Você está na página 1de 6

O Jardim da Manga, situado em plena baixa, é um dos mais emblemáticos

monumentos renascentistas da cidade de Coimbra.

O Jardim era o centro do que outrora foi o Claustro da Manga, mandado edificar
aquando da reforma do Mosteiro de Santa Cruz promovida por D. João III em 1527.
No entanto, é a Frei Brás de Barros que se deve a sua construção.

Atualmente apenas se encontra intacto o corpo central do Claustro, o Jardim, tendo o


restante edifício sido demolido em 1888.

O Claustro da Manga foi, segundo a lenda, projetado por João de Ruão, escultor e
arquiteto, na manga das vestes de D. João III. Daí o seu nome. O qual se inspirou nas
casas de fresco renascentistas italianas.

Ao longo do tempo o Claustro da manga foi sofrendo diversas rupturas, encontrando-


se hoje com inúmeros problemas na sua relação com o meio.

Neste trabalho, pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva o que deu origem à
construção do monumento, as intervenções que sofreu ao longo do tempo, expor o
problema urbano em que se encontra e, por fim, apresentar o pensamento que deveria
ter sido feito para evitar todo o problema que surgiu com a intervenções feitas.

Parte 2:

É fato que as cidades contemporâneas só são totalmente percebidas quando nos


conscientizamos do que já foram, quando estudamos seu passado e entendemos os
motivos que a levaram a sua composição atual. Por isso, não existe a análise urbana
sem a histórica, e no caso do tema dessa pesquisa, o Jardim da Manga, não é
possível analisa-lo sem compreender a história do Mosteiro de Santa Cruz e sua
envolvente.

O Convento de Santa Cruz então, é formado em 1131 e cerca de 1150 a igreja fica
acabada. Como se implantou fora das muralhas da cidade obrigou a construção de
uma vedação própria com um sistema de torres defensivas. A cidade continuou a
crescer fora das muralhas.

Em 1502, D. Manuel visitava a cidade e verificou no interior da igreja crúzia a modéstia


das arcas tumulares dos reis. Demoraria 5 anos a reformulação do convento e a
reconstrução dos túmulos. Isto fazia parte da estratégia de refundação do estado que
era a omnipresença dos símbolos manuelinos, da esfera armilar e da cruz de Cristo.

A reforma do convento decorreria a partir de 1527 e teria três fases sequentes. A


primeira fase seria entre 1507 e 1516 que estaria a cargo de Diogo Boutaca. Ele era o
arquiteto ressaltado do reino no início do século e foi quem desfez a igreja românica e
edificou a atual. A segunda fase esteve em função de Marcos Pires, foi quem
reconstruiu o Claustro do Silêncio e de seguida a terceira fase, que foi a conclusão das
obras anteriores, posteriormente a 1521.

E assim se tratou do “fim lógico” das obras segundo Nogueira Gonçalves.

D. Manuel possibilitou o melhoramento urbano em Coimbra simultaneamente com as


obras no Convento de Santa Cruz.

As intervenções manuelinas começaram com a abertura de um logradouro público nos


quarteirões entre o rio e Santa Cruz. O espaço que ficou livre foi o Largo do Poço que
unia duas das três ruas paralelas que vinham dos portos do rio até Santa Cruz.

Isto tratou-se de uma requalificação urbana pensada e estruturada a uma escala maior
que a da localidade. Ainda havia outros largos com uma forma semelhante (forma
regular, quadrado) que reforçavam a ideia de um sistema.

Em Almedina, nos anos 1498 e depois em 1501, decidiram avançar com as obras da
Sé. Derrubaram as casas mais próximas da igreja fazendo com que o espaço
envolvente fosse ampliado. Na praça criou-se o Hospital Real, os novos açougues e a
casa de tabeliães (notários) a partir de 1501. Ainda se reformou o conjunto da Porta de
Almedina e construiu-se um novo arco de entrada. Em 1510 começava a reconstrução
da ponte afonsina e do arco da portagem, comandado por Diogo Boutaca
acompanhado por Mateus Fernandes. De seguida, aconteceu o arranjo das margens
do Mondego, o melhoramento do pavimento das ruas, o arranjo dos contrafortes da
Couraça, a construção dos cais do rio e a reparação das pontes de Ceira e da
Cidreira.Em 1517, D. Manuel ordenava as obras da reforma do Paço Real de Alcaçova
na Alta.

Em julho de 1527, D. João III visitou o Convento de Santa Cruz e decidiu restituir a
ordem e a moralidade religiosa.

Com isto, extinguiu o mosteiro feminino (onde hoje é a câmara) e nomeou um


reformador que seria Frei Brás de Braga. Dava-se assim início ao primeiro dos
grandes empreendimentos régios joaninos que constituem o núcleo duro do
Renascimento português.

A partir do século XIX, os edifícios do Mosteiro passaram por importantes


transformações graças a extinção das ordens religiosas em 1834, e a apropriação dos
estabelecimentos pela Câmara Municipal inaugurada em 1879. Antes instalada na
Torre de Almedina desde, pelo menos, o século XIV, teve a transição para Santa Cruz
graças a uma petição redigida pela vereação em 1835 que solicitava aos Deputados
da Nação Portuguesa uma parte do extinto mosteiro. O governador Civil então,
somente depois de muita insistência, concedeu a parte requisitada somente se
concordassem “a largar mão dela quando, por qualquer circunstância, o Governo a
destinasse para outros fins”.

O espaço concedido se tratava de uma parcela ao lado da Igreja de Santa Cruz,


edificada a volta do Claustro da Fidalga, no qual foram feitas algumas alterações para
abrigar as atividades da instituição. Em 1836, todos os edifícios do mosteiro foram
cedidos a Câmara, e por muito tempo a mesma se ajustou com algumas alterações no
edificado.

No contexto de advento da ideia de tabua rasa e pensamento urbanístico do


modernismo, no final do século XIX e começo de XX, inicia-se uma nova fase de
grandes transformações para o edificado da Santa Cruz. Em 1885, a Câmara
encarrega o engenheiro Adolfo Ferreira Loureiro para trabalhar em um plano urbano
para o mosteiro e sua envolvente, o qual projeta a av. Sá da Bandeira, a Praça da
República (na época Praça D. Luís I) e suas ramificações que foram inaugurados em
dezembro de 1889. Para concluir tal plano, foi demolida a ala norte do Claustro da
Manga, e o Arco do Correio (arco que ligava o mosteiro a enfermaria, onde hoje se
encontra a Escola Secundaria Jaime Cortesão), alargando assim a antiga Rua do
Mercado (hoje Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes), e clarificando o acesso tanto a
baixa quanto a parte nova de Coimbra.

Para além das mudanças urbanas, em 1876 foi demolida uma grande parte do
mosteiro, mais especificamente o edifício em volta do primeiro claustro de recepção.
com o intuito de melhor atender as necessidades da Câmara Municipal. O projeto para
o novo estabelecimento é da autoria do engenheiro Alexandre Conceição, e foi
inaugurado em 1879, entretanto é válido mencionar que apenas a parte exterior estava
pronta nessa data, as obras no interior permaneceram até 1881. 2

O edificado em volta do Claustro da Manga, como já mencionado, também passou por


grandes transformações nesse período, em 1888 foi demolida a ala norte, sendo que
as alas nascente e sul passaram por requalificações para abrigar os correios. Mais
para frente, graças a incêndios (um em 1917 e outro 1926) nessas duas últimas alas,
elas foram completamente destruídas e foi contratado o arquiteto Silva Pinto para a
construção do edifício atual dos correios inaugurado em 1939. É válido mencionar que
este edifício foi construído com uma arquitetura modernista do estado novo
completamente distinta de seu envolvente.

Nessa altura a zona atual do mercado municipal foi intensamente transformada. Na


época do mosteiro se tratava da horta onde havia as vendedeiras de cereais do
Mercado de Sansão, mas com sua extinção e apropriação da Câmara, em 1867 se
instaurou o primeiro edifício do mercado municipal no local. Entretanto, depois dessa
data houveram várias modificações devido a precariedade do edifício e por isso em
1907, o mesmo arquiteto dos Correios, projetou e construiu o Mercado do Peixe.
Novamente, com as necessidades alterando, a Câmara encomenda o atual Mercado
Municipal D. Pedro V, o qual foi inaugurado em 2001.

Outra parte do envolvente merece nossa atenção: a envolvente a norte do mosteiro.


Em 1924 foi feita a transferência da atual Fonte nova para frente da antiga Torre de
Santa Cruz, que por sua vez foi demolida em 1935 por ameaçar ruir. Mais adiante
entre 1984 e 1986, atrás da Fonte Nova, ira se instalar uma escadaria que permite o
acesso ao bairro de Montarroio juntamente com outras mudanças como a aplicação de
azulejos típicos no muro da atual escola Secundária Jaime Cortesão (antiga
enfermaria do mosteiro).

Finalmente, nos aproximando do que hoje encontra-se nessa zona, temos o Edifício
Caixa Geral de Depósitos, na esquina da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes e Rua
da Sofia. Na época do mosteiro, nesse local existia o Palácio da Inquisição o qual foi
posteriormente substituído por um prédio multifuncional que abrigava tanto a
Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra, como a delegação da União
Nacional. Por sua vez, foi demolido completamente para que em 1947, o arquiteto
Veloso Reis Camelo projetasse o atual edifício com uma arquitetura típica do estado
novo, e novamente em contraste com a arquitetura ao redor.
Parte 3: Análise Histórica da Problemática Urbana

O Jardim da Manga faz parte de um problema típico da Baixa de Coimbra: a falta de


coerência entre cidade medieval, moderna e contemporânea. A medida que a cidade
foi se desenvolvendo, houveram rupturas de suas formas e significados e que hoje
estão longe de serem resolvidas. No caso do tema desse trabalho, resumimos essa
falta de coerência em dois aspectos: funcional e seu carater público/privado.

No âmbito funcional do Jardim da Manga, não é possível compreender atualmente


qual a sua função, se é um local de permanência ou parte de um percurso. Essa
dúvida é fruto da sua localização que arremeta o eixo da Av. Sá da Bandeira, e por
outro lado, de seu caráter próprio de permanência quando pensamos na esplanada e
fontes do Jardim. É fato que podemos ter um local de vivência em meio a um
percurso, desde que ambos dialoguem entre si, ou seja, que se justifiquem. Esse não
é o caso do Jardim da Manga e a Avenida, o primeiro passa desapercebido por quem
percorre tal eixo.

Já acerca de seu carater público/privado, sabemos que anteriormente o Jardim era um


Claustro, seu aspecto privado entretanto foi totalmente destruído com a demolição da
ala norte em 1888. Podemos dizer então que a demolição trouxe a dúvida atual, seria
o Jardim um local privado devido a sua configuração espacial e sua história, ou publico
visto que agora encontra-se aberto ao percurso urbano.

De maneira geral, a percepção que temos ao analisar do Jardim da Manga é que este
não pertence ao local onde esta inserido, o que é de certa forma irônico visto que este
se encontrava ali muito antes de outros edifícios que hoje são vistos com mais clareza
e pertencimento nesta zona. Seja pelas questões apontadas, ou pela diferença de
escalas entre o Jardim e os edifícios como Caixa Geral de Depósitos, Mercado
Municipal, essa peça renascentista é alvo de negligencia e esquecimento, e uma
prova concreta desse cenário foi a construção de uma paragem de autocarro logo em
frente ao seu alçado principal.

Conclusão:

A questão que nos resta nesse momento é, se ao decorrer dos últimos séculos a
unidade e potencial do Jardim da Manga foi negligenciada, resultando no sentimento
atual de não pertencimento, quase que “engolido” pela sua envolvente, por que o
preservaram? Porque em meio a tantas demolições, do advento de pensamentos
como “demolir para construir” o mantiveram em um local de constante valorização
urbana?

Por isso novamente regressamos à história, a fonte construída no centro do Claustro


da Manga é e era uma peça chave do renascentismo português. Foi construído com a
intenção de representar a Fons de Vitae (Fonte da Vida) no meio do paraíso e, por
isso, carrega consigo o símbolo da salvação. Desde a sua simetria, ao elemento da
água, inclusão de gárgulas aos torreões dedicados aos seus respetivos santos, esta
construção renascentista está repleta de simbolismo, tornando-a, assim, uma obra de
muito valor para a cidade de Coimbra. Depois da demolição de uma secção do
Mosteiro de Santa Cruz foi decidido preservar o antigo Claustro da Manga, por ser
património cultural, entretanto o que não se pensou na época é que essa obra faz
parte de um conjunto – o mosteiro de Santa Cruz, e por isso ao ser lida
individualmente perde parte de seu valor como patrimônio cultural.

Voltamos a construção da paragem de autocarro que obstruiu totalmente o alçado


principal da peça renascentista. Tal feito resume grande parte da estratégia de
intervenção no local depois que o mosteiro foi extinto: as intenções eram claras,
sempre voltadas a atender as necessidades urbanas atuais, mas esqueciam-se que
para construir, para que o projeto funcionasse de fato, não deveria ser pensado
sozinho e sim como um conjunto.

Assim, é fato que o entendimento do que é patrimônio cultural é muito recente, e ainda
hoje não tão claro para todos. Portanto o problema que hoje enfrentamos na Baixa de
Coimbra é fruto de um cenário na época de pouca compreensão acerca do valor do
edificado e da pesquisa urbana do projeto.

Por fim, acreditamos que muito ainda pode ser feito no sentido de atribuir qualidade ao
edificado do mosteiro e sua envolvente, desde simples intervenções até intervenções
mais elaboradas, começando talvez pela retirada da paragem de autocarro.

Você também pode gostar