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Recife
2019
LARA DE COUTINHO PINTO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito do Centro de Ciências
Jurídicas, Faculdade de Direito do
Recife da Universidade Federal de
Pernambuco como parte dos
requisitos parciais para obtenção do
título de Mestre em Direito.
Recife
2019
Catalogação na fonte
Bibliotecária Ana Cristina Vieira, CRB-4/1736
Inclui referências.
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito do Centro de Ciências
Jurídicas, Faculdade de Direito do
Recife da Universidade Federal de
Pernambuco como parte dos
requisitos parciais para obtenção do
título de Mestre em Direito.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Profº Dr. Artur Stamford da Silva (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________________________________
Profº Dr. Alexandre Ronaldo da Maia Farias (Examinador interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________________________________
Profº Dr. Jayme Benvenuto Lima Junior (Examinador Interno)
Universidade Federal da Integração Latino-Americana
_______________________________________________________________
Profª Dra. Karla Regina Macena Pereira Patriota (Examinadora Externa)
Universidade Federal de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, meus pais Mônica Menezes Coutinho e Ciro Carvalho Pinto,
meu irmão Ciro Coutinho Pinto, pelo amor, compreensão e incentivo.
Aos meus amigos e todos aqueles que me inspiraram, incentivaram e animaram a fazer
este trabalho, meus sinceros agradecimentos.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 9
2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DAS
LIBERDADES DE CREDO E DE EXPRESSÃO............................................ 16
2.1 A dignidade humana como legitimadora da ordem constitucional................ 16
2.1.1 Natureza jurídica da dignidade da pessoa humana................................................ 17
2.1.2 A dignidade da pessoa humana como um princípio jurídico................................ 19
2.2 A dignidade da pessoa humana como justificadora das liberdades
constitucionais...................................................................................................... 21
2.2.1 A liberdade religiosa e dignidade.......................................................................... 23
2.2.1.1 Proteção de minorias religiosas históricas: liberdade religiosa e igualdade...... 25
2.2.1.2 A atuação estatal e o dever de proteção............................................................... 28
3 PROSELITISMO RELIGIOSO: INSTRUMENTO DA LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E POSSÍVEL MEIO DE DISSEMINAÇÃO DO
DISCURSO DE ÓDIO........................................................................................ 35
3.1 Conflitos entre liberdade de expressão e liberdade religiosa.......................... 35
3.2 Proselitismo religioso e discurso de ódio........................................................... 43
3.3 Critérios internacionais que legitimam restrições legais ao proselitismo
religioso com foco no sistema legal brasileiro................................................... 51
3.4 A diferenciação do discurso proselitista religioso legítimo do ilegítimo em
proteção as confissões religiosas minoritárias.................................................. 56
4 O TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL DO DISCURSO DE ÓDIO NO
BRASIL................................................................................................................ 62
4.1 O discurso de ódio na jurisprudência do STF: o caso Ellwanger – HC
82.424/RS.............................................................................................................. 64
5 CONFLITOS ENTRE O NEOPENTECOSTALISMO E AS RELIGIÕES
AFRO-BRASILEIRAS: UMA VISÃO SOCIOLÓGICA E JURÍDICA
SOBRE O TEMA................................................................................................ 72
5.1 O movimento neopentecostalista brasileiro e a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD).................................................................................................... 72
5.2 Teologia neopentecostal da guerra espiritual................................................... 75
5.3 Entre o amém e o axé: expectativa de uma resolução de conflito................... 79
6 A CONTROVÉRSIA JUDICIAL E SEU DESENVOLVIMENTO NOS
TRIBUNAIS.................................................................................................. 84
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 98
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 103
9
1 INTRODUÇÃO
violência física e verbal que se tornaram recorrentes por todo o país, e como pode ser
percebido das notícias e estudos quantitativos e qualitativos sobre o tema.
Nas favelas da zona norte do Rio de Janeiro, por exemplo, pais e mães de santo
estão sendo expulsos por traficantes evangélicos. É possível encontrar registros na
Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto Afro Brasileiro e Espírita de
pelo menos 40 Sacerdotes de cultos de matriz africana que foram afugentados de suas
casas.
Em alguns locais, como no Lins e na Serrinha, em Madureira, além do
fechamento dos terreiros também foi determinada a proibição do uso de colares afro e
roupas brancas. Os seguidores das religiões afro-brasileiras denunciam que a
intolerância religiosa não é exclusiva de uma única facção criminosa. No morro do
Dendê, por exemplo, o chefe do tráfico ostenta no antebraço direito a tatuagem com o
nome de Jesus Cristo. Pela casa, Bíblias por todos os lados, porém, em seus domínios,
reina o preconceito: enquanto os muros da favela foram preenchidos por dizeres
bíblicos, os dez terreiros que funcionavam no local deixaram de existir. Os pais e mães
de santo que ainda vivem na favela não praticam mais a religião, tendo que fingir ser o
que não são.1
Também no Rio de Janeiro, Kayllane Campos, de apenas onze anos, que havia
se iniciado no candomblé há apenas quatro meses, foi apedrejada na cabeça por
evangélicos, enquanto seguia com parentes e irmãos de santo para um centro
espiritualista na Vila da Penha. Simultaneamente ao episódio de violência física, foram
desferidas expressões como: “Sai satanás”, “Queima!” e “Vocês vão para o inferno”.
Após o ocorrido, a menina declarou que continua na religião, pois é sua fé e jamais irá
abandoná-la, mas que nunca mais sairá de branco por temer a morte.2
Na Bahia, um dos terreiros de candomblé mais renomados de Salvador, o Ilê
Axé Iyá Nassó Obá, popularmente conhecido como Casa Branca, denunciou às
autoridades a invasão de evangélicos que teriam atirado sal grosso e enxofre nos
1
SOARES, Rafael. Crime e preconceito: mães e filhos de santo são expulsos de favelas por traficantes
evangélicos. O Globo, Rio de Janeiro, 25 fev. 2015. Acesso em: 4 nov. 2018.
2
ARAÚJO, Flávio. Menina iniciada no candomblé é apedrejada na cabeça por evangélicos.
Pragmatismopolítico, Rio de Janeiro, 16 jun. 2015. Acesso em: 4 nov. 2018.
11
3
Intolerância Religiosa – Ameaça à Paz. Direção: Jonga Oliveira, Karla Ladeia, Serge Péchiné. Produção:
Barbara Borga. Toca da Gia Filmes. Casa Branca (Ilê Axé Iyá Nassó Obá). Salvador. 2004. (30m01s).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AabbtL3Wl00. Acesso em 29 de jun. 2018.
4
FERRÃO, Marcelo. A Intolerância Religiosa que mata na Bahia: “queima satanás, liberta senhor, destrói
a feitiçaria”, Geledés, Instituto da Mulher Negra, 22 jun. 2015. Acesso 7 jun. 2017.
12
5
MONTEAGUDO, Clarissa. Religiosos pedem a criação de delegacia para crimes com motivação
religiosa. Extra, Rio de Janeiro, 21 jun. 2011. Acesso 7 jun. 2017.
6
GAUTHIER, Jorge. Ilhéus: tortura à ialorixá é condenada. Correio da Bahia, Salvador, 7 nov. 2010.
13
discriminação contra outros, o que não pode ser admitido no âmbito de um estado
democrático de direito laico7.
De janeiro a julho de 2014, os adeptos de religiões de matriz africana foram
vítimas em 22 das 53 denúncias de intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100, da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, segundo levantamento
feito a pedido do Jornal GLOBO.8 Em 2013, foram 21 registros feitos por adeptos de
religiões afro-brasileiras, em um total de 114. Mas o segmento também foi o que somou
mais agredidos nesse ano.
O estudo “Presença do axé - Mapeando terreiros no Rio de Janeiro”9, de
pesquisadores da PUCRio, também contabilizou as agressões aos frequentadores de
culto afro-brasileiros. Das 840 casas listadas, 430 foram alvo de discriminação. Mais da
metade (57%) em locais públicos. Entre esses casos, a maior parte ocorreu nas ruas
(67%).
A designação ‘evangélico’ representa 32% dos casos — primeiro lugar entre os
protagonistas dos atos de agressão e/ou discriminação. Em segundo, estão os ‘vizinhos’
(27%). Em terceiro, ‘vizinhos evangélicos’ (7%). Somando-se as três categorias —
evangélico, vizinho e vizinho evangélico — obtém-se a grande maioria (66%) de todos
os casos de agressão e discriminação. A combinação reforça a percepção da existência
de um agressor típico que teria, a princípio, não somente uma adesão religiosa
específica, mas e/ou também estaria situado espacialmente bastante próximo da casa
religiosa ou terreiro.
É certo que a maior parte das notícias de jornal não permite identificar com
clareza as igrejas evangélicas a que pertencem os agressores, mas em todas as
reportagens é possível observar a mobilização do discurso demonizador que orienta e
justifica as agressões e violências, físicas e simbólicas, aos olhos de seus agentes.
Considerando análises sociológicas e antropológicas sobre o
neopentecostalismo, que ressaltam a exacerbada relevância que os neopentecostais
7
A ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Rio de Janeiro
contra o atual Prefeito da cidade, Bispo Marcelo Crivella, é identificada sob o número: 0042658-
10.2018.819.0000 e corre em apenso à ação popular de nº 0162110-11.2018.8.19.0001, na 7ª Vara da
Fazenda Pública do Rio de Janeiro.
8
TINOCO, Dandara. Levantamentos mostram perseguição contra religiões de matriz africana no Brasil. O
Globo, Rio de Janeiro, 10 ago. 2014.
9
FONSECA, Denise Pini Rosalem da; GIACOMINI, Sonia Maria. Presença do axé - Mapeando terreiros
no Rio de Janeiro. São Paulo. Editora Pallas, 2013.
14
10
MACEDO, Edir. Orixás, Caboclos & Guias: deuses ou demônios? São Paulo. Editora Universal, 2001.
11
JUSTIÇA FEDERAL. Seção Judiciária do Estado da Bahia. 4ª Vara Federal de Salvador. Ação Civil
Pública. Processo nº 0022878-69.2005.4.01.3300. Autor: Ministério Público Federal. Réus: Edir
Macedo Bezerra; Igreja Universal do Reino de Deus e Editora Gráfica Universal Ltda.
12
Como demonstram os estudos de Francisco Rivas Neto, sacerdote e fundador da Faculdade de Teologia
com Ênfase em Religiões Afro-Brasileiras (FTU), autor do artigo “Religiões Afro-Brasileiras, religiões
de transe: dirimindo questões sociais"; Denise Pini Fonseca, historiadora, ex-professora da PUC-Rio e
coautora do estudo “Presença do axé: mapeando terreiros no Rio de Janeiro” que visitou os mais de
15
800 terreiros fluminenses; João Luiz Carneiro, doutor em ciências da religião pela PUC-SP, especialista
em teologia afro-brasileira pela FTU e autor do livro “Religiões Afro-brasileiras: Uma construção
teológica”, publicado pela Editora Vozes.
16
13
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. Coimbra:
Editora Coimbra, 2012, p. 181. t. 4.
18
14
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2008, p. 29.
15
A ética kantiana encontra-se desenvolvida, sobretudo, em sua obra Fundamentação da metafísica dos
costumes, publicada em 1785.
19
16
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional
Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação.
dez. 2010, p. 11. Mimeografado.
17
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Editora Livraria do advogado, 2008, p. 44.
18
Id., 2008, p. 75.
19
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo. Malheiros editores, 2008, p. 90.
20
realizados, sem explicitar comportamentos específicos. Sua aplicação poderá se dar por
subsunção, mediante extração de uma regra concreta de seu enunciado abstrato, mas
também mediante ponderação, em caso de colisão com outras normas de igual
hierarquia. Além disso, seu papel no sistema jurídico difere do das regras, na medida em
que eles se irradiam por outras normas, condicionando seu sentido e alcance.20
Ao analisar a dignidade humana na condição de princípio, precede de
importância salientar três características deste instituto. A primeira é que ela é parte do
conteúdo dos direitos materialmente fundamentais, é o núcleo desses direitos, a
justificação moral dos mesmos, mas não se confunde com eles. A dignidade humana
serve como parâmetro da ponderação em caso de concorrência entre direitos
fundamentais.
A segunda, embora seja qualificada como um valor ou princípio fundamental,
assim como todos os outros direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana não
tem caráter absoluto, isso quer dizer que, apesar de ter proeminência na maioria dos
casos, a dignidade humana em certos contextos pode vir a ser restringida, sacrificada em
prol de outros valores individuais ou sociais, como na pena de prisão, na extradição de
estrangeiro ou na proibição de determinadas formas de expressão.21
Por fim, a dignidade da pessoa humana, como ocorre com qualquer outro
princípio, tem eficácia vertical e horizontal, ou seja, aplica-se tanto nas relações entre
indivíduo e Estado quanto nas relações privadas.
À luz do que leciona Luís Roberto Barroso, os princípios em geral e a dignidade
da pessoa humana têm seu âmbito de eficácia dividido em três grandes categorias:
direta22, interpretativa e negativa23.
No que tange à resolução de solução de casos difíceis entre princípios e a
dignidade humana, a eficácia interpretativa tem grande importância como condutora de
resolução de divergências:
20
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público.
Mimeografado, dezembro de 2010, p. 12.
21
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros editores, 2008, p. 276.
22
BARROSO, Luís Roberto, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público.
Mimeografado, dezembro de 2010, p. 12: “Pela eficácia direta, um princípio incide sobre a realidade
à semelhança de uma regra. Embora tenha por traço característico a vagueza, todo princípio terá um
núcleo, do qual se poderá extrair um comando concreto.”
23
Id., 2010, p.14: “A eficácia negativa, por fim, implica na paralisação da aplicação de qualquer norma
ou ato jurídico que seja incompatível com o princípio constitucional em questão.”
21
24
Trata-se do Caso Ellwanger, em que o STF decidiu que a liberdade de expressão não protege a incitação
de racismo antissemita. DJ 19 mar. 2003, HC 82.424/RS, Rel. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa.
22
25
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Editora Livraria do advogado, 2008, p. 59-60.
26
Id., 2008, p. 89.
27
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Malheiros editores, 2008, p.222: “Se o objeto da
liberdade é uma alternativa de ação, falar-se-á em uma “liberdade negativa”. Uma pessoa é livre em
sentido negativo na medida em que a ela não são vedadas alternativas de ação. O conceito negativo de
liberdade nada diz acerca daquilo que uma pessoa que é livre em sentido negativo deve fazer ou, sob
certas condições irá fazer; ele diz apenas algo sobre suas possibilidades de fazer algo”.
28
Id., 2008, p. 222 “A distinção entre liberdade positiva e negativa reside somente no fato de que no caso
da primeira o objeto da liberdade é uma única ação, enquanto no caso da segunda ele consiste em uma
alternativa de ação”.
29
Ibid., 2008, p. 374.
23
30
Sobre a liberdade. In: MORRIS, Clarence (Org.). Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 385.
31
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Malheiros editores, 2008, p. 356.
32
Id., 2008, p.356.
33
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2011.
24
34
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção constitucional à liberdade religiosa. São Paulo: Saraiva, 2013.
35
Id., 2013, p. 116.
25
pode pretender impor uma determinada concepção do que é sagrado para os cidadãos.
Em verdade, deve assegurar a todos o direito de decidir, por si mesmos, o que a
sacralidade da vida humana significa e exige.36
Em uma democracia constitucional, o Estado e seus cidadãos precisam ser
racionais e razoáveis, aceitando o fato de que existe um pluralismo de concepção do que
é bem/mal, no plano individual de cada um, reconhecendo no outro um ser livre e igual.
Deixar as decisões fundamentais de existência dos indivíduos à disposição das
concepções e preferências valorativas das maiorias não pode ser admitido numa
democracia constitucional que reconhece o princípio da dignidade humana.
O Estado de Direito sobrepõe-se aos diferentes poderes de fato e os princípios
constitucionais são a base da sua razão pública, substituindo-se a irracionalidade das
afirmações de preferências brutas por um sistema justo de cooperação entre cidadãos e
grupos sociais. As confissões religiosas são construídas com base em seus próprios
princípios fundacionais de natureza religiosa e moral, e a sua razão interna tem natureza
teológica.
A comunidade constitucional deve ser inclusiva, garantindo direitos subjetivos
de igual liberdade a todos os cidadãos e respeitando o princípio da separação das
confissões religiosas do Estado, suprimindo o discurso exclusivista teológico-
confessional e substituindo-o pelo discurso jurídico-constitucional, por ser inclusivo e
apoiado na dignidade da pessoa humana.37
36
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São
Paulo: Martins Fontes. 2006.
37
PORT, Marli Eulália. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva: dos direitos da
verdade aos direitos dos cidadãos. Coimbra:Editora Limitada,1996, p. 36-37.
26
em verdade, deve ser capaz de garantir que as diversas confissões religiosas professadas
na sociedade sejam politicamente tratadas como livres e iguais, não concedendo a
nenhuma delas privilégios.
O Estado liberal é laico, porém, não é porque é oficialmente imparcial em
relação às questões religiosas que deve sustentar cegamente uma igualdade de
tratamento entre indivíduos, sem observar as implicações das identidades culturais
coletivas na sociedade.
O direito geral de igualdade (princípio isonômico) encontra-se diretamente
ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração
Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e
direitos, assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa
humana a garantia de isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser
submetidos a tratamento discriminatório arbitrário. Razão pela qual não podem ser
tolerada escravidão, discriminação racial, perseguições por motivos de religião, gênero,
toda e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material.
A liberdade religiosa pressupõe tratamento igualitário amplo que deve ser
protegido no âmbito das duas dimensões do princípio da isonomia. Acerca do princípio
da igualdade leciona Dirley Da Cunha Júnior:
A igualdade formal define que todos os indivíduos são iguais perante a lei no
âmbito de sua criação e aplicação. É uma igualdade abstrata e genérica, o que afasta o
tratamento privilegiado de uma confissão religiosa ou a identificação estadual com um
conceito material de ortodoxia religiosa. É o que preceitua a atual Constituição Federal
brasileira de 1988 em seu art. 5º, inciso VI: “é inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
38
CUNHA JÚNIOR, Dirley da Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008, p.
636.
27
39
SANTOS, Milene Cristina. Intolerância religiosa: do proselitismo ao discurso de ódio. São Paulo:
D’placido, 2017, p. 44.
28
física ou mental, pessoas vivendo com HIV), escolaridade, cultura, credo religioso,
convicção filosófica e tantos outros.
A dimensão do princípio da igualdade consistente no reconhecimento das
diferenças, e sua análise no íntimo dos conflitos existentes no campo religioso brasileiro
se faz extremamente relevante. O reconhecimento e o respeito a esse pluralismo passam
por um inexorável vínculo com a ideia dignidade da pessoa humana, o que reclama e
exige especiais posturas estatais de proteção daqueles que são diferentes em razão de
quaisquer fatores.
40
DWORKIN, Ronald. A discriminação compensatória. In: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a
sério. São Paulo: Editora wmf Martins Fontes. 2011.
41
Id., 2011, p. 349.
42
DWORKIN, Ronald. A discriminação compensatória. In. Levando os direitos a sério. São Paulo.
Editora wmf Martins Fonte, 2011, p. 350.
29
O sentido que o autor dá às políticas sociais que visam a tornar a sociedade mais
igualitária em termos gerais, violando, para tanto, o direito individual à igualdade em
razão de uma igualdade geral, é importantíssima para a colocação equânime dos
indivíduos em sociedade.
Por exemplo, no que se refere aos dias de guarda, o reconhecimento do direito
dos judeus e adventistas do sétimo dia a um tratamento como igual impede que as leis
estabeleçam igual tratamento a todos os estudantes, no tocante à escolha dos dias de
prova de concursos públicos, uma vez que o indiferentismo público sobre a relevância
religiosa dos dias de guarda não reconhece os integrantes dessas confissões religiosas
minoritárias como igualmente merecedores de respeito e consideração.
No que tange ao serviço militar obrigatório, o reconhecimento das testemunhas
de Jeová como iguais impede que o Estado brasileiro obrigue que todos os homens
seguidores desta religião se alistem nas forças armadas, diferentemente do que ocorre
com os demais. A posição ética dos seguidores da religião abomina que os mesmos
toquem em armas de fogo, uma vez que tal ato é considerando pecado, nesse sentido a
consciência de crença e autodeterminação do indivíduo deve ser entendida por parte do
Estado que deve reconhecer e proteger a confissão religiosa minoritária.
Em assim sendo, “direito ao tratamento como igual” precede e fundamenta o
“direito ao igual tratamento”. Nem sempre, portanto, o reconhecimento do “direito a um
tratamento como igual” conduzirá a um “direito de igual tratamento”.
Nesse sentido, para Dworkin uma política que coloca muitos indivíduos em
situação de desvantagem pode, mesmo assim, ser justificada, porque dá melhores
condições à comunidade como um todo. É o sentido utilitarista da ação discriminatória
que se justifica porque o nível médio ou coletivo do bem-estar comunitário aumentou
apesar do bem-estar de alguns indivíduos ter diminuído.
Robert Alexy, numa visão ligada a uma aplicação contemporânea dos princípios
da liberdade e igualdade, defende que as ações e políticas inclusivas trabalham
fundamentalmente com a ideia de restrição de liberdade de uma maioria frente ao
direito de inclusão (igualdade) de uma minoria face àquela maioria.
Alexy enxerga a igualdade numa perspectiva material relacionando-a com uma
desigualdade valorativa com relação a casos fáticos e determinados tratamentos, pauta-
30
se na máxima: “se houver uma razão suficiente para o dever de um tratamento desigual,
então, o tratamento desigual é obrigatório.”43
O Estado deve pautar sua atuação com base na observância na igualdade de
tratamento dos indivíduos, na medida de suas desigualdades, sempre pugnando pelo
respeito e observância da dignidade da pessoa humana.
Como leciona Ingo Sarlet:
Chama-se laico o Estado que não é confessional, ou seja, que não adotou uma
religião como religião oficial e, sim, o regime de separação entre Estado e instituições
religiosas, permitindo a seu povo qualquer religiosidade como também a irreligiosidade.
Outra característica do estado laico é legitimar materialmente as instituições
democráticas na vontade soberana do povo.
O princípio do Estado laico pode ser diretamente relacionado a dois direitos
fundamentais que gozam de máxima importância na escala dos valores constitucionais:
liberdade de religião e igualdade.
43
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros editores, 2008, p. 410.
44
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Editora Livraria do advogado, 2008, p. 114.
31
45
A Constituição brasileira, em seu preâmbulo, assegura a pluralidade da sociedade nacional: “Nós,
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica da controvérsias, promulgamos, sob proteção de
Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifos nossos).
46
A separação formal do Estado brasileiro da Igreja decorre da inteligência do art. 5º da Constituição
Federal de 1988, a separação material decorre do art. 1º, parágrafo único da carta magna.
47
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 292.
32
as confissões religiosas, por sua vez, exige que o Estado assegure a participação de
todas as religiões no espaço público sem distinção.
Permitir a presença privilegiada de certos símbolos religiosos, ou de suas
autoridades eclesiásticas, em espaços, instituições ou eventos públicos, transmite a
mensagem de que nem todos os cidadãos são considerados membros de pleno direito da
comunidade política.
Evidentemente o Estado brasileiro não se configura como totalmente laico, a
própria Constituição Federal admite o ensino religioso em escolas públicas de ensino
fundamental48, admite igualmente que o casamento religioso produza efeitos civis, na
forma do dispositivo em lei49, admite feriados religiosos etc., o que não pode ser
admitido é o tratamento privilegiado de certas crenças religiosas por parte do Estado,
como é o caso polêmico dos crucifixos nos espaços institucionais dos tribunais
brasileiros50. Isso demonstra o quanto precisamos avançar no princípio da separação
entre as igrejas e o Estado a fim de edificar um Estado democrático de direito
verdadeiramente laico.
Ainda em relação ao caso dos crucifixos, dos ensinamentos de Daniel
Sarmento51, infere-se que a promiscuidade entre os poderes públicos e qualquer credo
religioso, ao sinalizar o endosso estatal de doutrinas de fé, pode representar uma
coerção, ainda que de caráter psicológico, sobre os que não professam aquela religião.
Ademais, para os jurisdicionados e para a sociedade em geral, esta associação
(crucifixo e Poder Judiciário) pode comprometer a percepção sobre a imparcialidade do
Judiciário, sobretudo quando estiverem em jogo questões em que a religião favorecida
tenha posição firme, como tem ocorrido invariavelmente no Brasil nos casos
envolvendo os direitos sexuais e reprodutivos.
O Estado democrático de direito deve assegurar uma esfera pública aberta e
plural, na qual todas as crenças religiosas e convicções morais sejam politicamente
tratadas como igualmente merecedoras de consideração e respeito.
48
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988, art. 210, parágrafo 1º
49
Id., art. 226, parágrafos 1º e 2º.
50
Evidencia-se o tratamento privilegiado as crenças e instituições católicas em detrimento dos demais,
perpetuando o lugar excepcional do qual sempre desfrutou a Igreja Católica perante o Estado brasileiro
contrariando os princípios da dignidade humana e igualdade.
51
SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos tribunais e estado laico. Revista Eletrônica PRPE. maio 2007.
33
52
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 293.
34
A pessoa que tolera faz um juízo negativo da coisa tolerada: considera que é
uma ideia falsa ou uma ação incorreta, ou então que é algo de mau gosto ou
perigoso, etc. Mas não tira consequências práticas desse juízo negativo: não
age contra a coisa tolerada, não a reprime, não tenta impedir a sua expressão
pública, se é uma ideia, nem impedir a sua realização, se é uma ação. A
pessoa que tolera não tenta limitar a liberdade dos outros falarem e agirem
como querem e procura coexistir pacificamente com eles, apesar de achar que
não estão certos.53
53
PIRES, Carlos. O que é tolerância? in: Dúvida metódica. abr. 2013 Disponível em: http://duvida-
metodica.blogspot.com.br/2013/04/o-que-e-tolerancia.html
35
54
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na constituição
federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 29-60.
36
55
O regime militar usou de critérios políticos para censurar o jornalismo, ao passo que, na censura das
artes e espetáculos, serviu-se principalmente de critérios morais para fazê-lo. São exemplos históricos o
Ato institucional nº 5 (AI-5) e as Leis da censura prévia.
56
Os crimes de calúnia, difamação e injúria estão positivados, respectivamente, nos artigos 138, 139 e
140 do Código Penal brasileiro.
57
Heresia: quando alguém tem um pensamento diferente de um sistema ou de uma religião, sendo assim
quem pratica heresia, é considerado um herege.
58
Blasfêmia: uma ofensa a uma divindade. É um insulto a uma religião ou a tudo que é considerado
sagrado. É a difamação do nome de um Deus.
59
A Reforma Protestante que se insurgiu contra a Igreja Católica na Alemanha em 1529, por exemplo,
teve os ensinamentos de Martin Lutero taxados como heréticos e estes foram decisivamente
condenados.
37
60
O chute da santa. Edição do dia 12.10.1995. Jornal Nacional. Rede Globo. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=VpPwWEsk0OY Acesso em: 4 nov. 2018.
61
Lei 7.716/89:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97).
Art. 20º Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) Pena: reclusão de um a três anos e
multa.
62
Sérgio Von Helde Luiz foi condenado em 1997 pelo juiz da 12ª Vara Criminal da comarca de São Paulo
a dois anos e dois meses de prisão por crime de discriminação religiosa e vilipêndio a imagem. O
ineditismo da condenação e a consequente ausência de jurisprudência marcou o caso. O processo pode
ser consultado no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sob o nº.: 0082928-
34.1995.8.26.0050.
63
GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado. Parte Especial. São Paulo: Editora
Saraiva, 2011, p. 501-503.
38
64
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v. 3, 23 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p.
404.
65
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988. art. 5º, inciso VI.
66
Consulte-se, a propósito, Edilsom Pereira de Faria. Colisão de Direitos: a Honra, a Intimidade, a Vida
Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e Informação. 2a ed., Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 2000; Jayme Weingarter Neto. Honra, Privacidade e Liberdade de Imprensa.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002; e Luís Roberto Barroso. “Liberdade de Expressão versus
Direitos da Personalidade: Colisão de Direitos Fundamentais e Critérios de Ponderação”. In: Temas de
Direito Constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 79-130.
39
irmãos islâmicos que, revoltados com uma charge que trazia a imagem do profeta
Maomé com os seguintes dizeres: "100 chicotadas se você não morrer de rir", mataram
12 pessoas, incluindo parte da equipe do jornal, deixando mais 11 feridas.67
Tal sátira fora recebida como um insulto pelos mulçumanos, que se sentiram
diretamente atacados quanto aos seus sentimentos religiosos. Centenas de pessoas e
personalidades manifestaram seu repúdio aos ataques orquestrados contra o jornal,
fazendo com que e a frase "Je suis Charlie" (francês para “Eu sou Charlie") se
transformasse em um sinal comum, em todo o mundo, solidarizando-se contra os
ataques terroristas e a favor da liberdade de expressão.
Esse não foi um acontecimento isolado. Inúmeros são os casos dos quais
acarretaram ondas de protestos e atentados terroristas na Europa e no mundo islâmico,
de muçulmanos que se sentiram profundamente ofendidos em seus sentimentos
religiosos, bem como, não menos veementes, manifestações e protestos de jornalistas
por seu direito constitucional à liberdade de expressão e de imprensa.
No caso Charlie Hebdo, a maior parte dos cidadãos europeus defendeu
energicamente a liberdade de expressão em matéria religiosa, completamente alheios a
qualquer direito de proteção a sentimentos religiosos, enquanto o atentado foi saudado
nos estados islâmicos.68
Na religião muçulmana, há um princípio que diz que o Profeta Maomé não pode
ser retratado de forma alguma. Esse é um preceito central da crença Islâmica e
desrespeitar isso é o mesmo que desrespeitar todos os muçulmanos. Fazendo um
paralelo, para eles, isso seria tão grave quanto é para os católicos o fato de um pastor
evangélico chutar a imagem de Nossa Senhora Aparecida em rede nacional.
Como bem apontado pelo teólogo Leonardo Boff69, outro problema, ainda mais
grave é a maneira como os meios de comunicação franceses sempre retratam de forma
ofensiva os muçulmanos. Os adeptos do Islã constantemente estão caracterizados por
suas roupas típicas, portando armas ou fazendo alusões à violência, acompanhados por
trocadilhos infames como “matar” e “explodir”.
67
Je suis Charlie. Direção: Daniel Leconte e Emmanuel Leconte. Produtor: Daniel Leconte. Paris. Film Em
Stock. 2016. Netflix. (1h30m).
68
DEDA, Rhodrigo. O Charlie Hebdo e a liberdade de expressão nos tempos de redes sociais. Gazeta do
Povo, Curitiba, 19 set. 2015.
69
Os comentários do professor Leonardo Boff sobre o incidente ocorrido no jornal Charlie Hebdo em
janeiro de 2015 podem ser encontrados em seu sítio eletrônico:
https://leonardoboff.wordpress.com/2015/01/10/eu-nao-sou-charlie-je-ne-suis-pas-charlie/. Acesso em jul.
de 2018.
40
70
Id.
71
São exemplos os casos: Otto Preminger Institute vs. Áustria (1995); Wingrove vs. United Kingdom
(1997), I.A. vs. Turkey (2005); todos julgados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH). Da
decisão tomada nesses casos depreende-se o TEDH ofereceu proteção penal seletiva da liberdade
religiosa dos cidadãos, discriminando e privilegiando os sentimentos religiosos das crenças perfilhadas
pelas maiorias (católicos na Áustria, cristãos no Reino Unido e muçulmanos na Turquia).
41
72
Questão que vêm se ampliando quando se discute, por exemplo, o discurso de ódio proferido nas redes
sociais ou discursos proferidos em performativos de linguagem dita humorística. Caracterizado por
Adilson José Moreira como racismo recreativo no contexto brasileiro.
73
É o que se depreende do artigo 5º da Carta Constitucional.
42
O Código Penal brasileiro, em seu art. 140, caput e §3º, criminaliza as injúrias
discriminatórias, incluindo aquela praticada por discriminação religiosa. Como ensina
Rogério Greco, de todas as infrações penais tipificadas no Código Penal que visam
proteger a honra, a injúria, na sua modalidade fundamental, é a considerada menos
grave. Entretanto, por mais paradoxal que possa parecer, a injúria se transforma na mais
grave infração penal contra a honra quando consiste na utilização de elementos
referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou com
deficiência, sendo denominada de injúria preconceituosa. 74
Como ensina Aníbal Bruno, ao contrário da calúnia e da difamação, ao tipificar
o crime de injúria o legislador objetivou proteger a chamada honra subjetiva do
indivíduo, ou seja, o conceito amplo que o ser humano tem de si mesmo. O ato injurioso
fere o sentimento de dignidade da vítima, o sentimento que ele tem do seu próprio valor
social e moral (que integram sua personalidade), bem como a sua respeitabilidade,
qualidades de ordem física e social que conduzem o indivíduo à estima de si mesmo e o
impõe ao respeito dos que com ele convivem.75
A injúria limita a liberdade de expressão, com base nas dimensões espirituais,
morais e físicas da dignidade da pessoa humana, base dos direitos da personalidade de
terceiros. Como ensina Manoel Jorge Silva Neto, a Constituição Federal trata todos os
cidadãos como livres e iguais, dignos da mesma consideração e respeito, e isso se
irradia ao âmbito da opção religiosa.76
A violação da honra das confissões religiosas, dos seus deuses, crenças e
símbolos sagrados atinge diretamente as pessoas que professam àquela religião, ferindo
o titular do direito fundamental à liberdade religiosa e sua dignidade em sua dimensão
de estima, honrabilidade e valores próprios. A injúria constitui infração criminal
concernente à lesão da dignidade humana. Para Manoel Jorge Silva Neto, a opção
religiosa está tão incorporada ao substrato de ser humano - até para não se optar por
74
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Editora Ímpetos, 2009. p. 305.
75
Rogério. Crimes Contra a Pessoa. Niterói: Editora Ímpetos, 2009, p. 300.
76
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção constitucional à liberdade religiosa. São Paulo: Editora
Saraiva, 2013, p. 109-115.
43
77
Ibid., 2013, p. 116.
78
A análise do conflito entre liberdade de expressão e liberdade religiosa será feita no âmbito do caso
concreto a que se pretende analisar posteriormente.
79
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição
federal de 1988. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2008, p. 107.
44
O discurso do ódio (hate speech) pode ser definido, de forma ampla, como a
expressão cujo conteúdo ofende a honra ou a imagem de grupos sociais,
especialmente minorias, ou prega a discriminação contra os integrantes
desses grupos. (2017, p. 36)
80
MEYER-PFLUG. Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso de ódio. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009, p. 97.
45
pelo Estado, sem que se permita, entretanto, que o seu exercício atinja a liberdade e
manifestação de crença de terceiro.
Riva Freitas e Mateus Castro81 afirmam que, dentro de uma sociedade livre e
plural, as múltiplas ideias e comportamentos devem conviver, não sendo permitida ao
Estado qualquer interferência na propagação, disseminação ou formação de um
pensamento uniforme. A autonomia privada, seja para a formação de uma ideia ou para
a formação da consciência do indivíduo, deve ser intocável pelo Estado direta ou
indiretamente, isso proporciona a formação de indivíduos responsáveis e certos de si,
contribuindo para o amadurecimento intelectual da sociedade, possibilitando avanços
democráticos na convivência em comunidade.
De forma genérica, as diferentes religiões professadas na sociedade tendem a
acreditar que seus preceitos e crenças são verdades absolutas e que todos aqueles que
não concordam com seus mandamentos estão errados, mas não é aí que reside o
problema, haja vista todos serem livres e iguais para crer no que quiserem.
O conflito começa a despontar a partir do momento em que esse convencimento
religioso se torna cego a ponto de não reconhecer o outro como igualmente livre e
detentor de sua própria verdade. A crença em uma verdade absoluta e a convicção
expansionista de sua fé é que levam membros de determinada religião a tentar
convencer membros de outra ou de nenhuma religião a se converter à sua crença,
testando a segurança do ser humano em sua própria fé ou na ausência dela. Isso é o que
denominamos de proselitismo religioso, que não se caracteriza somente em tentar
converter o próximo, mas também na crença de que a sua religião é boa, eficaz e o
caminho correto rumo ao criador independentemente do que pode professar as demais
religiões.
Como alerta Ricardo Mariano82, o proselitismo é, assim, forma de ratificar a
própria religião, crença e culto ofertado ao fiel, é o modo encontrado pelas religiões
para atrair novos fiéis à sua crença, utilizando, para tanto, de uma gama de estratégias e
formas de apresentação dessa crença que funcionam como uma propaganda, com o
intuito de convencer o indivíduo de que sua religião não é adequada e que se sentirá
81
FREITAS, Riva Sobrado de; CASTRO, Matheus Felipe de. Liberdade de Expressão e Discurso do
Ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão. Revista Sequência.
Florianópolis, UFSC, v. 34, n. 66, 2013.
82
MARIANO, Ricardo. Religião e política: a instrumentalização recíproca. Revista Online Instituto
Humanas Unisinos. jun. 2016. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-
noticias/entrevistas/515175-religiao-e-politica-a-instrumentalizacao-reciproca-entrevista-especial-com-
ricardo-mariano. Acesso em: 4 ago. 2018.
46
83
MARIANO, op. cit. p. 13.
84
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. São Paulo: Estudos
Avançados, 2004, p. 124-125.
47
85
A matéria pode ser consultada no canal do youtube do Jornal Folha de São Paulo, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=rQsbACaIkQo. Acesso em: 4 nov. 2018.
86
A chamada “consagração” dos gladiadores do altar realizada no interior do Templo de Salomão, sede
mundial da igreja IURD, está disponível para consulta em:
https://www.youtube.com/watch?v=aX7Uv8JB0ew. Acesso em: 4 nov. 2018.
48
87
O Boko Haram é um grupo terrorista que surgiu na Nigéria em 2002, que, muitas vezes, é denominado
como “grupo radical islâmico”, pois as suas ações correspondem ao fundamentalismo religioso de
combate à influência ocidental e de implantação radical da lei islâmica, a sharia. O nome Boko
Haram significa “a educação não islâmica é pecado” ou “a educação ocidental é pecado” na língua
Hausa, um idioma bastante falado no norte do território nigeriano. Vale lembrar que apesar dos dogmas
do grupo terrorista, a Nigéria é um Estado laico.
88
DOMÍNGUEZ, Ana Garrida. El conflicto entre la liberdad de expresión y los sentimentos religiosos en
las sociedades multiculturales. Vigo: AFD, 2014, p. 97-115.
49
89
É como se constata facilmente dos meios de comunicação e das numerosas caminhadas de fé ostentada
por diversas religiões, sobretudo as maioritárias.
90
INTERVOZES:https://brazil.mom-rsf.org/br/destaques/participacao-religiosa-na-midia/ e LE MONDE
DIPLOMATIQUE BRASIL https://diplomatique.org.br/especial/proprietarios-da-midia-no-brasil/
Acessados em: 1 fev. 2019.
50
É nesse sentido que assume relevo a análise do discurso de ódio, que, como
visto, traduz-se na incitação e no induzimento à discriminação ou ao
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, à base de
uma ação violenta. Ora, a imprescindibilidade da liberdade de expressão, na
perspectiva do uso público da razão, é manifesta. Mas, no momento em que
seu conteúdo traz o discurso de ódio, introduz-se na esfera pública a
violência, radicada na disseminação do ódio contra as minorias (raciais,
étnicas, religiosas etc.) e do medo infligido a quem é vítima de tal
manifestação do pensamento de sofrer uma agressão gratuita, corrompendo-
se o aspecto comunicativo do poder. Não se deve confundir, por evidente, o
discurso de ódio com o discurso de crítica. Odiar, no discurso, significa
coagir mediante o emprego da violência radicada na disseminação do ódio e
do medo da agressão gratuita, ao passo que discordar exprime a pretensão de
se fazer valer o próprio argumento no debate público, o que é inerente à
própria teoria do discurso (DE PAULA, 2009, p. 12).
91
MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009, p. 99.
92
SILVA, Vagner Gonçalves da. Prefácio ou Notícias de uma guerra nada particular: os ataques
neopentecostais às religiões afro-brasileiras e aos símbolos da herança africana no Brasil. In:.
Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo:
EDUSP, 2007, p. 9-24.
93
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição
federal de 1988. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2008, p. 107.
51
Nesse contexto, numa sociedade democrática, como o Estado deve atuar para
equilibrar o direito de uma comunidade exercer e expandir sua fé com o direito de
outras comunidades de gozar pacificamente de suas crenças e tradições? Evidentemente
que os direitos dos cidadãos emissores do discurso proselitista (possuidores do direito
fundamental à liberdade de expressão religiosa) se diferenciam dos receptores desse
discurso (atingidos em sua dignidade). O grande desafio que se apresenta para o Estado
e para a própria sociedade é permitir a liberdade de expressão sem que isso possa gerar
um estado de intolerância, ou acarrete prejuízos irreparáveis para a dignidade da pessoa
humana e também para a igualdade94.
94
MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2009, p. 99.
95
SANTOS, Milene Cristina. Intolerância religiosa: do proselitismo ao discurso de ódio. São Paulo:
D’placido, 2017, p. 111.
52
96
Desde de 2010 a França proíbe o uso do véu islâmico integral (burca ou niqab) em espaços públicos
justificando na necessidade das autoridades terem que identificar os indivíduos e prevenir atentados
contra a segurança das pessoas e dos bens e lutar contra a fraude de identidade.
53
Presidente, Dra. Damaris Dias Moura Kuo, pudesse fazer uma visita preliminar ao
presídio para conhecer o caso “in loco”.
Fora promovida uma reunião com a presença de todas as presas muçulmanas,
oportunidade em que elas, através de tradução, puderam manifestar a sua necessidade de
ordem religiosa, já que para elas, sem o uso do véu, Deus não ouviria suas preces. Ao
passo disso, a Diretora Geral de Segurança do presídio explicou as razões de segurança
pelas quais as mesmas não poderiam ficar permanentemente cobertas pelo véu apesar do
ideal religioso muçulmano.
A presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB à época,
conjuntamente com a advogada das muçulmanas, conseguiu equacionar o respeito às
regras de segurança prisional com o direito à manifestação religiosa das mulheres
encarceradas da seguinte forma: as detentas não usariam véu o tempo inteiro, mas
cobririam seus cabelos e corpos com lençóis brancos em todos os momentos de orações.
A mediação da Comissão para a solução do impasse foi considerada
absolutamente satisfatória pelas muçulmanas presas. A Presidente da Comissão de
Direito e Liberdade Religiosa, Dra. Damaris Dias Moura Kuo, em entrevista à OAB
sobre o caso afirmou que:
[...] essa foi mais uma vitória desta casa de cidadania, a OAB/SP, que sempre
alerta, promoveu a garantia de um direito fundamental à livre expressão de fé
e liberdade religiosa, mesmo em local de internação coletiva, assegurando
mais uma vez a Democracia neste País (2011, p.1).
97
Processo administrativo n. 3919/2010 da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP. Na
mídia, o caso foi noticiado por vários sítios da internet, entre os quais destacamos o domínio da OAB-
SP: http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/liberdade-religiosa/noticias/comissao-de-direito-e-
liberdade-religiosa-atua-em-caso-de-muculmanas-presas-no-brasil; Acesso em jun. de 2015.
54
98
GUERREIRO, Sara. As Fronteiras da Tolerância - Liberdade Religiosa e Proselitismo na Convenção
Europeia dos Direitos do Homem. São Paulo: Almedina, 2005, p. 215.
99
BARROSO, Luís Roberto. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de jeová.
Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf. Acessado em: 4 jul. 2018.
55
100
SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora Lumem Juris,
2006, p, 251.
101
Foi como visto dos princípios constitucionais que fundamentam a república democrática brasileira.
56
102
SANTOS, Milene Cristina. Intolerância religiosa: do proselitismo ao discurso de ódio. São Paulo:
D’placido, 2017, p. 111.
103
Ibid., 2017, p. 120.
57
104
Censo demográfico, Rio de Janeiro, 2010:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf. Acesso em: 5
jul. 2018.
58
105
Artigo 5º da Constituição Federal.
106
Artigo 20º da Lei 7.716/89. Define os crimes resultantes de raça ou cor.
107
SANTOS, Milene Cristina. Intolerância religiosa: do proselitismo ao discurso de ódio. São Paulo:
D’placido., 2017, p. 135.
59
108
Ibid., 2017, p. 137.
60
109
Ibid., 2017, p. 139.
61
110
Decisão publicada em 11 de abril de 2018 pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal de São Paulo. O
inteiro teor do acórdão ser consultado no site do tribunal sob o nº 0034549-11.2004.4.03.6100/SP.
62
111
SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora Lumem
Juris, 2006, p. 251.
63
112
Nesse sentido nega “o mito da democracia racial” disseminado pelo sociólogo Gilberto Freyre em sua
obra intitulada “Casa Grande e Senzala”.
113
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Editora Saraiva. 2014, p. 167-169
114
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: Leituras
complementares de direito civil. São Paulo: Jus Podivm, 2009, p. 83.
64
A suprema corte constitucional brasileira não julgou muitos casos em que tratou
do tema discurso de ódio, porém o julgado mais emblemático conferido à matéria pela
jurisprudência constitucional pátria ajudou a compreender e traçar limitações ao tratar
sobre o assunto.
Com efeito, em várias oportunidades, a Corte se pronunciou sobre o tema dos
limites à liberdade de expressão, em sentido amplo, contudo, p ode-se afirmar que, dentre
os casos julgados pelo STF, apenas no caso Ellwanger se analisou especificamente a
questão do discurso de ódio, decisão esta que ficou conhecida pela polêmica que dividiu
a doutrina e a opinião pública sobre o assunto.116
115
Foi garantida na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19), no Pacto dos Direitos Civis e
Políticos (art. 19), na Convenção Europeia de Direitos Humanos (art. 10), na Convenção Interamericana
de Direitos Humanos (art. 13) e na Carta Africana de Direitos Humanos (art. 9º), dentre outros
documentos internacionais.
116
Em defesa da decisão: 1) BRANCO, Paulo Gustavo Gonet et al. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 351; 2) POTIGUAR, Alex Lobato. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio.
A luta pelo reconhecimento da igualdade como direito à diferença. Brasília: Consulex, 2012; 3)
HONÓRIO, Cláudia; KROL, Heloísa. Jurisdição constitucional, democracia e liberdade de expressão:
análise do caso Ellwanger. A&C Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte,
ano 8, n. 32, p. 77-92, abr./jun. 2008. Contra: 1) MARTINS, Leonardo. Sigfried Ellwanger: liberdade de
expressão e crime de racismo: parecer sobre o caso decidido pelo STF no HC 82.424/RS. Revista
Brasileira de Estudos Constitucionais RBEC, Belo Horizonte, ano 1, n. 4, p. 179-209, out./dez. 2007; 2)
MEYER-PFLUG, Samatha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: RT, 2009, pp.
218 e ss; 3) CARVALHO, Lucas Borges de. Justiça e liberdade de expressão: uma releitura do caso
Ellwanger. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais –RBEC, Belo Horizonte, ano 3, n. 10, abr./jun.
2009.
65
O caso histórico julgado pelo STF envolveu o conceito de raça e o conflito entre
a liberdade de expressão, a dignidade do povo judeu e a proibição à prática do crime de
racismo.
Tratava-se de ação penal por crime de discriminação racial proposta contra
Siegfried Ellwanger, que escrevera, editara e publicara diversos livros com conteúdo
antissemita, que negavam a ocorrência do Holocausto e atribuíam características
negativas ao caráter dos judeus. O tipo penal em questão era o do art. 20 da Lei
7.716/89, com a redação dada pela Lei 8.081/90, segundo o qual é crime sujeito à pena
de reclusão de 2 a 5 anos e multa, “praticar, induzir ou incitar, pelos meios de
comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Ele foi absolvido em primeira instância e condenado em segunda instância, pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a dois anos de reclusão por apologia a ideias
preconceituosas e discriminatórias contra os judeus. Siegfried Ellwanger, além de ser
sócio de uma editora – Revisão Editora Ltda –, também era autor de diversas obras
literárias de conteúdo antissemita, tal como Holocausto, judeu ou alemão? – Nos
bastidores da mentira do século.
Foi impetrado Habeas corpus no STJ em face da condenação constante no
acórdão do TJ-RS. O HC foi indeferido e a questão chegou ao STF. A corte suprema,
por sua vez, denegou o writ, decidindo:
A referida decisão do STF foi tomada por maioria dos votos, restando vencidos
os Ministros Moreira Alves (relator do processo), Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio.
Dentro do contexto normativo e axiológico aqui anteriormente exposto, não foi
difícil para o Supremo Tribunal Federal decidir, no caso Ellwanger, no sentido da
constitucionalidade da punição de manifestações de antissemitismo. A questão central
do HC 82.424/RS residia no fato de saber se o crime de racismo era extensível ao povo
judeu. É dizer, judeu é raça ou religião? Dentro do contexto brasileiro, seria possível a
66
punição pelo cometimento do crime de racismo contra os judeus levando em conta que
eles nunca sofreram nenhuma perseguição histórica no país?
Da análise do caso, Daniel Sarmento117 ensina que, inicialmente, a Corte teve
que examinar se o conteúdo de racismo contido na Constituição abrangia ou não as
ofensas perpetradas contra o povo judeu, já que da impetração do habeas corpus se
defendia que raça humana, a partir de um conceito biológico/antropológico, eram
apenas as caucasiana, a negroide e a amarela. Na decisão, o STF afirmou que o conceito
de raça deve ser cultural até porque numa perspectiva biológica seria impossível se
distinguir raças humanas uma vez que geneticamente inexiste indivíduos integrantes de
diversos grupos étnicos. Os Ministros que atribuíram um conceito amplo, sociocultural
e antropológico ao termo ‘racismo’ entenderam, de maneira geral, tratar-se de crime
contra grupos humanos118 com características culturais próprias.
117
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: Leituras
Complementares de Direito Civil. Salvador: Editora Jus Podivm. 2009, p. 83.
118
Após essa decisão e a recente descoberta do genoma humano, o sistema jurídico brasileiro entende que
a prática do crime de racismo envolve a perseguição de qualquer grupo étnico, religioso, cultural,
social ou de gênero. A prática do racismo ganhou, portanto, um novo conteúdo.
119
A Constituição de 1988 em seu art. 5º, XLII, estabelece ser a “pratica do racismo” crime inafiançável e
imprescritível, sujeito a pena de reclusão.
120
Neste ponto, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres de Britto.
67
A maioria dos votos dos ministros reconheceu que o cerne da questão tratava do
conflito entre a liberdade de expressão do paciente e o direito à igualdade e à dignidade
do povo judeu e adotaram a prática alemã de ponderação dos princípios.
A questão foi analisada com muita clareza pelo voto do Min. Gilmar Mendes,
que denegou a ordem e fez amplo estudo de direito comparado aplicando o princípio da
proporcionalidade para equacionar as tensões e solucionar o conflito entre os direitos
fundamentais, hierarquizando os princípios e considerando a violação da dignidade
humana pela liberdade de expressão, no caso, proporcionalmente injustificável121.
Sem embargo, o Min. Marco Aurélio, também ao aplicar o princípio da
proporcionalidade, chegou ao resultado oposto entendendo que o ato do paciente ao
publicar livros de caráter antissemita estava protegido pela liberdade de expressão, já
que dentro de uma democracia também se garante a exteriorização de ideias
impopulares e minoritárias e como tal não configurava a prática de racismo. Ao passo
disso, ele reconhece que o sistema constitucional brasileiro não agasalha o abuso da
121
Voto do Min. Gilmar Mendes in HC 82.424/RS.
68
122
Voto do Min. Marco Aurélio in HC 82.424/RS.
123
SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora Lumem Juris,
2010, p. 52.
69
124
Os Ministros Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Brito discordaram da posição da maioria dos Ministros
do STF e tiveram seu posicionamento sobre o caso vencido na Corte.
70
As limitações à liberdade de expressão são admitidas, mas devem ser feitas com
muita cautela para não recair em uma censura e findar por comprometer o regime
democrático limando a diversidade de opiniões e ideias. Os cidadãos têm o direito de
expressarem livremente as suas ideias de acordo com as suas convicções, sem impor um
determinado pensamento ou ideologia que se entenda o mais acertado para aquele
determinado momento.
Dentro do contexto social brasileiro e do seu sistema constitucional é que se
defende que os diversos discursos proselitistas merecem o reconhecimento estatal como
legítima manifestação da liberdade de expressão religiosa, contudo, se configurarem
discurso de ódio religioso, o Estado tem legitimidade de restringi-lo, a fim de preservar
os direitos fundamentais dos demais cidadãos e reafirmar seu compromisso com a
promoção da tolerância religiosa e convivência pacífica entre os cidadãos, assegurando
a ordem e segurança pública.
No histórico julgamento do Caso Ellwanger, o Supremo Tribunal Federal
estabeleceu precedente sobre a inconstitucionalidade do discurso de ódio racial,
considerando-o não abrangido pela proteção constitucional do direito fundamental à
liberdade de expressão, por força da lesão aos direitos à igualdade e à dignidade de suas
vítimas.
Nesses espeques, espera-se que a Corte faça o mesmo quando julgar casos de
proselitismos concretos garantindo a liberdade de expressão religiosa, sem olvidar que
essa liberdade pode mascarar discursos de ódio religiosos os quais são vedados pelo
sistema jurídico normativo, bem como pela jurisprudência.
Assim, no próximo capítulo deste trabalho será discutido, sob a ótica do
contexto histórico e cultural brasileiro, como a intolerância religiosa direcionada às
religiões de matriz africana são herança do nosso passado colonial que vem se
71
perpetuando até os dias atuais e de que modo esse tratamento deve influenciar na
resolução dos conflitos que envolvem essa matéria.
72
125
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. São Paulo: Estudos
Avançados, 2004, p. 124.
126
Os pesquisadores dividem o movimento pentecostalismo brasileiro em três, classificados com base em
critérios históricos de implantação de igrejas, em distinção teleológicas e comportamentais, são: o
pentecostalismo clássico, o deuteropentecostalismo e o neopentecostalismo.
127
MARIANO, op. cit., p. 124-125.
74
128
A crença neopentecostal preceitua que os seguidores de cristo, os anjos e os evangélicos, devem
combater os adoradores do diabo que na visão deles são os orixás e entidades das religiões afro-
brasileiras, bem como aos candomblecistas e umbandistas.
75
igreja129. Ademais, a IURD se caracteriza por ser uma igreja mais flexível e não
sustentar os ultrapassados e estereotipados usos e costumes de santidade.
Dentre todas essas características enfocaremos, primordialmente, na relevância
para os evangélicos, de uma guerra espiritual entre cristo e o diabo e seus anjos
decaídos, uma vez que este é o conteúdo de proselitismo que constitui o cerne do
confronto entre o neopentecostalismo e as religiões afro-brasileiras.
129
A Teologia da Prosperidade prega que por meio do correto relacionamento com o Criador, o filho de
Deus pode usufruir todas as suas bênçãos inestimáveis e abundantes: cura emocional e física,
prosperidade financeira e realização profissional, harmonia nos relacionamentos familiares, êxito nos
relacionamentos amorosos e interpessoais. O cristão está destinado a ser próspero, feliz e saudável na
vida terrena. Para tanto, deve frequentar uma igreja evangélica, ser fiel no pagamento dos dízimos e
generoso nas ofertas, pois só assim poderá exigir de Deus o cumprimento das suas promessas.
130
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. São Paulo: Estudos
Avançados, 2004, p. 115.
76
libertar aqueles fiéis “possuídos” através dos rituais de exorcismo e salvar a alma das
pessoas das forças demoníacas da humanidade por meio da evangelização e conversão
religiosa.
A IURD prega que a principal missão de sua igreja é a libertação da humanidade
dos males dos demônios, pois seriam eles os responsáveis pelo sofrimento humano.
Para isso, utiliza-se de práticas mágico-religiosas, propondo-se a solucionar problemas
físicos, emocionais, financeiros e espirituais dos fiéis mediante seus serviços religiosos,
dentre os quais, destacam-se os rituais de “descarrego” e “libertação” que parecem em
muito com as práticas das religiões afro.
Em razão de tais práticas, Ricardo Mariano131 entende que a Universal é uma
igreja que “rearticula sincreticamente no seu próprio interior crenças e práticas rituais
dos seus adversários”, do mesmo modo que, para Ronaldo de Almeida, a IURD se
constitui como uma igreja que se situa “a um meio caminho entre os evangélicos e as
religiões afro-brasileiras”132. Entendimento este que se complementa a lição de Ari
Pedro Oro133, segundo o qual, a Universal “é uma igreja que construiu seu repertório
simbólico, suas crenças e ritualísticas incorporando e ressemantizando pedaços de
crenças de outras religiões, mesmo de seus adversários”.
Ainda no esteio de Ari Pedro Oro134, compreende-se que a Igreja Universal tem
três características primordiais; a) a religiofagia, ou seja, apropriar-se de elementos
simbólicos de outras religiões e os ressignificar consoantes às crenças e valores cristãos;
b) a exacerbação, isto é, conferir primordial relevância à guerra espiritual contra os
demônios cultuados em outras crenças, em especial nas espíritas e; c) a prática da
macumba, valendo-se de rituais e práticas mágicas características das religiões afro-
brasileiras.
A Universal sincretiza crenças, ritos e práticas das religiões concorrentes, de
modo que do catolicismo incorporou as noções de milagre, inferno, pecado, demônio, e
sua forma de atuação episcopal. Entretanto, como se sabe, a IURD é uma igreja na qual
131
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. São Paulo: Estudos
Avançados, 2004, p. 127.
132
ALMEIDA, Ronaldo de. A Igreja Universal e seus demônios: um estudo etnográfico. São Paulo:
Editora Terceiro Nome, 2003, p. 340.
133
ORO, Ari Pedro. Intolerância religiosa iurdiana e reações afro no Rio Grande do Sul. In: Intolerância
religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo afro religioso brasileiro. São Paulo: EdUSP,
2007, p. 33.
134
Ibid., 2007, p. 29-30.
77
135
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. São Paulo: Estudos
Avançados, 2004, p. 133.
78
É comum que, durante a entrevista com o pastor, as entidades das religiões afro-
brasileiras, aqui tratadas como espíritos demoníacos, sejam vítimas de humilhação,
escárnio e deboche, com o objetivo de demonstrar que o Deus cultuado pela Igreja
Universal é superior às divindades afro-brasileiras, bem como que os pastores, por
serem abençoados pelo Espírito Santo, têm o poder de atuar sobre os espíritos malignos
que ao serem exorcizados “em nome de Jesus” queimarão no fogo do inferno operando
a libertação.
O discurso demonizador é cercado de expressões beligerantes como “guerra”,
“poder”, “vitória”, “marchar”, “combate”, “Jesus é nosso general”. Ricardo
Mariano138, ao analisar os escritos do bispo Edir Macedo, confere especial relevância
aos discursos agressivos dos neopentecostais.
Evidente que a demonização neopentecostal reconhece a existência dos deuses
afro-brasileiros, contudo, submete-os ao maniqueísmo valorativo cristão,
desconsiderando suas nuances e especificidades simbólicas. Ademais, reforça
136
MACEDO, Edir. Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios?. Rio de Janeiro: Unipro. 1990, p. 14.
137
Ibid., 1990, p. 89.
138
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. São Paulo: Estudos
Avançados, 2004, p. 125.
79
139
MARIANO, Ricardo. Pentecostais em ação: demonização dos cultos afro-brasileiros. In: Intolerância
religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro.
São Paulo: EDUSP, 2007, p. 137-138.
80
140
ORO, Ari Pedro. Intolerância religiosa iurdiana e reações afro no Rio Grande do Sul. In: Intolerância
religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro
São Paulo: EDUSP, 2007, p. 52.
141
SILVA, Vagner Gonçalves da. Prefácio ou Notícias de uma guerra nada particular: os ataques
neopentecostais às religiões afro-brasileiras e aos símbolos da herança africana no Brasil. In:
Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro
São Paulo: EDUSP, 2007, p. 9-24.
81
Ele acabou voltando atrás, mas não conseguiu apaziguar os ânimos. Dias depois,
representantes das religiões de matriz africana de diferentes estados viajaram a Brasília
para cobrar de autoridades o respeito aos direitos de crença.143
Contudo, nem todos os casos de intolerância religiosa denunciados ao judiciário
brasileiro pelas religiões afro são marcados pela derrota. Vem da Bahia a ação judicial
contra a IURD que teve a maior repercussão.
O juiz da 17ª Vara cível de Salvador assinou sentença que obrigava a Universal
a indenizar os familiares de Mãe Gilda, do Terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, em um
milhão e 372 mil reais, por danos morais, em razão da publicação da foto da
mencionada mãe de santo ter sido veiculada indevidamente no jornal Folha Universal.
142
JUSTIÇA FEDERAL. Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. 17ª Vara Federal do Rio de
Janeiro. Ação Civil Pública. Processo nº 0004747-33.2014.4.02.5101. Autor: Ministério Público
Federal. Réu: Google Brasil Internet Ltda. Decisão. 24/04/2004. Fls. 153/155.
143
Decisão do juiz titular da 17ª Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro que negou pedido de
antecipação de tutela feito pelo MPF-RJ solicitando a retirada de vídeos de conteúdo preconceituoso,
intolerante e incitador de ódio gravados nos interiores da Igreja Universal do Reino de Deus e que
atacam diretamente as religiões de matriz-africana nos autos da Ação Civil Pública nº 0004747-
33.2014.4.02.5101.
82
O Jornal teve uma tiragem exata de um milhão e 372 mil jornais (mesmo
montante que a decisão judicial estabeleceu a título de indenização) e veiculou a foto da
mãe de santo com uma tarja preta no rosto em matéria que levava o titulo de
“Macumbeiros e Charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A foto ainda foi
reproduzida pelo jornal em uma matéria da Revista Veja, de grande circulação no país,
em que Mãe Gilda aparece com suas roupas de sacerdotisa numa manifestação pelo
impeachment do então presidente Fernando Collor.
Três meses após a difusão da matéria da Folha Universal, Mãe Gilda faleceu de
profunda tristeza. Atualmente, o dia 21 de janeiro, dia de seu falecimento, tornou-se
“Dia de Combate a Intolerância Religiosa”144 no município de Salvador.
Em segunda instância, a vitória do povo de santo se concretizou tendo o
Tribunal do Estado da Bahia confirmado a sentença de primeiro grau em acórdão que
apenas diminuiu o montante do valor da condenação, sentenciando a Igreja Universal e
a Editora Gráfica Universal a pagar R$ 960 mil reais a herdeira da mãe de santo.
Essa decisão fora emblemática, pois foi considerada uma grande conquista na
luta das religiões africanas contra a intolerância religiosa que vem perseguindo o
Candomblé e a Umbanda nos últimos anos, inclusive na Bahia, considerada o berço da
cultura negra no Brasil.
Outro caso recente de violência institucional absurda que vem acometendo as
religiões da diáspora advém da maneira como está se dando a governança de Marcelo
Bezerra Crivella no município do Rio de Janeiro, que segue operando em total
desrespeito à liberdade religiosa e à laicidade do Estado. Investigações que estão sendo
apuradas e processadas pelo Ministério Público do Estado revelam que o atual
administrador municipal tende a privilegiar seu segmento religioso145, bem como de
forma sutil, perscrutar informações a respeito da religião professada pela população e pelo
funcionalismo público.
Uns dentre os inúmeros atos do Prefeito que causam espanto à imparcialidade da
Administração são o corte de patrocínio destinados à eventos religiosos146 e controle de
144
Mãe Gilda faleceu em 21 de Janeiro de 2000. O Projeto de autoria da então vereadora Olívia Santana do
PCdoB culminou na criação da lei municipal nº 6.464/04 que instituiu 21 de janeiro, no município de
Salvador, como Dia Oficial do Combate a Intolerância Religiosa.
145
Prefeito Marcelo Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino do Deus.
146
Inquéritos civis do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 2017.01281777 e 2017.01265298.
83
147
O Inquérito civil do Ministério Público do MPRJ nº 2017.00809960 investiga o Decreto 43.219/2017
baixado pelo prefeito.
84
148
JUSTIÇA FEDERAL. Seção Judiciária do Estado da Bahia. 4ª Vara Federal de Salvador. Ação Civil
Pública. Processo nº 0022878-69.2005.4.01.3300. Autor: Ministério Público Federal. Réus: Edir Macedo
Bezerra; Igreja Universal do Reino de Deus e Editora Gráfica Universal Ltda. Inicial. Fls. 04.
149
Ibid., Fls. 04.
150
Ibid., Fls. 05.
85
têm benção alguma para dar. A alma da mãe de santo, por exemplo, é vendida
ao orixá. Há a chantagem diabólica nesse meio que obriga a pessoa que ‘faz o
santo’ a renunciar, enquanto vive, a todas as coisas, inclusive a própria
salvação
[…]
É aí que entra a Umbanda, a Quimbanda, Candomblé e as religiões e práticas
espíritas de um modo geral, que são os principais canais de atuação dos
demônios, principalmente em nossa pátria.
[...]
No Brasil, em seitas como o Vodu, Macumba, Quimbanda, Candomblé e
Umbanda, os demônios são adorados, agradados e servidos como verdadeiros
deuses 151
151
Ibid., Fls. 05 e 06.
152
“Derradeiramente, de forma despropositada, compara os rituais das religiões afro-brasileiras com a
iniciação no uso de entorpecentes: No espiritismo, de modo geral, é assim. A pessoa vai descendo
sempre. A tendência é se atolar mais e mais no lamaçal do diabo; tudo sorrateiramente. Começa-se no
alto, faz-se limpeza, caridade, vai-se aprofundando. Depois diz-se que a pessoa já está bastante
“evoluída” e pode prestar caridade aos espíritos atrasados e aí, sem que perceba, muitas vezes
pensando estar fazendo algo bom, começa o envolvimento direto ou indireto com as piores classes de
demônios. É semelhante à iniciação no mundo das drogas: experimentação, uso e tráfico. (fl. 85).
(grifos nossos).” (Fls. 11).
153
Ibid., Fls. 07 e 08.
86
154
Ibid., Fls. 09.
155
Ibid., Fls. 11.
156
Ibid., Fls. 16.
87
proselitismo religioso encontra limites na proteção dos bens jurídicos dos demais
cidadãos, ainda mais, quando o que está em jogo são direitos humanos fundamentais:
157
Ibid., Fls. 16-17.
158
Ibid., Fls. 12 e ss.
159
Ibid., Fls. 13-14.
88
Supremo Tribunal Federal, que afirmou que a liberdade de expressão não abarca a
incitação ao preconceito, à discriminação e à intolerância religiosa.160
Por fim, passa a destacar a crescente onda de ataques da Igreja Universal e seus
crentes contra os símbolos, deuses, objetos sagrados, lugares de cultos e fiéis seguidores
de religiões de matriz africana no Brasil, esclarecendo o problema da intolerância
religiosa e como uma obra literária que demoniza os cultos de religiões afro-brasileiras
e incita o preconceito favorece a discriminação e segregação daqueles que cultuam a
religião atacada, ferindo, inclusive, o princípio da dignidade da pessoa humana.162
Em aditamento à inicial, o Ministério Público destaca que as manifestações
ofensivas, preconceituosas e discriminatórias perpetradas pelos réus geram sério
prejuízo de ordem moral aos seguidores das religiões afro-brasileiras, além de atingir
difusamente toda a nação, já que maculado bem integrante do seu patrimônio cultural, o
que legitimaria reparação por danos morais coletivos.163
Em pedido liminar, o parquet requereu a imediata retirada de circulação,
suspensão de tiragem, da venda, da revenda e da entrega gratuita da obra proselitista,
bem como o recolhimento de todos os exemplares existentes em estoque, o que fora
deferido pelo juízo federal de 1º grau, que entendeu que a obra Orixás, Caboclos e
Guias: deuses ou demônios? é marcada por disseminar ideias segregacionistas. Salienta
que a obra é mero instrumento de incitação à intolerância religiosa, ao preconceito e à
160
Ibid., Fls. 21.
161
Ibid., Fls. 22.
162
Ibid., Fls. 24 e ss.
163
Id., Aditamento à inicial. Fls. 51/57.
89
discriminação, o que lesiona diretamente a dignidade humana dos adeptos das religiões
de matriz africana.
Em decisão liminar, o juiz ressaltou que as palavras escritas por Edir Macedo
voltam-se não para a fé que professa, para a religião que adota, mas sim para o exterior,
para as demais religiões, em particular às afro-brasileiras, atacando-as de modo
depreciativo, jocoso e discriminatório e estimulando perigosamente a segregação por
motivo de crença e a intolerância religiosa.
Salienta o magistrado, que a liberdade religiosa, como derivação da liberdade de
consciência, encontra seus limites em si mesmos, na mesma prerrogativa que tem outro
cidadão dotado do mesmo acervo de direitos, em igualdades e condições e que a partir
do momento em que certa orientação religiosa ultrapassa essa fronteira e passa a
invadir, de modo negativo e depreciativo, o espaço reservado aos que se dedicam a
outra forma de culto, com o escopo destrutivo da outra religião, não há mais que se falar
em exercício livre da crença, mas sim em abusividade que não se compadece com o
ordenamento jurídico pátrio.
164
Id., Decisão liminar fls. 42.
165
Ibid., Fls. 43.
90
Contudo, no caso sob judice, resta muito claro que o Ministério Público
Federal extrapolou os limites estabelecidos na Constituição Federal, na Lei
orgânica do Ministério Público, não preenchendo as condições mínimas de
legitimação para a propositura da demanda, pois o aparente interesse
“coletivo religioso” (sic), que toma contornos de cultural, está longe de
englobara a imensa maioria das demais religiões, ou de toda uma coletividade
que se sinta violada, a qual o Ministério Público tem o dever de defender.
Todavia, no caso em tela, o i. representante do Parquet está agindo fora dos
ditames legais que lhe foram conferidos, defendendo direito individual puro,
de uma minoria, e jamais direitos coletivos ou difusos, autorizadores da
intervenção ministerial, não obstante estar intervindo em matéria vedada
expressamente na Magna Carta.168
166
“Não pode o Ministério Público tomar parte de considerações sobre o mérito do ato litúrgico desta ou
daquela instituição religiosa, vedar o pensamento de um autor, em sua obra intelectual, muito menos
desta feita ser o representante dos interesses de um grupo determinado, o qual é uma minoria, de
forma que jamais o Ministério Público Federal está defendendo o interesse da coletividade, restando,
portanto, inequívoca a ausência do liame ideológico institucional, o qual é condição sine qua non para
a intervenção ministerial” (Agravo de Instrumento da Igreja Universal do Reino de Deus, fl. 99).
167
“Repita-se, portanto, que a presente ação nada mais é do que ação gizada no pálio do discurso cultural
(fenômeno sociológico de vasta abrangência conceitual), para através dela se tutelar interesse privado,
de contornos tipicamente religiosos, onde grupo determinado – frise-se uma minoria – julga-se
‘ofendido’, ou toda a sociedade supostamente por ele ofendida, como pretende fazer crer o Ministério
Público, que agindo desta forma, aí sim, viola direito fundamental esculpido na Magna Carta, em seu
artigo 5º, IX, bem como no artigo 220, que consagram a livre manifestação de pensamento e a
liberdade de expressão, as quais os réus se veem tolhidos, diante desta nefasta ação, em prol de uma
minoria, donde retira o direito da coletividade à ampla informação e ao conhecimento” (Id., fl. 96).
168
Id. Agravo de Instrumento. Fls. 93.
91
A Igreja Universal ainda sustenta sua própria ilegitimidade passiva para figurar
no polo passivo da ação, imputando somente aos Réus Edir Macedo, autor da obra
literária, e à Editora Gráfica Universal Ltda, responsável pela edição, publicação e
distribuição do livro, as acusações feitas pelo parquet. Afirma que se utiliza do livro
somente como meio para difundir entre seus fiéis a doutrina do bispo, não podendo ser
responsabilizada por isso.169
A IURD nega veementemente qualquer caráter preconceituoso ou
discriminatório à obra do Bispo Edir Macedo, considerando que o livro foi vocacionado
ao exercício do proselitismo religioso e consequente divulgação da fé do escritor, com
respaldo nas liberdades de consciência e crença, configurando legítima manifestação
dos direitos constitucionais à liberdade religiosa e à liberdade de expressão do autor e de
seus leitores. Segundo a Igreja, seu conteúdo somente se refere à interpretação das
entidades espirituais africanas com base unicamente na Bíblia Sagrada. Assim, contesta
a afirmação da juíza federal de piso, no que se refere ao argumento de que o livro foi
escrito com o único propósito de retratar pejorativamente as demais religiões, carecendo
de fundamento teológico e de objetivo evangelizador.170
169
Id.. Agravo de Instrumento Fls. 103-107.
170
“Nesse passo, identificam-se escritor e leitor pelo uso das mesmas garantias fundamentais: ao leitor, o
direito ao próprio julgamento no exercício da liberdade de consciência e de crença ou abstenção desta. Ao
escritor, por sua vez, o exercício da liberdade de expressão de sua crença na Palavra de Deus, enquanto
arcabouço teórico do conjunto de princípios, preceitos e interpretações acerca das hostes espirituais,
‘Orixás, Caboclos e Guias’, e seu significado nos lugares celestiais, ‘deuses ou demônios?’. O amálgama
das liberdades de expressão, consciência e crença, sugeridos desde a indagação que representa o título da
obra ‘deuses ou demônios?’ consagram a manifesta vocação do livro, qual seja, o proselitismo religioso e
consequente divulgação da fé do escritor, literalmente expressa na Bíblia Sagrada para a pregação do
evangelho, ‘a razão da esperança que há em vós’, e para o atendimento do chamado ‘Portanto ide
por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura’ (Id., fl. 109).
171
Id., Fls. 111.
92
A Igreja sustenta, ainda, a inexistência dos requisitos dos fomus boni iuris e do
periculum in mora, condições necessárias ao deferimento do pedido formulado pelo
Ministério Público em antecipação de tutela.
Ademais, ao tratar da ausência do fumus boni iuris, afirma que as religiões afro-
brasileiras não se inserem na categoria de patrimônio histórico cultural, segundo a atual
Constituição Federal. Por essa razão não haveria salvaguarda para elas no cenário
religioso nacional. Além disso, concebe a liberdade religiosa e o direito ao proselitismo
em patamares constitucionais longínquos, afirma indiretamente a normalidade dos
conflitos acarretados pela diversidade de credos religiosos.
Na sequência, ressalta o desconhecimento do juízo a quo acerca da formação
histórica das religiões de matrizes africanas, afirmando que o fenômeno da demonização
dos deuses, cultuados nessas religiões, data de séculos passados. Quando da
aproximação dos povos africanos dos europeus e da interpretação destes com relação às
entidades cultuadas na África.
Baseada no sociólogo Reginaldo Prandi, pondera que no Brasil, o histórico
processo de demonização das religiões afro-brasileiras, especialmente do orixá Exu,
identificado há séculos com o Diabo cristão, ocorreu por ocasião do tráfico de escravos
africanos e da convivência forçada entre estes e os colonizadores portugueses,
especialmente do convívio com a umbanda e quimbanda.
Em assim sendo, propugnou pela ausência de mensagens potencialmente
indutoras de preconceitos ou discriminações nos ensinamentos demonizadores, uma vez
que a ocorrência do fenômeno da demonização dos orixás não se trata de ensinamento
religioso restrito ao neopentecostalismo, o qual se fundamenta, ainda, em passagens
bíblicas que vedam expressamente as práticas de magia, feitiçaria, adivinhação e
comunicação com os mortos.
Sustenta, ainda, que a própria demonização do orixá Exu seria compartilhada
pelos próprios adeptos dos cultos afro-brasileiros, especialmente da Umbanda e da
Quimbanda, praticantes, ainda, de rituais semelhantes de exorcismo ou de libertação dos
encostos, assim como a IURD.
Não resta dúvida de que, no pertinente ao aspecto fático a questão nodal a ser
analisada situa-se no plano histórico das religiões africanas em absoluta coerência
com o sincretismo religioso que marcou seu surgimento e desenvolvimento no
Brasil.
O sincretismo religioso e os malefícios dele decorrentes aos rituais africanos, a
consequente demonização de uma de suas cultuadas entidades, o surgimento da
93
quimbanda e suas práticas voltadas à entidade demonizada, são fatos vinculados aos
séculos de história das religiões de matrizes africanas, totalmente divorciados do
ministério religioso que dá suporte á idealização do livro, com base em
ensinamentos bíblicos abraçados pelos adeptos da fé cristã.
Com efeito, a demonização das religiões africanas ou afro-brasileiras é fato histórico
e não jurídico, que não traz, em si, as consequências jurídicas da discriminação e
ofensa que configuram a distorção dos fatos a custa de interpretação esforçada da
Constituição Federal, ilegitimamente invocada para o mal disfarçado intento do
órgão ministerial de alterar e discutir liberdades de expressão, culto, crença – frise-
se o que lhes foi vedado pela Constituição Federal, bom como pela própria Lei
Orgânica do Ministério Público – e consciência dos possíveis interessados na leitura
da obra que se pretende ver proscrita, com o beneplácito do Poder Judiciário.172
172
Id., Agravo de Instrumento. Fls. 115.
173
“Assim é que a decisão a quo inflama-se de inconstitucionalidade ao perturbar a laicidade do Estado,
desafiando, a um só tempo, as doutrinas religiosas cristãs e afro-brasileiras que se identificam pela
mesma concepção negativa de ‘espíritos malignos’, qualificados por ações malfazejas, antissociais e
indesejáveis. Profissões de fé que se identificam, cada uma a seu critério, pelo desenvolvimento de
rituais destinados ao expurgo do mal que causam. A propósito, se a prática de afugentar ‘encostos’ ou
espíritos maléficos configura ataque às religiões de matrizes africanas, considere-se que as vertentes
umbandistas e do candomblé, nos termos da conhecida expressão popular, ‘atiram contra o próprio
pé’, ao praticarem semelhantes rituais com a mesma finalidade”. (fl. 116-117).
174
“Ora, na espécie dos autos, em que pese toda a argumentação deduzida pela agravante, no sentido de
que a obra literária em referência não violaria a liberdade de consciência, de crença e cultos religiosos,
garantida em nossa Constituição Federal, restaram demonstrados, no teor da decisão agravada, os
excessos da obra impugnada, com manifesto risco de danos à garantida liberdade de
consciência, crença e de cultos religiosos, integrantes de nosso patrimônio histórico cultural, a
não suportar quaisquer manifestações discriminatórias e ofensivas da prevalência dos direitos
94
Ora, na espécie dos autos, em que pese toda argumentação deduzida pela
Agravante, no sentido de que a obra literária de referência não violaria a
liberdade de consciência e de crença de cultos religiosos, garantida em nossa
constituição federal, restaram demonstrados, no teor da decisão agravada, os
excessos da obra impugnada, com manifesto risco de danos à garantia da
liberdade de consciência, de crença e de cultos religiosos, integrantes do
nosso patrimônio histórico cultural, a não suportar quaisquer manifestações
discriminatórias e ofensivas da prevalência dos direitos humanos
fundamentais (CF, artigos 3º, IV, e 4º, II), posto que as liberdades públicas
não são incondicionais e a liberdade de expressão, especificamente, não se
revela em termos absolutos, como garantia constitucional, mas deve ser
exercida nos limites do princípio da proporcionalidade, afigura-se legítima a
proibição dessa obra literária, como forma de contenção de tais excessos
nocivos à salvaguarda do núcleo essencial de outros direitos fundamentais,
como no caso em exame.175
humanos (CF, artigos 3º, IV, e 4º, II), posto que as liberdades públicas não são incondicionais e a
liberdade de expressão, especificamente, não se revela em termos absolutos, como garantia
constitucional, mas deve ser exercida nos limites do princípio da proporcionalidade, proibindo-se os
excessos nocivos à salvaguarda do núcleo essencial de outros direitos fundamentais, como no caso em
exame”. (fl. 149-150).
175
Id., Fls. 137-150.
176
Decisão constante nos autos do agravo de instrumento nº 2005.01.00.069605-8/BA.
177
Foram citadas as obras “Em que cremos”; “Combate Espiritual”; “Orações de Cura e Libertação” e
“Acenda a Luz”, todas de autoria do Padre católico Alberto Luiz Gambarini.
95
afirmando que a editora publicou livro de caráter informativo, assim como todos os
outros que publica, em que seus escritos analisam temas sociais, morais, familiares,
éticos, etc., dentro daquilo que a Bíblia Sagrada ensina. Salienta que, apesar do
conteúdo da obra discordar do pensamento de terceiros, dentro de um Estado
democrático de direito, o autor atuou dentro dos limites de sua liberdade de expressão.
No mérito, afirma que o Ministério Público Federal induziu o Poder Judiciário a
erro material, ao ocultar a existência de outras ações com as mesmas partes e que
versam sobre a mesma acusação com relação ao conteúdo da obra literária e erro à lei,
visto que a competência para julgar a controvérsia seria da justiça estadual.178
Ademais, afirma que os danos sofridos pelas religiões afro-brasileiras com a
edição do livro aduzidas pelo parquet não foram provados. E, por fim, além de negar a
prática de intolerância nas escritas neopentecostais, salienta que felizmente vivemos em
um país tolerante179 e que o MPF, com o auxílio do Poder Judiciário, é que estaria a
promover a intolerância religiosa.
O réu Edir Macedo, por sua vez, contestou a ação sustentando, veementemente,
que a possibilidade de censura à liberdade de expressão religiosa consubstanciada, na
proibição da venda do seu livro Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?,
consistiria em exercício nada diverso do que historicamente fora praticado com o Index,
a lista de livros proibidos pela Santa Inquisição Católica, ou o que ocorria durante a
ditadura militar brasileira, formas de atuação que não estariam compatíveis com as
liberdades e garantias consagradas pela atual Constituição.
O Autor da obra sustenta a necessidade de uma neutralidade estatal absoluta,
salientando que este não deve demonstrar simpatia nem desapreço por qualquer
confissão religiosa. Bem como alega que, dentro de uma sociedade democrática que tem
por escopo o pluralismo e a tolerância religiosa, as divergências doutrinárias entre as
confissões religiosas professadas na sociedade são comuns, bem como os atritos
insurgentes dessas tensões.
178
Id., Contestação. Editora Gráfica Ltda. Fls. 176.
179
“Esse é nosso querido país, cada um expressa seus conceitos, ideais, expressam sua fé, mas no final
todos convivem pacifica e harmoniosamente muito bem”. Fls. 192.
96
180
Id., Contestação. Edir Macedo. Fls. 523 e 525.
181
Id., Fls. 525.
182
Id., Contestação. Igreja Universal do Reino de Deus. Fls. 530/566.
183
Id., Réplica. Ministério Público Federal. Fls. 569/580.
97
julgamento em diligência para remeter os autos a uma das varas da justiça estadual
baiana.184
Inconformado, o Ministério Público Federal opôs agravo de instrumento contra a
decisão declinatória de competência, tendo os autos sido remetidos à Justiça Estadual.185
186
184
“Falece de competência à Justiça Federal para o processo e julgamento da presente demanda. Isso
porque a competência firmada constitucionalmente para os juízes federais não abarca, em qualquer
das hipóteses elencadas no artigo 109 da Carta de 1988, a apreciação de causas que versem sobre a
liberdade de culto e seus desdobramentos” (Decisão declinatória de competência. Fls. 596/609).
185
Id., Agravo de Instrumento. Ministério Público Federal. Fls. 609/616V.
186
Os autos foram renumerados sob o nº 0004170-51.2010.8.05.0001 e distribuídos à 23ª Vara Cível da
comarca de Salvador, Bahia.
187
Decisão publicada no Diário Oficial em 01/06/2017.
188
Com a remessa dos autos à Justiça Federal os autos ganharam um novo número.: 0022878-
69.2005.4.01.3300.
189
Conforme consulta processual realizada em 01/08/2017 no sítio eletrônico do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (TRF-1), o prazo para apresentação de alegações finais, aberto para ambas as
partes, ainda não se esvaiu. Até o momento não há juntada de manifestações nos autos.
98
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Tradução de Virgílio Afonso da Silva.
BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Diário Oficial da União. 6 jan. 1989.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm,
2008.
GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Impetus, 2009.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2005. v. 2.
ORO, Ari Pedro. Intolerância religiosa iurdiana e reações afro no Rio Grande do Sul. In:
SILVA, Vagner Gonçalves da. Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo
no campo afro religioso brasileiro. São Paulo: EdUSP, 2007.
RIO DE JANEIRO (RJ). Justiça Federal. Ação Civil Pública. Processo nº 0004747-
33.2014.4.02.5101. Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. 17ª Vara Federal do
Rio de Janeiro. Autor: Ministério Público Federal. Réu: Google Brasil Internet.
SILVA NETO, Manoel Jorge. Proteção constitucional à liberdade religiosa. São Paulo:
Saraiva, 2013.