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CHEN, A. Evolução pode ter transformado habitantes de povo marítimo em grandes mergulhadores.

2020. Site Scientific American Brasil. Disponível em: https://sciam.com.br/evolucao-pode-ter-


transformado-habitantes-de-povo-maritimo-em-grandes-mergulhadores/

Evolução pode ter transformado


habitantes de povo marítimo em
grandes mergulhadores
Evidências genéticas sugerem que povo do Sudeste Asiático tem
físico especialmente adequado para a caça submarina

Quando uma pessoa submerge na água, em segundos seu corpo


começa a se ajustar por  reflexo ao novo ambiente. A frequência
cardíaca diminui; vasos sanguíneos das extremidades se contraem,
desviando o fluxo sanguíneo para órgãos vitais. E, crucialmente, o baço
se contrai, expulsando uma reserva preciosa de glóbulos vermelhos
oxigenados para a corrente sanguínea. Tudo isso aumenta o tempo que
podemos passar debaixo da água.

Agora, um novo estudo sugere que povos que vivem do mar podem ter
evoluído, ao longo de milhares de anos, para intensificar ainda mais as
respostas do organismo ao ambiente marinho durante o mergulho.
Mudanças genéticas permitiram que o baço de um povo do sudeste
asiático crescesse significativamente para melhorar sua  capacidade de
reter a respiração, de acordo com a análise de uma equipe
internacional de pesquisadores.

O novo estudo aborda um povo localmente conhecido como “Nômades


do Mar”, que vive entre as ilhas e costas do sudeste asiático.
“Tradicionalmente, eles vivem em casas flutuantes e vem para a terra
ocasionalmente”, diz Melissa Ilardo, uma pesquisadora pós-doutoranda
da Universidade de Utah e uma das autoras do estudo. “Eles têm a
reputação de serem mergulhadores incríveis e de ter conexão com o
mar. Eu mergulhei com eles, e suas habilidades são surreais.”

Entre os Bajau – grupo de pessoas que vivem em casas flutuantes em


vias fluviais ao redor e entre as Filipinas, Malásia e Indonésia – foram
filmados indivíduos segurando o fôlego por mais de cinco minutos
enquanto caçavam peixes e mariscos. Em comparação, pessoas
comuns conseguem ficar submersas entre um e dois minutos, e
mergulhadores de ponta conseguem segurar o fôlego em competições
por três a quatro minutos e meio.

Anteriormente, uma equipe que gravava para o documentário da BBC


“Human Planet” filmou um caçador Bajau durante seus mergulhos, e
notou que sua freqüência cardíaca despencava para meros 30
batimentos por minuto. (O reflexo de mergulho na maioria dos
humanos cai para 50 batimentos por minuto em um adulto saudável.)
“Eles observaram mergulhos em que as pessoas desciam a mais de 70
metros de profundidade apenas com um cinto de peso e um conjunto
de óculos”, diz Ilardo. “Se estavam coletando mariscos apenas 10
metros abaixo da superfície, eles conseguiam passar o dia todo fazendo
esses mergulhos superficiais. Estávamos mergulhando em um local e
[um colega Bajau] olhou para baixo e viu um molusco gigante. Ele
desceu mais 15 metros em um instante e o agarrou. É bem
impressionante”.

Ilardo, geneticista evolucionária, queria saber se as habilidades Bajau


eram resultado do treinamento que ocorre desde que nascem, ou se
eles evoluíram para serem mergulhadores de elite ao longo de
gerações de vida no mar. Então, ela pediu aos Bajau, juntamente aos
Saluan – um grupo geneticamente similar de fazendeiros – para deixá-
la sequenciar seus genomas e medir o tamanho de seus baços. Um
baço maior pode guardar maior quantidade de glóbulos vermelhos
oxigenados, permitindo aos mergulhadores permanecer submersos por
mais tempo. “Eu tinha uma máquina de ultrassom portátil. Trouxe para
as vilas, e as pessoas vinham e me deixavam medir seus baços”, ela
disse. 43 Bajau e 33 Saluam participaram do estudo, que foi publicado
na revista Cell na quinta feira (19).

Os Bajau tem baços significativamente maiores do que os Saluan que


não mergulham, diz Rasmus Nielsen, um biólogo computacional da
Universidade da Califórnia, em Berkeley e um dos autores do estudo.
“Descobrimos que os Bajau tem o baço 50% maior”, ele disse. Mas
entre os Bajau havia mergulhadores que possuiam baços apenas um
pouco maiores (aproximadamente 10% maiores) do que aqueles que
evitavam o estilo de vida tradicional de mergulho, ele nota. Essa
descoberta surpreendente trouxe a possibilidade de que o motivo pelo
qual os Bajau possuem baços maiores seja genético, e não
consequência de uma vida de treino em baixo d`água.

A seguir, os pesquisadores vasculharam o genoma Bajau procurando


por sinais de seleção natural e encontraram 25 variantes de genes que
pareciam típicas dessa população. Quando Ilardo e seus colegas
fizeram uma referência cruzada do que os genes envolvidos faziam,
eles descobriram que alguns pareciam relacionados ao ato de segurar a
respiração e à privação de oxigênio. “Foi absolutamente sensacional
quando vimos que todos esses genes que estavam sob seleção tinham
relevância potencial para o mergulho” diz Ilardo.

Um dos genes que a equipe identificou se chama PDE10A. “Sabemos


que esse gene controla os níveis de hormônio da tireóide, e o tamanho
do baço”, diz Nielsen. Pouco menos da metade dos Bajau carrega a
versão desse gene que é associada a baços maiores, comparado com
6% dos Saluan e 3% dos Han Chineses (uma população escolhida para
a comparação porque não eram próximos ou relacionados ao grupo),
ele disse. Dois outros genes que a análise sugeriu foram o BDKRB2,
que controla a constrição dos vasos sanguíneos nas extremidades e o
FAM178B que ajuda a regular o balanço de dióxido de carbono no
sangue. Ambos poderiam ser importantes para a conservação de
oxigênio e para a habilidade de segurar o ar embaixo d`água, de
acordo com os pesquisadores.

O novo estudo mostra um exemplo impressionante da diversidade


genética humana e de adaptação para o ambiente embaixo d`água, diz
Anna Di Rienzo, uma geneticista da população humana da Universidade
de Chicago, que não estava envolvida com a pesquisa. “Isso é
obviamente um grande trabalho, muito substancial”, ela disse. “Eu
achei uma história muito fascinante a dessa população que vive em
ambientes diferentes e extremos.”

Mas Di Rienzo diz que os pesquisadores terão que continuar o estudo


para entender como as 25 variações genéticas que eles identificaram
estão funcionando de forma diferente nos Bajau. Eles ainda “precisam
entender, de forma mais precisa, como funcionam os genes que eles
sugerem afetar sua fisiologia e sua habilidade de fazer mergulhos
profundos”, ela diz. Atualmente, Ilardo e seus colegas apenas sabem
que esses genes são diferentes nos Bajau. Porém, não está claro o que
a maioria desses genes realmente faz que traria vantagem no
mergulho.

Parte dessa nova pesquisa exigirá um retorno às comunidades Bajau e


Saluan, e a coleta de mais medidas fisiológicas que não o tamanho do
baço – como níveis de dióxido de carbono e oxigênio no sangue, diz
Cynthia Beall, uma antropóloga evolucionista na Universidade da
Reserva de Case Western que não fez parte do estudo. “Sua hipótese é
razoável a princípio, mas, antes que se criar todas essas histórias
biológicas, há alguns dados a serem obtidos”, diz Beall. “Por exemplo:
como a saturação de oxigênio no sangue cai ao longo de um mergulho
médio? Devido à freqüência cardíaca?” Tais dados ajudariam a mostrar
o quanto de estresse os corpos dos mergulhadores de Bajau estão
suportando ao caçar, e podem elucidar como sua genética
especializada se traduz em proezas subaquáticas.

Ilardo e Nielsen concordam, e planejam voltar à Indonésia para


continuar estudando os Bajau. Eventualmente, dizem, esse trabalho
pode ajudar a descobrir novas pistas sobre como diferentes pessoas
respondem à privação de oxigênio – conhecimento crítico em contextos
médicos como a cirurgia.

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