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EFEITO DO PRÉ-TRATAMENTO ALCALINO NO BAGAÇO

DE CANA COMO AGENTE DE IMOBILIZAÇÃO CELULAR


PARA A PRODUÇÃO DE ISOPROPANOL, BUTANOL E
ETANOL

VIEIRA CFS1, CODOGNO MC1, MAUGERI-FILHO F2, MACIEL-FILHO R1, e


MARIANO AP1
1
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Química
2
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia de Alimentos
E-mail para contato: carlafsvieira90@gmail.com

RESUMO – A técnica de imobilização celular vem sendo amplamente utilizada tanto


na fermentação ABE (acetona-butanol-etanol) como na IBE (isopropanol-butanol-etanol)
com o objetivo de melhorar produtividades e diminuir a alta inibição pelo produto
característica desses processos. A utilização de materiais lignocelulósicos como agente de
imobilização celular pode ser uma alternativa economicamente vantajosa por constituírem
uma matéria prima barata e abundante. No entanto, a característica complexa de seus
tecidos pode dificultar a transferência de massa no processo de imobilização das células.
Portanto, esse trabalho avaliou o efeito do pré-tratamento alcalino no bagaço de cana como
agente de imobilização celular na fermentação IBE. Foram realizadas fermentações em meio
P2 com e sem agente de imobilização, constituído por bagaço de cana in natura e pré-
tratado, separadamente. As concentrações finais de IBE foram de aproximadamente 7.8, 12.8
e 13.8 g/L para as fermentações sem imobilização, com bagaço in natura e com bagaço pré-
tratado, respectivamente; as produtividades em IBE foram de aproximadamente 0.19, 0.31 e
0.33 g/Lh, respectivamente. Conclui-se portanto que o bagaço de cana é um bom agente de
imobilização para a fermentação IBE. No entanto, um gasto de energia e material para a
realização de um pré-tratamento desse bagaço não é necessário levando em conta o bom
desempenho fermentativo do processo em que se utilizou bagaço in natura como agente de
imobilização.

1. INTRODUÇÃO
O n-butanol de origem verde é convencionalmente produzido via fermentação ABE
(acetona- butanol-etanol) por bactérias do gênero Clostridium (Vane, 2008). No entanto, do
ponto de vista de mercado, se a produção de n-butanol atingir a escala de bilhões de litros em
atendimento à demanda do mercado de combustíveis automotivos, haverá uma sobre oferta do
coproduto acetona dado que a produção de acetona na fermentação ABE equivale à metade da
produção de n-butanol (Mariano et al., 2013).

Alternativamente, algumas linhagens naturais de Clostridium beijerinckii produzem a


mistura isopropanol-butanol-etanol (IBE) (Survase et al., 2011). Essa mistura pode ser
utilizada diretamente como biocombustível ou como aditivo na gasolina, uma vez que não
contém acetona, que é corrosiva para os motores. Além disso, em função da não necessidade
de separação entre os produtos, espera-se um ganho importante de eficiência energética no
processo (Li et al., 2016). Contudo, apesar da mitigação de riscos de mercado atribuída à
fermentação IBE, as limitações técnicas da etapa de fermentação persistem: alta inibição pelo
produto além de baixas produtividades.

A técnica de imobilização celular vem sendo amplamente aplicada tanto na


fermentação ABE (Kumar et al., 2011) como na IBE (Survase et al., 2011; Survase et al.,
2013; Yang et al., 2016; Zhang et al., 2016) com o objetivo de aumentar a produtividade de
solventes e diminuir a inibição pelo produto. Felizmente, as bactérias do gênero Clostridium
tem mostrado maior afinidade por agentes de imobilização lignocelulósicos (material barato e
abundante), quando comparado a agentes de imobilização convencionais.

No entanto, a baixa permeabilidade dos tecidos lignocelulósicos pode fazer com que a
transferência de massa seja pobre durante o processo de imobilização celular. Portanto, com o
objetivo de aumentar a área superficial do material lignocelulósico e facilitar a adesão de
micro-organismos, pré-tratamentos químicos vem sendo realizados nesses materiais para
posterior utilização como agente imobilizador (Cai et al., 2016). Neste trabalho, avaliamos o
efeito do pré-tratamento alcalino no bagaço de cana utilizado como agente de imobilização
celular para a fermentação IBE.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Matéria-Prima
Os estudos foram feitos com bagaço de cana de açúcar adquirido da Usina Ester,
Cosmópolis. Glicose foi utilizada para compor os meios de cultura.

2.2. Micro-organismo e meio de cultura


A cepa Clostridium beijerinckii DSM 6423 foi utilizada para as fermentações IBE. A
cepa encontra-se armazenada em forma de esporos na Divisão Fermentação do Laboratório de
Otimização, Projeto e Controle Avançado (LOPCA) – FEQ. Os esporos foram produzidos em
meio TGY, e estão armazenados em água a 4°C. O meio TGY possui a seguinte composição
(g/L): triptona, 30; glicose, 20; extrato de levedura, 10; L-cisteína, 1. O pré-inóculo (18 horas)
e o inóculo (5 horas) também foram realizados em meio TGY. As fermentações foram
conduzidas em meio P2, que possui a seguinte composição: glicose (60 g/L), extrato de
levedura (1 g/L), solução tampão P2 (1 % v/v), solução de minerais (1 % v/v), e solução de
vitaminas (1 % v/v). A solução tampão P2 é composta por (g/L): KH2PO4, 50; K2HPO4, 50;
C2H7NO2, 220. A solução de minerais é composta por (g/L): MgSO4.7H2O, 20; MnSO4.1H2O,
1; FeSO4.7H2O, 1; NaCl, 1. A solução de vitaminas é composta por: C7H7NO2, 0,1;
C12H17N4OS+, 0,1; C10H16N2O3S, 0,01.
2.3. Avaliação do bagaço como agente imobilizador
O bagaço proveniente de do pré-tratamento alcalino bem como o bagaço in natura,
foram avaliados como agente de imobilização celular na proporção sólido: líquido de 1:20. O
pré-tratamento alcalino foi realizado utilizando-se NaOH 2 % (w/v) em autoclave a 120°C por
1 hora, com uma proporção sólido: líquido de 1: 10. As fermentações foram conduzidas em
meio P2 (descrito no item anterior), em triplicata, em frascos de 250 mL com 150 mL de
volume de trabalho, em câmara de anaerobiose.
Como o bagaço de cana é menos denso que a água, pequenos pellets de bagaço
envoltos em gaze foram inseridos dentro de um suporte formado por mangueiras que
permitem o contato do meio de cultura com o agente de imobilização, sem que ocorra a
flutuação do mesmo. Fermentações em meio P2 sem adição de agente de imobilização celular
e com a adição do suporte de mangueira e da gaze foram utilizadas como controle.

3. RESULTADOS
Materiais lignocelulósicos como o bagaço de cana são compostos por celulose,
hemicelulose e lignina, que formam uma estrutura rígida e cristalina de baixa acessibilidade a
enzimas e micro-organismos. Diferentes processos de pré-tratamento tem o poder de
modificar essa estrutura, aumentando a área superficial e a porosidade desse material (Behera
et al., 2014). Portanto, com o objetivo de aumentar a acessibilidade do bagaço de cana pelo
micro-organismo facilitando a formação de biofilmes, foi realizado o pré-tratamento alcalino.
A Tabela 1 mostra os resultados das fermentações controle e utilizando bagaço in natura e
pré-tratado como agente de imobilização celular. Foi utilizado o mesmo tempo de
fermentação (41,5 horas) para todos os ensaios para que se pudesse obter uma melhor
comparação dos dados.

Tabela 1 - Resultados finais das fermentações de glicose em IBE sem agente de imobilização celular, e
utilizando bagaço de cana in natura e pré-tratado como agente de imobilização celular. O controle corresponde à
fermentação realizada com a mesma quantidade de mangueira e gaze utilizada em todos os experimentos.

Sem Imobilização Controle Bagaço in natura Pré-tratamento básico


YP/S (g IBE/g glu) 0,40 0,32 0,34 0,29
Pr (g IBE/ L.h) 0,19 0,21 0,31 0,33
Conversão do substrato (%) 29,78 44,07 60,35 77,62
IsopropOH (g/L) 1,69 3,15 4,66 3,31
EtOh (g/L) 1,44 0,52 1,47 1,34
ButOH (g/L) 5,75 5,03 6,66 8,96
IBE (g/L) 7,78 8,70 12,80 13,60
Açúcar Residual (g/L) 45,48 34,04 24,75 13,44

A produtividades em IBE cresceram aproximadamente 63 e 74 %, quando o bagaço in


natura e pré-tratado com NaOH, respectivamente, foram utilizados como agente de
imobilização celular; em relação ao experimento controle esse aumento foi de
aproximadamente 48 e 57 %, respectivamente. As concentrações finais de IBE também
aumentaram: 65, e 75 %, respectivamente, quando comparadas ao experimento sem
imobilização celular, e 47, e 56 %, respectivamente, quando comparadas ao controle. É
possível observar ainda um aumento na conversão do substrato e consequente diminuição da
concentração de açúcar residual quando se compara às fermentações utilizando o bagaço
como agente imobilizador com as fermentações sem imobilização celular e controle (Tabela
1). As maiores produtividades e concentrações finais de IBE observados nas fermentações em
que se utilizou imobilização celular poderiam ser explicadas pela maior concentração de
células viáveis devido à presença do agente de imobilização (Survase et al., 2013).
No entanto, observa-se uma queda no rendimento fermentativo em todas as situações
onde se utilizou a imobilização celular, quando comparadas à fermentação sem a utilização da
imobilização. A formação de biofilmes é acompanhada pela produção de substâncias
poliméricas extracelulares que auxiliam a adesão das células ao suporte bem como protegem
as mesmas quando elas se encontram em condições adversas. Portanto, células que fazem
parte de biofilmes canalizam boa parte da energia adquirida do metabolismo dos açúcares
para a produção desses polissacarídeos (Qureshi et al., 2005), o que poderia explicar a queda
do rendimento nas fermentações em que foram utilizadas a imobilização celular. No entanto,
obteve-se um aumento significativo da produtividade bem como da concentração final dos
produtos de interesse quando se utilizou a técnica de imobilização celular. Portanto, é possível
concluir que a utilização do bagaço de cana como agente de imobilização celular foi benéfico
ao processo fermentativo.
O bagaço de cana in natura proporcionou uma produtividade menor, porém muito
próxima à produtividade obtida no experimento utilizando bagaço pré-tratado, além de ter
obtido o maior rendimento fermentativo (Tabela 1). Acredita-se que esse maior rendimento
possa ser justificado pela presença de açúcares e nutrientes residuais do caldo da cana que
esteve em contato com o bagaço. Esse resíduo não estaria mais presente no bagaço que passou
pelo pré-tratamento em função do contato do mesmo com as soluções utilizadas. Conclui-se
então que o gasto de energia e material para a realização de um pré-tratamento do bagaço para
utilizá-lo como agente imobilizador não é necessário.
4. CONCLUSÃO
A utilização do bagaço de cana foi benéfica ao processo fermentativo, gerando
aumentos de 63 e 74 %, quando o bagaço in natura e pré-tratado, respectivamente, foram
utilizados como agente de imobilização celular. O bagaço de cana in natura proporcionou
produtividade e concentração final de IBE menores quando comparado à utilização do bagaço
pré-tratado como agente de imobilização. No entanto, em função do bom desempenho
fermentativo obtido para o processo em que se utilizou o bagaço in natura, acredita-se não ser
necessário um gasto de energia e material para a realização de um pré-tratamento.

5. REFERÊNCIAS
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