Você está na página 1de 5

Literatura africana na Amazônia: as possibilidades do uso de fontes no ensino em história

e seus desafios.¹
Wicken Klaywer Luz Lopes²
Professor Dr. Luiz Augusto Leal³
Universidade Federal do Pará .

Resumo
Esse debate tem como foco exemplificar algumas formas de prá tica e ensino de histó ria africana
na Amazô nia com o uso de literatura diversificada dentro da sala de aula. Tem como base os
estudos de pesquisadores focados na aná lise em que mistura a metodologia de pesquisa em
histó ria com outras ciências sociais (LEAL, 2018 e GOMES, 2006). E por fim, dar sugestões da
possibilidade em utilizar literatura na sala de aula para aproximar os alunos de sua própria história.

Palavras-chave: literatura, Ensino em histó ria, uso de fontes.

Abstract
This debate focuses on exemplifying some forms of practice and teaching African history in the
Amazon with the use of diverse literature within the classroom. It is based on the studies of researchers
focused on the analysis in which it mixes the research methodology in history with other social
sciences (LEAL, 2018 and GOMES, 2006). Finally, give suggestions on the possibility of using
literature in the classroom to bring students closer to their own history.

Keywords: literature, teaching in history, use of sources.

Durante muito tempo o acesso de indispensáveis para pensar no ensino em salas de


materiais disponíveis para o estudo de história da aula. Essa falta não se dá por ausência de fontes e
Amazônia eram poucos, como evidência Barbara sim por questões metodológicas de pesquisas,
Weinstein (2002), “naquela época, poucos algumas autores atuais de história social trazem
estudos sérios sobre a história da Amazônia. novas leituras banhando-se em diversas fontes
justamente porque ela era tratada como (LEAL, 2018 e GOMES, 2006).
uma região ‘sem história’”(WEINSTEIN, p.263), A questão é, será que na sala de aula o
assim podemos concluir que a falta de trabalhos ensino segue a dinâmica dessa historiografia?
dessa temática não chegariam às salas de aula de Utilizar as fontes, sejam elas literárias ou
maneira densa e crítica, a fim de contribuir para o jornalísticas, de temas culturais na sala de aula é
ensino de história da Amazônia, uma vez que não um contributo, pois é evidenciado que os atores
haviam historiografias preparatórias que são históricos são próximos da realidade de quem

1. Trabalho final de conclusão da disciplina de História da Amazônia II, sob responsabilidade do prof.
Dr. Augusto Leal.
2. Graduando do curso de História da Universidade Federal do Pará. E-mail:
[klaywerluzc2@gmail.com].
3. Docente da Faculdade de História do Campus Universitária de Bragança/UFPA E-mail:
augustoleal@ufpa.br
vive na Amazônia e onde as culturas desses importante da história que é relevante para esse
aproximam a relação do indivíduo com as texto, que são os atores sociais esquecidos por
práticas culturais populares, africanas de sua essas análises. Isso, por exemplo, não é o Caso
descendência. Girlane da Silva e Alexandre dos trabalhos de Augusto Leal (resistência negra:
Santos (2020) já identificaram a importância do pós-abolição no Norte do Brasil: a capoeira e o
uso da literatura (aqui pode ser tanto crônicas boi-bumbá, 2018) e Flávio Gomes (“No labirinto
quanto jornais da época) quando dizem que é dos rios, furos e igarapés”: camponeses negros,
“necessário o uso de metodologias diferenciadas memória e pós-emancipação na Amazônia, c.
com o intuito de viabilizar o processo de ensino e XIX-XX, 2006). O primeiro trata da relação entre
aprendizagem“ (SILVA; SANTOS, p.44). duas práticas culturais ligadas a africanidade e o
outro traz a as fugas de negros do poder
Ensino de História afro-brasileira na dominante e explorador em torno das localidades
Amazônia estratégicas, esses dois trabalhos tem algo em
comum que são os atores negros da Amazônia e
Há muitos problemas em pesquisar todo seu aspecto de resistência que não aparecem
história da Amazônia sobre uma óptica de na história local amazônica com recorrência, além
metodologia que prese uma análise as fontes que disso, a partir disso pode se expandir o conceito
de fato não resultaria em uma crítica densa ao de resistência que pode “incluir não apenas
contexto-objeto histórico. Pois, seguindo uma revoltas, sublevações e atividades proto-
corrente básica e tradicional de historiografias revolucionárias, mas uma grande variedade de
poderia surgir dessas estratégias — culturais, sociais etc. — para fazer
fontes apenas análises a partir da perspectiva face à exploração ou evitar a proletarização.”
colonial, ou pós-colonial (WEINSTEIN, p.263). (WEINSTEIN, p.263)
Geralmente essas análises presavam os aspectos O professor Luiz Augusto Leal usa em seu
econômicos e viam nele o principal motor das texto, e não apenas, jornais como o A semana
mudanças históricas de curta e longa duração, não tirando imagens para fazer representações
eram as sociedades que eram analisadas, e sim o pictóricas de eventos (LEAL, 2018, p.178 apud.
que elas produziam, os aspectos materiais eram A semana, 1888) e também relatos do jornal
levados muito mais em conta do que a cultura de pedindo maior atenção policial aos grupos
um povo por exemplo. acusados supostamente de vagabundagem
As análises históricas materialistas como (LEAL, 2018, p.177 apud. A semana, 1890),
essa são importantes mas não são totalizantes. esses com certeza eram os capoeiras, na maior
Porém, houve uma saturação dessas análises. O parte negros que praticavam o esporte em uma
que era comum, porém não evidencia uma parte época em que o mesmo era segregado e motivo
de preconceito, e muito mais que isso, de desafios teóricos e metodológicos, menos
para localizar evidências do passado e do
violência institucionalizada. Não são apenas esses
presente; mas sim para articular as noções
os exemplos, é recorrente aparecer citações de
de territorialidades e migrações na
Dalcídio Jurandir principalmente sobre o “Chão formação de micro-sociedades
dos lobos”, essa é uma obra literária importante camponesas em várias áreas coloniais e
que nela há as questões dos praticantes de boi- pós-coloniais. [...] juntamos investigações

bumbá na cidade de Belém e principalmente as arquivísticas com pesquisas etnográficas


destacando as narrativas construídas e
divisões dos bairros que marcavam essa
reconstruídas das experiências históricas
festividade, isso fica fortemente explícito quando de mocambos e comunidades negras
Jurandir diz que “Chão que só um boi pisa, um só rurais contemporâneas nesta região
Amo canta, uma só tropa entoa, um só curral amazônica. (GOMES, 2006, p.282).

festeja” (LEAL, 2018 apud. JURANDIR, 1976,


Contundo, será que esses envolvimentos
p.207-208).
analíticos devem ser restritos a ficarem na
Flávio Gomes percorre o mesmo caminho,
Academia? Pode se dizer que, trazer a dinâmica
podemos perceber que ambos os trabalhos tem
de ensino com base na literatura (e aqui não se
seu objeto principal a relação de culturas e
restringe a obras como as crônicas, e sim tudo
pessoas afros com locais de resistência e
que pode ser entendido como literatura) abre
territorialidade. No caso de Gomes, essa relação
caminhos para a percepção dos alunos,
está na resistência das culturas afro por meio dos
envolvendo-os na história de sua comunidade, de
quilombos, áreas de fuga de negros escravizados
sua cultura, de sua história. O professor de
e explorados pelo poder centralizador, dominante
história que ela fontes e literatura para dentro da
e colonial. Nesse sentido, Gomes também é
sala de aula da outro significado a noção de
enfático com o uso de diversificada literatura em
ensino, como diz Santos e Santos usar da
seu texto, além de valer de análises etnográficas e
literatura “significa propiciar condições concretas
métodos antropológicos pois se sabe que apenas
aos educandos em suas relações uns com os
com a historiografia tradicional os objetivos não
outros, de forma que possam assumir o ser social
seriam completados.
e histórico que formam parte de sua identidade...”
Flávio Gomes já percebera essas
(SILVA; SANTOS apud. SANTOS; SANTOS,
dificuldades quando disse:
2020, p. 139). Geralmente os pesquisadores da

Historiadores e antropólogos área de história também exercem a função


interessados na história dos quilombos no docente, e mesmo aqueles que só se limitam a
Brasil e nas comunidades remanescentes essa última a constante atualização de dados,
de quilombos se encontram diante de
leituras e metodologias e isso cabe levar os
materiais e objetos da história para sala de aula, tal qual ele é formado, porém ser de um mediador
isso dará uma perspectiva e percepção aos alunos com produções culturais de grupos identitários
bem diferentes das aulas convencionais. Silva e dos seus alunos, conseguindo fazer a ligação do
Santos (2020) dizem que os professores são passado e da história desses jovens com sua
imprescindíveis como mediadores pois é essa vivência cotidiana.
medicação que “ busca mediar o conhecimento
entre os alunos, com o objetivo de evidenciar que
Referências
as ideias pré-concebidas são frutos de um longo GOMES, Flávio. “No labirinto dos rios, furos e
igarapés”: camponeses negros, memória e
processo histórico”(SILVA; SANTOS, p.49).
pós-emancipação na Amazônia, c. XIX-
Isso pode ser levado por meio da literatura dentro XX. História Unisinos. Vol. 10 Nº 3 –
setembro/dezembro de 2006.
da sala de aula.
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. Resistência negra:
pós-abolição no Norte do Brasil: a capoeira
Considerações finais
e o boi-bumbá. Mosaico, Volume 9,
Número 15, 2018.
As universidades do Brasil são
WEINSTEIN, Barbara. Experiência de pesquisa
gerenciadas pelo tripé – ensino, pesquisa e em uma região periférica: a Amazônia.
História, Ciências, Saúde de
extensão – e podemos concluir no debate
Manguinhos. Rio de Janeiro vol. Vol. 9
supracitado que houve um progresso em relação (2): 261-72, maio-ago., 2002.
ao diagnóstico e análises históricas, e como
SILVA, Girlane; SANTOS, Alexandre. Tsu’i
objeto de estudo, da Amazônia, isso de um lado é Goab ou a batalha contra a morte: O uso da
literatura como metodologia de ensino da
benéfico porém ainda há a necessidade de
História. In: MELO, Milton et all. Ensino
melhorar a extensão dessas pesquisas, e uma boa de história na Amazônia: práticas
pedagógicas como reflexão para a pesquisa.
maneira de isso acontecer é levá-las às salas de
Revista Eletrônica Discente do Curso de
aulas, não apenas o produto final, mas o modo História. UFAM, v. 4 n. 2, 2020.
como foram feitas, as metodologias e nesse caso
principalmente as fontes e literaturas da época em
que seja o período temático da análise. Os
professores na Amazônia geralmente são os
pesquisadores, ou pelo menos se tem a
necessidade de atualização dos métodos e
recursos de ensino, e o uso de literatura na sala de
aula é um bom começo. Nessa análise o objetivo
não era de explicar que o professor deve ensinar
ao aluno o ofício de um historiador pesquisador

Você também pode gostar