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Três notas introdutórias sobre a republicação em 2015 da Fonologia Mirandesa


e outros estudos de José Herculano de Carvalho sobre o mirandês

Chapter · October 2015

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João Veloso
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JOSÉ G. HERCULANO DE CARVALHO

FONOLOGIA MIRANDESA
E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

ORGANIZAÇÃO e prefácio
José Meirinhos

introdução
João Veloso
FICHA TÉCNICA

TÍTULO Fonologia mirandesa e outros estudos sobre o mirandês


AUTOR José G. Herculano de Carvalho
ORGANIZAÇÃO E PREFÁCIO José Meirinhos
INTRODUÇÃO João Veloso
CO-EDIÇÃO Frauga / Imprensa da Universidade de Coimbra
DEPÓSITO LEGAL 397898/15
ISBN 978-989-99411-4-4 (Frauga)
978-989-26-1050-4 (Imprensa da Universidade de Coimbra)
IMPRESSÃO Tipalto - Tipografia do Planalto, Lda.
TIRAGEM 500 Exemplares

© dos Autores e dos editores.


Picote – Coimbra, 2015
ÍNDICE

Prefácio .................................................................................................... 7

Três notas introdutórias sobre a republicação em 2015


da Fonologia Mirandesa e outros estudos de José Herculano
de Carvalho sobre o mirandês ............................................................... 17

1. Fonologia mirandesa (1957) .............................................................. 31

2. Porque se fala dialecto mirandês


em Terra de Miranda (1952) ............................................................. 203

3. Elementos estranhos no vocabulário mirandês (1960) ................... 227

4. Paradigma e corrente da fala


a propósito do vocalismo mirandês (1970)...................................... 247
Três notas introdutórias sobre a republicação em 2015 da
Fonologia Mirandesa e outros estudos
de José Herculano de Carvalho sobre o mirandês

João Veloso
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

1.
A presente reedição da Fonologia Mirandesa e de outros
estudos de José Herculano de Carvalho relativos à linguística do
mirandês vem à luz numa época em que publicações com
algumas das suas características não colheriam os favores do
mercado editorial dominante, nem sequer os da própria
academia.
Um pouco mais adiante, tentarei explicar melhor o
porquê desta observação inicial. Por agora, sirvo-me dela para
saudar este momento muito importante da vida cultural e
editorial portuguesa, para louvar os seus promotores e para lhes
agradecer, em primeiro lugar, a iniciativa de trazerem de novo
às estantes das nossas livrarias estes textos ímpares; agradeço-
lhes ainda, muito reconhecido, o honroso convite para escrever
estas palavras introdutórias. Permito-me individualizar, nestas
palavras iniciais de saudação e agradecimento, instituições e
pessoas como a Frauga - Associação para o Desenvolvimento
Integrado de Picote, o seu Presidente, Dr. Jorge Jacoto Lourenço
e o meu Colega Prof. Doutor José Meirinhos, da Universidade do
Porto. A eles me ligam laços especiais e antigos, bem como uma
admiração e uma gratidão muito grandes pelo muito que têm
feito pela cultura em Miranda e fora de Miranda. Esta edição é
mais um tesouro que lhes ficamos a dever, tornando-os
inteiramente merecedores do reconhecimento e do aplauso de
todos aqueles que valorizam as questões da ciência, da
educação, da cultura, do desenvolvimento e do património (de
que o património linguístico é parte integrante fundamental).
Afirmei, no início destas notas, que textos com as
características dos reeditados neste volume não se compaginam

17
JOÃO VELOSO - Introdução

com os requisitos preenchidos pela maior parte dos títulos hoje


publicados no país nem, porventura, com o tipo de publicação
hoje esperado dentro da própria comunidade académica.
Fatores inelutáveis, relacionados com a normal evolução
das sociedades e com a mudança dos tempos, explicam, em
parte, essa circunstância – que torna este momento editorial
uma ocasião ainda mais especial e valiosa. No entanto, o facto de
hoje “já não se escrever assim” ou “já não se investigar como no
tempo de Herculano de Carvalho” não justifica, por um lado, que
deixemos de conhecer e de ler a bibliografia científica
desenvolvida a partir de outros paradigmas (à qual continuamos
devedores, no mínimo, de muitos dos conhecimentos que ainda
hoje conservamos sobre variadas matérias), nem, por outro, que
os modelos de escrita e edição científica dominantes no mundo
de hoje sejam categoricamente tomados como os melhores,
muito menos os únicos, para a obtenção e a partilha do
conhecimento. Este esforço de ampliação e divulgação do saber
estará sempre, em qualquer latitude e em qualquer época
histórica, no coração dos objetivos principais da verdadeira
investigação. Ele deve constituir a grande motivação intelectual
para a busca incessante de novas perguntas e de novas
respostas, independentemente do paradigma em que nos
insiramos; e, de entre os compromissos que qualquer
investigador deve abraçar, o compromisso crítico com a
transitoriedade das certezas e das formas de (muitas vezes
ilusoriamente) as obtermos é, sem dúvida, um dos mais
importantes. Em conformidade, espera-se que não olhemos com
desdém para toda a ciência de ontem (e não esqueçamos que
esse poderá vir a ser o mesmo desdém com que os nossos
vindouros poderão vir a olhar para muita da nossa ciência de
hoje também). Avaliar com objetividade e honestidade os
contributos de todos aqueles que, epistemologicamente
próximos ou distantes de nós, porfiam na mesma procura
desinteressada do saber e na mesma partilha do conhecimento é
um dos argumentos (não o único) que hoje justificam a
revisitação de textos como os que agora são aqui trazidos de
novo.
Herculano de Carvalho, como muitos dos estudiosos mais
brilhantes da sua geração, representa, de facto, um modelo de

18
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

pensamento e de escrita científica e personifica um perfil de


universitário que em muito se afastam do padrão mais
contemporâneo do “académico moderno”. Os seus textos
assentam numa consulta erudita e exaustiva das fontes, numa
análise minuciosa dos dados, numa contraposição de
argumentos contraditórios, numa reflexão aprofundada, numa
escrita demorada – exigindo ao leitor uma leitura igualmente
demorada, atenta, crítica e reflexiva. Os temas escolhidos para
os escritos de Herculano de Carvalho são os temas que, num
encadeamento lógico e temporal de leituras, estudos e
descobertas ao longo de uma carreira consolidada pelo tempo e
pela aprendizagem contínua, vão surgindo no universo de
interrogações intelectuais do próprio autor, um pouco ao sabor
do acaso e da necessidade, da pertinência intrínseca das
questões e do prazer da descoberta e do debate de ideias.
Mesmo quando discordando de muitas das suas posições – como
acontecerá, julgo, à maior parte dos linguistas que hoje for ler,
p. ex., a sua crítica a Cartesian Linguistics de Noam Chomsky1 –,
este é um mérito do pensamento e da obra do autor, que lhe
confere uma credibilidade e uma respeitabilidade que o tempo
não apagou.
Herculano de Carvalho, como muitos dos que nos
antecederam, formou-se na idade da slow science que hoje
pouca simpatia merece da universidade oficial: refiro-me à
ciência que não se traduz em dezenas ou centenas de artigos
breves e apressados, muitos deles repetindo-se parcialmente,
publicados em inglês-volapuque num conjunto de revistas
previamente definidas como as únicas que trazem prestígio e
“dão pontos”, fortemente condicionados pelas pré-
determinações de instituições, laboratórios, consórcios,
fundações, editoras e outras empresas que fixam, “de cima para
baixo”, “de fora para dentro”, quais as áreas, os domínios e os
temas em que, em cada momento, se justifica investigar (e

1
Refiro-me à longa reflexão do autor, publicada sob a forma de opúsculo em CARVALHO,
José Herculano de. 1984. Pequena contribuição à história da linguística. Observações
(algo tardias) a «Linguística Cartesiana» de Noam Chomsky. Coimbra: Coimbra Editora,
motivada pela leitura crítica do livro de CHOMSKY, Noam. 1966. Cartesian Linguistics: A
chapter in the history of rationalist thought. New York: Harper & Row.

19
JOÃO VELOSO - Introdução

investir na investigação)2.
Porém, foram décadas desta slow science que ajudaram
a consolidar conhecimentos, construir a reputação de
instituições e investigadores, formar laboratórios e bibliotecas,
treinar académicos e outros profissionais, ensinar metodologias,
preparar sucessivas gerações para os desafios e as inovações a
que, ao longo do tempos, fomos tentando dar resposta.
Conhecer os produtos dessa época histórica – o que não
significa, repito, tomá-la como o único modelo possível de
ciência ou validar completamente os seus resultados, ignorando
todos os conhecimentos obtidos posteriormente graças a outras
abordagens epistemológicas que muitas vezes reveem,
reformulam ou substituem completamente as propostas
descritivas e explicativas mais antigas – garante, antes de mais,
a obediência ao compromisso crítico de qualquer cientista a que
acima aludi, permitindo-nos conhecer melhor os caminhos
percorridos até ao ponto em que hoje nos encontramos. É, ainda,
uma forma de preservar uma memória histórica, cultural e
patrimonial muito rica e significativa, pelo que, de certa forma,
se constitui também como uma espécie de dever cívico de todos
quantos elegem a herança cultural do país como uma das suas
preocupações e prioridades.
E é aqui que reside um dos primeiros méritos desta
edição: escolhendo reeditar estes ensaios, os promotores desta
republicação recuperam e voltam a dar voz e lugar a um tipo de

2
Uso aqui a expressão “slow science” de forma distanciada da polémica que envolve os
autores do The Slow Science Manifesto ((2010); Slow Science Academy. 2010. The Slow
Science Manifesto. Berlin: Slow Science Academy: http://slow-science.org/), que tendem
a formalizar um movimento organizado e estruturado em defesa de uma forma de fazer
ciência que apelidam de mais “lenta” na medida em que baseada numa autorreflexão e
numa autocrítica mais profundas e validadas por uma comprovação crítica mais exigente
e mais consolidada antes de dar origem a um elevado número e ritmo de publicações.
Lisa Alleva, num brevíssimo texto de opinião de 2006, define esta conceção de construção
do saber científico em termos que aqui aproximamos da “velha escola” representada por
Herculano de Carvalho e por outros representantes da “tradição filológica portuguesa”
(cf. ALLEVA, Lisa. 2006. Taking time to savour the rewards of slow science. Nature. 443:
271). Para mais dados sobre esta questão e um possível confronto entre uma “slow
science” (menos recente) e a “fast science” temporalmente mais próxima de nós,
circunscrevendo melhor estes dois termos e definindo mais claramente as conceções de
ciência que lhes subjazem, veja-se o artigo de opinião de Horgan, John. 2011. The "Slow
Science" Movement Must Be Crushed!: http://blogs.scientificamerican.com/cross-
check/the-slow-science-movement-must-be-crushed/.

20
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

investigação e de escrita que ainda nos ensina muito e aonde


ainda podemos ir beber muita informação e muito crescimento;
complementarmente, facilitam a muitos leitores o acesso a
outros modelos científicos, cujo conhecimento tem um valor
instrumental (educativo) muito importante na formação
intelectual de um cientista.
A reedição de uma obra de “digestão lenta,” de um
clássico como a Fonologia Mirandesa de José Herculano de
Carvalho, constitui assim um momento significativo da vida
editorial, cultural e científica do país. Pudesse este arrojo da
Frauga ser seguido por outras entidades, para que voltassem a
ser mais visíveis e mais acessíveis a um público mais alargado
obras que tanto contribuíram para o desenvolvimento cultural do
país, para o estabelecimento em Portugal de áreas científicas
tão diversas como a linguística, a antropologia, a filosofia, as
ciências naturais e exatas, a didática, etc. Não será difícil
selecionar, de entre textos “fundadores” como os de Herculano
de Carvalho e de alguns dos seus antecessores e
contemporâneos, outras obras que, entre outras consequências,
deram um contributo importante para que a ciência moderna
que atualmente se faz em Portugal (num cenário de
adversidades que tem conhecido faces diversas ao longo da
História) tenha atingido o estádio em que os estudantes e
investigadores mais jovens se formaram.
A decisão de trazer de volta para o circuito editorial uma
obra como a Fonologia Mirandesa e os outros escritos de
Herculano de Carvalho que a acompanham neste livro é, na
verdade, uma ocasião excecional, um motivo de júbilo e de
festejo para todos quantos se interessam pela linguística, pela
dialetologia, pela fonologia, pela sociolinguística, pelos temas
mirandeses e pela cultura portuguesa.
A reedição justifica-se também como homenagem a José
Herculano de Carvalho, que foi um dos professores mais
marcantes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
tendo sido um dos primeiros e principais responsáveis pela
afirmação e pelo prestígio que, nessa instituição, os estudos
linguísticos vieram a adquirir. Recordado como um professor e
um investigador que não deixava indiferentes nenhuns

21
JOÃO VELOSO - Introdução

estudantes e colegas3, constituía um exemplo de como a


atividade científica e pedagógica se combinavam de forma
fecunda: muitas das suas publicações resultam das lições e
intervenções em numerosos cursos e palestras promovidos pela
sua universidade ou por universidades aonde se deslocava com
frequência, deixando-nos um testemunho de um ensino
abrangente, rigoroso, exigente, completo e atualizado4.

2.
Preparada no âmbito de um concurso para progressão na
carreira universitária e originalmente publicada na revista
Biblos, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra5, a
descrição da fonologia do mirandês agora reeditada ocupa um
lugar muito importante na galeria de trabalhos que trouxeram o
mirandês para a esfera do interesse académico, fornecendo-nos
as primeiras descrições científicas desta língua com um grande
valor para todos os linguistas interessados na reconstituição das
mais antigas línguas românicas faladas na Península Ibérica6. A

3
Vejam-se a este propósito, e entre muitas outras notas biográficas sobre o autor de
Fonologia Mirandesa, as de Evanildo Bechara publicada numa revista cultural do Porto
por ocasião do falecimento do seu mestre e colega coimbrão: BECHARA, Evanildo. 2000.
Herculano de Carvalho: In Memoriam (1924-2001). Veredas. 3(II): 693-704; e a de Clarinda
Azevedo Maia publicada num volume de homenagem póstuma a Herculano de Carvalho:
MAIA, Clarinda Azevedo. 2003/2006. José Gonçalo Herculano de Carvalho (19.01.1924 –
26.01.2001) Esboço biográfico e académico. Revista Portuguesa de Filologia. 15.1
[Miscelânea de estudos in memoriam José G. Herculano de Carvalho]: XIII-XXIII.
4
Uma bibliografia completa encontra-se no volume de homenagem mencionado na nota
anterior: 2003/2006. Bibliografia de José Gonçalo C. Herculano de Carvalho. Revista
Portuguesa de Filologia. 15.1: XXV-XXXVI; ver também a bibliografia publicada no volume
de homenagem editado por SCHMIDT-RADEFELDT, Jürgen (ed.). 1993. Semiótica e
Linguística Portuguesa e românica. Homenagem a José Gonçalo Herculano de Carvalho.
Tübingen: Gunter Narr Verlag Tübingen.
5
Fonologia Mirandesa foi o trabalho com que J. Herculano de Carvalho se candidatou, na
Universidade de Coimbra, à categoria de professor extraordinário, tendo conhecido uma
primeira publicação (com separata) no volume 33 (pp. 1-133) da revista Biblos (1958). A
separata publicada em 1958 inclui uma “Addenda et corrigenda” e utilíssimos índices, daí
a opção de retomar esta edição no presente volume.
6
Este interesse faz com que muita da bibliografia relativa ao mirandês acabe por se
cruzar com a bibliografia relativa às línguas do ramo asturo-leonês. Cf., p. ex.: um outro
estudo do mesmo autor republicado também no presente volume – Carvalho, J.
Herculano de. 1952. Porque se fala dialecto leonês em terra de Miranda?. Revista
Portuguesa de Filologia. 5: 265-280; Verdelho, T. 1993. Falares asturo-leoneses em
território português. Lletres Asturianes. 50: 7-25; Cruz, L. Segura da; Saramago, J.;
Vitorino. G. 1994. Os dialectos leoneses em território português: coesão e diversidade.

22
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

este nível, trata-se de uma obra que acompanha outros estudos


verdadeiramente monumentais, como os Estudos de Filologia
Mirandesa de José Leite de Vasconcelos7, que logo nos
primeiros anos do século XX tiraram o mirandês do recanto
escondido da geografia inacessível e da ignorância urbana e
culta em que tinha ficado cercado. Nesta tradição – à qual o
mirandês ficará a dever, em grande medida, a “nobilitação”
enquanto tema académico e o seu (re)conhecimento junto de
linguistas, romanistas, etnólogos e especialistas de outras áreas
–, inserem-se ainda muitos outros trabalhos sobre o mirandês
igualmente notáveis. Lembro aqui, de forma não exaustiva,
outros textos dos mesmos José Leite de Vasconcelos e José
Herculano de Carvalho, a infindável coleção de trabalhos de
índole filológica, etnográfica e antropológica do Padre António
Maria Mourinho8, bem como os trabalhos, desenvolvidos
sobretudo nos campos da sociolinguística e da dialetologia, em
universidades e centros de investigação de que se têm
destacado, circunscrevendo-nos somente ao espaço português,
o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa9, o Centro de
Estudos de Linguística Geral e Aplicada da Universidade de

Actas do Encontro Regional da Associação Portuguesa de Linguística. Variação linguística


no tempo, no espaço e na sociedade. Lisboa: APL/Colibri, 281-293; Ferreira, M. Barros.
1995. O Mirandês e as línguas do Noroeste peninsular. Lletres Asturianes. 50: 7-22;
García Arias, X. L. 2000. El mirandés nel conxuntu del dominiu llingüísticu asturiano-
lleonés. In: J. F. Meirinhos (coord.). Estudos Mirandeses. Balanço o orientações.
Homenagem a António Maria Mourinho. Porto: Granito, 69-76; Vigón, S. 2000. El
mirandés nel ámbitu de les llingües peninsulares. In: J. F. Meirinhos (coord.). Estudos
Mirandeses. Balanço o orientações. Homenagem a António Maria Mourinho. Porto:
Granito, 77-83.
7
Vasconcellos, J. Leite de. 1900/1901. Estudos de Philologia Mirandesa. Lisboa:
Imprensa Nacional (2 vols.). Reedição facsimilada (dir. António Maria Mourinho): Miranda
do Douro, Câmara Municipal de Miranda do Douro, 1993.
8
Cf. Meirinhos, J. F. 2000. Obra e Bibliografia de António Maria Mourinho (1917-1996). In:
J. F. Meirinhos (coord.). Estudos Mirandeses. Balanço o orientações. Homenagem a
António Maria Mourinho. Porto: Granito, 31-52.
9
Cf., entre outros: Cruz, Saramago e Vitorino – op. cit., 1994; Ferreira, M. B. - op. cit.,
1995; 2001a. A situação actual da língua mirandesa e o problema da delimitação histórica
dos dialectos asturo-leoneses em Portugal. Revista de Filología Románica. 18: 117-136;
2001b. O mirandês no Ano Europeu das Línguas. In: M. H. M. Mateus (coord.). Mais
Línguas, mais Europa: celebrar a diversidade linguística e cultural da Europa. Lisboa:
Colibri, 35-41.

23
JOÃO VELOSO - Introdução

Coimbra10 e a Universidade do Minho11.


No seu conjunto, estas obras contribuíram decisivamente para
criar o quadro social, cultural e político favorável à aceitação e
instituição da língua, da literatura e da cultura mirandesas como
parte integrante (e muito valorizada) do património regional e
nacional. Tal quadro, no qual desempenharam um papel
igualmente fundamental inúmeras instituições e associações
(autarquias, associações culturais, etc.), acabou por se
materializar, entre outros resultados, (i) na introdução do
mirandês como matéria de ensino12 – e aqui é totalmente
merecida uma palavra particular de incondicional apreço pelo
trabalho desenvolvido neste campo pelo Dr. Domingos Raposo –,
(ii) na publicação de textos mirandeses por editoras e jornais de
circulação nacional – recordemos, a título de homenagem e de
exemplo, as traduções literárias e as colunas de opinião, com
grande visibilidade mediática e circulação nacional, publicadas
em mirandês pelo Dr. Amadeu Ferreira –, (iii) no
estabelecimento de uma convenção ortográfica oficial do
mirandês13, adotada pela maior parte das publicações gerais e
didáticas redigidas e editadas nesta língua e (iv) no
reconhecimento jurídico dos direitos linguísticos dos falantes do
mirandês14.

10
P. ex.: Maia, C. A. 1966. Mirandés. In: M. Alvar (dir.). Manual de Dialectología Hispánica.
Barcelona: Ariel, 159-170; Martins, C. 1994. O desaparecimento do mirandês na cidade de
Miranda do Douro: uma leitura dos Estudos de Filologia Mirandesa de José Leite de
Vasconcelos. Actas do Encontro Regional da Associação Portuguesa de Linguística.
Variação linguística no tempo, no espaço e na sociedade. Lisboa: APL/Colibri, 95-105;
1997. A vitalidade de línguas minoritárias e atitudes linguísticas: o caso do mirandês.
Lletres Asturianes. 62: 7-42; 2008. Línguas em contacto; "saber sobre" o que as
distingue. Análise de competências metalinguísticas de crianças mirandesas em idade
escolar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
11
Alves, A. Bárbolo. 1997. A língua mirandesa. Contributos para o estudo da sua história
e do seu léxico. Braga: Universidade do Minho; 1999. Le mirandais, langue du Portugal.
MicRomania. 3(99): 3-15.
12
Raposo, D. A. 2000. L ansino de l mirandés. In: J. F. Meirinhos (coord.). Estudos
Mirandeses. Balanço o orientações. Homenagem a António Maria Mourinho. Porto:
Granito, 99-107; Martins, C. 2000. Ensino do mirandês e bilinguismo. In: J. F. Meirinhos
(coord.). Estudos Mirandeses. Balanço o orientações. Homenagem a António Maria
Mourinho. Porto: Granito, 109-126
13
Ferreira, M. B.; Raposo, D. (coord). 1999. Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa.
Miranda do Douro/Lisboa: Câmara Municipal de Miranda do Douro/Centro de Linguística
da Universidade de Lisboa.
14
Lei 7/99: Diário da República, I-A, nº 24, 29/1/1999.

24
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

3.
Se tanto insisti no interesse eminentemente histórico da
Fonologia Mirandesa e na sua importância, acima de tudo,
enquanto representante de uma fase passada no modo de
construir um estudo científico em linguística, o que justifica hoje
o interesse por um texto como este e, sobretudo, o que justifica
nos nossos dias o esforço e o investimento na sua reedição e na
reedição dos trabalhos de menor extensão que completam este
volume?
O conhecimento do passado – e do passado da ciência
também – não é um capricho ocioso, e tal, por si só, justificaria
logo à partida esta reedição. É esse conhecimento do que se fez
ontem e de como ontem era feito que nos permite, como já
disse, perceber melhor onde estamos e como aqui chegámos.
Por outro lado, datados que sejam os seus argumentos e
partes do seu conteúdo, estes estudos – como outros textos do
mesmo autor e de outros contemporâneos seus – ajudam-nos a
penetrar num modus faciendi típico de uma época e de um
ambiente intelectual e universitário que nos permite avaliar com
maior segurança e maior propriedade as propostas descritivas a
que esse ambiente deu origem.
Uma outra razão em defesa do interesse de hoje publicar
– e ler – estes textos, a que também já antes me referi, reside no
seguinte: conhecer literatura científica diferente daquela a que
os investigadores mais jovens estão hoje mais habituados tem
um interesse didático para uma formação mais crítica, mais
completa e mais aprofundada desses mesmos investigadores.
Porém, os motivos que podem justificar esta reedição não
se esgotam nestas razões, nem se limitam à importância de uma
publicação como esta para o público estritamente académico (e,
dentro deste, ao que é constituído pelos linguistas). Creio que
qualquer interessado nas questões do património cultural,
literário e linguístico de Portugal saberá valorizar a publicação
do presente livro: aqui se reúnem alguns dos principais estudos
que alguma vez elegeram um tema tão específico desse nosso
património como objeto de observação e descrição
aprofundadas. Ao ter contribuído, dessa forma, para a
preservação do mirandês – sublinhe-se que, em meados do
século XX, esta língua não gozava ainda, fora e dentro da

25
JOÃO VELOSO - Introdução

academia, da popularidade e da simpatia de que hoje é


merecedora –, estes textos acabaram também por se integrar de
pleno direito no corpus de materiais monográficos que
contribuíram para a construção do pensamento científico
português e para o estabelecimento de uma “tradição filológica
portuguesa” que, sem qualquer dúvida, são parcelas das mais
relevantes do património cultural de que somos herdeiros.
A um nível mais específico, o acesso mais facilitado, a
partir de agora, a estes textos será mais apreciado, creio, por
dois públicos mais particularizados: o dos leitores
tradicionalmente interessados por todas as questões relativas
aos “estudos mirandeses” e o dos investigadores e estudantes
de diversas disciplinas linguísticas. Aos primeiros, este volume
interessará enquanto uma amostra representativa de alguns dos
melhores títulos científicos alguma vez publicados acerca da
língua mirandesa.
Para um linguista, o interesse suscitado por esta
reedição dispersa-se por muitas razões.
Independentemente da atualidade dos pressupostos e da
metodologia seguidos pelo autor – que deve ser lido,
obviamente, à luz do que era a linguística estruturalista
“clássica” que Herculano de Carvalho perfilha de modo tão
explícito e coerente –, a Fonologia Mirandesa continua a ser, até
ao presente, o único “tratado” completo e específico de fonologia
do mirandês. Trata-se, com efeito, da única obra até hoje
publicada que, de forma detalhada, profunda e exaustiva,
caracteriza a componente fonológica do mirandês, com profusão
de dados e exemplos, baseada numa observação analítica,
duplamente (e solidamente) ancorada quer na consulta de toda a
bibliografia anterior, quer na observação e recolha direta de
dados linguísticos espontâneos obtidos em trabalho de campo do
próprio autor. Na recolha, o autor segue, rigorosa e
sistematicamente, os procedimentos explícitos que
correspondiam aos protocolos então padronizados em Coimbra,
conforme nos é pormenorizadamente explicado ao longo do
capítulo 1. Faço notar, a este respeito, a preocupação em
conciliar um estudo linguístico descritivo do sistema fonológico
abstrato da língua com os dados da variação sociolinguística, o
que levou o autor a tentar obter um número significativo de

26
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

amostras recolhidas junto de falantes de diferentes


proveniências geográficas e escalões etários, adotando a
metodologia de recolha proposta por Armando de Lacerda15.
Partindo daí, e apoiando-se ainda na metodologia de campo de
Paiva Boléo (cf. p. 19 da ed. de 1958), Herculano de Carvalho
explica que
Para alcançar o máximo possível de unidade na
exposição, decidi tomar como ponto de partida o falar de
uma das localidades estudadas e, nesta, o falar de um
dos locutores. O lugar que escolhi foi Malhadas, porque,
pela sua posição geográfica, mesmo no centro da Terra
de Miranda, me pareceu boa para representar com
fidelidade um falar que é aliás bastante uniforme; o
locutor, aquele que designo pelo número I, por reunir
todas as qualidades exigidas para o que se considera um
bom informador linguístico.
Faço pois a descrição de acordo com a fala do
locutor I de Malhadas. Completo-a com a comparação
constante com a dos dois outros locutores do mesmo
lugar, com a dos locutores das outras localidades que me
deram registos e finalmente, quando me pareceu
conveniente, com os materiais por mim colhidos por
audição directa.
(pp. 18-19 da ed. de 1958)

Sendo ainda hoje, como disse, o único e mais completo


compêndio global da fonologia do mirandês, esta obra continua a
ser uma fonte de informação imprescindível para os linguistas
que se ocupam desta língua e/ou, num plano mais geral ou
comparativo, das restantes línguas iberorromânicas, da
reconstituição da família asturo-leonesa e, mesmo, das línguas
românicas não pertencentes ao ramo iberorromânico.
Assim, o contacto, hoje, com este texto de Herculano de
Carvalho preservará duas funções importantes: por um lado, ele
terá um valor formativo – mostra-nos como se foi construindo o

15
Cf. indicação na p. 15 da edição de 1958. A obra de Lacerda em que o autor se baseia
para as suas próprias recolhas é a seguinte: Lacerda, A. de. 1954. Recolha, arquivo e
análise de falares regionais portugueses. Revista do Laboratório de Fonética
Experimental. Faculdade de Letras de Coimbra. 2: 128-157.

27
JOÃO VELOSO - Introdução

caminho científico que nos conduziu ao atual patamar de


conhecimento científico – e, em simultâneo, conserva ainda um
valor informativo muito importante, já que continua a ser uma
importante fonte de informações fonológicas fidedignas acerca
do mirandês.
Este valor informativo manter-se-á, sem qualquer
hesitação, para outros especialistas de outros domínios da
linguística mirandesa, para além da fonologia: as investigações
em sociolinguística ou em variação e em história do mirandês, p.
ex., continuarão a encontrar nos dados coligidos e analisados
nesta descrição fonológica informações fiáveis e imprescindíveis
para a sua continuidade, para a formulação de novas questões,
para a interpretação de novos resultados e para a construção de
novo conhecimento.
No mesmo espírito de grande fidelidade ao rigor
metodológico e descritivo da linguística estruturalista clássica,
um dos outros textos compendiados nesta antologia –
Paradigma e corrente da fala a propósito do vocalismo
mirandês, originalmente apresentada como uma comunicação
num simpósio de linguística românica realizado no Brasil –
detalha alguma da informação encontrada no opus maius
contemplado nesta edição. Seguindo os preceitos mais
ortodoxos da fonologia estruturalista, Herculano de Carvalho,
nesse trabalho de menor extensão porventura menos conhecido
dos leitores de hoje, determina com exatidão o inventário
vocálico do mirandês, sustenta a hipótese da sua divisão em dois
subsistemas distintos – tónico e átono – e demonstra a pertença
do mirandês, dentro da família românica, ao grupo de línguas
com quatro graus de abertura vocálica, preservando, em posição
tónica, a oposição entre vogais semifechadas e vogais
semiabertas, o que permite identificá-lo (como ao português, de
resto) como uma das línguas mais conservadoras no tocante à
sobrevivência das oposições vocálicas latinas.
Reservo para o final desta minha introdução a menção a
um último aspeto, preponderantemente técnico e formal, a que,
enquanto fonólogo, sou muito sensível e que, no meu caso
particular, produz um especial entusiasmo quando saúdo a
reedição desta obra. A Fonologia Mirandesa de José Herculano
de Carvalho (bem como os outros textos de pendor mais

28
FONOLOGIA MIRANDESA E OUTROS ESTUDOS SOBRE O MIRANDÊS

descritivo do mesmo autor disponibilizados neste livro) é, e digo-


o sem qualquer hesitação, uma obra que exemplifica de modo
claro, coerente, irrepreensível, ilustrativo, rigoroso, sério e
definitivo aquilo que era, à luz da fonologia descritiva que
cruzava as tradições estruturalistas europeia e americana em
meados do século XX, uma verdadeira descrição científica da
fonologia de uma língua. Os conceitos e os métodos adotados
para o estabelecimento do inventário fonémico da língua e para
o isolamento das principais realizações alofónicas de cada
segmento (capítulos 2 e 3), a descrição distribucional dos
fonemas obedecendo aos preceitos estruturalistas mais
importantes – distinguindo-se, p. ex., um vocalismo tónico de um
vocalismo átono (ibid.) –, a descrição do sistema fonémico da
língua enquanto um sistema em correlação de forças organizado
por marcas fonológicas distintivas (cap. 3), a problematização do
estatuto fonémico das vogais nasais (secção 3.36), o
estabelecimento dos padrões distribuicionais e fonotáticos das
vogais e das consoantes (cap. 4), enriquecidas com transcrições
fonéticas e fonológicas e com glossários remissivos, permitem-
nos identificar esta obra como um representante da linguística
mais sofisticada que, à época, se produzia no mundo. De resto, a
leitura atenta da bibliografia consultada e citada pelo autor, onde
pontificam nomes (de fonólogos, de linguistas gerais, de
foneticistas, de dialetólogos, de romanistas, de sociolinguistas,
de historiadores da língua, …) como Emilio Alarcos Llorach,
Bernard Bloch, Joaquim Mattoso Camara Jr., Nikolai Trubetzkoy,
Yuen-Ren Chao, Roman Jakobson, Gunnar Fant, Paiva Boléo,
Armando de Lacerda, Martin Joos, Helmut Lüdtke, Bertil
Malmberg, André Martinet, W. Meyer-Lübke, Rodrigo de Sá
Nogueira, Serafim da Silva Neto, José Joaquim Nunes, Joseph
Piel, A. R. Gonçalves Viana, Hans Vogt, Uriel Weinreich, entre
outros, mostra-nos – como o mostra a restante produção
bibliográfica de Herculano de Carvalho – um autor solidamente
fundamentado, com um conhecimento profundo e abrangente da
principal literatura científica do seu tempo e das décadas
precedentes, publicada em Portugal, no Brasil, na Europa e na
América. Com efeito, trata-se de uma obra perfeitamente
inserida e validada – e, à época, indiscutivelmente atualizada –
dentro dos parâmetros epistemológicos em que se desenvolveu.

29
JOÃO VELOSO - Introdução

Por conseguinte, fruir desta escrita e com ela aprender


nos nossos dias adquire ainda uma terceira dimensão, que
combina formatividade e informatividade: pedagogicamente,
encontraremos aqui excelentes exemplos de como se descreve
uma língua de acordo com os parâmetros mais exigentes da
fonologia estruturalista clássica. A este nível, Fonologia
Mirandesa, muito particularmente, compara-se com descrições
do português como as de J. Mattoso Camara Jr. ou Jorge Morais
Barbosa16, ou com as descrições das línguas ameríndias que
tanto contribuíram para a afirmação do paradigma estruturalista
nas universidades norte-americanas nas décadas de 1930 e
seguintes e que Herculano de Carvalho tão bem conhecia (como
demonstrado, por exemplo, nos inúmeros verbetes que a este
respeito o autor redigiu para a Verbo – Enciclopédia Luso-
Brasileira de Cultura).
Que o mirandês tenha sido, neste contexto, o objeto de
alguns dos mais virtuosos exercícios de descrição fonológica
alguma vez publicados faz desta reedição, nas circunstâncias em
que ela surge, uma ocasião ainda mais oportuna e um feliz
agoiro para os que, através do mirandês, se aproximam da
linguística ou vice-versa.

16
Barbosa, J. Morais. 1965. Etudes de Phonologie Portugaise. Lisboa: Junta de
Investigações Científicas do Ultramar. 2.ème éd.: Évora: Universidade de Évora, 1983;
1994. Introdução ao Estudo da Fonologia e Morfologia do Português. Coimbra: Almedina;
Camara Jr., J. Mattoso. 1977. Para o Estudo da Fonêmica Portuguesa. Rio de Janeiro:
Padrão.

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