Você está na página 1de 4

SOBRE A RESERVA DE CONTINGÊNCIA

Heraldo da Costa Reis


Professor da UFRJ e da ENSUR/IBAM

PERGUNTA
Indaga-se sobre a Reserva de Contingência à luz da Lei Complementar
n° 101, de 4 de maio de 2.000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

RESPOSTA
A Reserva de Contingência, institucionalizada pelo Decreto-Lei No. 200, de 25 de
fevereiro de 1967 e modificada pelo Decreto-Lei No. 900 de 29 de setembro de
1969, tinha como fim exclusivo aportar recursos para suplementar as despesas de
pessoal no âmbito do Governo Federal. Posteriormente, pela Portaria Ministerial
No 09 - MINIPLAN - , de 28 de janeiro de 1974, Estados e Municípios, foram
autorizados a, mediante lei própria, incluírem nos seus respectivos orçamentos, a
Reserva de Contingência para aquela finalidade.

O Decreto-Lei No. 1763, de 16 de janeiro de 1980, entretanto, ampliou a função da


Reserva de Contingência, ou seja, autorizou que ela servisse de fonte de
recursos para a abertura de créditos adicionais suplementares e especiais, e,
também, que os orçamentos das entidades de Direito Público Interno, a União, os
Estados, os Municípios, o Distrito Federal e suas respectivas autarquias,
alocassem dotação global não especificamente destinada a determinado órgão,
unidade orçamentária, programa ou categoria econômica, para aquela nova
finalidade.

A Reserva de Contingência constituia-se na época de uma parcela do superávit


corrente apurado no confronto entre as Receitas Correntes e as Despesas
Correntes, sobre o qual era aplicado um percentual estabelecido pela própria
administração da entidade governamental.

Atualmente, de acordo com o artigo 5o, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o


projeto de Lei de Orçamento Anual (LOA) conterá a Reserva de Contingência cuja
forma de utilização e montante, calculados com base na Receita Corrente
Líquida, serão estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, e destinados,
em princípio, ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos
fiscais imprevistos.

Esclareça-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal deixou a decisão sobre o


percentual a ser aplicado sobre a Receita Corrente Líquida para a formação do
seu montante a cargo da administração da entidade, que deverá ter o cuidado de
não superdimensioná-lo e utilizá-lo sempre como um valor restrito à sua finalidade.
heraldo da costa reis 2

Muitas são as versões sobre a sua destinação, o que vem causando muita
confusão ao seu entendimento. Afirmações de que não podem ser utilizadas para
suplementar ou atender a créditos especiais são ouvidas ou lidas a todo instante.
Evidentemente, são afirmações apressadas, sem o apoio de um estudo ou análise
mais aprofundada sobre os fatos que envolvem a sua utilização efetiva.

Em um Manual Básico sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal e especificamente


sobre a Reserva de Contingência de certo órgão do controle externo , encontra-
se o seguinte conteúdo sobre o assunto:

A Lei Orçamentária anual conterá então uma Reserva de Contingência,


conforme o disposto no art. 5o., III, b, da LRF, com o objetivo único e
exclusivo de atender pagamentos inesperados, contingentes. que não
puderam ser previstos durante a programação do orçamento. Esta
Reserva não poderá ser anulada para suplementar dotações previstas
no orçamento anual ou para fazer face à abertura de créditos especiais.

A Portaria Interministerial No. 163, de 4 de maio de 2.001, no seu artigo 8o., é


clara neste ponto, pondo uma pá de cal nesta discussão inútil, tal como se vê a
seguir transcrito:

Art. 8o. – A dotação global denominada Reserva de Contingência,


permitida para a União no art. 91 do Decreto-Lei No. 200, de 25 de
fevereiro de 1967, ou em atos das demais esferas de Governo, a ser
utilizada como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais e
para o atendimento ao disposto no art. 5o., inciso iii, da Lei
Complementar No. 101, de 2.000, sob coordenação de órgão
responsável pela sua destinação, será identificada nos orçamentos de
todas as esferas de Governo pelo código 99.999.9999.xxxx.xxxx, no
que se refere às classificações por função e subfunção e estrutura
programática, onde o X representa a codificação da ação e o respectivo
detalhamento.

Observe o leitor que o mencionado dispositivo utiliza a expressão créditos


adicionais, no plural, sem portanto se referir especificamente a este ou àquele,
mas a todos os créditos adicionais.

Desta forma, a Reserva de Contingência é fonte de recursos para abertura de


créditos suplementares, especiais e extraordinários, conquanto para estes a
legislação pertinente não exija a existência de tais recursos em razão da
excepcionalidade da situação.

Outra observação: com o emprego, no plural, da expressão créditos adicionais,


fica claro que, além de não especificar a espécie de crédito adicional, toda e
heraldo da costa reis 3

qualquer despesa ou obrigação a ser cumprida através do orçamento poderá


utilizar a Reserva de Contingência como fonte de recurso para a suplementação
ou abertura de crédito especial, desde que as respectivas dotações não sejam
suficientes para o atendimento ou que não tenham sido autorizadas e,
conseqüentemente, incluídas no orçamento.

O importante, agora, é saber o que significam passivos contingentes e outros


riscos e eventos fiscais imprevistos constantes na parte final do caput do
mencionado Art. 5o da LRF, que serão atendidos pela Reserva de Contingência,
que é, na verdade, apenas uma espécie de provisão orçamentária.

Estas obrigações inesperadas ou imprevistas só poderão ser atendidas mediante


a autorização e abertura de crédito especial, já que não o foram no orçamento
anual, em virtude de razões circunstanciais ou até mesmo por fatores
desconhecidos. São imprevistos, porque deixaram de ser previstos por essas
razões. É diferente da imprevisibilidade, cujos motivos fogem ou são alheios à
vontade do ser humano. Neste caso, não seria especial e sim extraordinária a
natureza do crédito adicional a ser autorizado e aberto inicialmente por Decreto do
Poder Executivo e, posteriormente, ratificado pelo Poder Legislativo.

São exemplos de passivos contingentes, também conhecidos como


superveniências passivas, riscos financeiros já existentes decorrentes de ações
judiciais trabalhistas, cíveis, previdenciárias, indenizações por desapropriações e
outros que poderão causar perdas ou danos ao patrimônio da entidade, bem como
comprometer a execução de ações planejadas para serem executadas no período
em que as ocorrências se efetivaram.

Em realidade, a Reserva de Contingência é uma dotação alocada no orçamento,


ainda que não se trate, em princípio, de uma despesa, posto que não tem
tratamento de despesa e nem poderia ter, já que existe uma restrição relacionada
com a sua destinação, ou seja, ela está destinada a atender àquelas obrigações
imprevistas ou riscos que podem estar ou já estão influenciando a execução de
uma ação qualquer que o governo tenha planejado para o período.

E, observe o leitor: dependendo da época e da natureza da obrigação, o crédito


será aberto em favor de alguma despesa Corrente ou de Capital, quando se referir
ao exercício em que ocorre o fato, ou para Despesas de Exercícios Anteriores,
Correntes ou de Capital, quando o fato se referir a exercícios já encerrados ou
anteriores, na forma do art. 37, da Lei No. 4.320 de 17 de março de 1964. Se,
porventura, esse crédito aberto é de valor insuficiente para o atendimento da
obrigação, é necessária a sua suplementação para que se processe o seu
empenhamento e, conseqüentemente, o seu pagamento, desde que observadas
as regras da legislação pertinente.
heraldo da costa reis 4

Entretanto, a fim de que as contingências passivas sejam atendidas sem solução


de continuidade, conquanto o recurso tenha sido alocado no orçamento como
afirmado, faz-se necessária a garantia dos pagamentos com recursos financeiros
aprovisionados e vinculados a essas obrigações. Evidentemente, está-se
mencionando aqui a constituição de um Fundo Especial Contingencial, na
forma do art. 71 da Lei 4.320/64, cuja destinação é servir de lastro financeiro para
assegurar os pagamentos desses passivos contingenciais.

Esclareça-se que motiva a constituição do Fundo Especial Contingencial, ou


Caixa Especial, o fato de não bastar que se aloque no orçamento os recursos
como Reserva de Contingência. É preciso que se entenda que há uma diferença
bem grande entre os conceitos: recursos orçamentários e recursos financeiros.

O Fundo Especial Contingencial assume o papel de recurso financeiro e de


garantidor dos pagamentos a serem efetuados, desde que as despesas seja
empenhadas e processadas, as quais vão se agregar àquelas já reconhecidas
como tais e prontas para os respectivos pagamentos que, quando não efetivados
no período, ensejarão as inscrições das obrigações não pagas no período em que
surgiram como Restos a Pagar do Exercício. Isto significa que a administração da
entidade governamental deverá especificar uma receita qualquer do seu elenco,
excluída aquela oriunda dos impostos de sua competência e aquela que já esteja
comprometida com outro fundo especial para poder formar a sua disponibilidade.

Aspecto da maior importância é a satisfação da administração em dar à população


as razões que determinaram inexecuções de ações planejadas, dentre as quais
citam-se os fatos contingenciais que devem ser relatados não apenas nos
relatórios de gestão, mas também nas notas explicativas que devem ser feitas
para as demonstrações contábeis, já que se trata de fatos relevantes.

Você também pode gostar