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XXV Encontro Nac. de Eng.

de Produção – Porto Alegre, RS, Brasil, 29 out a 01 de nov de 2005

Quase-acidentes: conceito, classificação e seu papel na gestão da


segurança

Fabrício Borges Cambraia (UFRGS) fabricio@ppgec.ufrgs.br


Tarcísio Abreu Saurin (UFRGS) saurin@ufrgs.br
Carlos Torres Formoso (UFRGS) formoso@ufrgs.br

Resumo
O sucesso de qualquer sistema de gestão da segurança necessariamente está condicionado a
busca e ao tratamento dado às informações pró-ativas. Dentre essas, os quase-acidentes
constituem uma das mais relevantes, na medida em que são eventos relativamente freqüentes
e que poderiam ter gerado um acidente sob circunstâncias levemente diferentes. Esse artigo
discute o conceito e a classificação desses eventos, em particular para o contexto da
construção civil. Para tanto, foram registrados, classificados e analisados 122 quase-
acidentes em um canteiro de obras. Os resultados do levantamento indicaram que esses
eventos podem ser usados tanto para reforçar boas práticas de segurança quanto para
apontar falhas de gestão que implicam em grave e iminente risco de acidentes. Além disso, o
envolvimento dos trabalhadores no processo de coleta é essencial para ampliar o número de
registros, servindo ainda como mecanismo para desenvolver a sensibilidade dos
trabalhadores em relação aos perigos.
Palavras-chave: Quase-acidentes; Medição de desempenho; Segurança do trabalho; Gestão
da segurança.

1. Introdução
A possibilidade de aprendizagem a partir dos eventos denominados quase-acidentes tem uma
longa história como parte dos programas de gestão da segurança, especialmente em setores
como aviação civil, plantas de energia nuclear, indústria química e, mais recentemente, em
setores como transporte ferroviário e medicina (VAN DER SCHAAF; KANSE, 2004). É
provável que sua utilização tenha surgido nas indústrias com maior propensão para acidentes
organizacionais (REASON, 1997), visto que, como esses acidentes são raros, catastróficos e,
em geral, podem resultar na falência da organização, torna-se vital a coleta do máximo de
informações em prol da prevenção (BRAZIER, 1994; VAN DER SCHAAF, 1995).
Hinze (1997) defende que é importante conhecer os quase-acidentes e desenvolver planos
para reduzir ou eliminar a possibilidade de um acontecimento semelhante. Além disto, os
quase-acidentes tendem a ser muito mais freqüentes que os acidentes, indicando áreas críticas
para melhorias na gestão da segurança (HINZE, 1997; JONES et al., 1999; REASON, 1997;
VAN DER SCHAAF, 1995). Esses eventos representam ainda o lado positivo (pró-ativo) do
controle da segurança (JONES et al., 1999; VAN DER SCHAAF, 1995), visto que o foco de
atenção está em eventos aquém dos acidentes, os quais, além de serem mais raros, geram um
clima psicológico muito negativo. Os quase-acidentes também auxiliam na priorização dos
perigos em um sistema de gestão da segurança e no fortalecimento da cultura de segurança
entre os trabalhadores, quando os mesmos são motivados a participar do processo de coleta e
não sofrem qualquer tipo de punição (JONES et al., 1999).
Reason (1997) reconhece as dificuldades para a coleta desses eventos, uma vez que o relato
dos mesmos depende da boa vontade dos indivíduos. Segundo Van der Schaaf e Kanse
(2004), na perspectiva dos trabalhadores, os fatores que influenciam no relato de quase-

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acidentes podem ser reunidos em quatro grupos: (a) medo de ação disciplinar, como resultado
de uma cultura de se buscar culpados; (b) aceitação do perigo, pois esses eventos são vistos
como algo que faz parte do trabalho e não podem ser prevenidos ou da cultura machista
existente em alguns ambientes industriais; (c) inutilidade, ou seja, não percepção e
entendimento de como a gerência utiliza as informações para melhorias no sistema e; (d)
razões práticas, isto é, a percepção de que é difícil coletar esses eventos, além de consumir
muito tempo.
Em que pese as contribuições dos relatos e investigações dos quase-acidentes na gestão de
muitas indústrias, na construção civil seu emprego é relativamente recente. Neste sentido, ao
investigar boas práticas em gestão de segurança por parte das empresas de construção norte-
americanas, Hinze (2002) concluiu que, diferentemente dos resultados alcançados em
pesquisa similar desenvolvida anteriormente (Liska et al., 1993), os quase-acidentes foram
incluídos como eventos que compõem as estratégias de prevenção daquelas empresas.
Como exemplo de estudos no Brasil, Saurin (2002) propõe um modelo de planejamento e
controle da segurança (PCS) para obras de construção, o qual utiliza os quase-acidentes como
umas das principais medidas de desempenho para melhorias da segurança. Nos estudos
empíricos para desenvolvimento desse modelo, os quase-acidentes eram freqüentemente
coletados pelos técnicos de segurança do trabalho (TST) e pelo próprio pesquisador. Deve-se
notar que, nesses estudos, embora muito esporadicamente, aconteceram relatos de quase-
acidentes por parte de alguns trabalhadores, apesar da inexistência de ações sistemáticas para
tanto.
Com base em um estudo realizado para aperfeiçoar o modelo de PCS (CAMBRAIA, 2004),
no qual foram propostas ações sistemáticas para coletar quase-acidentes por meio do
envolvimento dos trabalhadores, este artigo busca contribuir para um melhor entendimento
dos quase-acidentes no contexto da construção civil, através da proposta de um conceito,
classificação e exemplos corriqueiros desses eventos neste contexto.
2. O conceito de quase-acidente na perspectiva de autores de diversas áreas
O conceito de quase-acidentes, assim como o de acidente, é variável em função de seus
objetivos para fins preventivos, do contexto em análise e dos interesses dos envolvidos. Neste
sentido, as principais divergências verificadas na literatura acerca da definição de quase-
acidentes dizem respeito às conseqüências do evento, uma vez que em alguns contextos eles
podem gerar danos pessoais, materiais ou combinação de ambos e em outros não. Assim, a
conseqüência atribuída a um quase-acidente vai depender do que se considera como
conseqüências do acidente em um determinado contexto. Contudo, deve ser destacado que
dentro de um mesmo contexto podem existir diferentes visões em função especialmente dos
interesses dos grupos envolvidos em sua definição.
Cabe salientar que a palavra incidente é também utilizada com significado semelhante à
quase-acidente, embora não exista consenso na literatura. Para alguns autores, em especial
aqueles que estudam a gestão da segurança na indústria química, incidente e quase-acidente
são conceitos distintos. Nessa linha, os incidentes são todos os eventos indesejáveis à
segurança, o que engloba acidentes, quase-acidentes, atos e condições inseguras (BRAZIER,
1994; JONES et al., 1999; VAN DER SCHAFF; KANSE, 2004). Uma outra corrente defende
que, tanto o termo incidente quanto quase-acidente, podem ser empregados para descrever
eventos de mesma natureza (GUIMARÃES; COSTELLA, 2003; REASON, 1997; SAURIN,
2002). Nesse artigo considera-se que esses termos são distintos e podem ser melhor
compreendidos nas práticas de gestão através da proposta defendida pela primeira corrente de
autores discutida.

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De forma geral, os quase-acidentes são entendidos como sinais iminentes de um acidente


(JONES et al., 1999). Para Bier e Mosleh (1990), são os precursores dos acidentes e para
Brazier (1994) são indicadores de potenciais acidentes quando a sorte deixar de estar ao nosso
lado.
Em indústrias que trabalham com substâncias altamente perigosas, Jones et al. (1999)
propõem classificar os quase-acidentes em dois tipos. Os primeiros, chamados quase-
acidentes organizacionais, dizem respeito aos casos considerados mais graves, representativos
de uma situação perigosa na qual o sistema de segurança planejado mostra-se ineficiente ou
inadequado e as conseqüências poderiam originar um acidente organizacional, caso a
seqüência dos eventos não fosse interrompida. A legislação pertinente aos países da União
Européia (Diretiva Seveso II) exige que esses eventos sejam informados às instituições
controladoras, de forma a constituir-se em uma experiência de aprendizagem que pode
também ser transferida para outras organizações (JONES et al., 1999).
No segundo tipo, os quase-acidentes são situações de perigo, eventos ou atos inseguros, nas
quais a seqüência dos fatos, caso não fosse interrompida, poderia provavelmente causar
acidentes individuais. Segundo Jones et al. (1999), nesse caso a experiência de aprendizado
visa proporcionar melhorias internas na organização. Apesar do enquadramento de atos e
condições inseguras nesse segundo tipo de quase-acidentes, neste artigo considera-se que os
mesmos são eventos distintos. É adotada a proposta de Saurin (2002), o qual faz uma
diferenciação entre ato inseguro e quase-acidente pelo tempo da ação: os atos inseguros são
eventos em que a situação de perigo decorre de uma ação contínua de um ou mais
trabalhadores durante algum tempo, enquanto os quase-acidentes também normalmente
envolvem a ação humana, porém a mesma é instantânea, sem continuidade.
Enfocando acidentes organizacionais, Reason (1997) afirma que o quase-acidente é qualquer
evento que poderia ter resultado em conseqüências graves. Eles podem variar de uma
penetração parcial das defesas a situações nas quais todas as proteções disponíveis foram
vencidas, embora nenhum prejuízo significativo tenha ocorrido. De acordo com Reason
(1997), a identificação e análise dos quase-acidentes fornece feedback positivo sobre a
resistência do sistema, principalmente quando as defesas funcionam como planejado, mas, em
alguns casos, representam feedback negativo, na medida em que pequenos danos pessoais e
materiais podem ser gerados.
Já na medicina, o acidente costuma ser considerado como a morte do paciente, o que abre
espaço para que outros eventos, com diferentes graus de gravidade e danos, sejam
considerados quase-acidentes (NASHEF, 2003). Esse autor propõe uma classificação dos
quase-acidentes em três tipos, segundo principalmente o grau de gravidade do evento e o
momento da cadeia de erros humanos em que o mesmo se ocorre. No caso mais grave, o
quase-acidente pode ser exemplificado pela necessidade de internação do paciente na unidade
de tratamento intensivo em virtude dos erros de todos os agentes envolvidos (médicos,
farmacêuticos, enfermeiros e até mesmo do próprio paciente).
Na engenharia de tráfego terrestre, um quase-acidente é denominado conflito de tráfego. Um
conflito é qualquer situação em que o motorista tem que fazer uso de suas habilidades para
evitar a ocorrência de um acidente. Amundsen e Hyden (1977) definem o conflito como uma
situação observável em que dois ou mais usuários da via aproximam-se entre si, em espaço e
tempo, e suas trajetórias resultarão em uma colisão iminente caso seus movimentos
permaneçam inalterados. DeJoy (1990) destaca que o conflito de tráfego é uma importante
fonte de retro-alimentação para o motorista, uma vez que pode influenciar positivamente seu
comportamento no trânsito. Contudo, essa visão preventiva é perdida pela maioria dos
motoristas, dado o baixo esforço para análise dos fatores causais envolvidos.

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Nos sistemas de controle de tráfego aéreo, o quase-acidente também corresponde a um


acidente que esteve próximo de acontecer, mas que, por algum motivo, seja sorte ou uma
rápida tomada de decisão (julgamento), não aconteceu. Por exemplo, um quase-acidente é
caracterizado quando duas aeronaves voam suficientemente próximas de forma a gerar
interferências ou alarmes, mas não ocorrem perdas em termos de lesões ou danos materiais
(NASHEF, 2003).
Saurin (2002) define o acidente como uma ocorrência não planejada, instantânea ou não,
decorrente da interação do ser humano com seu meio ambiente físico e social de trabalho e
que provoca lesões e/ou danos materiais. Com base nesse conceito de acidente e das visões de
diferentes áreas e autores discutidas acima, é proposto um conceito de quase-acidente para o
âmbito da construção civil. Nesse contexto, considera-se um quase-acidente como sendo um
evento instantâneo, não planejado, com potencial para gerar um acidente que, no entanto, não
chega a ocorrer. Sua conseqüência pode ou não resultar em danos (lesões pessoais e/ou danos
materiais). Porém, resultando em danos, esses serão mínimos ou imperceptíveis, ou seja, não
significativos. As perdas de tempo ocorrem com freqüência nos quase-acidentes. Além disto,
em que pese à existência de um certo grau de subjetividade, nos casos de quase-acidentes não
há necessidade de tratamento de primeiros-socorros.
4. Método de Pesquisa
O empreendimento estudado consistia de dois prédios (10 e 13 pavimentos) destinados a
ampliação das dependências de um hospital. A empresa participante foi escolhida por seu
interesse em melhorias na gestão da segurança, motivadas principalmente pela forte exigência
de seus clientes. O canteiro em questão apresentou um pico máximo de 300 trabalhadores,
sendo 95% deles subempreitados. A obra teve duração de 18 meses e, particularmente nesse
empreendimento, as exigências do cliente em relação a segurança não eram rigorosas,
restringindo-se às exigências legais.
A coleta dos quase-acidentes analisados neste artigo foi dividida em duas etapas. Na primeira
etapa, que aconteceu de dezembro de 2002 a abril de 2003, os quase-acidentes foram
coletados por intermédio de entrevistas semanais com os TST e através de observações do
pesquisador junto ao canteiro. Na segunda etapa, que aconteceu entre os meses de maio e
agosto de 2003, além da coleta realizada pelas observações dos TST e do pesquisador, os
trabalhadores foram também envolvidos. Para tanto, inicialmente foram realizados
treinamentos objetivando esclarecer os mesmos sobre o seu significado, assim como informá-
los quanto à importância desta informação para a gestão da segurança. A partir do início de
junho até o final de agosto de 2003, diariamente durante o DDS (Diálogo Diário da
Segurança), os trabalhadores eram questionados acerca da ocorrência, no dia anterior, de
quase-acidentes. O DDS consistia de pequenas preleções diárias sobre segurança, com
duração de aproximadamente 20 minutos e sempre antes do início das atividades produtivas.
Em geral, os técnicos de segurança eram os responsáveis por esta atividade.
Na segunda etapa alguns quase-acidentes também foram coletadas durante entrevistas com
trabalhadores, no âmbito de um dos módulos do modelo de PCS, denominado ciclo
participativo. Esse ciclo é um canal de participação presente no modelo de PCS, em que são
realizadas entrevistas com grupos de trabalhadores, sendo que as demandas levantadas são,
em seguida, analisadas pela gerência que, após definir um plano de ação, se reúne com os
trabalhadores para apresentar esse plano. Uma outra fonte de identificação de quase-acidentes
da segunda etapa foi a coleta do indicador PPS (Percentual de Pacotes de Trabalho Seguro),
em que um observador (TST ou pesquisador) caminha pelo canteiro com intuito de observar
se os processos em desenvolvimento estão sendo realizados com segurança. Esse indicador
também é um elemento do modelo de PCS.

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Durante as entrevistas do ciclo participativo e nas visitas esporádicas do pesquisador à obra,


foram relatados alguns eventos que, em um primeiro momento, poderiam ser enquadrados na
classe acidentes com primeiros socorros. Entretanto, uma vez que os trabalhadores não
fizeram qualquer tipo de comunicação imediatamente após o fato, nem sequer procuraram
atendimento de primeiros socorros, considerou-se que os danos foram mínimos. Assim sendo,
esses eventos foram considerados quase-acidentes.
5. Resultados
A figura 1 mostra o número de quase-acidentes coletados ao longo das duas etapas de coleta
realizadas neste estudo, como também os eventos identificados por intermédio dos estudos de
Saurin (2002). Comparativamente, pode ser destacado que, como os estudos de Saurin (2002)
e a etapa 1 deste estudo foram desenvolvidos praticamente com a mesma duração (4 meses) e
empregaram os mesmos procedimentos de coleta, foi verificado um número de registros
aproximado. Em que pese diferenças no risco e nas fases das obras estudadas, é provável que
os procedimentos de coleta utilizados apresentem importante interferência nos resultados
finais. Os resultados da etapa 2, que também teve duração de 4 meses, mostram que a
existência de mecanismos que busquem o envolvimento dos trabalhadores é essencial para
uma melhor eficácia na coleta, desde que os mesmos sejam devidamente treinados para isto e
conscientes da importância desses eventos em prol da prevenção.

Etapa 2 110

Etapa 1 12

Estudo empírico 1 (SAURIN, 2002) 11

Estudo empírico 2 (SAURIN, 2002) 10

0 20 40 60 80 100 120
Número de ocorrências

Figura 1 - Número dos registros de quase-acidentes dos estudos de Saurin (2002) e nas etapas deste estudo

Neste estudo constatou-se que o número de quase-acidentes registrados realmente foi superior
ao número de acidentes. Na etapa 1 foi 33,3% superior e na etapa 2 foi 27,3%. Embora na
etapa 1 o número de relatos possa ter sido influenciado, por exemplo, pelos procedimentos de
coleta empregados, pela inexistência de exigências internas quanto ao registro destes eventos
e também pela falta de conhecimento de seus benefícios por parte, principalmente, dos TST
resistentes no canteiro, o percentual foi maior que na etapa 2. Na etapa 2, apesar do número
significativamente maior de quase-acidentes coletados, o menor percentual pode ter sido
influenciado, especialmente, por alterações nos procedimentos de coleta dos acidentes, em
particular dos acidentes que resultaram em primeiros socorros, os quais raramente eram
registrados na etapa 1.
Particularmente em relação à etapa 1, dentre as informações coletadas, os casos mais graves
foram relatados pelos trabalhadores, sendo que os de menor gravidade, especificamente os
quase-acidentes nos acessos (tropeção e escorregão), presenciados pelos técnicos de
segurança. Embora pequenos tropeções ou escorregões muitas vezes possam ser classificados
como quase-acidentes de baixa gravidade, em algumas ocasiões esses eventos podem ser
considerados de extrema gravidade em função do local que o fato ocorrer. Desta forma, um
escorregão ou tropeção próximo a uma serra elétrica podem representar um grave acidente.

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De forma geral, em circunstâncias como as verificadas na etapa 1, a contribuição dos


trabalhadores tende a acontecer em função da gravidade dos eventos e com uma participação
de trabalhadores específicos, isto é, aqueles que têm zelo e maiores preocupações com a
segurança. A figura 2 apresenta uma classificação dos quase-acidentes da etapa 1 segundo
seus agentes, mostrando o total de ocorrências em cada classe e um exemplo.

Classificação Total Exemplos


Queda de dois trabalhadores que tropeçaram em um feixe de aço que
Acessos 04
estava espalhado pelo canteiro.
Máquinas e equipamentos Queda de pequenas peças de aço cortado e dobrado, que se encontravam
07
de transportes no interior de peças maiores, durante seu transporte pela grua.
Desprendimento da cabeça de um martelo durante a montagem de
Ferramentas manuais 01
fôrmas.
Figura 2 - Classificação segundo o agente causador dos quase-acidentes, total de ocorrências e exemplos

Os quase-acidentes coletados na etapa 2 foram classificados, segundo sua natureza, conforme


indica a figura 3. Esta classificação teve como base a natureza dos acidentes proposta pela
NBR-14280 (ABNT, 2001). Como pode ser observado, 50% (55 ocorrências) dos eventos
foram relacionados com a queda de materiais, ferramentas e equipamentos, seja em níveis
diferentes (28,2%) ou no mesmo nível (21,8%). A predominância dessas duas classes pode ser
explicada parcialmente pelas fases da obra em que esses dados foram coletados e pela maior
visibilidade desses eventos, uma vez que várias pessoas têm, ao mesmo tempo, a
possibilidade de visualização da queda de, por exemplo, madeira e peças de escoramento,
tanto nas desfôrmas e escoramentos das periferias quanto no interior dos pavimentos.

Natureza do quase-acidente Total Exemplos


Queda de materiais, ferramentas e Queda de uma peça de andaime, que estava sendo montada no
31
equipamentos com diferença de nível 4o pavimento, no subsolo.
Queda de materiais, ferramentas e Cabos energizados, que estavam presos na laje, caíram sobre a
24
equipamentos no mesmo nível serra circular e seu operador.
Queda de um painel de compensado sobre um trabalhador
Impacto sofrido pelo trabalhador 10
durante uma desfôrma.
Desequilíbrio do trabalhador por O trabalhador enroscou seu pé na tela utilizada na estrutura do
10
deficiências nos acessos piso do subsolo.
Impacto do trabalhador contra objeto Barra de aço perfurou a botina de um trabalhador, atingindo de
10
fixo raspão seu tornozelo.
Iminência de impacto envolvendo Em função do posicionamento de um refletor em cima do
máquinas e equipamentos de 09 andaime para concretagem do pilar, a visão do operário foi
transporte de cargas comprometida e quase a caçamba da grua impactou o mesmo.
Ao baixar uma peça pré-moldada, a grua apresentou uma pane
Impacto de máquinas ou
06 elétrica, o que fez com que a peça caísse em queda livre sobre
equipamentos de transporte de cargas
os andaimes.
Um pé de cabra foi lançado de um pavimento para o outro, por
Arremesso de materiais e ferramentas 04
pouco não atingindo um trabalhador.
Iminência da queda de andaimes e O funcionário fixou seu cinto em uma torre de andaime que
03
escadas com trabalhadores não estava contraventada e esta quase caiu com o trabalhador.
Um trabalhador sofreu uma pequena descarga elétrica junto à
Choque elétrico 02
caixa central de distribuição de energia.
Durante uma concretagem sob chuva, o funcionário teve a
Atrito e abrasão 01
perna toda ferida pelo atrito com a bota de borracha .
Figura 3 - Distribuição dos quase-acidentes da etapa 2 segundo sua natureza e exemplos

Além da classificação apresentada acima, os quase-acidentes podem ainda ser classificados


em função da ação ou não das medidas preventivas existentes no canteiro. Neste sentido, um

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quase-acidente será de feedback positivo quando as medidas preventivas atuarem, evitando o


acidente. No quase-acidente com feedback negativo as medidas preventivas não funcionaram
como era esperado ou as mesmas não existiam. Na etapa 2, 17,3% dos casos foram de
feedback positivo e o restante (83,7%) de feedback negativo.
Todos os quase-acidentes da etapa 2 foram avaliados segundo uma matriz subjetiva para
priorização das ações corretivas, proposta por Saurin (2002). A figura 4 apresenta os
resultados desta avaliação, a qual indica que os eventos de prioridade 1 (vermelho)
representaram 13,7% dos quase-acidentes coletados. Analisando-se com ênfase na severidade,
nesse grupo, caso o acidente efetivamente ocorresse, às conseqüências poderiam ter sido
gravíssimas, resultando em morte ou em uma lesão incapacitante permanente. A maior parte
dos casos (75,4%) foi enquadrada no grau de prioridade 2. Os quase-acidentes com prioridade
2 (amarelo) poderiam resultar no afastamento do trabalho por um longo período (lesões
incapacitantes temporárias), e em alguns casos até mesmo em lesões incapacitantes
permanentes. Os quase-acidentes de menor gravidade, ou seja, de prioridade 3 (10,9% dos
casos), são aqueles em que o acidente resultaria em um atendimento de primeiros socorros e,
nos casos mais graves, no afastamento do trabalho por poucos dias.
Severidade
Probabilidade
I II III IV V
A

B 10,9%
C 75,4%
D
13,7%
E

Figura 4 - Matriz de avaliação e priorização dos quase-acidentes

6. Conclusões
Com base no conceito de acidente adotado neste artigo e, principalmente, por intermédio da
coleta de 122 quase-acidentes em um canteiro de construção, é proposto um conceito para
esses eventos. Assim, define-se quase-acidentes como toda ocorrência instantânea, não
planejada, com potencial para gerar um acidente que, no entanto, não chega a ocorrer. Sua
conseqüência pode ou não resultar em danos (lesões pessoais e/ou danos materiais). Porém,
resultando em danos, esses serão mínimos ou imperceptíveis, ou seja, não significativos.
Além disto, em que pese à existência de um certo grau de subjetividade, nos casos de quase-
acidentes não há necessidade de tratamento de primeiros-socorros.
Os quase-acidentes podem receber diferentes classificações, muitas delas similares as
classificações comumente empregadas para categorizar os acidentes, tais como segundo seus
agentes e sua natureza. Neste estudo, foram levantados como agentes causadores de quase-
acidentes, por exemplo, os acessos, as máquinas e equipamentos de transporte e as
ferramentas manuais. A partir dos 110 quase-acidentes classificados segundo sua natureza,
pode-se destacar que 50% dos mesmos envolveram a queda de materiais, equipamentos e
ferramentas, tanto no mesmo nível quanto em diferentes níveis. Isso pode ser justificado,
muito provavelmente, pelas características e etapas da obra pesquisada.
Uma classificação de quase-acidentes diferenciada dos acidentes diz respeito a possibilidade
de avaliação qualitativa das ações da gestão da segurança. Neste sentido, os quase-acidentes
podem ser usados tanto para reforçar boas práticas de segurança quanto para apontar falhas de

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gestão que implicam em grave e iminente perigo de acidentes. Assim, podem ser classificados
como de feedback positivo (quando as medidas preventivas estavam implementadas e foram
eficazes) ou negativo (quando inexistiam medidas preventivas ou as mesmas não foram
eficazes). No canteiro investigado, dos 110 eventos registrados, 17,3% dos casos foram
quase-acidentes com feedback positivo.
Dentre os papéis dos quase-acidentes frente a gestão da segurança pode-se salientar que esses
eventos são mais frequentes que os acidentes e proporcionam informações pró-ativas, que
fazem com que, muitas vezes, os acidentes possam ser prevenidos em decorrência de ações
corretivas geradas por meio de sua coleta. Além disso, essas ações corretivas podem ser
priorizadas a partir de uma matriz subjetiva de avaliação. Por intermédio desta matriz,
verificou-se que 13,7% (dos 110 registros do canteiro analisado) poderiam ter resultado em
acidentes com graves consequências. Especialmente para esses eventos considerados de
prioridade 1, as ações corretivas são de vital importância.
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