, eu
aconselho meus amigos a não se recusarem a cumprir minhas ordens, mas, com a
mesma disposição com que eles irão devorar meu espírito, consumam também meu
corpo'.

5
'A enorme fama de sua fortuna cegava os olhos e o raciocínio daqueles
mesquinhos.

Górgias estava pronto para cumprir as ordens.

6
' Quanto à recusa de seu estômago, não tenho o que temer. Ele seguirá sua
ordem, se você prometer a ele muitas vantagens como recompensa em troca de um
7
único momento de repugnância. Apenas feche os olhos e imagine que você está
8
comendo não vísceras humanas, mas um milhão de sestércios. Além disso, nós
encontraremos alguns temperos, com os quais podemos alterar o sabor da carne. E, para
falar a verdade, nenhuma carne agrada por si só, mas tem seu sabor alterado por uma
9
arte qualquer e é processada pelo estômago de ponta cabeça. Se você quer que meu
ponto de vista seja comprovado também com exemplos, saiba que os saguntinos,
subjugados por Haníbal, comeram carne humana, e eles nem estavam de olho numa
10
herança. Os petelinos fizeram o mesmo durante um período de absoluta falta de
alimentos e, ao se alimentarem assim, eles não buscavam outra coisa, senão
11
simplesmente não morrerem de fome. Quando a cidade de Numância foi capturada

400
por Cipião, foram encontradas mães segurando no colo os corpos de seus próprios filhos
meio devorados'.

401
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