Você está na página 1de 4

A indústria da recolocação: mercadores de esperanças?

Sergio Luiz de Jesus

A índole humana é rica, diversificada e criativa. Isso todo mundo reconhece. Mas,
por um outro lado, esta mesma riqueza e criatividade também podem se
manifestar através de um senso de oportunismo acentuado, que conduz um
individuo a querer levar vantagem e a valorizar todas as chances que surgem pela
frente.

Será que isso é bom ou ruim? Será que é construtivo ou não?

Essa característica oportunista está presente nas pequenas atividades do dia a


dia, quando, por exemplo, a dona-de-casa descobre que aquele doce que tanto
agrada seus filhos, pode gerar algum lucro se oferecido aos vizinhos.

Mas as grandes circunstâncias da humanidade também reservam, para alguns,


uma grande dose de oportunismo, principalmente diante da miséria ou desgraça
alheia. Basta que analisemos as grandes crises, as guerras, as calamidades e
veremos um pequeno grupo enriquecendo à custa das lágrimas de outros.

Todos sabem o quanto tem sido difícil a questão do emprego nestes anos de crise
brasileira. Somente na Grande São Paulo, quase dois milhões de pessoas estão
desempregadas, numa busca desesperada por uma chance de trabalho.

O desemprego atinge frontalmente aqueles que possuem escolaridade ou


experiência insuficiente, mas uma boa parcela de brasileiros com curso superior,
bom curriculum e experiências diversificadas se vêem às voltas com este terrível
problema.

Em meio à aflição de tantos que buscam por uma chance, têm se multiplicado, nos
últimos anos, a industria da recolocação profissional. Surgidas ainda nos anos 70,
as empresas de recolocação, originariamente dedicadas a recolocar executivos já
empregados ou a atender demandas especificas de seus clientes, que buscavam
profissionais sob medida, acabaram por se tornar uma esperança para alguns e
um grande engodo para outros.

Um dos mecanismos utilizados por essas empresas é oferecer “pacotes” de


recolocação, mais ou menos configurados da seguinte forma: um profissional
desempregado que as busque firma uma espécie de contrato de prestação de
serviços com essas empresas, que se comprometem, durante um certo tempo, a
“tentar” recolocar este profissional em uma empresa. Como parte desses serviços,
o profissional será orientado e treinado para se desempenhar bem em entrevistas
e reuniões de processo seletivo.
A partir daí, basta aguardar o agendamento de entrevistas de recolocação e torcer
para que uma delas dê certo.

Como se vê, as garantias são praticamente nulas e o vinculo estabelecido é de


mera confiança entre as partes, sem possibilidade de rescisão antecipada, uma
vez que o pagamento em geral se dá na assinatura do contrato e à vista, ou no
máximo em parcelamento muito curto.

Confrontadas com os órgãos de defesa do consumidor, essas empresas alegam


que “trabalharam duro” pelo candidato, enviando seu Curriculum Vitae para
milhares de empresas, telefonando, treinando-o para as entrevistas, etc, etc.

Talvez as empresas de recolocação ditas “sérias” de fato executem tudo isso. O


problema, porém, diz respeito às reais possibilidades, isto é, às vagas que
assegurarão que o contratado volte a trabalhar.

Certas evidências podem sugerir que algo estranho esteja acontecendo nas
empresas de recolocação:

1- Algumas delas asseguram possuir ofertas de até cem mil vagas disponíveis
para recolocação. Dados recentes dos principais institutos de pesquisa do
trabalho indicam que, desde o início do ano, somente em São Paulo trinta
mil vagas na indústria foram suprimidas, por conta das altas taxas de juros
que impedem a economia de crescer.

Ora, sabendo-se que São Paulo é a principal economia do Brasil e que os outros
setores de alta absorção de empregos, como comércio e serviços absorvem uma
mão de obra essencialmente básica ou até mesmo informal, cabe a pergunta: de
onde estão surgindo tantas vagas?

2- Algumas vagas interessantes, como gerências regionais, diretorias de


vendas e outras de uma mesma empresa, surgem milagrosamente em mais
de uma empresa de recolocação. Elas negam que haja alguma atuação
conjunta, pois os clientes empresariais as contratam individualmente. Pelo
lado das empresas, umas negam que as vagas tenham sido oferecidas a
empresas de recolocação. Outras afirmam que sequer as contrataram.
Outras ainda dizem que contrataram apenas uma empresa de recolocação
e que não imaginam como suas vagas se disseminaram entre várias
dessas empresas. . .

3- Certas vagas oferecidas como sendo de “alto nível” pelas empresas de


recolocação não são assim percebidas e classificadas pelos candidatos que
a elas são encaminhadas. Recentemente, a secretária M.H.B., demitida de
uma empresa de comunicação, foi convidada por uma empresa de
recolocação para “uma nova e estimulante oportunidade no interior de São
Paulo. Na verdade, após viajar cerca de 500 km para uma entrevista na
referida empresa, M.H.B. descobriu que o salário era cerca de 35% menor
do que sua última remuneração, que a empresa não oferecia praticamente
nenhum beneficio e que não poderia apoiá-la, caso aceitasse o emprego,
na mudança de cidade ou sequer na obtenção de vaga para seus filhos no
colégio local. . .

4- Têm se multiplicado o número de queixas nos órgãos de defesa do


consumidor de pessoas que, ao contratarem os serviços das empresas de
recolocação, não tiveram mais nenhum retorno, não conseguiram
entrevistas e, muitas vezes, sequer conseguem falar com as pessoas que
seriam seus “gerentes” dentro dessas empresas.

Assim, fica claro que muitos espertalhões estão usando a atual onda de
desemprego para lucrarem ao máximo, mesmo que isso signifique prejuízo para
muitas pessoas de boa fé.

Num país que precisa caminhar muitas léguas ainda para que os direitos reais do
cidadão sejam respeitados, talvez seja adequado que o próprio consumidor tome
algumas providências fundamentais, se não houver outra alternativa melhor do
que contratar uma empresa de recolocação profissional.

Algumas dessas providências podem ser:

1- Ao contratar uma empresa de recolocação, exija uma lista de pessoas que,


como você, fizeram o contrato de prestação de serviços e conseguiram um
emprego. Procure levantar se ficaram satisfeitas, quanto tempo levaram
para conseguir o trabalho, se tiveram a assistência prometida e se
obtiveram o que esperavam em termos profissionais na nova colocação.
2- Exija que o contrato de prestação de serviços da empresa de recolocação
especifique com clareza seu tempo de duração, quem é o contato interno,
quais são suas atribuições e que tipo de trabalho será feito. Procure saber,
com o máximo de detalhes quantas entrevistas pretendem obter, onde e
que tipo de ação de divulgação pretendem fazer. Procure identificar
também se seus dados serão compartilhados com outras empresas de
recolocação, pois, a princípio, eles são confidenciais e de uso específico da
contratada.
3- Antes de assinar o contrato, procure um órgão de defesa do consumidor e
submeta-o à apreciação de um especialista. Levante também se há
reclamações contra a empresa. Se for negado acesso à análise do
contrato, recuse imediatamente os serviços da empresa de recolocação
(algo estará errado)!

Uma outra ação que este problema exige está no âmbito da própria sociedade. Os
órgãos de controle e defesa do consumidor precisam ficar atentos à atuação
dessas empresas, tomando providências enérgicas quando se constatarem
irregularidades.
É de se esperar também as empresas que as contratam tomem uma providência.
Uma vez que seus nomes estarão envolvidos em possíveis irregularidades ou
marketing negativo, é desejável que as entidades que congregam os RH’s das
empresas se posicionem com firmeza, evitando a comercialização indiscriminada
e irresponsável que ora se verifica. Por que não publicar em seus sites na internet
uma espécie de ranking das empresas de recolocação sérias?

Finalmente, a melhor solução será, certamente, a retomada do crescimento


econômico. Com abundância de empregos e oportunidades, esses verdadeiros
mercadores de esperanças tenderão a desaparecer, sendo reativado o canal
regular de contratações: as oportunidades na internet publicadas nos sites das
grandes empresas, as placas nas portas das fábricas, os anúncios em jornais e
revistas e até mesmo os “plaqueiros” (aqueles senhores aposentados vestidos
com anúncios dos mais diversos) em vários pontos da cidade.

Você também pode gostar