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Questões de discussão
Se pensarmos, por exemplo, em que medida temos nossas vidas
governadas/administradas/geridas cotidianamente a partir de um dispositivo da
sexualidade conseguimos elencar desde as questões mais concretas relacionadas a vida
enquanto organismo vivo, o aspecto reprodutivo, os cuidados médicos periódicos, até as
questões relacionadas ao planejamento familiar, às questões de gênero, à determinação
de ações junto às famílias, o próprio conceito de família, a composição dos corpos...
são, assim, estratégias minúsculas que produzem não apenas esses mecanismos externos
que incidem sobre a vida, mas, principalmente, produzem sujeitos que se relacionam
consigo e com os outros a partir desses códigos produzidos.
Tomemos, por exemplo, a questão relacionada ao aborto, especificamente do
ponto de vista de decisão sobre a vida. Se por um lado os discursos que circulam
contrários ao abordo atrelam-se a um clamor pela vida, ao contrário podemos pensá-los
como uma decisão sobre a morte. Sabe-se que abortos são práticas correntes. A questão
não é a existência ou não inexistência, mas a forma como essa prática é gerida. Desse
modo, aquilo que em relação a sexualidade supostamente produzia silenciamento, isto é,
os “elementos negativos — proibições, recusas, censuras, negações — que a hipótese
repressiva agrupa num grande mecanismo central destinado a dizer não, sem dúvida, são
somente peças que têm uma função local e tática numa colocação discursiva, numa
técnica de poder, numa vontade de saber que estão longe de se reduzirem a isso”, pode
ser deslocado a outras problemáticas, tais como a do aborto.
“Daí essa solenidade com que se fala, hoje em dia, do sexo” – mesma coisa
sobre certas vidas. Descriminalizar o aborto produziria, dentre outros abalos, a
fragilização de toda sorte de justificativas que fundamentam medidas de morte. Seria
admitir que o estado mata, por abster-se e por negar-se a pensar a questão do abordo a
partir da saúde, aquelas mulheres que não podem pagar por formas adequadas de
realizar o procedimento. Seria admitir que também casos de estupro são questões
referentes à saúde e que o estado, novamente, mata. Seria admitir que criminalizar,
penalizar, punir não é a estratégia adequada. Afinal as prisões já não demonstram isso
desde sua invenção?