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Cálculo Econômico

Compilado de Artigos
Sumário:
A definição de Informação P.4
Da punição e da interface P.7
Da recorrência da informação P.8
A Informação Relevante no Conceito de Hayek P.8
Hayek e a Análise do Fenômeno Complexo P.9
A CONCORRÊNCIA COMO PROCESSO
DE DESCOBERTA P.11
IDEÁRIO LIBERAL, ORDEM ESPONTÂNEA,
ERROS DO RACIONAL-SOClALISMO P.12
O uso do conhecimento na sociedade P. 17
De volta ao debate sobre o planejamento
socialismo - Cálculo, Complexidade
e Planejamento P. 26
Informação e Economia: Uma crítica à Hayek P. 72
O Socialismo é impossível? P. 128
O Comunismo Libertário é Impossível? P. 139
O Que Há de Errado com os Mercados? P. 151
O Capitalismo aloca os recursos de forma
eficiente? P. 156
Que critérios de tomada de decisão podem
ser tomados na anarquia? P. 168
E quanto à “oferta e demanda” ? P. 174

O Cálculo Econômico em uma Comunidade


Corporativa P. 180

"Cálculo econômico", "Fortes direitos de


propriedade" e outras mentiras que os
comentaristas libertários financiados por Koch
me contaram P. 188
Trechos de “HAYEK E A TEORIA DA INFORMAÇÃO:
UMA ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA”
Francisco Carlos Ribeiro

A DEFINIÇÃO DE INFORMAÇÃO
O verbete informação é assim definido nos dicionários: "1. Ato ou efeito de informar-se;
informe; 2. Dados acerca de alguém ou algo; 3. Conhecimento, participação; 4. Comunicação ou
notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa ou do público; 5. instrução, direção".

No entanto, no sentido específico da Teoria da Informação, esta palavra é "usada num senso
especial, o qual não deve ser confundido com o senso ordinário. Informação não deve ser confundida
com significado" (SHANNON & WEAVER, 1949: 8-9)

Segundo nos explica Weaver, podem ser exatamente equivalentes quaisquer mensagens
carregadas de significado, ou uma besteira, no ponto de vista dessa teoria; considerando sua
formulação, em termos de engenharia, o significado da mensagem é irrelevante.

Contudo, Weaver reconheceu que a insignificância dos caracteres semânticos não pode ser
tão desprezada, e que diversos aspectos da Teoria da Informação prestam-se a interpretações
significantes. Aliás, o presente estudo baseia-se na relação de significado, não na relação de
engenharia; ver-se-á, na análise da aplicação da Teoria Matemática da Comunicação às Ciências
Humanas, que a conceituação de informação que despreza o significado deve ser relativizada; mas é
preciso entender, a priori, as definições, na forma em que foram estabelecidas, para poder comentá-
las.

Ainda Weaver: "Para ser certo, a palavra 'informação', na teoria da comunicação, reporta-se
não só para o que você diz, tanto quanto para o que você pôde dizer. Isto é, informação é uma
medida de uma liberdade de escolha quando alguém seleciona uma mensagem" (SHANNON & WEAVER,
1949: 8-9).

Ou seja: quanto maior o leque de opções, mais opções são descartadas quando se escolhe
uma delas; quanto mais opções eliminadas, mais informou a transmissão.

Para que melhor se compreenda a correlação entre certeza e informação, é preciso adentrar-
se em conceitos de probabilidade e entropia, vistos a seguir; mas, antes de tudo, como a definição de
informação se relaciona com o conceito de engenharia de telecomunicações?

Primeiro: quando se transmite por meios eletrônicos, são utilizados veículos e formas que são,
por características próprias, limitados; segundo: o objetivo da mensagem é, sempre, afetar
comportamentos; terceiro: quando a mensagem é transmitida eletronicamente ou à distância, o canal
será mais ou menos eficiente na direta proporção da quantidade de mensagens transmitidas - quanto
maior a quantidade de opções de transmissão, terá a mensagem maior ou menor informação na
proporção em que elimine toda informação complementar supostamente necessária para que a
mensagem surta efeito.
Deduz-se que, para a engenharia, não importa o significado semântico, mas somente a
quantidade de informação transmitida por unidade de corrente: portanto, o que importa é optar pelo
sinal que contenha a maior quantidade de informação por unidade de transmissão.

Por outro lado, quanto maior a liberdade de escolha em termos de sinais, optando-se por um,
deixa-se de optar por n outros: de onde se deduz que, quanto maior a quantidade de opções, maior a
pretensão em receber mais informação ao escolher qualquer delas - daí definir-se que informação é a
medida da liberdade de escolha.

Veja-se: a maximização da eficiência da transmissão economia de energia é inversamente


proporcional à recorrência dos símbolos transmitidos. Por exemplo: tomando as vogais A e O e
supondo que elas pertencem a uma palavra de quatro letras, vamos simboliza-las da seguinte forma:

A=+, 0=-

Simbolizando, ainda, as letras R = A e lvf = $, ao transmitir palavras como, por exemplo, ROMA
e AMOR, o envio do sinal [ +] muito pouco dirá; se o sinal [ -] for enviado separadamente, também
pouco dirá; mas, se transmitidos em conexão, os dois sinais já dirão um pouco mais, pois as palavras
contendo A e O, conjuntamente, são em menor número do que as que contém apenas A ou O.

Continuando o raciocínio: ao acrescentar-se a letra R pelo sinal ["''], o campo ficará ainda mais
restrito; acrescentando-se a letra M, [$], reduzir-se-á a seis palavras todas as possibilidades de
transmissão! Portanto, quanto menor a recorrência, maior a quantidade de informação. No caso
presente, teríamos somente:

AMOR=+$-~''

ROMA=/\-$+

ORAM=-/\+$

ROAM=/\-+$

MORA=$-/\+

ARMO=+/\$-

Ora, precisa-se de quatro sinais em sequência para que se saiba qual é realmente a palavra
transmitida. Mas, em sendo substituída a combinação OMA por[*], ao se transmitir [M] obtém-se
ROMA! A combinação OMA, para quatro letras, nos remete a SOMA, COMA, TOMA, ROMA, etc.,
necessitando apenas de um dígito a mais para que se identifique perfeitamente a palavra!

Por outra forma: sendo possível optar-se pelo símbolo [*] para significar OMA, pode-se afirmar
que há liberdade de escolha pois, de outra forma, somente seria possível simbolizar ROMA de maneira
convencional, utilizando-se símbolos recorrentes.

É por isso que Shannon não se preocupa com o significado semântico: quanto maior a
liberdade de escolha, a própria seleção informará o que não foi escolhido, e essa é a informação
quantificada. Ora, quanto menor a utilização obrigatória de símbolos recorrentes, mais rápida será a
comunicação; acontece, porém, que a recorrência de sinais decorre das limitações do canal --em
Morse, os sinais possíveis eram traço, espaço e ponto, cuja utilização maximizou-se a partir do fato de
que, para os mais recorrentes, que pouco informam, atribuiu-se o menor sinal, maximizando-se a
eficiência da transmissão.
É assim que a lógica da fórmula que Shannon deve ser entendida, ao definir como a
quantificação da informação está correlacionada à probabilidade de ocorrência do evento: quanto mais
raro um sinal, mais será possível ligá-lo a mensagens particulares ·-o que exige menor voh.une de
dados para discriminá-lo.

Do ponto de vista cognitivo, quanto maior a liberdade de escolha, mais a probabilidade estará
distribuída e maior a desordem para fazer inferências; a partir da recorrência de eventos, a liberdade
de escolha vai--se ordenando em eventos mais prováveis- de maior recorrência - e menos prováveis,
de forma que a liberdade de escolha, que era total, passa a ser classificada e ordenada, compondo a
estrutura que permitirá inferir sobre o mundo.

Portanto, não é contraditório afirmar-se que liberdade de escolha é situação de desordem,


onde tudo é possível e as probabilidades estão igualmente distribuídas, e que quanto maior a liberdade
de escolha maior a informação?

Não, não será: onde não há nada aprendido, a primeira informação é muito valiosa, pois muito
informa; perante fatos conhecidos, entretanto, a nova ocorrência deles nada de novo informa; quanto
maior a incerteza sobre os fatos, ao ocorrer um evento, mais ele poderá informar --eis a questão que
nos permitirá entender a lógica hayekiana do feedback negativo: quanto maior a incerteza do mercado,
mais o conjunto de informações será valioso para o agente, e maior a importância relativa da
informação para os ajustes necessários.

Segundo Moles, se a mensagem é aquilo que é capaz de modificar o comportamento, o que


realmente a modifica é a novidade. A novidade está diretamente relacionada com a incerteza, e esta,
com o maior número de escolhas ( 1969: 36,41 ).

Probabilidade, recorrência e liberdade de escolha

Segundo a definição clássica de probabilidade, se existem a resultados possíveis favoráveis à


ocorrência de um evento, sendo A e b resultados possíveis não favoráveis à ocorrência de A, e sendo
os resultados igualmente verossímeis e mutuamente exclusivos, então a probabilidade de A ocorrer é:

a P(A) = ---:·-- a -r b

Podemos definir, com Hoffman, da seguinte maneira: se um espaço amostral é constituído por
n eventos mutuamente excludentes e igualmente prováveis e se nA desses eventos têm o atributo A,
então a probabilidade de A é: P(A) = n~n (HoFFMAN, 1998: 10).

Por outro lado, Kazmier, assim enfoca a freqüência relativa: "a probabilidade é determinada
com base na proporção de vezes que ocorre um resultado favorável em um certo número de
observações e experimentos. Não existe suposição prévia de iguais verossimilhanças ou equi
probabilidade" (KAZMIER, 1982: 65).

Ou seja: nA P(A) = lim n n ---+ oo A definição clássica de probabilidade é ocorrência de eventos


favoráveis e desfavoráveis, pois parte do princípio da verossimilhança, o que torna possível identificar-
se a probabilidade de não ocorrência de tonna estática, graças ao limite do espaço amostral; por sua
vez, a freqüência relativa pressupõe saber-se qual a probabilidade de ocorrência de resultados
favoráveis, na medida em que eventos são produzidos e observados.

A priori, não é possível saber qual a probabilidade de cada ocorrência pois, sem ordenamento,
todos os elementos são equiprováveis; mas, a partir dos experimentos, a freqüência relativa informa
qual a ordem dos acontecimentos, permitindo-nos a inferência.
Recorrendo à análise pela visão clássica de probabilidade, é possível compor a estrutura
estática que fornecerá, com a devida certeza, a probabilidade de ocorrência dos eventos possíveis, já
que a liberdade de escolha estará determinada, com limites preestabelecidos, uma vez limitado o
espaço amostral.

Optando-se, porém, pela análise da probabilidade em termos de freqüência, os resultados


efetivamente ocorridos nos eventos informarão a recorrência de cada item pois, se quando ocorre o
primeiro evento, o resultado obtido nada informa, por equiprovável -- qualquer outro teria a mesma
probabilidade de acontecer - com a repetição continuada do evento conhecer-se-á os resultados mais
e menos ffeqüentes.

Ora, observando-se os mais treqüentes, observa-se que, numa seqüência ele eventos, as
possibilidades de escolha serão minimizadas pela constante recorrência de um dado em relação aos
demais: assim, quanto maior a freqüência de um dado, menor a liberdade ele escolha cm eventos
iguais.

Por outra forma: se em cada dez eventos com os símbolos a ou b, ocorrerem oito palavras
com o simbolo a, por exemplo, em apenas duas conterá o símbolo h-- o que limita a liberdade de
escolha a vinte por cento dos eventos possíveis pois, em cada dez resultados, somente dois admitem
variação - o que é limitação de escolha! Em outras palavras: quanto maior a probabilidade do evento,
menor a informação, já que, implicando em maior recorrência, haverá menor variabilidade, menor
probabilidade restante.

Deduz-se que, em qualquer relação entre probabilidade e informação, quanto maior a


probabilidade, maior a recorrência -- portanto, menor a liberdade de escolha; quanto menor a
probabilidade, menor a recorrência maior a liberdade de escolha, pois a probabilidade estará
distribuída entre vários resultados possíveis.

Da punição e da interface
Segundo Korzybski (1958: 57, 88), as pessoas ditas normais permanecem ad eternum em
suas crenças. Entretanto, reafirme-se, uma das mais nobres funções do cérebro é discriminar; mas, o
discriminar nem sempre se transforma em mudança de representação efetiva e, por conseqüência,
em mudança de atitude, já que, para que esta ocorra, deve haver, entre outras coisas já citadas,
alguma punição.
Gamer (1962: 294-29), citando o exemplo do automóvel sobre a estrada, afirma que é
necessário que se faça a representação correta do que é a estrada e de suas dimensões, além de
possuir-se a capacidade de ajuste ao tempo exato, sob pena de acidente; portanto, o grau de
punição do não ajuste ao mundo exterior é fator motivante para mudanças comportamentais, além de
um dos motivos de sua velocidade.
Subjacente à idéia do grau de punição, está a interface, ou seja, a área de interesse: se
alguém recebe diariamente um rol de informações novas, sua representação de mundo se diferencia
e ela pode até modificar-se como pessoa; porém, se as informações relevantes recebidas não são
relevantes para sua interface, ou seja, para sua área de interesse, não haverá modificação de
estrutura de ação- daí que a punição, dada por uma discrepância entre a estrutura cognitiva do
indivíduo e a realidade concreta, atingirá as interfaces de cada um de maneira diferenciada.
Para as representações biológicas, o grau de punição é muito alto e os ajustes se fazem com
maior rapidez; para as necessidades primárias, também. Entretanto, as demais oscilam conforme a
importância e diversidade das interfaces.
Da recorrência da informação
A punibilidade e a interferência na interface dependem da recorrência do evento original: se a
estrutura cognitiva de comportamento está estabelecida e se recebe qualquer informação original,
esta só será importante para a vida comum quando recorrente, pois, do contrário, não imporá
ajustamentos; poderá até mudar representações, mas, dada a raridade em que ocorre, a punibilidade
em não se ajustar torna-se remota: portanto, as influências sobre as interfaces são pequenas.
A punibilidade aumenta progressivamente, na relação direta em que o evento novo progride
em aceitação: na medida em que todos os agentes vão admitindo sua existência e se ajustando à
nova realidade, estabelece-se o comportamento comum- a partir de então, quem não se ajustar será
punido de diversas formas; portanto, a recorrência do evento considerado raro é fundamental para a
mudança comportamental dos agentes.
Conectando, agora, todos os plugs deste raciocínio: qualquer informação é mensagem que
altera as incertezas sobre o mundo exterior e, ao mesmo tempo, altera as representações cognitivas
estabelecidas; mas, para apreender a informação, é imprescindível não só que a fonte decodificadora
tenha capacidade de entender a mensagem, mas, também, que o veículo seja capaz de transmiti-la
adequadamente.
Uma vez atendidas tais condições, ocorrerão mudanças comportamentais quando e se a
informação apresentar-se relevante para o indivíduo. Por outro lado, a relevância decorre de dois
postulados fundamentais: da interface, isto é, da área de interesse, e do grau de punibilidade, sendo
que este é inversamente proporcional à distância do atendimento às necessidades básicas e vitais;
assim, conforme se distancia das necessidades imediatas, o grau de punibilidade decresce: quanto
maior o grau de punibilidade, mais rapidamente ocorrem os ajustamentos. Contudo, apesar de
interfaces desinteressantes, podem ocorrer mudanças de comportamento provocadas por novas
informações.
Entretanto, nosso objetivo não é salientar que pode haver mudanças perante novas
informações, mas, sim, frisar que, apesar da informação inovadora, também pode não ocorrer
mudança alguma.

A INFORMAÇÃO RELEVANTE NO CONCEITO DE


HAYEK
Hayek, em lndividualism and Economic Order (1984: 51), desenvolveu o conceito de relevant
knowledge - conhecimento relevante; segundo ele, conhecimento relevante é aquele que realmente
influenciou ou influencia as ações das pessoas: portanto, o conhecimento é relevante para a pessoa
cm particular, pois suas ações poderiam ser diferentes não só se obtivesse conhecimento incorreto ao
invés de correto, mas também se possuísse outros conhecimentos.

Pode-se entender o conhecimento relevante de Hayek por dois ângulos, a saber:

a) A estrutura cognitiva- Aquela que decorre do ordenamento de informações que o indivíduo acumulou
durante sua existência, memorizando-a. É a memória que une os eventos, conectando-os e unindo as
probabilidades de ocorrência dos fatos e predicados que acompanham tais ocorrências. Enfim, é a
estrutura cognitiva que faz o ordenamento que rege o comportamento. Para modificar tal estrutura, é
necessária a informação relevante nova, com poder suficiente para alterar comportamentos.

b) A informação relevante -- Para o indivíduo, será relevante a informação que altere sua percepção
de realidade ou confirme seu modo de agir. As limitações que impedem tal alteração ou confirmação
derivam da incapacidade da fonte receptora, da incapacidade do canal, ou da complexidade da
informação, limitações que podem ser resolvidas com a melhoria da codificação ou a evolução
perceptiva do receptor.

A limitação de mudança no campo da ação, quando de posse de uma informação nova, por sua vez,
dependerá da punibilidade e da recorrência do evento: para que se absorva determinado evento, ele
deverá ser recorrente, sob pena de, sendo raro, não influenciar o modus operandi do agente.

Portanto, a concorrência é processo de descoberta, porque é com ela que as informações inesperadas
permitem o ajuste das expectativas dos agentes à realidade do mercado. Mas, para induzir ajustes de
forma eficaz, é necessário que a linguagem - canal de transmissão - seja inteligível e livre de roídos.

Por outro lado, os agentes devem, necessariamente, perceber a linguagem do mercado e,


para tanto, os eventos devem ser significantes para o indivíduo - o que implica dizer que devem ser
recorrentes e causadores de punição.

Mais além, para o indivíduo ajustar-se, livrando-se da punição o mais rapidamente possível,
deverá ser livre para mudar no devido timing: quanto mais puder se ajustar à realidade do mercado,
fugindo à punição, mais o mercado ganha em eficiência alocativa. Assim se ligam os pontos entre a
Teoria da Informação e a lógica de Hayek.

A linguagem do mercado, a capacidade da fonte receptora e a informação de que o inesperado


informa sobre o mundo, corno facilmente se percebe, são elementos basilares na Teoria da Informação
que, subjacentes à idéia de Hayek, nesta estão bastante presentes, ou seja: são deduções que
concordam que redução de entropia é igual a ganho de informação. Portanto, ganhar informação é
ajustar o mapa ao território, mesmo implicando em perda de certezas, no sentido apontado por
Kolmogorov-Sinai. Além disso, o que une a epistemologia de Hayck à Teoria da Informação é a idéia
do conhecimento fragmentário: se economistas ou técnicos conhecessem todas as aspirações dos
indivíduos, não haveria distanciamento entre seus desejos e o que é produzido; da mesma forma, a
necessidade do ajuste inexistiria. Por outro lado, se houvesse conhecimento total, não haveria qualquer
Teoria da Informação, vez que, não havendo informação inesperada, o conhecimento seria completo,
nada restando a informar. Portanto, o inesperado informa cm ambas as teorias: se para a Teoria da
Informação é o inesperado, para Hayck é a frustração de expectativas; ora, somente é frustrada a
expectativa diante de resultados inesperados~ do contrário, não haveria frustração' Deduz-se que,
frustrada a expectativa, é imprescindível a liberdade para ajustar··Se, com o que o sistema ganha em
eficiência: é na defesa desta idéia que Hayek fundamenta seu pensamento epistemológico. Entretanto,
para que se entenda esta defesa sem cair em discussões estéreis, é necessário conhecer como se
formou seu pensamento filosófico.

HAYEK E A ANÁLISE DO FENÔMENO COMPLEXO


O simples fato de que é impossível explicar as causas de certos fenômenos através do
instrumental teórico possuído, significa que o uso do mesmo instrumental não explica todos os
fenômenos observados; aliás, como bem aponta Hayek (1967: 6), seria imensa a tarefa de explicar
todos os eventos e atitudes vivenciados, mesmo na vida diária, afirmação que implica em dizer que
qualquer ação admite regras por sua utilidade, sem qualquer preocupação com seu entendimento;
mas, se aprofundada a análise, vê-se que o princípio hayekiano diz respeito à impossibilidade de
atenção a todas as características existentes nos fenômenos.
Para ele, a dedução não gera nova informação, pois só há nova informação e novo
conhecimento quando passível de ajustar se às proposições já conhecidas ou propostas e aos
fenômenos observados. Ajustar nova proposição a qualquer fenômeno, portanto, equivale a justapor
o mapa ao território ali representado, pois, quanto mais ajustado o mapa ao território, mais se ganha
informação: afinal, ganho de informação é apreensão do mundo, pois, como ressaltou Korzybski, "o
mundo é, a princípio, desconhecido" (1958: 63).
Apreender o mundo é ganhar informação, mesmo quando signifique, também, perda de
certeza quanto aos conceitos anteriores, conforme já apontou Kolmogorov-Sinai; mas, na realidade,
a interpretação do mundo c seu ajustamento acontecem perante a observação dos fatos e a tentativa
de explicá·-los. A questão não se prende, portanto, à discussão da dualidade entre essencialismo e
instrumentalismo, mas, sim, na lógica conceitual de que, qualquer que seja o procedimento, as
posturas de pensamento não podem ser vistas como totalizantes e auto suficientes. O conhecimento
teórico sobre as causas é sempre incompleto, sendo que a utilização deste conhecimento como
instrumental não elimina, per se, a possibilidade da ocorrência de situações inesperadas no uso de
tais ferramentas, devido à impossibilidade do conhecimento total de todas as variáveis e todos os
desdobramentos daí decorrentes.
Sendo limitado o conhecimento possuído sobre os eventos c sobre as variáveis que os
compõem, a lógica racional do método dedutivo deixa de ser ferramenta de criação de conhecimento,
tomando-se limitador dele; daí Hayek sugerir que o método indutivo é superior ao dedutivo, já que a
observação dos fatos particulares permite deduzir, deles, um modelo de explicação; porém, ele é
extremamente cauteloso quando cita o método indutivo como forma de criar novo conhecimento,
sobrepondo atenção especial aos modelos teóricos de explicação científica: uma lei, um princípio
científico, para ele, não é lei geral e absoluta, mas explicação geral para o modelo onde tais variáveis
estão presentes, nas situações observadas.
Isso posto, uma lei científica será vista como tal somente quando observadas as condições
que possibilitam explicar os resultados e seu processo, ou seja: a explicação, explícita
intrinsecamente na lei, diz que eventos esperar e que eventos não esperar frente ao mecanismo
observado e às causas motivantes, bem como à conseqüente composição das variáveis observadas
no evento. Hayek cita o mecanismo postulado, fornecendo nova informação por indicar a série de
"eventos que podemos esperar" (1967: 11).
Essa qualidade de podermos definir que tipo de eventos esperar não só ajusta a informação
- o mapa ao território - como, também, informa o que não esperar: ao informar, principalmente, o que
não se pode esperar num momento em que tudo se espera, passa a existir a possibilidade da
produção de novo conhecimento, já que surgem nichos para novas observações e explicações.
É justamente o que contraria as expectativas que vai levar à análise: se das coisas
conhecidas partíssemos para as desconhecidas e, em função daquelas, estas fossem atingidas,
nada alteraria o procedimento; a verificação de que os fatos observados se ajustam às estruturas
teóricas provindas do conhecimento anterior, evidentemente, não muda a cognição; já a existência
de resultados inesperados permite interrogar: quando será possível esperar tais fatos?
Por outro ângulo, saber-se-á que não se podem esperar fatos novos quando presente a
premissa comum que o modelo teórico explica por completo, já que a verificação demonstra o grau
de falibilidade. A verificação da tese, portanto, fornecerá os fatos previstos em seu enunciado, além
da série de fatos que não ocorreram: num momento, a hipótese é generalizante e suficiente, mas
sujeita à aparição de fatos que a negam ou a limitam -o que implica dizer que, no momento da
construção da tese, não eram conhecidos e, se conhecidos, não eram conhecidas suas
propriedades, pois, do contrário, o fenômeno negado já faria parte do enunciado em suas devidas
proporções; tal desconhecimento, testado pela verificação dos fatos, gerará informação, embora
limitada aos eventos desconhecidos e analisados na busca da forma de explicá-los.
Portanto, se o método dedutivo parte de princípios preexistentes e a observação dos fatos -
ou seja: do particular para o geral (indutivo) é subestimada, o método dedutivo pode se mostrar
limitador da criação de informação. Assim, levado ao extremo, o método dedutivo - portanto racional-
tem como premissa que as coisas só existem quando incorporadas ao pensamento; penso, logo
existo é seu dogma, o que significa afirmar que o que não é incorporado ao pensamento não faz
parte do mundo cognitivo.
Mas coisas existem, mesmo sem a presença do raciocínio enquanto conceito aristotélico: os
sentidos informam e também são reais; daí que a verificação do mundo e as teorias que se aplicam
ou não em tais casos é que fornecerão o ordenamento do mundo ao indivíduo. O ordenamento
racional também pode criar estruturas lógicas; mas é somente quando confrontado com a realidade
que permitirá a verificação da existência de distorções teóricas, bem como a necessidade de adaptá-
las.
Dessa forma, a teoria, nascida pela análise amostral e generalizada, mostra-se mais
produtiva ao explicar, pelo menos, uma parcela típica do comportamento de um evento - o que
esperar e o que não esperar naquela estrutura- sobrepondo-se à lógica baseada em verdades
condicionais que, porventura, possam existir ou não.
É a realidade, mesmo quando observada em seu aspecto particular, que vai ajustar ações e
fatos, possibilitando criar modelos de explicação para casos específicos e todos os seus similares --
o que torna possível afirmar que, em determinado pattern, tal mecanismo funciona, noutro não.
Hayek, desta feita, limita o poder da racionalidade em função de sua visão não-aristotélica, afirmando
que não existe propriedade absoluta dos elementos, já que não existe conhecimento totalizante: é
aqui que a superioridade do raciocínio sobre os sentidos fica obscurecida e improvável, partindo daí
sua crítica a Descartes.
Por outro lado, se a observação do particular aplicada ao geral é o modo pelo qual se cria
informação, da mesma forma a verificação entre o que se pode e o que não se pode esperar
somente será possível se for permitido a cada um que verifique se seu mapa corresponde ao
território, ou seja: para que se torne possível verificar e adquirir novo conhecimento frente à estrutura
do mundo, necessário será também que todos sejam livres para buscar tal verificação; decorre daí o
princípio de liberdade de escolha que Hayek vai defender, bem como o princípio da concorrência
como processo de descoberta, via feedback negativo.

A CONCORRÊNCIA COMO PROCESSO DE


DESCOBERTA
Hayek, frente à conclusão de que a racionalidade não permite a identificação dos eventos de
forma completa ou, ainda, o desenvolver de todos os valores das variáveis envolvidas e todas as
relações imbricadas num determinado evento, aponta a liberdade de escolha e ação como fruto do
processo de ajustamento do agente frente a seu meio. "O mapa não é o território" (KoRZYBSKI, 1958:
58). A liberdade de ação e escolha permite que o indivíduo busque atender às suas expectativas e
desejos.
Uma coisa, porém, são os desejos e planos para atendê-los, outra é a realidade do
desenvolvimento das ações na busca de tais resultados, bem como os resultados efetivamente
alcançados.
Hayek entende que, sendo impossível conhecer todos os resultados, acontecerá certa ordem
espontânea, em função de desenvolvimentos e resultados não previstos, mas que decorrem das
ações; em outras palavras: pari passu é reconhecido que o mapa não é o território; ao ajustá-lo, vê-
se que a projeção obtida também não é total: assim, ao reajustar atitudes, tornam-se possíveis novos
reajustamentos, num processo contínuo e dinâmico.
Do ponto de vista econômico propriamente dito, há aspirações de lucro, de mercados, de
sucesso empresarial e um portfólio de planos para executá·· los: há o mapa; a liberdade de mercado
permite executar os planos, bem como verificar os resultados de sua aplicação; ao se verificar que
alguns deles não coincidem com o mapa, impondo a necessidade de ajuste à interface almejada -·
benefício do lucro, ou da compra económica, ou qualquer outra - sob pena de não atingi-la, ocorre
contínuo processo de reajustamento, pois a liberdade de mercado permite que todos saiam a campo,
conforme se depreende do princípio do feedback negativo.
Ora, este princípio nada mais é que a criação de informação no processo concorrencial. Por
exemplo: esperando-se aferir, numa atividade, um lucro de dez por cento, utiliza-se o material x e a
estratégia y para atingi-lo; se atingido, significa que a estratégia y funcionou e que a utilização do
material x foi correta; entretanto, tal fato em nada acrescentará enquanto informação sobre o
mercado, a nào ser a confirmação do esperado, o que nada mais é que feedback positivo --
informação redundante, antecipadamente possuída, que se confirmou. Mas, se, em se aplicando o
mesmo material e estratégia, os objetivos buscados não são atingidos, obter·-se-á a sinalização ou
os indícios sobre erros, falhas, enganos quanto à estrutura e ou funcionamento do mercado.
Ora, o melhor ajustamento da interpretação à realidade factual é nada mais que ganho de
informação, pois, diante das expectativas frustradas, ganha-se a informação fornecida pelo evento
inesperado, que nada mais é que a confirmação que a visão de mundo adotada tem algo de errado,
necessitando descobrir o que é e ajustar-se, então. O sistema de concorrência, portanto, é processo
de criação informacional, na qual os eventos inesperados informam sobre as incorreções de
expectativas: eis o princípio do feedback negativo, de que Hayek fala.
O melhor ajustamento da percepção em decorrência da realidade factual é nada mais que
ganho de informação; mas, ao mesmo tempo, é perda frente às certezas absolutas: este o princípio
de Kolmogorov-Sinai. Contudo, é imperioso admitir que o sistema concorrencial só pode informar se
o conhecimento que se têm da realidade é incompleto e limitado; do contrário, nem a concorrência,
nem qualquer outro sistema organizacional ou de ordem, espontânea ou não, informará, pois a
informação já estará completa em sua gênese: eis aí a chave filosófica em que Hayek se apóia para
contestar o racionalismo - por conseqüência o positivismo, bem como o socialismo.
Portanto, sua crítica ao socialismo não se volta contra as idéias sociais de igualdade entre os
homens, ou contra qualquer outro ideário de justiça económica e social, mas, sim, contra o sistema
socialista, o que decorre de sua consciência e formação filosófica, que afirma que o homem não é
capaz de prever todos os desenvolvimentos que as ações humanas causam e, portanto, a limitação
da liberdade lhe impede que trate de modo adequado os desenvolvimentos imprevistos que, pela
impossibilidade humana de prevê-los, a teoria ou a norma não considerou.

IDEÁRIO LIBERAL, ORDEM ESPONTÂNEA, ERROS


DO RACIONAL-SOClALISMO
A ordem espontânea e a organização

Para que se entenda o ideário liberal de Hayek em função da sua lógica filosófica -- a
impossibilidade do indivíduo conhecer todos os fatos relevantes pertinentes ao evento-- é preciso
interpor alguns conceitos desenvolvidos por ele para, então, ligar-se todos os fios deste raciocínio,
tecendo a necessária rede coesa de conexões.
O primeiro conceito que se interpõe é o de ordem. Para Hayek:

“"ordem" é uma condição em que múltiplos elementos de vários tipos se encontram de tal
maneira relacionados entre si que, a partir de nosso contato com uma parte espacial ou temporal
do todo, podemos aprender a formar expectativas corretas com relação ao restante ou, pelo
menos, expectativas que tenham probabilidade de se revelar corretas” (1985: 36).

Portanto, ordem é uma estrutura de inter-relações, das quais é possível depreender


comportamentos, de tal maneira que, observada concretamente por amostragem, pode-se deduzir o
comportamento geral; no entanto, frente à falibilidade das previsões, só é possível prever
probabilisticamente e, após verificar ocorrências e não ocorrências, proceder-se aos ajustes
necessários.
Hayek vai mais além, definindo dois tipos de ordem, a saber: ordem espontânea e ordem
artificial, organização.

Vejamos algumas reflexões de Hayek:

“Vivendo como membros da sociedade e dependendo, para a satisfação da maior parte de


nossas necessidades, de várias formas de cooperação com os demais, necessitamos claramente,
para alcançar nossos objetivos, que as expectativas referentes às ações dos demais ··-nas quais se
baseiam nossos planos correspondam àquilo que eles realmente farão. Essa correspondência cntf(;
as intenções e as expectativas que determinam as ações de diferentes indivíduos é a forma em que
a ordem se manifesta na vida social; e nos concentraremos de imediato na questão de como surge
essa ordem (1985: 37); [ ... ] a ordem feita, a que já nos referimos como uma ordem exógena ou
uma ordenação, pode ainda ser designada como uma construção, uma ordem artificial ou,
especialmente quando estamos tratando de uma ordem social dirigida, como uma organização. Por
outro lado, a ordem resultante da evolução, a que nos referimos como autogeradora ou endógena,
tem sua designação mais adequada na expressão ordem espontânea. O grego clássico tinha uma
vantagem: possuía palavras distintas para designar os dois tipos de ordem, a saber: taxis, para uma
ordem feita, uma ordem de batalha, por exemplo, e kosmos, para uma ordem resultante de
evolução, tendo originalmente significado '"uma ordem correta num estado ou comunidade" O '185:
38); [ ... ] em outras palavras, a ordem será sempre uma adaptação a grande número de jatos
particulares que ninguém conhecerá em sua totalidade” (1985: 43- grifos meus).

Como podemos notar, a ordem espontânea é uma ordem de reações mais ou menos
previsíveis, onde se baseiam as atitudes de cada agente. No entanto, a ordem que os agentes
pretendem conhecer não é totalmente conhecida, de forma que, a cada decepção de expectativa --
feedback negativo-, os agentes estarão reformulando seu agir e tenderão sempre à reformulação,
pois ninguém na sociedade possui o conhecimento completo, uma vez que a sociedade, sendo um
conjunto de variáveis, torna extremamente complicado·-quando possível- prever todos os seus
desenvolvimentos.
Esta é a realidade no mundo informacional da atualidade, o da informática; embora os
modelos de simulação ocupem papel preponderante em cenários que procuram prever ao máximo
todos os tipos de ordenamento, utilizando-se, até, para tanto, da lógica dos fractais, não chegam a
resultados plenamente satisfatórios, em função düs inúmeros desenvolvimentos que o inesperado
pode causar; portanto, a ordem das ações e suas previsões surgem da interpretação de pequenas
parcelas dos fatos, pois, da totalidade, tem-se apenas pequena noção.
A ordem organizacional, no entanto -aquela proveniente dos regulamentos explícitos, ou que
Hayek chamou de ordem artificial -, é o estabelecimento, principalmente, de normas de conduta que
buscam assegurar o mínimo indispensável de previsibilidade, em que se torna possível alguma
cooperação social: as expectativas podem ser frustradas com relação a uma coisa, mas não a
princípios basilares- para as quais a ordem organizacional deve primar. Em outras palavras:

"as reações dos indivíduos ao que ocorre em seu ambiente só precisam ser semelhantes sob
certos aspectos abstratos, para garantir que resulte determinada ordem global" (HAYEK, 1985: 46).

Hayek bem frisa este ponto: a lei deve ser severa para os que a descumprem, mas deve
preservar direitos individuais de livre escolha; a lei deve garantir a ordem mínima para que exista
cooperação, pois o Estado, ao regular toda a atividade, estará cerceando a possibilidade dos
indivíduos criarem a ordem espontânea, que é fruto da informação e decorre da atividade livre e do
fato de conferir que o mapa não é o território, fazendo os devidos ajustes. Hayek explicita este ponto
em várias obras, especialmente em Direito, Legislação e Liberdade, onde argumenta:

A estrutura da sociedade moderna alcançou o grau de complexidade que tem, e que supera
de muito qualquer outro que poderia ter sido alcançado mediante organização intencional,
justamente por não depender de organização, tendo-se desenvolvido, ao contrário, como uma
ordem espontânea. [ ... ] Veremos que é impossível não só substituir a ordem espontânea por
organização e ao mesmo tempo utilizar ao máximo o conhecimento disperso de todos os seus
membros, como também aperfeiçoar ou corrigir essa ordem nela interferindo por determinações
diretas. [ ... ] Este é o cerne da argumentação contrária à "interferência" ou "intervenção" na
ordem do mercado. Essas determinações isoladas que exigem ações específicas dos membros da
ordem espontânea jamais poderão aperfeiçoar essa ordem -- levando ao contrário,
necessariamente, a seu rompimento -·porque serão endereçadas a uma parte de um sistema de
ações interdependentes, determinadas por informação e guiadas por propósitos só conhecidos pelos
vários indivíduos em ação, mas não pela autoridade dirigente. [ ... ] Portanto, o que a
argumentação geral contra a "interferência" implica é que, embora possamos empenharmo-nos em
aperfeiçoar uma ordem espontânea pelo exame e retificação das normas gerais sobre as quais se
fundamenta, e possamos suplementar seus resultados pelos esforços de várias organizações. não
nos é possível aperfeiçoar os resultados mediante normas específicas que privem seus membros da
possibilidade de usar seu conhecimento em função de seus propósitos (1985: 52-3- grifos meus).

Eis aí o cerne da questão: a ordem organizacional, que aqui é sinônimo de conjunto de


normas regulamentares, ou seja, organização, deve reger as previsões de comportamentos mínimos
capazes de garantir a ordem satisfatoriamente; mas ela não é capaz de criar nova informação no
sistema. É o indivíduo, na sua ação, que criará esta informação, ao verificar que, estando suas
expectativas frustradas, descobrirá novas implicações pertinentes, que lhe farão propenso à
mudança de comportamento.
A informação correta do que é o território é que permite a nova informação, bem como os
ajustamentos a ela. Mas, por se tratar de processo dinâmico, a informação do sistema também é
volátil e dinâmica: o agente económico necessita estar em constante aferição, colhendo novas
informações e ajustando-se, para o que é necessária a liberdade de ação.
Como nenhuma autoridade reguladora permite tal flexibilidade, as diferenças entre o mapa e
o território tendem a aumentar e, quando possível, o ajuste é feito de fmma tão violenta que pode pôr
em risco a própria ordem, dada a magnitude da reformulação: por isso, Hayek é contrário à lógica
regulatória e positivista e ao socialismo. Por fim, ressalte-se que, na defesa dessa ordem, Hayek
também defende uma política antitruste e antimonopolista, que os defensores do discurso neoliberal
comente esqueceram-se de frisar e seus opositores primam por esquecer.
A defesa da ordem espontânea de Hayek diz respeito à liberdade de escolha- por
conseguinte, liberdade de ação- criando .. no meio social, informação c ajustamentos a ela; assim
como o governo regulatório impede a dinâmica veloz, o sistema monopolista e oligopolista a
prejudica, já que as liberdades de escolha também são relativamente tolhidas por estratégias
monopolistas.
Hayek, ao falar das patentes ( 1980: 113-5), diz que estas não devem ser objecto de
exclusividade: deve-se definir o que deve ser protegido e o que não deve sê-lo; na verdade, marcas
de comércio, patentes e outros artificiais têm sido usados mais para arrancar gordos privilégios que
para manter qualquer racionalidade de mercado, protegendo a recompensa pelos riscos da pesquisa
científica.
Assim, tudo o que tolhe a plena mobilidade de fatores e de agentes económicos é censurado
por Hayek, não apenas o cerceamento de liberdade que tipifica o socialismo: eis aí um ponto
epistemológico para reflexão.
O pensamento de Hayek não é unilateral: ele aborda a liberdade de escolha em ambos os
lados, afirmando que um monopólio não é capaz de conhecer todas as variáveis possíveis que
podem envolver a produção de um artigo, mesmo que conheça por completo a forma que,
atualmente, o produz; mas afirma, também, que nenhum governo é capaz de regulamentar todas as
possibilidades produtivas de uma sociedade.
A liberdade em fazer e ou inovar é fruto, também, da liberdade de escolha: quando se
concedem privilégios especiais, impedindo a inovação em detemünados setores, pode-se criar um
protecionismo descabido, cerceando as possibilidades inventivas de uma sociedade ·-e a criação de
informação do sistema económico toma-se menor do que poderia ser.

O feedback negativo e o sistema de preços


Hayek, ao desenvolver a lógica do feedback negativo, afirma que o mercado é a arena onde
consumidores e produtores se digladiam, um querendo o menor custo possível, outro o melhor lucro
possível; quando as ações correspondem às expectativas, há a manutenção da ordem regular; no
entanto, à medida que expectativas são frustradas, ocorre o reajustamento dos agentes, pois as
informações relevantes para a execução dos planos distam das constantes nas expectativas.
Por outra forma: a verificação que o mapa do agente não é o território de fato o obriga a
mudar de postura; do contrário, será punido por manter-se equivocado, salvo se seus erros disserem
respeito, exclusivamente, a interfaces diversas da sua. Na média geral, quando os agentes se
enganam c se fntstram quanto ao preço praticado ou comprado, é esse processo de frustração de
expectativa que informa o agente e ajusta o preço. Frustração de expectativa, portanto, se
assemelha a eventos inesperados pois, caso contrário, não frustraram expectativas e comporiam
parte dos planos.
Decorre que evento inesperado, ou ordem não calculada c desconhecida, descoberta a
posteriori, equivale à criação de informação, para o que o agente econômico precisa conferir se seu
mapa- rol de expectativas sobre preços de insumos e preços finais esperados, por exemplo -
corresponde a seu território - mercado onde atua ou permite a prática de tais preços; ao perceber
que o mapa não é o território, estará criada a informação para o agente que, devido a seus ajustes,
gerará informação para outros agentes em nichos correlacionados de mercado: enfim, o sistema
estará melhor informado. Como a ferramenta para tanto é o sistema de preços, a liberdade de
escolha deve ser preservada, combatendo-se qualquer elemento que a cerceie.
Resulta, assim, que a concorrência é processo de descoberta, como anteriormente afirmado.
Hayek aponta:

A freqüente recorrência desses imerecidos golpes de infortúnio que afetam um grupo é, no


entanto, parte inseparável do mecanismo de orientação do mercado: é a maneira como atua o
princípio cibernético de feedback negativo para manter a ordem do mercado. Só por meio dessas
mudanças, que indicam que algumas atividades precisam ser reduzidas, podem os esforços de todos
ajustar-se, com regularidade, a uma variedade maior de fatos do que é possível a qualquer pessoa
ou instituição conhecer, conseguindo-se essa utilização de conhecimento disperso em que se funda
o bem-estar da grande Sociedade (1985: 115).

Mas como aferir o conhecimento de cada um? Como regular tanto conhecimento disperso
em sociedade? Para tanto, se fazem necessárias interfaces unificadoras que, para o mercado, são
os custos de produção e os preços praticados, a margem de lucro possível e a taxa de lucro- ou taxa
de retomo do capital.
Ora, quem dá todos esses referenciais, no final das contas, é o preço de venda, obedecidas
as fontes de apuração custo/lucro: o sistema de preços, portanto, é o elemento aferidor dessas
informações, e se constitui na interface unificadora da comunicação mercadológica.
Assim, Hayek continua:

A principal causa do caráter gerador de riqueza do jogo é que os retornos dos esforços de
cada jogador atuam como sinais que lhe indicam como contribuir para a satisfação de necessidades
de que não tem conhecimento, e fazê-lo aproveitando-se de condições que também só conhece
indiretamente, através do reflexo destas nos preços dos fatores de produção que utiliza. Trata-se,
pois, de um jogo produtor de riqueza porque fomece, a cada jogador, uma informação que lhe
permite satisfazer necessidades de que não tem conhecimento direto, por meios cuja existência
ignoraria se não houvesse tal jogo, ocasionando assim a satisfação de uma maior gama de
necessidades do que seria possível de outro modo (1985: 139-40).

Portanto, para satisfazer às aspirações de uma clientela, não é preciso necessariamente


conhecer-se as preferências culturais de cada um de seus indivíduos, suas vulnerabilidades, valores
mais profundos, crenças religiosas --- ainda que isso fosse desejável e possível - ou qualquer outra
informação de característica similar; precisa-se, sim, sem dúvida alguma, interpretar os sinais que o
mercado de fatores e produtos disponibiliza e disponibilizará, interpretação esta que será muito mais
objetiva e pragmática pela análise dos preços, do tempo de realização do capital e de seus retornos:
se a variação de preços ou o prazo de realização não se mostrar fator de motivação, pelo menos
sinalizará que algo está errado, e que alguma informação não condiz com a realidade.
O preço e a dificuldade em efetivar a venda da mercadoria são sinais que indicam a
necessidade de investigar; portanto, tempo de realização e preço são os fatores que montam o
termómetro que diz quando se deve pesquisar, porque existem erros. Em se considerando que os
custos dos insumos são dados pelos preços dos fatores de produção; que o retomo é dado pelo
preço que o mercado aceita; que o prazo de realização tem, no componente preço, uma de suas
principais determinantes, então é possível generalizar que o sistema de preço é o termômetro dos
retornos e da exatidão das atitudes no mercado.

O sistema de preços e o sistema planificado

Ao contrário do sistema de livre merca.do aconselhado por Hayek, que é livre de oligopólios
e de qualquer outro cerceamento, e onde os ajustes podem ser feitos imediatamente segundo os
interesses da cada um, existe o sistema planificado ou regulado, que é passivo de um conjunto de
medidas - que podem ser nominativas ou sistêmicas- e que regula a oferta e a produção; todavia, o
sistema planificado pressupõe a superioridade de metas sobre o acaso e uma administração
científica, partindo do pressuposto de que os conhecimentos são suficientemente estruturados e os
resultados são, de certa forma, previamente conhecidos. O acaso é mero detalhe.
Por outro lado, não há o sistema de preço em sua forma pura (quando ele existe): daí que
os sinais que ele indica pouco informam, em função da pequena liberdade de ação dos agentes.
Dessa forma, o pre~~o de fatores ou o preço de produtos pouco significará como referencial de
ajuste, vez que a significância de uma alteração de preço para o livre mercado carrega informações
peculiares e, para o sistema planejado, carrega outras, que daquelas distam qualitativa e
quantitativamente.
Por fim, reafirme-se que a concorrência e o livre jogo das forças de mercado permitem
mostrar se o mapa está em acordo ou desacordo cum o território, ou, nas palavras de Hayek, "quais
planos estão errados" (1985: 141).
O sistema de preço é o veículo ideal e tudo que o cerceia impede a aferição fidedigna:
portanto, a oposição de Hayek à economia planificada reside em sua crença filosófica, que afirma
que não se pode observar todas as variáveis dos fenômenos e conhecer todos os seus
desenvolvimentos ou toda a ordem que decorre deles, já que há fenômenos que são frutos da ação,
mas não do desejo humano; assim, o indivíduo, ou agente econômico, precisa ajustar-se conforme
as imposições da ordem espontânea, gerada num contínuo processo de sintonia com a realidade.
Quando um grupo de planejadores, ou uma pessoa, define um método de produção
utilizando-se de determinado método por imposição, tem limitadas as possibilidades de ajuste às
realidades geradas; assim, quanto mais rígido o planejamento, mais tempo demanda o ajuste e maior
o volume das discrepâncias; daí que o ajuste tende, quando ocon·e, a aproximar-se mais de um
colapso do que em ambiente de mercado livre. Para Hayek (1980: 50), não é possível a um grupo ou
a uma só pessoa possuir todo o conhecimento sobre fatos relevantes de hora c local pertinentes à
produção, com o que a possibilidade de ajuste as melhores condições fica cerceada.

O uso do conhecimento na sociedade


Friedrich A. Hayek

Qual é o problema que buscamos resolver quando tentamos construir uma ordem econômica
racional? Partindo de alguns pressupostos amplamente aceitos, a resposta é bastante simples.

Se detivéssemos todas as informações relevantes, se pudéssemos tomar como ponto de


partida um sistema de preferências estabelecido, e se tivéssemos completo conhecimento dos meios
disponíveis, o resto do problema seria simplesmente uma questão de lógica. Ou seja, a resposta para
a pergunta por qual é o melhor uso dos meios disponíveis está implícita em nossos pressupostos.

As condições que devem ser satisfeitas para a solução desse problema ideal foram
completamente analisadas e podem ser melhor expostas em um modelo matemático: sucintamente,
diríamos que as taxas marginais de substituição entre quaisquer dois bens ou fatores devem ser as
mesmas independentemente dos seus diferentes usos.

Este, no entanto, decididamente não é o problema econômico que a sociedade enfrenta; e o


cálculo econômico que desenvolvemos para resolver esse problema lógico, embora seja um importante
passo na direção da solução do problema econômico da sociedade, não oferece ainda uma resposta
para ele. O motivo disto é que os "dados" totais da sociedade a partir dos quais são feitos os cálculos
econômicos nunca são "dados" a uma única mente para que pudesse analisar as suas implicações —
e nunca serão.

O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional se caracteriza justamente


pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias sob as quais temos de agir nunca existe de forma
concentrada e integrada, mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e
frequentemente contraditório, distribuídos por diversos indivíduos independentes. O problema
econômico da sociedade, portanto, não é meramente um problema de como alocar "determinados"
recursos — se por "determinados" entendermos algo que esteja disponível a uma única mente que
possa deliberadamente resolver o problema com base nessas informações.

Em vez disso, o problema é como garantir que qualquer membro da sociedade fará o melhor
uso dos recursos conhecidos, para fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos conhecem.
Ou, colocando sucintamente, o problema é a utilização de um conhecimento que não está disponível
a ninguém em sua totalidade.

O caráter fundamental desse problema tem sido, infelizmente, obscurecido, e não iluminado,
por muitos dos recentes refinamentos na teoria econômica, e em particular pelos usos variados da
matemática. Embora o problema de que eu queira tratar primordialmente nesse artigo seja o problema
da organização de uma economia racional, para seguir esse caminho precisarei de repetidamente
chamar atenção para as ligações íntimas que esse problema possui com certas questões
metodológicas.

Muitos dos argumentos que pretendo apresentar são, de fato, conclusões alcançadas por meio
de diferentes caminhos de raciocínio que inesperadamente convergiram. Mas, do modo como eu hoje
entendo essas questões, essa convergência não é uma coincidência. Parece-me que muitas das
divergências que surgem tanto no campo da teoria econômica quanto no da política econômica
possuem uma origem comum em uma má compreensão da natureza do problema econômico da
sociedade. Essa má compreensão, por sua vez, se deve a uma aplicação indevida de hábitos mentais
desenvolvidos para lidar com problemas da natureza aos fenômenos sociais.

II

Na linguagem comum, definimos a palavra "planejar" como o conjunto das decisões inter-
relacionadas relativas à alocação dos nossos recursos disponíveis. Toda atividade econômica, nesse
sentido, é planejamento; e, em qualquer sociedade em que várias pessoas colaborem, o planejamento,
independentemente de quem o faça, terá de basear-se em certos conhecimentos; e esses
conhecimentos não estarão disponíveis em primeira instância para o planejador, mas antes para
alguém que deverá retransmiti-los ao planejador. Os vários modos pelos quais o conhecimento chega
às pessoas que o utilizam para elaborar seus planos é um problema crucial para qualquer teoria que
almeje explicar o processo de mercado; e o problema de qual é melhor meio de utilizar o conhecimento
que está inicialmente disperso entre várias pessoas independentes é pelo menos um dos principais
problemas para a política econômica — ou para qualquer tentativa de conceber um sistema econômico
eficiente.

A resposta para essa pergunta está intimamente relacionada com outra questão que emerge
aqui: a de quem está planejando. Toda a divergência sobre "planejamento econômico" parte dessa
questão. Não está em discussão se se deve planejar ou não, mas sim se o planejamento deve ser feito
de forma centralizada, por uma autoridade única para todo o sistema econômico, ou se ele deve ser
dividido entre vários indivíduos. No sentido específico em que o termo é utilizado nas controvérsias
contemporâneas, planejamento significa necessariamente planejamento central — direcionar todo o
sistema econômico de acordo com um projeto unificado. A competição, por outro lado, significa uma
descentralização do planejamento, que será realizado por muitas pessoas independentes. O caminho
do meio entre essas duas posições — muito falado, mas pouco apreciado quando visto em prática —
é a delegação do planejamento para certas indústrias organizadas, isto é, a instituição de monopólios.

A questão de qual desses sistemas será mais eficiente depende principalmente da questão de
qual deles podemos esperar um uso mais completo do conhecimento existente. E isto, por sua vez,
depende de se nós temos uma probabilidade maior de conseguir colocar todo o conhecimento que
está disperso entre vários indivíduos à disposição de uma autoridade central, ou de dar aos indivíduos
um conhecimento adicional suficiente para que eles se tornem capazes de integrar os seus planos aos
dos outros.

III

Ficará imediatamente evidente que, neste ponto, a resposta será diferente de acordo com os
diferentes tipos de conhecimento; e a resposta para a nossa pergunta irá, consequentemente, voltar-
se para a importância relativa de diferentes tipos de conhecimento; aqueles que mais provavelmente
estarão à disposição de indivíduos particulares, e aqueles que teríamos mais certeza de encontrar na
posse de um órgão constituído por especialistas bem escolhidos. Se hoje em dia é tão amplamente
aceito que a segunda opção é preferível, isto ocorre porque um tipo de conhecimento — o
conhecimento científico — ocupa nos dias de hoje um lugar tão proeminente na imaginação pública
que chegamos a esquecer que esse não é o único tipo de conhecimento relevante. Pode-se admitir
que, em relação ao conhecimento científico, um órgão com um punhado de especialistas bem
escolhidos seja a melhor opção para melhor dominar o conhecimento disponível — embora isso,
obviamente, seja meramente trocar um problema por outro: o problema de como escolher esses
especialistas. O que desejo frisar é que, mesmo presumindo que esse problema pudesse ser
imediatamente resolvido, ele seria apenas parte de um problema maior.

Hoje é quase uma heresia sugerir que o conhecimento científico não corresponde à totalidade
do conhecimento. Mas um pouco de reflexão irá mostrar que, sem sombra de dúvida, existe um corpo
importantíssimo de conhecimento desorganizado que não pode ser chamado de científico, entendendo
"científico" como o conhecimento de certas regras gerais: o conhecimento de certas circunstâncias
particulares de tempo e lugar. É em relação a isso que praticamente todo indivíduo tem alguma
vantagem comparativa em relação a todos os outros, pois ele possui informações únicas sobre que
tipos de usos benéficos podem ser feitos com certos recursos; usos estes que só acontecerão se a
decisão de como utilizá-los for deixada nas mãos desse indivíduo ou for tomada com sua cooperação
ativa.
Basta apenas nos lembrarmos do quanto precisamos aprender em qualquer profissão depois
de termos completado nossa formação teórica, quão grande é a parte da nossa vida profissional em
que passamos aprendendo habilidades específicas, e quão valioso, em todas as circunstâncias da
vida, é o conhecimento das pessoas, das condições locais e de certas circunstâncias especiais.
Conhecer e saber operar uma máquina que não estava sendo adequadamente explorada, ou explorar
a habilidade de alguém que poderia ser mais bem aproveitado, ou estar consciente de um excedente
de reservas que pode ser usado durante uma interrupção temporária do fornecimento é tão útil
socialmente quanto o conhecimento das melhores técnicas alternativas. O transportador que ganha
sua vida descobrindo como melhor aproveitar seu espaço de carga que ficaria vazio, o agente
imobiliário cujo conhecimento consiste quase que exclusivamente em encontrar oportunidades
temporárias, ou o indivíduo que faz arbitragem, que lucra a partir das diferenças locais entre os preços
de certos bens — todos eles realizam trabalhos eminentemente úteis que são baseados em um
conhecimento especial das circunstâncias de um momento fugidio, desconhecido por outros.

É curioso que nos dias de hoje esse tipo de conhecimento seja amplamente menosprezado, e
que as pessoas que fazem uso dele para alcançarem privilégios sobre pessoas com melhor preparo
teórico ou técnico sejam vistas quase como se estivessem fazendo algo desonrado. Mas, embora
conquistar privilégios usando um conhecimento superior quanto às condições de comunicação e
transporte seja visto como algo quase desonesto, a verdade é que, para a sociedade, é quase tão
importante fazer o melhor uso possível dessas oportunidades quanto das últimas descobertas
científicas.

Esse preconceito tem uma influência considerável sobre o fato de as pessoas costumarem
adotar uma atitude mais desfavorável em relação ao comércio do que em relação às atividades
produtivas. Mesmos os economistas que se crêem totalmente imunes às rasas falácias materialistas
do passado constantemente cometem os mesmos erros em relação às atividades relacionadas à
aquisição de conhecimento prático — e o motivo disso parece ser que, segundo o modo como eles
vêem o mundo, esse tipo de conhecimento já deveria estar "dado" em vez de ser algo que precise ser
buscado. A idéia mais comum na atualidade parece ser a de que todo conhecimento desse tipo deveria
estar constantemente disponível para todo mundo e, como isso não ocorre, critica-se a ordem
econômica atual por ser supostamente irracional. Essa concepção ignora o fato de que o método de
tornar esse conhecimento amplamente disponível é precisamente o problema que precisamos
resolver.

IV

Se hoje em dia está na moda minimizar a importância do conhecimento das circunstâncias


particulares de tempo e espaço, isso se deve em grande medida à pouca importância dada à questão
da incerteza em si mesma. De fato, parte dos pressupostos (que geralmente estão apenas implícitos)
adotados pelos "planejadores" diferem dos seus oponentes tanto em relação à capacidade de
mudanças imprevistas causarem alterações substanciais nos planos de produção quanto em relação
à frequência com que isso ocorre. Evidentemente, se fosse possível fazer previamente planos
econômicos detalhados para períodos significativamente longos, e depois segui-los à risca, de modo
que nenhuma outra decisão econômica importante fosse necessária, a tarefa de elaborar um
planejamento completo para toda a atividade econômica não seria algo tão inatingível.

Talvez valha a pena frisar que os problemas econômicos surgem sempre e exclusivamente
em decorrência de mudanças. Enquanto as coisas continuam exatamente como estavam antes — ou
ao menos quando elas prosseguem de acordo com o que se esperava delas — então não surgirão
novos problemas que exijam soluções, não havendo, portanto, necessidade de que se elabore um
novo planejamento. A crença de que a mudança — ou ao menos os pequenos ajustes cotidianos —
se tornou menos importante nos tempos modernos parte do princípio de que a contenção dos
problemas econômicos também se tornou menos importante. Por esse motivo, as pessoas que
costumam menosprezar a importância da incerteza são as mesmas que argumentam que as questões
econômicas já não são tão importantes quanto o conhecimento tecnológico.

Será verdade que, graças ao sofisticado aparato da indústria moderna, só é preciso tomar
decisões econômicas em intervalos longos; como na hora de decidir se uma nova fábrica deve ser
construída, ou um novo procedimento deve ser introduzido? É verdade que, uma vez que uma fábrica
tenha sido construída, o resto é mais ou menos mecânico, determinado por suas características,
deixando pouco a ser mudado para adaptar-se às eternas flutuações de cada momento?

A experiência prática dos empreendedores, até onde eu a conheço, não sustenta essa crença
amplamente aceita. Pelo menos nas áreas que são competitivas — e apenas essas áreas servem de
modelo para essa questão — a tarefa de impedir os custos de subir exige um luta constante, que
absorve grande parte da energia do administrador. É fácil para um administrador ineficiente gastar as
pequenas sobras de onde saem os lucros; é um lugar-comum da experiência empresarial que, com as
mesmas condições técnicas, a mesma produção pode ser feita dentro de uma variedade enorme de
custos — mas isso não é igualmente conhecido pelos que estudam apenas economia. O próprio desejo
— frequentemente declarado pelos produtores e engenheiros — de ser autorizado a fazer seus
projetos sem considerações financeiras é um testemunho eloquente do poder que esses fatores
exercem sobre seu trabalho diário.

Um dos motivos para a crescente incapacidade dos economistas de atentarem para as


constantes pequenas mudanças que compõem o todo da atividade econômica é provavelmente o fato
de que eles estão cada vez mais preocupados com dados estatísticos, que passam uma imagem muito
mais estável da economia do que os pequenos movimentos diários. No entanto, a relativa estabilidade
dos grandes dados estatísticos não pode ser explicada — como os estatísticos frequentemente querem
fazer crer — pelas "leis dos grandes números" ou pela mútua compensação de pequenas mudanças
aleatórias. O número dos elementos com que eles lidam não é grande o suficiente para que essas
forças acidentais produzam estabilidade. O contínuo fluxo de bens e serviços é mantido por ajustes
deliberados e constantes, por novas decisões tomadas diariamente à luz de circunstâncias que eram
desconhecidas até o dia anterior, pela decisão de B de entrar em cena quando A deixa de executar o
seu papel. Mesmo a maior e mais mecânica das fábricas segue adiante em grande parte por causa de
um ambiente que pode lhe prover todas as suas demandas inesperadas: novas telhas para seu
telhado, papéis para seus documentos, e todos os mil e um tipos de equipamentos que não podem ser
produzidos pela própria fábrica, mas que, para que ela continue a funcionar, precisam estar facilmente
disponíveis no mercado.
Nesse instante, devo brevemente observar que o tipo de conhecimento de que tenho tratado
é de um tipo que, por sua própria natureza, não pode ser transposto para dados estatísticos e que, por
isso, não pode ser colocado à disposição de uma autoridade central que delibere a partir de
levantamentos estatísticos. As estatísticas que essa autoridade teria de utilizar surgiriam exatamente
por meio das abstrações das pequenas diferenças entre as coisas, juntando como se fossem
elementos de um só tipo itens com diferentes características de lugar, qualidade e outras
características particulares, que seriam muito importantes para tomar uma decisão específica.
Consequentemente, planejamento central baseado em informações estatísticas, por sua própria
natureza, não pode levar em consideração diretamente as circunstâncias de tempo e lugar, precisando
encontrar algum jeito de essas decisões serem deixadas para alguém que esteja no local.

Se pudermos convir que o problema econômico da sociedade é basicamente uma questão de


se adaptar rapidamente às mudanças das circunstâncias particulares de tempo e lugar, parece ser
evidente que, por consequência, as decisões fundamentais devem ser deixadas a cargo de pessoas
que estejam familiarizadas com essas circunstâncias, que possam conhecer diretamente as mudanças
relevantes e os recursos imediatamente disponíveis para lidar com elas. Não podemos esperar que
essa problema seja resolvido por meio da transmissão de todo esse conhecimento para um diretório
central que, depois de ter integrado todo esse saber, emita uma ordem. Precisamos da
descentralização porque apenas assim podemos garantir que o conhecimento das circunstâncias
particulares de tempo e lugar sejam prontamente utilizados. Mas o homem que está dentro de uma
situação particular não pode tomar decisões com base apenas em seu conhecimento dos fatos
relativos aos seus arredores imediatos, pois, apesar de este ser um conhecimento íntimo, é também
limitado. No entanto, persiste o problema de como transmitir a esse homem informações suficientes
para que ele seja capaz de encaixar suas decisões no padrão geral das mudanças do sistema
econômico como um todo.

De quanto conhecimento ele precisa para ser bem sucedido nisso? Quais dos eventos que
acontecerão além do seu horizonte imediato de conhecimento são relevantes para sua decisão
imediata, e quão bem ele precisa conhecer esses eventos?

Praticamente não há nada que ocorra no mundo que não possa influenciar a decisão que ele
precisa tomar. Mas ele não precisa conhecer esses eventos em si mesmos, nem precisa conhecer
todos os seus efeitos. Para ele, não é importante saber o porquê de um certo tipo de parafuso estar
sendo mais procurado em uma época específica, ou por que os sacos de papéis estão mais facilmente
disponíveis que os sacos de lona, ou por que trabalhadores especializados ou máquinas específicas
momentaneamente se tornaram difíceis de encontrar. Tudo que ele precisa saber é quão mais ou
menos difícil está a aquisição de certas coisas em relação a outras coisas que também lhe interessam,
ou se a demanda por outras coisas que ele produz ou usa é mais ou menos urgente. Ele sempre está
preocupado com a importância relativa de coisas particulares, enquanto os fatores que alteram essa
importância relativa não lhe interessam de forma alguma, exceto na medida dos próprios efeitos
causados sobre as coisas concretas do seu ambiente.

É em relação a isso que aquilo que chamei de "cálculo econômico" nos ajuda, ao menos por
analogia, a entender como esse problema pode ser resolvido — na verdade, como ele já está sendo
resolvido — pelo sistema de preços. Mesmo se existisse uma única mente controladora que possuísse
todos os dados sobre um sistema econômico pequeno e restrito, ela não iria dar-se ao trabalho de
repassar por todas as relações entre fins e meios que talvez possam ser afetadas a cada vez que
algum pequeno ajuste na alocação recursos fosse feito. De fato, uma das grandes contribuições da
lógica pura da escolha é ter demonstrado conclusivamente que mesmo uma única mente onisciente
só poderia resolver esse tipo de problema por meio da construção e da constante utilização de taxas
de equivalência (ou "valores" ou "taxas marginais de substituição"), ou seja, por meio da atribuição de
um índice numérico a cada tipo de recurso que, sem ser derivado de nenhuma propriedade dessa
coisa em particular, ainda refletisse ou condensasse sua relevância na estrutura total dos meios e fins.
Para cada pequena mudança, ela teria que considerar apenas esses índices quantitativos (ou
"valores"), no qual a informação relevante estaria concentrada; e, ao ajustar as quantidades uma a
uma, ela poderia reorganizar todos os elementos sem precisar retomar todo o quebra-cabeça desde o
início nem precisar parar a cada etapa para analisar novamente todos os elementos e suas
ramificações.

Basicamente, em um sistema no qual o conhecimento dos fatos relevantes está disperso entre
várias pessoas, os preços podem servir para coordenar as diferentes ações de várias pessoas do
mesmo modo como os valores subjetivos ajudariam aquela mente onisciente a coordenar as diferentes
partes do seu plano. Vale a pena contemplar por um instante um exemplo muito simples e comum do
sistema de preços em ação para ver exatamente o que ele pode fazer. Suponha por um instante que,
em algum lugar do mundo, uma nova oportunidade de usar alguma matéria prima surgiu — tomemos
o estanho como exemplo — ou então que alguma das fontes de estanho tenha sido eliminada. Para o
nosso exemplo não importa — e é muito significativo que isso não importe — qual dessas duas causas
tenham aumentado a escassez de estanho. Tudo que os usuários de estanho precisam saber é que
parte do estanho que eles costumavam consumir agora está sendo usado com mais proveito em outro
lugar e, em decorrência disto, eles precisam ser mais econômicos em seu uso.

Não é preciso nem que boa parte deles saiba de onde essa demanda mais urgentemente
surgiu, nem mesmo em prol de quê eles irão poupar esses recursos. Basta que alguns deles saibam
diretamente da existência da nova demanda e transfiram recursos para ela, que algumas outras
pessoas percebam o vazio que foi então criado e ajam para preenchê-lo com recursos de outras fontes,
e então o efeito irá rapidamente se espalhar por todo o sistema econômico, influenciando não apenas
todos os usos do estanho, mas também os usos dos seus substitutos, e dos substitutos desses
substitutos, assim como a oferta de todas as coisas feitas de estanho, e a dos seus substitutos dessas
coisas, e assim por diante; e tudo isso ocorre sem que a grande maioria daqueles que realizam essas
substituições saiba nada sobre a causa original dessas mudanças. O todo age como se fosse um único
mercado, mas isso não ocorre porque cada um dos seus membros pôde analisá-lo como um todo, mas
sim porque os campos limitados da visão de cada um tinham alcance suficiente para que, através de
inúmeros intermediários, a informação relevante fosse comunicada para todos. O mero fato de que há
um preço para cada bem — ou, melhor dizendo, que cada preço local está ligado de certa forma com
o custo de transportá-lo para esse local, e assim por diante — traz a mesma solução que uma única
mente dotada de todas as informações (embora ela seja apenas uma possibilidade imaginária) teria
alcançado, ainda que essas informações na verdade estejam dispersas entre todas as pessoas
envolvidas no processo.

VI

Precisamos entender o sistema de preços como um mecanismo de transmissão de


informações para podermos entender sua verdadeira função — uma função que ele cumpre
evidentemente com menos perfeição na medida em que os preços se tornam mais rígidos. (Mas
mesmo quando preços tabelados se tornam extremamente rígidos, as forças que normalmente
atuariam causando mudanças no preço permanecem agindo, exercendo uma influência considerável
sobre as mudanças em outros aspectos dos contratos). O principal aspecto desse sistema é a
economia de conhecimento com que ele opera; ou, em outros termos, é quão pouco os participantes
individuais precisam saber para ser capazes de tomar as decisões corretas. De forma abreviada, por
meio de um certo tipo de símbolo, apenas a informação mais essencial é transmitida adiante, e apenas
para aqueles que estão interessados nela. Não seria apenas uma metáfora se disséssemos que o
sistema de preços é tipo um caixa registrador, ou um sistema de telecomunicações que permite aos
produtores individuais observar apenas o movimento de alguns fatores — do mesmo modo como um
engenheiro pode se concentrar apenas nos consoles de alguns mostradores — para adaptar as suas
atividades às mudanças que eles conhecem apenas a partir do que é mostrado pelo movimento dos
preços.

Evidentemente, esses ajustes provavelmente nunca são "perfeitos" no sentido de perfeição


que os economistas utilizam em suas análises sobre o equilíbrio econômico. No entanto, temo que
nosso hábito teórico de abordar cada problema com a presunção de um conhecimento mais ou menos
perfeito da parte de quase todos os envolvidos quase nos tenha cegado para a verdadeira função do
mecanismo de preço, levando-nos a aplicar de forma enganosa padrões inadequados para julgar sua
eficiência. É maravilhoso que em uma situação na qual haja escassez de um tipo de matéria prima,
sem que nenhuma ordem seja dada, sem que talvez não mais que um punhado de pessoas saibam a
causa dessa escassez, dezenas de milhares de pessoas cujas identidades jamais serão conhecidas,
mesmo depois de meses de investigação, começam então a utilizar essa matéria ou seus subprodutos
de maneira mais econômica; ou seja, todas elas agem na direção correta. Isto, em si mesmo, é
suficientemente maravilhoso; mesmo que, em um mundo de incertezas constantes, nem tudo consiga
se organizar tão perfeitamente para que suas porcentagens de lucros se mantenham constantemente
no mesmo nível considerado "normal".

Usei deliberadamente a palavra "maravilha" para chocar o leitor e retirá-lo da complacência


com que costumamos dar como certo o funcionamento desse mecanismo. Estou convencido de que
se isso fosse o resultado de um projeto humano consciente, e que as pessoas guiadas pelas mudanças
dos preços soubessem que suas decisões possuem uma importância muito maior do que a realização
dos seus fins imediatos, então esse mecanismo seria louvado como um dos maiores triunfos da mente
humana. O seu azar é duplo: nem ele é o fruto de um projeto humano, nem as pessoas guiadas por
ele costumam entender por que elas fazem as coisas que são levadas a fazer. Mas aqueles que
clamam por uma "direção consciente" — e que não podem acreditar que algo que tenha sido criado
sem um planejamento (e, de fato, sem que nem mesmo alguém o compreendesse como um todo)
possa resolver problemas que nós mesmos não podemos resolver conscientemente — devem lembrar-
se do seguinte: o problema é precisamente de como expandir a extensão da utilização dos recursos
além da extensão do entendimento de um único indivíduo; e, portanto, trata-se de um problema de
como administrar a necessidade de controle consciente, e de como dar incentivos para os indivíduos
tomarem as decisões desejáveis sem que alguém lhes diga o que fazer.

O problema de que estamos tratando aqui de forma alguma diz respeito exclusivamente à
economia, pois ele surge junto com quase todos os outros verdadeiros fenômenos sociais, com a
linguagem e boa parte da nossa herança cultural, constituindo de fato o problema central de toda
ciência social. Como Alfred Whitehead disse, em relação a outra coisa, "Um truísmo profundamente
falso, repetido por todos os manuais e nos discursos das pessoas eminentes, diz que devemos cultivar
o hábito de pensar sobre o que estamos fazendo. O oposto é que é verdadeiro. A civilização progride
quando aumentamos o número de trabalhos importantes que podemos realizar sem pensar neles".
Isso possui uma profunda importância no campo social. Usamos constantemente fórmulas, símbolos
e regras cujo significado não entendemos, mas por meio dos quais podemos ter acesso a
conhecimentos que, individualmente, não possuímos. Criamos essas práticas e instituições tomando
como base os hábitos e instituições que se mostraram bem sucedidos em suas próprias esferas e que
se tornaram a fundação em cima da qual construímos a civilização.

O sistema de preços é apenas uma dessas criações que o homem aprendeu a usar (embora
ele ainda esteja longe de ter aprendido a usá-lo perfeitamente), depois que se deparou com ele, mesmo
antes de entendê-lo. Por meio dele não apenas a divisão de trabalho, mas também o uso coordenado
de recursos baseado em conhecimentos amplamente divulgados se tornam possíveis. As pessoas que
gostam de ridicularizar qualquer sugestão de que é assim que as coisas funcionam distorcem nosso
argumento ao insinuar que estamos dizendo que é por algum milagre que um sistema como esse se
desenvolveu espontaneamente, tornando-se o mais adequado para a civilização moderna. Trata-se
exatamente do contrário: o homem pode criar essa divisão do trabalho sobre a qual a nossa civilização
se sustenta justamente porque ele se deparou com um método que a tornou possível. Caso isso não
tivesse ocorrido, ele talvez tivesse desenvolvido um tipo inteiramente diferente de civilização, talvez o
"Estado" dos cupins, ou outra coisa totalmente inimaginável. Tudo que podemos dizer é que até agora
ninguém conseguiu produzir um sistema alternativo no qual certas características do sistema existente
— que são respeitadas mesmo por aqueles que o atacam violentamente — possam ser preservadas,
especialmente em relação à capacidade do indivíduo de escolher seus objetivos e, consequentemente,
de dispor livremente de suas habilidades e conhecimento.

VII

Por vários motivos, é ótimo que a necessidade do sistema de preços para qualquer cálculo
racional em uma sociedade complexa já não seja mais objeto de discussão apenas entre grupos com
opiniões políticas distintas. A tese segundo a qual sem o sistema de preços nós não poderíamos
preservar uma sociedade baseada numa divisão de trabalho tão extensiva quanto a nossa foi recebida
com gritos de chacota quando Mises a apresentou há vinte e cinco anos. Hoje os argumentos que
alguns ainda apresentam para rejeitar essa tese não são mais exclusivamente políticos, e isso cria
uma atmosfera muito mais receptível a discussões ponderadas. Quando vemos Leon Trostky
argumentando que o "cálculo econômico é inimaginável sem as relações de mercado"; quando o
professor Oscar Lange promete ao professor von Mises uma estátua de mármore no futuro Diretório
de Planejamento Central, e quando o professor Abba P. Lerner redescobre Adam Smith, enfatizando
que a utilidade essencial do sistema de preços consiste em induzir o indivíduo a fazer aquilo que é do
interesse geral no instante em que busca realizar seus próprios interesses, então, as divergências já
não podem ser atribuídas a preconceitos políticos. Os dissidentes restantes parecem claramente
divergir dessa posição por motivos puramente intelectuais e, mais particularmente, por causa de
diferenças metodológicas.

Uma declaração recente do professor Joseph Schumpeter em seu "Capitalismo, socialismo e


democracia" fornece um exemplo perfeito dessas diferenças metodológicas que tenho em mente. O
autor é um dos economistas mais proeminentes entre aqueles que analisam o fenômeno econômico a
partir de algum ramo do positivismo. Para ele, esses fenômenos surgem por consequência do mútuo
efeito exercido por certas quantidades objetivas de bens, quase como se não houvesse intervenção
alguma de mentes humanas. Apenas por causa desses pressupostos, posso compreender a
declaração seguinte — e, para mim, espantosa. O professor Schumpeter argumenta que a
possibilidade do cálculo racional na ausência de um mercado para os fatores de produção é uma
decorrência da proposição teórica segundo a qual "os consumidores que estão avaliando
(demandando) os bens de consumo ipso facto também estão avaliando os meios de produção que
entram na produção daqueles bens".[1]

Tomada literalmente, essa declaração é simplesmente falsa. Os consumidores não fazem


nada disso. O que o "ipso facto" do professor Schumpeter provavelmente significa é que a avaliação
dos fatores de produção está implícita, ou que se segue necessariamente, da avaliação dos bens de
consumo. Mas isso também não é verdadeiro. A implicação é uma relação lógica que só pode ser
afirmada com segurança a partir de pressupostos que estejam para o mesmo indivíduo. É evidente,
no entanto, que os valores dos fatores de produção não dependem exclusivamente da avaliação dos
bens de consumo, mas também das condições de fornecimento dos vários fatores de produção.
Apenas um único indivíduo que conhecesse todos esses fatores simultaneamente poderia encontrar
uma resposta derivada diretamente desses dados. O problema prático surge, no entanto, precisamente
porque esses dados nunca estão inteiramente disponíveis para um único indivíduo, e porque, por
consequência, é necessária para resolver esse problema a utilização de conhecimentos que estão
dispersos por vários indivíduos.

O problema, portanto, não estaria de forma alguma resolvido se demonstrássemos que todos
os dados, se estivessem disponíveis para uma única mente (como hipoteticamente estariam para o
economista que observasse o problema), iriam por si mesmos determinar a solução; ao invés disso,
precisaríamos demonstrar como uma solução poderia ser produzida pela interação entre as pessoas
que, individualmente, possuem apenas um conhecimento parcial. Presumir que todo o conhecimento
possa ser colocado à disposição de uma única mente, do modo como presumimos que ele pode estar
disponível para nós, como economistas dedicados a analisar uma questão, equivale a fugir do
problema e menosprezar tudo que é importante e relevante no mundo real.

Que um economista da estatura do professor Schumpeter tenha caído em tal armadilha por
causa da ambiguidade que o termo "dado" tem para os incautos dificilmente poderia ser considerado
um simples erro. Isto sugere, de fato, que há algo de fundamentalmente errado com uma abordagem
que frequentemente despreza uma parte essencial dos fenômenos com os quais temos que lidar:a
inevitável imperfeição do conhecimento humano e a necessidade decorrente de um processo por meio
do qual o conhecimento seja constantemente adquirido e transmitido. Qualquer abordagem — como
grande parte da economia matemática com suas várias equações simultâneas — que parta do
pressuposto de que o conhecimento das pessoas corresponde aos fatos objetivos de cada situação,
irá sistematicamente deixar de lado aquilo que é a nossa principal tarefa explicar. Estou longe de negar
que, em nosso sistema, a análise do equilíbrio econômico tem uma atividade útil a desempenhar, mas
quando chega o ponto em que ela ofusca nossos principais intelectuais, fazendo-os acreditar que a
situação que estão descrevendo tem uma relevância direta para a solução de problemas práticos, está
mais que na hora de nos lembrarmos que esse tipo de análise não lida com o processo social de forma
alguma, e de que isso não é mais do que uma etapa preliminar para a investigação do problema
principal.

[1] Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia [Capitalism, Socialism, and Democracy (New
York; Harper, 1942), p. 175]. O professor Schumpeter é, me parece, o responsável pela criação do
mito segundo o qual Pareto e Barone teriam "resolvido" o problema do cálculo econômico no
socialismo. O que eles e muitos outros fizeram foi apenas elencar as condições que deveriam ser
satisfeitas para uma alocação racional de recursos, e observar que essas condições eram
essencialmente as mesmas do estado de equilíbrio de um mercado competitivo. Isso é inteiramente
diferente de saber como a alocação de recursos segundo essas condições pode ser observada na
prática. O próprio Pareto (de quem Barone praticamente tomou quase tudo que tinha a dizer), longe
de declarar ter resolvido esse problema prático, de fato, negou explicitamente que ele poderia ser
resolvido sem o auxílio do mercado. Vejam o seu Manuel d'économie pure (2d ed., 1927), pp. 233–34,
["Manual de economia pura"]. As passagens relevantes estão citadas em uma tradução inglese no
início do meu artigo Socialist Calculation: The Competitive 'Solution' ["O cálculo socialista: a 'solução'
competitiva"] in Economica, New Series, Vol. VIII, No. 26 (May, 1940), p. 125.].

De Volta ao Debate Sobre o Planejamento


Socialista – Cálculo, Complexidade e
Planejamento
Paul Cockshott e Allin Cottrell

Este artigo oferece uma reavaliação do debate sobre o cálculo socialista e examina até que
ponto as conclusões desse debate deveriam ser modificadas sob a luz do desenvolvimento
subsequente da teoria e da tecnologia da computação. Após uma introdução às duas
principais perspectivas sobre o debate que foram oferecidas até o momento, examinamos
o argumento clássico de von Mises contra a possibilidade de cálculo econômico racional sob
o socialismo. Discutimos a resposta dada por Oskar Lange, junto dos contra-argumentos à
Lange do ponto de vista austríaco. Finalmente, apresentamos o que chamamos de
“resposta ausente”, isto é, uma reafirmação do argumento marxiano clássico por um
cálculo econômico em termos de tempo de trabalho. Argumentamos que o cálculo por
tempo de trabalho pode ser defendido como um procedimento racional, quando
complementado por algoritmos que permitam que a escolha dos consumidores guie a
alocação de recursos, e que tal cálculo é tecnicamente viável com o tipo de maquinário
computacional atualmente disponível no Ocidente, com uma escolha cuidadosa de
algoritmos eficientes. Nossa argumentação vai no sentido oposto das discussões recentes
sobre planejamento econômico, que continuam afirmando que a tarefa seria de
complexidade insolucionável.

“A produção socialista só poderia parecer racionalmente realizável se fornecesse uma unidade de


valor objetivamente reconhecível, o que permitiria o cálculo econômico em uma economia onde nem
o dinheiro nem trocas estivessem presentes. Somente o trabalho poderia ser concebivelmente
considerado como tal [unidade]”

(Ludwig von Mises, 1935: p. 116)

1. Introdução
Este artigo oferece uma reavaliação do debate sobre o cálculo socialista das décadas de 1920
e 30, e examina até que ponto as conclusões alcançadas nesse debate devem ser modificadas sob a
luz do desenvolvimento da teoria e da tecnologia da computação desde aquela época. O artigo está
organizado da seguinte forma: Após uma breve introdução às duas principais perspectivas sobre o
debate que foram oferecidas na literatura até o momento, examinamos na seção 2 o argumento
clássico de von Mises contra a possibilidade de qualquer tipo de cálculo econômico racional sob o
socialismo. A seção 3 discute a resposta a Mises e Hayek dada por Oskar Lange; também
consideramos nessa seção os contra-argumentos a Lange que foram feitos do ponto de vista austríaco,
incluindo os argumentos de Don Lavoie. A seção 4 apresenta o que chamamos de “resposta ausente”,
isto é, uma reafirmação do argumento marxiano clássico por um cálculo econômico em termos do
tempo de trabalho. Ou seja, nós endossamos a afirmação feita por Mises que tomamos como nossa
epígrafe, mas contestamos sua visão de que o cálculo por tempo de trabalho seria impraticável.
Especificamente, argumentamos (A) que o cálculo do tempo de trabalho pode ser defendido como um
procedimento racional, particularmente quando complementado por algoritmos que permitam que a
escolha dos consumidores guie a alocação de (um subconjunto de) recursos econômicos, e (B) que
tal cálculo é agora tecnicamente viável, com o tipo de maquinário computacional atualmente disponível
no Ocidente, com uma escolha cuidadosa de algoritmos eficientes.

Nosso argumento, portanto, vai no sentido oposto das discussões sobre planejamento
econômico em décadas recentes, que continuam afirmando que a tarefa seria de complexidade
insolucionável (por exemplo, Nove, 1983). A seção final apresenta nossas conclusões.

Talvez devêssemos também apontar aquilo de que este documento não trata: embora nós
defendamos uma versão do planejamento socialista contra o desafio austríaco, está além de nosso
escopo oferecer um argumento completo e positivo pelo socialismo (ou uma crítica socialista completa
do capitalismo). [1] No entanto, acreditamos que tal argumento pode ser estabelecido e tentamos fazê-
lo em outro lugar. [2]

1.1. As Duas Histórias do Debate


Antes de nos envolvermos com a essência do argumento austríaco, vale a pena observar as
duas principais interpretações do debate que foram oferecidas até o momento. Podemos chamá-las
de Versão Padrão e de Versão Revisada. Por Versão Padrão, nos referimos àquela apresentada por
vários autores neoclássicos proeminentes no início do período do pós-guerra, especialmente Bergson
(1948), Schumpeter (1954) e Samuelson (1948). Tomando Bergson como um exemplo típico dessa
abordagem, a ordem dos eventos é basicamente a seguinte: [3]

1. Na primeira década do século XX, Pareto e Barone demonstraram a equivalência formal entre
a alocação mais eficiente [ou “ótima”] de recursos em uma economia socialista e o equilíbrio
de um sistema de mercado perfeitamente competitivo. Em ambos os casos, seria necessária
a solução das equações do equilíbrio geral walrasiano.
2. Em 1920, Mises afirma a impossibilidade do cálculo econômico racional sob o socialismo. Isso
parecia intrigante: por acaso ele desconhecia os resultados de Barone? Se Mises estivesse
afirmando a impossibilidade lógica de se alcançar o equilíbrio geral sob o socialismo, mesmo
considerando informações completas sobre as avaliações dos consumidores sobre os diversos
bens, juntamente com o conhecimento detalhado das técnicas de produção e de “capacidades
lógicas” ilimitadas entre os planejadores, então seu argumento seria “facilmente descartável”-
na verdade, já havia sido respondido antecipadamente. Talvez então ele estivesse na verdade
argumentando que, embora o cálculo racional fosse logicamente possível sob o socialismo,
não haveria “nenhuma maneira prática de realizá-lo”.
3. Esta segunda posição foi adotada por Hayek no livro de 1935 em que re-imprimiu o artigo de
Mises junto de dois ensaios próprios: os austríacos, desse modo, recuaram de uma alegação
forte e insustentável sobre a impossibilidade, para uma afirmação mais fraca sobre como o
cálculo socialista enfrentaria dificuldades práticas – na realidade, afirmava-se que os
socialistas não seriam capazes de resolver todas as equações necessárias, enquanto que o
mecanismo de mercado o seria.
4. Esta posição enfraquecida dos austríacos foi então atacada com sucesso por Lange em 1938,
quando ele demonstrou que os socialistas poderiam emular o leiloeiro walrasiano [4], usando
um processo de “tentativa e erro” para se chegar ao vetor de preços do equilíbrio geral. [4B]
Não seria necessário resolver todas as equações “no papel”, antecipadamente. Assim, de
acordo com a versão padrão, o debate se encerrou com uma clara derrota para os austríacos.
Havia sido demonstrado que o cálculo racional em uma economia socialista era, por assim
dizer, praticável em princípio. É claro, pode-se ter dúvidas sobre a exequibilidade real de um
sistema como o de Lange, mas era o suficiente como uma resposta teórica para Mises e
Hayek.

***

A Versão Revisada [defendida por autores da escola austríaca no final do século XX] é bem
diferente. A apresentação mais completa dessa visão foi feita por Lavoie (1985); versões anteriores
foram apresentadas por Ramsay Steele (1981) e Murrell (1983), entre outros, e, desde então, o
argumento foi ampliado por Temkin (1989).

De acordo com esta perspectiva, a crítica de Mises ao socialismo não havia sido invalidada
antecipadamente pela tese de equivalência de Barone-Pareto, e nem havia sido respondida
efetivamente por Lange. Em vez disso, os walrasianos e os austríacos estariam o tempo todo falando
sobre coisas diferentes. Durante todo o “debate”, o lado walrasiano estava pensando em termos da
obtenção do equilíbrio geral estático, enquanto os austríacos tinham um problema bem diferente em
mente, a saber, os ajustes (e a descoberta) dinâmicos diante de tecnologias e preferências em
constante mudança. De acordo com Lavoie, Mises nunca negou que o socialismo seria capaz de ter
um bom desempenho sob condições estáticas – mas que isso seria irrelevante para o mundo real.

Todo o aparato walrasiano – cuja aceitação era compartilhada por economistas socialistas
ocidentais do grupo de Lange e pelos comentaristas neoclássicos da versão padrão – serviria, na
melhor das hipóteses, para definir o ponto final [de equilíbrio geral entre ofertas e demandas de todos
os produtos], no limite do ajuste dinâmico sob o capitalismo competitivo. Mas esse limite nunca seria
alcançado em uma economia capitalista real, e nem poderia ser alcançado sob o socialismo. O
argumento da equivalência formal de Barone-Pareto seria, portanto, irrelevante para a acusação dos
austríacos de que o socialismo não seria capaz de emular efetivamente a dinâmica de ajuste das
ofertas às demandas, que a busca pelo lucro exerce em meio ao desequilíbrio dinâmico do capitalismo.

Devemos observar que na versão revisada, o “argumento computacional” é minimizado. O


problema não seria a existência de equações demais para se resolver, mas sim que as equações não
poderiam sequer serem estabelecidas. Lavoie chega a repreender Hayek por ter incluído o artigo
original (walrasiano) de Barone em seu livro de 1935, e por fazer qualquer referência à dificuldade de
se resolver “milhares de equações”. Longe de fortalecer o argumento austríaco, ao apresentar a
barreira da impossibilidade computacional Hayek teria involuntariamente desviado a atenção de seu
próprio argumento central e criado a impressão errônea de que avanços na tecnologia computacional
poderiam ter alguma influência sobre o assunto.
Como ficará evidente, desejamos contestar ambas as leituras acima do debate sobre o cálculo.
Concordamos com Lavoie que o sistema walrasiano de Lange não fornece um modelo adequado para
uma economia socialista real; por outro lado, devemos desafiar sua afirmação de que a crítica de Mises
seria efetivamente irrespondível. Em particular, procuramos estabelecer que o “argumento
computacional” é relevante e que avanços recentes na tecnologia da computação de fato tornam
possível um sistema de planejamento socialista eficaz. Começamos por oferecer nossa própria
avaliação dos argumentos originais de Mises.

2. Mises sobre a impossibilidade de cálculo socialista


Em 1920, com os bolcheviques vitoriosos na guerra civil russa e o espectro do comunismo
assombrando a Europa uma vez mais, von Mises produziu seu clássico artigo sobre o “Cálculo
Econômico na Comunidade Socialista” (von Mises (1935)). Suas afirmações eram impressionantes e,
se pudessem mesmo ser sustentadas, aparentemente devastadoras para a causa do socialismo. A
concepção marxista dominante de socialismo envolve a abolição da propriedade privada nos meios de
produção e a abolição do dinheiro, mas Mises argumentava que “cada passo que nos afasta da
propriedade privada dos meios de produção e do uso do dinheiro também nos afasta da economia
racional ” (von Mises (1935): p. 104). A economia planejada de Marx e Engels inevitavelmente se
encontraria “tateando no escuro”, produzindo “o resultado absurdo de um aparato sem sentido” (p.
106). Os marxistas contrapunham o planejamento racional à alegada “anarquia” do mercado – mas,
de acordo com Mises, tais alegações seriam totalmente infundadas; em vez disso, a abolição das
relações de mercado destruiria a única base adequada para o cálculo econômico, ou seja, os preços
de mercado. Por mais bem-intencionados que fossem os planejadores socialistas, eles simplesmente
não teriam nenhuma base para tomar decisões econômicas sensatas: o socialismo não seria outra
coisa senão a “abolição da economia racional”.

Como Mises chegou a essa conclusão? Seu argumento envolve, primeiro, uma definição do que seria
racionalidade econômica e, segundo, uma listagem supostamente exaustiva de possíveis meios de
tomada de decisão econômica racional; sua tarefa seria, então, mostrar que nenhum desses meios
poderia ser implementado sob o socialismo.

2.1. Racionalidade e máxima eficiência [5]


No que diz respeito à natureza da racionalidade econômica, está claro que Mises tem em
mente o problema de se produzir o máximo possível de efeito de utilidade (a satisfação de desejos)
com base em um dado conjunto de recursos econômicos. O problema também pode ser expresso em
termos de seu inverso: como escolher o método mais eficiente de produção para minimizar o custo
para se produzir um determinado efeito de utilidade. Mises retorna repetidamente a esta última
formulação em sua crítica ao socialismo, com os exemplos de construção de uma ferrovia ou de uma
casa: [6] Como os planejadores socialistas poderiam calcular o método de menor custo para se
alcançar esses objetivos? Nós podemos aceitar essa formulação do problema para os propósitos
atuais, enquanto deixamos observado que ela é inescapavelmente imprecisa: O que exatamente
significa a “maximização do efeito de utilidade”? Efeito de utilidade para quem, conforme definido por
quem? A formulação alternativa não escapa desse problema: se for para não levantar essa questão, o
“custo” que deve ser minimizado precisa já estar pré-definido teoricamente em termos de um efeito de
utilidade ou de satisfação de desejos.
Se alguém pretendesse argumentar que um determinado tipo de sistema econômico, digamos
S1, resolve esse problema geral de maneira mais efetiva do que outro sistema, digamos S2, então,
falando estritamente, essa pessoa seria obrigada a demonstrar que para o sistema S1 existe um
atractor que está mais próxima do ‘verdadeiro ótimo’ [ou da máxima eficiência] do que qualquer atractor
correspondente para o sistema S2. Essa pessoa precisaria, portanto, enfrentar o problema de produzir
uma definição de ‘verdadeiro ótimo‘ – e se for para definir isso em termos de satisfação máxima de
desejos, então presumivelmente seria necessário construir algum tipo de função de bem-estar social
ou função de utilidade, uma tarefa notoriamente difícil, se não quimérica – e que Mises nem tenta. Por
outro lado, se descartamos como irreal a noção de um ‘verdadeiro ótimo‘ – um padrão independente e
definitivo pelo qual os resultados de certos sistemas concretos poderiam ser julgados – então é preciso
encontrar uma base diferente para se argumentar a favor de um sistema ao invés de outros.
Descobrimos que Mises vacila neste ponto: ele quer argumentar que o capitalismo de fato chegaria
mais perto dessa otimalidade, ao mesmo tempo em que mantém à distância o tipo de teoria formal de
equilíbrio geral estático que poderia se pensar que pudesse dar sustentação para tal afirmação.
Voltaremos a este ponto na seção 2.4.

Quanto aos meios de tomada de decisão racional, Mises identifica três candidatos possíveis:
planejamento em espécie (in natura); planejamento com ajuda de uma “unidade de valor objetivamente
reconhecível” independente dos preços de mercado e do dinheiro, como o tempo de trabalho; e cálculo
econômico baseado em preços de mercado. Consideraremos separadamente cada uma destas três
possibilidades.

2.2. Planejamento em espécie (in natura)


O problema, vamos conceder por enquanto, seria decidir como implantar recursos
determinados, de modo a maximizar o efeito de utilidade resultante. Isso envolve algum tipo de
“julgamento de valor” (ou seja, avaliação do efeito de utilidade). No caso dos bens de consumo final
(na terminologia de Mises, “bens de ordem inferior“), isso é bem direto e não exige nenhum cálculo
real como tal: “Via de regra, o homem que conhece sua própria mente está em posição para avaliar o
valor de bens de ordem inferior ” (von Mises (1935): p. 96). Em sistemas econômicos muito simples,
essa avaliação imediata pode ser estendida aos meios de produção:

“Não seria difícil para um fazendeiro em isolamento econômico chegar a uma distinção entre a
expansão do pasto/agricultura e o desenvolvimento de atividade no campo de caça. Em casos desse
tipo, os processos de produção envolvidos são relativamente poucos e a despesa e a renda
acarretadas podem ser facilmente avaliadas” (von Mises (1935): p. 96).
Ou, novamente:

“Dentro dos estreitos limites da economia doméstica, por exemplo, onde o pai pode supervisionar
toda a administração econômica, é possível determinar o significado das mudanças nos processos de
produção, sem auxílios à mente [tais como o cálculo monetário], e mesmo assim com mais ou menos
precisão” (von Mises (1935): p. 102).

Nesses casos, podemos falar de planejamento em espécie, sem o intermédio de alguma


unidade contábil, como o dinheiro (ou o tempo de trabalho). O ponto é que “maçãs e laranjas” podem
ser comparadas no nível do valor de uso subjetivo – e, em casos em que a conexão entre a alocação
de meios de produção e a criação de valores de uso específicos está aparente de maneira imediata,
isso pode ser o suficiente para se alcançar eficiência.

Os limites desse tipo de planejamento em espécie são determinados pelo grau de


complexidade dos processos de produção. Em algum momento, torna-se impossível de se obter uma
visão clara das interconexões relevantes; além desse ponto, a racionalidade na alocação de recursos
requer o uso de alguma “unidade” objetiva na qual os custos e benefícios possam ser expressos.
Curiosamente, do nosso ponto de vista, a impossibilidade do planejamento em espécie para sistemas
complexos é defendida explicitamente por Mises em termos das capacidades da mente humana:

“A mente de um só homem – não importa quão astuto ele seja, é fraca demais para compreender a
importância de qualquer um entre os incontáveis bens de ordem superior [meios de produção].
Nenhum homem poderia jamais dominar todas as possibilidades de produção, inumeráveis como são,
a ponto de estar em posição de fazer julgamentos evidentes de valor sem o auxílio de algum sistema
de computação” (von Mises (1935): p. 102, ênfase adicionada).

Portanto, será que o emprego de outros meios que não mentes humanas poderia tornar
possível o planejamento em espécie para sistemas complexos? O principal argumento pró-
planejamento neste artigo envolve o uso do tempo de trabalho como uma unidade contábil (e, portanto,
não se enquadra na categoria de planejamento puramente em espécie); entretanto, gostaríamos de
sugerir que avanços em Inteligência Artificial nas últimas décadas, em particular trabalhos sobre Redes
Neurais, podem ser relevantes para esta questão. [7]

Com efeito, Mises está argumentando que a otimização em sistemas complexos


necessariamente envolve aritmética, na forma da maximização explícita de uma função objetiva
escalar (o lucro sob o capitalismo sendo o caso paradigmático). Mas o cálculo aritmético pode ser visto
como uma instância particular do fenômeno mais geral da computação ou da simulação.

O que um sistema de controle exige é a capacidade de calcular, independente do sistema de


controle em questão ser um conjunto de empresas operando em um mercado, uma agência de
planejamento, um piloto automático em uma aeronave ou um sistema nervoso de uma borboleta; não
é necessário, de maneira nenhuma, que esse cálculo prossiga por meios aritméticos. O ponto
importante é que o sistema de controle seja capaz de modelar aspectos significativos do sistema que
está sendo controlado. As empresas fazem isso por meio de controle de estoque e contabilidade, onde
registros [antigamente] no papel [e agora em seus ERPs e bancos de dados] modelam a localização e
o movimento das mercadorias. Na preparação desses registros as regras da aritmética são seguidas;
a aplicabilidade da aritmética ao problema está apoiada no fato de que a teoria dos números é um
modelo para as propriedades das mercadorias.

Por outro lado, considere um exemplo de um sistema de controle neural. Uma borboleta em
vôo precisa controlar seus músculos torácicos para direcionar seu movimento em direção a objetos,
frutas ou flores, que provavelmente lhe fornecerão fontes de energia; ao fazê-lo, é preciso calcular qual
dos muitos possíveis movimentos de asa a levará mais perto do néctar. Sequências diferentes de
movimentos musculares possuem custos diferentes em termos de consumo de energia e trazem
benefícios diferentes em termos de néctar. O sistema nervoso da borboleta tem a tarefa de realizar a
otimização com relação a esses custos e benefícios, usando métodos não-aritméticos de computação.
A sobrevivência contínua da espécie é um testemunho de sua proficiência computacional. Parece que
as redes neurais são capazes de produzir um comportamento ‘ótimo’ (ou pelo menos altamente
eficiente), mesmo quando confrontadas com restrições extremamente complexas, sem reduzir o
problema à maximização (ou minimização) de uma variável escalar.

É provável que uma agência de planejamento faça uso generalizado da aritmética e, de fato,
se alguém quiser tomar decisões localizadas sobre o uso mais eficiente de recursos por meios
aritméticos, então o argumento de Mises sobre a necessidade de converter produtos diferentes em
algum denominador comum para fins de cálculo está bastante correto. Se, no entanto, se deseja
realizar otimizações globais por toda a economia, outras técnicas computacionais podem ser mais
apropriadas – tendo muito em comum com a forma como se pensa que os sistemas nervosos
funcionam -, e estas podem, em princípio, ser realizadas sem recurso à aritmética.

É claro que seria anacrônico criticar Mises por não levar em conta desenvolvimentos da ciência
da computação que ocorreram muito depois de ele ter escrito seus artigos. Ele e Hayek provavelmente
estavam corretos ao argumentar que as propostas de planejamento em espécie oferecidas em 1919
por gente como Neurath e Bauer, com base na experiência da guerra, seriam altamente problemáticas
em condições de tempos de paz. [8] No entanto, é justo comentar sobre os críticos contemporâneos
do socialismo – que muitas vezes estão ansiosos para reciclar os argumentos de Mises – que eles não
deveriam repetir acriticamente pronunciamentos sobre o planejamento em espécie feitos antes da
compreensão científica sobre a natureza da computação. [9]

2.3. Uso do Valor-Trabalho

Tendo rejeitado a possibilidade de planejamento em espécie, Mises passa a considerar a


possibilidade de que os planejadores socialistas possam usar uma “unidade de valor objetivamente
reconhecível”, isto é, alguma propriedade mensurável dos bens, na realização de seus cálculos
econômicos.

O único candidato que Mises consegue enxergar para tal unidade é o conteúdo de trabalho
das mercadorias, como nas teorias do valor de Ricardo e de Marx. [10] No entanto, Mises rejeita o
trabalho como uma unidade de valor. Ele apresenta dois argumentos relevantes, cada um pretendendo
mostrar que o conteúdo do trabalho não pode fornecer uma medida adequada do custo de produção.
Em primeiro lugar, ele afirma que a avaliação em termos do tempo de trabalho incorporado envolve
necessariamente a negligência do custo associado ao uso de recursos naturais não-reprodutíveis. Em
segundo lugar, ele argumenta que o tempo de trabalho não é homogêneo: somar horas de trabalho
seria enganoso, diz ele, em relação às qualificações envolvidas ou à intensidade do trabalho. Numa
economia capitalista, o mercado de trabalho fornece um conjunto de salários que tornam
comensuráveis os trabalhos de qualidades diferentes; mas numa economia socialista, sem mercado
de trabalho, não poderia haver meios racionais de comensuração. Vamos lidar com esses dois pontos
aqui, deixando outros argumentos sobre a adequação dos valores-trabalho para a seção 4.2.
Discutimos a questão da qualidade do trabalho na seção 2.3.2, que mostra como o problema de Mises
pode ser resolvido por meio do cálculo de “multiplicadores de mão de obra qualificada”. Para mais
detalhes sobre essa solução e exemplos práticos do cálculo desses multiplicadores, ver o capítulo 2
de nosso livro (Cockshott, 1993).
Antes disso, porém, vale a pena apontar que a crítica de Mises ao uso do valor-trabalho é muito breve
e superficial.

Mais ou menos duas páginas de argumentos substanciais aparecem em Mises (1935) e são
reproduzidas em Mises (1951). Em ‘Ação Humana’ (Mises, 1949), o tópico é descartado em duas
frases. Isso sem dúvida reflete o fato de que, embora Marx e Engels tivessem dado grande ênfase ao
planejamento como uma distribuição do tempo de trabalho, essa concepção já havia sido mais ou
menos abandonada pelos socialistas ocidentais na época em que Mises estava escrevendo.
Voltaremos a este ponto mais abaixo.

2.3.1. A negligência do custo dos recursos naturais


Mises aceita que o conceito marxiano de valor-trabalho de fato inclui, em certo sentido, o consumo de
recursos naturais:

“Em uma primeira impressão, o cálculo em termos de valor da mão-de-obra também leva em consideração as
condições naturais e não-humanas de produção. A lei dos rendimentos decrescentes já está incluída no conceito
de tempo de trabalho médio socialmente necessário, na medida em que sua operação se deve à variedade das
condições naturais de produção. Se a demanda por uma mercadoria aumenta e recursos naturais em piores
condições precisam ser explorados, então o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma
unidade também aumenta” (Mises, 1935: p. 113).

Entretanto, ele imediatamente argumenta que isso não é suficiente. Segundo ele, não seria
racional que os “fatores materiais de produção” devessem entrar no cálculo apenas na medida em que
custam tempo de trabalho para serem extraídos da natureza. Mises dá um exemplo de duas
mercadorias, P e Q, das quais cada uma requer um total de 10 horas de trabalho para ser produzida.
Ambas as mercadorias requerem um pouco da matéria-prima “a” em sua produção, e “a”, por sua vez,
requer uma hora de trabalho por unidade produzida. A mercadoria P é produzida com 8 horas de mão
de obra direta e duas unidades do material “a”, enquanto Q requer 9 horas de trabalho direto e apenas
uma unidade de “a”. Em termos de cálculo da mão-de-obra, as duas mercadorias “custariam” o mesmo,
mas Mises afirma que P na verdade deveria ser mais valiosa que Q, devido ao fato de que ela incorpora
mais da matéria-prima natural.

À primeira vista, isso pode parecer uma falácia de non-sequitur (e se o material “a” for
praticamente inesgotável?), mas fica aparente na conclusão do argumento de Mises que ele está
falando de um material que “só está presente em tais quantidades que ele passa a estar sujeito a ser
economizado” ( 1935: p. 114) – ou seja, se trata de um recurso não-reprodutível. Lavoie (1985: pgs.
69-70) enfatiza esse ponto, argumentando que “não existe uma maneira direta pela qual o cálculo [de
tempo de trabalho] possa lidar com condições naturais de produção não-reproduzíveis.” Os
planejadores socialistas “presumivelmente teriam de desenvolver algum tipo de intermediário em
unidades de horas de trabalho para o valor de recursos não-reproduzíveis. É difícil imaginar como isso
poderia ser feito de uma maneira que não fosse completamente arbitrária”.

Não pretendemos negar que há um problema aqui. No entanto, achamos bastante digno de
nota que Mises (e seu expositor, Lavoie) falam como se esse problema fosse resolvido sob o
capitalismo. Nenhum dos dois oferece qualquer crítica à teoria ricardiana clássica, segundo a qual o
sistema de preços de mercado também não levaria em conta os recursos não-reprodutíveis. Para
Ricardo, as restrições de recursos naturais se manifestam no sistema de preços através do aumento
do custo marginal de produção – ou seja, justamente o efeito que Mises considera inadequado. [Sob
essa teoria,] para a produção intra-marginal, o preço de fato está acima do valor-trabalho, mas na
margem a renda é zero e a exploração dos recursos naturais vem de graça. (Há uma diferença aqui:
se o valor-trabalho for definido como o tempo médio de trabalho socialmente necessário, então o
cálculo do valor-trabalho vai “subvalorizar” certos produtos em relação aos preços ricardianos, mas
isso poderia ser superado através da avaliação dos produtos relevantes à partir de seu conteúdo de
trabalho marginal.)

De fato, não é raro que esses aspectos sejam piores no capitalismo. O fato de que determinado
recurso seja esgotável, em última análise, não significa necessariamente que ele esteja sujeito a
retornos decrescentes no curto prazo. Na expansão para o oeste da agricultura estadunidense, por
exemplo, a terra (geograficamente) marginal na verdade era a mais produtiva. Em tais casos, o
mercado não oferece qualquer incentivo para a conservação dos recursos; os resultados ficaram
dolorosamente evidentes no “Dust Bowl” dos anos 1930. [11] Não estamos afirmando que o cálculo do
tempo de trabalho se sairia necessariamente melhor nos casos em que o mercado fracassa na
conservação de recursos. Nós afirmamos, no entanto, que planejadores socialistas devem ser capazes
de tomar decisões mais prudentes sobre a conservação de recursos do que empresas buscando
maximizar o seu lucro. [12] Não podemos discutir este ponto em profundidade aqui; duas observações
terão que bastar. [13]

Em primeiro lugar, a autoridade de planejamento poderia estabelecer o princípio de que


sempre que ela for empregar tecnologias que consumam recursos não-reproduzíveis, ela também teria
de investir em pesquisas sobre a produção de substitutos. O montante que deveria ser realizado de
tais investimentos não tem como ser decidido por qualquer algoritmo simples (seja em sistemas de
mercado ou em sistemas planejados), mas uma vez que uma decisão seja alcançada, o custo da
pesquisa poderia ser “cobrado” das indústrias consumidoras desse recurso (ou seja, os planejadores
iriam aumentar o tempo de trabalho exigido neste esforço por todos os produtos dessas indústrias).
Aqui está uma maneira não arbitrária de trazer as considerações sobre recursos para o domínio da
contabilidade do tempo de trabalho. Mas, em segundo lugar, devemos enfatizar que não consideramos
o cálculo do tempo de trabalho como um procedimento de decisão mecânica para todas as questões
de planejamento. Uma sociedade socialista poderia abrir um debate democrático sobre tecnologias ou
projetos específicos com impactos ambientais substanciais e permitir que considerações ambientais
ficassem acima da “eficiência” medida em termos de minimização do trabalho. Não temos nenhum
problema com a idéia de que considerações ambientais e a contabilidade do tempo de trabalho não
sejam necessariamente redutíveis a um denominador comum escalar, e que o equilíbrio entre essas
considerações possa exigir julgamentos políticos sobre os quais as opiniões das pessoas podem
diferir. Mises, para seu crédito, também está bem disposto a admitir que questões ambientais
importantes também não podem ser trazidas para o âmbito do cálculo monetário – como mostra sua
discussão sobre a decisão sobre a construção de um sistema hidráulico que poderia destruir a beleza
natural de uma cachoeira – e que foi projetada para ilustrar o argumento geral de que o dinheiro “nunca
pode obter uma medida daqueles elementos determinantes de valor que estão fora do domínio das
transações de trocas” (1935: pgs. 98-99). Se para a conservação da cachoeira de Mises podemos
confiar mais em um proprietário privado que voluntariamente deixe de lado a maximização do seu
lucro, ou em um Conselho Nacional de Parques, isso é uma questão de julgamento: nos inclinamos na
direção da segunda opção.

2.3.2. A heterogeneidade do trabalho


Nas palavras de Mises, “o segundo defeito no cálculo em termos de tempo de trabalho é
ignorar as diferentes qualidades do trabalho” (1935: p. 114). Mises nota a afirmação de Marx de que o
trabalho qualificado conta como um múltiplo do “trabalho simples” (e que portanto, pode ser reduzido
a ele), mas argumenta que não haveria como efetuar essa redução a não ser através da comparação
dos produtos de diferentes trabalhos no processo de troca no mercado. Como ele apresenta o
problema:

“O que deveria ser conclusivo para decidirmos a questão sobre se a contagem em termos de trabalho
é aplicável ou não, é se existe ou não a possibilidade de trazer sob um denominador comum
diferentes tipos de trabalho sem a mediação da avaliação de seus produtos pelos sujeitos econômicos
(ibid.)”

Mises sustenta que isso não seria possível. Diferenciais salariais podem parecer oferecer uma
solução, mas o processo de equalização neste caso seria “um resultado de transações de mercado e
não o seu antecedente”. Mises assume que a sociedade socialista vai operar com uma política de
renda igualitária, então salários determinados pelo mercado não estariam disponíveis como um guia
para o cálculo. A conclusão é que “o cálculo em termos de trabalho teria que estabelecer uma
proporção arbitrária para a substituição do trabalho complexo pelo simples, o que exclui seu uso para
fins de administração econômica” (1935: p. 115).

É verdade que o trabalho não é homogêneo, mas não há justificativa para a afirmação de que
o fator de redução do trabalho complexo precisa ser arbitrário sob o socialismo. O trabalho qualificado
pode ser tratado da mesma maneira que Marx trata os meios de produção em ‘O Capital’, ou seja,
como um insumo produzido que “transfere” o trabalho incorporado para o seu produto ao longo do
tempo. Dado o tempo de trabalho necessário para produzir uma qualificação e um horizonte de
depreciação para essas habilidades, pode-se calcular uma “taxa de transferência” implícita do tempo
de trabalho incorporado nessas habilidades. Se chamarmos essa taxa, para a habilidade i, de ri, então
a mão-de-obra desse tipo deve ser contada como um múltiplo (1 + ri) da mão-de-obra simples, para o
propósito de “custear” seus produtos. É claro que a mão-de-obra necessária para a produção de
habilidades provavelmente será uma mistura de trabalho qualificado e trabalho simples, o que dificulta
o cálculo dos multiplicadores de habilidades. É necessário um procedimento iterativo [14]: primeiro
calcular as taxas de transferência como se todos os insumos fossem mão-de-obra simples, então usar
as taxas de transferência da primeira rodada para reavaliar os insumos de mão-de-obra qualificada, e
sobre essa base recompilar as taxas de transferência e assim por diante até que a convergência seja
atingida. [15]

Além da questão das habilidades que requerem trabalho para sua produção, também
reconhecemos que nem todos os trabalhadores de determinado nível de qualificação realizam o
mesmo trabalho em uma hora. Nos casos em que seja possível avaliar a produtividade individual com
algum grau de precisão, o trabalho de determinado nível de habilidade poderia ser classificado em
diferentes categorias de produtividade (digamos, acima da média, médio e abaixo da média) e
multiplicadores apropriados poderiam ser determinados empiricamente para esses níveis. Os
trabalhadores poderiam, por exemplo, ser avaliados periodicamente (por eles mesmos e por seus
pares) e receber uma nota de produtividade. Diferentemente do caso da mão-de-obra especializada
versus mão-de-obra simples, os multiplicadores neste caso poderiam ser usados razoavelmente para
determinar taxas diferenciais de pagamento. Nem todo trabalhador precisa ser um estakanovita; pode-
se escolher um ritmo de trabalho mais fácil, aceitando uma taxa de remuneração um pouco menor.

Para concluir esta seção, constatamos que as duas objeções específicas de Mises ao uso da
contabilidade do tempo de trabalho não são tão convincentes. Devemos apontar também a acentuada
assimetria nos tratamentos de Mises sobre os preços de mercado e sobre o cálculo por tempo de
trabalho. Ao discutir preços de mercado, ele está bem disposto a admitir que “o cálculo monetário tem
seus inconvenientes e defeitos sérios” – ele até discute alguns deles longamente – mas, ainda assim,
conclui que “para os propósitos práticos da vida”, tal cálculo “é sempre suficiente” (1935: p. 109). Já
ao discutir o cálculo do tempo de trabalho, ele chama a atenção para dois defeitos, mas em vez de
concluir que tal cálculo seria apenas aproximadamente válido – ou que haveria uma necessidade de
mais reflexão sobre como as questões que ele apresenta poderiam ser tratadas no contexto da
contabilidade do tempo de trabalho – ele toma esses defeitos como base para a completa rejeição da
idéia, e alega que os socialistas, portanto, não teriam nenhum meio para o cálculo econômico.

2.4. Uso de preços de mercado


Em sua discussão sobre preços de mercado, Mises está preocupado em estabelecer dois
pontos: a adequação dos preços de mercado como um meio de cálculo racional sob o capitalismo; e
como eles estariam necessariamente indisponíveis sob o socialismo. Vamos tratar um ponto por vez.

Está claro que os preços de mercado de fato fornecem uma base para o cálculo no capitalismo.
Tomando os preços como referência, as empresas são capazes de decidir sobre tecnologias de
minimização de custos e sobre quais produtos produzir entre as diversas opções, com base em sua
lucratividade. Não contestamos a alegação de Mises de que o sistema de preços possibilita uma
coordenação razoavelmente eficaz das atividades econômicas, até certo ponto. De fato, isso foi
reconhecido explicitamente (e até mesmo enfatizado) por Marx e Engels, como observamos na seção
4.1 abaixo.

Apesar de sua crítica à “anarquia” do mercado, Marx via o mecanismo de preços como levando
a um ajuste (imperfeito, embora melhor do que arbitrário) da oferta das mercadorias em linha com a
demanda, ao mesmo tempo em que força a convergência para métodos de produção que não exijam
mais do que o tempo de trabalho socialmente necessário. Tampouco afirmamos que a minimização do
custo monetário de produção ou a maximização do lucro não tenham nada a ver com alcançar
eficiência na satisfação das necessidades humanas – mas esses dois critérios são muito menos
identificados entre si do que Mises indica. Considere a seguinte passagem:

Qualquer um que deseje fazer cálculos em relação a um processo de produção complicado, perceberá
imediatamente se ele conseguiu trabalhar de maneira mais econômica que outros ou não; se ele
descobrir, tomando por referência os valores de troca obtidos no mercado, que ele não será capaz
de produzir de maneira lucrativa, isso mostra que os outros entendem como fazer um melhor uso
dos bens de ordem superior em questão (Mises, 1935: pgs. 97-8).

A pessoa à qual Mises se refere pode “perceber imediatamente” se conseguiu trabalhar de


maneira mais lucrativa do que outros ou não, mas a afirmação implícita de identidade entre o que seria
mais lucrativo e o que seria mais “econômico” (ou simplesmente “melhor”) não é justificada. [16]
Certamente, os capitalistas não podem lucrar produzindo algo que ninguém queira, ou produzindo com
uma ineficiência técnica sem sentido, mas isso não é suficiente para sustentar a afirmação de Mises.
Não seria possível reduzir o custo monetário da produção, explorando de maneira imprudente os
recursos naturais, atualmente baratos, mesmo que no longo prazo eles possam ser exauridos? Se a
produção de carros de luxo se mostra mais lucrativa do que a produção de ônibus para o transporte
público, ou do que a construção de casas para moradia, isso mostra que os carros representam um
uso melhor dos recursos? A lista de perguntas poderia seguir em frente…

Um aspecto que os socialistas frequentemente apontam como algo que enfraquece a suposta
identidade entre a busca pelo lucro e a satisfação das necessidades, diz respeito à desigualdade dos
rendimentos sob o capitalismo. A resposta de Mises a esse argumento é interessante; ele alega que a
própria noção de uma “distribuição de renda” sob o capitalismo é enganosa, baseado em que “os
rendimentos surgem como resultado de transações de mercado que estão indissoluvelmente ligadas
à produção” (1951: p. 151). [17] Para ele, não existiria algo como produzir “primeiro” e depois “distribuir”
o produto. Somente sob o socialismo poderíamos falar de uma “distribuição de renda”, decidida
politicamente como um assunto separado do plano da produção. Porém, adotar a posição de Mises –
de que a alocação do poder de compra sob o capitalismo seria um elemento endógeno ao sistema
produtivo – é admitir que a produção de mercadorias pelo lucro não é governada pela “satisfação
máxima dos desejos humanos”, a menos que se tente argumentar que os desejos humanos são
gerados numa correlação milagrosa com os rendimentos monetários.

Não é nossa intenção aqui produzir mais uma crítica ao capitalismo, já existe mais do que o
suficiente delas na literatura socialista. Apenas queremos salientar que Mises não pode ter as duas
coisas ao mesmo tempo. Se ele estiver oferecendo a defesa dinâmica, pragmática e realista do
capitalismo que Lavoie detecta e aplaude, então ele não pode contrabandear para dentro dela a
afirmação de que a maximização do lucro seria o mesmo que a maximização da satisfação das
necessidades humanas. Se essa afirmação fosse passível de ser sustentada – o que, é claro, nós
contestamos -, ela só poderia ser feita tomando por referência todo o aparato da teoria do equilíbrio
geral, junto de uma função de bem-estar social – um aparato que Mises evita deliberadamente. Em
vez disso, Mises teria de se contentar com a afirmação de que o capitalismo “funciona muito bem” de
certas maneiras, ao que os socialistas poderiam, é claro, responder que ele também funciona muito
mal de outras maneiras.

Vamos agora para a questão da indisponibilidade de preços como meios de cálculo econômico
sob o socialismo. Mises aceita que poderia haver mercados – e portanto, preços de mercado – para
bens de consumo em uma economia socialista, mas o problema viria quando a questão for os meios
de produção.

“Bens de produção em uma comunidade socialista são exclusivamente comunais; eles são
uma propriedade inalienável da comunidade e, portanto, res commercium extra” [18], escreve Mises
(1935: p. 91). E “como nenhum bem de produção jamais se tornará objeto de troca, será impossível
determinar seu valor monetário” (p. 92). Para Mises, preços significativos são necessariamente o
resultado de transações de mercado genuínas entre proprietários independentes. A característica
principal do preço ou valor de troca seria que ele “surge da interação das avaliações subjetivas de
todos os que participam nas trocas” (p. 97); somente em virtude desse fato o valor de troca “fornece
um controle sobre o emprego apropriado dos bens” (p. 97). Nós tendemos a concordar com Mises
sobre isso.
Pode haver outros meios de “controlar o emprego apropriado dos bens”, mas nós aceitamos o
conceito de Mises de preço como sendo os termos nos quais os proprietários estão dispostos a ceder
ou adquirir mercadorias. Oskar Lange, no entanto, acreditava que Mises era vulnerável precisamente
nessa questão, e fez dela o ponto de entrada para o seu ataque.

3. Oskar Lange e a resposta do “socialismo neoclássico”


“O termo ‘preço‘”, diz Lange, [19] citando a autoridade de Wicksteed, “tem dois significados.
Pode significar tanto o preço no sentido comum, ou seja, a proporção pela qual se trocam duas
mercadorias em um mercado, ou pode ter o significado generalizado de “termos sob os quais
alternativas são oferecidas”… É apenas no sentido generalizado que os preços são indispensáveis
para se resolver o problema da alocação de recursos” (1938: pgs. 59-60). Lange baseia sua defesa do
socialismo sobre a idéia de que uma economia socialista poderia operar com um sistema de preços
no sentido generalizado, imitando de certa forma o funcionamento de um sistema de mercado, mesmo
sem contar com mercados reais para os meios de produção. Vamos descrever as principais
características da posição de Lange, a fim de estabelecer um contraste com as nossas próprias
propostas, e para fornecer um contexto para os contra-argumentos austríacos que possam também
ter alguma relevância para elas.

Lange parte dos princípios do equilíbrio geral walrasiano, enfatizando o ponto de que o vetor
de preços de equilíbrio de uma economia competitiva seria determinado na condição em que ele
equilibraria a oferta e a demanda de todas as mercadorias, contanto que (a) os agentes tratem os
preços como dados e fora do seu controle e (b) que eles realizem uma otimização de maneira definida
em relação a esses preços. Dados (a) e (b), cada vetor de preços aponta para um padrão definido de
demandas ou ofertas em excesso para todas as mercadorias, e apenas um vetor de preços aponta
para o vetor zero de demandas em excesso. [20]

Não há razão para que uma economia socialista não possa explorar este princípio, argumenta
ele. O que precisaríamos é que a autoridade de planejamento definisse “preços contábeis” para todos
os meios de produção e que emitisse certas instruções aos gerentes das empresas: que tratem os
preços contábeis como dados; que escolham aquela combinação dos fatores de produção que
minimize o custo médio de produção com os preços dados; e que ajustem a produção de forma que o
custo marginal seja igual ao preço de produção. Ao mesmo tempo, os gerentes de setores industriais
inteiros deveriam seguir a última regra “como um princípio para guiá-los na decisão sobre se uma
indústria deveria ser expandida (com a construção de novas instalações ou a ampliação das antigas)
ou contraída” (1938, pgs. 77). Consumidores e trabalhadores, por sua vez, deveriam tomar suas
decisões sobre demanda e sobre a oferta de mão-de-obra, respectivamente, com base nos preços e
salários paramétricos que encontrassem.

É claro, não há garantia de que as decisões tomadas diante de qualquer vetor de preços
contábeis sejam mutuamente compatíveis. Em caso de incompatibilidade, a autoridade de
planejamento desempenharia o papel do “leiloeiro” walrasiano, elevando os preços contábeis de
mercadorias com demanda em excesso e baixando os preços daquelas mercadorias com oferta em
excesso. [21] Esse processo deveria, ao longo de várias iterações, levar ao equilíbrio geral socialista.
Não dá para negar a engenhosidade dessa “solução”. Também não é difícil enxergar a sua
vantagem tática: os economistas neoclássicos inclinados a aceitar a teoria walrasiana como uma
explicação adequada do funcionamento das economias capitalistas aparentemente se veriam forçados
a aceitar a validade do socialismo langeano, mutatis mutandis.

3.1. Alguns contra-argumentos dos Austríacos


Contra este breve esboço da proposta de Lange, vamos examinar algumas das objeções
levantadas por seus críticos na escola austríaca. Identificamos três pontos principais: a afirmação de
que a proposta de Lange comprometeria as premissas básicas do socialismo; a natureza estática da
teoria de Lange; e o problema dos incentivos.

Mises (1949, pgs. 701-2) afirma que, na definição tradicional, o socialismo envolve
necessariamente “a eliminação completa do mercado e da ‘concorrência cataláctica’”. A suposta
superioridade do socialismo se assentaria na “unificação e na centralização” inerentes à noção de
planejamento.

“É, portanto, nada menos que o reconhecimento completo da correção e da irrefutabilidade da


análise e da crítica devastadora dos economistas sobre os planos dos socialistas o fato de que os
líderes intelectuais do socialismo estão agora ocupados projetando esquemas… em que o mercado,
os preços de mercado para os fatores de produção e a concorrência cataláctica devem ser
preservados.”
Embora Lange não seja mencionado pelo nome, parece claro que esquemas como o dele são
o alvo aqui. Embora aceitemos que grande parte da literatura subsequente sobre o “socialismo de
mercado” de fato compromete o socialismo, vários argumentos podem ser apresentados em defesa
de Lange.

Em primeiro lugar, ele enfatiza que em seu sistema a distribuição de renda estaria sob controle
social e seria bem diferente daquela observada no capitalismo.

Em segundo lugar, Lange argumenta que os planejadores socialistas levariam em conta custos
e benefícios externos que são ignorados pelas empresas privadas (embora ele não diga exatamente
como).

Em terceiro lugar, embora seu sistema de certa forma emule uma economia competitiva, ele
aponta como no capitalismo real “prevalecem o oligopólio e o monopólio” (1938, p. 107), levando a
uma alocação inferior dos recursos.

Em quarto lugar, em seu Apêndice sobre a Literatura Marxista, Lange sustenta que a proposta
socialista clássica do “livre compartilhamento” de bens (nas palavras de Marx, “para cada um de acordo
com suas necessidades”) “não é, de modo nenhum, o absurdo econômico que pode parecer à primeira
vista” (p. 139). Numa economia tecnicamente avançada, o ponto de saturação pode ser alcançado
para certos bens (ou seja, o ponto em que o preço seja tão baixo que a demanda se torna “bastante
inelástica” [22]). Lange fala de um “setor socializado” de consumo; inicialmente, esse setor incluiria
principalmente as “necessidades coletivas”, mas ele continua: “É perfeitamente concebível que, à
medida que aumente a riqueza, esse setor também cresça, e um número crescente de mercadorias
seja distribuído através do livre compartilhamento até que, finalmente, todas as necessidades primárias
da vida sejam providas dessa maneira, e a distribuição pelo sistema de preços seja confinada a [bens
de] melhores qualidades e luxos” (p. 141).

Por fim, fazemos referência ao ensaio de Lange (1967) no qual ele revisita seus argumentos
de trinta anos antes. Aqui ele situa suas propostas originais – similares ao modelo de mercado –
essencialmente como um meio para resolver um sistema de equações simultâneas (aquelas da teoria
do equilíbrio geral).

Agora que os computadores eletrônicos estão disponíveis, ele diz, por que não resolver as
equações diretamente? “O processo do mercado, com seus pesados ciclos de ajustes iterativos e
parciais por tentativa e erro [23], parece antiquado – de fato, ele pode ser considerado como um
dispositivo de computação da era pré-eletrônica” (1967, p. 158). Sob essa luz, talvez seja mais
apropriado rotular as idéias de Lange como “socialismo neoclássico” em vez de “socialismo de
mercado”: está claro que ele pensava no mercado (até mesmo no seu mercado artificial de 1938)
apenas como um meio possível para se alcançar um certo tipo de otimização.

Uma segunda objeção feita pelos austríacos contra Lange diz respeito à natureza estática de
sua solução. Lavoie (1985, capítulo 4) sustenta que Lange teria respondido a uma questão que Mises
considerava trivial, enquanto que teria fracassado totalmente em lidar com a difícil questão da
dinâmica. Agora, não há dúvida de que Lange emprega uma teoria de equilíbrio estático, mas seu
método é no mínimo relativamente estático, já que ele especifica um mecanismo de ajuste que
supostamente converge para o equilíbrio geral, após qualquer mudança nos parâmetros (por exemplo,
uma mudança na tecnologia ou nas preferências dos consumidores). É verdade, Mises negou que o
cálculo econômico fosse um problema sob condições estáticas. No entanto, por “condições estáticas”,
Mises queria dizer uma verdadeira estase, onde “os mesmos eventos da vida econômica são sempre
recorrentes” (1935, p. 109).

Quaisquer que sejam os problemas que o sistema Langeano possa ter, dificilmente se poderia
afirmar que Mises o teria refutado antecipadamente.

O argumento mais substancial levantado por Mises e Hayek, e posteriormente enfatizado por
Lavoie, envolve a velocidade do ajuste após mudanças nos parâmetros. Hayek, por exemplo,
observando que no mundo real a “mudança constante é a regra”, afirma que “até que ponto seria
possível se atingir qualquer coisa próxima do equilíbrio desejável, depende inteiramente da velocidade
com que os ajustes pudessem ser feitos” (1949, p. 188). Hayek prossegue argumentando que preços
ditados de maneira central não poderiam responder às mudanças de maneira tão flexível quanto
verdadeiros preços de mercado. A importância deste ponto vai além da avaliação do argumento
específico de Lange. Em termos mais gerais, se os cálculos exigidos para o planejamento socialista
demorarem demais, em relação ao ritmo das mudanças na demanda dos consumidores e na
tecnologia, o planejamento estará em dificuldades. Argumentaremos na seção 4.2 que, com a
tecnologia de computação atual, os cálculos relevantes poderiam ser realizados com rapidez suficiente.
[Lembrando que o artigo é de 1993, mas tentamos incluir dados mais atualizados nesse sentido.]
Talvez devêssemos nos deter um pouco mais nesta questão. A acusação de que a natureza
“estática” do sistema de Lange roubaria dele qualquer desejabilidade, na realidade é a peça central do
renascimento do argumento austríaco (via Lavoie) entre os anos 80 e 90, e embora as propostas
positivas que apresentamos a seguir sejam substancialmente diferentes das de Lange, alguém pode
pensar que elas seriam vulneráveis às mesmas críticas. Não queremos ser acusados de errar o alvo
mais uma vez.

Particularmente relevante para as nossas idéias é a afirmação de Mises e de Hayek de que os


planejadores socialistas não poderiam, fora de uma economia estática, ter as informações completas
e atualizadas de que precisam sobre as possibilidades de produção. Na medida em que tais alegações
sejam baseadas nas limitações das instalações de comunicação e de armazenamento de dados, elas
estão agora simplesmente desatualizadas; mas existe alguma base adicional para essa alegação?
Lavoie sugere que o problema não está tanto na coleta dos dados, mas sim na criação de dados
relevantes. É verdade, se a demanda dos consumidores e a tecnologia estão mudando ao longo do
tempo, a melhor maneira de realizar qualquer objetivo determinado nem sempre é conhecida
antecipadamente (ou mesmo geralmente não é). A experimentação é uma necessidade.

Na medida em que os empreendedores capitalistas realizam essa experimentação, eles


desempenham uma importante função social. Mas a ideia de que apenas empreendedores capitalistas
seriam capazes de desempenhar essa função nos parece infundada. [24] Uma economia socialista
poderia estabelecer um “orçamento de inovação”, segundo o qual uma fração acordada do tempo de
trabalho social seria dedicada a essa experimentação com novos processos e produtos. Empresas
existentes ou grupos de pessoas com novas ideias poderiam candidatar-se a uma parte deste
orçamento. A disposição do orçamento poderia ser dividida entre duas ou mais agências paralelas, de
modo que os inovadores em busca de recursos tivessem mais de uma chance de ter suas ideias
financiadas (diminuindo assim o risco de “ossificação” do processo). Conforme fossem surgindo os
resultados dessa experimentação, novos produtos bem-sucedidos poderiam ser incorporados ao plano
regular, e tecnologias bem-sucedidas poderiam ser “registradas” como elementos da estrutura regular
de insumos-produtos (ou entradas-saídas) da Economia. [25]

A terceira objeção diz respeito aos incentivos, em conexão com a função social dos
capitalistas. Para Lange os gerentes socialistas devem seguir certas regras para obter uma alocação
ideal de recursos. Mises responde que, embora possa parecer razoável traçar um paralelo entre esses
gerentes socialistas e os gerentes assalariados de uma empresa capitalista, todo o argumento estaria
negligenciando o papel vital dos próprios capitalistas – que não poderia ser imitado por funcionários
assalariados. O ajuste dinâmico de uma economia capitalista exige que

“o capital seja retirado de determinadas linhas de produção, de determinados empreendimentos e


negócios, e que ele seja aplicado em outras linhas de produção… Esta não é uma questão para os
gestores de empresas, é essencialmente uma questão para os capitalistas – capitalistas que compram
e vendem ações e quotas, que fazem empréstimos e que os recuperam, … que especulam com todos
os tipos de mercadorias” (Mises, 1951, p. 139).
Além disso, Mises argumenta, “nenhum socialista contestaria que a função que os capitalistas
e especuladores realizam sob o capitalismo… só é realizada porque eles estão sob o incentivo de
preservar suas propriedades e de receber lucros que as aumentem – ou que pelo menos permitam
que eles vivam sem diminuir seu capital” (p. 141). Talvez seja assim, mas a importância desse
argumento aqui não fica totalmente clara. Por um lado, Mises está argumentando contra o socialismo
de mercado, alegando que o sistema de mercado não poderia funcionar sem os capitalistas. Isso pode
ser verdade, mas como já observamos, “socialismo de mercado” pode não ser um rótulo apropriado
para o sistema de Lange. Por outro lado, ele pode estar dizendo que grandes decisões de investimento
– decisões sobre encerrar ou consolidar empresas e assim por diante – não poderiam ser reduzidas a
se seguir regras simples. Isso também é verdade, e talvez esse argumento realmente tenha algum
valor contra Lange.

No entanto, se Mises estiver afirmando que tais decisões podem ser tomadas de maneira
conscienciosa – com a devida atenção ao risco, mas sem excessivo conservadorismo – apenas por
indivíduos motivados pela perspectiva de uma grande riqueza pessoal (em caso de sucesso) ou pela
ruína financeira pessoal (no caso de fracasso), então nós discordamos totalmente.

Não temos espaço para expandir aqui uma discussão sobre as instituições necessárias para
o planejamento de grandes investimentos e de mudanças econômicas estruturais no socialismo; um
breve comentário terá de ser suficiente. Concordamos com Mises que essa função não será confiada
a pseudo-capitalistas; ela deve envolver uma combinação de opiniões de especialistas e de métodos
democráticos. [26]

Podemos esperar que os “especialistas” que sejam chamados a exercer seu julgamento em
tais assuntos ganhem prestígio e conquistem a admiração de seus pares se forem bem-sucedidos, e
que sejam rebaixados e que percam sua influência se forem mal sucedidos. É importante que haja um
clima de debate aberto, de responsabilidade e de prestação de contas, mas onde os vencedores não
devam acumular grandes fortunas e onde os perdedores não sejam lançados na penúria. (Alguém
poderia dizer que nada além da perspectiva de grande riqueza pessoal foi necessária para induzir
Mises e Hayek a envidar seus melhores esforços na defesa intelectual do capitalismo!) Um outro ponto
deve ser enfatizado aqui: o outro lado da moeda das inovações bem-sucedidas é que os planejadores
devem ter o direito de fechar empresas que não funcionem de maneira econômica. Embora o emprego
garantido seja, evidentemente, um princípio socialista básico, não pode haver, portanto, garantia de
emprego permanente em nenhuma indústria ou negócio específicos. David Granick (1987) argumentou
que os direitos trabalhistas de facto desse tipo foram um freio importante no desenvolvimento da
economia soviética, e a análise de Kornai das “restrições orçamentárias suaves” aponta na mesma
direção. Quanto ao critério para avaliar se uma dada empresa é “anti-econômica”, voltaremos a este
ponto na seção 4.2.2 abaixo

3.2. Outras objeções e conclusão


Na seção anterior nos concentramos naquelas objeções dos austríacos a Lange com as quais
discordamos. Alguns argumentos apresentados pelos austríacos, no entanto, são bem próximos
daqueles que gostaríamos de elaborar: nós compartilhamos seu ceticismo sobre a teoria walrasiana
do equilíbrio geral, tanto como uma explicação do capitalismo quanto como um guia para o
planejamento socialista.

Existe uma ambigüidade crucial na noção de Lange de um processo de alinhamento iterativo


socialista. [27] Em 1938, isso parecia ser um processo que ocorreria em tempo histórico real; em 1967,
ele sugere que isso poderia ocorrer em “menos de um segundo” num computador. De qualquer forma,
existem problemas graves. O problema com a versão em tempo histórico é apontado por Lavoie (1985:
pgs. 97-8), em sua discussão sobre o comércio com “preços falsos”. A menos que a economia seja
mantida em contínuo equilíbrio geral, sempre haverá inconsistências entre os planos ótimos de agentes
econômicos dispersos. Um sistema de mercado real pode viver com tais inconsistências (ele possui a
regra de que as mercadorias vão para aqueles que estão dispostos a pagar mais), mas existe o perigo
de que elas possam reduzir uma economia socialista à incoerência.

O que realmente acontece em uma economia langeana diante de excessos de “demanda”


(“pedidos” pode ser um termo melhor, já que não há um mercado verdadeiro) para meios de produção
específicos? Como se espera que a autoridade de planejamento evite interrupções em cascata na
oferta? Parece que a produção de um plano equilibrado e coerente (nem vamos falar em otimizado)
precisa aguardar o término do processo de “tentativa e erro”.

Aqui tocamos em um problema mais geral para o planejamento – uma questão sobre a qual
Mises, ironicamente, está disposto a ceder muito para o socialismo. Mesmo com todas as suas
negações da possibilidade de cálculo racional sob o socialismo (no sentido de se encontrar os meios
mais eficientes para atingir determinados objetivos), Mises não questiona a capacidade dos
planejadores de planejar:

“É verdade que a produção deixaria de ser “anárquica”. O comando de uma autoridade suprema
governaria o comportamento da oferta. Em vez de uma economia de produção “anárquica”, a ordem
sem sentido de uma máquina irracional seria suprema” (Mises, 1951: p. 120).

Críticos mais recentes da economia soviética adotaram uma visão muito diferente. Nove
(1977), por exemplo, enfatiza demais a dificuldade para se construir um plano equilibrado – os
planejadores não teriam (e ele afirma que nem poderiam ter) os meios para calcular detalhadamente
toda a produção necessária de bens intermediários, a fim de dar base para se atingir quaisquer metas
determinadas para os produtos finais (ver também Ellman, 1971). Como resultado, o plano seria
sempre mal formulado: as instruções para as empresas seriam excessivamente agregadas; ofertas e
demandas específicas não corresponderiam; e uma boa dose de escambo informal e de “gambiarras”
(“anarquia” socialista, por assim dizer) seriam necessários para se alcançar até mesmo uma
aproximação grosseira do equilíbrio. Discordamos da opinião de Nove de que tais problemas são
inescapáveis (ver seção 4.2 abaixo), mas, para evitá-los, deve haver um meio de assegurar a
consistência do plano, mesmo enquanto a economia estiver processando seus ciclos rumo à
otimização, e não vemos isso na versão em tempo histórico do sistema de Lange.

Mas e a versão em tempo computacional? Nessa interpretação, as rodadas de alinhamento


são simplesmente aproximações sucessivas, não permitindo novas informações externas em cada
etapa, de modo que todas as informações relevantes devem ser reunidas com antecedência. Aqui
Mises tem uma objeção válida. O sistema de Lange envolve a entrega de um vetor otimizado de bens
de consumo (na versão em tempo histórico, as respostas dos consumidores aos preços desses bens
seriam parte do processo de ‘tentativa e erro’), mas certamente não é realista supor que os
planejadores poderiam ter uma especificação completa das funções de demanda dos consumidores.
Como diz Mises,

“para uma utilização das equações que descrevem o estado de equilíbrio, é necessário um
conhecimento da gradação dos valores dos bens de consumo nesse estado de equilíbrio. Essa gradação
é um dos elementos dessas equações assumidos como conhecidos. No entanto, o diretor conhece
apenas suas avaliações atuais, e não suas avaliações sob o hipotético estado de equilíbrio” (1949: p.
707). [28]
Certos cálculos importantes podem agora ser feitos em tempo computacional, mas
concordamos com Mises que uma solução baseada em estimativas e prognósticos [29] para o
equilíbrio geral walrasiano não é viável.

Um comentário final sobre Lange servirá para conduzir a exposição para nossa apresentação
da “resposta que faltava” a Mises. Em um apêndice ao seu artigo de 1938, Lange considera “A
Alocação de Recursos Sob o Socialismo na Literatura Marxista”. Contra Mises, ele argumenta que é
“muito exagerado dizer que os socialistas marxistas não viram o problema e não ofereceram solução”
(p. 141). Por outro lado, ele concorda com Mises que os valores-trabalho não podem fornecer uma
base adequada para o planejamento socialista: “A verdade é que [os marxistas] viram e resolveram o
problema apenas dentro dos limites da teoria do valor-trabalho, estando assim sujeitos a todas as
limitações da teoria clássica.” Além disso, Lange cita Kautsky sobre a impossibilidade de se calcular o
conteúdo de mão-de-obra nas mercadorias (sobre o que trataremos mais profundamente abaixo). Nós
discordamos, e sustentamos que os valores-trabalho fornecem uma base mais robusta para o
planejamento do que as concepções neoclássicas de Lange.

4. A resposta que faltava: um cálculo do tempo de trabalho


Como já observamos, a concepção marxiana clássica de planejamento em termos do tempo
de trabalho já havia sido efetivamente abandonada pelos socialistas ocidentais na época do debate
sobre o cálculo, se não antes. Duas questões surgem em relação aos valores do trabalho: a
racionalidade econômica do uso do tempo de trabalho como uma medida básica no planejamento
socialista, e a viabilidade técnica de se fazer isso. Pretendemos reabrir o debate sobre ambos os
pontos. Nós afirmamos que a alegada irracionalidade do tempo de trabalho como base de cálculo
nunca foi devidamente estabelecida, e que, de fato, essa concepção só pode ser sustentada com
referência a um padrão irreal de racionalidade perfeita que tem pouco a ver com as economias de
mercado reais. Nós também argumentamos que o cálculo em termos do tempo de trabalho é agora
viável (embora reconhecidamente não o fosse na época do debate original). Antes de apresentarmos
nossos próprios argumentos para este efeito, será útil “escavar” os argumentos marxistas clássicos
que haviam sido esquecidos ou rejeitados lá pelos anos 1920, já que estes formam o ponto de partida
de nosso pensamento sobre o assunto. Para não sermos mal interpretados, no entanto, devemos
enfatizar que nossa proposta de contabilidade do tempo de trabalho não foi feita por reverência a Marx.
Pelo contrário, ocorre que concordamos com as afirmações de Mises (na epígrafe deste ensaio) – e
sujeitas às qualificações registradas na seção 2.2 acima – de que o planejamento socialista exige uma
‘unidade objetiva de valor’, e que o tempo de trabalho é o único candidato sério para essa unidade. O
modo preciso de emprego que propomos para o cálculo dos valores-trabalho será explicitado na seção
4.2.2 abaixo.

4.1. Cálculo do tempo de trabalho no Marxismo clássico


Entre os escritos de Marx e Engels, há dois tipos de argumentos relevantes para o nosso tema.
Primeiro, há argumentos relacionados ao planejamento da produção com referência ao tempo de
trabalho socialmente necessário e, segundo, argumentos relativos à distribuição de bens de consumo
de acordo com a contribuição de trabalho feita por trabalhadores individuais. Vamos examiná-los, um
por vez.
4.1.1. A distribuição proporcional do trabalho social e o planejamento da produção
É claro que a maior parte da discussão da teoria do valor-trabalho em ‘O Capital’ está orientada para
a natureza e a dinâmica do capitalismo (teoria da exploração capitalista, teoria da tendência de queda
da taxa de lucro e assim por diante). Porém, há várias passagens que elaboram uma concepção mais
geral da distribuição proporcional do tempo de trabalho como uma necessidade básica diante de
qualquer forma de economia, o que coloca a teoria do valor-trabalho no contexto como a “forma
específica de manifestação” dessa necessidade sob as condições do capitalismo. Tais passagens
estão dispersas, mas se as coletamos, elas revelam uma “visão” substancial da economia como um
sistema de alocação de tempo de trabalho para diferentes propósitos produtivos – uma visão que é tão
relevante para a organização de uma economia socialista quanto para qualquer outro sistema.

Talvez a afirmação mais marcante dessa visão geral esteja contida na carta de Marx a Kugelmann, de
11 de julho de 1868:

“Toda criança sabe que qualquer nação que parasse de trabalhar, não por um ano, mas, digamos,
apenas por algumas semanas, pereceria. E toda criança sabe, também, que as quantidades de
produtos que correspondem às diferentes quantidades de necessidades demandam porções
diferenciadas e quantitativamente determinadas do trabalho agregado da sociedade. É auto-
evidente que esta necessidade de distribuição do trabalho social em proporções específicas
certamente não será abolida pela forma específica de produção social; isso só pode mudar sua forma
de manifestação.” (Marx e Engels, 1988: 68, ênfase original removida)
Esta visão é ampliada em várias passagens do Volume III de ‘O Capital’. Por exemplo:

“Para que uma mercadoria seja vendida pelo seu valor de mercado, isto é, proporcionalmente ao
trabalho social necessário nela contido, a quantidade total de trabalho social usada na produção da
massa total dessa mercadoria deve corresponder à quantidade do desejo social por ela, isto é, o
desejo social efetivo” (Marx, 1972: p. 192).
Uma passagem da p. 636 da mesma obra desenvolve de maneira semelhante o tema da lei do valor,
na medida em que se aplica a “cada produto total das esferas sociais específicas de produção,
tornadas independentes pela divisão do trabalho”: o que é necessário é

“não apenas [que] não seja utilizado mais do que o tempo de trabalho necessário para cada
mercadoria específica, mas [também que] apenas a quantidade proporcional necessária do total do
tempo de trabalho social seja utilizada nos vários grupos. Porque a condição permanece de que a
mercadoria representa um valor de uso. Mas se o valor de uso das mercadorias individuais depende
de elas satisfazerem ou não uma necessidade específica, então o valor de uso da massa do produto
social depende de ela satisfazer de maneira adequada [ou não] a necessidade social
quantitativamente definida para cada tipo específico de produto, e do trabalho ser distribuído
proporcionalmente entre as diferentes esferas, de acordo com essas necessidades sociais, que são
quantitativamente circunscritas.”
Nossa citação final nesse sentido é do Volume 1 de ‘O Capital’ (Marx, 1976: pgs. 169 e segs.). Marx
começa com uma história com Robinson Crusoé, destacando que “a própria natureza obriga
[Robinson] a dividir seu tempo com precisão entre suas diferentes funções. Se uma função ocupa um
espaço maior em sua atividade total do que outra, isso depende da magnitude das dificuldades a serem
superadas na obtenção do efeito útil visado.” Depois de discutir a contraparte dos cálculos
robinsonianos em sociedades feudais e primitivas, Marx chega ao caso do socialismo.
“Para variar, vamos finalmente imaginar uma associação de homens livres, trabalhando com os meios
de produção mantidos em comum, e gastando suas muitas formas diferentes de força de trabalho
em total autoconsciência, como uma única força de trabalho. Todas as características do trabalho
de Robinson são repetidas aqui, mas com a diferença de que elas são sociais, em vez de individuais…
O produto total da nossa associação imaginada é um produto social. Uma parte deste produto serve
como novos meios de produção e permanece social. Mas outra parte é consumida pelos membros da
associação como meio de subsistência.”
Numa economia socializada como essa, a repartição (direta) do tempo de trabalho “mantém a
proporção correta entre as diferentes funções do trabalho e as várias necessidades das associações”,
e aqui “as relações sociais dos produtores individuais, tanto em relação ao seu trabalho como em
relação aos produtos de seu trabalho são… transparentes em sua simplicidade.” [30]

Esses temas também podem ser encontrados no texto bem conhecido sobre planejamento no ‘Anti-
Duhring’ (Engels, 1954: pgs. 429–30). Engels afirma que, no socialismo, “quando a sociedade entra
em posse dos meios de produção e os usa em associação direta para a produção, o trabalho de cada
indivíduo, por mais variado que seja seu caráter especificamente útil, se transforma no início e
diretamente em trabalho social.” Então, não seria mais necessário expressar o conteúdo de mão-de-
obra dos bens na forma “indireta” de seu valor de troca. Em vez disso, “a sociedade pode simplesmente
calcular quantas horas de trabalho estão contidas em uma máquina a vapor, um alqueire de trigo da
última colheita ou cem metros quadrados de tecido de uma certa qualidade”. Usando esse
conhecimento, “os efeitos úteis dos vários artigos de consumo, comparados entre si e com as
quantidades de mão-de-obra necessárias para sua produção, acabarão determinando o plano. As
pessoas serão capazes de administrar tudo de maneira muito simples, sem a intervenção do tão
alardeado ‘valor’”. [31]

O outro tipo de argumento com relevância direta para o uso do cálculo do tempo de trabalho no
planejamento da produção é dado no capítulo 15 de ‘O Capital’, Volume I (Marx, 1976: pgs. 515-7).

“O uso de maquinário com o propósito exclusivo de baratear o produto está limitado pela exigência
de que menos trabalho deve ser gasto na produção do maquinário do que o total de trabalho
substituído pelo emprego desse maquinário. Para o capitalista, no entanto, há um limite adicional
para o seu uso. Em vez de pagar pelo trabalho, ele paga apenas o valor da força de trabalho
empregada; o limite para o uso de uma máquina é, portanto, fixado pela diferença entre o valor da
máquina e o valor da força de trabalho substituída por ela.”
Na teoria de Marx, é claro, o valor da força de trabalho de um trabalhador em qualquer período dado,
conforme determinado pelo conteúdo de trabalho dos meios necessários para sua subsistência, é
menor do que o trabalho que ele de fato realiza naquele período (a diferença constituindo a mais-valia).
Assim, Marx argumenta que os capitalistas necessariamente não economizam a mão-de-obra em toda
a sua extensão. A passagem citada acima é seguida por vários exemplos de, como coloca Marx, “o
esbanjamento descarado da força de trabalho humana”, que atinge seu pior ponto quando os salários
estão mais baixos, e, portanto, a divergência entre economia de mão de obra e economia de dinheiro
está em seu maior nível. Uma nota de rodapé deduz que “o campo de aplicação do maquinário seria,
portanto, completamente diferente em uma sociedade comunista de como é na sociedade burguesa”.
Implicitamente, a sociedade comunista fará uso rigoroso do princípio de economia do tempo de
trabalho em suas decisões de planejamento, e isso constitui parte de sua superioridade sobre o
capitalismo.
Assim, vemos um papel duplo para um cálculo do tempo de trabalho na abordagem marxiana clássica
sobre o planejamento da produção. Primeiro, a tarefa econômica básica da “associação” socialista é
concebida em termos de uma alocação do trabalho social de acordo com a produção proporcional dos
valores de uso obtidos dos vários ramos da divisão do trabalho. Essa proporcionalidade deve ser
alcançada diretamente, ao contrário do mecanismo indireto da “lei do valor” sob o capitalismo. Isso
exige, entre outras coisas, a medição do trabalho necessário para produzir bens e serviços específicos.
Segundo, um objetivo geral do planejamento socialista deve ser a economia do tempo de trabalho – a
redução progressiva do trabalho necessário para a produção de valores de uso específicos, ou, em
outras palavras, o aumento progressivo do quantum de valor de uso que pode ser produzido com
qualquer gasto de trabalho social.

4.1.2. Críticas ao “dinheiro-trabalho” [32] e a Crítica ao Programa de Gotha


Antes de examinarmos as propostas positivas de Marx sobre o papel do tempo de trabalho na
distribuição de bens de consumo no socialismo, vamos considerar brevemente a crítica marxiana aos
esquemas de “dinheiro-trabalho”; pois pode parecer haver uma tensão entre essa crítica e as próprias
propostas de Marx. De fato, a “crítica ao dinheiro-trabalho” está aberta a uma (má) leitura que a
considere como uma crítica a qualquer tentativa de se afastar do sistema de mercado, rumo a um
cálculo direto do tempo de trabalho. Como veremos, parece que essa leitura foi feita por autores tão
distantes quanto Karl Kautsky e Terence Hutchison.

O objeto básico da crítica de Marx e Engels pode ser descrito como uma apropriação “socialista
ingênua” da teoria ricardiana do valor. Os reformistas argumentam que se pelo menos pudéssemos
impor a condição de que todas as mercadorias realmente fossem trocadas de acordo com o trabalho
incorporado a elas, então, certamente, a exploração seria eliminada. Daí os esquemas, desde John
Gray na Inglaterra, passando por uma longa lista de “socialistas ricardianos” ingleses, até Proudhon,
na França, e Rodbertus, na Alemanha, para impor a troca de acordo com os valores do trabalho. [33]
Do ponto de vista de Marx e Engels tais esquemas, por mais honrosas que sejam as intenções de seus
propagadores, representam uma tentativa utópica e de fato reacionária de fazer voltar para trás o
relógio, para um mundo de ‘produção simples de mercadorias’ e de trocas entre produtores
independentes, donos de seus próprios meios de produção.

Os utópicos do dinheiro-trabalho não reconhecem dois pontos vitais. Primeiro, a exploração capitalista
ocorre através da troca de mercadorias de acordo com seus valores-trabalho (com o valor da
mercadoria especial que é a força de trabalho sendo determinado pelo conteúdo de trabalho dos meios
de subsistência dos trabalhadores). Segundo, embora o conteúdo de trabalho regule as taxas de troca
entre as mercadorias no equilíbrio de longo prazo sob o capitalismo, o mecanismo pelo qual a produção
é ajustada continuamente de acordo com as mudanças nas demandas e sob a luz das transformações
tecnológicas, no sistema de mercado, depende da divergência dos preços de mercado em relação aos
seus valores no equilíbrio de longo prazo. Tais divergências geram taxas de lucro diferentes, que por
sua vez guiam o capital para ramos de produção onde a oferta esteja inadequada, e empurram o capital
para fora de ramos onde a oferta seja excessiva, como analisado nos clássicos de Adam Smith e David
Ricardo. Se tais divergências forem simplesmente descartadas por decreto, e, portanto, o mecanismo
de sinalização dos preços de mercado for desativado, haverá caos, com escassez e excedentes de
mercadorias específicas surgindo por toda parte. [34]

Um argumento que surge repetidamente na crítica marxiana é o seguinte: de acordo com a teoria do
valor-trabalho, é o tempo de trabalho socialmente necessário que governa os preços de equilíbrio, e
não apenas o conteúdo “bruto” de trabalho (Marx, 1963: pgs. 20-21, 66, 204-5). No entanto, numa
sociedade produtora de mercadorias, o que seria o trabalho socialmente necessário [para produzir uma
mercadoria] emerge apenas através da concorrência no mercado. Antes de mais nada, o trabalho é
“privado” (realizado em oficinas e empresas independentes), e só passa a ser validado ou constituído
como trabalho social através da troca de mercadorias. A necessidade social do trabalho tem duas
dimensões. Em primeiro lugar, nos referimos às condições técnicas de produção e à produtividade
física do trabalho. Produtores ineficientes ou preguiçosos, ou aqueles que usam tecnologia superada,
não conseguirão realizar um preço de mercado compatível com o seu uso real de mão-de-obra, mas
sim apenas [um preço compatível] com aquela quantidade menor de mão-de-obra que for definida
como ‘necessária’ (em relação à produtividade média ou às melhores práticas técnicas – Marx nem
sempre é consistente sobre qual delas seria, exatamente). Em segundo lugar, como testemunham as
passagens do Volume III d’’O Capital’ citadas acima, há um sentido em que a necessidade social do
trabalho é relativa à estrutura predominante da demanda. Se uma certa mercadoria for super-produzida
em relação à sua demanda, ela não conseguirá realizar um preço compatível com seu valor de mão-
de-obra – mesmo que seja produzida com eficiência técnica média ou mesmo acima da média. Os
proponentes do dinheiro-trabalho querem dar um curto-circuito nesse processo, e agir como se todo
trabalho já fosse imediatamente social. Os efeitos disso, sob uma sociedade produtora de mercadorias,
não podem deixar de ser desastrosos.

Agora, a lição que Marx e Engels deixaram para os socialistas do dinheiro-trabalho, sobre as belezas
do mecanismo de oferta/demanda sob o capitalismo e sobre a tolice da fixação arbitrária de preços
compatíveis com o conteúdo real de trabalho nas mercadorias, obviamente é bastante agradável para
os críticos de socialismo. Terence Hutchison (1981: pgs. 14-16), por exemplo, elogia Engels por seu
reconhecimento do “papel essencial do mecanismo do mercado competitivo”, como demonstrado em
sua crítica a Rodbertus. “Mises e Hayek”, escreve Hutchison, “dificilmente poderiam ter apresentado o
argumento com mais força.” Porém, como o elogio de Hutchison é meramente um prefácio à sua
denúncia de Engels por falhar em perceber que a mesma crítica [supostamente] cortaria as bases sob
as suas próprias propostas (e de Marx) de planejamento socialista, devemos ter o cuidado de definir
os limites da crítica marxiana do dinheiro-trabalho.

Com mais importância para a história do debate, Kautsky também parece ter lido a crítica do dinheiro-
trabalho como se ela jogasse uma sombra de dúvida sobre o objetivo marxiano de cálculo direto em
termos de conteúdo de trabalho – de modo que na década de 1920 a figura amplamente considerada
como maior autoridade e guardiã oficial do legado marxista no Ocidente efetivamente abandonara esse
princípio central do marxismo clássico. [35] Contra esse pano de fundo, é possível apreciar por que
Mises foi capaz de se safar com uma rejeição breve e bem sem cerimônia do planejamento por meio
de valores-trabalho.

Da explicação que demos acima sobre a crítica do dinheiro-trabalho, os limites dessa crítica devem
estar aparentes: O que Marx e Engels estão rejeitando é a noção de fixação dos preços de acordo com
o conteúdo real do trabalho no contexto de uma economia produtora de mercadorias, onde a produção
é privada. Numa economia onde os meios de produção estejam sob controle comunal, por outro lado,
o trabalho de fato se torna “diretamente social”, no sentido de que está subordinado a um plano central
pré-estabelecido. Nesse caso, o cálculo do conteúdo da mão-de-obra contida nos bens é um elemento
importante no processo de planejamento; além disso, nesse caso o rearranjo dos recursos de acordo
com as mudanças das necessidades e prioridades sociais não prossegue através da resposta de
empresas em busca de lucros às divergências entre preços de mercado e valores no equilíbrio de
longo prazo – portanto a crítica do dinheiro-trabalho aqui é simplesmente irrelevante. Este é o contexto
para a sugestão de Marx de distribuição de bens de consumo através de “certificados de trabalho”.
Essa sugestão aparece em sua forma mais completa entre os comentários críticos de Marx sobre o
Programa de Gotha do Partido Social-Democrata Operário Alemão, de 1875 (Marx, 1974: pgs. 343-8).
Em primeiro lugar, contra a alegação de que cada trabalhador deveria receber “o rendimento de seu
trabalho, sem diminuição”, Marx assinala que uma sociedade socialista deveria alocar uma parte
substancial do produto total para cobrir depreciação e acumulação de meios de produção, seguro
social, administração, satisfação comunitária de necessidades (escolas, serviços de saúde, etc.) e para
as necessidades daqueles sem condições para trabalhar. Não obstante, isso deixa uma porção do
produto total para distribuição como meios de consumo pessoal. Quanto à natureza dessa distribuição,
Marx fala de dois estágios no desenvolvimento do comunismo. Em algum ponto no futuro, quando
“todas as fontes da riqueza cooperativa fluírem de maneira mais abundante”, será possível “atravessar
o estreito horizonte do direito burguês” e instituir o famoso princípio “de cada um de acordo com suas
habilidades, para cada um de acordo com suas necessidades”, mas no primeiro estágio do comunismo,
Marx prevê uma situação na qual o indivíduo recebe de volta (depois das deduções mencionadas
acima) a sua contribuição com a sociedade.

O que ele forneceu é o seu quantum individual de trabalho. Por exemplo, o dia de trabalho
social consiste na soma das horas individuais de trabalho [de todos]. O tempo de trabalho individual
do produtor individual constitui assim a sua contribuição para o dia de trabalho social, a sua parte
nele. A sociedade lhe daria um certificado declarando que ele realizou tal e tal quantidade de
trabalho (depois que o trabalho feito para o fundo comunal já tivesse sido deduzido), e com este
certificado ele poderia retirar da oferta social de meios de consumo uma quantidade equivalente
em custos àquela quantidade de trabalho (p. 346).
Os certificados de trabalho de que Marx fala aqui são bem diferentes do dinheiro. Eles não circulam;
ao contrário, são cancelados contra a aquisição de bens de consumo de conteúdo equivalente de
trabalho. E eles só podem ser usados para bens de consumo; não podem comprar meios de produção
ou força de trabalho e, portanto, não podem funcionar como capital.

A lógica da posição marxiana é clara: o “dinheiro-trabalho”, numa sociedade produtora de mercadorias,


é uma noção utópica e economicamente analfabeta, mas a alocação de bens de consumo através de
certificados de trabalho sob o socialismo é uma questão completamente diferente; é um modo possível
de distribuição (de uma certa porção) do produto social em um sistema em que o modo de produção
tenha sido modificado através da socialização dos meios de produção e da instituição do planejamento.
É, além disso, um modo de distribuição defendido pelo próprio Marx. Se essa concepção pode ser
persuasiva, no entanto, isso depende de se ser possível elaborar, de maneira convincente, a noção do
modo de produção planejado. Agora nos voltamos para essa tarefa.

4.2. Planejamento socialista e tempo de trabalho: algumas novas propostas


Vamos começar com a questão relativamente fácil. É claramente uma pré-condição para a
implementação das concepções de planejamento discutidas acima, que deve ser possível medir o
conteúdo necessário de trabalho dos bens a serem produzidos na economia socialista. Apesar das
declarações de Marx e Engels sobre a “simplicidade” desta tarefa, marxistas desde Kautsky até
Charles Bettelheim têm sido céticos sobre ela, enquanto os críticos do planejamento central têm
assumido prontamente que ela simplesmente não pode ser realizada. [36] Se os céticos estiverem
certos, o resto do nosso argumento cai por terra, por isso é importante estabelecermos de início que o
cálculo do trabalho é viável.

4.2.1 A viabilidade técnica do cálculo do tempo de trabalho


Se assumirmos, como uma primeira aproximação, que as condições de produção podem ser
representadas como um sistema linear de insumos-produtos [ou entradas-saídas], então o problema
do cálculo dos valores-trabalho [37] para todos os bens no sistema aparece como a tarefa de computar
a matriz inversa de Leontief. O valor-trabalho do bem i é dado pela equação:

vi = λi + ai1v1 + ai2v2 + · · · + ainvn

onde vi é o valor do bem i, λi é o trabalho direto necessário para se produzir uma unidade do bem i, e
ai j é o coeficiente técnico representando a quantidade do produto j necessária para se produzir uma
unidade do bem i. O vetor completo dos valores-trabalho é, portanto, dado por:

V = Λ + AV

onde V denota o vetor (n × 1) de valores-trabalho, Λ denota o vetor (n × 1) de coeficientes de trabalho


direto e A denota a matriz (n × n) de coeficientes técnicos. Segue-se então que:

V = (I − A)−1Λ

onde I é a matriz identidade (n × n). Assim, o vetor de valores pode ser obtido, dado o conhecimento
de A e de Λ, desde que sejamos capazes de gerar a matriz inversa de Leontief,

(I − A)−1

No que diz respeito à complexidade computacional bruta, essa é a parte mais difícil de se
resolver no planejamento socialista; mas perceba que, se ela puder ser resolvida, isso abre
novas possibilidades: além de fornecer os valores-trabalho de todos os bens e serviços, [38]
isso é exatamente aquilo de que precisamos para calcularmos o vetor de produtos brutos de
todos os bens necessários para possibilitar qualquer vetor desejado de produtos finais para o
consumo e para a acumulação de meios de produção. Em outras palavras, é disso que
precisamos para produzir um plano coerente e equilibrado.

O método analítico padrão para a inversão de matrizes é a eliminação Gaussiana. Esse procedimento
tem uma ordem de tempo de n3 (no sentido da teoria da complexidade algorítmica), onde n é o número
de produtos em um sistema (Sedgewick, 1983). Agora, se pretendemos que a matriz em questão seja
utilizável para propósitos reais de planejamento, ao invés de servir apenas como um exercício
puramente teórico, ela precisa representar a economia em todos os detalhes. Já foi estimado que na
economia soviética, por exemplo, o número de produtos identificáveis separadamente era da ordem
de 10 milhões (Nove, 1983: 33). Se n = 107, a ordem de tempo para a eliminação Gaussiana é de
1021. Esse total representa o número aproximado de cálculos elementares que precisam ser
executados. Suponhamos que cada cálculo exija 10 instruções computacionais; nesse caso, temos
1022 instruções para serem computadas. Em um super-computador disponível comercialmente em
meados da década de 1980, com uma velocidade de cerca de 200 milhões (2 × 108) de instruções
por segundo (Lubeck et al., 1985), o cálculo como um todo levaria em torno de 5 x 1013 segundos, ou
seja, em torno de 1.5 milhões de anos. [39 – DADOS MAIS ATUALIZADOS] Talvez seja isso que
Nove (1983) tinha em mente quando afirmou que tais cálculos seriam completamente impossíveis.

Se na base da força bruta a inversão analítica de uma matriz de 107 x 107 está fora de cogitação, no
entanto, isso não significa o fim da história. Em primeiro lugar, como é amplamente reconhecido,
existem métodos de aproximação iterativa que são substancialmente mais eficientes (os métodos de
Gauss-Seidel e de Jacobi – ver Varga, 1962). Aqui, a ordem do tempo é de n2r, onde r é o número de
iterações necessárias para produzir uma aproximação satisfatória. Com r = 20, a repetição dos cálculos
acima dá um tempo de execução de 108 segundos, ou cerca de 3 anos. [40 – DADOS MAIS
ATUALIZADOS] Embora isso agora pareça mais próximo da viabilidade, ainda é claramente lento
demais para ter uso prático. [41] O passo restante, no entanto, é reconhecer que a matriz de
coeficientes técnicos provavelmente será muito esparsa, quando especificada nesse nível de detalhes.
Pode haver 10 milhões de produtos no sistema, mas o número médio de insumos diretos diferentes
para cada produto certamente será muito menor que isso – talvez na casa das dezenas ou centenas
[de insumos por produto]. Este fato pode ser explorado se representarmos o sistema de insumos-
produtos na forma de uma estrutura de dados de lista encadeada (Sedgewick, 1983), ao invés da forma
de matriz. Nesse caso, a ordem de tempo do procedimento iterativo de solução cai para nmr, onde m
é o número médio de insumos diretos para cada produto. Sob as mesmas suposições que adotamos
acima, mas definindo m = 100, chegamos a um tempo de execução de cerca de 103 segundos, ou 17
minutos. [42] Dada uma escolha cuidadosa de estruturas de dados e de algoritmos, parece que a
produção em tempo apropriado da matriz inversa de Leontief, para um sistema especificado em todos
os detalhes, está bem dentro da capacidade da tecnologia computacional atual. [43 – DADOS MAIS
ATUALIZADOS]

Evidentemente, o argumento acima não diz nada sobre a tarefa de reunir a imensa quantidade de
dados necessários para implementar tal cálculo – uma questão para a qual Mises e Hayek dão
importância demais. Não temos espaço para abordar essa questão aqui, mas já argumentamos em
outro lugar (Cockshott e Cottrell, 1989, apêndice) que isso também seria viável, usando uma rede de
computadores pessoais baratos que englobasse toda a economia, com eles executando programas
de planilhas representando as condições de produção em cada empresa, em conjunto com um sistema
nacional de Teletexto [hoje já disponível, a internet] e um sistema de códigos universais de produtos.
[Com a universalização dos computadores, da internet e dos celulares, com os sistemas para lidar com
grandes bancos de dados e técnicas de Big Data, e os sistemas de comunicação, gerenciamento e
distribuição de empresas globais como Amazon, Google, etc; a infraestrutura apontada como
necessária pelos autores já foi construída, faltando apenas a integração dos programas representando
as condições de produção de cada empresa (com os dados já existentes) num formato comum e a
integração dos processos produtivos menos informatizados.]

Um outro ponto relevante deve ser mencionado aqui. Nosso argumento pela viabilidade técnica do
cálculo do tempo de trabalho claramente depende de hardware e de algoritmos computacionais de
origem bastante recente. [Em 1993; hoje, estamos falando de tecnologias e técnicas com décadas de
idade.] Disso segue-se que aqueles (tanto socialistas quanto críticos do socialismo) que na primeira
metade do século XX estavam defendendo que tal cálculo seria impraticável, provavelmente estavam
corretos na época. É interessante observar que na União Soviética, onde a aderência às concepções
marxistas clássicas era mais tenaz do que no Ocidente, a exequibilidade era o obstáculo. Em 1920, S.
G. Strumilin defendia o uso do tred (da trudovaya edinitsa ou “unidade de trabalho”) como o
denominador comum para o planejamento, mas a Administração Estatística Central da URSS não era
capaz de administrar a tarefa (Manevich, 1989; Zauberman, 1967). Com a construção do primeiro
modelo soviético de insumos-produtos em 1960, os planejadores soviéticos deram um passo
importante para concretizar o objetivo de Strumilin, mas esse modelo distinguia apenas 157 produtos
e, portanto, era de pouca utilidade para propósitos práticos. [44] Retornaremos às implicações deste
ponto em nossa conclusão.

4.2.2. A racionalidade econômica do cálculo do valor-trabalho


Se o cálculo do tempo de trabalho é agora tecnicamente viável, como afirmamos, a próxima questão
que surge é sobre a racionalidade econômica de tal cálculo. Já contestamos as duas objeções
levantadas por Mises, a saber, a negligência dos custos dos recursos naturais e a falta de
homogeneidade da mão de obra (ver seção 2.3). Nesta seção, abordamos dois pontos adicionais,
relativos à dimensão temporal da produção e à necessidade de incorporar as avaliações dos
consumidores sobre os produtos, respectivamente. O exame deste último ponto leva à nossa proposta
de um “algoritmo de bens de consumo” como um meio pelo qual as escolhas dos consumidores podem
determinar a alocação daquela porção do tempo de trabalho social dedicado aos meios de consumo
pessoal.

Quanto à dimensão temporal da produção, este é um ponto complexo e não temos espaço para
oferecer um tratamento detalhado aqui. Nosso objetivo principal neste artigo é defender o socialismo
contra a crítica de Mises, e uma vez que Mises não levanta essa questão, seremos breves, deixando
apenas a essência das nossas conclusões sobre o assunto. [45]

A questão é se o conteúdo de trabalho, somado sem considerar as suas etapas temporais, é uma
medida adequada do custo, ou se o planejamento racional requer que os insumos do trabalho sejam
datados, com o trabalho passado sendo “marcado” com alguma taxa específica. Samuelson e
Weiszacker (1972) ofereceram uma influente análise dessa questão, sob o título provocativo de “Uma
nova teoria do valor do trabalho para o planejamento racional através do uso da taxa de lucro
burguesa”. [46] Sua conclusão foi que valores-trabalho simples são aplicáveis somente num sistema
estacionário: em caso contrário, um plano racional deveria exigir um conjunto de valores modificados,
que poderiam, em princípio, ser obtidos pelo expediente de ‘explodir’ todos os coeficientes no sistema
de insumos-produtos por um fator (1 + b) (1 + g), onde b denota a taxa de progresso técnico de
economia de trabalho e g denota a taxa de crescimento da oferta de trabalho. Deixando de lado a
polêmica identificação espúria de Samuelson de tal parâmetro do plano com a “taxa de lucro burguesa”,
[47] a sugestão tem algum mérito, e talvez pudesse ser implementada. Entretanto, acreditamos que os
“erros” decorrentes do uso de valores-trabalho simples provavelmente não serão sérios
(particularmente, como o próprio Samuelson observa, se o crescimento populacional for lento e se o
conteúdo histórico de trabalho for usado na definição dos valores).

Além disso, a divergência entre valores-trabalho simples e suas versões samuelsonianas só se torna
realmente significativa no caso de projetos de longo prazo, e é aqui que a racionalidade dos cálculos
de desconto é mais questionável. Pelo lado contrário, parece fazer sentido que iríamos preferir ter um
produto agora do que tê-lo mais tarde, mas o inverso é que as necessidades do futuro são
consideradas relativamente sem importância – uma implicação menos atraente desse desconto.
Críticos da avaliação econômica do governo britânico de uma barragem cruzando o rio Severn (para
fins de geração de eletricidade usando energia das correntes) objetaram que a taxa de desconto
aplicada faz com que a geração de energia virtualmente gratuita em trinta anos seja quase
completamente irrelevante para o cálculo. Da mesma forma, os enormes custos potenciais do
desmonte das estações de energia nuclear atuais são rotineiramente reduzidos à insignificância pelo
uso de uma taxa de desconto positiva. Acreditamos que tais questões exigem um julgamento: embora
o elemento temporal não deva ser ignorado, é falso supor que ele seria “resolvido” por uma simples
aplicação do cálculo do Valor Descontado Atual. [48]

Portanto, já argumentamos sobre como a contabilidade com base no tempo de trabalho é tecnicamente
viável e indicamos como se pode responder às principais objeções à idéia de que os valores-trabalho
fornecem uma medida razoável do custo de produção. Mas em que tipo de estrutura de planejamento
o cálculo do tempo de trabalho deveria ser colocado? Se as decisões sobre a alocação do trabalho
social para as categorias amplas de uso final (acumulação de meios de produção, consumo coletivo,
consumo pessoal) forem questões para a política democrática e se o princípio da minimização do
tempo de trabalho for adotado como critério básico de eficiência (como em Marx), o que podemos dizer
sobre o padrão detalhado da produção dos bens de consumo?

Nesse aspecto, nossa proposta pode ser descrita como “Marx mais Lange mais Strumilin”. De Marx,
adotamos a idéia do pagamento do trabalho em ‘certificados de trabalho’ e a noção de que os
consumidores podem retirar do fundo social uma quantidade de produtos e serviços com um conteúdo
de trabalho equivalente à sua contribuição de trabalho (após a dedução de impostos para compensar
os usos comunais de tempo de trabalho). De Lange, adotamos uma versão modificada do processo
de “tentativa e erro”, em que os preços de mercado dos bens de consumo são usados para orientar a
realocação do trabalho social entre os vários bens de consumo. Do economista soviético Strumilin,
adotamos a idéia de que, em um equilíbrio socialista, o valor de uso criado em cada linha de produção
deveria estar em uma proporção comum em relação ao tempo de trabalho social gasto. [49]

A ideia central é a seguinte: o plano determina a produção de algum vetor específico de bens
de consumo final, e esses bens são marcados com seu conteúdo de trabalho social. Se as
ofertas e as demandas de consumo planejadas para os bens individuais já coincidirem quando
as mercadorias estiverem precificadas de acordo com seus valores-trabalho, o sistema já estará
em equilíbrio. Em uma economia dinâmica, no entanto, isso é improvável. Se a oferta e a
demanda não forem equivalentes, a “autoridade de mercado” para os bens de consumo será
encarregada de ajustar os preços, com o objetivo de alcançar um equilíbrio (aproximado) no
curto prazo – ou seja, os preços dos bens em falta serão aumentados, enquanto em casos de
sobra, os preços serão reduzidos. [50] Na próxima etapa do processo, os planejadores
examinarão as proporções entre os preços que “limparam” o mercado e os valores-trabalho
para os vários bens de consumo. (Observe que essas duas grandezas são denominadas em
horas de trabalho – o conteúdo de mão-de-obra no primeiro caso e os certificados de trabalho,
no outro). Seguindo a concepção da Strumilin, essas proporções deveriam ser equivalentes (e
iguais a um) no equilíbrio de longo prazo. O plano de produção de bens de consumo para o
próximo período deveria, portanto, determinar uma expansão na produção dos bens com uma
relação preço/valor acima da média, e uma redução na produção daqueles bens com uma
relação abaixo da média (embora, naturalmente, um elemento de previsão de demanda também
seja necessário nesse ponto: as proporções atuais fornecem um guia útil, ao invés de uma regra
completamente mecânica).

Em cada período, o plano precisa ser equilibrado, usando métodos de insumos-produtos ou


alguma alternativa de algoritmo de balanceamento. [51] Ou seja, é preciso calcular com
antecedência os números brutos de produção para os bens necessários para possibilitar o
vetor com a meta de produtos finais (para que, se a obtenção do equilíbrio exigir um processo
iterativo, essa iteração deva ser executada em “tempo computacional”, ao invés de em tempo
histórico). Já aludimos a essa necessidade nas críticas ao sistema de Lange, onde esse
equilíbrio parece ser deixado para o acaso. Nosso esquema, porém, não impõe a exigência
irracional de que o padrão de demanda de consumo seja antecipada perfeitamente com
antecedência – o ajuste nesse sentido é deixado para um processo de “tentativa e erro” que
ocorre em tempo histórico.

Esse esquema atende à objeção de Nove (1983), que defende que os valores-trabalho não poderiam
fornecer uma base para o planejamento, mesmo que eles possam fornecer uma medida válida do
custo de produção. O argumento de Nove é sobre como o conteúdo de trabalho por si só não nos
diz nada sobre o valor de uso dos diferentes bens. É claro que isso é verdade, [52] mas isso
significa apenas que precisamos de uma medida independente para as avaliações dos
consumidores; e o preço (em certificados de trabalho) que equilibra aproximadamente a oferta
planejada e a demanda dos consumidores, fornece justamente uma medida para isso. Da
mesma forma, podemos responder a uma objeção feita por Mises em sua discussão dos
problemas enfrentados pelo socialismo sob condições dinâmicas (1951: pgs. 196 e próximas).
Um dos fatores dinâmicos que ele considera é a mudança na demanda dos consumidores,
sobre o que ele escreve: “Se o cálculo econômico fosse possível – e com ele, fosse possível
uma averiguação mesmo que aproximada dos custos de produção – então, dentro dos limites
do total de unidades de consumo designadas para ele, cada cidadão poderia ter permissão de
exigir aquilo que quisesse…”; mas, continua ele, “uma vez que sob o socialismo tais cálculos
não são possíveis, todas essas questões de demanda precisam necessariamente ser deixadas
para o governo”. Nossa proposta permite precisamente a escolha do consumidor que Mises
alega estar indisponível.

Retornando brevemente a algumas preocupações levantadas na seção 3.1 acima, estamos agora em
posição para definir o critério básico para uma inovação “bem-sucedida”, por um lado, e para um
processo de produção “não-econômico”, por outro. O “sucesso” de um produto significa que as pessoas
estão dispostas a pagar, na forma de certificados de trabalho, pelo menos tanto tempo de trabalho
quanto o produto incorpora. Um processo de produção “não econômico” – que deve ser encerrado e
seus recursos, realocados para outras funções – é aquele para o qual não existe uma escala de
operação na qual essa condição seja satisfeita.

5. Conclusão
Pode-se perguntar, qual é a relevância destes argumentos numa época em que o socialismo foi
rejeitado ou está em crise em todos os lugares? Essa realidade bruta não mostra que, apesar de
nossos protestos extenuantes em contrário, basicamente Mises e Hayek estavam certos o tempo todo?
Ou, de maneira alternativa, se o socialismo for um “pato morto”, por que deveria importar se os
argumentos específicos apresentados por Mises em 1920 estavam corretos ou não?

Em primeiro lugar, é instrutivo exercitar o senso histórico de cada um. Faz poucas décadas desde que
havia sido amplamente aceito que a Grande Depressão mostrava a falência histórica do capitalismo.
Mesmo entre aqueles que não subscreviam a tal afirmação, muitos economistas estavam dispostos a
conceder a superioridade básica do socialismo. [53] Se tal julgamento pôde ser revertido tão
completamente nos anos do pós-guerra, certamente não é impossível que outras reversões possam
ocorrer no futuro. Segundo, não se pode supor que, por o socialismo estar em apuros hoje, isso de
alguma forma confirmaria as críticas austríacas. Este não é o lugar para uma explicação das complexas
razões históricas por trás da crise do socialismo soviético, mas nossas investigações nos permitem
identificar um componente do problema: as condições materiais (a tecnologia computacional)
para o planejamento socialista efetivo de uma economia complexa em tempo de paz não foram
estabelecidas até, digamos, meados da década de 1980. Se estivermos certos, as características
mais notórias da economia soviética (planos cronicamente incoerentes, recorrentes escassez
e sobras de mercadorias específicas, falta de capacidade de resposta à demanda dos
consumidores), embora fossem também em parte o resultado de políticas equivocadas, eram
em certa medida consequências inevitáveis da tentativa de operar um sistema de planejamento
central “antes do seu tempo”. A ironia é óbvia: o socialismo estava sendo rejeitado no exato
momento em que estava se tornando uma possibilidade real.

Don Lavoie conclui seu estudo de 1985 sobre o debate em torno do cálculo socialista com a observação
de que o debate nunca foi realmente resolvido, e com a esperança de que seu livro “possa ajudar a
estimular os defensores e os críticos contemporâneos do planejamento central a retornarem a essa
rivalidade intelectual que tanto enriqueceu a profissão da economia na década de 1930.” Concordamos
que o argumento marxiano foi mais apagado do que “atualizado” pelas posições problemáticas dos
socialistas neoclássicos. Se o socialismo de mercado fosse o melhor que a esquerda pode oferecer,
teríamos de concordar que Mises venceu o debate. Pode ser tarde, mas esperamos ter mostrado como
o desafio de Mises – seu argumento de que o socialismo não poderia operar uma economia racional –
pode ser vencido.

Apêndice A: Valores-trabalho e preços sob produção conjunta [artigo original de 1993]

Neste apêndice, damos substância à alegação feita no texto de que a produção conjunta não
representa um problema sério para o tipo de algoritmo de otimização baseado no trabalho que
propomos para o planejamento socialista, apesar do fato de que neste caso os valores-trabalho
individuais dos bens produzidos em conjunto seriam indefinidos.

Considere um processo que produz dois bens, a e b, em uma proporção fixa de x unidades de a para
y unidades de b, de maneira que x / y = k. (O seguinte argumento pode ser prontamente generalizado
para mais de dois bens produzidos em conjunto, mas vamos ilustrar com o caso mais simples.) Vamos
definir um bem composto, c, composto de x unidades de a mais y (= x / k) unidades de b. Nós
assumimos que o valor-trabalho de c, definido como v(c), seria bem definido. O processo deve ser
operado em uma intensidade s > 0, onde s é medido em unidades de c; caso contrário, o processo
simplesmente não seria realizado. Portanto, em uma intensidade s = s0 > 0, são produzidas a
quantidade de s0x e s0x / k dos produtos a e b, respectivamente.

Sejam p(a) e p(b) os preços que “limpam” o mercado para os bens a e b, respectivamente – com os
preços declarados em certificados de trabalho. Então, o preço correspondente do bem composto c, é
uma soma ponderada de p(a) e p(b), a saber:

p(c) = xp(a) + (x/k)p(b)

O procedimento de otimização de valor-preço discutido no texto, portanto, estabelece uma meta de


v(c) = p(c) = xp(a) + (x/k)p(b) (A.1)

isto é, o preço que “limpa” o mercado do bem composto deve ser igual ao seu valor-trabalho. É razoável
supor que os preços individuais que limpam os mercados dos produtos em produção conjunta, p(a) e
p(b), são ambos funções declinantes em relação à escala de operação do processo conjunto, s.
Apenas por uma questão de argumento, vamos escrever estas funções como relações lineares
simples:

p(a) = a1 + a2s (A.2)

p(b) = b1 + b2s (A.3)

onde a1, b1 > 0 e a2, b2 < 0. Substituindo (A.2) e (A.3) em (A.1), temos:

v(c) = x(a1 + a2s ) + (x / k)(b1 + b2s)

que pode ser resolvido para uma produção otimizada de s abaixo:

s* = [ v(c) − (a1 + b1 / k) x ] / (a2 + b2 / k) x

A expressão acima fornece a intensidade otimizada de operação do processo de produção conjunta


como uma função do valor-trabalho do bem composto, da razão técnica entre os produtos conjuntos e
os parâmetros de demanda. Implica também, através de (A.2) e (A.3), em preços otimizados para os
bens individuais:

p*(a) = a1 + a2s*

p*(b) = b1 + b2s*

Os valores otimizados s*, p*(a) e p*(b) podem ser obtidos diretamente somente se os parâmetros de
demanda forem conhecidos antecipadamente. No texto, salientamos que provavelmente isso não
deveria ser assumido. Portanto, caímos de volta na solução iterativa em tempo real: conforme p(c)
exceder (ou não atingir) v(c), expandir (ou contrair) o processo de maneira incremental – ou seja,
ajustar s para cima ou para baixo, respectivamente – enquanto se busca (aproximadamente) preços
que “limpem” os mercados [p(a), p(b)] em cada estágio do processo. Esses últimos preços são usados
para recalcular p(c) em cada estágio.
O único problema especial que pode surgir no caso de produção conjunta é que o preço de “equilíbrio”
de um dos produtos pode acabar sendo um preço negativo. O sintoma disso no contexto da iteração
em direção ao equilíbrio seria que p(c) permanecesse acima de v(c) mesmo quando a escala de
produção fosse tal que o preço de “limpeza” de mercado de um dos bens (digamos, b) tivesse chegado
a zero. Pode ser então que, em níveis de produção ainda maiores, b se tornasse um incômodo (na
margem), de tal forma que as pessoas teriam que ser pagas para aceitar mais um pouco desse bem.
Se um excedente do bem b puder ser descartado ou reciclado de alguma forma, a baixo custo, a
solução seria expandir a produção (s) até que p(a) = v(c), e distribuir b como um bem gratuito,
descartando qualquer excedente de b acima da demanda de consumo. Se for dispendioso descartar
o produto excedente de b, esse custo terá que ser incluído como um fator na composição do valor-
trabalho do bem composto, v(c), o que resultará em uma menor intensidade otimizada para a operação
do processo conjunto.

Apêndice B: Por que usar o valor-trabalho? [Novos capítulos para a edição francesa
do livro Towards a New Socialism, 2008]

Em uma conferência em 1992 – organizada por iniciativa de Waclaw Klaus, no Instituto Pareto, em
Lausanne – fomos os únicos economistas defendendo a ideia de uma economia planificada. Nosso
uso da teoria do valor-trabalho foi criticado como uma forma de “naturalismo”. Argumentaram que não
fazia mais sentido dizer que o trabalho é a base do valor do que dizer que o petróleo é a base do valor.
[10] Um elemento de nosso programa de pesquisa nas últimas décadas tem sido contribuir para
restabelecer a validade científica da teoria do valor-trabalho. Existe agora todo um crescente corpo de
pesquisa empírica que valida a teoria do valor-trabalho [54], e estamos mais confiantes do que nunca
sobre a solidez dessa abordagem.

Duas outras questões foram levantadas, dessa vez por economistas de esquerda. Primeiro, há a
questão sobre se seria válido usar a categoria valor-trabalho em uma economia socialista. Não
deveríamos ver o valor e o “trabalho abstrato” no qual ele se baseia como algo específico ao
capitalismo? Segundo, Marx não foi um crítico severo da ideia de “dinheiro-trabalho”, e não estamos
propondo justamente aquilo que Marx atacou? Sobre esta última questão, ver a seção 4.1.2 acima.

B.1 Valor e trabalho abstrato


Quanto à primeira questão, a ideia de que o conceito de valor-trabalho seria específica ao capitalismo
possui algum apelo inicial. Não se quer cometer o erro da economia clássica e neoclássica de confundir
formas históricas transitórias, como salários e capital, com características eternas de todas as
economias. Com a abolição da produção de mercadorias sob o socialismo, o próprio valor não
desapareceria?

Acreditamos que essa ideia confunde categorias trans-históricas com suas formas históricas de
aparência. Instrumentos de produção são uma categoria trans-histórica; o capital é uma forma
historicamente específica na qual estes podem ser representados. Vemos o trabalho humano abstrato
como uma categoria trans-histórica semelhante. É a adaptabilidade do trabalho humano o que nos
distingue de outros animais. Ao contrário de formigas ou abelhas operárias, não nascemos para uma
tarefa: nós aprendemos nossos papéis na vida e podemos aprender a nos mover entre os papéis. É
essa potencialidade abstrata e polimorfa do trabalho humano que torna a sociedade humana possível.
Todas as sociedades são limitadas pelas horas do dia e pelo tamanho da população. Elas diferem nos
meios pelos quais os indivíduos humanos são levados de bebês indiferenciados a agentes produtivos,
preenchendo papéis concretos. Nas sociedades baseadas em castas, a potencialidade abstrata de
cada indivíduo pode não ser realizada, mas essa potencialidade abstrata está presente. Não há
diferença genética significativa entre um bebê intocável e outro bebê brâmane, mas a natureza fixa
dos costumes sociais pode fazer parecer aos atores em tal sociedade que essas diferenças existem.
O cristianismo e o islamismo podem pregar a igualdade humana, mas no nível abstrato da igualdade
das almas – a abstração religiosa da humanidade, mas na ausência de condições sociais apropriadas,
seria uma igualdade realizada pela alma após a morte.

A sociedade capitalista – que em princípio permite que qualquer pessoa seja contratada para qualquer
trabalho que ela possa ser treinada para fazer – realça o polimorfismo abstrato do trabalho humano
mais claramente do que os modos de produção anteriores. É claro que sabemos que existe
discriminação em razão da cor da pele, religião ou gênero nesses países, mas tal discriminação é
visível como uma contradição com o princípio subjacente da mobilidade do trabalho, e a tendência na
sociedade capitalista é de reduzir essa discriminação. [55] Essa fluidez abstrata do trabalho humano é
contida na sociedade capitalista pelas divisões de classe que restringem a educação e o treinamento
das famílias da classe trabalhadora. Mas são apenas essas restrições remanescentes sobre o trabalho
abstrato que o socialismo abolirá, permitindo a todas as crianças as mesmas escolhas de ocupações.
[56] Essa é uma característica essencial do socialismo: ela transforma a abstração da igualdade
humana em uma realidade social.

Notas

[1] Aqui n’O Minhocário temos tentado organizar elementos nesse sentido em algumas coletâneas de
artigos publicados aqui no blog e em outros espaços: sobre os problemas do capitalismo e a
necessidade de refletirmos sobre alternativas; sobre a impossibilidade de mantermos a orientação
atual no futuro, diante dos desafios que a humanidade vai encarar nas próximas décadas; sobre a
impossibilidade de resolvermos esses problemas de maneira satisfatória através de soluções
baseadas na expansão de mercados sobre a vida social; sobre as possibilidades do socialismo como
resposta a essas questões. [N.M.]

[2] Este artigo foi concebido como um complemento a um livro sobre a redefinição do socialismo
(Cockshott e Cottrell, 1993). Algumas das questões em que tocamos aqui são tratadas com mais
detalhes no livro, embora ele não lide com o debate histórico sobre o cálculo socialista.

[3] Nos baseamos aqui em Bergson (1948: págs. 445-8). Apresentações similares da versão padrão
foram fornecidos por Lavoie (1985: págs. 10-20) e Temkin (1989: págs. 33-4).

[4] Uma figura fictícia presente na teoria do equilíbrio geral de Léon Walras, usado para ilustrar o
funcionamento de uma economia de mercado em equilíbrio geral. [N.M.]

[4B] Na matemática e na área de estrutura de dados na Ciência da Computação, um vetor é um


conjunto de valores do mesmo tipo. Por exemplo, sendo
v1 = {30 3 12 15}

v2 = {25 100}

v3 = {19}

v1 é um vetor formado pelos valores 30, 3, 12 e 15; v2 é um vetor formado pelos valores 25 e 100; v3
é um vetor com um único valor, 19. A quantidade de elementos em um vetor pode variar de zero (um
conjunto vazio) ao infinito inteiro positivo.

No caso mencionado no trecho do texto, o vetor de preços do equilíbrio geral seria um conjunto
com os preços de todos os bens e serviços comercializados como mercadorias em uma
economia, onde para cada produto, o seu preço garantiria um perfeito equilíbrio entre a
demanda e a oferta, sem sobras ou escassez de nenhum produto.

A diferença entre um vetor e uma matriz é que o vetor possui apenas uma dimensão, enquanto a matriz
é bi-dimensional – pode-se pensar no vetor como uma matriz de n colunas por 1 linha (n x 1); também
pode-se pensar em uma matriz de n colunas por m linhas (n x m) como um sistema formado por m
vetores ( n x 1 ) – esse é o caso do sistema linear formado pela matriz de insumos-produtos
abordada no artigo: cada linha dessa matriz é um vetor que representa o processo de produção
de uma unidade de um determinado produto (bem ou serviço), indicando a quantidade
necessária de cada produto usado como insumo nesse processo de produção. Assim, a matriz
de insumos-produtos completa inclui todos os vetores descrevendo os insumos necessários para se
produzir 1 unidade de qualquer produto presente na economia. [N.M.]

[5] No original, “optimality”, a qualidade da alocação “ótima”. Optamos por “máxima eficiência” por que
o uso de “ótimo” pode soar um tanto estranha para pessoas menos acostumadas com o jargão da
Economia, mas em vários trechos acabamos não conseguindo escapar do uso de “ótimo”, como por
exemplo em “verdadeiro ótimo”. [N.M.]

[6] O exemplo da ferrovia está em Mises (1935, p. 108). O exemplo da construção de casas está em
“Ação Humana” – Mises (1949, p. 694). Deve-se notar que as discussões sobre o cálculo socialista
tanto em “Ação Humana” quanto em “Socialismo” (Mises, 1951) são essencialmente as mesmas que
em Mises (1935), com grande parte do material sendo repetido quase que palavra-por-palavra em
todos os textos.

[7] Resultados recentes na teoria de redes neurais, também conhecidos como processamento
distribuído paralelo, são apresentados em Rumelhart et al. (1986). Um resumo útil das questões
envolvidas é dado por Narayanan (1990). Donald Hebb (1949) é comumente creditado como o criador
dessa linha de pensamento, mas a implementação prática não era possível na época.
[8] Ver Hayek (1935, pgs. 30-31). Mises menciona Neurath na p. 108 do mesmo trabalho. Eles se
referem aos livros de Neurath e Bauer (respectivamente, ‘Durch die Kriegswirtschaft zur
Naturalwirtschaft’ e ‘Der Weg zum Sozialismus’, ambos publicados em 1919) que não parecem estar
disponíveis em tradução para o inglês [ou para o português].

[9] Cockshott (1990) apresenta uma proposta específica para o balanceamento de um plano econômico
na presença de restrições na forma de estoques de meios de produção específicos, com base na idéia
de “recozimento simulado” da literatura de redes neurais. Sua proposta de fato envolve o uso de
aritmética – essencialmente, a minimização de uma função de perda em relação a um vetor desejado
de resultados finais – mas aponta o caminho para a aplicação de técnicas de inteligência artificial à
tarefa do planejamento econômico.

[10] De um ponto de vista matemático formal moderno, o destaque da mão de obra para tal papel pode
parecer arbitrário – Não seria o caso de que qualquer mercadoria básica, que entre direta ou
indiretamente na produção de todas as outras, poderia ser usada da mesma maneira como a base do
valor? Farjoun e Machover (1983) fornecem uma discussão cortante sobre esse ponto e uma defesa
eficaz da escolha do trabalho como base.

[11] O “Dust Bowl” (algo como “Sopro de Poeira”) foi um fenômeno climático caracterizado por
tempestades de areia, que durou cerca de 10 anos, e que foi causado pelo corte das plantas que antes
mantinham o solo fixo para serem substituídas por plantações. [N.M.]

[12] Recentemente ficou claro que os regimes socialistas da Europa Oriental tinham um péssimo
histórico sobre destruição ambiental, comparável ao do capitalismo do século XIX. Nos parece, no
entanto, que isso tinha mais a ver com a falta de responsabilidade e prestação de contas democráticas
e com uma ênfase historicamente específica no rápido desenvolvimento de indústrias pesadas a
qualquer custo, do que com a natureza do cálculo socialista como tal.

[13] A relação entre contabilidade do tempo de trabalho e considerações ambientais/de recursos


naturais é tratada de maneira mais completa em Cockshott e Cottrell (1993).

[14] Talvez para pessoas que não estejam muito familiarizadas com o jargão da Ciência da
Computação essa palavra possa parecer estranha, mas “iteração” se refere à repetição, a processos
que precisam ser executados repetidamente até que se atinja uma condição previamente estabelecida.
No artigo essa palavra (e derivadas) aparece várias vezes. [N.M.]

[15] Este procedimento é discutido em maiores detalhes em Cockshott e Cottrell (1993).

[16] Essa afirmação é feita de maneira bastante explícita em ‘Socialismo’: “Direcionar a produção para
o lucro significa simplesmente direcioná-la para a satisfação das demandas de outras pessoas… ˙
Entre produção pelo lucro e produção para as necessidades [das pessoas], não existe diferença”
(Mises, 1951: p. 143).
[17] Isso não é diferente da visão de Marx de que a distribuição da renda é governada pelo modo de
produção (especificamente a distribuição dos meios de produção – ver, por exemplo, Marx, 1974: p.
348). Em ambos os casos, o argumento dá origem a uma atitude desdenhosa em relação aos
esquemas para a redistribuição radical de rendimentos sob o capitalismo.

[18] “res commercium extra” – algo que não está na esfera do comércio. [N.M.]

[19] Variações em torno do tema tratado por Lange foram oferecidas por H. D. Dickinson (1933), Abba
Lerner (1934) e E. F. M. Durbin (1936), entre outros. Mas essas outras contribuições, apesar de
divergirem nos detalhes, são suficientemente semelhantes às propostas mais conhecidas de Lange
para que não exijam exame separado aqui.

[20] Apesar de estar ciente de que problemas de múltiplas soluções e de instabilidade de equilíbrio
podem surgir sob certas condições, Lange assume que um equilíbrio geral estável e único é a norma.

[21] A referência aqui é a Léon Walras, que em seu ‘Elements d’Economie Politique Pure’ de 1874
introduziu a ficção teórica de um leiloeiro para toda a economia.

[22] Ou seja, um nível em que a demanda não aumentaria mais com o aumento da produção. Ver
“elasticidade”. [N.M.]

[23] no original, “cumbersome t’atonnements” – como não consegui pensar numa tradução para
t’atonnements, tentei descrever seu significado usando o “ciclos de ajustes iterativos e parciais por
tentativa e erro”. [N.M.]

[24] Em Mises e Hayek o ponto válido de que uma economia dinâmica deve estar constantemente em
busca de novos métodos [de produção] e novos produtos – e, portanto, de que as informações para a
‘função de produção’ não estão dadas de uma vez por todas – tende a se transformar naquilo que
poderíamos chamar de “misticismo do empreendedor” – um subjetivismo radical para o qual não vemos
justificativa científica.

[25] Ainda não estamos prontos para definir o “sucesso” [de novos produtos e novos processos de
produção] neste contexto, mas faremos isso na seção 4.2.2.

[26] Métodos democráticos poderiam entrar [no sistema] indiretamente, na seleção do pessoal
encarregado dessas decisões; ou, em alguns casos diretamente, como no caso de programas rivais
apresentados por equipes de especialistas sendo levados ao voto popular.

[27] novamente, tentei mais descrever do que traduzir “socialist tˆatonnement”. [N.M.]
[28] “O diretor” é a personificação idiossincrática de Mises da autoridade de planejamento.

[29] no original, “ex-ante”. [N.M.]

[30] É interessante que mesmo os comentaristas socialistas se sintam obrigados a se distanciar desse
tipo de declaração. Robin Blackburn (1991), por exemplo, sustenta que neste texto, Marx está sendo
“no mínimo um pouco brincalhão” e apelida a concepção de planejamento central que ela parece
sugerir de “falácia sinóptica”.

[31] Hoje em dia, é claro, essa passagem é comumente citada apenas para mostrar a “miopia e
analfabetismo econômico” de Engels (como em Ramsay Steele, 1981, p. 12). É verdade que Engels
(assim como Marx) era otimista demais em relação à “simplicidade” de se medir o conteúdo de trabalho
dos bens, e ele não arrisca entrar em detalhes sobre como os “efeitos úteis” devem ser comparados –
mas se tais afirmações forem tomadas como o ponto de partida para a elaboração de um argumento
socialista, então elas são bastante razoáveis, como mostraremos a seguir.

[32] no original, “labour money”. [N.M.]

[33] Marx critica o esquema de Proudhon em ‘A Miséria da Filosofia’ ([1847] 1963), e trata de John
Gray em sua ‘Contribuição para a Crítica da Economia Política’ de 1859 (a seção relevante é
reimpressa como um apêndice em Marx, 1963), enquanto Engels aborda a variante de Rodbertus em
seu prefácio de 1884 à primeira edição alemã de ‘A Miséria da Filosofia’ (novamente, em Marx, 1963).
Entre Marx em 1847 e Engels em 1884, encontramos uma linha consistente de ataque a tais propostas.

[34] Quase não seria necessário citações diretas para estabelecer esses pontos. Ver, por exemplo,
Marx (1963: pgs. 17-20, 60-61, 66-9, 203-6).

[35] Em seu livro ‘A Revolução Social’ (1902, pgs. 129-33), Kautsky oferece uma discussão breve e
um tanto ambígua sobre a “lei do valor” e o socialismo, que combina afirmações de teses marxistas
clássicas com comentários estranhamente incongruentes sobre a “indispensabilidade” do dinheiro. Em
seu trabalho posterior, ‘A Revolução dos Trabalhadores’ (1925, pgs. 261-70), as formulações de Marx
e Engels são abandonadas em favor de um argumento geral pela necessidade do dinheiro e de preços.
Este argumento parece dever algo à “crítica do dinheiro-trabalho” discutida acima; também se baseia
na ideia de que a medição do conteúdo de mão-de-obra é impraticável – “não poderia ser realizada
nem pelo maquinário estatal mais complicado que se possa imaginar” (p. 267). A propósito, Kautsky
(1925) é altamente crítico em relação ao “planejamento em espécie” de Neurath pelos mesmos
fundamentos que Mises e Hayek.

[36] As visões de Kautsky já foram mencionadas acima. Os comentários céticos de Bettelheim – citados
com aprovação por Nove (1983: pgs. 27-8) – encontram-se em seu livro ‘Calcul économique et formes
de propriété’ (1971: 30).
[37] Observamos que Marx e Engels não falam de “valores” no socialismo. Embora seja bem aceito
seu argumento de que o conteúdo do trabalho não assume a forma do valor de troca em uma economia
socialista, ainda assim achamos útil empregar o termo “valor-trabalho“, ou simplesmente “valor“, como
um atalho para a soma dos conteúdos de trabalho diretos e indiretos [nos bens e serviços].

[38] Essa descrição não é muito precisa, na medida em que ignora o problema da produção conjunta.
Quando duas [ou mais] mercadorias são produzidas em conjunto e em uma proporção fixa [entre elas]
em um processo de produção, os valores-trabalho individuais dos bens serão indefinidos. Entretanto,
acontece que dado o uso específico que estamos propondo para os valores-trabalho dentro do
processo de planejamento (ver seção 4.2.2), é possível tratar a questão da produção conjunta
prontamente, como mostrado no Apêndice A deste artigo.

[39] No ano de 2018 o supercomputador mais poderoso do mundo naquele momento, o IBM Summit,
era capaz de alcançar a velocidade de 122 PetaFlops, ou seja, realizar 122 quadrilhões de operações
de ponto flutuante por segundo( 1.22 x 1017 ). Isso significa que a tarefa de inversão da matriz de
Leontief por força bruta via eliminação Gaussiana para 107 produtos, que para a tecnologia disponível
para Cockshott e Cottrell em 1993 ainda demoraria 1.5 milhões de anos, com a tecnologia
disponível em 2018, poderia ser realizada em 8 x 105 segundos, ou seja, pouco mais de 9 dias
de processamento. Isso significa que em 2018, se quiséssemos, nem precisaríamos buscar técnicas
mais avançadas do que a força bruta computacional, como precisaram fazer Cockshott e Cottrell no
artigo, para possibilitar a solução da inversa da matriz de insumos-produtos. Mas, é claro, não seria
necessário usarmos essa abordagem, pois com as técnicas usadas por Cockshott e Cottrell, como
veremos mais à frente, a tarefa computacional hoje seria trivial mesmo para computadores de mesa.
[N.M.]

[40] Novamente, consideremos a tecnologia disponível em 2018, com o super-computador IBM Summit
sendo o máximo de desempenho possível, como indicado na nota anterior. Nesse caso, apenas a
aplicação dos métodos de Gauss-Seidel ou de Jacobi seria o suficiente para baixar o tempo de
execução da inversão da matriz de Leontief para uma economia de 107 produtos para 0.16
segundos, claramente uma tarefa não apenas viável, mas trivial – e nem precisaríamos de buscar
outras técnicas, como fizeram Cockshott e Cottrell. Claro que para um computador de mesa equipado
com um processador Intel Core i7 7500U, capaz de lidar com apenas 49 milhões de instruções por
segundo, esta ainda seria uma tarefa completamente inviável – estaríamos falando de algo como 5 x
108 segundos, ou seja, em torno de 15 anos. Para o cálculo em computadores domésticos, ainda
precisaríamos avançar para a utilização de outras técnicas, como fizeram Cockshott e Cottrell. [N.M.]

[41] Geoff Hodgson (1984) usa essa variante do cálculo para descartar a possibilidade de um
planejamento central eficaz. Ele chega a um tempo de execução muito mais longo, pois emprega um
computador agora obsoleto [em 1993] em seu padrão de velocidade.

[42] Observe que há uma margem de erro embutida nesses cálculos pela escolha como referência de
um computador rápido comercialmente disponível na metade da década de 1980. Hoje [1993] estão
disponíveis máquinas com velocidades duas ordens de magnitude mais rápidas, como a “superfície de
computação” da Meiko na Universidade de Edimburgo, e é claro que o progresso nesse campo
continua em ritmo acelerado. [N.M.: para dados mais atualizados, ver as notas 39, 40 e 43]
[43] Usando essa mesma técnica, novamente com a tecnologia de 2018, temos um tempo de execução
de processamento ridiculamente pequeno no IBM Summit para o procedimento iterativo de inversão
da matriz (agora na forma de listas encadeadas): 0.000006 segundos para o cálculo dos valores-
trabalho de todos os produtos para uma economia de 10 milhões de produtos. Se utilizarmos um
computador de mesa como aquele indicado nas notas acima, e utilizarmos esta mesma técnica, a
tarefa de cálculo dos valores-trabalho para todos os 10 milhões de produtos, do exemplo da União
Soviética, temos um processamento em 5 x 103 segundos, ou seja, em torno de 1 hora e 15 minutos
de processamento. Se no artigo acima os autores mostravam que esse processamento já era
uma tarefa viável para os super-computadores da sua época, aqui podemos ver que hoje ela é
viável para qualquer computador doméstico atual (e, em breve, para qualquer celular). [N.M.]

[44] O Instituto de Pesquisas Econômicas da Gosplan realizou alguns cálculos de valor-trabalho com
base na tabela de 1960 e, como observa Treml (1967: p. 79), isso “foi saudado como um acréscimo
importante às ferramentas mais tradicionais de planejamento do trabalho na União Soviética”. Mas
esses estudos pioneiros não parecem ter tido continuação. Os limites do poder computacional e da
coleta de dados na União Soviética restringiam o uso prático dos métodos de insumos-produtos a
campos como a análise inter-regional (Ellman, 1971, 1989).

[45] Alguns argumentos que sustentam essas conclusões podem ser encontrados em Cockshott e
Cottrell (1989). Um tratamento mais longo e mais técnico da questão pode ser encontrado em
Cockshott e Cottrell (1993).

[46] O argumento de Samuelson-Weiszäcker constitui o ponto de partida (e, poderíamos dizer, também
o ponto final) de tratamentos mais recentes do tópico, como Jon Elster (1985).

[47] O parâmetro do plano possui as mesmas propriedades formais que uma taxa de lucro, mas suas
magnitudes seriam iguais apenas em um mundo no qual a burguesia, de maneira abnegada, dedicasse
toda a sua renda à acumulação!

[48] Mises vivia repetindo a ladainha de que os socialistas supostamente seriam incapazes de reduzir
as decisões econômicas à comparação de grandezas escalares (monetárias). Ao contrário,
consideramos uma virtude que o socialismo seja capaz de definir certas questões como assuntos para
julgamento – é claro, um julgamento que seja informado por números relevantes, mas não redutível à
uma maximização unidimensional.

[49] Esse argumento – um tema básico do trabalho da Strumilin ao longo de meio século – está
expresso de maneira particularmente clara em seu livro (1977: p. 136-7).

[50] Com os preços de “limpeza” do mercado, como observamos, os produtos vão para aqueles
dispostos a pagar mais. Dada uma distribuição igualitária de renda [ou próxima disso], não vemos
objeção a isso.
[51] Um algoritmo alternativo que abre espaço para incluir estoques determinados de meios de
produção específicos é apresentado em Cockshott (1990).

[52] Como Marx havia entendido claramente: “Em uma dada base da produtividade do trabalho, a
produção de certa quantidade de artigos em cada esfera de produção requer uma quantidade definida
de tempo de trabalho social; embora essa proporção varie em diferentes esferas de produção e não
tenha relação interna com a utilidade desses artigos ou com a natureza especial de seus valores de
uso.” (1972: pgs. 186–7)

[53] A. C. Pigou é um caso notável nesse sentido. Embora ele mesmo pare numa cautelosa posição
fabiana, sua discussão em ‘Capitalismo Versus Socialismo’ (1954) representa uma notável admissão,
do principal defensor da economia neoclássica na Inglaterra no entre-guerras, dos poderosos
argumentos em favor do Planejamento socialista.

[54] Ver, por exemplo: Ochoa (1989), Petrovic (1987), Shaikh (1984), Valle Baeza (1994), Cockshott e
Cottrell (1997), Cockshott, Cottrell e Michaelson (1995), Cockshott e Cottrell (2003).

[55] Essa é uma afirmação especialmente polêmica, considerando as contribuições de socialistas


marxistas, de marxistas negros e etc. Por mais que possamos concordar que a posição de classe vai
ser determinante nas condições de quaisquer grupos oprimidos por outras razões, há um grande
debate sobre como o Capitalismo usa essas divisões ao seu favor na luta de classes e o quanto de
incentivos o sistema tem para semeá-las, principalmente em momentos de crise econômica e política;
não estamos convencidos de que a tendência geral, sob o capitalismo, é mesmo rumo à redução da
discriminação, mas esse é um debate extenso demais para uma nota de tradução. [N.M.]

[56] O caráter específico e prático desse polimorfismo do trabalho humano abstrato, numa sociedade
socialista, é o tema de outro debate enorme, que também não cabe neste espaço – Luis Felipe Miguel
busca retomar as posições de vários autores marxistas nesse sentido em seu livro ‘Trabalho e Utopia’
[N.M.]

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Informação e Economia: Uma Crítica à Hayek

Paul Cockshott e Allin Cottrell

[A análise dos aspectos econômicos da informação tem sido associada ao trabalho de Hayek, que
enxerga o sistema de preços no mercado como um mecanismo de telecomunicação de informações e
de adaptação a mudanças. As críticas de Hayek às possibilidades de um planejamento democrático
da produção de bens e serviços, como apresentadas no artigo “O Uso do Conhecimento na Sociedade”,
têm servido de base para enterrar qualquer forma de socialismo, mesmo para pessoas que resistem
ao seu entusiasmo extremo por mercados irrestritos. Até que ponto as ideias de Hayek se sustentam,
principalmente diante dos avanços posteriores na Teoria da Informação e na Ciência da Computação?
Será que o sistema de mercado realmente é tão mais eficiente do que qualquer alternativa baseada
no planejamento democrático socialista jamais poderia ser? Ou, pior, será que as ideias de Hayek
realmente mostram que uma alternativa desse tipo não seria apenas menos eficiente, mas
simplesmente impossível?]

1 introdução
Em uma série de publicações entre o final dos anos 80 e meados dos anos 90, procuramos reabrir um
debate sobre a Economia do socialismo. Defendemos que nem os argumentos teóricos apresentados
no Ocidente, e nem o marco histórico do colapso do sistema soviético deveriam levar necessariamente
às conclusões de que todas as formas de economia socialista estariam condenadas à ineficiência, e
de que o planejamento econômico socialista não passaria de uma noção insustentável, cujo tempo
passou. Atualizando e estendendo uma linha de raciocínio encontrada em Lange (1967) e em
Johansen (1977) [1], afirmamos que a tecnologia da informação moderna permite a construção de uma
forma de economia planejada que seja eqüitativa e eficiente (no atendimento das necessidades
humanas), capaz de superar o mercado em ambos os campos. [2] Não esperamos que nossas idéias
encontrem sucesso político imediato, mas nos arriscamos a esperar que economistas de mente aberta
considerem nossos argumentos econômicos nos seus próprios méritos. No entanto, mencionamos
esses pontos para situar este artigo no seu contexto; não pretendemos reiterar aqui nossos
argumentos gerais em favor do planejamento.

Nosso objetivo aqui é mais específico. A análise dos aspectos econômicos da informação tem sido
associada à escola hayekiana de Economia. Friedrich August von Hayek (1899-1992) foi um
economista e filósofo político austríaco [e um dos principais membros da linha de interpretação
econômica conhecida como “Escola Austríaca”]. Hayek ficou conhecido por sua defesa da democracia
liberal e do capitalismo de livre-mercado, contra o pensamento socialista e coletivista em meados do
século XX [apesar da sua eventual celebração de ditaduras militares de direita (ou, como ele disse
certa vez, “ditaduras liberais”) quando os resultados da democracia liberal iam contra a sua visão
econômica, como no Chile do início dos anos 70]. As idéias de Hayek adquiriram uma relevância prática
com a sua adoção política, primeiro pelos governos [da ditadura de Pinochet no Chile, e] de Thatcher
na Grã-Bretanha nos anos 70-80 e depois por governos [sulamericanos e africanos endividados,
pressionados por instituições como o FMI e o Banco Mundial a adotá-las como condição para receber
empréstimos; e mais tarde pelos governos] pós-soviéticos na Rússia e no Leste Europeu. [3]
Consideramos que ele cometeu erros fundamentais em sua análise da informação econômica – erros
que, quando se tornaram a base de políticas práticas, tiveram efeitos catastróficos sobre a
coordenação e o desempenho econômicos.

Buscamos refutar as objeções ao planejamento socialista apresentadas por Hayek em seu clássico
artigo “O Uso do Conhecimento na Sociedade“, de 1945. A relevância de tal argumentação pode ser
questionada: Hayek em geral não é considerado como parte da linha dominante entre os economistas
profissionais [a escola neoclássica, ou ortodoxa], e muitos deles sempre consideraram a defesa do
mercado feita por ele como sendo um tanto estridente e doutrinária demais. No entanto, vemos que a
estrela de Hayek está em ascensão, [principalmente] no mundo pós-comunista, e que mesmo aqueles
que resistem ao seu entusiasmo extremo por mercados irrestritos, freqüentemente estão bem
dispostos a aceitar seus argumentos para enterrar qualquer forma de socialismo. [4]

Que fique bem claro: Estamos cientes de que os argumentos de Hayek não são os únicos que precisam
ser enfrentados por qualquer pessoa que tente defender uma economia socialista; além disso, os
argumentos em “O Uso do Conhecimento na Sociedade” não são os únicos argumentos relevantes
apresentados pelo próprio Hayek. (Em outros trabalhos, ele enfatizou a questão dos incentivos – mas
não temos muito a dizer sobre esse assunto neste artigo.) Dito isso, acreditamos que os argumentos
de Hayek sobre conhecimento econômico ou informação econômica – cujo núcleo está no artigo que
escolhemos discutir – têm sido muito influentes, e que uma resposta plausível a ele seria de alguma
importância.

Como um indicador do papel dos argumentos de Hayek sobre informação e planejamento, considere
o livro de Joseph Stiglitz, ‘Whither Socialism?’ [“Para Onde Vai, Socialismo?”, em tradução livre] (1994).
Stiglitz é um crítico da Economia Socialista, mas sua crítica é quase inteiramente dirigida contra o
socialismo de mercado. Quanto a uma economia centralmente planejada, ele diz apenas que “Hayek
criticava com razão” o projeto marxiano, “argumentando que o planejador central jamais poderia ter as
informações necessárias” (Stiglitz, 1994, p. 9). Essa nos parece ser uma resposta bem típica: mesmo
economistas que não subscrevem totalmente às visões de Hayek sobre os méritos do livre-mercado –
como Stiglitz -, não obstante, acreditam que a crítica de Hayek ao planejamento central poderia,
seguramente, ser considerada como definitiva. Esperamos demonstrar que isso não deve ser tomado
como certo.

***

Portanto, vamos ao trabalho. Oferecemos abaixo uma exposição e uma contestação, ponto-por-ponto,
das idéias em Hayek (1945). Devemos deixar claro que algumas das nossas críticas a Hayek são
anacrônicas (mas não todas, de maneira nenhuma) – ou seja, elas dependem de avanços na
tecnologia da informação que ocorreram depois dos escritos de Hayek. Acreditamos que isso se
justifica, por dois motivos: Primeiro, porque Hayek claramente considerava estar apresentando um
argumento muito geral, que ele não esperava ver enfraquecido por mudanças tecnológicas; em
segundo lugar, porque os seguidores de Hayek (por exemplo, Lavoie, 1985) continuam a defender
seus argumentos de várias décadas atrás e a alegar que os desenvolvimentos na tecnologia da
informação seriam em grande parte irrelevantes. [5]

Em nossa exposição das ideias de Hayek, tentamos equilibrar a concisão com a necessidade de
produzir uma descrição suficientemente completa e justa, para evitar a suspeita de que poderíamos
estar atacando um espantalho. Começamos com um breve resumo das visões filosóficas que dão
forma aos argumentos em “Uso do Conhecimento na Sociedade“, descritas mais detalhadamente em
“A Contra-Revolução da Ciência” (Hayek, 1955).

2 Delineando os argumentos de Hayek


2.1 O pano-de-fundo filosófico
Em ‘A Contra-Revolução da Ciência’, Hayek se preocupa em estabelecer uma distinção radical entre
as Ciências Naturais e as Ciências Sociais – na medida em que as suas relações com seus temas de
estudo seriam fundamentalmente diferentes, segundo ele. Nas Ciências Naturais, os avanços
envolvem o reconhecimento de que as coisas não são o que parecem ser – a Ciência dissolve as
categorias imediatas da experiência subjetiva e as substitui pelas suas causas subjacentes, muitas
vezes ocultas. O estudo da sociedade, por outro lado, teria de tomar como matéria-prima as idéias e
as crenças das pessoas na sociedade. Os fatos estudados pelas Ciências Sociais

“diferem dos fatos das ciências físicas por serem crenças ou opiniões mantidas por pessoas
específicas; crenças que, como tais, são nossos dados, independentemente de serem verdadeiras ou
falsas; e que, além disso, não podemos observar diretamente nas mentes das pessoas, mas que
podemos reconhecer daquilo que elas dizem ou fazem simplesmente porque temos uma mente
semelhante às delas. “(Hayek, 1955, p. 28)
Ele argumenta que haveria um elemento subjetivo irredutível nos objetos de estudo das Ciências
Sociais, que estaria ausente nas Ciências Físicas.

A maioria dos objetos da ação social ou da ação humana não são “fatos objetivos” no sentido restrito
especial em que o termo é usado nas Ciências, no qual é contrastado com as “opiniões”; e não podem,
de maneira nenhuma, ser definidos em termos físicos. No que diz respeito às ações humanas, as
coisas são o que as pessoas que estão agindo pensam que elas são. (Hayek, 1955, pp. 27-27)
Seu paradigma para as Ciências Sociais (ou Ciências Morais) é que a sociedade deve ser
compreendida em termos das ações refletidas e intencionais dos homens, assumindo-se que as
pessoas estão constantemente escolhendo conscientemente entre diferentes possíveis cursos de
ação. Qualquer fenômeno coletivo deve, portanto, ser concebido como o resultado não-intencional das
decisões de atores conscientes individuais.

Isso impõe uma dicotomia fundamental entre o estudo da natureza e o estudo da sociedade: com os
fenômenos naturais, poderia ser razoável supor que o cientista individual possa conhecer todas as
informações relevantes, enquanto no contexto social essa condição não poderia ser satisfeita.
2.2 O problema básico da Economia
Partindo dessa base filosófica, Hayek (1945) coloca a questão: “Qual é o problema que queremos
resolver quando tentamos construir uma ordem econômica racional?” Ele continua:

Sob certas suposições familiares, a resposta é bem simples. Se possuirmos todas as informações
relevantes, se pudermos partir de um sistema determinado de preferências e se contarmos com o
conhecimento completo dos meios disponíveis, o que permanece é puramente um problema de
lógica. Ou seja, a resposta à questão de qual seria o melhor uso dos meios disponíveis está implícita
em nossas suposições. As condições que a solução deste problema de otimização precisa satisfazer
já foram completamente estabelecidas e podem ser melhor declaradas na forma matemática: para
resumir, as taxas marginais de substituição entre quaisquer duas mercadorias ou fatores devem ser
as mesmas em todos seus diferentes usos. (Hayek, 1945, p. 519)
Ele imediatamente deixa claro, no entanto, que as “suposições familiares” nas quais a abordagem acima
se baseia são bem irreais.

Esse, porém, – e de maneira enfática – não é o problema econômico que a sociedade enfrenta… A
razão para isso é que os dados a partir dos quais se inicia o cálculo econômico, para toda a sociedade,
nunca estariam disponíveis a uma única mente que poderia resolver suas implicações, e nunca
poderiam ser assim determinados. (ibid.)
Hayek explica então a sua própria perspectiva sobre a natureza do problema:

O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional é determinado precisamente pelo
fato de que o conhecimento das circunstâncias das quais devemos fazer uso nunca existe de forma
concentrada ou integrada, mas apenas como os fragmentos dispersos de conhecimentos incompletos
e freqüentemente contraditórios que todos os indivíduos separados possuem. (ibid.)
O verdadeiro problema seria, portanto, “como assegurar o melhor uso dos recursos conhecidos por
qualquer membro da sociedade, para fins cuja importância relativa apenas esses indivíduos conhecem”
(Hayek, 1945, p. 520, grifo nosso). Que isso não seja geralmente compreendido, afirma Hayek, é um
efeito do naturalismo ou do cientificismo, que seria “a transferência errônea para os fenômenos sociais
dos hábitos de pensamento que desenvolvemos para lidar com os fenômenos da natureza” (ibid.).

2.3 Contra a centralização


O ponto em questão entre Hayek e os proponentes do planejamento econômico socialista não é “se o
planejamento deve ser feito ou não”; na verdade, é “se o planejamento deve ser feito centralmente,
por uma única autoridade, para todo o sistema econômico; ou se ele deveria ser dividido entre muitos
indivíduos” (Hayek, 1945, pp. 520-21). O segundo caso nada mais seria do que a concorrência de
mercado, que “significa um planejamento descentralizado, realizado por muitas pessoas em separado”
(Hayek, 1945, p. 521). E a eficiência relativa das duas alternativas dependeria de

se estaremos mais propensos a ter sucesso colocando à disposição de uma única autoridade central
todo o conhecimento que deveria ser usado, mas que está inicialmente disperso… ou transmitindo
aos indivíduos o conhecimento adicional de que eles precisam para adequar os seus planos com os
dos outros. (ibid.)
O próximo passo na argumentação de Hayek envolve a distinção entre dois tipos diferentes de
conhecimento: o conhecimento científico (entendido como o conhecimento de leis gerais), versus um
“conhecimento desorganizado” ou “conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e de lugar”
[muitas vezes referido como “conhecimento tácito”]. O primeiro, diz ele, pode ser suscetível à
centralização por meio de um “corpo de especialistas escolhidos de maneira adequada” (Hayek, 1945,
p. 521), mas o segundo seria uma questão diferente.

Em termos práticos, todo indivíduo tem alguma vantagem sobre os outros, no sentido de que possui
uma informação única da qual se pode fazer uso benéfico, mas cujo uso só pode ser feito se as
decisões das quais isso depende forem deixadas para ele ou feitas com sua cooperação ativa. (Hayek,
1945, pp. 521-222)
Hayek está pensando aqui em “conhecimento sobre pessoas, condições locais e circunstâncias
especiais” (Hayek, 1945, p. 522), por exemplo, o fato de que uma certa máquina não está sendo
empregada totalmente, ou de uma habilidade que poderia ser melhor utilizada. Ele também cita o tipo
de conhecimento específico e localizado sobre os quais dependiam as transportadoras e as pessoas
que operam no mercado financeiro para ganhar com arbitragem. [6] Ele afirma que esse tipo de
conhecimento é muitas vezes seriamente subvalorizado por aqueles que consideram o conhecimento
científico geral como paradigmático.

2.4 A importância da mudança


Intimamente relacionada, na mente de Hayek, à subvalorização do conhecimento de fatores locais e
específicos, estaria a subestimação do papel da mudança na economia. Uma diferença fundamental
entre defensores e críticos do planejamento diria respeito à

importância e a frequência das mudanças, que tornarão necessárias alterações substanciais nos
planos de produção. É claro, se planos econômicos detalhados para períodos razoavelmente longos
pudessem ser estabelecidos com antecedência e depois pudessem ser seguidos de perto, de modo
que nenhuma outra decisão econômica de importância fosse necessária, a tarefa de elaborar um
plano abrangente governando toda a atividade econômica pareceria muito menos formidável.
(Hayek, 1945, p. 523)
Hayek atribui aos seus oponentes a ideia de que mudanças economicamente relevantes seriam algo
que ocorre em intervalos discretos [7] e em uma escala de tempo relativamente longa – e que entre
essas mudanças, o gerenciamento do sistema produtivo seria uma tarefa mais ou menos mecânica.
Contra isso ele cita, por exemplo, o problema de se evitar que aumentem os custos em uma indústria
competitiva, o que exige uma energia gerencial considerável no dia-à-dia; e enfatiza o fato de que as
mesmas instalações técnicas podem ser operadas com níveis de custos muito diferentes por diferentes
gestores. Um gerenciamento econômico efetivo exige que “novas disposições sejam tomadas todos
os dias à luz de circunstâncias desconhecidas no dia anterior” (Hayek, 1945, p. 524). Ele conclui,
portanto, que

o planejamento central baseado em informações estatísticas [agregadas], pela sua natureza, não é
capaz de levar em conta diretamente estas circunstâncias de tempo e de lugar, e… o planejador
central terá que encontrar uma ou outra maneira em que as decisões que dependem delas possam
ser deixadas para o homem presente no local. (ibid.)
A rápida adaptação às mudanças de circunstâncias de tempo e de lugar exigiria a descentralização –
não poderíamos esperar que algum conselho central emitisse ordens depois de integrar todo o
conhecimento.

2.5 Preços e informação


Embora insista que um conhecimento localizado e muito específico seria essencial para a tomada de
decisões econômicas, Hayek reconhece claramente que o “homem presente no local” precisa saber
mais do que apenas suas circunstâncias imediatas antes de poder agir de maneira efetiva. Daí surge
o problema de “comunicar a ele as informações adicionais de que ele precisa para encaixar as suas
decisões no padrão de mudanças do sistema econômico por completo” (Hayek, 1945, p. 525). Quanto
ele precisa saber? Por acaso, só aquilo que é transmitido pelos preços. Hayek constrói um exemplo
para ilustrar seu ponto:

Suponha que em algum lugar ao redor do mundo tenha surgido uma nova oportunidade para o uso
de alguma matéria-prima – digamos, o estanho – ou então que uma das fontes do suprimento de
estanho tenha sido eliminada. Não importa, para o nosso propósito, – e é muito significativo que isso
não importe – qual dessas duas causas tenha tornado o estanho mais escasso. Tudo o que os usuários
do estanho precisam saber é que parte do estanho que costumavam consumir agora é empregado de
maneira mais lucrativa em outros lugares, e que, em conseqüência, eles devem economizar o
estanho. Não há necessidade sequer de que a grande maioria deles saiba onde surgiu a necessidade
mais urgente, ou em favor de que outros usos eles deveriam economizar o seu suprimento [da
matéria-prima]. (Hayek, 1945, p. 526)
Apesar da ausência dessa visão geral, os efeitos da perturbação no mercado do estanho se ramificarão
por toda a economia, da mesma maneira:

O todo age como um único mercado, não porque qualquer um de seus membros tenha pesquisado
todo o seu campo de atuação, mas porque seus limitados campos individuais de visão se sobrepõem
de maneira suficiente para que, por meio de muitos intermediários, a informação relevante seja
comunicada a todos. (ibid.)
Portanto, o que é mais significativo no sistema de preços é “a economia do conhecimento com a qual
ele opera” (Hayek, 1945, pp. 526-7). Ele então completa seu argumento:

É mais do que uma metáfora a descrição do sistema de preços como um tipo de mecanismo para
registrar mudanças, ou como um sistema de telecomunicações que permite aos produtores
individuais observar apenas o movimento de alguns poucos indicadores – como um engenheiro pode
observar os ponteiros de alguns mostradores – a fim de ajustar suas atividades à mudanças, sobre as
quais eles podem jamais conhecer nada além daquilo que se reflete nos movimentos dos preços.
(Hayek, 1945, p. 527)
Ele admite que os ajustes produzidos pelo sistema de preços não são perfeitos, no sentido da teoria
do equilíbrio geral; mas eles seriam, não obstante, uma “maravilha” da coordenação econômica. (ibid.)

2.6 Uma ordem que evoluiu [espontaneamente]


Evidentemente o sistema de preços não surgiu como o produto de um projeto humano e, além disso,
“as pessoas guiadas por ele geralmente não sabem por que são levadas a fazer o que fazem” (ibid.).

Essa observação leva Hayek a uma declaração muito característica do seu argumento geral contra o
planejamento central.

Aqueles que clamam por uma “direção consciente” – e que não podem acreditar que qualquer coisa
que tenha evoluído sem um projeto (e mesmo sem a nossa compreensão) seja capaz de resolver
problemas que não poderíamos resolver conscientemente – devem lembrar-se disso: O problema é
precisamente como estender o alcance de nossa utilização de recursos para além do alcance do
controle de qualquer mente; e, portanto, como fornecer incentivos que farão os indivíduos fazerem
as coisas desejáveis sem que ninguém tenha que lhes dizer o que fazer. (Hayek, 1945, p. 527)
Hayek generaliza este ponto ao fazer referência a outros “fenômenos verdadeiramente sociais”, como
a linguagem (também um sistema não-projetado). Contra a ideia de que sistemas projetados
conscientemente teriam algum tipo de superioridade inerente sobre aqueles que simplesmente
evoluíram, ele cita A. N. Whitehead no sentido de que o progresso da civilização é medido pela
extensão do “número de operações importantes que podemos realizar sem pensar sobre elas” (Hayek,
1945, p. 528). Ele continua:

O sistema de preços é apenas uma daquelas formações que o homem aprendeu a usar… depois de ter
tropeçado nelas, sem as compreender. Por meio dele, tornou-se possível não apenas uma divisão de
trabalho, mas também uma utilização coordenada de recursos, baseada em um conhecimento
igualmente dividido… Ninguém ainda obteve sucesso em projetar um sistema alternativo em que
certas características do [sistema] existente possam ser preservadas, que são estimadas até por
aqueles que o atacam mais violentamente – como, particularmente, a extensão em que o indivíduo
pode escolher suas atividades e, conseqüentemente, usar livremente seu próprio conhecimento e
habilidades. (ibid.)
***

Acreditamos que os contornos da argumentação de Hayek estão, agora, claramente à vista. Estamos
prontos para prosseguir com nossas críticas, que estão estruturadas da seguinte maneira: Primeiro,
desafiamos a filosofia subjetivista que sustenta a concepção de informação de Hayek. Em seguida,
oferecemos uma perspectiva alternativa sobre a natureza do problema enfrentado por um sistema
econômico planejado e disputamos as afirmações de Hayek sobre os benefícios da descentralização,
principalmente sob a luz de estudos recentes na área da complexidade computacional. Isso leva então
a uma crítica à idéia de que o mercado constituiria um sistema de telecomunicações eficiente. Nossa
crítica é desenvolvida por meio de um modelo formal das trocas de informações exigidas sob o
mercado e sob um sistema planejado. A penúltima seção do artigo trata da ideia de que a mudança é
importante; e a seção final aborda a questão do mercado como um sistema que “evoluiu
espontaneamente”.

3 Uma crítica ao subjetivismo de Hayek


A visão radicalmente subjetivista de Hayek sobre as ciências sociais está aberta à objeção de que a
sua categoria constitutiva – o sujeito racional [8] – não está, de maneira nenhuma, determinado de
maneira óbvia. Como Lawson (1992) argumentou, uma profusão de pesquisas nos campos da
Psicologia e da Sociologia têm revelado que o comportamento humano é altamente baseado em
rotinas e coordenado principalmente por funções cerebrais inconscientes. De fato, como relata Dennett
(1991), experimentos em Neuro-Psicologia indicam que as pessoas agem primeiro e apenas mais tarde
se tornam conscientes de sua intenção de agir.
Para o domínio mais limitado da Economia, há o problema de que os “sujeitos” em questão têm maior
probabilidade de serem sujeitos jurídicos do que pessoas físicas – em geral, os atores econômicos na
produção industrial são empresas, não indivíduos humanos. Também não é possível reduzir as ações
de uma empresa à vida subjetiva interna de seu diretor administrativo. Em qualquer empresa grande,
as ações tomadas resultam de um complexo conjunto de práticas, revisões e procedimentos de tomada
de decisão envolvendo muitas pessoas. Os procedimentos podem ser tão importantes quanto quem
preenche qual cargo específico.

Nós diríamos inclusive que o sujeito econômico que Hayek toma como ponto de partida simplesmente
não é dado empiricamente, sendo antes uma reificação [ou mistificação] da teoria econômica. O sujeito
econômico racional faz sentido apenas em termos de procedimentos de cálculo formalizado – que, se
formos observar na prática, têm mais probabilidade de se materializar nas práticas contábeis e
administrativas das firmas do que nos cérebros dos indivíduos. A teoria econômica então projeta de
volta essas práticas – racionais para a empresa como sujeito jurídico – sobre um sujeito humano
supostamente constitutivo.

As condições históricas para essa projeção estão suficientemente claras. Nos estágios iniciais do
capitalismo, a distinção entre pessoas físicas e sujeitos jurídicos ainda estava mal definida – o agente
da prática econômica, portanto, parecia ser a pessoa do capitalista ou do empreendedor, e não a
empresa. Porém, do ponto de vista do estado atual do desenvolvimento econômico, pode-se ver que
o sujeito do cálculo racional é o sujeito jurídico que busca maximizar a propriedade. Se alguns dos
sujeitos jurídicos de um sistema de propriedade forem animais humanos individuais, o sujeito reificado
da teoria econômica fornece uma explicação sobre o que seria uma ação racional da sua parte. Mas a
afirmação de que esses animais de fato se envolveriam em tal ação racional é mais um ato de fé do
que um resultado empírico da Ciência. Ao partir desse ato de fé, Hayek pretendia marcar a Economia
essencialmente como um ramo da filosofia moral, ao invés de Ciência.

No entanto, uma vez que tenhamos reconhecido a categoria de sujeito pelo que ela de fato é – não
uma propriedade existente empiricamente no animal humano, mas algo atribuído a ele tanto pelas
estruturas da linguagem quanto do discurso jurídico (Althusser, 1971) – então essa exclusão da Ciência
do estudo da sociedade torna-se insustentável. Essa exclusão torna-se apenas outro apelo especial
da moralidade para manter longe de si as intrusões da ciência [naquilo que ela pretende manter como
seu espaço exclusivo].

Acreditamos firmemente na aplicabilidade dos métodos das ciências naturais para o estudo dos
fenômenos sociais e que a objeção de Hayek está fundamentalmente equivocada. Até mesmo Laplace
– notoriamente citado como um defensor do determinismo – argumentava que, embora o universo em
princípio fosse previsível até o mais ínfimo detalhe, essa previsão na prática seria impossível por causa
da limitação do conhecimento; e que, portanto, a Ciência deveria recorrer à Teoria da Probabilidade.
Certamente, desde Boltzmann, já se compreendeu como fenômenos coletivos surgem como
resultados “não intencionais” ou emergentes, à partir de uma massa de processos descoordenados. O
trabalho de Wright (2003) mostra como mesmo a lei do valor se revela de maneira semelhante – e ele
não precisou modelar a consciência por parte dos atores econômicos para obter esse resultado [, muito
menos a consciência consistentemente racional em suas escolhas].

***
O ponto de vista filosófico subjetivista de Hayek possui um peso importante em seus argumentos contra
o planejamento socialista, uma vez que esses argumentos se baseiam na noção de informação
subjetiva. Apesar do fato de “A Contra-Revolução da Ciência” ter sido publicado após o
estabelecimento de uma teoria científica da informação por Shannon e Weaver (1949), a noção de
informação de Hayek permanece decididamente pré-científica. Evidentemente, leva tempo até o
conhecimento construído em uma disciplina fluir para as outras. Em meados da década de 1950, a
ideia da objetividade da informação ainda não se espalhara para muito além dos estudos sobre
telecomunicações. Entretanto, agora que ela já revolucionou a biologia; tornou-se a base de nossas
principais indústrias; e começou a transformar nossa compreensão das ideologias sociais (Dawkins,
1982), sua ausência impõe um vício sobre todo o argumento de Hayek.

Para Hayek, a informação é essencialmente subjetiva; é conhecimento nas mentes das pessoas.
Assim, temos o problema de como as informações dispersas nas mentes de muitos podem, através
das operações do mercado, ser combinadas em prol do bem comum. Ao se adotar esse ponto de vista
subjetivista, a atenção acaba sendo desviada da questão muito prática e muito importante dos suportes
técnicos para a informação. Torna-se impossível enxergar a própria produção e manipulação da
informação como tecnologias e processos de trabalho, cujos desenvolvimentos atuam como restrições
às possibilidades das relações econômicas.

Em qualquer economia que não esteja entre as mais primitivas, as relações econômicas dependem do
desenvolvimento de técnicas para objetivar a informação. Considere por exemplo a relação entre
proprietário e arrendatário e, portanto, o aluguel/renda da terra. Essa relação só pode se estabilizar
uma vez que a sociedade tenha desenvolvido um meio de registrar os contratos de propriedade e de
arrendamento, seja como documentos escritos ou como as pedras de marcação de hipotecas tão
odiadas pelos camponeses da Ática. [9]

O desenvolvimento do preço depende das tecnologias da contabilidade e do cálculo – que numa


sociedade comercial nunca poderiam ser operações puramente mentais. O cálculo exige um suporte
material, seja ele as calculi – as pequenas pedras usadas pelos primeiros romanos -, ou as moedas e
tabelas de cálculo de fins da Antiguidade e da Idade Média. A racionalidade econômica é um processo
algorítmico auxiliado por um maquinário para computação e armazenamento de informações. O fato
de que até recentemente esse maquinário era simples e operado manualmente – o ábaco, a caixa de
moedas ou o livro-razão – permitia que ele fosse ignorado pela teoria econômica. No entanto, os meios
de racionalidade são tão essenciais para as relações econômicas quanto os meios de produção. O
comércio sem uma tecnologia de cálculo e de registro é tão impraticável quanto a agricultura sem
instrumentos para arar o solo. Uma vez que esses aspectos da teoria da informação e da tecnologia
da informação sejam considerados, é possível dar respostas bem diferentes ao problema da
informação econômica de Hayek.

4 Centralizar ou não centralizar? [Eis a questão]


4.1 O problema do cálculo e sua deturpação
Já argumentamos, em outro lugar, que o clássico “debate sobre o cálculo socialista” que ocorreu
durante a primeira metade do século XX teve lugar no terreno dos neoclássicos críticos ao socialismo,
em vez do terreno ocupado pelos seus defensores marxistas. Isso teve um efeito sobre a definição da
estrutura do problema. Na variante neoclássica, o problema começa com as preferências dos agentes
individuais e suas possibilidades de produção. Essa formulação é vulnerável à crítica de Hayek, com
base no fato de que as preferências dos indivíduos não estariam, em nenhum sentido, “dadas” para os
planejadores. Mas os economistas marxistas não aceitariam que essas preferências individuais
tivessem qualquer pré-existência significativa; [10] elas não fazem, portanto, parte do problema. [11]

O problema, na prática, é alinhar o potencial de produção a um padrão de necessidades sociais,


revelado por uma combinação de decisões políticas democráticas (como, por exemplo, o nível
apropriado de prestação de serviços de saúde pública) e agregados das compras pelos consumidores.
Dado um sistema razoável de coleta de dados informando as taxas pelas quais os bens de consumo
estão sendo vendidos e pressupondo um sistema de preços baseado nos valores-trabalho dos bens e
serviços (Cockshott e Cottrell, 1993), derivar um vetor-alvo de produção líquida [12] não exige poderes
telepáticos especiais por parte do sistema de planejamento. Talvez seja mais difícil reunir as
informações sobre as possibilidades de produção. É nesse contexto prático que deve ser colocada a
discussão de Hayek sobre sistemas de controle centralizados versus descentralizados.

4.2 “Uma única mente”


Os oponentes austríacos do socialismo falam como se o planejamento socialista tivesse que ser
realizado por uma única pessoa. Mises (1949) a personificou como “o diretor”; Hayek continua com a
metáfora, afirmando que os “dados a partir dos quais se inicia o cálculo econômico, para toda a
sociedade, nunca estariam disponíveis a uma única mente”. Como então, pergunta ele, a mente de
uma pessoa presumiria ser capaz de chegar a um resultado melhor do que o resultado combinado das
cogitações de milhões (como alcançado através do mercado)? Certamente, apenas um
megalomaníaco, ou pelo menos alguém cego pela arrogância científica, poderia propor tal coisa.

É claro que nenhum indivíduo possui a capacidade cerebral para compreender todas as interconexões
de uma economia – mas quando foi que os socialistas chegaram a afirmar algo tão tolo? Nem mesmo
os mais ávidos cultuadores de personalidade afirmariam que Stalin teria elaborado os planos de 5 anos
sozinho. O que os socialistas propuseram é a substituição do processamento de informações
econômicas através do mercado pelo processamento de informações econômicas através de uma
organização de planejamento. No passado, devido a limitações tecnológicas, a organização de
planejamento procedia por meio de uma divisão do trabalho mental entre um grande número de
pessoas. No futuro, o processamento de informações provavelmente será feito principalmente por meio
de máquinas de computação.

Em nenhum dos casos – e aqui entra em jogo nossa crítica ao subjetivismo de Hayek – a informação
estaria concentrada em uma única mente. No primeiro caso, obviamente ela não está na mente de um
único trabalhador, mas nem sequer está nas mentes de um conjunto de trabalhadores. Em vez disso,
a informação está principalmente nos seus registros escritos, formulários, livros-caixa, [planilhas de
computador, bancos de dados relacionais,] etc. Estes registros constituem os meios indispensáveis
para a administração. Desde as primeiras civilizações a construir templos na Suméria e no entorno do
Rio Nilo, o desenvolvimento da administração econômica tem se baseado no desenvolvimento de
meios de cálculo e registro. A mente humana entra como um registrador inicial de informações, e
depois como um manipulador de informações registradas. Nos procedimentos de cálculo, cadeias de
símbolos são lidas, transformadas e escritas. Os símbolos – sejam eles algarismos arábicos, entalhes
em talis ou nós em um quipu – representam quantidades físicas de bens; suas transformações
modelam os movimentos reais ou potenciais desses bens.

Ao colocar a questão nos termos da concentração de informações em uma única mente, Hayek remete
a uma condição pré-civilizada, abstraindo-se dos processos reais que tornam possível qualquer forma
de administração. Se, ao invés disso, sua objeção for sobre como nenhum sistema de administração
poderia ter a capacidade de processamento de informações necessária para a tarefa, aí ele está sujeito
ao ataque pelo fato da tecnologia da informação ter revolucionado a quantidade de informações que
podem ser efetivamente administradas.

4.3 Formas de conhecimento


A dicotomia que Hayek opera entre as Ciências naturais e o domínio social também deixa sua marca
na sua categorização das formas de conhecimento. Em sua visão existiriam apenas duas dessas
formas: o conhecimento de leis científicas gerais e o conhecimento (subjetivo) de “circunstâncias
particulares de tempo e de lugar”. Porém, esse esquema deixa de fora toda uma camada de
conhecimentos que são cruciais para a atividade econômica – ou seja, conhecimento de tecnologias
específicas, conhecimento capturado em projetos e esquemas, conhecimento capturado em software
[13]. Esses conhecimentos não são redutíveis a leis científicas gerais (geralmente a transição à partir
de uma teoria científica relevante para uma inovação industrial funcional não é um problema trivial),
mas também não são tão específicos em relação a tempo ou lugar que se tornem de fato
incomunicáveis. (Arrow, 1994) O licenciamento e a transferência de tecnologias num contexto
capitalista mostram isso claramente. Esse esquema também deixa de fora a tendência da sociedade
capitalista de capturar cada vez mais conhecimentos humanos em formas objetivas:

uma vez que o conhecimento de um trabalhador seja capturado como capital estrutural, você pode
se livrar do trabalhador. No capitalismo industrial, o excedente da força de trabalho do trabalhador
era expropriado, mas você tinha que reter o trabalhador por todo o tempo em que você quisesse
fazer uso do trabalho dele. O trabalhador ainda possuía a sua força de trabalho e a vendia em troca
de seus salários. Mas na nova economia, o conhecimento é tanto trabalho quanto meios de produção,
ambos expropriados e transformados em capital estrutural para uso exclusivo da corporação. Assim,
o capital intelectual pode ser totalmente alienado do trabalhador. Não apenas o valor do seu
trabalho é roubado, mas o trabalho em si. Harris (1996)
Um registro central de tecnologias disponíveis formaria um componente essencial de um sistema de
planejamento eficiente. Como essas informações seriam reunidas? Mais uma vez, a noção de
conhecimento de Hayek como algo que existiria apenas “na mente” é um obstáculo à compreensão.
De fato, hoje é uma prática quase universal que as empresas mantenham registros de suas entradas
e saídas na forma de algum tipo de planilha de computador. Esses arquivos de computador formam
uma imagem das características de insumos-produtos da empresa, uma imagem que é facilmente
transferível. [14]

Um componente de um sistema de controle cibernético precisa ser distribuído. Claramente são as


fábricas da Airbus quem possui as informações sobre quais peças são usadas para fabricar um A340;
são as fábricas de carros [da Ford] quem possui as informações sobre quais peças são usadas para
fabricar um Mondeo. Essas informações se aproximam do que Hayek chama de “conhecimento
contextual” ou “tácito” – mas, é claro, esse conhecimento já não é mais conhecimento humano [no
sentido de estar “na mente” de alguém].
Literalmente ninguém sabe quais peças entram na produção de um A340. Essas informações, vastas
demais para um ser humano manipular, estão armazenadas em um banco de dados relacional. Em
um estágio anterior do desenvolvimento industrial, elas teriam sido tratadas através de um complexo
sistema de registros no papel. Novamente, o conhecimento seria objetivo – residindo em objetos e não
em cérebros humanos. A própria possibilidade de uma atividade industrial coordenada em larga escala
se baseia na existência de tal informação objetivada.

As informações para se expandir toda a lista de peças [diretas e indiretas] e para construí-las são
geradas por um processo de projeto computadorizado dentro das fábricas em colaboração que
compõem a Airbus Industrie. Em uma economia socialista controlada ciberneticamente, os dados da
expansão completa da lista de peças para o A340, juntamente com os dados da expansão da lista de
peças para os outros produtos, teriam de ser combinados computacionalmente para se chegar a um
plano de produção equilibrado.

Além disso, até mesmo o tipo de conhecimento “específico” que Hayek pensava ser localizado demais
para ser suscetível à centralização, hoje é centralizado de maneira rotineira. Tome o exemplo dele
sobre as informações possuídas por transportadoras. Na década de 1970, a American Airlines
alcançou a posição de maior companhia aérea do mundo, em grande parte graças à força que
obtiveram com o desenvolvimento do seu sistema SABER de reservas de voo informatizadas. Gibbs
(1994). Desde então, nos acostumamos com a possibilidade de acessar a Internet para determinar
onde e quando haverá voos disponíveis, indo de praticamente qualquer ponto A para qualquer ponto
B ao redor do mundo. [Isso para nem entrar em tantas outras informações desse tipo que hoje estão
centralizadas em sistemas como os do Amazon, Uber, Google, LinkedIn, Facebook, etc etc] O apelo
de Hayek ao conhecimento localizado neste tipo de contexto pode ter sido apropriado naquela época,
mas agora está claramente desatualizado.

Não vamos, entretanto, contestar que algum conhecimento localizado, importante para a eficiência fina
do sistema, pode muito bem ser específico demais para qualquer centralização significativa. Nossa
objeção neste ponto é que Hayek parece ignorar a possibilidade de que esse tipo de conhecimento
possa simplesmente ser usado de maneira local, sem prejuízo para o funcionamento de um plano
central. A questão aqui diz respeito ao grau de recursividade do planejamento, isto é, a extensão em
que os planos possam ser formulados em termos gerais pelas agências de planejamento superior, e
especificados em detalhes cada vez mais completos por instâncias sucessivamente mais baixas ou
mais localizadas. Nove (1977, 1983) argumentou de maneira persuasiva sobre como, no que diz
respeito à composição da produção, o grau de recursividade de planejamento tende a ser pequeno.
Se uma agência central definir metas de produção em termos agregados e deixar para as instâncias
menores a especificação dos detalhes, o resultado será inevitavelmente incoerente. Na ausência do
tipo de ligações horizontais entre as empresas que caracteriza o sistema de mercado, as empresas
simplesmente não podem saber que tipo específico de produção será necessário, a menos que isso
seja dito a elas pelas autoridades de planejamento. Isso pode ser concedido. [15] Mas a baixa
recursividade em relação às decisões sobre a composição da produção não implica que todas as
decisões relativas à produção devam ser tomadas de maneira centralizada. Considere o conhecimento,
no nível da empresa, de quais trabalhadores específicos são melhores em quais tarefas; quem é o
trabalhador mais rápido; quem é o mais confiável; e assim por diante (e da mesma forma com as
máquinas específicas operadas dentro da empresa). Por que esse conhecimento não poderia
simplesmente ser usado de maneira local para elaborar os cronogramas detalhados da empresa para
atender a um plano de produção estabelecido pelo “centro”? Não é exatamente isso o que acontece
no nível de cada unidade de produção no contexto do planejamento por uma grande empresa
capitalista que se espalhe por várias instalações?
4.4 Desvantagens da dispersão
Tendo argumentado sobre como a centralização da maior parte das informações econômicas é factível,
vamos agora considerar se isso seria desejável. Quando o cálculo econômico é visto como um
processo computacional, as vantagens em se realizar esse cálculo de maneira distribuída ou
descentralizada estão longe de serem evidentes; a questão depende de como se inter-relacionam uma
multiplicidade de fatos sobre as possibilidades de produção em diferentes ramos da economia. As
inter-relações entre esses fatos formam, parcialmente, uma imagem no campo das informações das
inter-relações reais dos vários ramos da economia. Os produtos de uma atividade atuam como insumos
para outra: esta é a verdadeira interdependência entre elas. Além disso, existem as interações
potenciais, onde ramos de produção diferentes poderiam funcionar como usuários alternativos para os
mesmos insumos.

É importante distinguir entre esses dois tipos de interações. O primeiro representa fluxos reais de
materiais e é uma propriedade estática de uma fotografia da economia. O segundo, a variação nos
usos potenciais dos bens, não é uma propriedade da economia real, mas do espaço de estados de
todas as economias possíveis. Este último faz parte do problema econômico apenas na medida em
que consideremos o problema como sendo uma busca por pontos otimizados [16] dentro deste espaço
de estados. De acordo com a teoria econômica neoclássica, em uma economia de mercado, a
evolução da economia real – as verdadeiras interdependências entre os ramos da economia – fornece
o procedimento de busca através do qual esses pontos otimizados são buscados. A economia
descreve uma trajetória através de seu espaço de estados; essa trajetória é o produto das trajetórias
de todos os agentes econômicos individuais, com esses agentes individuais decidindo sobre sua
próxima posição com base nas informações que obtêm do sistema de preços.

Seguindo com a metáfora de Hayek do sistema de preços como um sistema de telecomunicações ou


como um maquinário para registrar mudanças, a economia de mercado como um todo age como se
fosse um único processador analógico. [18] Ela representa um processador único, porque em qualquer
ponto no tempo ela pode ser caracterizada por um único vetor de estado, que define a sua posição
atual no espaço de estados do problema econômico. Além disso, esse processador opera com um
tempo de ciclo muito lento, já que a transmissão de informações está limitada pela taxa de mudança
nos preços. Para se produzir uma alteração nos preços, precisa haver uma mudança nos movimentos
reais dos bens (aqui estamos abstraindo do pequeno número de mercados de futuros, altamente
especializados). Assim, a velocidade de transmissão das informações está amarrada à velocidade na
qual os bens reais podem ser movidos ou na qual novas instalações de produção podem ser colocadas
em operação. Em suma, uma economia de mercado realiza uma busca de thread única (ou
“monothread”) através de seu espaço de estados, com um conjunto de ajustes relativamente lentos
para a sua posição [nesse espaço], com a velocidade dos ajustes sendo determinada pela rapidez
com que a economia real pode se mover.

***

Agora compare isso com o que potencialmente pode ser feito se os fatos relevantes puderem ser
concentrados, não em um lugar – isso seria impossível -, mas dentro de um pequeno volume de
espaço. Se as informações forem reunidas em uma ou mais máquinas de computação, elas poderão
pesquisar o espaço de estados possíveis sem qualquer alteração na economia real.
Aqui a questão sobre se iremos ou não concentrar as informações torna-se muito relevante. É uma
propriedade básica do universo que nenhuma parte dele possa afetar outra em menos tempo do que
a luz leva para se propagar entre elas. [18] Suponha que alguém tenha todas as informações relevantes
espalhadas por uma rede de computadores por todo o país. Suponha que qualquer um desses
computadores pode enviar uma mensagem para qualquer outro. Suponha que essa rede seja agora
instruída a simular os estados possíveis da economia, a fim de buscar um estado otimizado. A evolução
de um estado simulado para outro poderia prosseguir tão rapidamente quanto os computadores
pudessem trocar informações sobre seu próprio estado atual. Dado que os sinais elétricos entre eles
viajam na velocidade da luz, este sistema de computação será muito mais rápido do que a velocidade
em que uma economia real pode evoluir.

4.5 Quando a centralização ajuda


Se o planejamento será implementado usando supercomputadores centrais, ou uma rede distribuída
de máquinas locais, ou ainda alguma combinação de ambas as opções, isso é uma questão
essencialmente pragmática relacionada à tecnologia disponível. Já vimos acima, nos exemplos sobre
a construção de um Airbus A340, que um componente do sistema de controle precisa necessariamente
ser distribuído. Contudo, existem algumas vantagens práticas na centralização de certas instalações
de cálculo e de controle.

A velocidade com a qual um aparato complexo de tomada de decisões pode funcionar depende tanto
da rapidez com que a informação pode se propagar através dele, quanto da rapidez com que seus
componentes individuais podem responder a essa informação. Um dos argumentos contra o sistema
de mercado é que os sinais de preços que ele transmite têm, exceto nos mercados financeiros, uma
taxa de propagação relativamente lenta. Isso porque as mudanças nos preços geram mudanças na
produção e sua freqüência está limitada pela taxa na qual a capacidade produtiva pode ser ajustada.
Isto implica num ciclo temporal relativamente longo e muito dispendioso – normalmente medimos os
ciclos de negócios como tendo uma duração entre 3 e 7 anos.

Em contraste, um sistema de planejamento cibernético poderia resolver as implicações em bens


intermediários e em bens de capital de uma mudança na demanda dos consumidores em questão de
horas ou dias. O quão rápido ele funcionaria dependeria se o cálculo usasse técnicas de computação
distribuídas ou centralizadas. No primeiro caso, ela ocorreria através do intercâmbio de mensagens
entre computadores locais; no segundo, os dados da expansão das listagens de componentes para os
diferentes produtos seriam transmitidos para um único centro de processamento para serem
manipulados por supercomputadores com alto grau de paralelismo. [considerando os data farms de
Googles e Facebooks, não haveria nada de novo nisso em nossa época – ver a nota 19]

Se usarmos processadores paralelos distribuídos de maneira ampla, a velocidade da computação


tende a ser notavelmente mais lenta do que quando usamos máquinas paralelas bem acopladas. Se
a computação exige uma inter-comunicação extensiva de informações – como é o caso para o cálculo
de equilíbrio econômico – então ela passa a ser limitada pela velocidade de transmissão das
mensagens de uma parte do sistema computacional para outra. Um sistema de computação
firmemente acoplado com n processadores tenderá a realizar seus cálculos mais rápido do que um
sistema distribuído por uma rede de telecomunicações, com n processadores equivalentes. Isso ocorre
porque os canais de comunicação entre os processadores são mais curtos no sistema fortemente
acoplado – e, consequentemente, as mensagens (que viajam à velocidade da luz) percorrem o
caminho entre os processadores em menos tempo.
Um sistema cibernético de controle econômico usando tecnologia computadorizada será mais rápido
do que um sistema de mercado, uma vez que a transmissão eletrônica de mensagens entre centros
de computação é muitas ordens de magnitude mais rápida do que um processo de ajuste de preços
baseado na superestimação e na subestimação da demanda; porém, devido ao limite da velocidade
da luz sobre as mensagens eletrônicas, há vantagens na centralização de parte do processo
computacional no sistema cibernético. Em geral, se alguém deseja resolver um problema rapidamente,
as informações necessárias devem ser colocadas no menor volume de espaço possível.

5 A coordenação econômica é tratável [computacionalmente]?


Pode-se levantar a objeção de que a própria escala do problema econômico seria tão grande que,
embora fossem concebíveis em princípio, esses cálculos seriam irrealizáveis na prática ((Hayek, 1955);
ver também Nove (1983)). [20]

Dada a Tecnologia da Informação moderna, isso está longe de ser o caso, como demonstramos
abaixo. No entanto, nossa argumentação se apoia em um conceito de equilíbrio muito diferente
daquele utilizado por Hayek e pelos demais oponentes do socialismo nos anos 1930 – tanto os
economistas neoclássicos quanto os da escola austríaca

O conceito de equilíbrio com o qual Hayek e seus oponentes – como Lange e Dickenson – estavam
familiarizados era o conceito clássico de Equilíbrio Mecânico [na forma da Teoria do Equilíbrio Geral],
uma posição única no espaço de estados no qual todas as forças que atuam sobre a economia
entrariam em equilíbrio [com as demandas e as ofertas de todos os bens e serviços em perfeita
correspondência]. Evidentemente, Hayek e a Escola Austríaca não acreditavam que esse equilíbrio
jamais pudesse ser atingido; no entanto, a menos que [para eles] exista algum conceito de preço de
equilíbrio, pelo menos por detrás dos panos, é difícil enxergar como se poderia supor que os preços
nos dizem algo de útil. Se os preços de hoje não nos dissessem nada sobre os preços de amanhã,
então eles não seriam fontes úteis de conhecimento econômico.

Um conceito alternativo e mais moderno de equilíbrio é o do Equilíbrio Estatístico, como descrito por
Farjoun e Machover (1983). Ele envolve a existência de distribuições estatísticas estáveis: por
exemplo, uma dispersão estável de preços de mercado em torno dos valores-trabalho. O equilíbrio
mecânico estatístico não é um ponto no espaço de estados, mas uma região definida por certas
variáveis macroscópicas, de modo que há um grande conjunto de condições microscópicas que são
compatíveis com ele.

Segundo a visão neoclássica, Arrow e Debreu (1954) supostamente teriam estabelecido a existência
de um equilíbrio do primeiro tipo para economias competitivas, mas como Velupillai (2003) demonstrou,
sua prova se baseava em teoremas que só são válidos em matemática não-construtiva.

Por que importa se Arrow usou matemática construtiva ou não-construtiva?


Porque somente a matemática construtiva possui uma implementação algorítmica e a garantia de ser
efetivamente computável.

E por que a computabilidade efetiva é importante?

Porque qualquer processo econômico pelo qual os preços sejam ajustados pela interação entre
agentes que operam através da troca de informações precisa ser uma forma de cálculo efetivo, uma
vez que estamos realizando o cálculo através de números representando preços e quantidades de
bens. A não ser que o equilíbrio seja efetivamente calculável, no sentido de Church-Turing, não temos
razão para supor que uma conjunto distribuído de agentes seria capaz de um dia chegar até ele.

Mas mesmo que

1. possa se provar a existência de um equilíbrio mecânico para a Economia,


2. possa ser demonstrado que existe um procedimento efetivo pelo qual esse equilíbrio
possa ser determinado: ou seja, mesmo que o equilíbrio mecânico fosse, em princípio,
computável,

Ainda há a questão de sua tratabilidade computacional. Qual seria a ordem de complexidade


governando o processo computacional que chegaria à solução?

Pode ser que exista um equilíbrio, mas que todos os algoritmos para buscá-lo sejam NP-difíceis [21],
isto é, os algoritmos podem ter um tempo de execução exponencial sobre o tamanho do problema. Deng
e Huang (2006) demonstraram que esse é justamente o caso para o problema do equilíbrio econômico
neoclássico. Os resultados deles poderiam, a princípio, parecer dar suporte à afirmação de Hayek
(contra Lange) de que o problema do planejamento econômico racional seria computacionalmente
intratável. No tempo de Hayek, a noção de complexidade NP ainda não havia sido desenvolvida, mas
ele pareceria ter sido justificado retrospectivamente. Problemas com um custo computacional que
cresce como Oen logo se tornam astronomicamente difíceis de se resolver.

Estamos falando em “astronômico” no sentido literal. É possível especificar rapidamente um problema


NP-difícil que envolva uma busca entre mais possibilidades do que o número de átomos no universo
antes de se chegar a uma resposta definitiva. Esses problemas, embora em princípio sejam finitos, estão
além de qualquer solução prática. [22]

Mas essa faca corta dos dois lados: Por um lado, isso demonstra que nenhum computador de
planejamento poderia resolver o problema neoclássico do equilíbrio econômico. Por outro lado,
também demonstra que nenhum conjunto de milhões de indivíduos interagindo através do mercado
poderia resolvê-lo, tampouco. Para a teoria econômica neoclássica, o número de restrições sobre o
equilíbrio será proporcional, entre outras coisas, ao número de atores econômicos n. O recurso
computacional constituído pelos atores será proporcional a n, mas se o problema é NP-difícil, então o
custo computacional crescerá como en – os recursos computacionais crescem de maneira linear, os
custos computacionais crescem de maneira exponencial. Isso significa que uma economia de mercado
[considerada como um grande e único computador para realizar o cálculo econômico] nunca poderia
ter recursos computacionais suficientes para encontrar seu próprio equilíbrio mecânico.

Disso segue-se que o problema de encontrar o equilíbrio neoclássico é uma miragem. Nenhum sistema
de planejamento seria capaz de descobri-lo, mas o mercado também não o seria. O problema
neoclássico do equilíbrio geral representa de maneira deturpada o que as economias capitalistas
realmente fazem e também estabelece um objetivo impossível para o planejamento socialista.

Se deixamos de lado a noção de equilíbrio mecânico e a substituímos pelo conceito de equilíbrio


mecânico estatístico, chegamos a um problema que é muito mais tratável. As simulações descritas por
Wright (2003, 2005) mostram como uma economia de mercado pode convergir rapidamente para um
equilíbrio mecânico estatístico. No entanto, isso ocorre porque a regulação pela lei do valor é
computacionalmente tratável [como podemos ver mais abaixo, na seção 6.2]. Esta mesma tratabilidade
pode ser explorada por um sistema de planejamento socialista. O planejamento econômico não precisa
resolver o problema impossível do equilíbrio geral neoclássico; ele precisa apenas aplicar a lei do valor
de maneira mais eficiente do que o sistema de mercado [pois, como podemos ver na seção 6.2, ela
possibilita a coordenação de ambos os sistemas].

5.1 Milhões de equações de planejamento podem ser resolvidas?


Se assumirmos que a economia mantenha alguma forma de mercado para os bens de consumo, como
proposto por Lange, para fornecer informações sobre as demandas finais dos consumidores, então o
processo para derivar um plano equilibrado é tratável.

Tomemos um exemplo muito simples, uma economia formada por apenas 4 tipos de bens, que
chamaremos de pão, milho, carvão e ferro. Para se extrair o carvão, tanto o ferro como o carvão são
utilizados como insumos; para se fazer pão precisamos de milho para a farinha e do carvão para assá-
lo no forno; para cultivar o milho, precisamos de ferramentas de ferro e de sementes de milho; a
fabricação do próprio ferro exige carvão e outros implementos de ferro. Podemos descrever essa
economia como um conjunto de quatro processos:

1 tonelada de ferro ← 0,05 tonelada de ferro + 2 toneladas de carvão + 20 dias de trabalho

1 tonelada de carvão ← 0,2 tonelada de carvão + 0,1 tonelada de ferro + 3 dias de trabalho

1 tonelada de milho ← 0,1 tonelada de milho + 0,02 tonelada de ferro + 10 dias de trabalho

1 tonelada de pão ← 1,5 tonelada de milho + 0,5 tonelada de carvão + 1 dias de trabalho
Vamos assumir, seguindo Lange (1938), que a agência de planejamento tenha uma estimativa atual
da demanda dos consumidores pelos produtos finais. Os planejadores começam com a produção
líquida necessária para atendê-la. Essa estimativa é mostrada na primeira linha da Tabela 5.1.1.
Assumimos que 20.000 toneladas de carvão e 1.000 toneladas de pão são os bens de consumo
requeridos.
Eles então estimam quanto ferro, milho, carvão e mão-de-obra serão consumidos diretamente na
produção do produto final: 2.000 toneladas de ferro, 1.500 toneladas de milho e 4.500 toneladas
adicionais de carvão.

Eles adicionam os insumos intermediários ao produto líquido para obter uma primeira estimativa do
uso bruto de bens. Uma vez que essa estimativa envolve a produção de mais ferro, carvão e milho do
que havia sido estimado inicialmente, eles repetem o cálculo para obter uma segunda estimativa do
uso bruto de bens.

Cada vez que eles repetem o processo, obtêm uma exigência total diferente de ferro, milho, carvão e
de mão-de-obra, como mostrado na Tabela 5.1.1.

Tabela 5.1.1: Convergência da produção bruta até a exigida para o produto líquido final

Horas de
Ferro Carvão Milho Pão Passo
Trabalho

0 20000 0 1000 0 produto líquido esperado

adicionando primeira estimativa de


2000 24500 1500 1000 61000
uso bruto

2580 29400 1650 1000 129500

3102 31540 1665 1000 157300

3342 33012 1666 1000 174310


.. .. .. .. .. passos omitidos

3708 34895 1667 1000 196510

3708 34895 1667 1000 196515

convergência completa na 20ª


3708 34896 1667 1000 196517
estimativa de uso bruto

Isso confirma as afirmações de Hayek de que as equações necessárias para o planejamento socialista
seriam insolucionáveis?

Não, pelo contrário. As respostas diferem a cada etapa, mas as diferenças entre as sucessivas
respostas são cada vez menores. Eventualmente, após 20 tentativas neste exemplo, os planejadores
obtêm um resultado consistente: se a população pretende consumir 20.000 toneladas de carvão e
1.000 toneladas de pão, então a produção bruta de ferro deve ser de 3.708 toneladas, a de carvão
deve ser 34.896 toneladas e a de milho, 1.667 toneladas.

É possível escalar esse processo até o número de bens produzidos em uma economia real?

Embora os cálculos seriam incrivelmente tediosos para se fazer à mão, eles seriam facilmente
automatizáveis. A Tabela 5.1.1. foi produzida executando o algoritmo computacional apresentado no
Apêndice A. Para que o planejamento detalhado seja viável, precisamos saber:

1. Quantos tipos de bens uma economia produz.


2. Quantos tipos de insumos são usados para se produzir cada produto.
3. Quão rápido seria um programa de computador executando o algoritmo para a escala
de dados fornecidos em (1) e (2).

A Tabela 5.1.2 ilustra o efeito da execução do algoritmo de planejamento em um computador pessoal


barato, modelo de 2004. Determinamos o tempo de cálculo para economias cujo número de indústrias
variou de mil a um milhão. Duas suposições diferentes foram testadas quanto à forma como o número
médio de insumos utilizados para se produzir um bem se relaciona com a complexidade da economia.
Está claro que o número de insumos utilizados diretamente para se fabricar cada produto é apenas
uma pequena fração da gama de bens produzidos em uma economia. Também é plausível que à
medida que a complexidade industrial se desenvolve, o número médio de insumos usados para se
produzir cada produto também crescerá, mas mais lentamente. Na primeira parte da Tabela 5.1.2
assume-se que o número médio de insumos (M) cresce como a raiz quadrada do número de produtos
finais (N). Na segunda parte da tabela, supõe-se que o crescimento de M siga uma lei logarítmica em
relação a N.

Table 5.1.2: Tempos para aplicação do algoritmo de planejamento no Apêndice A para modelar
economias de diferentes tamanhos. Os tempos foram medidos em um Intel Zeon de 3 Ghz rodando
Linux, com 2 GB de memória.

Indústrias Média de Insumos Tempo de CPU Requisito de Memória

N M segundos bytes

Lei M = √N

1,000 30 0.1 150KB

10,000 100 3.8 5MB

40,000 200 33.8 64MB

160,000 400 77.1 512MB

320,000 600 166.0 1.5G


Lei M = log N

1,000 30 0.1 150KB

10,000 40 1.6 2.4MB

100,000 50 5.8 40MB

1,000,000 60 68.2 480MB

Pode-se ver que os tempos de cálculo são modestos, mesmo para modelos econômicos muito
grandes. O oponente aparentemente intimidador que são as equações para 1 milhão de bens, se rende
graciosamente ao modesto computador doméstico. O fator limitador nos experimentos foi a memória
do computador. O maior modelo testado exigiu 1,5 Gigabytes de memória. Uma vez que o espaço de
dados utilizável por um processador Pentium 4 é no máximo 2 Gigabytes, modelos maiores teriam
exigido um computador mais avançado, de 64 bits.

O experimento foi até 1 milhão de produtos. O número de produtos industriais na economia soviética
foi estimado por Nove (1983) em cerca de 10 milhões. Nove acreditava que esse número era tão
enorme que de fato descartaria qualquer possibilidade de se construir um plano equilibrado e
desagregado. Isso pode muito bem ter sido verdade com a tecnologia informática disponível na década
de 1970, mas a situação é agora muito diferente. Um único PC de mesa de 2004 poderia calcular um
plano de produção desagregado para uma pequena economia como a Suécia em alguns minutos.

Suponha que queiramos planejar uma economia de escala continental. Uma economia como essa
pode muito bem chegar a 10 milhões de produtos. Vamos supor que o número médio de insumos
utilizados para se produzir cada produto é bem grande – digamos, 2000. Com base na tabela 5.1.2,
isso exigiria um computador com 80 Gigabytes de memória: 6000 euros a preços de 2006. Usando um
único processador de 64 bits, modelo de 2006, a computação levaria em torno de uma hora.

O algoritmo que apresentamos foi pensado para usar um único processador, mas o problema se presta
muito bem à paralelização. Um cluster de PCs Beowulf – custando em torno de 40.000 euros em 2006
– poderia provavelmente reduzir o tempo de computação para menos de 10 minutos. Algoritmos mais
sofisticados, capazes de alocar estoques de capital fixo, possuem uma complexidade e tempo de
execução comparáveis. [23]
O tempo necessário para o cálculo é suficientemente curto para que uma agência de planejamento
possa, se assim o desejar, ser capaz de realizar a operação numa base diária. Ao realizar esse cálculo,
os planejadores chegariam às várias escalas de produção em que a economia de mercado deveria
operar, se fosse capaz de alcançar um equilíbrio. Diante de uma mudança exógena, os planejadores
poderiam calcular a nova posição de equilíbrio e emitir diretivas para as unidades de produção para
que mudassem sua operação diretamente para ela. Esta mudança direta envolverá a movimentação
física de bens, a construção de instalações, a adaptação de edifícios, etc, e, portanto, levará um tempo
considerável.

Temos agora dois tempos, o tempo de cálculo e o tempo de ajuste físico. Se assumirmos que o cálculo
será realizado por meio de um algoritmo iterativo [24], descobrimos que, na prática, ele convergirá
aceitavelmente dentro de algumas dezenas de iterações. Uma vez que cada uma dessas iterações
levaria alguns minutos em um supercomputador, o tempo total provavelmente seria inferior a uma hora.
Numa economia de mercado, mesmo adotando as suposições mais favoráveis sobre sua capacidade
de se ajustar de forma estável de volta ao equilíbrio, as próprias iterações individuais levarão um tempo
proporcional ao tempo de ajuste físico. O período de relaxamento geral [ou seja, o período até o
equilíbrio ser atingido novamente, depois de uma mudança exógena] seria cerca de algumas dezenas
de vezes maior que o período de relaxamento para o sistema planejado (assumindo algumas dezenas
de passos até a convergência).

[Ao contrário da visão de Hayek, que ainda é mantida pela maioria dos seus seguidores (onde num
sistema socialista as decisões econômicas se dariam em intervalos discretos e com um longo período
entre elas, em contraste com a energia gerencial necessária no dia-à-dia da administração empresarial
em um sistema de mercado), com a possibilidade de operação diária desse cálculo, em busca dos
ajustes necessários para responder às mudanças na realidade econômica, o modelo da operação do
planejamento democrático socialista se aproximaria daquele observado em sistemas atuais como o
controle de tráfego aéreo, ou a operação diária do setor de TI no ambiente de produção dos processos
eletrônicos de uma empresa capitalista, com o acompanhamento constante dos mais diversos
indicadores sobre a produção e sobre o consumo dos bens. Até certo ponto, essa visão já estava
presente, por exemplo, no incipiente projeto Synco/Cybersyn, que buscava estabelecer, com a
tecnologia disponível no Chile do início dos anos 70, as condições para uma operação de gestão
socialista e democrática da produção (apesar da impossibilidade de cálculos num sentido semelhante
ao discutido neste artigo). É claro, com o golpe militar de Pinochet (ironicamente, apoiado por Hayek)
e com o massacre subsequente, o projeto foi imediatamente abandonado, antes que pudesse dar
resultados significativos. ]

6 Preços como um Sistema de Telecomunicações


Os preços, segundo Hayek, fornecem o sistema de telecomunicações da economia, um meio pelo qual
o conhecimento é difundido e disseminado. Mas quão adequado é esse sistema de telecomunicações
e quanta informação ele pode realmente transmitir?

O exemplo de Hayek sobre o mercado de estanho exige um exame mais cuidadoso. Antes disso, dois
pontos preliminares devem ser estabelecidos.
Em primeiro lugar, o sistema de mercado de fato consegue atingir um certo grau de coordenação das
atividades econômicas. A “anarquia do mercado” (como diz Marx) está longe de ser um caos completo.
No final, através da flutuação dos preços, a lei do valor atua. As flutuações dos preços em relação aos
seus valores funcionam para regular a alocação de mão-de-obra entre os ramos de produção.

Em segundo lugar, mesmo em uma economia planejada, sempre vai haver espaço para o
desapontamento das expectativas, pois projetos que pareciam promissores nas previsões podem
acabar se revelando fracassos e assim por diante. Falhas de coordenação não se limitam aos sistemas
de mercado.

Dito isso, no entanto, está claro que Hayek exagera enormemente o seu argumento. Para que alguém
possa tomar decisões racionais em relação às mudança no uso do estanho, é preciso saber se o
aumento no preço tende a ser permanente ou se seria uma questão passageira – e isso exige que se
saiba por que o preço subiu. O sinal do preço atual por si só nunca é o bastante. Será que o estanho
ficou mais caro temporariamente, devido, digamos, a uma greve dos mineiros de estanho? Ou será
que estamos nos aproximando do esgotamento das reservas disponíveis de imediato? Ações que
seriam racionais em um caso serão muito inapropriadas no outro.

Os preços em si fornecem o conhecimento adequado para o cálculo racional apenas se estiverem nos
seus níveis de equilíbrio de longo prazo – mas é claro, para Hayek, eles nunca estão nesse nível.
Neste ponto, vale a pena fazer referência à teoria sobre o ciclo comercial do próprio Hayek [25], em
que a “desinformação” transmitida pelos preços em desequilíbrio pode causar distorções
macroeconômicas muito substanciais. Na teoria do ciclo comercial de Hayek, o preço em desequilíbrio
que pode causar esse dano é a taxa de juros, mas claramente o mesmo tipo de argumento também
se aplica ao nível micro: na busca descentralizada pela maximização dos lucros, respostas a preços
insustentáveis para o estanho ou para placas de memória RAM são igualmente capazes de gerar
investimentos inadequados e, consequentemente, caos.

No mínimo, é possível dizer que os preços carregam informações sobre os termos nos quais várias
mercadorias podem ser trocadas atualmente, por meio da mediação do dinheiro (contanto que os
mercados “fiquem limpos” [ou seja, que se chegue a preços em que todos os produtos sejam vendidos],
o que nem sempre é o caso). Porém, disso não se segue que o conhecimento dessas relações de
troca seria o bastante para que os agentes pudessem calcular sua lucratividade, quem dirá para
calcular a utilidade social de se produzir várias mercadorias. Uma mercadoria pode ser produzida com
lucro se o seu preço exceder a soma dos preços dos insumos necessários para produzi-la, usando o
método de produção que produza a menor soma possível [para o produtor] – mas o uso dos preços
correntes nesse cálculo seria legítimo apenas em um contexto: ou os preços seriam imutáveis ou a
produção e a venda levariam tempo zero. Hayek, é claro, enfatiza a mudança constante como regra,
de modo que dificilmente ele estaria em posição para aceitar esse tipo de suposição. Se a produção
da mercadoria x de fato será lucrativa – ou não -, isso depende não só dos preços atuais, mas também
dos preços futuros; e se a produção de x parece lucrativa atualmente, isso depende das expectativas
atuais sobre os preços futuros.

Se partirmos do pressuposto de que os preços quase certamente não permanecerão inalterados no


futuro, como se espera que os agentes formem as suas expectativas?
Uma possibilidade é que eles sejam capazes de reunir informações relevantes suficientes para fazer
uma previsão definitiva sobre as mudanças que devem ocorrer. Essa opção claramente exige que os
agentes conheçam muito mais do que apenas os preços atuais: eles precisam conhecer o processo
pelo qual os preços são formados e estabelecer previsões sobre a evolução dos vários fatores (no
mínimo dos mais importante deles) que influenciam a determinação do preço. Nesse caso, portanto, o
minimalismo informacional de Hayek é violado de maneira substancial.

Uma segunda possibilidade é aquela descrita por Keynes (1936, especialmente no capítulo 12): os
agentes estão tão “no escuro” sobre o futuro que, embora tenham certeza de que algumas mudanças
(não especificadas) irão ocorrer, eles recorrem à convenção de assumir que os preços de amanhã
serão iguais aos de hoje. Isso permite que eles formem uma avaliação convencional da lucratividade
da produção de várias mercadorias, usando apenas as informações dos preços atuais; porém, o custo
desta abordagem (do ponto de vista de um defensor da eficiência do mercado) é o reconhecimento de
que essas avaliações antecipadas frequentemente – e talvez substancialmente – estarão erradas.

***

Os preços de fato transmitem informações objetivas sobre os custos sociais da produção: por entre os
ruídos das flutuações nos preços, brilha o sinal do valor. Por causa disso, eles realmente podem
funcionar como um regulador da produção – as divergências dos preços acima ou abaixo dos seus
valores [no equilíbrio de longo-prazo] podem servir para atrair ou para repelir recursos de mão-de-obra
para dentro ou para fora dos vários ramos da produção. Agora, uma coisa é reconhecer que isso é
possível, outra é avaliar a sua importância na regulação da economia. Os preços estabelecidos não
são o único sistema de telecomunicações que a economia possui; os pedidos reais de mercadorias
são um outro: As empresas definem preços e então recebem pedidos, que são especificados em
quantidades. Se um gerente administrativo prestasse atenção apenas nos preços em que as coisas
são vendidas e ignorasse as quantidades encomendadas, a empresa não sobreviveria por muito
tempo. À princípio, não é possível afirmar que o sistema de preços ou o sistema de quantidades é mais
significativo na regulação da economia.

Para isso, seria preciso saber o quão flexíveis as empresas realmente são para ajustar seus preços
em resposta às vendas e, em seguida, comparar isso com a frequência com que elas ajustam suas
ações em resposta a mudanças nos pedidos. Considere um supermercado, por exemplo: quantos
ajustes de preço ele realiza em um dia, em comparação com o número de novos pedidos quantitativos
que ele apresenta para o seu depósito?

Ou então considere uma fábrica de televisores: com que frequência a fábrica responde aos pedidos
com uma alteração no preço, em comparação com a frequência com que reage ajustando o nível atual
da produção?

Considere um engenheiro projetista que precisa decidir quais componentes usar em um novo receptor
para TVs digitais. Será que o engenheiro deve basear a sua escolha apenas nos preços dos
componentes, ou deveria levar em conta informações como disponibilidade, quais são os estoques
mantidos pelos fornecedores, a existência de fontes alternativas?
A importância relativa do canal dos preços e do canal das quantidades na comunicação
interempresarial é uma questão em aberto, que poderia ser respondida ou através de estudos
empíricos das práticas empresariais, ou por meio de simulações multi-agentes, semelhantes às
descritas em Cockshott et. al (2009) [26], mas que fossem estendidas para incorporar tabelas de
insumos/produtos codificando os fluxos entre as indústrias. Diante de tal modelo, seria possível variar
as regras usadas pelas empresas para responder aos pedidos entre variantes nas quais as empresas
respondessem principalmente aos sinais de quantidade e outras em que as empresas respondessem
principalmente aos sinais de preço. Investigações iniciais de um dos autores do livro parecem indicar
que as empresas que se apoiam mais na sinalização dos preços podem estar sujeitas a instabilidades
catastróficas. Flutuações nas entregas podem levar ao colapso das principais indústrias e ao
travamento de toda a economia.

[Não podemos ignorar que o canal dos preços e o canal das quantidades também não são (e cada vez
passam mais longe de o ser) os únicos mecanismos para comunicação, coordenação e para gerar
“incentivos que farão os indivíduos fazerem as coisas desejáveis sem que ninguém tenha que lhes
dizer o que fazer”. Como apontam Phillips e Rozworzki (2019),

Mesmo ignorando que o sistema de preços está inevitavelmente ligado à produção de desigualdades
e à exploração, a tese de Hayek de que apenas os preços poderiam facilitar a “ação à distância” é
cada vez menos plausível hoje em dia. Redes de cabos, torres e ondas de rádio cruzam a Terra com
o único propósito de possibilitar fluxos de informação cada vez mais abundantes. Há trilhões e trilhões
de dados – sobre tudo, desde sobre como usamos as coisas, até o que pensamos sobre elas e quais
recursos foram usados para produzi-las – que poderiam formar os fundamentos de informações para
decisões que não sejam baseadas no mercado sobre usos futuros dos recursos. ]
6.1 Perda de Informação
Hayek certamente tem razão ao dizer que os preços envolvem uma economia de informação, já que o
processo pelo qual um preço é formado é redutor de entropia. [27] Se considerarmos uma tabela de
insumos/produtos, vemos que ela é uma matriz quadrada. [ver a nota 12] Para uma economia com n
produtos, uma tabela de insumos/produtos completa conteria n2 números. No entanto, os preços
desses produtos podem ser codificados em um vetor de apenas n números distintos. Vamos supor que
a entropia das interconexões [entre os ramos] de uma economia HI esteja codificada em relação à
tabela de insumos/produtos; assim, a entropia do vetor de preços HP cresce de acordo com a lei

HP ≈ √ HI

Veremos mais adiante que esse tratamento superestima um pouco a entropia das interconexões, mas
está claro que há uma substancial redução de informações acontecendo aqui [pois a maior parte das
informações das interconexões entre os ramos da economia, que se manifestam na entropia das
interconexões, se perde na passagem para a entropia do vetor de preços].

6.2 Por que os preços funcionam?


Portanto, como uma estrutura de informação tão reduzida pode funcionar para regular a economia?
Como ela pode funcionar se permite que “produtores individuais observem apenas o movimento de
alguns ponteiros”?
Vamos agora deixar de lado a importância relativa dos canais de preço e de quantidade sobre os fluxos
de informação econômica, e nos concentrar em como um único vetor de preços pode atuar como
regulador para uma complexa matriz de fluxos intersetoriais. Parece haver duas razões básicas pelas
quais isso pode funcionar:

1. A universalidade do trabalho humano significa que é possível associar a cada mercadoria um


único número escalar – o preço -, que indiretamente representa a quantidade de trabalho que
foi usada para produzi-la. Os desvios dos preços relativos à partir dos valores relativos podem,
portanto, permitir que a mão-de-obra se mova de onde ela é menos socialmente necessária
para onde ela é mais socialmente necessária. Mas isso só é possível porque toda atividade
econômica se reduz, no fim das contas, a atividades humanas. Se esse não fosse o caso, um
único indicador não seria suficiente para regular o consumo de insumos, que fundamentalmente
seriam de dimensões diferentes. É apenas porque em última análise a dimensão de todos os
insumos é o trabalho – direto ou indireto – que os preços podem regular as atividades.

2. Outra resposta está na tratabilidade computacional de sistemas de equações lineares.

Considere o método que oferecemos em Cottrell e Cockshott (1993) para calcular os valores de
mão-de-obra das mercadorias a partir de uma tabela de insumos/produtos. Nesse método,
fazemos uma estimativa inicial do valor de cada mercadoria e então usamos a tabela de
insumos/produtos para fazer estimativas sucessivamente mais precisas. O que temos aqui é um
sistema de funções iterativas onde aplicamos repetidamente uma função ao vetor de valores
para chegar a um novo vetor de valores. Como esse processo de mapeamento [de um vetor de
valores anterior para um novo vetor de valores] se trata de um exemplo de uma transformação
contrativa afim [28] (ou transformação contrativa linear), o sistema funcional possui um
atractor para o qual ele converge (para uma discussão sobre sistemas desse tipo, ver Barnsley
(1988), em particular o Capítulo 3). Esse atractor é o sistema de valores-trabalho. O sistema
precisa constituir uma transformação contrativa afim porque qualquer economia viável precisa
ter um produto excedente líquido no seu setor básico; assim, um erro inicial na estimativa do
valor de um insumo é distribuído por uma quantidade maior de mercadorias no produto final –
e, portanto, após uma iteração, o erro percentual deve diminuir.

O processo que descrevemos na forma de algoritmo em Cottrell e Cockshott (1993) é o que


acontece de maneira distribuída em uma economia real, à medida em que os preços estão sendo
formados. As empresas somam seus custos salariais, os custos dos outros insumos, adicionam
uma margem de lucro e, assim, definem seus preços. Esse algoritmo distribuído, que hoje é
executado por uma combinação de pessoas e de computadores nas empresas, é estruturalmente
semelhante àquele que descrevemos: Ele também constitui uma transformação contrativa afim
que converge para um vetor de preços [29]. O seu atractor exato não é relevante neste ponto;
o que é relevante é que o sistema funcional iterativo possui um atractor estável.

Esse atractor estável existe porque o processo de produção econômica pode ser bem
aproximado por uma transformação contrativa linear aplicada por partes, no espaço dos preços
ou dos valores. Se fosse o caso de que os processos de produção fossem sistemas plenamente
não-lineares, de modo que a produção de alguma mercadoria – digamos, o milho – fosse uma
função polinomial [ao invés de uma função linear/afim], o sistema funcional iterativo seria
altamente instável, e a evolução de todo o sistema de preços seria completamente caótica e
imprevisível. Nesse caso, os preços seriam inúteis como um guia para a atividade econômica.
Sobre a instabilidade de tais sistemas, ver Becker e Dorfler (1989) ou Baker e Gollub (1990).
Nenhum dos dois fatores acima é específico a uma economia de mercado. O trabalho [humano] é o
principal recurso universal em qualquer sociedade, antes da robotização total. [30] Pela versão
completa da tese de Church-Turing [31], se um problema puder ser resolvido por um conjunto
distribuído de computadores humanos, então ele poderia ser resolvido por um Computador Universal
– se o problema for tratável por uma coleção distribuída de seres humanos, também é tratável por
algoritmos, quando o cálculo for realizado pelos computadores de uma agência de planejamento
socialista. Os próprios fatores que tornam o sistema de preços relativamente estável e útil são os
fatores que tornam o cálculo econômico socialista um problema tratável. A computação do valor da
mão-de-obra de cada produto é um problema tratável [32]; portanto, os valores-trabalho poderiam ser
usados como base para a precificação em uma economia planejada – transmitindo basicamente as
mesmas informações transmitidas pelos preços.

[Tendo demonstrado que os fatores que possibilitam a regulação da economia pelos preços no
mercado são justamente os mesmos que garantem que a regulação da economia diretamente
pelos valores-trabalho das mercadorias seja um problema tratável, é possível retornar, com mais
propriedade, às questões já discutidas nas seções 4.4 (Desvantagens da dispersão), 4.5 (quando
a centralização ajuda) e 5 (a coordenação econômica é tratável computacionalmente?). Na versão
de 2007/2009 do artigo, aquelas seções estavam localizadas neste ponto, mas preferi manter a
organização mais próxima do artigo original e colocá-las como continuação da discussão sobre os
argumentos de Hayek contra a centralização do processamento das informações.]

7 Fluxos de informação em economias de mercado e em economias


planejadas
7.1 Preços, eficiência e métodos de produção
Uma das características progressistas do capitalismo é como o processo da concorrência força um
certo grau de convergência para métodos de produção de menor custo (mesmo que o custo em
questão seja o custo monetário da produção, que reflete o custo social de maneira parcial e distorcida).
Hayek nos lembra, e com razão, que essa convergência pode de fato passar longe de ser completa:
empresas produzindo a mesma mercadoria (e talvez até mesmo usando as mesmas tecnologias
básicas) podem coexistir por longos períodos, apesar de terem custos de produção bastante
divergentes. Se a lei do único preço se aplicar aos produtos em questão, os produtores menos
eficientes terão lucros menores e/ou pagarão salários mais baixos. Essa situação pode persistir, dado
que a mobilidade de capital e da força de trabalho estão longe de serem perfeitas.

Surge a questão de saber se a convergência para as melhores práticas poderia ser forçada de maneira
mais efetiva num sistema planejado. Talvez seja o caso: se todos os trabalhadores forem pagos a uma
taxa uniforme pelo trabalho realizado, será impossível para os produtores ineficientes mascarar sua
ineficiência pagando salários baixos. De fato, com o tipo de sistema de contabilidade de tempo de
trabalho que defendemos em outros lugares (Cottrell e Cockshott (1989), (1993)), os diferenciais na
eficiência produtiva ficarão aparentes de imediato. Não só isso, mas deve haver uma gama mais ampla
de mecanismos para eliminar os diferenciais, uma vez que eles sejam notados. Uma empresa privada
pode perceber que um concorrente está produzindo a um custo menor, mas a não ser que estejamos
falando de espionagem industrial, ela pode não ter como descobrir como sua concorrente tem
alcançado essa capacidade; a convergência de eficiência, se é que ela será alcançada, pode ter de
esperar até que o produtor menos eficiente seja expulso do mercado e sua participação no mercado
seja usurpada por seus rivais mais eficientes. No contexto de um sistema planejado, por outro lado,
alguns dos gerentes ou especialistas técnicos de empreendimentos mais eficientes poderiam, por
exemplo, ser destacados como consultores para empreendimentos menos eficientes. Também
podemos imaginar – na ausência do sigilo comercial – uma Wikipédia abrangendo toda a economia,
na qual as pessoas preocupadas com a operação de tecnologias específicas, ou com a produção de
produtos específicos, poderiam compartilham suas dicas e truques para a maximização de eficiência.
A atual popularidade desse tipo de atividade entre usuários de computadores [na própria Wikipédia;
em projetos de código aberto; em fóruns de assuntos diversos; em tutoriais escritos, em áudio ou em
vídeo; etc] sugere que isso poderia facilmente ser generalizado.

7.2 Quantas informações são necessárias?


Um dos argumentos mais fundamentais de Hayek é sobre como o funcionamento eficiente de uma
economia envolve o uso de uma grande quantidade de informações distribuídas, e que a tarefa de
centralizar essas informações seria impossível, na prática.

Nesta seção, tentamos aplicar um teste quantitativo sobre esse argumento: Nós comparamos os
custos implícitos para a transmissão das informações em um sistema de mercado e em um sistema
planejado; e examinamos como os respectivos custos crescem em função da escala da economia. O
custo de comunicação é uma medida do trabalho realizado para centralizar ou para disseminar as
informações econômicas: usaremos aqui o aparato conceitual da teoria algorítmica da informação
(Chaitin, 1999) para medir esse custo.

Nossa estratégia é, primeiro, considerar o problema dinâmico sobre quão rápido uma economia pode
se estabilizar, e com qual sobrecarga de comunicação. Demonstraremos que isso pode ser realizado
de maneira rápida e com menores custos de comunicação pelo sistema planejado. Consideramos,
inicialmente, a dinâmica de convergência para uma meta fixa, já que o sistema de controle com o
impulso mais rápido rumo à resposta também será o mais rápido para seguir o encalço de um alvo em
movimento.

***

[No trecho abaixo os autores usam a teoria algorítmica da informação para chegar a uma fórmula que
estabeleça o mínimo de informações que precisariam ser transmitidas para que uma economia
pudesse, à partir de uma configuração arbitrária, convergir até um ponto de equilíbrio, no sentido da
solução de um sistema de equações Sraffianas. Como já vimos na seção 5, a ideia de “equilíbrio”, no
caso, é atingir algum estado dentro de uma região de equilíbrio estatístico mais próxima da
configuração atual no espaço de estados da economia – e não um ponto de equilíbrio mecânico de
todas as variáveis, como na teoria do equilíbrio geral neoclássico. Nesta seção, os autores não estão
preocupados em demonstrar que tal equilíbrio existe para ambos os sistemas – estão assumindo que
sim.]
Considere uma economia E = [A, c, r, w] com n produtores, cada um produzindo produtos distintos
usando a matriz de tecnologias A [ou seja, uma matriz indicando todas as tecnologias e técnicas
utilizadas para se produzir cada produto – neste contexto, basicamente, a tabela de insumos/produtos];
com um vetor bem definido de gasto de consumo final c [ou seja, o vetor final com o consumo de todos
os bens produzidos], que é independente dos preços dos n produtos, com uma taxa de salários w dada
de maneira exógena, e uma taxa de lucros compatível, r. Então, existe uma possível solução Sraffiana
e = [U, p] onde U é a matriz de fluxos de mercadorias [ou seja, todas as ligações entre as indústrias,
com as relações dos produtos de um processo de produção que servem como insumos para outros
processos de produção, com as quantidades correspondentes, na situação de equilíbrio Sraffiano] e
um vetor de preços p [com os preços de todos os produtos na situação de equilíbrio Sraffiano]. Vamos
assumir, como é o caso na aritmética comercial, que todas as quantidades são expressas com alguma
precisão finita, em vez de serem números reais. Quantas informações são necessárias para se
especificar esta solução?

Os argumentos que se seguem são relativamente insensíveis ao modo exato pelo qual especificamos
as condições iniciais a partir das quais uma solução deve ser buscada – isso porque consideramos
que existe a convergência no espaço das informações. É importante observar que em outro lugar já
expressamos nosso ceticismo sobre a existência de uma taxa de lucro dada, como supõe a teoria
Sraffiana. Não estamos preocupados em mostrar que uma economia capitalista de fato convergeria a
uma solução; isso pode ser deixado para os economistas neoclássicos e neo-ricardianos.
Independente se essa tendência à convergência realmente existe ou não, vamos considerar que isso
acontece, para seguir com o argumento atual.

Assumindo que temos algum método eficiente de codificação binária, e que I(s) é uma medida em bits
do conteúdo de informação da estrutura de dados s, codificada usando esse método; então, a solução
pode ser especificada como I(e) – ou, como a solução em certo sentido está dada pelas condições
iniciais, ela pode ser especificada por I(E) + I(ps) onde ps é um programa para resolver um sistema
arbitrário de equações Sraffianas. Em geral, temos I(e) ≤ I(E) + I(ps) [Ou seja, a medida (em bits) das
informações codificando a solução vai ser menor, ou no máximo igual à medida das informações
codificando as condições iniciais arbitrárias da economia, somada à medida das informações
codificando o programa para solucionar um sistema arbitrário de equações Sraffianas, para se chegar
àquela solução]. A seguir, vamos assumir que [a medida de informações da solução] I(e) seria
especificada por I(E) + I(ps) [Ou seja, estamos assumindo a situação máxima para a relação que vimos
acima].

Seja I(x|y) a informação condicional ou relativa de x, dado y (ver Chaitin (1987)). A informação
condicional associada a qualquer configuração arbitrária da Economia, k = [Uk, pk], pode então ser
expressa em relação à solução e, como I(k|e). [Ou seja, a informação condicional da diferença entre a
configuração arbitrária k e a configuração da solução e] Se k estiver na vizinhança de e devemos
esperar que I(k|e) ≤ I(k). [Ou seja, podemos esperar que a medida em bits para codificar as informações
condicionais da diferença entre a configuração arbitrária k e a configuração da solução e vai ser menor
– ou no máximo igual – a medida em bits das informações necessárias para codificar a configuração
arbitrária k por completo] Por exemplo, suponha que possamos derivar [para uma configuração
arbitrária k, a matriz de fluxos de mercadorias (com todas as ligações entre as indústrias)] Uk à partir
de A [a matriz de tecnologias com a tabela de insumos/produtos da economia] e de um vetor de
intensidades uk especificando a taxa na qual cada indústria opera; então:

I(k|e) ≤ I(uk) +I(pk) +(pu)


onde pu é um programa para se computar [a matriz de fluxos de mercadorias] Uk à partir de um certo
A [especificando a matriz de tecnologias] e de um certo [vetor de intensidades] uk [Ou seja, a medida
em bits das informações condicionais da diferença entre a configuração arbitrária k e a configuração
da solução e vai ser menor – ou no máximo igual – à soma entre as medidas em bits das informações
necessárias para se codificar 1) o vetor de intensidades uk (especificando a taxa na qual cada indústria
opera) an configuração arbitrária k da economia; 2) o vetor de preços pk da configuração arbitrária k
da economia; e 3) um programa pu para montar a matriz de fluxos de mercadorias Uk para a
configuração arbitrária à partir da matriz de tecnologias A com a tabela de insumos/produtos da
economia e do vetor de intensidades uk especificando a taxa na qual cada indústria opera na
configuração arbitrária k]. Como Uk é uma matriz e uk é um vetor, ambos na escala de n [o número de
produtores de produtos diferentes], podemos assumir que I(Uk) > I(uk) [Ou seja, como Uk é uma matriz
de n colunas e muitas linhas; e uk é um vetor – ou seja, o mesmo que uma matriz de n colunas, mas
apenas 1 linhas; então, fica claro que podemos assumir que a medida em bits das informações
codificando a matriz Uk com os fluxos de mercadorias sempre será maior do que a medida em bits das
informações codificando o vetor uk especificando as intensidades do funcionamento das indústrias
para uma configuração arbitrária k da economia].

Conforme o sistema fosse convergindo rumo à uma solução, a informação condicional exigida para
especificar [a diferença entre o estado atual e a solução] iria diminuindo, já que [o vetor de intensidades
de funcionamento das indústrias para o estado atual] uk começaria a se aproximar de ue [, o vetor de
intensidades de funcionamento das indústrias no estado de solução]. [33] Intuitivamente,
precisaríamos fornecer apenas o vetor de diferença entre os dois – e isso exigiria a codificação de
cada vez menos informações, quanto menor a distância entre uk e ue. Um argumento semelhante se
aplica aos dois vetores de preços pk [a relação dos preços na configuração atual] e pe [a relação dos
preços na situação da solução]. Se assumirmos que o sistema segue uma lei dinâmica que o leva à
convergência rumo a uma solução, então devemos ter a relação

I(kt + 1 | e) < I(kt | e)

[ou seja, se o sistema tende à convergência para uma solução, então para qualquer momento
arbitrário t, a medida em bits das informações necessárias para codificar a informação
condicional entre a configuração atual k e a solução e sempre será maior do que a medida em
bits das informações necessárias para codificar a informação condicional entre a configuração da
economia em qualquer momento posterior (por exemplo, t + 1) e a solução e].

Vamos agora construir um modelo da quantidade de informações que precisam ser transmitidas entre
os produtores em uma economia de mercado, para direcioná-la rumo a uma solução. Para simplificar
o modelo, vamos adotar as premissas de que todo o processo de produção leva uma etapa de tempo
para ocorrer, e que todo o processo evolui de maneira síncrona. Vamos supor que o processo começa
logo após a produção ter terminado, com a economia em algum estado aleatório de não-equilíbrio.
Além disso, vamos supor que cada empresa começa com um determinado preço de venda de seu
produto. Cada empresa i realiza o seguinte procedimento:

1. Escreve para todos os seus fornecedores, perguntando pelos seus preços atuais;
2. Responde a todas as solicitações de preços que recebe, enviando seu preço atual pi;
3. Abre e lê todos os preços recebidos de seus fornecedores.
4. Estima seu custo atual de produção por unidade.
5. Calcula a lucratividade esperada com a produção.
6. Se a lucratividade estiver acima da [taxa de lucros média] r, a empresa aumenta sua
meta para a taxa de produção ui por alguma fração; se a rentabilidade estiver abaixo
de r, é realizada uma redução proporcional.
7. Agora ela calcula quanto de cada insumo j será necessário para sustentar essa
produção.
8. Envia para cada um dos seus fornecedores j, um pedido com a quantidade Uij de seu
produto.
9. Abre todos os pedidos que recebeu e
(a) os totaliza.
(b) Se o total for maior do que os produtos disponíveis, ela reduz proporcionalmente
cada pedido para garantir que aquilo que a empresa de fato pode fornecer seja
distribuído de forma justa entre seus clientes.
(c) despacha os pedidos satisfeitos (mesmo que parcialmente) para seus clientes.
(d) Se não tiver estoques remanescentes, a empresa aumenta o preço de venda de seu
produto por alguma função crescente em relação ao nível de pedidos em excesso;
enquanto que, se houver sobras no estoque, a empresa reduz o seu preço por alguma
função crescente em relação ao estoque remanescente.
10. Recebe todas as entregas de insumos e determina em que escala pode prosseguir com
a produção nesse momento.
11. Inicia a produção para o próximo período.

A experiência com modelos computacionais desse tipo de sistema indica que, se a disposição dos
produtores para alterar os preços for grande demais, o sistema poderá ser extremamente instável.
Vamos assumir que as mudanças de preços são suficientemente pequenas para garantir que ocorram
apenas oscilações amortecidas. Assim, a condição para o movimento em direção à solução é que, em
um conjunto suficientemente grande de pontos k no espaço de estados, o efeito médio de uma iteração
do procedimento acima seja a diminuição do erro médio para cada variável econômica por algum fator
0 ≤ g <1. Sob tais circunstâncias, embora o tempo de convergência no espaço vetorial claramente siga
uma lei logarítmica – convergir por um fator de D no espaço vetorial levará uma ordem de tempo de
log 1/g (D) – no espaço da informação o tempo de convergência será linear, por causa da natureza
logarítmica das medidas de informação. [no limite, uma função logarítmica pode ser aproximada por
uma função linear] Portanto, se no tempo t a distância em relação ao equilíbrio é I(kt | e), a convergência
para dentro de uma distância ε levará uma ordem de tempo de

I(kt | e) − ε

_____________________

δ log ( 1 / g )

onde δ é uma constante relacionada com o número de variáveis econômicas que se alteram por um
fator médio de g a cada etapa. O tempo de convergência para um ε pequeno, no espaço da informação,
se aproximará portanto a uma função linear em relação a I(k | e), que podemos escrever como ∆ I(k |
e). [pois como estamos falando de uma função que envolve a divisão por uma constante multiplicada
por um logaritmo do fator médio de ajustes a cada iteração; e como o logaritmo, no limite, pode ser
aproximado por uma função linear, então podemos pensar que todo o processo até a convergência
também pode ser aproximado por uma função linear em relação à medida em bits da codificação da
informação condicional de qualquer ponto arbitrário k até a solução e]

Estamos agora em posição para expressar os custos de comunicação para a redução da entropia
condicional da economia por algum nível ε. Ocorre comunicação nas etapas 1, 2, 8 e 9 do
procedimento. Quantas mensagens cada fornecedor deve enviar e quantas informações elas precisam
conter?

Cartas enviadas pelo correio contêm muitas informações redundantes, por formalidade e por causa da
forma das cartas: vamos supor que essa redundância seja eliminada, e que as mensagens sejam
reduzidas apenas ao essencial. Toda a questão da forma da mensagem será tratada por meio de um
único símbolo em um alfabeto limitado de tipos de mensagens: Uma solicitação de cotação de preço
seria, portanto, o par [R, H], em que R é um símbolo indicando que a mensagem é uma solicitação de
preço e H o endereço do solicitante; uma cotação de preço seria o par [Q, P] com Q indicando que a
mensagem é uma cotação e P sendo o preço; de maneira semelhante, um pedido seria representado
por [O, Uij], e junto de cada entrega de produtos haveria uma nota de despacho [N, Uij] indicando a
quantidade real entregue, onde Uij ≤ Uij.

Se assumirmos que cada uma das n empresas tem, em média, m fornecedores, o número de
mensagens de cada tipo, em cada iteração do procedimento, será nm. Como temos um alfabeto de
tipos de mensagens (R, Q, O, N) com cardinalidade 4, esses símbolos podem ser codificados em 2
bits cada. Além disso, vamos assumir ainda que (H, P, Uij, Uij) podem ser codificadas em números
binários de b bits. Assim, obtemos uma expressão para o custo de comunicações de uma iteração
como sendo de 4nm (b + 2) [Pois a cada iteração do procedimento, 4 mensagens (nas etapas 1, 2, 8
e 9c) precisam ser enviadas por n produtores para seus m fornecedores, e cada mensagem possui 2
bits de identificação de tipo de mensagem e b bits de conteúdo da mensagem]. Levando em
consideração o número de iterações [que já vimos que se aproxima de uma função linear ∆I(k | e) em
relação à medida em bits das informações condicionais da diferença entre a configuração k e a solução
e], então o custo para a economia de mercado se aproximar da solução seria de

4nm (b + 2) ∆I(k | e)

Vamos agora comparar isso com o que seria necessário em uma economia planejada. Aqui o
procedimento completo envolve dois procedimentos distintos, realizados pela empresa (socializada) e
pela agência de planejamento. O modelo de economia socialista que estamos descrevendo aqui,
grosso modo, é dado em Lange (1938) ou em Cottrell e Cockshott (1993).

As empresas fazem o seguinte:

1. No primeiro período de tempo:


(a) Enviam para a agência de planejamento uma mensagem listando seu endereço, seus
coeficientes técnicos sobre seus insumos [que serão reunidos pela agência de
planejamento para compor a matriz de coeficientes técnicos/tabela de insumos-
produtos] e os estoques atuais de seus produtos.
(b) Recebem instruções dos planejadores sobre quanto de cada um de seus produtos
deve ser enviado para cada um de seus usuários.
(c) Enviam os bens produzidos para seus usuários, junto de notas de despacho
apropriadas.
(d) Recebem os bens correspondentes como seus insumos, lêem as notas de despacho
que os acompanham e calculam seu novo nível de produção.
(e) Começam a produção.
2. Elas então executam repetidamente a mesma seqüência, substituindo a etapa 1a por:
(a) Enviam à agência de planejamento uma mensagem informando os estoques atuais de
seus produtos.

A agência de planejamento realiza o procedimento complementar:

1. No primeiro período:
(a) Lê os detalhes dos estoques e os coeficientes técnicos de todos os seus produtores.
(b) Calcula o ponto de equilíbrio e à partir dos coeficientes técnicos e da demanda
final.
(c) Calcula um caminho expresso (“turnpike path”, como descrito em Dorfman,
Samuelson e Solow, 1958) à partir da estrutura de produtos atual para a estrutura de
produtos no equilíbrio.
(d) Envia para as empresas as diretrizes para que realizem entregas consistentes com
a movimentação ao longo desse caminho.
2. No segundo período e nos períodos subseqüentes:
(a) Lê as mensagens informando em que medida as metas de produção foram
atingidas.
(b) Calcula um caminho expresso (“turnpike path”) à partir da estrutura de produtos
atual para a estrutura de produtos no equilíbrio.
(c) Envia para as empresas as diretrizes para que realizem entregas consistentes com
a movimentação ao longo desse caminho.

Assumimos que com a tecnologia informática atual, os passos b e c podem ser realizados em um
tempo pequeno em relação ao período de produção (ver seção 5.1).

Comparando os respectivos fluxos de informação, fica claro que o número de pedidos e de notas de
despacho enviadas a cada iteração não varia entre os dois modos de organização da produção. A
única diferença é que, no caso planejado, os pedidos vêm do centro, enquanto no caso do mercado
eles vêm dos clientes. Essas mensagens serão novamente responsáveis por uma carga de
comunicações de 2nm (b + 2).

A diferença é que no sistema planejado não há troca de informações de preço. Em vez disso, na
primeira iteração, há uma transmissão de informações sobre estoques e coeficientes técnicos. Como
qualquer coeficiente leva dois números para ser especificado, a carga de comunicações por empresa
será: (1 + 2m) b. Para n empresas isso se aproxima do nm (b + 2) que era necessário para comunicar
os dados dos preços.
A diferença está nas iterações subseqüentes, onde, se assumirmos que não há nenhuma alteração
técnica [até que o sistema chegue numa solução], não há necessidade de atualizar os registros da
matriz tecnológica da agência de planejamento. Durante as i -1 iterações subseqüentes, portanto, o
sistema de planejamento precisa trocar apenas cerca da metade das informações trocadas pelo
sistema de mercado. Além disso, já que a economia planejada segue em direção ao equilíbrio através
de um caminho expresso (“turnpike path”), seu tempo de convergência será menor do que o da
economia de mercado. Consequentemente, o custo de comunicação será de

2nm (b + 2) (2 + (i − 1))

quando i < ∆ I(k | e).

[Ou seja, a carga de comunicações de 2nm (b + 2) é multiplicada por (2 + (i – 1)) por que na
primeira iteração ela é multiplicada por 2 (por que nesse caso temos a transmissão dos pedidos,
notas de entrega juntamente dos coeficientes técnicos) mas, nas próximas i -1 iterações apenas
o próprio custo de 2nm (b + 2) da transmissão de pedidos e notas de entrega serão incluídos.

Na prática, o custo informacional do sistema de mercado, de

4nm (b + 2) ∆I(k | e)

é praticamente o dobro do custo informacional do sistema planejado, de

2nm (b + 2) (2 + (i − 1))

A consequência é que, ao contrário das alegações de Hayek, a quantidade de informações que teriam
de ser transmitidas em um sistema planejado é substancialmente menor do que para um sistema de
mercado. A coleta de informações para a sua centralização é menos onerosa do que a
correspondência comercial exigida pelo mercado. O erro de Hayek vem do foco exclusivo no canal de
preços, excluindo o canal de quantidades. Além disso, o tempo de convergência do sistema de
mercado é mais lento. As implicações de uma convergência mais rápida para a adaptação à condições
de produção e de consumo em constante mudança, ao invés de condições estáveis, são óbvias.

Além do mais, é preciso observar que em nosso modelo para o mercado ignoramos qualquer
informação que tenha de ser enviada através do sistema para fazer pagamentos. Na prática, com o
envio de faturas, cheques, recibos, compensação de cheques, [crédito, débito, vouchers,
comprovantes, cobranças,] etc., o fluxo de informações no sistema de mercado deve ser várias vezes
maior do que as nossas estimativas. As maiores sobrecargas de comunicação das economias de
mercado se refletem no número de funcionários de escritório que elas empregam – o que, por sua vez,
deixa sua marca na arquitetura das cidades – do que eram testemunhas as diferenças entre os
horizontes de Moscou e de Nova York na década de 1980.

7.3 O argumento sobre a dinâmica


Há algum sentido na concentração de Hayek sobre o aspecto dinâmico dos preços, sendo eles um
meio para transmitir informações dinamicamente?

De certa forma, sim. Já demonstramos, em outro lugar, que o conteúdo de informações de um preço
no Reino Unido é inferior a 14 bits. Considere o preço de uma xícara de café. Na teoria, esse preço
pode ser escrito em poucos dígitos – digamos, 0.80 libras – o que implicaria que, em termos da teoria
da informação, o preço transmitiria cerca de 7 bits de informação. Mas olhando mais de perto, é quase
certo que isso ainda se trata de uma sobre-estimativa. Não apenas é provável que o preço seja
arredondado para os 5 pence mais próximos – o que implica num conteúdo informativo de cerca de 5
bits – mas também o preço de ontem provavelmente foi o mesmo. Se o preço mudar apenas uma vez
por ano, então, por 364 dias, a única informação que ele vai transmitir é o fato de que o preço não
mudou. O conteúdo de informação nesse caso – log2 (364 / 365) – é de cerca de 0,0039 de um bit.
Então, quando o preço muda, o seu conteúdo de informação é de log2 (1/365) + b onde b é o número
de bits para codificar o aumento de preço. Para um aumento de valor razoável – digamos, de 10 pence
– o total equivale a cerca de 12 bits. Assim, no dia em que o preço muda, ele transmite cerca de 3000
vezes mais informações do que em todos os outros dias do ano.

***

Portanto, é quase certo que a maior parte das informações em uma série de preços está codificada
nas mudanças de preço. Do ponto de vista de alguém observando e reagindo aos preços, as mudanças
são o que há de mais importante. Mas esse é um ponto de vista interno à dinâmica do sistema de
mercado. É preciso se perguntar se a informação assim transmitida possui alguma importância mais
geral. As mudanças de preço experimentadas por uma empresa em uma economia de mercado podem
surgir de muitas causas diferentes, mas temos que considerar quais dessas causas representam
informações que são independentes da forma social de produção.

Podemos dividir as mudanças entre aquelas que são resultados diretos de eventos externos ao sistema
de preços e aquelas que são internas a ele. A descoberta de novas reservas de petróleo ou um
aumento na taxa de natalidade afetariam diretamente os preços do petróleo ou das roupas de bebê –
elas representam mudanças nas necessidades ou nas capacidades de produção da sociedade, e
qualquer sistema de regulação econômica deve ter meios de responder a elas. Por outro lado,
devemos levar em conta uma queda no preço das matérias-primas acrílicas e uma queda no preço das
blusas de acrílico, entre as mudanças de de segunda e de terceira ordem geradas internamente, em
conseqüência da queda dos preços do petróleo. Na mesma categoria entraria o aumento dos preços
de moradia decorrentes de uma expansão do crédito, e de qualquer flutuação nos preços das ações
ou a queda generalizada dos preços que marca o início de uma recessão. Todas essas são mudanças
geradas pela dinâmica interna de um sistema de mercado e, portanto, são irrelevantes para a
consideração de economias que não sejam baseadas no mercado.
É claro, Hayek está certo sobre como o problema do planejamento seria muito simplificado se não
houvesse mudanças, mas disso não decorre que todas as mudanças de uma economia de mercado
seriam problemas potenciais para uma economia planejada.

Demonstramos em outro lugar [e na seção 5] que o problema de computar as intensidades apropriadas


de operação para todos os processos de produção – dada uma matriz de insumos-produtos totalmente
desagregada e um vetor alvo com a demanda de produtos finais – está bem dentro da capacidade da
tecnologia computacional atual. O tempo necessário para o cálculo é suficientemente curto para que
uma agência de planejamento possa, se assim o desejar, ser capaz de realizar a operação numa base
diária. [34] Ao realizar esse cálculo, os planejadores chegariam às várias escalas de produção em que
a economia de mercado deveria operar, se fosse capaz de alcançar um equilíbrio. Diante de uma
mudança exógena, os planejadores poderiam calcular a nova posição de equilíbrio e emitir diretivas
para as unidades de produção para que mudassem sua operação diretamente na direção dela. Esta
mudança direta envolverá a movimentação física de bens, a construção de instalações, a adaptação
de edifícios, etc, e, portanto, levará um tempo considerável.

Temos agora dois tempos, o tempo de cálculo e o tempo de ajuste físico. Se assumirmos que o cálculo
será realizado por meio de um algoritmo iterativo, descobrimos que, na prática, ele convergirá
aceitavelmente dentro de algumas dezenas de iterações. Uma vez que cada uma dessas iterações
levaria alguns minutos em um supercomputador, o tempo total provavelmente seria inferior a uma hora.
Numa economia de mercado, mesmo adotando as suposições mais favoráveis sobre sua capacidade
de se ajustar de forma estável de volta ao equilíbrio, as próprias iterações individuais levarão um tempo
proporcional ao tempo de ajuste físico. O período de relaxamento geral [ou seja, o período até o
equilíbrio ser atingido novamente, depois de uma mudança exógena] seria cerca de algumas dezenas
de vezes maior que o período de relaxamento para o sistema planejado (assumindo algumas dezenas
de passos até a convergência).

Mas é claro que essas premissas são favoráveis demais ao sistema de mercado, de maneira irrealista:
Muito antes do equilíbrio ser atingido, novos choques externos já teriam ocorrido. Mesmo a premissa
de que esse sistema busca o equilíbrio é questionável – há motivos demais para acreditarmos que,
longe de ter uma dinâmica de estabilização, o sistema de mercado é passível de sofrer
comportamentos oscilatórios ou caóticos.

Hayek deve ser elogiado por sua capacidade de tirar o melhor proveito de um argumento ruim, de
transformar necessidades em virtudes. As instabilidades inevitáveis do mercado são disfarçadas como
bênçãos; a própria crueza dos preços como um mecanismo de informação passa a ser vista como se
protegesse as pessoas, de maneira providencial, contra a sobrecarga de informações.

[Parte dos parágrafos abaixo reproduziram trechos da seção 5.1 para completar o raciocínio. Achei
melhor repetir, ao manter os trechos de versões diferentes do artigo, do que simplesmente remover os
trechos de qualquer uma das seções e atrapalhar a compreensão dos argumentos apresentados em
cada uma delas – que não deixam de ser complementares.]
8 Evolução e História
Hayek compara a “evolução espontânea” do sistema de preços com a artificialidade das tentativas
conscientes de controlar o processo econômico, num contraste que ele acredita ser desvantajoso para
os últimos. Naquilo que tem de melhor, essa comparação não é mais do que a máxima [inglesa] sobre
como seria melhor “agarrar-se com força à enfermeira por medo de encarar coisa pior” [ou o provérbio
português de que “mais vale o mal conhecido do que o bem por conhecer”]. No que tem de pior, essa
ideia degenera em uma complacência panglossiana sobre a ordem existente. A resposta de Voltaire
sobre terremotos – eles também são espontâneos – é bem apropriada. Mas embora não possamos
esperar fazer mais do que prever os terremotos, não precisamos suportar seu equivalente econômico
com o mesmo estoicismo.

Ao falar sobre “evolução espontânea”, Hayek sub-repticiamente escorrega em conotações da biologia,


com suas associações de adequação da forma à função. Mas a analogia de uma economia de mercado
com uma ordem evoluída naturalmente é superficial – tanto em relação ao seu funcionamento, quanto
à sua gênese. Se considerarmos o funcionamento de uma economia de mercado como um
procedimento de busca por um estado ideal [35], está claro que, embora haja um grande paralelismo
acontecendo – muitas pessoas tomando decisões ao mesmo tempo -, permanece o fato de que a
busca como um todo é um processo de thread única (ou “monothread”) . O espaço de estados de toda
a economia é um produto cartesiano dos espaços de estados de seus componentes [36] – e, no interior
desse espaço de estados total, o sistema está localizado em um ponto único em cada momento no
tempo. Portanto, o sistema como um todo pode visitar apenas um pequeno sub-conjunto das soluções
possíveis [em cada nova etapa]; e progredir em direção a qualquer coisa diferente de um ótimo local
[37] pressupõe uma topologia muito específica – e muito simples – para esse espaço.

Nesse sentido, o movimento de uma economia de mercado difere acentuadamente do processo de


evolução biológica. Uma espécie evolui rumo à adaptação crescente ao seu ambiente através de um
processo altamente paralelo. O espaço de estados, neste caso, consiste no código genético; mas uma
espécie não está em uma única posição neste espaço em um determinado momento: ela está em
tantas posições quanto há membros individuais da espécie, cada um com uma combinação única de
genes. Uma espécie representa uma vizinhança no espaço genético; ela aplica um procedimento de
busca paralela: milhões de combinações alternativas são produzidas e comparadas a cada geração.
Embora uma economia de mercado possa emular isso até certo ponto na área de desenvolvimento de
produtos dentro de mercados competitivos individuais, a economia como um todo atua como um
processador único.

É igualmente inválido tratar a gênese do sistema mundial capitalista como um resultado evolutivo: ela
é um resultado histórico, mas História e evolução não são a mesma coisa. A adaptação evolutiva é
impossível sem variação, competição e seleção; para aplicarmos conceitos evolucionários nessa
questão, seria necessário supor uma população substancial de sistemas econômicos internacionais
existindo simultaneamente – e, na verdade, há apenas um. Por um tempo houve dois, dos quais
apenas um sobreviveu. Essa não é uma amostra estatisticamente válida. Para que alguém pudesse
dizer que uma ordem econômica estaria melhor adaptada do que outra, num sentido evolucionário,
seria necessário um conjunto suficientemente grande para cancelar os efeitos estocásticos – um
conjunto que deveria incluir, por exemplo, casos em que o sistema de mercado estivesse restrito a
uma economia pobre e atrasada, cercada por um mundo socialista industrializado. [38]
A lógica da analogia com a evolução, ao contrário do que pensava Hayek, seria “deixar uma centena
de flores desabrocharem”.

9 Conclusão

Argumentamos sobre como Hayek e seus seguidores têm superestimado enormemente as


dificuldades em se realizar um planejamento socialista racional. A isso eles têm associado uma idéia
exagerada sobre a eficácia do livre-mercado como regulador econômico. Seus erros teóricos
fundamentais são:

1. Falar sobre “informação” de maneira generalizada e não-quantitativa. Isso os leva a


superestimar a importância das informações sobre os preços, quando comparadas com
outros fluxos de informação que regulam as quantidades e as qualidades dos bens.
2. Falar de um jeito vago sobre a intratabilidade do cálculo socialista, sem tentar
sistematizar quais seriam essas dificuldades alegadas. Uma vez que se especifique quais
cálculos devem realmente ser feitos, pode-se ver que essas objeções generalistas não
possuem substância.

A coerência de uma economia é mantida basicamente por meio de trocas de informações regulares
sobre quantidades de unidades materiais, em vez de monetárias. Na URSS, esses fluxos de
informações sobre as unidades materiais eram coordenados por meio do sistema de planejamento.
Sendo antagônicos a qualquer coisa que lembre (mesmo que levemente) os cálculos em espécie de
Neurath (2004), os hayekianos têm subestimado sistematicamente a importância dessas medidas
quantitativas na regulação econômica.

Os economistas ocidentais que haviam criticado o sistema socialista como ineficiente haviam previsto
que a inauguração de uma economia de mercado levaria a um crescimento econômico acelerado na
URSS. Em vez disso, ela regrediu de uma superpotência para ruínas econômicas. O sistema foi
dominado pelo gangsterismo [e mesmo após a Rússia voltar a crescer, sob Putin, essa seguiu sendo
a estrutura básica do poder na região, com a diferença de que Putin conseguiu dar organicidade e
processo para esse gangsterismo.] As indústrias da ex-URSS entraram em colapso e ela experimentou
incontáveis milhões de mortes prematuras, reveladas nas estatísticas de uma queda chocante na
expectativa de vida (Tabela 9.1).

[Na maioria das antigas repúblicas menores da URSS e nos países do Leste Europeu que faziam parte
do bloco socialista, nem mesmo essa organicidade no gangsterismo e retomada de um certo
crescimento considerável foram observados – o que temos, mesmo depois de décadas de assimilação
na União Europeia e pacotes de “liberalismo econômico”, é estagnação, crise constante, falta de
perspectivas econômicas, migração em massa dos jovens e preponderância política da demagogia de
Extrema Direita]

Uma disciplina menos segura de si do que a Economia poderia questionar sua hipótese inicial, depois
de um experimento ter dado errado de maneira tão drástica.
Dois dos principais hayekianos contemporâneos, ao invés disso, têm tentado usar a distinção
Searleana entre sintaxe e semântica para explicar este sinal de fracasso das recomendações dos
economistas (Boettke e Subrick, 2002). Eles alegam que a terapia de choque na URSS mudou a
sintaxe da economia, mas não a sua semântica:

“Só porque a estrutura política colapsou, não há razão para assumir que o mesmo ocorreu com a
estrutura social. Os arranjos sociais persistiram antes e depois da queda do comunismo. Os
reformadores e os conselheiros ocidentais não reconheceram que os países recém-libertados não
eram uma tabula rasa. Em vez disso, eram países cujos moradores tinham crenças sobre o mundo e
a estrutura da sociedade ”.
Essas crenças e atitudes que persistiram do socialismo seriam, assim, culpadas pelo colapso
econômico [39]. A tentativa de Boettke e Subrick de seguir na direção da distinção entre
sintaxe/semântica aplicada a uma sociedade é algo muito semelhante à distinção de Marx entre base
e superestrutura [40]. Marx estava preocupado desde o início com o processo histórico de transição
entre formas de economia – ou modos de produção.

Tendo se tornado proponentes da engenharia social, os economistas austríacos começaram, mesmo


que de marcha ré, a invadir um território de preocupações tradicionais da Economia Marxista: as
transições entre modos de produção. No entanto, eles se aproximaram do tema com um arcabouço
teórico hostil ao objeto em estudo. Diante do fracasso manifesto de suas políticas [41], elas se vêem
reduzidos ao uso de metáforas emprestadas da lingüística para explicá-lo.

Eles (e toda a Escola Austríaca) não estão dispostos a contemplar a possibilidade de estarem
fundamentalmente errados em sua fé na capacidade de organização e de comunicação do mercado.

Mortalidade Total Excesso de mortes em relação a 1986

Ano

(1000s) (1000s)

1986 1,498.0 0.0

1987 1,531.6 33.6


1988 1,569.1 71.1

1989 1,583.8 85.8

1990 1,656.0 158.0

1991 1,690.7 192.7

1992 1,807.4 309.4

1993 2,129.3 631.3

1994 2,301.4 803.4

1995 2,203.8 705.8

1996 2,082.2 584.2

1997 2,015.8 517.8

1998 1,988.7 490.7


1999 2,144.3 646.3

2000 2,225.3 727.3

2001 2,251.8 753.8

Total de mortes em excesso 6,711,200.0

Tabela 9.1: Mortes em excesso após a aplicação de políticas Hayekianas na Rússia

Apêndice A

Um programa de planejamento simples.

[Este algoritmo (em pseudocódigo) executa os cálculos iterativos de planejamento/balanceamento de


plano de produção apresentados na seção 5.1. Uma implementação funcional em Java está disponível
neste link.

Apesar do algoritmo abaixo utilizar uma Economia de exemplo que produziria apenas 4 bens (Ferro,
Carvão, Milho e Pão, como definido no Tipo “Bem”), e especificar diretamente a tabela de
insumos/produtos entre esses bens (através das constantes “uso” e “insumos”), o vetor com a
demanda final de consumo (através da constante “demanda” ), e o número de iterações para
aproximação (20), seria fácil escalá-lo para aplicá-lo para qualquer número arbitrário de bens e de
iterações. Em breve, pretendemos disponibilizar uma versão em Java implementando esse mesmo
algoritmo de balanceamento, mas recebendo como parâmetros o número de bens que a Economia
produziria, o número médio de insumos e o número de iterações para a aproximação. Essa nova versão
usará os dois primeiros parâmetros para gerar dinamicamente a relação dos bens, a tabela de
insumos/produtos entre eles e o vetor final de demanda de consumo, para que possamos simular a
aplicação desse algoritmo de planejamento sobre Economias de diferentes tamanhos, como fizeram
Cockshott e Cottrell na seção 5.1]

Programa planejamento_simples;

Tipos
Bem =( ferro , carvão, milho, pão, mão_de_obra);

Consumo = conjunto [Bem] de Número_Real ;

Constantes

uso: conjunto [Bem ,1..3] de Número_Real =(

( 0.05,2.0,20.0 ),

( 0.2,0.1,3.0 ),

( 0.1,0.02,10.0 ),

( 1.5,0.5,1.0 ),

( 0,0,0)

);

insumos: conjunto [Bem ,1..3] de Bem =(

( ferro, carvão, mão_de_obra ),

( carvão, ferro, mão_de_obra ),

( milho, ferro, mão_de_obra ),

( milho, carvão, mão_de_obra ),

( milho, carvão, mão_de_obra )

);
demanda :Consumo =( 0,20000,0,1000,0);

Variáveis

seja usados, anterior ∈ Consumo;

seja l ∈ Número_Inteiro;

Função calcular_etapa; // (ver a seção A.1 abaixo)

Começo

usados ← demanda;

anterior ← 0;

escreva( ferro, carvão, milho, pão, mão_de_obra);

escreva(arredondar(usados));

para l ← 1 até 20 faça

calcular_etapa;

Fim.

A.1 calcular_etapa:

Função calcular_etapa;

Este procedimento executa uma etapa do equilíbrio do plano adicionando os insumos


usados para produzir a etapa anterior da iteração
Variáveis

Seja i, k ∈ Bem;

Seja j ∈ Número_Inteiro;

Seja temp ∈ Consumo;

Começo

temp ← 0;

para i ← ferro até mão_de_obra faça

para j ← 1 até 3 faça

k ← insumos [i,j];

temp [k] ← temp [k] + (usados [i] – anterior [i]) × uso [i,j];

fim_para;

fim_para;

anterior ← usados;

usados ← usados + temp;

escreva(arredondar(usados));

Fim.

Notas
[1] Ou pelo menos sugerida por ambos: em nenhum dos casos esse argumento foi estabelecido em
qualquer nível de detalhes.

[2] Nossas idéias foram apresentadas pela primeira vez em Cottrell e Cockshott (1989), e foram
estabelecidas mais detalhadamente em Cockshott e Cottrell (1993). Cottrell e Cockshott (1993a)
reexamina o histórico debate sobre o cálculo socialista, com ênfase nos argumentos de Mises e de
Lange. Em Cottrell e Cockshott (1993b), enfatizamos as diferenças entre nossas propostas e o sistema
que existiu na União Soviética. Os detalhes técnicos do algoritmo que propomos para o planejamento
de curto e de médio prazo estão descritos em Cockshott (1990).

[3] O processo histórico pelo qual ideias de Hayek foram adotadas, direta ou indiretamente, por
governos no centro e na periferia capitalista pode ser conferido em vários artigos listados na seção
“Neoliberalismo – Passado, Presente e Futuro” de nossa coletânea sobre Mercados, Liberalismo
Econômico e Neoliberalismo. [N.M.]

[4] Esse parágrafo foi foi alterado ligeiramente em relação ao original, pois na primeira versão do artigo
essas objeções eram apresentadas como porque os leitores da revista onde o artigo estava sendo
publicado poderiam não achá-lo relevante. Como esse parágrafo foi eliminado já mesmo na versão de
1997, tentei manter as ideias principais do mesmo, mas retirando o que o tornava específico à edição
de 1994. [N.M.]

[5] E quem tem participado desse tipo de debate com os seguidores de Hayek nas redes sociais sabe
muito bem que não só em 1994, 1997 ou em 2007 esses argumentos seguiam sendo repetidos por
eles, mas mesmo em 2019. [N.M.]

[6] Ironicamente, ambos exemplos que foram radicalmente transformados através da digitalização da
tecnologia do conhecimento e com a sua centralização em sistemas computadorizados com os
avanços da computação nas últimas décadas. [N.M.]

[7] No sentido de que ocorre de tempos em tempos, de maneira bem definida e ritmada, como usado
na Matemática Discreta. [N.M.]

[8] Esse sujeito racional (ou, como Anwar Shaikh o chama, “hiperracional” (Shaikh, 2016)) está no
núcleo dos sistemas teóricos tanto da corrente dominante na Economia, a Escola Neoclássica (ou
Ortodoxa), quanto da corrente da qual Hayek faz parte, a Escola Austríaca (essa tese não é a única
que ambas compartilham). Além das críticas indicadas por Cottrell e Cockshott no prosseguimento do
artigo, em breve pretendemos publicar um artigo com um trecho de um capítulo do livro de Shaikh, em
que ele apresenta uma crítica embasada em muitos estudos que contradizem cada versão da tese de
“hiperracionalidade” dos agentes econômicos. [N.M.]

[9] Ver, por exemplo, “Boundary and Mortgage Stones from Attica” [“Pedras de Fronteiras e Hipotecas
da Ática”], de H. J. W. Tillyard. [N.M.]
[10] Tome o exemplo caseiro das compras de Natal: Muitos de nós achamos impossível elaborar um
plano completo para essas compras antecipadamente. Temos que ir às lojas, olhar para as
mercadorias e seus preços, e ver o que nos chama a atenção. Nossas “funções de demanda” são
reveladas a nós mesmos no ato da escolha.

[11] Mas mesmo neste ponto é possível que as coisas estejam mudando. Se formos pensar em todo
o aparato de mineração de Big Data, e nos algoritmos de identificação de perfis utilizados por Google,
Facebook ou Amazon para o envio de publicidade direcionada, segundo os interesses de cada usuário,
ou mesmo a análise das massas de dados (teoricamente anônimos) agregados por muitas empresas
sobre seus clientes para identificar os padrões de demanda de seus usuários, então mesmo essa
questão da previsibilidade de uma “função demanda” agregada deixa de ser uma questão para a
“telepatia” ou a magia, e passa a ser um elemento concreto do nosso dia-à-dia. Novamente, ao
contrário das condições tecnológicas da época de Hayek – e por mais que seus seguidores insistam
nos mesmos argumentos, como se ainda estivéssemos na década de 1940 -, não estamos falando
aqui sobre sonhos para um futuro distante, e sim de técnicas que já são amplamente utilizadas pelas
grandes empresas de tecnologia – não fosse assim, o Amazon não seria capaz de antecipar as suas
compras baseado no cálculo das demandas pelos seus diferentes perfis de clientes, e nem o Google
ou o Facebook seriam capazes de nos indicar publicidade personalizada. Os trabalhos de Cockshott e
Cottrell sobre o planejamento socialista não se baseiam nesse tipo de identificação para a construção
do seu vetor final de demanda, e sim nas compras agregadas de bens para o consumo final pelos
cidadãos, mas nada impede que possamos refletir sobre possíveis usos desse tipo de tecnologia para
auxiliar nesse processo, principalmente na antecipação de tendências menos imediatas em estudos
para projetos um pouco mais longos. [N.M.]

[12] Na matemática e na área de Estruturas de Dados na Ciência da Computação, um vetor é um


conjunto de valores do mesmo tipo. Por exemplo, sendo

v1 = {30, 3, 12, 15}

v2 = {25, 100}

v3 = {19}

v1 é um vetor formado pelos valores 30, 3, 12 e 15; v2 é um vetor formado pelos valores 25 e 100; v3
é um vetor com um único valor, 19. A quantidade de elementos em um vetor pode variar de zero (um
conjunto vazio) ao infinito inteiro positivo.

No caso mencionado no trecho do texto, o vetor-alvo de produção líquida seria o conjunto com as
quantidades de cada produto, conforme demandado pela população. Essas quantidades seriam
definidas através do próprio consumo e de proporções gerais definidas democraticamente, como
indicado no texto.

***
A diferença entre um vetor e uma matriz é que o vetor possui apenas uma dimensão, enquanto a matriz
é bi-dimensional – pode-se pensar no vetor como uma matriz de n colunas por 1 linha (n x 1); também
pode-se pensar em uma matriz de n colunas por m linhas (n x m) como um sistema formado por m
vetores ( n x 1 ) – esse é o caso, por exemplo, do sistema linear formado pela matriz de insumos-
produtos abordada no artigo: cada linha dessa matriz é um vetor que representa o processo de
produção de uma unidade de um determinado produto (bem ou serviço), indicando a quantidade
necessária de cada produto usado como insumo nesse processo de produção. Assim, a matriz de
insumos-produtos completa inclui todos os vetores descrevendo os insumos necessários para se
produzir 1 unidade de qualquer produto presente na economia. [N.M.]

[13] Seria anacrônico acusar Hayek de não enxergar o conhecimento codificado em softwares, mas
mesmo na sua época já havia conhecimento na forma de programas de controle de máquinas
automáticas – por exemplo, em rolos de pianola.

[14] É certo que tal imagem, por si só, não fornece qualquer informação sobre como, por exemplo, um
conjunto particularmente favorável de relações de insumos-produtos poderia ser alcançado – apenas
que essas relações são possíveis. Oferecemos alguns pensamentos adicionais sobre a transmissão
desse conhecimento sobre os métodos de produção na seção 7.1 abaixo.

[15] Embora o argumento de Nove certamente seja exagerado em um aspecto: se o plano central exigir
que a empresa A forneça o bem intermediário x para a empresa B, onde ele será usado na produção
de algum outro bem y, e se os planejadores informarem A e B desse fato, então certamente há espaço
para uma discussão horizontal entre as duas empresas sobre a especificação precisa do projeto de x,
mesmo na ausência de relações de mercado entre A e B. [N.M.: Qualquer pessoa que já trabalhou em
algum projeto de integração de sistemas entre duas empresas capitalistas diferentes sabe que é assim
que esses projetos são realizados, mesmo sob o capitalismo.]

[16] no original, “optima”. Se algum seguidor da Escola Austríaca se apressar e, já neste momento,
criticar a ideia da existência desses pontos otimizados, como se Cockshott e Cottrell estivessem
falando do ponto de equilíbrio da teoria do equilíbrio geral dos neoclássicos, favor consultar a seção 5
e o conceito de Equilíbrio Estatístico, em oposição ao conceito de Equilíbrio Mecânico usado na teoria
neoclássica (e criticado tanto por Austríacos quanto por Marxistas). [N.M.]

[17] Se tomarmos a teoria neoclássica nos seus próprios termos, o processador teria de ser analógico,
já que os aspectos matemáticos da teoria neoclássica são expressos em termos de variáveis em
números reais. De acordo com Velupillai (2003) isso enfraquece de maneira fundamental muitas das
suas conclusões. Entretanto, Cockshott e Michaelson (2007) mostram como a computação analógica
com números reais é, por razões físicas, uma fantasia. Além do mais, todas as transações econômicas
são realizadas utilizando quantidades inteiras de dinheiro.

[18] Na verdade, as pesquisas com o entrelaçamento quântico mostram que pode existir a
possibilidade de se superar este limite, talvez até mesmo possibilitando condições para a comunicação
instantânea entre pontos remotos no universo, mas ainda estamos longe de usos práticos desse
conhecimento na computação diária. [N.M.]
[19] Vivemos em um mundo de serviços digitais e bancos de dados gigantescos, acessíveis de
qualquer lugar com uma conexão de internet. Exemplos de sistemas distribuídos em escala global
interligados através dessa infraestrutura de comunicações, e que envolvem estruturas de
processamento desse tipo não faltam: o Google, um mecanismo de busca centralizado capaz de reunir
e indexar cada página na internet e disponibilizar tudo isso para todo o mundo segundo os mais
diversos critérios de busca; operadoras de cartão de crédito como Visa e MasterCard, capazes de usar
cartões magnéticos e registros digitalizados para oferecer os serviços de compra e venda à crédito em
praticamente qualquer loja física ou virtual no planeta; o mamute das lojas virtuais Amazon, cuja
logística global garante uma agilidade gigantesca no despacho dos materiais e no gerenciamento de
seus armazéns de estoque; o Uber, capaz de usar a localização por satélite dos celulares para calcular
as melhores rotas, custos, tempo de corrida e os motoristas mais próximos para realizá-las; as cadeias
logísticas globais dos sistemas de produção just-in-time, que estabelecem uma coordenação muito
mais interconectada entre os processos dos vários nós na cadeia produtiva, eliminando a necessidade
de estoques e transformando as antigas fábricas em unidades que na verdade se espalham por
diversas empresas e fornecedores diferentes; o planejamento global centralizado de qualquer empresa
transnacional; os centros monolíticos de processamento e de armazenamento de dados dos Googles
e Facebooks da vida; para não falar nos sistemas de vigilância generalizada por agências como a NSA
dos EUA. [N.M.]

[20] A referência específica aqui é à p. 43, e mais particularmente a nota 37 nas pp. 212-213, de “A
Contra-Revolução da Ciência”. [na versão estadunidense] Na nota, Hayek apela ao julgamento de
Pareto e Cournot, sobre como a solução de um sistema de equações representando as condições de
equilíbrio geral seria inviável na prática. Talvez valha a pena enfatizar esse ponto, em vista da
tendência dos defensores modernos de Hayek de minimizar a questão computacional.

[21] ver NP (Complexidade) e NP-Difícil. [N.M.]

[22] Pelo menos para o modelo computacional procedural digital. Ainda está em aberto se essa
condição se manteria para modelos baseados em computação quântica. [N.M.]

[23] Ver Cockshott (1990), Cottrell e Cockshott (1993).

[24] Talvez para pessoas que não estejam muito familiarizadas com o jargão da Ciência da
Computação essa palavra possa parecer estranha, mas “iteração” se refere à repetição, a processos
que precisam ser executados repetidamente até que se atinja uma condição previamente estabelecida.
No artigo essa palavra (e derivadas) aparece várias vezes. [N.M.]

[25] Hayek (1935); ver também Lawlor e Horn (1992) e Cottrell (1994).

[26] Na versão de 2007, que foi publicada como um capítulo do livro ( “Classical Econophysics”
(“Econofísica Clássica”) ) os autores se referiam às simulações multi-agentes já abordadas em
capítulos anteriores. [N.M.]
[27] A entropia mede o nível de liberdade dos movimentos dos elementos no interior de um sistema –
em um sistema fechado, sem choques externos (e sem a presença de algum tipo de atractor que o
traga para um estado de equilíbrio), a tendência é que a entropia sempre cresça. No caso do sistema
de mercado, estamos falando da “liberdade” de variação dos preços pelos quais os bens e serviços
são negociados; nesse caso, o processo de formação de preços induz à redução da entropia, pois ele
propaga as mudanças dos preços entre os produtores, gerando novos níveis de preços tanto para os
produtores dos bens diretos, quanto para os demais produtos na cadeia produtiva – e, com a
concorrência, os ajustes nesses preços serão menos “livres”, fazendo com que os preços dos produtos
tenham influência sobre os preços de muitos outros produtos).

Cockshott e Cottrell reconhecem nesse ponto que Hayek tem razão sobre a “economia de informação”
no sentido de que, ao gerar essa redução da entropia na formação dos preços, o sistema de preços
depende de menos informações do que se todos esses produtores tivessem de acompanhar os
motivos, processos e tendências dos outros. [N.M.]

[28] no original, “contractive affine transform”. [N.M.]

[29] Evidências empíricas em Petrovic (1987), Ochoa (1989), Cockshott e Cottrell (1997), Michaelson
et al. (1995), Shaikh (1998), Cockshott e Cottrell (2003) indicam que o vetor de preços para o qual esse
processo converge encontra-se em algum lugar entre o vetor de valores-trabalho e o vetor de preços
Sraffianos.

[30] Ou seja, antes de alcançarmos o Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado!


[N.M.]

[31] Toda função que pode ser computada fisicamente, pode ser computada por uma máquina de
Turing. Informalmente, a tese de Church-Turing afirma que nossa noção de algoritmo pode ser feita
com precisão, e que os computadores podem executar esses algoritmos. Além disso, um computador
pode, teoricamente, executar qualquer algoritmo; em outras palavras, todos os computadores comuns
são equivalentes entre si em termos de poder computacional teórico, e não é possível construir um
dispositivo de cálculo que seja mais poderoso do que o computador mais simples (uma máquina de
Turing).

[32] A complexidade computacional de se determinar iterativamente os valores-trabalho é


relativamente baixa – significativamente menor do que o processo de computação de uma estrita
inversão de matriz, que é a maneira como o problema normalmente está especificado na literatura. Um
algoritmo ingênuo para a inversão de uma matriz possui complexidade N3, mas existem versões
otimizadas com complexidade de N2.38 (ver Numerical Recipies Software (1988), pág. 104).
O método de aproximação iterativa tem complexidade de kN2, onde k é o número de iterações
necessárias para se obter uma resposta aceitavelmente precisa. A resposta converge rapidamente,
então resultados aceitáveis podem ser obtidos com k <10.

De fato as matrizes de insumos-produtos desagregadas tipicamente são [muito] esparsas, com a


maioria dos elementos sendo zero, o que permite aumentos de velocidade adicionais, compactando
os dados para omitir os elementos zero. A complexidade resultante é da ordem de kNM, em que M é
o número médio de insumos diretos que são usados na produção de um bem. Para tabelas totalmente
desagregadas, M cresce muito mais lentamente que N, então a complexidade geral é
significativamente menor que N2.

[N.M.: ver a seção 4.2 do artigo dos mesmos autores sobre o debate do cálculo socialista]

[33] Observe que essa medida de informação da distância até o equilíbrio, baseada em uma soma de
logaritmos, difere de uma medida euclidiana simples, baseada em uma soma de quadrados. A medida
de informação é mais sensível a uma multiplicidade de pequenos erros do que a um grande erro. Por
causa da equivalência entre informação e entropia, ela também mede a entropia condicional do
sistema.

[34] Ao contrário da visão de Hayek, que ainda é mantida pela maioria dos seus seguidores (onde num
sistema socialista as decisões econômicas se dariam em intervalos discretos e com um longo período
entre elas, em contraste com a energia gerencial necessária no dia-à-dia da administração empresarial
em um sistema de mercado), com a possibilidade de operação diária desse cálculo, em busca dos
ajustes necessários para responder às mudanças na realidade econômica, o modelo da operação do
planejamento democrático socialista se aproximaria daquele observado em sistemas atuais como o
controle de tráfego aéreo, ou a operação diária do setor de TI no ambiente de produção dos processos
eletrônicos de uma empresa capitalista, com o acompanhamento constante dos mais diversos
indicadores sobre a produção e sobre o consumo dos bens. Até certo ponto, essa visão já estava
presente, por exemplo, no incipiente projeto Synco/Cybersyn, que buscava estabelecer, com a
tecnologia disponível no Chile do início dos anos 70, as condições para uma operação de gestão
socialista e democrática da produção (apesar da impossibilidade de cálculos num sentido semelhante
ao discutido neste artigo). É claro, com o golpe militar de Pinochet (ironicamente, apoiado por Hayek)
e com o massacre subsequente, o projeto foi imediatamente abandonado, antes que pudesse dar
resultados significativos. [N.M.]

[35] no caso de Hayek, mesmo que não seja o estado de equilíbrio geral dos neoclássicos, em que
todos os mercados estariam em pleno equilíbrio de demanda e oferta, ainda assim seria um estado de
coordenação muito bem estabelecida – como discutido na seção 5, podemos pensar aqui nesse estado
ideal (ou “ótimo”) simplesmente como uma região de equilíbrio estatístico mais próxima. [N.M.]

[36] ou seja, o espaço de estados da Economia como um todo é formado por TODAS as combinações
entre TODOS os movimentos/decisões econômicas possíveis para cada produtor. [N.M.]
[37] novamente, como vimos na seção 5, alcançar uma região de equilíbrio estatístico mais próxima
no espaço de estados da economia. [N.M.]

[38] é interessante como esses dilemas se manifestam na ficção. Na série de quadrinhos “Superman
– Entre a Foice e o Martelo” temos um exemplo fictício de um “sistema de mercado […] restrito a uma
economia pobre e atrasada, cercada por um mundo socialista industrializado”, como indicado por
Cockshott e Cottrell no trecho. Mark Millar, por melhor roteirista que possa ser, ao desenvolver o seu
enredo, assume premissas semelhantes às de Hayek, e mostra o sistema de mercado revertendo
essas condições e, sob a liderança do gênio da inovação e do empreendedorismo Lex Luthor,
finalmente, se tornando o paradigma dominante de organização da humanidade – supostamente, o
paradigma definitivo e ideal.

É claro que Mark Millar faz parte da geração que absorveu fundo a ideia de Fukuyama sobre como
teríamos, com o fim da União Soviética, chegado ao “Fim da História”, com o sistema de mercado
como sendo o ponto final e ideal no desenvolvimento das instituições humanas. Também é claro que,
com todas as turbulências econômicas, políticas, sociais e ideológicas pelas quais o mundo vem
passando desde 2008, sob o domínio do sistema de mercado, a tese de Fukuyama no início da década
de 90 parece cada vez mais uma peça datada e risível – tanto que o próprio autor, mais de vinte anos
depois, voltou atrás substancialmente em sua análise. [N.M.]

[39] Isso lembra a maneira como as “ervas venenosas do passado” na mente dos homens eram
apontadas como explicação para os problemas econômicos na China durante a Revolução Cultural.

[40] É possível apresentar a objeção de que havia um caráter metafórico para essa distinção em Marx
– e havia mesmo. Mas mais de um século de elaborações teóricas por outros marxistas deu um
conteúdo teórico-social denso àquilo que antes eram metáforas arquitetônicas. Resta saber se a
Escola Austríaca pode alcançar um desenvolvimento teórico similar da dicotomia sintaxe / semântica
de Boettke.

[41] Sobre a qual dão uma admissão envergonhada, em Boettke e Subrick (2002 – seção 4):

Desde a queda do comunismo, os países do antigo bloco soviético têm passado por dificuldades
extremas para realizar a transição para uma economia de mercado.

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An Anarchist FAQ - Trechos

O socialismo é impossível?

Em 1920, o economista de direita Ludwig von Mises declarou o socialismo impossível. Um dos
principais membros da escola "austríaca" de economia, ele argumentou que, sem a propriedade
privada dos meios de produção, não pode haver um mercado competitivo para os bens de produção
e, sem um mercado para os bens de produção, é impossível determinar seus valores. Sem conhecer
seus valores, a racionalidade econômica é impossível e, portanto, uma economia socialista seria
simplesmente o caos: “a produção absurda de um aparelho sem sentido”. Para Mises, socialismo
significava planejamento central com a economia "sujeita ao controle de uma autoridade suprema". [
"Economic Calculation in the Socialist Commonwealth" , pp. 87-130, Collectivist Economic Planning,
FA von Hayek (ed.), P. 104 e p. 106] Ao aplicar seu “argumento do cálculo econômico” às idéias
marxistas de uma futura sociedade socialista, seu argumento, afirma-se, é aplicável a todas as escolas
de pensamento socialista, incluindo as libertárias. É com base em seus argumentos que muitos
direitistas afirmam que o socialismo libertário (ou qualquer outro tipo de) é impossível em princípio.

No entanto, como David Schweickart observa “[i] há muito foi reconhecido que o argumento de
Mises é logicamente defeituoso. Mesmo sem um mercado de bens de produção, seus valores
monetários podem ser determinados. ” [ Contra o capitalismo , p. 88] Em outras palavras, o cálculo
econômico baseado em preços é perfeitamente possível em um sistema socialista libertário. Afinal,
construir um local de trabalho requer tantas toneladas de aço, tantos tijolos, tantas horas de trabalho
e assim por diante. Se assumirmos uma sociedade mutualista, então os preços desses bens podem
ser facilmente encontrados, visto que as cooperativas em questão estariam oferecendo seus serviços
no mercado. Essas mercadorias seriam os insumos para a construção dos bens de produção e, assim,
os valores monetários destes últimos podem ser encontrados.

Ironicamente, Mises fez mencionar a ideia de um sistema tão mutualista em seu ensaio inicial.
“As relações de troca entre bens de produção só podem ser estabelecidas com base na propriedade
privada dos meios de produção” , afirmou. “Quando o 'sindicato do carvão' fornece carvão ao 'sindicato
do ferro', nenhum preço pode ser formado, exceto quando ambos os sindicatos são os proprietários
dos meios de produção empregados em seus negócios. Isso não seria socialização, mas capitalismo
e sindicalismo dos trabalhadores ”. [ Op. Cit. , p. 112] No entanto, seu argumento é falho por várias
razões.

Em primeiro lugar, e mais óbvio, a socialização (como discutimos na seção I.3.3) significa
simplesmente o livre acesso aos meios de vida. Contanto que aqueles que ingressam em um local de
trabalho tenham os mesmos direitos e liberdades dos membros existentes, então há socialização. Em
outras palavras, um sistema de mercado de cooperativas não é capitalista, pois não há trabalho
assalariado envolvido, pois os novos trabalhadores se tornam membros plenos do sindicato, com os
mesmos direitos e liberdades dos membros existentes. Portanto, não há relações hierárquicas entre
proprietários e escravos assalariados (mesmo que esses proprietários também trabalhem lá). Como
todos os trabalhadores controlam os meios de produção que usam, isso não é capitalismo.

Em segundo lugar, tal sistema não é normalmente chamado, como sugere Mises, de
“sindicalismo”, mas sim mutualismo e ele obviamente considerava seu defensor mais famoso,
Proudhon e seus “sonhos fantásticos” de um banco mútuo, como um socialista. [ Op. Cit. , p. 88]
Significativamente, Mises subsequentemente admitiu que era "enganoso" chamar o sindicalismo de
capitalismo dos trabalhadores, embora "os trabalhadores sejam os donos dos meios de produção",
não era "socialismo genuíno, isto é, socialismo centralizado" , pois " deve retirar bens produtivos do
mercado. Os cidadãos individuais não devem dispor das participações nos meios de produção que
lhes são atribuídas. ”O sindicalismo, ou seja, ter quem faz o trabalho controlá-lo, era “o ideal de hordas
de saqueio” ! [ Socialismo , p. 274fn, p. 270, pág. 273 e p. 275]

Seus seguidores, da mesma forma, concluíram que “sindicalismo” não era capitalismo com
Hayek afirmando que havia “muitos tipos de socialismo” incluindo “comunismo, sindicalismo,
socialismo de guilda” . Significativamente, ele indicou que o argumento de Mises era direcionado a
sistemas baseados na "direção central de toda atividade econômica" e, portanto, "sistemas anteriores
de socialismo mais descentralizado, como o socialismo de guilda ou sindicalismo, não precisam nos
preocupar aqui, uma vez que parece agora ser geralmente admitiu que eles não fornecem nenhum
mecanismo para uma direção racional da atividade econômica. ” [ “The Nature and History of the
Problem” , pp. 1-40, Collectivist Economic Planning, FA von Hayek (ed.), P. 17, pág. 36 e p. 19]
Infelizmente, ele falhou em indicar quem “geralmente admitia” tal conclusão. Mais recentemente,
Murray Rothbard exortou o estado a impor ações privadas aos trabalhadores nos antigos regimes
stalinistas da Europa Oriental, já que a propriedade "não deveria ser concedida a coletivos ou
cooperativas ou trabalhadores ou camponeses holisticamente, o que só traria de volta os males do
socialismo de uma forma sindicalista descentralizada e caótica ”. [ The Logic of Action II , p. 210]

Terceiro, o sindicalismo geralmente se refere a uma estratégia (sindicalismo revolucionário)


usada para alcançar o socialismo (libertário) em vez do objetivo em si (como o próprio Mises observou
em um discurso contra os sindicatos, "Sindicalismo nada mais é do que a palavra francesa para
sindicalismo" [ Socialismo , pág. 480]). Pode-se argumentar que tal sistema mutualista poderia ser um
objetivo para alguns sindicalistas, embora a maioria fosse e ainda seja a favor do comunismo libertário
(um simples fato aparentemente desconhecido por Mises). De fato, a ignorância de Mises sobre o
pensamento sindicalista é impressionante, afirmando que “o mercado é uma democracia do
consumidor. Os sindicalistas querem transformá-la em uma democracia de produtores ”. [ Ação
Humana , pág. 809] A maioria dos sindicalistas, no entanto, visaabolir o mercado e todos visam ao
controle dos trabalhadores sobre a produção para complementar (e não substituir) a escolha do
consumidor. Sindicalistas, como outros anarquistas, não almejam o controle do consumo pelos
trabalhadores, como afirma Mises. Dado que Mises afirma que o mercado, no qual uma pessoa pode
ter mil votos e outra, é uma “democracia”, sua ignorância das idéias sindicalistas talvez seja apenas
um aspecto de uma ignorância geral da realidade.

Mais importante ainda, toda a premissa de sua crítica ao mutualismo é falha. “As relações de
troca em bens produtivos” , afirmou, “só podem ser estabelecidas com base na propriedade privada
dos meios de produção. Se o Coal Syndicate entregar carvão ao Iron Syndicate, um preço pode ser
fixado apenas se ambos os sindicatos possuírem os meios de produção na indústria. ” [ Socialismo,
p. 132] Isso pode ser uma surpresa para muitas empresas cujos diferentes locais de trabalho vendem
seus produtos uns aos outros! Em outras palavras, o próprio capitalismo mostra que os locais de
trabalho pertencentes ao mesmo corpo (neste caso, uma grande empresa) podem trocar mercadorias
por meio do mercado. O fato de Mises fazer tal declaração indica bem a base firme de seu argumento
na realidade. Assim, uma sociedade socialista pode ter ampla autonomia para suas cooperativas,
assim como uma grande empresa capitalista pode:
“O empresário está em condições de separar o cálculo de cada parte de sua empresa total de
forma que possa determinar o papel que ela desempenha em toda a sua empresa. Assim, ele pode
olhar para cada seção como se fosse uma entidade separada e pode avaliá-la de acordo com a
participação que contribui para o sucesso do empreendimento como um todo. Dentro desse sistema
de cálculo de negócios, cada seção de uma empresa representa uma entidade integral, uma empresa
hipotética independente, por assim dizer. Supõe-se que esta seção 'possui' uma parte definida de todo
o capital empregado na empresa, que compra de outras seções e vende para elas, que tem suas
próprias despesas e receitas próprias, que seus negócios resultam em um lucro ou prejuízo que é
imputado à sua própria condução dos negócios, diferentemente do resultado das outras seções. Assim,
o empresário pode atribuir à administração de cada seção uma grande independência ... Cada gerente
e subgerente é responsável pelo funcionamento de sua seção ou subseção. É para seu crédito se as
contas mostrarem lucro, e para sua desvantagem se mostrarem prejuízo. Seus próprios interesses o
impelem ao máximo cuidado e empenho na condução dos assuntos de sua seção. ”[ Ação Humana ,
pp. 301–2]

Basta, então, para a noção de que a propriedade comum torna impossível para o socialismo
de mercado funcionar. Afinal, a comunidade libertária pode facilmente separar o cálculo de cada parte
de seu empreendimento de forma a determinar o papel que cada cooperativa desempenha em sua
economia. Ele pode olhar para cada seção como se fosse uma entidade separada e avaliá-la de acordo
com a participação que ela contribui, visto que se presume que cada seção “possui” (ou seja, tem
direitos de uso sobre) sua parte definida. Ela pode então comprar e vender para outras cooperativas e
um lucro ou perda pode ser imputado para avaliar a ação independente de cada cooperativa e, assim,
seus próprios interesses impelem os trabalhadores cooperativos ao máximo cuidado e empenho em a
condução dos assuntos de sua cooperativa.

Portanto, para refutar Mises, precisamos apenas repetir o que ele mesmo argumentou sobre
as grandes corporações! Assim, pode haver ampla autonomia para locais de trabalho sob o socialismo
e isso não contradiz de forma alguma o fato de que "todos os meios de produção são propriedade da
comunidade." [ “Economic Calculation in the Socialist Commonwealth” , Op. Cit. , p. 89] A socialização,
em outras palavras, não implica planejamento central, mas sim livre acesso e livre associação. Em
resumo, então, Mises confundiu direitos de propriedade com direitos de uso, posse com propriedade,
e falhou em ver agora um sistema mutualista de cooperativas socializadas trocando produtos pode ser
uma alternativa viável ao atual regime econômico explorador e opressor.

Essa economia mutualista também atinge o cerne das afirmações de Mises de que o
socialismo era "impossível". Dado que ele aceitou que pode haver mercados, e portanto preços de
mercado, para bens de consumo em uma economia socialista, suas afirmações sobre a
impossibilidade do socialismo parecem infundadas. Para Mises, o problema do socialismo era que
"porque nenhum bem de produção jamais se tornará objeto de troca, será impossível determinar seu
valor monetário". [ Op. Cit., p. 92] A falha em seu argumento é clara. Tomando, por exemplo, o carvão,
descobrimos que é um meio de produção e de consumo. Se um mercado de bens de consumo é
possível para um sistema socialista, então preços competitivos para bens de produção também são
possíveis, pois os sindicatos que produzem bens de produção também venderiam o produto de seu
trabalho a outros sindicatos ou comunas. Como Mises admitiu ao discutir um esquema de socialismo
de guilda, “associações e sub-associações mantêm uma relação de troca mútua; eles recebem e dão
como se fossem donos. Assim, um mercado e os preços de mercado são formados. ”Assim, ao decidir
sobre um novo local de trabalho, ferrovia ou casa, os projetistas em questão têm acesso a preços
competitivos para tomar suas decisões. O argumento de Mises também não funciona contra a
propriedade comunal em tal sistema, visto que a comuna estaria comprando produtos de sindicatos da
mesma forma que uma parte de uma empresa pode comprar produtos de outra parte da mesma
empresa sob o capitalismo. O fato de os bens produzidos por sindicatos autogeridos terem preços de
mercado não implica capitalismo, pois, como eles abolem o trabalho assalariado e são baseados no
livre acesso (socialização), é uma forma de socialismo (como os socialistas o definem, os protestos de
Mises de que “Isto é incompatível com o socialismo” não-suportando!). [ Socialismo , p. 518]
Murray Rothbard sugeriu que um sistema autogerenciado iria falhar, e um sistema “composto
exclusivamente de empresas autogerenciadas é impossível e levaria ... ao caos calculativo e ao
colapso completo”. Quando "cada empresa é propriedade conjunta de todos os proprietários de
fatores", então“Não há separação alguma entre trabalhadores, proprietários de terras, capitalistas e
empresários. Não haveria maneira, então, de separar as rendas de salários recebidas das rendas de
juros ou aluguel ou lucros recebidos. E agora chegamos finalmente à verdadeira razão pela qual a
economia não pode consistir completamente em tais firmas (chamadas de 'cooperativas de
produtores'). Pois, sem um mercado externo de salários, aluguéis e juros, não haveria uma maneira
racional de os empresários alocarem os fatores de acordo com os desejos dos consumidores. Ninguém
saberia onde ele poderia alocar sua terra ou seu trabalho para fornecer o máximo de ganhos
monetários. Nenhum empresário saberia como organizar os fatores em sua combinação mais produtiva
de valor para obter o maior lucro. Não poderia haver eficiência na produção porque o conhecimento
necessário estaria faltando. ”[citado por David L. Prychitko, Markets, Planning and Democracy , p.
135 e pág. 136]

É difícil levar esse argumento a sério. Considere, por exemplo, uma sociedade pré-capitalista
de fazendeiros e artesãos. Ambos os grupos de pessoas possuem seus próprios meios de produção
(a terra e as ferramentas que usam). Os agricultores cultivam colheitas para os artesãos que, por sua
vez, fornecem aos agricultores as ferramentas que utilizam. Segundo Rothbard, os agricultores não
teriam ideia do que plantar e nem os artesãos saberiam quais ferramentas comprar para atender à
demanda dos agricultores e quais usar para reduzir o tempo de trabalho. Presumivelmente, tanto os
fazendeiros quanto os artesãos ficariam acordados à noite preocupados com o que produzir, desejando
ter um proprietário e patrão para lhes dizer a melhor maneira de usar seu trabalho e recursos.

Vamos adicionar a classe de senhorios a essa sociedade. Agora, o proprietário pode dizer ao
fazendeiro o que cultivar, já que sua renda de aluguel indica como alocar a terra para seu uso mais
produtivo. Exceto, é claro, que ainda são os agricultores que decidem o que produzir. Sabendo que
terão de pagar aluguel (para ter acesso à terra), eles decidirão dedicar suas terras (alugadas) ao uso
mais lucrativo para pagar o aluguel e ter o suficiente para viver. Por que eles não procuram o uso mais
lucrativo sem a necessidade de aluguel não é explorado por Rothbard. Quase o mesmo pode ser dito
de artesãos sujeitos a um patrão, pois o trabalhador pode avaliar se um investimento em uma nova
ferramenta específica resultará em mais renda ou redução do tempo de trabalho ou se um novo produto
provavelmente atenderá às necessidades dos consumidores. Passando de uma sociedade pré-
capitalista para uma pós-capitalista, está claro que um sistema de cooperativas autogeridas pode tomar
as mesmas decisões sem exigir senhores econômicos. Isso não é surpreendente, visto que Mises
afirmou que o chefe“É claro que exerce poder sobre os trabalhadores”, mas que “o senhor da produção
é o consumidor”. [ Socialismo , p. 443] Nesse caso, o patrão não precisa ser um intermediário entre o
verdadeiro “senhor” e aqueles que fazem a produção!

Em suma, Rothbard confirma os comentários de Kropotkin de que a economia ( "aquela


pseudociência da burguesia" ) "não cessa de elogiar em todos os sentidos os benefícios da propriedade
individual", mas "os economistas não concluem, 'A terra para aquele que o cultiva. ' Pelo contrário,
apressam-se a deduzir da situação: 'A terra ao senhor, que fará com que seja cultivada pelos
assalariados!' ” [ Palavras de um rebelde, pp. 209–10]. Além disso, Rothbard implicitamente coloca
“eficiência” acima da liberdade, preferindo ganhos de “eficiência” duvidosos aos ganhos reais em
liberdade que a abolição da autocracia no local de trabalho criaria. Se pudesse escolher entre liberdade
e “eficiência”, o anarquista genuíno preferiria a liberdade. Felizmente, porém, a liberdade no local de
trabalho aumenta a eficiência, então a decisão de Rothbard está errada. Deve-se notar também que a
posição de Rothbard (como geralmente é o caso) é diretamente oposta à de Proudhon, que
considerava "inevitável" que em uma sociedade livre "as duas funções de trabalhador assalariado,
por um lado, e de proprietário- capitalista-empreiteiro, por outro, torna-se igual e inseparável na
pessoa de todo trabalhador ”. Este foi o “primeiro princípio da nova economia, um princípio cheio de
esperança e de consolo para o trabalhador sem capital, mas um princípio cheio de terror para o parasita
e para as ferramentas do parasitismo, que vêem reduzida a nada sua célebre fórmula: Capital,
trabalho, talento ! ” [ Solução do problema social de Proudhon , p. 165 e p. 85]

E parece uma estranha coincidência que alguém nascido em uma economia capitalista,
apoiando-a ideologicamente com paixão e procurando justificar seu sistema de classes, apenas
deduza de um determinado conjunto de axiomas que proprietários de terras e capitalistas
desempenham um papel vital na economia! Não demoraria muito para determinar se alguém em uma
sociedade sem proprietários ou capitalistas também deduziria logicamente dos mesmos axiomas a
necessidade econômica premente de tais classes. Nem demoraria muito para ponderar por que os
filósofos gregos, como Aristóteles, concluíram que a escravidão era natural. E parece estranho que
séculos de coerção, autoridade, estatismo, classes e hierarquias não tiveram absolutamente nenhum
impacto sobre como a sociedade evoluiu, já que o produto final da história real (a economia capitalista)
simplesmente passa a ser o mesmo que as deduções de Rothbard de algumas suposições predizem.
Não é de se admirar, então, que a economia “austríaca” pareça mais racionalizações para algum
resultado ideologicamente desejado do que uma análise econômica séria.

Até mesmo alguns economistas dissidentes “austríacos” reconhecem a fraqueza da posição


de Rothbard. Assim, "Rothbard claramente não entende o princípio geral por trás das cooperativas de
produtores e da autogestão em geral." Na realidade, “[a] um método democrático de organização
empresarial, a autogestão dos trabalhadores é, em princípio, totalmente compatível com um sistema
de mercado” e, portanto, “uma economia de mercado composta por empresas autogeridas é
consistente com a teoria da Escola Austríaca. .. É fundamentalmente um sistema baseado no
mercado ... que não parece enfrentar os obstáculos epistemológicos ... que proíbem o cálculo
econômico racional ” sob o socialismo de estado. Infelizmente, o socialismo ainda é equiparado ao
planejamento central, para tal sistema“Certamente não é socialismo. Nem, no entanto, é capitalismo
no sentido convencional do termo. ” Na verdade, não é capitalismo de forma alguma e se assumirmos
que o acesso livre a recursos como locais de trabalho e crédito, então definitivamente é socialismo (
“A propriedade legal não é a questão principal na definição da autogestão dos trabalhadores - a gestão
é. Os trabalhadores-gerentes, embora não necessariamente os proprietários legais de todos os fatores
de produção coletados dentro da empresa, são livres para experimentar e estabelecer a política
empresarial como bem entenderem. ” ). [David L. Prychitko, op. Cit., p. 136, pág. 135, pp. 4-5, p. 4 e
p. 135] Isto sugere que fatores não-trabalhistas podem ser comprados de outras cooperativas, crédito
fornecido por bancos mútuos (cooperativas de crédito) a custo e assim por diante. Como tal, um
sistema mutualista é perfeitamente viável.

Assim, o cálculo econômico baseado em preços competitivos de mercado é possível em um


sistema socialista. Na verdade, vemos exemplos disso mesmo sob o capitalismo. Por exemplo, o
complexo cooperativo de Mondragon no País Basco indica que uma economia socialista libertária pode
existir e florescer. Talvez seja sugerido que uma economia precisa de mercados de ações para
precificar as empresas, como fez Mises. Assim, o investimento “não é assunto dos gestores das
sociedades anônimas, é essencialmente assunto dos capitalistas” nas “bolsas de valores” . O
investimento, afirmou ele, "não era uma questão de salários" dos administradores, mas do "capitalista
que compra e vende ações e ações, que faz empréstimos e as recupera, que faz depósitos nos
bancos". [Socialismo , p. 139]

Seria grosseiro notar que os membros das cooperativas sob o capitalismo, como a maioria da
classe trabalhadora, são mais do que capazes de fazer depósitos em bancos e conseguir empréstimos.
Em uma economia mutualista, os trabalhadores não perderão essa capacidade apenas porque os
próprios bancos são cooperativas. Da mesma forma, seria igualmente grosseiro, mas essencial notar
que o mercado de ações dificilmente é o meio pelo qual o capital é realmente levantado dentro do
capitalismo. Como David Engler aponta,“[S] apoiadores do sistema ... afirmam que as bolsas de valores
mobilizam fundos para negócios. Eles? Quando as pessoas compram e vendem ações, "nenhum
investimento vai para o tesouro da empresa ... As ações simplesmente trocam de mãos por dinheiro
em uma repetição infinita". As tesourarias da empresa obtêm fundos apenas de novas emissões de
ações. Isso representou uma média de apenas 0,5 por cento das ações negociadas nos Estados
Unidos durante a década de 1980 ”. [ Apostles of Greed , pp. 157-158] Isso é ecoado por David
Ellerman:

“Apesar do grande valor simbólico do mercado de ações, é notório que ele tem relativamente
pouco a ver com a produção de bens e serviços na economia (a indústria do jogo à parte). A grande
maioria das transações de ações são em ações de segunda mão, de modo que o capital pago por
ações geralmente vai para outros corretores de ações, não para empresas produtivas que emitem
novas ações. ” [ The Democratic Worker-Owned Firm , p. 199]

Isso sugere que a "alocação eficiente de capital na produção não requer um mercado de ações
(veja o setor de pequenas empresas [sob o capitalismo])." “As empresas socialistas” , observa ele,
“são rotineiramente atacadas como sendo inerentemente ineficientes porque não têm ações expostas
à avaliação de mercado. Se esse argumento tivesse algum mérito, implicaria que todo o setor de
pequenas e médias empresas fechadas não cotadas no Ocidente era "inerentemente ineficiente" - uma
conclusão que deve ser vista com algum ceticismo. Na verdade, na comparação com grandes
corporações com ações negociadas em bolsa, as empresas de capital fechado são provavelmente
usuários mais eficientes de capital. ” [ Op. Cit. , p. 200 e p. 199]

Em termos do impacto do mercado de ações na economia, há boas razões para pensar que
isso prejudica a eficiência econômica ao gerar um conjunto perverso de incentivos e fluxos de
informação enganosos e, portanto, sua abolição ajudaria na verdade à produção e à eficiência
produtiva).

Considerando a primeira questão, a existência de um mercado de ações tem sérios efeitos


(negativos) sobre o investimento. Como observa Doug Henwood, “há sérios problemas de
comunicação entre gerentes e acionistas”. Isso ocorre porque “mesmo que os participantes estejam
cientes de um viés de alta nas estimativas de lucros [das empresas], e mesmo que corrijam isso, os
gerentes ainda teriam um incentivo para tentar enganar o mercado. Se você disser a verdade, sua
estimativa precisa será prejudicada por um mercado cético. Portanto, é totalmente racional que os
gerentes aumentem os lucros no curto prazo, seja por meio de truques contábeis ou fazendo apenas
investimentos com retorno rápido ”. Então, gerentes“Enfrentar um mercado [o mercado de ações] que
é famoso por sua preferência por lucros rápidos hoje, em vez de um crescimento paciente de longo
prazo, tem pouca escolha a não ser fazer o que quer. Caso contrário, suas ações serão reduzidas e a
empresa estará pronta para assumir o controle. ” Embora “empresas e economias não possam ficar
mais ricas passando fome” , os investidores do mercado de ações “podem ficar mais ricos quando as
empresas que eles possuem passam fome - pelo menos no curto prazo. Quanto ao longo prazo, bem,
isso é problema de outra pessoa na semana seguinte. ” [ Wall Street , p. 171]

Ironicamente, essa situação tem um paralelo com o planejamento central stalinista. Nesse
sistema, os gestores dos locais de trabalho do Estado tinham um incentivo para mentir sobre sua
capacidade para a burocracia do planejamento. O planejador, por sua vez, assumiria uma capacidade
maior, prejudicando os gerentes honestos e encorajando-os a mentir. Isso, é claro, teve um impacto
muito ruim na economia. Não é de surpreender que os efeitos semelhantes causados pelos mercados
de capitais nas economias sujeitas a eles sejam tão ruins quanto minimizam as questões e os
investimentos de longo prazo. Além disso, deve-se notar que os mercados de ações experimentam
regularmente bolhas e explosões subsequentes. Os mercados de ações podem refletir os julgamentos
coletivos dos investidores, mas dizem pouco sobre a qualidade desses julgamentos. Para que serve
os preços das ações se eles simplesmente refletem a mentalidade de rebanho, as ilusões de pessoas
que ignoram a economia real ou que não conseguem ver uma bolha? Particularmente quando o
impacto no mundo real quando essas bolhas estouram pode ser devastador para aqueles que não
estão envolvidos com o mercado de ações?
Em resumo, então, as empresas são "esmagadoramente autofinanciadas - isto é, a maioria de
seus gastos de investimento são financiados por meio de lucros (cerca de 90%, em médias de longo
prazo)". Os mercados de ações fornecem "apenas uma porção de fundos de investimento . ”

Existem, é claro, alguns “períodos como a década de 1990, durante os quais o mercado de
ações serve como um canal para despejar grandes quantias de dinheiro em locais especulativos,
muitos dos quais evaporaram ... Muito, talvez a maior parte, do que foi financiado em os anos 1990
não mereciam o dinheiro. ” Esses booms não duram para sempre e “não são propaganda da eficiência
de nossos mercados de capitais”. [Henwood, After the New Economy , p. 187 e p. 188]

Portanto, há uma razão substancial para questionar a sugestão de que um mercado de ações
é necessário para a alocação eficiente de capital. Não há necessidade de mercados de capitais em
um sistema baseado em bancos mútuos e redes de cooperativas. Como conclui Henwood, “os sinais
emitidos pelo mercado de ações são irrelevantes ou prejudiciais à atividade econômica real e que o
próprio mercado de ações conta pouco ou nada como fonte de financiamento. Acionistas ... não têm
função útil ”. [ Wall Street , p. 292]

Depois, há também a natureza irônica da afirmação de Rothbard de que a autogestão


garantiria que " não poderia haver eficiência na produção porque o conhecimento necessário estaria
faltando".Isso ocorre porque as empresas capitalistas são hierarquias, baseadas no planejamento
central de cima para baixo, e isso dificulta o fluxo livre de conhecimento e informação. Tal como
acontece com o stalinismo, dentro da empresa capitalista, a informação sobe na hierarquia
organizacional e se torna cada vez mais simplificada e importantes conhecimentos e detalhes locais
perdidos (quando não deliberadamente falsificados para garantir emprego contínuo suprimindo más
notícias). A alta administração toma decisões com base em dados altamente agregados, cuja
qualidade é difícil de saber. A gestão, então, sofre de deficiências de informação e conhecimento,
enquanto os trabalhadores abaixo não têm autonomia suficiente para agir para corrigir ineficiências,
bem como incentivo para comunicar informações precisas e agir para melhorar o processo de
produção. Como Cornelius Castoriadis observou corretamente:

“O planejamento burocrático nada mais é do que a extensão para a economia como um todo
dos métodos criados e aplicados pelo capitalismo na direção 'racional' de grandes unidades de
produção. Se considerarmos a característica mais profunda da economia, a situação concreta em que
as pessoas estão inseridas, veremos que o planejamento burocrático é a realização mais perfeita do
espírito do capitalismo; leva ao limite suas tendências mais significativas. Assim como na gestão de
uma grande unidade de produção capitalista, este tipo de planejamento é executado por um estrato
distinto de gestores ... Sua essência, como a da produção capitalista, está no esforço de reduzir os
produtores diretos ao papel de executores puros e simples de ordens recebidas, ordens formuladas
por um estrato particular que persegue seus próprios interesses. Este estrato não pode funcionar bem,
assim como o aparato de gestão ... [nas fábricas capitalistas] não pode funcionar bem. O mito da
eficiência produtiva do capitalismo no nível da fábrica individual, um mito compartilhado por ideólogos
burgueses e estalinistas, não pode resistir ao exame mais elementar dos fatos, e qualquer trabalhador
industrial poderia traçar uma acusação devastadora contra a racionalização capitalista 'julgado em
seus próprios termos.

“Em primeiro lugar, a burocracia gerencial não sabe o que deve gerenciar. A realidade da
produção lhe escapa, pois essa realidade nada mais é do que a atividade dos produtores, e os
produtores não informam aos gestores ... o que realmente está acontecendo. Muitas vezes organizam-
se de forma a que os gestores não sejam informados (para evitar o aumento da exploração, porque se
sentem antagónicos, ou simplesmente porque não têm interesse: não é problema deles ).

“Em segundo lugar, a forma como a produção é organizada é totalmente contrária aos
trabalhadores. Sempre estão sendo solicitados, de uma forma ou de outra, a trabalhar mais sem serem
pagos por isso. As ordens da administração, portanto, encontram inevitavelmente uma resistência feroz
por parte daqueles que têm de executá-las. ” [ Political and Social Writings , vol. 2, pp. 62-3]
Esta é “a mesma objeção que Hayek levanta contra a possibilidade de uma economia
planejada. Na verdade, os problemas epistemológicos que Hayek levantou contra as economias
planejadas centralizadas ecoaram na tradição socialista como um problema dentro da empresa
capitalista. ” Há "um conflito real dentro da empresa que é paralelo ao que Hayek cria sobre qualquer
economia centralizada". [John O'Neill, The Market , p. 142] Isso ocorre porque os trabalhadores têm
conhecimento sobre seu trabalho e local de trabalho que seus chefes não têm e um local de trabalho
cooperativo autogerido motivaria os trabalhadores a usar essas informações para melhorar o
desempenho da empresa. Em um local de trabalho capitalista, como em uma economia stalinista, os
trabalhadores não têm incentivos para comunicar essas informações como“As melhorias na
organização e nos métodos de produção iniciados pelos trabalhadores essencialmente lucram com o
capital, que freqüentemente se apodera deles e os volta contra os trabalhadores. Os trabalhadores
sabem disso e conseqüentemente restringem sua participação na produção ... Eles restringem sua
produção; eles guardam suas ideias para si mesmos ... Eles se organizam para realizar seu trabalho,
ao mesmo tempo mantendo uma fachada de respeito pela forma oficial como devem organizar seu
trabalho ”. [Castoriadis, Op. Cit., pp. 181–2] Um exemplo óbvio seria a preocupação de que a
administração procuraria monopolizar o conhecimento dos trabalhadores a fim de acumular mais
lucros, controlar melhor a força de trabalho ou substituí-los (usando a produtividade mais alta como
desculpa). Assim, o autogerenciamento, em vez da hierarquia, aumenta o fluxo e o uso de informações
em organizações complexas e, portanto, melhora a eficiência.

Essa conclusão, deve-se enfatizar, não é especulação ociosa e que Mises estava totalmente
errado em suas afirmações relacionadas à autogestão. As pessoas, afirmou ele, "erram" ao pensar
que a participação nos lucros "estimularia o trabalhador a um cumprimento mais zeloso de seus
deveres" (na verdade, "deve levar diretamente ao Sindicalismo" ) e era "absurdo dar 'trabalho '... uma
participação na gestão. A realização de tal postulado resultaria em sindicalismo. ” [ Socialismo, p. 268,
pág. 269 e p. 305] No entanto, como observamos na seção I.3.2, a evidência empírica é
esmagadoramente contra Mises (o que sugere por que os "austríacos" rejeitam tanto a evidência
empírica, já que expõe falhas nas grandes cadeias de raciocínio dedutivo que eles tanto amam). Na
verdade, a participação dos trabalhadores na gestão e na participação nos lucros aumenta a
produtividade. Em certo sentido, porém, Mises está certo, no sentido de que as empresas capitalistas
tenderão a não encorajar a participação ou mesmo a participação nos lucros, pois isso mostra aos
trabalhadores o fato embaraçoso de que, embora os patrões possam precisar deles, elas não precisam
dos patrões. Como discutido na seção J.5.12, chefes temem que esses sistemas serão levam ao
“sindicalismo” e tão rapidamente detê-los para permanecer no poder - apesar (ou, mais precisamente,
por causa) dos ganhos de eficiência e produtividade que eles resultam.

“Tanto o capitalismo quanto o socialismo de estado”, resume Ellerman, “sofrem com a


ineficiência motivacional da relação de emprego”. Op. Cit. , pp. 210-1] Mutualismo seria mais eficiente,
bem como mais livre, pois, uma vez que o mercado de ações e as hierarquias do local de trabalho
forem removidas, bloqueios graves e distorções no fluxo de informações serão eliminados.

Infelizmente, os socialistas de estado que responderam a Mises nas décadas de 1920 e 1930
não tinham essa economia libertária em mente. Em resposta ao desafio inicial de Mises, vários
economistas apontaram que o discípulo de Pareto, Enrico Barone, já havia, 13 anos antes,
demonstrado a possibilidade teórica de um "socialismo simulado de mercado". No entanto, o principal
ataque ao argumento de Mises veio de Fred Taylor e Oscar Lange (para uma coleção de seus artigos
principais, consulte On the Economic Theory of Socialism ). À luz de seu trabalho, Hayek mudou a
questão da impossibilidade teórica para se a solução teórica poderia ser aproximada na prática. O que
levanta uma questão interessante, pois se o socialismo (estatal) é "impossível"(como Mises nos
assegurou) então o que aconteceu na Europa Oriental? Se os “austríacos” afirmam que foi
“socialismo”, então eles estão na posição um tanto estranha de que algo que eles nos garantem ser
“impossível” existiu por décadas. Além disso, deve-se notar que ambos os lados do argumento
aceitaram a ideia de um tipo ou outro de planejamento central. Isso significa que a maioria dos
argumentos de Mises e Hayek não se aplica ao socialismo libertário, que rejeita o planejamento central
junto com todas as outras formas de centralização.

Nem foi a resposta de Taylor e Lange particularmente convincente em primeiro lugar. Isso
porque se baseava muito mais na teoria econômica capitalista neoclássica do que na apreciação da
realidade. No lugar do "Leiloeiro" walrasiano (o "deus na máquina" da teoria do equilíbrio geral que
garante que todos os mercados estejam livres), Taylor e Lange apresentaram o "Conselho de
Planejamento Central"cujo trabalho era ajustar os preços para que todos os mercados se esvaziassem
Economistas neoclássicos que estão inclinados a aceitar a teoria de Walras como uma descrição
adequada de uma economia capitalista ativa serão forçados a aceitar a validade de seu modelo de
"socialismo". Não é de admirar que Taylor e Lange fossem considerados, na época, os vencedores no
debate do “cálculo socialista” pela maioria dos economistas (com o colapso da União Soviética, esta
decisão foi um pouco revisada - embora devamos apontar que Taylor e o modelo de Lange não era o
mesmo do sistema soviético, fato convenientemente ignorado pelos comentaristas).

Infelizmente, dado que a teoria walrasiana tem pouca relação com a realidade, devemos
também chegar à conclusão de que a "solução" Taylor-Lange tem quase a mesma relevância (mesmo
ignorando seus aspectos não libertários, como sua base na propriedade estatal, sua centralização, sua
falta de autogestão dos trabalhadores e assim por diante). Muitas pessoas consideram Taylor e Lange
como precursores do "socialismo de mercado". Isso é incorreto - ao invés de serem socialistas de
mercado, eles são de fato socialistas “neoclássicos”, construindo um sistema “socialista” que imita a
teoria econômica capitalista ao invés de sua realidade . Substituindo a criação mítica do “Leiloeiro”
de Walruscom um quadro de planejamento realmente não chega ao cerne do problema! Nem sua visão
de “socialismo” tem muito apelo - uma reprodução do capitalismo com um conselho de planejamento
e uma distribuição mais igualitária da renda em dinheiro. Os anarquistas rejeitam tal “socialismo” como
sendo pouco mais do que uma versão mais agradável do capitalismo, se tanto.

Com o colapso da União Soviética, está na moda afirmar que "Mises estava certo" e que o
socialismo é impossível (é claro, durante a guerra fria tais reivindicações foram ignoradas porque a
ameaça soviética teve que ser reforçada e usada como meio de controlo social e para justificar os
auxílios estatais à indústria capitalista). Nada poderia estar mais longe da verdade, pois esses países
não eram nada socialistas e nem mesmo se aproximavam da ideia socialista (libertária) (a única forma
verdadeira de socialismo). Os países stalinistas tinham "economias de comando" autoritárias com
planejamento central burocrático e, portanto, seu fracasso não pode ser tomado como prova de que
um socialismo libertário descentralizado não pode funcionar. Nem os argumentos de Mises e Hayek
contra Taylor e Lange podem ser usados contra um sistema mutualista ou coletivista libertário, visto
que tal sistema é descentralizado e dinâmico (ao contrário do modelo socialista “neoclássico”). O
socialismo libertário desse tipo, de fato, funcionou notavelmente bem durante a Revolução Espanhola
em face de dificuldades surpreendentes, com aumento de produtividade e produção em muitos locais
de trabalho, bem como maior igualdade e liberdade (ver seção I.8).

Assim, o “argumento do cálculo” não prova que o socialismo é impossível. Mises estava errado
ao afirmar que “um sistema socialista com um mercado e preços de mercado é tão contraditório quanto
a noção de um quadrado triangular”. [ Ação Humana , pág. 706] Isso ocorre porque o capitalismo não
é definido pelos mercados como tal, mas sim pelo trabalho assalariado, uma situação em que as
pessoas da classe trabalhadora não têm livre acesso aos meios de produção e, portanto, têm que
vender seu trabalho (e, portanto, liberdade) para aqueles que Faz. Se a citação de Engels não é muito
descabida, o “objeto de produção - produzir mercadorias - não importa para o instrumento o caráter
de capital” como o“A produção de mercadorias é uma das pré-condições para a existência do capital
... enquanto o produtor vender apenas o que ele mesmo produz, ele não é um capitalista; ele se torna
assim apenas a partir do momento em que faz uso de seu instrumento para explorar o trabalho
assalariado de outros . ” [ Obras Coletadas, Vol. 47, pp. 179-80] Nisso, conforme observado na
seção C.2.1, Engels estava meramente fazendo eco a Marx (que, por sua vez, estava simplesmente
repetindo a distinção de Proudhon entre propriedade e posse). Como o mutualismo elimina o trabalho
assalariado por autogestão e livre acesso aos meios de produção, seu uso de mercados e preços
(ambos anteriores ao capitalismo) não significa que não seja socialista (e como observamos na seção
G.1.1 Marx, Engels, Bakunin e Kropotkin, como Mises, reconheceram Proudhon como um socialista).
Esse foco no mercado, como sugere David Schweickart, não é por acaso:

“A identificação do capitalismo com o mercado é um erro pernicioso tanto dos defensores


conservadores do laissez-faire [capitalismo] e da maioria dos oponentes de esquerda ... Se olharmos
para as obras dos principais apologistas do capitalismo ... encontramos o foco de a desculpa sempre
das virtudes do mercado e dos vícios do planejamento central. Retoricamente, essa é uma estratégia
eficaz, pois é muito mais fácil defender o mercado do que as outras duas instituições definidoras do
capitalismo. Os defensores do capitalismo sabem bem que é melhor manter a atenção voltada para o
mercado e longe do trabalho assalariado ou da propriedade privada dos meios de produção ”. [ “Market
Socialism: A Defense” , pp. 7–22, Market Socialism: the debate between socialists, Bertell Ollman
(ed.), P. 11]

O trabalho teórico de socialistas como David Schweickart (ver seus livros Contra o
Capitalismo e Depois do Capitalismo ) apresenta uma extensa discussão de um sistema socialista
de mercado dinâmico e descentralizado que tem semelhanças óbvias com o mutualismo - uma ligação
que alguns leninistas reconhecem e enfatizam a fim de desacreditar socialismo de mercado via culpa
por associação (Proudhon "o anarquista e inimigo inveterado de Karl Marx ... apresentou uma
concepção de sociedade, que é provavelmente a primeira exposição detalhada de um 'mercado
socialista'." [Hillel Ticktin, "The Problem is Market Socialism ” , pp. 55–80, Op. Cit., p. 56]). Até agora,
a maioria dos modelos de socialismo de mercado não tem sido totalmente libertário, mas envolve a
ideia de controle dos trabalhadores dentro de uma estrutura de propriedade estatal do capital (Engler
em Apostles of Greed é uma exceção a isso, apoiando a propriedade comunitária). Ironicamente,
embora esses leninistas rejeitem a ideia do socialismo de mercado como contraditória e, basicamente,
não socialista, eles geralmente reconhecem que a transição para o marxismo-comunismo sob seu
estado operário utilizaria o mercado.

Assim, como o anarquista Robert Graham aponta, “o socialismo de mercado é apenas uma
das ideias defendidas por Proudhon, que é oportuna e controversa ... O socialismo de mercado de
Proudhon está indissoluvelmente ligado às suas noções de democracia industrial e autogestão dos
trabalhadores”. [ “Introdução” , PJ Proudhon, Ideia Geral da Revolução, p. xxxii] Como discutimos na
seção I.3.5, o sistema de federações agroindustriais de Proudhon pode ser visto como uma forma não
estatista de proteger a autogestão, a liberdade e a igualdade em face das forças de mercado
(Proudhon, ao contrário dos anarquistas individualistas, estava bem ciente dos aspectos negativos dos
mercados e da forma como as forças de mercado podem perturbar a sociedade). O economista
dissidente Geoffrey M. Hodgson está certo ao sugerir que o sistema de Proudhon, no qual “cada
associação cooperativa seria capaz de estabelecer relações contratuais com outras” , poderia ser
“descrito como uma forma inicial de 'socialismo de mercado'” . Na verdade,“Em vez de modelos do tipo
Lange, o termo 'socialismo de mercado' é mais apropriado para tais sistemas. O socialismo de
mercado, neste sentido mais apropriado e significativo, envolve cooperativas de produtores que são
propriedade dos trabalhadores dentro delas. Essas cooperativas vendem seus produtos nos mercados,
com trocas genuínas de direitos de propriedade ” (um tanto irritantemente, Hodgson incorretamente
afirma que “ Proudhon se descreveu como um anarquista, não um socialista ” quando, na realidade, o
anarquista francês repetidamente se referia a si mesmo e seu sistema mutualista como socialista). [
Economics and Utopia , p. 20, pág. 37 e p. 20]

Assim, é possível para uma economia socialista alocar recursos usando os mercados. Ao
suprimir os mercados de capitais e as hierarquias de local de trabalho, um sistema mutualista
melhorará o capitalismo, removendo uma importante fonte de incentivos perversos que impedem o uso
eficiente de recursos, bem como o investimento de longo prazo e a responsabilidade social, além de
reduzir as desigualdades e aumentar a liberdade. Como David Ellerman observou certa vez, muitos
"ainda olham para o mundo em termos bipolares: capitalismo ou socialismo (estatal)". No entanto,
existem “duas grandes tradições de socialismo: socialismo de estado e socialismo de autogestão.
O socialismo de estado é baseado na propriedade governamental de uma grande indústria, enquanto
o socialismo de autogestão prevê que as empresas sejam autogeridas pelos trabalhadores e não
pertencentes ou administradas pelo governo ”. [ Op. Cit. , p. 147] Mutualismo é uma versão da segunda
visão e os anarquistas rejeitam o acordo confortável entre os marxistas tradicionais e seus oponentes
ideológicos no direito de propriedade de que apenas o socialismo de estado é socialismo “real”.

Finalmente, deve-se notar que a maioria dos anarquistas não são mutualistas, mas visam o
comunismo (libertário), a abolição do dinheiro. Muitos veem um sistema de tipo mutualista como um
estágio inevitável em uma revolução social, a forma de transição imposta pelas condições objetivas
que enfrentam uma transformação de uma sociedade marcada por milhares de anos de opressão e
exploração (o anarquismo coletivista contém elementos de mutualismo e comunismo, com a maioria
de seus partidários vendo-o como um sistema de transição). Isso é discutido na seção I.2.2, enquanto
a seção I.1.3 indica por que a maioria dos anarquistas rejeita até mesmo os mercados não capitalistas.
Então, o argumento de Mises significa que um socialismo que abole o mercado (como o comunismo
libertário) é impossível? Dado que a grande maioria dos anarquistas busca uma sociedade comunista
libertária, Esta é uma importante questão. Abordaremos isso na próxima seção.

O comunismo libertário é impossível?

Em uma palavra, não. Enquanto o “argumento de cálculo” é frequentemente utilizado por


propertarians (chamados de direita “libertários”) como a base para o argumento de que o comunismo
(uma sociedade sem dinheiro) é impossível, ele é baseado em certas idéias falsas sobre o que os
preços fazem, a natureza do mercado e como uma sociedade comunista-anarquista funcionaria. Isso
não é surpreendente, já que Mises baseou sua teoria em uma variação da economia neoclássica e
nas idéias marxistas social-democratas (e, portanto, leninistas) de como seria uma economia
“socialista”. Portanto, tem havido pouca discussão sobre como seria uma verdadeira sociedade
comunista (isto é, libertária), que transformou totalmente as condições existentes de produção pela
autogestão dos trabalhadores e a abolição do trabalho assalariado.e dinheiro. No entanto, é útil aqui
indicar exatamente por que o comunismo funcionaria e por que o “argumento do cálculo” é falho como
uma objeção a ele.

Mises argumentou que sem dinheiro não havia como uma economia socialista tomar decisões
de produção “racionais”. Nem mesmo Mises negou que uma sociedade sem dinheiro poderia estimar
o que é provável que seja necessário durante um determinado período de tempo (conforme expresso
como quantidades físicas de tipos e tipos de objetos definidos). Como ele argumentou, “o cálculo in
natura em uma economia sem troca pode abranger apenas bens de consumo”. Seu argumento era
que o próximo passo, descobrir quais métodos produtivos empregar, não seria possível, ou pelo menos
não poderia ser feito “racionalmente”, ou seja, evitando o desperdício e a ineficiência. A avaliação dos
bens de produção“Só pode ser feito com algum tipo de cálculo econômico. A mente humana não pode
se orientar adequadamente entre a massa desconcertante de produtos intermediários e
potencialidades sem tal ajuda. Ele simplesmente ficaria perplexo diante dos problemas de
gerenciamento e localização. ” Assim, veríamos rapidamente "o espetáculo de uma ordem econômica
socialista se debatendo no oceano de combinações econômicas possíveis e concebíveis sem a
bússola do cálculo econômico". [ “Economic Calculation in the Socialist Commonwealth” , pp. 87-130,
Collectivist Economic Planning , FA von Hayek (ed.), P. 104, pág. 103 e p. 110] Daí a afirmação de
que o cálculo monetário com base nos preços de mercado é a única solução.

Este argumento tem sua força. Como se pode esperar que um produtor saiba se o estanho é um uso
melhor dos recursos do que o ferro ao criar um produto, se tudo o que eles sabem é que o ferro e o
estanho estão disponíveis e são adequados para seus fins? Ou, se tivermos um bem de consumo que
pode ser feito com A + 2B ou 2A + B (onde A e B são fatores de entrada, como aço, petróleo,
eletricidade, etc.), como podemos dizer qual método é mais eficiente (ou seja, qual usou menos
recursos e, portanto, deixou mais para outros usos)? Com os preços de mercado, argumentou Mises,
é simples. Se A custasse $ 10 e B $ 5, então o método um seria claramente o mais eficiente ($ 20
versus $ 25). Sem o mercado, argumentou Mises, tal decisão seria impossível e, portanto, toda decisão
seria "tatear no escuro". [ Op. Cit. , p. 110]

O argumento de Mises se baseia em três suposições errôneas, duas contra o comunismo e uma a
favor do capitalismo. As duas primeiras suposições negativas são que o comunismo envolve
planejamento central e que é impossível tomar decisões de investimento sem valores monetários.
Discutimos por que cada um está errado nesta seção. A suposição positiva de Mises para o
capitalismo, ou seja, que os mercados permitem a alocação exata e eficiente de recursos, é discutida
na seção I.1.5.

Em primeiro lugar, Mises assume uma economia planejada centralizada. Como Hayek resumiu, o cerne
da questão era "a impossibilidade de um cálculo racional em uma economia dirigida centralmente da
qual os preços estão necessariamente ausentes" , que "envolve o planejamento em uma escala mais
extensa - direção minuciosa de praticamente toda a atividade produtiva por um autoridade central ” .
Assim, a "única autoridade central tem que resolver o problema econômico de distribuir uma
quantidade limitada de recursos entre um número praticamente infinito de finalidades concorrentes"
com "um grau razoável de precisão, com um grau de sucesso igualmente ou se aproximando dos
resultados do capitalismo competitivo" é o que “constitui o problema do socialismo como método”.[
“The Nature and History of the Problem” , pp. 1-40, Op. Cit. , p. 35, pág. 19 e pp. 16-7]

Embora essa fosse uma ideia comum na social-democracia marxista (e no leninismo que veio dela),
as organizações centralizadas são rejeitadas pelo anarquismo. Como Bakunin argumentou, “onde
estão os intelectos poderosos o suficiente para abraçar a infinita multiplicidade e diversidade de
interesses, aspirações, desejos e necessidades reais que resumem a vontade coletiva do povo? E
inventar uma organização social que não seja um leito de Procusto sobre o qual a violência do Estado
forçará mais ou menos abertamente a se estender a sociedade infeliz? ” Além disso, um governo
socialista,“A menos que fosse dotado de onisciência, onipresença e onipotência que os teólogos
atribuem a Deus, não poderia conhecer e prever as necessidades de seu povo, ou satisfazer com
justiça os interesses mais legítimos e urgentes”. [ Bakunin on Anarchism , pp. 268-9 e p. 318] Para
Malatesta, tal sistema exigiria "imensa centralização" e seria "uma coisa impossível de se alcançar ou,
se possível, terminaria como uma tirania colossal e muito complexa". [ No Café , p. 65]

Kropotkin, da mesma forma, rejeitou a noção de planejamento central como as “mudanças econômicas
que resultarão da revolução social serão tão imensas e profundas ... que será impossível para um ou
mesmo vários indivíduos elaborar as formas sociais ao qual uma nova sociedade deve dar à luz. A
elaboração de novas formas sociais só pode ser o trabalho coletivo das massas ”. [ Palavras de um
rebelde , p. 175] A noção de que um "Governo fortemente centralizado" poderia " ordenar que uma
quantidade prescrita" de uma mercadoria "seja enviada para tal lugar em tal dia" e seja "recebida em
um determinado dia por um funcionário específico e armazenada em particular armazéns ”não era
apenas "indesejável", mas também "extremamente utópico". Durante sua discussão sobre os
benefícios do livre acordo contra a tutela estatal, Kropotkin observou que apenas o primeiro permitia a
utilização de “a cooperação, o entusiasmo, o conhecimento local” do povo. [ The Conquest of Bread
, pp. 82-3 e p. 137]
A própria experiência de Kropotkin mostrou como os "altos funcionários" da burocracia czarista "eram
simplesmente encantadores em sua ignorância inocente" das áreas que deveriam administrar e como,
graças ao marxismo, o ideal socialista "perdeu o caráter de algo isso teve de ser trabalhado pelas
próprias organizações trabalhistas e tornou-se administração estatal das indústrias - na verdade,
socialismo estatal; isto é, capitalismo de estado. ” Como um anarquista, ele sabia que os governos
ficam "isolados das massas" e assim "o próprio sucesso do socialismo" exigia "as idéias de não-
governo, de autossuficiência, de livre iniciativa do indivíduo" para ser“Pregado lado a lado com aqueles
de propriedade e produção socializadas.” Assim, era essencial que o socialismo fosse descentralizado,
federal e participativo, que a “estrutura da sociedade que almejávamos” fosse “elaborada, na teoria e
na prática, de baixo” por “todos os sindicatos” com “um conhecimento pleno das necessidades locais
de cada comércio e de cada localidade. ” [ Memórias de um revolucionário , p. 184, pág. 360, pág.
374–5 e p. 376]

Portanto, os anarquistas podem concordar com Mises que o planejamento central não pode funcionar
na prática como seus defensores esperam. Ou, mais corretamente, Mises concordou com os
anarquistas, já que primeiro nos opusemos ao planejamento central. Há muito tempo reconhecemos
que não se pode esperar que nenhum pequeno grupo de pessoas saiba o que acontece na sociedade
e planeje de acordo ( “Nenhum cérebro, nem qualquer agência de cérebros pode cuidar desta
organização.” [Issac Puente, Libertarian Communism , p. 29] ) Além disso, há a questão urgente da
liberdade também, pois“O despotismo do Estado ['socialista'] seria igual ao despotismo do estado atual,
aumentado pelo despotismo econômico de todo o capital que passaria para as mãos do Estado, e o
todo seria multiplicado por todos os centralização necessária para este novo Estado. E é por isso que
nós, os anarquistas, amigos da liberdade, pretendemos combatê-los até o fim ”. [Carlo Cafiero,
“Anarquia e Comunismo” , pp. 179-86, The Raven , No. 6, p. 179]

Como John O'Neill resume, o “argumento contra o planejamento centralizado é aquele que foi
articulado na história do planejamento socialista como um argumento para a tomada de decisão
democrática e descentralizada”. [ O mercado , p. 132] Assim, por boas razões econômicas e políticas,
os anarquistas rejeitam o planejamento central. Esta posição socialista libertária central alimenta
diretamente a refutação do argumento de Mises, pois enquanto um sistema centralizado precisaria
comparar um grande ( "infinito" ) número de alternativas possíveis para um grande número de
necessidades possíveis, este não é o caso em um sistema descentralizadosistema. Em vez de uma
vasta multidão de alternativas que inundariam uma agência de planejamento centralizado, um local de
trabalho que compara diferentes alternativas para atender a uma necessidade específica enfrenta um
número muito menor de possibilidades, pois os requisitos técnicos objetivos (valores de uso) de um
projeto são conhecidos e, portanto, locais o conhecimento eliminará a maioria das opções disponíveis
para um pequeno número que podem ser comparadas diretamente.

Como tal, remover a suposição de um órgão central de planejamento drena automaticamente a crítica
de Mises de grande parte de sua força - em vez de um "oceano de combinações econômicas possíveis
e concebíveis" enfrentado por um órgão central, um local de trabalho específico ou comunidade tem
uma estrutura mais limitada número de soluções possíveis para um número limitado de requisitos.
Além disso, qualquer máquina complexa é um produto de bens menos complexos, o que significa que
o local de trabalho é um consumidor de bens de outros locais de trabalho. Se, como Mises admitiu, um
cliente pode decidir entre bens de consumo sem a necessidade de dinheiro, então o usuário e o
produtor de um bem de “ordem superior” pode decidir entre os bens de consumo necessários para
atender às suas necessidades.

Em termos de tomada de decisão, é verdade que uma agência de planejamento centralizado seria
inundada pelas múltiplas opções disponíveis. No entanto, em um sistema socialista descentralizado,
locais de trabalho individuais e comunas estariam decidindo entre um número muito menor de
alternativas. Além disso, ao contrário de um sistema centralizado, a empresa ou comuna individual
sabe exatamente o que é necessário para atender às suas necessidades e, portanto, o número de
alternativas possíveis também é reduzido (por exemplo, certos materiais são simplesmente
tecnicamente inadequados para certas tarefas).

A outra suposição de Mises é igualmente falha. Ou seja, sem o mercado, nenhuma informação é
repassada entre os produtores além do resultado final da produção. Em outras palavras, ele assumiu
que o produto final é tudo o que conta para avaliar seu uso. Desnecessário dizer que é verdade que
sem mais informações do que o nome de um determinado produto é impossível determinar se sua
utilização seria uma utilização eficiente de recursos. Ainda, mais informações podem ser fornecidas,
as quais podem ser usadas para informar a tomada de decisão. Como os socialistas Adam Buick e
John Crump apontam,“No nível da unidade de produção individual ou indústria, os únicos cálculos que
seriam necessários no socialismo seriam cálculos em espécie. De um lado, estariam registrados os
recursos (materiais, energia, equipamentos, mão de obra) usados na produção e, de outro, a
quantidade de bem produzida, junto com quaisquer subprodutos ... A produção socialista é
simplesmente a produção de valores de uso de valores de uso e nada mais. ” [ State Capitalism: The
Wages System Under New Management , p. 137] Assim, qualquer bem usado como insumo em um
processo de produção exigiria a comunicação desse tipo de informação.

A geração e comunicação dessas informações implica uma rede descentralizada e horizontal entre
produtores e consumidores. Isso ocorre porque o que conta como valor de uso só pode ser
determinado por aqueles que o usam diretamente. Assim, a produção de valores de uso a partir de
valores de uso não pode ser alcançada por meio do planejamento central, pois os planejadores centrais
não têm noção do valor de uso dos bens que estão sendo usados ou produzidos. Esse conhecimento
está em muitas mãos, disperso pela sociedade, e assim a produção socialista implica a
descentralização. Os ideólogos capitalistas afirmam que o mercado permite a utilização de tal
conhecimento disperso, mas, como observa John O'Neill, “o mercado pode ser uma forma pela qual o
conhecimento disperso pode ter um bom efeito. Não é ... o único caminho ” .“A força do argumento
epistemológico para o mercado depende em parte da implausibilidade de assumir que todo o
conhecimento poderia ser centralizado em alguma agência de planejamento particular”, ele enfatiza,
mas o “argumento de Mises ignora, no entanto, a existência do descentralizado, mas
predominantemente não -instituições de mercado para a distribuição de conhecimento ... A suposição
de que apenas o mercado pode coordenar o conhecimento disperso não vocalizável é falsa. ” [ Op.
Cit. , p. 118 e p. 132]

Portanto, para determinar se um produto específico é útil para uma pessoa, essa pessoa precisa saber
seu "custo". No capitalismo, a noção de custo foi tão associada ao preço que temos que colocar a
palavra “custo” entre aspas. No entanto, o custo real de, digamos, escrever um livro, não é uma soma
de dinheiro, mas muito papel, muita energia, muita tinta, muito trabalho humano. Para tomar uma
decisão racional sobre se um determinado bem é melhor para atender a uma determinada necessidade
do que outro, o futuro consumidor precisa dessas informações. No entanto, no capitalismo, essa
informação é escondida pelo preço.

Um tanto ironicamente, dado como a economia “austríaca” tende a enfatizar que as limitações
informacionais estão na raiz de sua “impossibilidade” de socialismo, o fato é que o mercado esconde
uma quantidade significativa de informações essenciais necessárias para tomar uma decisão de
investimento sensata. Isso pode ser visto na análise da discussão de Mises sobre por que o tempo de
trabalho não pode substituir o dinheiro como ferramenta de tomada de decisão. O uso de trabalho,
argumentou ele, “deixa de fora o emprego de fatores materiais de produção” e apresenta um exemplo
de dois bens, P e Q, que levam 10 horas para serem produzidos. P leva 8 horas de trabalho, mais 2
unidades de matéria-prima A (que é produzida por uma hora de trabalho socialmente necessária). Q
leva 9 horas de trabalho e uma unidade de A. Ele afirma que em termos de trabalho P e Q“São
equivalentes, mas em termos de valor P é mais valioso do que Q. O primeiro é falso, e apenas o último
corresponde à natureza e ao propósito do cálculo.” [ “Economic Calculation in the Socialist
Commonwealth” , Op. Cit. , p. 113]
A falha em seu argumento é clara. Supondo que uma hora de trabalho socialmente necessária seja £
10, então, em termos de preço, P teria £ 80 de custos de mão de obra direta, com £ 20 de matéria-
prima A, enquanto Q teria £ 90 de mão de obra direta e £ 10 de A. Ambos custou £ 100, por isso é
difícil ver como isso “corresponde à natureza e ao propósito do cálculo” ! Usar menos matéria-prima A
é um julgamento feito além do "cálculo"neste exemplo. A questão de economizar no uso de A
simplesmente não pode ser feita usando preços. Se P, por exemplo, só pode ser produzido por meio
de um processo mais ecologicamente destrutivo do que Q ou se o processo de trabalho pelo qual P é
criado é marcado por trabalho monótono e estúpido, mas Q é mais satisfatório para as pessoas
envolvidas do que Q pode ser considerado um melhor decisão. Infelizmente, esse tipo de informação
não é comunicado pelo mecanismo de preços.

Como John O'Neill aponta, “os argumentos anteriores de Mises contra o planejamento socialista
baseavam-se em uma suposição sobre a comensurabilidade. Seu argumento central era que a tomada
de decisão econômica racional exigia uma única medida com base na qual o valor de estados de coisas
alternativos poderia ser calculado e comparado. ” [ Ecology, Policy and Politics , p. 115] Este
pressuposto central não foi contestado por Taylor e Lange em sua defesa do "socialismo", o que
significa que desde o início o debate contra Mises foi defensivo e baseado no argumento de que o
planejamento socialista poderia imitar o mercado e produzir resultados eficientes de um ponto de vista
capitalista.

Os anarquistas questionam se usar preços significa basear todas as tomadas de decisão em um critério
e ignorar todos os outros é uma coisa racional a se fazer. Como O'Neill sugere, "a relativa escassez
de itens ... dificilmente esgota toda a gama de informações que são distribuídas por toda a sociedade
que podem ser relevantes para a coordenação de atividades e planos econômicos." [ O Mercado, p.
196] Dizer que um bem custa £ 10 não diz muito sobre a quantidade de poluição que sua produção ou
uso gera, em que condições de trabalho foi produzido, se seu preço é afetado pelo poder de mercado
da empresa que o produz, se é produzido de forma ecologicamente sustentável e assim por diante. Da
mesma forma, dizer que outro bem semelhante custa £ 9 não indica se a diferença de £ 1 se deve a
um uso mais eficiente de insumos ou se é causada pela poluição do planeta.

E os preços realmente refletem os custos? A questão do lucro, a recompensa por possuir capital e
permitir que outros o usem, dificilmente é um custo da mesma forma que trabalho, recursos e assim
por diante (tentativas de explicar os lucros como um sacrifício equivalente como trabalho sempre foram
ridículas e rapidamente abandonadas ) Ao observar os preços para avaliar o uso eficiente de bens,
você não pode realmente dizer pelo preço se é assim. Dois bens podem ter o mesmo preço, mas os
níveis de lucro (talvez sob a influência do poder de mercado) podem ser tais que um tenha um preço
de custo mais alto do que o outro. O mecanismo de preços falha em indicar quem usa menos recursos,
pois é influenciado pelo poder de mercado. Na verdade, como observa Takis Fotopoulos,“[I] se ... tanto
o planejamento central quanto a economia de mercado levam inevitavelmente a concentrações de
poder, então nem o primeiro nem o último podem produzir o tipo de fluxos de informação e incentivos
que são necessários para o melhor funcionamento de qualquer sistema econômico. ” [ Rumo a uma
democracia inclusiva , p. 252] Além disso, um bem produzido em um estado autoritário que reprime
sua força de trabalho poderia ter um preço mais baixo do que um produzido em um país que permitisse
sindicatos se organizarem e tenha direitos humanos básicos. A repressão forçaria para baixo o custo
da mão de obra, fazendo com que o bem em questão aparecesse como um uso mais “eficiente” dos
recursos. Em outras palavras, o mercado pode mascarar a desumanidade como “eficiência” e
realmente recompensar esse comportamento pela participação no mercado.

Em outras palavras, os preços de mercado podem ser terrivelmente distorcidos, pois ignoram os
problemas de qualidade. As trocas, portanto, ocorrem à luz de informações falsas e, além disso, com
motivações anti-sociais - para maximizar o excedente de curto prazo para os capitalistas,
independentemente das perdas para os outros. Assim, eles distorcem as avaliações e impõem um
individualismo crasso, estreito e, em última análise, autodestrutivo. Os preços são moldados por mais
do que os custos, com, por exemplo, o poder de mercado aumentando os preços de mercado muito
mais do que os custos reais. Os preços de mercado também deixam de levar em conta os bens
públicos e, portanto, enviesam as escolhas de alocação contra eles, para não mencionar ignorar os
efeitos na sociedade em geral, ou seja, além dos compradores e vendedores diretos. Da mesma forma,
para tomar decisões racionais relacionadas ao uso de um produto, você precisa saber por queo preço
mudou, pois se uma mudança é permanente ou transitória implica em respostas diferentes. Assim, o
preço atual não é suficiente por si só. O bem ficou mais caro temporariamente, devido, digamos, a uma
greve? Ou é porque o suprimento do recurso se esgotou? Ações que são sensatas na primeira situação
serão erradas na outra. Como sugere O'Neill, “as informações [no mercado] são devolvidas sem
diálogo. O mercado informa por 'saída' - alguns produtos encontram mercado, outros não. 'Voice' não
é exercido. Essa falha de diálogo ... representa uma falha informacional do mercado, não uma virtude
... O mercado ... distribui informações ... também bloqueia muito. ” [ Op. Cit. , p. 99]

Portanto, um sistema puramente baseado no mercado deixa de fora informações nas quais basear as
alocações racionais de recursos (ou, pelo menos, as esconde). A razão para isso é que um sistema
de mercado mede, na melhor das hipóteses, as preferências de compradores individuais entre os
disponíveis opções. Isso pressupõe que todos os valores de uso pertinentes que devem ser
resultados da produção são coisas que devem ser consumidas pelo indivíduo, em vez de valores de
uso que são desfrutados coletivamente (como o ar puro). Os preços de mercado não medem custos
sociais ou externalidades, o que significa que tais custos não se refletem no preço e, portanto, não é
possível ter um sistema de preços racional. Da mesma forma, se o mercado mede apenas preferências
entre coisas que podem ser monopolizadas e vendidas a indivíduos, distintas de valores que são
desfrutados coletivamente, então segue-se que as informações necessárias para a tomada de decisão
racional na produção não são fornecidas pelo mercado. Em outras palavras, o “cálculo” capitalista falha
porque as empresas privadas estão alheias ao custo social de seu trabalho e insumos de matérias-
primas.

De fato, os preços muitas vezes mis bens -VALOR como as empresas podem ganhar uma vantagem
competitiva, passando os custos para a sociedade (na forma de poluição, por exemplo, ou de
requalificação dos trabalhadores, aumentando a insegurança do emprego, e assim por diante). Essa
externalização de custos é, na verdade, recompensada no mercado, pois os consumidores buscam os
preços mais baixos, sem saber os motivos pelos quais é mais baixo (essas informações não podem
ser obtidas olhando para o preço). Mesmo supondo que tal atividade seja penalizada com multas
posteriormente, o dano ainda está feito e não pode ser desfeito. Na verdade, a empresa pode ser
capaz de resistir às multas devido aos lucros originalmente obtidos com a externalização de custos
(consulte a seção E.3). Assim, o mercado cria um incentivo perverso para subsidiar seus custos de
insumos por meio de externalidades sociais e ambientais não oficiais. Como Chomsky sugere:

“Já se percebeu amplamente que as externalidades do economista não podem mais ser relegadas às
notas de rodapé. Ninguém que pensa por um momento nos problemas da sociedade contemporânea
pode deixar de estar ciente dos custos sociais do consumo e da produção, a destruição progressiva
do meio ambiente, a irracionalidade absoluta da utilização da tecnologia contemporânea, a
incapacidade de um sistema baseado no lucro ou na maximização do crescimento para lidar com
necessidades que só podem ser expressas coletivamente, e o enorme preconceito que esse sistema
impõe em direção à maximização das mercadorias para uso pessoal em lugar da melhoria geral da
qualidade de vida. ” [ Radical Priorities , pp. 190-1]

Os preços ocultam os custos reais que a produção envolve para o indivíduo, a sociedade e o meio
ambiente e, em vez disso, reduz tudo em um único fator, o preço. Falta diálogo e informação entre
produtor e consumidor.

Além disso, sem usar outro meio de contabilidade de custos em vez de preços, como os defensores
do capitalismo podem saber que existe uma correlação entre os custos reais e os preços? Pode-se
determinar se tal correlação existe medindo um contra o outro. Se isso não puder ser feito, então a
alegação de que os preços medem os custos é uma tautologia (em que um preço representa um custo
e sabemos que é um custo porque tem um preço). Se isso puder ser feito, então podemos calcular os
custos em algum outro sentido que não os preços de mercado e, portanto, o argumento de que apenas
os preços de mercado representam os custos cai. Da mesma forma, pode haver custos (em termos de
questões de qualidade de vida) que não podem ser refletidos em termos de preço.

Simplificando, o mercado não consegue distribuir todas as informações relevantes e, especialmente


quando os preços estão em desequilíbrio, pode comunicar informações claramente enganosas . Nas
palavras de dois anarquistas sul-africanos, “os preços no capitalismo forneciam, na melhor das
hipóteses, informações incompletas e parciais que obscureciam o funcionamento do capitalismo e
gerariam e reproduziriam desigualdades econômicas e sociais. Ignorando o caráter social da economia
com seu individualismo metodológico, os liberais econômicos também ignoraram os custos sociais de
escolhas particulares e a questão das externalidades ”. [Michael Schmidt e Lucien van der Walt, Black
Flame, p. 92]. Isso sugere que os preços não podem mais ser considerados como refletindo os custos
reais, mas sim a expressão social da avaliação dos bens. Eles são o resultado de um conflito travado
entre esses bens e aqueles que funcionaram como seus insumos (incluindo, é claro, o trabalho). O
mercado e o poder social, muito mais do que a necessidade ou o uso de recursos, decidem a questão.
A desigualdade nos meios dos compradores, no poder de mercado das empresas e na posição de
barganha do trabalho e do capital, todos desempenham seu papel, distorcendo assim qualquer relação
que um preço possa ter com seus custos em termos de uso de recursos. Os preços estão deformados.

Não é de se admirar que Kropotkin perguntou se "ainda não somos obrigados a analisar aquele
resultado composto que chamamos de preço, em vez de aceitá-lo como um governante supremo e
cego de nossas ações?" [ Fields, Factories and Workshops Tomorrow , p. 71] São precisamente
estes custos reais , ocultos pelo preço, que devem ser comunicados aos produtores e consumidores
para que possam tomar decisões informadas e racionais sobre a sua atividade económica.

É útil lembrar que Mises argumentou que é a complexidade de uma economia moderna que garante
que o dinheiro seja necessário: “Dentro dos estreitos limites da economia doméstica, por exemplo,
onde o pai pode supervisionar toda a gestão econômica, é possível determinar o significado das
mudanças nos processos de produção, sem tais ajudas para a mente [como o cálculo monetário], e
ainda com mais ou menos precisão. ” Porém,“A mente de um só homem - por mais astuta que seja, é
muito fraca para compreender a importância de qualquer um entre os incontáveis bens de ordem
superior. Nenhum homem pode jamais dominar todas as possibilidades de produção, inumeráveis
como são, para estar em posição de fazer julgamentos de valor imediatamente evidentes sem o auxílio
de algum sistema de computação. ” [ Op. Cit. , p. 102]

Deve-se enfatizar que uma sociedade comunista libertária usaria vários “auxílios à mente” para ajudar
indivíduos e grupos a tomar decisões econômicas. Isso reduziria a complexidade da tomada de
decisões econômicas, permitindo que diferentes opções e recursos fossem comparados entre si.
Conseqüentemente, a complexidade da tomada de decisão econômica em uma economia com uma
infinidade de bens pode ser reduzida pelo uso de procedimentos e métodos algorítmicos racionais para
auxiliar o processo. Essas ferramentas ajudariam na tomada de decisões, não as dominariam, pois
essas decisões afetam os humanos e o planeta e nunca devem ser tomadas automaticamente.

Sendo esse o caso, uma sociedade comunista libertária desenvolveria rapidamente os meios de
comparar o impacto real de bens específicos de "ordem superior" em termos de seus custos reais (ou
seja, a quantidade de trabalho, energia e matérias-primas utilizadas mais quaisquer custos sociais e
ecológicos ) Além disso, deve-se lembrar que os bens de produção são constituídos por insumos de
outros bens, ou seja, bens superiores são constituídos por bens de consumo de ordem inferior. Se,
como Mises admite, o cálculo sem dinheiro é possível para bens de consumo, então a criação de bens
de “ordem superior” também pode ser alcançada e um registro de seus custos feito e comunicado
àqueles que procuram usá-lo.

Embora as "ajudas à mente" específicas , bem como "custos" e seu peso relativo sejam determinados
pelas pessoas de uma sociedade livre, podemos especular que incluiria trabalho direto e indireto,
externalidades (como poluição), energia uso e materiais, e assim por diante. Como tal, deve ser
enfatizado que uma sociedade comunista libertária buscaria comunicar os “custos” associados a
qualquer produto específico, bem como sua relativa escassez. Em outras palavras, ele precisa de um
meio de determinar os custos objetivos ou absolutos associados a diferentes alternativas, bem como
uma indicação de quanto de um determinado bem está disponível em um determinado (ou seja, sua
escassez). Ambos podem ser determinados sem o uso de dinheiro e mercados.

A Seção I.4 discute possíveis estruturas para uma economia anarquista, incluindo sugestões para
processos de tomada de decisão econômica comunista libertária. Em termos de “ajudas à mente” ,
incluem métodos para comparar bens para alocação de recursos, indicando os custos absolutos
envolvidos na produção de um bem e a escassez relativa de um bem específico, entre outras coisas.
Tal estrutura é necessária porque "um apelo a um papel necessário para julgamentos práticos na
tomada de decisão não énegar qualquer função aos princípios gerais. Nem ... nega qualquer lugar
para o uso de regras técnicas e procedimentos algorítmicos ... Além disso, há um papel necessário
para regras de ouro, procedimentos padrão, procedimentos padrão e arranjos institucionais que podem
ser seguidos irrefletidamente e que reduzem o escopo para julgamentos explícitos comparando
diferentes estados de coisas. Existem limites de tempo, uso eficiente de recursos e dispersão de
conhecimentos que requerem regras e instituições. Essas regras e instituições podem nos dar espaço
e tempo para julgamentos reflexivos onde eles mais importam. ” [John O'Neill, Ecology, Policy and
Politics , pp. 117-8] São estes“Regras e instituições precisam estar abertas a avaliações críticas e
reflexivas.” [O'Neill, The Market , p. 118]

As decisões econômicas, em outras palavras, não podem ser reduzidas a um fator, mas Mises
argumentou que qualquer pessoa “que deseje fazer cálculos em relação a um complicado processo
de produção perceberá imediatamente se trabalhou mais economicamente do que os outros ou não;
se ele descobrir, por referência aos valores de troca obtidos no mercado, que não será capaz de
produzir lucrativamente, isso mostra que os outros sabem como fazer melhor uso dos bens de ordem
superior em questão. ” [ Op. Cit. , pp. 97-8] No entanto, isso só mostra se alguém trabalhou de forma
mais lucrativa do que outros, não se é mais econômico. O poder de mercado confunde
automaticamente essa questão, assim como a possibilidade de reduzir o custo monetário da produção
explorando imprudentemente os recursos naturais e a mão-de-obra, poluindo ou transferindo custos
para terceiros. Da mesma forma, a questão da desigualdade de riqueza é importante, pois se a
produção de bens de luxo se mostra mais lucrativa do que os bens essenciais para os pobres, isso
mostra que produzir a primeira é um uso melhor dos recursos? E, é claro, a questão-chave da força
relativa do poder de mercado entre trabalhadores e capitalistas desempenha um papel fundamental
na determinação da "lucratividade".

Basear sua tomada de decisão econômica em um único critério, a saber, a lucratividade, pode levar a
resultados perversos. Mais obviamente, a tendência dos capitalistas de economizar dinheiro ao não
introduzir equipamentos de segurança ( “Para economizar um dólar, os capitalistas constroem mal
suas ferrovias, e chega um trem, e muitas pessoas são mortas. O que são suas vidas para ele, se por
seu sacrifício ele economizou dinheiro? ” [Emma Goldman, A Documentary History ofthe American
Years , vol. 1, p. 157]). Da mesma forma, é considerado um uso mais "eficiente" de recursos condenar
os trabalhadores ao trabalho desqualificador e degradante do que "desperdiçar" recursos no
desenvolvimento de máquinas para eliminá-lo ou reduzi-lo (“Quantas máquinas permanecem sem uso
apenas porque não retornam um lucro imediato ao capitalista! ... Quantas descobertas, quantas
aplicações da ciência permanecem letra morta apenas porque não trazem o capitalista o suficiente! ”
[Carlo Cafiero, “Anarquia e Comunismo” , pp. 179-86, The Raven , No. 6, p. 182]). Da mesma forma,
os investimentos que têm um custo inicial mais alto, mas que, no longo prazo, teriam, digamos, um
menor impacto ambiental, não seriam selecionados em um sistema orientado para o lucro.

Isso tem efeitos seriamente irracionais, porque os administradores das empresas capitalistas são
obrigados a escolher meios técnicos de produção que produzam os resultados mais baratos. Todas as
outras considerações são subordinadas, em particular a saúde e o bem-estar dos produtores e os
efeitos no meio ambiente. Os efeitos nocivos resultantes dos métodos de produção capitalistas
“racionais” foram apontados há muito tempo. Por exemplo, acelerações, dor, estresse, acidentes, tédio,
excesso de trabalho, longas horas e assim por diante, todos prejudicam a saúde física e mental dos
envolvidos, enquanto a poluição, a destruição do meio ambiente e o esgotamento de recursos não
renováveis todos têm sérios efeitos no planeta e em seus habitantes. Como argumentou o economista
verde EF Schumacher:

“Mas o que significa quando dizemos que algo não é econômico? ... [Algo] não é econômico quando
não consegue obter um lucro adequado em termos de dinheiro. O método da economia não produz, e
não pode produzir qualquer outro significado ... O julgamento da economia ... é um julgamento
extremamente fragmentário ; dentre o grande número de aspectos que na vida real devem ser vistos
e julgados em conjunto antes que uma decisão possa ser tomada, a economia fornece apenas um -
quer um lucro em dinheiro aconteça para aqueles que o empreendem ou não. ” [ Small is Beautiful
, pp. 27-8]

Schumacher enfatizou que “sobre a natureza fragmentária dos julgamentos da economia, não pode
haver qualquer dúvida. Mesmo com a estreita bússola do cálculo econômico, esses julgamentos são
necessária e metodicamente estreitos. Por um lado, eles dão muito mais peso ao curto do que ao
longo prazo ... [S] econd, eles são baseados em uma definição de custo que exclui todos os 'bens
gratuitos' ... [como o meio ambiente], exceto para as partes que foram privadas. Isso significa que uma
atividade pode ser econômica, embora prejudique o meio ambiente, e que uma atividade concorrente,
se a algum custo proteger e conservar o meio ambiente, será antieconômica ”. Além disso,“[D] o não
negligenciar as palavras 'para aqueles que o empreendem.' É um grande erro supor, por exemplo, que
a metodologia da economia é normalmente aplicada para determinar se uma atividade realizada por
um grupo dentro da sociedade rende um lucro para a sociedade como um todo. ” [ Op. Cit. , p. 29]

Afirmar que os preços incluem todas essas “externalidades” é um absurdo. Se o fizessem, não
veríamos capital sendo transferido para países do terceiro mundo com poucas ou nenhuma legislação
trabalhista ou antipoluição. Na melhor das hipóteses, o “custo” da poluição só seria incluído no preço
se a empresa fosse processada com sucesso na justiça por danos - ou seja, uma vez que o dano
esteja feito. Em última análise, as empresas têm grande interesse em comprar insumos com os preços
mais baixos, independentemente da forma como são produzidos. Na verdade, o mercado recompensa
esse comportamento, pois uma empresa socialmente responsável seria penalizada por custos mais
elevados e, portanto, pelos preços de mercado. É a contabilidade reducionista e a "ética da
matemática" que a acompanha que produz a "irracionalidade da racionalidade"que infesta a confiança
exclusiva do capitalismo nos preços (ou seja, lucros) para medir a "eficiência".

Ironicamente, Mises também apontou para a natureza irracional do mecanismo de preços. Ele afirmou
(corretamente) que existem elementos "extra-econômicos" que o "cálculo monetário não pode abarcar"
por causa de "sua própria natureza". Ele reconheceu que essas "próprias considerações dificilmente
podem ser chamadas de irracionais" e, como exemplos, listados "[i] em qualquer lugar onde os homens
considerem significativa a beleza de um bairro ou edifício, a saúde, felicidade e contentamento da
humanidade, o honra de indivíduos ou nações. ” Ele também observou que “eles são tão motivadores
da conduta racional quanto os fatores econômicos”, mas eles “não estabelecem relações de
troca”.Quão racional é um sistema econômico que ignora a “saúde, felicidade e contentamento” das
pessoas? Ou a beleza de seus arredores? O que, aliás, penaliza quem leva esses fatores em
consideração? Para os anarquistas, os comentários de Mises indicam bem a lógica invertida do
capitalismo. Que Mises pode apoiar um sistema que ignora as necessidades dos indivíduos, sua
felicidade, saúde, ambiente, meio ambiente e assim por diante, por “sua própria natureza” diz muito.
Sua sugestão de que atribuamos valores monetários a tais dimensões implora a questão e tem
plausibilidade apenas se presumir o que deve provar. [ Op. Cit., p. 99–100]. De fato, a pessoa que
colocaria um preço na amizade simplesmente não teria amigos, pois eles simplesmente não entendem
o que é amizade e, portanto, são excluídos de muitas coisas que há de melhor na vida humana. Da
mesma forma para outros bens “extra-econômicos” que o indivíduo valoriza, como lugares bonitos,
felicidade, meio ambiente e assim por diante.

Portanto, a informação essencial necessária para uma tomada de decisão sensata teria que ser
registrada e comunicada em uma sociedade comunista e usada para avaliar diferentes opções usando
métodos de comparação acordados. Isso difere drasticamente do mecanismo de preços, pois
reconhece que o cálculo automático e estúpido é impossível nas escolhas sociais. Tais escolhas têm
uma dimensão ética e social inevitável simplesmente porque envolvem outros seres humanos e o meio
ambiente. Como o próprio Mises reconheceu, o cálculo monetário não captura tais dimensões.

Nós, portanto, precisamos empregar um julgamento prático ao fazer escolhas auxiliados por uma
compreensão completa dos reais custos sociais e ecológicos envolvidos usando, é claro, os "auxílios
à mente" apropriados . Dado que uma sociedade anarquista seria complexa e integrada, tais ajudas
seriam essenciais, mas, devido à sua natureza descentralizada, não precisa abraçar o mecanismo de
preços. Ele pode avaliar a eficiência de suas decisões observando os custos reais envolvidos para a
sociedade, em vez de abraçar o sistema distorcido de custeio explícito no mecanismo de preços (como
Kropotkin certa vez colocou, "se analisarmos o preço " , devemos "fazer uma distinção entre seus
diferentes elementos ” . [ Op. Cit., p. 72]).

Em resumo, então, Mises considerou apenas o planejamento central como socialismo genuíno, o que
significa que um comunismo descentralizado não foi abordado. Ponderar os prós e os contras de como
usar milhões de bens diferentes em milhões de situações potenciais em que eles poderiam ser usados
seria impossível em um sistema centralizado, mas no comunismo descentralizado isso não é um
problema. Cada comuna individual e sindicato escolheria entre as poucas alternativas necessárias
para atender às suas necessidades. Com as necessidades conhecidas, as alternativas podem ser
comparadas - particularmente se os critérios acordados ( “ajudas para a mente” ) forem utilizados e as
informações adequadas acordadas comunicadas.

A tomada de decisão econômica eficiente em uma “economia” sem dinheiro é possível, assumindo que
informação suficiente é passada entre sindicatos e comunas para avaliar os custos relativos e
absolutos de um bem. Assim, podem ser tomadas decisões que visem reduzir o uso de bens escassos
ou que exijam grandes quantidades de recursos para produzir (ou que gerem grandes externalidades
para criar). Enquanto um sistema centralizado seria inundado por um grande número de diferentes
usos e combinações de bens, um sistema comunista descentralizado não seria.

Assim, os anarquistas argumentam que Mises estava errado. O comunismo é viável, mas apenas se
for comunismo libertário . Em última análise, porém, a verdadeira acusação não é que o socialismo
seja "impossível"mas sim que seria ineficiente, isto é, alocaria recursos de forma que muito seja usado
para atingir objetivos específicos e que não haveria como verificar se os recursos alocados foram
avaliados o suficiente para justificar seu uso em primeiro lugar. Embora alguns possam retratar isso
como um caso de planejamento contra os mercados (sem planejamento), isso é falso. O planejamento
ocorre no capitalismo (como pode ser visto em qualquer empresa), é uma questão de se o capitalismo
garante que mais planos possam ser coordenados e as necessidades atendidas por meio de preços
relativos e contabilidade de lucros e perdas do que pelo comunismo (acesso livre e distribuição de
acordo com a necessidade). Como tal, a questão é: o sistema capitalista acrescenta problemas
adicionais à coordenação eficiente dos planos? Os comunistas libertários argumentam que sim (como
discutimos longamente na seção I.1.5).

Todas as escolhas envolvem possibilidades perdidas, então o uso eficiente de recursos é necessário
para aumentar as possibilidades de criação de outros bens. Na melhor das hipóteses, tudo o que você
pode dizer é que, ao escolher opções que custam menos, uma economia de mercado disponibilizará
mais recursos para outras atividades. No entanto, esta suposição depende crucialmente de equiparar
“eficiente” com lucrativo, uma situação que não pode ser prevista de antemão e que facilmente leva a
uma alocação ineficiente de recursos (especialmente se estivermos procurando atender às
necessidades humanas). Depois, há os custos de usar o dinheiro, pois se estamos falando de custos
de oportunidade, de liberação de recursos para outros usos, então o trabalho e outros recursos usados
para processar atividades relacionadas ao dinheiro devem ser incluídos. Embora essas atividades
(bancos, publicidade, defesa de bens, e assim por diante) são essenciais para uma economia
capitalista, eles não são necessários e improdutivos do ponto de vista de produzir valores de uso ou
atender às necessidades humanas. Isso sugeriria que uma economia comunista libertária teria uma
vantagem produtiva sobre uma economia capitalista, pois a eliminação desse desperdício estrutural
intrínseco ao capitalismo liberaria uma vasta quantidade de trabalho e materiais para a produção
socialmente útil. Isso sem falar nos chamados “custos” que não o são, mas se relacionam com os
direitos de propriedade capitalistas. Assim, “aluguel” pode ser considerado um custo sob o capitalismo,
mas desapareceria se aqueles que usassem um recurso o controlassem em vez de pagar um tributo
para ter acesso a ele. Como Kropotkin argumentou, Isso sugeriria que uma economia comunista
libertária teria uma vantagem produtiva sobre uma economia capitalista, pois a eliminação desse
desperdício estrutural intrínseco ao capitalismo liberaria uma vasta quantidade de trabalho e materiais
para a produção socialmente útil. Isso sem falar nos chamados “custos” que não o são, mas se
relacionam com os direitos de propriedade capitalistas. Assim, “aluguel” pode ser considerado um
custo sob o capitalismo, mas desapareceria se aqueles que usassem um recurso o controlassem em
vez de pagar um tributo para ter acesso a ele. Como Kropotkin argumentou, Isso sugeriria que uma
economia comunista libertária teria uma vantagem produtiva sobre uma economia capitalista, pois a
eliminação desse desperdício estrutural intrínseco ao capitalismo liberaria uma vasta quantidade de
trabalho e materiais para a produção socialmente útil. Isso sem falar nos chamados “custos” que não
o são, mas se relacionam com os direitos de propriedade capitalistas. Assim, “aluguel” pode ser
considerado um custo sob o capitalismo, mas desapareceria se aqueles que usassem um recurso o
controlassem em vez de pagar um tributo para ter acesso a ele. Como Kropotkin argumentou, Isso
sem falar nos chamados “custos” que não o são, mas se relacionam com os direitos de propriedade
capitalistas. Assim, “aluguel” pode ser considerado um custo sob o capitalismo, mas desapareceria se
aqueles que usassem um recurso o controlassem em vez de pagar um tributo para ter acesso a ele.
Como Kropotkin argumentou, Isso sem falar nos chamados “custos” que não o são, mas se relacionam
com os direitos de propriedade capitalistas. Assim, “aluguel” pode ser considerado um custo sob o
capitalismo, mas desapareceria se aqueles que usassem um recurso o controlassem em vez de pagar
um tributo para ter acesso a ele. Como Kropotkin argumentou,“O sistema capitalista nos faz pagar por
tudo três ou quatro vezes o seu valor de trabalho” graças ao aluguel, lucro, juros e ações de
intermediários. Esses “custos” específicos do sistema ocultam os custos reais (em termos de mão-de-
obra e uso de recursos) aumentando o preço em comparação com se “contabilizarmos nossas
despesas com mão-de-obra” . [ Op. Cit. , p. 68]

Além disso, um tanto ironicamente, essa “economia” de recursos que o mercado afirma alcançar não
é para conservar recursos para as gerações futuras ou para garantir a estabilidade ambiental. Em vez
disso, é permitir maisbens a serem produzidos para acumular mais capital. Pode-se argumentar que
o mercado obriga os produtores a minimizar os custos no pressuposto de que custos mais baixos terão
maior probabilidade de resultar em lucros maiores. No entanto, isso deixa o impacto social de tal corte
de custos fora da equação. Por exemplo, impor externalidades a terceiros reduz os preços de uma
empresa e, como resultado, é recompensada pelo mercado, embora o trabalho alienante e exaustivo
ou o aumento dos níveis de poluição não pareçam uma coisa sábia a se fazer. Então, sim, é verdade
que uma empresa capitalista buscará minimizar custos para maximizar lucros. Isso, à primeira vista,
poderia ser visto como levando a um uso eficiente dos recursos até que os resultados disso sejam
claros. Assim, podem ser criados bens que não duram tanto quanto poderiam, que precisam de reparos
constantes, etc. Portanto, uma casa produzida “eficientemente” sob o capitalismo poderia ser um lugar
pior para se viver simplesmente porque os custos foram reduzidos com o corte de cantos (menos
isolamento, paredes mais finas, materiais menos robustos, etc.). Além disso, o resultado coletivo de
todas essas decisões “eficientes” pode ser socialmente ineficiente, pois reduz a qualidade de vida de
seus sujeitos, além de levar a sobre-investimento, superprodução, queda nos lucros e crise econômica.
Como tal, pode-se argumentar que o argumento de Mises expõe mais dificuldades para o capitalismo
do que para o anarquismo. o resultado coletivo de todas essas decisões “eficientes” pode ser
socialmente ineficiente, pois reduzem a qualidade de vida dos sujeitos a elas, além de levar a sobre-
investimento, superprodução, queda nos lucros e crise econômica. Como tal, pode-se argumentar que
o argumento de Mises expõe mais dificuldades para o capitalismo do que para o anarquismo. o
resultado coletivo de todas essas decisões “eficientes” pode ser socialmente ineficiente, pois reduz a
qualidade de vida dos que estão sujeitos a elas, além de gerar sobre-investimento, superprodução,
queda nos lucros e crise econômica. Como tal, pode-se argumentar que o argumento de Mises expõe
mais dificuldades para o capitalismo do que para o anarquismo.

Finalmente, deve-se notar que a maioria dos anarquistas questionaria os critérios que Hayek e Mises
usaram para julgar os méritos relativos do comunismo e do capitalismo. Como o primeiro afirmou, a
questão era "uma distribuição de renda independente da propriedade privada nos meios de produção
e um volume de produção que era pelo menos aproximadamente o mesmo ou até maior do que aquele
obtido sob livre concorrência". [ “A Natureza e a História do Problema” , Op. Cit. , p. 37] Assim, a
questão é reduzida à produção (quantidade), não questões de liberdade (qualidade). Se a escravidão
ou o stalinismo tivessemproduziu mais saída do que o capitalismo de livre mercado, que não faria
qualquer sistema desejável Este foi, de fato, um argumento comum contra o stalinismo durante os anos
1950 e 1960, quando ele fez parecer que o planejamento central foi produzir mais bens (e,
ironicamente, pela propertarian direito contra o estado de bem-estar, pois, deve-se lembrar, que o
volume de produção, como lucratividade e assim “eficiência”, no mercado depende da distribuição de
renda e uma redistribuição dos ricos para os pobres poderia facilmente resultar em mais produção se
tornando lucrativa). Da mesma forma, que o capitalismo produza mais álcool e Prozac para atender à
maior demanda por entorpecer as mentes daqueles que tentam sobreviver sob ele, não seja um
argumento contra o comunismo libertário! Como discutimos na seção I.4, enquanto os anarquistas
buscam atender às necessidades humanas materiais, não pretendemos, como sob o capitalismo,
sacrificar todos os outros objetivos a esse objetivo como o capitalismo faz. Assim, para afirmar o óbvio,
o objetivo de volume máximo de produção só faz sentido no capitalismo, visto que o máximo de
felicidade e liberdade humanas pode ocorrer com um volume de produção menor em uma sociedade
livre. As pessoas de uma sociedade sem opressão, exploração e alienação dificilmente agirão de
maneira idêntica, nem buscarão o mesmo volume de produção, como aquelas em uma, como o
capitalismo, marcado por esses traços!

Além disso, o volume da produção é um critério um tanto enganoso, pois ignora totalmente sua
distribuição. Se a maior parte desse volume for para poucos, isso dificilmente será um bom uso de
recursos. Esta não é uma preocupação acadêmica, como pode ser visto a partir do neoliberalismo
influenciado por Hayek dos anos 1980 em diante. Como observa o economista Paul Krugman, o valor
da produção de um trabalhador médio “aumentou quase 50 por cento desde 1973. No entanto, a
concentração crescente de renda nas mãos de uma pequena minoria progrediu tão rapidamente que
não temos certeza se o típico A American lucrou muito com o aumento da produtividade. ” Isso significa
que a riqueza aumentou e "a parte do leão do crescimento econômico da América nos últimos trinta
anos foi para uma pequena e rica minoria". [The Conscience of a Liberal , p. 124 e p. 244]

Concluir. A “eficiência” capitalista dificilmente é racional e para uma eficiência totalmente humana e
ecológica o comunismo libertário é necessário. Como Buick e Crump apontam, “a sociedade socialista
ainda precisa se preocupar em usar os recursos de forma eficiente e racional, mas os critérios de
'eficiência' e 'racionalidade' não são os mesmos que sob o capitalismo.” [ Op. Cit., p. 137] Sob o
anarquismo comunista, o sistema de tomada de decisão usado para determinar o melhor uso dos
recursos não é mais ou menos "eficiente" do que a alocação de mercado, porque vai além do conceito
de "eficiência" baseado no mercado. Não busca imitar o mercado, mas fazer o que o mercado deixa
de fazer. Isso é importante porque o mercado não é o sistema racional que seus defensores costumam
alegar. Embora reduzir todas as decisões a um fator comum seja, sem dúvida, um método fácil de
tomada de decisão, também tem efeitos colaterais graves porque de sua base reducionista. O
mercado simplifica a tomada de decisões e gera uma série de irracionalidades e efeitos
desumanizadores como resultado. Portanto, afirmar que o comunismo será “mais” eficiente do que o
capitalismo ou vice-versa é errado. O comunismo libertário será “eficiente” de uma forma totalmente
diferente e as pessoas agirão de maneiras consideradas “irracionais” apenas sob a estreita lógica do
capitalismo.

Para outra crítica de Mises, consulte “The 'Economic Calculation' controversy: unraveling of a myth” de
Robin Cox [ Common Voice , Issue 3]

O que há de errado com os mercados?


Bastante. Os mercados logo resultam no que chamamos de “forças de mercado”, forças impessoais
que garantem que as pessoas na economia façam o que é exigido delas para que a economia funcione.
O sistema de mercado, na apologética capitalista, é apresentado como um regime de liberdade onde
ninguém força ninguém a fazer nada, onde trocamos “livremente” com os outros como acharmos
adequado. No entanto, os fatos são um pouco diferentes, uma vez que o mercado muitas vezes garante
que as pessoas ajam de forma oposta ao que desejam ou as obriga a aceitar “acordos livres” que elas
podem não desejar. O trabalho assalariado é o exemplo mais óbvio disso, pois, como indicamos na
seção B.4, a maioria das pessoas tem pouca opção a não ser concordar em trabalhar para os outros.

Devemos enfatizar aqui que nem todos os anarquistas se opõem ao mercado. Anarquistas
individualistas o favorecem, enquanto Proudhon queria modificá-lo enquanto mantinha a competição.
Para muitos, o mercado é igual ao capitalismo, mas este não é o caso, pois ignora a questão
fundamental da classe (econômica), ou seja, quem possui os meios de produção. O capitalismo é o
único que se baseia no trabalho assalariado, ou seja, um mercado de trabalho, visto que os
trabalhadores não possuem seus próprios meios de produção e têm de se vender a quem os possui.
Assim, é inteiramente possível que um mercado exista dentro de uma sociedade e que essa sociedade
não ser capitalista. Por exemplo, uma sociedade de artesãos e camponeses independentes vendendo
seus produtos no mercado não seria capitalista, pois os trabalhadores possuiriam e controlariam seus
meios de produção. Da mesma forma, o sistema competitivo de cooperativas autogeridas e bancos
mútuos de Proudhon seria não capitalista (e socialista) pela mesma razão. Os anarquistas se opõem
ao capitalismo devido à qualidade das relações sociais que ele gera entre as pessoas (ou seja, gera
autoritárias). Se essas relações forem eliminadas, os tipos de propriedade que o fazem são
anarquistas. Assim, a questão da propriedade só importa na medida em que gera relações do tipo
desejado (ou seja, aquelas baseadas na liberdade, igualdade e solidariedade). Concentrar-se
puramente em “mercados” ou “propriedade” significa ignorar as relações sociais e o aspecto chave do
capitalismo, nomeadamente o trabalho assalariado. Que os direitistas façam isso é compreensível
(para esconder o núcleo autoritário do capitalismo), mas por que (libertários ou outros) os socialistas
deveriam fazer isso é menos claro.

Nesta seção do FAQ, discutimos as objeções anarquistas ao mercado como tal, em vez do mercado
capitalista. O funcionamento do mercado tem problemas com eles que são independentes ou
agravados pela existência de trabalho assalariado. São esses problemas que tornam a maioria dos
anarquistas hostis ao mercado e, portanto, desejam uma sociedade comunista (libertária). Portanto,
mesmo se assumirmos um sistema mutualista (um socialista de mercado libertário) de locais de
trabalho autogerenciados concorrentes, os anarquistas comunistas argumentariam que as forças do
mercado logo resultariam na ocorrência de muitas irracionalidades.

Obviamente, operar em um mercado significa submeter-se ao critério do lucro. Isso significa que, por
mais que os trabalhadores queiram empregar critérios sociais em suas tomadas de decisão, eles não
podem. Ignorar a lucratividade faria com que sua empresa fosse à falência. Os mercados, portanto,
criam condições que obrigam os produtores a decidir coisas que não são de seu ou de outros
interesses, como introduzir tecnologia desqualificada ou poluente, trabalhar mais horas e assim por
diante, para sobreviver no mercado. Por exemplo, um local de trabalho autogerenciado terá mais
probabilidade de investir em equipamentos e práticas de trabalho seguras; isso ainda dependeria de
encontrar o dinheiro para fazer isso e ainda pode aumentar o preço do produto acabado.

Esta tendência das firmas autogerenciadas de se ajustar às forças do mercado aumentando as horas,
trabalhando mais intensamente, alocando recursos para acumular equipamentos ao invés de tempo
de lazer ou consumo pode ser vista nas cooperativas sob o capitalismo. Embora a falta de patrões
possa reduzir essa tendência em uma economia pós-capitalista, isso não a eliminará. É por isso que
muitos socialistas, incluindo anarquistas, chamam a forma como os mercados forçam os membros
relutantes de uma cooperativa a tomar tais decisões desagradáveis de uma forma de "auto-exploração"
(embora isso seja um tanto enganoso, já que não há exploração no sentido capitalista dos proprietários
apropriação de trabalho não remunerado). Para comunistas-anarquistas, um sistema de mercado de
cooperativas "tem sérias limitações" como“Uma empresa coletiva não é necessariamente uma comuna
- nem é necessariamente comunista em sua perspectiva”. Isso porque pode acabar "competindo com
preocupações semelhantes por recursos, clientes, privilégios e até lucros", pois eles "se tornam um
interesse particular" e "estão sujeitos às mesmas pressões sociais do mercado em que devem
funcionar". Isso "tende cada vez mais a invadir seus objetivos éticos mais elevados - geralmente, em
nome da 'eficiência' e da necessidade de 'crescer' se quiserem sobreviver, e a tentação irresistível de
adquirir ganhos maiores." [Murray Bookchin, Remaking Society , pp. 193-4]

Da mesma forma, um mercado de empresas autogeridas ainda sofreria de altas e baixas, já que a
resposta das cooperativas às mudanças nos preços ainda resultaria em superprodução (ver seção
C.7.2) e superinvestimento (ver seção C.7.3 ) Embora a falta de renda não relacionada ao trabalho
ajude a reduzir a severidade do ciclo econômico, parece improvável que o elimine totalmente. Da
mesma forma, muitos dos problemas da incerteza aumentada do mercado e os aspectos
desestabilizadores dos sinais de preço discutidos na seção I.1.5 são igualmente aplicáveis a todos os
mercados, incluindo os pós-capitalistas.

Isso está relacionado à questão da "tirania das pequenas decisões"destacamos na seção B.6. Isso
sugere que o efeito agregado das decisões individuais produz circunstâncias sociais que são
irracionais e contra os interesses daqueles que estão sujeitos a elas. É o caso dos mercados, em que
a concorrência resulta em pressões econômicas que obrigam seus participantes a agir de
determinadas maneiras, formas que eles prefeririam não fazer, mas, como indivíduos ou locais de
trabalho isolados, acabam agindo devido às forças do mercado. Nos mercados, é racional para as
pessoas tentarem comprar barato e vender caro. Cada um tenta maximizar sua receita, seja
minimizando seus custos ou maximizando seus preços,

Como observamos na seção E.3, os mercados tendem a recompensar aqueles que agem de maneiras
anti-sociais e externalizam os custos (em termos de poluição e assim por diante). Em uma economia
de mercado, é impossível determinar se um baixo custo reflete a eficiência real ou uma vontade de
externalizar, ou seja, impor custos aos outros. Os mercados raramente internalizam custos externos.
Dois agentes econômicos que fazem uma barganha racional de mercado entre si não precisam
considerar as consequências de sua barganha para outras pessoas fora de sua barganha, nem as
consequências para o planeta. Na realidade, então, as trocas de mercado nunca são acordos bilaterais,
pois seus efeitos impactam a sociedade em geral (em termos de, digamos, poluição, desigualdade e
assim por diante). Esse fato constrangedor é ignorado no mercado. Como disse a economista de
esquerda Joan Robinson:“Em que setor, em que ramo de negócios, os verdadeiros custos sociais da
atividade são registrados em suas contas? Onde está o sistema de preços que oferece ao consumidor
uma escolha justa entre ar para respirar e carros a motor para dirigir? ” [ Contribution to Modern
Economics , p. 10]

Embora, para ser justo, haja uma probabilidade reduzida de um local de trabalho de trabalhadores
autônomos poluir seus próprios bairros em uma sociedade livre, as pressões e recompensas
competitivas ainda estariam lá e parece improvável que sejam ignoradas, particularmente se a
sobrevivência no mercado está em jogo, então os anarquistas comunistas temem que, embora não
tendo patrões, capitalistas e latifundiários mitigassem algumas das irracionalidades associadas aos
mercados sob o capitalismo, não os eliminaria totalmente. Embora o mercado possa ser gratuito, as
pessoas não o seriam.

Mesmo se assumirmos que as empresas autogeridas resistem às tentações e pressões do mercado,


qualquer sistema de mercado também é marcado por uma necessidade contínua de expandir a
produção e o consumo. Em termos de impacto ambiental, uma empresa autogerida ainda deve ter
lucros para sobreviver e, portanto, a economia deve crescer. Como tal, todo sistema de mercado
tenderá a se expandir em um ambiente de tamanho fixo. Além de exercer pressão sobre a ecologia do
planeta, essa necessidade de crescimento impacta a atividade humana, pois também significa que as
forças de mercado garantem que o trabalho tenha de se expandir continuamente. A competição
significa que nunca podemos pegar leve, pois, como Max Stirner argumentou, “a aquisição insensível
não nos deixa respirar, ter um prazer calmo. Não obtemos o conforto de nossas posses ... Portanto, é
de qualquer forma útil que cheguemos a um acordo sobre o trabalho humano para que eles não
possam, como na competição, exigir todo o nosso tempo e labuta. ” [ O ego e seus próprios , p. 268].
O valor precisa ser criado, e isso só pode ser feito pelo trabalho e, portanto, mesmo um sistema de
mercado não capitalista verá o trabalho dominar a vida das pessoas. Assim, a necessidade de
sobreviver no mercado pode impactar em medidas mais amplas (não monetárias) de bem-estar, com
a qualidade de vida caindo à medida que um PIB mais alto é criado como resultado de mais horas de
trabalho com menos férias. Tal regime pode, talvez, ser bom para a riqueza material, mas não é ótimo
para as pessoas.

O mercado também pode bloquear o uso eficiente de recursos. Por exemplo, durante muito tempo as
lâmpadas com baixo consumo de energia eram muito mais caras do que as normais. No longo período,
no entanto, eles usaram muito menos energia do que os normais, o que significa menos necessidade
de produzir mais energia (e assim queimar carvão e petróleo, por exemplo). No entanto, o alto preço
inicial garantiu que a maioria das pessoas continuasse a usar as lâmpadas menos eficientes e, assim,
a desperdiçar recursos. Quase o mesmo pode ser dito de formas alternativas de energia, com o
investimento em (digamos) energia eólica ignorado em favor de fontes de energia de uso único e
poluentes. Um sistema puramente de mercado não permitiria a tomada de decisões que beneficiem os
interesses de longo prazo das pessoas (por exemplo,

Além disso, os mercados não refletem os valores das coisas sobre as quais não colocamos um preço
(como argumentamos na seção B.5). Não pode proteger a natureza, por exemplo, simplesmente
porque exige que as pessoas transformem em propriedade e vendam como mercadoria. Se você não
pode se dar ao luxo de visitar a nova mercadoria, o mercado a transforma em outra coisa, não importa
o quanto você a valorize. O mercado também ignora as necessidades das gerações futuras, pois elas
sempre descontam o valor do futuro de longo prazo. Um pagamento a ser feito daqui a 1.000 anos
(uma mera partícula no tempo geológico) tem um valor de mercado virtualmente zero de acordo com
qualquer taxa de desconto comumente usada. Mesmo 50 anos no futuro não podem ser considerados
adequadamente, pois as pressões competitivas forçam uma perspectiva de curto prazo sobre as
pessoas prejudiciais às gerações presente e futuras, além da ecologia do planeta.

Depois, há efeitos corrosivos do mercado sobre as personalidades humanas. Como argumentamos


em outro lugar (ver seção B.1.3), a competição em um mercado livre cria vários problemas - por
exemplo, a criação de uma "ética da matemática" e a estranha inversão de valores em que as coisas
(propriedade / dinheiro) se tornam mais importante do que pessoas. Isso pode ter um efeito
desumanizador, fazendo com que as pessoas se tornem calculadoras de coração frio que colocam os
lucros antes das pessoas. Isso pode ser visto no capitalismo, onde as decisões econômicas são muito
mais importantes do que as éticas - particularmente porque essa mentalidade desumana pode ser
recompensada no mercado. Mérito não gera necessariamente sucesso, e o sucesso não
necessariamente tem mérito. A verdade é que, nas palavras de Noam Chomsky,“A riqueza e o poder
tendem a se acumular para aqueles que são implacáveis, astutos, avarentos, egoístas, carentes de
simpatia e compaixão, subservientes à autoridade e dispostos a abandonar os princípios para obter
ganhos materiais, e assim por diante ... Tais qualidades podem ser justas os valiosos para uma guerra
de todos contra todos. ” [ For Reasons of State , pp. 139-140]

Nem é preciso dizer que, se o mercado recompensa essas pessoas com sucesso, isso dificilmente
pode ser considerado uma coisa boa . Um sistema que eleva o ganho de dinheiro à posição da
atividade individual mais importante resultará obviamente na degradação dos valores humanos e no
aumento do comportamento neurótico e psicótico. Não é de admirar, como argumentou Alfie Kohn,
que a competição possa ter sérios efeitos negativos sobre nós fora do trabalho, prejudicando tanto
nossa psicologia pessoal quanto nossos relacionamentos interpessoais. Assim, a competição “em si é
responsável pelo desenvolvimento de um padrão moral inferior” que coloca a vitória a qualquer custo
acima da justiça e da justiça. Kohn cita Nathan Ackerman, o pai da terapia familiar, que observou que
o“A disputa pela competição reduz a simpatia empática, distorce a comunicação, prejudica a
mutualidade de apoio e compartilhamento e diminui a satisfação das necessidades pessoais.” [ Sem
concurso , p. 163 e pp. 142-3] Assim, o mercado pode nos empobrecer como indivíduos, sabotando
a auto-estima, promovendo a conformidade, arruinando relacionamentos e nos tornando menos do
que poderíamos ser. Este é um problema dos mercados como tais, não apenas dos capitalistas e,
portanto, os mercados não capitalistas poderiam nos tornar menos humanos e mais robôs.

Todas as decisões de mercado são condicionadas de maneira crucial pelo poder de compra dos grupos
de renda que podem sustentar suas demandas com dinheiro. Nem todos podem trabalhar (os doentes,
os muito idosos, as crianças e assim por diante) e, para aqueles que podem, as circunstâncias pessoais
podem afetar sua renda. Além disso, a produção tornou-se tão entrelaçada que "é absolutamente
impossível fazer uma distinção entre o trabalho de cada um" e, portanto, devemos "colocar as
necessidades acima das obras , e antes de tudo reconhecer o direito de viver , e depois o direito
ao bem-estar para todos aqueles que participaram da produção. ” Este é particularmente o caso,
como“As necessidades do indivíduo nem sempre correspondem às suas obras ” - por exemplo, “um
homem de quarenta anos, pai de três filhos, tem outras necessidades além de um rapaz de vinte anos”
e “a mulher que amamenta seu filho e gasta noites sem dormir ao lado da cama, não pode fazer tanto
trabalho quanto o homem que dormiu em paz. ” [Kropotkin, Conquest of Bread , p. 170 e p. 171] Foi
por isso que anarquistas comunistas como Kropotkin enfatizaram a necessidade não apenas de abolir
o trabalho assalariado, mas também o dinheiro, o sistema de salários.

Portanto, nem é preciso dizer que o poder de compra (demanda) e a necessidade não estão
relacionados, com as pessoas muitas vezes sofrendo simplesmente porque não têm o dinheiro
necessário para comprar, digamos, assistência médica, moradia ou comida para si mesmas ou suas
famílias. Embora a crise econômica possa ser menor em um sistema de mercado não capitalista, ela
ainda existiria, assim como o medo dela. O mercado é uma licitação contínua por bens, recursos e
serviços, com quem tem maior poder aquisitivo vencendo. Isso significa que o sistema de mercado é
o pior para alocar recursos quando o poder de compra está desigualmente distribuído (é por isso que
os economistas ortodoxos fazem a conveniente suposição de uma "dada distribuição de renda" quando
tentam mostrar que uma alocação capitalista de recursos é o melhor via“Otimização de Pareto”)
Embora um sistema mutualista deva reduzir drasticamente a desigualdade, não se pode presumir que
as desigualdades não aumentarão com o tempo. Isso ocorre porque as desigualdades de recursos
levam a desigualdades de poder no mercado e, assumindo o interesse próprio, qualquer comércio ou
contrato beneficiará mais os poderosos do que os impotentes, reforçando e potencialmente
aumentando as desigualdades e o poder entre as partes. Da mesma forma, enquanto uma sociedade
anarquista seria criada com pessoas movidas por um senso de solidariedade e desejo de igualdade,
os mercados tendem a corroer esses sentimentos e sindicatos ou comunas que, graças aos recursos
que controlam (como matérias-primas raras ou simplesmente o tamanho de seus investimentos
reduzindo as pressões competitivas) têm uma vantagem no mercado podem ser tentados a usar seu
poder de monopólio vis-à-vis outros grupos da sociedade para acumular mais renda para si próprios
às custas de sindicatos e comunas menos afortunados. Isso poderia degenerar de volta ao capitalismo,
já que quaisquer desigualdades existentes entre as cooperativas seriam aumentadas pela competição,
forçando as cooperativas mais fracas a falir e, assim, criando um grupo de trabalhadores sem nada
para vender a não ser seu trabalho. As cooperativas de sucesso poderiam então contratar esses
trabalhadores e assim reintroduzir o trabalho assalariado. Portanto, essas possibilidades podem, com
o tempo,

Tudo isso garante que o mercado não possa realmente fornecer as informações necessárias para uma
tomada de decisão racional em termos de impacto ecológico e também da atividade humana e, assim,
os recursos sejam alocados de forma ineficiente. Todos sofremos as consequências disso, com as
forças do mercado empobrecendo o nosso meio ambiente e a qualidade de vida. Assim, muitas razões
para concluir que a eficiência e o mercado não apenas não coincidem necessariamente, mas, na
verdade, necessariamente não coincidem. Na verdade, ao invés de responder às necessidades
individuais, o mercado responde ao dinheiro (mais corretamente, lucro), que por sua própria natureza
fornece uma indicação distorcida das preferências individuais (e não leva em consideração os valores
que são desfrutados coletivamente, como o ar puro , ou potencialmenteapreciado, como a natureza
selvagem que uma pessoa pode nunca visitar, mas deseja ver existir e protegida).

Isso não significa que os anarquistas sociais proponham “banir” o mercado - longe disso. Isso seria
impossível. O que propomos é convencer as pessoas de que um sistema de mercado baseado no
lucro tem efeitos claramente ruins sobre os indivíduos, a sociedade e a ecologia do planeta, e que
podemos organizar nossa atividade comum para substituí-la pelo comunismo libertário. Como Max
Stirner argumentou, a competição “tem uma existência contínua” porque “nem todos cuidam de seu
caso e chegam a um entendimento um com o outro sobre isso ... Abolir a competição não é
equivalente a favorecer a guilda. A diferença é esta: na confeitaria da guilda , etc., é assunto dos
irmãos da guilda; nocompetição , o caso de competidores fortuitos; na união , daqueles que precisam
de produtos de panificação, e, portanto, o meu caso, o seu, o caso nem da guilda nem do padeiro
concessionário, mas o assunto dos unidos. ” [ Op. Cit. , p. 275]

Portanto, os anarquistas sociais não apelam puramente ao altruísmo em sua luta contra os efeitos
desumanizantes do mercado, mas também ao egoísmo: o simples fato de que a cooperação e a ajuda
mútua estão em nossos melhores interesses como indivíduos. Ao cooperar e controlar "os assuntos
dos unidos" , podemos garantir uma sociedade livre na qual vale a pena viver, em que o indivíduo não
seja esmagado pelas forças do mercado e tenha tempo para desenvolver plenamente sua
individualidade e singularidade:

“A solidariedade é, portanto, o estado de ser em que o Homem atinge o maior grau de segurança e
bem-estar; e, portanto, o próprio egoísmo, que é a consideração exclusiva dos próprios interesses,
impele o Homem e a sociedade humana à solidariedade. ” [Errico Malatesta, Anarquia , p. 30]

Em conclusão, então, os anarquistas comunistas argumentam que mesmo os mercados não


capitalistas resultariam em todos estarem tão ocupados competindo para promover seu "interesse
próprio" que perderiam de vista o que faz a vida valer a pena e assim prejudicariam seus interesses
reais . Em última análise, o que conta como interesse próprio é moldado pelo sistema social
circundante. As pressões da competição podem facilmente resultar em interesses de curto prazo e
estreitos tendo precedência sobre necessidades e aspirações mais ricas e profundas que um sistema
comunal poderia permitir que florescessem ao fornecer as instituições sociais pelas quais os indivíduos
podem discutir seus interesses comuns, formulá-los e agir para alcançá-los. Ou seja, mesmo os
mercados não capitalistas resultariam em pessoas simplesmente trabalhando muito e muito para
sobreviver no mercado, em vez de viver. Se um paradoxo do socialismo autoritário é que ele torna
todos miseráveis ao forçá-los a buscar altruisticamente a felicidade dos outros, o socialismo libertário
baseado no mercado poderia produzir o paradoxo potencial de tornar todos miseráveis pelo mercado,
forçando-os a perseguir uma noção limitada de interesse próprio que garante que eles não tenham
tempo ou oportunidade de ser realmente felizes e unos consigo mesmos e com os outros.

Em outras palavras, os patrões agem da mesma forma que sob o capitalismo, em parte porque os
mercados os forçam a isso. Livrar-se dos patrões não precisa eliminar todas as pressões econômicas
que influenciam as decisões dos patrões e, por sua vez, pode forçar grupos de trabalhadores a agir de
maneira semelhante. Assim, um sistema competitivo minaria muitos dos benefícios que as pessoas
buscavam ao encerrar o capitalismo. É por isso que alguns socialistas erroneamente chamam os
esquemas socialistas de cooperativas concorrentes de “capitalismo autogerido” ou “auto-exploração” -
eles estão simplesmente chamando a atenção para os aspectos negativos dos mercados que livrar-se
do patrão não pode resolver. Significativamente, Proudhon estava bem ciente do aspecto negativo das
forças de mercado e sugeriu várias estruturas institucionais, como a federação industrial atrás, para
combatê-las (então, embora fosse a favor da concorrência, ao contrário dos anarquistas individualistas,
contra o mercado livre). Anarquistas comunistas, sem surpresa, argumentam que anarquistas
individualistas tendem a enfatizar os aspectos positivos da competição, enquanto ignoram ou
minimizam seus lados negativos. Embora, sem dúvida, o capitalismo torne o lado negativo da
competição pior do que poderia ser, não se segue automaticamente que um mercado não capitalista
não teria aspectos negativos semelhantes, embora menores.

O capitalismo aloca recursos de forma eficiente?


Discutimos, na seção I.1.1, os efeitos negativos da hierarquia do local de trabalho e dos mercados de
ações e, na seção I.1.2, os problemas informacionais dos preços e as limitações no uso do lucro como
único critério para a tomada de decisão para a alocação eficiente de Recursos. Como tal, os
anarquistas têm razão para duvidar dos argumentos da escola “austríaca” de economia de que o
socialismo (libertário) é impossível, como sugerido pela primeira vez por Ludwig Von Mises em 1920.
[ “Economic Calculation in the Socialist Commonwealth” , Collectivist Economic Planning, FA von
Hayek (ed.), Pp. 87-130] Aqui, discutimos por que os anarquistas também têm fortes razões para
questionar a suposição subjacente de que o capitalismo aloca recursos de forma eficiente e como isso
impacta as alegações de que o “socialismo” é impossível. Isso se baseia na consciência das falhas em
qualquer suposição (implícita) de que todos os preços estão em equilíbrio, na questão da incerteza, na
suposição de que o bem-estar humano é mais bem servido pelas forças de mercado e, por último, no
problema da crise econômica periódica sob o capitalismo.

A primeira questão é que os preços só fornecem conhecimento adequado para a tomada de decisão
racional se estiverem em seus valores de equilíbrio, visto que isso iguala a oferta e a demanda.
Infelizmente, para a escola “austríaca” e seus argumentos contra o socialismo, ela rejeita a noção de
que os preços possam estar em equilíbrio. Embora a economia “austríaca” moderna faça questão de
enfatizar sua análise (um tanto subdesenvolvida) do desequilíbrio do capitalismo, nem sempre foi esse
o caso. Quando Mises escreveu seu ensaio de 1920 sobre o socialismo, sua escola de economia foi
considerada um ramo do neoclassicismo e isso pode ser visto na crítica de Mises ao planejamento
central. Na verdade, seria justo dizer que o foco neo "austríaco" de preços como informação e (da boca
para fora) desequilíbrio fluiu do debate de cálculo econômico,

Assim, há uma inconsistência fundamental no argumento de Mises, a saber, que enquanto a economia
austríaca rejeita a noção de equilíbrio e a concorrência perfeita da economia neoclássica, ele, no
entanto, sustenta que os preços de mercado são os preços corretos e podem ser usados para tomar
decisões racionais. Ainda assim, em qualquer mercado real, esses preços corretos devem estar
sempre mudando, criando a possibilidade de que decisões econômicas “precisas” por preço possam
dar errado em grande escala (ou seja, em quedas). Em outras palavras, Mises efetivamente eliminou
a incerteza e, além disso, deixou de mencionar que essa incerteza aumenta dramaticamente dentro
do capitalismo.

Isso pode ser visto na moderna economia “austríaca” que, após os debates sobre Cálculo Econômico
das décadas de 1920 e 1930, se afastou cada vez mais da teoria do equilíbrio neoclássica. No entanto,
isso abriu uma nova lata de vermes que, ironicamente, enfraqueceu o caso “austríaco” contra o
socialismo. Para o economista “austríaco” moderno, a economia é considerada fora de equilíbrio,
sendo o empresário o meio pelo qual trouxe até ela. Assim, "esta abordagem postula uma tendência
de oportunidades de lucro a serem descobertas e aproveitadas por participantes do mercado
empreendedor que resistem à rotina" , com isso "tendendo a empurrar o mercado na direção do
equilíbrio".Fala-se da boca para fora para o fato óbvio de que os empreendedores podem cometer
erros, mas “ não há tendência de erros empreendedores. A tendência que o mercado gera para uma
maior consciência mútua não é compensada por nenhuma tendência igual, mas oposta na direção da
diminuição da consciência ” e assim o “ processo de mercado empresarial pode de fato refletir uma
tendência sistematicamente equilibrada , mas isso de forma alguma constitui uma garantia trajetória
unidirecional, perfeitamente convergente. ” Tudo isso resulta nas “ações especulativas de empresários
que veem oportunidades de puro lucro em condições de desequilíbrio”. [Israel M.
Kirzner,“Entrepreneurial Discovery and the Competitive Market Process: An Austrian Approach” , pp.
60-85, Journal of Economic Literature , Vol. 35, nº 1, pág. 71, pág. 73, pág. 82, pág. 72 e p. 68]

Ao avaliar este argumento, é útil lembrar que “postular” significa “assumir sem prova ser verdadeiro”
ou “tomar como evidente”. Na sua forma mais simples, este argumento ignora como a atividade
empresarial empurra uma economia para longe do equilíbrio (ao contrário dos economistas radicais,
apenas alguns economistas "austríacos", como aqueles que seguem Ludwig Lachmann, reconhecem
que as forças de mercado têm efeitos de equilíbrio e desequilíbrio, reconheceu de passagem por
Kirzner: “Em um mundo de mudanças incessantes, eles argumentam, são precisamente aqueles atos
de ousadia empreendedora que devem frustrar quaisquer esforços de descoberta feitos por outros
empreendedores.” [ Op. Cit., p. 79]). Em outras palavras, a atividade do mercado pode levar a crises
econômicas e decisões de alocação ineficientes. Um empresário bem-sucedido irá, por suas ações,
frustrar os planos de outros, mais obviamente os de seus concorrentes, mas também daqueles que
exigem os bens que usaram para produzir suas mercadorias e aqueles cujas receitas são reduzidas
pelos novos produtos disponíveis. É desconcertante pensar que toda ação de uma empresa será um
passo em direção ao equilíbrio ou a uma melhor coordenação de planos, especialmente se você incluir
empreendedores malsucedidos no processo. Em outras palavras, o mercado pode ser tão
descoordenador quanto coordenador e não pode ser “postulado” de antemão o que vai predominar em
determinado momento.

Há um exemplo óbvio de atividade empresarial que leva a um desequilíbrio crescente, (ironicamente)


tirado diretamente da própria economia “austríaca”. São as ações dos banqueiros que estendem
crédito e, portanto, se desviam da taxa de juros “natural” (de equilíbrio). Como observa um economista
pós-keynesiano, esta, a teoria "austríaca" do ciclo econômico, "não só se mostrou vulnerável à crítica
da capital de Cambridge ..., mas também parecia responder a conceitos de equilíbrio (a 'taxa natural
de interesse ', por exemplo) que eram inconsistentes com os princípios mais amplos da teoria
econômica austríaca. ” [JE King, A história da economia pós-keynesiana desde 1936, p. 230] Como
discutimos na seção C.8, esse tipo de atividade é esperado de empreendedores que buscam ganhar
dinheiro atendendo à demanda do mercado. O resultado líquido desta atividade é uma tendência de
distânciado equilíbrio. Isso pode ser generalizado para todos os mercados, com as atividades de
busca de lucro de algumas empresas frustrando os planos de outras. Em última análise, a implicação
de que toda atividade empresarial está se estabilizando, a arbitragem virtuosa que remove os
desequilíbrios não é convincente, pois a sugestão de que a desinformação transmitida pelos preços
de desequilíbrio pode causar distorções macroeconômicas muito substanciais para apenas um bem
(crédito). Certamente, o argumento a respeito das taxas de juros pode se aplicar a outros preços em
desequilíbrio, sendo as respostas a preços insustentáveis de outros bens igualmente capazes de gerar
maus investimentos (que só se manifestam quando os preços se ajustam aos seus níveis “naturais”).
Afinal,

Uma das razões pelas quais os economistas neoclássicos enfatizam o equilíbrio é que os preços
fornecem apenas a base para o cálculo racional, apenas no estado em que os preços de desequilíbrio
podem transmitir informações extremamente enganosas. Quando as pessoas negociam a preços de
desequilíbrio, isso tem sérios impactos na economia (é por isso que a economia neoclássica se abstrai
disso). Como um economista observa, se as pessoas "comprassem e vendessem a preços que não
compensavam o mercado", então, uma vez que "tal negociação tenha ocorrido, não pode haver
garantia de que, mesmo que exista equilíbrio, a economia convergirá isto. Na verdade, é provável que
se mova em ciclos em torno do equilíbrio. ” Isso “é mais do que uma mera suposição. É uma descrição
precisa do que acontece no mundo real. ”[Paul Ormerod, The Death of Economics , pp. 87-8] Uma
vez que descartamos o "postulado" ideologicamente dirigido da economia "austríaca", podemos ver
como essas oportunidades de "lucro puro" (e, é claro, um correspondente puro perder para o
comprador) impactos na economia e como o sistema de mercado aumenta a incerteza. Como diz o
economista dissidente Steve Keen:

“No entanto, uma mudança nos preços em um mercado afetará a demanda do consumidor em todos
os outros mercados. Isso implica que um movimento em direção ao equilíbrio por parte de um mercado
pode fazer com que alguns ou todos os outros se afastem do equilíbrio. Claramente, é possível que
isso ... nunca se estabilize em equilíbrio.

“Isso será especialmente verdade se as negociações realmente ocorrerem em desequilíbrio - como na


prática eles devem ... Uma negociação em desequilíbrio significará que as pessoas do lado vencedor
da barganha - os vendedores se o preço for maior do que o equilíbrio - ganharão uma renda real às
custas dos perdedores, em comparação com o alegado padrão de equilíbrio. Essa mudança na
distribuição de renda afetará todos os outros mercados, tornando a dança de muitos mercados ainda
mais caótica. ” [ Debunking Economics , p. 169]

Que os preços podem, e fazem, transmitir informações extremamente enganosas é algo que os
"austríacos" tendem a subestimar. No entanto, em economias mais próximas de seu ideal (por
exemplo, a América do século XIX) houve muito mais recessões (geralmente desencadeadas por
crises financeiras decorrentes do colapso de bolhas especulativas) do que no século XX e, portanto, a
economia era fundamentalmente mais instável, resultando na mercado investindo “precisamente” nas
áreas “erradas”. Claro, pode-se argumentar que não havia capitalismo de mercado realmente livre
então (por exemplo, protecionismo, nenhum banco livre verdadeiro devido à regulamentação dos
governos estaduais e assim por diante), mas isso seria uma questão implícita ao extremo
(particularmente desde o fim do a 20 ° e aurora do 21 r séculos assistiram a crises especulativas
precisamente nas áreas menos regulamentadas).

Assim, a noção de que os preços podem garantir a alocação eficiente de recursos é questionável. Se
os preços estão em desequilíbrio, como sugerem os "austríacos", o mercado não garante
automaticamente que eles se movam em direção ao equilíbrio. Sem equilíbrio, não podemos dizer que
os preços fornecem às empresas informações suficientes para tomar decisões racionais de
investimento. Eles podem agir com base em informações de preço que são enganosas, na medida em
que refletem altas ou baixas temporárias no mercado ou que são resultado de bolhas especulativas.
Uma decisão de investimento feita na mis- as informações implícitas nos preços de desequilíbrio têm
tanta probabilidade de produzir mau investimento e subsequentes distorções macroeconômicas quanto
as decisões tomadas à luz da taxa de juros não estar em seu valor “natural” (de equilíbrio). Portanto,
a menos que se presuma que o mercado está em equilíbrio quando uma decisão de investimento é
tomada, os preços podem refletir a desinformação tanto quanto a informação. Essas, as implicações
óbvias do desequilíbrio, ajudam a minar os argumentos de Mises contra o socialismo.

Mesmo se assumirmos que os preços estão no ou, na melhor das hipóteses, perto do equilíbrio quando
as decisões de investimento são tomadas, o fato estranho é que esses preços não informam os preços
no futuro nem o que será comprado quando a produção terminar. Em vez disso, eles dizem o que era
considerado lucrativo antes do início do investimento. Existem sempre diferenças entre os preços
utilizados para custear vários investimentos e os preços que prevalecem no mercado quando os
produtos acabados são finalmente vendidos, sugerindo que o mercado apresenta sistematicamente
sinais enganadores. Além disso, as empresas rivais respondem aos mesmos sinais de preço
empreendendo investimentos de longo prazo ao mesmo tempo, criando assim a possibilidade de uma
crise geral de superacumulação e superprodução quando estiverem concluídas. Conforme discutimos
na seção C.7.2, esse é um fator-chave no ciclo de negócios. Daí a possibilidade recorrente de
superprodução, quando a resposta agregada ao aumento do preço de um mercado específico resulta
no mercado sendo inundado por bens, levando assim o preço de mercado para baixo. Assim, o
mercado é marcado pela incerteza, o futuro não se conhece. Portanto, parece irônico ler Mises
afirmando que“Na comunidade socialista, toda mudança econômica torna-se um empreendimento cujo
sucesso não pode ser avaliado antecipadamente nem posteriormente determinado
retrospectivamente. Só existe tatear no escuro. ” [ Op. Cit. , p. 110]

Em termos de “avaliado com antecedência” , Mises está essencialmente assumindo que os capitalistas
podem ver o futuro. No mundo real, ao invés do mundo irreal da economia capitalista, o futuro é
desconhecido e, como resultado, o sucesso só pode ser imaginado. Isso significa que qualquer decisão
de investimento sob o capitalismo real é, igualmente, “tateando no escuro” porque não há como saber,
de antemão, se as expectativas que orientam as decisões de investimento acontecerão. Como o
próprio Mises observou como parte de seu ataque ao socialismo, "um estado estático é impossível na
vida real, já que nossos dados econômicos estão sempre mudando" e, portanto, desnecessário dizer,
o sucesso de um investimento não podeser avaliados de antemão com qualquer grau real de certeza.
Ironicamente, Mises observou que "a natureza estática da atividade econômica é apenas uma
suposição teórica que não corresponde a nenhum estado real das coisas, por mais necessária que
seja para nosso pensamento e para o aperfeiçoamento de nosso conhecimento de economia". [ Op.
Cit. , p. 109] Ou, por falar nisso, nossa crítica ao socialismo! Isso pode ser visto em um de seus
exemplos contra o socialismo:

“Imagine a construção de uma nova ferrovia. Deveria ser construída e, em caso afirmativo, qual, dentre
uma série de estradas concebíveis, deveria ser construída? Em uma economia competitiva e
monetária, esta questão seria respondida por cálculo monetário. A nova rodovia tornará mais barato o
transporte de algumas mercadorias, podendo ser possível calcular se essa redução de despesa
transcende a envolvida na construção e manutenção da próxima linha. Isso só pode ser calculado em
dinheiro. ” [ Op. Cit. , p. 108]

Ele “pode ser possível” ? Não de antemão. Na melhor das hipóteses, um investidor poderia estimar a
disposição das empresas de trocar para a nova ferrovia e se esses custos esperados resultarão em
lucro tanto nos custos fixos quanto nos custos operacionais. Os custos de construção podem ser
estimados, embora aumentos inesperados de preços no futuro também possam zombar deles, mas o
valor da receita futura não. Da mesma forma, o impacto da construção da nova ferrovia mudará
também a distribuição de renda, o que por sua vez afeta os preços no mercado e as decisões de
consumo das pessoas que, por sua vez, afetam a lucratividade do investimento na nova ferrovia. No
entanto, tudo isso é ignorado para atacar o socialismo.

Em outras palavras, Mises assume que o futuro pode ser previsto com precisão para atacar o
socialismo. Assim, ele afirma que uma sociedade socialista “emitiria um édito e decidiria a favor ou
contra o edifício projetado. No entanto, essa decisão dependeria, na melhor das hipóteses, de
estimativas vagas; nunca seria baseado na fundação de um cálculo exato de valor. ” [ Op. Cit. , p. 109]
No entanto, qualquer decisão de investimento em uma economia capitalista real depende “na melhor
das hipóteses de estimativas vagas” das condições de mercado futuras e retornos esperados do
investimento. Isso ocorre porque a contabilidade é retrospectiva, enquanto o investimento depende do
futuro incognoscível.

Em outras palavras, “as pessoas reconhecem que seu futuro econômico é incerto (nãoergódico) e não
pode ser previsto com segurança a partir de informações de mercado existentes. Consequentemente,
os gastos com investimentos em instalações de produção e o desejo das pessoas de economizar são
normalmente baseados em expectativas diferentes de um futuro incerto e incerto ”. Isso significa que,
em um mundo incerto, os lucros futuros "não podem ser previstos com segurança a partir de
informações de mercado existentes, nem endogenamente determinados por meio da propensão de
poupança planejada de hoje dos assalariados ... Assim, a menos que se presuma que os empresários
possam prever com precisão o futuro daqui para a eternidade , as expectativas atuais de rendimento
futuro devem depender do otimismo animal ou pessimismo dos empresários ” [Paul Davidson,John
Maynard Keynes , pp. 62-3] Então, sim, sob o capitalismo você pode determinar o custo do dinheiro
(preço) de um edifício, mas a decisão de construir é baseada em estimativas e suposições do futuro,
para usar as palavras de Mises “vago estimativas. ” Uma mudança no mercado pode significar que
mesmo um edifício construído exatamente de acordo com os custos esperados não produz lucro e,
portanto, fica vazio. Mesmo em termos de “cálculo exato” dos insumos, eles podem mudar,
prejudicando o custo final projetado e, portanto, sua margem de lucro.

Para uma boa explicação dos problemas da incerteza, devemos recorrer a Keynes, que a colocou no
centro de sua análise do capitalismo. “Os resultados reais de um investimento por um longo prazo de
anos”, argumentou Keynes, “raramente concordam com a expectativa inicial”, pois “nosso
conhecimento existente não fornece uma base suficiente para uma expectativa matemática calculada.
Na verdade, todos os tipos de considerações entram na avaliação de mercado que não são de forma
alguma relevantes para o rendimento futuro. ” Ele ressaltou que “as decisões humanas que afetam o
futuro, sejam pessoais, políticas ou econômicas, não podem depender de expectativas matemáticas
estritas, uma vez que a base para fazer tais cálculos não existe”.Ele também sugeriu que o "principal
resultado" da flexibilidade salarial "seria causar uma grande instabilidade de preços, tão violenta talvez
a ponto de tornar fúteis os cálculos de negócios". [ The General Theory , p. 152, pp. 162–3 e p. 269]

Quase o mesmo pode ser dito de outros preços. Como Proudhon argumentou décadas antes de Mises
proclamar o socialismo impossível, o lucro é, em última análise, um valor desconhecido. No
capitalismo, os salários são o “mínimo que pode ser dado” a um trabalhador: “isto é, não sabemos”. O
“preço da mercadoria posta no mercado” pelo capitalista será “o mais alto que ele puder obter; isto é,
novamente, não sabemos. ” A economia “admite” que “os preços das mercadorias e do trabalho ...
podem ser estimados ” e “que a estimativa é essencialmente uma operação arbitrária, que nunca pode
levar a conclusões seguras e certas”. Assim, o capitalismo é baseado em“A relação entre duas
incógnitas” que “não pode ser determinada”. [ Sistema de contradições econômicas , p. 64]

Portanto, sob o capitalismo, todas as decisões são "tateando no escuro" . O que pode, e leva, a
alocações ineficientes de recursos:

“Isso leva, isto é, mal direcionado investimento. Mas, além disso, é uma característica essencial do
boom os investimentos que de fato renderão, digamos, 2%. em condições de pleno emprego são feitas
na expectativa de um rendimento de, digamos, 6 por cento, e são avaliadas em conformidade.
Quando chega a desilusão, essa expectativa é substituída por um "erro de pessimismo" contrário,
com o resultado de que os investimentos, que na verdade renderiam 2 por cento. em condições de
pleno emprego, espera-se que rendam menos do que nada; e o colapso resultante de novos
investimentos leva então a um estado de desemprego em que os investimentos, que teriam rendido
2 por cento. em condições de pleno emprego, de fato rendem menos do que nada. Chegamos a uma
condição de falta de casas, mas mesmo assim ninguém tem condições de morar nas casas que existem
”.[Keynes, Op. Cit. , pp. 321-2]

Assim, a incerteza e as expectativas de lucro podem levar a ineficiências e desperdícios


massivos de alocação. É claro que Mises fala da boca para fora sobre essa incerteza dos mercados.
Ele observou que há “alternâncias incessantes em outros dados econômicos” e que as relações de
troca estão “sujeitas a constantes ... flutuações”, mas essas “flutuações perturbam os cálculos de valor
apenas em um grau mínimo” ! Ele admitiu que "alguns erros são inevitáveis em tal cálculo", mas tenha
certeza "[o] que resta da incerteza entra no cálculo da incerteza das condições futuras, que é um
concomitante inevitável da natureza dinâmica da vida econômica." [ Op. Cit., p. 98, pág. 110 e p. 111]
Assim, um tanto ironicamente, Mises presumiu que, ao atacar o socialismo, os preços são tão fluidos
que nenhuma agência de planejamento central poderia calcular seu preço correto e, portanto, alocar
recursos de forma ineficiente, mas, quando se trata de capitalismo, os preços não são tão fluidos que
eles tornam as decisões de investimento difíceis!
A questão é: o capitalismo reduz ou aumenta essas incertezas? Podemos sugerir que o
capitalismo adiciona duas camadas extras de incerteza. Como em qualquer economia, existe a
incerteza de que os bens produzidos atenderão a uma necessidade real de outros (ou seja, que tenham
um valor de uso). O mercado adiciona outra camada de incerteza ao adicionar a necessidade de seu
preço exceder os custos de um mercado. Finalmente, o capitalismo adiciona outro nível de incerteza
em que a classe capitalista deve ter lucros suficientes também. Assim, independentemente de quanto
as pessoas precisem de um bem específico, se os capitalistas não puderem lucrar com ele, ele não
será produzido.

A incerteza, é claro, afligirá uma sociedade comunista-anarquista. Erros na alocação de


recursos acontecerão, com alguns bens superproduzidos às vezes e subproduzidos em outras. No
entanto, uma sociedade comunista remove a incerteza adicional associada a uma economia capitalista,
já que tais erros não levam a quedas gerais, já que as perdas resultam na falência de empresas e
aumento do desemprego. Em outras palavras, sem o cálculo econômico preciso de Mises, a sociedade
não será mais afetada pela incerteza associada ao sistema de lucro.

Significativamente, há desenvolvimentos dentro do capitalismo que apontam para os


benefícios do comunismo na redução da incerteza. Esta é a ascensão da corporação em grande
escala. Na verdade, muitas firmas capitalistas se expandem precisamente para reduzir as incertezas
associadas aos preços de mercado e seu impacto (negativo) nos planos que fazem. Assim, as
empresas integram-se horizontalmente por aquisição para obter mais controle sobre as decisões de
investimento e fornecimento, bem como verticalmente para estabilizar os custos e garantir a demanda
pelos insumos necessários.

Como observou o economista John Kenneth Galbraith, quando o investimento é grande, “[n]
a forma de incerteza do mercado é tão séria quanto aquela que envolve os termos e condições em
que o capital é obtido”. Como resultado, os fundos internos são usados como "a empresa tem uma
fonte segura de capital" e "não enfrenta mais os riscos do mercado". Isso se aplica a outras entradas,
para um“A empresa não pode prever e programar ações futuras ou se preparar para contingências
de maneira satisfatória se não souber quais serão seus preços, quais serão suas vendas, quais serão
seus custos, incluindo mão de obra e capital, e o que estará disponível a esses custos . Se o mercado
estiver descontrolado, ela não saberá dessas coisas ... Muito do que a empresa considera como
planejamento consiste em minimizar as influências descontroladas do mercado ”. Isso explica em
parte por que as empresas crescem (a outra razão é para dominar o mercado e colher lucros
oligopolísticos). O “mercado é suplantado pela integração vertical” à medida que a empresa “assume
a fonte de abastecimento ou o escoamento” . Isso "não elimina a incerteza do mercado", mas
substitui“A grande e incontrolável incerteza quanto ao preço” dos insumos com “incertezas menores,
mais difusas e mais gerenciáveis” , como os custos da mão de obra. Uma grande empresa só pode
controlar o mercado, “reduzindo ou eliminando a independência de ação” daqueles para quem vende
ou compra. Isso significa que o comportamento dos outros pode ser controlado, de modo que "a
incerteza quanto a esse comportamento seja reduzida". Finalmente, a publicidade é usada para
influenciar a quantidade vendida. As empresas também "eliminam a incerteza do mercado" ao
"celebrar contratos especificando preços e valores a serem fornecidos ou comprados por períodos
substanciais de tempo". Assim“Uma das estratégias para eliminar a incerteza do mercado é eliminar
o mercado.” [ O Novo Estado Industrial p. 47, pp. 30–6 e p. 47]

É claro que essas tentativas de reduzir a incerteza dentro do capitalismo são incompletas e
estão sujeitas ao colapso. Esses sistemas de planejamento podem entrar em conflito com outros (por
exemplo, a ascensão das corporações japonesas nas décadas de 1970 e 1980 e o subsequente
declínio do poder industrial americano). Eles são centralizados, hierarquicamente estruturados e
baseados no planejamento central de cima para baixo (e, portanto, sujeitos aos problemas de
informação que destacamos na seção I.1.2). As forças do mercado podem se reafirmar, zombando até
dos planos mais bem organizados. No entanto, essas tentativas de transcender o mercado dentro do
capitalismo, por mais incompletas que sejam, mostram um grande problema em confiar nos mercados
e nos preços de mercado para alocar recursos. Eles adicionam uma camada extra de incerteza que
garante que os investidores e empresas fiquem tão no escuro sobre suas decisões quanto Mises
argumentou que os planejadores centrais estariam. Como tal, afirmar como Mises faz que a produção
no socialismo pode“Nunca se baseie no fundamento de um cálculo exato de valor” é um tanto implícito.
[ Op. Cit. , p. 109] Isso ocorre porque saber o preço "exato" de um investimento não tem sentido, pois
a questão-chave é se ele dá lucro ou não - e isso é desconhecido quando é feito e se dá prejuízo,
ainda é um desperdício de Recursos! Portanto, não se segue que o conhecimento dos preços correntes
permita a alocação eficiente de recursos (assumindo, é claro, que a lucratividade é igual à utilidade
social).

Em resumo, Mises ignorou totalmente as questões da incerteza (não conhecemos e não


podemos conhecer o futuro) e o impacto coletivo das decisões individuais. As decisões de produção e
investimento são feitas com base nas expectativas sobre os lucros futuros, mas esses lucros
(esperados) dependem (em parte) de quais outras decisões estão sendo, e serão, tomadas. Isso ocorre
porque eles afetarão a oferta agregada futura de um bem e, portanto, o preço de mercado, o preço dos
insumos e a distribuição da demanda efetiva. Na tomada de decisão baseada no mercado (e, portanto,
fragmentada e atomística) que Mises presume, qualquer decisão de produção e investimento é feita
com base na ignorância inevitável das ações dos outros e dos resultados dessas ações. Claro que há
incerteza que afetaria todos os sistemas sociais (como o clima, descoberta de novas fontes de energia,
matérias-primas e tecnologia, mudanças nas necessidades do cliente e assim por diante). No entanto,
os sistemas baseados no mercado adicionam níveis extras de incerteza pela falta de comunicação
entre os tomadores de decisão, bem como tornam o lucro o ponto-chave do racionalismo econômico.

Portanto, em termos da afirmação de Mises de que apenas o capitalismo garante que o sucesso pode
ser “avaliado antecipadamente” , está claro que na realidade esse sistema é tão marcado por “tatear
no escuro” como qualquer outro. O que dizer da afirmação de que apenas os mercados podem garantir
que o sucesso de um projeto seja “posteriormente determinado retrospectivamente” ? Com isso, Mises
faz uma suposição errada - ou seja, a noção duvidosa de que o que é lucrativo é certo. Assim, é
identificado economicamente com lucratividade. Portanto, mesmo se assumirmos que os preços
fornecem informações suficientes para uma tomada de decisão racional, que a economia salta de um
estado de equilíbrio para outro e que os capitalistas podem prever o futuro, o fato estranho é que
maximizar o lucro não é igual a maximizar o bem-estar humano.

Nem bem-estar nem eficiência significam lucratividade, pois esta não leva em consideração a
necessidade . Satisfazer as necessidades não é “determinado retrospectivamente” no capitalismo,
apenas lucros e perdas. Um investimento pode fracassar não porque não seja necessário, mas porque
não há demanda efetiva por ele devido às desigualdades de renda. Portanto, é importante lembrar que
a distribuição de renda determina se algo é um uso “eficiente” de recursos ou não. Como Thomas
Balogh observou, a renda real“É medido em termos de um determinado conjunto de preços vigentes
em um determinado período e que esses preços refletirão a distribuição de renda vigente. (Sem
milionários do petróleo texano aqui, haveria poucas chances de vender um Roll-Royce azul bebê ... a
um preço dez vezes maior que a renda anual de um pequeno agricultor ou meeiro). ” [ The Irrelevance
of Conventional Economics , pp. 98-9] A demanda de mercado por commodities, que aloca recursos
entre os usos, não se baseia nos gostos dos consumidores, mas na distribuição do poder de compra
entre eles. Isso, ironicamente, foi mencionado por Mises como parte de seu ataque ao socialismo,
argumentando que os planejadores centrais não podiam usar os preços atuais para“A transição para
o socialismo deve, como consequência do nivelamento das diferenças de renda e os reajustes
resultantes no consumo e, portanto, na produção, mudar todos os dados econômicos.” [ Op. Cit. , p.
109] Ele não mencionou o impacto que isso tem em termos de “eficiência” ou lucratividade! Afinal, o
que é e o que não é lucrativo (“eficiente”) depende da demanda efetiva, que por sua vez depende de
uma distribuição de renda específica. Processos de produção idênticos tornam-se eficientes e
ineficientes simplesmente pela redistribuição da renda dos ricos para os pobres e vice-versa. Da
mesma forma, as mudanças nos preços de mercado podem tornar os investimentos outrora lucrativos
não lucrativos, sem afetar as necessidades que eles estavam satisfazendo. E isso, nem é preciso dizer,
pode ter sérios impactos no bem-estar humano.

Conforme discutido na seção C.1.5, isso se torna mais óbvio durante a fome. Como Allan Engler
aponta, “[q] uando é negado às pessoas o acesso aos meios de subsistência, a mão invisível das
forças do mercado não intervém em seu nome. O equilíbrio entre oferta e demanda não tem conexão
necessária com as necessidades humanas. Por exemplo, suponha um país com um milhão de
habitantes no qual 900.000 não têm meios de subsistência. Um milhão de alqueires de trigo são
produzidos. A safra inteira é vendida para 100.000 pessoas a US $ 10 o alqueire. A oferta e a procura
estão em equilíbrio, mas 900 000 pessoas enfrentarão fome. ” [ Apóstolos da ganância, pp. 50-51]
Caso alguém pense que isso apenas acontece em teoria, o exemplo de numerosas fomes (desde a
fome irlandesa na década de 1840 até a dos países africanos na década de 1980) dá um exemplo
clássico de como isso ocorre na prática, com ricos proprietários de terras exportando alimentos para
outras nações enquanto milhões morrem de fome em suas próprias nações.

Portanto, as consequências distributivas do sistema de mercado causam estragos em qualquer


tentativa de definir o que é e o que não é um uso “eficiente” de recursos. Como os mercados informam
apenas pela 'saída' - alguns produtos encontram um mercado, outros não - a 'voz' está ausente. A
operação de 'saída' em vez de 'voz' deixa para trás aqueles que não têm poder no mercado. Por
exemplo, os ricos não compram alimentos contaminados com aditivos, os pobres os consomem. Isso
significa que uma divisão cresce entre dois ambientes: um habitado por quem tem riqueza e outro
habitado por quem não tem. Como pode ser visto na prática capitalista atual de “exportar poluição”
para países em desenvolvimento, esse problema pode ter sérios efeitos ecológicos e sociais. Portanto,
longe de o mercado ser uma “democracia” baseada em “um dólar, um voto”,é uma oligarquia em que,
por exemplo, os “79.000 americanos que ganharam o salário mínimo em 1987 têm a mesma influência
[ou “ voto ” ] que Michael Milken, que 'ganhou' tanto quanto todos eles juntos.” [Michael Albert e Robin
Hahnel, The Political Economy of Participatory Economics , p. 21] Um economista dissidente afirma
o cegamente óbvio, ou seja, que “o mercado e a democracia se chocam em um nível fundamental. A
democracia segue o princípio de 'um homem (uma pessoa), um voto.' O mercado funciona com base
no princípio de 'um dólar, um voto'. Naturalmente, o primeiro atribui igual peso a cada pessoa,
independentemente do dinheiro que possua. Este último dá mais peso às pessoas mais ricas. ”Isso
significa que o mercado é automaticamente desviado em favor dos ricos e, portanto, "[l] entregar tudo
ao mercado significa que os ricos podem ser capazes de realizar até o elemento mais frívolo de seus
desejos, enquanto os pobres podem não ser capazes nem mesmo para sobreviver - assim, o mundo
gasta vinte vezes mais dinheiro em pesquisa em medicamentos para emagrecer do que na malária,
que ceifa mais de um milhão de vidas e debilita milhões a mais nos países em desenvolvimento a cada
ano. ” [Ha-Joon Chang, Bad Samaritans , p. 172 e p. 174]

Em outras palavras, os mercados são sempre tendenciosos a favor da demanda efetiva, ou seja, a
favor das demandas de pessoas com dinheiro, e então nunca podem (exceto nas abstrações
imaginárias da economia neoclássica) alocar as necessidades da vida para aqueles que precisam eles
mais. Assim, uma simples redistribuição de riqueza (por meio de sindicatos militantes ou do estado de
bem-estar, por exemplo) poderia tornar bons investimentos anteriormente "ruins" simplesmente porque
a nova renda permite que aqueles que anteriormente precisavam, mas não podiam pagar, o bem ou
serviço em questão Compre. Portanto, só porque algo dá prejuízo em uma distribuição de renda não
significa que seja um uso ineficiente de recursos no sentido de atender às necessidades humanas (e
poderia ter lucro em outra distribuição de riqueza mais igualitária).

É importante lembrar que, para os “austríacos”, as preferências são demonstradas através da ação no
mercado e eles não estão interessados em opiniões, portanto, qualquer preferência que não seja
expressa pela ação é irrelevante para eles. Portanto, qualquer tentativa de priorizar coletivamente,
digamos, construir moradias decentes para todos, fornecer cuidados de saúde para todos, abolir a
pobreza e assim por diante, são todos considerados usos "ineficientes" de recursos, pois aqueles que
os recebem normalmente não seriam capazes de pagar eles e, conseqüentemente, realmente não os
desejam de qualquer maneira (como eles, desnecessário dizer, não expressam esse desejo por trocas
de mercado!). No entanto, isso ignora o fato estranho de que, no mercado, as pessoas só podem agir
se tiverem dinheiro para divulgar suas preferências. Assim, aqueles que precisam, mas não têm
dinheiro, não contam para determinar se o mercado é eficiente ou não. Simplesmente não há espaço
para pessoas reais que podem ser prejudicadas pelos mercados reais. Como argumenta o economista
Amartya Sen, o funcionamento de um mercado capitalista "puro", como desejado pelos economistas
"austríacos" e outros proprietários,“Pode ser problemático, uma vez que as consequências reais da
operação desses direitos podem, muito possivelmente, incluir resultados bastante terríveis. Pode, em
particular, levar à violação da liberdade substantiva dos indivíduos de alcançar aquelas coisas às quais
eles têm razão de atribuir grande importância, incluindo escapar da moralidade evitável, estar bem
nutrido e saudável, ser capaz de ler, escrever e contar e em breve." Na verdade, “mesmo fomes
gigantescas podem resultar sem que os direitos libertários [certos] de ninguém (incluindo os direitos
de propriedade) sejam violados. Os desamparados, como os desempregados ou os pobres, podem
morrer de fome precisamente porque seus 'direitos' ... não lhes dão comida suficiente. ” Da mesma
forma, "privação" , como "desnutrição regular", a “falta de atendimento médico para doenças curáveis”
pode “coexistir com todos os direitos libertários [corretos] (incluindo direitos de propriedade) sendo
plenamente satisfeitos”. [ Desenvolvimento como liberdade , p. 66]

Tudo isso, deve ser enfatizado, é ignorado no caso “austríaco” contra o socialismo. Em última análise,
se fornecer comida aos animais de estimação de uma pessoa rica dá lucro, torna-se um uso mais
econômico e eficiente do recurso do que fornecer comida às vítimas da fome que não podem comprar
comida no mercado. Por isso, nunca se deve esquecer que os “austríacos” insistem que apenas as
preferências demonstradas na ação são reais. Portanto, se você não pode agir no mercado (ou seja,
comprar algo), sua necessidade disso não é real. Em outras palavras, se uma pessoa perde seu
emprego e, como consequência, perde sua casa, então, de acordo com essa lógica, ela não "precisa"
de uma casa como mostra sua "preferência demonstrada" (ou seja, suas escolhas reais em ação) que
eles genuinamente valorizam viver debaixo de uma ponte (supondo que obtenham o acordo dos
proprietários da ponte, é claro).

À parte, este fato óbvio mostra que a afirmação “austríaca” de que a intervenção no mercado sempre
reduz a utilidade social não pode ser apoiada. O argumento de que o mercado maximiza a utilidade
baseia-se na suposição de uma dada alocação de recursos antes do início do processo de livre troca.
Se alguém não tem renda suficiente para, digamos, comprar comida ou tratamento médico essencial,
isso não se reflete no mercado. Se a riqueza é redistribuída e eles têm acesso aos bens em questão,
então (obviamente) sua utilidade aumentou e é discutível se a utilidade social diminuiu, já que a
desutilidade do milionário que foi tributado para alcançá-la não pode ser comparada para isso.
Significativamente, aqueles “austríacos” que procuraram provar que toda intervenção no mercado
reduz a utilidade social falharam. Por exemplo, como um dissidente economista "austríaco" observa,
enquanto Murray Rothbard“Alegou que ele ofereceu um argumento puramente dedutivo” de que a
intervenção do Estado sempre reduziu a utilidade social “seu caso [era] logicamente falho”. Ele
simplesmente presumiu que a utilidade social foi reduzida, embora não tenha dado nenhuma razão
para tal suposição, pois admitiu que as comparações interpessoais de utilidade eram impossíveis. Para
alguém “que pede que suas afirmações sejam testadas apenas por sua lógica” , suas conclusões finais
sobre a intervenção do Estado “não seguem” e exibem “uma autocontradição descuidada” [David L.
Prychitko, Markets, Planning and Democracy , p. 189, pág. 111 e p. 110]

Em resumo, então, em termos de feedback dizendo que se algo deu lucro, então foi produzido de forma
eficiente confunde eficiência e necessidade com lucratividade e demanda efetiva. Algo pode ter lucro
impondo custos por meio de externalidades e diminuindo a qualidade. Da mesma forma, um bem pode
não ter lucro, apesar de haver necessidade, simplesmente porque as pessoas não podem pagar por
ele.

Como tal, Mises estava errado ao afirmar que “[b] ente a produção para o lucro e a produção para a
necessidade, não há contraste”. [ Socialismo, p. 143] Na verdade, parece incrível que qualquer pessoa
que se diga economista possa fazer tal comentário. Como Proudhon e Marx (como Smith e Ricardo
antes deles) deixaram claro, uma mercadoria para ser trocada deve primeiro ter um valor de uso
(utilidade) para os outros. Assim, produção para lucro, por definição, significa produção para “uso” -
caso contrário, a troca não aconteceria. O que os socialistas estavam destacando ao contrastar a
produção para o lucro com a necessidade era, em primeiro lugar, que a necessidade vem depois do
lucro e, portanto, sem lucro um bem não será produzido, não importa quantas pessoas precisem dele.
Em segundo lugar, destaca o fato de que durante as crises o capitalismo é marcado por uma
superprodução de bens, reduzindo os lucros, interrompendo a produção, enquanto as pessoas que
precisam desses bens ficam sem eles. Assim, o capitalismo é marcado por pessoas sem-teto que
vivem perto de casas vazias e pessoas famintas que veem alimentos exportados ou destruídos para
maximizar o lucro. Em última análise, se o capitalista não tiver lucro, então é um mau investimento -
independentemente de poder ser usado para atender às necessidades das pessoas e, assim, tornar
suas vidas melhores. Em outras palavras, Mises ignora a própria base do capitalismo (produção com
fins lucrativos) e a descreve como uma produção que visa a satisfação direta dos consumidores.

Da mesma forma, que algo dá lucro não significa que seja um uso eficiente de recursos. Se, por
exemplo, esse lucro é obtido pela imposição de externalidades de poluição ou pelo poder de mercado,
então não se pode dizer que a sociedade como um todo, ao invés dos capitalistas, se beneficiou. Da
mesma forma, os sistemas não baseados no mercado podem ser considerados mais eficientes do que
os baseados no mercado em termos de resultados. Por exemplo, tornar os cuidados de saúde
disponíveis para todos os que precisam, em vez de aqueles que podem pagar é economicamente
"ineficiente" aos olhos "austríacos", mas apenas um ideólogo afirmaria que não devemos fazê-lo por
causa disso, especialmente porque podemos apontar o estranho fato de que os sistemas de saúde
mais privatizados nos EUA e no Chile são mais ineficientes do que os sistemas nacionalizados em
outras partes do mundo. Os custos administrativos são mais elevados e as sociedades em questão
pagam muito mais por um nível equivalente de tratamento. Claro, pode-se argumentar que os sistemas
privatizados não são realmente privados, mas o fato estranho permanece - quanto mais o sistema
baseado no mercado é pior, em termos de cobertura da população, custo do tratamento, burocracia e
resultados de saúde por libra gasta.

Além disso, em uma sociedade altamente desigual, os custos são externalizados para aqueles que
estão na base da hierarquia social. As consequências são danosas, como sugere a nova linguagem
usada para disfarçar essa realidade. Por exemplo, existe o que é chamado de "flexibilidade crescente
do mercado de trabalho". “Flexibilidade” parece ótimo: estruturas rígidas não são atraentes e
dificilmente adequadas para o crescimento humano. Na verdade, como Noam Chomsky aponta“[F]
lexibilidade significa insegurança. Significa que você vai para a cama à noite e não sabe se terá um
emprego amanhã de manhã. Isso se chama flexibilidade do mercado de trabalho, e qualquer
economista pode explicar que isso é bom para a economia, onde por 'economia' agora entendemos a
obtenção de lucro. Não queremos dizer com 'economia' a forma como as pessoas vivem. Isso é bom
para a economia e os empregos temporários aumentam a flexibilidade. Os baixos salários também
aumentam a insegurança no emprego. Eles mantêm a inflação baixa. Isso é bom para pessoas que
têm dinheiro, digamos, detentores de títulos. Portanto, tudo isso contribui para o que é chamado de
'economia saudável', ou seja, uma com lucros muito elevados. Os lucros estão indo bem. Os lucros
corporativos estão aumentando. Mas para a maioria da população, circunstâncias muito sombrias. E
circunstâncias sombrias, sem muitas perspectivas de futuro, podem levar a uma ação social
construtiva,[ Mantendo a turba na linha , pp. 283-4] Portanto, simplesmente não se pode presumir
que o que é bom para a economia (lucros) equivale ao que é bom para as pessoas (pelo menos a
classe trabalhadora).

Assim, os “austríacos” valorizam a lucratividade acima de tudo e essa suposição está na raiz do
“Argumento do Cálculo” contra o socialismo, mas isso só faz sentido na medida em que eficiência se
confunde com lucro. O mercado investirá em carvão se os lucros forem maiores e, com isso, contribuirá
para o aquecimento global. Ela negará assistência médica aos doentes (sem lucros e, portanto, é
ineficiente), ao mesmo tempo que contribui, digamos, para uma bolha imobiliária porque obtém lucros
de curto prazo ao fornecer empréstimos a pessoas que realmente não podem pagar. Apoiará todos os
tipos de atividade econômica, independentemente do impacto mais amplo, e assim a “eficiência” (isto
é, lucros) pode, e vai, contradizer a sabedoria e a ética e, portanto, em última análise, uma alocação
eficiente de recursos para atender às necessidades das pessoas.

Por último, nossa crítica até agora ignorou as crises periódicas que atingem as economias capitalistas
que produzem desemprego maciço e ruptura social - crises que são devidas a pressões subjetivas e
objetivas sobre a operação do mecanismo de preços (ver seção C.7 para detalhes). Na fase de alta,
quando as expectativas são animadoras, as empresas investirão e produzirão uma expansão que se
reforce mutuamente. No entanto, o efeito líquido de tais decisões eventualmente leva a
sobreinvestimento, excesso de capacidade e superprodução - mau investimento e desperdício de
recursos incorporados. Isso leva a lucros menores do que o esperado, as expectativas mudam para
pior e o boom se transforma em colapso, o equipamento de capital é descartado, os trabalhadores
ficam desempregados e os recursos são desperdiçados ou ociosos.

Em uma crise, vemos a contradição entre valor de uso e valor de troca chegar ao auge. Os
trabalhadores não são menos produtivos do que quando a crise começou, os bens e serviços que eles
criam não são menos necessários do que antes. Os meios de produção são produtivos como antes.
Ambos são tão capazes como antes de proporcionar a todos um padrão de vida decente. Mesmo que
as pessoas estejam desabrigadas, as moradias continuam vazias. Mesmo que as pessoas precisem
de bens, a produção é interrompida. Mesmo que as pessoas queiram empregos, os locais de trabalho
estão fechados. No entanto, de acordo com a lógica do “exato”“Cálculo econômico”, a produção agora
é “ineficiente” e deveria ser fechada, os trabalhadores desempregados e esperados que encontrem
trabalho forçando a queda dos salários daqueles que têm sorte de permanecer empregados na
esperança de que os donos dos meios de vida irão achar lucrativo explorá-los tanto quanto antes (pois
quando tempos difíceis chegam, nunca demora até que alguém sugira que o retorno da prosperidade
requer sacrifícios no fundo da pilha e, desnecessário dizer, os economistas "austríacos" são
geralmente os primeiro a fazê-lo).

Isso sugere que a alocação eficiente de recursos torna-se sem sentido se sua realidade for um ciclo
em que os consumidores ficam sem bens essenciais devido à escassez e aos preços altos, seguido
de empresas que quebram por causa do excesso de produção e dos preços baixos. Esse processo
arruína grande parte da vida das pessoas, sem falar no desperdício de grandes estoques de
equipamentos e bens produtivos. Sempre há pessoas que precisam dos bens superproduzidos e,
portanto, o mercado aumenta a incerteza, pois há uma diferença entre a superprodução de bens e a
superprodução de commodities. Se mais bens fossem produzidos em uma sociedade comunista, isso
pode significar um desperdício de recursos, mas não produziria, como no capitalismo, uma situação
de crise também!

Portanto, em uma economia capitalista real, existem inúmeras razões para que decisões de
investimento aparentemente racionais dêem errado. Não que esses investimentos produzam bens dos
quais as pessoas não precisam, simplesmente que "exatamente"“Cálculo econômico” indica que eles
não estão tendo lucro e, portanto, são um uso “ineficiente” de recursos. No entanto, é questionável ao
extremo argumentar que se (graças a uma recessão) os trabalhadores não podem mais comprar
alimentos, então é uma alocação “eficiente” de recursos que eles passam fome. Da mesma forma,
durante a Grande Depressão, o governo americano (sob o New Deal) contratou cerca de 60% dos
desempregados em obras públicas e projetos de conservação. Eles viram um bilhão de árvores
plantadas, o guindaste grosso salvo, a modernização da América rural e a construção (entre outros)
da Catedral de Aprendizagem em Pittsburgh, a capital do estado de Montana, o Túnel Lincoln de Nova
York e o complexo da Ponte Triborough, o Vale do Tennessee Autoridade, bem como construir ou
reformar 2.500 hospitais, 45.000 escolas, 13.000 parques e playgrounds, 7, 800 pontes, 700.000
milhas de estradas, 1.000 aeródromos, bem como empregar 50.000 professores e reconstruir todo o
sistema escolar rural do país. Todos esses esquemas podem realmente ser considerados um
desperdício de recursos simplesmente porque eles nunca teriam gerado um lucro para um capitalista?
Claro, nossa discussão é afetada pelo fato de que o capitalismo “realmente existente” tem várias
formas de intervenção estatal. Alguns desses “socializam” custos e riscos, como a criação de uma
infraestrutura com financiamento público e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Dado que grande parte
da P&D é conduzida por meio de financiamento estatal (por meio de universidades, aquisições militares
e assim por diante) e (é claro!) Os lucros de tais pesquisas são privatizados, surge a pergunta se a
pesquisa inicial teria ido adiante se os custos não tivessem sido “Socializado”? Será que o “exato” de
Misescálculos resultaram, digamos, no desenvolvimento da Internet? Se, como parece provável, não,
isso não significa que nosso uso atual da World Wide Web é um uso ineficiente de recursos? Depois,
existem as inúmeras intervenções estatais que existem para garantir que certas atividades se tornem
"eficientes" (ou seja, lucrativas), como especificar e defender os direitos de propriedade intelectual, a
responsabilidade limitada das empresas e fazer cumprir os direitos de propriedade capitalista (em
terras, por exemplo). Embora consideremos essa atividade algo natural quando avaliamos o
capitalismo, elas são graves imperfeições no mercado e, portanto, o que conta como um uso “eficiente”
de recursos. Outras intervenções do Estado visam reduzir a incerteza e estabilizar o mercado, como o
bem-estar mantendo a demanda agregada.

Remover essas “imperfeições” do mercado afetaria substancialmente a persuasão do caso de Mises.


“Os dados que temos”, observa Doug Henwood, “não dão nenhum suporte à noção de que o século
XIX foi mais 'estável' do que o XX ... o nível de preços saltou por todo o lugar, com períodos de inflação
alternando com períodos de deflação e o crescimento do PIB nas últimas três décadas ... foi igualmente
volátil. As apreensões foram violentas, resultando em enormes falências de bancos e tempos de crise
para trabalhadores e agricultores. ” [ Depois da Nova Economia, p. 242] Olhando para os dados do
ciclo de negócios para a América, o que fica claro é que algumas dessas quedas regulares do século
XIX foram extremamente longas: o Pânico de 1873, por exemplo, foi seguido por uma recessão que
durou 5 anos e meio. A Bolsa de Valores de Nova York fechou por dez dias e 89 das 364 ferrovias do
país faliram. Um total de 18.000 empresas faliram entre 1873 e 1875. O desemprego atingiu 14% em
1876, durante um período que ficou conhecido como a Longa Depressão. As obras de construção
atrasaram, os salários foram cortados, o valor dos imóveis caiu e os lucros corporativos
desapareceram.

Diante disso, dada a tendência do capitalismo à crise e a ignorar as necessidades reais em favor da
demanda efetiva, é muito melhor estar quase certo do que precisamente errado. Ou seja, o cálculo
econômico que Mises celebra regularmente leva a situações em que as pessoas sofrem porque mostra
precisamente que os locais de trabalho devem fechar porque, embora nada tenha mudado em sua
produtividade e na necessidade de seus produtos, eles não podem mais ter lucro. Dizer, no meio de
uma crise, que as pessoas deveriam ficar sem trabalho, sem teto e com fome porque o cálculo
econômico prova que não precisam de emprego, casa e comida mostra a irracionalidade de glorificar
o “cálculo econômico” como o princípio e o fim toda a alocação de recursos.

Em resumo, então, não apenas o comunismo libertário é possível, mas o próprio capitalismo torna o
cálculo econômico problemático e a alocação de recursos ineficiente. Dada a incerteza sistemática que
a dinâmica do mercado implica e as tendências de crise inerentes ao sistema, o “cálculo econômico”
garante que os recursos sejam desperdiçados. Usar o critério de lucro como medida de "eficiência"
também é problemático, pois garante que as necessidades reais sejam ignoradas e coloca a sociedade
em situações frequentes (crises) onde o "cálculo econômico" garante o fechamento das indústrias,
garantindo assim que os bens e serviços que as pessoas precisam são não é mais produzido. Como
disse Proudhon, sob o capitalismo há "uma oscilação miserável entre a usura e a falência". [ Solução
de Proudhon para o problema social, p. 63] Para anarquistas, essas desvantagens para a alocação
capitalista são óbvias. Igualmente óbvio é o motivo pelo qual Mises falhou em discuti-los: em última
análise, como a economia neoclássica, a escola “austríaca” busca elogiar o capitalismo ao invés de
entendê-lo.
Que critérios de tomada de decisão econômica
podem ser usados na anarquia?
Em primeiro lugar, deve-se notar que os anarquistas não têm nenhuma ideia definida sobre a resposta
a esta pergunta. A maioria dos anarquistas são comunistas, desejando ver o fim do dinheiro, mas isso
não significa que eles querem impor o comunismo às pessoas. Longe disso, o comunismo só pode ser
verdadeiramente libertário se for organizado de baixo para cima. Assim, os anarquistas concordariam
com Kropotkin que é o caso de não "determinar antecipadamente que forma de distribuição os
produtores deveriam aceitar em seus diferentes grupos - seja a solução comunista, ou cheques
trabalhistas, ou salários iguais, ou qualquer outro método" enquanto considerando uma determinada
solução melhor em sua opinião. [ Panfletos revolucionários de Kropotkin , p. 166] O experimento livre
é um aspecto chave do anarquismo.

Embora certos anarquistas tenham certas preferências no sistema social em que desejam viver e,
portanto, defendam isso, eles estão cientes de que as circunstâncias objetivas e os desejos sociais
determinarão o que é introduzido durante uma revolução (por exemplo, enquanto Kropotkin era um
anarquista comunista e considerava essencial que uma revolução avançasse em direção ao
comunismo o mais rápido possível, ele estava ciente de que era improvável que fosse introduzida
imediatamente - ver seção I.2.2 para detalhes).

No entanto, iremos delinear alguns meios possíveis de critérios de tomada de decisão econômica, pois
esta questão é importante (é o ponto crucial do argumento do “socialismo libertário é impossível” , por
exemplo). Portanto, iremos indicar quais soluções possíveis existem nas diferentes formas de
anarquismo.

Em um sistema mutualista ou coletivista, a resposta é fácil. Os preços existirão e serão usados como
meio de tomada de decisões. O mutualismo será mais orientado para o mercado do que o coletivismo,
com o coletivismo sendo baseado em confederações de coletivos para responder às mudanças na
demanda (ou seja, para determinar as decisões de investimento e garantir que a oferta seja mantida
em linha com a demanda). O mutualismo, com seu sistema de distribuição baseado no mercado em
torno de uma rede de cooperativas e bancos mútuos, não precisa realmente de uma discussão mais
aprofundada, pois suas operações básicas são as mesmas de qualquer sistema de mercado não
capitalista. O coletivismo e o comunismo terão que ser discutidos com mais detalhes. No entanto, todos
os sistemas são baseados na autogestão dos trabalhadores e, portanto, os indivíduos diretamente
afetados tomam as decisões sobre o que produzir, quando produzir e como fazê-lo. Desse modo, os
trabalhadores mantêm o controle do produto de seu trabalho. É o contexto social dessas decisões e
quais critérios os trabalhadores usam para tomar suas decisões que diferem entre as escolas de
pensamento anarquistas.

Embora o coletivismo promova a maior autonomia para as associações de trabalhadores, ele não deve
ser confundido com uma economia de mercado como defendida pelos defensores do mutualismo
(particularmente em sua forma individualista). Os bens produzidos pelas fábricas e oficinas
coletivizadas são trocados não de acordo com o preço mais alto que pode ser arrancado dos
consumidores, mas de acordo com seus custos reais de produção. A determinação desses preços
honestos deve ser feita por um “Banco de câmbio” em cada comunidade (obviamente, uma ideia
emprestada de Proudhon). Esses "bancos" representariam as várias confederações de produtores e
grupos de consumidores / cidadãos na comunidade e buscariam negociar esses preços "honestos"
(que, com toda a probabilidade, incluiriam "ocultos"custos como poluição). Esses acordos estariam
sujeitos à ratificação pelas assembléias dos envolvidos.
Como afirma Guillaume, “o valor das mercadorias foi estabelecido antecipadamente por um acordo
contratual entre as federações cooperativas regionais [isto é, confederações de sindicatos] e as várias
comunas, que também fornecerão estatísticas aos Bancos de Câmbio. O Banco de Câmbio remeterá
aos produtores comprovantes negociáveis representativos do valor de seus produtos; esses vouchers
serão aceitos em todo o território incluído na federação de comunas. ” [ Bakunin sobre o anarquismo ,
p. 366]. Esses vouchers estariam relacionados às horas trabalhadas, por exemplo, e quando usados
como um guia para decisões de investimento, poderiam ser complementados com uma análise de
custo-benefício do tipo possivelmente usado em uma sociedade anarquista-comunista (veja abaixo).

Embora este esquema tenha uma forte semelhança com os “Bancos do Povo” , deve-se notar que os
Bancos de Câmbio, junto com uma “Comissão de Estatística Comunal”, também têm a função de
“planejamento” para garantir que a oferta atenda a demanda . Isso não implica uma economia de
“comando” , mas sim a contabilidade simples para “cada banco de câmbio garante com antecedência
que esses produtos não estão em demanda [para não arriscar], emitindo imediatamente vouchers de
pagamento para os produtores”. [ Op. Cit. , p. 367]. Os sindicatos de trabalhadores ainda determinariam
quais pedidos produzir e cada comuna seria livre para escolher seus fornecedores.

Como será discutido com mais profundidade posteriormente (consulte a seção I.4.8), as informações
sobre os padrões de consumo serão registradas e usadas pelos trabalhadores para informar suas
decisões de produção e investimento. Além disso, podemos imaginar que os sindicatos de produção
encorajariam as comunas, bem como os grupos de consumidores e cooperativas, a participarem da
tomada dessas decisões. Isso garantiria que os bens produzidos refletissem as necessidades do
consumidor. Além disso, conforme as condições o permitirem, as funções de troca dos "bancos"
comunais seriam (com toda a probabilidade) gradualmente substituídas pela distribuição de bens "de
acordo com as necessidades dos consumidores". Em outras palavras, a maioria dos defensores do
anarquismo coletivista o vê como uma medida temporária antes que o anarco-comunismo pudesse se
desenvolver.

O anarquismo comunista seria semelhante ao coletivismo, ou seja, um sistema de confederações de


coletivos, comunas e centros de distribuição ( “lojas comunais” ). No entanto, em um sistema
anarco-comunista, os preços não são usados. Como será feita a tomada de decisão econômica?
Uma solução possível é a seguinte:

como um meio de levar em consideração outros fatores, poderia, portanto, ser considerado mais
apropriado para uso no socialismo do que no capitalismo. Usar sistemas de pontos para atribuir
importância relativa desta forma não seria recriar alguma unidade universal de avaliação e cálculo,
mas simplesmente empregar uma técnica para facilitar a tomada de decisão em casos concretos
particulares. ”[Adam Buick e John Crump, State Capitalism: The Wages System Under New
Management , pp. 138–139]

Este sistema de pontos seria o meio pelo qual produtores e consumidores seriam capazes de
determinar se o uso de um determinado bem é eficiente ou não. Ao contrário dos preços, este
sistema de análise de custo-benefício garantiria que a produção e o consumo refletissem os
custos, a consciência e as prioridades sociais e ecológicas. Além disso, esta análise seria um guia
para a tomada de decisão e não uma substituição da tomada de decisão e avaliação humana.
Como Lewis Mumford argumenta:

“Está previsto que na decisão de construir uma ponte ou um túnel haja uma questão humana que deve
superar a questão do preço barato ou da viabilidade mecânica: a saber, o número de vidas que serão
perdidas na própria construção ou a conveniência de condenar um certo número de homens [e
mulheres] a passar seus dias inteiros de trabalho no subsolo supervisionando o tráfego em túneis.
Assim que nosso pensamento deixa de ser automaticamente condicionado pela mina, tais questões
tornam-se importantes. Da mesma forma, a escolha social entre seda e rayon não é aquela que pode
ser feita simplesmente pelos diferentes custos de produção, ou pela diferença de qualidade entre as
próprias fibras: também resta, para ser integrado na decisão, a questão da diferença em trabalho-
prazer entre cuidar de bichos-da-seda e auxiliar na produção de raiom. A contribuição do produto para
o trabalhador é tão importante quanto a contribuição do trabalhador para o produto. Uma sociedade
bem administrada pode alterar o processo de montagem de automóveis, com alguma perda de
velocidade e baixo custo, a fim de produzir uma rotina mais interessante para o trabalhador: da mesma
forma, custaria equipar a fabricação de cimento por processo a seco plantas com removedores de
poeira - ou substitua o próprio produto por um substituto menos nocivo. Quando nenhuma dessas
alternativas estava disponível, isso reduziria drasticamente a própria demanda ao nível mais baixo
possível. ” da mesma forma, custaria equipar as fábricas de cimento por processo a seco com
removedores de poeira - ou substituiria o próprio produto por um substituto menos nocivo. Quando
nenhuma dessas alternativas estava disponível, isso reduziria drasticamente a própria demanda ao
nível mais baixo possível. ” da mesma forma, custaria equipar as fábricas de cimento por processo a
seco com removedores de poeira - ou substituiria o próprio produto por um substituto menos nocivo.
Quando nenhuma dessas alternativas estava disponível, isso reduziria drasticamente a própria
demanda ao nível mais baixo possível. ”[ The Future of Technics and Civilization , pp. 160-1]

Obviamente, hoje incluiríamos tanto as questões ecológicas quanto as humanas. No entanto, o


argumento de Mumford está correto. Qualquer processo de tomada de decisão que desconsidere
a qualidade do trabalho ou o efeito no ambiente humano e natural é um processo desordenado.
No entanto, é assim que o capitalismo opera, com o mercado recompensando capitalistas e
gestores que introduzem práticas desumanizantes e ecologicamente prejudiciais. Na verdade, o
capitalismo é tão tendencioso contra o trabalho e o meio ambiente que economistas e pró-
capitalistas argumentam que reduzir a "eficiência" por tais preocupações sociais é realmente
prejudicialpara uma economia, que é uma reversão total do bom senso e dos sentimentos
humanos (afinal, a economia deve satisfazer as necessidades humanas e não sacrificar essas
necessidades pela economia?). O argumento é que o consumo sofreria na medida em que
recursos (humanos e materiais) fossem desviados de mais “eficientes”produtivas e, com isso,
reduzem, sobretudo, nosso bem-estar econômico. O que esse argumento ignora é que o consumo
não existe isoladamente do resto da economia. O que consumimos é condicionado, em parte,
pelo tipo de pessoa que somos e isso é influenciado pelo tipo de trabalho que fazemos, os tipos
de relações sociais que temos, se estamos felizes com nosso trabalho e vida, e assim em. Se
nosso trabalho é alienante e de baixa qualidade, então também o serão nossas decisões de
consumo. Se nosso trabalho está sujeito ao controle hierárquico e de natureza servil, então não
podemos esperar nossas decisões de consumo totalmente racionais - na verdade, elas podem se
tornar uma tentativa de encontrar a felicidade por meio das compras, uma atividade
autodestrutiva, pois o consumo não pode resolver um problema criado na produção. Assim, o
consumismo desenfreado pode ser o resultado do capitalismo“Eficiência” e, portanto, a objeção
contra a produção socialmente consciente é uma petição de princípio.

É claro que, assim como a escassez absoluta, os preços sob o capitalismo também refletem a
escassez relativa (enquanto no longo prazo, os preços de mercado tendem ao seu preço de
produção mais um mark-up baseado no grau de monopólio em um mercado, nos preços de curto
prazo pode mudar como resultado de mudanças na oferta e demanda). Como uma sociedade
comunista poderia levar em consideração essas mudanças de curto prazo e comunicá-las por
toda a economia é discutido na seção I.4.5 (“E quanto à 'oferta e demanda' ?”). Desnecessário
dizer que as decisões de produção e investimento baseadas em tal análise de custo-benefício
levariam em consideração a situação atual de produção e, portanto, a escassez relativa de bens
específicos.

Portanto, uma sociedade comunista-anarquista seria baseada em uma rede de sindicatos que
comunicam informações entre si. Em vez do “preço”sendo comunicados entre locais de trabalho
como no capitalismo, dados físicos reais serão enviados. Esses dados são um resumo dos valores
de uso do bem (por exemplo, tempo de trabalho e energia usada para produzi-lo, detalhes de
poluição, escassez relativa e assim por diante). Com essas informações, uma análise de custo-
benefício será conduzida para determinar qual bem será melhor usar em uma determinada
situação com base em valores comuns mutuamente acordados. Os dados para um determinado
local de trabalho podem ser comparados com a indústria como um todo (como confederações de
sindicatos coletariam e produziriam tais informações - consulte a seção I.3.5) a fim de determinar
se um local de trabalho específico produzirá com eficiência os bens necessários (este sistema
tem a vantagem adicional de indicar quais locais de trabalho requerem investimento para alinhá-
los, ou melhorar, a média industrial em termos de condições de trabalho, horas trabalhadas, etc.).
Além disso, regras comuns seriam possivelmente acordadas, como acordos para não usar
materiais escassos, a menos que não haja alternativa (sejam aqueles que usam muito trabalho,
energia e tempo para produzir ou aqueles cuja demanda está atualmente excedendo a
capacidade de fornecimento) .

Da mesma forma, ao fazer o pedido de bens, o sindicato, comuna ou indivíduo envolvido terá que
informar ao sindicato por que isso é necessário, a fim de permitir que o sindicato determine se
deseja produzir o bem e para que possa priorizar os pedidos que recebe. Desta forma, o uso de
recursos pode ser orientado por considerações sociais e pedidos "irracionais" ignorados (por
exemplo, se um indivíduo "precisa" de um sindicato de construtores navais para construir um navio
para seu uso pessoal, os construtores navais podem não "precisar" ”construí-lo e, em vez disso,
constrói navios para o transporte de mercadorias). No entanto, em quase todos os casos de
consumo individual, essa informação não será necessária, pois as lojas comunitárias
encomendariam bens de consumo a granel, como fazem agora. Conseqüentemente, a economia
seria uma vasta rede de indivíduos e locais de trabalho que cooperam e o conhecimento disperso
que existe dentro de qualquer sociedade pode ter um bom efeito ( melhor efeito do que sob o
capitalismo porque não esconde os custos sociais e ecológicos na forma como os preços de
mercado (fazer e a cooperação eliminará o ciclo de negócios e seus problemas sociais
resultantes).

Portanto, as unidades de produção em uma sociedade social anarquista, em virtude de sua


autonomia dentro da associação, estão cientes do que é socialmente útil para elas produzirem e,
em virtude de seus vínculos com as comunas, também cientes do custo social (humano e
ecológico). dos recursos de que precisam para produzi-lo. Eles podem combinar esse
conhecimento, refletindo as prioridades sociais gerais, com seu conhecimento local das
circunstâncias detalhadas de seus locais de trabalho e comunidades para decidir como podem
usar melhor sua capacidade produtiva. Desta forma, a divisão do conhecimento dentro da
sociedade pode ser utilizada pelos sindicatos de forma eficaz, bem como superar as restrições na
comunicação do conhecimento impostas pelo mecanismo de preços.

Além disso, as unidades de produção, por sua associação dentro das confederações (ou Guildas),
garantem que haja uma comunicação eficaz entre elas. Daqui resulta um processo de
coordenação negociada entre iguais (ou seja, ligações e acordos horizontais) para as principais
decisões de investimento, aproximando assim a oferta e a procura e permitindo a coordenação
dos planos das várias unidades. Por meio desse processo de cooperação, as unidades de
produção podem reduzir a duplicação de esforços e, assim, reduzir o desperdício associado ao
sobreinvestimento (e, portanto, as irracionalidades das altas e baixas associadas ao mecanismo
de preços, que não fornece informações suficientes para permitir que os locais de trabalho de
forma eficiente coordenar seus planos - consulte a seção C.7.2).

Nem é preciso dizer que essa questão está relacionada à questão do “cálculo socialista” que
discutimos na seção I.1.2. Para esclarecer nossas idéias, apresentaremos um exemplo.
Considere dois processos de produção. O Método A requer 70 toneladas de aço e 60 toneladas
de concreto, enquanto o Método B requer 60 toneladas de aço e 70 toneladas de concreto. Qual
método deve ser preferido? Um dos métodos será mais econômico em termos de deixar mais
recursos disponíveis para outros usos do que o outro, mas para estabelecer qual precisamos
comparar as quantidades relevantes.

Os defensores do capitalismo argumentam que apenas os preços podem fornecer as informações


necessárias, pois são quantidades heterogêneas. Tanto o aço quanto o concreto têm um preço
(digamos US $ 10 por tonelada para aço e US $ 5 por tonelada para concreto). O método a
escolher é claramente B, pois tem um preço inferior ao A ($ 950 para B em comparação com $
1000 para A). No entanto, isso não nos diz realmente se B é o método de produção mais
econômico em termos de minimizar o desperdício e o uso de recursos, apenas nos diz qual custa
menos em termos de dinheiro.

Por que é isso? Simplesmente porque, como argumentamos na seção I.1.2, os preços não
refletem totalmente os custos sociais, econômicos e ecológicos. São influenciados pelo poder de
mercado, por exemplo, e geram externalidades, custos ambientais e de saúde que não se refletem
no preço. Com efeito, o repasse de custos sob a forma de externalidades e condições de trabalho
desumanas é, na verdade, recompensado no mercado, pois permite à empresa reduzir os seus
preços. No que diz respeito ao poder de mercado, isso tem uma influência maciça sobre os preços,
diretamente em termos de preços cobrados e indiretamente em termos de salários e condições
dos trabalhadores. Devido às barreiras naturais à entrada (ver seção C.4), os preços são mantidos
artificialmente altos pelo poder de mercado das grandes empresas. Por exemplo, o aço poderia,

Os custos salariais são, novamente, determinados pelo poder de barganha do trabalho e,


portanto, não refletem os custos reais em termos de saúde, personalidade e alienação que os
trabalhadores experimentam. Eles podem estar trabalhando em condições insalubres
simplesmente para sobreviver, com o desemprego ou a insegurança no trabalho dificultando suas
tentativas de melhorar suas condições ou de encontrar um novo emprego. Nem os custos sociais
e individuais de hierarquia e alienação são incluídos no preço, muito pelo contrário. Parece irônico
que uma economia que seus defensores afirmam atender às necessidades humanas (expressas
pelo dinheiro, é claro) ignore totalmente os indivíduos no local de trabalho, o lugar onde passam
a maior parte de suas horas de vigília na vida adulta.

Assim, os custos relativos de cada método de produção devem ser avaliados, mas o preço não
fornece, de fato, não pode fornecer uma indicação real de se um método é econômico no sentido
de realmente minimizar o uso de recursos. Os preços refletem alguns desses custos, é claro, mas
filtrados pelos efeitos do poder de mercado, da hierarquia e das externalidades, eles se tornam
cada vez menos precisos. A menos que você tome o termo "econômico" simplesmente para
significar "tem o menor custo no preço" em vez do sensato "tem o menor custo no uso de recursos,
impacto ecológico e sofrimento humano", você tem que aceitar que o mecanismo de preço não é
ótimo indicador de uso econômico.

Qual é a alternativa? Obviamente, os detalhes exatos serão trabalhados na prática pelos membros
de uma sociedade livre, mas podemos sugerir algumas idéias com base em nossos comentários
acima.

Ao avaliar os métodos de produção, devemos levar em consideração o maior número possível de


custos sociais e ecológicos e estes devem ser avaliados. Os custos que serão levados em
consideração, é claro, serão decididos pelos envolvidos, assim como o quão importantes eles são
em relação uns aos outros (ou seja, como eles são ponderados). Além disso, é provável que eles
levem em consideração a conveniência do trabalho realizado para indicar o desperdício potencial
de tempo humano envolvido na produção (ver seção I.4.13 para uma discussão de como a
conveniência da atividade produtiva pode ser indicada em uma sociedade anarquista ) A lógica
por trás disso é simples, um recurso que as pessoas gostam de produzir será um uso melhor do
recurso assustador do tempo de um indivíduo do que aquele que as pessoas odeiam produzir.

Assim, por exemplo, o aço pode levar 3 horas por pessoa para produzir uma tonelada, produzir
200 metros cúbicos de gás residual, 2.000 quilo-joules de energia e ter excelentes condições de
trabalho. O concreto, por outro lado, pode levar 4 horas-pessoa para produzir uma tonelada,
produzir 300 metros cúbicos de gás residual, usar 1000 quilo-joules de energia e ter condições de
trabalho perigosas devido à poeira. Qual seria o melhor método? Assumindo que cada fator tem
o mesmo peso, obviamente o Método A é o melhor método, pois produz o menor impacto
ecológico e tem o ambiente de trabalho mais seguro - o custo de energia mais alto é compensado
por outros fatores mais importantes.

Quais fatores levar em consideração e como ponderá-los no processo de tomada de decisão


serão avaliados e revisados constantemente para garantir que reflitam os custos reais e as
preocupações sociais. Além disso, ferramentas de contabilidade simples podem ser criadas (como
uma planilha ou programa de computador) que toma os fatores decididos como entradas e retorna
uma análise de custo-benefício das escolhas disponíveis.

Portanto, a afirmação de que o comunismo não pode avaliar diferentes métodos de produção
devido à falta de preços é imprecisa. De fato, um olhar para o mercado capitalista real - marcado
como é por diferenças de barganha e poder de mercado, externalidades e trabalho assalariado -
logo mostra que as alegações de que os preços refletem os custos com precisão simplesmente
não são precisas.

Um último ponto sobre este assunto. Como os anarquistas sociais consideram importante
encorajar todos a participarem das decisões que afetam suas vidas, seria papel das
confederações comunais determinar o valor dos pontos relativos de determinados insumos e
produtos. Desta forma, todos os indivíduos de uma comunidade determinam como sua sociedade
se desenvolve, garantindo que a atividade econômica seja responsável pelas necessidades
sociais e leve em consideração os desejos de todos os afetados pela produção. Desta forma, os
problemas associados ao “Paradoxo do Isolamento” (ver seção B.6) podem ser superados e o
consumo e a produção podem ser harmonizados com as necessidades dos indivíduos como
membros da sociedade e do meio ambiente em que vivem.

E quanto à “oferta e demanda” ?


Os anarquistas não ignoram os fatos da vida, ou seja, que em um dado momento há tanto um certo
bem produzido e tanto se deseja consumir ou usar. Também não negamos que diferentes indivíduos
têm interesses e gostos diferentes. No entanto, isso não é o que geralmente se entende por "oferta e
demanda". Freqüentemente, no debate econômico geral, essa fórmula recebe uma certa qualidade
mítica que ignora as realidades subjacentes que ela reflete, bem como algumas implicações
prejudiciais da teoria. Portanto, antes de discutir “oferta e demanda” em uma sociedade anarquista,
vale a pena fazer alguns comentários sobre a “lei da oferta e demanda” em geral.

Em primeiro lugar, como EP Thompson argumenta, "oferta e demanda" promove“A noção de que os
preços altos eram um (doloroso) remédio para a escassez, ao atrair suprimentos para a aflita região
de escassez. Mas o que atrai a oferta não são os preços altos, mas dinheiro suficiente em suas bolsas
para pagar preços altos. Um fenômeno característico em tempos de escassez é que gera desemprego
e buscas vazias; na compra de artigos de primeira necessidade a preços inflacionados, as pessoas
deixam de ser capazes de comprar itens desnecessários [causando desemprego] ... Portanto, o
número de pessoas capazes de pagar os preços inflacionados diminui nas regiões aflitas, e os
alimentos podem ser exportados para regiões vizinhas, menos aflitas onde o emprego está se
mantendo e os consumidores ainda têm dinheiro para pagar. Nesta sequência, os preços altos podem,
na verdade, retirar o abastecimento da área mais afetada. ” [ Costumes em comum , pp. 283-4]

Portanto, “a lei da oferta e da demanda” pode não ser o meio “mais eficiente” de distribuição em uma
sociedade baseada na desigualdade. Isso se reflete claramente no “racionamento” por bolsa em que
este sistema se baseia. Enquanto nos livros de economia, o preço é o meio pelo qual os recursos
assustadores são “racionados”, na realidade, isso cria muitos erros. Adam Smith argumentou que os
preços altos desestimulam o consumo, colocando "todos mais ou menos, mas particularmente as
classes inferiores das pessoas, sob controle e boa administração". [citado por Thompson, op. Cit. , p.
284] No entanto, como Thompson observa,“[E] o quanto seja persuasiva a metáfora, há uma elisão
das relações reais atribuídas pelo preço, o que sugere ... prestidigitação ideológica. O racionamento
por preço não aloca recursos igualmente entre os necessitados; ele reserva o suprimento para aqueles
que podem pagar o preço e exclui aqueles que não podem ... O aumento dos preços durante a
escassez poderia 'racioná-los' [os pobres] para fora do mercado. ” [ Op. Cit. , p. 285]

Em outras palavras, o mercado não pode ser isolado e abstraído da rede de relações políticas, sociais
e jurídicas em que está inserido. Isso significa que tudo o que “oferta e demanda” nos diz é que quem
tem dinheiro pode exigir mais e ser suprido com mais do que quem não tem. Se este é o resultado
“mais eficiente” para a sociedade, não pode ser determinado (a menos, é claro, que você assuma que
as pessoas ricas são mais valiosas do que as da classe trabalhadora porque são ricas). Isso tem um
efeito óbvio sobre a produção, com a “demanda efetiva” distorcendo a atividade econômica. Como nota
Chomsky,“Quem tem mais dinheiro tende a consumir mais, por motivos óbvios. Portanto, o consumo
é direcionado para luxos para os ricos, ao invés de necessidades para os pobres. ” George Barrett traz
para casa o mal de uma forma de produção "distorcida" :

“Hoje a luta é competir pelos maiores lucros. Se há mais lucro a ser obtido em satisfazer o capricho
passageiro de minha senhora do que alimentar crianças famintas, então a competição nos leva a uma
pressa febril para fornecer o primeiro, enquanto a caridade fria ou a pobre lei podem fornecer o último,
ou deixá-lo sem fornecimento , assim como parece disposto. É assim que funciona. ” [ Objeções ao
anarquismo ]

Portanto, no que diz respeito a “oferta e demanda” , os anarquistas estão bem cientes da necessidade
de criar e distribuir bens necessários para aqueles que os necessitam. Isso, entretanto, não pode ser
alcançado sob o capitalismo. De fato, a oferta e a demanda sob o capitalismo resultam em quem tem
mais dinheiro determinando o que é uma alocação “eficiente” de recursos, pois se o lucro financeiro
for a única consideração para a alocação de recursos, então os ricos podem superar os pobres e
garantir os maiores retornos. Os menos ricos podem viver sem.

No entanto, a questão permanece: como, em uma sociedade anarquista, você sabe que mão de obra
e materiais valiosos podem ser melhor empregados em outro lugar? Como os trabalhadores julgam
quais ferramentas são mais apropriadas? Como eles decidem entre os diferentes materiais se todos
atendem às especificações técnicas? Quão importantes são alguns bens do que outros? Qual a
importância do celofane em comparação com os sacos do aspirador de pó?

São respostas como essas que os defensores do mercado afirmam que seu sistema responde. No
entanto, como indicado, ele os responde de maneiras irracionais e desumanizantes sob o capitalismo,
mas a questão é: pode o anarquismo respondê-los? Sim, embora a maneira como isso é feito varie
entre os segmentos anarquistas. Em uma economia mutualista, baseada no trabalho independente e
cooperativo, as diferenças de riqueza seriam amplamente reduzidas, garantindo que os aspectos
irracionais do mercado que existem dentro do capitalismo fossem minimizados. O funcionamento da
oferta e da demanda proporcionaria um resultado mais justo do que no sistema atual.
No entanto, anarquistas coletivistas, sindicalistas e comunistas rejeitam o mercado. Essa rejeição
frequentemente implica, para alguns, planejamento central. Como afirma o socialista de mercado David
Schweickart, “se as considerações de lucro não ditarem o uso de recursos e as técnicas de produção,
então a direção central deve fazê-lo. Se o lucro não é o objetivo de uma organização produtiva, então
a produção física (valores de uso) deve ser. ” [ Contra o capitalismo , p. 86]

No entanto, Schweickart está errado. As ligações horizontais não precisam ser baseadas no mercado
e a cooperação entre indivíduos e grupos não precisa ser hierárquica. O que está implícito neste
comentário é que existem apenas duas maneiras de se relacionar com os outros - a saber, por suborno
ou por autoridade. Em outras palavras, seja por prostituição (puramente em dinheiro) ou por hierarquia
(forma do Estado, exército ou local de trabalho capitalista). Mas as pessoas se relacionam de outras
maneiras, como amizade, amor, solidariedade, ajuda mútua e assim por diante. Assim, você pode
ajudar ou associar-se a outras pessoas sem precisar ser obrigado a fazê-lo ou sendo pago em dinheiro
para fazê-lo - fazemos isso o tempo todo. Vocês podem trabalhar juntos porque, ao fazer isso, você
beneficia a si mesmo e a outra pessoa. Esta é a verdadeira via comunista, a da ajuda mútua e do livre
acordo.

Portanto, Schweickart está ignorando a grande maioria das relações em qualquer sociedade. Por
exemplo, amor / atração é um vínculo horizontal entre dois indivíduos autônomos e as considerações
de lucro não fazem parte do relacionamento. Assim, os anarquistas argumentam que o argumento de
Schweickart é falho, pois falha em reconhecer que o uso de recursos e as técnicas de produção podem
ser organizadas em termos de necessidade humana e livre acordo entre os atores econômicos, sem
lucros ou comando central. Este sistema não significa que todos devemos amar uns aos outros (um
desejo impossível). Em vez disso, significa que reconhecemos que, ao cooperar voluntariamente como
iguais, garantimos que permanecemos indivíduos livres e que podemos obter as vantagens de
compartilhar recursos e trabalho (por exemplo, redução do dia e da semana de trabalho, trabalho
autogestionário em condições de trabalho seguras e higiênicas e livre seleção do produto por toda uma
sociedade). Em outras palavras, um interesse próprio que excede o estreito e empobrecido“Egoísmo”
da sociedade capitalista. Nas palavras de John O'Neil:

“[F] ou são as próprias instituições que definem o que conta como interesses. Em particular, o mercado
incentiva o egoísmo, não principalmente porque incentiva um indivíduo a ser "egoísta" - seria irrealista
não esperar que os indivíduos agissem em sua maior parte de maneira "egoísta" - mas sim porque
isso define os interesses de um indivíduo de uma forma particularmente restrita, principalmente em
termos de posse de certos bens materiais. Em conseqüência, onde o mecanismo de mercado entra
em uma esfera particular da vida, a busca de bens fora desta faixa estreita de bens de mercado é
institucionalmente definida como um ato de altruísmo. ” [ O mercado , p. 158]

Assim, o livre acordo e os vínculos horizontais não se limitam às transações de mercado - eles se
desenvolvem por inúmeras razões e os anarquistas reconhecem isso. Como George Barret argumenta:

“Imaginemos agora que ocorreu a grande revolta dos trabalhadores, que sua ação direta os tornou
donos da situação. Não é fácil ver que algum homem em uma rua que passou fome logo traçaria uma
lista dos pães de que precisava e a levaria para a padaria onde os grevistas estavam com a posse?
Existe alguma dificuldade em supor que a quantidade necessária seria então cozida de acordo com
esta lista? A essa altura, os padeiros saberiam quais carrinhos e vans de entrega eram necessários
para enviar o pão ao povo, e se eles informassem os carroceiros e caminhoneiros disso, eles não
fariam o possível para fornecer os veículos ... Se. .. [os padeiros precisavam] de mais bancos [para
fazer pão] ... os carpinteiros os forneceriam [e assim por diante] ... Assim, a continuidade sem fim
continua - uma interdependência bem equilibrada de partes garantida,a necessidade é a força motriz
por trás de tudo ... Da mesma forma que cada indivíduo livre se associa com seus irmãos [e irmãs]
para produzir pão, máquinas e tudo o que é necessário para a vida, movido por nenhuma outra força
que seu desejo para o pleno gozo da vida, de modo que cada instituição é livre e independente, e
coopera e faz acordos com outras porque, ao fazê-lo, estende suas próprias possibilidades. Não existe
um Estado centralizado explorando ou ditando, mas a estrutura completa é sustentada porque cada
parte depende do todo ... Será uma sociedade que responde às necessidades do povo; suprirá suas
necessidades diárias com a mesma rapidez com que atenderá às suas aspirações mais elevadas.
Suas formas mutáveis serão as expressões passageiras da humanidade. ” [A Revolução Anarquista ,
pp. 17-19]

Para tomar decisões produtivas, precisamos saber o que os outros precisam e informações para avaliar
as opções alternativas disponíveis para nós para satisfazer essa necessidade. Portanto, é uma questão
de distribuir informações entre produtores e consumidores, informações que o mercado muitas vezes
oculta (ou bloqueia ativamente) ou distorce devido às desigualdades de recursos (ou seja, a
necessidade não conta no mercado, a "demanda efetiva" sim e isso distorce o mercado a favor dos
ricos). Esta rede de informações foi parcialmente discutida na última seção, onde um método de
comparação entre diferentes materiais, técnicas e recursos com base no valor de uso foi discutido. No
entanto, é necessário indicar a necessidade de indicar as flutuações atuais da produção e do consumo,
o que complementa esse método.

Em um sistema anarquista não Mutualista, presume-se que as confederações de sindicatos desejarão


ajustar sua capacidade se estiverem cientes da necessidade de fazê-lo. Conseqüentemente, as
mudanças de preços em resposta às mudanças na demanda não seriam necessárias para fornecer a
informação de que tais mudanças são necessárias. Isso ocorre porque um“A mudança na demanda
torna-se primeiro aparente como uma mudança na quantidade sendo vendida a preços existentes [ou
sendo consumida em um sistema sem dinheiro] e, portanto, é refletida em mudanças nos estoques ou
pedidos. Essas mudanças são indicadores ou sinais perfeitamente bons de que se desenvolveu um
desequilíbrio entre a demanda e a produção corrente. Se uma mudança na demanda por seus produtos
provasse ser permanente, uma unidade de produção encontraria seus estoques diminuindo e sua
carteira de pedidos aumentando, ou seus estoques aumentando e os pedidos caindo ... Mudanças de
preços em resposta às mudanças na demanda, portanto, não necessário para o propósito de fornecer
informações sobre a necessidade de ajustar a capacidade. ” [Pat Devine, Democracy and Economic
Planning , p. 242]

Para indicar as mudanças relativas na escassez de um determinado bem, será necessário calcular um
"índice de escassez".Isso informaria aos usuários potenciais desse bem se sua demanda está
ultrapassando seu fornecimento, de modo que eles possam ajustar efetivamente suas decisões à luz
das decisões de terceiros. Esse índice poderia ser, por exemplo, um valor percentual que indica a
relação dos pedidos feitos para uma mercadoria com a quantidade efetivamente produzida. Por
exemplo, um bem que tem uma demanda superior à sua oferta teria um valor de índice de 101% ou
superior. Este valor informaria os usuários em potencial para começar a procurar substitutos para ele
ou economizar em seu uso. Essa cifra de escassez existiria para cada coletivo, bem como
(possivelmente) uma cifra generalizada para a indústria como um todo em nível regional, “nacional”
etc.

Dessa forma, um determinado bem poderia ser visto como tendo alta demanda e apenas os produtores
que realmente o necessitassem fariam os pedidos (garantindo assim o uso efetivo dos recursos).
Desnecessário dizer que os níveis de estoque e outras técnicas básicas de contabilidade seriam
utilizados para garantir a existência de um nível de proteção adequado para um bem específico. Isso
pode resultar em algum excesso de oferta de bens sendo produzido e usado como estoque para
amortecer mudanças inesperadas na demanda agregada por um bem.

Esse sistema de buffer funcionaria em um nível de local de trabalho individual e em um nível


comunitário. Os sindicatos obviamente teriam seus estoques, estoques de matérias-primas e produtos
acabados “na prateleira”, que podem ser usados para atender aos excessos de demanda. Lojas
comunitárias, hospitais e assim por diante teriam seus estoques de suprimentos em caso de
interrupções inesperadas no fornecimento. Esta é uma prática comum mesmo no capitalismo, embora
(talvez) fosse estendida em uma sociedade livre para garantir que mudanças na oferta e demanda não
tenham efeitos perturbadores.

As comunas e confederações de comunas também podem criar estoques intermediários de bens para
lidar com mudanças imprevistas na demanda e na oferta. Esse tipo de estoque tem sido usado por
países capitalistas como os Estados Unidos para evitar mudanças nas condições de mercado de
produtos agrícolas e outras matérias-primas estratégicas, que geram movimentos violentos de preços
à vista e inflação. O economista pós-keynesiano Paul Davidson argumentou que a estabilidade dos
preços das commodities que isso produziu "foi um aspecto essencial do crescimento econômico
próspero sem precedentes da economia mundial" entre 1945 e 1972. O presidente dos EUA Nixon
desmantelou esses programas de zona tampão, resultando em "commodities violentas flutuações de
preços ”, que tiveram graves efeitos econômicos. [ Controvérsias na Economia Pós-Keynesiana, p. 114
e p. 115]

Mais uma vez, é provável que uma sociedade anarquista utilize este tipo de sistema de amortecimento
para eliminar mudanças de curto prazo na oferta e demanda. Ao reduzir as flutuações de curto prazo
da oferta de commodities, as más decisões de investimento seriam reduzidas, uma vez que os
sindicatos não seriam enganados, como é o caso no capitalismo, por os preços de mercado serem
muito altos ou muito baixos no momento em que as decisões estão sendo tomadas . De fato, se os
preços de mercado não estão em seu nível de equilíbrio, eles não fornecem (e não podem) fornecer
conhecimento adequado para o cálculo racional. A desinformação transmitida por preços em
desequilíbrio pode causar distorções macroeconômicas muito substanciais, visto que os capitalistas
que maximizam o lucro respondem a preços insustentáveis de, digamos, estanho, e investem
excessivamente em um determinado ramo da indústria. Esse mal-investimento pode se espalhar pela
economia, causando caos e recessão.

Isso, combinado com a análise de custo-benefício descrita na seção I.4.4, permitiria que as
informações sobre as mudanças dentro da "economia" se propagassem rapidamente por todo o
sistema e influenciassem todos os tomadores de decisão sem que a grande maioria soubesse nada
sobre as causas originais dessas mudanças (que dependem das decisões dos diretamente afetados).
A informação relevante é comunicada a todos os envolvidos, sem ter que ser solicitada por um
"onisciente"corpo central como em uma economia de planejamento central leninista. Como
argumentado na seção I.1.2, os anarquistas perceberam há muito tempo que nenhum órgão
centralizado poderia ser capaz de possuir todas as informações dispersas por toda a economia e se
tal órgão tentasse fazer isso, a burocracia resultante efetivamente reduziria a quantidade de informação
disponível para a sociedade e, assim, causar escassez e ineficiências.

Para se ter uma ideia de como esse sistema poderia funcionar, vejamos o exemplo de uma mudança
na indústria do cobre. Suponhamos que uma fonte de cobre seque inesperadamente ou, o que dá no
mesmo, que a demanda por cobre aumente. O que aconteceria?

Em primeiro lugar, a diferença inicial seria uma diminuição dos estoques de cobre que cada consórcio
mantém para levar em consideração mudanças inesperadas nos pedidos de cobre. Isso ajudaria a
“amortecer” as mudanças esperadas e de curta duração no fornecimento ou nas solicitações. Em
segundo lugar, naturalmente, há um aumento na demanda por cobre para os sindicatos que o estão
produzindo. Isso aumenta imediatamente o “índice de escassez” dessas empresas e, portanto, o
“índice de escassez” do cobre que produzem e da indústria como um todo. Por exemplo, o índice pode
subir de 95% (indicando uma ligeira superprodução em relação à demanda atual) para 115%
(indicando que a demanda por cobre aumentou em relação ao nível atual de produção).

Esta mudança no “índice de escassez” (combinada com as dificuldades em encontrar sindicatos


produtores de cobre que possam atender seus pedidos) entra nos algoritmos de tomada de decisão
de outros sindicatos. Isso, por sua vez, resulta em mudanças em seus planos (por exemplo, substitutos
para o cobre podem ser usados, pois eles se tornaram um recurso mais eficiente para uso).
Isso ajudaria um sindicato ao determinar qual método de produção usar ao criar um bem de consumo.
A análise de custo-benefício delineada na última seção permitiria a um consórcio determinar os custos
envolvidos entre técnicas produtivas concorrentes (ou seja, para determinar qual consumiu menos
recursos e, portanto, deixou a maior parte para outros usos). Os produtores já teriam uma ideia dos
custos absolutos envolvidos em qualquer bem que planejam usar, portanto, as mudanças relativas
entre eles seriam um fator decisivo.

Desta forma, os pedidos de produtos de cobre caem e logo refletem apenas aqueles pedidos que
precisam de cobre e não têm substitutos realistas disponíveis para ele. Isso resultaria na queda da
demanda em relação à oferta atual (conforme indicado por solicitações de outros sindicatos e para
manter os níveis de estoque regulador). Assim, uma mensagem geral foi enviada por toda a “economia”
de que o cobre se tornou (relativamente) assustador e os planos dos sindicatos mudaram à luz dessas
informações. Nenhum planejador central tomou essas decisões nem foi necessário dinheiro para
facilitá-las. Temos um sistema descentralizado e não mercantil baseado na livre troca de produtos
entre associações autônomas.

Olhando para o quadro mais amplo, a questão de como responder a esta mudança no fornecimento /
pedidos de cobre se apresenta. A federação do sindicato do cobre e as federações do sindicato
interprofissional têm reuniões regulares e a questão das mudanças na situação do cobre se apresenta.
Os sindicatos de cobre e sua federação devem considerar como responder a essas mudanças. Parte
disso é para determinar se essa mudança provavelmente será de curto ou longo prazo. Uma mudança
de curto prazo (digamos, causada por um acidente de mina, por exemplo) não exigiria o planejamento
de novos investimentos. No entanto, mudanças de longo prazo (digamos que as novas solicitações
sejam devido a um novo produto sendo criado por outro consórcio ou uma mina existente se
esgotando) podem precisar de investimento coordenado (podemos esperar que os consorciados façam
seus próprios planos em função das mudanças, para exemplo, investindo em novas máquinas para
produzir cobre de forma mais eficiente ou para aumentar a eficiência). Se as mudanças esperadas
desses planos forem aproximadamente iguais às mudanças previstas de longo prazo, a federação não
precisa agir. No entanto, se o fizerem, podem ser necessários investimentos em novas minas de cobre
ou novos investimentos em grande escala em toda a indústria. A federação iria propor tais planos.

Desnecessário dizer que o futuro pode ser adivinhado, não pode ser previsto com precisão. Portanto,
pode haver excesso de investimento em certas indústrias, visto que as mudanças esperadas não se
materializam. No entanto, ao contrário do capitalismo, isso não resultaria em uma crise econômica
porque a produção continuaria (com excesso de investimento dentro do capitalismo, locais de trabalho
fechando devido à falta de lucros, independentemente da necessidade social). Tudo o que aconteceria
é que os sindicatos racionalizariam a produção, fechavam fábricas relativamente ineficientes e
concentravam a produção nas mais eficientes. As amplas crises econômicas do capitalismo seriam
uma coisa do passado.

Portanto, cada sindicato recebe seus próprios pedidos e suprimentos e envia seus próprios produtos.
Da mesma forma, os centros de distribuição comunais solicitariam os produtos necessários dos
sindicatos que determinar. Desta forma, os consumidores podem mudar para sindicatos que
respondem às suas necessidades e assim as unidades de produção estão cientes do que é
socialmente útil para elas produzir, bem como do custo social dos recursos de que necessitam para
produzi-lo. Desta forma, uma rede de relações horizontais espalhadas pela sociedade, com a
coordenação alcançada pela igualdade de associação e não pela hierarquia da estrutura corporativa.
Este sistema garante uma resposta cooperativa às mudanças na oferta e demanda e, assim, reduz os
problemas de comunicação associados com o mercado que ajudam a causar períodos de desemprego
e retração econômica (ver seção C.7.2).

Embora os anarquistas estejam cientes do "paradoxo do isolamento" (ver seção B.6), isso não significa
que eles acham que a comuna deve tomar decisões para pessoas sobre o que deveriam consumir.
Isso seria uma prisão. Não, todos os anarquistas concordam que depende do indivíduo determinar
suas próprias necessidades e dos coletivos aos quais se juntam determinar os requisitos sociais como
parques, melhorias de infraestrutura e assim por diante. No entanto, os anarquistas sociais pensam
que seria benéfico discutir a estrutura em torno da qual essas decisões seriam tomadas. Isso
significaria, por exemplo, que as comunas concordariam em produzir produtos ecologicamente
corretos, reduzir o desperdício e geralmente tomar decisões enriquecidas pela interação social. Os
indivíduos ainda decidiriam que tipo de bens desejam, com base no que os coletivos produzem, mas
esses bens seriam baseados em uma agenda socialmente acordada. Desta forma, resíduos, poluição
e outras "externalidades"de consumo atomizado poderia ser reduzido. Por exemplo, embora seja
racional para os indivíduos dirigir um carro para o trabalho, coletivamente isso resulta em
irracionalidade massiva (por exemplo, engarrafamentos, poluição, doenças, infraestruturas sociais
desagradáveis). Uma sociedade sã discutiria os problemas associados ao uso do carro e concordaria
em produzir uma rede de transporte público totalmente integrada que reduziria a poluição, o estresse,
as doenças e assim por diante.

Portanto, embora os anarquistas reconheçam os gostos e desejos individuais, eles também estão
cientes do impacto social deles e, portanto, tentam criar um ambiente social onde os indivíduos possam
enriquecer suas decisões pessoais com a entrada das idéias de outras pessoas.

Sobre um assunto relacionado, é óbvio que diferentes coletivos produziriam bens ligeiramente
diferentes, garantindo assim que as pessoas tivessem uma escolha. É duvidoso que o desperdício
atual implícito em vários produtos de diferentes empresas (às vezes a mesma empresa), todos fazendo
o mesmo trabalho, continuaria em uma sociedade anarquista. No entanto, a produção será "variações
sobre um tema"a fim de garantir a escolha do consumidor e permitir aos produtores saber quais as
características que os consumidores preferem. Seria impossível sentar de antemão e fazer uma lista
de quais características um bem deve ter - isso pressupõe um conhecimento perfeito e que a tecnologia
é razoavelmente constante. Essas duas suposições são de uso limitado na vida real. Portanto, as
cooperativas produziriam bens com características diferentes e a produção mudaria para atender à
demanda que essas diferenças sugerem (por exemplo, a fábrica A produz um novo CD player, e os
padrões de consumo indicam que este é popular e assim o resto das fábricas convertem ) Isso é além
de experimentos de P&D e populações de teste. Desta forma, a escolha do consumidor seria mantida,

Portanto, os anarquistas não ignoram "oferta e demanda". Em vez disso, eles reconhecem as
limitações da versão capitalista desse truísmo e apontam que o capitalismo é baseado na demanda
efetiva que não tem base necessária para o uso eficiente dos recursos. Em vez do mercado, os
anarquistas sociais defendem um sistema baseado em ligações horizontais entre produtores que
efetivamente comunica informações através da sociedade sobre as mudanças relativas na oferta e
demanda que refletem as necessidades reais da sociedade e não os saldos bancários. A resposta às
mudanças na oferta e demanda será discutida na seção I.4.8 ( E as decisões de investimento? ” ) E
na seção I.4.13 ( “ Quem fará o trabalho sujo ou desagradável? ”) irá discutir a atribuição de tarefas de
trabalho.

Cálculo Econômico na Comunidade Corporativa


Kevin Carson

As linhas gerais do argumento de Ludwig von Mises do cálculo racional são bem conhecidas.
Um mercado para fatores de produção é necessário para precificar fatores de produção de forma que
um planejador possa alocá-los racionalmente. O problema não tem nada a ver com o volume de dados
nem com problemas de repartição. A questão é ao invés, como Peter Klein coloca, é "como o diretor
sabe o que falar para o comissário fazer?".
Esse argumento do cálculo pode ser aplicado não só para uma economia centralmente
planificada, mas também para o planejamento interno das grandes corporações sob o
intervencionismo, ou capitalismo de Estado. (Por capitalismo de Estado eu me refiro aos meios através
dos quais, como Murray Rothbard disse, "nosso Estado corporativo utiliza o poder coercivo de
tributação tanto para acumular capital corporativo quanto reduzir custos corporativos," além de
cartelizar mercados através de regulações, impingir direitos de propriedade artificiais como
"propriedade intelectual", e proteger de outras formas o privilégio contra a competição).
Rothbard desenvolveu o argumento do cálculo econômico bem dessa forma. Ele argumentou que
quanto mais removida a precificação interna de uma corporação dos preços reais de mercado, mais a
alocação interna de recursos seria caracterizada pelo caos calculacional.
O argumento de Mises do cálculo econômico pode ser aplicado para grandes corporações —
ambas sob o capitalismo de Estado e em alguma medida sob o livre mercado — de outra forma não
levada em conta por Rothbard. A causa básica do caos calculacional, como Mises o compreendia, era
a separação do conhecimento técnico do empresarial e a tentativa de tornar as decisões de produção
baseadas apenas em considerações técnicas, sem incluir considerações empresariais como a
precificação de fatores de produção. Mas o princípio também funciona do outro lado: decisões de
produção baseadas unicamente nos preços de insumos e produtos, sem levar em conta os detalhes
da produção (a prática típica dos MBAs de considerar apenas as finanças e o marketing, enquanto
tratam o processo de produção como uma caixa preta), também resultam em caos calculacional.
O foco principal desse artigo, entretanto, é o argumento do cálculo econômico de Mises sob a
luz da informação dispersa. Hayek, em "O Uso do Conhecimento na Sociedade", levantou um novo
problema: não apenas a geração ou fonte de dados, mas o próprio volume de dados a serem
processados. Ao proceder assim, ele é comumente compreendido como tendo aberto um segundo
front na guerra de Mises contra o planejamento estatal. Mas de fato seu argumento foi quase tão
prejudicial quanto o de Mises para os coletivistas.
"Rothbard argumentou que quanto mais removida a precificação interna de uma
corporação dos preços reais de mercado, mais a alocação interna de recursos seria
caracterizada pelo caos calculacional."
Mises minimizou a importância da informação dispersa em suas próprias críticas ao
planejamento estatal. Ele negava qualquer correlação entre burocratização e larga escala em si. A
burocracia assim era uma abordagem particular baseada em regras para o processo de decisão, em
contraste com o comportamento empreendedor guiado pelo lucro. A firma privada, então, era por
definição imune do problema da burocracia.
Ao argumentar dessa forma, ele ignorou os problemas de informação e coordenação inerentes
à larga escala. A grande corporação necessariamente distribui o conhecimento relevante para decisões
empreendedoras informadas entre vários departamentos e sub-departamentos até que o custo de
agregar tal conhecimento ultrapasse os benefícios da larga escala.
Tentando como quisesse Mises não seria capaz de imunizar a corporação capitalista do
problema da burocracia. Não se pode definir a burocracia como inexistente, ou superar o problema do
conhecimento disperso, simplesmente ao usar a palavra "empreendedor". Mises tentou reduzir o
caráter burocrático ou não burocrático de uma organização a um simples assunto de seus objetivos
organizacionais ao invés de seu funcionamento. A motivação do empregado de uma corporação, do
CEO até o peão, por definição será a busca pelo lucro; sua vontade estará em harmonia com a do
acionista porque ele pertence à organização do mesmo.
Ao definir metas organizacionais como "buscadoras de lucro", Mises — assim como os
neoclássicos — tratou os funcionamentos internos da organização como uma caixa preta. Ao tratar as
políticas internas da corporação capitalista como inerentemente movidas pelo lucro, Mises
simultaneamente tratou o empreendedor como um ator indivisível cuja percepção e sentimentos
permeiam toda a organização. O empreendedor de Mises era uma onipresença preenchedora, guiando
as ações de cada empregado do CEO ao zelador.
Ele via a separação da posse do controle, e os problemas de conhecimento e repartição
resultantes dela como largamente inexistentes. A invenção do método das partidas dobradas, que
tornou possível o cálculo de lucros e perdas em cada divisão separada do negócio, "aliviou o
empreendedor da necessidade de se envolver com muitos detalhes", escreve Mises em Ação
Humana. A única coisa necessária para transformar todo empregado de uma corporação, de CEO
para baixo, num perfeito instrumento de sua vontade seria a habilidade de monitorar o balancete de
qualquer divisão ou escritório e despedir o funcionário responsável pela tinta vermelha. Mises continua:
É o sistema contábil de partidas dobradas que torna possível o funcionamento de um sistema
gerencial. Graças a esse sistema contábil, o empresário tem condições de separar o cálculo de cada
setor da empresa de maneira a poder determinar sua participação na empresa como um todo... Nesse
sistema de contabilidade comercial, cada seção de uma empresa representa uma entidade completa,
como se fosse um negócio independente. Supõe-se que cada seção "possua" uma determinada parte
do capital da empresa, que compre e venda a outras seções, que tenha suas próprias receitas e
despesas, que seus procedimentos resultem em lucro ou prejuízo, imputáveis à sua própria direção
independentemente do resultado das outras seções. Desta forma, o empresário pode atribuir à
gerência de cada seção uma grande margem de autonomia. A única recomendação que faz a alguém
encarregado de dirigir um serviço específico é a e que, em sua gestão, realize o maior lucro possível.
Um exame da contabilidade mostra em que medida os gerentes foram bem sucedidos na realização
desse objetivo. Todo gerente e subgerente é responsável pelo bom funcionamento de sua seção ou
subseção... Seu próprio interesse o impele a dedicar a maior atenção e empenho à condução da seção
a seu cargo. Se incorrer em perdas, será substituído por outra pessoa de quem o empresário espera
uma melhor performance; ou então a seção será desativada.

Mercados de capital como mecanismos de controle


Mises também identificou mercados de capital externos como um mecanismo de controle
limitando a ponderação gerencial. Sobre a concepção popular dos acionistas como beneficiários
passivos face ao controle gerencial, ele escreveu:
Essa doutrina ignora completamente o papel que os mercados de capitais e monetário, a troca
de ações e títulos, os quais uma expressão idiomática chama apenas de "mercado", desempenha na
direção da firma corporativa... De fato, as mudanças nos preços de ações e títulos corporativos são os
meios aplicados pelos capitalistas para o controle supremo do fluxo de capital. A estrutura de preços
como é determinada pelas especulações nos mercados monetário e de capitais e nas grandes
negociações de mercadorias não apenas decide quanto capital está disponível para a conduta de cada
corporação; cria um estado de coisas ao qual os gerentes devem ajustar suas operações
detalhadamente.
Dificilmente alguém poderia imaginar o mais arrogante dos planejadores centrais estatais
sustentando uma visão mais otimista do potencial utópico do processamento de números.
"Ao definir metas organizacionais como "buscadoras de lucro", Mises — assim como os
neoclássicos — tratou os funcionamentos internos da organização como uma caixa
preta."
Peter Klein afirmou que isso prenunciava o tratamento de Henry Manne do mecanismo pelo
qual os empreendedores mantém controle da direção corporativa. Enquanto exista um mercado para
controle de corporações. A discrição da gerência será limitada até a ameaça de tomada hostil. Apesar
de a gerência possuir um grau amigável de autonomia administrativa, qualquer desvio significante da
maximização de lucros irá reduzir os preços das ações e levar o perigo de tomada externa à
corporação.
A questão, de qualquer forma, é se aquelas decisões de investimento — sejam elas gerência
veterana alocando capital dentre as divisões de uma corporação ou capitalistas financeiros externos
— possuem a informação necessária para avaliar o funcionamento interno das firmas e tomar decisões
apropriadas.
Até onde a alocação financeira do mundo real, do capitalismo de Estado, difere da gravura de
Mises é sugerido pela investigação de Robert Jackall em Moral Mazes sobre o funcionamento interno
de uma corporação (especialmente as notórias práticas de "fome" ou "ordenha", uma organização com
o objetivo de inflar os aparentes lucros de curto prazo). Se um lucro aparente é sustentável, ou um
efeito conjunto ilusório de destruição das boas sementes [1], é frequentemente um julgamento melhor
feito por aqueles diretamente envolvidos na produção. O puro cálculo monetário daqueles no topo não
é suficiente para uma avaliação válida de tais perguntas.
Um grande problema com o modelo de Mises de planejamento central empreendedor de
partidas dobradas é o seguinte: são normalmente as restrições irracionais impostas por alguém do
topo que resultam em tinta vermelha nos níveis mais baixos. Mas aqueles no topo da hierarquia se
recusam a reconhecer as amarras duplas nas quais colocam seus subordinados. "Negação plausível",
o fluxo descendente de responsabilidade e o fluxo ascendente de crédito, e a prática de atirar no
mensageiro por trazer notícias ruins, são o que lubrifica as engrenagens de qualquer grande
organização.
Quanto aos investidores externos, os participantes do mercado de capitais estão ainda mais
separados que a gerencia dos dados que necessitam para valorar a eficiência do uso de fatores dentro
da "caixa preta". Na prática, tomadas hostis tendem a gravitar ao redor de firmas com baixa bagagem
de dívidas e aparente pequenas margens de lucro de curto prazo. Os assaltantes corporativos são
mais capazes de cheirar sangue quando há a possibilidade de realizar uma aquisição com novas
dívidas e privá-la de seus ativos em troca de retornos de curto prazo. A melhor forma de evitar uma
tomada hostil, por outro lado, é realizar uma organização com dívidas e inflar os retornos de curto
prazo "ordenhando".
Outro problema, sob a perspectiva daqueles no topo, é determinar o significado da tinta preta
ou vermelha. Como o investidor de larga escala distingue perdas causadas pela gerência veterana ao
usar o sistema em favor de interesses próprios à custa da produtividade da organização de perdas que
ocorrem como efeitos normais do ciclo de negócios [2]? De todos os que rejeitavam a abordagem
econométrica neoclássica precisamente porque as variáveis eram muito complexas para serem
controladas, Mises deveria ter antecipado tais dificuldades.
A "brincadeira" gerencial pode ser muito bem uma resposta puramente defensiva a incentivos
estruturais, uma forma de desviar a pressão daqueles que acima cujo único interesse é maximizar
lucros aparentes sem levar em conta como poupanças de curto prazo podem resultar em perdas de
longo prazo. As práticas de organização de "fome" e "ordenha" que Jackall tanto explorou — adiar
custos de manutenção necessários, deixar o equipamento e a planta apodrecerem, e coisas do tipo,
para inflar o balancete trimestral — resultam dessa própria pressão, tão irracional quanto as pressões
que os gerentes de negócios Soviéticos enfrentavam do Gosplan.

Cultura Compartilhada

O problema é complicado quando a própria cultura organizacional — determinada pelas


necessidades do sistema gerencial — é compartilhada por todas as corporações numa indústria de
oligopólio induzido pelo Estado, de forma que o mesmo padrão de tinta vermelha apareça em toda a
indústria[3]. Ele é complicado ainda mais quando a atmosfera geral de capitalismo de Estado dá
condições às corporações numa indústria cartelizada para operarem no preto apesar do tamanho
excessivo e cultura interna disfuncional. Se torna impossível fazer uma estimativa válida de porque a
corporação é afinal lucrativa: será que a tinta preta é resultado da eficiência ou de algum grau de
proteção contra punições competitivas à ineficiência? Se as decisões dos MBAs de se engajarem em
tomada e ordenha de ativos, com interesses em lucratividade a curto prazo, resultam em danos de
longo prazo à saúde da empresa, elas serão mais capazes de serem incentivadas do que censuradas
pelos investidores e superiores. Afinal, eles estavam agindo de acordo com a sabedoria convencional
contida no Grande Manual do MBA, então não poderiam ter sido eles que causaram sua
desvalorização abrupta. Devem ter sido manchas solares ou algo assim.
"Como o investidor de larga escala distingue perdas causadas pela gerência veterana ao
usar o sistema em favor de interesses próprios à custa da produtividade da organização
de perdas que ocorrem como efeitos normais do ciclo de negócios?"
De fato, a comunidade financeira algumas vezes censura transgressões às normas da cultura
corporativa mesmo quando elas são bem sucedidas segundo medidas convencionais. As ações da
Costco caíram de valor, apesar da companhia ter sido melhor que a Wal-Mart nos lucros, graças a uma
resposta à publicidade adversa na comunidade empresarial sobre seus salários acima da média. O
analista Bill Dreher do Deutsche Bank lembrou debochadamente: "Na Costco, é melhor ser um
empregado ou freguês do que um acionista". Entretanto, no mundo dos investimentos baseados na
fé, a Wal-Mart "continua a princesa da Rua, a qual, assim como a Wal-Mart e muitas outras
companhias, acredita que os acionistas estão mais bem servidos se os empregadores fizerem tudo o
que puderem para cortar custos, incluindo custos de trabalho". (Business Week Online, 12 de Abril
de 2004).
Por outro lado, a gerência pode ser caprichosamente recompensada por derrubar uma
corporação, enquanto se acredite que se esteja fazendo tudo certo de acordo com as normas da cultura
corporativa. Numa história do New York Times que Digg aptamente intitulou "CEO da Home Depot
ganha 210 milhões de dólares de multa rescisória por ser ruim em seu emprego", foi noticiado que o
CEO Robert Nardelli, prestes a deixar a companhia, recebeu um grande pacote de desligamento
apesar de sua performance terrível. É até bom que ele não tenha aumentado muito os salários dos
empregados, ou então ele estaria comendo numa cozinha pública.
Como você pode esperar, os suspeitos usuais vieram para defender a honra de Nardelli. Um
artigo de Alan Murray no Wall Street Journal notou que ele tinha "mais do que dobrado... os ganhos".
Mas Tom Blummer, do BizzyBlog, cujas fontes por razões óbvias preferem se manter anônimas,
mostrou alguns fatos inconvenientes sobre como Nardelli alcançou tais ganhos crescentes:

● Sua consolidação de compras e muitas outras funções em Atlanta vindas de várias regiões
fizeram compradores perderem contato com seus vendedores...
● Demitir pessoas com conhecimento e experiência em favor de novatos desinformados e
funcionários de meio período reduziu a folha de pagamento bastante, mas eventualmente
afastou os clientes, e deu a companhia uma muito bem merecida reputação por realizar
serviços medíocres...
● Nardelli e seus asseclas modificaram qualquer contabilidade, compra, e deram qualquer
"jeitinho" que podiam para manter os números apresentáveis, enquanto deixavam o negócio
se deteriorar.

Num comentário seguinte direcionado a mim pessoalmente, Blummer forneceu esse pedaço
adicional de informação:
Eu descobri então que Nardelli, nos últimos meses antes de ir embora, tirou todo o centro de
compras de Atlanta e moveu para... a Índia — tudo para conseguir terceirização estrangeira.
Me disseram que "fora de contato" não é nem o começo para descrever como está agora entre as lojas
da Home Depot e o setor de compra, e entre o setor de compra e seus fornecedores.
Não só há uma barreira de linguagem, mas o setor de compras da Índia não conhece a "linguagem"
do hardware americano — ou mesmo metade das coisas que as lojas e fornecedores aqui descrevem.
Dizem-me que uma grande quantidade de tempo, dinheiro, e energia está sendo desperdiçada
— tudo em nome do que de todo jeito era apenas uma cota bônus por cortar funcionários e fazer as
despesas de G&A (gerais e administrativas) parecerem baixas ("parecerem" baixas porque as
despesas foram repassadas para as lojas e fornecedores).
Mais do que uma pessoa notou a similaridade, em seus efeitos distorcivos, dos incentivos
dentro do sistema de planejamento estatal Soviético e a economia corporativa Ocidental. Já notamos
a pressão sistêmica para criar a ilusão de lucros de curto prazo minando a produtividade a longo.
"Mais do que uma pessoa notou a similaridade, em seus efeitos distorcivos, dos
incentivos dentro do sistema de planejamento estatal Soviético e a economia
corporativa Ocidental."
Considere a previsão de Hayek de desenvolvimento irregular, irracionalidade, e má alocação
de recursos numa economia planificada ("Socialist Calculation II: The State of The Debate")[4]:
Não há razões para esperar que a produção pare, ou que as autoridades achem dificuldades em utilizar
de alguma forma todos os recursos disponíveis, ou mesmo que o produto seja permanentemente
inferior ao do período pré-planejamento... [Devemos esperar] o desenvolvimento excessivo de algumas
linhas de produção ás custas de outras e o uso de métodos que são inapropriados sob tais
circunstâncias. Devemos esperar super-desenvolvimento de algumas indústrias a um custo o qual não
é justificado pela importância de seu crescente produto e ver não checada a ambição do engenheiro
de aplicar seu último desenvolvimento em algum lugar, sem levar em conta se é economicamente
apropriada à situação. Em muitos casos o uso dos métodos mais recentes de produção, os quais não
teriam sido aplicados sem planejamento central, seriam então um sintoma de mal uso de recursos ao
invés de uma prova de sucesso.
Como um exemplo ele citou a "excelência, de um ponto de vista tecnológico, de algumas partes do
equipamento industrial Russo, a qual frequentemente impressiona o observador casual e é comumente
tomada como evidência de sucesso".
Para alguém observando o desenvolvimento irregular da economia corporativa sob o
capitalismo de Estado, isso deveria inspirar um senso de déjà vu. Categorias completas de bens e
métodos de produção foram desenvolvidos a um custo enorme, tanto pela indústria militar ou pelo P&D
subsidiado pelo Estado na economia civil, sem levar em conta os custos. Subsídios à acumulação de
capital, P&D, e educação técnica distorcem radicalmente as formas tomadas pela produção. (Sobre
esses pontos ver os trabalhos de David Noble, Forces of Production e América by Design.) Fábricas
enormes e centralização econômica se tornaram artificialmente lucrativas, graças ao sistema de
estradas interestaduais e outros meios de externalizar custos de distribuição.

Irracionalidade Penetrante

Também descreve bem o ambiente de irracionalidade penetrante dentro da grande


corporação: contratação excessiva de gerentes [5] e apropriação indébita; medidas de "corte de
custos" que dizimam recursos produtivos enquanto deixam os pequenos impérios da gerência intactos;
e a tendência a estender o domínio burocrático enquanto reduz a manutenção e o suporte para
obrigações existentes. A alocação de recursos da gerência sem dúvida cria valor de uso de algum tipo
— mas sem nenhuma forma confiável de estimar o custo de oportunidade ou determinar se o benefício
foi satisfatório.
Um bom exemplo é um hospital, parte de uma cadeia corporativa, o qual eu tive a oportunidade
de observar em primeira mão. A gerência justifica cortes de enfermeiras e técnicos como medidas de
"corte de custos" apesar dos custos crescentes com erros, panes e infecções de MRSA (Estafilococus
aureus resistentes a meticilina) que excedem os supostos cortes. É claro que a justificativa para "corte
de custos" para demitir profissionais da saúde não se estende à rede de patrocínio de enfermeiras
registradas ao Escritório de Enfermagem. Enquanto isso, a gerência injeta dinheiro em projetos capitais
inadequados (como remodelar trabalhos que tornam as divisões menos funcionais, ou a extremamente
nova e cara unidade ACE [6] que nunca funcionou porque foi muito mal projetada); um caro robô
cirúrgico, comprado mais pelo prestígio, que não faz nada que não poderia ser feito ao contratar-se
mais uma enfermeira. Mas a equipe de gerência dificilmente terá que enfrentar alguma conseqüência
negativa, uma vez que os outros três maiores hospitais da região são tocados da mesma forma.
"Categorias completas de bens e métodos de produção foram desenvolvidos a um custo
enorme, tanto pela indústria militar ou pelo P&D subsidiado pelo Estado na economia
civil, sem levar em conta os custos."
Tais patologias, obviamente, não são resultados do livre mercado. Não é dizer, é claro, que o
porte em si não produziria custos de ineficiência em algumas firmas que existiriam sob o laissez faire.
O problema do cálculo econômico (no sentido amplo, de forma que inclua o problema Hayekiano do
conhecimento) pode ou não existir até certo ponto na corporação privada no livre mercado. Mas a
fronteira entre mercado e hierarquia seria definida no ponto em que os benefícios de tamanho
comecem a ser ultrapassados pelos problemas de cálculo econômico. As ineficiências de planta
grande e hierarquia podem ser uma questão de grau, mas, como disse Ronald Coase, o mercado
determinaria se as ineficiências são justificáveis.
O problema é que o Estado, ao reduzir artificialmente os custos de plantas grandes e
restringindo os malefícios competitivos do problema do cálculo econômico, promove tamanhos maiores
do que seria o caso num livre mercado — e com eles problemas de cálculo econômico num nível
patológico. O Estado promove ineficiências de larga escala e hierarquia além do ponto em que seriam
justificáveis, a partir de um ponto de vista de eficiência social, porque aqueles recebendo os benefícios
da larga escala não são os mesmos que pagam os custos da ineficiência.
A solução é eliminar as políticas estatais que criaram tal situação, e permitir que o mercado puna a
ineficiência. Para chegarmos lá. Entretanto, alguns libertários precisam reexaminar sua inquestionável
simpatia pelos grandes negócios sendo "uma minoria oprimida" e se lembrar que deveriam estar
defendendo mercados livres — não os ganhadores sob a atual economia estatista.

Notas do Tradutor
[1] No original "eating the seed corn". A gíria "seed corn" significaria algo como algo que rende bons
frutos.

[2] Ciclos de negócios seriam "euforias" e "recessões" causadas pela expansão monetária.

[3] Na linguagem econômica, indústria quer dizer um setor. Por exemplo, a indústria têxtil, a indústria
química. Cada empresa em específico é chamada de firma. Cada firma pode possuir uma ou mais
unidades produtivas, chamadas de plantas.

[4] O livro do qual foi retirado o trecho a seguir se encontra disponível aqui. Em meu blogue também
há artigos e links sobre os já citados problemas do conhecimento e do cálculo econômico.

[5] No original, "featherbedding".

[6] Uma unidade ACE (Acute Care for Elders Unit), ou traduzida, Unidade Para Cuidado Especial de
Idosos, seria uma unidade médica especializada para idosos.
"Cálculo econômico", "Fortes direitos de
propriedade" e outras mentiras que os
comentaristas libertários financiados por Koch
me contaram
Kevin Carson

Um clichê comum entre conservadores e aqueles da direita libertária é que “direitos de propriedade
fortes” são um incentivo para criar riqueza e são necessários para o progresso. Intimamente
relacionada está a crítica de Ludwig von Mises ao modelo de socialismo de mercado de Oskar Lange,
a saber, que resultaria em irracionalidade porque a precificação de insumos de fatores por meios não
mercantis seria arbitrária e não transmitiria a informação necessária sobre o que economizar.

Mas - para pegar o segundo ponto primeiro - se a crítica de Mises prova alguma coisa, prova demais.
A alocação das entradas de fatores mais fundamentais não é definida por um mecanismo de mercado
em praticamente qualquer sistema econômico. Os mercados pressupõem, como um metaprincípio
logicamente anterior ao seu funcionamento, a escolha de um determinado conjunto de regras de
propriedade dentre muitos conjuntos possíveis. A formação de preços de equilíbrio de mercado para
insumos de fatores, de acordo com as leis de oferta e demanda, ocorre apenas dentro da estrutura
desse conjunto anterior de regras de alocação de propriedade e governança.

E mesmo se fosse teoricamente possível estabelecer tais regras de propriedade em fatores de


produção inteiramente por meios de mercado, o modelo de capitalismo que tivemos nos últimos 500
anos seria a última coisa a ter como exemplo. Sob o capitalismo histórico, a terra e os recursos naturais
são artificialmente baratos para os herdeiros e designados daqueles que os cercaram, e artificialmente
escassos e caros para aqueles que devem pagar aluguéis aos cercadores. A informação e a técnica
são artificialmente caras por causa da propriedade intelectual. O resultado é que o capitalismo opera
em um ambiente de caos calculacional maciço, com incentivos distorcidos pela escassez ou
abundância artificial virtualmente em cada turno.

Dado um regime de direitos de propriedade fundacional diferente - por exemplo, governança comum
de informações, terras e recursos - os preços de compensação de mercado resultantes provavelmente
seriam muito diferentes. Da mesma forma, as partes para as quais os retornos dos insumos
acumulados - e, portanto, os incentivos - também seriam muito diferentes. Em todo sistema, as próprias
regras de alocação de propriedade e governança resultam de escolhas sociais ou políticas anteriores
ao mercado, e a precificação de mercado dos insumos depende dessas regras.

Quanto à alegação de que "fortes direitos de propriedade privada" são necessários para a criação de
riqueza e progresso, este é um clichê preguiçoso digno de uma coluna de John Stossel ou Thomas
Sowell ... ou Ira Stoll (" Os bilionários são imorais? Os democratas estão defendendo agressivamente
o anti -Wealth Platforms Ahead of 2020 , ” Reason , 28 de janeiro ). Não apenas a homenagem às
maravilhas feitas pelos "direitos de propriedade privada" está presente aqui, mas quase todos os outros
pontos de discussão padrão também estão, incluindo "pessoas ricas diriam 'por que se preocupar em
trabalhar duro?'" E a citação de Thatcher sobre "outros dinheiro das pessoas. ” Mesmo, Deus nos
ajude, " quanto valor um empreendedor cria para os clientes e acionistas e a sociedade como resultado
do trabalho árduo, gênio e arriscado do empreendedor?"

Mas já vimos acima, em nossa discussão sobre a dependência do capitalismo da abundância artificial
de terras roubadas e recursos naturais que, como algum gênio colocou, "o problema com o capitalismo
é que você fica sem bens comuns para encerrar". E como veremos a seguir, é o capitalismo bilionário
que depende do “dinheiro de outras pessoas” e “pune o trabalho duro”.

Como uma generalização, a afirmação de que “fortes direitos de propriedade privada” como tais são
bons é simplesmente estúpida. Se os “direitos de propriedade sólidos” facilitam ou impedem o
progresso econômico depende das especificações de como são elaborados e a quem são atribuídos.
Já vimos acima, em nossa discussão do problema do cálculo, que não existe um conjunto
autoevidente, neutro ou imaculado de “direitos de propriedade” que emerge espontaneamente de um
“mercado livre” sem regras prévias socialmente determinadas. Existe uma ampla gama de direitos de
propriedade possíveis, com efeitos variados. Algumas formas de direitos de propriedade conduzem ao
progresso econômico e algumas formas são um ralo ou impedimento. O desenho ideal dos direitos de
propriedade é o assunto de todo um campo da economia institucional, talvez melhor exemplificado por
Oliver Williamson.

Se os direitos de propriedade forem bem elaborados - se forem atribuídos às partes interessadas que
criam a maior parte do valor e / ou cujo desempenho contratual é mais difícil de verificar e controlar
sob os termos de um contrato incompleto - eles facilitarão o progresso.
Se forem mal projetados, eles desviarão recursos produtivos para vigilância de gerenciamento de alto
custo, trabalho de guarda, aluguéis econômicos e produção de resíduos. Direitos de propriedade mal
planejados beneficiam os rentistas às custas dos produtores e desincentivam a atividade produtiva
destes. E os aluguéis econômicos - isto é, retornos maiores do que o necessário para levar os serviços
ao mercado - não irão, por definição, incentivar a produção adicional.

Como Thomas Hodgskin apontou, o senhorio ausente confere aos proprietários a capacidade de
manter especulativamente a terra fora de uso que poderia ser usada produtivamente, a menos que
seja suficientemente produtiva para sustentar um locatário ocioso, além de beneficiar os produtores e
consumidores reais.

Investir a propriedade da empresa em proprietários ausentes (ou, de fato, na administração sênior


autônoma que tem todos os incentivos para esvaziar a capacidade produtiva de modo a aumentar os
ganhos de curto prazo e, assim, ganhar sua própria remuneração), em vez daqueles cujas habilidades,
situacionais o conhecimento e as relações sociais são a principal fonte de valor agregado, resultando
em trabalhadores fazendo o mínimo necessário. Sob a contratação incompleta, eles não têm incentivo
para fazer mais.

A propriedade ausente resulta em custos gerais de supervisão enormemente aumentados devido aos
incentivos perversos implicados na expropriação dos ganhos de produtividade daqueles que os criam
e desincentivando os criadores de valor direto que possuem o conhecimento situacional necessário
para aumentar a produtividade e cujo desempenho é mais difícil de monitorar.

E a prática geral de permitir que os detentores de direitos de propriedade artificiais extraiam aluguéis
e acumulem riqueza faz com que uma parte importante da produção econômica seja desviada para o
trabalho de guarda. Também leva a crises de superpopulação e subconsumo: enormes estoques de
poupança se acumulam sem escoamento lucrativo, porque a demanda é insuficiente para utilizar
plenamente mesmo a capacidade produtiva existente.

Todas essas coisas juntas mostram por que normas como aluguel de terras e propriedade intelectual
são um dreno na produtividade social, enquanto aquelas como propriedade cooperativa de partes
interessadas de empresas e propriedade de recursos naturais com base em bens comuns investida
em usuários são as alternativas mais racionais.

Quanto à ideia de que “fortes direitos de propriedade privada” - quaisquer “fortes direitos de
propriedade privada” - conduzem a algo chamado “crescimento econômico” ... bem, isso é uma
tautologia. De acordo com as regras da contabilidade de gestão empresarial de Donaldson Brown e
da contabilidade do PIB, coisas como aluguel econômico, produção de resíduos e trabalho de guarda
são, por definição,“Crescimento econômico” porque eles agregam ao valor total dos bens e serviços
produzidos - mesmo que sejam coisas que Bastiat chamaria de “janelas quebradas”. E de acordo com
a teoria da produtividade marginal de JB Clark, qualquer “fator” que contribui para o preço final de um
bem ou serviço tem uma “produtividade marginal” igual ao que adiciona ao preço. Portanto, quanto
mais propriedade social for incluída para aluguel privado, mais atividades sociais serão forçadas ao
nexo monetário e quanto mais pessoas forem forçadas da produção direta para uso no sistema salarial,
maior - por definição - será o PIB.

Na mesma linha, vamos dar uma olhada no meme popular (que consiste em um gráfico de Max Roser),
amplamente divulgado nos círculos libertários de direita, demonstrando ostensivamente que o
capitalismo tirou bilhões da “pobreza absoluta”. Dadas as métricas do PIB em uso, é impossível
distinguir os aumentos do PIB, como tal, dos aumentos na participação total da atividade não
monetizada pré-existente que se tornou monetizada por causa do fechamento de terras e a condução
dos agricultores de subsistência ao trabalho assalariado e ao nexo monetário. Jason Hickel ressalta o
seguinte no The Guardian :

O que os números de Roser realmente revelam é que o mundo passou de uma situação
em que a maioria da humanidade não precisava de dinheiro para uma em que hoje a
maior parte da humanidade luta para sobreviver com quantias extremamente pequenas
de dinheiro. O gráfico mostra isso como um declínio da pobreza, mas na realidade o que
estava acontecendo era um processo de expropriação que empurrou as pessoas para o
sistema de trabalho capitalista, durante os movimentos de fechamento na Europa e a
colonização do sul global.

Antes da colonização, a maioria das pessoas vivia em economias de subsistência, onde


desfrutavam de acesso a bens comuns abundantes - terra, água, florestas, gado e
sistemas robustos de compartilhamento e reciprocidade. Eles tinham pouco ou nenhum
dinheiro, mas não precisavam dele para viver bem - portanto, não faz sentido alegar
que eram pobres. Esse modo de vida foi violentamente destruído pelos colonizadores
que forçaram as pessoas a deixar as terras e entrar em minas, fábricas e plantações de
propriedade de europeus, onde recebiam salários miseráveis por trabalhos que nunca
quiseram fazer.

Em outras palavras, o gráfico de Roser ilustra uma história de proletarização forçada.

Em suma, muito do que se passa por apologética neoliberal hoje em dia é apenas uma coleção de
Just-So Stories intelectualmente preguiçosos.

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