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ESCRITOS DE LÉO MATOS,Ph.D.

TEMPO E TRANSFORMAÇÃO

COLEÇÃO PSICOLOGIA TRANSPESSOAL


INSTITUTO SERRA DA PORTARIA
&
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

1
MÁRCIA HELENA MACEDO

NILTON GERALDO FERREIRA

(ORGS)

Tempo e Transformação
Léo Matos, Ph.D

COLEÇÃO PSICOLOGIA TRANSPESSOAL


INSTITUTO SERRA DA PORTARIA
&
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

MÁRCIA HELENA MACEDO

NILTON GERALDO FERREIRA

(ORGS)

2
Tempo e Transformação
Léo Matos, Ph.D

3
AGRADECIMENTOS

A Ana Maria Borges Couto, companheira de Léo Matos, a qual entendeu a importância dessa publicação
e incentivou sua realização.

E é exatamente este um dos objetivos básicos da Transpessoal, a transcendência dos estados de


consciência dualísticos em direção a estados elevados de consciência onde você percebe uma realidade
mais profunda, a realidade de unicidade dinâmica.

(Léo Matos)

4
CONTEÚDO
INTRODUÇÃO 8
Nilton Geraldo Ferreira 8
APRESENTAÇÃO 11
Márcia Helena Macedo 11
PARTE I: PERCEPÇÕES E INCURSÕES NA PSICOLOGIA BUDISTA TIBETANA 14
UMA INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA BUDISTA TIBETANA 15
A Auto Imagem 16
As Quatro Verdades Nobres 17
Método 18
Aplicações 18
Técnicas 19
Conclusão 23
PSICOLOGIA TIBETANA BUDISTA: UM CAMINHO PARA A TRANSFORMAÇÃO INDIVIDUAL DENTRO DO CONTEXTO DE
RESPONSABILIDADE UNIVERSAL 25
História 25
Método 26
Responsabilidade Universal 27
Modelo 27
Técnicas 28
O Sistema Projetivo Pessoal 28
A Técnica De Gostar/Não Gostar/Indiferença 29
Caso I 29
Morte E Renascimento Do Ego 31
Caso II 33
Conclusão 36
Referências 36
PARTE II: A VISÃO E A PRÁTICA TRANSPESSOAL 37
PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: EXPLORANDO OS VÁRIOS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA 38
Realidade 39
Consequências Do Dualismo 40
A Auto-imagem 40
A História Da Psicologia Transpessoal 43
Aplicações Da Psicologia Transpessoal 44
Morte-E-Renascimento-Psicológico-Do-Ego 45
Caso Ingrid 46
Conclusão 47
Referências Bibliográficas 48
A LINGUAGEM DOS SONHOS: UMA ABORDAGEM PSICOTERAPÊUTICA TRANSPESSOAL 50
Os Sonhos Em Outras Culturas 54
Referências 56
O HOMEM E A NATUREZA: UMA VISÃO TRANSPESSOAL 58
Motivação 58
A Realidade 59
O Ego 59
Transcendendo O Ego 60
Luz Dançando No Mar Explodindo Em Luminosidade 60
Psicologia Transpessoal 61
O Todo Indivisível 61
Em Direção A Uma Nova Civilização 62
Uma Abordagem Prática 63
Um Exercício 63
Conclusão 65
Bibliografia 66
PARTE III: NOVAS TÉCNICAS TERAPÊUTICAS 67
AS RAÍZES DA DEPRESSÃO EM UMA CRISE SUICIDA: UMA ABORDAGEM TRANSPESSOAL 68
Realidade 69
Consequências Do Dualismo 69
A Auto-Imagem 70
Sintomas Da Depressão 71
5
Crise Suicida 74
Abordagem Transpessoal 75
Experiência Psicológica De Ego-Morte-Renascimento 75
Referências 79
ALÉM DAS FRONTEIRAS DA LOUCURA 81
Estudo de Caso 83
A Síndrome Da Agorafobia 84
Conclusão 95
Referências: 95
AS DUAS FACES DA MORTE 97
O Mistério Da Morte 97
O Medo E As Duas Faces Da Morte 98
A Auto-imagem 98
O Nascimento Do Tabu Da Morte 99
Crise Existencial E Psicose Senil 102
A Outra Face Da Morte 103
O Caso De Samuel 105
Conclusão 109
Referências Bibliográficas 109
TERAPIA DA ARTE TRANSPESSOAL DO MANDALA 111
Infinitude 111
O Mandala em Várias Culturas 112
O Universo e Seus Mandalas Vários 113
Experiência Transpessoal 114
O Teste Do Mandala 114
Vários Modos de Usar o Mandala 116
Estudo De Caso: O Mandala Abrindo a Porta Para o Infinito 117
Referências Bibliográficas 119
PARTE IV: EM BUSCA DA TRANSPESSOALIDADE 120
EXPERIENCIANDO REALIDADES SEPARADAS COM OU SEM O USO DE DROGAS 121
MEDITAÇÃO COMO UMA ALTERNATIVA PARA O USO DA DROGA 121
Introdução 121
A Razão da Ausência do Problema de Drogas em Sociedades “Primitivas” 122
A Experiência Mística 123
Por que as Pessoas Consomem Drogas? 124
Meditação 125
Escolas de Meditação 126
Método deste estudo 130
Conversão do Uso da Droga para Yoga/Meditação 133
Efeitos Experienciados da Meditação 135
Conteúdo de Experiência de Meditação 136
Conclusão 138
Referências 144
COMUNICAÇÃO, TEMPO E IMAGINAÇÃO 147
Comunicação 147
Tempo 147
Tempo E Comunicação 149
Pergunta E Resposta 150
Exercício 151
Visualização E Arquétipos 151
Exercício De Meditação 153
Supervisão 154
Os Quatro Estágios Da Terapia 161
Imaginação 163
Notas 164
SONHOS, GESTALT E PSICOLOGIA TRANSPESSOAL 165
Apego 170
Relação Terapêutica No Nível Psicodinâmico E No Nível Transpessoal 171
Psicologia Individual E Psicologia Transpessoal 174
Explicação Da Técnica De Hot-Seat 176

6
INTRODUÇÃO
Nilton Geraldo Ferreira1∗

Meu primeiro contato com o Dr. Léo Matos aconteceu no início da década de 1980, em um de seus
seminários sobre Psicologia Transpessoal, que ele ministrava em vários países. Esse encontro foi em
uma fazenda no interior de Minas Gerais.

Sua trajetória no exterior inclui o trabalho no Departamento para o Estudo de Estados Alterados
de Consciência, no laboratório de Psicologia da Universidade de Copenhague e a convivência de sete anos
com Lamas Tibetanos, que resultou em profundas transformações em sua vida. Conforme seu relato,
quando visitou a Índia por dois meses em 1970, teve o primeiro contato com os tibetanos, atendendo à
sugestão de um pesquisador também com interesse em “estados alterados de consciência”. Inicialmente
reticente e com pouco interesse nesse encontro ele viajou até Benares (hoje Varanasi), onde entrou
em contato com a comunidade de refugiados tibetanos. Ficou maravilhado e ao mesmo tempo muito
intrigado ao ver mulheres, crianças, monges e lamas, felizes, sempre com um sorriso no rosto, mesmo
vivendo em condições de extrema pobreza; exilados de seu país, então invadido pela China. A procura do
entendimento e de respostas para esse fato, fez com que se aproximasse definitivamente da Psicologia
Budista Tibetana, praticada por esse povo e descrita por ele, como “uma sofisticada escola de Psicologia
Transpessoal”.

Criou então uma nova abordagem integrando técnicas desenvolvidas pelo budismo tibetano,
não só para seu crescimento pessoal como também agregou algumas dessas técnicas à sua prática
psicoterápica. Ele relata que o uso dessas práticas em sua vida pessoal aumentou consideravelmente
sua disposição e capacidade de trabalho, além de lhe trazer mais inspiração, sentimento de paz interior
e alegria. O trabalho de Léo Matos, descrito em livros e artigos evidenciam a trajetória do autor pautada
a partir daí, pela busca da integração entre a sabedoria milenar da psicologia budista tibetana com a
psicologia ocidental.

Dentre seus trabalhos mais destacados pode-se citar a técnica da Morte e Renascimento do
Ego, do Sonho Diurno Catártico e a Terapia de Arte Transpessoal da Mandala.

A Morte e Renascimento do Ego é uma técnica desenvolvida por Léo para facilitar a experiência
psicológica de morte e renascimento do ego. Ele usou esta técnica em terapia individual e em workshops
transpessoais ministrado ao longo de mais de quinze anos, facilitando aos participantes, segundo ele,
um encontro com a vida, a morte e o renascimento.

A técnica do Sonho Diurno Catártico conduz o cliente a um mergulho profundo às várias


dimensões da consciência, nas quais, via de regra, estão as raízes de nossos problemas. Esta técnica,
assim como as outras criadas pelo Prof. Léo Matos, quase sempre produz efeitos imediatos de cura e
expansão do nível de consciência da pessoa.

A Terapia de Arte Transpessoal da Mandala representa a integração das técnicas descritas


anteriormente com os desenhos de mandala. A técnica de interpretação de mandalas foi criada por Joan

1 ∗
Nilton Ferreira é Psicólogo Transpessoal, dirige o Instituto Serra da Portaria em Parauna, GO, onde tem realizado nos últimos 10
anos, workshops, treinamentos e cursos de formação em Psicologia Transpessoal Centrada no Corpo.
7
Kellog que a utilizou, quando trabalhava com Stanislav Grof, como ferramenta auxiliar no diagnóstico
das condições psicológico-estruturais de pessoas a serem submetidas a um tratamento conduzido com
LSD. Tendo sido seu aluno, Léo Matos passou a utilizar a técnica com seus clientes. Integrou o desenho
de mandalas - utilizado desde tempos imemoriais como ferramenta para acessar estados alterados de
consciência - às demais técnicas de abordagens transpessoais concebendo o que designou de Terapia
de Arte Transpessoal da Mandala. Segundo observado por ele, ao desenhar mandalas era como se o
cliente tivesse um sonho acordado, recebendo mensagens do inconsciente. Dizia que a técnica facilitava
acessar e transformar diversos problemas relacionados aos diferentes níveis de consciência.

Quase sempre digo que não devemos chamar ninguém de mestre. Isso, para não correr o risco
de transformar suas palavras em verdades absolutas, antes de se ter a oportunidade de confrontá-las
com nossa própria experiência pessoal. Léo Matos com suas técnicas e exemplo de vida nos levava a ter
a experiência direta por nós mesmos.

Quando a minha jornada de vida me levou a conhecer o Dr. Léo Matos, pude absorver esses
conhecimentos e integrá-los à minha prática terapêutica. Desde então tenho utilizado estas técnicas com
meus clientes em grupos e workshops integrando-as ao modelo de Psicologia Transpessoal Centrada
no Corpo. Desde este nosso primeiro encontro, pude acompanhar seus trabalhos em diferentes locais
no Brasil e em Dharamsala na Índia, onde ele anualmente orientava um workshop de 10 dias. Destaco
especialmente minha convivência com Léo no Instituto Serra da Portaria, em Parauna - GO, onde ele
orientou seminários nos últimos dez anos de sua vida. Companheiro de jornada cósmica Leo Matos foi
um grande amigo meu e de minha família. Além de um grande amigo, considero-o também meu “mestre”.

Léo Matos formou-se em Psicologia da Universidade de Copenhague. É autor do livro Body and
Mind: Practical ways to attain the perfect psychological equilibrium (Corpo e mente: práticas para atingir
o equilíbrio psicológico perfeito), 108 Exercícios para um Caminho Transpessoal. Publicou também
uma das obras pioneiras sobre o tema Droga e Meditação, resultado de seu trabalho acadêmico no
Mestrado. Realizou inúmeras pesquisas e tem mais de 40 artigos publicados em revistas profissionais de
diferentes países. Foi um dos responsáveis pela realização do IV Congresso Internacional de Psicologia
Transpessoal no Brasil, em 1978. Foi também fundador da primeira Associação Brasileira de Psicologia
Transpessoal, trazendo para o Brasil toda a contribuição da Psicologia Budista Tibetana. Capacitou
profissionais em saúde mental e em Psicologia Transpessoal no Brasil e na Finlândia, além de ministrar
workshops em vários países e continentes.

Léo Matos exerceu, sem sombra de dúvida, uma profunda influencia na inserção e consolidação
da Psicologia Transpessoal no Brasil. Fez sua passagem no dia 15 de novembro de 2011.

A publicação deste livro visa trazer ao público em geral, o rico conhecimento, transmitido pelo
Dr. Léo Matos de maneira simples, clara e direta; além de, e principalmente expressar nossa gratidão a
este grande mestre da Psicologia Transpessoal. Agradecimentos especiais também à sua companheira
Ana Maria Borges Couto, que cedeu os direitos de publicação dos textos que compõem este volume.

8
APRESENTAÇÃO
Márcia Helena Macedo2∗

A publicação do presente livro é uma iniciativa do Instituto Serra da Portaria - GO e compõe a


bibliografia do Programa de Formação em Psicologia Transpessoal Centrada no Corpo. Ele reúne uma
série de textos e artigos científicos produzidos pelo psicólogo Ph.D Léo Matos, que, juntamente com
Pierre Weil, é considerado um dos “pais” da Psicologia Transpessoal no Brasil.
A relevância e atualidade dos temas tratados por Léo Matos motivaram o resgate e compilação
em um documento único, de parte da obra que Matos brindou ao campo da Psicologia Transpessoal. São
artigos científicos publicados em revistas e anais de congressos de diferentes países e textos didáticos
utilizados em cursos de treinamento e capacitação realizados na Europa e no Brasil. A maioria desses
artigos e textos foi posteriormente traduzida para o português e encontrava-se dispersa em vários
documentos.
A inestimável contribuição de Matos à psicologia deve-se em grande parte à produção de uma
metodologia de trabalho que utiliza a sabedoria, a simplicidade e a profundidade da psicologia budista
tibetana na aplicação das técnicas terapêuticas diretas e profundas, por ele criadas. A organização dos
textos no livro procura retratar essa contribuição e abrange parte da produção do autor no período de
1970 a 2000.
O livro foi dividido em quatro partes tendo como base principal o caráter temático e
secundariamente a ordem cronológica em que os textos foram produzidos ou publicados.
A primeira parte denominada Percepções e Incursões na Psicologia Budista Tibetana
contempla dois artigos. Neles o autor nos introduz ao campo da Psicologia Budista Tibetana, enfatizando
o caráter sistêmico desse conhecimento milenar. Vai aos poucos abrindo portas e acendendo luzes para
a compreensão desse sistema de conhecimento que tem como base a busca da transformação individual
em direção a uma consciência mais ampla e totalmente cósmica. Afirmando o caráter de unidade e
transitoriedade da vida como base da Psicologia Budista Tibetana, traça um paralelo com o padrão
quantum relativístico da física sub-atômica e faz emergir o entendimento da importância do ser humano
resgatar sua percepção original de ser “Um com o Todo”. Ao longo dos textos, traz um breve relato da
história da Psicologia Budista Tibetana, apresenta métodos para trabalhar e integrar o corpo e a mente
no contexto cósmico, e descreve estudos de casos aplicando os princípios dessa Psicologia.
A segunda parte - A Visão e a Prática Transpessoal - é dedicada aos textos que apresentam a
visão de Matos sobre a Psicologia Transpessoal e refletem sua contribuição na consolidação de conceitos
e práticas dessa ciência. A partir da visão do homem como ser total, integrado às dimensões ecológica e
cósmica, os artigos discutem conceitos, exploram a visão transpessoal entre o ser humano e a natureza
e apresentam técnicas de trabalhos com sonhos e ampliação de estados de consciência num contexto
psicoterapêutico transpessoal.
A terceira parte – Novas Técnicas Terapêuticas - contempla artigos, com estudos de caso,

2 ∗
Márcia Helena Macedo é Engenheira Civil, Ph.D em Transportes e Terapeuta Transpessoal.
9
referentes às técnicas desenvolvidas por Matos - Day Dream Catarsis (Catarse do Sonho Diurno),
Morte e Renascimento do Ego e Terapia de Arte Transpessoal da Mandala. A criação dessas técnicas
foi fortemente influenciada pela vivência de Matos com sábios tibetanos. Segundo o autor, elas levam
o cliente, de uma maneira rápida e segura a confrontar e superar conteúdos de diferentes dimensões
da consciência e têm demonstrado serem bastante eficientes na cura de casos severos de depressão,
transtornos limítrofes e tendências suicidas.
A quarta parte - Em Busca Da Transpessoalidade – contém o artigo que resultou de seu trabalho
acadêmico de Mestrado, sobre o tema Drogas e Meditação e a transcrição de dois documentos com
material didático utilizado na capacitação e treinamento de profissionais em Psicologia Transpessoal,
realizados no Brasil e Finlândia. No trabalho acadêmico de Mestrado, uma obra considerada pioneira
sobre o tema Drogas e Meditação, Matos discute sobre o porquê das pessoas consumirem drogas e
investiga técnicas de meditação como alternativa a esse consumo. O trabalho foi inspirado nos praticantes
de meditação ou yoga e ex-consumidores de drogas que o autor conheceu durante o Congresso Mundial
de Yoga Científica em Nova Delhi, em dezembro de 1970. A pesquisa utiliza dados de 26 ex-dependentes
químicos, os quais, “haviam reformulado seus antigos valores em direção a uma atitude espiritual sem
o uso de drogas”.
O documento - Comunicação, Tempo e Imaginação - explora os conceitos de “comunicação” e
“tempo” e a relação dos dois na realidade ordinária e no nível Transpessoal. Apresenta ainda exercícios
de meditação, visando facilitar a entrada da pessoa num estado elevado de consciência; descreve a
supervisão de um caso de um participante com seu cliente e ainda propõe um approach terapêutico em
quatro etapas.
No documento – Sonhos, Gestalt e Psicologia Transpessoal – o autor traz uma breve
introdução de conceitos e práticas da Gestalt Terapia – pertencente à Escola da Psicologia Humanista
e discute conceitos e diferenças entre Psicologia Individual e Psicologia Transpessoal, ressaltando o
caráter dualista e holístico de uma e de outra. Descreve também estudos de caso utilizando diferentes
approaches terapêuticos – Trabalho com sonhos e Hot – Seat.
Os conteúdos dos artigos e textos apresentados neste volume foram mantidos, sempre que
possível, em sua íntegra. As eventuais alterações dos documentos originais foram motivadas, em sua
maioria, por correções de erros de digitação, adequações na tradução, ortografia e formatação.

10
PARTE I: PERCEPÇÕES E INCURSÕES NA PSICOLOGIA BUDISTA
TIBETANA

UMA INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA BUDISTA TIBETANA


Tradução: Dora Gutierrez

A Psicologia Budista Tibetana é um amplo sistema de conhecimentos para a


compreensão e manipulação da vida em um quadro de referências intelectual, existencial,
pessoal e transpessoal. Vida aqui não se refere necessariamente à vida humana e animal
em geral e sim a tudo aquilo que existe.

A Psicologia Budista Tibetana é uma abordagem à vida e à morte, enfatizando um


conhecimento experiencial, e seus métodos de observação dizem respeito a um estudo
das relações do indivíduo consigo mesmo e com tudo aquilo que o rodeia, seu mundo
interior e seu mundo exterior, como realmente o é.

O padrão da Psicologia Budista Tibetana está bem perto dos padrões expostos
pela física moderna, especialmente os padrões de quantum relativística da física sub-
atômica, isto é, padrões que se esforçam em apresentar uma visão integrada da teoria
de quantum e relatividade. Aqui o universo inteiro (matéria e energia) é uma entidade
dinâmica em constante mutação dentre de um todo indivisível. No seguinte contexto
Capra (1975) diz:

Na física moderna, o universo é então experienciado como um todo


dinâmico, inseparável, que sempre inclui o observador de uma maneira
inseparável. Nesta experiência, os conceitos tradicionais de de tempo e
espaço, de objetos isoladas, de causa e efeito, perdem seu significado.

É este significado de unidade e transitoriedade que forma a base da Psicologia


Budista Tibetana. O Universo, ou melhor, o multiuniverso, é transitário; tudo aqui nasce,
amadurece, deteriora, morre e é transformado (renasce) em alguma outra coisa. Tudo o
que você ve agora, como por exemplo este papel diante de seus olhos, e estas letras que
você está vendo impressas em preto, são espécimes dinâmicos interconectados e que
fazem parte deste processo de fluência na transformação que está acontecendo neste
momento à sua frente.Você será capaz de sentir esta transformação em seu próprio corpo,
que neste momento está envelhecendo, e a cada instante deste dia você experiencia a
11
concepção e a morte. Esta transformação de todas as coisas está acontecendo agora.
Aqui neste lugar, enquanto você lê este artigo, transformações sutis, como as de suas
emoções, pensamentos e da luz que você vê neste momento, estão acontecendo. Todas
as coisas estão fluindo no Rio da Vida-Morte-Renascimonto desta Dança Cósmica da
Unidade. Isto é um acontecimento para nós, sofisticados membros de uma sociedade
civilizada, de mente científica. No entanto, para muitos seres humanos estes dados
implacáveis são tão somente conceitos intelectuais. Nesse aparato sensual perceptivo
e nessa maneira usual de estar conscientes da “realidade” nos fez ver (ou perceber)
o mundo quase como uma infinidade de indivíduos separados: árvores, nuvens, rios,
pedras, flores, emoções, situações e tudo aquilo que podemos perceber e conceptualizar.

A Auto Imagem
Começamos a criar um mundo dualista, isto é, a divisão em sujeito e objeto, com o
conceito do ego. O “eu” aqui é muito importante, porque é usando o “eu” que moldamos
a nossa mente em observando o universo interior e o exterior de nossa existência.
Quando digo “eu”, imediatamente, consciente eu inconscientemente, relaciono com uma
autoimagem (quem eu creio ser e as qualidades que atribuo a este “eu”). No entanto,
muito frequentemente, o indíviduo confunde esta concepção do ego pensando ser ele/
ela mesma. É como ter uma figura de um rio e pensar que a figura é o próprio rio.

O primeiro atributo do ego é estar mais ou menos fixo e separado. E aqui eu


começo separando e densificando a mim mesmo, ou melhor, minha auto-imagem. E desta
maneira eu começo a separar e classificar tudo mais, cuidadosamente construindo uma
realidade conceptual. Esta realidade pode ser muito útil quando sabemos que construção
conceptual é somente uma construção mental e não aquilo que é. Esta separação e
classificação é muito útil a um certo nível, e nos permitiu um avanço tecnológico o
qual chega às raias da ficção científica. Esta “ficção científica” pode ser usada de modo
a enriquecer ou não nossas vidas, ou mesmo, de modo a exterminar a raça humana
e todas as formas de vida neste planeta, tudo dependendo de como experienciamos,
sentimos, percebemos e somos diante desta completa realidade da existência.

Comumente tomamos consciência da total realidade de nossa existência como


se composta dessa multiplicidade de objetos e situações (a “realidade objetiva”). Esta
maneira de estar consciente é denominada na Psicologia Budista Tibetana de “MA-RIG-
PA”. “Marigpa”significa “não vendo” ou não estar devidamente consciente, e sim ver
alguma coisa outra que não aquilo que É. Esta maneira específica de estar consciente da
existência pode fazer com que o indíviduo se sinta como um ego isolado flutuando em
um oceano mais ou menos perigoso onde ele tenha que assegurar para si mesmo alguns
estratagemas para sobreviver em sua própria sociedade. Sua meta, que basicamente
é a meta consciente ou inconsciente de todo ser humano, será atingir um sentimento
de prazer no contexto físico, emocional e mental que resulte em um estado de paz, de
harmonia no seu mundo interior e exterior. De maneira a atingir seu objetivo a curto
ou a longo prazo, ele negociará com o seu ambiente. Está claro que ele negociará com a
existência da maneira pela qual ele está consciente de seu mundo, transacionando com
o seu mundo de um modo impróprio (Marigpa), ele obterá resultados similares.

As Quatro Verdades Nobres


A Psicologia Budista Tibetana emana das Quatro Verdades Nobres de Buda. Este é
um modo compacto que Buda escolheu para expor a essência de sua doutrina:

A Primeira Verdade Nobre afirma que a característica que mais aparece na


condição humana é o sofrimento ou frustração. Esta frustração surge do fato de que
nós não somos existencialmente capazes de sentir a impermanência de todas as coisas.
Assim agarramos as coisas, as pessoas e as situações. “Todas as coisas aparecem e
12
desaparecem” disse Buda, e o sofrimento aparece quando nós nos apegamos às formas
fixas. O budismo vê o ego, a ideia de uma personalidade separada, como uma ilusão.
Agarrar-se a este conceito leva à mesma frustração que a fixação em qualquer outra
categoria de pensamento fixo;

A Segunda Verdade Nobre mostra que a causa do sofrimento está exatamente nesta
maneira de separarmos: fixar, agarrar ou apegar-se;

A Terceira Verdade Nobre afirma que o sofrimento e a frustração podem acabar; e,

A Quarta Verdade Nobre apresenta métodos psicológicos específicos para acabar


com os sofrimentos.

Método
Vários métodos são usados na Psicologia Budista Tibetana para trabalhar e integrar
o corpo e a mente no contexto cósmico desta unidade de constante flutuação, este fluxo
onde todas as energias, manifestadas como matéria ou de outra forma, existem.

Meditação é uma técnica primordial neste sistema de psicologia, apresentando


aqui uma gama bastante interessante de aplicações terapêuticas. E o propósito básico
aqui é levar a mente a um profundo estado do tranquilidade. Neste estado a mente
começa a ser capaz de apreciar e compreender a sua própria natureza.

Aplicações
A Psicologia Budista Tibetana tem sido grandemente usada no Ocidente nestes últimos
anos em várias abordagens da moderna psicoterapia transpessoal, com resultados
efetivos. Nos Estados Unidos especialmente, existem vários institutos com a finalidade
específica de transmitir os ensinamentos deste sistema a psicólogos e psiquiatras; e
hoje um grande número de psicoterapeutas profissionais orientados para a transpessoal
estão usando esta técnica como um meio hábil para o tratamento e cura das desordens
mentais.
O estado natural da mente 3 é a ordem, isto é, harmonia consigo mesmo e com o ambiente.
Quando esta harmonia existe, a mente funciona como um todo e então temos como
resultado a saúde mental. Quando existem distúrbios e desarmonia, a mente perde seu
estado de unidade no fluir e se torna dividida, ou bloqueada, ou apresenta aspectos
traumáticos que podem resultar em vários tipos de depressão, ansiedade, neurose e/ou
várias formas de psicose. Um trauma ou um bloqueio mental é uma situação “negativa”
que o indíviduo sentiu uma vez e que agora guarda (quase sempre inconscientemente)
como um velho filme. A situação não mais existe e frequentemente a pessoa esqueceu
totalmente (reprimiu) aquela experiência desagradável. No entanto, aquela situação
está agora estocada como um filme desagradável no inconsciente e, como uma forma
de energia bloqueada, perturba o fluxo natural da mente. Como resultado a mente
perde seu estado de totalidade ou saúde. A maneira de restaurar a totalidade (saúde)
é desbloqueando esta energia bloqueada. Várias são as razões porque a mente humana
opera desta maneira específica, bloqueando a “realidade” (aqui a situação traumatizante
passada). A Psicologia Budista Tibetana aborda este problema pela sua raiz, trabalhando
primeiro com o mecanismo que o indíviduo usou para bloquear o acontecimento
traumatizante, isto é Marigpa, e não somente com os sintomas aparentes. A realidade
conceptual de separação é sobretudo feita de imagens. Estas imagens são produzidas
pela mente em seu esforço para entender e compreender a realidade, e as maneiras com
que nos ocupamos desta realidade conceptual criada é um forte fator para determinar
nossa saúde mental e física. Nós vimos que uma situação desagradável bloqueada é
formada de imagens e a estas imagens nós anexamos emoções específicas. Estas
3 Mente aqui significa todos os eventos mentais e emocionais experienciados por um indivíduo.
13
imaginações desagradáveis “negativas” tem um forte efeito desagradável “negativo” em
nosso corpo-mente. A Psicologia Budista Tibetana usa de visualizações específicas como
uma importante técnica de seu múltiplo sistema para desbloquear um acontecimento
passado traumatizante.

Técnicas
Inumeráveis são as técnicas apresentadas pela Psicologia Tibetana Budista que têm o objetivo de
eliminar sofrimento e levar a um estado de bem estar e paz. Aqui quero apresentar algumas destas
técnicas que facilitam à pessoa entrar em contato com uma realidade mais profunda, clareza e estados
elevados de consciência. Estas técnicas adaptei a um contexto de psicoterapia ocidental, com o auxílio e
supervisão de diversos Lamas Tibetanos
A Técnica De Gostar/Não Gostar/Indiferença

Usualmente temos três atitudes básicas diante do mundo: gosto, desgosto ou


indiferença. “Gosto de você, então quero ter voce”. Da mesma forma como se, gostando
muito de um certo tipo de comida, eu quisesse comer daquela comida, de modo a que,
incorporando aquela comida, ela se tornasse uma parte de mim mesmo. Se gosto de
alguém, quero que este alguém se torne meu amigo, e sinto que este alguém pertence a
mim. Eu acho isto agradável... Eu gosto. Quando desgosto de alguma coisa ou de alguém,
eu rechaço aquela coisa ou ele/ela... Eu rejeito. Quando sou indiferente a alguma coisa
ou a alguém, eu ignoro, o que é uma forma de rejeição ligeira (empurrando para longe
de mim). Desta forma passo a minha vida gostando e desgostando de pessoas, coisas
e situações. Consequentemente eu incorporo dentro de minha mente uma memória
específica, uma série de específicas situações pensadas, com esta conotação (rótulo)
básica de gostar ou desgostar. Como resultado, quando eu vejo uma certa pessoa outra
vez, ou o lugar onde se passou uma situação, eu naturalmente projeto o meu filme
estocado na pessoa e/ou lugar. Faço a mesma coisa mentalmente quando penso naquela
pessoa.Por exemplo:

A está muito zangado com B, porque B ofendou A (a autoimagem de A) há dois


anos atrás e colocou A em uma situação muito desagradável, e A não foi totalmente
capaz de exprimir sua frustração. A bloqueou a situação desagradável, estocando-a
como uma memória, ou filme, em seu subconsciente, eventualmente reprimindo-a. Aqui
temos uma situação bloqueada que provavelmente perturbara a paz da mente de A.
Cada vez que este filme (ou memória) da situação desagradável bloqueada for visto (ou
visualizado) por A, ele o colocará em um estado “negativo”. Esta emoção realimentará
com novas imagens o filme e o filme pode se tornar ainda mais desagradável. Desta
maneira poderemos encontrar A odiando B por alguma coisa que B fez a A, dois anos
atrás. B expressou na ocasião seus sentimentos e pode se sentir livre da situação
em questão. A, não; ele bloqueou sua experiência negativa, e toda vez que vê B (ou
pensa em B) ele re-experienciará as concomitâncias (medo, raiva, agressão, ódio, e
eventualmente, ansiedade) daquela situação. Na realidade A não odeia B, mas a imagem
que ele faz de B. O filme de A sobre B é uma causa de sofrimento para A. Como este é
o seu próprio filme, sua própria produção ou criação, o que está realmente fazendo é
temer e odiar a ele mesmo.

A Psicologia Budista Tibetana tem uma técnica muito interessante que torna o
individuo existencialmente conscio de suas projeções (filmes) e consequentemente
permite à pessoa se tornar livre de sentimentos de desagrado em relação a situações
passadas que poderiam se tornar agora uma característica neurótica.

Como exemplo desta abordagem simples e poderosa, gostaria de apresentar esta


técnica para projeções transcendentes 4.
4 Transcender – do latim: trans = além, sobre – scendere = subir.
14
A pessoa se sentará confortavelmente e bem relaxada e a instrução é a seguinte:

“Feche seus olhos e imagine que em sua frente está uma pessoa de quem você
gosta muito, uma pessoa que eventualmente você possa amar... Agora repare como você
se sente em relação o esta pessoa... Agora eu quero que você imagine que ao lado desta
pessoa está uma outra de quem você não gosta. Se existe alguém que você odeie, ponha
esta pessoa ao lado daquela que você gosta... repare como você se sente em relação a esta
pessoa de quem você não gosta... Agora eu quero que você imagine uma terceira pessoa
neste grupo. Quero que voce imagine que na sua frente está alguém que é indiferente
para você. Simplesmente escolha alguém que lhe seja indiferente e ponha esta pessoa
ao lado das outras duas, em sua frente. Agora eu quero que você perceba como se sente
com relação a cada uma dessas pessoas: aquela que você gosta ou ama, a que você não
gosta ou até mesmo odeia, e aquela que lhe é indiferente... Agora quero que você faça
a fantasia que você é a pessoa de quem você gosta... e agora quero que você perceba o
que você sente em relação às outras três pessoas deste grupo... agora volte a ser você
mesmo de novo... agora quero que faça a fantasia que você se torna a pessoa de quem
você não gosta... como você se sente sendo esta pessoa? O que você sente com relação
aos outros membros do grupo?... Agora volte a ser você mesmo de novo e olhe mais
uma vez para as três pessoas a sua frente. Agora faça a fantasia que você se torna a
pessoa que lhe é indiferente. Como você se sente sendo esta pessoa? O que você sente
em relação aos outros membros do grupo? Agora você se torna você mesmo de novo.
Como você se sente em relação a estas três pessoas agora? Há alguma diferença? Agora
eu quero que você tente e vá além do sentimento de gostar, desgostar e indiferença que
você sente em relação a estas três pessoas. Se você conseguir ir além do que você sente
em relação a estas pessoas, você poderá encontrar um novo tipo de sentimento”.

É dado à pessoa alguns minutos nesta tentativa de ir além dos sentimentos de


gostar-desgostar-indiferença (quer dizer, ir além de suas próprias projeções e se libertar
de seu “filme” bloqueado) e depois se pede à pessoas para deixar desaparecer as imagens
das três pessoas e abrir seus olhos e dividir a experiência (com o psicoterapeuta, se numa
terapia individual, ou com o grupo, se numa psicopetepia do grupo). Normalmente 90%
daqueles que passam por esta experiência apresentam mudanças positivas em suas
atitudes para com aqueles com quem mantiveram aquele relacionamento perturbador
“negativo” (o que em realidade é um intrarelacionamento e não simplesmente um
interrelacionamento como crê a maioria) e apresentam um sentimento agradável. A
primeira vez que praticam este exercício, poucas pessoas serão capazes de ir além
de seu próprio sistema projetivo (no caso, as imagens criadas, produzindo agora a
concomitância emocional de gostar-desgostar-indiferença). As pessoas que conseguem
eliminar suas projeções indo além dos sentimentos de gostar-desgostar, experienciam
uma liberdade, alegria, expansão, equanimidade e amor, e muitas vezes ficam surpresas
de ver como se mantiveram prisioneiras daquelas projeções que lhes pareceram tão
reais e autênticas por tantos anos.

Tenho aplicado esta técnica nestes últimos dez anos em psicoterapia individual e
de grupo com o proprósito básico de demonstrar que em um contexto psicoterapêutico
existencial, como nós, da forma pela qual estamos cônscios do nosso multiuniverso,
criamos projeções, e como estas podem produzir medo, depressão, ódio, ansiedade e
até mais sérios distúrbios mentais.

Para alguns de meus pacientes eu recomendo esta prática de uma forma mais
sistemática (por exemplo 20 minutos diariamente, de um a três meses) com a finalidade
específica de liberá-lo de situações traumáticas dolorosas, que seriam dificeis para eles
trabalhar no momento.

Esta técnica permite ao indíviduo desbloquear várias situações negativas,


trabalhando sozinho, sem um terapêuta (isto é, fazendo uma autoterapia) e sólidos
15
resultados psicotapêuticos são obtidos quando este exercício é aplicado sistematicamente
na exploração da mente de própria pessoa.

Técnica da Morte e Renascimento do Ego


Uma das técnicas mais efetivas de nossos dias (se não a mais efetiva) é a
experiência de ego-morte-renascimento psicológico. Trabalhando especialmente com
problemas relacionados com morte e suicídio, adaptei esta técnica da Psicologia Budista
Tibetana a técnicas de Gestalt Terapia e Psicologia Analítica Junguiana. Os resultados
psicoterapêuticos foram de profundo valor. Sem o uso de drogas, pessoas foram capazes
de suportar esta experiência crucial da qual resultou uma mudança drástica em suas
atitudes em face da morte e do suicídio. As pessoas que experienciaram seu ego-morte-
renascimento psicológico sentiram uma diminuição significativa do medo da morte, e
muitas vezes até uma ausência total deste medo, possuindo em seu lugar agora, uma
atitude de aceitação natural e de respeito em relação a este resultado inevitável da
vida. Pacientes suicidas informaram que depois desta experiência profunda de morte e
renascimento psicológicos, descobriram que eles não queriam absolutamente matar os
seus corpos físicos; que realmente queriam destruir eram seus problemas (autoimagem
negativa) e a ideia de suicídio agora lhes aparece como absurda. Pessoas que passaram
por esta experiência, demonstraram mais tarde um estado de extremo bem-estar, alegria
e profunda paz.

A Psicologia Budista Tibetana usa várias formas de meditação, especialmente


aquelas que usam a visualização de luz, de vários símbolos universais e arquétipos,
sons, exercícios corporais específicos e técnicas respiratórias, que produzem profundos
e benéficos resultados psicoterapêuticos. A Psicologia Budista Tibetana pode ser usada
tanto per se, como também combinada com outros métodos psicoterapêuticos.

Conclusão
Vivemos em uma época de tecnologia avançada, com suas terríveis realizações
materiais, e que ao mesmo tempo apresenta uma séria ameaça para a existência da vida
humana neste planeta. Parece que um encontro da sabedoria do Oriente com a perícia
do Ocidente, seria agora de um significativo benefício para a humanidade.

A Psicologia Transpessoal usa técnicas tibetanas descobertas há centenas de anos


e largamente beneficiadas por pesquisas feitas no Tibet sobre os estados de consciência
durante o último milênio.

Hoje no Ocidente há um difundido interesse na Psicologia Budista Tibetana e vários


institutos e centros de pesquisas foram abertos nos Estados Unidos e na Europa. Nestes
centros as técnicas tibetanas são testadas cientificamente e adaptadas a um contexto
psicoterapêutico ocidental. Aqui os ensinamentos deste sistema são transmitidos
a psicólogos e psiquiatras e hoje um número cada vez maior de profissionais com
orientação transpessoal está usando essas técnicas como um meio hábil de tratamento
e cura de desordens mentais. Dentre os mais famosos Institutos nos Estados Unidos
eu gostaria de mencionar aqui o “Tibetan Nyingma Institute” (2425 Hillside Avenue,
Berkeley, Califórnia) e o “Naropa Institute” (Boulder, Colorado). Na Europa nós temos
“Gonpo Transpersonal Institute” (Ohjaajantie 28C26, Helsinki 40, Finlândia), o qual
é um Instituto para Treinamento Psicoterapêutico e Pesquisa. O Instituto emprega a
sabedoria e as técnicas tanto do Ocidente quanto do Oriente, tais como Transpessoal,
Gestalt, Junguiana e Psicoterepia Budista Tibetana.

No Tibet o professor de psicologia e de medicina era em geral um lama. Vários


Lamas imigraram do Tibet depois da invasão chinesa em 1959 e existe na índia uma
Escola de Medicina Tibetana (Tibetan Medical Center, Dharamsala, UP, Índia), um Centro
16
de Pesquisas e Estudos muito bem equipado (The Library of Tibetan Works and Archives,
Dharamsala, UP, Índia) e um muito interessante Centro de Pesquisas Científicas e
Estudos na Índia do Sul (Drepung Loseling Library, P.O., Tibetan Colony, Mundgod, N.
Kanara, Karnataka State, Índia).

Várias são as técnicas dentro do sistema de Psicologia Budista Tibetana e resultados


benéficos tem sido colhidos através delas pela psiquiatria e pela psicologia ocidentais;
parece que as portas para maiores possibilidades ainda estão abertas e esperando que
se venha investigar, dentro deste antigo sistema, como lidar com a vida, o que tem sido
desenvolvido no Tibet durante milênios de prática, experiência e pesquisa científica.

PSICOLOGIA TIBETANA BUDISTA: UM CAMINHO PARA A TRANSFORMAÇÃO


INDIVIDUAL DENTRO DO CONTEXTO DE RESPONSABILIDADE UNIVERSAL5
Tradução: Verônica Rapp de Eston

As raízes da Psicologia Tibetana Budista são tão antigas como a humanidade e seus princípios e

finalidade básica são a transformação individual em direção a uma consciência mais ampla e totalmente

cósmica.

Como defini em outros artigos (Matos, 1979; 1986), a Psicologia Tibetana Budista é um sistema

científico de conhecimentos para compreender e trabalhar com a vida dentro de um quadro de referência

intelectual, existencial, pessoal e transpessoal. A vida aqui não se refere necessariamente só à vida

humana e animal em geral, mas a tudo que existe.

História

A história da Psicologia Tibetana Budista iniciou-se a mais de 2.500 anos quando Gautama, o Buda,

começou a sistematizar a doutrina que se tornou uma sofisticada combinação de filosofia, psicologia,

religião, e uma maneira prática de lidar com a vida. O Budismo Tibetano é um sistema extensivamente

elaborado de psicologia formado por Mahayana e Tantrayana que foi introduzido no Tibet no século VIII

A.D. pelo sábio indiano Padmasambhava. Padmasambhava, conhecido também como Guru Rinpoche,

sabiamente integrou no seu modo pedagógico de levar o Budismo ao país, várias técnicas já usadas

5 Trabalho apresentado no XVI Congresso Anual da Associação Americana de Psicologia Transpessoal,


Asilomar Conference Center, Pacific Grove, Monterey, Califórnia, 5 a 7 de agosto de 1988.
17
pelos xamãs de Bön (a antiga religião pré-budista do Tibete).

Com o passar dos anos e com o passar dos séculos, os Tibetanos, mostrando uma admirável

dedicação e diligência na exploração e prática do Budismo, melhoraram a sua eficácia em direção ao

objetivo final de iluminação ou estado de Buda6 (Buddhahood).

O Budismo Tibetano opera com as ferramentas básicas da “Sabedoria” (SHERAB) e “Meios

Habilidosos” (THAB). Isto significa usar a visão correta (right view) ou percepção correta do universo

interior e exterior e usar um método adequado para alcançar a sua finalidade. A sua finalidade última

é a iluminação. Me parece que foi este sistema específico de exploração interna e externa que levou os

Tibetanos de um estado de barbarismo para se tornarem um dos povos mais civilizados deste planeta.

Hoje em dia, após a invasão chinesa em 1959, quando Sua Santidade o Dalai Lama e milhares de Lamas

e Tibetanos eruditos foram forçados a fugirem de seu país7, a Psicologia Tibetana Budista chegou ao

Ocidente.

Especialmente na escola da psicologia transpessoal, os seus eficientes métodos têm sido usados

com grandes benefícios aliviando sofrimento e facilitando crescimento psicológico e espiritual.

Método

Vários métodos são usados na psicologia Budista Tibetana.

O princípio mais importante aqui é a replicabilidade.

Dizem que Buda, quando ensinando a sua doutrina, sempre aconselhava aos seus ouvintes de

não acreditarem simplesmente no que ele dizia por ser ele o Buda, mas verificassem eles mesmos a

validade de seus métodos. E somente depois disto acreditarem ou não no que ele estava ensinando.

A Psicologia Tibetana Budista é uma abordagem para a vida e para a morte, enfatizando o

conhecimento experiencial. Os seus métodos de observação se ocupam com o estudo da relação do

indivíduo consigo mesmo e com o meio ambiente, o mundo interior e o mundo exterior exatamente

como são.

Os modelos apresentados pela física sub-atômica moderna (especialmente o modelo quantum-


6 Buddha é uma palavra Pali que significa “O Iluminado”. Neste caso o Budismo pode ser compreendido
como um sistema psicológico cujos métodos foram elaborados e usados para levar o ser humano à suprema
meta de Estado de Buda ou Iluminação.
7 A estimativa é de que 100.000 Tibetanos fugiram de seu país quando os chineses invadiram o Tibet,
impondo-lhes um sistema com orientação Marxista-Maoista.
18
relativístico) se aproximam do modelo da Psicologia Tibetana Budista que foi iniciada a mais de um

milênio atrás. É interessante observar que a Psicologia Tibetana Budista, que se move especialmente no

contexto tântrico, apresenta uma dimensão além daquelas descobertas pela física moderna, a dimensão

do STONG PA NYID, ou Vazio.

No Ocidente lidamos com duas realidades específicas: a realidade da separatividade (a visão

Cartesiana-Newtoniana) e a realidade de uma unidade dinâmica (a visão da física moderna). Os

Tibetanos lidam com ambas estas realidades além da realidade do VAZIO (STONG PA NYID).

A Psicologia Tibetana Budista existe dentro do contexto da Vajrayana (“A senda do diamante”). A

essência de Vajrayana ou da prática Tântrica é usando os sentidos para transcender a consciência dos

sentidos. Entre as muitas técnicas para transcender esta consciência dos sentidos, podemos citar: várias

formas de meditação, desde estados meditativos de simples análise filosófica até rituais extremamente

complicados envolvendo dança, dias auspiciosos e momentos especiais, lugares especiais e diferentes

objetos simbólicos, o uso de mantras, mandalas feitos com areia colorida, concentração no som interior

super sutil, pranayama e ásanas, concentração nos chakras, visualizações intrincadamente complexas,

mudras e maituna, o surgimento da energia shakti-kundalini. A finalidade da maituna e outras práticas

é a de converter a energia dos desejos em uma forma mais elevada, isto é uma nova energia integrando o

microcosmo (o homem) com o macrocosmo (o universo). Aqui o homem restaura sua percepção antiga

de ser UNO com a existência essencial de toda a natureza sendo ele mesmo a essência da existência desta

natureza.

Responsabilidade Universal

Quando o ser humano restaura sua percepção original de sendo UM com o todo, ele mesmo

transcende experiencialmente e descobre que ele não é somente um ser isolado com um ego protetor

(auto reflexão) movendo num imenso oceano onde ele precisa se proteger para não ser atacado,

destruído e perecer, mas sendo tudo e mantendo a sua individualidade. Automaticamente ele desenvolve

a compaixão. A compaixão não é pena e também não é amor possessivo e apego. Compaixão é amor

sem discriminação. Um bom exemplo do que é compaixão foi dado uma vez por Ram Dass em uma de

suas palestras. Ele comparou a compaixão com o sol brilhando, o sol brilha livremente em todos sem

discriminação. O sol não diz: “Eu vou brilhar sobre você hoje porque você tem sido uma boa pessoa” ou

“eu não vou brilhar sobre você hoje porque você é um criminoso, um branco, um negro ou um inimigo”. O

sol brilha abertamente para todos, assim é um estado de consciência compassivo (CSC - Compassionate
19
State of Consciousness) onde o indivíduo sente que ele ou ela é TODOS e UM. Neste estado esta pessoa

específica se torna consciente da RESPONSABILIDADE UNIVERSAL. Que ele é responsável não somente por si

mesmo, sua família, amigos, e país, mas que ele é responsável por todos, em toda parte. Neste contexto

ele se torna intensamente consciente de que tudo que ele faz com a sua mente, corpo ou fala influenciará

todo o universo. Ele se torna cuidadoso para não prejudicar ninguém porque ele sabe que aquilo que ele

faz para o universo ao seu redor, ele estará fazendo paras si mesmo (o universo interior), por isso ele se

torna compassivo.

Modelo

O modelo humano ou super humano no Budismo Tibetano é a figura integralmente compassiva

do Bodhisattva. Ele é o ser totalmente livre, completamente livre para participar dos jogos cósmico e

social. De acordo com o Budismo ele é o ser que, pelas suas ações libertou-se da ilusão (visão errada) do

mundo. Agora ele foi liberto, isto é, ele está livre para atingir “esferas mais altas” do que as existências

condicionais humana ou não humana8. Mas como Bodhisattva ele prometeu de não entrar no Nirvana

até que o último ser seja liberto do Samsara e ele dedicará todas as suas energias para ajudar a todos os

seres atingir um estado de felicidade ilimitado, o equivalente ao Nirvana.

Técnicas

Inumeráveis são as técnicas apresentadas pela Psicologia Tibetana Budista que têm o objetivo

de eliminar sofrimento e levar a um estado de bem estar e paz. Aqui quero apresentar algumas destas

técnicas que facilitam à pessoa entrar em contato com uma realidade mais profunda, clareza e estados

elevados de consciência. Estas técnicas adaptei a um contexto de psicoterapia ocidental, com o auxílio e

supervisão de diversos Lamas Tibetanos9.

Desejo apresentar aqui alguns conceitos que mencionei anteriormente (MATOS, 1986) e procurar

esclarecer o modo como a Psicologia Budista Tibetana facilita a transformação de percepções internas

e externas em direção a estados de consciência mais elevados.

8 Na cosmologia Budista Tibetana há seis diferentes reinos de existência: o mundo humano; o reino dos
deuses; dos heróis ou asuras; dos animais; a dimensão dos pretas ou fantasmas; e o reinado dos demônios.
9 Quero expressar aqui a minha gratidão para com a Sua Santidade o Dalai Lama, Dudjon Rinpoche,
Karmapa, Dilgo Khentse Rinpoche, Loseling Khensur Pema Gyaltsen Rinpoche, L.S. Dagyab Rinpoche,
Khamtrul Rinpoche, Kaly Rinpoche, Ayang Tulku, Tarab Tulku, Tarthang Tulku, Tara Tulku, Shenpen Dawa
Rinpoche, Tinley Norbu, Pema Wangyal Rinpoche, Namkhai Norbu Rinpoche, Sogyal Rinpoche e muitos
outros Lamas dos quais tive a oportunidade de receber muitos ensinamentos preciosos.
20
O Sistema Projetivo Pessoal

Em psicologia sabemos que uma das razões básicas para uma pessoa manter a maioria dos seus

problemas psicológicos (situações traumáticas do passado, neurose, ansiedade em relação ao futuro,

fobias, etc.) é devido ao fato desta pessoa ter armazenado imagens subjetivas negativas (memórias de

seu passado) como se fosse um velho filme dentro de um contexto emocional que a pessoa repetiu

tantas vezes (consciente e inconscientemente). Este filme acabou se tornando uma realidade definitiva

para este indivíduo.

No Ocidente conflitos entre pais e filhos não são raros e, os filhos, quando adultos, ainda se

ressentem e frequentemente odeiam seus pais.

Cada um de nós tem no mínimo dois pais e duas mães: um é o pai ou a mãe biológicos e o outro é

a imagem introjetada deste mesmo pai ou mãe. Como a imagem não é a pessoa, o ódio e o desgosto geral

em relação a este pai ou mãe (ou qualquer pessoa em relação à qual temos sentimentos negativos) na

realidade não se dirige a um parente biológico, mas a uma pessoa imaginária (a imagem introjetada).

O que está acontecendo agora é que este indivíduo está odiando uma imagem que está na sua própria

mente. Resumindo, a pessoa está odiando a si mesmo acreditando que seja outra pessoa.

A Técnica De Gostar/Não Gostar/Indiferença

Esta técnica está descrita nas páginas de xx e yy no texto: Introdução à Psicologia Budista Tibetana)

Caso I

Durante o último decênio, tenho ministrado regularmente treinamento em psicologia e

psicoterapia transpessoal para médicos, psicólogos, e outros profissionais na Finlândia, Brasil, França e

Bélgica. Este é um treinamento essencialmente experiencial (incluindo também teoria), onde a principal

motivação de cada participante é trabalhar com seus próprios problemas com o objetivo específico de

obter equilíbrio psicológico, eliminar eventuais problemas psicossomáticos e especialmente facilitar

seu crescimento psicológico e espiritual.

Em fevereiro de 1978, eu dei início a um novo treinamento em terapia, para um grupo de

psicoterapeutas profissionais, na Finlândia. Entre os participantes havia uma senhora de 50 anos,

professora universitária de enfermeiras psiquiátricas. Ela me dava a impressão de ser uma pessoa

extremamente tensa, de olhar frio, aparentemente muito amarga e recusando comunicar-se com os

21
demais participantes do grupo. Eu pensei comigo mesmo que, provavelmente, seriam necessários vários

meses para essa senhora decidir-se a nos falar sobre os seus problemas e, eventualmente, trabalhar com

eles dentro de um contexto terapêutico. No final deste módulo (2 dias, compreendendo um total de 20

horas de trabalho), eu propus aos estudantes o exercício de visualização gostar/não gostar/indiferença,

de tal modo, que eles pudessem usar este exercício em casa, como uma técnica de autoterapia .

Um mês mais tarde, eu voltei àquela cidade a fim de dar o segundo módulo do treinamento

terapêutico. Eu iniciei a sessão, perguntando aos participantes se alguém gostaria de dizer-nos

qualquer coisa ou compartilhar com o grupo, alguma experiência considerada importante. Essa mesma

mulher `amargurada´, do mês antecedente, calmamente começou a falar: “Eu quero dizer algo”. E, muito

tranquilamente, ela continuou: “Quando eu tinha 10 anos, meu pai foi para a guerra e, como eu não

tinha mãe, porque ela morreu quando dava a luz à minha irmãzinha, meu pai contratou uma mulher

para cuidar de nós, durante sua ausência. Essa mulher se mostrou bastante áspera e cruel conosco, as

crianças. Ela não permitia a mim estar com a minha irmãzinha, declarando ser eu uma menina ruim e

capaz de má influência sobre ela. Ela me batia muitas vezes e obrigava-me a escrever cartas a meu pai

no front, dizendo- lhe o quanto eu era má. Eu chorei lágrimas amargas durante o tempo que meu pai

esteve ausente, odiando profundamente essa mulher, e esperando, ansiosamente, o regresso de meu

pai. Ele voltou e casou-se com essa mulher, o que aumentou a nossa tragédia. Ela não me permitiu estar

com meu pai, e ele a obedeceu, me evitando e à minha irmãzinha. Nesta altura eu também comecei a

odiar meu pai. Finalmente, quando completei 18 anos, fugi de casa. Desde aquele tempo até a semana

passada, eu odiei aquela mulher com todo o meu coração, tanto quanto ao meu pai”.

Eu perguntei-lhe o que havia acontecido na última semana e ela continuou: “Sim, depois que

deixei este grupo aqui no mês passado eu fui para casa e regularmente todo dia, eu usei 20 minutos para

fazer aquele exercício que você nos deu. No início, para a pessoa que eu não gostava, eu escolhi meu

pai e, dia após dia o que aconteceu é que ele ia diminuindo de tamanho até que um dia ele desapareceu

completamente. Eu percebi, então, que meus antigos sentimentos de amor por ele retornaram e eu

comecei a me sentir mesmo um pouco feliz em relação a meu pai. Então, eu decidi colocar minha

madrasta na posição da pessoa que eu não gostava. No começo, era quase impossível fantasiar que eu

poderia me transformar nela, mas, de alguma forma, eu consegui fazer a fantasia que eu era ela. Um

dia, um acontecimento inesperado aconteceu: quando eu a visualizava diante de mim, ela olhou para

mim e, subitamente, explodiu, desaparecendo completamente. Eu me vi extremamente surpresa e um

sentimento de calma e calor humano começou a irradiar de meu ser. Foi difícil para mim acreditar que,
22
a partir daquele momento, eu não mais odiava a minha madrasta!”.

Esta senhora continuou seu treinamento em terapia por três anos, e, durante esse período, as

imagens negativas de seu pai e de sua madrasta não mais voltaram. Ela continuou fazendo o exercício

por muitos meses e disse que fazendo aquele exercício ela sempre se sentia mais integrada no meio

ambiente de uma maneira harmoniosa (em oposição ao sentimento de sua experiência habitual de se

sentir isolada e com medo das outras pessoas), além de experienciar um sentimento positivo de união

com os demais, e experienciando uma tranquilidade muito grande.

O que aconteceu aqui foi que esta mulher, usando sistematicamente este método da psicologia

tibetana foi capaz de transcender os seus sentimentos e pensamentos de ódio e separação.

Uma vez transcendido o sistema projetivo pessoal dele ou dela o indivíduo torna-se consciente

de uma realidade mais profunda, mais elevada. Ele ou ela sente como se estivesse experienciando um

novo insight na sua existência, isto é, uma visão mais profunda e mais clara da “realidade”.

O estado de consciência específico de YID RANG (alegria simpatizante) que é alcançado quando

a pessoa transcende o seu próprio sistema projetivo, é experienciado como plena alegria e permite à

pessoa experienciar uma comunhão (integração) muito agradável com outras pessoas e o meio ambiente.

Este indivíduo começa a perceber unidade, a perceber que ele não está só, mas que pertence a tudo e

que tudo é parte dele mesmo. Ele começa a despertar para a responsabilidade universal.

O Budismo Tibetano apresenta vários outros meios e técnicas neste caminho nos quais a pessoa

se liberta de modos limitados de perceber a realidade (i.e como um ser separado num universo composto

de uma infinidade de objetos separados) tornando-se experiencialmente consciente da existência

dinâmica e transitória de tudo, transcendendo o seu mundo pré-fabricado e auto-refletido.

Entre estas técnicas, na Psicologia Tibetana Budista, o uso da meditação é de importância

primordial, bem como sonho e a experiência de morte-e-renascimento psicológico do ego.

Morte E Renascimento Do Ego

A imagem (ego) que temos de nós mesmos é de máxima importância para o nosso desempenho

em nossa sociedade. De alguma maneira criamos um ego (auto imagem) como um item de proteção.

O ego nos faz sentir seguros nos papéis que supostamente temos que desempenhar na nossa vida

social diária. Neste sentido o ego deveria ser um protetor, um guardião, porém parece que ficamos tão
23
deslumbrados pela “segurança” que este guardião nos dá e, no decorrer do tempo, esquecemos que o

ego é apenas um reflexo de nosso self, uma imagem, e começamos a acreditar que esta imagem é o nosso

self verdadeiro. Assim nos tornamos egos e egoístas, perdendo a consciência (percepção) da realidade

dinâmica da unicidade. Nós nos separamos de nós mesmos, nos tornamos alienados. Aqui o guardião

tornou-se guarda.

Quando o guardião (isto é o ego) transformou-se em guarda, nos encontramos a nós mesmos,

cada vez, mais e mais limitados em nossa prisão auto-imposta. Mantemos esta prisão com o auxilio de

nossas preocupações. Pensamos como estamos agindo, o que deveríamos fazer nesta e naquela situação,

o que os outros pensam de nós, como deveríamos impressionar os outros, etc., etc. Na nossa maneira

de manter uma imagem “boa” (isto é um ego aceitável e amado), ficamos presos e perdemos a nossa

criatividade espontânea, começamos a viver mais e mais distantes da realidade que É. Começamos a

criar um mundo do “deveria ser”. Quando este mundo do “deveria ser”, algumas vezes, entra em conflito

com o mundo que É, ficamos frustrados e sofremos; começamos então a não gostar de nós mesmos. Em

realidade do que não gostamos é do nosso ego. Então inconscientemente despertamos em nós mesmos

uma tendência destrutiva para destruir uma auto imagem negativa que inconscientemente criamos

através de vivermos no mundo do “deveria ser”, isto é, um mundo de faz de conta que em realidade não

nos satisfaz plenamente.

Porém, como geralmente não estamos conscientes deste mecanismo, esta destrutividade pode

ser canalizada para nós mesmos ou outros.

Como descrevi em outro artigo (Matos, 1979), uma das técnicas psicoterapêuticas mais eficientes

de nosso tempo (se não a mais eficiente) é a técnica de morte-e-renascimento do ego. Trabalhando

especialmente com problemas relacionados com a morte e o suicídio, adaptei esta técnica da

Psicologia Tibetana Budista, combinada com técnicas da Gestalt terapia e psicologia analítica de Jung.

Os resultados psicoterapêuticos têm sido de um valor profundo. Sem o uso de drogas, sujeitos

têm sido capazes de vivenciar esta profunda e crucial experiência a qual tem dramaticamente mudado

suas atitudes em relação à morte e ao suicídio.

O indivíduo que experienciou a morte-e-renascimento-psicológico-do-ego passa a manifestar

uma diminuição significativa do medo da morte e, muitas vezes, uma ausência total desse medo,

revelando, a partir de então, em seu lugar, uma atitude de aceitação natural e reverência para com esse

24
acontecimento inevitável da vida.

Pacientes suicidas relataram que, depois dessa profunda experiência de morte-e-renascimento-

psicológico, descobriram com surpresa que não desejavam, absolutamente, matar seus corpos físicos; o

que eles realmente queriam era matar seu sentimento de intenso sofrimento psicológico (auto-imagem

negativa) e, agora, a ideia de suicídio aparecia para eles como totalmente absurda.

É interessante observar neste contexto que o medo da morte é básico e importante para todos

os seres sencientes: entretanto no nosso mundo civilizado este medo da morte é frequentemente o

medo da morte do ego. Paradoxalmente este medo da morte (do ego) é o desejo de morrer. Por isso

uma tendência autodestrutiva é um modo inconsciente de tentar restaurar o seu bem estar psicológico.

Como esta questão possivelmente nunca se torna consciente para a pessoa ele/ela pode mergulhar

mais e mais profundamente num mar de comportamento autodestrutivo (v.g. alcoolismo, dependência

de drogas, doenças psicossomáticas, suicídio, etc.) que podem culminar em danos mentais (neurose,

psicose) ou, em última instância, em destruição biológica (morte).

Aqui num contexto psicoterapêutico experiencial, a aterradora vivência de morte-e-renascimento

psicológico do ego, ajudará à pessoa a redirecionar esta energia destrutiva transformando-a em energia

benéfica com o objetivo de eliminar uma auto-imagem negativa. O indivíduo então experiencia o seu

renascimento psicológico com uma nova imagem, agora integrada num contexto harmonioso de percepção

cósmica de bem estar, que dá a este indivíduo poder, o poder para experienciar e agir num contexto de

responsabilidade universal.

Caso II

Bárbara é uma mulher solteira de 39 anos de idade, uma assistente social que veio ao meu

consultório particular queixando-se de vários problemas.

Ela apresentava a síndrome de agorafobia, depressão, vários tipos de medos (v.g. medo de ser

assaltada, de ser roubada, de dirigir e morrer) e sentimentos de inadequação e auto-destruição.

Bárbara é uma mulher rica que herdou uma bonita fazenda no serrado, mas forçou-se a viver numa

cidade grande. Ela sempre sonhou em se casar e viver em sua fazenda. Entretanto, como ela afirma, ela não

tem coragem de realizar o seu sonho por causa de seus sentimentos de insegurança.

Aqui apresento uma sessão terapêutica onde Bárbara teve de enfrentar o seu medo de dirigir
25
e ter um acidente fatal. Ela nunca ousou aprender a dirigir, apesar de que isto lhe seria muito útil pois

morava numa cidade grande e, por causa do tipo do seu trabalho que requer visitar pessoas em vários

lugares da cidade, tendo que se locomover rapidamente e por conta própria de um lugar a outro.

B(árbara): Como lhe disse antes, um dos meus medos mais obsessivos é o medo de dirigir... Penso

que agora gostaria que você me ajudasse a resolver este problema. Hoje, quando vinha para o seu

consultório de taxi, havia um ônibus do lado direito que quase nos atropelou. Tive a impressão, como

sempre acontece, de que o ônibus entraria na nossa pista e que ocorreria um acidente terrível.

T(erapeuta): Por favor, deite aqui neste sofá, feche os olhos e me conte novamente, no tempo presente,

esta experiência10.

B: (Deitando e fechando os olhos começa a falar lentamente). Estou neste taxi e estamos subindo a

Avenida Mannerheim. Estamos na pista da esquerda, na frente da companhia aérea Finnair, o motorista

do taxi tenta ultrapassar este enorme ônibus de cor laranja. O ônibus repentinamente vira para a

esquerda praticamente em cima de nós... e....

T: Agora quero que você deixe a sua fantasia totalmente livre. Não importa o que realmente aconteceu.

Você vai imaginar que você está sonhando agora e permite que qualquer coisa aconteça agora.

B: Sim. Vejo este enorme ônibus cor laranja vindo para cima de nós... O motorista do taxi freia, mas é

tarde demais. Ouço o ruído dos dois veículos se chocando. Os passageiros do ônibus que nos abalroa

gritam intensamente. Alguém procura me tirar dos escombros. Estou presa nos destroços do carro da

cintura para baixo... Eles estão me puxando... minha coluna vertebral se quebra, sinto que meu corpo

está insensível... Eles não conseguem me tirar dos escombros. Percebo que estão me abandonando para

ajudar as outras pessoas feridas. Eu desmaio. Meu corpo começa a esfriar de baixo para cima. Posso

ver muito sangue escorrendo, mas não sei de onde. Estou perdendo as forças. Respiro pesadamente. A

respiração está cada vez mais difícil. Paro de respirar... Agora estou morta.

T: O que você está vendo agora quando você morreu?

B: Eu estou flutuando no espaço (...) Eu vejo meu corpo lá em baixo. Há muita confusão na Avenida
10 Aqui desenvolvi uma técnica que chamo de Sonho Catártico Diurno (Dav Dream Catharsis -DDC) na
qual o paciente deitado num colchão ou sofá, numa posição relaxada, com os olhos fechados, permite que seus
medos e fantasias fluam livremente como se estivesse sonhando. É como criar uma ponte entre o consciente e
o inconsciente. Quando solicitado a relatar suas experiências, sentimentos e fantasias no tempo presente, estes
materiais se tornam mais reais e presentes para esta pessoa, permitindo que mergulhe e fique profundamente
em contato com o seu próprio inconsciente.
26
Mannerheim. Os carros estão buzinando... o trânsito está confuso. (...) Agora eu estou flutuando cada

vez mais e mais alto... Agora eu estou chegando a um espaço azul que está escurecendo... Está escuro...

é noite.

T: O que você está vendo nesta noite?

B: Vejo um céu estrelado. Está muito lindo!

T: Agora eu quero que você olhe para a maior estrela que você vê neste céu e você descreve esta estrela

para mim.

B: Eu estou procurando... Ela é enorme! É branca e muito brilhante!

T: Agora eu quero que você faça a fantasia de que você está voando em direção a esta estrela. Você sabe

que cada estrela no céu é um sol e eu quero que me conte quando estiver perto desta estrela-sol que

você está vendo agora.

B: Agora eu estou perto. Ela é muito bonita e quentinha.

T: Como você se sente em relação a esta estrela agora?

B: Eu a amo!

T: Agora quero que você se torne consciente de que a luz e o calor desta estrela-sol está vindo para você

como muitos, muitos raios de luz. Você consegue ver estes raios de luz?

B: Sim.

T: Agora eu quero que você faça a fantasia de que você se transforma num dos raios desta linda estrela.

Você me diz quando você se tornou este raio de luz.

B: Agora!

T: Como você se sente agora sendo este raio de luz?

B: Eu me sinto leve e muito forte.

T: Sendo este raio de luz você pode viajar rapidamente para qualquer parte do universo. Agora eu

quero que você faça a fantasia que você está se movendo na direção do planeta Terra... Você está se

27
aproximando da Terra... E agora você está entrando neste corpo (Eu toco levemente a cabeça dela, para

que ela, agora, suavemente, comece a se tornar consciente de seu corpo) aqui, sendo este raio de luz.

Esta luz agora preenche todo o seu corpo. (...) Você sente a luz

T: Como você se sente agora quando a luz está preenchendo todo o seu corpo?

B: Ah... muito bem!!! Eu estou feliz!

T: (Após alguns instantes). Agora, lentamente eu quero que você abra os seus olhos e olhe para mim

aqui. Como você se sente agora?

B: Muito bem.

T: Agora lentamente você vai sentar novamente. (...) Como você se sente agora? (aqui é muito importante

permitir que a pessoa `volte´ para o seu corpo e o ambiente aqui agora mui, lentamente para que ela seja

capaz de integrar sua experiência transpessoal em sua realidade pessoal de cada dia).

B: Eu me sinto muito bem. Eu sinto paz...

T: O que você sente agora em relação à morte?

B: Bem!

T: O que você sente em relação à dirigir um carro agora?

B: Bem, agora não tenho medo, mas quero ver se ao sair daqui eu realmente não tenho mais medo.

Na semana seguinte Bárbara entrou para uma auto-escola e após alguns meses ela já estava

dirigindo com prazer um Volkswagen amarelo. Porém, o medo de dirigir, como podemos observar aqui,

era na realidade o reflexo de um medo mais profundo, o medo da morte. E este medo da morte era de fato o

desejo de destruir sua própria auto-imagem negativa e renascer psicologicamente como um ser humano

integrado, não vivendo mais num contexto de medo, mas num contexto de amor e responsabilidade.

Pouco depois desta experiência Bárbara terminou a sua terapia, seus medos tinham desaparecido e

ela se sentia preparada para viver a vida plenamente, como ela expressava. Ela conseguiu realizar um

sonho de toda a vida que era mudar para o campo. Bárbara agora está vivendo na sua própria fazenda,

está casada e continua trabalhando como assistente social numa cidade próxima.

28
Conclusão

Vivemos num mundo de guerra e paz. O mundo exterior nada mais é do que o reflexo de nossa

maneira interior de ser. Enquanto tivermos a guerra dentro de nós mesmos (isto é confusões causadas

por pontos de vista errados produzindo vários conflitos) projetaremos esta guerra no nosso exterior.

A Psicologia Tibetana Budista acha que a causa de doenças e sofrimento resulta da maneira que

ordinariamente percebemos a realidade. Em Tibetano isto é chamado MARIGPA (não ver) ou “visão

errada”. Enquanto não eliminarmos as nossas maneiras inexatas de perceber as realidades, poderemos

confundir o que não é pelo que É. Por isso a Psicologia Tibetana Budista trabalha com as poderosas

ferramentas de THAB (meios habilidosos) e SHERAB (sabedoria) como um método seguro e eficiente

para alcançar a paz interior e exterior. E para alcançar esta paz o ser humano precisa transcender as

suas limitações conceituais auto-impostas para alcançar a infinitude de seu próprio ser. Chegando a esta

infinitude ele terá chegado a todos os lugares. Chegando a todos os lugares ele estará consciente que ele

é o todo (o ponto de vista descrito pela física moderna) e tornando-se tudo em toda parte ele alcançará

um estado de profunda alegria de responsabilidade universal num contexto de compaixão.

Referências

MATOS, L. An Introduction to Tibetan Buddhist Psychology. The Tibet Journal, vol. 4, No. 3, Autumn
1979.

MATOS, L. The Roots of Depression in a Suicidal Crisis: A Transpersonal Approach. Paper presented
at symposium on ‘Psychopathology of Depression’, organized by the World Psychiatric Association,
Section of Clinical Psychopathology and held in Helsinki, Finland, June 10-12,1979.

MATOS, L. Tibetan Buddhist Psychology: an Occidental Approach. Cho-Yang: The Voice of Tibetan
Religion & Culture, vol. I No. 1, 1986.

29
PARTE II: A VISÃO E A PRÁTICA TRANSPESSOAL
PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: EXPLORANDO OS VÁRIOS ESTADOS DE
CONSCIÊNCIA

A Psicologia Transpessoal é uma ciência que estuda o ser humano em sua totalidade. Aqui o

homem e a mulher não são vistos simplesmente como um indivíduo na sociedade, mas as suas relações

ecológicas e cósmicas são de grande importância. Desta maneira a psicologia transpessoal abrange

outros enfoques científicos, tais como, medicina, antropologia, sociologia, física, química, matemática,

astronomia e metafísica. Esta “nova” ciência é basicamente intercultural e dessa maneira outras

culturas de todos os tempos, com seus vários enfoques para a vida (psicológico, religioso, médico, etc.)

são estudadas. A Psicologia Transpessoal usa elementos de outras escolas de psicologia, tais como

behaviorismo, psicanálise, psicologia analítica (Junguiana), psicologia humanista, e, especificamente

estuda estados de consciência que transcendem a pessoa e o conceito do ego. Por isso a psicologia

transpessoal pode ser definida como o estudo científico de estados de consciência.

O modelo de psicologia transpessoal é muito semelhante ao modelo quanta-relativístico da física

moderna sub-atômica (veja: Matos, 1978), i.e., modelos que procuram apresentar um ponto de vista

integrado da teoria de quantum e relatividade. Aqui o universo todo (matéria/energia) é uma entidade

dinâmica em constante mudança num todo indivisível.

Neste contexto Capra (1975) diz: “Na física moderna, o universo é então experienciado como

um todo dinâmico e inseparável que sempre inclui o observador de uma maneira essencial. Nesta

experiência os conceitos tradicionais de espaço e tempo, de objetos isolados, e causa e efeito, perdem o

seu sentido.”
30
O começo da ciência moderna foi precedido e acompanhado pelo desenvolvimento de um

pensamento filosófico que levou o homem a uma formulação extrema do dualismo espírito/matéria.

Reneé Descartes expressou o seu ponto de vista do universo como sendo dividido em dois reinos

separados; o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa). Este ponto de vista cartesiano levou

os cientistas a compreenderem a matéria como algo morto e completamente separado de si mesmos

(a “realidade objetiva científica”); e a compreender o universo como quase uma infinidade de objetos

separados (Capra, 1975).

Tal ponto de vista mecanicista foi aceito por Isaac Newton que construiu a sua teoria mecânica

baseado neste mesmo ponto de vista e fez dela o fundamento da física clássica. Esse ponto de vista

cartesiano e newtoniano teve um tremendo impacto no pensamento e consciência ocidental. Então o

homem começou a equacionar a sua identidade (isto é; aquele que ele pensava que era) com sua mente,

com sua autoimagem. Estes postulados filosóficos que levaram a formulação da física clássica são um

produto da maneira como o ser humano experiencia a realidade num estado de consciência usual

(Ordinary State of Consciousness).

Realidade

A realidade é experienciada diferentemente por cada indivíduo em momentos diferentes de sua

própria existência.

Nós sabemos que a experiência da realidade, ou melhor, das realidades, depende de vários fatores,

como, por exemplo, nosso condicionamento social, os estímulos de consciência que experienciamos em

certos momentos de nossa vida.

Num estado usual (ordinário) de consciência (OSC - Ordinary State of Consciousness) nós

assimilamos e interpretamos as informações que nos são transmitidas pelos nossos sentidos em

unidades de significância. Nós olhamos o mundo ao nosso redor e nossos olhos selecionam certas

informações as quais “arquivamos” como um quadro parcial da realidade física. Nossos sentidos não são

capazes de apreender o todo processual e dinâmico do nosso modo de existir, no nosso universo interno

e externo. Nós vemos o mundo como composto de muitas coisas diferentes, as quais são separadas umas

das outras por espaço; e consequentemente nos tornamos conscientes de um filme interior (produto

do processo de re-cognição), de um mundo composto de objetos mais ou menos estáticos. Se eu olho,

por exemplo, para o sólido e elegante edifício da Biblioteca Real da Dinamarca (Den Danske Kongelige

Bibliotek) em Copenhague, estarei, de certa forma, experienciando aquela construção, formidável e


31
sólida, como algo quase eterno. Eu, certamente, não pensarei na possibilidade de que aqueles materiais

que compõem aquele edifício não estavam ali, naquele lugar, a quinhentos anos atrás, e nem tampouco

chegarei a pensar que todos aqueles materiais compostos de moléculas e átomos estão em movimento e

transformação constante. Eu não sou capaz de perceber este edifício se envelhecendo aqui e agora, mas,

em realidade, em cada segundo, este edifício, aparentemente tão sólido e elegante, está em constante

deteriorização; e mesmo que conservado e consertado muitas vezes, num tempo mais distante, aqueles

materiais que hoje fazem este edifício, dispersados pelo vento do tempo, não mais estarão ali.

Este modo de perceber, que é uma consequência psicológica da dimensão cognitiva humana,

faz com que, dificilmente, estejamos conscientes da transformação constante que acontece em nosso

corpo agora e em cada momento desde o nascimento até a morte. Este modo específico de aprender a

realidade, é, provavelmente, a causa principal pela qual conceptualizamos o universo de uma maneira

dualística, criando, frequentemente, rígidas separações entre eu e você, corpo e mente, vida e morte.

Consequências Do Dualismo

As consequências existenciais da maneira dualística, pela qual nos tornamos conscientes de

nosso universo, refletem em nosso meio ambiente criando um espectro social de consequências bem

interessantes. Este modo específico de se tornar consciente de algo, frequentemente faz com que o

indivíduo se sinta como um ego isolado, navegando num oceano mais ou menos perigoso; aonde ele

tem que garantir para si mesmo estratégias específicas, para sobreviver numa sociedade específica.

Seu objetivo, que é basicamente o mesmo objetivo, consciente ou inconsciente, de cada ser humano,

será o de obter um estado de prazer e segurança num contexto físico, psicológico e social. Para atingir

seus objetivos, mais próximos ou mais distantes, ele agirá (e reagirá!) com seu mundo social. É um fato

lógico que ele agirá e reagirá com a vida de acordo com o modo pelo qual está consciente do universo.

E, lidando com o universo fundamentado numa visão imprecisa (o modo pelo qual usualmente se é

consciente do universo e de si mesmo) ele obterá resultados similares. Ele pode obter um estado de

“felicidade” temporária, mas sempre se sentirá, consciente ou inconscientemente, ameaçado pelo seu

meio ambiente e pela possibilidade de perda, de ser mesmo ferido e eventualmente morrer.

Num contexto dualístico, o ser humano está vivendo em pelo menos dois mundos diferentes:

um, é o meio físico da sua vida diária; e o outro, é o seu mundo conceitual, i.e., os seus pensamentos,

cognição, re-cognição e o modo como organiza e percebe a quase infinidade de informações que ele

recebe de seu universo interior e do universo ao redor de si mesmo. Neste caso, ele está criando uma
32
realidade consensual, a qual ele entende e compreende em unidades de significância, num contexto

linear de passado, presente e futuro.

A Auto-imagem

Parece que esta realidade criada, conceitualmente de separação rígida (eu e o mundo), começa

naquele momento em que nascemos e somos anatomicamente separados de nossas mães; e, mais

especificamente, quando nós aprendemos um sistema de código chamado linguagem. Uma das primeiras

unidades de significância que nós aprendemos neste sistema de linguagem é o conceito do eu, ou ego,

para identificar este ego eu preciso separar e adicionar certas qualidades para ele. Desta forma, eu crio

uma imagem de mim mesmo. Esta imagem não é realmente permanente e muda no curso da vida do

indivíduo. Ali tem certos elementos que são mais ou menos constantes nesta imagem (ou identidade),

tais como: o sexo, a qualidade de ser um ser humano, etc. Existem, na autoimagem, outros atributos que

podem variar com o tempo, como por exemplo: o status social e financeiro, sentimentos, qualidades

pessoais e capacidades.

Desta maneira, o ser humano organiza e re-organiza a sua imagem acreditando saber quem

ele é. Ele se identifica. E esta identidade aparece para ele, algumas vezes como sendo mui agradável e

algumas vezes desagradável; tudo dependendo de como o futuro deveria ser (procurando eternizar ou

programar o futuro de uma certa maneira). Ela tem expectativas e esperanças que as pessoas, ela mesma

e situações se realizarão, mais ou menos, dentro daqueles padrões que ela pré-fabricou ou planejou.

Quando o mundo não reage às fantasias que ela criou, de como as pessoas/situações deveriam ser,

se sente frustrada e reprime estas situações desagradáveis. Desta forma, esta pessoa está guardando

situações traumáticas como blocos de energia estática, ou, em outras palavras, está bloqueando ou

armazenando dor.

Outras fontes de “dor armazenada”, ou traumas, são situações que indivíduo experienciou desde

sua vida pré e perinatal até todas as experiências no nível psicodinâmico, onde a pessoa não teve a

possibilidade de preencher as suas necessidades naturais de desenvolvimento (proximidade e calor

humano materno na primeira infância, condições físicas adequadas para um desenvolvimento fisiológico

normal, segurança emocional proporcionada pelos pais e o seu ambiente em geral, estímulo intelectual

apropriado, etc.).

As frustrações e situações traumáticas, as quais a pessoa não foi capaz de expressar, foram

impressas na autoimagem (ego), e mais tarde, eventualmente, reprimidas (esquecidas, mas ainda
33
bem vivas no subconsciente, como um filme com conotações emocionais dolorosas). Estas situações

dolorosas, agora reprimidas e bloqueadas, podem aparecer como problemas mentais e/ou sintomas

corporais tais como tensão, dor e mesmo doenças psicossomáticas.

Podemos dizer que a criação do ego (autoimagem) é o ponto inicial da vida pessoal (de “persona”

que em latim quer dizer: “máscara do ator”) do ser humano. Quando o indivíduo transcende o ego (o qual

é um conceito), ele/ela vivencia uma experiência transpessoal. Aqui poderíamos dizer que o indivíduo

no nível pessoal (como uma “persona”) está experienciando uma realidade cartesiana/newtoniana;

enquanto que, no nível transpessoal ele pode ser capaz de experienciar a realidade descrita pela física

moderna atômica e subatômica.

Fritjof Capra, que fez pesquisa em física de alta-energia, na Universidade de Paris, na Universidade

da Califórnia em Santa Cruz, e em várias outras universidades, começa seu famoso livro o Tao da Física,

explicando como uma experiência transpessoal, o levou a descobrir experiencialmente as “verdades” da

física moderna:

“Há cinco anos eu tive uma experiência muito bela a qual me colocou no caminho que acabaria

por resultar neste livro. Eu estava sentado na praia, em uma tarde, já no fim do verão, e observava o

movimento das ondas, sentindo ao mesmo tempo o ritmo de minha própria respiração. Nesse momento,

subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se me afigurava como se

participasse de uma gigantesca dança cósmica. Como físico, eu sabia que a areia, as rochas, a água

e o ar a meu redor eram feitos de moléculas e átomos em vibração e que tais moléculas e átomos,

por seu turno consistiam em partículas que interagiam entre si através da criação e da destruição de

outras partículas. Sabia, igualmente, que a atmosfera da Terra era permanentemente bombardeada por

chuvas de “raios cósmicos”, partículas de alta energia e que sofriam múltiplas colisões à medida que

penetravam na atmosfera. Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa em Física de alta

energia; até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas por meio de gráficos, diagramas e

teorias matemáticas. Sentado na praia, senti que minhas experiências anteriores adquiriam vida. Assim,

“vi” cascatas de energias cósmicas provenientes do espaço exterior, cascatas nas quais, em pulsações

rítmicas, partículas eram criadas e destruídas. “Vi” os átomos dos elementos - bem como aqueles

pertencentes a meu próprio corpo - participarem desta dança cósmica de energia. Senti o seu ritmo e

“ouvi” o seu som” (Capra, 1975).

Grof (1972), que trabalhou com pesquisa de drogas psicodélicas durante quase duas décadas, e
34
que é um dos pioneiros do enfoque científico transpessoal no Ocidente, diz:

“A experiência transpessoal é então definida como uma experiência envolvendo uma

expansão e extensão da consciência mais além dos limites usuais do ego e as limitações

de tempo e espaço. No estado de consciência “normal”, ou usual, o indivíduo experiencia

a ele mesmo como existindo dentro dos limites de seu próprio corpo físico (a imagem

do corpo) e a sua percepção do meio ambiente é restringida pela capacidade limitada

de seus exteroceptores; ambas, as suas percepções internas e suas percepções do

meio ambiente, são confinadas dentro dos limites de espaço-tempo. Em experiências

psicodélicas transpessoais, uma ou mais destas limitações parecem ser transcendidas”.

Em alguns casos, o sujeito experiencia a perda dos limites usuais de seu ego, e sua consciência

parece expandir para incluir outros indivíduos e elementos do mundo exterior. Em outros casos, ele

continua experienciando sua própria identidade, mas num tempo diferente, e num contexto diferente.

Ainda, em outros casos, o sujeito experiencia um desaparecimento total da identidade de seu ego e

uma identificação total com a consciência de outra entidade. Finalmente, em uma categoria bem grande

destas experiências psicodélicas transpessoais (experiências arquetípicas, encontros com divindades

pacíficas e raivosas, união com Deus, etc.), a consciência do sujeito parece abranger elementos que não

têm nenhuma continuidade com sua identidade, os quais não podem ser considerados como simples

derivados de suas experiências no mundo da realidade tri-dimensional”.

A História Da Psicologia Transpessoal

A Psicologia Transpessoal é tão antiga quanto à humanidade, e sabemos que este approach

cósmico para a compreensão do homem já era praticado há mais de 5000 anos pelos antigos egípcios,

pelas civilizações pré-colombianas da América, na índia e no Tibet. Hoje, várias formas de approach

transpessoal são usados, entre outros, pelos tibetanos (Matos, 1979 B), pelos índios pele vermelha da

América do Norte e pelos índios da América Central e do Sul.

No ocidente, a Psicologia Transpessoal foi estabelecida por um grupo de cientistas que sentiram a

necessidade de um ramo da ciência que poderia estudar e colocar em prática vários níveis de consciência.

Este ramo da ciência se ocupa do estudo científico empírico, e a implementação responsável de

descobertas científicas relevantes para: caminhos espirituais, metanecessidades (individuais e sociais),

valores supremos, consciência unitiva, experiências de topo (peak experiences), valores-B, compaixão,

êxtase, experiências místicas; sendo, autoatualização, essência, bem-aventurança, o significado final de


35
tudo, transcendência do self e do espírito, unicidade, consciência cósmica, sinergia individual e total das

espécies, teorias e práticas de meditação, sacralização da vida de cada dia, fenômenos transcendentais,

auto-humor cósmico e capacidade de desfrutar a vida de uma maneira positiva (playfulness) e conceitos

relacionados, experiências e atividades.

Entre os fundadores deste novo enfoque estão Abraham Maslow e Anthony J. Sutich. No ano

de 1966 este movimento estava emergindo nos Estados Unidos, e no verão de 1967 foram dados os

primeiros passos para a sistematização deste approach. Na primavera de 1969 foi publicado o primeiro

número da revista científica Journal of Transpersonal Psychology e fundada a Associação para Psicologia

Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology). O primeiro Congresso Internacional de

Psicologia Transpessoal foi realizado na Islândia em 1972; o segundo congresso teve lugar também

na Islândia, em 1975; o terceiro, na Finlândia em 1976; o quarto, no Brasil em 1978 quando então,

foi fundada, em Belo Horizonte, pelo Lama Tibetano Tarab Rinpoche, Stanislav Grof, Pierre Weil, e o

autor deste artigo, a Associação Internacional de Psicologia Transpessoal com sede na Califórnia (Esalen

Institute, Big Sur, Califórnia, USA). Pouco depois o nome da associação foi mudado para International

Transpersonal Association (ITA). O nome “psicologia” foi eliminado do nome da associação pela simples

razão que o transpessoal é muito mais do que psicologia; o enfoque transpessoal é em realidade um

enfoque para a vida, portanto não se limitando somente a psicologia, mas incluindo outras ciências.

De 1978 em diante, a organização dos congressos seguintes ficou a cargo da ITA, a qual organizou

o quinto congresso internacional nos Estados Unidos em 1979; o sexto na Austrália em 1980; o sétimo

na índia em 1982; o oitavo na Suíça em 1984 e o nono no Japão em 1986. A ITA encerrou suas atividades,

depois deste congresso no Japão, devido a dificuldades financeiras. Entretanto, outros congressos

internacionais continuaram a ser organizados nos Estados Unidos por várias outras instituições (v.g. a

ATP - Association for Transpersonal Psychology).

O Brasil é um país que tem um background especificamente transpessoal (especialmente devido

às civilizações pré-colombianas), e por isso, certamente, seria de se esperar neste país um interesse

muito grande por este approach científico holístico para a vida. Aqui foi fundado em dezembro de 1978

o GONPO - Instituto Brasileiro de Psicologia Transpessoal, o qual promoveu a divulgação, pesquisa

científica, treinamento, vários cursos e conferências. O GONPO Instituto Brasileiro de Psicologia

Transpessoal encerrou suas atividades em agosto de 1984 por falta de executivos disponíveis naquele

momento para dar continuidade às atividades do mesmo. Em 1985 foi fundada a Associação Brasileira de

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Psicologia Transpessoal (ABPT) que funciona em convênio com a Associação de Psicologia Transpessoal

da Finlândia (SUTRA - Suomen Transpersoonallisen Psykologian Seura).

Atualmente existem várias universidades, especialmente nos Estados Unidos (v.g. a Universidade

da Califórnia) onde é possível se obter mestrado e doutorado em psicologia transpessoal.

Aplicações Da Psicologia Transpessoal

Vários são os métodos que podem ser aplicados na prática da psicoterapia transpessoal; e

facilitando a pessoa a entrar num nível transpessoal, o terapeuta estará tornando acessível, a esta pessoa,

o encontro com as manifestações mais profundas de seu inconsciente (v.g. experiências perinatais,

experiências arquetípicas, etc), com o objetivo de facilitar ao indivíduo sua própria jornada de cura, nos

níveis psicodinâmico, perinatal e transpessoal.

A experiência transpessoal pode muitas vezes desbloquear, situações traumáticas, num espaço de

tempo surpreendentemente curto; quando, as mesmas, usando terapias mais convencionais, poderiam

levar meses e mesmo anos.

O estado natural da mente é a ordem, i.e., a harmonia consigo mesma e com o meio ambiente.

Quando esta harmonia existe, a mente funciona como uma totalidade; e aqui temos então o resultado

que chamamos de saúde mental. Quando existem perturbações e desarmonia, a mente perde seu estado

de unidade fluente e se torna dividida, ou bloqueada, e apresenta aspectos traumáticos que podem

resultar em vários tipos de depressão, ansiedade, neuroses e/ou vários tipos de psicose.

Um trauma, ou um evento mental bloqueado, é uma situação “negativa” a qual o indivíduo

experienciou e agora guarda consigo (na maioria das vezes inconscientemente), como um filme antigo.

A situação não mais existe, e, frequentemente, a pessoa esqueceu completamente (reprimiu) aquela

experiência desagradável. De qualquer forma, esta experiência está agora armazenada no subconsciente

como um velho filme, e, sendo uma energia bloqueada, perturba o fluir natural da mente. O resultado

disto é que a mente perde o seu estado de integração, de totalidade harmônica, de saúde.

A maneira de se restabelecer a saúde (ou re-integrar o que foi des-integrado) é desbloquear esta

energia bloqueada. E a Psicologia Transpessoal dispõe de métodos efetivos para, primeiro desbloquear

esta energia, e segundo (mais importante), facilitar a esta pessoa atingir um estado elevado de

consciência (High State of Consciousness). Neste ponto então esta pessoa experiencia sua capacidade de

trabalho, criatividade e capacidade de desfrutar a vida, como muito ampliada; dentro de um contexto de
37
claridade interior e equilíbrio.

Para ilustrar aqui uma técnica transpessoal explicarei brevemente a experiência-de-morte-e-

renascimento do ego.

Morte-E-Renascimento-Psicológico-Do-Ego

Nos países do oriente e várias outras culturas antigas, aprender a morrer é considerado um aspecto

integral e indispensável da arte de viver. Em várias religiões de mistério, templos secretos e ritos de

iniciação usados por milênios em vários países do mundo, pessoas foram guiadas para experienciarem

a sua própria morte-e-renascimento-psicológico.

Esta técnica, que tem sido usada até os nossos dias dentro de um quadro de referência xamanístico

e também tântrico, supostamente resulta em iluminação espiritual e permite ao iniciado viver o resto

de sua vida de uma maneira mais plena e significativa. Concomitantemente esta experiência prepara a

pessoa para morrer. Manuais de Morte e morrer, tão antigos quanto o Livro Egípcio dos Mortos e o Livro

Tibetano dos Mortos, revelam práticas psicológicas intrincadamente complexas, e foram considerados

manuais preparando tal pessoa para o ritual de morte-e-renascimento-psicológico como também para

a experiência de sua morte biológica. Esta experiência através dos tempos tem sido feita sem o uso de

drogas, e em algumas culturas e terapias (v.g. Grof, Di Leo, etc.) com o uso de drogas psicodélicas (GROF,

1977).

Grof (1970, 1972, 1972a, 1972/1973, 1977), trabalhando independentemente de outros

pesquisadores, com terapia de LSD e sem conhecimento prévio de práticas tântricas e práticas

xamanísticas de morte e renascimento psicológico do ego, observou este processo terapêutico quando

aplicando terapia psicodélica de pico (psychedelic peak psychotherapy) (Grof, 1976).

Como sabemos, algumas culturas antigas (v.g., os tibetanos) tem usado, através de millenia,

técnicas semelhantes dentro de um contexto de prática de meditação, sem o uso de drogas. Trabalhando

dentro de um quadro de referência transpessoal e sem o uso de drogas, desenvolvi uma técnica para

facilitar a pessoa esta experiência psicológica de morte-e- renascimento do ego.

Tenho usado esta técnica por vários anos em terapia individual e mais especificamente em

workshops transpessoais as quais tenho ministrado durante os últimos quinze anos. Aqui facilito para

os participantes um encontro com a vida, a morte e o renascimento. Experiências de unidade cósmica;

jornadas a espaços de realidades incomuns (non-ordinary realities); fenômeno arquetípico; experiências


38
de “reencarnações passadas” são vividas e revividas pelos participantes destes workshops.

Caso Ingrid

Como exemplo de um caso quero mencionar aqui a história de Ingrid, uma médica recentemente

formada, com um medo muito acentuado de morrer, de morte em sua família e mais especificamente

de uma eventual morte de seus pacientes (ela havia começado, poucos meses antes deste workshop,

seu trabalho como médico clínico geral num hospital do governo finlandês). Ela tinha muito medo de

morrer num acidente automobilístico. Usando uma técnica transpessoal que desenvolvi, e que denomino

“Sonho Catártico Diurno” (DDC- Day Dream Catharsis), facilitei para Ingrid sua confrontação com esta

perspectiva de morte através de um acidente automobilístico. Nesta técnica eu peço a pessoa para deitar

num colchonete e realmente entrar em contato com esta fantasia de sua própria morte, como se a pessoa

agora estivesse entrando dentro de um sonho muito realístico que ela vive aqui e agora. Aqui Ingrid

teve a oportunidade de experienciar psicologicamente sua própria morte. Em sua fantasia sobre o seu

futuro encontro com a morte, ela imaginou com cores bem vividas e emoções profundas que ela estava

dirigindo seu automóvel Honda numa estrada; seu carro trombava violentamente contra outro e ela

morria. Depois desta experiência de morte ela descreveu que estava flutuando sobre a cena do acidente.

Ela expressou então os seus sentimentos de profunda paz e liberação do corpo físico e um “sentimento

maravilhoso” de ser capaz de voar neste espaço azul infinito. Ela então experienciou chegar a um lugar

estranho e belo onde o terreno era fantasticamente fosforescente. Mais tarde ela percebeu que estava

voando sobre vales e montanhas, cruzando oceanos e encontrando vários arquétipos durante sua longa

(aproximadamente uma hora) experiência nesta dimensão transpessoal da consciência. Ela terminou

sua longa jornada, a maior parte da qual foi vivenciada num estado elevado de consciência, encontrando

um lindo sol dourado e brilhantemente irradiando vida e calor. Ela experienciou ela mesma como que

entrando dentro da luz dourada e bela deste sol, tornando-se luz num contexto indescritível de êxtase.

Depois desta experiência (morte-e-renascimento do ego) ela não mais encarava a morte como

um inimigo terrível aguardando por ela numa esquina escura da vida, mas agora ela via a perspectiva

da morte como uma aventura maravilhosa dentro da consciência. Antes dessa experiência ela dizia

que a morte era algo terrível, uma inimiga traiçoeira e evitava tocar no assunto. Depois da experiência,

quando lhe perguntei o que sentia agora a respeito da morte, com os olhos cheios de luz e com um

sorriso caloroso, ela respondeu com uma expressão de alegria: “Morte?... Morte é vida!”

Foi-me possível seguir este caso durante cinco anos e durante todo este período no qual vi e conversei
39
com Ingrid regularmente, ela afirmou que aquele pavor de morte que ela sentia antes havia desaparecido

totalmente. E mais, que a vida dela tinha mudado tanto para melhor, que eu nem acreditaria se ela me

contasse. E especialmente que suas periódicas depressões e constante insônia haviam desaparecido. Foi-

me possível observar que Ingrid, que se apresentava antes como uma pessoa triste e quase nunca se

comunicando com os outros, se tornou uma pessoa alegre, psicologicamente equilibrada, expressando

mais a vida e autoconfiança.

Conclusão

Nesse workshop (Matos, 1975) e em outras que eu tenho conduzido na Europa, EUA, Japão,

América do Sul e Austrália, eu tenho usado várias técnicas de meditação analítica e visualizações da

Psicologia Budista Tibetana (veja: Matos, 1979), tentando primeiro mudar a maneira usual e limitada

pela qual o ser humano conhece e reconhece “realidade”.

Desta forma a pessoa se torna consciente (não apenas intelectualmente, mas, sobretudo

experiencialmente) da transitoriedade de tudo que flui no Rio da Morte, o qual é, exatamente, o Rio da

Vida.

Assim a pessoa começa a ser capaz de transcender o ego (ou o conceito da “autoimagem”) e a se

movimentar em direção a dimensões mais profundas de seu próprio inconsciente experienciando então

estados elevados de consciência.

Estados elevados de consciência podem ser exatamente agradáveis trazendo experiências

de êxtase e transcendência, como também podem ser estados de consciência onde a pessoa pode

experienciar agonia, ver e experienciar cenas de torturas, infernos de várias cosmologias, viajar em

mundos escuros e subterrâneos experienciando situações de grande dificuldade (como na lenda egípcia

do deus Rá, o deus do sol, viajando nos mundos subterrâneos onde encontra situações terríveis e após

realizar feitos fantásticos de luta, ele renasce de novo), re-experienciando, algumas vezes, dificuldades

provenientes da complexidade de seu próprio nascimento biológico, e muitas vezes, apresentando

memórias as quais a pessoa, frequentemente, se refere como “memórias de vidas passadas”, e não

raramente, vivendo simultaneamente experiências de agonia e êxtase.

Tudo isto aparece como um trabalho profundamente sábio e complexo da própria psique

procurando um estado de ser final de reintegração, equilíbrio e cura. E aqui o trabalho do terapeuta

transpessoal é facilitar e encorajar estas experiências várias as quais durante o processo da terapia

40
podem mover de um nível para outro (por exemplo, do nível perinatal para o psicodinâmico, ou

transpessoal) e mesmo aparecer simultaneamente em dois ou três níveis diferentes.

No fim desta jornada fantástica nas regiões mais profundas da consciência, a pessoa terá

completado um trabalho profundamente significativo para ela mesma, e aqui é comum, no fim desta

viagem, aquela pessoa experienciar sentimentos de grande alegria, cansaço, alívio, paz, e o sentimento

de que um importante problema foi resolvido, e, frequentemente, a experiência de que uma mudança

extremamente benéfica e dramática tenha sido obtida.

Me parece, de dados clínicos proveniente de vários casos que tenho acompanhado durante esta

última década, que a maioria destas experiências têm um resultado positivo de grande duração, e que

ela foram, para a pessoa, um degrau importante no seu crescimento psicológico e espiritual.

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41
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MATOS, L. An Introduction to Tibetan Buddhist Psychology. The Tibet Journal, II, 1979B.

A LINGUAGEM DOS SONHOS: UMA ABORDAGEM PSICOTERAPÊUTICA


TRANSPESSOAL11
Tradução: Dora Gutierrez

Será o sonho uma realidade, ou somente podemos chamar de real a nossa percepção ordinária

comum da realidade?

Os sonhos sempre fascinaram e intrigaram os seres humanos desde os tempos mais remotos,

muito provavelmente porque o sonho levanta a questão sobre a realidade, e o interesse do homem

nos mistérios intimidadores do mundo do sonho é talvez uma tentativa para descobrir aquilo que “é

real” e aquilo que “não é real”. Isto pode ser exemplificado pela história do imperador chinês que havia

sonhado que era uma borboleta azul, e que quando acordou não estava certo se era um imperador que

sonhou ser uma borboleta azul, ou uma borboleta azul que havia sonhado ser um imperador.

Freud (1965) compreendia que a função dos sonhos era dupla: preservar o sono, representando

os desejos supostamente perturbadores em potencial, como satisfeitos, e como uma expressão de um

processo primário para o relaxamento das tensões.

Aserinsky e Kleitman (1953, 1955) e Dement e Kleitman (1957a, 1957b) foram pioneiros no

estudo das relações entre os registros de eletro encefalograma (EEG) e eletro oculograma e os sonhos.

Eles descobriram que o estágio 1, baixa voltagem, com atividade EEG de sono profundo, e períodos

REM (movimento rápido dos olhos) eram indicadores seguros da atividade dos sonhos. Alguns outros
11 Artigo apresentado no Simpósio sobre “A psicopatologia do Sonho e do Sono”, organizado pela
Associação Mundial de Psiquiatria, Seção de Psicopatologia Clínica, em Helsinki, Finlândia, 26 a 27 de
setembro de 1983
42
pesquisadores (Foulkes, 1962; Goodenoug, Shapiro, Holden & Steinschriber, 1959; Orlinsky, 1962)

chegaram a conclusões similares.

Kamiya (1961) e Kleitman (1961, 1963) descobriram que 20 a 25% do período de sono

se passam em REM; que uma noite normal de sono se divide em 4 ou 5 períodos REM iguais, de 20

minutos cada. Deste modo foi possível privar os sujeitos de seus períodos de sonho (acordando-os tão

logo começassem a sonhar). Dement (1960) pesquisou nesta direção, e descobriu que seus sujeitos,

privados dos sonhos, faziam esforços cada vez maiores para sonhar (mais períodos REM por noite de

sono). Depois de cinco noites sem sonhar os sujeitos puderam dormir sem serem perturbados, e então

os períodos de sonho aumentaram significativamente, até o ponto em que obtiveram uma espécie de

compensação quantitativa pelo tempo de sonhar perdido.

Lerner (1967) procurou demonstrar a impropriedade da formulação de Freud sob a luz da nova

evidência e sugeriu uma possível explicação alternativa em termos de relações entre fantasia sinestésica,

imagem física e integridade do ego. Baseado nas descobertas acima citadas Lerner (ibid.) concluiu que

sonhar não é simplesmente um dispositivo para manter o estado de sono, e sobre isso ele diz: (idem,

ibid).

“Sonhar não parece ser nem uma função acidental,nem uma função subserviente, na

verdade,em vez desonharmos para poder dormir, pelo menos em parte, dormimos

para poder sonhar”.

Tem sido observado que os efeitos psicológicos da supressão dos sonhos (Dement, 1960; Dement

& Fisher, 1960; Fisher & Dement, 1963) abrangem altos níveis de tensão, ansiedade e irritabilidade;

dificuldade de concentração; acentuado aumento de apetite com o conseqüente aumento de peso; falta

de coordenação motora; distúrbio na percepção do tempo e da memória; intromissão de processos

primários de pensamento no estado de mente alerta; sensação de vazio e despersonalização; e tendências

alucinatórias.

Os sonhos têm sido considerados como servindo para expressar uma única função psicológica, ou

seja, o relaxamento das tensões, fornecendo uma oportunidade de expressão dos processos primários.

No entanto, vários psicóticos experienciam processos primários o dia todo sem qualquer desvio do

normal na quantidade ou percentual de suas noites de sono (Dement, 1960).

As experiências mencionadas, as teorias e as conclusões de cientistas ocidentais na exploração


43
do mundo dos sonhos, trazem luz na revelação desta ameaçadora expressão da nossa existência

inconsciente. No entanto, parece-me ser da maior importância examinar os sonhos psicologicamente e

tratá-los de maneira intercultural, histórica e transpessoal.

Como a Psicologia Transpessoal ainda é pouco conhecida, achei melhor explicar neste artigo o

modelo e as abordagens desta “nova” escola de pensamento e aplicação prática. A Psicologia Transpessoal

é uma ciência que aborda e estuda o homem na sua totalidade. Aqui o ser humano não é visto somente

como um indivíduo per se ou como um indivíduo na sociedade, mas os relacionamentos ecológico e

cósmico são da maior importância. Desta maneira a Psicologia Transpessoal engloba abordagens

científicas tais como medicina, antropologia, sociologia, física, química, matemática, astronomia e

metafísica. Esta “nova” ciência é basicamente intercultural, de modo que culturas de todos os tempos,

com suas variadas experiências de vida (psicológicas, religiosas, médicas, filosóficas, sociais, etc.) são

aqui estudadas.

A Psicologia Transpessoal emprega elementos de outras escolas de psicologia como behaviorismo,

psicanálise, psicologia analítica junguiana, psicologia humanística, e principalmente estuda a consciência

humana, que transcende a pessoa e o conceito de ego12. Consequentemente pode-se definir a Psicologia

Transpessoal como o estudo científico dos estados de consciência.

O modelo da Psicologia Transpessoal está muito próximo do modelo relativista de quantum

apresentado pela moderna física subatômica. (Veja Matos, 1979).

Estudando os estados de consciência, uma das principais áreas de interesse na Psicologia

Transpessoal é o estudo do estado de consciência que chamamos de sonho. Sonho aqui pode ser

compreendido na sua concepção menor de sonho noturno, como também em um sentido mais

amplo, onde podemos incluir o sonho acordado, a imaginação e várias fantasias, que são projeções

do inconsciente experienciados tanto por pessoas “normais” como por pessoas que sofrem diferentes

distúrbios mentais.

Quando pensamos logicamente sobre o que é o sonho, podemos pura e simplesmente definir

o sonho como estado específico de consciência. Mas, o que é o sonho? Quem sonha o sonho? Como é

você que sonha um sonho, (um sonho noturno, uma fantasia ou uma alucinação) podemos começar

afirmando que o sonho é um produto de você mesmo. Sendo uma parte de você, o sonho é você mesmo.

Este é o caminho do trabalho e interpretação do sonho da gestalterapia (Matos, 1975). E aqui como
12 Ego aqui significa a concepção que o indivíduo tem de si mesmo, o modo como ele imagina que é.
44
na maioria dos métodos psicoterapêuticos ocidentais, o sonho é visto como uma mensagem de você

mesmo.

Observando a linguagem e mensagens dos sonhos podemos apreender que existem dois tipos

básicos de sonhos: os sonhos acabados e os sonhos inacabados.

Um sonho é como uma história, com começo, um meio e um possível fim. Existem aqueles sonhos

sem um fim (como por exemplo, os sonhos nos quais você está indo a algum lugar e de repente você

acorda, ou pesadelos onde você pode acordar no meio da noite sentindo medo, ansiedade, etc.) e os

sonhos onde você pode observar o desenrolar de toda uma história. Habitualmente este último tipo de

sonho proporciona a você um sentimento de satisfação e plenitude.

Desta forma, trabalhando com os sonhos e o sonhar, cheguei, nos últimos dez anos à conclusão

de que o sonho não é somente uma mensagem do inconsciente e sim muito mais do que isto: quando

você sonha, você está procurando fazer uma psicoterapia com você mesmo, e está usando a misteriosa

linguagem dos sonhos para conseguir fechar uma gestalt psicológica a qual você não havia conseguido

(mesmo sabendo que precisava) fechar no estado de consciência desperta.

Trabalhando com o sonho num contexto psicoterapêutico transpessoal, devemos estender nossos

horizontes psicodinâmicos (o modelo Freudiano) às memórias pré-natal, perinatal e transpessoal. Aqui

várias técnicas podem ser usadas para facilitar à pessoa abrir as portas do inconsciente e permitir um

maior material de sonho emergir à consciência.

Para conseguir este propósito desenvolvi uma técnica a qual chamo de “catarse do sonho

acordado” (Matos, 1977). Eu uso esta técnica, sobretudo com os sonhos inacabados, e para facilitar ao

sonhador entrar em contato com o seu sonho, peço-lhe para se deitar em um colchão, fechar os olhos,

relaxar e então contatar o sentimento (não somente pensar) do seu sonho. Peço então ao sujeito para

me recontar o seu sonho, agora com o verbo no tempo presente, como se ele estivesse sonhando de

novo, naquele momento. Desta maneira o sujeito não terá o sentimento de que o sonho seja uma coisa

acontecida no passado e separada dele, mas logo começa a perceber que ele está realmente sonhando

aquele sonho, aqui, outra vez, em um estado de consciência acordado e relaxado.

Quando ele chega ao ponto em que despertou do sonho peço-lhe permitir à sua imaginação uma

inteira liberdade e simplesmente continuar o sonho da maneira como a sua imaginação o construir.

Muitas pessoas conseguem, em um ambiente seguro, entrar então em contato com o material do sonho
45
perdido e continuá-lo e são assim capazes de completar e finalizar aquele sonho.

Neste contexto a presença e a atuação do terapeuta são da maior importância, pois o terapeuta

trabalha aqui com um facilitador ou guia, e não interfere de modo algum com qualquer interpretação ou

interrupção, somente dirigindo através das complexidades do inconsciente da pessoa, até que o sonho

seja completado. Daí, se necessário (caso a pessoa o peça) poderei dar uma interpretação daquele sonho.

Basicamente, todas as pessoas que passam por este processo, afirmam ter, ao final da sessão, um

sentimento de bem estar, quando os resíduos sintomáticos provocados pelo sonho não terminado (tais

como sentimentos de medo, ansiedade, fobias, etc.) terão desaparecido. Nesta viagem psicoterapêutica

interior através do sonho, a pessoa pode movimentar-se de um nível de consciência psicodinâmico

a níveis de consciência perinatal e transpessoal. E aqui o psicoterapeuta deve ser bem qualificado e

preparado para guiar a pessoa através dos vários reinos de seu próprio inconsciente.

Os Sonhos Em Outras Culturas

Nos anos trinta o psicólogo Kilton Stewart (veja Tart, 1972) ouviu falar a respeito de um grupo

cultural, os Senoi, que viviam nas selvas da Malásia, e ficou estarrecido com a informação de que entre

aquele povo não haviam conflitos armados, crimes ou doenças mentais. Ele viajou então para a Malásia

e passou um ano vivendo com os Senoi, estudando seus costumes e sua psicologia de vida.

Ao final daquele ano (1935) Stewart concluiu que a razão pela qual os Senoi não tinham os

problemas tão comuns em outros grupos de seres humanos que habitam este planeta (como por exemplo

crimes brutais e doenças mentais) era devida à maneira pela qual os Senoi vivenciavam, compreendiam

e trabalhavam os seus sonhos. Eles viviam em grandes casas habitadas por três famílias, e a primeira

coisa que faziam pela manhã quando acordavam, era se reunir e passar algum tempo contando os seus

sonhos.

Eles tinham um modo específico de lidar com o material do sonho da noite anterior e depois

integrar este material em suas próprias vidas individuais e vida social. Se, por exemplo, uma criança

sonhava que estava caindo em um precipício, ficava com medo e acordava, o adulto que liderava aquela

sessão de sonho daquela manhã, advertia à criança: “na próxima vez que você tiver um sonho em que

você esteja caindo, você pode fazer uma das duas coisas: você se permite cair, porque lá embaixo você

vai encontrar alguma coisa que é importante para você; mas se você tiver muito medo de cair, então

você transforma a sua queda em um vôo e vai então para algum lugar onde você encontrará alguma

46
coisa ou alguém que será importante para você”. E muito cedo a criança aprende a técnica de estar

consciente dentro do sonho, que o sonho é um sonho (sonho lúcido) e se tornar capaz de controlar os

acontecimentos que se desenrolam no mundo dos sonhos. Se um indivíduo contava que havia sonhado

com alguém que lhe ensinara uma canção, ali, na reunião, ele cantava a sua canção, que passava a integrar

o folclore da tribo.

Não é difícil compreender, do ponto de vista sócio-psicológico, como em uma sociedade em que

este material tão importante que emerge do inconsciente é largamente aceito e enfatizado nas várias

maneiras dos Senoi trabalhar o sonho, atuem como uma psicoterapia efetiva e preventiva para cada

indivíduo e para toda a tribo. O que os Senoi fazem através dos sonhos é a meta de realização de várias

terapias (isto é, psicanálise, psicologia analítica junguiana, psicoterapia adleriana, gestalt terapia,

psicoterapia transpessoal, etc.) o que quer dizer, tornar o inconsciente, consciente.

Nos trabalhos do antropólogo Carlos Castaneda (1970, 1972, 1972a, 1976, 1981) podemos

apreciar como o sábio xamã Dom Juan levou Carlos de uma realidade mecanicista Newton-Cartesiana

ordinária às complexidades transpessoais do mundo dos sonhos, as quais haviam sido exploradas e

estudadas pelas civilizações pré-colombianas durante milênios. Estas civilizações pré-colombianas e

seus remanescentes (os índios Pele vermelha da América do Norte e os índios da América Central e do

sul) usavam os sonhos não somente com o propósito psicoterapêutico e de integração social, mas até

mesmo como profecias (Bruce, 1979) para relacionar o passado e o presente com o futuro.

Entre as culturas humanas vivas, provavelmente o povo que mais sabia sobre a psicologia dos

sonhos sejam os tibetanos. Eles possuem um método científico complexo e extenso para trabalhar com os

sonhos o qual permite à pessoa não somente a integração do material do inconsciente com o consciente

com técnicas bem estruturadas, como também os métodos psicológicos tibetanos permitem à pessoa

seguir um caminho seguro para o crescimento pessoal e o crescimento espiritual. (Guenter, 1963). Uma

parte importante dos métodos do sonhar são várias preparações (isto é, técnicas de relaxamento físico e

de respiração antes de dormir) que acontecem à noite de sono do sujeito; assim como os métodos para

análise dos sonhos (Tson-ka-pa, 1981).

Quando eu estava dando um seminário sobre os sonhos no Instituto de Esalem (Big Sur, Califórnia,

USA) em 1976, encontrei ali um rapaz que havia vivido seis anos com os índios Huichol do México.

Perguntei a ele como os Hunchol se relacionavam com seus sonhos, e Prem Dass, o jovem, que foi um

discípulo de Dom José (um famoso xamã da tribo dos Huichoi, com cento e dois anos de idade) me contou
47
que seu mestre, o qual, apesar da idade avançada aparentava uma destreza física e uma clareza mental

extraordinária, era capaz de proezas incríveis usando os sonhos, como por exemplo, ir a outros lugares

(experiência fora do corpo), prever o tempo, a colheita ou outros acontecimentos futuros interpretando

os presságios de seus sonhos.

Ram Dass me contou também que os Hulchoi haviam realizado eleições para escolher o novo

chefe. Como curiosidade perguntei a ele como fizeram para eleger o novo chefe e o fizeram, sonhando!

... Na Psicologia Transpessoal estudamos, pesquisamos e integramos ao contexto ocidental, técnicas

desenvolvidas por outras culturas. Desenvolvi uma forma de seminário do sonho onde um grupo de

pessoas convivem juntas, em geral em um ambiente tranqüilo no campo, rodeado pelo verde, durante

3 a 7 dias.

No seminário os participantes têm a oportunidade de trabalhar psicoterapeuticamente o seu

próprio mundo do sonho e de aprender técnicas ocidentais para explorar os seus sonhos. Neste contexto

de quietude e segurança, a pessoa se torna capaz de integrar de uma maneira significativa o mundo do

sonho ao mundo da realidade ordinária de cada dia, de modo a enriquecer a própria existência.

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49
O HOMEM E A NATUREZA: UMA VISÃO TRANSPESSOAL13
Tradução: M. Dulce B. Bergamin

Nós existimos na natureza cercados por uma miríade de formas de vida e nossos modos de viver

e sobreviver neste universo infinito é determinado pelo modo como vemos o mundo e a nós mesmos.

Nossa percepção e cognição do ambiente dependem da capacidade de percepção de nossos

sentidos, do nosso sistema de crenças e acima de tudo do estado de consciência que nós experienciamos

num momento específico de nossa vida.

Sociedade, cultura e filosofia modelam nosso sistema de crenças e de certa forma determinam os

modos como nós vemos o mundo que nos cerca e a nós mesmos.

O que nos leva a interagir com o nosso mundo interno e com o universo ao nosso redor são as

nossas motivações.

Motivação

A motivação (do Latim motivatio) é uma força que nos leva a agir e a não agir de certa maneira.

A qualidade do resultado das nossas ações é determinada pelas nossas motivações.

Estas motivações podem se originar de um nível superficial ou de um nível mais profundo do

nosso ser.

Estando em um nível mais superficial ou mais profundo de nós mesmos nos permitirá existir em

uma dimensão mais superficial ou mais profunda da realidade.

13 Artigo apresentado no Seika Earth Forum: Environment and Humanity – Towards a New
Civilization. Kyoto International Conference Hall, Kyoto, Japão, April 17, 2000.
50
A Realidade

A realidade pode mudar com o tempo, a cultura, o sistema de crenças, a filosofia e acima de tudo

com o estado de consciência específico que nós experienciamos em cada momento específico da nossa

vida.

Podemos perguntar: o que é real?

Real é o que nós chamamos de real.

A realidade depende do nosso nível de consciência.

No Ocidente nós lidamos com duas realidades específicas: a realidade de separação (a visão

Newtoniana-Cartesiana) e a visão de unidade dinâmica (expressa pela física moderna).

O Budismo Tibetano lida com estas duas realidades, além da realidade do VAZIO (stong pa nyid).

No nível da realidade Newtoniana-Cartesiana nós nos vemos como mais ou menos separados

de tudo. Esta realidade conceitual de separação se torna uma realidade coletiva. Em uma sociedade

em que esta realidade conceitual pré-fabricada se torna uma realidade final podemos começar a nos

perceber como indivíduos mais ou menos isolados tentando sobreviver no mundo. Queremos usar o

que está disponível para nós na natureza para nos sentirmos seguros e satisfeitos. Entretanto, agindo

a partir da perspectiva de uma única dimensão de realidade (a realidade Newtoniana-Cartesiana), nós

podemos perder a visão do todo (o ambiente e nós mesmos). Neste sentido podemos estar agindo em

um contexto de “visão curta” (short view), e os resultados das nossas ações podem não produzir aquilo

que esperamos. Agindo a partir de uma única dimensão de realidade nós esquecemos que nós somos

parte do universo e dependentes deste mesmo universo.

Nós esquecemos nossa consciência ecológica e cósmica. Podemos começar a agir somente para

nós mesmos e não para o todo. Podemos nos tornar ego-istas.

O Ego

O Ego (do Lat. = eu) é criado para ser um guardião na sociedade. Por meio dele a pessoa vai saber

qual o seu papel na sociedade e uma sociedade específica poderá funcionar de modo harmonioso.

O ego não é a pessoa, mas um reflexo ou ponto de referência da pessoa. Entretanto, tentado

51
pelo falso senso de segurança que o ego dá ao indivíduo, ele começa a se apegar ao ego. Com o tempo,

a pessoa em determinada sociedade começa a esquecer que ela não é apenas um ego, mas um ser que

existe em um contexto ecológico e cósmico. Esta mistura de realidades cria confusão e sofrimento.

Transcendendo O Ego

O ego é um instrumento útil para nos ajudar a funcionar em um certo nível de realidade.

Entretanto, quando ficamos todo o tempo nesta mesma realidade limitada nós podemos perder nossa

perspectiva do todo e os resultados de nossas ações trarão efeitos colaterais indesejáveis.

Tudo que nós fazemos visa atender a necessidade consciente ou inconsciente de nos tornarmos

uma pessoa melhor, de nos sentirmos bem, de sermos felizes.

Quando atinge um Estado Elevado de Consciência (HSC - High State of Consciousness) o homem

começa a transcender14 o seu ego e a restaurar o seu conhecimento original de que é um ser na

natureza, sendo parte da natureza e pertencendo à natureza. Ele começa a se tornar consciente da sua

interdependência com a natureza. Ele se conscientiza agora de uma “nova” percepção da realidade. Ele

está se aproximando então, existencialmente, da visão do universo explicada pela Física Moderna. Sua

percepção tornou-se mais clara e mais profunda. Ele começa a experienciar a si mesmo como um ser

infinito.

Luz Dançando No Mar Explodindo Em Luminosidade

Agora o homem começa a se tornar consciente de que ele não está sozinho e não é um objeto

mais ou menos perdido no tempo e no espaço. Ele sente e vivencia existindo no universo, e começa a

entrar em contato com a sua própria luminosidade.

A luz é o arquétipo da vida. A luz está sempre fluindo, e um dos seus aspectos básicos é a

transitoriedade, a mudança, o fluir. Eu acredito que é por isso que a luz se tornou um arquétipo da

vida. Quando conceitualizamos a luz nós a conceitualizamos como algo luminoso fluindo, mudando,

expandindo-se.

“A mente tem a qualidade de luminosidade”15 (DalaiLama)

De certa forma nós esquecemos esta qualidade básica de nós mesmos e nos tornamos prisioneiros

de um universo dualista.
14 Transcender: do latim “trans” = mais além, scandere = pular.
15 Mind has the quality of luminosity.
52
O homem “primitivo” tinha esta consciência de interdependência em ação. Castañeda (1990)

descreve o seu diálogo com o feiticeiro Yaque do México, Don Juan, revelando para ele sua visão da

dimensão transpessoal do ser.

“Nós somos seres luminosos. Nós somos percebedores. Nós somos consciência; nós

não somos objetos; nós não temos solidez. Nós somos ilimitados. O mundo de objetos

e solidez é um modo de tornar conveniente a nossa passagem na Terra. É apenas uma

descrição que foi criada para nos ajudar. Nós, ou melhor, nossa razão esquece que a

descrição é apenas uma descrição e assim nós envolvemos a totalidade de nós mesmos

em um circulo vicioso, do qual nós raramente emergimos em nosso tempo de vida.”

(Don Juan a Carlos Castañeda, em “Viagem a Ixtlan”)

É interessante observar que Don Juan, um índio xamã, expressando o conhecimento e a sabedoria

de uma civilização pré-colombiana, estava apresentando em sua própria linguagem as visões da Física

Moderna, do Budismo Tibetano e da Psicologia Transpessoal.

Psicologia Transpessoal

A psicologia transpessoal é uma ciência que estuda o homem em sua totalidade, no contexto de

uma relação social, ecológica e cósmica. Desse modo, a psicologia transpessoal é intercultural, e também

relacionada com outras abordagens científicas, como a medicina, a antropologia, a sociologia, a física e

outras ciências. A psicologia transpessoal também incorpora elementos de outras escolas de psicologia,

como o behaviorismo, a psicanálise, a psicologia junguiana, a psicologia humanística, e outras que

estudam a consciência humana, especialmente em sua capacidade de transcender a pessoa e o ego.

Portanto, a psicologia transpessoal pode ser definida como o estudo científico de estados de consciência.

De certa forma este modelo é semelhante ao modelo quanta-relativista da Física subatômica

moderna (Matos, 1979), isto é, o modelo que apresenta uma visão integrada do quantum e da teoria

da relatividade, no qual todo o universo (matéria e energia) é uma entidade dinâmica em constante

mudança num todo indivisível.

53
O Todo Indivisível

As visões da Física Moderna, do Budismo Tibetano e da Psicologia Transpessoal ecoam a

realidade da unicidade, a realidade da interdependência. Todas estas visões podem nos trazer a

questão da responsabilidade. Nós não somos apenas responsáveis por nós mesmos, por nossa família e

comunidade, mas somos responsáveis por tudo.

O mundo externo é um reflexo da nossa realidade interna. Nossa realidade interna é um produto

do modo como nós percebemos e conhecemos a nós mesmos e o meio ambiente. Para mudar nossa

atitude e os problemas ecológicos que criamos me parece ser interessante perceber, de modo mais

preciso e realista, nosso mundo interno e externo.

Como podemos fazer isso?

Se assumirmos que a percepção é uma função da mente, então precisaremos de técnicas

específicas que auxiliem esta mente a perceber com clareza, a expandir sua amplitude de cognição para

ir além do modo dualista de percepção.

Uma abordagem prática que despertasse nossa consciência ecológica e cósmica de modo

experiencial seria essencial para uma nova civilização.

Em Direção A Uma Nova Civilização

Todos nós habitamos o mesmo planeta. O modo como tratamos o nosso planeta será o modo

como o planeta nos tratará. Se nós considerarmos este planeta como um recurso infinito para satisfazer

os nossos desejos (e não necessidades genuínas) nós acabaremos destruindo a vida nesta Terra.

É muito recomendável que providências materiais adequadas sejam tomadas imediatamente

para que não continuemos destruindo nossa própria fonte de existência, isto é, nosso planeta. É muito

importante que sejam feitas as leis necessárias para evitar que a ganância e o consumismo sejam a

principal motivação na exploração dos recursos da Terra.

Entretanto, eu sou de opinião que é da maior importância acessar os problemas ambientais nas

suas raízes. A raiz dos problemas se encontra nas nossas maneiras de perceber e conhecer a nós mesmos

e a nossa relação com o meio ambiente. Por isso, parece para mim, que a medida mais importante é

prover o homem com ferramentas que ele pode usar para perceber a ele mesmo não somente de um

54
modo dualista, mas também sendo capaz de experienciar sua consciência ecológica e cósmica.

Se este homem dispuser dos instrumentos apropriados, dos meios econômicos e físicos para

sobreviver e viver, este homem mudará o seu caminho autodestrutivo e começará a trilhar um novo

caminho em direção a uma Nova Civilização.

Nesta Nova Civilização ele aprenderá em primeiro lugar a respeitar a si mesmo e ao universo ao

seu redor. Não por medo, mas por compaixão.

Ações motivadas pelo medo, parece, não têm um resultado ideal. Ao passo que ações motivadas

por amor e Compaixão têm um resultado benéfico duradouro.

Em uma nova sociedade o homem teria satisfeitas as suas necessidades básicas materiais,

bem como suas necessidades espirituais. Para que isso aconteça ele precisaria dispor de técnicas

psicológicas que lhe permitissem expandir sua consciência numa forma existencial de ser, de modo que

ele experienciaria a consciência ecológica e a consciência cósmica.

Agora, parece para mim que, para construir uma nova civilização, precisamos de técnicas efetivas

para sermos capazes de expandir nossa consciência para “novos” e mais precisos espaços de realidade.

Uma Abordagem Prática

Parece-me que em construindo uma nova civilização nós precisamos ter uma abordagem prática.

Conhecimento teórico é essencial, mas se nós permanecermos apenas em um nível intelectual

nós nos arriscamos a continuar prisioneiros de um único nível de realidade.

“O conhecimento é irrelevante se não for transformado em experiência”16

(Rambach, P. In Le Bouddha Secret du Tantrisme Japonais)

Nós temos nos treinado a nós mesmos para experienciar a realidade num esquema mental

exclusivamente dualista. Nós nos apegamos a este modo específico de percepção/cognição começando

a acreditar que não há nenhum outro modo de perceber, muitas vezes sendo convencidos de que esta

realidade projetiva é uma realidade definitiva.

Durante as duas últimas décadas e meia eu tenho tentado estudar e adaptar para um contexto
16 Le savoir est inutile s´il n´est pas transformer en experience.
55
psicoterapêutico ocidental as técnicas usadas pela Psicologia Budista Tibetana, sob a supervisão de

vários Lamas tibetanos17.

Descrevi algumas destas técnicas em trabalhos anteriores (MATOS, 1979a, 1985,1988, 1991)

e aqui eu quero apresentar um exercício muito simples que tenho usado com indivíduos e grupos em

workshops transpessoais em várias partes do mundo.

Um Exercício

Este exercício mostrou ser de grande eficácia para expandir a percepção da pessoa e sua relação

com o meio ambiente, e para auxiliá-la a alcançar uma nova visão do mundo em um contexto de

consciência ecológica. Aqui eu quero apresentar esta técnica na forma em que é aplicada à pessoa:

1) Agora eu quero que você se sente ou deite em um lugar em que se sinta confortável nesta sala, e feche

os olhos.

2) Agora eu quero que você permita que o seu corpo se relaxe.

3) Agora você se torna consciente de que você está respirando (...)18 e você vai acompanhar a sua

respiração por alguns instantes.

4) Agora eu quero que você se torne consciente desta superfície em que você está sentado (ou deitado)

(...) você se torna consciente de que ela é macia ou dura (...).

5) Agora você vai expandir sua consciência para esta sala em que você está agora (...).

6) E... ao mesmo tempo em que você está consciente desta sala você está consciente do seu corpo (...)

você está consciente de que você está dentro do seu corpo (...) e você está respirando (...).

7) Agora você vai expandir sua consciência para fora desta sala em que você está (...) Você se torna

consciente do lado de fora desta sala, dos sons que você está ouvindo vindo de fora (...) e...ao mesmo

tempo você está consciente desta sala, você está consciente do seu corpo (...), e você está respirando (...),

e... você está aqui... agora.

17 Quero expressar aqui minha gratidão a S. S. o Dalai Lama, Karmapa, Dudjon Rinpoche, Dilgo Khentse
Rinpoche, Khamtul Rinpoche, Loseling Khensur Pema Gyaltsen Rinpoche, L.S. Dagyab Rinpoche, Kalu
Rinpoche, Ayang Tulku, Tarab Tulku, Tarthang Tulku, Tara Tulk, Shenpen Dawa Rinpoche, Tinley Norbu
Rinpoche, Pema Wangyal Rinpoche e muitos outros Lamas, de quem eu tive o privilégio de receber muitas
lições preciosas.
18 Este sinal (...) significa que a pessoa dando o exercício faz uma pausa de alguns segundos.
56
8) Agora você vai permitir que sua consciência se expanda para fora desta sala em que você está (...),

para esta cidade em que você está agora (...) e... para o espaço. Você se torna consciente das nuvens,

deste espaço aqui desta cidade em que você está agora (...) deste espaço fora desta sala aqui (...) desta

sala (...), do seu corpo (...) da sua respiração. Você sente que você está aqui agora neste espaço.

9) Agora você vai expandir sua consciência ainda mais (...) você fantasia que você está expandindo sua

consciência para todo o país (...) Você está consciente do país agora (...) e... ao mesmo tempo você está

consciente de que você está aqui agora no seu corpo, nesta sala (...), respirando.

10) Como você se sente agora que você está dentro do seu corpo respirando no topo do planeta Terra?

(...).

11) Agora, lentamente, bem lentamente quando você quiser, você vai abrir os seus olhos outra vez (...)

Quando você abrir os olhos, você deixa seus olhos relaxados (...).

12) Como você se sente agora?

13) Como você experiencia este lugar aqui agora? (...) esta sala, este meio ambiente, todo o planeta?

Usualmente, depois deste exercício a maior parte dos participantes descreve um estado de bem-

estar e afirmam ter experienciado uma “nova e agradável conexão com o ambiente”.

Alguns participantes expressaram este sentimento dizendo que agora eles se sentiam pertencendo

à natureza, sendo parte da natureza e tendo um sentimento de amizade em relação ao ambiente. Alguns

descreveram “um sentimento de harmonia com o mundo ao seu redor e um novo senso de respeito em

relação à natureza”.

Eu pude observar em alguns indivíduos que após fazerem este exercício algumas vezes sua atitude

em relação ao ambiente mudou. Pareceu-me que eles se tornaram ecologicamente mais conscientes e

responsáveis para com a Terra.

Eu acredito que uma série de exercícios e práticas facilitando o aumento da consciência ecológica

e da sensação de bem-estar iria contribuir para que o homem mudasse, existencialmente, sua relação

com o ambiente.

Conclusão

Quando se analisa e explora um problema é importante ser realista.


57
Nós realizamos (isto é, tornamos real para nós mesmos) que a situação do Planeta Terra neste

ano de 2000 apresenta problemas extremamente sérios (v.g., poluição, o lixo atômico, a dissipação da

camada de ozônio, etc).

Estes problemas foram criados pelo homem e só o homem pode encontrar solução para essa

questão.

O modo como o homem tem utilizado sua mente, i.e., exclusivamente em um nível dualista de

realidade, possibilitou-lhe conquistas materiais maravilhosas e imensos problemas ecológicos.

Essa mesma mente tem a capacidade, quando se expande até as dimensões transpessoais da

realidade, de resolver esse problema.

Neste trabalho nós discutimos o papel relevante que a percepção desempenha na nossa Relação

conosco mesmos e o papel decisivo da motivação.

Se o homem tivesse uma percepção mais acurada da realidade ele não agiria motivado por

ganância, medo ou ignorância. Ele agiria motivado pelo fato de ser consciente de que ele é parte do

universo, vivendo em interdependência com o universo.

Nesse sentido ele não mais agiria motivado simplesmente por objetivos egoístas, mas motivado

para beneficiar todo o universo.

Sua Santidade o Dalai Lama pondera que há dois tipos de egoísmo: o egoísmo em que alguém age

apenas em benefício próprio, desconsiderando as outras pessoas e o ambiente, e o egoísmo sábio em

que alguém age considerando o outro e o ambiente. Na nova civilização o homem passaria desta visão

curta de ser ignorantemente egoísta para tornar-se sabiamente egoísta.

Aqui a contribuição da Psicologia Tibetana Budista e das teorias da Física Moderna me parece

ser de suprema relevância. Eu acredito que várias psicologias transpessoais também poderiam oferecer

importante contribuição para uma nova civilização.

Bibliografia

CASTAÑEDA, C. Journey to Ixtlan. Penguin Arkana England, 1990.

MATOS, L. Transpersonal Psychology. Explorations in Consdousness. Paper presented at the Vth


International Transpersonal Conference. Boston, 9/14. 11. 1979.
58
MATOS, L. Introduction to Tibetan Buddhist Psychology. The Tibet Journal, vol. 4, N° 3, 1979a.

MATOS, L. Tibetan Buddhist Psychology: an Occidental Approach. Paper presented at the Conference
on Tibetan Culture and Rdigton. Rikon, Svvitaeriand, July 20-23, 1985.

MATOS, L. Tibetan Buddhist Psychology a Path to Individual Transformation within the context of
Universal Compassionate Responsibility. 16th Annual Conference of the Assodation for Tanspersonal
Psychology, Asilomar Conference Center, Monterey, Califórnia, 5/7.8.1988.

MATOS, L. Tibetan Buddhist Psychology II: a Path to Individual Transformation within the Context
of Universal Compassionate Responsibility. 19 Conference of the Association for Transpersonal
Psychology, Asilomar Conference Center, Monterey, Califórnia, 2/4. 8. 1991.

RAMBACH, P. Le Duddha Secret du Tantrisme Japonais. Skira: Geneve, 1978.

PARTE III: NOVAS TÉCNICAS TERAPÊUTICAS

AS RAÍZES DA DEPRESSÃO EM UMA CRISE SUICIDA: UMA ABORDAGEM


TRANSPESSOAL19

No dicionário, a palavra depressão, é definida como algo abaixo do nível, e, o verbo deprimir,

significa abaixar, abater - causar pressão para baixo. Aceitando esta semântica da palavra depressão,

podemos questionar o que o paciente depressivo está pressionando para baixo que possa causar a sua

doença.

Na tentativa de trazer alguma luz sobre as raízes da depressão, quero elaborar a hipótese do

que é aquilo que um paciente depressivo pressiona para baixo, e, que então, emerge como sintomas de

depressão.

19 Artigo apresentado no Simpósio sobre “A Psicopatologia da Depressão”, organizado pela Associação


Mundial de Psiquiatria, Departamento de Psicopatologia Clínica, em Helsink, Finlândia, de 10 a 12 de junho,
1979.
59
Freud (1953) mostrou em seu artigo “Tristeza e Melancolia”, que há uma similaridade entre

tristeza e melancolia (como era então chamada a depressão):

“Uma tristeza profundamente dolorosa, anulação do interesse pelo mundo exterior, perda da

capacidade de amar, inibição de todas as atividades”.

Freud concluiu este artigo admitindo que:

“A melancolia consiste em lamentar a perda da libido”.

Perda da libido pode ser comparada a perda da própria existência.

A característica básica da vida é a transformação, apesar de, muito frequentemente, nós

sentirmos a vida como que composta de uma infinidade de objetos, pessoas e situações separados, mais

ou menos fixos e predeterminados. Quando perdemos um objeto amado, ou perdemos a ilusão de uma

expectativa, podemos nos tomar deprimidos, porque tínhamos dirigido nossa energia de vida (libido)

para uma fantasia, uma realidade construída de como seria ou deveria ser o futuro.

Lowen (1976) diz que:

“Uma reação de depressão ocorre quando uma ilusão desmorona em face a realidade”.

Realidade

A realidade é sentida diferentemente por diferentes pessoas nos diferentes períodos da existência.

Sabemos que o sentimento da realidade, ou melhor, das realidades, depende de uma série de fatores,

como por exemplo, nosso comportamento social, estímulos ambientais, nossa idade, e, sobretudo, o

estado especifico de consciência que estivermos experimentando em determinada ocasião.

Em um estado usual de consciência (OSC = ORD1NARY STATE OF C0NSCIOUSNESS), nós assimilamos e

interpretamos dados sensoriais em unidades de significância. Olhamos o mundo a nossa volta e nossos

olhos selecionam uma determinada informação, a qual será por fim “arquivada”, como um retrato parcial

da realidade física20. Nossos sentidos não são capazes de alcançar a totalidade processual e transmutável

da existência do universo interior e exterior. Nós vemos o mundo como se composto de várias coisas

diferentes, as quais se mantêm separadas umas das outras por um espaço, e, consequentemente, nos

tornamos cientes de um mundo construído por entidades mais ou menos estáticas. Se por exemplo,
20 Matos, no prelo, p. 15: “O Conceito de Realidade”.
60
eu olho para o sólido e elegante edifício da Royal Library, em Copenhague, de alguma forma, eu estarei

sentindo aquela construção sólida como algo quase eterno. Não me passará pela cabeça, a possibilidade

de que aqueles aglomerados, que compõem aquele edifício, não estivessem naquele lugar específico há

quinhentos anos atrás, e, nem mesmo penso, que aquele aglomerado de moléculas e átomos esteja em

constante movimento e transformação. Eu não posso pensar naquele edifício envelhecendo, mas, na

realidade, a cada segundo, esta construção aparentemente muito sólida, está em constante deterioração:

e mesmo que bem conservada e reparada, ao longo dos anos, aqueles aglomerados dispersados pelo

vento do tempo, não estarão lá por muito tempo mais. Esta consequência psicológica da dimensão

cognitiva, nos torna, dificilmente, cônscios das transformações ocorridas desde o nascimento até o

envelhecimento em direção a morte, e que estão acontecendo em nossos corpos, neste momento, esta

maneira específica humana de agarrar a realidade é provavelmente, a principal causa da concepção do

universo de uma maneira dualista, fazendo nítidas separações entre eu e você, corpo e mente, vida e

morte.

Consequências Do Dualismo

As consequências existenciais da maneira dualista de estar consciente, refletem a nossa volta

representando amplo espectro social. Esta maneira de estar consciente de alguma coisa, pode fazer

com que o indivíduo se sinta como um ego isolado, flutuando em um oceano bastante perigoso, tendo

que usar de artifícios especiais para sobreviver em uma sociedade específica. Seu propósito, o qual

basicamente é o propósito consciente, ou inconsciente, de todo ser humano, é conseguir o sentimento

de satisfação no contexto físico, sexual e social. Para atingir, a longo ou curto prazo, o seu alvo, ele

negociará com o seu mundo social. Está claro que irá transacionar com a vida e com a morte de acordo

com o seu modo de conhecer seu próprio mundo. E, negociando com o seu mundo, baseado em um

ponto de vista pouco acurado (a maneira pela qual ele geralmente percebe seu ambiente próprio), ele

obterá resultados similares. Ele pode conseguir “felicidade” temporariamente, mas se sentirá sempre

ameaçado por seu ambiente e pela expectativa de perda, da dor e, eventualmente, da morte.

Nossa ciência e tecnologia atuais, estão baseadas em uma visão Newtoniana-Cartesiana da

realidade, onde o universo é fundamentalmente sentido de uma maneira dualista, postulando-se

que este universo é composto de uma infinidade de objetos separados. Atualmente, este conceito de

separação, é visto diferentemente pela física moderna onde o universo é concebido como uma teia

gigantesca dinâmica. Capra (1975) diz:

61
“Na física moderna, o universo é, portanto, experienciado como um todo dinâmico,
inseparável que sempre inclui indispensavelmente o observador. Nesta experiência,
os conceitos tradicionais de tempo e espaço, de objetos isolados, de causa e efeito,
perdem seu significado”.

No conceito dualístico, o ser humano vive em pelo menos dois mundos diferentes: um que é

o mundo físico de seu cotidiano e, o outro, que e o seu mundo conceituai, que quer dizer, corno ele

percebe, sente, conhece, reconhece e computa as miríades de informações que recebe de seu universo

exterior. Neste caso, ele cria uma realidade consensual, que ele entende e compreende como unidades

de significância, num contexto linear de passado, presente e futuro.

A Auto-Imagem

Parece que essa realidade conceitual criada, de separação, mais ou menos aguda (eu e o mundo),

começa no momento em que nascemos e somos anatomicamente separados de nossa mãe, e, mais

especificamente, quando aprendemos um sistema de código chamado linguagem. Uma das primeiras

unidades de significância que nós aprendemos, neste sistema de linguagem, é o conceito de eu, ou

ego21. De modo a identificar este ego eu necessito apartar e acrescentar certas qualidades a ele. Desta

maneira, eu crio uma imagem de mim mesmo. Esta imagem não é, em realidade, permanente, e, muda no

decorrer da vida. Existem certos elementos que são constantes nesta imagem (ou identidade) tais como

sexo, a qualidade de ser um ser humano, etc. Existem outros atributos qualitativos que podem variar

com o momento como, por exemplo, o status social e financeiro, sentimentos, qualidades e capacidades

pessoais. Desta maneira, o ser humano cria uma imagem de si próprio, acreditando saber quem ele é.

Ele se identifica. E esta identidade, algumas vezes lhe aparece como sendo muito agradável e, outras

vezes, desagradável, tudo dependendo de como sua vida vai se desenrolando. Ele cria a imagem de

como deveria ser no futuro (ele mais ou menos tenta eternizar, ou programar, o futuro de um certo

modo). Ele tem suas expectativas e espera que as pessoas, ele próprio e as situações se encaixem

na moldura mais ou menos clara, ou escura, que ele pré-fabricou ou planejou. Quando o mundo não

responde às fantasias criadas por ele, de como deveria ser, ele pode se tornar frustrado e, então,

reprimir estas situações desagradáveis. Desta forma, ele está armazenando estas situações dramáticas

como blocos de energia estática, ou em outras palavras, ele está estocando sofrimento. Outras fontes de

sofrimento armazenado, ou traumas, tem sido situações que o indivíduo vivenciou, desde experiências

perinatais até todas experiências do nível psicodinâmico, onde a pessoa não foi capaz de satisfazer

suas necessidades naturais de desenvolvimento (aproximação e calor matemos na primeira infância,

21 Ego aqui significa o conceito individual de si mesmo, a maneira como a pessoa imagina que é.
62
condições físicas adequadas para o desenvolvimento psicológico normal, segurança emocional dada

pelos pais e ambiente, estímulos intelectuais apropriados, etc.). As frustrações e situações traumáticas

passadas, que a pessoa não foi capaz de expressar, foram gravadas na autoimagem (ego) e mais tarde,

eventualmente, sufocadas (esquecidas, mas ainda muito vívidas, como um filme com conotações

emocionais dolorosas, no subconsciente). Estas situações dolorosas bloqueadas, as quais agora são

reprimidas, podem aparecer como depressão (ou outra desordem mental) e/ou sintomas físicos como

tensão, dor ou até mesmo doenças psicossomáticas.

Sintomas Da Depressão

Os sintomas mais comuns da depressão são: tristeza, sentimento de inferioridade, pessimismo,

sensação de cansaço, de ser incapaz, de estar sem coragem, tensão e mudança na postura. Um sentimento

de melancolia pode impregnar todo o cenário com sentimentos de ansiedade, desordens físicas tais

como dor de cabeça, falta de apetite e constipação, e, eventualmente, pensamentos suicidas podem

aparecer com frequência.

Analisando os sintomas acima, observamos que: “TRISTEZA”: é um sentimento produzido pelo

inconsciente, ou interação semiconsciente de três quadros diferentes:

Quadro 1: o sujeito espera, no futuro, alguma coisa de alguém, dele mesmo ou de algumas

situações, e, ele crê que aquela realidade será realizada;

Quadro 2: quando este futuro se toma presente, a verdadeira realidade se mostra diferente das

expectativas do sujeito, e, este experiencia frustração;

Quadro 3 : o sujeito, agora, está observando os quadros 1 e 2, os quais são, de certa forma,

contraditórios, e, então, ele cria uma imagem (quadro 3) onde ele se vê em uma situação na qual ele

está abatido e ele pode se sentir como “o pobrezinho abandonado”. Ele olha para este quadro 3 e este

quadro (autoimagem) produz nele este sentimento de melancolia. Na realidade, o que está causando

a sua melancolia não é a partida de um ser amado, não é a perda de algo precioso; e nem é o não-

preenchimento de suas expectativas. O que está causando sua melancolia é simplesmente, um quadro

(#3).

“SENTIMENTO DE INFERIORIDADE”: o sujeito está se vendo (autoimagem) como escassamente provido

em um ou vários aspectos em relação aos outros seres humanos. Ele está moldando e pressionando

para baixo uma imagem de si mesmo como inferior, e esta imagem lhe traz de volta o sentimento de
63
inferioridade, que não é um sentimento, mas uma imagem.

“PESSIMISMO”: o sujeito projeta sua imagem no futuro onde algum incidente negativo está

acontecendo a ele. Novamente o vemos criando, determinando, comprimindo (ou pressionando para

baixo) e deprimindo uma imagem que transmite a ele um sentimento desagradável.

“SENSAÇÃO DE CANSAÇO”: o indivíduo está usando em demasia suas energias disponíveis em

seus conflitos reprimidos, e, especialmente, está pressionando para baixo (deprimindo) ele mesmo.

Realmente, o que ele está pressionando (fixando) são alguns aspectos de sua autoimagem, mas, como

ele, em sua confusão e dor, se esqueceu que a autoimagem é somente uma imagem e não é ele próprio,

ele se pressiona para baixo, tornando-se deprimido.

“SENSAÇÃO DE SER INCAPAZ”: o sujeito criou uma imagem de si mesmo, num determinado contexto

fantasioso, onde ele não é capaz de satisfazer suas próprias expectativas, em uma atuação especifica.

Novamente vemos o sujeito determinando e pressionando uma certa imagem.

“SENSAÇÃO DE ESTAR SEM CORAGEM”: o sujeito não tem coragem para enfrentar uma certa situação.

Este sentimento vem de uma imagem que cria de si mesmo de imperfeição. Moldando este quadro ele

retoma um sentimento de des-encorajamento.

“SENSAÇÃO DE DESESPERANÇA”: é a imagem ou imaginação de uma esperança de que o futuro não

trará a realização de uma expectativa positiva. O sujeito está determinando uma imagem de um futuro

negativo, e, na maioria dos casos, ele não se tornará ciente desta fantasia porque ele a reprimiu.

“TENSÃO”: é energia bloqueada e, quando não é devidamente usada, mas estocada por um período

longo, pode ser experienciada como desagradável, pode se tornar um sofrimento e, eventualmente, uma

doença psicossomática.

Aqui, vemos o sujeito agora bloqueando a si mesmo e comprimindo seu próprio corpo para baixo,

tornando-o tenso.

É claro que o tornar seu corpo tenso é feito inconscientemente, no entanto não é praticado por

ninguém mais a não ser o próprio indivíduo. Então, o corpo pode tomar uma postura ligeiramente

curva em direção ao solo, como se a pessoa estivesse carregando uma carga pesada ou estivesse sendo

pressionado por alguma coisa ou por ele mesmo.

64
“SENSAÇÃO DE MELANCOLIA”: é um sentimento de tristeza (veja “tristeza”) e rejeição. O sujeito se

fantasia sendo rejeitado. Assim que ele bloqueia este quadro, ele cria imediatamente um outro (que

pode lhe aparecer de uma maneira semiconsciente) onde ele se vê como “um homenzinho não amado,

por quem quer que seja, e repelido”, ao qual ele pode dizer “pobre de mim”, e este quadro poderá trazer

aquele sentimento de melancolia.

“ANSIEDADE”: este sentimento é muitas vezes gerado por um medo ao futuro. O sujeito cria uma

fantasia de um futuro desastroso e rapidamente reprime esta possibilidade. De um nível inconsciente

esta imagem (do futuro desagradável) realimenta o medo de algo que é “desconhecido” da pessoa. Ela

fica entre o momento presente (agora) e o futuro. A pessoa reprimiu o quadro de um futuro negativo.

“DOR DE CABEÇA”: pode muitas vezes ser produzida por tensão que é uma forma de retesar os

músculos como numa situação de perigo, como a tensão nunca é relaxada, ela se transforma em dor de

cabeça.

“FALTA DE APETITE”: pode ser interpretada como uma maneira de maltratar o próprio corpo de

modo a tornar este corpo doente, e, no longo prazo, destruir este corpo. Poderia ser visto aqui, neste

caso, como uma forma de tendência suicida inconsciente.

“CONSTIPAÇÃO”: outra forma de pressionar algum sistema, do corpo, para inconscientemente não

permitir o fluxo da matéria nociva na purificação natural do mesmo. Isto pode ser visto também como

uma forma distinta de maltratar o corpo numa tentativa inconsciente de autoextermínio.

“PENSAMENTOS SUICIDAS”: são uma expressão de um esforço para eliminar (matar) a autoimagem,

a qual foi agora introjetada, e é realmente confundida com o corpo (Matos, 1977). Esta é uma maneira

pela qual o sujeito tenta se curar de sua depressão, mas como confunde o corpo com a autoimagem, ele

pode realmente cometer o suicídio biológico.

Crise Suicida

No ponto crítico de seu desejo de morrer, a pessoa que provavelmente contemplou o suicídio

algumas vezes, está agora pronta para o seu ato final nesta vida, e, pode estar em um estado mental

desesperador ou estar em paz consigo mesma quando esta decisão final foi tomada. Se esta pessoa

não for ajudada por alguém que possa controlar esta situação crítica, ela estará no perigo iminente de

encontrar sua morte biológica.

65
Para compreender o mecanismo da linguagem do suicídio dentro de um quadro teórico,

proponho que o caminho para a autoeliminação seja causado por cinco desejos básicos, quase sempre

inconscientes. Estes desejos, ou necessidades psicofisiológicas, são as motivações e causas de se cometer,

ou tentar o suicídio:

1 – Atenção;

2 – Vingança;

3 - Afastamento de uma situação desagradável;

4 - Mudança para uma situação melhor;

5 - Paz22.

Qualquer tipo de suicídio cairá em uma ou mais das categorias acima, e a motivação final de todos

os suicidas é atingir, finalmente, um estado de paz. Rechardt (1976), ampliando as teorias apresentadas

por Freud em seu trabalho Beyond the Pleasure Principle, afirma que o “instinto de destruição” é um

mecanismo psicológico para liberar a pessoa dos estímulos perturbadores interiores e exteriores, e

comparando isto com o ato destrutivo do suicídio, podemos facilmente compreender que este empenho

em se livrar da dor física e psicológica é uma tentativa de atingir a paz. Achte (1976) afirma claramente:

“Hoje em dia, dificilmente pode ser negado que, frequentemente - se não na maioria
dos casos - o desejo de `estar morto´, na mente da pessoa em questão, corresponde
somente a um desejo de atingir paz e segurança e recobrar um `estado prévio de
segurança´”.

A questão óbvia deste contexto é a pergunta: Por que um ser humano, procurando paz então,

estará tentando matar o seu corpo?

Charon (1972) diz que as notas deixadas pela maioria dos suicidas indicam uma impressionante

preocupação com as coisas deste mundo, especialmente as relações humanas, o que é curiosamente

contrastante com o desejo de morrer. Aqui parece que estamos em face a um paradoxo. E este paradoxo

é explicado quando compreendemos que o indivíduo não está realmente tentando matar o seu corpo,

mas está, na realidade, tentando eliminar uma perturbadora autoimagem. O único problema aqui é que

ele está imerso em sofrimento e confusão, e, em vez de eliminar a autoimagem negativa, ele tentará

destruir seu corpo (devido a misturar a imagem do corpo com o corpo físico), trazendo eventualmente

como consequência sua morte biológica.

22 Paz, neste contexto, significa harmonia consigo mesmo e com o ambiente.


66
Abordagem Transpessoal

Psicologia Transpessoal é uma ciência que aborda e estuda o homem em sua totalidade. Aqui, o

homem não é visto como um indivíduo per se, ou um indivíduo na sociedade, mas, os relacionamentos

ecológico e cósmico são de extrema importância. Dessa forma, a Psicologia Transpessoal engloba

outras abordagens científicas tais como medicina, antropologia, sociologia, física, química, matemática,

astronomia e metafísica. Esta “nova” ciência é basicamente intercultural, e, desta maneira, ciências

outras, de todos os tempos, com suas várias abordagens da vida (psicológica, religiosa, medicinal, etc.)

são estudadas.

A Psicologia Transpessoal emprega elementos de outras escolas de psicologia como behaviorismo,

psicanálise, psicologia Junguiana, humanística, e, especialmente, estuda a consciência humana que

transcende a pessoa e o conceito de ego. Assim, a Psicologia Transpessoal, pode ser definida como o

estudo científico dos estados de consciência.

O modelo da Psicologia Transpessoal está muito ligado ao modelo de quanta-relativístico da

física subatômica (veja Matos, 1978).

Dentre as várias técnicas psicoterapêuticas, desenvolvidas pela escola da Psicologia Transpessoal,

parece que a abordagem mais efetiva para o tratamento, e eventual cura, das tendências suicidas, é a
experiência psicológica de ego-morte-renascimento.

Experiência Psicológica De Ego-Morte-Renascimento

Nas culturas antigas e em particular nos países do Oriente, aprender a morrer é considerado

um aspecto indispensável e essencial da arte de viver. Em várias religiões secretas, templos e rituais

de iniciação realizados há milênios, em vários países do mundo, as pessoas são levadas a experienciar

sua morte e seu renascimento psicológico. Supõe-se resultar, este método, usado ainda em nossos dias

dentro de um sistema xamanístico e tântrico, em um progresso espiritual, e, tornar possível, ao iniciado,

viver pelo resto de sua vida de uma maneira mais completa e mais significativa. Concomitantemente

espera-se que esta experiência o prepare para a morte. Manuscritos sobre a morte, tão antigos quanto

os Egípcios e livros tibetanos que tratam da morte, revelam práticas psicológicas intrincadamente

complexas, e, são considerados manuais que preparam a pessoa para o ritual de morte-renascimento

tão bem quanto a real experiência da morte.

67
Grof (1970, 1972, 1972a, 1972/3, 1977) trabalhando, independente de outros pesquisadores,

com a terapia LSD, e, sem conhecimento prévio das práticas xamanistas e tântricas da técnica morte-

renascimento23, encontrou resultado terapêutico similar (Grof, 1976).

Como sabemos, desde as antigas culturas, esta técnica pode ser perfeitamente empregada sem

o uso de qualquer droga. Trabalhando dentro de um contexto transpessoal, e, sem o uso de drogas,

desenvolvi uma técnica para levar a pessoa ao resultado psicológico de ego-morte-renascimento.

Esta técnica pode ser ilustrada pelo seguinte exemplo clínico:

John é um radiotelegrafista, 31 anos, que tem trabalhado pelo mundo todo, servindo em navios

com bandeiras de várias nacionalidades. Ele está em um estado muito depressivo, do qual ele diz entrar

e sair frequentemente nos últimos cinco anos. Ele já tentou o suicídio em várias ocasiões e veio para a

terapia durante uma crise suicida. Ele me diz ter brigado de novo com sua namorada, que bateu nela e

que ela bateu nele; está muito deprimido quer se suicidar. Ele parece estar num estado desesperador e

reclama que “o destino não me deixou morrer há 3 anos atrás quando eu preparei tudo para uma linda

morte”.

O seguinte diálogo teve então lugar:

T(erapeuta): Como você tentou se suicidar?

(A atitude do terapeuta aqui é de extrema importância; ele aceita a autenticidade do desejo de John de

cometer o suicídio, pois sabe que John está sofrendo e está confuso, e que o que realmente deseja é obter

paz, eliminando a sua autoimagem negativa. A comunicação verbal e especialmente a metacomunicação

tem papel decisivo no desdobramento do processo Terapêutico. Aqui, o terapeuta não pergunta a

John porque tentou se suicidar, mas pergunta como, para permitir a John sentir de novo as emoções

relacionadas com a sua re-ação autodestrutiva).

John: Eu tomei algumas pílulas para dormir.

T: Como?

John: Bem, eu preparei tudo para ter uma morte linda.

T: Conte-me sua experiência.

23 Comunicação pessoal.
68
John: Eu estava muito deprimido, parecia que tudo saía errado em minha vida. Eu me sentia desesperado

e não havia futuro para mim. Então eu decidi planejar minha morte. Perto de meu apartamento, há um

parque muito bonito, e, eu decidi que tomaria algumas pílulas para dormir e antes que elas começassem

a fazer efeito, eu pegaria meu carro e dirigiria até o parque, deitaria sob uma árvore e me deixaria

morrer no meio daquela linda natureza verde.

T: E o que aconteceu?

John: Bem, as pílulas fizeram efeito antes do que eu esperava. Quando comecei a dirigir o meu carro

adormeci, e me encontraram na rua, dentro do carro, e me levaram para o hospital.

(O terapeuta percebe que John está começando a reviver sua experiência suicida passada, e,

gentilmente, pede a John para se deitar em um divã, relaxar, fechar seus olhos e contar de novo sua

experiência, no tempo presente do verbo, como se tudo estivesse acontecendo agora).

John repete sua história, no tempo presente, agora com muito maior envolvimento em todo o seu

drama, o qual contado com o verbo no passado era como uma história de uma outra pessoa. Agora, ele

está vivendo de novo cada detalhe e emoção de sua aventura suicida. Quando ele chega ao ponto em que

adormeceu no carro, o terapeuta delicadamente intervém dizendo a John:

T: Agora eu quero que você faça uma fantasia de que ninguém o encontrou no carro e que você realmente

vai morrer sob o efeito das pílulas.

(Normalmente, não é difícil para o paciente deixar a sua própria fantasia inconsciente - como

num sonho - a continuação de toda a cena que agora ele está vivendo, descrevendo no tempo presente,

deitado relaxadamente e com os olhos fechados).

John guarda silêncio por alguns segundos e então continua:

John: Eu estou morrendo agora, é suave, eu não estou com medo... Agora minha respiração parou... Eu

estou morto.

T: O que você está vendo agora?

John: ... Eu posso ver meu corpo deitado no carro... Eu me sinto flutuando fora do meu corpo.

T: Onde você está agora que você pode ver seu corpo morto?

69
John: Estou no ar... Estou flutuando. Eu posso ver o carro lá em baixo, meu corpo, a rua, as casas.

T: Como você se sente agora?

John: Eu me sinto bem. É uma sensação muito agradável flutuar. Agora o espaço é maravilhoso... Sinto

que estou flutuando para cima como se algo irresistível à minha frente, gentilmente me puxasse para

cima... Agora vejo tudo lá em baixo bem longe e sem importância...

John continuou nesta jornada interior por 45 minutos, descrevendo cenas extraordinárias de
grande beleza e algumas assustadoras. Ele sentiu visões arquetípicas, terminando, finalmente, com
uma visão atemorizantemente bela de um sol dourado. Ele podia sentir o calor deste sol magnífico o
reabastecendo de vida, e, em suas palavras, ele se sentia como se estivesse nascendo mais uma vez.

Depois desta experiência, John se sentia exaltado, seus olhos estavam brilhando e pareceu estar
em paz consigo mesmo. Ele declarou que estava experimentando, naquele momento, uma profunda paz,
e que todos os seus problemas anteriores, que ele havia visto como opressivamente perturbadores e
insolúveis, eram agora de pouca importância. E ele compreendeu que a maioria de seus problemas eram
causados pelo trabalho de sua própria mente. Perguntado de como se sentia sobre o suicídio agora, John
respondeu: “O suicídio não mais existe para mim agora! Ele estava se sentindo ele mesmo agora, e as
possibilidades de vida para ele eram uma aventura deliciosamente cheia de paz.

Seu sentimento de exaltação e profunda paz durou duas semanas. Depois disto, ele me disse que
tinha se tornado “visível de novo”, explicando como estava se sentindo bem, sem estar deprimido, mas,
sem experimentar mais aquele alto estado de consciência agradável.

Nos cinco anos que se seguiram a esta experiência, John não sentiu a necessidade de nenhuma
terapia, e, seus estados depressivos suicidas nunca mais ocorreram. Ele sentiu, como explicou no
decorrer destes últimos cinco anos, alguma experiência de “ligeira depressão”, mas, para logo em
seguida, se sentir bem de novo.

Nem todas as pessoas que se submetem ao processo psicológico de ego-morte-renascimento,


têm exatamente as mesmas experiências de John. Algumas pessoas têm muita dificuldade de passar o
limiar da vida em uma experiência psicológica da morte. Alguns, primeiro chegam a um espaço escuro
ou um túnel, ouvem sons (geralmente descritos como campainhas) e vêem lugares diferentes, descritos
como cenas de contos de fadas, com cores sobrenaturais. Outros, podem ter experiências desagradáveis,
vendo lugares que trazem reminiscências das descrições do purgatório cristão e os infernos de várias
cosmologias, antes de entrar em lugares de experiências mais agradáveis, tornando-se, finalmente,
capazes de experienciar o seu próprio renascimento psicológico.

Parece que a experiência de ego-morte-renascimento psicológico, tem um poderoso efeito no


tratamento da depressão e das crises suicidas; no entanto, o material que compilamos até agora é
muito restrito para uma conclusão final. Parece-me que esta técnica poderia ser usada com métodos de
abordagem transpessoal, em conjunto com métodos desenvolvidos por outras escolas de psicoterapia,
com resultados benéficos.

Referências

ACHTE, K. On Some Psychodynamic Mechanism Associated with Suicide. Publicado em: “Pesquisa

sobre o `Suicídio´”, ata do seminário de Pesquisa sobre o Suicídio pela Fundação Yrjo Janhsson 1976-

1977, Psychiatria Fennica Supplementum 1976.

70
CAPRA, F. The Tao of Psysics. Berkeley: Shambala, 1975.

CHARON, J. Suicide. New York: Charles Scribeneris Sons, 1972.

FREUD, S. Mourning and Melancholia. Collected Papers, Vol. IV. Londres: Mogarth Press, 1953.

GROF, S. Beyond Psychoanalysis: II. Um modelo conceptual da personalidade humana englobando

o fenômeno psicodélico. Apresentado em pré-lançamento na segunda Conferência Interdisciplinar

sobre controle Voluntário dos Estados Interiores, Council Grove, Ka. Abril, 1970.

GROF, S. Varieties of Transpersonal Experiences: observations from LSD Psychotherapy. Journal of

Transpersonal Psychology, 1972,1. 45-88.

GROF, S. Theoretical and Empirical Basis of Transpersonal Psychology and Psychotherapy.

Observações na pesquisa com LSD. Baseado na apresentação de um grupo de psicoterapia na conferência

anual da Associação de psicologia humanística, em Squaw Valley, setembro, 1972.

GROF, S. LSD and the Human Encounter with Death. Voices, the Art and Science of Psychotherapy, vol.

6, #4, 1972/ 1973, 3ª edição.

GROF. S. Realms of the Human Unconscious, Observations from LSD Research. New York: E.P.

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GROF. S. e HALIFAX, J. The Human Encounter with Death. New York: E.P. Dutton. 1977.

LOWEN, A. Depression and the Body.New York: Penguin Books, 1976.

MATOS, L. The Language of Suicide: a Psychotherapeutic Approach. Ensaio apresentado no IX

congresso Internacional sobre Prevenção do Suicídio e Intervenção nas Crises. Helsink, junho 20-23,

1977.

MATOS. L. Body and Mind: the interplay between muscular and cognitive states. No prelo.

RECHARDT, E. Tuhoavuu den Psykologiasta. Medisiinari 1: 19-23.

71
ALÉM DAS FRONTEIRAS DA LOUCURA24
Tradução: llanise Míriam

A loucura é um tabu na maioria das sociedades e usualmente o caminho para a loucura é o que

em psicologia chamamos de estados de consciência de borderline.

Borderline (ing. = linha fronteiriça) pode ser definido como um estado específico de consciência

onde o indivíduo experiencia estar a maior parte do tempo em um estado comum de consciência mas,

algumas vezes, ele pode experienciar espaços de realidades não comuns em um contexto de insegurança

e frequentemente medo, onde pode experienciar paranoia, tendências suicidas, medo de loucura, fobia,

medo da morte e/ou desmembramento, dentre outros sintomas.

Neste contexto esse indivíduo pode experienciar visões incomuns e frequentemente desagradáveis

que ele pode chamar de alucinações.

Poderíamos dizer, nesse contexto, que um estado de consciência de fronteira, ou borderline, é

uma quase passagem para um estado de psicose.

Qualquer doença física ou psicológica é uma indicação de um estado de desequilíbrio e mui

freqüentemente, o síndrome psicológico é o reflexo de um processo inconsciente que o indivíduo está

apresentando para procurar curar a si mesmo.

Muitas são as causas da loucura e nós poderíamos ver este estado de consciência, ou estado

de ser, como uma forma que o indivíduo está usando inconscientemente para tentar reestabelecer um

estado de saúde perdido no tempo e no espaço. Ele está tentando eliminar ou matar um antigo ego

“doente” para renascer como uma nova pessoa num contexto de crescimento pessoal e transpessoal.

Perry (1974) vê a loucura como uma viagem visionária. Uma viagem no inconsciente humano

em direção à uma experiência final de cura onde o indivíduo experienciará sua morte e renascimento

24 Trabalho apresentado no XX Congresso Anual da Association for Transpersonal Psychology, Asilomar


Conference Center, Pacific Grove, Califórnia, Agosto 28-30 de 1992.
72
psicológico.

O ritual da morte e renascimento psicológico do ego tem sido praticado, há milênios em culturas

antigas, como uma forma de preparar o indivíduo para a sua morte. Nestas culturas, aprender a morrer

é considerado um aspecto indispensável e integral da arte de viver.

Nos dias atuais, dentro de um quadro de referência xamanístico e tântrico, esse procedimento

supostamente resultará em iluminação espiritual e possibilitará ao iniciado viver pelo resto de sua vida

de uma forma mais significativa e plena.

Durante as duas últimas décadas eu tenho tido a oportunidade de observar, em vários de

meus pacientes que apresentam o síndrome de borderline, a emergência de experiências perinatais

relacionadas ao medo da morte e ao desejo inconsciente de morrer. Muitos deles apresentaram um

quadro de diferentes tipos de fobias (v.g., agorafobia), insegurança, medo de loucura e tendências

suicidas tanto conscientes quanto inconscientes.

Me parece que esse desejo final de morrer, frequentemente tem sua origem em “experiências

de vidas passadas”25 e que a causa principal de estados de consciência fronteiriços e da loucura em si

têm sua origem mais especificamente em experiências de morte em “vidas passadas”. Tenho observado

em meus dados clínicos uma forte indicação de que a morte dolorosa física e psicológica em “vidas

passadas” frequentemente é causa de distúrbios graves na vida atual do indivíduo.

A maneira como o inconsciente tenta curar tais feridas, transpessoais e transtemporais, é

colocando o indivíduo em contato com estados de consciência alterados, desagradáveis e não ordinários,

onde o tema recorrente é medo e desejo de morrer. Esse desejo de morrer é a força do inconsciente

trabalhando em direção à um resultado final de cura obtido pelo renascimento psicológico (Matos,

1980).

25 Aqui eu coloco vidas passadas entre aspas porque, infelizmente, é muito difícil verificar se uma memória
ou visão de um paciente é realmente uma memória de uma vida passada. Vejo aqui quatro possibilidades:
a) é uma memória de vida passada; b) é uma fantasia produzida pelo indivíduo como em um sonho para,
simbolicamente, representar e resolver um problema específico; c) é uma personalidade colateral; d) é algo
que não sabemos ainda o que é. De qualquer forma, trabalhando dentro de um enfoque fenomenológico, no
contexto da terapia, eu aceito a interpretação do paciente. O que eu tenho tido oportunidade de observar é
que, na maioria dos casos, o paciente, ele mesmo refere a tais experiências como sendo de uma das suas vidas
passadas. Perguntado por que ele/ela acredita aquela ser uma vida passada, usualmente a pessoa conta que tal
experiência, mui frequentemente, é mais real para ela do que a sua vida atual e algum tipo de intuição conta
para a pessoa que aquela é realmente uma memória de uma vida passada.
73
Neste contexto eu quero apresentar aqui o caso de Christian26 o qual ilustrará os poderosos

trabalhos do inconsciente. Tentando restaurar seu equilíbrio psicológico perdido e liberá-lo de seu

sofrimento, seu inconsciente estava apresentando o síndrome de borderline.27

Estudo de Caso

Christian é um engenheiro finlandês de 38 anos de idade, casado e com dois filhos adoráveis. Ele

avançou rapidamente em sua companhia eletrônica multinacional tendo um alto cargo de chefia e tem

sido designado para postos importantes no exterior. Ele acaba de voltar para a Finlândia depois de ter

passado dois anos na filial sueca de sua companhia.

Ele vem até a mim reclamando de insegurança, medo de espaços abertos e, conforme ele colocou

“medo de matar a si mesmo e aos outros”.

Eu pergunto:

L(éo): O que você quer dizer com matar a si e matar aos outros?

C(hristian): Esse é um dos meus maiores problemas. Todos os dias eu tenho de dirigir de casa para

o meu trabalho, são cerca de 30 km e não é uma estrada muito larga. Muitas vezes é como se eu me

sentisse obcecado pelo pensamento e forte desejo de dirigir contra o carro que está vindo na outra faixa

em minha direção... Muitas vezes eu preciso parar meu carro no acostamento em um estado de pânico e

simplesmente deixar o carro lá e encontrar uma outra forma de chegar em casa. Isso tem me assustado

e algumas vezes eu acho que estou ficando louco.

Outras vezes eu me encontro tomado por tal fúria que quero matar todo mundo à minha volta. É

com dificuldade que eu me contenho.

L: Que outros tipos de problemas você sente que tem?

C: No meu trabalho, devido à minha posição como engenheiro chefe, frequentemente eu preciso ir à

reuniões com diretores da minha companhia, em uma sala muito ampla e aberta. Algumas vezes lá

eu sou atacado por puro pânico e só desejo fugir. Eu não sei o que acontece comigo... para evitar isso,

muitas vezes, eu simplesmente digo que estou doente antes das reuniões e vou para casa. No entanto,

isso está prejudicando a minha carreira e... eu não sei o que fazer.
26 Nome fictício para resguardar a identidade desta pessoa.
27 Christian esteve em terapia individual comigo durante dois anos tendo uma sessão dupla (i.e. 90
minutos) de terapia por semana.
74
Você acha que eu estou ficando louco?

L: Por favor, Christian, eu quero que você deite aqui neste sofá, feche seus olhos e permita que seu corpo

relaxe por alguns minutos (...)28.

Aqui decido usar com Christian uma técnica que desenvolvi (MATOS, 1977) e a denominei de

DDC (Day Dream Catharsis = Sonho Catártico Diurno) onde o paciente, frequentemente, em um breve

espaço de tempo, vai poder explorar as regiões mais profundas de seu inconsciente.

Nesta abordagem eu peço à pessoa para se deitar em um sofá ou colchão, fechar os olhos, e usando

técnicas psicológicas específicas facilito à essa pessoa chegar à um estado de profundo relaxamento.

Aqui eu peço ao paciente para entrar em contato com o material (um sonho, um sintoma

físico ou psicológico, uma alucinação, uma obsessão ou qualquer tipo de medo) que ele trouxe para

a sessão e deixar que qualquer imagem venha à sua mente como se ele estivesse sonhando. Ele então

vai começar a descrever para mim esse “sonho acordado” no tempo presente sem julgar nem fazer

qualquer interpretação seja qual for. De vez em quando eu posso fazer perguntas específicas ou guiá-lo,

se necessário.

Esta demonstrou ser uma técnica extremamente recompensadora no sentido em que o paciente

rapidamente, e com um mínimo de resistência, pode entrar em contato com memórias inconscientes

perdidas, partes perdidas de sonhos e “memórias de vida passada”. Além de trazer rapidamente

importante material perdido do inconsciente, essa abordagem demonstrou ser uma técnica de cura

poderosa e rápida.

Aqui, usando essa técnica, a meta-comunicação, isto é, o tom de voz do terapeuta, a posição de seu

corpo, seus sentimentos mais profundos, suas vibrações e especialmente suas motivações para fazer a

terapia serão de suma influência na efetividade dos resultados desta técnica.

A Síndrome da Agorafobia

Christian me fala sobre seu último drama quando ele estava tendo uma reunião com os diretores

de sua companhia.

Ao entrar na moderna sala de reunião ele começou a ficar com muito medo de “uma sala tão
28 Este sinal (...) significa que houve uma pausa silenciosa. Este tipo de pausa certamente é muito
importante, no momento exatamente devido, da parte do terapeuta para dar tempo e espaço ao paciente para
entrar em contato consigo mesmo, com suas emoções mais íntimas e seu inconsciente mais profundo.
75
grande” e sentiu tonteira. Ele então precisa se declarar doente, interromper a reunião e arranjar alguém

para levá-lo de carro para casa. Essa sensação de tontura persistiu depois que ele chegou em casa.

Eu peço a Christian:

L: Eu quero que você se deite neste sofá, feche os seus olhos e permita que seu corpo relaxe (...). Agora

você vai me contar no tempo presente esta situação que você viveu ontem durante a reunião. Eu quero

que você deixe sua mente livre como se você estivesse sonhando agora (...) e em um sonho tudo é

possível...

Depois de alguns minutos Christian começa a recontar a sua experiência:

C: Eu estou nesta grande sala de reuniões... eu sinto que o espaço aqui é amplo demais para mim. Eu me

sinto inseguro. Agora eu estou começando a me sentir tonto... eu fico cada vez mais tonto. Eu tento me

manter firme, mas a pressão fica pesada demais e eu caio.

L: O que acontece agora quando você cai?

C: Eu agora estou deitado aqui no chão. Tem muitas pessoas à minha volta. Eu ainda me sinto muito

tonto. Eu estou me movendo por causa da tonteira... eu estou me movendo de um lado para o outro.

Agora eu começo a virar de costas com a cabeça primeiro. Eu me viro pelo chão. Minha cabeça vai

primeiro e eu estou deitado de costas. Estou me movimentando sem parar.

Eu vejo um lugar para escapar daqui mas estou escolhendo não ir lá. Eu só fico me movimentando.

Agora começo a me movimentar para cima como se começasse a flutuar. Eu chego ao teto. Eu olho para

todas as pessoas lá embaixo nesta imensa sala de reuniões... Agora, flutuando, eu atravesso o telhado e

chego fora do edifício.

L: O que você pode ver agora quando está do lado de fora?

C: Eu posso ver o sol brilhando e flores.

L: Como você se sente agora quando está nesse espaço e vê o sol e as flores?

C: Eu me sinto bem. Eu subo cada vez mais.

L: Agora você deixa você continuar subindo cada vez mais e continue me contando o que acontece.

76
C: Eu ainda estou tonto, mas eu gosto. Eu paro para sentir partes de meu corpo. Eu estou muito relaxado

e leve.

L: Você agora vai simplesmente desfrutar esta sensação de leveza.

C: Eu posso ver uma suave luz amarela na frente dos meus olhos.

L: O que você sente por esta luz?

C: Eu a amo.

L: Agora... você permite a você mesmo simplesmente ser. E... desfruta esta experiência! (...)

Após alguns minutos eu digo a Christian:

L: Deste lugar onde você está agora eu quero que você volte para aqui. (...) Agora sinta as suas mãos, pés,

tronco, cabeça... sinta que você está respirando suavemente e agora, lentamente, você começa a abrir os

seus olhos (...). Agora, lentamente, você vai se sentar novamente.

Como você se sente agora?

C: Eu me sinto bem e tonto.

L: Tente sentir o seu corpo. Sinta que você está dentro dele. Está OK você se sentir tonto. (...) Como você

se sente agora?

C: OK.

L: Como você se sente agora quanto à essa situação de ontem?

C: OK.

L: Agora eu quero que você faça um mandala.

Para a maioria dos meus pacientes e na maioria dos meus workshops uso a técnica de Terapia de

Arte do Mandala desenvolvida por Joan Kellog (1984). Essa técnica é de valiosa ajuda para diagnosticar

problemas do cliente existente nos níveis psicodinâmico, perinatal e transpessoal.

A técnica do Mandala desenvolvida por Kellog é um magnífico teste psicológico onde é possível

ver a situação passada, presente e o futuro potencial do paciente.


77
No entanto, o maior valor do mandala, na minha opinião, é seu poder de cura. Fazer uma mandala

é como oferecer à pessoa uma sessão especial de terapia transpessoal. O mandala, como um sonho, é

uma mensagem pictorial existencial do inconsciente e ao mesmo tempo um instrumento poderoso de

auto-cura.

Aqui nesta situação específica com Christian eu pedi a ele para desenhar um mandala com o

propósito de permitir que esse mandala facilitasse e completasse a integração de sua experiência e

também com o objetivo de analisar (através da interpretação do mandala) qual foi o resultado dessa

sessão terapêutica.

Olhando esse mandala específico e nove outros mandalas que Christian havia feito até essa ocasião,

eu pude ver que a maioria dos problemas de Christian estava nos temas de nascimento (experiências

perinatais) e morte-e-renascimento do ego.

Me parece que o fenômeno de agorafobia é um modo de ser onde o indivíduo, em um nível,

experiencia um grande medo de espaços abertos, mas, por mais paradoxal que possa ser, é uma forma

que ele está usando em sua tentativa de transcender suas limitações auto impostas pelo ego para obter

um espaço infinito de liberdade interior. No momento da manifestação da síndrome de agorafobia esse

espaço interior infinito ainda está fechado para ele.

Eu acredito que muitos casos de estados de borderline, alcoolismo e tendências suicidas são

relacionados com agorafobia a qual aparece como medo de espaço aberto e medo da morte.

Tendo medo da morte psicológica a pessoa se fechará dentro de um conceito de espaço limitado,

cuja “realidade” dará para esta pessoa um falso senso de segurança.

Espaços abertos podem aparecer como ameaça para este falso senso temporário de segurança. O

medo será o mecanismo de proteção dos limites impostos pela pessoa. Esse medo que frequentemente

é um desejo mascarado de morrer, me parece ser uma busca inconsciente em direção à experiência de

morte-e-renascimento psicológico do ego.

Somente através da morte psicológica a pessoa se libertará do medo da morte e renascerá

psicologicamente para um espaço infinito de liberdade.

Essa sessão marcou profundamente a melhora clínica do caso de Christian e ele começou a se

sentir mais à vontade durante as reuniões em sua companhia.


78
No entanto, ele ainda tinha muito material com que trabalhar. Três semanas mais tarde ele estava

me dizendo, em um visível estado de apreensão, que agora ele estava como que na expectativa de uma

catástrofe.

Ele me disse que no departamento dele trabalhava uma secretária que, para ele, parecia

mentalmente doente e isso o afetou a um ponto indescritível. Ele sentiu como “a proximidade de uma

explosão”.

Eu pedi a Christian para se deitar no sofá, fechar os olhos e se permitir entrar em contato com

esta sensação de que uma catástrofe está para acontecer.

L: Eu quero que você faça uma fantasia de que uma catástrofe está acontecendo para você agora; e você

vai descrever para mim, agora, no tempo presente, o que está acontecendo com você.

Christian fechou os olhos e depois de alguns minutos, com uma voz trêmula, começou a relatar:

C: Eu estou sentado aqui na minha mesa e subitamente para meu horror eu vejo que o teto está caindo!...

eu fico preso sob o teto... eu não consigo me movimentar.

L: Conte-me mais o que acontece agora.

C: Agora eu começo a me mover para baixo com minha cabeça primeiro. Tudo está confuso. Está muito

escuro. (...) Eu chego até uma parede... eu não posso ir a nenhum lugar.

Agora eu começo a pressionar a minha cabeça contra a parede. Eu sei que tenho de atravessar

esta parede.

L: Conte-me como você faz isso.

C: Eu pressiono minha cabeça cada vez mais contra essa parede mas não existe nenhum buraco pelo

qual eu possa passar.

Agora, pouco a pouco, começa a aparecer um buraco na parede. Minha cabeça está passando. Eu

olho lá fora e vejo luz...

L: Diga-me quando estiver lá fora.

C: Agora eu pulo para o chão.

79
L: O que você está vendo nesse lugar, agora?

C: O sol está brilhando.

L: Como você se sente estando neste lugar quando o sol está brilhando?

C: Muito bem e relaxado.

Aqui nós vemos nesta experiência de Christian a liberação da memória perinatal simbolizada

agora por uma catástrofe (a experiência que o bebê na hora de seu nascimento parece passar quando

saindo de seu estado de relativa quietude dentro do ventre da mãe para os primeiros momentos do

parto, quando começam as contrações) e uma fuga para a liberdade (a experiência do nascimento).

Tendo fechado essa importante gestalt 29 de sua vida perinatal, Christian agora se sente bem e

relaxado.

Para a maioria dos meus pacientes eu sugiro que eles escrevam, se possível literalmente, cada

sessão terapêutica que eles têm assim que cheguem em casa. Recomendo que a sessão deve ser escrita

no tempo presente como se agora, quando estão escrevendo a sessão, estivessem vivenciando aquela

sessão novamente.

O motivo para isso é facilitar ao paciente obter um insight mais profundo em seu processo

terapêutico e, muitas vezes, escrevendo sua sessão no tempo presente ele estará como que oferecendo

a si mesmo uma sessão extra de terapia. Isso certamente vai acelerar o processo terapêutico e o fim da

terapia. Eu peço a ele/ela para trazer esse relatório para mim na sessão seguinte para que, se necessário,

discutamos a sessão anterior.

Essa abordagem demonstrou ser de grande benefício para o paciente, e Christian, muito

diligentemente, vinha todas as vezes com um relatório bem feito. Ele sentiu que fazendo desta forma

estava dando a ele um melhor entendimento de sua jornada de cura e, além disso, ele se sentia ajudando

a si mesmo.

Mais tarde, no final da maioria das sessões, eu dava alguns exercícios de auto terapia para

29 Gestalt é uma palavra em alemão que quer dizer estrutura e aqui neste contexto nos referimos
especificamente a estruturas psicológicas. Durante o curso de nossa vida vamos experienciar inumeráveis
situações psicológicas as quais podem ser vistas como estruturas psíquicas. Quando uma situação psicológica
específica é completada (isto é, é finalizada com um sentimento de satisfação para o sujeito) falamos que a
gestalt ou estrutura foi fechada, ou melhor completada.
80
Christian fazer em casa, antes da próxima sessão. Desta maneira ele poderia aprender como ajudar a si

mesmo e, ao mesmo tempo, o tempo da terapia seria reduzido.

Eu acredito que a terapia tem seu aspecto pedagógico, o qual é de suma importância. Como terapia

significa servir (do seu significado semântico da palavra therapeia em grego) é muito importante que a

pessoa em terapia (que está sendo servida agora) aprenda como servir a si mesma, isto é, como ajudar

a si mesma.

Para mim um dos objetivos da terapia é permitir ao paciente aprender como servir e ajudar a si

mesmo de uma forma benéfica. Desta maneira ele vai poder ter responsabilidades pelos seus atos, sua

saúde e estado geral de ser; e quando possível, dar terapia para si mesmo (isto é, servir a si mesmo de

uma forma saudável) independente de sua profissão.

Além disso, usando técnicas de auto-cura o paciente estará praticando terapia preventiva. Tudo

isso pode servir a essa pessoa como um método em sua vida que ela pode usar, quando desejar, como

um instrumento para seu crescimento pessoal e espiritual.

Christian sentiu que sua maneira de ser estava melhorando e seus medos diminuindo e ficando

menos frequentes.

Um dia, ele veio com o seguinte relatório escrito:

C: Noite de domingo, 27 de fevereiro. Eu estou deitado na minha cama e estou muito relaxado. Subitamente

eu começo a ver uma paisagem, como em um filme. Eu vejo três homens. Eles têm roupas de pele, como

alguns vikings. Tem algumas árvores pequenas ao fundo e grama bem alta. Eles têm lanças nas mãos e

estão acertando alguma coisa no chão. Eu estou me escondendo. Eu sei que alguma coisa terrível está

acontecendo. Aqui esta visão simplesmente desaparece.

Na terça feira à noite, no dia 1o de março, pouco antes de adormecer, essa visão volta à minha

mente. Eu posso ver a mesma paisagem de antes, e subitamente um homem, com olhos terríveis, com

uma espécie de brilho amarelo, vem em minha direção e eu sei que ele vai me matar. Ele tem uma faca

na mão. Eu tento escapar, mas ele me mata. Nesse ponto eu ainda não sei como.

Depois eu sinto que estou morto e como que flutuo até o lugar onde os homens com as lanças

estavam. Aqui estão deitadas duas pessoas... elas estão mortas; é uma mulher de cabelos claros, minha

mãe, que está morrendo mas ainda está viva. Eu a amo muito mas ela só vê através de mim e não
81
percebe que estou perto dela. Eu sei que sou apenas uma criança pequena, um menino. Eu me sinto

muito amedrontado.

Eu pedi a Christian para entrar mais em contato com os sentimentos dessas visões e fazer um

mandala agora, durante a sessão. Depois de terminar o mandala, Christian me diz que, enquanto estava

fazendo o mandala, visões passaram pela sua mente:

C: Eu vi como eu fui morto. Um homem tinha uma faca. Ele colocou a faca contra meu estômago e eu

comecei a fugir. Ele corre atrás de mim e empurra essa faca nas minhas costas. Eu caio, tentando manter

as mãos para proteger meu estômago. Eu estou sangrando muito e sentindo muito medo. Subitamente

eu vou ou flutuo para fora do meu corpo e me vejo lá embaixo, um menino louro usando roupas de pele.

Eu flutuo até minha mãe... e aqui esta cena desaparece.

As semanas passaram e Christian tinha visões que, ele acreditava, pertenciam a vidas passadas

onde ele experienciou situações dolorosas que estavam emergindo agora em sua mente consciente

como visões.

Depois de ver várias “memórias de vida passada” Christian começou a ter cada vez mais fantasias

sobre a morte, embora, desta vez, ele claramente soubesse que ele não queria cometer suicídio mas que

toda essa necessidade de morrer era a manifestação da sabedoria de seu inconsciente ajudando-o a se

transformar, morrer para seu antigo eu (ou eus) e renascer então com um novo eu; livre de suas antigas

dores estocadas de muitas vidas.

No dia 31 de maio ele disse:

C: Eu tenho tido muitas fantasias de morrer em minha cama. Eu tenho imaginado que meu coração vai

parar e isso está me assustando.

L: Eu quero que você se deite neste sofá e descreva para mim esta fantasia no tempo presente.

C: Eu deito na minha cama, está no final da tarde e lá fora já está escuro. Eu percebo que meu coração

começa a bater irregularmente. Eu sei que vou morrer. (...) Depois de um tempo eu morro. Eu movo

relutantemente para fora de meu corpo e começo a subir. (...)

Agora eu estou fora da minha casa. Está muito escuro. Eu sinto mal. Eu continuo flutuando para

cima e agora eu chego a algumas nuvens muito escuras.

82
Christian ficou nessa escuridão durante cerca de 15 minutos antes de conseguir ver alguma coisa

naquele espaço de consciência. Ele continuou:

C: Agora eu me sinto um pouco melhor e agora eu posso ver um pouco de luz...

L: Qual é a cor da luz?

C: E amarela. É o sol.

L: O que você sente por este sol agora?

C: Eu sinto bem.

L: Eu quero que, agora, você faça a fantasia de que você está flutuando em direção à esse sol amarelo e

quando você chegar perto desse sol eu quero que você o descreva para mim com mais detalhes.

C: Agora eu estou perto do sol. Está muito quente e agradável!

L: Eu quero que você se conscientize de que o calor e a luz desse sol está vindo até você como muitos

raios de luz. (...) Você pode ver os raios de luz do sol?

C: Sim.

L: Agora eu quero que você faça a fantasia de que você se torna um raio de luz do sol. Diga-me quando

você tiver se tornado um raio de luz do sol.

C: Agora eu sou um raio de luz.

L: Como você se sente agora?

C: Muito bem, leve e me movendo muito rápido.

L: Sendo um raio de luz você agora pode ir para qualquer parte do universo e agora você está viajando

mui rapidamente em direção ao planeta Terra. Você está se aproximando da Terra.

Tocando levemente o alto da cabeça de Christian, eu continuo:

Agora sendo esse raio de luz você entra nesta cabeça. Esta luz agora está enchendo a cabeça (...),
o pescoço (...), os ombros, o peito, os braços... descendo até as mãos. Agora está enchendo o estômago, a
área pélvica, as pernas... descendo até os pés. Até que todo o corpo esteja cheio com essa luz do sol muito
bonita e quente. (...) Você consegue sentir o corpo cheio com essa luz agora?
C: Sim.
83
L: Como você se sente agora quando essa luz está enchendo todo o seu corpo?
C: Muito bem.

Essa experiência de morte e renascimento psicológico é de suma importância para trazer a pessoa
de volta de um profundo desequilíbrio psicológico o qual pode colocar o indivíduo em dimensões de
estados de consciência de borderline, ou mesmo em estados psicóticos de ser. Sendo esta situação de
borderline o produto de muitas experiências dolorosas nos níveis psicodinâmicos, perinatal e acima de
tudo experiências traumáticas de mortes em “vidas passadas”.

Uma semana mais tarde, Christian novamente teve visões do tempo quando ele era um menino
Viking e foi esfaqueado nas costas.

Eu peço a ele para deitar no sofá, fechar os olhos, permitir que a visão emirja aqui agora, e me
conte no tempo presente a sua experiência.

C: Depois que eu morro, eu estou flutuando agora de volta até minha mãe ferida deitada no chão. Ela não
consegue me ver. Eu gostaria que ela me visse e me consolasse, mas ela só vê através de mim.

Eu flutuo para dentro do estômago dela. Então eu começo a me sentir cada vez mais relaxado. Eu
começo a ser envolvido por uma luz amarela/branca.

L: Agora eu quero que você comece a flutuar para cima, cada vez mais alto, e descreva para mim o que
você está vendo.

C: Eu sinto que estou flutuando para o lado... eu me sinto muito tonto. Eu sinto como que viajando em
um mar tempestuoso e eu estou o tempo todo envolvido pela luz (...).

Agora eu estou chegando a um lugar que parece ser um oásis. Aqui tem palmeiras, um camelo,
água e pessoas usando longos vestidos brancos. É muito tranquilo aqui.

Uma velha senhora de cabelos grisalhos, a quem eu amo muito, vem até a mim e ela me abraça
como se estivesse dando as boas vindas ao seu filho. Eu sinto muito amor por ela. Eu sinto que estou
envolvido por essa luz amarela e uma profunda sensação de paz me preenche. Eu sinto como se não
tivesse um corpo, mas sou apenas essa luz magnífica!

L: Agora eu quero que você se torne consciente de que essa luz que você é agora tem muitos, muitos
raios de luz. Você pode ver esses raios de luz?

C: Sim.

L: Agora eu quero que você faça a fantasia de que você se torna um raio desta luz. Me diga quando você
tiver se tornado este raio de luz.

C: Agora.

L: Agora, sendo esse raio de luz você está movendo mui rapidamente no espaço e você pode viajar para
qualquer parte do universo. Agora você está viajando em direção ao planeta Terra. Você está vindo para
a Terra agora e (aqui, suavemente eu toco a cabeça de Christian) você está entrando nesta cabeça. (...) A
luz enche a cabeça, enche o pescoço, os ombros, o peito. Agora está enchendo os braços... descendo até
as mãos. A luz continua fluindo e agora está enchendo o estômago... a área pélvica, as pernas... descendo
até os pés. Até o corpo inteiro ficar cheio com essa linda luz. (...) Você pode sentir todo o corpo cheio com
essa luz agora?

C: Sim

L: Como você sente agora quando essa luz está enchendo todo o seu corpo?

84
C: Muito bem! Eu me sinto em paz comigo mesmo.

Durante esse tempo, o relacionamento de Christian consigo mesmo, sua família e seu trabalho,
havia melhorado substancialmente e ele estava considerando a possibilidade de se candidatar à um alto
cargo em sua companhia no exterior; uma posição com a qual ele não ousava sonhar antes.

No entanto, ele próprio sentiu que a sua terapia não estava concluída. Ele disse que um dos
últimos sintomas que ele estava experienciando, e que o estava deixando preocupado com a possível
volta de todos os seus problemas anteriores (síndrome de borderline), eram sensações extremamente
intensas de raiva que ele estava experienciando, de vez em quando, sem nenhuma causa aparente.

Somente com muita força de vontade ele conseguia dominar essa raiva. Ele ficava com medo
quando “possuído” por essa intensa raiva e com medo de matar alguém.

Eu pedi a Christian para se deitar no sofá na minha frente.

L: Agora eu quero que você fale sobre a sua experiência de ficar com muita raiva. Eu quero que você
lembre agora de um momento em que você teve muita raiva, e você vai descrever essa experiência para
mim no tempo presente com seus olhos fechados. É como se você estivesse descrevendo para mim
agora um sonho que você teve, mas você o descreve no tempo presente. Não importa se você descreve
para mim exatamente o que aconteceu. Eu quero que você permita à sua mente ser livre, como se você
estivesse sonhando agora, e você apenas vai me contando as imagens, lembranças ou fantasias, as quais
vêm para a sua mente no tempo presente.

C: Eu estou na selva... eu estou faminto!.

L: O que você está vendo neste lugar e que tipo de pessoa você é?

C: Eu vejo algum tipo de vegetação tropical, uma cabana... Sim, eu sou um xamã... eles mataram meu filho.
Agora eu me lembro de tudo! Eu fiz magia negra contra uma tribo inimiga e, como eles não puderam
vingar em mim, eles mataram meu único filho! Agora eu quero destruir todos eles.

Christian continuou me contando sua história de “vida passada”; de como ele tentou diferentes
tipos de magia negra para vingar seu filho; de como a sua fúria não diminuía, até que um dia seus
inimigos armaram um esquema para que ele ficasse sozinho em um certo ponto da floresta e lá eles o
mataram com muita crueldade. Ele morreu experienciando terrível ódio e fúria contra aqueles índios
que o estavam assassinando.

Usando a técnica de DDC (Day Dream Catharsis = Sonho Catártico Diurno) eu facilitei para
Christian, ou o xamã, sua jornada pos mortem até ele encontrar um sol extremamente bonito e dourado. Eu
pedi a ele para se transformar em um raio de luz daquele sol magnífico e voltar ao seu corpo (o corpo de Christian
deitado aqui no sofá na minha frente) e experienciar agora seu corpo cheio com essa linda luz.

L: Como você se sente agora quando seu corpo está cheio com essa luz?

C: Muito, muito bem... em paz!

L: Agora eu quero que, lentamente, muito lentamente, você abra os seus olhos e olhe para mim. Como
você se sente agora?

C: Muito bem.

L: Como você se sente com relação à morte agora?

C: (Sorrindo) Para mim, tudo bem.

L: Como você se sente agora sobre aquele problema que você me contou sobre ficar furioso?

85
C: Eu sinto que ele não existe mais. Eu entendo agora por que eu estava ficando tão furioso. Eu guardei
essa loucura dentro de mim. Agora eu me sinto livre.

Depois dessa sessão ele voltou por mais um mês antes de partir para a sua nova posição em sua
companhia nos Estados Unidos.

Christian passou dois anos nos Estados Unidos e continuou escrevendo para mim relatando
como estava. Sua síndrome de borderline desapareceu totalmente e ele agora estava se sentindo um
“novo homem”, como ele mesmo disse.

Recentemente (1990) ele voltou à Finlândia onde ele continua usando as técnicas de auto terapia
preventiva que ele aprendeu durante os dois anos de psicoterapia. Ele se sente livre de todos aqueles
problemas que tinha.

Depois de sua jornada às regiões da “loucura” ele emergiu como uma pessoa forte, calma e
sobretudo, cheia de vida.

Conclusão
Me parece que na maioria dos casos os estados de consciência de borderline não são somente
os sinais de uma doença mas uma procura do inconsciente para re-estabelecer um equilíbrio perdido e
para trazer o indivíduo à um maior crescimento psicológico e espiritual.

Alguém experienciando estados de borderline pode mergulhar em estados de loucura ou manter


esta síndrome até a morte. Se aceitamos que tivemos inúmeras vidas passadas e que em algumas
daquelas vidas nós tivemos mortes traumáticas muito dolorosas, de alguma forma, a maioria de nós
seria candidato a experienciar estados de consciência de borderline e até estados psicóticos de ser.

Para evitar essa possibilidade seria benéfico e aconselhável fazer algum tipo de terapia preventiva.

Que tipo de terapia então poderia ser feita?

Eu acredito que terapias com uma abordagem transpessoal seriam as mais indicadas e
especialmente exercícios terapêuticos e de meditação que trariam o indivíduo à profunda experiência
de morte-e-renascimento psicológico do ego.

No Budismo Tibetano encontramos uma meditação tântrica onde o indivíduo passa pela sua
própria morte e renascimento. Eu acredito que a maioria dos Tibetanos de alguma forma já se iniciou
nesta prática psicológica. Seria uma dedução lógica imaginar que essa prática poderia funcionar como
medida preventiva contra modos psicológicos de ser desequilibrados, v.g., estados de borderline e
loucura, trazendo a pessoa e a sociedade em geral para um espaço interior e exterior de equilíbrio e paz.

Durante as duas últimas décadas tenho desenvolvido técnicas da Psicologia do Budismo Tibetano
trazendo-as para um contexto de terapia Ocidental (Matos, 1979, 1980, 1987, 1989, 1991). Dentre essas
eu descobri que a mais poderosa é a técnica de morte-e-renascimento psicológico do ego que pode
ser usada como meio de ajudar a solucionar problemas perinatais e transpessoais (ou seja, estados de
borderline e psicóticos), como terapia preventiva e especialmente uma técnica poderosa para facilitar o
crescimento transpessoal.

Referências:
KELLOG, J. Mandala: Path of Beauty. USA: 1984.

MATOS, L. The Language of Suicide: a Psychotherapeutic Approach. Trabalho apresentado no IX


International Congress of Suicide Prevention and Crisis Intervention - Helsinki, June 20-23, 1977.

MATOS, L. The Roots of Depression in a Suicidal Crisis: a Transpersonal Approach. Psychiatria


86
Fennica Supplementum 1980. 291-299.

MATOS, L. Psychologie de la Mort: Approches Orientale et Occidentale. In Question de la Mort et ses


Destins. Prayna: Paris, 1987.

MATOS, L. Drogas ou Meditação. Vozes: Petropólis, 1989.

MATOS, L. Tibetan Buddhist Psychology: a Path to Individual Transformation within the Context
of Universal Responsibility. Trabalho apresentado no XIX Annual Conference of the Association for
Transpersonal Psychology. Asilomar, August 2-4, 1991.

PERRY, J.W. The Far Side of Madness. Prentice Hall, New Jersey 1974.

AS DUAS FACES DA MORTE

Tradução: Ilanise Míriam

O Mistério Da Morte

O mistério da morte tem surpreendido o homem desde tempos imemoriais e o homem tem

tentado vários meios para descobrir o que é a morte e possíveis estados de consciência pós-morte.

Morte é a passagem do estado da chamada vida, onde funções vitais específicas operam dentro

de um organismo (que é composto de órgãos funcionando de uma forma organizada específica), para

outro estado de ser, onde essas funções deixam de operar naquele mesmo organismo, que agora ficará

“desorganizado” entrando num estado de trans-formacão. Essa é a morte biológica física.

Morte sendo, então, igualada à transformação pode ser aplicada não apenas à um contexto físico

da existência mas também à um contexto psicológico. Nesse sentido veremos que não apenas nossas

células do corpo morrem aqui e agora e outras células nascem ou renascem, mas que também nossas

emoções e pensamentos existem dentro deste contexto de transformação constante a que chamamos

morte.

Geralmente uma pessoa é considerada morta quando seu coração parou de bater e a respiração
87
cessou1.

Quando pensamos sobre morte é sempre em conecção com a imagem de algo ou alguém que

morreu: um parente próximo, alguém que conhecemos ou mesmo um animal ou planta. Em nossa mente

aparece a figura de um acontecimento físico, biológico, com uma conotação emocional consciente ou

inconsciente. Essa conotação frequentemente implica distância, rejeição ou indiferença (a qual é uma

forma suave de rejeição). A raiz inconsciente dessas atitudes é nosso medo da morte.

O ingrediente básico que torna qualquer dos nossos problemas difícil demais, complicado e

preocupante é medo.

O Medo E As Duas Faces Da Morte

Medo é uma emoção humana de suma importância; e o medo da morte é um de nossos instintos

mais importantes o qual nos permite sobreviver.

Entretanto, com relação à morte podemos observar claramente dois tipos básicos de medo os

quais são duas faces da morte: o medo da morte física atual, que é um medo necessário e saudável,

pois esse medo funciona como um poderoso mecanismo de defesa (ou instinto de sobrevivência), o

qual nos ajuda a manter nossos corpos longe da morte ou possível destruição; e o medo psicológico da

morte, o qual na realidade é um medo produzido por uma morte projetada no futuro. Esse medo vem a

ser um medo nascido de uma fantasia auto-criada. com efeitos psicológicos prejudiciais paia a própria

pessoa assim como para seu ambiente.

Esse medo psicológico da morte (que costuma existir em um nível inconsciente) produzirá na

pessoa diferentes tipos de sintomas, como por exemplo, falta de autoconfiança, alienação, depressão,

falta de iniciativa, pessimismo, nervosismo e agressividade, tensão física e psicológica, doenças

psicossomáticas, falta de coragem e entusiasmo, incapacidade de experienciar alegria e frequente

tendência consciente assim como inconsciente para auto sabotagem e suicídio (Matos, 1980).

Todos esses sintomas aparecem porque o que realmente tememos em relação à morte (no caso

do medo psicológico) não é a morte do nosso corpo físico, mas a destruição, morte e transformação de

nossa autoimagem (ou ego) a qual nós projetamos no futuro em uma situação de “perigo”.

Faremos tudo para manter essa autoimagem, pois não tornamos claro e consciente para nós

mesmos o que é nossa imagem e o que somos nós mesmos.

88
A Auto-imagem

Para sobreviver neste mundo como seres humanos nós precisamos ter uma identidade. Em nossa

sociedade moderna e sofisticada essa identidade, a qual é uma imagem de nós mesmos (isto é, a pessoa

que imaginamos e cremos que somos), se torna muito importante.

Nós certamente precisamos saber quem somos nesta sociedade na qual vivemos e quais são

os papéis e comportamentos esperados de nós. Nesse caso criamos uma imagem de nós mesmos, a

autoimagem ou ego2.

Nesse sentido, a autoimagem é um instrumento sabiamente concebido pela sociedade para

funcionar como um espelho, para funcionar como um protetor ou guardião. Acontece que esse guardião,

com o passar do tempo, se torna um guarda.

Um guardião tem mente aberta e é protetor. O guarda tem usualmente a mente estreita, é

restritivo e eventualmente manterá seu prisioneiro encarcerado para sempre; e aqui parece que é isso o

que acontece à maioria das pessoas das pessoas no que diz repeito à suas autoimagens. Elas esquecem

que a imagem é apenas uma imagem e acabam acreditando que as autoimagens são realmente elas

próprias. É aqui que começa o problema porque a pessoa se enganou ao tomar um espelho social, uma

simples identidade social impermanente, como sendo uma identidade definitiva, e passa a crer que ele

próprio é uma imagem.

Então a pessoa começa a viver a maior parte da sua vida apenas em um mundo de imaginação.

Isso pode (e frequentemente acontece) se tornar um jogo social coletivo que resultará numa “verdade”

consensual. Quando isso acontece às pessoas que vivem em tal sociedade, onde predomina essa

“verdade” consensual, se sentirão cada vez mais alienadas de si e da natureza, ficarão amedrontadas

(com medo e suspeita uns dos outros), agressivos e especialmente com um forte e inconsciente medo

da morte.

De alguma forma nós perdemos nossa identidade mais profunda e agora cremos que somos

o que não somos, isso é, uma imagem. E para salvar essa imagem, que agora tomamos como sendo

nosso “eu real” nós, inconscientemente, criamos uma poderosa barreira de autodefesa baseada nos

conteúdos do medo. Como esse medo está mais em um nível inconsciente e não é expressado, ele se

torna autodestrutivo, emergindo então como sintomas individuais e coletivos. O sintoma coletivo mais

conhecido é o que chamamos tabu da morte (ver: Matos, 1987).


89
O Nascimento Do Tabu Da Morte

Esse tabu pode nos parecer um mistério. Quando e como nós criamos um tabu sobre algo

tão natural e inevitável como a morte? Somos nós seres humanos “naturalmente loucos” e criadores

potenciais de auto-sofrimento? Por que ao invés de encarar diretamente esses problemas criados por

uma “futura morte do ego” nós criamos um tabu da morte?

Exatamente agora nós estamos vivos e teoricamente sabemos que vamos morrer um dia, mas nós

não sabemos o que a morte é realmente, porque geralmente ninguém que conhecemos jamais voltou da

morte para nos contar o que ela é. Por causa disso fazemos uma fantasia consciente ou inconsciente do

que a morte é. Nós imaginamos o que ela poderia ser.

Há dois tipos básicos de fantasias que podemos fazer sobre o que é a morte, ou melhor, o que virá

após a morte física: uma é que não há nada após a morte e outra é que há alguma coisa após a morte. Nós

jamais seremos capazes de saber, com certeza, o que é. Você pode ter uma formação cristã e acreditar

que você irá para o inferno ou para o céu (sendo católico você terá uma alternativa a mais: o purgatório).

Como um hindu ou um budista a pessoa acreditará em muitas vidas passadas e futuras; e como Marxista

você acreditará que acredita não haver nada após a morte.

Seja qual for a crença, pessoal de alguém, haverá sempre uma dúvida, à menos que a pessoa

tenha morrido para descobrir o que há depois da morte.

Aqui é interessante lembrar que a Psicologia Tibetana Budista tem elegantes e sofisticados

manuais da morte e do processo de morrer, da existência entre uma vida e outra e do renascimento.

Podemos perguntar onde e como os tibetanos encontraram esta cartografia que usualmente

não encontramos no Ocidente? A resposta é simples, Lamas tibetanos e yogues, estudando através de

milênios os mistérios da morte, não apenas intelectualmente mas experiencialmente (através de práticas

e meditações extremamente complexas e sofisticadas), pesquisaram (dentro de um contexto cientifico

existindo num paradigma diferente do nosso) e descobriram o que para nós ainda é um mistério.

Uma das afirmações é que alguns lamas e yogues do Tibete conseguem não apenas lembrar as

suas vidas passadas, mas exatamente aquele caminho (em Tibetano: Bardo) que existe entre uma vida

e outra. Eles têm seus sofisticados livros da morte (Bardo Thödol), parte dos quais foi traduzido para

línguas ocidentais (Evans-Wentz, 1968).

90
Os antigos egípcios tiveram também o seu manual sobre a morte, o Livro Egípcio da Morte, mas

infelizmente o que chegou a nós foram apenas alguns pergaminhos desta coleção de escritos e somente

a tradição escrita. Os tibetanos nos oferecem ainda esta tradição viva, e certamente é possível aprender

estes métodos (Veja: “Debate com o Dalai Lama: o budismo diante da ciência”, em Thot#58,1992).

Na tradição ocidental, Apuleius3, o filósofo platônico, menciona sobre o antigo manual usado

pela igreja cristã Ars Moriendi (um guia que o sacerdote usava para guiar o indivíduo na sua viagem pos

morten) e afirma em sua Metamorphoses (XI, 23):

“Eu fui para os confins da morte. Eu caminhei

o umbral de Proserpine [na dimensão dos

mortos]. Eu nasci através de todos os

elementos, e retornei à Terra outra vez.”

Entretanto os antigos manuais ocidentais, a maioria perdidos atualmente, pouco ou quase nada

oferecem sobre os caminhos práticos da morte e estados de consciência experienciados durante e após

a morte.

No momento atual as informações práticas sobre morte, morrer e pós-morte, são praticamente

desconhecidas pelo homem ocidental.

Uma pessoa pode tentar descobrir o que é morte de várias maneiras. Alguns procurarão na

filosofia, religião, ler artigos e livros específicos e até farão perguntas. A ciência ocidental ainda não tem

uma resposta sobre o que são exatamente os estados de consciência experienciados durante o momento

da morte, e o que há depois da morte. Como a pessoa não pode encontrar uma resposta satisfatória, ela

se fecha para esse assunto.

Em um nível consciente ou semiconsciente a pessoa começa a fazer uma fantasia negativa sobre o

que vem após a morte. Por certas razões específicas as fantasias que desenvolvemos são negativas e não

positivas. Listamos vivos agora. Eu estou aqui, você está aqui e quando estamos em uma comunidade

(família, amigos, sociedade) onde vivemos, isto é as pessoas á volta nos dá uma espécie de segurança.

De repente, nesse ambiente humano alguém (mãe, pai, amigo, etc) morre.

Normalmente nos apegamos às pessoas e as coisas. Isto, automaticamente produz o medo de

91
perda. Se pudéssemos ser mais realistas e lembrar que nada é eterno, então em vez de nos apegarmos e

termos medo de perder aquilo ou aquele(a), usaríamos toda a nossa energia para estar aqui no presente

desfrutando plenamente o que temos agora e nos dedicando com amor e sem apego às pessoas. Buda

falou que “todo encontro é o começo de uma separação”. Mas preferimos esquecer esta verdade e

desfrutar a nossa ilusão nos protegendo com outra ilusão, o apego. Este apego nos faz criar, num nível

semiconsciente a fantasia que aquele objeto, situação ou pessoa, é eterna.

Então a chegada da morte faz essa pessoa desaparecer de nossa proximidade e nós sentimos

sua falia. Podemos perguntar: onde está essa pessoa? – “A. morte a levou!” E como sentimos falta dessa

pessoa e sabemos que ela nunca poderá voltar, então nós, semi-conscientemente ou inconscientemente,

começamos a igualar morte como algo desagradável. Algo que traz sofrimento (a desagradável sensação

da falta de um ente querido). Então começamos a fazer fantasias negativas sobre a morte. A essa altura

consideramos a morte como algo ruim, como um inimigo, pois sem aviso prévio ela pode levar uma

pessoa amada, um amigo, um parente... Até mesmo nós à qualquer momento!! Dessa maneira começamos

então a classificar a morte como um acontecimento negativo.

Quando não somos capazes de entender e compreender essa morte no nosso contexto de vida

diária (num nível comum de realidade ordinária) começamos a afastar essas ideias para longe de nossa

mente consciente (isto é, reprimir). E é assim que nasce um tabu.

Crise Existencial E Psicose Senil

O tabu nos encoraja a evitar o assunto da morte e a agarrar aquilo que cremos ser vida. Nós

apegamos cada vez mais aos bens materiais e nos ligamos às situações emocionais. Tentamos reter e

eternizar um mundo que é impermanente; tentamos fazê-lo estático e previsível de acordo com nossas

expectativas, um universo que é essencialmente dinâmico. Isso, naturalmente, trará cada vez mais

frustrações e aumentará nossos sofrimentos. Tentaremos cada vez mais negar a existência da morte,

armazenando então dores e sofrimentos psicológicos futuros. Isso porque igualamos o que acreditamos

ser morte biológica com destruição e total desaparecimento; e como não queremos desaparecer no

vácuo porque não queremos perder nossa autoimagem, então rejeitamos a morte, criando um tabu. O

tabu se torna nossa “proteção contra morte”.

Sufocando o pensamento de nossa morte, com o passar dos anos, chegará uma idade em que

esse se tornará um problema sério. O medo que estava bloqueado (reprimido) dentro de nós começa a

emergir pois, com a idade, não se pode escapar do fato de se estar, devagar e sempre, aproximando do
92
dia dessa consequência final. Aqui nós precisaremos não apenas deixar o nosso tão amado corpo, mas

tudo de material e emocional que colecionamos durante toda a nossa vida.

Podem surgir dois problemas devido à negação da morte: entre os 35 e 50 anos pode acontecer

uma crise existencial (ela também pode acontecer mais cedo). Isto significa o momento na sua vida em

que tudo o que você fez e adquiriu no passado, e aquilo que você irá fazer no futuro, não tem nenhum

significado. Você se sente alienado. Coisas que anteriormente significaram algo para você perdem sua

importância e você começa a se sentir como um robô.

A psicose senil é outro problema produzido por esta negação da existência da morte. Isso não

é tão incomum como pode parecer. Quando o ser humano começa a se aproximar de uma certa idade,

o que depende da cultura, a pessoa pode começar a ter ideias e formas de comportamento rígidos não

conseguindo se adaptar à evolução natural de sua sociedade e, algumas vezes, até regredindo ao nível

psicológico de uma criança pequena. Têm sido realizadas várias pesquisas dessa síndrome (psicose

senil) e sua causa parece ser o medo da morte (Eissler, 1955; Christ, 1961; Gillespie, 1963).

Se você pergunta a alguma pessoa se ela tem medo da morte, frequentemente ela lhe dirá que

não. Entretanto, aprofundando no assunto, descobrimos que a maioria das pessoas comuns teme a

morte. E esse medo oculto e uma razão básica de muitos problemas ou sintomas que mencionamos aqui.

Quando temos medo, nós retrocedemos e nos fechamos. Fechar-nos, significa que de alguma

forma nos desligamos do mundo ao nosso redor. Nós ficamos bloqueados e, mais cedo ou mais tarde,

vários problemas começam a emergir em nossas vidas.

Carregando em si o fantasma do medo da morte, a pessoa é sempre cautelosa demais. Isto não

significa que esta pessoa está pensando na morte e à temendo o tempo todo. Bem ao contrário. Em um

nível consciente, raramente aparece o pensamento da morte. No entanto isso é mostrado na vida de uma

pessoa de várias maneiras. A pessoa perde sua criatividade, sua espontaneidade e se separa a si mesma

de si e dos outros, tornando-se alienada. E um sintoma mais comum é ter medo de seres humanos.

Este fenômeno de ter medo de outros seres humanos é pouco conhecido na América Latina,

exceto talvez em metrópoles bastante grandes; mas relativamente comum em grandes cidades da

Europa. Na Finlândia, por exemplo, é um fenômeno tão comum em todo o país que na língua finlandesa

existe uma palavra especial (ihmispelko) para designar a experiência de ter medo de seu semelhante

(independentemente se o mesmo é um membro de sua sociedade, um colega de trabalho, e, às vezes,


93
até mesmo da própria família).

Isto parece ser um efeito colateral negativo das sociedades super industrializadas da Europa,

o que certamente, acontece por causa dos metamodelos (filosofias) de realidade usados por estas

sociedades. Metamodelos existindo dentro de um quadro de referência materialista.

Em Tóquio, que é uma das maiores cidades do mundo, num país superindustrializado, não

constatei nas pessoas o síndrome de ihmispelko (medo de seres humanos). Isto se deve possivelmente

a que os metamodelos usados no Japão vem de religiões (v.g. Budismo) que têm técnicas práticas e

efetivas para lidar com a existência da morte.

A Outra Face Da Morte

Quando pensamos em morte, sempre pensamos em seu oposto: a vida. A vida para mim significa

que eu estou aqui agora respirando e consciente do meu corpo e sentidos, e não estou morto. O que é

vida para mim? Bem, é minha vida. O modo como pessoas no ocidente usualmente pensam da vida é de

uma forma linear bidimensional.

Eu nasci um dia, e esse dia é o começo da minha vida. Eu vivi tantos e tantos anos e estou com tal

idade agora. Eu acho que vou viver mais 50 ou 60 anos e depois eu vou morrer. Essa linha que se estende

do meu nascimento até minha morte é minha vida.

Uma maneira simples, mas bem inadequada de conceituar vida. A vida se torna algo consciente

para você com o que você experiencia e se torna consciente; o que você basicamente classifica de bom

ou mau. De alguma forma você tem um certo controle da vida. Mas não há um controle seguro da morte.

Isso o deixa impotente diante da morte.

Por isso, sem nenhuma saída, nós escolhemos rejeitar c deixar para amanhã a existência da

morte. Aqui, de uma maneira subconsciente, começamos a criar fantasias negativas sobre a morte.

Porque de alguma forma consideramos que nossa vida não é uma linha se estendendo do nascimento

até a morte, mas ela certamente se estende além do nascimento (nós enterramos no nosso inconsciente

nossas memórias perinatais) e morte. Muitas vezes isto nos faz ficar com medo da morte a qual agora

para nós existe no futuro. Esse medo começa a afetar nossa vida.

Se você olhar para o que é realmente a morte em relação à nós seres humanos, você acabará

perguntando o que é o ser humano. E, para usar um modelo muito simples, podemos dizer que para

94
ser um ser humano você precisa ter um corpo humano, sentimentos (emoções) e uma mente. Desse

modelo simples olharemos para um ser humano em relação à morte e morrer. O nível físico: Onde está

a morte? Aqui e agora! Podemos verificar sua presença aqui e agora, porque sabemos que nosso corpo

é composto de células, e, cientificamente, sabemos que agora mesmo essas células estão morrendo e

novas células estão nascendo continuamente. Nesse caso, a morte não está no futuro, mas aqui e agora;

e sua presença em realidade faz a essência da vida, que é a transformação contínua de nosso corpo neste

contexto de vida, morte e renascimento. Milhões de células morrem e outras nascem o tempo todo. Aqui

nós damos conta de que a morte não está no futuro, mas aqui e agora.

Dessa forma, a morte não é um inimigo. Se as células não regenerassem nesse contexto fluente de

morte-renascimento (o que acontece em nosso corpo agora mesmo), agora mesmo não estaríamos aqui.

Pelo menos não nessa forma humana!

No nível emocional vemos que a morte está aqui agora e não no futuro. Nossos sentimentos

mudam o tempo todo. Eles morrem e renascem. Lembre como seu sentimento era ontem à noite, ou essa

manhã durante o café. Eles certamente mudaram e novos sentimentos nasceram de novo.

No nível intelectual, quando você pensa sobre suas ideias e ideais você nota que eles também mudam.

Olhe seus ideais: Quais eram seus ideais 10 ou 5 anos atrás, e quais são agora. Eles devem ter mudado de

algum modo. Os pensamentos estão mudando quase constantemente, e sua mente experiencia um fluir de

trans-formacão de morte e re-nascimento. Dessa forma você pode notar que no nível intelectual a morte

está aqui e agora, tanto quanto nos outros níveis.

O Caso De Samuel

Samuel é um homem de negócios, de 34 anos, que participou de um workshop de três dias que

dei na Venezuela. Durante este evento ele não falou uma única palavra, e após o workshop me solicitou

uma sessão de terapia individual.

Fico sabendo que ele tem medo da morte, medo de pessoas desconhecidas, é alcoólatra e que

o seu medico o diagnosticou com cirrose, informando-o que se ele continuar bebendo ele viverá no

máximo mais seis meses. Ao mesmo tempo Samuel apresenta um comportamento que aparentemente

é paradoxal, ele tem fortes tendências suicidas.

Aqui decido usar com ele a técnica de Sonho Catártico Dirigido (DDC = Day Dream Catharsis).

Esta é uma técnica que desenvolvi nos últimos quinze anos a qual leva a pessoa rapidamente às regiões
95
mais profundas de seu inconsciente, facilitando, num espaço de tempo relativamente curto, descobrir

as raízes de problemas importantes, que muitas vezes se situam num nível perinatal e transpessoal. O

aspecto catártico desta técnica tem mostrado ser de grande benefício no processo de cura de problemas

relacionados com morte, suicídio, severos casos de depressão e “borderline” (veja: Matos, 1993).

A sessão acontece na casa de Samuel e peço à ele para deitar num sofá, fechar os olhos, e me

contar sobre o seu medo da morte.

S(amuel): Eu não sei o que falar... mas eu tenho medo de morrer. Meu medo de morrer é tanto que passo

noites e noites com insônia. Eu tenho uma dificuldade muito grande para dormir.

L(eo): Eu quero que você me fale mais sobre isto.

S: Às vezes eu bebo um pouco mais e... ao mesmo tempo que tenho muito medo da morte sinto atração

por ela.

L: Quero que você me conte uma situação específica que ocorreu com você onde você sentiu medo da

morte e ao mesmo tempo vontade de morrer.

S: Eu não consigo me relacionar bem com os outros. Tenho muitos poucos amigos e o único lugar em que

sinto alguma satisfação é em meu escritório fazendo os meus negócios e os meus projetos. Mas mesmo

tudo isto, muitas vezes, me parece vazio demais.

Na semana passada dei uma festa no meu apartamento, e para me sentir mais à vontade comecei

a beber, uma vez mais, a beber excessivamente. Depois de várias doses de whisky e de conversar com

várias pessoas, comecei a sentir vontade de morrer. Meu apartamento e um triplex no vigésimo quinto

andar, e estávamos bebendo no terraço. Então, como já fiz antes, deitei na amurada esperando talvez

que algo acontecesse e eu caísse lá embaixo.

L: E o que aconteceu?

S: Nada. É sempre assim, eu não entendo, ao mesmo tempo que tenho muito medo da morte é como se

algo me atraísse para morrer.

L: Agora eu quero que você descreva para mim no tempo presente o que você acaba de me contar.

Samuel descreveu novamente a sua experiência da festa e quando chegou ao ponto em que estava

96
deitado na amurada, bêbado, lhe instruí:

L: Agora, eu quero que você faça a fantasia que você não volta à festa, mas que algo acontece e você

realmente cai desta amurada.

S: Meus amigos estão conversando em voz alta, ouço o som da música, e me sinto muito cansado de

minha vida. Tudo é tão vazio! Nada me traz alegria ou felicidade. Mesmo tendo e ganhando muito

dinheiro isto não me dá mais nenhuma satisfação. Eu gostaria de morrer... Agora eu sinto que estou

perdendo o equilíbrio aqui no alto desta amurada e, agora... estou caindo no espaço!

Samuel se vê chocando contra o asfalto e experienciando sua própria morte. Ele se sente agora

flutuando acima de seu corpo, começando lentamente a flutuar para cima. Quando no ar, vendo a cidade

de Caracas lá embaixo iluminada, ele olha para cima e vê uma estrela muito grande e se sente atraído

por esta luz brilhante. Em seguida sente que está voando com uma velocidade muito grande em direção

à esta estrela dourada.

Ele está se aproximando cada vez mais desta estrela, e se transformando a si mesmo nesta luz.

Após aproximadamente um minuto peço a Samuel para fazer a fantasia que ele se transforma num raio

de luz desta estrela. Samuel sente que agora ele é um raio de luz dourada neste espaço infinito. Samuel

diz que agora se sente leve e feliz sendo um raio de luz.

Esta experiência de morte-e-renascimento psicológico do ego é uma experiência que leva a

pessoa a um espaço transpessoal de grande poder. Samuel agora deixou de existir como uma pessoa

(ego) e seu medo de morte agora desapareceu; ele é simplesmente um raio dourado de luz no espaço.

Samuel se sente bem agora porque psicologicamente morreu para seu antigo ego (autoimagem)

que era o agente principal criando aquela situação especifica de medo da morte, e renasceu como este

raio de luz.

A tendência suicida era uma forma inconsciente que Samuel usava para matar o seu ego e

renascer psicologicamente como uma nova pessoa. A estrela (que é um sol) representa na simbologia

do inconsciente coletivo transpessoal a Vida, o Pai, o elemento masculino de poder. Samuel morreu

psicologicamente e agora está retornando à vida (a estrela, o sol), e quando peço a ele para se transformar

neste raio de luz da estrela é para Samuel transcender o dualismo entre ele mesmo (sua autoimagem) e

a Vida, uma nova vida de luz e calor. Esta luz é em seguida integrada ao corpo e a esta existência pessoal

97
de Samuel.

A parte mais importante é a integração da experiência transpessoal aqui e agora, neste corpo

onde Samuel existe nesta vida específica, nesta realidade ordinária e social de cada dia. O objetivo desta

integração é duplo. Primeiro, ele representa o fechamento de um círculo ou gestalt muito importante na

vida de Samuel. Isto o levará à um sentimento de bem estar, de equilíbrio psicológico. Segundo, o objetivo

da experiência transpessoal deve ser o de enriquecer nossa vida, integrando o nível transpessoal ao

nível pessoal.

L: Sendo este raio de luz dourada você pode viajar para qualquer parte do universo, e agora você está

viajando a uma grande velocidade para o planeta Terra. Você está se aproximando da Terra e agora está

entrando no topo desta cabeça (aqui, suavemente coloco a mão no topo da cabeça de Samuel para que

ele possa outra vez se conscientizar de seu corpo aqui e agora). Você entra na cabeça e lentamente vai

enchendo o corpo com esta luz muito bonita.(...) Você sente o corpo agora cheio com esta luz dourada?

S: Sim.

L: Como você se sente agora quando o seu corpo está cheio com esta luz dourada.

S: Muito bem.

L: Agora quero que você, lentamente, abra os olhos e olhe aqui para mim. Como você se sente agora?

S: Muito bem.

L: O que você sente pela morte agora?

S: Bem.

Em seguida Samuel fechou os olhos e dormiu profundamente por aproximadamente uma hora.

Eu me mantive sentado ali ao lado de Samuel, e, quando ele, naturalmente acordou, me disse que fazia

anos que não tinha um sono tão profundo e reparador como aquele.

Na semana seguinte Samuel viajou para Helsinki, onde ficou durante um mês se submetendo a

um tratamento psicoterapêutico transpessoal intensivo comigo.

Ele se mostrou um cliente extremamente dedicado e no fim deste intensivo período de psicoterapia

transpessoal voou para Nova York com sua esposa para passar uma semana de férias antes de retornar a
98
Caracas. Ele se sentia agora livre de seu problema de alcoolismo e vários outros problemas secundários.

Samuel foi um caso extremamente interessante, tendo o mesmo experienciado durante um único

mês de terapia, o que talvez alguma outra pessoa experienciaria em dez ou quinze anos de terapia

convencional.

Pedi a ele para me telefonar de Nova York e depois, pelo menos uma vez por semana, de Caracas.

Achei importante que ele mantivesse este contato comigo, pois não tinha certeza de que ele seria

realmente capaz de se manter totalmente afastado do álcool.

Samuel nunca me telefonou, escrevi para ele, mas não respondeu. Fiz a fantasia que ele tinha

continuado a beber e que o prognóstico de seu médico tinha se materializado. Para minha surpresa,

dois anos depois recebi uma longa carta de Samuel me informando que ele não apenas tinha parado de

beber, mas que havia encontrado um novo significado na sua vida. Ele contava que antes só pensava em

ganhar mais e mais dinheiro, e não se interessava pelos outros seres humanos, e que agora ele havia

encontrado um caminho espiritual.

Muitas vezes, aquilo que tememos é aquilo que desejamos. Como podemos então temer a morte

e concomitantemente desejá-la? Uma resposta simples seria porque a morte tem várias faces. E destas

faces a que parece mais ameaçadora é a morte psicológica. E, apesar de que isto possa parecer um

paradoxo, o que mais desejamos é exatamente esta morte psicológica (Matos, 1980).

Conclusão

Existem dois tipos de morte: morte biológica e a que você imagina no futuro e que causa medo

da morte, limita você, aliena você e faz você ter medo de outros seres humanos.

Você está mais vivo quando está feliz e você está totalmente vivo quando você permite vida e

morte fluírem naturalmente em sua sinfonia de ser. Assim você é um ser integrado, mutante e fluindo,

que experiencia um estado de harmonia e PAZ.

Para que isso possa acontecer, a morte, que tem sido como um inimigo a te esperar numa esquina

mais escura da vida, deve se tornar uma amiga. Desta maneira o inimigo que era potencialmente

destrutivo agora se torna um amigo e professor.

Uma vez no Himalaia, em um lugar de extrema beleza, na vila Tibetana de Dharamsala, eu

conversava com alguém sobre morte e vida quando uma criança que estava me ouvindo me disse:
99
“O erro é meu professor

a morte minha companhia

a vida é meu guru”. (S.V.M.).

Da sabedoria natural de uma criança podemos reaprender sobre um aspecto natural da existência:

quando você aceita seus erros como professores (ou dádivas) e tem a morte como companhia, então sua

vida será integrada (ou re-integrada) e você será capaz de ouvir sua própria sabedoria natural.

Referências Bibliográficas

CHRIST, A. E. Atitudes em Relação à Morte dentro de um Grupo de Pacientes Geriátricos

Psiquiátricos. Jornal de Gerontologia, 16, 1961, 56-59.

EISSLER, K. R. O Psiquiatra e o Paciente Terminal. Nova Yorque: International University Press, 1955.

EVANS-WENT, W. V. The Tibetan Book of the Dead. Oxford: Oxford University Press, 1968.

GILLESPIE, W. II. Alguns Fenômenos Repressivos em Idade Avançada. Jornal Britânico de Medicina e

Psicologia, 36, 1966, 203-209.

MATOS, L. As Raízes da Depressão em uma crise suicida: Uma Abordagem transpessoal. Suplemento

de Psiquiatria Fênica 1980. Procedimentos do Simpósio pela Secção de Psicopatologia Clínica da

Associação Psiquiátrica Mundial. Helsinki, 1980.

MATOS, L. Psicologia da Morte: Abordagem Oriental e Ocidental. Em: A morte e seus destinos. Paris:

Prajna 1987.

MATOS, L. Day Dream Catharsis. Trabalho apresentado no Congresso Internacional do Processo de

Cura: Mais Além do Sofrimento e da Morte. Montreal, Junho, 20-23, 1993.

Notas:

1
Em termos médicos é imprescindível que o EEG apresente a linha isoelétrica para que a pessoa seja

considerada morta.

2
Ego aqui significa a concepção individual de si próprio, o modo como ele imagina que ele é, isto é, a
100
autoimagem.

3
Citado em Evans-Wentz (1968) cf. tradução para o inglês de H. E. Butler (Oxford, Clarendon Press,

1910).

TERAPIA DA ARTE TRANSPESSOAL DO MANDALA30

Integrando o Teste de Mandala com a técnica do sonho Catártico Diurno31 e outras abordagens
Transpessoais, desenvolvi o método de Terapia da Arte Transpessoal do Mandala. Esse método
permite à pessoa, usando mandalas, explorar os espaços mais profundos de seu próprio inconsciente
para solucionar vários problemas, aumentar a criatividade e facilitar o crescimento espiritual (Matos
1983, 1995).

Aqui a pessoa aprende a desenhar sua própria mandala e esta estará mostrando o passado,
o presente e o futuro potencial daquela pessoa. Esse mandala é como uma fotografia holográfica do
inconsciente do indivíduo e aqui é possível saber onde estão as raízes dos problemas daquela pessoa
específica.

O mandala ele mesmo é um processo de terapia e usando juntamente com o mandala, técnicas
transpessoais específicas, especialmente o sonho catártico diurno (DDC = Day Dream Catharsis),
observamos o nascimento de um novo enfoque terapêutico; a Terapia de Arte Transpessoal do Mandala.

Infinitude
A palavra Mandala significa círculo e etimologicamente mandala significa a essência de si
mesmo.

Qual é a essência do ser humano?

De acordo com a Física Moderna tudo no universo está interligado: o universo é Um. Assim sendo,
o ser humano, que no seu conceito pessoal e social se vê como um indivíduo mais ou menos separado do
resto do universo, em realidade é Um com todo o universo.

O universo ou universos é infinito. Então podemos concluir que a essência do ser humano é a
infinitude.

No mandala a infinitude é representada pelo círculo e o mundo social conceitual da realidade


comum ordinária de cada dia é representado pelo quadrado. O quadrado então representa o nível
pessoal e o círculo simboliza o nível transpessoal.
30 Texto publicado pela Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal (ABPT) em 1998.
Obs.: Somente parte dessa publicação foi reproduzida neste livro.
31 Essa é uma técnica terapêutica que eu desenvolvi (Matos, 1977, 1994) onde o paciente, num
tempo muito curto, mergulha nas partes mais profundas de seu inconsciente entrando em contato com
o inconsciente coletivo e transpessoal, encontrando vários arquétipos e frequentemente permitindo a
emersão de “lembranças de vida passada”.

101
No século passado o filósofo alemão Heideger dizia que todos nós somos seres transpessoais.

Do ponto de vista da Física Moderna nós, num nível de realidade mais profunda, somos exatamente
seres transpessoais, seres infinitos.

O objetivo da Psicologia Transpessoal é nos facilitar entrar em contato com a nossa infinitude.

O Mandala em Várias Culturas

Todos os seres humanos em todas as culturas e todos os tempos estão, consciente ou


inconscientemente, procurando por aquilo que já são, isto é, seres transpessoais infinitos. Então
certamente é por isso que encontramos em todas as culturas através do tempo o mandala como uma
expressão artística.

O artista, seja ele pintor, escultor, músico, escritor, dançarino ou ator, usualmente é aquele (a)
que está mais próximo de uma dimensão transpessoal e tem esta capacidade de facilitar a si mesmo e a
outros a chegada ao nível transpessoal através da expressão de sua arte.

Em realidade nós todos, em qualquer profissão, podemos expressar a nossa arte. Mas isto
somente é possível quando seguimos o Caminho do Coração (ou Caminho da Intuição) dentro de um
contexto de impecabilidade.

Dom Juan explica isto no modelo do guerreiro (Castañeda, 1990, 1990ª, 1990b). Este não é um
guerreiro que está lutando numa guerra exterior mas sua luta é no mundo interior almejando uma
vitória final num mundo de impecabilidade.

“O que importa é um guerreiro ser impecável, (...) o que é realmente importante é


um guerreiro chegar à sua própria totalidade”. (Castañeda, C. Tales of Power. Arkana.
England: 1990, p. 11).

A totalidade do guerreiro é a realização de sua essência mais profunda, isto é, sua infinitude.

Neste momento então este guerreiro obtém claridade, claridade para ver precisamente o seu
mundo exterior e seu mundo interior. O guerreiro está completo.

Para atingir esse nível de completude o homem, através do tempo e da história, tem criado
mandalas desde as formas mais primitivas e usando materiais mais simples até mandalas extremamente
complexos.

Quando visitando o sítio arqueológico de Sete Cidades no Piauí (1996), tive a oportunidade de
apreciar pinturas do tempo do Homem da Idade da Pedra representando vários tipos de mandala. Os
índios brasileiros fazem mandalas vivos representados em suas danças; os índios peles-vermelhas do
oeste dos Estados Unidos produzem lindos mandalas de areia. Todas as civilizações pré-colombianas
tinham várias representações de mandala, muitas vezes tridimensionais representadas nas pirâmides
dos Maias e dos Astecas. O mesmo observamos claramente nas pirâmides do Egito que são mandalas
gigantescos tridimensionais.

A Catedral de Notre Dame em Paris apresenta mandalas espetaculares em seus vitrais. Várias
outras catedrais do mundo inteiro apresentam mandalas de magnífica beleza. A catedral de Helsinki
é um monumento vivo tridimensional construído exatamente como um grande mandala rodeado por
mandalas menores.

Entre os mandalas mais sofisticadas vamos encontrar os mandalas tibetanos que usualmente são
feitas de areia colorida representando vários aspectos do cosmo. Estes são mandalas pré-fabricadas, com
medidas extremamente exatas, símbolos e cores específicas, com o objetivo de levar a pessoa através de
técnicas de meditação a estados elevados de consciência com o objetivo final de chegar à Iluminação.

Crianças, muitas vezes, naturalmente fazem mandalas de areia quando brincando na praia e o
102
próprio planeta Terra é um mandala azul de incomensurável beleza.

Certamente o primeiro mandala que o homem vislumbrou no céu foi o Sol. No antigo Egito o Sol
era adorado como o Deus Rá. Um mandala viso que iluminava o planeta Terra dando luz, calor e uma
mensagem de infinitude. Lembrando ao homem de sua própria infinitude, de seu poder infinito.

O Universo e Seus Mandalas Vários

Todos os corpos celestes, na sua maioria de formas curvas e muitas vezes mesmo esféricas, são mandalas
nos lembrando de nossa identidade cósmica.

A nossa natureza básica é a transformação. Um dos aspectos básicos do universo é a transitoriedade e


fluidez numa dança cósmica de transformação: e o mandala nos coloca em contato com esse aspecto
mais profundo do nosso inconsciente ou consciente cósmico transpessoal, este movimento constante
que somos nós mesmos à procura de nossa identidade infinita.

Por isso o mandala é basicamente representado como um círculo dentro de um quadrado. O quadrado
em Taoismo simboliza a nossa morada nesta vida específica, o planeta Terra, a nossa casa aonde nos
protegemos como seres individuais; e o círculo é o céu, este céu infinito aonde podemos existir como
uma luz que se expande ad infinitum.

Podemos ver o homem como um ser individual social; vivendo numa sociedade espevcífica dentro de um
contexto de uma específica cultura. Podemos dizer que este homemé desta ou daquela nacionalidade.
Se nos ativermos a um plano maior veremos que este homem não é apenas um brasileiro, japonês ou
americano, mas um cidadão do mundo.

Expandindo esta visai descobrimos então que este homem é um ser cósmico vivendo neste universo
aqui e agora.

Experiência Transpessoal

Para experienciar o espaço é preciso que o indivíduo se mova além dos limites de várias quadraturas,
desde fisicamente tendo que abrir a porta retangular de uma casa quadrada para olhar o céu, até
psicológica e espiritualmente transpondo essa cognição pré-fabricada da realidade comum de cada dia.

O quadrado no mandala, portanto, simboliza o finito, o nível pessoal e cartesiano de percepção dos
objetos. O círculo simboliza o imfinito, o nível Transpessoal.

Quando tenho a possibilidade de transcender esse nível pessoal-cartesiano de percepção dos fenômenos,
de uma maneira experiencial, tenho uma experiência Transpessoal, isto é, além de minha pessoa ou do
mundo pré-fabricado da “minha” realidade conceitual de cada dia.

“Poder” consiste em trazer riqueza do nível Transpessoal e intergrá-lo ao nível pessoal.

O Teste Do Mandala

Joan Kellog (1984) dedicou grande parte de sua vida a pesquisar mandalas. Trabalhando como
terapeuta de arte em um hospital psiquiátrico dava material para seus pacientes para que desenhassem
mandalas. Começo a descobrir então diferentes padrões de desenhos, cores e símbolos vários em
mandalas feitas por paceinetes específicos diagnosticados com vários tipos de doenças mentais (v. g.
esquizofrenia).

Kellog ficou surpresa como aqueles tipos de padrões se repetiam de paciente para paciente que
apresentavam sintomas semelhantes. Ela então começo a comparar auelas mandalas com os testes
psicológicos aos quais aqueles pacientes tinham se submetido afim de que seus problemas mentais
fossem diagnosticados.

Desta forma ela iniciou a pesquisa e estudo que a levou a uma descoberta extremamente
103
importante para o mundo da psicologia. A descoberta do teste da mandala. Ela descobriu que era
possível diagnosticar um paciente dando a ele instruções específicas para construir uma mandala.

Kellog simplesmente dava a cada paciente um papel de desenho de tamanho A3, um prato de
aproximadamente 25 cm para que a pessoa pudesse usar para, com um lápis, fazer um círculo. Assim,
ela criava uma estrutura mandálica básica aonde a pessoa tinha agora na sua frente um círculo dentro de
um retângulo. O ideal certamente seria um círculo dentro de um quadrado mas, como comercialmente é
difícil encontrar papel de desenho nas dimensões exatas de um quadrado, Kellog optou por usar o papel
comercial A332.

Ela sugere que seus pacientes usem um mínimo de 40 cores de giz pastel e apresenta uma
instrução, aparentemente paradoxal, para facilitar à pessoa que vai fazer a mandala um estado de
mente relaxado e espontâneo para que esta pessoa se permita naturalmente mergulhar nas partes
mais profundas do oceano de seu próprio inconsciente encontrando, e eventualmente integrando, as
dimensões psicodinâmica, perinatal e transpessoal.

Vejo o ser humano desde um ponto de vista psicológico, como existindo simultaneamente em
três níveis de realidade. A realidade psicodinâmica que compreende o período desde o nascimento
desta pessoa até o presente momento (o nível especificamente explorado por Sigmund Freud, Adler e
outros); o nível perinatal que compreende desde a fecundação do óvulo no útero materno, o processo
de implantação, o crescimento do feto até as contrações e nascimento, até o momento quando o cordão
umbilical é cortado (o nível explorado por Otto Rank, Stanislav Grof e outros); e o nível transpessoal que
transcende33 os dois novéis anteriores (i.e o nível psicodinâmico e o perinatal).

No nível de consciência transpessoal o indivíduo vai mais além de sua consciência ordinária de
si mesmo e do seu universo e deixa de se identificar simplesmente através de uma imagem de si mesmo
(auto-imagem) como um indivíduo específico, mais ou menos separado de seu meio ambiente, vivendo
numa sociedade específica num tempo histórico específico.

A experiência transpessoal pode se apresentar para um indivíduo como uma vivência de unicidade
(o indivíduo experiencia a si mesmo agora como uno com todo o universo), como uma experiência de
êxtase (por exemplo numa experiência de orgasmo total onde por um instante mágico o indivíduo como
que desaparece e se transforma em nada ou em luz, ele se transforma no outro num contexto de êxtase.

Experiências transpessoais mui frequentemente se apresentam como memórias de vidas


passadas, encontros com arquétipos, experiência de ser um outro ser com uma personalidade diferente,
experiencia de se transformar em ar, fogo ou luz.

A experiência transpessoal pode ser vivenciada pelo indivíduo como extremamente agradável ou
o oposto.

Como na mandala, aqui não existe nem o “bom” nem o “ruim” porque todas as experiências
(passadas e presentes) nada mais são do que um magnífico e misterioso conglomerado de energias
32 Na minha prática psicoterapêutica e no treinamento que dou em Psicologia e Psicoterapia
Transpessoal sugiro o uso do papel quadrado (40 x 40 cm). Descobri que fazendo uma mandala com
esse tamanho de papel de desenho, facilita à pessoa que está criando um estado de consciência mais
elevada, oferece mais poder.
Como a mandala é um instrumento de poder, certamente quando somos capazes de usá-lo na sua forma
mais exata, i.e., começando com sua estrutura básica de ser um círculo (o nível transpessoal) dentro de
um quadrado (o nível pessoal), ela oferecerá à pessoa que a está construindo mais poder do que uma
mandala desenhada numa base retangular.
Tive a oportunidade de observar que a maioria das pessoas que passam a usar o papel de desenho
quadrado (40 x 40 cm) experienciam que fazer a mandala com esta estrutura específica facilita à mesma
entrar em contato mais rapidamente com seu inconsciente pessoal e transpessoal num contexto de
poder.
33 Latim: trans + scandum = pular sobre
104
vibrantes e potencialmente transmutáveis. Por isso uma situação traumática e “muito negativa”
experienciada por uma pessoa pode ser vista como uma experiência muito positiva porque, esta mesma
experiência negativa agora, através de terapia, pode ser transformada numa experiência positiva.

Vários Modos de Usar o Mandala

Às vezes alguns profissionais da saúde mental perguntam se para se usar o mandala com seus pacientes
é necessário que a pessoa seja um especialista na interpretação do mandala.

O terapeuta pode usar o mandala com seu cliente independentemente de saber ou não interpretar o
mesmo.

Joan Kellog me introduziu ao teste do mandala e eu comecei a usá-lo há 22 anos atrás na Europa, América
do Sul e do Norte, Ásia e Austrália. Achei-o um teste magnífico de uma efetividade surpreendente
na análise dos níveis psicodinâmico, perinatal e transpessoal. Entretanto logo descobri que o mais
importante no teste do mandala não era o teste, mas que cada mandala que a pessoa fazia ela estava
dando para si mesmo uma sessão de autoterapia. Descobri então que o poder maior do mandala era
como um exercício de autoterapia.

Durante os últimos 22 anos tive oportunidade de observar pessoas usando o mandala, e essas pessoas
mui frequentemente, com poucas sessões de terapia, e às vezes, mesmo sem a ajuda de um terapeuta,
resolver problemas psicológicos importantes que usualmente, em uma terapia convencional, poderiam
ter levado anos e anos de trabalho.

Além disso, o mandala desenvolve a intuição, a criatividade e a efetividade da pessoa. Fazer um mandala
é se enriquecer cada vez mais. Por isso, quando você faz um mandala está dando um presente precioso
para você mesmo (a).

Ainda que não se saiba interpretar o mandala34, o terapeuta pode usar o mandala com seu paciente
usando o mesmo como uma técnica terapêutica.

Por exemplo, depois que o paciente faz o mandala, você pode perguntar: “Que sentimento lhe trás esse
mandala?” e trabalhar com o sentimento; ou “Que mensagem lhe transmite?” Ou pode sugerir uma
fantasia: “veja o mandala como tridimensional, feche os olhos e diga que imagem aparece para você
agora”, e então se continua trabalhando utilizando a técnica do Sonho Diurno Acordado (Matos, 1993).

Estudo De Caso: O Mandala Abrindo a Porta Para o Infinito

Jean é um arquiteto e um artista capaz de produzir lindas esculturas e pinturas extremamente belas. Ele
está atendendo um workshop sobre Mandalas que estou realizando no Brasil.

É interessante observar que a ideia que geralmente se faz de terapia é que uma pessoa somente vai a
um terapeuta, ou se submete a uma terapia individual ou de grupo, quando tem problemas psicológicos.

Possivelmente esta idéia vem do modelo da medicina alopática ortodoxa tradicional a qual assume que
o paciente que está doente antes estava são e que o objetivo da terapia médica (geralmente usando
vários medicamentos e/ou cirurgia) é fazer com que aquela pessoa volte ao status quo ante.

Em psicoterapia transpessoal o objetivo não é simplesmente facilitar àquele paciente resolver os seus
problemas, mas também facilitar àquela pessoa seu crescimento psicológico e transpessoal.

Jean acaba de fazer um lindo mandala onde se vê um espaço azul profundo de profunda beleza. Todos
admiram o seu mandala. Peço a Jean para deitar no colchonete a minha frente35.

34 Para maiores informações sobre interpretação de mandalas consultar o texto completo de Léo
Matos sobre Terapia de Arte Transpessoal do Mandala, publicado pela ABPT, 1998.
35 Quando dando terapia trabalho com um sofá ou um colchonete à minha frente. Assim o paciente
pode deitar e relaxar o que lhe facilita entrar mais rápida e profundamente em contato com seu
105
Agora sugiro a Jean colocar o seu mandala na sua frente e ver este mandala como um espaço tridimensional.
Depois de alguns instantes peço a ele para fechar os olhos e imaginar que ainda está naquele espaço
do mandala e agora peço para deixar a sua imaginação totalmente livre como se estivesse começando a
sonhar.

Jean começa a descrever a experiência:

“Estou entrando no meu mandala # 6 e me encontro em um espaço azul turquesa.


Desfruto um pouco deste azul, mas sinto que sou atraído para uma outra direção. Sigo
para ela e me transporto para o espaço sideral. Fico durante um pouco navegando
nele, pois é uma ótima sensação.

Estou vendo abaixo de mim o planeta terra. Navego em sua direção e penetro na sua
atmosfera. Passo por uma turbulência de nuvens e pouso suavemente em um deserto
de areias brancas e cactos. Estou tendo uma sensação de maturidade e equilíbrio....
Começo a andar numa direção que me atrai. Passo por dunas e cactos até que, após
uma duna, surge o mar com águas verdes transparente. Continuo andando até o mar
e vou submergindo neste. Vou apreciando sua beleza cristalina, suas tartarugas, seus
peixes e algas e, principalmente, os raios da luz solar que penetram na superfície da
água formando um mosaico de luz na areia do fundo.

À medida que ando, sinto-me atraído pelos raios de luz acima de mim.

Nado em direção à luz, passo pela superfície da água e estou no céu azul em direção à
luz que me atrai.

Estou chegando e penetrando na luz branca azulada, desfazendo o meu corpo e me


integrando à Lea e sentindo uma sensação de leveza e universalidade. Após desfrutar
durante um tempo essa sensação, através de um raio de luz, viajo até o planeta terra e
penetro meu corpo através da minha cabeça até o tronco, braços e pernas, me causando
uma ótima sensação de energia e leveza.”

Jean vivenciou uma experiência transpessoal usando o mandala e a técnica do Sonho Catártico
Diurno (Matos, 1993). Jean expressou no seu magnífico mandala de espaços azuis o insight do sábio
interior. Todos nós temos dentro de nós mesmos um sábio interior, ou, em outras palavras no nosso
inconsciente transpessoal estamos em contato com o arquétipo da sabedoria. Esse sábio interior,
através do mandala, estava transmitindo para Jean a mensagem que, era importante para ele, voltar a
ser aquilo que ele já era, isto é, um ser transpessoal, um ser infinito. O sábio interior mostrava que Jean
precisava viajar neste espaço azul infinito que tão lindamente aparecia em seu mandala, a fim de que ele
realizasse a sua própria infinitude.

O espaço aqui era azul e o mandala apresentando tonalidades azuis profundas de uma beleza
profunda. A cor azul na interpretação do mandala significa o aspecto feminino. O aspecto feminino é
exatamente aquele aspecto de receptividade para nós mesmos e o universo ao nosso redor. Independente
do nosso sexo todos nós temos dentro de nós mesmos o aspecto feminino e o aspecto masculino. O
aspecto feminino nos permite ser receptivos e o aspecto masculino nos permite ser ativos. Para se ter
um equilíbrio psicológico ideal é importante que essas duas energias ou aspectos estejam em equilíbrio
dentro de nós mesmos.

O sábio em Jean estava falando para ele que ele tinha que ser mais feminino, que ele tinha que ser
mais receptivo para seu espaço interior. Assim, Jean viajou neste espaço, se transformou em luz e sendo
um raio de luz voltou a este corpo aqui no colchonete integrando esta experiência transpessoal no nível
transpessoal. (ou pessoal??)

Após esta experiência Jean declarou que estava sentindo-se cheio de energia, otimismo e
felicidade.
inconsciente.
106
Referências Bibliográficas
CASTAÑEDA, C. A separate reality. England: Arkana, 1990(a)

CASTAÑEDA, C. Journey to Ixtlan. England: Arkana, 1990(b).

CASTAÑEDA, C. Tales of Power. England: Arkana, 1990.

KELLOG, J. Mandala: Path of Beauty. USA: 1984.

MATOS, L. Mandala Art Therapy. Paper presented at the Congress of Audiovisual Communication and
Mental Health, sponsored by the World Psychiatric Association. Helsink, 12-15.6. 1983.

MATOS, L. Day Dream Catharsis. Paper presented at the International Conference Healing: Beyond
Suffering or Death. Montreal, June 20-23, 1993.

MATOS, L. A Magia do Mandala. Ensaio Apresentado no Congresso Sobre Mandalas: O Círculo Sagrado.
John Hopkins University, Baltimore, Maryland. 4 a 6 de junho de 1995.

107
PARTE IV: EM BUSCA DA TRANSPESSOALIDADE

EXPERIENCIANDO REALIDADES SEPARADAS COM OU SEM O USO DE DROGAS36

MEDITAÇÃO COMO UMA ALTERNATIVA PARA O USO DA DROGA

Introdução

O presente estudo teve várias origens, sendo a principal meu interesse de longa data em estados
alterados de consciência.

A ideia deste estudo nasceu e tomou forma na Índia após o Congresso Mundial de Yoga Científica
(Nova Delhi, Dezembro de 1970). Durante a minha estadia em Shree Gurudev Ashram (Ganeshpuri),
conheci diversos praticantes ocidentais de Yoga. Conversando com alguns deles, descobri que eram ex-
consumidores de drogas e atualmente haviam reformulado seus antigos valores em direção a uma atitude
espiritual sem o uso de drogas, experienciada através de uma vivência em um Ashram. Posteriormente
a ideia desta pesquisa ficou mais firmemente estabelecida quando encontrei diversos outros jovens
ocidentais na Índia, que haviam substituído o uso de drogas pela Yoga ou meditação.

De volta à Dinamarca, na primavera de 1972, iniciei este trabalho.

O propósito deste trabalho é um estudo das possibilidades práticas do uso da meditação como
um substituto para o uso da droga.

Vinte e seis sujeitos tomaram parte nessa pesquisa, idades variando entre 15 e 34 anos (com
a média de 23 anos). Todos os sujeitos tinham tomado drogas proibidas (psicodélicos, anfetaminas e
opiácios) e sem a ajuda de psicoterapia específica eles cessaram o uso da droga e re-orientaram seus
valores acerca da vida com a ajuda da prática da Yoga e Meditação.

As drogas têm sido usadas pelo homem desde tempos imemoriais, visando o alívio da dor, produzindo
energia e ainda alterando sua consciência.

Desde os tempos mais antigos o homem usa drogas com finalidades religiosas e mágicas. Podemos
imaginar um homem caminhando numa floresta há milhões de anos atrás, e na sua procura por alimento,
encontrando plantas ou raízes desconhecidas com propriedades psicoativantes e acidentalmente
entrando num estado alterado de consciência. Mais tarde, esse mesmo homem repete a experiência e
a ensina para os seus companheiros. Ele experienciaria então as propriedades psicoativantes daquela
planta em particular como tendo poderes mágicos e provavelmente relataria sua experiência para

36 Artigo publicado em Lucerne, Suiça, Ordo Humanos Nº 1. 1979

108
outros como manifestações incomuns de estados mentais provocados pela droga, como forças super
humanas as quais, para ele, seriam experienciadas como divinas. Este seria o começo de um novo culto,
que eventualmente se tornaria uma religião.
Substâncias psicodélicas são mencionadas desde longo tempo atrás; há 3.500 anos a.C. em textos
chineses e no Vedas a Soma (Amanita Muscaria) é constantemente referida. A poção de cannabis
(haxixe, maconha, ganja, charas, bhang, etc) tem sido usada por milênios nos países orientais e muitas
outras drogas (ex: Psilocybe Mexicana, LophophoraWilliamsi, Yakee, Banisteria Caapi, Paganum
Harmala, etc.) têm sido usadas por tribos primitivas num contexto de referência shamanístico. Na
América Central, entre a agora extinta civilização dos Astecas e Toltecas, o uso de plantas psicodélicas
com propósitos religiosos era bem conhecido; e hoje, entre as tribos de índios da América do Sul, da
Bacia Amazônica, uma extensa variação de drogas originadas de plantas é usada.
Castañeda (1968-1971) descreve em detalhes como os índios Iaquis colhiam e usavam brotos de
peyotes em seus ritos a fim de encontrar Mescalito. Mescalito diz-se ser o espírito do “aliado” que
os índios são capazes de perceber sob o efeito da Mescalina. Don Juan, o índio Iaqui instrutor de
Castañeda, usava outras drogas tais como Jimson Weed, planta datura e um cogumelo chamado
“humito” com a finalidade de obter experiências religiosas de cunho shamanístico.

Don Juan, um “feiticeiro”, um Xamã, um curandeiro, é definitivamente um dos poucos remanescentes


de uma civilização indígena quase extinta; o qual usava técnicas elaboradas de exploração de realidades
não ordinárias obtidas com ou sem drogas37.

A Razão da Ausência do Problema de Drogas em Sociedades “Primitivas”


As drogas nas chamadas sociedades primitivas não parecem constituir um problema como em
nossa civilização moderna. As drogas parecem estar tranquilamente integradas no todo da sua sociedade
e desempenham neste todo38 um papel regular e importante. Por outro lado, parece que esses povos
“primitivos” cercam seus atos de ingestão de drogas com rituais e respeito pela mesma, em oposição ao
modo pelo qual as drogas são encaradas em nossa sociedade.

Nessas sociedades “primitivas” as drogas são tomadas de modos particulares, com propósitos
particulares. Algumas drogas são usadas exclusivamente pelos shamans em rituais de práticas religiosas
ou no diagnóstico de enfermidades. Talvez se pense que esses rituais bem estabelecidos protejam
indivíduos e grupos dos efeitos negativos da droga, provavelmente pelo estabelecimento de um clima
propício ao seu uso (WEIL, 1972).

Mas parece que a ausência de problema de drogas nas sociedades “primitivas” não pode ser
explicada apenas pelo fato de que esses jovens primitivos ritualizam a ingestão de drogas. O mais
importante nesta questão é o modo pelo qual eles vêem os efeitos da droga.

O que o homem toma como realidade é determinado pelo consenso geral, o contexto social
que varia de cultura para cultura. Desta maneira, a realidade (ou realidades) não passa(m) de uma
“verdade” social. Em nossa cultura ocidental, somos condicionados a acreditar na existência de uma
realidade singular que podemos medir com nossa mente racional e experienciar com nossos sentidos; a
37 No seu terceiro livro “Viagem a Ixtlan” o antropólogo Carlos Castañeda descreve sua experiência
no deserto do México Central onde o índio feiticeiro o ensinou a entrar em profundos estados alterados de
consciência (ASC) sem a ajuda de drogas.
38 É interessante notar neste contexto que em uma subcultura de consumidores de drogas na Dinamarca
a droga é uma prática aceita e integrada em seus padrões de saúde e comportamento.
109
realidade cotidiana. O antropólogo Edmund Carpenter diz: “Os povos nativos possuem muitas realidades
separadas, eles acreditam em realidades pluri-unívocas ou bí-unívocas e não em uma realidade universal
como nós acreditamos39.

A Experiência Mística
O fenômeno da experiência mística pode ser induzido por drogas psicodélicas; meditação, jejum,
movimentos corporais rítmicos, canto, suspensão prolongada da respiração ou hiper-ventilação e, muito
frequentemente, ela ocorre “espontaneamente”.

Gostaria de definir aqui a experiência mística como um conjunto de algumas experiências


psicológicas e específicas transcendentais e não -transcendentais que acontecem ao indivíduo mais ou
menos ao mesmo tempo, com certas características que as distinguem de outros estados psicológicos.
Estas características são tomadas do modelo de Deikman da experiência mística.

Deikman (1969), um investigador mais recente no campo dos estados alterados de consciência
(ASC), diz que existem quatro tipos principais de experiência mística: a) realidade intensa, b) fenômenos
não usuais, c) unidade, d) inefabilidade e; e) fenômenos trans-sensoriais. Neste estudo, vamos usar o
modelo de Deikman para a experiência mística.

Por que as Pessoas Consomem Drogas?


Existem diversas teorias que tentam explicar porque as pessoas consomem drogas. Já que os
limites deste trabalho não incluem uma discussão sobre as teorias sobre drogas, penso ser desnecessário
apresentar as várias teorias. Entretanto, quero mencionar neste contexto a teoria exposta por Weil
(1972) em “Por que as Pessoas Consomem Drogas”, que parece ser a mesma de Katzenelson(1971).
Este ultimo diz:

“De todos os modos existem indicações de que uma faceta fundamental da existência
humana é a mudança de consciência, de tal forma, que a pessoa seja capaz de ultrapassar
seus próprios limites, retomar ao seu estado presente e esforçar-se para se tomar uma
pessoa diferente daquela que ela sente que é. Isto pode ser ressaltado tanto empiricamente
(Katzenelson, 1960), quanto filosoficamente (Katzenelson, 1971a)”.

Parece que o usuário toma a droga consciente ou inconscientemente visando atingir níveis
supranormais ou transpessoais de consciência, com o objetivo de integrar seu ser existencial. Ele
suspenderá o consumo de drogas quando tiver transcendido seu ego, encontrando a escala total de
dimensão transpessoal da consciência, finalizando com a experiência psicológica da morte do seu
“velho ego”, o qual é dependente da droga (ASC) e está psicologicamente renascido com uma nova
personalidade não separada ou re-integrada.

Esse desfecho psicológico de morte e renascimento do ego foi praticado em um quadro de


referência religioso, independente de drogas, no antigo Egito, na América pré-colombiana entre os
Astecas e Toltecas e é praticado em nossos dias entre povos “primitivos” em um contexto xamanístico. É
o instrumento mais efetivo na “Psicoterapia do Clímax Psicodélico” (Psychodelic Peak Psycotherapy). Grof

39 Tirado da revista “Time”, 5/4/73, “Don Juan e o Aprendiz de Feiticeiro”.


110
(comunicação pessoal) adianta que usuários de heroína, quando tratados em terapia com LSD, largaram
a droga quando atingiram níveis transpessoais de consciência sob a ação do LSD, mas retornaram
algumas vezes. Este mesmo tipo de paciente quando obtém o desfecho final de morte-renascimento do
ego jamais volta a tocar em drogas.

Atualmente, o Budismo Tibetano Vajrayana é uma das poucas escolas existentes no mundo
religioso praticando a técnica de morte e renascimento do ego. Esta técnica é aplicada com propósitos
específicos em estágios muito avançados deste sistema psicológico para exploração da consciência.

Descrição similar de estados “corpo-mente” induzidos por drogas, talvez sejam encontrados na
literatura mística religiosa. Aqui a condição de um dos métodos mais efetivos para a obtenção de cada
ASC é a prática da meditação.

Meditação
Meditação é uma técnica psicológica que tem sido usada desde tempos imemoriais. Nos
primórdios da história da meditação, encontraremos, especialmente em contextos religiosos, diversas
formas de meditação.

Há mais de 5.000 anos atrás, na civilização Egípcia antiga, a meditação era uma técnica bem
conhecida e praticada. O mesmo é válido para o caso da Índia, onde a meditação tem sido praticada há
mais de 6.000 anos.

Esta técnica provavelmente era conhecida em todas as civilizações, inclusive entre Astecas e
Toltecas na América Central e os Incas na América do Sul. Mesmo entre os esquimós, esta prática tem
sido usada.

Elíade (1964) descreve um tipo muito especial de meditação realizado pelos esquimós:

“Qaumaneq é uma faculdade mística em que o mestre às vezes consegue o Espírito da Lua
para o discípulo diretamente com a ajuda dos espíritos dos mortos, da mãe do caribou ou dos
urstos. Mas, existe sempre a experiência pessoal; estes seres místicos são apenas as fontes das
quais o neófito sabe que pode utilizar para esperar a revelação, quando ele está suficientemente
preparado. Mesmo antes de estar preparado para conseguir a ajuda de um ou mais espíritos,
que são como novos “órgãos místicos” para qualquer xamã, o esquimó neófito deverá passar
por uma grande prova de iniciação. Para o sucesso na obtenção desta experiência é necessário
que ele passe por um grande esforço de privação física e contemplação mental, dirigido para a
obtenção da habilidade de ver ele próprio como um esqueleto (...). Este importante exercido em
meditação, que é também equivalente a uma iniciação, é estranhamente a reminiscência dos
sonhos siberianos (...). A redução à condição de esqueleto é equivalente à reentrada no útero
do início desta vida, ou seja, uma completa renovação, um renascimento místico. Por outro
lado, em certas meditações da Ásia Central (que existem pelo menos em estrutura) a redução
à condição de esqueleto possui um valor ascético e metafísico - a antecipação do trabalho do
tempo, a redução da vida - através do pensamento para aquilo que ela realmente é, uma ilusão
efêmera, em perpétua transformação.

Deve ser notado que tais contemplações permanecem, mesmo dentro do misticismo cristão
111
– o que mostra mais uma vez que os fundamentos da conscientização do homem arcaico
permanecem inalterados”.

Existem diversas definições da palavra meditação e do ato de meditar. Defino meditação como
o estado alterado de consciência ativo e receptivo, tendo como característica principal a sintonização
da mente com níveis da consciência mais sutis, com a finalidade de se alcançar níveis de consciência da
atividade da mente, mais sutis ainda, dirigindo-se à natureza fundamental. Isto pode ser alcançado pelo
uso de técnicas especiais que funcionam dentro de um determinado quadro de referência.

O s sujeitos geralmente descrevem experiências de estados psíquicos e físicos de profundo


relaxamento40, paz41, sentimentos de bem estar, imagens visuais vívidas, sentimentos de intenso gozo e
experiências religiosas.

Ao contrário do que é erroneamente acreditado, o ato de meditação não é um estado puramente


passivo, onde um indivíduo se senta e de alguma forma se torna indiferente ao mundo. Na verdade,
a meditação é um processo ativo, onde o sujeito expande a consciência dele mesmo e do mundo. Por
exemplo, no quadro de referência do Zen Budismo, a meditação não é praticada apenas durante zazen e
sesshin, mas durante 24 horas por dia: ao andar, ler, trabalhar ou fazer qualquer outra coisa que se supõe
ser feito durante o “aqui e agora”, ou seja, um constante estado ativo-receptivo-meditativo.

Diversas investigações têm sido feitas com o uso da meditação como psicoterapia ou como
alternativa para estados de consciência induzidos por drogas. Mencionei e discuti os mais significativos
anteriormente (Matos, 1972b).

Escolas de Meditação
Os sujeitos deste estudo pertencem a cinco escolas diferentes cujas técnicas de meditação estão
descritas abaixo:
Swami Narayanananda

Temos dez sujeitos que praticam as técnicas ensinadas por Swami Narayanananda, sendo que a maioria
deles vive em N. U. Yoga Ashram em Gylling, Dinamarca.

Uma condição “sinequa non” para se tornar discípulo de Narayanananda é a total ausência do uso
de drogas e o voto de celibato.

A principal técnica de meditação praticada pelos discípulos desta escola é a “Ajapa Japa”: o discípulo
senta-se com as pernas cruzadas e deve inicialmente tornar-se consciente de sua respiração. Uma vez
sintonizado com o ritmo de sua respiração, deverá dizer mentalmente um mantra (especialmente dado
pelo seu guru) enquanto inspira e expira. Posteriormente desloca sua atenção para a coluna vertebral
imaginando que sua respiração percorre sua espinha dorsal de ponta a ponta; concomitantemente

40 Relaxamento profundo é um estado que se estende além do relaxamento muscular em direção ao estado
de desligamento dos conflitos e problemas cotidianos da pessoa. Não traz uma conotação de indiferença mas
uma aceitação de uma nova compreensão do mundo interno e externos da pessoa e pode trazer um estado de
equilíbrio que pode ser expressado pelo sujeito como sentimentos de “paz”.
41 Paz neste contexto significa harmonia com o ambiente e consigo mesmo.
112
continua a dizer mentalmente o mantra. Finalmente a meditação chega ao término com o sujeito
trazendo sua consciência para o ponto que se encontra entre as sobrancelhas (Ajna Chakra).

Além desse tipo de meditação, os iniciados de Narayanananda têm praticado meditação em


direção a um objeto interior (como um chakra por exemplo) ou exterior, como uma flor, uma luz, a lua,
etc.

Obs.: Nesta amostra existe um único sujeito usando a técnica Ajapa Japa, ainda que não pertença a esta
escola.
Meditação Transcendental

É praticada por nove dos sujeitos. O fundador deste movimento, Maharishi Mahesh Yogi, descreve
está técnica como se segue (1969, p. 470):

“...Voltar a atenção para o interior em direção à níveis mais sutis de um pensamento até que
a mente transcenda a experiência do mais sutil dos estados de pensamento, chegando à fonte
do pensamento... Um pensamento impulso começa no silencioso centro interno e criativo como
uma bolha que nasce no fundo do mar. A medida em que vem à tona, vai se tornando maior, ao
chegar ao nível consciente da mente ele se torna grande o suficiente para ser apreciado como
um pensamento e, daquele ponto, se transforma em palavra e ação. Voltar a atenção para o
interior faz com que a mente mova da experiência de um pensamento no nível consciente para
estados mais sutis, até que chegue à fonte do pensamento”.

O método para transcendência de níveis de consciência é um mantra especial que seja dado ao
praticante da MT (Meditação Transcendental) por um professor treinado, que o instrua no seu uso, no
período de iniciação.

A MT é supostamente praticada duas vezes por dia, por 15 a 20 minutos, sentando-se em uma
posição confortável, com olhos fechados. A MT não usa concentração como em alguns sistemas da
meditação, mas a “volição passiva”(ou seja, o sujeito não se empenha para concentrar-se mas deixa a
concentração desenvolver-se naturalmente) para o controle do Sistema Nervoso Autônomo da maneira
que é usado no treinamento de Feedback Autógeno (GREEN e colaboradores, 1970).
3HO (Healthy, Happy & Holy Organization) Organização Saúde, Felicidade e Espiritualidade

Nesta amostra este tipo de meditação é representada por quatro sujeitos.

Esta é uma escola internacional de yoga que ensina uma mistura de Karma, Hatha, Bhakti e
Kundalini Yoga.

A forma de meditação praticada por esses sujeitos é do objeto interior, usualmente um chakra.
Eles também meditam usando um objeto exterior ou um mantra.

O movimento 3HO inclui em seu sistema a prática da pranayana, canto e Terapia de Massagem
nos pés.
Escola Sahaj Marg

113
Nesta amostra tenho apenas um sujeito. O tipo de meditação praticado por esta escola lembra o
sistema Raja Yoga. É um sistema particular chamado “transmissão”. A única coisa que o discípulo precisa
fazer é sentar-se em uma posição confortável, em uma sala quase escura, com olhos fechados, relaxado
e com “passividade volitiva” pensar sobre o mestre da sua escola. Supõe-se que a meditação aconteça
espontaneamente através de uma transmissão do poder do mestre que vive na Índia.

O discípulo inicia a “meditação” com um instrutor que é chamado “preceptor” e que funciona
como um tipo de “transformador” que se coloca entre o mestre e o discípulo, dando assistência ao último.

Depois da meditação é recomendada a prática de orações.


Budismo Tibetano Vajrayana

Vajrayana significa “A Rota do Diamante”. Esta forma de budismo veio da Índia para o Tibete no
século VIII a.C. trazida por um sábio indiano chamado Padmasambhava.

O Budismo Tibetano opera com o instrumento básico da “sabedoria” e “ágil arbítrio”. Esta forma
de operar com “visão perfeita” ou percepção perfeita do multiverso interior e exterior usando um
método efetivo (ágil arbítrio) atinge sua meta.

A essência do Budismo Tibetano é a compaixão e sua estrutura hierárquica e rituais não podem
ser desligados desta ideia. Needleman (1972) explica:

“Esta compaixão pode ser no momento definida como: a transmissão precisa de uma força
supremamente benevolente para cada plano de classe de realidade consciente, de acordo com
sua capacidade de responder àquela força”.

Quando o mais alto nível ou estágio de compaixão é atingido, o estudante pode dar início a
Boddhisattva.

O modelo humano ou superhumano do Budismo Tibetano é a figura carregada de compaixão do


Bodhisattva. Ele é o homem inteiramente liberto que toma parte no jogo cósmico e social. De acordo
com o Budismo, é o ser que, pelos seus feitos, liberou-se da ilusão (falsa visão) do mundo. Agora ele está
liberto, ou seja, livre para se mover para “domínios mais elevados” do que os da existência humana ou
não-humana42 condicionada. Porém, como um Bodhisattva, ele jurou não entrar no Nirvana antes que
o último ser sensível esteja livre do Samsara, e dedica todas as suas energias a ajudar todos os seres a
alcançarem um estado de felicidade ilimitada: o equivalente ao Nirvana.

Um Bodhisattva empenhar-se-á em atingir a percepção do vazio (TONBANI), atingindo em


seguida o estágio supremo da tranquilidade e diligência chamado em Tibetano “morada da paz” (SHI-
NE). Esta é a base da meditação tântrica.

A parte mais importante e secreta do Vajrayana é o tantrismo. A essência da prática tântrica é o


uso dos sentidos para transcender a consciência sensorial. Entre as muitas técnicas para transcender
a consciência sensorial podemos citar: várias formas de meditação, de simples estados meditativos

42 De acordo com o Budismo existem seis mundos de domínios da existência humana condicionada,
sendo mundo dos seres humanos apenas um deles.
114
filosóficos e analíticos para rituais meditativos extremamente complicados envolvendo dança, época
especial (lua cheia, por ex.), lugares especiais e diferentes objetos simbólicos curiosos, o uso de mantras,
mandalas usadas com areia colorida, concentração em chakras, intrincadas e complexas visualizações,
mudras e maithuna (o despertar do shakti – energia kundalini – através de rituais controlados de
intercurso sexual). O objetivo da maithuna e de outras práticas é converter a energia dos desejos
para uma “forma mais elevada”, isto é, uma nova energia integrando o microcosmos (homem) com o
macrocosmos (universo).

Esta escola é representada pelo sujeito número 26.

Método deste estudo


Dois métodos foram usados para compilar material para esta investigação, a saber, questionários
e entrevistas.

Primeiro conduzi um estudo prático com três diferentes entrevistas-questionários para


estabelecer que dados seriam mais relevantes e como reagiriam os sujeitos às diferentes questões.
Durante o processo, a entrevista-questionário foi mudada e o resultado final foi apresentado aos sujeitos
que participaram desta investigação.

Por muitos anos tomei sistematicamente notas sobre os vários fenômenos causados por
intoxicação por droga e de ASC (estados elevados de consciência) não induzidos por drogas. Baseado
nesta informação e numa experiência prévia (MATOS, 1970) foi compilada uma extensa entrevista-
questionário.

Esperava que alguns sujeitos não se sentissem à vontade contando sobre sua experiência anterior
com droga e gostariam de ficar no anonimato total. Por esta razão, compilei um esquema de entrevista
que podia ser usada como um questionário. Este questionário (com 104 questões abertas) tinha uma
introdução com um apelo solidário ao sujeito43.

Às entrevistas foram conduzidas primeiramente em ashrams,escolas de Yoga e centros de


meditação.

Aqui, frequentemente defrontava com o fluxo de inefabilidade, a impossibilidade de transmitir em


termos de mundo tridimensional, experiências de realidades não ordinárias, em nosso caso induzidas
por drogas, Yoga e práticas de meditação. Por exemplo, sobre uma experiência mística, um sujeito conta
sobre seu sentimento oceânico de unidade, mas certo da qualidade implícita de inefabilidade inerente
à experiência mística, ele muitas vezes olhava para os olhos do autor, tentando ver um sinal de que
este havia entendido a descrição não verbal. Todavia, material bastante interessante foi compilado dos
sujeitos que tomaram parte nesta investigação.
Descobertas

Um total de 26 sujeitos tomaram parte nesta experiência; 3 mulheres de 15, 16 e 22 anos


respectivamente 23 homens com idades variando entre 17 e 34 anos (11,5% de mulheres e 88,5% de
43 10 entre 18 questionários retornaram completamente das 26 entrevistas levadas a cabo por mim.
115
homens). É singular o porquê de somente 3 mulheres terem tomado parte nesta investigação, muito
embora, todos os sujeitos tenham sido tomados ao acaso, sem preferência por sexo, tipo de meditação
praticada, grupos sociais, etc.

Em uma das primeiras investigações que fiz da fenomenologia da experiência com a droga
(1970) com um total de 50 sujeitos (usuários da droga, tomados ao acaso), 28% foram mulheres e 72%
homens44.

Embora esta investigação fosse exclusivamente com referência à fenomenologia, todos os sujeitos
foram interrogados sobre suas ocupações que são vistas abaixo:

8 estudantes;

4 operários;

3 escriturários;

3 professores;

2 monjas (do N. U. Yoga Ashram);

1monge (do N. U. Yoga Ashram);

2 assistentes sociais;

2 professores de Yoga/meditação;

1 executivo.

26 sujeitos usaram cannabis no passado; 23 usaram LSD; 15 usaram mescalina; anfetaminas


foram usadas por 20 sujeitos e opiácios por 10.

A droga usada por período mais longo foi a cannabis. Isto seria esperado, visto que, o maior
número de sujeitos (82%)45 iniciaram com cannabis o uso de drogas proibidas. Talvez a razão seja que
a cannabis é um psicodélico leve, facilmente obtivel na Dinamarca, e além de tudo é usado para induzir
agradáveis ASC. A média de tempo entre os sujeitos é de aproximadamente 40 meses.

A segunda droga usada durante mais tempo parece ser os opiáceos (27,6 meses a média de
tempo), seguida de LSD (média de tempo: 25 meses), mescalina (21 meses em média) e anfetaminas
(19,5 meses).

4.6% dos sujeitos usaram de forma descontínua drogas proibidas entre 6 e 12 meses. Os sujeitos
restantes por mais de 12 meses.

44 O Instituto Social Dinamarquês para pesquisa (Social for skningsinstituttet) publicou uma reportagem
sobre o uso de drogas euforizantes (“ForbrugetatEuroriserendestofferblandt unge i foraaret, 1966, Saertrykaf
“Social Tidskrift” aar.4, 1969) entre 4.135 jovens. (Escola Dinamarquesa para crianças da 8ª série, III grau) e
descobriu que 30% dos usuários de drogas são mulheres e 70% homens.
45 Todas as porcentagens foram arredondas para facilitar o entendimento da leitura.
116
A razão alegada com mais frequência pelos interrogados para o começo da adesão nas cinco
categorias de drogas foi o fator curiosidade. A segunda razão mais alegada para o começo do uso do
cannabis é a pressão de grupo. Para o LSD: pressão de grupo e exploração do eu. Com anfetaminas:
pressão de grupo e aperfeiçoar a consciência física.

A segunda razão para o começo do uso da mescalina é a exploração do eu e para tomar opiácios
“propósitos excitantes”.

Parece que a relação causal subjacente à troca nos tipos de drogas é primeiramente a curiosidade,
seguida de pressão de grupo, exploração do próprio eu e propósitos excitantes.
Razões do término

A razão mais frequentemente apresentada para o uso descontinuado da cannabis é a prática da


yoga e meditação (54% de todos os sujeitos). Para o término do uso do LSD, a razão mais frequentemente
apontada diz respeito aos efeitos nocivos da droga (44%), a segunda razão é a prática da Yoga e meditação.
O fator Yoga/meditação é também o mais frequentemente apontado para o uso descontinuado da
mescalina. Para anfetaminas, a razão são os efeitos nocivos da droga, e com opiácios, é o fato de os
sujeitos não obterem os efeitos esperados.
Razões de consumo

A razão mais alegada para o uso de cannabis, LSD e mescalina foi experienciar estados alterados
de consciência. Esta é também a razão mais comum dada pelos usuários de opiácios junto com o desejo
de “fuga da realidade”.

A segunda razão que os sujeitos deram mais comumente para o uso de cannabis foi o de obter ou
aperfeiçoar a comunicação, exploração do próprio eu e “fuga da realidade”.

A segunda razão alegada para tomar LSD foi expansão da consciência; mescalina foi aguçar a
percepção. Os usuários da anfetamina alegam que usaram a droga para aperfeiçoar a consciência física
e alcançar um estado alterado de consciência.

A variedade do conteúdo da experiência com droga, revelada pelos sujeitos apresenta um aspecto
interessante. No que concerne à cannabis, 38% dos sujeitos disseram ter tido experiências místicas com
esse psicodélico no passado, 27% experienciaram mudança de percepção auditiva e 27% mudanças
no processo de pensamento. 19% experienciaram sensação de bem-estar, paz e relaxamento. 15%
alegaram experienciar visão penetrante e da mesma maneira, mudanças experienciadas na percepção
interpessoal46.

LSD / mescalina4748induziram experiência mística em 52% dos sujeitos, 43% afirmam, que
46 O mesmo sujeito pode aparecer em várias categorias de uma vez.
47 Neste quadro, computei LSD e mescalina juntos, devido à grande similaridade dos efeitos desses dois
psicodélicos.
48 Todos os sujeitos que usavam mescalina usavam também LSD. 8 sujeitos usavam LSD, mas não
mescalina.
117
experienciaram mudanças no processo de pensamento, 30% experienciaram aumento elevado da
consciência de cor e a mesma quantidade de sujeitos experienciaram mudanças na percepção auditiva.

Anfetaminas: 45% revelam ter experienciado elevação da atividade física. 25% dizem ter
experienciado sensação de bem-estar, paz e relaxamento. Há outros efeitos como visão aguçada,
aumento da capacidade criativa, empatia e sociabilidade, o que, pelo pequeno número de sujeitos que
experienciaram, não parece ter tanta significância.

Opiácios: Todos os sujeitos revelam ter experienciado sensação de bem-estar, paz e relaxamento.
É significativo notar que 20% dos sujeitos declararam experienciar fenômenos paranormais, uma
ocorrência extremamente rara registrada sob ASC produzidos por opiáceos.

Outra regra observável em minha amostra é que cannabis provoca mais experiências no nível
sensorial, isto é, experiências de entrada através da consciência dos sentidos do sujeito, enquanto que
com LSD/mescalina, parece nos cavar mais fundo dentro da consciência, do que com cannabis.

Conversão do Uso da Droga para Yoga/Meditação


Os sujeitos foram perguntados como mudaram das drogas para a meditação, e suas explanações
talvez possam ser colocadas nas seguintes categorias:

a) Experiências religiosas com drogas;

b) Através de meios de informação de massa;

c) Informação de amigos;

d) Leitura de livros sobre o assunto;

e) Experiências desagradáveis com drogas no passado;

f) Encontro com o guru;

g) Chamado de Deus.

Um indivíduo que entre em contato com uma “força superior” torna-se humilde, porque não
pode explicá-la em termos de realidade cotidiana e esta força, ele a chama Deus, Divindade, Brahma,
dependendo de seu background cultural e religioso, educação, modelo filosófico e outras variedades de
sua personalidade. Esta força é talvez experienciada pelo sujeito como um “chamado espiritual”.

Com respeito à experiência religiosa com drogas é bem documentado (Leary e colaboradores,
1963; Panke, 1963, 1969; Savage e colaboradores, 1963; Clark, 1969; Grof, 1969, 1970a, 1971, 1972,
1973) que as drogas psicodélicas podem produzir profundas experiências religiosas.

O sujeito 26, um estudante universitário conta como foi convertido ao Vajrayana Budismo: “É
porque o LSD provocou muitas perguntas, mas não ofereceu respostas reais e nós [ele e sua esposa]
ouvimos que os Lamas [Lamas Tibetanos] tinham a resposta. Então nós os procuramos, encontramos
118
no Nepal, então tudo começou”.

Mais adiante este sujeito declara: “Isto [a conversão] é porque tomei contato com ele [Vajrayana
Budismo] numa primeira vez, e então, tudo se ajustou novamente”.

Uma experiência desagradável com droga pode ser a causa da interrupção de um método de
exploração, neste caso, o uso da droga. Este indivíduo pode deter a necessidade aguda de obtenção de
ASC e tentar outros métodos sem o uso de drogas como yoga e/ou meditação.

Alguns sujeitos podem encontrar um novo método quando encontram um guru (categoria f).
Pode acontecer que exatamente neste momento sob o efeito de diferentes fatores (personalidade do
guru, poder espiritual, estímulos ambientais, físicos e psíquicos, estado da mente dos sujeitos, etc.) o
indivíduo se converte para um novo e radical estilo de vida.
A Auto-Entrega e Conversão Volitiva

Que um usuário interrompa o uso de drogas e tenha iniciado a prática de yoga/meditação é


um caso representativo de re-orientação de valores. Uma espécie de conversão, em muitos casos, uma
conversão religiosa típica (James, 1963).

Aqui, um sujeito não pode ser tratado exaustivamente. Como Clark (1958) assinala: “Quanto
maior o escrutínio [o conteúdo da conversão] mais complicado e frustrante se torna”. Para se ter
um bom entendimento destas características provavelmente seria necessário fazer uma entrevista
completamente nova com os sujeitos, a respeito deste tópico (q. 40: “Como você começou a meditação,
a “viagem de Yoga”), examinar personalidades diferentes, variáveis na correspondência e procurar junto
com os sujeitos, razões e processos que naquela circunstancia o sujeito não teria tido total consciência.
Por isto são limitadas as conclusões a serem esboçadas.

Starbuck (1912) classificou as conversões em 2 tipos: o tipo volitivo e o de auto-entrega. O


primeiro é aquele em que o indivíduo conscientemente e voluntariamente volta-se para uma nova
orientação de vida. O segundo tipo acontece muitas vezes de uma forma inconsciente, quando o sujeito
é mais receptivo e como o próprio termo diz, ele se auto- entrega para um novo modo de vida.

62% dos sujeitos apontam uma conversão volitiva, enquanto 38% experienciaram uma conversão
de auto-entrega.

No tipo de conversão de auto-entrega, um agente frequente foi a droga (50% das respostas sobre
“a categoria de auto-entrega”), seguidos pela categoria “encontro com o guru” (37%).

No tipo volitivo de conversão, a principal razão parece ser “informação de amigos” (46%) e
“através de meios de informação de massa” (38%).

Junto com a meditação os sujeitos costumam praticar algumas disciplinas sem o uso de drogas
como pranayama, mantra, hatha yoga, kundalini yoga, canto e karma yoga.

119
Efeitos Experienciados da Meditação
Os sujeitos foram inquiridos sobre como a meditação influenciou suas vidas, seus relacionamentos
com o ambiente e sua capacidade de trabalho.

31%49, dos correspondentes acentuaram que a meditação trouxe maior discernimento para as
suas vidas, enquanto 26% experienciaram “sentimentos de paz”, 26% disseram que começaram a ter
maior abertura e otimismo no seu modo de encarar a vida. 15% experienciaram maior energia de vida,
e o mesmo número (15%), aumento de sensibilidade.

Com relação aos relacionamentos com o ambiente (pessoas animais, objetos), 39% experienciaram
que a meditação tornou seus relacionamentos com o meio ambiente mais harmônico, 15% tiveram um
total ou parcial senso de unidade com o que o cercava, o mesmo número (15%) disse que começou a ter
mais amor com relação ao ambiente; e ainda outros 15% disseram que eles estavam mais receptivos,
12% afirmaram que a meditação os fez mais auto-confiantes acerca do ambiente, e 4% (um sujeito),
que ela se tornou mais tolerante com as pessoas, animais e todos os outros componentes do seu meio.

A maioria dos sujeitos (81%) experienciaram aumento da capacidade de trabalho que eles
acreditavam que seja o resultado de suas práticas de meditação; 14% declararam que ficaram menos
cansados.

Todos os sujeitos declararam que meditação teve influência positiva na sua capacidade de
trabalho.

É interessante notar que todos os interrogados assinalaram efeitos positivos produzidos por sua
prática em meditação. Isto é mais marcante se nos lembrarmos de que esses sujeitos estavam praticando
meditação quando o estudo teve lugar, de onde se infere que eles eram capazes de ter lembranças mais
vívidas de sua experiência de meditação, e poderiam citar experiências positivas e negativas. Há também
a possibilidade de que os resultados relatados terem sido influenciados pela tendência inconsciente de
justificar para si mesmo e para os outros, em termos de realidade comum, um modo de vida.

Conteúdo de Experiência de Meditação


Um conteúdo de experiência de meditação muito interessante e multifacetado foi apresentado
pelos sujeitos.

Paz, neste contexto significa harmonia consigo mesmo e com o ambiente, é um modo de ser
relativamente frequente declarado pelos meditadores; 35% dos sujeitos nesta pesquisa acentuaram
experienciar “paz”, e 31% ter experiência mística sob meditação, o que eventualmente pode preencher
algumas das necessidades via droga. 15% experienciaram sentimentos de bem estar, e o mesmo
número (15%), ausência de pensamento. 15% não quiseram revelar o conteúdo de sua experiência da
meditação por ordem expressa de seu guru, 12% registraram intenso relaxamento, e o mesmo número
(12%) experienciaram transmissão de poder. Um sentimento de liberdade produzido por meditação foi
declarado por 8% dos interrogados.

49 Os sujeitos podem entrar em mais de uma categoria.


120
Como o sucesso da experiência mística parece ser o ponto crucial dos estados de consciência
induzidos por droga e meditação, os sujeitos da experiência mística foram examinados de diferentes
ângulos.

Entre a subcultura dos usuários de drogas, a experiência mística não é um tópico desconhecido e
é frequentemente tratado como uma experiência muito importante e desejada. Entretanto eu me inclino
a acreditar que os correspondentes desta pesquisa descreveram razoavelmente este tópico muito
interessante.

Os diversos aspectos da experiência mística com e sem drogas foram descritos pelos sujeitos que
tomaram parte nesta investigação:

a) Energia Cósmica:

Os sujeitos dizem perceber uma variedade de “energia cósmica” envolvendo e passando através
deles. Essa espécie de energia é descrita pelo indivíduo como ultra agradável e como algo além dos
sentidos.

b) Unidade

Experiência de si mesmo como um com o universo ou com Deus; é o ponto da experiência mística
negligenciado neste contexto cultural (James, 1961).

O indivíduo transcende as limitações do seu próprio ego, experienciando um sentimento oceânico


de unidade com o ambiente, e/ou um estado superior de consciência (HSC - High state of consciousness)
no qual ele é totalmente e estaticamente mergulhado.

c) Percepções Inusitadas

Uma característica comum da experiência mística é a percepção inusitada parecendo algo à


parte da gama da consciência habitual.

O sujeito o descreve sua experiência com cannabis: “Era como um meteoro voando em torno do
meu corpo”50.

d) Inefabilidade

Esta é a qualidade da experiência mística do ser inefável, como por exemplo, não se comunicar
por meio de palavras ou por referências similares na vida comum. For isto, místicos de todas as idades
vêm usando uma linguagem muito simbólica e muitas vezes uma linguagem poética para expressar suas
experiências.

Frequentemente, os sujeitos, tentando descrever suas experiências místicas, descobriam-se


num deserto de palavras onde o único signo que eles às vezes consideravam eficiente para oferecer
ao entrevistador era um sorriso moldado numa expressão de alegria, como se produzido por uma
recordação da experiência.
50 Descrição supreendentemente semelhante é encontrada em Bucke (1961): “Subitamente, sem qualquer
aviso ele se encontra envolvido como que por uma brilhante nuvem colorida”.
121
f) Fenômeno Trans-sensorial

Esta é uma “nova” experiência de percepção na qual não está incluído nenhum elemento sensorial
ou intelectual. Esta experiência vai além do costumeiro caminho sensorial, ideias e memórias. Este
estado é pleno de uma percepção vívida e profunda que é olhada pelos místicos como a meta final da
senda mística.

Com respeito à droga, 69% de todos os sujeitos (18 entre 26), disseram ter tido experiência
mística com drogas.

É importante verificar que essa experiência mística ocorre exclusivamente sob a ação de
psicodélicos. Nenhum sujeito relatou experiência mística provocada por anfetaminas ou opiáceos.

Perguntados sobre como a experiência mística com drogas influenciou os sujeitos a resposta mais
dada foi insight psicológico. Aspiração religiosa e sentimento de harmonia também foram mencionados
neste contexto.

A experiência mística sem a ajuda de produtos químicos (isto é, ocorrendo “espontaneamente”


ou via prática de meditação) foram registradas por 77% (20 entre 26 sujeitos). Esse poder não é uma
ocorrência inusitada entre indivíduos que conscientemente treinam-se numa disciplina espiritual que
provavelmente traria para seus praticantes mudanças nos processos cognitivos e perceptual, ou como
Deikman (1969) disse “des-automatização”.

No quadro abaixo podemos ver que 17 sujeitos tiveram experiência mística com drogas
(psicodélicas), 20 sem drogas, 15 com e sem drogas.

Parece que há uma tendência especial dos sujeitos que tomam drogas em tornarem-se eficientes
para ter experiência mística.

Os correspondentes eram perguntados sobre que resultado eles obtiveram com experiências
sem drogas. O resultado mais frequente pareceu ser um “sentimento de harmonia e alegria” junto ao
fato de ter adquirido insight psicológico. Alguns sujeitos também mencionaram que começaram com
inclinações religiosas e outros, “ganharam uma grande confiança na performance das práticas de yoga
e meditação”.

Conclusão
O propósito dessa investigação foi estudar as possibilidades práticas do uso da meditação como
uma alternativa para o uso da droga.

Parece-me que a maioria dos consumidores de drogas começou por usar de maneira descontínua
os opiáceos e então cessaram totalmente o uso de cannabis, isto é devido provavelmente aos efeitos
farmacológicos e efeitos posteriores dos opiáceos. A cannabis é considerada na subcultura de
consumidores de drogas como mais leve que o álcool, esta é a razão aparente de ser ela a última droga
proibida usada. 54% (14 sujeitos entre os 26) cessaram o uso de cannabis com a afirmação explícita de
que eles assim o fizeram porque experienciaram meditação como “muito melhor”.
122
A Possibilidade do Uso da Meditação como um Recurso para a Terapia de Suspensão

Na fenomenologia da droga e conteúdo da experiência encontramos similaridades na qualidade


e quantidade do conteúdo da experiência declarados pelos nossos sujeitos. Frequentemente droga e
conteúdo da experiência de meditação apresentam o mesmo resultado. Por exemplo, todos os sujeitos
(100%) que usam opiácios afirmam que a droga produz um estado de relaxamento, paz e bem estar.
Parece ser esse um efeito comum da maioria das meditações praticadas, o que foi confirmado pelas
descrições dos meus sujeitos do conteúdo de suas experiências de meditação.

Não acredito que devido ao fato de que os estados básicos experienciados com opiácios e
meditação serem os mesmos, que a meditação seja uma alternativa para o uso abusivo destes narcóticos.
Estamos inclinados a acreditar que esta conclusão em certos tipos de meditação (por exemplo, Meditação
Transcendental) poderia ser usada como um recurso em um dos mais comuns tratamentos oferecidos
a usuários de drogas na Dinamarca, denominada “Viagem de Suspensão” mencionada anteriormente (,
1970).
Possível Razão pela qual as Pessoas Usam Drogas

Em todas as culturas, por todos os tempos, o homem tem tentado atingir estados alterados de
consciência e explorar realidades não comuns. Isso tem sido feito por vários meios físicos, tais como
jejum, movimentos giratórios, dança, drogas ou vários outros meios psicológicos usualmente existentes
em atividades religiosas.

Parece ser da natureza humana a tentativa de integrar seu ser existencial ou como a psicanálise
e outros sistemas de psicoterapia colocam, a tentativa de integrar a consciência com o inconsciente,
fazendo com que o inconsciente passe a ser consciente.

Atualmente, na nossa sociedade tentamos alcançar este estado psicológico e de integração usando
diversos tipos de psicoterapia. Em tempos remotos o homem usou diferentes formas de psicoterapia as
quais apareciam sob o nome de “religião”.

Grof (1972) afirma que a experiência com LSD, a nível psicodinâmico, é uma prova clínica da
psicanálise de Freud e suas limitações. Da mesma forma, seria possível que muitas das experiências que
acontecem a um nível transpessoal sejam suportes clínicos da “simbologia” de certos sistemas religiosos.

De fato, muitos dos pacientes de Grof tratados com LSD, mesmo sem qualquer conhecimento
da mitologia e religiões orientais diziam ver em sessões de LSD, por exemplo, formas de mandala,
encontros extasiantes, divindades coléricas, além de descreverem experiências que parecem misturar-
se com aquelas experiências altamente místicas do budismo e hinduísmo (Grof, 1973).
Solução Eventual para o Problema da Droga

Parece que a razão básica do motivo pelo qual as pessoas usam drogas é o impulso inconsciente
de alcançar níveis supranornais ou transpessoais de consciência; com a finalidade de integrar seu ser
existencial. Parece que algumas vezes, esta integração pode ser parcialmente ou totalmente obtida
através de certas drogas, e o sujeito envolvido se pré-experienciará a frustração de “alcançar níveis mais
123
elevados e descer de novo”(Ram Dass, 1971a).

A experiência mística é usada por Grof (1972b) na psicoterapia do clímax com LSD como o
instrumento mais importante; desta forma é possível ao paciente alcançar o resultado transpessoal
final experienciando a morte-renascimento psicológico do seu ego.

Grof afirma (comunicação pessoal) que viciados em álcool e heroína, se alcançarem estados
transpessoais de consciência e não passarem pela experiência final de morte-renascimento do ego,
podem suspender o uso da droga, mas podem eventualmente retornar ao vício.

Aqueles que chegam à experiência final de morte-renascimento do ego nunca retomam ao uso
da droga. Ele diz que os insights destes pacientes assemelham-se àqueles de pacientes suicidas, ou seja,
desde que estes experienciem unidade cósmica, geralmente reconhecem ser este último o estado que
eles procuravam, e não aqueles inconsistentes ASC produzidos por álcool e narcóticos.

Todos os estados de unidade cósmica, bem aventuranças, encontros extasiantes e divindades


coléricas; experiências de morte e renascimento do ego, podem ser encontrados na “mitologia” e
diversas religiões orientais e misteriosas religiões ocidentais, livro de morte (como por exemplo, o Livro
Tibetano da Morte, o Livro Egípcio da Morte e Arts Moriendis), em todos os aspectos das religiões e
cosmologias das chamadas culturas primitivas.

E interessante notar em minha amostra que 17 sujeitos tiveram experiências místicas com
drogas e 20 sem drogas. É surpreendente que o fato de que 15 sujeitos afirmaram explicitamente que
suas experiências místicas foram atingidas através de meditação. Se isso for verdade e se uma das
necessidades básicas inconscientes do usuário é atingir através da droga uma experiência mística com
a finalidade de integrar seu ser existencial, poderíamos afirmar que a meditação pode não ser apenas
uma alternativa para o problema da droga, ou seja, um substituto para a ingestão da droga, mas a própria
solução para o problema.

É interessante notar igualmente neste contexto, que na Escandinávia o problema da droga foi
registrado como um sério sintoma social por volta do ano de 1965, e alguns anos mais tarde, começou
a proliferar nessa parte do mundo, diversos movimentos de religiões orientais. Em junho de 1973,
encontrava-se em toda a Escandinávia, especialmente na Dinamarca, mais de 10 diferentes sistemas
orientais para alteração de consciência, com as mais variadas técnicas de meditação e milhares de
dedicados seguidores. Isso não me parece ser uma mera coincidência, e ao mesmo tempo em que os
consumidores de drogas possam estar tentando inconscientemente se tornar psicologicamente (mesmo
que esta afirmação possa parecer paradoxal) meditadores de várias escolas participantes de vários
sistemas de terapias de crescimento (Gestalt terapia, terapia primal, Psicossíntese, etc) estão tentando
consientemente alcançar o mesmo objetivo.
Uma Nota a Respeito da Conversão

Não parece haver uma razão definitiva que explique por que os sujeitos que tomaram parte nesta
investigação deixaram de usar droga para se ligar à meditação. As razões alegadas não me levam mais
do que a uma categorização de suas conversões, em dois tipos, o tipo volitivo e o de “auto-entrega”.

124
Certamente não é mera coincidência o fato destes sujeitos terem refeito seus valores.

Como afirmei anteriormente, parece que estes indivíduos que entraram na rota de mudança de
suas consciências, via drogas, estavam inconscientemente se conduzindo não somente para um estado
alterado de consciência induzido por drogas, mas para um estado final específico. Eventualmente, eles
poderiam chegar à experiência final inconscientemente desejada.

James (1963, p.212) coloca da seguinte forma:

“A inteligência e a vontade de um indivíduo, na medida em que se esforçam para alcançar


um ideal, dirigem-se para algo impreciso e obscuramente imaginado. Por outro lado, as
forças meramente orgânicas que amadurecem dentro do indivíduo dirigem-se para um
objetivo pré-programado enquanto que os esforços conscientes deste mesmo indivíduo
permitem que materiais do subconsciente se liguem, sendo que estas se encaminham
na direção de uma reestruturação; e o tipo de re-estruturação para a qual todas estas
forças profundas se dirigem é claramente bem definida e definitivamente diferente
daquilo que o indivíduo conscientemente concebe e determina”.
A Importância do Suporte

Quero enfatizar aqui a importância de um suporte para a meditação. Um usuário de droga ou


mesmo um não usuário que inicia a prática de meditação terá mais de uma chance de modificar seu modo
de vida anterior e conservar-se sob rota da meditação se ele/ela for sustentado em suas atividades por
um suporte.

William James menciona em seu livro “Variedades da Experiência Religiosa”(1963), o caso do


pregador itinerante; do final do ultimo século. Eles convertiam muitos de seus ouvintes, mas estas
conversões eram por demais transitórias. John Wesley, um pregador eloquente foi um dos únicos capazes
de obter muitas conversões duradouras. Isto era possível porque Wesley combinava sua admirável
eloquência com o seu dom de organização. Em todas as cidades que ele visitava, deixava um grupo
organizado de novos convertidos que se encontravam regularmente para ler a Bíblia, rezar e falar a
respeito de suas experiências mútuas.

Tenho notado que dentre os vários movimentos caracterizados pela ausência de drogas na
Escandinávia, os mais bem sucedidos são aqueles que formam um suporte para seus seguidores. Posso
citar o exemplo dos seguidores do Guru Maharaj-ji, o qual além de centros em Copenhagem, Arhus, Alborg,
Gothemburg (Suécia) e Turku (Finlândia), estabeleceu um Ashram nos arredores de Copenhagem. Os
seguidores do Maharaj-ji encontram-se diariamente para falar de suas experiências mútuas e cantarem
juntos cantos sagrados. Desta maneira, eles podem dar apoio uns aos outros nesta nova jornada que
escolheram.

Os habitantes de N. U. Yoga Ashram,em Gylling, apresentam um bom exemplo de um sólido e


efetivo apoio, o qual foi mencionado anteriormente (Matos, 1972). Os seguidores da MT (Meditação
Transcendental) reúnem-se toda quarta-feira em Copenhagem e têm seu centro localizado em
Vesterbrogade aberto diariamente.

125
O ambiente de apoio mais efetivo pode ser aquele que preencha as necessidades do indivíduo,
tendo como conseqüência, a menor possibilidade de o indivíduo retornar ao seu estilo de vida anterior.
Como a Meditação pode ser Proveitosa para a Sociedade

Todos os ex-consumidores de drogas que tomaram parte neste estudo, estão atualmente
tomando parte em atividades consideradas úteis a sociedade, em contraste com sua situação prévia,
de consumidores de drogas ilegais que os colocava em posição dos criminosos aos olhos da sociedade.

A meditação pode ser um tipo de terapia aceita pela sociedade e considerada inofensiva, embora,
a meditação tenha alargado a percepção dos indivíduos.
Efeitos Globais de Meditação

Os efeitos globais da meditação de acordo com as declarações dos sujeitos parecem ser
extremamente positivos. Suas declarações parecem confirmar minha teoria de que a maioria das
técnicas de meditação possui como propósito básico a mudança de percepção de um indivíduo, do seu
mundo interno e externo.

Don Juan, o feiticeiro yaqui, diz o seguinte para Castañeda (Castañeda, 1972);

“A realidade acontece, quando o corpo se conscientiza de que o indivíduo pode `ver´. Somente
então, o indivíduo é capaz de compreender que o mundo que vemos todos os dias constitui
apenas uma descrição”.

Por descrição, Don Juan quer dizer que “normalmente”, não vemos o mundo como ele é, mas
como nos é ensinado, ou, seja, como devemos perceber a “realidade”.

Durante a Páscoa de 1972, quando passei por N.U. Yoga Ashram para terminar minha
investigação, tive oportunidade de observar e participar da vida diária de seus membros. Além das
horas que gastavam em meditação, praticando hatha Yoga, com cantos, leitura e tocando instrumentos
musicais, trabalhavam no mínimo 8 horas por dia, 7 dias por semana. Este trabalho consistia em cultivo
da terra, pintura (eles possuíam uma oficina de pintura), teciam, além de trabalhar na construção de um
novo pavilhão. Era interessante apreciar esta cena com mais de 20 ex-viciados que voluntariamente se
ocupavam seriamente nestas tarefas, mas aparentemente apreciando este novo estilo de vida.

Tive oportunidade de observar uma cena similar com relação aos sujeitos do movimento 3HO.
Como habitantes de uma pequena cidade, viviam juntos numa casa, que incluía um agradável templo
onde realizavam suas práticas de Yoga e meditação. Todos eles trabalhavam ativamente na sociedade e
eram indivíduos úteis que apreciavam sou novo estilo de vida.

Um exemplo de destaque é o sujeito 26 que, depois de usar álcool,psicodélicos, anfetaminas


e opiáceos por diversos anos, converteu-se ao Budismo Tibetano. Passou três anos no Himalaia
instruindo-se com Lamas Tibetanos, tendo depois retornado para a Dinamarca. Neste país, além de
trabalhar numa escola iniciou um movimento budista. Ele e sua esposa escreveram um livro a respeito
do budismo e pregam ativamente a doutrina do Budismo Vajrayana. Em junho de 1973, um ano depois
de retornar da Índia, eles juntamente com outros, construíram um templo Budista (um efetivo suporte)
126
e converteram mais de 100 pessoas para a doutrina Budista em que não se usa drogas. Entre estes novos
convertidos existem diversos ex-viciados que mudaram seus valores com relação à droga, para outra
forma de entrarem em ASC.

Tive também oportunidade de observar durante alguns meses em diversas situações que, os
sujeitos desta investigação, parecem possuir um relacionamento descontraído e harmonioso com o
ambiente. Esta observação parece confirmar os depoimentos fenomenológicos dos sujeitos envolvidos
nesta pesquisa.

A maioria dos sujeitos afirma que a meditação é um instrumento efetivo na criação de indivíduos
e sociedades bem equilibrados. Em certa extensão isto parece ser verdade, mas, ainda não existe uma
prova concreta dessas possibilidades.

O uso da meditação pela sociedade parece se estender a diferentes campos. A meditação pode
ser usada como uma forma de relaxamento das atividades multifacetadas e cansativas de nossa vida
diária. Pode ser eventualmente usada na cura de doenças psicossomáticas, além de poder ser aplicada
como um instrumento psicoterapêutico no problema do abandono da droga, mas, parece que o aspecto
mais relevante da meditação é sua qualidade enfatizada para mudar a percepção do meditador, ou seja,
tornar sua percepção mais acurada permitindo-os observar vários problemas internos e externos, mas,
de novos ângulos.

Esta possibilidade de atingir “insights” dentro do próprio indivíduo, e dos fenômenos circundantes
pode ser de importância primordial para um desenvolvimento consciente e harmonioso do homem em
seus empreendimentos em todas as dimensões.

Neste trabalho tentei enfatizar e descrever de maneira corrente, as experiências de caráter


fenomenológico ocorridas com meditadores e ex-usadores de drogas. Gostaria de sugerir aqui pesquisas
que possuam uma natureza fenomenológica similar mas uma amostra com um maior número de sujeitos
e também experiências em que se usem técnicas de meditação específicas para o combate ao uso da
droga, além de exploração neste campo, como objetivo de mapear estas regiões quase não cartografadas
da consciência humana.

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COMUNICAÇÃO, TEMPO E IMAGINAÇÃO51

Comunicação

A palavra comunicação tem as suas raízes semânticas no latim communicare o qual vem de

communis que quer dizer “comum ou pertencente à todos”. Esta é a mesma raiz da palavra comunhão (do

latim: communio) que quer dizer “estar UM com algo ou alguém”. Comunicação então pode ser definida

como um estado de ser onde VOCÊ É UM ou EM SINTONIA TOTAL com alguém ou algo.

Basicamente existem dois tipos de comunicação: comunicação interna e externa. Antes de

comunicar algo para alguém você sempre se comunica com você mesmo. Por exemplo se você decide

dizer algo para qualquer pessoa (uma forma de comunicar) você pensa naquilo que vai falar, isto é, você

se comunica com você mesmo.

Num contexto de realidade usual ou ordinária a comunicação existe sempre dentro de um

contexto de espaço e tempo.

Tempo

Basicamente existem dois tipos de tempo: o tempo linear racional, que é aquele tempo determinado

por várias formas de se medir quantidades usando-se vários tipos de relógios. Por exemplo, eu falo: isso

vai acontecer de tal a tal hora. Este tipo de tempo é muito importante na nossa sociedade porque ele nos

ajuda a nos organizarmos no contexto de uma realização material.

Nós todos sabemos da relatividade do tempo. Quando estamos envolvidos em fazer algo que
51 27
Transcrições do Treinamento em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal
129
gostamos muito, parece que o tempo passa rapidamente; quando esperamos algo ou alguém que não

chega, então parece que este tempo é muito longo.

Tenho observado também que culturalmente o tempo é diferente de lugar para lugar. Na

Alemanha e Finlândia, por exemplo, se dá um valor muito grande ao tempo racional. Se você tiver

uma reunião ou encontro com alguém e chegar cinco minutos atrasado a outra pessoa pode se sentir

ofendida. A pessoa que chega atrasada se sente culpada e isto, com o passar do tempo, cria uma pressão

psicológica tal que pode produzir tensões físicas, stress e até mesmo doenças psicossomáticas. Estes

efeitos colaterais negativos não estão acontecendo porque as pessoas estão fazendo tudo dentro de um

tempo-relógio específico, mas por causa da atitude mental destas pessoas de estarem divididas entre

o presente (o agora) e um futuro que não existe ainda. Quando a efetividade material não é combinada

com a efetividade psicológica isto traz problemas desnecessários.

Na Índia, Nepal, África, Brasil e outros países latino americanos não se dá tanto valor ao tempo

relógio, mas sim ao tempo afetivo. Esta é uma das razões porque estes países têm um menor progresso

material do que os países chamados do primeiro mundo.

Certa vez, quando eu estudava psicologia na Universidade de Copenhague, uma amiga me falou

que ela achava que a Dinamarca era desenvolvida materialmente e pobre espiritualmente e que os

países da América Latina eram pobres materialmente e ricos espiritualmente. Certamente, o ideal, é ser

rico espiritualmente e materialmente. E esta, é uma questão de saber integrar o tempo racional, tempo

afetivo e tempo transpessoal.

No nível transpessoal podemos observar claramente a relatividade do tempo e mui

frequentemente descobrimos que o tempo não existe. Para você entrar no nível transpessoal você não

tem só que transcender a pessoa que você acredita que é (ego), mas você tem também que transcender

o tempo. Por quê? Porque o nosso objetivo inconsciente em relação ao tempo é entrar num contexto de

eternidade, e a eternidade só existe quando você transcende o tempo relógio e entra num espaço que se

chama AQUI E AGORA. Só no aqui e agora é que existe esse sentimento de eternidade, quer dizer, nessa

ETERNIDADE você começa a entrar no nível transpessoal.

Don Juan falando do modelo do guerreiro interior, aquele que procura atingir a perfeição suprema,

diz para Castañeda:

“O guerreiro fluido não pode mais fabricar o mundo cronológico” Don Juan explicava. “E para ele,
130
o mundo e ele mesmo não são mais objetos. Ele é um ser luminoso existindo num mundo luminoso”1.

Muitas vezes numa experiência de dez minutos, no contexto de terapia transpessoal, você

realizará ou obterá muito mais do que talvez 10 anos de trabalho constante numa terapia mais racional,

aonde você estará racionalizando: “Isso mais isso... mais aquilo... eu tenho que mudar... eu tenho que

fazer isso...” e vai tentando resolver problemas exclusivamente num nível racional.

É muito importante essa integração dos três níveis: racional, afetivo e transpessoal.

Acredito que na nossa sociedade nós não podemos fugir do tempo-relógio, mas também acredito

que é um grande erro ficarmos presos somente dentro do tempo racional sem dar-nos a oportunidade

de desfrutarmos o tempo afetivo e especialmente o tempo transpessoal, ou melhor, transtemporal. É

importante assim um equilíbrio entre os três tempos (relógio, afetivo e transpessoal) porque se você

ficar muito preso no tempo-relógio você em vez de entrar num estado de bem-estar, de se sentir em paz,

em harmonia, num contexto de felicidade, você começa a entrar num estado de ansiedade.

Tempo E Comunicação

Ansiedade é estar entre o aqui e agora e o futuro, isto é, você nem está aqui e agora nem tampouco

no futuro.

A ansiedade é o produto de uma comunicação falha. A pessoa faz uma fantasia negativa a respeito

do futuro e reprime esta fantasia para seu subconsciente. Não se lembrando mais desta fantasia esta

pessoa é capaz de perceber somente a energia de apreensão (medo) que irradia de seu subconsciente

sem saber qual é a causa deste medo sem objeto aparente. Isto é a ansiedade. A comunicação aqui existe

então no nível racional e inconsciente.

Quando falamos em comunicação, geralmente, estamos pensando mais em comunicação no

nível racional, que é o nível usual da mídia – eu me comunicando verbalmente com outra pessoa, eu

lendo uma revista ou jornal, eu vendo televisão, eu ouvindo as notícias no rádio, eu olhando cartazes

de propaganda, etc. Essa comunicação está funcionando num nível bastante superficial que é o nível

racional.

É importante lembrarmos que existem vários outros níveis de comunicação, como por exemplo,

com os movimentos do corpo, o tom da voz, os sentimentos e, mesmo, a frequência de vibração da

pessoa, que denominamos de meta-comunicação.

131
A palavra comunicação vem do latim “Communicatio” a qual vem de “communis” que significa

comum. Portanto, a palavra comunicação está ligada às raízes da palavra comum. Comum quer dizer que

pertence à todo mundo de certa forma. Nós podemos falar que essa sala é comum para nós, quer dizer,

existe uma relação de cada um de nós com o que seja essa sala aqui. Dizemos que a rua é propriedade

comum do povo.

Um outro aspecto interessante da palavra comunicação é que na sua origem latina ela também

está ligada à raiz da palavra comungar. Então, a palavra COMUNICAR quer dizer, traduzindo para o

português da sua raiz etimológica, “ser um com”.

Quando você se comunica com uma pessoa você é dois – eu sou o sujeito e você é o outro sujeito

– ou seja, existe uma relação de sujeito/objeto.

Podemos dizer que uma comunicação é perfeita quando se alcança o estado de consciência

aonde eu e você não somos mais duas pessoas, nós somos uma só pessoa. Você comunga com o outro,

quer dizer, você de certa forma está se tornando a outra pessoa sem ser a outra pessoa. Esse nível de

comunicação está relacionado com a Psicologia Transpessoal e com a física moderna.

Na física clássica, o mundo, ou o universo, é percebido de uma maneira exclusivamente dualista

ou pluralista, quer dizer, eu e você, eu e este objeto, eu e aquilo, ou eu e muitas pessoas ou muitos

objetos, mas sempre sujeito e objeto, ou objetos, quer dizer, onde existe sempre uma divisão: onde

não existe uma comunhão. No caso da comunicação, nesse nível newtoniano/ cartesiano sempre é uma

comunicação com uma mensagem do sujeito para um ou vários objetos, nunca uma comunhão.

Quando você entra num nível de realidade mais profundo, ou se você quiser chamar de mais alto,

que é o nível da física moderna, você é capaz de perceber o universo não como sendo composto de uma

quantidade quase infinita de objetos separados, mas você experiência o universo como uma unidade

dinâmica, onde tudo é um só, onde não existe objeto; só existe sujeito no universo e nesse universo todo

só existe um sujeito que é o próprio universo e que você e esse universo, em realidade, são UM SÓ.

Pergunta e Resposta

Participante: Você está vendo o sofrimento como na filosofia Judaíco-cristã, que a pessoa precisa sofrer,

não é?

― Não. O sofrimento aqui não é visto como algo negativo, mas como algo positivo porque só aceitando

132
e realizando o seu sofrimento é que você vai começar a querer sair dele; você vê, a tendência nossa é

acostumarmos com o nosso sofrimento – no primeiro dia você acha ruim, no segundo dia menos ruim,

aí você acostuma tanto que você nem quer mais sair dele. É como se a pessoa morasse numa casa e a

casa tivesse toda caindo aos pedaços, suja, cheia de baratas e ratos; aí a pessoa tem a oportunidade de

mudar para uma cada melhor e ela fica na casa velha se desculpando: ... “Não, eu tenho aquela casinha

lá... minha choupana! E as baratinhas e os ratos”...

Então, às vezes é necessário você colocar cobras dentro da casa para a pessoa sair correndo de

lá...

Exercício

1) Agora você vai deitar, fechar os olhos e permitir ao seu corpo relaxar.

2) Agora você vai acompanhar a sua respiração, você não a modifica, simplesmente observa como ela

está agora, o seu ritmo, o seu fluxo (...)

3) Qual é a mensagem que a sua respiração está dando agora para seu corpo? (...)

4) Agora você vai procurar respirar com a base do estômago (...) você continua respirando, procurando

fazer a sua respiração tão longa quanto possível... você imagina que ela vai até a base de seu estômago.

Você começa a acompanhar essa respiração longa e suave agora durante alguns instantes (...)

5) E agora você se conscientiza qual é a mensagem que esse novo tipo de respiração está dando para

você, sobre você, sobre sua vida, sobre suas atitudes, sobre suas reações, sobre seus atos.

6) Agora você abre os olhos lentamente, continuando consciente de sua respiração (...)

7) Agora, lentamente, quando você quiser, somente quando você quiser, você vai sentar outra vez.

8) Agora você vai sentar em frente de outra pessoa que você escolhe e vai compartilhar com esta pessoa:

I. Você vai compartilhar o exercício da respiração com essa pessoa – qual foi a primeira

mensagem que você obteve, etc.

II. Você vai lembrar de algumas vezes na sua vida quando sua respiração mudou – ou ela ficou

mais rápida ou mais lenta, ou mais difícil e o que significava esta mensagem que seu corpo

estava dando para você.

133
III. Como que você pode modificar através da respiração os seus estados de consciência, seja ele

positivo ou negativo.

Visualização e Arquétipos
Podemos usar a comunicação interna de1iberadamente para atingirmos estados elevados de
consciência e para nosso crescimento psicológico e espiritual.

Na psicologia junguiana e nas psicologias transpessoais um método terapêutico frequentemente


usado é o método da visualização. Por exemplo, na Psicologia Tibetana Budista (que é uma psicologia
transpessoal) o objetivo da visualização do Buda, na maioria das vezes, não é como no contexto cristão,
onde você vai se devotar à uma das divindades deste panteão específico, que é uma outra técnica que
também pode ser muito boa, mas essa aqui é para que você descubra que dentro de você existe também
aquele Buda em potencial.

É importante lembrar aqui que Buda não quer dizer uma pessoa histórica específica mas a
palavra Buda quer dizer em Páli “o Iluminado” ou “Aquele que se Iluminou”. O Buda histórico se chamava
Siddharta Shakyamuni, no entretanto existe no panteão budista uma grande quantidade de Budas,
cada um representando um estado de consciência elevado específico. Por isso, estes vários tipos de
visualizações de Buda tem o objetivo psicológico de levar a pessoa a se sintonizar com aquela qualidade
de Iluminação que potencialmente existe dentro dela mesma aqui e agora.

Cada religião é uma forma de psicologia, às vezes funcionando num contexto diferente do nosso
quadro de referência científico atual. Por exemplo, no Cristianismo você vai numa igreja católica e lá
estão Jesus, Nossa Senhora e os vários santos. Neste contexto, a pessoa escolhe mais ou menos a quem
ela quer se devotar, uns se sentem mais próximos de Jesus, outros de Nossa Senhora, Santo Antônio...
e isso é ótimo. Por quê? Aqueles seres e aquelas imagens representam também para aquela pessoa um
estado elevado de consciência, então a pessoa vai fazer uma oração relacionada com eles; de certa forma
a pessoa está tomando um refugio naquela divindade.

Nossa Senhora por exemplo, no contexto da psicologia junguiana, pode ser vista como um
arquétipo, o arquétipo da mãe divina. Este mesmo arquétipo da mãe divina você vai encontrar na
religião dos antigos Egípcios representada pela deusa Isis; no Hinduísmo pela deusa Kali; no candomblé
pela Iemanjá; entre os deuses do Olimpo, Gaea; no panteão Assírio-Babilônio temos a deusa Tiamat, na
cosmogonia Azteca temos Coatlicue, no Budismo Tibetano a deusa Drölma.

Em termos da Psicologia Transpessoal, este arquétipo feminino Divino existe dentro de cada
homem e dentro de cada mulher. Conscientemente a pessoa está usando determinada técnica com o
objetivo de despertar o arquétipo dentro de si mesma, entrando num contexto transpessoal - então
ela vai trabalhar com vários arquétipos, vai usar visualização, vai usar sons, técnicas de respiração e
movimentos corporais.

De acordo com o enfoque transpessoa1, todas as religiões são psicologias e se você examinar
detalhadamente qualquer religião você verificará que ela possui dentro de si técnicas psicoterapêuticas
(v.g. orações, confissão, visualizações, meditações, etc.). Todas as religiões têm o mesmo objetivo, não
importa se é o Xamanismo, o zoroastrismo, o cristianismo, o budismo, o hinduísmo, o judaísmo, etc.
Qual é o objetivo das Religiões? É fazer o ser humano se tornar uma pessoa melhor, não é? Eu pelo
menos nunca ouvi ninguém dizer – “Olha, entra para essa religião que você vai se sentir bastante mal”...

Se fosse assim ninguém iria lá, todas estão lhe oferecendo algo de bom. É o que é “esse bom”? É
que você vai se tornar uma pessoa melhor; a diferença única que existe entre elas são métodos, por isso
é que todas as religiões são necessárias assim como muitas psicologias são necessárias, a psicanálise
e necessária, a psicologia adleriana, o behaviorismo, a humanista, a transpessoal. Por quê? Porque os
seres humanos estão em muitos níveis diferentes de evolução, então o que eu acho interessante é que
exista uma oferta com todas as possibilidades, assim como um hipermercado. Então eu acho que isso
também deve ser oferecido em Psicologia, mas num contexto de consciência, onde a pessoa saiba aquilo
134
que está adquirindo e para quê aquilo serve, aí ela vai sintonizar com aquilo que ela necessita dentro
de si mesma e vai falar: “Bom, agora eu quero é isso... não, eu não quero meditar agora, eu preciso de
dinâmica de grupo... não, mas agora eu preciso de uma sessão transpessoal, eu preciso ir à uma “vida
passada agora”... eu estou com dor de barriga... agora, eu estou com sede”... – porque nós somos tudo
isso. Então, eu acredito que essa atitude científica, que não é científica bitolada, mas é atitude científica
panorâmica, ela elimina um dos grandes problemas que existem para a humanidade que é o fanatismo
e a superstição.

Exercício de Meditação

A meditação se constitui de uma ou varias técnicas psicoterapêuticas cuja função básica e

facilitar a pessoa a entrar num estado alterado de consciência com o objetivo de chegar a um estado de

consciência elevado.

Neste estado de consciência elevado a pessoa tem uma visão panorâmica e holográfica de si

mesma e do universo, consequentemente uma comunicação maior e mais clara. Desta forma, e muito

mais fácil para qualquer pessoa resolver problemas pessoais, profissionais e crescer psicológica e

espiritualmente.

A base da meditação e o próprio corpo físico do meditador, por isso é de suma importância

a posição corporal durante o processo da meditação. Você pode meditar sentado numa cadeira (sem

encostar as costas no espaldar da cadeira) ou na posição de padmasana, isto é, sentado no chão ou numa

almofada, com as pernas cruzadas e as costas retas. A cabeça, e somente a cabeça, deve estar inclinada

aproximadamente 45 graus, e os olhos semiabertos ou fechados.

Nesta posição então, durante aproximadamente 10 minutos, você simplesmente vai prestar

atenção na sua respiração. Você não precisa fazer absolutamente nada, mas pura e simplesmente

acompanhar a sua respiração, este processo natural de inspiração e expiração que está acontecendo

agora mesmo; é como se você tivesse contando a sua respiração, sentindo apenas este processo de

inspirar, expirar, inspirar, expirar...

A base da medição é a relaxação, porque o objetivo da meditação e levar você de um estado

de consciência menor para um estado de consciência maior, em outras palavras, um aos objetivos da

meditação e a expansão da consciência. A sua consciência de certa forma também esta no seu corpo, o

corpo tensionado está reprimido, quando você começa a relaxar é como se, naturalmente, o seu corpo

começasse a expandir e a consciência estará expandindo naturalmente. Por isso é que você nessa técnica

esta acompanhando a sua respiração, porque a sua respiração é fluida, ela não tem cor nem tem forma

é ela esta se expandindo todo o tempo...


135
Fisicamente você abre mais o peito, joga os ombros um pouquinho mais para trás, para dar espaço

para os seus pulmões, para você poder desfrutar esse processo da sua própria respiração.

O objetivo básico da meditação é funcionar como “MEIO” para se mudar o estado ou estados de

consciência. Uma das experiências mais importantes na meditação é exatamente quando você é capaz

de transcender aquela pessoa que você imagina que você é; aquela transcendência do nível de egoísmo

ignorante, egoísmo que cria problemas e produz sofrimentos para um nível que pode ser chamado de

“egoísmo da sabedoria”, então é uma mudança de consciência do terceiro para o quarto chackra.

O quarto chackra está na altura do seu osso esterno, no meio do peito. Você permite que essa área

específica do seu peito relaxe mais ainda. Nesse contexto de suavidade no qual você está consciente do

seu corpo, consciente da sua respiração, você está consciente de que você não está em nenhum outro

lugar do planeta, você não está em nenhum outro lugar do tempo, você está simplesmente aqui e agora.

Você então desfruta essa situação tão especial, tão importante e tão bonita de você” estar AQUI e AGORA.

Supervisão

P(Participante): Eu sou psiquiatra e trabalho com crianças. Eu tenho um paciente de 12 anos que

é um caso muito difícil. Ele apresenta tendências suicidas e ao mesmo tempo parece extremamente

desinteressado na terapia. Ele nunca quer deitar no colchão de terapia. O que posso fazer?

L(Léo): Em tendência suicida a melhor técnica é a morte e renascimento psicológico do ego. No entretanto

você me diz que ele está desinteressado de fazer terapia. Que tal se agora você faz de conta que você

é este menino e eu faço de conta que sou você numa sessão de terapia. Vamos chamar este menino de

Paulus. Vamos imaginar que agora eu sou você, estou no consultório e Paulus acaba de chegar.

(A psiquiatra assume o papel de “Paulus”).

L(Léo): Paulus como você se sente hoje?

P(Paulus): Sei lá (Paulus mexe com os ombros como se estivesse demonstrando estar absolutamente

desinteressado no que está acontecendo).

L: O quê que você veio fazer aqui?

P: Sei lá.

L: Foi sua mãe que te obrigou a vir aqui?


136
P: É (Paulus mexe outra vez com os ombros como se estivesse mostrando seu desinteresse).

L: O quê que quer dizer quando você faz assim? (Léo mexe com os ombros espelhando o comportamento

corporal de Paulus).

P: Sei lá.

L: Paulus, você é um rapaz engraçado... (Léo ri genuinamente achando aquela situação agradavelmente

cômica).

P: Sei lá (mais uma vez Paulus reforça sua mensagem corporal mexendo com os ombros para demonstrar

seu total desinteresse no que está se passando).

L: (ri genuinamente com gosto, achando extremamente divertida a linguagem corporal que Paulus

usa para complementar a sua mensagem de aparente desinteresse na terapia). Estou gostando de ver

Paulus... Pode continuar. O quê que você sente quando você faz isso Paulus?

P: Ah, chega, vamos jogar?

L: Vamos. O quê que você quer jogar? Você trouxe bilhar aí, ou é carta, o quê que nós vamos jogar agora?

O terapeuta joga com Paulus o jogo que ele quer jogar durante alguns minutos e depois comenta:

L: Puxa, você é bom nisso hein?

P: Você acha?... Sei lá.

L: Eu acho. O quê que você quer fazer agora? Vamos jogar mais?

P: Vamos.

Novamente o terapeuta mostra a sua disponibilidade no aqui e agora e Paulus naturalmente se

sente satisfeito e começa a ter um pouco mais de confiança naquele adulto. Um rapport começa aqui a

ser criado. Sem este rapport mútuo de confiança e entrega à terapia, praticamente qualquer terapia, é

impossível de trazer resultados benéficos.

L: O quê que você quer fazer agora?

P: Vamos jogar outra vez o jogo de...

137
L: Ah, espera aí, vou te contar um negócio que eu achei interessante “a beça”, não sei se é verdade ou se é

minha fantasia, ouvi dizer que você já tentou cometer suicídio duas vezes, é verdade? Ou foi três vezes?

Quando o terapeuta fala isto de maneira natural e espontânea ele mostra que aceita plenamente

o comportamento de Paulus e que para ele morte e suicídio não são tabus, mas comportamentos

humanos totalmente explicáveis, significativos, importantes, e ele, como terapeuta e ser humano, está

agora aceitando um outro ser humano, i.e. Paulus, que neste momento de encontro desempenha o papel

de paciente. Paulus sente isto e começa a rir descontraidamente.

L: Você está rindo Paulus, o quê que é isso?

P: Me pegou, hein?

L: Peguei... me conta, como é que você fez esse suicídio lá, eu sou muito interessado em suicídio Paulus.

Me conta qual foi a técnica que você usou?

P: Ah, não quero falar nisso...

L: O quê que você quer falar então?

P: Ah, sei lá. Sabe o que eu vou contar para você?

L: Não, não sei não.

P: Eu vou para o clube e lá eu gosto de nadar. Eu gosto de nadar toda manhã.

L: Eu também gosto de nadar, mas só quando a água é limpa.

P: Mas a água lá é limpinha...

L: E o que você quer fazer agora Paulus?

P: Sei lá.

L: O quê que quer dizer esse “sei lá” Paulus? Traduz isso para mim.

P: Sei lá.

Certamente neste e em qualquer contexto de comunicação é muito importante que o terapeuta

esteja atento à metacomunicação do cliente. Especialmente em casos como o de Paulus onde ele aparenta
138
usar a técnica da defesa do “sei lá” é importantíssimo ouvir a sua metacomunicação (v.g. linguagem

corporal, tom de voz, expressões faciais e mesmo, se o terapeuta for sensível bastante, procurar perceber

e sentir a frequência vibracional da comunicação consciente e inconsciente do paciente).

Muitas vezes é de sumo valor terapêutico mostrar para o cliente aspectos e significâncias de sua

metacomunicação. No entretanto isto sempre deve ser feito num contexto de genuinidade total, isto é,

o terapeuta sendo absolutamente honesto e espontâneo no processo de ajudar aquela outra pessoa que

está na sua frente agora.

L: Você está com uma cara engraçada Paulus.

P: Sei lá. Mas eu queria falar da minha natação; você me atrapalhou...

L: Pois é, aquilo foi de propósito... mas fale agora... eu estava vendo se eu conseguia fazer você deitar aí

nesse colchão mas eu não consegui ainda... vou continuar tentando Paulus...

P: Há, há, há, há, há...

L: O quê que você acha desse colchão cor-de-rosa aqui?

P: Ah, eu detesto.

L: Quando você dorme à noite você dorme sentado ou na cama?

P: Na cama.

L: Você gosta?

P: Gosto.

L: Que cor é o lençol lá?

P: Você sabe que eu nem olho?

L: É cor-de-rosa bonito que nem esse?

P: Cor-de-rosa é o da minha irmã... aquela chata!

L: Ah, quando você vier aqui outra vez eu vou trocar ele para azul.

139
Paulus continua contando da natação durante vários minutos. Quando para, o terapeuta lhe

pergunta diretamente se ele quer trabalhar agora com seu problema em relação ao suicídio.

P: Ah, não estou com vontade não... (e novamente faz aquele seu movimento de desinteresse com os

ombros).

L: Então fica quieto aí... a única coisa que você pode fazer e ficar quieto aí ou balançando o ombro de vez

em quando.

Paulus fica quieto, continua balançando os ombros, porém agora com um sorriso divertido nos

lábios como se estivesse começando a achar aquilo como uma brincadeira bastante divertida.

L: Isso, contínua.

P: Ah, vamos fazer alguma coisa, está chato isso.

L: Não, não. Fica quieto aí, você não gosta de ficar balançando assim? Estou procurando aprender isso

que você faz...

O terapeuta mais uma vez imita Paulus procurando espelhar aquela mensagem de volta para

aquela criança, que possivelmente se encontra perdida num mundo para ela incompreensível, de adultos

que não a compreendem.

P: Não, é chato!

L: E você não gosta de coisa chata não?

P: Não.

L: De quê que você gosta?

P: Ah, eu gosto de pegar a bicicleta.

L: Me conta então da bicicleta.

Paulus agora está bastante descontraído como se estivesse tornando amigo do terapeuta.

Aqui esta sessão fantasiada é interrompida pois aparentemente um dos problemas maiores foi

resolvido, isto é, a distância entre terapeuta e cliente foi eliminada e um rapport positivo começou a ser

140
estabelecido.

L: (falando agora para a psiquiatra) Vamos interromper aqui porque acredito que algo importante foi

obtido, uma ponte que é uma passagem importante do terapeuta para Paulus e agora Paulus tem uma

ponte aberta e segura para chegar ao terapeuta.

Eu tive um caso semelhante com um menino de três anos cuja mãe era psicóloga e muitas vezes

quando não tinha babá em casa tinha que deixar o seu filhinho só em casa durante algumas horas na

parte da tarde. Eles moravam no sexto andar, e muitas vezes a mãe chegava e Paulo, seu filho, estava

dependurado na janela como se, querendo pular.

Conversando com o garoto ela descobriu que muitas vezes realmente ele tinha pensado em pular.

Para ela aquilo era um caso claro de tendência suicida e com medo de perder seu único filho, telefonou

para mim perguntando se poderia trazê-lo a terapia. Falei com ela que eu só aceitava os clientes que, eles

mesmos, quisessem vir a terapia comigo e não porque um parente ou uma terceira pessoa o desejasse

e por isso ela primeiro teria que explicar a Paulo quem eu era e se ele queria vir conversar comigo. Em

caso positivo ela deveria ligar para mim novamente e colocar Paulo, naquele momento, em contato

telefônico comigo.

No dia seguinte o telefone tocou e ela me disse que havia contado a Paulo sobre mim e que ele

estava de acordo em me visitar. Pedi a ela para passar o telefone para Paulo e a seguinte conversa se

passou:

L(Léo): Oi Paulo, como vai?

P(Paulo): Oi.

L: Você sabe quem sou eu?

P: Sei.

L: Sua mãe disse que você quer vir aqui conversar comigo. Você quer vir aqui conversar comigo?

P: Quero.

L: Então você pode vir amanhã. Você passa o telefone para sua mãe outra vez?

Acho muito importante que o cliente, independente da idade, seja aquele que toma a decisão e se

responsabiliza por vir à terapia. Isto já é um importante começo de um rapport positivo.

No dia seguinte Paulo veio com sua mãe. Era um menino muito simpático e perguntei a ele, se ele

141
queria que sua mãe ficasse ali enquanto conversávamos. Ele disse que não. Sua mãe se despediu para

voltar 45 minutos depois.

Eu havia preparado o meu consultório com uma pequena coleção de brinquedos “legos” e assim

que a mãe fechou a porta Paulo sentou no chão e começou a montar um Lego. Sentei junto com ele e

passamos 45 minutos divertidíssimos brincando sem falar de problemas, de tendências de suicídio, mas

simplesmente brincando de Lego.

Quando sua mãe foi levá-lo perguntei se ele queria voltar na semana seguinte. Paulo disse que

sim, mas também não queria sua mãe presente. Na sessão seguinte brincamos de Lego novamente e

como já tínhamos um rapport como bons amigos de brincadeiras eu, naturalmente, comecei a falar com

Paulo sobre a morte. Ele se mostrou muito interessado e me contou que dois irmãozinhos dele tinham

morrido (fato que já era de meu conhecimento) e que eles agora estavam no céu.

Ele se mostrava triste e dizia que também queria ir para o céu com os irmãozinhos. Entendi que

isto talvez fosse uma das razões de seus possíveis desejos suicidas e então lhe perguntei se ele queria

brincar de morrer. Seus olhos se iluminaram e ele disse sim com muito entusiasmo. Então pedi à ele

para deitar no colchonete e me contar uma história como se ele tivesse morrido. No começo ele abria os

olhos à todo momento e sentia necessidade de se mover bastante. Então usei o método de falar a ele que

agora ele tinha morrido e estava indo para o céu. Neste momento eu levantava Paulo nos meus braços

e dava algumas voltas com ele pela sala como se ele estivesse voando. Ele ria muito, desfrutava aquela

experiência de morte.

Na sessão seguinte foi bem mais fácil então levar Paulo à confrontar sua tendência suicida e

chegar à experiência de morte-e-renascimento psicológico do ego. Depois desta sessão ele disse que

estava se sentindo muito bem e que agora não queria mais morrer. Ele veio ao meu consultório mais

duas vezes e lhe dei alta porque verifiquei que não havia mais nenhum problema naquela criança bonita

e cheia de vida. Simplesmente recomendei a seus pais que Paulo precisava de muito amor e carinho,

muito contato físico e tempo com os pais, aliás o que toda criança precisa.

Seis meses mais tarde soube através de sua tia, que nesta ocasião estava fazendo terapia comigo,

que Paulo estava muito bem e que muitas vezes dizia para ela que quando ele tinha um problema ele

usava aquela brincadeira de morte (a técnica de morte e renascimento psicológico do ego) que Léo tinha

ensinado para ele. Ele simplesmente ia, deitava na sua caminha, fechava os olhos, e ele mesmo era seu

142
terapeuta. Assim ele contava para seus pais que não tinha mais problemas e se sentia muito bem.

É admirável a capacidade de visualização e entrega que as crianças tem. Também, geralmente,

e muito mais fácil para uma criança entrar num nível transpessoal do que um adulto. Por isso é que

quando trato de crianças uso sessões simples de apenas 45 minutos, enquanto com adultos, uso sempre

sessões duplas (90 minutos).

L: (para a psiquiatra) Você compreende que o mais importante é você entrar primeiro no mundo daquela

pessoa, mas você não entra no mundo daquela pessoa com a intenção de fazer terapia, você entra lá com

a intenção de se divertir porque se divertindo você entra num estado de criatividade, e aquela pessoa

começa a se divertir também.

Quando você representava o caso do Paulus, e você o fazia seriamente porque o conhece muito

bem, você procurava realmente ser ele naquele momento. Quando você ria, eu ria, aí começávamos a

criar uma ponte, e como terapeuta e cliente nos aproximávamos cada vez mais, criando um rapport

positivo.

Você compreende que Paulus é um caso difícil não porque o caso dele em si seja difícil, mas
por causa do mecanismo de defesa que ele está constantemente procurando usar. Então o que fazer?
Você entra no nível dele, ele muda de assunto, você muda junto e sempre com duas coisas que são
importantes especialmente com crianças: a sinceridade e o humor; criança gosta de se divertir, nos
também gostamos, mas nos esquecemos.

Se ele não deita no colchão para você fazer com ele a experiência da morte-e- renascimento-
psciológico-do-ego, não tem importância porque também nessa questão do suicídio e da morte é muito
importante desmistificá-la porque a morte é um tabu na nossa sociedade e o suicídio é pior ainda
porque é um tabu dentro de outro tabu. Possivelmente Paulus não tem oportunidade de conversar isso
com ninguém; você começa a conversar com ele para ele descobrir direta ou indiretamente que o que
ele deseja realmente não é cometer suicídio e sim transformar-se psicologicamente.

Para você chegar até esse ponto você começa a desmistificar a estória da morte e do suicídio,
você se torna a sua “amiga de brincadeiras”, porque a terapia com a criança é uma brincadeira, vocês
estão brincando, é uma brincadeira no nível dele e não no seu. Então ele vai mais e mais se sorrindo para
você, ganhando confiança, até que exista essa possibilidade de se trabalhar no colchão essa questão do
suicídio.

Os Quatro Estágios Da Terapia


O approach terapêutico pode ser visto como quatro estágios, ou fases diferentes:
1. CLARIFICAÇÃO;

2. DESDRAMATIZAÇÃO;

3. RESPONSABILIZAÇÃO;

4. TRABALHO.

No primeiro estágio você vai clarificar juntamente com o cliente qual é o problema ou problemas.
143
No segundo estágio você vai ajudar ao cliente desmistificar, ou melhor, desdramatizar o problema ou
problemas; no estágio seguinte você vai facilitar ao paciente assumir RESPONSABILIDADE pela sua
situação (problemas) atual; e na quarta fase vai haver o trabalho terapêutico para resolver aquele(s)
problema(s).

No consultório eu não tenho nenhum brinquedo que represente instrumentos de guerra, nada
agressivo, mesmo que a criança tenha problema de suicídio ou qualquer tipo de comportamento
agressivo, pelo seguinte, muitas vezes a expressão com o revólver de brinquedo, por exemplo, como o
atirar, pode dar uma satisfação temporária mas não chega a resolver o problema.

Por quê? Porque o problema não é só atirar com o revólver material, mas o que ela quer realmente
é entrar num contexto de destruição imaginativa (i.e. destruindo seu mundo conceitual) total para matar
aquela antiga imagem negativa introjetada para renascer numa nova imagem. Enquanto ele não fizer
isso, consciente ou inconscientemente, vai haver a tendência ao suicídio. Então o revólver pode ser às
vezes até contra producente.

Esta ideia de achar que é terapêutico a criança brincar com um revólver, ou outro instrumento de
agressão, vem daquela teoria que achava que se você expressasse, física e emocionalmente, a sua raiva,
seu problema seria resolvido.

Hoje nós sabemos que isto não é verdade; você apenas alivia a raiva e o problema continua.
Então, especialmente na Transpessoal você vai procurar trabalhar num nível muito menos físico, tão
pouco físico quanto possível, por que no nível transpessoal você tem muito pouco a ver com atividade
física desse corpo aqui, é um nível mais profundo.

Você, certamente já teve oportunidade de observar como essa técnica da morte-e-renascimento-


psicológico-do-ego transforma as pessoas aqui quando elas vêm ao colchão. Você nota que praticamente
quase não houve nenhuma atividade física, no entretanto esta técnica de DDC (Day Dream Catharsis) é
como um sonho que você estivesse sonhando, mas tão poderoso que ele vai transformar o seu corpo,
não vai transformar só a mente mas também as funções do seu corpo.

Então, você querendo trabalhar mais no transpessoal você enfatiza mais o mundo da imaginação
do que o mundo da ação física. Certamente é muito importante ter os brinquedos para trabalhar com
crianças, e às vezes deixar a criança brincar sozinha com aqueles brinquedos durante a terapia toda,
mas não deixar a criança só brincar. Você está ali para ajudar aquela criança a resolver um problema
específico.

Um dos meus objetivos ao dar terapia é terminar a terapia o mais rápido possível. Eu nunca
tive uma criança em terapia cuja terapia tivesse durado mais do que três meses (com uma sessão por
semana).

P: Eu queria saber a sua opinião sobre dar ou não dar brinquedos do tipo agressivos de presente para a
criança, e que tipo de brinquedo seria mais interessante.

L: Eu não dou brinquedos agressivos, eu acho que não se deve dar nem revólver, nem carro de guerra,
nada agressivo, e sim coisas cooperativas.

Freud disse que todos nós temos certas agressões dentro de nós mesmos. Ele estava certo.
Se lembrarmos que agressão sempre vem do medo então concluiremos que expressar agressão não
elimina as suas raízes, isto é, o medo. A expressão pode fazer até com que a pessoa se torne cada vez
mais agressiva, pois ela vai se habituando com aquele comportamento agressivo.

A agressão enfatiza esse nível dualista, esse nível cartesiano-newtoniano porque ao agredir
você está rejeitando algo ou alguém e isto significa separação: “Eu sou o sujeito e você é o objeto, e
você é perigoso e eu quero você longe de mim”. Já a cooperação, quer dizer, brinquedos que levam a
criança a entrar nesse contexto de cooperação já começam a ajudar a criança a transcender esse nível
dualista. E é exatamente este um dos objetivos básicos da Transpessoal, a transcendência dos estados de
144
consciência dualísticos em direção a estados elevados de consciência onde você percebe uma realidade
mais profunda, a realidade de unicidade dinâmica.

Neste contexto, a criança começa a experienciar mais harmonia, paz e felicidade. Para a criança
isto é muito mais fácil do que para um adulto porque a criança ainda está mais perto de seu modo
perceptual de continuum, isto é, de perceber o universo como sendo UM.

Imaginação
O que- nós chamamos de imaginação seria mais correto chamarmos de “imaginações”.

Por quê? Porque existem muitos níveis. Existe um nível bem superficial, por exemplo, eu imagino
que eu estou subindo aquela montanha ali agora. Cheguei lá em cima, o sol esta quente, está bonito -
este é um nível de imaginação. Outro, eu posso deitar aqui, você ir devagar me contando uma jornada de
fantasia, eu estou mais relaxado, eu realmente começo a sentir que estou subindo a montanha, sinto o
cheiro do mato, das flores, sinto o calor do sol, quer dizer, eu entrei num nível mais profundo.

Então, essa experiência de morte-renascimento-psicológico-do-ego pode ser realizada em vários


níveis, inclusive assim com os olhos abertos, por exemplo, quando o paciente é muito resistente, se tem
muito medo de morrer e não tem nem coragem de deitar no colchão.

De certo modo, poderíamos dizer que tudo é imaginação; pois quando percebemos o nosso
universo interno e externo, isto se torna consciente para nós através do processo da cognição o qual é
uma coleção de imagens.

Podemos dizer que passamos a vida criando imagens (o que é verdade) e tudo então é imaginação,
existem em níveis diferentes.

De onde vem a palavra imaginação? Vem de imagem. Como é que você sabe que eu estou aqui
agora? Você tem uma imagem minha, não é? Então você está imaginando que eu estou aqui e agora.

Notas
(1) Traduzido de: Castañeda, C., Tales of Power. Penguim Books, Great Britain, 1976, p. 50.

SONHOS, GESTALT E PSICOLOGIA TRANSPESSOAL52

Quando trabalhamos em psicoterapia, é muito importante que saibamos com o que estamos
exatamente trabalhando e o que estamos fazendo.

A palavra terapia vem do grego terapeia, que no dicionário grego, é definida como: “cura, ajuda,
cuidar, servir ou prestar um serviço”.

Na Psicologia Humanista, terapia é vista como uma forma de servir, de dar algo. Nas escolas
humanistas, terapia é, basicamente, comunicação. Porém, antes de comunicar com alguém, o terapeuta
52 Transcrições do Grupo de Formação em Psicologia Transpessoal
145
se comunica, consciente ou inconsciente, consigo mesmo. Antes do processo de comunicação externa,
há o processo de comunicação interna. A comunicação externa é um reflexo da comunicação interna.

Durante o processo de terapia individual, existe a dupla comunicação. As duas acontecem


simultaneamente, isto é, a comunicação externa e interna.

No contexto semântico da palavra terapia (i.e. servir), durante todo o curso de nossa vida,
estamos, consciente ou inconscientemente ministrando a nós mesmos, um certo tipo de terapia,
porque prestando um serviço à qualquer outra pessoa, estamos sempre prestando um serviço para
nós mesmos. E, em realidade, qualquer tipo de comunicação, implícita ou explícita, que expressamos,
podemos chamar de “servir”. A qualidade e a clareza do serviço que prestamos aos outros, vai depender
da qualidade e da clareza do serviço (comunicação interna através do modo que percebemos realidades
internas e externas) que prestamos a nós mesmos.

A Gestalt Terapia pertence à Escola da Psicologia Humanista e a palavra gestalt vem do alemão e é
definida como: “estrutura, configuração, integração”. A Gestalt Terapia foi sistematizada pelo psiquiatra
alemão Fritz Perls. Ela é baseada na psicanálise, no existencialismo europeu e no Zen-budismo.

Na Gestalt Terapia, quando falamos em estrutura, nos referimos à estrutura psíquica, que
de acordo com a teoria gestáltica é sempre um processo dinâmico. Psicologicamente, as estruturas
psíquicas têm a ver com necessidades, e, se raciocinamos em termos mais profundos, veremos que
estruturas psicológicas são tipos de energia, e, cada tipo de energia que se manifesta em nós mesmos
se relaciona com algo de que precisamos.

Desde o começo da gestação, surge uma série de necessidades para o ser humano (fisiológicas
e psicológicas). Após o nascimento, no decorrer de nossa vida pós-parto, passa a haver uma nova e
contínua série de necessidades em vários níveis: físico, emocional, intelectual, espiritual, etc. Muitas
dessas necessidades serão satisfeitas e outras não.

Em termos de Gestalt Terapia, quando falamos de estruturas, consideramos dois vetores. Esses
vetores são representações de energias de necessidades. Estamos sempre sendo chamados a satisfazer
necessidades. Por exemplo, se estivermos com a necessidade fisiológica de beber água, passamos a
imaginar diversas formas de satisfazer essa necessidade, e, quando conseguimos, esta necessidade
desaparece, emergindo então uma nova necessidade. Em linguagem tradicional, se diz que esta
necessidade desapareceu, mas não é isto que acontece. O que acontece é que a energia que aparecia
na forma de sede, se transforma e aparece em outra forma de necessidade. As necessidades que foram
satisfeitas, em linguagem de terapia gestalt, são classificadas como gestalt ou estruturas fechadas e as
que não foram satisfeitas são estruturas ou gestalt que ficaram abertas.

Na terapia gestáltica se diz que a maioria das pessoas cresce com uma série de buracos na
personalidade. Esses buracos são as necessidades básicas não satisfeitas que aparecem sob a forma de
frustração, de sofrimento. Por exemplo, uma criancinha tem necessidade de calor, de afeto, de proteção,
dos pais. Se essa necessidade não for satisfeita, esta irá aparecer, mais tarde, na vida deste ser humano,
como sintomas ou como distúrbios psicológicos, ou ambos. Para não sofrer, a criança passa a utilizar
146
uma série de mecanismos que Freud chamou de mecanismos de defesa, e, se esses mecanismos se
tornarem rígidos, o resultado é uma provável psicopatologia.

O terapeuta gestáltico usa uma série de técnicas para facilitar o aparecimento das gestalt abertas
ou das situações inacabadas. Entre várias técnicas, temos: cadeira vazia (hot-seat) e trabalhos com
sonhos. O approach para se trabalhar com sonhos, leva em conta que, todos os objetos, pessoas e situações
do sonho, são partes da própria pessoa, porque, quem sonha é a pessoa e ninguém mais. O sonho é um
produto do sonhador, e, sendo uma parte da pessoa, as imagens oníricas são uma maneira da própria
pessoa comunicar-se consigo mesma através da linguagem do sonho. Este é o enfoque usado em Gestalt
Terapia para desvendarmos os mistérios do mundo dos sonhos e usá-lo num contexto terapêutico para
facilitarmos a solução de problemas vários e para o crescimento psicológico da pessoa. A maioria dos
nossos sonhos são sonhos não terminados, e, quando os sonhos não são terminados, fica uma gestalt
aberta. O objetivo da técnica que usamos em terapia Gestalt é a pessoa se conscientizar plenamente
do sonho, suas mensagens e, finalmente, terminar aqueles sonhos inacabados, que trazem frustração
e muitas vezes, angústias e sintomas vários para o indivíduo. O uso desta técnica (o terapeuta ajuda o
cliente fechar as situações dos sonhos) leva o cliente, muitas vezes, a resolver problemas psicológicos
vários, e à uma sensação de bem-estar.

Na psicologia ocidental, temos quatro estados básicos de consciência: vigília, dormindo com sonho,
dormindo com sono profundo, e os estados de consciência meditativa. Estes estados são considerados
principais porque têm variáveis fisiológicas mensuráveis. Um dos pioneiros na exploração científica do
mundo dos sonhos no Ocidente foi Sigmund Freud, que acreditava na seguinte teoria: “a razão por que
sonhamos é de mantermos o sono, porque durante o dia temos uma série de desejos proibidos que não
satisfazemos. Na sua maioria, esses desejos são de caráter sexual, e, à noite, sonhamos para satisfazer
nossos desejos”. (veja: Freud, S. - The Interpretation of Dreams. USA: Avon Books. 1965). Lerner (Lerner,
B.-Dream function reconsidered. Journal of Abnormal Psycology, vol. 72, #2, 1967, 85-100) fazendo uma
série de experiências em laboratórios de sonho, veio provar mais tarde que em realidade não sonhamos
simplesmente para nos mantermos dormindo, mas o que parece é que, dormimos para podermos sonhar.
Isto vem mostrar quão importante e primordial a vida dos sonhos é para a nossa saúde física e mental
(veja: Léo Matos: A Linguagem dos Sonhos: Uma Abordagem Psicoterapêutica Transpessoal: Psicologia do
Comportamento, #14). Aqui defino o sonho como um estado de consciência o qual é ao mesmo tempo
uma mensagem do inconsciente para o consciente e uma forma de autoterapia.

Os sonhos passaram a ter maior importância na psicologia e psiquiatria em 1953, quando dois
cientistas (Aserinsky e Kleilmann, 1953, 1955) começaram a pesquisar as relações entre registros de
eletroencefalogramas (EEG), eletro-oculogramas e os sonhos. Eles descobriram que o estágio I, baixa
voltagem com atividade EEG de sono profundo, e períodos REM (rapid eyes movement) eram indicadores
seguros da atividade dos sonhos. Há vários approaches para se trabalhar com sonhos: freudiano,
adleriano, jungiano, dos senoi, dos tibetanos, dos índios mexicanos, etc. Na teoria tibetana, a qual é
uma das mais completas, pois estuda o sonho também e especificamente no nível transpessoal, a noite
é dividida em três partes. Na primeira, temos sonhos ligados às necessidades fisiológicas. Na segunda
sonhamos com as coisas vividas durante o dia. Captamos essas coisas através de nossos cinco sentidos:
audição, visão, olfato, paladar e tato; que, funcionam como exteroreceptores. Tudo que experienciamos
147
neste nível de realidade ordinária, colocamos na mente que funciona, aqui, como sexto sentido. Até aqui,
não há muita diferença entre a psicologia tibetana e a ocidental. Na terceira parte da noite (que supondo
que você durma nove horas por noite, seriam as últimas três horas de sono) então vêm os sonhos mais
importantes, pois aqui a mente já se aquietou totalmente e começam então a emergir o material do
inconsciente mais profundo.

No sonho, de acordo com a teoria tibetana, os cinco sentidos entram no sexto, que é a mente. Nos
sonhos sentimos o gosto do que comemos, percebemos a cor e a forma do que enxergamos, ouvimos
sons, etc.

Este fenômeno não é realizado através dos esteroreceptores e sim diretamente através da mente.
Daí a grande importância que os tibetanos dão ao sonho para o desenvolvimento espiritual da pessoa
(veja: TSONG-KA-PA – The Yoga of Tibet, London: George Allen, 1981).

Existem várias razões pelas quais as pessoas não se lembram dos seus sonhos. A razão principal
de não nos lembrarmos dos sonhos é porque nos apegamos, nos fixamos a um tipo exclusivo de realidade
ordinária (a realidade que experienciamos usualmente em estado de vigília).

Pessoas que são muito preocupadas com o que tem de fazer durante o dia, quando acordam,
cerram as portas da mente do sonho.

Outra razão é o modo como as pessoas dormem e o que fazem antes de dormir, antes de “cair no
sono”.

Durante o dia, relacionamos o tempo todo, o mecanismo de recognição trabalha intensamente


sem parar, não só com os xxxx mas com o que temos acumulado na mente, que emerge como memórias
ou fantasias. Analisamos, planejamos, deduzimos e dialogamos internamente nós mesmos quase
que incessantemente. Tomamos conta do tempo, controlando-o. Há, sempre, uma atividade muito
intensa na mente e quando vamos dormir, ainda estamos intensamente em contato com essa área de
racionalização e isto dificulta a lembrança dos sonhos no dia seguinte. Quando acordamos, iniciamos
um processamneto intelectual/sensorial, a área de racionalização começa a funcionar imediatamente
e não nos damos oportunidade de entrar em contato com o material do sonho. A racionalização corta o
caminho entre a realidade usual e a realidade do sonho.

P. (pergunta): - “Você disse que os sonhos funcionam como autoterapia. De que modo, você
explica o fato de as pessoas depressivas terem sonhos bastante desagradáveis? Por exemplo: água suja,
afogando-se, etc.”

L. (Léo): -”Isto é terapia ...”

P.: - “No entanto, as pessoas queixam-se desses sonhos.”

L: - “Claro. Os sonhos de afogamento, de desmoronamento, de bombardeio, são muito angustiantes,


mas possuem elementos que são importantes no contexto psicoterápico. Eu tive uma pessoa depressiva,
em terapia, que tinha sonhos pavorosos. Sonhava que estava presa numa casa, via guerra, navios
bombardeando e uma bomba caia dentro de casa. Essa pessoa ficava angustiada durante todo o dia
148
com a lembrança desses sonhos. No entanto, os sonhos funcionavam como terapia. Trabalhamos esses
sonhos e ficamos sabendo que os sonhos estavam mostrando uma situação relacionada com o nível
perinatal: relacionada com traumas do nascimento dele. As situações que ele vivia no sonho, eram tão
angustiantes que ele acordava e não conseguia fechá-las. O acordar funcionava como mecanismo de
defesa. Então, trabalhando com ele, foi-lhe possível deixar o sonho continuar. Aí. ele deixou o avião cair,
a bomba estourar, e, quando tudo explodiu, ele conseguiu sair, aos pedaços, da casa. Viu-se num campo
florido, cheio de árvores, muito bonito. Os pedaços foram se reunindo e ele foi se formando outra vez.
Simbolicamente, a casa era o ventre materno, a explosão significava o parto. Realmente, ele sofreu tudo
aquilo e pôde reviver a situação de forma simbólica. Esses são os melhores sonhos.

P.: -”Você acha possível uma melhoria dos sonhos com o uso de medicamentos
antidepressivos?”.

L: -”Eu acho que os antidepressivos intensificam a resistência, reprimem o material que


continuam em situação inacabada”.

Em hospitais psiquiátricos, geralmente, as drogas usadas não curam as pessoas das diversas
doenças mentais. Elas eliminam, temporariamente, os sintomas. De forma geral, os medicamentos
fortificam as resistências, porque a medicina psiquiátrica ocidental é alopata, ou seja, está sobretudo,
interessada em eliminar os sintomas. Se uma pessoa tem uma dor no braço, a medicina quer tirar
a dor do braço e usualmente não está interessada em saber por que a pessoa tem dor de braço. Às
vezes, os médicos procuram causas superficiais, não aprofundam o conhecimento das causas. O médico
tradicional geralmente receita um certo remédio para o paciente, se houver melhora, ótimo. Se não
houver melhora, aumenta ou mantém a dose prescrita. Ou mesmo pode prescrever um medicamento
mais forte. No entanto já existe um movimento humanista e transpessoal surgindo dentro da própria
medicina alopata que procura expandir suas possibilidades.

Não estou condenando o uso de remédios, acredito que, muitas vezes, no caso de doença mental
é benéfico um trabalho conjunto de medicamento e psicoterapia. Às vezes, a pessoa está num estado
que, naquele momento, é preciso medicamentá-la, depois, com a melhora, não haverá necessidade de
continuar com a droga, e sim com psicoterapia.

Quanto à resistência, (todos nós, mais ou menos, somos resistentes à mudança. É como se existisse
dentro de nós uma parte conservadora e outra evolutiva). É interessante frisar que em trabalhos de
grupo, com a variedade de fenômenos que aparecem, ocorre uma facilitação de quebra das resistências
dos participantes permitindo às pessoas solucionar mais rápida e efetivamente seus vários problemas.

Apego
Não importa a qualidade que se dá ao apego. Num contexto maior, o apego é sempre prejudicial.
Existe apego positivo e apego negativo. Positivo e negativo são sempre relativos: o que é positivo para
uma pessoa, é negativo para outra.

Uma pessoa ao adquirir um carro pode falar: - “Estou apegada a meu Escort. Que Escort bacana

149
que eu tenho: pretinho, brilhante, confortável. Tem dois rádios, um à direita, outro à esquerda. Ligo os
dois rádios em estações diferente e fico curtindo”. Ninguém entende o que se passa. Só a pessoa sabe
o prazer que sente. Isso, num curto espaço de tempo é positivo, mas, com o tempo, aquele prazer fica
cansativo e deixa de ser prazer e pode mesmo se transformar em sofrimento e patologia (doença). O
automóvel e rádios que na imaginação da pessoa deveriam trazer uma felicidade “duradoura” começam
a se tornar desapontamentos e frustração, pois é como se aquela “felicidade” fosse se tornando menos
e menos satisfatória para o indivíduo. Este indivíduo procura se apegar a outros “bens” materiais e
emocionais à procura de satisfação, porém como esta satisfação é vista dentro de um contexto dualista
(eu X o mundo) ela nunca será encontrada. E o que realmente começa a acontecer é que este indivíduo
começa a se alienar da realidade básica deste universo em que tudo é transitório, dinâmico e conectado.
Então é como que se o indivíduo, inconscientemente começasse a se patologisar. Essa patologia tende a
se tornar uma doença comum ao ser humano nesse estágio de evolução em que o mundo se encontra.
Essa doença fica mais aparente com a industrialização nas diferentes sociedades e mais intensa nas
sociedades pós-industriais, gerando várias consequências. Uma das consequências é esta mesma
alienação e paranoia. E a paranoia leva à autodestruição e à destruição dos outros.

Na paranoia, a pessoa se bloqueia, se fecha ou vive suspeitando das outras pessoas. O paranoico
inventa uma porção de situações perigosas e quando as inventa, bloqueia-se para se defender. Essa
retração, essa implosão, num tempo mais longo, vai se transformar em explosão. A pessoa implode para
explodir. Na implosão está destruindo a si mesma e na explosão vai destruir as outras pessoas. Aí, surge
a agressão.

Porque existe tanta agressão, hoje em dia, no mundo inteiro? Qual a causa de tamanha violência
das guerras, dos inúmeros crimes? A causa é a paranoia generalizada.

Agressão, violência, crimes, guerras, começam com o apego. Se não houver apego, não haverá
paranoia. Se as pessoas viverem e deixarem viver, vai haver paz. Porém, isto é quase impossível, é quase
uma utopia, porque uma das coisas mais difíceis para as pessoas é deixar de interferir na vida dos
outros. E, no momento em que se interfere, de modo geral, há um julgamento funcionando: “Você não
devia vestir essa roupa branca”. “Seu cabelo está horrível”. “Você está se comportando erroneamente”.
Quando se diz que uma coisa é certa e a outra errada, ou que, uma coisa é boa e a outra ruim, está
ocorrendo um julgamento; está ocorrendo uma tentativa de controle.

As pessoas só controlam quando se sentem ameaçadas. Quase sempre, ninguém faz isto
racionalmente. O que acontece, é que, as pessoas, ao se sentirem impelidas a controlar, estão num
certo nível de consciência. No nível de consciência do poder. No nível do controle. No momento em que
ultrapassarem o nível do poder e passarem para o nível de consciência de compaixão, de amor, entrarão
no estado de consciência de viver. Aí, não haverá mais nada errado no mundo. O mundo se tornará um
paraíso.

P.: - “Se eu estiver em um determinado lugar e alguém começa a colocar alguma coisa boa a
respeito de si próprio, e, eu achar que aquilo faz parte dele, estarei me identificando com ele?”

L: -”Sim. Isso é uma forma de apego. A identificação é uma forma de apego. Em terapia, é preciso
150
muito cuidado para não ter apego. Não ter apego, não quer dizer que rejeita-se. Dizer que uma criança
tem apego à mãe, muitas vezes não é verdade. Pode ser afetividade”.

Afetividade não é a mesma coisa que apego. As duas emoções são diferentes. Você pode ser afetiva
sem ser apegada. Apego seria grudar, e, afeto é chegar mais perto; tocar e não grudar. Qualquer problema
que nós temos, tem uma razão básica de ser. A razão básica é o apego. Se pensarmos em qualquer problema
que tivermos, poderemos observar que, a razão de ficarmos remoendo esse problema, é o apego. Se não
nos apegarmos ao problema, ele passa. No Brasil, há uma expressão popular que diz: “Pegar no rabo do
foguete”. Se passar um foguete e alguém se agarrar a ele, certamente, vai se dar mal. Imagine um busca-pé
passando e alguém agarrado nele: o mínimo que pode acontecer é, esse alguém, se queimar bastante. No
entanto, se se deixar o busca-pé passar, não acontece nada. É até bonito ver um busca-pé correr.

Apegar-se só leva ao sofrimento, ao controle. Apego é uma forma de se criar autoimagens rígidas,
tanto no sentido de supervalorização, como de subvalorização.

Relação Terapêutica no Nível Psicodinâmico e no Nível Transpessoal


É muito importante a sensibilidade do terapeuta quanto à individualidade do cliente; por isso,
quando uma pessoa chegar ao seu consultório para fazer psicoterapia, você deve agir como se aquela
pessoa fosse exatamente o que ela é: uma pessoa, um ser humano! E não somente mais um cliente, ou
paciente, ou alguém com problemas, ou um freguês.

Simplesmente um ser humano o qual você eventualmente guiará numa viagem interior, se este ser
humano assim quiser, facilitando a esta pessoa a eliminação do sofrimento da mesma e seu crescimento
psicológico.

Você, enquanto terapeuta, precisa de uma abertura total para perceber que tipo de pessoa está
na sua frente e quanto mais estiver livre de conceitos e preconceitos, melhor.

Aqui, no Brasil, a terapia transpessoal tem uma aplicação muito grande, porque a maioria das
pessoas tem facilidade de entrar no nível transpessoal. Feliz, ou infelizmente, nós fomos colonizados
pelos portugueses que são bem diferentes dos espanhóis. Os portugueses estiveram, durante séculos,
sob o domínio dos árabes. Então, a raça brasileira criou-se com um arquétipo que Meira Pena chama de
“raça morena”, e o background dessa raça morena é o transpessoal. Duas raças que ainda nos influenciam,
consciente ou inconscientemente, é a raça amarela (os nossos índios) e a negra (os africanos que viveram
para o Brasil). Ambas estas culturas praticaram e praticam, através de milênia, vários elementos da
psicologia transpessoal. Ao mesmo tempo a influência cultural europeia (que enfatiza o nível racional) é
marcante. Daí, quando se está lidando com o povo brasileiro, vai haver muitas pessoas, chegando direto
na terapia num nível transpessoal e outras apresentando-se dentro de uma autoimagem protegida e não
querendo dela sair.

Esses tipos de pessoas vão requerer dois diferentes modos de approach: um afetivo e outro mais
racional, “mais duro”. Esse “duro” é um duro representado com sinceridade; você vai ser honesto quando
assertivamente falar: “Faça isto. Faça aquilo”, sabendo que a autoridade é uma representação e que você

151
não precisa, necessariamente, ser autoritário.

Na terapia, o terapeuta procura “guardar” seus preconceitos na gavetinha de seu consultório.


Todas as suas máscaras devem ficar guardadas na gavetinha. Ao mesmo tempo, o terapeuta abre uma
outra gaveta que tem papéis ilimitados. São estes, os papéis que o terapeuta vai desempenhar na terapia.

Você vai ser “duro”, “suave”, “afetivo”. Porém, atrás desses papéis é muito importante a manutenção
de um contexto de afetividade, de um contexto de simpatia. Porém, é uma simpatia sem identificação.
Uma simpatia - empática. Você gosta da pessoa, aceita-se sem se identificar; sempre naquele nível do
eu sou eu, e, você é você. Até que você transcende para aquele nível em que eu sou você, e, você sou eu.

Então, algumas vezes, na terapia individual, é positivo levar a pessoa que está muito fechada
para um nível transpessoal. Um dos modos mais positivos de fazer uma ponte entre os dois níveis:
psicodinâmico e transpessoal, é o uso de exercícios, jornadas de fantasia e mandalas. Quando o cliente
chegar ao nível transpessoal: “Agora estou fluindo, agora estou me sentindo bem”, você faz a pessoa
voltar para o nível psicodinâmico. Eventualmente, para trabalhar com o problema que existe neste nível.

O outro modo, se a pessoa está muito fechada, é um modo muito antibrasileiro, porque o brasileiro
gosta de ser bonzinho, muito bonzinho. É a tática de ser “duro”. Porém, esse “duro” é muito perigoso se
você começar a ser duro como viagem do ego, isto é, por motivos egoístas. Você vai ser duro para se
reafirmar: “eu sou o terapeuta, eu sou o tal, posso mandar”. Aí surge uma armadilha, melhor dizendo, o
perigo se volta contra o próprio terapeuta. Ele cai na armadilha do poder. Do poder dele mesmo. Não vai
mais existir terapia, o terapeuta torna-se um ditador.

Don Juan fala disso (Castañeda, C. A Erva do Diabo) quando explica para Carlos sobre os quatro
inimigos que o ser humano enfrenta quando quer conquistar a sabedoria, o conhecimento. O primeiro
inimigo é o medo. Nós todos temos medo. O medo é um sentimento primário. No medo existe duas
possibilidades: ou se corre do medo, ou, enfrenta-se o medo. Se a pessoa corre do medo, fica perdida, vai
ficar a vida toda como covarde. Sempre correndo, sempre fugindo, sempre indeciso. Se enfrentar o medo,
aquele inimigo pode se tornar um amigo. O medo é como alguém que avisa do algo, não para atacar, e
sim, para alertar que existe uma situação em que a pessoa tem de usar sua energia, sua criatividade.

Quando se vence o primeiro inimigo, aparece o segundo, mais manhoso, mais malandro: a
claridade de espírito. A claridade, ou clareza, de espírito, é a capacidade de ver o que está acontecendo.
Se a pessoa ficar fascinada pela claridade de espírito, este inimigo pode pegá-la e ela pode começar a
achar-se a “tal”, a “maior”. Ai, fica impossibilitada de usar a criatividade, ou novas soluções, porque não
enxerga mais nada. A armadilha da claridade de espírito é a fascinação pela autoimportância.

Nós sempre nos achamos muito importantes, tanto no sentido positivo como no negativo, e
perdemos nosso senso de humildade. Humildade não quer dizer servilidade. Humildade é a capacidade
de servir e saber que se é igual a qualquer outra pessoa. Não se é superior, nem inferior a ninguém. Isso
que é humildade.

A humildade vai permitir que a pessoa vença o inimigo da claridade de espírito. Aí, surge o terceiro

152
inimigo: o poder. Esse é o pior inimigo, porque é o inimigo que administra o controle e o controle dá
um prêmio. O prêmio é a ilusão de que se pode obter tudo que quiser. A pessoa, então, começa a criar
uma realidade de que o mundo foi feito só em função dela. Com o poder, aparece uma armadilha que
pode cegar: o orgulho. Se a pessoa cair nessa armadilha, pode tornar-se, segundo Don Juan, um pequeno
tirano, um pequeno ditador ou um palhaço. Como pequeno ditador, a pessoa começa a usar a autoridade
durante todo o tempo.

Aquela autoridade, aquele poder que o terapeuta usava como técnica começa a surtir prazer.
Em qualquer armadilha que o terapeuta cair, pode acontecer de se ficar preso e perder a batalha de sua
evolução, de encontrar sua própria sabedoria nessa vida aqui.

Mesmo que a pessoa não caia nas armadilhas desses três inimigos e consiga vencê-los ou domá-
los, vai encontrar o quarto inimigo: a velhice. Don Juan fala de velhice mais no sentido de descansar em
cima da sabedoria. A pessoa vence o medo, vence a claridade de espírito, vence o poder, às vezes, perde
o interesse em procurar novos modos de crescer.

Esse é o inimigo mais interessante, porque estamos sempre morrendo e renascendo


psicologicamente. Se a pessoa se sentir realizada com aquele feito, fica mais morrendo que renascendo.
Fica mais ligada ao passado que as novas possibilidades que a vida lhe oferece.

Psicologia Individual E Psicologia Transpessoal


Existem, basicamente, dois tipos de psicologia: individual e transpessoal. A psicologia individual
estuda o indivíduo em sua relação consigo próprio e em sua relação com outras pessoas, com a sociedade
ou com o meio ambiente; porém, sempre, na relação de sujeito versus objeto, que é uma situação
dualística. Entre as várias formas de psicologia individual, podemos citar a psicanálise, o behaviorismo,
a gestalt, a adleriana, parte da psicologia junguiana, etc. Parte da psicologia junguiana, porque Jung foi
um dos pioneiros da psicologia transpessoal. Embora Heidegger tenha usado esse termo, acredito que
Jung foi o primeiro psicólogo a apresentar o conceito de inconsciente transpessoal que ele chamava de
inconsciente universal ou coletivo.

Na Psicologia transpessoal, estuda-se a psicologia individual, todavia, vai-se além do limite do


dualismo sujeito versus objeto. Ao superar-se esse limite, experiencia-se estados de consciência não
comum, ou estados de consciência mais elevados.

Aqui é importante definir o que é realidade. Realidade é aquilo que você chama de real. Tudo é
real quando você quer que seja real; quando você não quer, deixa de ser realidade. Então, tudo é real e
nada é real.

A psicologia transpessoal frequentemente usa a física moderna (física de alta energia) como um
parâmetro. As outras escolas de psicologia têm a física Newtoniana como orientação. A filosofia que as
emoldura é a filosofia cartesiana (de René Descartes), que é uma filosofia dualista de separação aguda
entre sujeito e objeto.

No estado de consciência ordinária percebemos o universo ao redor de nós mesmos como


153
um universo de coisas separadas. Eu sou um objeto separado dentro desse universo. Percebo tudo
dualisticamente e num contexto de polaridades: Eu e você. Isso e aquilo. Esquerda e direita. Acima e
abaixo. Preto e branco. Bom e mau. Sempre há uma divisão. Foi dentro desta percepção que Descartes
baseou sua filosofia. Quando ele disse a famosa frase: “Penso, logo existo”, aludiu à imagens pensadas
do eu.

Tudo que falamos, ou tudo que pensamos é reflexão de imagens. Quando alguém diz “eu”, está
se referindo à sua autoimagem. A autoimagem é a pessoa que esse alguém pensa que é. A característica
básica da autoimagem é que ela é separada. Como eu vejo a mim mesmo separado de tudo, começo a
separar todos os objetos do universo e classificá-los de uma maneira dualística.

Na Gestalt terapia há um poema, criado por Fritz Perls, que diz:


“Eu sou eu. Você é você.

Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas.

Eu não estou neste mundo para viver

de acordo com suas expectativas.

Você não está aqui para viver de acordo

com minhas expectativas.

Se nós nos encontrarmos será lindo.

Se não nos encontrarmos, não há nada a fazer”.

Este é o nível cartesiano. Na psicologia transpessoal, mudamos este poema:


“Eu sou você. Você sou eu.

Eu faço as suas coisas e você faz as minhas coisas.

Eu estou neste mundo para viver

de acordo com suas expectativas.

Você está aqui para viver de acordo

com minhas expectativas.

Se nós nos encontrarmos será lindo.

Se não nos encontrarmos, será lindo também”.

Esta é a diferença entre a psicologia individual e a psicologia transpessoal. A individual é


separatística, enquanto a transpessoal é holística. A palavra holística quer dizer: “tudo que é sagrado”. O
sagrado é a totalidade de tudo. Sagrado e totalidade são sinônimos. A psicologia transpessoal significa
além da pessoa, além das máscaras. Quando transcendemos as máscaras, alcançamos outro nível de
consciência. Uma das características desse nível de consciência é a unidade. Uma percepção holística do
154
universo. Os povos “primitivos” têm essa concepção do universo. Essa concepção permite a esses povos
terem uma percepção ecológica muito mais desenvolvida que nós. A nossa tendência é de perder, cada
vez mais, essa consciência ecológica, porque ao nos imaginarmos independentes do universo, queremos
controlar o universo e controlar um ao outro. Em vez de entrarmos num contexto de cooperação, de
amor, entramos num contexto de competição, de controle, de separação. Isso, mais cedo ou mais tarde,
vai gerar uma reação que se voltará contra nós mesmos.

Na física de alta energia, o universo é visto de uma maneira completamente dinâmica. Não existe
separação, tudo é UM.

Explicação Da Técnica De Hot-Seat


Quando de fala de psicoterapia, pensa-se onde está o problema. O problema está sempre na nossa
mente. Há uma história Zen que relata o seguinte: “Um discípulo chegou para um mestre e disse: “Estou
tão deprimido”. O mestre respondeu: “Me mostra a sua depressão, que eu te curo”. O mestre quis dizer
que tudo está dentro da mente. Nós confundimos o mundo conceitual com esse mundo que está fora.
Nós nos esquecemos que o problema está na mente.

A técnica do hot-seat (também chamada ‘cadeira vazia’) propicia trazer situações do passado para
o presente. A técnica usual aqui é colocar a pessoa sentada numa cadeira em frente à outra cadeira vazia.
A pessoa então é convidada a imaginar que uma pessoa específica (a pessoa com quem ela tem algum
problema) está agora sentada nesta cadeira em frente. O terapeuta então pede à pessoa para iniciar
um diálogo com esta pessoa imaginária (aqui, seria como se a pessoa estivesse agora projetando, nesta
cadeira vazia, aquela imagem desta pessoa específica, que já estava introjetada dentro dela mesma), e,
durante este processo, mudar-se fisicamente de uma cadeira para outra, tomando o papel da pessoa
imaginária, para tornar o diálogo mais real. Isto é feito com o objetivo de terminar uma situação do
passado que está mentalmente inacabada (fechar a gestalt) com o objetivo de eliminar o sofrimento que
está sendo causado por aquela situação.

Por exemplo: “Quando você era criança, você quis um presente e seu pai não te deu. Você ficou
com raiva de seu pai, chorou muito, e se sentiu extremamente frustrada”. Este fato ficou registrado
na sua mente, porém, você pensa que se esqueceu dele. Hoje, quando você encontra um namorado,
você tem a tendência de rejeitá-lo. Ao trabalhar a situação de rejeição no hot-seat, você pode verificar
que o problema não é com o rapaz e sim com seu pai. Quando menos se espera, aparece a situação ou
indivíduos daquela situação ou indícios daquela situação vivida aos cinco anos com seu pai.

Nós todos temos, pelo menos, dois pais e duas mães. Um que está dentro de nós (a imagem
introjetada) e outro que é aquele ser que está fisicamente em algum lugar. O mais importante, em
realidade, é o pai e mãe internos. Esses são os que nos dão um sentimento de bem estar ou produzem
sofrimento para nós mesmos. No hot-seat, ao lhe pedir que coloque o pai diante de você, o pai que você
vai colocar na sua frente, é o pai dos cinco anos; é a imagem do pai que você introjetou numa época
específica. Você carrega esse pai na mente; e, é com esse pai que você passou a vida conversando num
nível inconsciente ou semiconsciente.

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Durante o processo do hot-seat, peço para você externalizar seu diálogo interno e peço para você
mudar de posição com “seu pai”. Nessa mudança, você trabalha suas projeções. Vamos procurar juntos,
eu e você, acabar com o que, em gestalt terapia, se chama uma “guerra civil”, que está dentro de você.
Uma guerra civil que começou quando você era criança. Você vai conversar com uma parte introjetada
de seu pai, que, na sua mente, aparece como pai atual, mas que em realidade é uma parte de você mesma.

P.: - “Em nível de energia, como se explica a mudança ocorrida no hot-seat; e, como fica a relação
da pessoa com os dois pais?”.

L.: - “Aí, aparece dois elementos, o feminino e o masculino. Cada um de nós. independentemente
de nosso sexo, tem uma parte feminina a outra masculina; fisiologicamente e psicologicamente. Para
termos um equilíbrio psicológico, precisamos ter essas duas partes integradas com harmonia. Se uma
parte estiver muito dominante, não importa qual seja essa parte, vai haver desarmonia.

Se a parte dominante encontrar, no mundo externo, uma pessoa que tenha características
similares, vai haver conflito entre a parte dominante e a outra pessoa.

O objetivo da hot-seat é precisamente acabar com esta guerra civil interna e estabelecer harmonia
entre os aspectos feminino e masculino.

Aqui também é de suma importância levar em consideração a história pessoal e transpessoal de


cada indivíduo.

Considerando o que aqui chamamos de história transpessoal isto se aproximaria mais do que os
budistas chamam de karma. Karma é simplesmente a lei universal de causa e efeito, que é similar à lei
newtoniana da física clássica, porém, aqui, funcionando num contexto pluridimensional indo além do
tempo e espaços convencionais (cartesio-newtonianos).

P.: - “O karma não é determinado? Será que podemos mudar o karma?

L.:- “A ideia do karma é a seguinte; por exemplo, o seu presente está determinado, totalmente
determinado, mas o seu futuro não está. O seu futuro depende de como você vai agir no presente. Tem
uma outra teoria que diz que o passado não existe. Só existe presente. Karma não é fatalismo. É uma
lei newtoniana; tudo depende da ação. Tudo depende de uma série de causas. Exemplificando: “se eu
continuar aqui, este curso prosseguirá normalmente, mas se eu me levantar agora e for embora para outro
lugar, este treinamento terá sua continuação interrompida. À minha ação de ir embora, corresponderá
uma reação diferente da programada, ou seja, de que o curso tenha a duração de nove dias”.

P.: - “Nesse sentido o karma é modificável?”

L: - “É e não é. Este é o paradoxo. Se eu estou aqui, agora, isto eu já não posso modificar. Porém
dependendo de como ajo aqui e agora, no momento presente, posso modificar o karma que me seria
reservado no futuro. Vamos supor que uma certa pessoa por ignorância às leis básicas do universo (me
refiro mais especificamente às leis da física moderna que vê o universo como UM entrelaçado infinito e
dinâmico), começasse a agir egoisticamente prejudicando as outras pessoas e, mais cedo ou mais tarde,
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estes atos fizessem com esta pessoa reforçasse esta sua tendência egoísta, não se sentisse satisfeita
(feliz) e continuasse a promover mais e mais sofrimento. Diríamos então que é o karma desta pessoa
sofrer e fazer sofrer. Como explicar isto? Em termos de física moderna, isso é muito compreensível,
porque quando ele está fazendo mal à outra pessoa, está fazendo mal a si mesmo, fazendo mal a essa
gigantesca teia de aranha que é o universo o qual, em termos de física moderna, é ele mesmo! Essa
pessoa que pode pensar que só faz mal aos outros, mas ela está, também, fazendo mal a si própria,
porque cria um tipo de energia, com a qual possui relação. Esse tipo de energia criada, vai voltar a ela,
num curto ou longo prazo de tempo.

Isso é karma. A energia, uma vez criada, se expande até a teia e de lá retornará na mesma
frequência. O que existe, é um passado transcendendo o presente e se tornando futuro, porque nesse
contexto de física moderna, não existe sentido linear de passado, presente e futuro.

P.: - “A energia criada, não importa se é boa ou má, uma vez que vai afetar todo o universo; ela
pode modificar algo intensificando seu efeito? Por exemplo; uma energia má que está no universo, pode
ser atraída por outra energia má e aquela energia que já era má ficaria duplamente má?”.

L: - “No hinduísmo ou no budismo isso é explicado da seguinte forma: - nós tivemos uma
infinidade de vidas passadas no universo interno; todo tipo de vida; animal, demônios, deusas. Tudo
aquilo que você foi, está sempre repercutindo e você está sempre sintonizado com essa repercussão.

De acordo com essa teoria, cada vez que você morrer, a consciência individual é transferida de um
estado para outro, de um corpo para outro; num gato, em outro planeta, em qualquer coisa. A diferença
é determinada pelo estado de consciência em que você morre. Os vários tipos de energia condensada ao
longo de nossas vidas passadas, vão repercutir na vida presente, porque somos uma espécie de síntese
delas agora. Não é por coincidência que nascemos num certo tipo de corpo, num certo país ou local,
com um certo sexo, etc. Nós sintonizamos, automaticamente, aquele corpo, aquele lugar, de acordo com
nossas “vidas passadas”.

A teoria budista diz que nós temos uma consciência de alta iluminação. No budismo, eles não
têm Deus, todo mundo tem um Deus dentro de si próprio. Esse Deus, na realidade, é uma consciência
transpessoal. De acordo com essa teoria, em cada vida que nós passamos, estamos procurando,
consciente ou inconscientemente, realizar aquela consciência de alta iluminação ou de Deus. Estamos
procurando ser uma pessoa totalmente liberada, totalmente em paz, totalmente em felicidade, consigo
própria e com o universo.

Eu vejo isto mais no contexto de física que de religião. Nesse contexto da física moderna,
quando vejo alguém sofrendo, também sofro; quando vejo alguém alegre, também fico alegre. Se vejo
alguém sofrendo, vou ajudar essa pessoa. Não por bondade ou por caridade, e sim, por uma questão de
consciência cósmica, ecológica, porque quem está sofrendo não é aquela pessoa, e sim eu.

Estamos procurando o trabalho de crescimento, mudar a frequência vibracional das várias


energias que compõem o que chamamos de “eu próprio”. Estamos procurando entrar num nível
vibratório de consciência de harmonia e de pureza. Quando as pessoas alcançarem essa consciência, as
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guerras vão acabar. Até os passaportes vão acabar, todo o mundo ficará com livre trânsito, fluindo em
todas as direções. Não vamos mais precisar de leis. Ficaremos felizes, nos divertindo com o simples fato
de viver.

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