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Resumo. Este artigo busca elucidar a produção musical dos dois grandes centros polifônicos da
Itália, assim como discutir seus precedentes musicais e históricos que deram origem a polifonia
católica. Aqui faço um apanhado científico-literário da história da música ocidental, partindo dos
primórdios do órgano, até as aventuras pagodeiras da cidade marítima de Veneza, e do caráter
horizontal e íntegro de Palestrina em Roma.
Abstract. This article seeks to elucidate the musical production of the two great polyphonic centers
of Italy, as well as to discuss their musical and historical precedents that gave rise to catholic
polyphony. Here I provide a scientific-literary overview of the history of western music, starting
from the beginnings of the organum, to the adventures of the maritime city of Venice, and the
horizontal and upright character of Palestrine in Rome.
1. Introdução
É importante ter em mente que o fenômeno polifônico na música ocidental, se
constrói sob um período crucial da história europeia. Não foi uma manifestação isolada, ou
necessariamente própria desse continente, mas foi nele em que se desenvolveu como em
nenhum outro. Com o renascimento comercial e a formação das famosas feiras medievais,
foram criadas rotas comerciais ao norte da Europa e nas regiões mediterrâneas. O início das
Cruzadas marca a abertura do mercado oriental e uma nova classe social entra em jogo. A
melodia gregoriana monódica que teve seu período áureo do século VI ao VIII, agora, com o
desenvolvimento das escolas de canto coral, se avulta ainda mais a prática de se cantar uma
segunda voz, provavelmente por influência de Bizâncio.
[...] o costume duma das duas vozes do coro entoar um contracanto (vox organalis) de
quintas ou quartas paralelas, no agudo da melodia tradicional (vox principalis, ou
ainda, tenor). A isso chamavam de organizar, ou cantar um órgano. Prática
possivelmente muito antiga, o órgano só vem nomeado por Scotus Erígena e descrito
por Hucbald (séculos IX e X). (Andrade, 2015, p. 33-34)
Média sejam mínimos, sabe-se que os bardos celtas percorreram praticamente toda a Europa
pelo menos, desde o século IV. Certamente difundiram essa maneira de cantar, como por
exemplo o gimel a duas vozes, e sua posterior evolução, o falso-bordão (a três vozes), que só
serão descritos em meados do século XIV (REESE, 1954). Essas práticas “profanas”,
consistiam justamente na adição de séries de terças e sextas paralelas à melodia dada. Já os
compositores ingleses, por volta do século XIII, estão conscientes do valor dinâmico das
dissonâncias e seu efeito agradável na resolução com uma consonância. É de extrema
importância essa diferenciação da polifonia renascentista, que caminha para a harmonia, e a
presente no órgano, falso-bordão ou discante (processo de compor a várias vozes), onde não
havia esse dinamismo movimentador das consonâncias e dissonâncias. Concebia-se apenas o
efeito absoluto de agradável e desagradável dos intervalos e acordes.
2. O mensuralismo
Com uma notação musical já mais clara e satisfatória proposta por Guido d’Arezzo
no século XI, a música profana desde então despertou e passou a influir de muitas maneiras nas
produções artísticas. Os cantos, as danças, marchas, uma música ainda improvisada e caótica,
foi o motivo principal que levou os compositores e teóricos a iniciarem o processo de criar
obras eruditas dotadas de combinações de valores de tempo diferentes, e em como se daria essa
grafia. Surge então o fenômeno mensuralista, uma nova forma de orientação que media o tempo
sonoro.
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Figura 1 – Aqui fica claro a relação métrica entre as figuras¹ (ANDRADE, 2015, p. 40)
A partir do fim do século XIII, "modo" passou a designar a maneira de dividir a longa;
"tempo", a forma de divisão da breve; e "prolação", a divisão da semibreve; por
exemplo, a "prolação maior" corresponderá a uma divisão da semibreve em três
mínimas e a "prolação menor" corresponderá a uma divisão em duas mínimas. Em
seu tratado Ars Nova, escrito em torno de 1320, Philippe de Vitry estende as divisões
binária e ternária a todos os valores rítmicos, pondo desse modo em questão a
supremacia do "modo" ternário, que prevalecera durante o século precedente: os
modos ternários são ditos "perfeitos" e os binários "imperfeitos". Para indicar as
passagens do ternário ao binário, tornou-se necessário inventar sinais capazes de dar
conta da natureza da divisão e do valor a ser dividido; essa a razão por que Philippe
de Vitry designou o "tempo perfeito" por um círculo (a imagem da perfeição) e o
"tempo imperfeito" por um semicírculo, do que derivam os sinais C e C para indicar
respectivamente os compassos de quatro e dois tempos. (MASSIN, 1983, p. 105)
4. A renascença veneziana
Em Veneza, na Itália, o que prosperava era a aventura e liberdade musical. Cidade
marítima e comercial, extremamente rica e estável politicamente, era o ponto de encontro entre
o Oriente e o Ocidente. Compositores como Adrian Willaert (considerado fundador da escola
veneziana), Andrea Gabrielli e Giovanni Gabrielli douram a polifonia italiana. Ela se torna mais
expressiva, os cromatismos são comuns e muito mais usados, enriquecendo o modalismo. E
também aqui é inaugurada a imprensa musical com Otaviano Dei Petrucci, quando publica o
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Os templos já não são isentos das travessuras profanas, os cantores agora enfeitam
as melodias com pequenos trinados, vocalizações e outras habilidades vocais. O virtuosismo na
sua forma mais simples se desenvolve. O madrigal pode ser a síntese das conquistas musicais
do século XVI, onde vozes se movem livremente, sem canto-firme. Mesmo polifônico, já está
a passos da Harmonia. E é no madrigal em que a tríade tonal é pregada pela primeira vez, pelo
compositor italiano Gioseffo Zarlino, cidadão veneziano. A música instrumental passa a ser
ainda mais relevante nas produções artísticas da renascença, isso devido principalmente a
invenção da imprensa, que possibilitou a publicação de livros sobre alaúde, violinos e cornetas
por exemplo (GROUT; PALISCA, 2007). O órgão um século antes já era visto como um
instrumento solista e possuía uma vasta produção, como prelúdios e transcrições, prática que
nesse século é intensificada e generalizada para outros instrumentos musicais.
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num contexto de Reforma da Igreja Católica, uma reação à Reforma Protestante (FISCHER-
WOLLPERT, 2008).
Todas as coisas deverão, na verdade, ser ordenadas por forma que as missas, quer
celebradas com canto, quer sem canto, cheguem tranquilamente aos ouvidos e aos
corações dos que as escutam, quando tudo é executado com clareza e ao ritmo certo.
No caso das missas que são celebradas com canto e com órgão, não deverá permitir-
se a presença de qualquer elemento profano, mas apenas hinos e louvores a Deus.
Qualquer concepção do canto em modos musicais deverá destinar-se, não a dar ao
ouvido um vão prazer, mas a permitir que as palavras sejam claramente entendidas
por todos e. assim, os corações dos ouvintes sejam tomados pelo desejo das harmonias
celestiais, na contemplação da beatitude dos eleitos [...] Deverá também banir-se da
igreja qualquer música que contenha, quer no canto, quer no órgão, coisas que sejam
lascivas ou impuras. (REESE, 1954, p. 444)
italianos. Seus madrigais profanos são conservadores no estilo, mas tecnicamente perfeitos. Seu
coro é exclusivamente a cappella, compreendendo e harmonizando os caracteres distintos do
coral e do instrumento. Reza a lenda que, após o Concílio de Trento estar prestes a abolir a
polifonia dos cultos, Palestrina teria composto uma missa a seis vozes, a famosa Missa do Papa
Marcelo, no qual teria convencido os cardeais e o próprio Papa de que era possível compor num
estilo polifônico ainda compatível com a reverência católica, e sem comprometer a
compreensão da liturgia. No entanto, não existem documentos que sustentem essa história tão
romantizada.
5. Considerações finais
Em virtude do que foi mencionado, é de extrema importância essa relação política,
sociológica e claro, musicológica, para a compreensão da música polifônica no período da
Renascença. Essa passagem da Idade Média é imprescindível para a longa incubação da música
profana, que só no Renascimento irá explodir, inevitavelmente. Bem como compreender essa
linha muito tênue entre música de concerto (erudita) e música popular, sendo impossível uma
completa dissociação destes dois elementos. Portanto, além de evidente as diferenças
polifônicas das cidades de Veneza e Roma, também se torna muito didático para essa
compreensão geral do cenário italiano na música. É relevante dizer, também, que a música
religiosa pós renascimento, viverá em manifestações isoladas de individualidades e de obras,
não mais como uma corrente musical histórica e sólida.
Referências
REESE, Gustave. Music in the Renaissance. Edição revisada. ESTADOS UNIDOS: W.W
NORTON & COMPANY, 1959. 1039 páginas.
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GAMBLE, William. Music Engraving and Printing: Historical and Technical Treatise. 1º
Edição. LONDRES: PITMAN, 1923. 266 páginas.
FISCHER-WOLLPERT, Rudolf. Os Papas e o Papado. 5º Edição. BRASIL: VOZES, 2008.
381 páginas.