Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/283351847
CITATIONS READS
0 209
1 author:
João Veloso
University of Porto
131 PUBLICATIONS 198 CITATIONS
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
All content following this page was uploaded by João Veloso on 01 November 2015.
FONOLOGIA MIRANDESA
E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
ORGANIZAÇÃO e prefácio
José Meirinhos
introdução
João Veloso
FICHA TÉCNICA
Prefácio .................................................................................................... 7
João Veloso
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
1.
A presente reedição da Fonologia Mirandesa e de outros
estudos de José Herculano de Carvalho relativos à linguística do
mirandês vem à luz numa época em que publicações com
algumas das suas características não colheriam os favores do
mercado editorial dominante, nem sequer os da própria
academia.
Um pouco mais adiante, tentarei explicar melhor o
porquê desta observação inicial. Por agora, sirvo-me dela para
saudar este momento muito importante da vida cultural e
editorial portuguesa, para louvar os seus promotores e para lhes
agradecer, em primeiro lugar, a iniciativa de trazerem de novo
às estantes das nossas livrarias estes textos ímpares; agradeço-
lhes ainda, muito reconhecido, o honroso convite para escrever
estas palavras introdutórias. Permito-me individualizar, nestas
palavras iniciais de saudação e agradecimento, instituições e
pessoas como a Frauga - Associação para o Desenvolvimento
Integrado de Picote, o seu Presidente, Dr. Jorge Jacoto Lourenço
e o meu Colega Prof. Doutor José Meirinhos, da Universidade do
Porto. A eles me ligam laços especiais e antigos, bem como uma
admiração e uma gratidão muito grandes pelo muito que têm
feito pela cultura em Miranda e fora de Miranda. Esta edição é
mais um tesouro que lhes ficamos a dever, tornando-os
inteiramente merecedores do reconhecimento e do aplauso de
todos aqueles que valorizam as questões da ciência, da
educação, da cultura, do desenvolvimento e do património (de
que o património linguístico é parte integrante fundamental).
Afirmei, no início destas notas, que textos com as
características dos reeditados neste volume não se compaginam
17
JOÃO VELOSO - Introdução
18
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
1
Refiro-me à longa reflexão do autor, publicada sob a forma de opúsculo em CARVALHO,
José Herculano de. 1984. Pequena contribuição à história da linguística. Observações
(algo tardias) a «Linguística Cartesiana» de Noam Chomsky. Coimbra: Coimbra Editora,
motivada pela leitura crítica do livro de CHOMSKY, Noam. 1966. Cartesian Linguistics: A
chapter in the history of rationalist thought. New York: Harper & Row.
19
JOÃO VELOSO - Introdução
investir na investigação)2.
Porém, foram décadas desta slow science que ajudaram
a consolidar conhecimentos, construir a reputação de
instituições e investigadores, formar laboratórios e bibliotecas,
treinar académicos e outros profissionais, ensinar metodologias,
preparar sucessivas gerações para os desafios e as inovações a
que, ao longo do tempos, fomos tentando dar resposta.
Conhecer os produtos dessa época histórica – o que não
significa, repito, tomá-la como o único modelo possível de
ciência ou validar completamente os seus resultados, ignorando
todos os conhecimentos obtidos posteriormente graças a outras
abordagens epistemológicas que muitas vezes reveem,
reformulam ou substituem completamente as propostas
descritivas e explicativas mais antigas – garante, antes de mais,
a obediência ao compromisso crítico de qualquer cientista a que
acima aludi, permitindo-nos conhecer melhor os caminhos
percorridos até ao ponto em que hoje nos encontramos. É, ainda,
uma forma de preservar uma memória histórica, cultural e
patrimonial muito rica e significativa, pelo que, de certa forma,
se constitui também como uma espécie de dever cívico de todos
quantos elegem a herança cultural do país como uma das suas
preocupações e prioridades.
E é aqui que reside um dos primeiros méritos desta
edição: escolhendo reeditar estes ensaios, os promotores desta
republicação recuperam e voltam a dar voz e lugar a um tipo de
2
Uso aqui a expressão “slow science” de forma distanciada da polémica que envolve os
autores do The Slow Science Manifesto ((2010); Slow Science Academy. 2010. The Slow
Science Manifesto. Berlin: Slow Science Academy: http://slow-science.org/), que tendem
a formalizar um movimento organizado e estruturado em defesa de uma forma de fazer
ciência que apelidam de mais “lenta” na medida em que baseada numa autorreflexão e
numa autocrítica mais profundas e validadas por uma comprovação crítica mais exigente
e mais consolidada antes de dar origem a um elevado número e ritmo de publicações.
Lisa Alleva, num brevíssimo texto de opinião de 2006, define esta conceção de construção
do saber científico em termos que aqui aproximamos da “velha escola” representada por
Herculano de Carvalho e por outros representantes da “tradição filológica portuguesa”
(cf. ALLEVA, Lisa. 2006. Taking time to savour the rewards of slow science. Nature. 443:
271). Para mais dados sobre esta questão e um possível confronto entre uma “slow
science” (menos recente) e a “fast science” temporalmente mais próxima de nós,
circunscrevendo melhor estes dois termos e definindo mais claramente as conceções de
ciência que lhes subjazem, veja-se o artigo de opinião de Horgan, John. 2011. The "Slow
Science" Movement Must Be Crushed!: http://blogs.scientificamerican.com/cross-
check/the-slow-science-movement-must-be-crushed/.
20
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
21
JOÃO VELOSO - Introdução
2.
Preparada no âmbito de um concurso para progressão na
carreira universitária e originalmente publicada na revista
Biblos, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra5, a
descrição da fonologia do mirandês agora reeditada ocupa um
lugar muito importante na galeria de trabalhos que trouxeram o
mirandês para a esfera do interesse académico, fornecendo-nos
as primeiras descrições científicas desta língua com um grande
valor para todos os linguistas interessados na reconstituição das
mais antigas línguas românicas faladas na Península Ibérica6. A
3
Vejam-se a este propósito, e entre muitas outras notas biográficas sobre o autor de
Fonologia Mirandesa, as de Evanildo Bechara publicada numa revista cultural do Porto
por ocasião do falecimento do seu mestre e colega coimbrão: BECHARA, Evanildo. 2000.
Herculano de Carvalho: In Memoriam (1924-2001). Veredas. 3(II): 693-704; e a de Clarinda
Azevedo Maia publicada num volume de homenagem póstuma a Herculano de Carvalho:
MAIA, Clarinda Azevedo. 2003/2006. José Gonçalo Herculano de Carvalho (19.01.1924 –
26.01.2001) Esboço biográfico e académico. Revista Portuguesa de Filologia. 15.1
[Miscelânea de estudos in memoriam José G. Herculano de Carvalho]: XIII-XXIII.
4
Uma bibliografia completa encontra-se no volume de homenagem mencionado na nota
anterior: 2003/2006. Bibliografia de José Gonçalo C. Herculano de Carvalho. Revista
Portuguesa de Filologia. 15.1: XXV-XXXVI; ver também a bibliografia publicada no volume
de homenagem editado por SCHMIDT-RADEFELDT, Jürgen (ed.). 1993. Semiótica e
Linguística Portuguesa e românica. Homenagem a José Gonçalo Herculano de Carvalho.
Tübingen: Gunter Narr Verlag Tübingen.
5
Fonologia Mirandesa foi o trabalho com que J. Herculano de Carvalho se candidatou, na
Universidade de Coimbra, à categoria de professor extraordinário, tendo conhecido uma
primeira publicação (com separata) no volume 33 (pp. 1-133) da revista Biblos (1958). A
separata publicada em 1958 inclui uma “Addenda et corrigenda” e utilíssimos índices, daí
a opção de retomar esta edição no presente volume.
6
Este interesse faz com que muita da bibliografia relativa ao mirandês acabe por se
cruzar com a bibliografia relativa às línguas do ramo asturo-leonês. Cf., p. ex.: um outro
estudo do mesmo autor republicado também no presente volume – Carvalho, J.
Herculano de. 1952. Porque se fala dialecto leonês em terra de Miranda?. Revista
Portuguesa de Filologia. 5: 265-280; Verdelho, T. 1993. Falares asturo-leoneses em
território português. Lletres Asturianes. 50: 7-25; Cruz, L. Segura da; Saramago, J.;
Vitorino. G. 1994. Os dialectos leoneses em território português: coesão e diversidade.
22
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
23
JOÃO VELOSO - Introdução
10
P. ex.: Maia, C. A. 1966. Mirandés. In: M. Alvar (dir.). Manual de Dialectología Hispánica.
Barcelona: Ariel, 159-170; Martins, C. 1994. O desaparecimento do mirandês na cidade de
Miranda do Douro: uma leitura dos Estudos de Filologia Mirandesa de José Leite de
Vasconcelos. Actas do Encontro Regional da Associação Portuguesa de Linguística.
Variação linguística no tempo, no espaço e na sociedade. Lisboa: APL/Colibri, 95-105;
1997. A vitalidade de línguas minoritárias e atitudes linguísticas: o caso do mirandês.
Lletres Asturianes. 62: 7-42; 2008. Línguas em contacto; "saber sobre" o que as
distingue. Análise de competências metalinguísticas de crianças mirandesas em idade
escolar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
11
Alves, A. Bárbolo. 1997. A língua mirandesa. Contributos para o estudo da sua história
e do seu léxico. Braga: Universidade do Minho; 1999. Le mirandais, langue du Portugal.
MicRomania. 3(99): 3-15.
12
Raposo, D. A. 2000. L ansino de l mirandés. In: J. F. Meirinhos (coord.). Estudos
Mirandeses. Balanço o orientações. Homenagem a António Maria Mourinho. Porto:
Granito, 99-107; Martins, C. 2000. Ensino do mirandês e bilinguismo. In: J. F. Meirinhos
(coord.). Estudos Mirandeses. Balanço o orientações. Homenagem a António Maria
Mourinho. Porto: Granito, 109-126
13
Ferreira, M. B.; Raposo, D. (coord). 1999. Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa.
Miranda do Douro/Lisboa: Câmara Municipal de Miranda do Douro/Centro de Linguística
da Universidade de Lisboa.
14
Lei 7/99: Diário da República, I-A, nº 24, 29/1/1999.
24
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
3.
Se tanto insisti no interesse eminentemente histórico da
Fonologia Mirandesa e na sua importância, acima de tudo,
enquanto representante de uma fase passada no modo de
construir um estudo científico em linguística, o que justifica hoje
o interesse por um texto como este e, sobretudo, o que justifica
nos nossos dias o esforço e o investimento na sua reedição e na
reedição dos trabalhos de menor extensão que completam este
volume?
O conhecimento do passado – e do passado da ciência
também – não é um capricho ocioso, e tal, por si só, justificaria
logo à partida esta reedição. É esse conhecimento do que se fez
ontem e de como ontem era feito que nos permite, como já
disse, perceber melhor onde estamos e como aqui chegámos.
Por outro lado, datados que sejam os seus argumentos e
partes do seu conteúdo, estes estudos – como outros textos do
mesmo autor e de outros contemporâneos seus – ajudam-nos a
penetrar num modus faciendi típico de uma época e de um
ambiente intelectual e universitário que nos permite avaliar com
maior segurança e maior propriedade as propostas descritivas a
que esse ambiente deu origem.
Uma outra razão em defesa do interesse de hoje publicar
– e ler – estes textos, a que também já antes me referi, reside no
seguinte: conhecer literatura científica diferente daquela a que
os investigadores mais jovens estão hoje mais habituados tem
um interesse didático para uma formação mais crítica, mais
completa e mais aprofundada desses mesmos investigadores.
Porém, os motivos que podem justificar esta reedição não
se esgotam nestas razões, nem se limitam à importância de uma
publicação como esta para o público estritamente académico (e,
dentro deste, ao que é constituído pelos linguistas). Creio que
qualquer interessado nas questões do património cultural,
literário e linguístico de Portugal saberá valorizar a publicação
do presente livro: aqui se reúnem alguns dos principais estudos
que alguma vez elegeram um tema tão específico desse nosso
património como objeto de observação e descrição
aprofundadas. Ao ter contribuído, dessa forma, para a
preservação do mirandês – sublinhe-se que, em meados do
século XX, esta língua não gozava ainda, fora e dentro da
25
JOÃO VELOSO - Introdução
26
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
15
Cf. indicação na p. 15 da edição de 1958. A obra de Lacerda em que o autor se baseia
para as suas próprias recolhas é a seguinte: Lacerda, A. de. 1954. Recolha, arquivo e
análise de falares regionais portugueses. Revista do Laboratório de Fonética
Experimental. Faculdade de Letras de Coimbra. 2: 128-157.
27
JOÃO VELOSO - Introdução
28
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS
29
JOÃO VELOSO - Introdução
16
Barbosa, J. Morais. 1965. Etudes de Phonologie Portugaise. Lisboa: Junta de
Investigações Científicas do Ultramar. 2.ème éd.: Évora: Universidade de Évora, 1983;
1994. Introdução ao Estudo da Fonologia e Morfologia do Português. Coimbra: Almedina;
Camara Jr., J. Mattoso. 1977. Para o Estudo da Fonêmica Portuguesa. Rio de Janeiro:
Padrão.
30