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Wonderfall

by mrayssalimaa

"Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto
buscar o infinito." Os amores impossíveis são o caminho mais curto para alcançar o
infinito e elas sabiam disso. Camila queria alcançar o infinito. Lauren queria ser o
infinito. Camila queria sentir o maior amor de todos os tempos. Lauren queria ser o
maior amor de todos os tempos de alguém. Elas passaram a querer ser o infinito uma
da outra.
Infatuated With

Lauren's Pov

Wonderfall (n.): alguém sobre quem você se encontra pensando o tempo inteiro.
Alguém por quem você está completamente apaixonado. Alguém por quem é
maravilhoso sentir-se caindo.

O ar quente saía de seus pulmões e tocava meu rosto, acariciando minha pele e ao
mesmo tempo, corroendo-a, como enxofre. Nossos peitos subiam e desciam
ritmadamente, quase como uma dança de respirações pesadas. O meu corpo, em
cima do dela, ainda se contraía em pesados espasmos que contorciam meus
músculos, fazendo com que os encaixes do meu corpo se apertassem ainda mais
dentro das curvas do corpo dela. O líquido que escorria entre minhas pernas,
misturava-se ao dela, denunciando momento de êxtase que sentíamos juntas.

Abri os olhos para ver suas bochechas rosadas e os cabelos desgrenhados espalhados
pela cama. Era sempre uma cena adorável e que eu fazia questão de admirar. Meu
sexo sensível encostou no dela e senti-a pressionar o quadril contra o meu, buscando
por mais alguns instantes derradeiros de prazer. Em resposta, fiz o mesmo. Ela
mordeu o lábio inferior, mas cedeu ao cansaço e deixou escapar pesadamente o ar e
deixando o corpo amolecer no colchão.

- Pare de me olhar. - Ela disse docemente, ainda de olhos fechados, com a voz
levemente rouca.

Não era segredo que ela sempre sabia o que eu estava fazendo ou pensando. Ela
sempre sabia como ler o meu olhar, meus movimentos, a ausência dos meus
movimentos, o meu silêncio... E não era segredo também que eu adorava olhá-la. Em
qualquer circunstância. Eu a olhava o tempo inteiro. Eu não podia parar de olhá-la.
Eu não conseguia parar de olhá-la. Eu não queria parar.

- Impossível. - Sussurrei.

Era impossível. De todas as maneiras conhecidas; havia tanta impossibilidade naquela


ação que a simples menção daquilo me causava horror. Parar de olhá-la seria como
parar de comer. O alimento que dava vida à minha existência era ela e eu a ingeria
através do olhar. Parar de fazer aquilo me mataria gradativamente. Me consumiria de
tal forma que em algum momento, não existiria mais nada de mim.

Era tão impossível quanto nós duas ali. Nós duas não estávamos dentro do universo
das coisas prováveis. Mas ao contrário das impossibilidades que existiam nas
possibilidades de eu não poder mais olhá-la, lá estávamos nós, vivendo a nossa
improbabilidade. Lá estávamos nós, sendo impossíveis. "As coisas impossíveis são
realizáveis através do amor. E é exatamente o que sentimos. Nós somos o
impossível.", ela me disse certa vez.

A mulher mais velha, cujo corpo quente se encaixava ao meu, sempre fora admirável
para mim. Nutria, por ela, tanto encantamento e admiração que, talvez por isso,
aquela situação atual antes, fosse considerada impossível para mim. Eu nunca
imaginaria estar com ela, em sua cama, ambas entregues aos prazeres do corpo, da
carne e da alma. Nunca imaginara que poderia sequer beijá-la, quanto mais possuí-la
em meu corpo ou me deixar possuir por ela. Mas, sobre uma coisa (além de tantas
outras) ela estava certa:

"Nós éramos o impossível".


Rhinotillexomania

Rhinotillexomania. (n.): o incontrolável desejo de ser amado.

A mesa de madeira escura, trabalhada em detalhes milimetricamente desenhados,


estendia-se à minha frente, imponente. Completando o ambiente ao redor dela,
móveis renascentistas se espalhavam, dando um ar aristocrático para a sala. E lá
estava eu, brincando de ser importante, chefe de uma grande empresa, reunida com
funcionários dos quais eu sempre estava chamando a atenção por não serem
eficientes. Isso não é uma metáfora ou uma descrição sutil da minha vida. Eu
realmente estava brincando daquelas coisas. Afinal, aos nove anos de idade não dava
para, realmente, ser chefe em uma grande empresa.

Àquela altura, com nove anos de idade, um dos meus passatempos favoritos era
brincar de ser como o meu pai. Imitava todas as coisas que o via fazer quando se
reunia em reuniões em casa, com seus funcionários. Talvez por isso, ele esperasse
que eu fosse seguir a mesma carreira que ele e assumir um cargo de executiva em
sua exportadora e, posteriormente, o seu cargo. Talvez por isso, o fato de eu ter
escolhido uma área completamente diferente para seguir carreira, o tenha
decepcionado tanto.

Aos dezessete anos, em uma excursão da escola para visitar universidades e termos
contato com alunos de cursos de graduação, visitamos a Harvard Graduate School of
Design (HGSD), a escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Harvard. Um
instrutor nos acompanhou pelo campus, nos mostrando as salas e laboratórios que os
alunos do curso usavam para o seu desenvolvimento durante o curso. Passamos por
salas habituais, tradicionalmente dispostas com mesa de professores e mesas para
alunos; seguindo para as posteriores salas de pranchetas, onde havia mesas muito
maiores, que se elevavam em posição vertical e tinham equipamentos para desenho
técnico anexadas à elas. Em seguida, seguimos para as salas de maquete, onde à
primeira vista, havia uma enorme maquete do campus da HGSD, disposta para
observação dos alunos, bem na entrada. Logo atrás, estavam dispostas ao longo da
sala, mesas largas, com maquetes inacabadas dos alunos, cheias de materiais para a
construção daqueles mini projetos que algum dia se tornariam algo concreto.

O instrutor nos pediu que não tocássemos nas maquetes, pois eram trabalhos dos
alunos e faziam parte de sua avaliação, então, qualquer dano, seria prejudicial a eles;
mas ainda assim, pediu que nos aproximássemos das maquetes e as observássemos
com atenção. Assim, todos da classe se aproximaram de algumas maquetes por ali.
Eu e mais três garotas da minha sala nos aproximamos de uma maquete de uma
casa, muito bem feita. Observei que até as portas tinham detalhes e na fechadura
minúscula da porta que eu observava, estavam até mesmo os parafusos. Naquele
ponto, eu me sentia apaixonada por tudo o que via.

"Vocês estão vendo sonhos. Os olhos de vocês estão contemplando o sonho de


alguém e esse sonho um dia se tornará realidade. Esse é o trabalho do arquiteto.
Arquitetos materializam sonhos.", o instrutor falou, enquanto admirávamos aquele
mini mundo à nossa frente. Enquanto ele falava, minha mente mergulhou em
divagações e projeções sobre como as pessoas viveriam naquela casa, quem seriam
aquelas pessoas, quem havia sonhado com uma casa como aquela e em como
deveria ser maravilhoso para um arquiteto construir, materializar, realizar o sonho de
alguém. Foi nesse exato momento em que eu caí de amores pela arquitetura.

Depois do nosso intervalo para almoço, o instrutor nos levou para uma palestra com
um arquiteto mundialmente famoso, chamado Frank Gehry. Ele estava lá para
palestrar para os alunos do último período do curso e tivemos a sorte de ver. Até o
momento, meu coração estava dividido entre ceder aos meus recentes sentimentos
pela arquitetura ou continuar querendo seguir os passos de meu pai, mas naquele
instante, eu decidi: eu seria arquiteta.

"Arthur Shopenhauer disse uma vez: a arquitetura é música solidificada", disse o


homem à nossa frente. Suas palavras me soaram como música e depois daquele dia,
eu passei a sentir todos os ambientes dentro de mim, da mesma forma que eu sentia
a música em meus ouvidos.

Aos dezoito anos, me inscrevi na faculdade de arquitetura da Universidade


de Harvard e fui aceita. Quando os papéis chegaram à minha casa, meu pai abriu por
mim, entusiasmado, esperando ler a minha admissão no curso de administração de
empresas, mas quando leu que eu havia sido aceita na escola de arquitetura, seus
olhos caíram. Primeiro achou que havia algo errado, que Harvard havia cometido
algum engano e foi um tanto quanto difícil fazê-lo me ouvir dizer que não havia
engano nenhum, que eu realmente havia me inscrito na faculdade de arquitetura. A
decepção dele foi tanta que ficou quase um mês sem falar comigo normalmente. Se
dirigia à mim trivialmente.

Meu curso começaria depois das férias de verão, então fiquei cerca de cincos meses
sem nada realmente útil para fazer. Então, decidi ocupar meu tempo fazendo tantos
cursos quanto podia. Vendo o meu empenho e crescente amor pelo que estava
fazendo, meu pai começou a ceder e a se interessar pelo curso. Não demorou muito
para que visse que as oportunidades de ganhar dinheiro eram enormes e logo estava
planejando negócios da área, comigo. Meu pai se entusiasmava com a paixão que as
pessoas demonstravam pelo que faziam. "O segredo do sucesso é ser apaixonado
pelo que se faz", ele dizia sempre. Quando me viu mais apaixonada pela arquitetura
do que pela ideia de ser como ele, amoleceu o coração para a minha escolha.

Eu mal podia para esperar pelo início das aulas e quando o dia 3 de setembro chegou,
eu acordei três horas antes do que era realmente necessário e estava pronta uma
hora antes de ter que sair de casa. Não aguentei de ansiedade e fui para a sala
esperar por meus pais, que me levariam para a universidade.

Estava sentada no sofá, com minhas malas ao meu lado quando minha mãe desceu
as escadas.

- Está tão ansiosa assim para me abandonar? - Ela perguntou, dando-me um beijo na
testa e ajeitando a manga da camisa social que usava.

- Não, você sabe que não. Só estou ansiosa para começar algo que é só meu e...

- Eu sei querida. - Ela me interrompeu, dando-me um sorriso amável.

Minha mãe costumava ser uma pessoa doce e carinhosa, com exceção aos momentos
em que era contrariada. Ou as coisas caminhavam como ela queria, ou você teria um
mini apocalipse na sua vida. Eu sempre caminhava como ela queria, então, até
aquele ponto em minha vida, não havia sofrido de drásticos momentos com ela. Até
aquele momento...

- Papai já acordou? - perguntei, observando-a jogar os cabelos para trás.

- Seu pai, provavelmente está mais ansioso que você. Está acordado há horas. - Ela
respondeu, dando a volta no sofá e encaminhando-se para a cozinha.

- Você ao menos já comeu? - ela perguntou, parando rapidamente.

Respondi fazendo um movimento afirmativo com a cabeça e ela desapareceu cozinha


à dentro.

Deixar a minha casa e ir para a faculdade não era a coisa mais fácil que eu estava
fazendo. A minha vida inteira eu havia vivido grudada em meus pais e pensar que
não os veria por longos períodos de tempo me deixava com o coração do tamanho de
um grão de areia. Apesar de serem controladores e manipuladores e excessivamente
protetores, eles me davam todo o amor do mundo e por isso, eu costumava tentar
lidar da melhor forma possível com o comportamento sufocante deles. Para não me
entregar às fraquezas do meu coração molenga, estava focando minha mente na
minha ansiedade para começar o curso, além do fato de que poderia começar a
respirar um pouco mais, longe dos meus pais.

- Você poderia pelo menos fingir que não está ansiosa para nos deixar. - Meu pai
falou com um tom birrento e dengoso, enquanto descia as escadas.

Sorri para ele do sofá e quis levantar para abraçá-lo, mas achei melhor não
transformar tudo aquilo em um show dramático de lágrimas.

- Estou ansiosa para ir para a faculdade. Quanto a deixar vocês, minha vontade é de
colar meus pés nos chão. - respondi, dando-lhe um sorriso.

Ele aproximou-se do sofá e passou a mão pela minha cabeça,


permanecendo em um silêncio de ponderação. Falou depois de um suspirou
nostálgico.

- Lembro do seu primeiro dia de escola. Foi difícil deixar você lá, sozinha, sem estar
debaixo dos meus olhos e exposta a certos perigos. Eu achei que fosse ser a coisa
mais difícil que eu faria, mas a coisa mais difícil que eu estou fazendo é ir deixar você
na faculdade. Na escola, você voltava para casa, para os meus cuidados e ao sair da
escola, você era sempre a minha menininha. Mas na faculdade, você ficará por um
longo tempo e sairá de lá uma mulher.

Os olhos dele estavam cheios de lágrimas e aquele discurso todo estava me fazendo
sentir culpada por estar crescendo. Como se eu estivesse tirando dele o direito de
cuidar de mim, de ser meu pai.

- Pai... - falei baixinho e me levantei para abraçá-lo.

Ele fez sinal para que eu não falasse nada, mas me abraçou apertado, de forma que
eu tive bastante dificuldade para respirar. Me soltou dois minutos depois, limpando
uma lágrima em seu olho.

- Vou tomar o café da manhã e sairemos em seguida. - ele anunciou, depois sumiu
cozinha a dentro.

Às 7 am estávamos saindo de Boston, onde eu havia morado a vida inteira, rumo à


Cambridge, a cerca de 7 km de distância através do Charles River. Assim, cerca de 20
minutos depois, estávamos circulando a entrada dos dormitórios da Universidade de
Harvard, na St Oxford. Meu pai parou o carro exatamente na frente do edifício
Greenough, um dos quatro dormitórios de Harvard para calouros.

Um silêncio mortal instalou-se no carro. Era hora de dar adeus. Ninguém ousava
falar. Pelo menos eu não seria a primeira a falar alguma coisa. Agora que estava de
frente para o meu novo "lar", um certo medo estava materializado em bola de boliche
no meio da minha garganta. Minha mãe foi a primeira a falar.

- Eu sei que já recomendei mil vezes e que já fiz mil "palestras" para você sobre
como deve se comportar longe de nós. Nada de álcool, drogas, sexo ou qualquer
coisa que você não faria na presença de seu pai e eu. Você está aqui para estudar e
não para se tornar uma garota sem futuro que reprovou em todas as matérias da
faculdade e desperdiçou uma chance que poucas pessoas tem. Se você vacilar, eu e
seu pai tiramos você de Harvard. - ela me alertou e eu apenas concordei com a
cabeça, até porque não tinha intenções de fazer nada daquilo. Pelo menos não muito.

- Tudo bem mãe. - respondi simplesmente.

- Ligue-nos pelo menos uma vez no dia. Se você não der sinal de vida pelo menos
uma vez no dia, lembre-se que estamos somente a vinte minutos de distância e você
não vai querer dois pais desesperados de preocupação caçando você por Harvard. -
meu pai disse sério, mas eu ri.

- Não se preocupe, pai, ligarei todos os dias. - fui sucinta mais uma vez.

- Tudo bem, vamos levá-la até seu quarto. - disse meu pai.

Dez minutos depois, estávamos no sexto andar, abrindo a porta do quarto HA01, que
ainda estava vazio. Uma parte de mim gostou que não houvesse ninguém para
presenciar eu chegando com meus pais. Outra parte de mim não gostou de não ter
visto ainda a minha colega de quarto.

Seu nome era Normani Kordei, tinha a mesma idade que eu, era filha única, morara a
vida toda em New York e também estudaria arquitetura. Já sabia algumas
informações sobre ela, porque um mês antes de começarem as aulas, éramos
obrigados preencher um formulário enorme dizendo suas preferências, hábitos, com
quantas pessoas gostaria de morar e as características que gostaria que seus
roommates tivessem. De acordo com Harvard, Normani Kordei era a colega de quarto
perfeita para mim. Não que eu não confiasse nos julgamentos de Harvard, mas eu
estava com medo de que eu e ela acabássemos nos odiando.
Meus pais me ajudaram com as malas no quarto, mas quando tentaram
começar a arrumar as coisas por mim, os adverti dizendo que queria fazer aquilo
sozinha. Pude ver em seus olhos uma tristeza repentina, mas que logo se dissipou
quando eu os abracei conjuntamente e disse que os amava. Eles quase não saíram do
quarto, esforçando-se para encontrar algo que justificasse um pouco mais sua
permanência, mas em determinado momento não houve mais jeito e foram obrigados
a partir, fazendo-me sentir de novo o sentimento de culpa por estar crescendo. Me
perguntei se eu era a única a me sentir assim em relação aos pais enquanto encarava
o corredor por onde eles já haviam desaparecido.

Fechei a porta vagarosamente e encostei-me nela, olhando para dentro do meu novo
quarto. O espaço era amplo. Maior do que eu imaginava. Havia três janelas, uma em
cada parede do quarto, com exceção da que eu estava. Sob cada janela, em paredes
opostas, estavam duas camas de casal em tamanho médio, uma de frente para a
outra. Os emblemas de Harvard estavam pendurados em quadros nas paredes sobre
as camas. A universidade não permitia que tirássemos os emblemas. Ao lado de cada
cama, entre a parede da terceira janela e as camas, haviam mesas de estudo,
ligeiramente largas, com cadeiras e luminárias. Os armários ficavam em um cômodo
ao lado do banheiro. Um mini closet dividido em: lado direito para uma, lado
esquerdo para a outra. Havia também uma pequena cozinha, na parede ao lado da
porta onde eu estava encostada. Era um ambiente confortável, no final das contas.

Como as camas eram exatamente iguais e o tudo sobre elas eram iguais, achei que
não haveria problema se eu escolhesse a minha cama primeiro. Assim, escolhi a cama
ao lado direito, porque eu era um pouco supersticiosa. Não muito.

Sentei-me na cama e olhei o relógio no visor do celular, antes de decidir o que fazer.
Eram 8:30 e às 9 deveríamos estar no edifício da HGSD, que ficava a algumas ruas
dali, para termos as cerimônias de apresentação e algumas instruções a respeito da
universidade. Decidi esperar a minha colega de quarto até 8:45. Entretanto, ela não
apareceu até o momento em que abri a porta para sair do dormitório e ela estava
olhando para um papel e para a porta do quarto.

- Você é a Lauren? - Ela perguntou, esbaforida.

- Sim! - Respondi, abrindo-lhe um sorriso.

- Por Deus, que bom ver você! - ela avançou uns passos e me abraçou.
Demorei para retribuir o abraço porque achei aquilo estranho. Ela falou como se já
nos conhecêssemos.

- É um prazer conhecer você! - respondi, retribuindo o abraço.

- Ai, você deve estar me achando uma louca! - ela exclamou, rindo de si própria e eu
tentei não confirmar com a expressão. - No meu papel estava quinto andar. Então eu
meio que estava procurando pelo andar certo desde a hora que cheguei. Eles tem
quartos HA01 em TODOS os andares e TODOS eles ficam no final do corredor. - ela
me informou e eu ri, entendendo então, porque ela estava tão feliz em me ver.

- Ah!! - Exclamei. - Mas agora você encontrou. Deixe-me ajudar você com as suas
coisas. - Eu disse, pegando uma das malas dela, ajuda essa que ela aceitou de bom
grado e me seguiu para dentro do quarto.

- Espero que não se incomode por eu ter escolhido a cama antes de você chegar, é
que...

- Não, tudo bem. É tudo igual, não faz a menor diferença e mesmo que fizesse, você
chegou primeiro e tem todo o direito. - ela falou, largando uma mochila vertical que
parecia muito pesada, em cima da cama.

Eu sorri e afirmei com a cabeça. Ela olhou o relógio e depois para mim.

- Acho que não dá tempo de tomar um banho, né?

- Com certeza, não. Estamos mais do que atrasadas. - Eu respondi, fazendo uma
careta.

- Tudo bem, vamos logo então! A gente se apresenta direito no caminho.

Chegamos à tempo do início da cerimônia de apresentação que foi extremamente


exaustiva e cheia de discursos sobre os objetivos e a moral de Harvard. Saímos de lá
às quatro horas da tarde, exaustas e famintas.

- Quer comer? - Perguntei para Normani.

- Não só quero, como preciso. Se eu ficar mais um minuto sem comer, é capaz de eu
comer meu próprio braço.

Fiz uma careta e ri. Depois de oito horas ao lado de Normani, ouvindo as
intermináveis palestras e discursos dos dirigentes de Harvard, eu já havia percebido
que ela era o tipo de pessoa que tinha a comédia na alma e mesmo quando não
queria, fazia piadas ou comentários sarcásticos que acabavam sendo engraçados.

- Então vamos, não quero uma colega de quarto perdendo o braço no primeiro dia de
aula.

Fomos comer no The Urban Shed, um café/bar/restaurante a poucas quadras de onde


estávamos. Normani comeu mais do que eu havia comido a vida inteira e eu me
contentei com dois sanduiches de frango e suco de laranja para acompanhar. Depois,
demos algumas voltas pelas ruas perto do dormitório e conhecemos alguns outros
calouros que estavam passeando também. Alec James, um calouro vindo de Londres
que estudaria engenharia civil; Dinah Hansen, uma caloura vinda da Califórnia para
estudar, também, engenharia civil; Path Mosser, um calouro que havia nascido em
Boston, mas morara a vida inteira no Brasil e estava ali para estudar engenharia
mecatrônica e Keana, uma caloura vinda de Miami para estudar arquitetura.
Conversamos um pouco na praça em frente ao edifício de nossos dormitórios e às
nove, decidimos subir. No par ou ímpar, ganhei de Normani e fui a primeira a tomar
banho, assim, às dez, já estava na cama, pronta para dormir.

No dia seguinte, Normani acordou antes de mim e foi tomar banho. Provavelmente
com medo de perder no par ou ímpar novamente. Saímos juntas do dormitório a
tempo de chegarmos quarenta minutos antes de a aula começar.

Entramos na sala juntas, achando que seríamos as primeiras a chegar, entretanto, já


haviam algumas pessoas ali. Uma garota com estilo alternativo, sentada na última
mesa, no canto da sala, encarava a janela, como se não existisse nada além daquilo
no mundo. Um grupo de alunos conversavam, sentados bem no meio da sala,
provavelmente se conhecendo. Espalhados por algumas outras carteiras estavam
outros alunos com uma expressão que denunciava muito sono. Me perguntei o que
teriam feito na noite anterior. Bem à frente, sentada na mesa ao lado da mesa
central, estava uma garota de cabelo preso em trança para o lado, de camisa social
branca e calça azul listrada. Usava um cinto vermelho fino e saltos pretos de ponta
fina. "Elegantérrima", pensei. "Elegante até demais para uma aluna". Seus traços
eram latinos e rosados. Tinha os lábios carnudos e usava um perfume doce que eu
conseguia sentir mesmo ali, da porta da sala.

Sentei-me na mesa ao lado da dela, muito porque estava interessada em conhecê-la


e muito porque eu tinha problemas de vista e realmente precisava sentar o mais
próxima possível do professor. Normani sentou-se ao meu lado e começou a
organizar algumas coisas em sua mesa. Virei-me para outra garota ao meu lado,
tentando ser simpática e puxar conversa. Entretanto, ela nem se moveu. Não tirou os
olhos do livro que segurava nas mãos. Imediatamente, arrependi-me por ter
considerado a hipótese de conhecê-la, diante daquele comportamento rude. Era uma
garota extremamente mal educada. Virei-me de frente para a porta, para esperar o
professor entrar na sala e enquanto fazia isso, olhei meu celular para me distrair.

Exatamente às 8 horas da manhã, o alarme soou. Esperava que o professor entrasse


pela porta a qualquer momento, entretanto, o que aconteceu foi totalmente inusitado.
A garota ao meu lado, levantou-se e caminhou até a frente da sala, o que fez com
que todos arregalassem os olhos e se virassem de frente para ela.

- Bom dia, calouros. - Ela nos cumprimentou em um tom amigável, dando um sorriso.
- Eu sou Camila Cabello, professora de vocês na disciplina... - caminhou até o quadro
e escreveu enquanto falava. - Teoria da Percepção. Sou formada pela universidade de
Harvard em arquitetura e urbanismo, tenho mestrado em engenharia civil e sou PhD
em Perspectiva e Linguagem arquitetônica. A instituição me designou para apresentar
vocês às perspectivas da linguagem arquitetônica. Sem a minha disciplina, vocês não
serão bons arquitetos. - ela parou um pouco e sorriu novamente. - A minha missão é
ensinar vocês a sentirem o mundo ao redor de vocês. A minha missão é ensinar à
vocês a sentirem os sonhos das pessoas. Sejam bem vindos à Harvard.

Ela virou-se novamente para o quadro e tudo o que eu conseguia pensar, além do
fato de ela ser incrivelmente nova e linda, era: "que mulher foda!".
Concupiscient

Lauren's pov

Concupiscient (adj.): preenchida com forte sensualidade.

- Alguém sabe, tem alguma ideia ou simplesmente quer tentar dizer o que é a
Gestalt? - perguntou a professora Cabello, logo após escrever a palavra "GESTALT"
no quadro.

Àquela altura, já havíamos tido quase todo o tempo da aula, que fora completamente
utilizada para dar início ao conteúdo. A professora tirara somente vinte minutos no
início para que todos nos apresentássemos e assim, pudéssemos começar a criar
vínculos. As outras duas horas de aula haviam sido preenchidas com a unidade I do
conteúdo da disciplina.

Como ninguém levantou a mão, ela apontou para Normani, que estava sentada ao
meu lado.

- Senhorita Kordei, você tem alguma ideia do que é a Gestalt? - Ela perguntou,
aproximando-se da mesa de Normani.

A minha colega de quarto empalideceu. Ela se revelou muito tímida naquele


momento, ou era simplesmente a vergonha por não saber a resposta para uma
pergunta que ela, provavelmente, presumira ser algo que deveríamos saber, já que
nos estava sendo perguntado. Resolvi ajudá-la.

- Professora... - levantei a lapiseira em minha mão e ela me olhou. - Posso tentar


responder? - perguntei, antes de simplesmente responder, já que ela não havia
perguntado para mim.

- Naturalmente, senhorita Jauregui. - ela sorriu e andou para a minha frente,


apoiando o punho na minha mesa, enquanto fixava o olhar em mim, esperando que
eu começasse a responder.

Antes de começar a respondê-la, entretanto, meus olhos a percorreram dos pés à


cabeça e alguns detalhes chamaram a minha atenção, como se houvessem lâmpadas
de neon apontando para determinadas partes dela. De perto, ela era extremamente
delicada e delicadamente sensual. Particularmente, o seu pulso fino, com uma
pulseira dourada de um pingente só (um pequeno globo terrestre feito de cristal), de
onde exalava um perfume doce, me chamou a atenção. O primeiro pensamento que
me veio foi: "queria ter o pulso assim". A segunda coisa que eu pensei foi...

- Senhorita Jauregui? - Ela chamou meu nome, despertando-me do breve devaneio. -


Prefere desistir de tentar explicar?

- Não, não! - exclamei em um tom moderado, sentando-me um pouco mais reta na


cadeira.

De repente, o meu corpo estava em alerta para que eu me comportasse de maneira


que os meus movimentos e o meu próprio corpo chamassem a atenção dela, tanto
quanto ela chamava a minha. Eu queria que aquela professora incrível olhasse para
mim com admiração; não por meus méritos acadêmicos, como eu olhava para ela, já
que a minha vida na universidade havia acabado de começar, mas como uma aluna
que poderia orgulhá-la ou como...

- Então prossiga, por favor... - Ela apoiou o pé direito no descanso da minha cadeira e
continuou a me olhar. Não somente ela, mas toda a classe.

- Bem, primeiramente, a Gestalt é também chamada de psicologia da forma, que é


um "ramo" da psicologia comportamental, ou seja, estuda o comportamento do
cérebro em relação às maneiras como percebemos as formas que vemos ou sentimos.
Algumas pessoas traduzem Gestalt, que é uma palavra em alemão, como,
literalmente "forma", mas isso não é exatamente correto, porque a tradução literal
para Gestalt é algo como... "integração das partes em oposição à soma das partes" -
falei em um tom de dúvida, porque não tinha certeza se essa era a tradução correta e
a professora acenou positivamente com a cabeça, olhando-me fixamente. - E isso
remete à forma, por isso se costuma traduzir como forma, justamente porque a
Gestalt surgiu para estudar porque entendemos ou percebemos as formas de
maneiras diferentes. Eu não sei muita coisa a respeito, professora, mas li algo assim
para um trabalho da escola e...

- Não! - ela exclamou. - Você falou tudo corretamente. É exatamente isso


o que você falou e mais um pouco.

Depois disto, a professora Cabello voltou para a frente da sala e explicou


maravilhosamente bem o que é a Gestalt, dando um banho de conhecimento na
minha explicação furreca de minutos atrás. Tudo o que ela falava era claro como água
para mim e eu tinha a impressão de que o resto da turma pensava da mesma forma.
- Muito bem, vocês tem um trabalho para fazer. - Ela anunciou, puxando um pequeno
bloco de papel de dentro de sua pasta.

- Ahhhhhhhhh - A turma inteira reclamou em uníssono.

- Ahhh... - ela nos imitou e depois sorriu. - Não reclamem. Considerem isso como um
treino para a vida acadêmica de vocês.

Ela falava enquanto colocava o numero certo de folhas em cada primeira cadeira de
cada fileira, para que os alunos passassem para trás.

- Vocês tem até a segunda feira da semana que vem para me entregar. Vale ponto,
mas eu não direi quanto. Estão dispensados. - Ela falou, virando-se de costas para
nós.

A sala esvaziou rapidamente. Eu tinha esperanças de conseguir falar com a


professora depois que todos os alunos tivessem deixado a sala, mas ela saiu tão
rápido quanto a maioria dos meus novos colegas de classe.

- Lauren... - Normani me chamou, já em pé, ao lado da minha mesa. - Vamos?

- Vamos.

- Estava com a cabeça aonde? - perguntou-me, enquanto caminhávamos para fora da


sala.

- Em lugar nenhum, só estava tentando lembrar de uma das coisas que a professora
falou. - respondi, ajeitando a mochila no ombro.

- Falando nisso, obrigada por ter me salvado hoje na aula. Eu não fazia a menor ideia
do que é esse negócio de Gestalt. Pra mim, parece nome de marca de carro.

Eu ri de sua comparação. Até que fazia sentido.

- Não há de que. Mas você me deve cinquenta dólares por essa. - falei em um tom
sério.

Normani se virou para mim e arregalou os olhos. Eu ri de sua expressão e logo ela
entendeu que eu estava brincando.

- Garota, eu jurava que você estava mesmo me cobrando por ter me ajudado. - ela
riu, mostrando-se aliviada.

- Que tipo de pessoa eu seria se cobrasse cinquenta dólares por ter ajudado você na
aula? - perguntei, ironicamente, porque, sinceramente, ninguém cobrava por ajudar
alguém na aula.

- O tipo de pessoa que pode pagar por uma mensalidade em Harvard. - ela falou com
muita seriedade.

- Co-como assim? - perguntei, parando de caminhar no meio do corredor.

- É... eu sou bolsista. - ela falou, parecendo um pouco envergonhada.

- O QUE?! - exclamei um pouco alto demais.

- O que? Vai dar piti porque sou bolsista? Você é mais uma daquelas riquinhas
preconceituosas que...

Imediatamente a puxei para um abraço, para que ela calasse a boca, apertando-a
firmemente.

- Caramba, Normani! Parabéns! Você é demais, meu Deus! Você conseguiu uma bolsa
de estudos em uma das melhores universidades do mundo e, caramba! - beijei a
bochecha dela. - Estou muito honrada por estudar com você.

- Garota... - seus olhos estavam arregalados e a velha expressão risonha estava de


volta. - Você, definitivamente, não é uma riquinha preconceituosa.

- Nem riquinha, nem preconceituosa. - eu disse, beliscando seu quadril.

- Riquinha sim vai... - ela falou, zombando, enquanto voltávamos a andar pelo
corredor a caminho do restaurante ao lado do HGSD.

- Não. - neguei.

Eu não era riquinha. Vivia com conforto e poucas coisas me faltavam, mas tudo o que
minha família tinha era fruto do trabalho árduo do meu pai em sua exportadora.
Tínhamos dinheiro suficiente para que eles pagassem a minha mensalidade em
Harvard, mas não tínhamos dinheiro suficiente para termos um avião, por exemplo.
- Ei! - a voz de um garoto atrás de nós soou, pouco antes de ele tocar nossos
ombros.

Normani e eu viramos de sobressalto, olhando-o assustadas.

- Desculpem. - ele disse, abrindo um sorriso. - Eu estou procurando por duas alunas
da classe de calouros de arquitetura e me disseram que essas duas alunas são vocês.
Lauren e Normani? Certo? - ele perguntou, abrindo um sorriso que brilhou tanto que
quase fiquei cega.

O garoto era alto, muito mais alto que eu e minha colega de quarto, brando, loiro, de
olhos verdes, cabelo perfeitamente penteado e ao mesmo tempo, perfeitamente
embaraçado.

- Sim. - Normani confirmou. - Somos nós, por que?

Ele abriu de novo o sorriso florescente e eu desviei o olhar. Anotei mentalmente a


ideia de perguntar se o dentista dele havia errado na hora do clareamento.

- Ah! Nossa, finalmente! - ele ajeitou a mochila no ombro e estendeu a mão para
Normani. - Eu sou Drew. Drew Chadwick. - Depois estendeu a mão para mim.

- Sou Lauren. - Sorri sem mostrar os dentes, me sentindo um pouco neurótica com
toda aquela situação bizarra com os dentes dele.

- Por que estava nos procurando? - Normani perguntou simpaticamente, passando a


mão pelos cabelos, mostrando claramente, pelo menos para mim, que estava
interessada no garoto.

- Então, eu sou o veterano de vocês. - ele declarou, como se fosse o orgulho do


século. Até tufou o peito levemente.

Os corações explodiram nos olhos de Normani e eu segurei o riso.

- E isso significa que...? - perguntei.

- Significa que vocês podem usar e abusar de mim. - ele respondeu, claramente
tentando dar um duplo sentido à resposta.

Arregalei os olhos e não pude me conter e acabei soltando uma gargalhada de leve.
- Não, é sério. - ele falou, rindo também. - Estou aqui pra ajudar vocês em tudo o
que precisarem. Desde restaurantes que precisem saber até ajuda com trabalhos nos
quais estejam tendo dificuldade. Basicamente, temos que ser amigos, de acordo com
Harvard. Eu, particularmente, não tenho problemas em ser amigo de mulheres
bonitas. Vocês tem problemas em serem amigas de um pobre e feio rapaz que está
implorando pela amizade de vocês? - ele usou um tom tão ironicamente fofo que eu
quase fiz "awn" junto com Normani, que com certeza estava fazendo "awn"
mentalmente.

- Eu não me importo. Você se importa, Lauren? - Normani perguntou, mas sem olhar
pra mim.

- Não, claro que não. Não é todo dia que a gente tem um cara feio assim
acompanhando à nossa disposição. - respondi, tentando ser simpática.

- Você não precisa concordar que sou feio, pô. - ele falou, fingindo-se ofendido.

- Você precisa aceitar a realidade. Somos amigos agora, é meu dever ser realista com
você.

Ele riu e apontou pra mim.

- Cheque mate. - ele respondeu, dando-se por vencido.

Mas era claro que ele tinha total consciência de que de feio não tinha nada. Apesar
dos dentes florescentes.

- Então, vocês já tem lugar pra almoçar? - ele perguntou, jogando a mecha de cabelo
que estava em sua testa para o lado e consequentemente arrancando um suspiro de
Normani.

- Ah, a gente estava pensando em ir no The Edges, aqui do lado. -


Normani comentou.

- iiiiiiii, não, não. A comida de lá é mais barata, mas é horrível. Nunca comam no The
Edges. Ano passado um cara ficou vomitando por três dias depois de comer um
hambúrguer de lá.

- Três dias? - perguntei, incrédula.


- Três dias.

- Onde você sugere que a gente vá, então? - perguntei, contente por ter um
veterano pra nos ajudar a não vomitar por três dias.

- Vamos no The Village. É o melhor lugar pra comer o almoço aqui. Não é muito caro
e até os professores frequentam lá.

- Onde fica? - foi a vez de Normani perguntar.

- Fica a duas quadras daqui. Eu vou com vocês até lá, também preciso almoçar. E
sim, tô me convidando.

Eu dei uma gargalhada.

- Não é como se você não fosse ser convidado. - Normani falou, se derretendo para
Drew.

O The Village ficava a duas quadras do edifício da HGSD e o espaço era maravilhoso.
Não havia muita gente ou talvez o ambiente amplo desse a impressão de não haver
muita gente. Drew parecia frequentar o lugar com frequência, pois quando chegamos,
o garçom o cumprimentou amigavelmente e imediatamente nos levou para uma mesa
muito bem localizada por ali.

Os cardápios não demoraram a chegar até nós e eu pedi um filé ao molho de vinho
branco, acompanhado por batata sauté, arroz branco com molho de queijo e suco de
abacaxi com hortelã. Normani pediu, exatamente, a mesma coisa que eu. Desconfiei
que ela não sabia lidar muito bem com aquele tipo de lugar e por isso a ajudei com
alguns pedidos. Drew pediu "o de sempre, Alan", que descobrimos depois ser frango
na grelha com muita batata frita, cenoura cozida e arroz até dizer chega. Drew tinha
um apetite e tanto.

- Então, vocês tiveram aula com quem hoje? - Drew perguntou, encostando-se na
cadeira.

- Camila Cabello. - respondi animada. Animada até demais.

Drew deu um sorriso de lado, um tanto quanto sarcástico.

- O que? - perguntei. - O que foi?


- Todo mundo fica empolgado assim com ela no primeiro dia de aula. - ele falou
vagamente.

- E isso é errado? - aquele assunto, estranhamente, me interessava demais.

- Você nem imagina o quanto. - ele respondeu vagamente outra vez e desviou o olhar
para a porta e em seguida, para mim outra vez. - Falando nela...

Olhei em direção à porta de entrada do The Village e Camila Cabello estava cruzando
o corredor entre as mesas, vindo em nossa direção. Seu corpo movimentava-se com
tanta elegância e leveza que não pude tirar os olhos dela. Havia tanta singeleza
naquela mulher. Tanta sensualidade implícita. Eu me sentia completamente
encantada por ela. Não demorou muito para que ela cruzasse a nossa mesa e eu,
prontamente, abri um sorriso educado para ela; sorriso este que foi completamente
ignorado. Fiquei repentinamente e inexplicavelmente abalada e nervosa com o fato de
ter sido tão brutalmente ignorada. Tentei melhorar a expressão antes de me voltar
para Drew e Normani novamente, esperando que eles não tivessem percebido.

- Wow... - Normani exclamou. - Que mal educada ela foi.

Eles haviam percebido.

- Ah, tudo bem... - respondi, tentando fazer parecer que não havia me sentido mal
com a situação.

- E começam as decepções. - Drew falou, pensativo de novo.

Aquele tom misterioso dele estava me deixando curiosamente irritada.

- Fale de uma vez o que quer falar sobre ela, Drew. - o interpelei.

O garoto se desencostou de sua cadeira, debruçando-se na mesa, fazendo sinal para


que eu e Normani fizéssemos o mesmo. Fizemos.

- Camila Cabello é o demônio. Essa mulher é mais fria que o ártico. No início ela
aparenta ser toda fofinha e todo mundo fica encantado com todas as coisas que ela
é... tipo, doutora em eng. Civil, phd em percepção... ela é genial e a aula dela é a
melhor, mas nas provas e nos trabalhos, ela é Lúcifer. - ele sussurrava para nós,
como se aquilo fosse um segredo de estado. - Ano passado, ela reprovou toda a
minha turma de desenho técnico, porque disse que com os nossos traços, poderíamos
competir com crianças de três anos e perderíamos. Uma garota das Filipinas ia perder
a bolsa se ela reprovasse, ela chorou na frente da srta. Cabello e mesmo assim foi
reprovada. Acho que ela pensa que todo mundo tem que ser "mini gênio" como ela. -
ele completou, em um tom de tanto suspense que por um momento cheguei a ficar
com medo de Camila Cabello.

Olhei por cima do ombro para trás, tentando encontrá-la e logo a avistei em sua
mesa, fazendo o pedido para o mesmo garçom que nos atendera. Nem de longe,
aquela mulher parecia com o "demônio" que Drew havia descrito. Ela me parecia
extremamente doce.

- Como assim "mini gênio"? - Normani perguntou, com uma voz que parecia estar
hipnotizada com a história de Drew. Voltei a prestar atenção imediatamente.

- A professora Camila se formou em Harvard com 18 anos. Ela fez o teste de


admissão aos 15 e foi aprovada com honras e méritos. Ela podia ter estudado
qualquer coisa, mas escolheu arquitetura porque era a profissão do pai que morreu
assassinado. Bom, pelo menos é o que dizem...

- Ela se formou em Harvard com d e z o i t o anos? - perguntei, estupefata.

- Isso aí é certeza. O livro de formandos dela está na biblioteca. Ela pode ser um
demônio como professora, mas é muito genial como arquiteta e como pessoa. Acho
que ela é tipo uma enciclopédia. Acho que antes dos quarenta ela já vai ser uma
lenda da arquitetura. - Drew falava agora com admiração.

- Caramba... - Normani falou.

- Caramba... - Eu repeti.

Olhei novamente para trás, por cima do ombro esquerdo e fiquei encarando-a mais
do que deveria. Antes que eu pudesse disfarçar, a professora Cabello virou o rosto na
minha direção e fixou o olhar no meu. Enrubesci e desviei o olhar rapidamente.

Eu não sabia se Camila Cabello era realmente como Drew havia descrito. Talvez
houvesse um pouco de exagero naquilo; mas se era verdade que ela queria que os
seus alunos fossem tão geniais quanto ela, eu seria tão genial quanto ela.

Eu seria ainda mais genial do que Camila Cabello.


Meraki

Lauren's pov

Meraki (v.): Fazer alguma coisa com a alma, criatividade ou amor.

- Quantos anos você acha que ela tem? - soltei a pergunta aleatoriamente enquanto
caminhava com Normani de volta ao bloco de arquitetura de Harvard.

- Quem? - Perguntou de volta, sem entender de quem eu falava.

- A professora... - ela continuou me olhando sem entender. - Camila Cabello...

- Ah! - exclamou, como se agora entendesse do que eu falava.

- Em que mundo você tá? Só tivemos uma aula até agora e foi com Camila Cabello.

- Desculpe, eu estava totalmente pensando em outra coisa. Minha mente estava em


outro lugar. - ela admitiu e pareceu sentir-se envergonhada, como se eu pudesse ler
os seus pensamentos.

Naquele caso eu realmente podia.

- Ou-tro-lu-gar-cha-ma-do-Drew. - falei fingindo uma tosse, o que me rendeu um


beliscão no braço. - Ai!!

- Mas ele não é lindo de morrer? - Perguntou-me em um tom de súplica, quase como
se estivesse implorando para eu também estar caidinha por ele, para que ela não se
sentisse tão boba.

Eu precisava concordar que Drew era realmente muito bonito. Era lindo. Mas eu não
me sentia caidinha por ele. Nem perto disso.

- Ele é realmente muito lindo. Dá pra entender porque está assim. - Comentei
enquanto subíamos as escadas.

- Ele é quase um Deus! - ela exclamou, exagerando em todas as formas possíveis.

Ri de seu comportamento embaraçoso e lhe dei um tapinha no ombro.


- O lado bom de tudo isso é que ele vai ficar grudado em nós o semestre inteiro.
Chance pra você é o que não vai faltar.

- Ué! - Normani exclamou, imitando um sotaque sulista. - Pra você também não.

- Acabo de repassar, oficialmente, todas as minhas chances para você. - Fingi colocar
uma coroa na cabeça dela. Ela entrou na brincadeira e fingiu fazer reverência. Rimos
juntas.

Era fácil estar com Normani. Ela era uma pessoa, em todos os sentidos, muito leve.
Sua presença emanava pureza e divertimento. Nos conhecíamos a pouco menos de
dois dias e as coisas eram tão fáceis que eu podia jurar que a havia conhecido a vida
inteira.

- Não, sério... Você não está nenhum pouquinho interessada nele? - ela perguntou,
agora em um tom mais sério, querendo uma resposta realmente sincera, sem tons de
brincadeira.

- Seríssimo. Meu interesse nele é o mesmo interesse que tenho por uma porta. -
Falei, observando de relance as portas das salas pelas quais passávamos, todas muito
bonitas, com design moderno e ao mesmo tempo com um toque de antiguidade.
Aquilo era de longe obra de algum arquiteto ou designer muito sensível ao mundo e
genial. - Não, espere! Eu tenho muito interesse em portas, mas em Drew eu não
tenho nenhum.

Normani soltou uma gargalhada muito alta, o que fez todos os alunos que estavam
por ali, olharem para nós. Ela logo se recompôs e ignorou os olhares.

- Se ele for um cara egocêntrico e tivesse escutado seu comentário, teria mexido com
o ego dele. - Ela assinalou. - Porque essa doeu até em mim.

- Ainda bem que ele não ouviu então...

- Eu tenho uma dúvida. - Normani disse, encostando-se de lado nas portas dos
armários enquanto eu colocava o código que haviam me dado, no pequeno cadeado
vermelho com o H de Harvard cravado nele.

- Qual? - perguntei, questionando-me mentalmente qual a necessidade de


tantos números em um cadeado.
- Se Drew, que é o supra sumo dos caras gatos não chama a sua atenção, que tipo de
cara te atrai? - perguntou, olhando-me atentamente.

Aquela pergunta me pegara desprevenida e talvez eu não tivesse deixado a chave


cair se eu soubesse como respondê-la. Talvez eu não tivesse deixado meus livros
caírem, se eu soubesse como respondê-la. Talvez eu não tivesse ficado tão
desconsertada com a pergunta de Normani. Talvez eu ainda estivesse namorando
Wesley Stromberg, se eu sobesse como respondê-la. Talvez eu tivesse aceitado
namorar algum cara que tivesse me pedido em namoro até aquele ponto, se eu
soubesse como respondê-la. Talvez...

- Meu Deus, Lauren. Está se sentindo bem? - Ela perguntou, abaixando-se para me
ajudar a juntar meus livros, minhas chaves e meu papel com o código de meu
cadeado.

- Estou! Eu só me desequilibrei. Se tem uma coisa certa sobre mim, essa coisa é que
eu sou muito atrapalhada. - Falei, tentando usar o tom mais natural possível.

Normani me ajudou com as coisas e voltei a tentar abrir o meu cadeado com oito
números.

- Caramba, pensei que você estivesse passando mal, garota. Quase passei mal junto.
Sou logo dessas. Se eu ver alguém desmaiando, desmaio junto logo. - ela falou,
parecendo um pouco alarmada.

Eu ri, finalmente conseguindo abrir o cadeado e colocando os livros lá dentro.

- Fique calma, eu não estava desmaiando. - falei, fechando a porta novamente,


trancando o cadeado que automaticamente perdeu o código que eu havia colocado. A
mensalidade de Harvard era explicada por esses pequenos detalhes.

- Certo... Mas você não respondeu que tipo de cara te agrada. - Ela deixou o assunto
anterior de lado e voltou para o que realmente lhe interessava.

Suspirei, cedendo à minha falta de resposta e fiquei em silêncio. Eu realmente não


sabia como responder aquilo.

- O que?! - Normani exclamou em um tom exasperado. - Você é lésbica? - ela


perguntou baixinho, com os olhos quase grudados em mim, de tão perto que veio.

- O que?! - exclamei da mesma forma, arregalando os olhos para ela. - Não! Claro
que não! Eu não...

- Então por que suspirou? Você nunca beijou um cara? - Normani continuava
tentando concluir, supondo coisas absurdas, o que me dava vontade de rir e ao
mesmo tempo me deixava chocada com a mente imaginativa da minha colega de
quarto.

Revirei os olhos.

- É que eu não sei como responder essa pergunta. Eu não sei que tipo de cara me
atrai... Se eu olhasse só o físico, talvez Drew fosse o tipo de cara que me atrai. Mas
eu sempre quero algo a mais, algo que nenhum dos garotos com quem fiquei até
agora tem, o que é bastante estranho, porque nem eu sei o que é essa "coisa" que
está faltando. Acho que eu só preciso me apaixonar. Mas eu acho que já me
apaixonei antes, quer dizer, teve toda aquela coisa de borboletas no meu estômago,
eu morria pra ir para a escola só para vê-lo. Quando ele me beijou pela primeira vez
então... Eu faltei morrer. Mas durante o relacionamento, sempre estava faltando
alguma coisa. Então eu acho que não estive realmente apaixonada. Porque estar
apaixonada é como uma fogueira e talvez eu tenha sentido uma faísca disso vez
outra. É muito confuso. Eu não consigo me sentir assim como você se sente pelo
Drew, por nenhum garoto. Eu até já tentei achar toda essa euforia dentro de mim,
quando vejo algum cara realmente bonito, mas simplesmente não existe. As vezes eu
acho que vim com defeito de fábrica. - concluí.

Normani me encarava, obviamente analisando-me. Estava claro que ela havia me


escutado com real interesse e que o assunto não seria tratado com desmazelo por
ela. Era um conflito interno meu e ela havia entendido.

- Você SERIAMENTE olha muito além do físico e por isso é tão exigente em
relação aos garotos. O físico não é o que chama a sua atenção logo de cara, o que é
MUITO raro, porque a maioria dos seres humanos é estimulado pelos olhos, logo de
cara. É um fenômeno da psicologia. Minha mãe é psicóloga, ela me falou sobre isso.
Pode ser por isso que você não se sente da mesma forma que eu e a maioria das
garotas quando vê algum cara obviamente muito gato. - Paramos na porta da sala e
Normani fez uma pausa antes de abri-la. - Ou talvez, simplesmente, você seja
lésbica.

E assim, Normani abriu a porta e seguiu para dentro da aula de Análise e Composição
da forma, deixando-me totalmente estática, olhando a janela do outro lado da sala.
A segunda aula do dia passou se arrastando. O professor Newton era um cara de
meia idade, com pós doutorado em duas áreas e conceituado no mundo inteiro. Estar
na frente dele era como estar na frente de uma lenda viva. Era um cara leve, como
todo bom e velho arquiteto, mas também era egocêntrico, o que, de certo modo, era
até compreensível para um cara que aos cinquenta e oito anos já tinha obras
espalhadas por todos os cantos do mundo. Apesar de toda essa genialidade como
arquiteto, como professor, era entediante.

Normani e eu saímos das quase quatro horas de aula do professor Newton quase
dormindo e pouco falamos no caminho de volta para nosso quarto. Nem ela queria
falar, nem eu. Estávamos completamente exaustas e para um primeiro dia de aula,
aquilo não era esperado, definitivamente.

Mal abri a porta do quarto e Normani desabou de bruços em sua cama.

- Vamos ter aulas de 8 da manhã até 6 da tarde todos os dias? - Ela perguntou em
tom de reclamação, mesmo sabendo que era desse jeito mesmo que funcionava.

- Bem vinda à Harvard! - falei, ironicamente, imitando o tom que nos disseram quase
todos os professores, enquanto tirava os sapatos, na porta do quarto.

- Tô pensando seriamente em vender arte na praia. - Normani falou com bochecha e


metade da boca apertadas contra o colchão.

Sentei-me em minha cama e joguei a mochila no chão. Estiquei o pescoço de um lado


para o outro, tentando livrar-me do incômodo de ter os músculos tensos.

- Uma compradora você já tem. - falei, deixando meu corpo desabar sobre a cama
também.

- É um grande incentivo. - Ela riu. - Me sinto a maior preguiçosa do mundo por não
querer ir tomar banho agora e simplesmente dormir do jeito que estou.

- Engraçado...Estou cansada mas não estou com sono. Estava pensando em fazer o
trabalho da professora Camila. Pelo menos começar. Não quero deixar nada para
depois.

- Que aplicada... - Normani falou, quase inaudível, em meio a um bocejo. Ela já


estava a ponto de dormir.

- Eu vou tomar banho, comer alguma coisa e começar a fazer o trabalho. Quer que eu
acorde você mais tarde? Não pode dormir sem comer nada. - falei, forçando-me a
levantar.

- U-hum... - Ela murmurou, afirmando que sim.

Obriguei meu corpo a responder as minhas vontades e segui para o banheiro.


Demorei mais no banho do que pretendia, mas não dava para negar ao meu corpo
todo o relaxamento que aquilo estava me proporcionando. A água quente estava
acalmando toda a tensão do meu corpo depois de um primeiro dia tão intenso. O
cansaço já havia me abandonado e eu me sentia perfeitamente disposta para fazer as
coisas que desejava.

Saí do banheiro sentindo-me outra e com a fome de um dragão. Tanta era a fome
que nem fiz questão de colocar uma roupa antes de comer, fui para a cozinha de
roupão mesmo e de toalha enrolada no cabelo, sentei à bancada e devorei dois
sanduíches de pasta de atum com alface e queijo e de sobremesa, comi um sanduíche
de geleia de morango.

Tentando fazer o mínimo de barulho possível para não acordar Normani,


procurei algumas roupas na mala que ainda não havia desfeito e decidi pelas calças
de moletom cinzas e a regata branca que apareceu primeiro, que inclusive, era a
regata que Harvard enviava para os alunos dias antes, com mais alguns itens, como
boné, gorro, canetas, tudo com o símbolo da instituição. Assim, já devidamente
vestida, deitei na cama e puxei a mochila para o meu lado.

Não precisei abrir muito a mochila para descobrir que meus livros da aula da
professora Cabello não estavam lá e consequentemente, as folhas do trabalho
também não estavam.

"Isso, Lauren, muito esperta você por ter deixado os livros no armário", pensei
comigo mesma, sentindo-me nada inteligente por não ter recolhido os livros do
armário antes de voltar para o dormitório.

Lembrei-me imediatamente das orientações do primeiro dia: "Nunca deixem o seu


material de estudo no armário. Eles servem, exclusivamente para que vocês guardem
seus materiais entre uma aula e outra. Sempre que deixarem o prédio, levem seu
material para os dormitórios. É lá que vocês estudam". Senti-me mais idiota ainda
por não ter lembrado disso quando saí da aula do professor Newton. Intimamente o
culpei por meu esquecimento, já que minha mente estava muito cansada da aula dele
para lembrar de qualquer outra coisa.

Suspirei, deixando a mochila de lado. Olhei as horas no celular e eram 8:15pm, o que
significava que ainda dava tempo de ir até o campus de arquitetura e pegar meus
livros e assim, adiantar meus trabalhos. O campus ficava aberto até as 10pm, pelo
que me constava, então ainda havia tempo suficiente.

Levantei-me da cama, decidida a ir do jeito que estava, mas antes, ponderei que
àquela hora o campus ainda estava cheio de gente, alunos de pós graduação e
professores, então não seria adequado ir de regata e calça de moletom. Assim, antes
de sair, vesti o moletom de Harvard e jeans que, só depois de pegar e vestir, percebi
que eram colados demais. Mas assim estava, assim ficaria. Estava mais apresentável,
pelo menos.

Coloquei o celular no bolso de trás da calça e saí sem fazer barulho. O caminho até o
campus de arquitetura, felizmente, não era longo. Não passava de atravessar uma
praça e duas quadras, em diagonal e assim, surgia o edifício pomposo da HGSD. De
dia era maravilhoso e a luz natural o deixava maravilhoso, mas à noite, todo
estrategicamente iluminado, aquele edifício parecia ter sido enviado diretamente de
alguma civilização altamente desenvolvida que sabia como conectar sentimentos a
estruturas. Aquilo parecia ser um organismo vivo, capaz de transmitir emoções e até
mesmo de senti-las.

Subi as infinitas escadas que levavam até a entrada do edifício, quase sem tirar os
olhos da construção, fazendo-o apenas quando já estava dentro. Visto de dentro, era
como se tudo ali dialogasse com o espaço. Cada pessoa se locomovendo em
atividades particulares e individuais, parecia na verdade apenas um pequeno ser que
trabalhava para o funcionamento da grande estrutura. Tudo se encaixava
perfeitamente ali dentro. Até mesmo eu, que nunca me sentia encaixada em lugar
nenhum.

Fiz todo o caminho até o meu armário, observando atentamente cada detalhe que
antes eu não havia conseguido observar, dado o enorme fluxo de pessoa por ali
durante a manhã. Cada detalhe que eu olhava me conectava ainda mais com o
ambiente e tive vontade de ficar ali para sempre.

Peguei meus livros no armário, mais uma vez me atrapalhando para abrir o cadeado
de oito números e ao invés de voltar imediatamente para o meu dormitório, decidi
andar mais um pouco pela HGSD. Passei pelos corredores das salas de projeções e
maquetes e o que não faltavam eram alunos concentrados em seus projetos.
Provavelmente, alunos do último ano, preocupados em concluírem o curso
honrosamente. Observei, andando lentamente entre os boxes dos alunos, cada um de
seus projetos e cada coisa ali me parecia absolutamente genial.

- O que faz aqui a esta hora, caloura? - A voz da mulher surgiu tão
repentinamente atrás de mim que com o susto, quase deixei meus livros caírem, mas
com a ajuda dela, que rapidamente apoiou os livros em meu braço, não caíram.

- Pro-professora Cabello... - falei, ainda um pouco assustada, parando de respondê-


la, simplesmente por haver congelado de susto.

Ela usava um moletom de cashmere azul escuro, por cima de um delicado vestido de
tecido leve, branco, que terminava pouco acima de seus joelhos. Os pés estavam
calçados com sapatilhas brancas e detalhes dourados. O cabelo estava preso em um
coque mal feito no alto da cabeça e no rosto havia pouca maquiagem ou nenhuma.
Me olhava com um ar de dúvida e havia certa "inocência" em sua expressão. De
repente, senti-me incomodada com a roupa que escolhera usar. Ela era
impressionante.

- Sim... sou eu, sua professora. O que faz aqui a esta hora? - Ela perguntou em um
tom ainda amigável, apenas parecendo curiosa em saber o que eu fazia ali, quando
obviamente deveria estar em meu dormitório ou em alguma festa de boas vindas aos
calouros.

- Ah! Eu... Eu esqueci meus livros no armário e vim buscá-los. - Expliquei, mostrando
os livros em meus braços, para ela.

Ela olhou os livros e pelo que percebi, os analisou, concluindo que eram os livros da
aula dela.

- Você poderia tê-los pegado amanhã. - Ela assinalou, duvidando um pouco do que eu
havia dito.

- Eu queria fazer o trabalho que a senhora passou logo, para adiantar e não deixar
acumular nada e a folha do trabalho estava dentro dos livros... - expliquei e ela
levantou a sobrancelha, duvidando mais ainda, mesmo que fosse totalmente verdade.
- E aproveitei para dar mais uma olhada aqui do campus.

- Fazer o trabalho logo? - Ela perguntou, analisando-me.

Senti-me incomodada com a maneira como ela me olhava. Não parecia acreditar em
nenhuma palavra do que eu dizia.

- Sim, professora. - Respondi objetivamente. Estava ficando constrangida com aquele


excesso de perguntas.

- Isto é inusitado, senhorita...? - Ela deixou o espaço vago, não lembrava meu nome.

- Lauren. Lauren Jauregui. - informei-lhe.

- Pois então, isto parece muito inusitado senhorita Lauren Jauregui. - Ela respondeu,
amenizando a expressão que antes estava extremamente séria.

- A senhora acha? Por que? - Perguntei, sentindo-me estranhamente intimidada pela


presença dela, por todas as coisas que eu já sabia que ela era, por toda a admiração
que instantaneamente criara por ela.

Era estranho porque embora ela fosse tudo o que era (mestre em engenharia civil,
phd em percepção, gênio, arquiteta renomada internacionalmente... e todas as mil
coisas que nem dez por cento da população mundial seria na idade dela), ela ainda
parecia uma garota. Suas feições eram muito jovens e nada a respeito dela
expressava o que Drew havia dito. De todas as formas conscientes e racionais, ela
parecia um ser humano inalcançável, mas de alguma forma irracional, ela parecia
uma garota da minha idade à quem eu poderia ter fácil acesso e me tornar amiga.

- Senhora não. - Ela me corrigiu, abrindo um sorriso amigável. - Professora em sala,


mas fora de sala, pode me chamar de Camila.

- Tudo bem... - concordei, sentindo minhas bochechas esquentarem. Sem motivo


algum, sentia-me envergonhada.

Ela pareceu perceber e sorriu.

- Eu não sou tão mais velha que você assim. - Ela continuava encarando-me,
analisando-me.

Seus olhos eram escuros e profundos, principalmente à noite, e tê-los grudados em


mim, me analisando tão minuciosamente, deixava-me desconfortável.

- Dá pra perceber! - exclamei imediatamente, mas me senti tão


envergonhada que quase me joguei no chão.

Ela sorriu docemente outra vez.

- Obrigada! Tomei isto como um elogio, senhorita Lauren.

- Lauren, apenas Lauren. - disse-lhe, tentando sentir-me mais confortável mesmo em


meio a tanto embaraço.

- Tudo bem, "Apenas Lauren". - ela sorriu. - Você deveria voltar para o seu
dormitório, Lauren. Daqui a pouco já são nove da noite. - ela disse, olhando o relógio.
- Quase isso!

- É... Eu ainda vou fazer o seu trabalho. Então é melhor eu ir mesmo. - respondi,
ajeitando os livros que eu abraçava.

- Não vai dormir? Deixe o trabalho para o final de semana, a primeira semana de aula
é sempre desgastante, os calouros sempre sofrem com o ritmo intenso de Harvard.

- Não, eu me sinto bem disposta e prefiro deixar tudo adiantado. - expliquei-lhe mais
uma vez, recebendo um olhar, novamente um tanto quanto incrédulo. - A senhora
passa... - ela me encarou como se eu tivesse dito algo errado e logo me corrigi. -
Você passa o dia inteiro aqui?

- Somente às terças e quintas. São os dias que tenho tempo para dar aula aqui.
Então dou aulas de manhã, a tarde e a noite. Tenho que dar a minha contribuição à
instituição que me formou. - Ela respondeu-me, explicando seus motivos sem nem
mesmo eu ter perguntando.

- Isso é muito generoso. - Ponderei em voz alta, mais para mim do que para ela.

A professora Camila apenas concordou com a cabeça, sorrindo docemente, mais uma
vez. O olhar de análise nunca saia de sua expressão e eu não entendia o motivo
daquilo. Sentia-me incomodada com o fato de os detalhes a respeito dela serem tão
vivos aos meus olhos, como seus olhos escuro e profundos, que pareciam comer toda
a essência que havia em volta e ao mesmo tempo, dar vida a tudo. Ou como seu
pulso fino e a tatuagem em forma de cruz em seu dedo indicador direito que estava
sutilmente escondida debaixo de um anel dourado que combinava perfeitamente com
a combinação de roupas que ela escolhera. Ou nas sobrancelhas perfeitamente
desenhadas que se ajustavam perfeitamente ao que seu olhar expressava, seja lá o
que fosse.
- Bem, eu já vou indo. - Declarei, despertando-me de meu devaneio, tentando
esconder o quando sentia-me aturdida.

- Eu acompanho você. Já estou indo para o estacionamento. - Ela disse, sem desviar
aquele olhar entorpecente do meu.

Sentia-me incomodada, mas ao mesmo tempo não queria que ela parasse de me
olhar.

- Tudo bem, me parece ótimo. - eu disse, mordendo o lábio inferior, tentando


controlar a ansiedade que estava sentindo por estar tendo um contato tão próximo
com alguém tão digno de admiração.

Ela caminhou até um box ali perto e pegou a sua bolsa e uma pasta onde carregava o
computador.

- Vamos? - Chamou-me e eu segui até ela.

- Você mora aqui em Cambridge mesmo, professora? - Perguntei, enquanto


caminhávamos pelos corredores que levavam para fora do campus.

- Camila. - Ela me corrigiu. - E não, eu moro em Boston. Venho para Cambridge


apenas às terças e quintas, para dar aula. E você, morava onde antes de vir para
Harvard?

- Em Boston também. Meus pais moram lá.

- Ah, é mesmo? E por que não quis continuar morando lá? Por que quis vir para cá?
Boston é tão perto. - Ela perguntou, soltando o cabelo exatamente no momento em
que passamos pelas portas automáticas da saída.

O vento bateu em seu cabelo e o cheiro veio diretamente em meu rosto, cobrindo
minha face. Se era possível que cheiros podiam queimar a pele, então o cheiro dela
havia queimado a minha. Demorei mais a responder do que deveria, ainda tentando
lidar com aquele cheiro. Eu admirava aquela professora de todas as maneira possíveis
agora e nada do que Drew dissera me parecia verdadeiro. Queria ser como ela em
algum momento da minha vida.

- Eu quero ter uma experiência sozinha, quero ter que fazer as coisas por
mim mesma. Quero precisar ser responsável mesmo quando eu não quero ser
responsável. Eu acho que essa é a única maneira de crescer e ser um ser humano
que realmente está contribuindo para a humanidade. - acabei de responder,
arrependendo-me imediatamente por ter sido tão explícita em minhas filosofias
jovens de dezoito anos.

Neste ponto, já havíamos parado perto de seu carro, que estava estacionado muito
próximo às escadas do edifício e Camila me olhava da mesma forma de antes,
analisando-me, cercando-me.

- Então você veio morar sozinha porque quer ser responsável? - ela perguntou,
usando novamente o tom de dúvida de antes.

- Exatamente. Não vou ter meus pais para fazerem tudo por mim a vida inteira. Eu
preciso aprender a lavar as minhas próprias roupas, a cuidar da minha própria
alimentação, das contas a pagar, e todas essas coisas que a gente precisa fazer pra
ser adulto.

A expressão de análise dela sobre mim era tão intensa que até mesmo o dedo
indicador ela havia colocado sobre os lábios.

- Você é uma jovem intrigante, "apenas Lauren". - ela disse em um tom sério, mas eu
ri.

- Eu sei, eu sei... vou me arrepender muito disso, não é? - perguntei rindo e de certa
forma admitindo algo que quase todo mundo consideraria como certo.

- De forma alguma. Acho a sua decisão muito madura, principalmente pelos motivos
que escolheu. - ela falou, finalmente abrindo a porta do carro e guardando as suas
coisas organizadamente no banco de trás.

- Obrigada... - respondi, achando melhor não falar mais muitas coisas.

Permaneci calada, encarando o edifício impressionante da HGSD imperativo à nossa


frente.

Ela fechou a porta do carro e encostou-se, encarando o mesmo ponto que eu.

- O que acha deste edifício, Lauren? - ela perguntou e imediatamente senti-me


nervosa por precisar comentar com um gênio da arquitetura sobre a arquitetura
daquele edifício. Ela, provavelmente, queria me testar.
- Não sei falar tecnicamente sobre esse edifício ainda, professora. - falei timidamente,
sem tirar os olhos do ponto mais alto dele.

- Não quero que fale tecnicamente. Só quero saber da sua percepção a respeito dele.
- ela disse, outra vez, em um tom amigável, me fazendo sentir confortável em
responde-la.

- Bom, tudo bem... Quando eu estava chegando aqui, hoje à noite, eu percebi o
quanto esse edifício dialoga bem com tudo o que está dentro e fora dele. É como se
tudo estivesse funcionando para ele e ao mesmo tempo é como se ele surgisse de
tudo. Faz sentido? - perguntei e ela apenas assinalou com a cabeça. - Quando eu
estou lá dentro, me sinto parte de algo, me sinto encaixada e acolhida e quando
estou aqui fora, me sinto grande e pequena, o que é paradoxal, mas é o que ele me
faz sentir. A iluminação, pra mim, é absolutamente perfeita e as formas geométricas
dele me comovem. É isso! Esse edifício é absolutamente comovente. Ouvi dizer que é
novo. Não tem nem cinco anos desde a inauguração, mas para mim, dá a sensação
de que sempre esteve aí. O arquiteto que fez isso é um gênio.

Camila riu e em seguida abriu um sorriso largo que eu não entendi, mas ignorei.

- Sua percepção é muito sensível, Lauren. É bom saber que é minha aluna. - Ela
disse, simplesmente.

Fiquei sem resposta para aquilo e imediatamente todas as coisas que Drew havia dito
me vieram à cabeça. "Ela é Lúcifer. Ela reprovou toda a minha turma.". Aquilo,
simplesmente não se encaixava ao que eu estava vivenciando. Talvez ele estivesse
simplesmente exagerando ou talvez a turma dele fosse realmente um horror. Ou
talvez...

- Eu não sei, só quero ser tão boa quanto quem projetou este edifício. Eu
quero comover as pessoas. Eu quero que as pessoas percebam as minhas emoções
através das formas.

- Você acha que sente as emoções do arquiteto que projetou isso? - Ela perguntou,
curiosa.

- Não sei... Mas eu sinto emoções e eu gostaria que fossem as mesmas emoções que
ele sentiu. Um dia serei tão boa quanto ele! - declarei, deixando-me levar por minha
mente sonhadora.
- Tenho certeza que sim. - Ela sorriu e lançou-me um olhar doce. - Bom, eu preciso
ire você precisa...estudar(?). - Ela sorriu e eu sorri também, confirmando com a
cabeça. - Até a próxima aula, Lauren.

- Até mais, professora. - Ela lançou-me um olhar repreensivo, já dentro do carro. -


Camila. - corrigi-me.

A semana passou feito um raio. Ao passo que as aulas pareciam se arrastar, os dias
pareciam correr. Em um piscar de olhos já era segunda feira novamente e eu mal
havia dormido e já era terça feira. Eu estaria sendo hipócrita se dissesse que não
estava ansiosa pela aula da professora Camila, mas tentava me concentrar em todas
as outras tarefas que eu deveria realizar. A aula dela, de todas, era a melhor. Eu mal
podia esperar, tanto que na terça feira a minha disposição era quase mil.

- Você está parecendo criança de pré-escola, doida pra ver a professora. - Normani
disse, tomando um gole de seu café, enquanto saíamos da Starbucks.

O dia estava frio, o clima de verão já estava sumindo e o frio ameno do outono já
começava a se manifestar. A tonalidade das folhas nas árvores já estava ficando
desbotada, algo entre o verde e o caramelo queimado, típico de outono. Tomei um
gole do meu próprio café, antes de respondê-la.

- Eu só gosto muito da aula dela. Ela é uma professora e tanto. Uma inspiração. Você
não acha?

- Hum...sei. - ela falou, com aquele ar de incredulidade e eu revirei os olhos. Sabia


muito bem o que estava implícito em seu comentário, por isso, resolvi não responder
mais.

Chegamos à sala meia hora antes e ficamos conversando por ali com alguns colegas
da classe, com os quais já havíamos feito amizade. Exatamente às oito horas, no
exato momento em que o alarme soou, a porta se abriu e Camila entrou na sala.
Virei-me para frente, dando-lhe um sorriso que foi completamente ignorado. A
professora Cabello me encarou, viu o meu sorriso, virou o rosto e seguiu andando
para a sua mesa. Criou-se um vácuo em meu estômago. Uma sensação tão ruim que
inicialmente achei que estivesse passando mal, que tivesse comido algo errado.

- Bom dia à todos. - Ela nos cumprimentou, encostando-se em sua mesa.


Ela estava incrível. Era impressionante o fato de ela nunca errar a roupa, estava
sempre no ponto certo. Dessa vez, vestia calça social azul marinho, perfeitamente
ajustada ao seu corpo, sapatos pretos elegantérrimos e blusa social de linho branco e
mangas cumpridas, com detalhes dourados no ombro. O cabelo estava mais liso e a
maquiagem era leve.

- Bom dia. - o coro de alunos respondeu.

- Senhorita... - ela apontou para a garota sentada ao meu lado.

- Keana. - A garota respondeu.

- Sim, senhorita Keana, recolha os trabalhos de seus colegas para mim, por favor.

Ela ordenou e seguiu para o quadro magnético em vidro, onde escreveu:

"MERAKI: FAZER ALGUMA COISA COM A ALMA, CRIATIVIDADE OU AMOR."

Em seguida, encostou-se novamente em sua mesa e ficou observando a turma,


enquanto Keana recolhia os trabalhos. Seu olhar nem sequer passou por mim. Ela
estava ignorando completamente a minha existência. Keana levou até ela os
trabalhos e os entregou.

- Muito bem. Alguém pode ler o que está escrito no quadro para mim?

Eu ia ler, mas seu olhar de desprezo foi tão intenso que meu estômago pareceu estar
em queda livre. Um aluno atrás de mim leu.

- Peguem uma folha A4 em branco e coloquem em cima de suas mesas. - ela ordenou
e começou a caminhar de um lado para o outro da sala, segurando o pincel
magnético atrás de si.

Quando todos os alunos já estavam com suas folhas em cima da mesa, ela voltou a
falar.

- Você serão arquitetos e urbanistas. Tudo o que surge no cérebro de vocês, - ela
circulou a palavra criatividade com pincel vermelho, no quadro - precisa se misturar à
essência de vocês, - foi a vez de a palavra alma ser circulada - e ser expresso pela
mão de vocês com todo o sentimento - circulou a palavra amor - pelas mãos de
vocês, para os outros. Vocês não farão a arquitetura para vocês mesmos. O que eu
quero de vocês agora é que usando toda a sua criatividade, alma e amor, desenhem
qualquer coisa, livremente. Vocês podem desenhar tudo ou nada. O desafio de vocês
é ME fazer sentir o que vocês estão sentindo ao desenhar, ao pensar o que estão
desenhando. Vocês tem uma hora.

Durante os primeiros trinta minutos eu me empenhei em desenhar todas as formas


geométricas possíveis. Combinei-as de várias maneiras e nada expressava o que eu
queria. Até que, por fim, cheguei a uma forma que ao mesmo tempo que para mim
dizia muito, não dizia absolutamente nada. Comecei a trabalhar nisto e pelos vinte
minutos seguintes eu havia conseguido um resultado que eu considerava
suficientemente expressivo e bom. Não era nada profissional, mas estava chegando
lá.

Durante o meu processo de criação a professora Cabello começou a andar pela sala,
analisando os desenhos de todos os alunos e não falou absolutamente nada. Apenas
olhava e seguia para a próxima mesa. Por último, veio à minha mesa.

- Isso está um desastre. - Ela disse em um tom de voz que todos puderam escutar.

Levantei a cabeça para olhá-la na esperança de que ela dissesse que estava
brincando, mas sua expressão era terrivelmente séria, quase como se eu tivesse
acabado de fazer alguma coisa muito ruim para ela. Engoli o nó que se formou em
minha garganta, pelo constrangimento de ter meu desenho humilhado na frente de
toda a turma. Entretanto, não me deixei abalar do lado de fora e tentei agir de
maneira madura diante da crítica.

- Como posso melhorar professora? - Perguntei, minha voz saindo tão baixa que eu
mesma mal pude ouvir.

- Seu traços retos parecem linhas curvas e suas linhas curvas parecem minhocas de
tão mal feitas. Se quer continuar neste curso, pelo menos aprenda a fazer linhas
retas e curvas da maneira correta. Refaça isso, porque tudo o que está me fazendo
sentir é horror. - Ela concluiu e me deu as costas.

Toda a turma me olhava com um ar de pena e tudo o que eu queria fazer era sair
correndo dali. A humilhação foi tanta que eu a senti se manifestando em lágrimas em
meus olhos. De repente, eu era a aluna com o pior traço da sala e a quem a
professora, aparentemente, mais odiava.

Normani me mostrou o desenho dela e seus traços eram visivelmente mais tortos que
os meus. Eu sempre tive mão boa para desenho e meu traço não era torto, eu sabia.
- Não entendi porque ela fez isso com você. De todos os desenhos que eu consegui
enxergar até agora o seu é de longe o melhor. - Keana sussurrou do outro lado.

Ainda faltavam vinte minutos para o fim do nosso prazo para entregar o desenho.
Olhei fixamente para os traços e riscos à minha frente e decidi deixar aquela folha de
lado. Peguei uma folha totalmente em branco em minha pasta e a coloquei em cima
de minha mesa. A encarei por longos minutos que pareceram uma eternidade. Já se
haviam ido sete minutos do eu tempo para acabar o desenho e em treze minutos eu
provavelmente não conseguiria fazer nada realmente impressionante.

Então, as palavras da professora Camila voltaram à minha mente. "O que eu quero de
vocês agora é que usando toda a sua criatividade, alma e amor, desenhem qualquer
coisa, livremente. Vocês podem desenhar tudo ou nada. O desafio de vocês é ME
fazer sentir o que vocês estão sentindo ao desenhar", e então eu tive a minha
primeira grande ideia.

Pelos próximos treze minutos eu encarei a folha de papel sem fazer um traço sequer.
Apenas encarei a folha como se ela fosse Camila Cabello e se olhar queimasse, aquela
folha teria virado cinzas.

O tempo para desenhar acabou e cada aluno foi chamado até a frente da sala para
apresentar para a turma e para a professora a razão do que havia desenhado. Camila
parecia entediada, mas não falava absolutamente nada para os alunos que, pelo que
eu vi, tinham traços muito mais iniciantes do que os meus. Por último, como eu
suspeitava, ela me chamou.

- Senhorita Jauregui, venha até a frente apresentar aquilo que você chama de
desenho. - Ela falou sem humor nenhum, encarando-me exatamente da mesma
forma que havia feito exatamente uma semana atrás enquanto conversávamos, mas
dessa vez, havia um tom prepotente em seu olhar. Quase desafiador.

- Claro, professora Cabello. - levantei e fui até a frente da turma, sem nem ao menos
olhar para ela. Todo o meu constrangimento havia se convertido em raiva, em
mágoa. Ela me tratava com rudeza sem motivo algum.

Virei a minha folha em branco para a turma e fiquei calada. Não dei uma palavra. O
silêncio ficou incômodo de tal forma que Camila levantou a cabeça para me olhar,
para entender a razão de meu silêncio. Continuei calada, segurando a folha para a
turma, sem ao menos olhar para ela.

- Senhorita Jauregui, já pode começar a explicar o seu desenho. - ela falou com
seriedade e olhou para a minha folha em branco. - Pode me explicar porque não
desenhou nada, Senhorita Jauregui?

Neste momento, caminhei até a mesa dela, entregando-lhe a folha.

- O que sente quando vê o meu trabalho professora? - Perguntei enquanto ela olhava
a folhar em branco.

- Absolutamente nada, minha querida. - Ela falou, ironicamente, como se provasse


que estava certa sobre a incapacidade que ela insinuara que eu tinha, quando falou
do meu desenho.

Dei-lhe o sorriso mais curto e desprovido de emoções que eu conseguia e encarei-a


nos olhos, exatamente como ela fazia comigo.

- É exatamente o que eu estava sentindo ao fazer isso. Nada. Então eu acho que
consegui fazer exatamente o que a senhora pediu. - falei, destacando a palavra
senhora e voltei para a minha mesa.

Todos os alunos olhavam-me boquiabertos e no exato momento em que sentei, o


alarme para o almoço tocou.

Se ela queria sentir exatamente o que eu estava sentindo quando "desenhei", ela
havia sentido. Havia sentido ainda além disso. Havia sentido tudo o que a minha
admiração por ela havia se tornado: nada.
Opia

Lauren's pov

Opia (n.) A intensidade ambígua de olhar alguém nos olhos, o que pode fazer se
sentir simultaneamente invasivo e vulnerável.

É absolutamente incrível como a vida é imprevisível, como tudo se transforma tão


rapidamente. Em um momento você olha ao seu redor e vê as coisas de um jeito,
mas não precisa de mais do que apenas um piscar de olhos para que tudo o que você
viu segundos atrás já tenha mudado completamente.

- Sério, eu quis pular da cadeira quando você falou aquilo pra professora. - Normani
tagarelava com toda a empolgação do mundo enquanto andávamos a caminho do The
Village. - Garota, você precisava ver a cara da Cabello! Você nem viu, né? -
Perguntou, segurando meu braço e quase me sacudindo.

- Eu vi! - Keana apareceu totalmente do nada ao nosso lado, intrometendo-se na


conversa. - Cara, ela foi uma bruxa com você.

- Quem foi uma bruxa com ela? - foi a vez de Drew se juntar a nós, passando o braço
pelo pescoço de Normani que, tenho certeza, se segurou muito para não desmaiar. -
Ah, não, espere. Camila Cabello, posso apostar!

- Isso mesmo! - Normani respondeu, seu tom era um misto de indignação com a
professora e empolgação pela presença de Drew. - Bem que você avisou.

- Avisei mesmo. - Drew concordou, cheio de si. - O que "a frozen" fez dessa vez?

- Frozen? - Finalmente eu tive vontade de falar alguma coisa, mas imediatamente


quis me bater por perguntar algo a respeito dela.

- É! É assim que chamam ela por aqui. "Frozen". A mulher mais fria da qual já se teve
notícias em Harvard. - o garoto loiro explicou, enquanto passava a mão,
cuidadosamente pelo topete cuidadosamente arrumado para parecer despenteado. -
O que ela fez com você, afinal?

Fria? Por um lado aquele adjetivo pareceu cair muito bem para descrever a minha
professora, a mulher que menos de meia hora atrás praticamente humilhara-me na
frente de toda a minha turma, mas por outro lado aquilo não fazia o menor sentido; o
lado no qual ela havia sido absolutamente encantadora e educada uma semana atrás.
Eu não sabia o que me incomodava mais: o fato de ela ser totalmente contraditória
ou o fato de que esse comportamento contraditório estava me deixando intimamente
incomodada. Afinal, ela era só uma professora que tinha um comportamento
estranho.

- Ah, nada. - respondi, tentando cortar o assunto, mas é óbvio que Normani iria falar
por mim.

- Nada? Nada?! - Normani me olhou indignada. - Ela humilhou a Lauren no meio da


aula, sem mais nem menos. Disse que o traço dela era horrível. "Seus traços retos
parecem linhas curvas e suas linhas curvas parecem minhocas de tão mal feitas". -
Normani repetiu exatamente a mesma frase que Camila havia usado comigo,
tentando imitar o tom irritante da professora, mas saindo muito mais como
indignação do que qualquer outra coisa.

Eu preferia que ela não o tivesse feito. A mera repetição da frase já me fazia sentir
todo o constrangimento e a humilhação que eu havia sentido na hora da aula. Senti-
me irritada com a repetição exagerada do assunto. Tudo bem, eu já sabia que ela era
uma bruxa, que tratava mal os alunos mesmo depois de ter sido um amor uma
semana antes e...

- Caramba! - Drew exclamou. - Ela fez isso SÓ com a Lauren? - ele exclamou, pela
primeira vez parecendo realmente surpreso.

- Foi, só com a Lauren. Ninguém entendeu, cara. O desenho da Lauren era o melhor
da sala. Eu vi o de quase todo mundo. Não tô conseguindo entender porque ela fez
isso. Mas a Lauren saiu por cima. Quase fiquei de pés para bater palmas. - Ponderou
Keana, animando-se no final.

"Nem eu", pensei.

- Ela sempre é rude com a turma inteira, mas com um só aluno, nunca se teve
notícia. - Drew falou, usando um tom misterioso.

- Foi assim...

Pelos próximos cinco minutos Normani contou absolutamente tudo o que tinha
acontecido e eu só fizera questão de acelerar o passo para chegar mais rápido ao The
Village, comer e ir para a próxima aula. Mas quanto mais rápido eu queria andar,
mais interessados eles pareciam ficar no assunto Camila Cabello e menos queriam
apressar o que deveríamos fazer.

- Uau! Lauren, eu queria ter visto isso. Não é todo mundo que tem coragem de
enfrentar a "frozen" desse jeito. - Drew disse, ajeitando a mochila nas costas e ao
mesmo tempo empurrando a porta do The Village para que nós entrássemos.

- Ela é só uma professora. - Falei sem muito humor, passando por ele e assim,
entrando no restaurante.

O primeiro lugar para onde meus olhos foram, involuntariamente e muito contra a
minha própria vontade, foi a mesa onde a professora Cabello sentara-se da última
vez em que a tinha visto no The Village. Provavelmente ela havia estado ali na quinta
feira da semana anterior, mas eu não havia ido almoçar lá, por insistência de Normani
que fez todas as birras do mundo para que acompanhássemos Drew até um novo
restaurante que havia sido inaugurado e ele queria experimentar. Nos outros dias ela
não ia para Harvard, portanto, as únicas chances de encontrar Camila Cabello no The
Village eram às terças e quintas.

Inconscientemente eu achava que ela ainda não estaria no restaurante e que tudo
aconteceria como da última vez em que ela chegou depois de nós, mas ao mesmo
tempo eu tinha a esperança de vê-la. Esperança esta que não me parecia muito real,
por isso que, talvez, o fato de que ela realmente já estava lá tenha me deixado tão
surpresa e consequentemente, desnorteada.

Eu travei na porta do The Village assim que o meu cérebro processou a imagem de
Camila Cabello sentada em sua mesa, olhando fixamente o iPad em suas mãos.
Fisicamente, tudo nela dizia exatamente o oposto do que o que ela realmente era.
Antes eu me recusara a acreditar que um exterior tão pacífico poderia armazenar um
interior tão duro e mesmo eu já havendo provado do veneno congelante de Camila
Cabello, ainda tinha dificuldades em acreditar que aquele comportamento era
realmente dela. Uma coisa não condizia com a outra.

- Calma, Lauren, ela não vai fazer nada com você. Ela só é Lúcifer dentro da sala. -
Drew percebeu que eu estava estática e tentou me tranquilizar, concluindo que minha
estática se devia a um eventual medo da minha professora.

Eu não estava com medo de Camila Cabello. Eu estava confusa com o


comportamento bipolar dela e magoada com sua rudeza. Mas, medo? Nem de longe.

- Não estou com medo dela. - Respondi calmamente. - Só foi um susto momentâneo.
- Mas não se preocupa não, Lauren, qualquer coisa, a gente defende você. - Keana
tentou me tranquilizar, obviamente não acreditando que eu realmente não estava
com medo. - Eu tenho um bom cruzado direito. - Ela falou, dando um soquinho no ar.

Eu ri.

Eu queria conseguir explicar o que estava sentindo, o que estava pensando em


relação àquilo tudo, mas se meus pensamentos soavam estranhos até mesmo para
mim, imagina para eles! Talvez a única capaz de ouvir e entender o que nem eu
mesma entendia fosse Normani.

"Preciso conversar com Normani", anotei mentalmente enquanto caminhava para


uma mesa próxima demais da mesa de Camila Cabello. Fiz questão de focar o olhar
na cadeira onde eu sentaria, para não correr o risco de olhar para ela sem querer.
Escolhi sentar de costas, o que ao mesmo tempo que foi bom, porque me impedia de
olhar para ela, foi péssimo, porque me impedia de olhar para ela.

- Se olhar matasse, você estaria morta. - Normani falou baixinho, com o queixo
encostado em meu ombro enquanto colocava o guardanapo em suas pernas.

- Ou nua. - Keana disse em um tom igual ao de Normani.

Eu e Normani arregalamos os olhos para ela, assustadas com o comentário. Drew


estava concentrado digitando no celular, então pareceu não dar muita atenção. O que
ela estava querendo dizer?

- Oi? - perguntei, fazendo uma careta.

Keana fez sinal para que nos aproximássemos e Normani quase se jogou por cima da
mesa.

- Eu tenho uma amiga lésbica e toda vez que ela olha pra uma garota que ela quer,
ela olha do jeito que Camila Cabello olhou pra você. - Keana falou baixinho, vez ou
outra olhando em direção à mesa de Camila. - Pode ser só impressão, porque eu,
particularmente, não sou lésbica, pelo menos não que eu saiba, então não sei
reconhecer, eu acho. Mas pra mim, foi igualzinho a Britt quando olha as meninas
querendo tirar a calcinha delas. - concluiu, como se estivesse falando a coisa mais
normal do mundo.
- KEANA!! - eu e Normani exclamamos ao mesmo tempo.

Tenho certeza que enrubesci. Tentei disfarçar, mas minha cor não ajudava muito a
esconder quando eu estava envergonhada, o que foi percebido rapidamente por
Keana.

- Lauren, você... - Keana estava começando a perguntar algo quando Drew largou o
celular e pareceu voltar para o mundo e a interrompeu.

- Até que faz sentido. Nunca ninguém viu ela com nenhum homem, ela sempre está
sozinha. Dois anos atrás um professor se declarava apaixonado por ela e o cara tinha
presença, era arrumado, sabe como é... - Drew coçou a barba. - Tá, o cara era
bonito. - Ele admitiu, parecendo envergonhado por fazer isso e todas nós rimos. - Ah,
qual é... o cara tinha presença, vocês já entenderam. Corria atrás da professora
Camila parece cachorrinho, mas ela nem ligava pra ele. Muito estranho. Talvez ela
seja lésbica mesmo.

- Ah, mas o fato de ela não ligar pra um cara bonito não significa que ela seja lésbica.
- falei, pegando o guardanapo e colocando-o sobre minhas coxas.

- É, concordo com a Lauren! - Normani se manifestou. - Se bem que depende do nível


de "boniteza" desse professor.

- Eu concordo também, mas depois do olhar que eu vi ela dando pra Lauren, tenho
minhas dúvidas. - Keana disse, olhando de novo para a mesa de Camila. - Ai
caramba, ela me pegou olhando pra lá. - A garota falou, olhando para frente e depois
para o próprio prato, completamente envergonhada.

Quem havia sido pega no flagra olhando para ela, era Keana, mas eu senti como se
tivesse sido eu. Por minha sorte, estava sentada de costas para ela e não podia ver a
sua reação, mas ainda assim, queria sair correndo dali. Ela era inteligente demais
para não concluir que estávamos falando dela.

- Disfarcem, ela está vindo pra cá. - Drew anunciou falando tão rápido que mal
consegui entender.

Foi difícil processar a informação e ao mesmo tempo "disfarçar", como Drew havia
pedido. Enquanto eles começavam a conversar sobre uma fofoca inventada a respeito
de alguém chamado "Bob", que provavelmente também era uma pessoa inventada,
eu tentava digerir a informação de que ela estava vindo, mas tudo aconteceu rápido
demais e menos de dez segundos depois, Camila Cabello estava parada ao meu lado
e eu estava paralisada, sem conseguir esboçar uma reação sequer.

- Olá. - Ela cumprimentou todos na mesa, simpaticamente, o que me deixou


levemente chocada.

- E aí, professora. - Drew cumprimentou-a, informal e leve.

- Olá, Drew. - ela respondeu da mesma maneira informal. - Olá meninas. - Ela
cumprimentou todas, mas olhou somente para Keana e Normani.

- Oi professora. Adorei a blusa. - Normani respondeu, usando um tom absolutamente


normal e eu me perguntei se eu conseguiria usar um tom tão tranquilo, caso ela
resolvesse falar comigo.

Camila apenas sorriu simpaticamente para ela, mas foi impedida de


responder por Drew, que se apressou em falar.

- Quer se juntar a nós para o almoço? - Drew perguntou, sendo cavalheiro e eu


arregalei os olhos para ele, mas logo me contive, muito embora fosse difícil Camila
ter visto a minha expressão já que estava em pé ao meu lado e...

- Obrigada, Drew, mas eu vim aqui para roubar a senhorita Jauregui por cinco
minutos de vocês. Se incomodam?

- Nããããão. - Os meus três companheiros de almoço responderam em uníssono.

- Imagina! - Keana completou, em um tom que me pareceu muito malicioso.

Àquela altura meu estômago já havia congelado e pela primeira vez eu me sentia
receosa em relação a Camila. Em menos de um segundo todos os cenários de
conversa possíveis passaram pela minha cabeça e eu pude sentir o olhar dela sobre
mim. Institivamente olhei para cima.

- Pode me acompanhar até a minha mesa, Lauren? - Ela disse usando um tom
extremamente simpático.

Qual era o problema dela afinal? Ela precisava de um psicólogo pra tratar toda aquela
bipolaridade.
- Posso(?) - respondi afirmando, mas saiu muito mais em tom de dúvida.

- Muito bem. - ela continuou com o mesmo tom e se dirigiu de volta à mesa dela.

Eu levantei e a segui, mas antes de me distanciar o suficiente da mesa onde estavam


meus mais novos amigos, escutei Keana dizer: "eu disse".

Eu revirei os olhos porque aquela ideia de lesbianismo estava totalmente fora de


cogitação. Camila Cabello não era lésbica e muito menos eu. O fato era que ela não
havia gostado muito de mim e por isso estava, provavelmente, me "perseguindo".
Nossa conversa na terça feira anterior havia sido vista de maneira diferente para ela.
Provavelmente havia me considerado uma garotinha de dezoito anos completamente
idiota e havia me chamado naquele momento para me dar um sermão e me colocar
no meu lugar, depois do que havia acontecido na sala, naquela manhã.

- Sente-se, por favor. - Ela disse, logo depois de sentar-se no lugar que ocupada
comumente.

Sentei de frente para ela, sem falar absolutamente nada.

- Como você está hoje? - Ela perguntou, usando o mesmo tom brando que usara
antes, na mesa com meus amigos.

- Bem(?) - Respondi usando o mesmo tom de dúvida que havia usado antes.

- Por que está usando esse tom em tudo o que me responde? - Ela perguntou,
apoiando os cotovelos em cima da mesa e colocando as os dedos fechados para
apoiar o queixo.

Desviei o olhar do detalhe de sua mão, que por algum motivo me agradava
excessivamente e olhei para o seu rosto, só para me amaldiçoar por ter feito isso, já
que ela estava me olhando exatamente da mesma forma que me olhara uma semana
atrás. Aquele olhar que tentava me desvendar, me entender. Aquele olhar que
estendia para mim uma placa em neon dizendo: somos iguais.

Quase me deixei levar por isso, mas imediatamente me lembrei do que havia
acontecido mais cedo na aula e recolhi todos os pensamentos que me levassem a crer
que eu poderia ter qualquer tipo de aproximação AMISTOSA (destaquei mentalmente)
com ela.

- Porque eu não estou entendendo o motivo de a senhora ter me chamado aqui. -


respondi a verdade.
- Camila. - Ela me corrigiu. - Eu quero lhe falar uma coisa.

- O que a senhora quer me falar, professora? - fiz questão de usar a palavra senhora
outra vez.

Seu olhar expressou claramente que ela havia ficado intrigada com a minha resposta,
mas tão rápido quanto ficou, tão rápido se desfez.

A jovem professora à minha frente abriu o zíper da pasta que estava ao seu lado, em
cima da mesa e puxou de lá uma folha de papel com uma casa desenhada
perfeitamente à mão. Ela colocou a folha em cima da mesa e empurrou-a para mim.
Pude ver o quanto aquilo era realmente perfeitamente desenhado e harmônico e
quase real, mesmo que fosse um desenho. Eu quase podia enxergar cores e luzes
naquele desenho a grafite. As linhas eram perfeitas. Suaves. Pareciam projetar-se do
papel. Era impressionante.

Olhei para ela depois de algum tempo olhando para o desenho no papel e o
admirando.

- O que é isso? - Perguntei.

Obviamente eu estava perguntando porque ela estava me mostrando aquilo e não o


que era aquilo, porque era óbvio que eu sabia o que era. E era óbvio que ela havia
entendido.

- É o seu trabalho de casa para esta semana.

- O que? Como assim? - perguntei, realmente sem entender.

- Eu quero que você reproduza esse desenho cem vezes e me entregue todas as cem
reproduções na próxima aula. Não use réguas. - Ela falou, com tranquilidade
enquanto fechava o zíper da pasta. Em seguida, voltou a olhar para mim.

- O que?! CEM VEZES? A senhora deve estar ficando maluca! Isso tudo é por causa do
meu traço? Quer me punir porque não achou bom o suficiente? Aliás, qual o seu
problema comigo, professora? Era óbvio que o meu traço era de longe o melhor
daquela turma.

- Está questionando os meus métodos de avaliação, senhorita Jauregui? - Ela


perguntou, usando um tom absurdamente sério.
- Não, eu...

- Ótimo. Faça o que eu mandei. Se não me entregar isto até terça feira, não precisa
mais ir à minha aula. Terá que fazer a matéria no semestre que vem. - ela declarou
impassível. A gentileza que usara minutos atrás havia sumido.

- Isso não é justo! Por que está passando isso só para mim?! - Eu perguntei
indignada.

No mesmo momento o garçom chegou com o prato dela e assim que se retirou, ela
me respondeu, apoiando novamente os cotovelos na mesa e encarando-me
friamente.

- Por que eu sou a sua professora e eu posso fazer o que eu bem entender se
considerar válido para o seu aproveitamento em sala. Faça ou estará dispensada da
minha aula, senhorita Jauregui. Agora, se me dá licença... - ela olhou para o próprio
prato.

- Tudo bem, professora. - eu falei entre dentes, segurando-me para não explodir com
ela ali, no meio do restaurante. - O que mandou, será feito.

E assim, levantei da cadeira, voltando para a mesa com meus amigos.

Eu não podia simplesmente deixar de fazer o que ela dissera, eu precisava porque eu
não podia reprovar na matéria dela assim, sem mais nem menos. Se eu reprovasse,
meus pais me tirariam de Harvard e jamais entenderiam que foi tudo fruto da mente
louca de uma professora que me odiava gratuitamente. Eu não sabia o que estava e
deixando com mais raiva naquele momento, se era o comportamento dúbio da minha
professora à quem eu tanto admirara e agora tanto odiava ou se era o fato de que eu
estava absolutamente ferrada por precisar desenhar cem vezes aquela maldita casa
desenhada em minhas mãos.

Mas de uma coisa eu sabia: eu podia perder todas as minhas noites de sono, mas na
terça feira, Camila Cabello teria cem reproduções desenhadas em suas mãos e seriam
as melhores do mundo.
Ineffable

Lauren's pov

Ineffable (adj.) : Incrível demais para ser expresso em palavras.

Eu já não sentia a minha mão. Durante a semana inteira havia passado todo o meu
tempo livre fazendo réplicas do desenho que Camila havia me ordenado que fizesse,
caso quisesse permanecer em sua turma.

Na terça feira, assim que chegara da aula do professor Newton, havia feito o trabalho
que o próprio nos dissera para fazer e depois de duas horas trabalhando no resumo
crítico de um artigo a respeito da obra de Piet Mondrian, comecei a fazer o primeiro
desenho de cem.

Já eram quase uma hora da manhã quando terminei o primeiro desenho. No início eu
achara que meus traços sairiam retíssimos, exatamente como os do desenho que
havia me sido entregue, mas o resultado final estava horroroso. Nem se aproximava
do desenho original, muito embora eu devesse reconhecer que eu havia feito de certa
forma um bom trabalho, não era, nem de longe, um trabalho excepcional como o que
eu tinha em mãos e alguma coisa dentro de mim me dizia que se eu não entregasse
desenhos perfeitos para a professora Cabello, seria penalizada por isso de alguma
forma. Àquela altura eu já não sabia mais o que esperar dela, mas era previsível que
coisas boas nunca seriam.

No sábado daquela mesma semana, trinta e oito desenhos depois, com a mão direita
ardendo de dor nos músculos e no pulso, com uma bolsa de gelo quase que
constantemente sendo colocada em minha mão e um leve desespero por achar que,
definitivamente, não conseguiria acabar os cem desenhos até a aula de terça feira, eu
me encontrava debruçada em minha prancheta, dentro do dormitório, com a mão
enrolada em um pano gelado, com lágrimas nos olhos, pensando em desistir da vida
e de tudo, acompanhada por Normani que desde a terça feira decidira que ficaria
acordada comigo para não me deixar sozinha e que naquele momento estava deitada
em sua cama resolvendo os cinquenta exercícios de matemática aplicada que o
professor Solomon havia nos passado para entregar na segunda feira.

- Você deveria ir reclamar com o coordenador, Laur. Eu sei que não quer, mas eu
ainda acho que resolveria alguma coisa. - Normani falou, pela milésima vez.

Levantei a cabeça e olhei para ela.


- É sério Laur, eu vou com você. E se quiser, podemos chamar Keana, tenho certeza
que ela vai também. - Ela disse, tirando os óculos do rosto e colocando-os na cama.

- Não, Mani. - respondi, sem me dar ao trabalho de explicar de novo o motivo.

Já havíamos tido aquela conversa muito mais que dez vezes. Eu não iria reclamar da
professora Cabello para o coordenador. Ele até poderia resolver a questão dos cem
desenhos e me dispensar daquilo, mas só pioraria o fato de que ela me perseguiria
ainda mais nas aulas. Além do fato de que, no fundo, eu achava que ele não faria
realmente nada, porque ela era professora e tinha total autonomia para avaliar os
alunos como bem entendesse durante as aulas. Talvez houvesse um pouco de orgulho
da minha parte em não querer fracassar... Talvez.

- Tudo bem, tudo bem, mas pelo menos dê um tempo disso, você ainda não parou de
desenhar desde terça feira. Mal dorme. - Normani argumentou, tentando me
convencer, outra vez a parar de desenhar feito uma louca.

- Se eu não continuar, não vou conseguir acabar. - Disse simplesmente, desenrolando


a toalha gelada de minha mão e em seguida, secando-a com uma toalha seca.

- Você é uma teimosa. - Normani bufou, largando a lista de exercícios do professor


Solomon em cima de sua cama e caminhando até mim, parando exatamente às
minhas costas. - Nossa, isso tá incrível! - falou, olhando para o meu desenho.

- Mas não tão incrível quanto isso. - Apontei para o desenho que eu estava
reproduzindo.

Normani revirou os olhos.

- Está incrível à sua maneira. - Ela argumentou.

- Precisa ficar incrível à esta maneira. - Eu retruquei.

- Você é uma chata, Jauregui. - Ela falou, rindo e me deu um beijo no alto da cabeça.
- Vou fazer um lanche, você precisa comer se não daqui a pouco vai ficar tão magra
quanto é branca e aí sim teríamos um grande problema.

- Ei! Eu não sou tão branca assim. - resmunguei, pegando a lapiseira novamente.
Normani já se afastava em direção à cozinha e só deu uma gargalhada alta.

No decorrer daquela semana, Normani se mostrara uma pessoa ainda melhor do que
eu já a havia julgado. Se preocupava com minhas refeições, preocupando-se em
preparar ela mesma, porque sabia que eu não comeria se fosse depender de mim.
Estava concentrada demais em acabar os desenhos. Além de tudo, ficava acordada
até mais tarde junto comigo, para que eu não me sentisse sozinha. Fazia meus
trabalhos das outras matérias, que não eram poucos e de hora em hora me obrigava
a fazer uma pausa de dez minutos para colocar gelo na mão. Uma das razões para eu
não ter desistido, com certeza era Normani e seu zelo comigo. Havíamos criado uma
conexão instantânea, que só se aprofundava mais e mais do decorrer dos dias. Em
duas semanas, eu já não me lembrava mais de como era a vida sem a presença dela.
Quando uma pessoa parece sempre ter estado lá, quando você não se lembra mais
dos seus dias sem a presença dela, quando até as suas memórias insistem em colocar
aquela pessoa em situações que ela não estava, quando suas emoções se tornam tão
ligadas àquela pessoa que todas as suas lembranças de emoções também se
conectam à ela, é assim que a gente sabe quando encontrou alguém que vai ficar na
nossa vida para sempre. E era exatamente assim que eu me sentia em relação a
Normani Kordei.

- Eu não entendo por que ela age dessa forma. Em um momento ela é totalmente
adorável e digna de toda a admiração que eu tinha por ela e no outro é uma víbora
horripilante e sem coração. - pensei em voz alta enquanto voltava a desenhar o trinta
e nove.

- Talvez ela seja lésbica, como Keana disse e está fazendo tudo isso porque acha você
perturbadoramente linda e no final das contas só quer irritar você pra te dar uns
pegas no elevador da HGSD. - Normani falou, fazendo um movimento obsceno
quando mencionou a parte em que Camila queria me agarrar no elevador.

Fiz uma careta instantânea para a ideia, mas a verdade é que minha mente
imaginativa projetou aquela cena na minha cabeça e os meus pensamentos a respeito
daquilo foram completamente embaraçosos.

- Você e Keana tem uma mente muito fértil. Ela nem tem jeito de lésbica. Não sei de
onde tiraram isso. De qualquer forma... - fiz uma pausa, colocando a lapiseira na
boca, enquanto apagava um traço errado. - Não importa se ela for lésbica porque EU
não sou.

- Tem certeza? - Normani perguntou naturalmente enquanto passava geléia de


morango em duas fatias de pão. Levantei a sobrancelha, olhando para ela, duvidando
de que ela realmente havia me feito aquela pergunta. Ela levantou as mãos em
posição de defesa e riu. - Você também duvidaria de si própria se visse a cor das suas
bochechas quando mencionei ela agarrando você no elevador.

Revirei os olhos.

- Qualquer pessoa sentiria vergonha ao ouvir uma coisa dessas, Normani. -


Argumentei, embora eu mesma duvidasse de mim.

- Eu não. - Ela falou, convicta de sua resposta.

"Mas eu sim e nem por isso sou lésbica", pensei comigo mesma. Quer dizer, eu nunca
havia beijado uma mulher e nem havia olhado para uma mulher pensando em casar
com ela ou algo assim. Eu só admirava muitas mulheres, mas não porque as queria
de uma forma romântica e sim porque queria, de alguma forma, absorver um pouco
delas, porque as admirava como pessoas, compartilhava de suas ideias... Isso não
significava que eu era lésbica, definitivamente não.

- Mas você é um caso diferente. - respondi, já usando um tom brincalhão,


para começar a cortar o assunto.

- Tá, vamos conversar sobre isso. - Ela disse, trazendo um prato com dois sanduíches
de geleia de morango para cada uma e o colocou em cima de sua cama, chamando-
me até lá.

Minha resposta não havia surtido o efeito que eu gostaria ou simplesmente Normani
havia ignorado meu sinal de que não queria dar continuidade ao assunto, porque ela
queria mesmo falar sobre aquilo. Suspirei e desci da banqueta da prancheta para ir
até a cama com ela.

- Não tem o que conversar, Mani. - Peguei um dos sanduíches e antes de morder
completei a frase. - Eu não sou lésbica. Aliás, eu nem sei de onde você tirou essa
ideia.

- Tá, tá... Mas como você tem tanta certeza que não é lésbica? - Ela perguntou,
cruzando as pernas em cima de sua cama.

- Ah... - acabei de mastigar e engoli antes de responder. - Eu simplesmente sei, ora.

- Tá, mas como sabe? - Normani insistiu, falando de boca cheia.


- Não sei! Eu só sei que não sou. Eu nunca me apaixonei por uma garota, nunca nem
olhei mulheres com vontade de beijá-las ou algo assim.

- Nem a Lana Del Rey? - ela perguntou, instigando-me.

- O que ela tem a ver com isso? Ela é minha ídola, todo mundo quer beijar sua ídola.
- Me defendi.

- Eu não quero beijar a Beyoncé. Isso não significa que eu não beijaria, mas eu não
sinto vontade. Falando sinceramente, você não sente vontade de beijar a Lana? - ela
perguntou, fazendo-me sentir segura para falar do assunto com ela.

- Não exatamente. Mas de qualquer forma, não conta. - Não neguei, nem assumi.

Não podia negar que a ideia de ter um romance com Lana Del Rey era muito atraente
e excitante na minha cabeça, mas era exclusivamente porque ela era um gênio da
música e qualquer mulher hétero desse mundo cederia à ideia de ter um romance
com ela.

- Claro que conta. O fato de você nunca ter tido vontade de ficar com uma mulher por
motivos "físicos", tipo a beleza, etc... Não significa que você não se sinta atraída por
mulheres. Por exemplo, quem chamou mais a sua atenção nessas duas semanas em
Harvard, Drew ou Camila Cabello? - Ela perguntou enquanto prendia o cabelo.

Como Normani conseguia discutir aquilo com tanta tranquilidade? Aquele assunto era
extremamente incômodo para mim. Eu não era lésbica. Pra que ficar discutindo sobre
isso?

- Camila, mas só porque...

- Viu? Sua atenção é despertada mais intensamente por mulheres. - Ela mordeu mais
um pedaço de seu sanduíche e fez sinal para que eu fizesse o mesmo com o meu,
que eu já havia esquecido. Assim o fiz. - E nem adianta dizer que é porque ela está
sendo estúpida com você porque durante a primeira semana de aulas, depois da terça
feira com a primeira aula dela, você só conseguia falar sobre o quanto ela era incrível
e repetiu tantas vezes a sua conversa com ela quando foi buscar os seus livros na
HGSD que eu mesma já decorei. Uma garota hétero estaria pouco se importando para
o fato de o pulso da professora Cabello ser fino e bonito ou para o fato de o relógio
dela combinar com o pulso e muito menos iria reparar na tatuagem que ela esconde
debaixo do anel. Eu, por exemplo, nunca teria visto se você não tivesse repetido mil
vezes.
O pedaço de sanduíche que eu havia engolido ficou entalado na minha garganta
enquanto eu ouvia as coisas que Normani falava. Cada palavra estava sendo jogada
sobre mim como um tijolo bem no meio do meu rosto.

- É só admiração pelo que ela é. - tentei me defender mais uma vez.

- Nem vem, Laur. Eu também admiro muito ela, fico babando nas roupas dela, ficou
louca com as combinações maravilhosas que ela faz mas nem chego perto de analisar
ela tão profundamente quanto você. Quer dizer, eu não estou dizendo que você está
a fim da professora Cabello, mas eu acho que você deveria pensar sobre isso. Pode
responder suas perguntas sobre o por que de nenhum garoto mexer tanto assim com
você...

Deixei o sanduíche no prato, sentindo-me muito bagunçada para conseguir


comer ou para conseguir falar qualquer coisa. Suspirei e olhei para baixo.

- Oh, Lauren... Me perdoe, eu não queria ter ido longe demais no assunto e de
repente nem é isso, eu só estava tentando explorar as possibilidades e... - Normani
começou a tagarelar, desculpando-se, quando percebeu que o assunto havia me
atingido de alguma forma.

Eu não estava chateada pelas coisas que ela havia me dito. Eu estava confusa. Tudo
o que Normani me dissera fazia todo sentido e ao mesmo tempo me parecia
completamente surreal. Eu não era lésbica. Não havia jeito de aquilo se encaixar na
minha personalidade. Definitivamente, não. Mas, por que os argumentos de Normani
faziam tanto sentido? Por que suas palavras explicavam tudo o que eu sentia de uma
maneira tão clara?

- Está tudo bem, Mani. Você só me deixou...pensativa. - Eu disse, levantando de sua


cama.

- Por favor, não fique chateada comigo! - ela exclamou em um tom que me deu
vontade de correr para abraçá-la e foi quase isso o que fiz.

Andei até ela e lhe dei um abraço.

- Não estou chateada! Prometo! - beijei sua bochecha. - Eu só preciso de um


momento sozinha, preciso pensar sobre isso.
Ela acenou positivamente com a cabeça.

- Tudo bem, vou ficar calada e se você quiser conversar é só abrir a boca. Vou estar
aqui do outro lado do quarto. - Ela respondeu, usando um tom, novamente calmo.

- Hummm... Na verdade, eu acho que vou dar uma volta. Vou aproveitar e levar o
meu material de desenho e tentar desenhar na rua, com outros ares. Talvez eu
funcione melhor ao ar livre. - Disse-lhe sorrindo.

- Você está chateada. - Ela fez bico, supondo que eu sairia porque estava chateada
com ela.

- Garanto que não! - Dei um beijo em sua testa e fui até a minha prancheta pegar o
meu material.

- Vai voltar para o almoço? - Ela perguntou ainda com o mesmo tom tristonho.

- Eu ligo pra você e a gente se encontra no The Village, certo?

- Okay, vou esperar.

Coloquei tudo o que precisava dentro da mochila e saí.

Disse à Normani que iria para a rua pensar, mas a verdade é que eu queria ir para o
laboratório de pranchetas da HGSD, desenhar sem interferências e parar de pensar
no assunto incômodo e descabido que ela havia insinuado.

Cambridge era uma cidadezinha muito charmosa. Não era atoa que Harvard estava
ali. Ou não era atoa que Cambridge havia sido construída. Tudo ao redor era muito
suave, muito calmo. As coisas pareciam se encaixar perfeitamente, tudo parecia ter
estado ali desde sempre. Tudo parecia correto. Definitivamente, Cambridge era um
completo acerto arquitetônico.

Tomei um caminho diferente até a HGSD, um caminho mais longo e livrei a minha
mente de todos os pensamentos incômodos para focar na composição arquitetônica
daquele lugar. Era singelo, mas impressionante em sua singeleza. Até o cheiro de pão
e café fresco que saia das padarias e corria pelas ruas parecia querer contribuir para
que tudo a respeito daquelas ruas fosse agradável.

Dobrei a última esquina do novo caminho que escolhera e dei de frente com a HGSD,
agora, vislumbrando-a por um outro ângulo. Definitivamente, aquele era um dos
edifícios mais lindos que eu já vira. A sensação de familiaridade com ele nunca
passava.

Eram 9:30am quando entrei no laboratório de pranchetas. Estava completamente


vazio e eu agradeci mentalmente por isso. Sentei-me em uma prancheta quase
escondida da sala, transparecendo completamente o meu espírito recluso naquele dia.
Organizei o meu material rapidamente em cima da régua da prancheta e com calma,
com fita, colei o meu desenho e o desenho da professora Cabello na prancheta.
Respirei fundo, coloquei os fones de ouvido e mergulhei a minha atenção e toda a
minha mente no desenho.

Não havia percebido o tempo se passando enquanto desenhava, mas só


desviei a atenção do papel quando fiz o último traçado do desenho trinta e nove.
Estiquei as costas e encarei os dois desenhos terminados à minha frente.

O primeiro (o que Camila havia me entregue) era suave e quase real. O segundo (o
desenho trinta e nove dos meus cem) ainda parecia com traços feitos por um
dinossauro. Pelo menos em comparação àquela perfeição que era o primeiro desenho.
Me sentia incomodada com tanta perfeição.

Estiquei o braço para pegar a minha bolsa que estava na banqueta da outra
prancheta e assim, pegar os outros trinta e oito desenhos que eu já havia feito. O
trinta e nove era de longe o melhor de todos. Eu evoluíra significativamente se
comparasse o desenho número um e o desenho número trinta e nove. Mas isso não
fazia com que o trinta e nove estivesse perto do desenho que eu precisava reproduzir.
Ao invés de sentir-me confortada, senti-me irritada por não ter evoluído tanto quanto
poderia ter evoluído, fazendo trinta e nove desenhos da mesmíssima coisa.

Guardei o desenho trinta e nove com os outros e colei uma folha nova na prancheta.
Perfeitamente branca. Respirei fundo e sem me dar pausa alguma, mergulhei
novamente a minha atenção no desenho. Minha mente estava extremamente focada
em fazer um desenho perfeito, com traços leves, mas expressivos. A minha atenção
no papel era tanta que nem percebi a aproximação de uma pessoa, até que ela
apareceu ao meu lado, quase atrás de mim.

- Ai meu Deus, que susto! - Exclamei, tirando os fones de ouvido e virando o rosto
para olhar quem estava ao meu lado.

- Desculpe. - Ela disse sem olhar para mim, encarando a folha na qual eu desenhava.
Seu olhar era contemplativo.

Minha frequência cardíaca entrou em total descompasso quando meus olhos definiram
a imagem da professora Cabello, parada ao meu lado. Ela usava calças sociais em um
tom de azul claro quadriculado, blusa social de mangas cumpridas da mesma cor,
porém lisa e seus cabelos estavam presos em um coque despretensioso no alto da
cabeça, o que revelava as curvas de seu pescoço sendo delineadas pelo delicado colar
de ouro branco e o brinco de pérolas que lhe dava um ar extremamente elegante.

"Você repara profundamente nela", a voz de Normani invadiu a minha cabeça como
um alerta e eu pisquei fortemente para afastar os pensamentos de minha mente.

- O que está fazendo aqui? - perguntei, sendo mais rude do que pretendia.

- Eu trabalho aqui. - Ela respondeu usando um tom delicado, ignorando totalmente o


meu comportamento claramente incomodado com a presença dela. Seu olhar não se
desviara de meu desenho.

- Só às terças e quintas. - Retruquei. - E hoje é sábado. - É claro que meu argumento


era totalmente ridículo. Ela poderia estar ali por uma infinidade de motivos...

- Quantos já fez? - Ela perguntou, ignorando-me mais uma vez.

Bufei mentalmente, não queria parecer infantil.

"Por que estou me importando em não parecer infantil?", pensei.

- Trinta e nove. Esse é o quarenta. - respondi, virando-me de frente para a prancheta


outra vez.

Ela acenou positivamente com a cabeça, como quem concordasse consigo mesma em
algum pensamento.

- Continue... - ela falou, sentando-se na banqueta à minha direita.

- Com a senhora aqui? - Eu perguntei, sentindo-me intimidada.

- Pare com isso de senhora. - Ela colocou a banqueta encostada à minha. - Continue.

- De jeito nenhum. Pra senhora me humilhar outra vez? - falei, de certa forma
desabafando sobre como ela havia me feito sentir.
Camila virou o rosto para me olhar, finalmente tirando os olhos do papel. Ela parecia
intrigada com o que eu havia dito. Seu olhar parecia surpreso.

- Humilhar? - Ela perguntou, claramente controlando o tom de voz.

- Exatamente. Eu não vou ficar aqui desenhando na sua frente pra ser humilhada
mais uma vez. Vou deixar a humilhação para a próxima aula quando lhe entregar os
seus malditos cem desenhos. - Falei, exaltando-me levemente, mas muito mais por
ter prestado atenção demais aos detalhes do rosto dela do que por realmente estar
chateada com as humilhações recentes às quais ela havia me submetido. Não que eu
não estivesse irritada com as humilhações, mas naquele momento eu estava muito
mais irritada com a voz de Normani na minha cabeça e com a minha insistente
atenção exagerada nos detalhes do rosto da minha professora.

Ela franziu levemente o cenho e apenas ficou me encarando por algum tempo, sem
dizer nada. Quando eu estava começando a me sentir incomodada e invadida com o
silêncio e olhar dela e já estava prestes a falar novamente, ela se manifestou.

- Continue desenhando, Lauren. - falou em um tom ameno. - Eu só vou olhar.

- Não. - respondi friamente, mas algo em seu olhar me fez ter vontade de continuar
desenhando e ao mesmo tempo sentir-me culpada por ter sido rude. - Tá, tudo bem.

Peguei novamente a minha lapiseira e respirei fundo antes de me concentrar no


desenho outra vez. Sentia-me nervosa com a presença dela ao meu lado, mas seu
silêncio me ajudou a concentrar no papel. Não completamente, mas quarenta por
cento de mim estava focada no desenho. Os outros sessenta por cento estavam
variando entre a conversa com Normani e o cheiro de Camila, a posição que ela
estava sentada, a mecha fina de cabelo que havia se desprendido do coque, a
tatuagem no dedo...

E de repente, enquanto eu traçava mais uma linha da reprodução número quarenta,


Camila levantou-se de sua banqueta e se colocou atrás de mim. Sem avisou algum,
segurou a minha mão e a lapiseira, de uma forma muito sútil cruzando nossos dedos
e torceu meu pulso levemente para cima e para baixo, o que instantaneamente fez
minha mão parecer mais leve, quando segundos atrás eu parecia ter chumbo no
pulso e entre os dedos. Ela ajeitou os óculos de grau em seus olhos e aproximou seu
rosto da prancheta, de tal forma que sua bochecha estava lado a lado com a minha.

Deixei a minha mão completamente solta para que ela a guiasse, já que,
aparentemente era isso o que ela queria fazer. E assim foi. Camila colocou nossas
mãos apoiadas na pranchetas e com toda a leveza que eu jamais conseguiria sozinha,
ela começou a traçar algumas linhas em minha reprodução. Eu podia sentir como se a
lapiseira fizesse parte da minha mão, como se todo traço leve fosse o suficiente.

- As linhas de um desenho tem que sair de dentro de você, Lauren. - Ela falou
suavemente, enquanto fazia mais um traçado perfeito, usando a minha mão para
isso. - Como se fossem o seu sangue. - E novamente, mais um traçado. - Seus
sentimentos, sua essência precisa estar escrita nas linhas que você desenha. - Ela
continuava falando suavemente e a cada palavra, meus sentimentos pesados e
sobrecarregados se tornavam leves como uma pluma. - E a sua essência... - ela
terminou um detalhe de uma porta. - é leve e linda. - completou, virando o rosto para
mim de tal maneira que seus olhos perfuraram os meus, de tão perto.

Perdi o ar. O oxigênio terrestre havia sido roubado, eu tinha certeza. Mas por que é
que só eu sentia náuseas por causa da ausência de ar?

Ela sorriu e se afastou de mim.

- Lembre-se disso. - o sorriso continuava em seus lábios enquanto ela se afastava. -


Vejo você e seus cem desenhos na terça.

E assim como está dito, aconteceu. Ela nem me deu tempo para assimilar e
responder o que havia acontecido. Talvez agradecer... Se retirou da sala de
pranchetas enquanto falava, quase que propositalmente para não me deixar falar.
Para me deixar lidar com meus pensamentos presos na ponta da língua.

Qual era o problema dela, afinal? Dias antes me tratara com desprezo, dias depois
me tratava como se se importasse. Ela parecia querer me esticar aos limites das
minhas emoções, por algum motivo desconhecido ou porque ela era, simplesmente,
completamente maluca.

- "Vejo você e seus cem desenhos na terça". - a imitei, sentindo-me um pouco


irritada com tudo, novamente.

"Vejo você na terça"... Aquela frase me fizera sentir ainda mais ansiosa pela terça
feira, mas por algum motivo aquela ansiedade nova era boa.

- Vejo você na terça, Camila Cabello. - Falei em voz baixa, olhando para os traços
perfeitos que ela havia feito comigo em meu desenho. - Vejo você na terça.
Perspective

Lauren's pov

Perspective (n.): Nós olhamos para as mesmas coisas, mas vemos coisas
grandemente diferentes.

Até a metade do processo do desenho de reprodução número quarenta eu já havia


desistido da ideia de conseguir atingir o mesmo grau de perfeição do desenho
original, não esperava fazer grandes avanços até o desenho de número cem,
principalmente considerando que o meu grau de avanço do número um ao número
trinta e nove havia sido pouco e talvez por isso eu estivesse sentindo uma emoção
tão grande ao ver o desenho de número cem terminado, colado à minha prancheta,
às onze horas e trinta e quatro minutos da noite da segunda feira anterior ao dia em
que eu deveria entregar os meus cem desenhos à professora Cabello.

A minha reprodução de número cem estava exatamente igual ao desenho original.

- Uau. - Normani estava parada ao meu lado, com o queixo caído. Seu estado de
espírito era de tanto choque que sua voz quase não saiu.

Eu não conseguia falar absolutamente nada a respeito daquele desenho, na realidade,


mal podia acreditar que eu mesma o havia feito e mal podia acreditar que eu havia
conseguido terminar.

A contemplação do desenho cem me causava tantas emoções misturadas que de tão


enormes, ficaram entaladas no meio da minha garganta. Eu sentia orgulho de mim
mesma por ter conseguido acabar, por ter conseguido fazer os cem desenhos; sentia
muito mais orgulho de mim mesma por ter conseguido ter uma evolução tão
significativa e impressionante no que dizia respeito aos meus traços para desenho;
sentia-me preenchida por ter conseguido ser determinada por alguma coisa que eu
amava apaixonadamente e por fim, paradoxalmente me sentia grata por Camila
Cabello ter me desafiado daquela maneira, por ter me feito sentir a forma como
deveria desenhar para ter um traço próximo à perfeição, por ter tocado a minha mão
e guiado meus traços e assim me feito entender que o desenho perfeito estava dentro
de mim e eu só precisava colocá-lo para fora; mas ao mesmo tempo, sentia-me
irritada com todo o resto que dizia respeito à ela e eu mal podia esperar pelo
momento em que eu poderia entregar aqueles desenhos e provar que eu era capaz
de fazer aquilo que ela provavelmente achara que eu não podia.

- Uma coisa você não pode negar, Laur... - Normani continuava parada ao meu lado
falando em um tom altamente contemplativo e pasmo. - Camila Cabello pode ser uma
bruxa, mas olha só como seus desenhos estão por causa do que ela mandou você
fazer... - A garota negra aproximou o rosto do desenho, ajeitando os óculos modelo
gatinho no rosto. - Ainda estou obcecada com os detalhes na maçaneta. Nem acredito
que isso tudo foi feito à mão. Você tem que ter usado alguma régua, não é possível. -
Ela falava, com o rosto quase colado no papel para enxergar melhor os detalhes e
assim, invadindo todo o meu espaço.

- Também não podemos negar que ela me deve uma mão nova. - falei, tentando
aparentar indiferença no assunto Camila Cabello.

Desde o sábado anterior, Normani nunca mais falara a respeito do assunto


"lesbianismo" comigo. Tampouco eu falara de Camila Cabello outra vez. Não que uma
coisa estivesse relacionada à outra... Ela havia percebido que o assunto era delicado
para mim e que eu não me sentia nada confortável em falar a respeito e assim,
respeitou isso. Essa era apenas uma das coisas maravilhosas sobre Normani Kordei:
ela sempre respeitava o meu espaço.

Girei na banqueta e pulei para fora e Normani prontamente sentou-se onde eu


estava, continuando com o rosto colado no desenho.

- É incrível como está exatamente igual. Parece que você tirou uma cópia, garota. -
Ela não cansava de falar do desenho. - Se eu não tivesse visto com meus próprios
olhos você fazendo isso, duvidaria que fosse verdade.

Eu me sentia feliz e realizada com o desenho de número cem, mas o noventa e nove
não estava tão diferente dele e tampouco o noventa e oito. A verdade é que desde o
meu momento com Camila Cabello na manhã de sábado, na sala da pranchetas da
HGSD, os desenhos começaram a fluir de mim com uma facilidade enorme.

Podia ser que aquela facilidade tivesse surgido pelo entendimento que ela
me fez ter sobre o movimento correto do meu pulso, sobre a maneira que eu deveria
guiar a lapiseira no papel, sobre as linhas serem expressões dos meus sentimentos,
da minha essência, mas também podia ser que aquela facilidade tivesse surgido do
sentimento pacífico que a presença dela me causara. A leveza de sua influência física
havia dado "start" em mim à uma vontade de fazer os sessenta desenhos que ainda
faltavam por puro prazer e não porque eu era obrigada a fazê-los para não ser
reprovada na matéria dela.
Ela me despertara, naquela manhã de sábado, um desejo espontâneo de desenhar
por puro amor ao fato de que a minha mão expressava a minha mente. Havia aberto
a torneira por onde vazava o meu amor pela arquitetura que antes apenas pingava e
agora poderia submergir cidades inteiras. Podia ser que fossem as duas coisas e
provavelmente o era. O que realmente interessa é que, não importavam quais eram
os motivos, se eram todos ou se era somente um, ELA estava presente naquilo. A
minha professora havia entupido o meu corpo ao limite com amor pela arquitetura.
Ela não havia me ensinado a desenhar. Ela havia me feito descobrir sozinha que eu
mesma podia me ensinar a desenhar. Ela havia dado nome à todos os sentimentos
que eu tinha em relação à minha escolha profissional. Ela havia aberto os meus olhos
para o tamanho imensurável do meu amor pela arquitetura e isso era de todas as
maneiras... impagável.

- Eu quero ver a cara dela quando eu entregar esses desenhos amanhã. - falei,
segurando a porta da geladeira com o pé, enquanto colocava água em um copo. -
Acho que todas essas noites mal dormidas vão ser recompensadas.

- Você quer ver a cara dela de "estou.chocada.porque.você.conseguiu.acabar" ou


você quer ver a cara dela de "estou.orgulhosa.porque.você.conseguiu.acabar" ? -
Nomani perguntou, tirando os óculos e finalmente se afastando do desenho.

Aquele tipo de assunto não era mencionado há dias e ouvir uma insinuação que
remetia aos meus supostos sentimentos exagerados em relação à minha professora
quase me fez cuspir a água que eu estava tomando. Normani percebeu e deu um
sorriso malicioso.

- Nem precisa mais responder. - Ela riu e eu revirei os olhos, tomando o resto da
água de uma vez só.

- Não importa, o que importa é que eu acabei. - falei, colocando o copo na bancada. -
E você não comece com isso de novo.

- Começar com o que? - seu tom era completamente irônico.

Normani pulou da banqueta e caminhou para perto de mim.

- Se eu não tivesse tomado toda a água desse copo, eu juro que dava um banho em
você agora, Normani Kordei. - Falei, semicerrando os olhos.

É claro que era brincadeira. Talvez nem tanto. Normani gargalhou.

- Você fica nervosa demais quando o assunto é distantemente mencionado, é muito


engraçadinho. - A garota passou ao meu lado apertando a minha bochecha.

- E você fica uma chatinha insistindo em um assunto sem nenhum sentido. - Falei,
saindo da cozinha que era um espaço muito pequeno para nós duas dividirmos por
muito tempo.

- Será? - Ela perguntou me olhando com desdém e virou o copo ingerindo em uma
golada só a água que havia colocado ali.

Ignorei, voltando à minha prancheta e organizando minhas lapiseiras e borrachas


dentro da pasta que levaria para a aula do dia seguinte.

- Eu sei que você acha que não tem nada a ver, mas considere pelo menos como uma
hipótese. Dê uma chance hipotética ao "se". "SE" a professora Camila fosse lésbica e
quisesse ficar com você, você ficaria? - Normani perguntou enquanto voltava para sua
cama e se jogava sob os lençóis bagunçados. - Ela não mexe nenhum pouquinho com
você?

"CLARO!", a palavra saiu como um grito em meus pensamentos.

A resposta da minha mente chegou incontrolável e antes mesmo que eu pudesse


pensar conscientemente. O meu inconsciente se manifestou e me deixou em estado
de alerta máximo. Arregalei os olhos involuntariamente em resposta ao susto que
aquele pensamento gritado me causara. Normani viu.

- Sua expressão disse tudo. - Ela falou, me olhando com ar de vencedora.

Suspirei e caminhei até a cama de Normani, sentando-me ao seu lado. Suspirei de


novo.

- Toda vez que falamos da professora Cabello você suspira mais que o normal. -
Normani assinalou.

Eu fiz uma careta. Tudo bem que era verdade e que ela tinha uma enorme vocação
pra psicologia porque vivia analisando o meu comportamento, mas ela não precisava
expressar isso em voz alta todas as vezes.

- Você precisa parar de me analisar tanto assim, estou ficando com medo. - Falei
brincando, enquanto encostava-me ao lado dela e deitava a cabeça em seu ombro.
- É involuntário. Cresci ouvindo a minha mãe dar uma de vidente toda vez que me
via. Tal mãe, tal filha... você sabe como funciona. - ela falou, cobrindo nossas pernas
com o edredom vermelho de Harvard.

Fiquei em silêncio, catando migalhas de palavras que eu não aceitava como


verdadeiras, tentando organizá-las pra finalmente pode-las dizer para Normani.

Desde o sábado anterior eu me recusara a pensar objetivamente no acontecimento


com Camila. Todas as minhas reações àquela aproximação eu enterrei no mais
profundo de mim no exato momento em que ela havia saído do laboratório de
pranchetas. Eu fugia dos meus próprios pensamentos conscientes, mas a verdade é
que a sensação da mão dela tocando e guiando a minha, não saía da minha mente
nem por um segundo se quer. Todas as vezes que eu movimentava a minha mão
para fazer um novo traço, conseguia sentir o toque suave de sua pele na minha.

A minha mente era um emaranhado extremamente confuso de pensamentos. Alguns


eu me forçava a pensar para não dar espaço aos que eu pensava involuntariamente.
Toda aquela conversa sobre a minha sexualidade com Normani e o momento com
Camila haviam me deixado completamente bagunçada.

Afinal de contas, o que eu era?

Fato é que, não importava o quanto eu estivesse tentando fugir das minhas
sensações, não importava o quanto eu estivesse bloqueando as memórias daquela
manhã de sábado, elas estavam inquietas dentro de mim, como lava a ponto de
explodir de dentro de um vulcão.

- Aconteceu uma coisa... - falei baixinho, depois de fechar os olhos, ainda com a
cabeça apoiada no ombro de Normani.

- Que tipo de coisa? - a minha amiga perguntou cautelosamente, percebendo que


aquele era o momento que eu havia escolhido para conversar seriamente.

- No sábado... quando eu saí de manhã, depois daquela nossa...conversa... lembra? -


Normani fez "uhum", confirmando que sim e eu continuei. - Bem, eu fui para o
laboratório de pranchetas da HGSD. Eu estava lá, desenhando o "quarenta" quando,
de repente a professora Cabello apareceu ao meu lado e eu quase tive uma síncope,
porque me assustei, é claro. E ela foi tão...

- Lúcifer? - Normani supôs.


- Jesus. - Respondi.

- Jesus? - ela perguntou, alterando o tom de voz. - Como assim, Jesus?!

- É... tipo... Jesus. - respondi e no mesmo momento abri os olhos e me virei na cama,
sentando-me de frente para Normani que me olhava expressando todo o seu choque
e curiosidade. Estava tão estupefata que nem falou nada, apenas esperou que eu
continuasse. - Ela me ajudou a desenhar. Foi gentil comigo. Eu que fui um pouco
rude, pra falar a verdade, mas é porque nunca se sabe o que esperar dela, no final
das contas. - Eu estava contornando o H de "Harvard" escrito no edredom, com a
ponta do dedo, olhando para baixo. Não conseguia, por algum motivo, olhar para
Normani. - E bem... ela me mandou continuar desenhando e no início eu me recusei,
mas ela foi tão adorável... - os olhos da minha amiga se arregalaram quando ouviu a
palavra "adorável". Suspirei e prossegui. - E eu continuei a desenhar. No início ela só
observou, mas depois ela ficou atrás de mim... - nesse momento eu não consegui
mais segurar a avalanche de pensamentos e sentimentos que eu estava segurando
desde o sábado. Tudo saiu da minha boca como um carro sem freio a 400
quilômetros por hora. - ficou muito próxima...muito... Segurou a minha mão e me
mostrou como fazer os traços, desenhou comigo, falou algumas coisas que eu não sei
se foram no meu ouvido propositalmente ou só porque ela estava perto demais...

- Que coisas?! - Normani me interrompeu e seu tom revelou toda a


excitação que ela sentia pelo que estava escutando de mim.

- Coisas sobre o desenho. Sobre o desenho estar dentro de mim e que as linhas de
um desenho tem que ser uma expressão dos meus sentimentos. E depois disso ela,
simplesmente foi embora. Assim, exatamente desse jeito. Ela se afastou de mim
enquanto falava e foi embora. Eu fiquei lá, olhando pra ela com sei lá que expressão,
mas eu estava extasiada. E a pior parte de tudo não foi isso que eu acabei de contar.
A pior parte de tudo é que eu não conseguia parar de observar os detalhes dela, a
linha da clavícula onde o cordão se encaixa com perfeição, o pulso, o cheiro, o colar,
as mechas de cabelo soltas do coque, a elegância como se senta, como se move e a
SUA maldita voz, Normani Kordei, me dizendo que eu reparava demais nessas coisas
e que por causa disso sou... - travei e mordi o lábio inferior, sentindo meu coração
sem oxigenação.

- Lésbica. - Normani completou, usando um tom natural. - Uau! - Ela falou, relaxando
seu corpo que havia estado tenso enquanto eu falava e jogando-se para trás na
cama. - Lauren, eu não queria dizer o que vou dizer agora, mas eu acho que você
está mesmo a fim da professora.

- Eu não estou a f...

- Lauren. - ela sentou-se novamente na cama. - Você não precisa dizer essas coisas
para mim. Não faz diferença para mim se você está apaixonada pelo professor de
oitenta anos, por um elefante ou por Camila Cabello. Você vai continuar sendo a
mesma Lauren pra mim. É pra você que você precisa dizer as coisas, mas precisa
fazer isso com clareza e honestidade. É pra você que algumas coisas vão mudar. -
Normani segurou as minhas mãos. - Ser homossexual ou heterossexual não é uma
questão de caráter, é uma questão de amor e o amor está acima de todas as coisas.
É como se você preferisse comer banana ao invés de laranja. Não muda quem você é.
Só muda quem você ama, quem você prefere. Não é uma questão de gênero, é
questão de humanidade. - Ela fez um carinho breve no meu rosto. - Pode ser que
você não seja realmente lésbica e pode ser que todas as coisas que eu estou falando
sejam um monte de baboseiras que eu estou falando só porque estou desesperada
pra que você se sinta confortável com a vida, mas o que eu estou querendo dizer é
que você, sendo heterossexual ou não, não tem que explicar ou afirmar isso pra
ninguém, só pra você mesma.

"Sendo heterossexual ou não, você não tem que explicar ou afirmar isso pra
ninguém, só pra você mesma", repeti mentalmente o que Normani acabara de dizer e
dei à ela um sorriso de gratidão por ser tão compreensiva e por, de alguma forma,
dar algum entendimento para os meus sentimentos confusos.

- Eu estou tão confusa... - admiti fazendo um carinho em sua mão. - Quer dizer, eu
nunca havia pensando sobre isso. Eu nem sei falar sobre isso! Eu nunca havia
considerado a ideia de ser lésbica e de repente essa hipótese caiu na minha cabeça
feito um trator. E... - mordi o lábio inferior, fazendo uma força mental enormíssima
para conseguir completar a frase. - De repente toda essa hipótese faz sentido. Se eu
for mesmo lésbica eu vou estar perdida, Normani. Meus pais nunca vão aceitar e..

- Êpa, êpa, êpa. - Normani me interrompeu usando um tom de completa indignação.


- Lauren, se, por acaso, você entender que na verdade você gosta de beijar
mulheres, você não tem motivo algum pra ir até os seus pais e informar que você é
homossexual. Eventualmente eles vão saber e você vai precisar lidar com isso. Mas
não é como se você estivesse descobrindo que está grávida.

- Bem, não importa. Se, por acaso, eu entender que gosto de beijar mulheres, -
"Camila Cabello", o nome dela apareceu em neon na minha mente. - e falar agora ou
falar daqui a vinte anos, você pode ter certeza que no outro dia estarei morta. Isso
sendo muito otimista. Eu não sei lidar com isso. Não sei pensar no mundo a partir
dessa perspectiva. Não. Eu não posso ser lésbica. Eu estou só sugestionada pelas
coisas que você fala. É isso.

Normani me olhava com cara de tédio.

- Tá, tudo bem. Então vamos fazer um teste. Na verdade, você vai fazer um teste
consigo mesma. Amanhã, na aula dela, tente observar a maneira como você se sente
em relação a ela de uma maneira mais clara, mais objetiva. Tente pensar em si
mesma como lésbica. Dê uma chance ao "se". Você não precisa me dizer o que
pensou e o que concluiu, mas você precisa fazer isso para si mesma. O que acha?

- Acho que não entendi direito... - confessei. - O que quer que eu faça?

- Quero que você finja que é lésbica e veja como se sente em relação à Camila
Cabello. - Ela falou claramente.

Pensei um pouco sobre aquilo e embora eu me sentisse incomodada com a ideia,


achei que seria válido tentar.

- Humm.. Eu vou tentar, mas não sei se consigo. - falei, por fim.

- Tentar é o primeiro passo para o sucesso.

- Garota, você parece um livro de auto ajuda com essas frases feitas. - falei, rindo.

- Créditos à Andrea Hamilton, querida.

Eu sorri e Normani me puxou para um abraço.

- Aceitar quem a gente é de verdade é uma das partes mais difíceis da vida, Lauren,
mas no final é recompensador. Não tenha medo de ser você, seja lá o que você
descobrir que é. - falou em um tom amoroso que tocou meu coração como um colo
de mãe e depois soltou-me.

- Você já passou por isso? - Perguntei, querendo algum conforto, querendo ouvir de
alguém próximo dizer que poderia me ajudar a entender quem eu sou.

- É muito difícil ser negra em uma sociedade que segrega tudo. - ela respondeu, mas
não pareceu incomodada com o assunto. - Grande parte do meu tempo na escola eu
estava sempre tentando ser como as garotas brancas. Só queria bonecas brancas e
coisas rosas, porque as garotas brancas usavam coisas rosas. Depois eu vi que eu
não podia ser branca porque eu tenho a pele escura. Sou negra. Então, me auto
segreguei mais uma vez. Comecei a me comportar como as garotas negras da minha
escola. Usava mil cores, só escutava o mesmo tipo de música que as garotas negras
escutavam e ainda assim eu não estava feliz. Foi então que eu percebi que eu não
precisava ser como as garotas brancas, nem como as garotas negras. Eu só precisava
ser eu e foi assim que eu me senti feliz com a vida. Comecei a usar coisas que EU
gostava de usar e não importava se eram coisas de negras ou brancas, eram coisas
MINHAS. E isso é tudo. - ela completou, segurando as minhas duas mãos com as
suas. - Foi um processo difícil, não foi nada fácil, mas no final é...libertador. -
Normani abriu aquele enorme sorriso e meu coração se encheu de conforto.

Eu sentira uma agonia horrível enquanto a escutara falar, porque desde cedo naquele
sentido que ela sofrera tanto eu sempre fora muito bem resolvida. Gostava do que
queria gostar e ponto. A minha cruz de aceitação era outra.

Suspirei antes de falar.

- Estou orgulhosa por você ser você, Mani. Espero um dia me encontrar do mesmo
jeito. - falei, apertando levemente seus dedos.

- Você vai, Laur. - a minha amiga me puxou para mais um abraço e em seguida me
deu um beijo no rosto. - Agora vamos dormir, temos aula da sua paix... - ela freou a
língua e se interrompeu. - da professora Camila muito cedo.

Eu ri.

- Você não tem jeito, Normani. - falei em um tom risonho. Ela riu.

Levantei da cama de Normani e desliguei a luz do quarto antes de deitar na minha


cama. Sentei-me à beira da minha cama e tirei a regata que vestia, trocando pelo
moletom cinza de "I LOVE NY" e deitei, cobrindo-me.

- Laur... - A voz de Normani soou através do silêncio escuro do quarto.

- Hum? - murmurei, agarrando o travesseiro de lado.

- Obrigada por confiar em mim. - Ela falou com a voz sonolenta. - Eu amo você.
Eu tinha certeza que o sorriso que eu abri no escuro do quarto poderia ter iluminado
aquele quarto. Era a primeira vez que trocávamos aquelas palavras e eu me sentia
feliz por ouvi-las porque sabia que eram verdadeiras.

- Também amo você, Mani. - falei, fechando os olhos em seguida para me entregar
ao sono mais tranquilo que eu tivera em uma semana.

Era de se esperar que a minha ansiedade fosse me fazer acordar antes da hora que
eu realmente precisava acordar, por isso, não me senti irritada quando abri os olhos,
despertando completamente e vi no celular que eram 5:30am.

Levantei, tentando não fazer barulho para não acordar Normani e fui para o banheiro.
Demorei mais que o normal debaixo do chuveiro e durante aquele tempo, repassei
toda a conversa com Normani, desde o sábado anterior até a da noite anterior, assim
como as minhas emoções em relação à Camila.

Depois de muito tentar organizar as ideias, cheguei à conclusão de que a sugestão de


Normani era uma boa alternativa para conseguir começar o processo de me entender
ou pelo menos, de entender o que estava acontecendo comigo naquele específico
momento da minha vida.

Preparei um café da manhã mais caprichado que o normal, para mim e para Normani,
principalmente, que havia se preocupado em fazer aquilo durante a semana que se
passara. Ela merecia todos os mimos do mundo da minha parte.

Para aquele dia eu estava tão especialmente bem disposta e com o espírito leve que
decidi ir com o visual mais caprichado para a aula. Peguei minha calça jeans clara
preferida, que eu adorava como me vestia, especialmente pelos rasgados da perna.
Calcei botas pretas e vesti uma blusa de manga comprida cinza escura que caía em
meu ombro. Por cima, antes de sair, usaria uma jaqueta de couro para não sofrer
com um eventual vento frio. Quando Normani acordou eu já estava completamente
arrumada e aproveitei o tempo que ela usou para se arrumar e comer, para ler, coisa
que eu não havia conseguido fazer decentemente desde que havia chegado em
Harvard.

- Fiu, fiu. - um assobio atrás de nós nos chamou atenção enquanto caminhávamos
rumo à HGSD, naquela manhã. - Nossa, Lauren, hoje você acordou mais inspirada do
que seus pais quando fizeram você.
Era Alec james e seu sotaque britânico soltando a pior cantada de todos os tempos. O
garoto inglês passou os braços pelo meu ombro e pelo de Normani, enfiando-se
forçadamente no espaço entre nós duas.

- Sua cantada não conquistaria nem um poste, Alec. - Normani o avisou, sorrindo
para ele.

Eu ri.

- Vocês, garotas, não tem piedade alguma com um pobre garoto sem amigos. - Alec
fez a expressão mais cinicamente triste de todos os tempos e depois riu.

Estávamos entrando na terceira semana de aula e já tínhamos notícias de que Alec


havia ficado com quase todas as calouras de Harvard.

- Acho que pelo menos 90% das calouras de Harvard teve muita piedade de você,
Alec. - falei em um tom brincalhão e ele riu.

- Assim parece que eu sou um garanhão, Lauren.

Paramos de andar automaticamente quando chegamos na esquina em que o caminho


dele se diferenciava do nosso. Alec se despediu com dois beijinhos de bochecha em
mim e em Normani e depois seguiu o seu caminho para o prédio de engenharia de
Harvard.

- Não gosto desse Alec. - Normani falou, assim que voltamos a andar. -
Não gosto mesmo.

- Por que? O que há de errado? - perguntei, realmente curiosa porque eu não via
nada de errado em Alec, exceto pelo fato de que ele era um galinha.

- Intuição...só intuição. - ela respondeu, encerrando o assunto.

Chegamos à sala no mesmo horário de sempre e encontramos as mesmas pessoas de


sempre, já reunidas e tendo a mesma conversa de sempre. Era incrível como as
pessoas repetiam comportamentos que as faziam se sentir confortáveis.

Como de costume, exatamente às 8am a professora Camila entrou pela porta e


talvez, somente talvez, a chance hipotética que eu havia resolvido dar ao "se eu fosse
lésbica", tenha sido levada à sério demais pelo meu organismo. A visão que tive dela
me tomou por tal arrebatamento que os pelos escassos do meu braço se arrepiaram e
a minha nuca, refletindo na minha espinha e o processo todo foi tão forte, mexeu
tanto com meu corpo que eu tive que me movimentar na cadeira para voltar a
encontrar uma posição confortável.

Os cabelos dela estavam mais lisos que de costume e mais brilhosos. Seus olhos
pareciam mais claros, mas isso era somente porque ao entrar na sala a luz do sol
refletiu diretamente em sua íris. A blusa social de manga cumprida azul turquesa
havia lhe caído tão bem que meus joelhos ficaram fracos. A calça social em cotton
satim em cor bege estava tão perfeitamente delineada em seu corpo que suas curvas
eram mais visíveis do que o normal. O salto alto que era também bege estava tão
bonito em seus pés que me tomou de tal sensação como se as pontas do salto
tivessem perfurado meus pulmões.

"Fecha a boca", dizia o bilhete que Normani havia jogado em cima da minha mesa.
Por algum motivo, naquele momento eu não liguei nenhum pouco para o fato de estar
de boca aberta para Camila Cabello.

Respirei profundamente, mas de maneira disfarçada e abaixei a cabeça no exato


momento em que ela encostou-se na mesa, como sempre fazia depois de colocar a
sua pasta preta, modelo PRADA, em cima da mesa.

"Desse jeito ela não está me ajudando a concluir que não sou lésbica", pensei,
passando a mão pela testa, ainda olhando para baixo.

- Bom dia. - Ela falou em um tom natural. - Hoje eu vou precisar da paciência de
vocês. Nossa aula será inteiramente teórica. Precisamos disso para vencer o
conteúdo. Caso queiram um tempo para descansar o cérebro, por favor, me avisem e
fazemos uma pause de cinco ou dez minutos. Sugiram que apenas anotem o que eu
falar e vocês acharem importante. Não anotem o que for passado nos slides porque
esse material está disponibilizado online para vocês, portanto, não se preocupem. -
Ela se desencostou da mesa. - Alguma dúvida? Alguém quer falar alguma coisa? - Ela
perguntou, mexendo no cabelo, jogando-o cuidadosamente para o lado. Ninguém
respondeu. - Se tiverem dúvidas... E, por favor, tenham! Me interrompam e
perguntem. - Ela ajeitou a manga da camisa. - Muito bem, vamos lá.

Pelas próximas três horas de aula, Camila Cabello deu uma aula de brilhantismo para
a turma ARCH201501, a minha turma. Não houve uma pessoa sequer que tenha
pedido pausa, porque a sua didática era tão impressionantemente incrível que todas
as suas palavras entravam em nosso cérebro e pareciam ter estado ali desde sempre.
Durante a aula, algumas dúvidas surgiram, alguns pontos foram levantados e quando
se esperava que ela fosse arrogante em suas respostas, Camila Cabello ensinava,
explicava, explicava outra vez e explicava de novo. Não haviam limites para que seus
alunos aprendessem. Ela nos fazia pensar, nos fazia concluir, nos fazia entender e
aprender. Sua aula era tão cheia de brilhantismo que era quase um show de
purpurina intelectual.

- Eu quero que peguem esse livro na biblioteca, - ela estava segurando o livro para
toda a turma ver. - e leiam ele todo, é curto e cheio de imagens, como todo arquiteto
gosta, não é mesmo? - Toda a turma riu e ela se divertiu. - Ao final, tem uma
proposta de trabalho. Eu não vou dizer à vocês. Nem adianta ir logo pro final do livro
porque terão que ler pra realizar, de qualquer forma. Façam o passo 1. O passo 2
faremos na próxima aula, em sala. Estão dispensados.

Naquele dia, os alunos demoraram para sair porque de tão absortos que
estavam na aula, esqueceram-se da hora e não recolheram as coisas minutos antes
de acabar, como era de costume. Isso se aplicava à mim também.

Eu estava colocando algumas coisas dentro da mochila quando a professora Camila


me chamou em sua mesa.

- Senhorita Jauregui, pode vir até aqui, por favor? - Ela chamou-me, e depois voltou
o olhar para a tela do computador, onde voltou a digitar alguma coisa.

Como eu já sabia o que ela queria, peguei os cem desenhos de dentro da pasta e
caminhei até sua mesa.

- Estão aqui, professora. - Falei, colocando os desenhos em cima da mesa.

Ela olhou para os desenhos com um olhar de estranhamento e em seguida sua


expressão mudou para algo como "ah! Agora lembrei". Os pegou de cima da mesa e
olhou o desenho número um, analisando-o e depois fez o mesmo com o desenho de
número cem. Colocou os dois lado a lado em cima de sua mesa. Depois, colocou o
desenho de número um embaixo de volta na pilha de desenhos e ficou olhando para o
cem. Sua cabeça balançou levemente em algum tipo de afirmação e depois ela sorriu.
Era um sorriso de satisfação. Um sorriso de satisfação que fez meu estômago gelar
com uma emoção que eu não sabia nomear. E de repente, a pergunta de Normani
estava respondida: eu estava ansiosa para ver a cara dela de
"estou.orgulhosa.porque.você.conseguiu.acabar".
- Muito bem, senhorita Jauregui. - ela falou com ar de satisfação e olhou para cima,
me dando um sorriso tão doce, tão doce... Em seguida, colocou o desenho cem no
monte de desenhos e empurrou em cima da mesa em minha direção. - Seus
desenhos estão significantemente melhores, acredito que a senhorita tenha percebido
isto. Estou contente que tenha terminado.

- Obrigada... - agradeci timidamente. O elogio dela havia me feito sentir ainda mais
orgulhosa do meu trabalho. - Mas, a senhora não vai ficar com eles? - Perguntei, já
que ela os havia empurrado de volta para mim.

- Não. - ela respondeu, enquanto fechava o computador e o guardava na pasta. - A


senhorita fez esses desenhos para si mesma, não para mim. - Concluiu fechando o
zíper e em seguida, levantando-se. - Eu gostaria que a senhorita me acompanhasse
agora, é possível que se atrase para o almoço com seus colegas. É assunto de
máxima importância.

- Fiz algo errado? - Perguntei, sentindo-me completamente apavorada. Nunca se


pode confiar nas emoções que Camila Cabello faz você sentir.

- De forma alguma. Esperarei você na porta da sala. - ela disse e se encaminhou para
onde havia dito.

Eu segui de volta para a minha cadeira e contei brevemente para Normani o que ela
havia dito sobre os desenhos e que havia me dito para acompanhá-la. Normani ficou
histérica, mas eu não dei à ela tempo para me fazer mais perguntas, coloquei a
minha mochila nas costas e segui para fora da sala.

Camila estava olhando o relógio quando eu parei ao seu lado.

- Podemos ir? - perguntou.

- Sim, mas para onde vamos? - eu estava com medo, estava nervosa, estava
apreensiva.

Todas as possibilidades de coisas erradas que eu pudesse ter feito estavam passando
pela minha cabeça, mas deixar de arrumar a minha cama de manhã com certeza não
era o motivo para Harvard mandar a professora Cabello me dar algum tipo de
punição. Tudo bem que estava nas regras dos dormitórios de Harvard que ninguém
podia deixar o dormitório sem antes arrumar a cama, mas todo mundo fazia isso e
com certeza não era o motivo para a minha professora estar me levando sabe-se lá
para onde.
- Vamos para o meu carro. - Ela falou enquanto já andávamos por entre os alunos
apressados nos corredores da HGSD.

- Para o seu carro?! - Perguntei, exclamando.

- Sim, senhorita Jauregui. - Ela disse, passando à minha frente para poder
passar por um corredor estreito de alunos e eu fui logo atrás.

- Por que a senhora está me levando para o seu carro? - perguntei assim que voltei a
andar ao lado dela.

- Porque vamos pegar uma coisa. - ela respondeu no exato momento em que a porta
automática de saída se abriu e nós passamos por ela.

- Que coisa? - Perguntei, curiosa, mas ainda a acompanhando.

- Você sempre pergunta demais assim? - Ela me olhou com uma expressão divertida
e um sorriso fofo nos lábios.

Dei um sorriso sem graça e fiz uma careta.

- Só quando estou nervosa. - respondi, mordendo o lábio inferior timidamente


enquanto andávamos até o BMW 428i preto safira.

- E você está nervosa agora? - ela perguntou, tirando as chaves do carro da bolsa.

- Sim. - confessei em um tom baixo.

- Por que? - ela perguntou, destravando a porta do carro.

- Por que a senhora me pediu para lhe acompanhar e o assunto era de máxima
importância. - respondi com sinceridade e esperava obter alguma resposta.

Ela apenas sorriu e abriu a porta do carro.

- Pare com isso de "senhora". - ela disse. - Entre, vamos dar uma volta rapidamente.
- completou, entrando no carro e fechando a porta em seguida.

Eu não tive escolha senão dar a volta e abrir a porta do carro.


- Como assim, dar uma volta rapidamente? - perguntei antes de entrar no carro.

Ela suspirou e riu.

- Você pergunta demais. - disse.

- E você fala de menos. - retruquei, cedendo e entrando no carro.

- Evoluímos aqui. Já usou um pronome para falar comigo e entrou no carro. Estamos
indo bem. - Ela falou, dando a partida no carro.

- Tá, mas para onde vamos? - insisti.

- Vamos almoçar e depois faremos um trabalho. - Ela respondeu, dando o sinal de


que ia dobrar para a direita, quando saíamos do estacionamento da HGSD.

- O The Village fica para lá. - apontei para a esquerda, direção para onde ela deveria
ter dobrado. - E eu não posso fazer um trabalho, tenho aula do professor Newton,
não posso faltar.

- Não vamos ao The Village e o professor Newton já está avisado de que você está
fazendo um trabalho comigo. - ela respondeu, finalmente olhando para mim,
enquanto dirigia na direção oposta ao The Village.

"O que?! Como assim?!", a pergunta gritou em minha cabeça, mas decidi fazer
perguntas por tópicos e a mais importante não era sobre o professor Newton naquele
momento.

- Para onde vamos então? - a interpelei, sentindo-me três vezes mais curiosas.

Por que ela não podia falar logo tudo de uma vez?

- Vamos ao Deuxave. - Ela respondeu, ligando o som enquanto estávamos paradas


esperando o semáforo abrir.

- Mas isso fica em Boston! - destaquei, sentindo-me realmente surpresa com a


informação.

- Eu sei. - ela respondeu calmamente. - Se estou indo pra lá, é porque sei onde fica,
Lauren. - ela deu um sorriso que expressou todo o seu divertimento com a situação.
- Ah, sério?! Não diga... - revirei os olhos. - Por que está me levando para almoçar
em Boston, professora? - perguntei. - E que tipo de trabalho vamos fazer depois do
almoço?!

- Vou levar você para almoçar em Boston porque o que vamos fazer é em
Boston. - ela respondeu, virando a cabeça completamente para me olhar.

Seu olhar estava leve e divertido, mas ainda havia aquele ar de quem me
desvendava, de quem me despia.

- E o que vamos fazer? - perguntei e ela deu uma gargalhada.

- Você parece uma criança de dez anos que pergunta o por quê de tudo. - respondeu,
acelerando pela auto estrada que levava à ponte sobre o Rio Charles, à caminho para
Boston.

Pelos próximos vinte minutos, atravessamos a ponte, partindo de Cambridge para


Boston e pegamos o caminho para o Deuxave, um dos melhores restaurantes da
cidade.

Camila parou o carro na frente do restaurante e nem desligou o carro, apenas desceu
e eu a segui.

- Olá, senhorita Camila. - O manobrista a cumprimentou, segurando a mão dela para


ajuda-la a subir a calçada. - Como está hoje? - perguntou educadamente.

- Muito bem Edgar, e você? - Ela foi extremamente educada com ele.

Já era claro para mim que ela o conhecia e era frequentadora assídua do lugar.

- Melhor agora com a sua presença, senhorita Camila. Tenha um bom almoço.

- Obrigada. - ela disse, encaminhando-se para a porta de entrada. - Venha Lauren,


não temos muito tempo.

A acompanhei e fomos tão bem recebidas quanto jamais havia sido naquele
restaurante. Eu já havia estado lá uma centena de vezes porque adorava a
arquitetura do lugar, tudo deixava as pessoas muito mais próximas, era um ambiente
extremamente agradável, mas nunca havia tido um tratamento tão polido quanto tive
quando estava com ela.

- O que quer comer? - ela perguntou, ignorando o próprio cardápio.

- Vou comer Coq au vin (galo ao vinho). - disse também sem olhar o cardápio. Eu
sempre comia coq au vin quando ia ao Deuxave.

Ela me olhou surpresa.

- Já veio aqui? - perguntou, curiosa.

- Quase sempre, quando morava em Boston.

- Como nunca lhe vi aqui? - franziu o cenho.

- Não sei... - respondi sem realmente saber como responder. - Por que? Deveria?

- Estou sempre aqui, a probabilidade de eu não ter lhe visto é mínima. - ela falou,
usando um tom disfarçadamente intrigado.

- Você vem sempre aqui? - perguntei apenas por perguntar, já que era óbvio que sim.

- Sim. - respondeu rapidamente, já que o garçom estava perto para fazer nossos
pedidos.

- Senhorita Camila! - O garçom exclamou, sorridente. - O mesmo de sempre?

- O mesmo de sempre, Frank. - respondeu gentilmente.

- E para a senhorita? - ele se dirigiu à mim da mesma maneira simpática.

- Coq au vin, por favor. - respondi do mesmo modo.

- Seu pedido será entregue em minutos. - Ele disse, retirando-se.

O nosso momento no Deuxave foi breve. O pedido realmente demorou apenas alguns
minutos e não demoramos para comer. Tivemos diálogos triviais com mais alguns por
quês sendo respondidos, mas nada com grande relevância. Apenas o suficiente para
eu reafirmar o quanto Camila Cabello era impressionante.

Não havia nenhum tema sobre o qual ela não soubesse conversar profundamente à
respeito. Não havia nada pelo que ela não parecia se interessar. Particularmente à
arquitetura, ela demonstrava tanta devoção que apenas algumas palavras dela à
respeito me deixaram em completo êxtase.

Quando estávamos no carro, indo para qualquer lugar que ela não havia
me dito ainda, observei uma lembrança para a qual eu não havia dado importância no
momento em que aconteceu. Havíamos saído do Deuxave sem pagar a conta.

- Oh meu Deus! Não pagamos a conta! - exclamei e percebei que Camila foi tomada
por um sobressalto, mas logo em seguida riu e relaxou. - Por que está rindo?

- Porque você me assustou. - explicou, atenta à rua e depois olhou para mim.

- Mas não pagamos a conta! - ressaltei a informação mais importante novamente.

- Eu sei. - ela disse, parando o carro no acostamento de uma estrada quase sem
movimento. - Mas não se preocupe com isso. - falou e depois saiu do carro.

Fiz o mesmo e à segui até a mala, para onde ela havia ido.

- O que estamos fazendo aqui? - perguntei, apoiando-me de lado no carro enquanto


ela recolhia algumas coisas dali de dentro.

- Será que algum dia vou conseguir ensinar você a ser mais paciente? - ela virou o
rosto para mim, ainda um pouco abaixada por estar mexendo na mala de seu carro e
abriu o sorriso mais amável que eu já vira.

Até aquele exato momento eu estivera ansiosa demais para me lembrar ou dar
atenção às minhas emoções, mas aquela imagem reacendeu meus sentimentos como
um vulcão. Eu estivera camuflando para mim mesma, durante todo o tempo em que
passara com Camila, as sensações que ela me causava. O nervosismo pela situação
estranha, a tensão por não saber o que iria fazer com ela e para onde ela estava me
levando me fizeram desfocar do motivo pelo qual eu estava me deixando ser levada
por ela para onde quer que ela estivesse me levando: a bagunça emocional que ela
me causava.

O sol, pela segunda vez no dia, estava contribuindo para que fosse difícil eu ter um
comportamento heterossexual. Era impressionante como o sol combinava com ela,
como a luz solar deixava a pele dela com uma cor vibrante, com uma textura
atraente. Senti um formigamento subir pelo meu peito e o ar faltar.
- Eu... - tentei falar qualquer coisa enquanto me forçava a lembrar o que ela havia
falado, mas seja lá o que fosse, eu já havia esquecido completamente. - Eu...

- Está tudo bem? - ela perguntou, entregando para mim uma prancheta com folhas e
carregando consigo mesma uma outra prancheta e um estojo técnico.

- Sim. Vamos desenhar? - a indaguei, curiosa com todo o material de desenho.

- Vamos. - ela respondeu, fechando a mala do carro e travando o mesmo com o


alarme da chave.

Caminhamos por cinco minutos por um estreito caminho que acabou bem às margens
do Rio Charles. Do outro lado podíamos ver Cambridge, à direita a enorme The
Leonard P. Zakim Bunker Hill Bridge, a ponte sobre o Rio Charles, que liga Boston à
Cambridge. É a maior ponte suspensa por cabos do mundo. Mesmo de longe era
grandiosa.

À direita, havia um pequeno banco, pintado em branco, onde Camila sentou e fez
sinal para que eu fizesse o mesmo e assim, o fiz. Entregou-me uma lapiseira e uma
borracha.

- Vamos desenhar a ponte Zakim. - ela disse, simplesmente.

- Isso faz parte da minha avaliação? - perguntei.

Não que eu não fosse fazer se não fosse. Eu já estava ali e me sentia muito inspirada
à desenhar, mas eu queria entender o motivo de ela ME levar para aquele lugar para
desenhar comigo.

- Com toda certeza. - Camila respondeu, com um sorriso cínico no rosto.

Sua boca ficava particularmente bonita quando ela dava aquele sorriso que eu havia
conhecido tão recentemente, mas já me parecia muito familiar. Revelava um lado
diferente da minha professora. Um lado que eu desconfiava que nunca veria dentro
dos muros de Harvard.

Acenei positivamente com a cabeça enquanto a olhava. De perfil ela


conseguia ser tão bonita quanto de frente. Seu rosto era tão bem desenhado que eu
quase podia jurar que aquela imagem que eu via era um desenho detalhista.

"Perfeita", a palavra surgiu em minha cabeça e ao invés de expulsá-la como havia


feito outras vezes, sempre que alguma palavra inoportuna sobre ela surgia em minha
cabeça, eu apenas me permiti concordar com aquele pensamento inconsciente.
"É...ela é perfeita".

- Por que está me olhando assim? - Ela perguntou sem nem sequer virar o rosto. Ela
havia percebido o meu olhar.

Seus olhos estavam variando entre a ponte ao horizonte e o papel em suas pernas.
Alguns traços já surgiam aleatoriamente.

- Você está perguntando muitos por quês, professora. - falei, desviando o olhar para
a minha folha de papel.

Percebi um sorriso surgir nos lábios dela quando olhei para a ponte. Comecei a traçar
algumas linhas, dando a leveza que já me era natural depois dos cem desenhos que
eu havia feito.

- Não é incrível o que 78 horas e 42 minutos de convivência podem fazer? - ela disse,
com o olhar fixo na ponte, riscando mais um traço no papel, dessa vez sem olhar,
mas saindo tão perfeito quanto se tivesse olhado.

- 78 horas e 42 minutos? Como sabe disso? Você contou? - Perguntei, parando de


desenhar por alguns segundos. Estava chocada.

- Acabei de contar, na verdade. - Ela disse, como se fosse a coisa mais simples do
mundo.

- É verdade o que dizem, então? - Perguntei mais para mim mesma do que para ela.

- É. - Ela respondeu sem dar muita importância, concentrada demais em desenhar.

Camila nem precisou me perguntar a respeito do que eu estava falando. Ela era
esperta, era perspicaz demais para não saber que os alunos comentavam a respeito
dela.

- Agora vamos parar de conversar. - ela disse. - Trouxe você aqui para desenhar. -
virou para mim e sorriu. - Conversamos depois, okay?

- Ok. - disse-lhe, retribuindo o sorriso.


E assim como ela quis, assim foi. Pelas próximas quatro horas, desenhamos
ininterruptamente. Além da ponte, apenas por necessidade mútua de nossas almas
envolvidas pelo momento, desenhamos todo o cenário que estava ao alcance de
nossas vistas.

Já estava escurecendo quando entreguei-me ao cansaço e finalizei meu desenho. O


resultado ficara melhor do que eu esperara. Camila terminava o detalhe da ponta
mais alta do edifício de engenharia de Harvard, que era visível de onde estávamos.
Ela não percebeu que eu havia terminado e eu fiz questão de não deixar claro que
estava apenas olhando para ela, com os olhos colados no papel.

Ela, a lapiseira, o papel e a paisagem pareciam parte de uma coisa só. Eu não
imaginava que vê-la desenhando me deixaria em um estado de tanta contemplação.
Quando ela desenhava, ela fazia parte do que desenhava. Sua atenção estava tão
fortemente fixa no ato de desenhar, que ela mesma parecia um desenho vivo. Ela fez
um último risco e se desconectou. Olhou para mim e naquele momento eu vi Camila
Cabello, a arquiteta, a professora, a gênio, a mulher, o ser humano, tudo de uma vez
só, e não fragmentada como costumava vê-la. Naquele sorriso, Camila Cabello estava
exposta. Absolutamente exposta.

- Por que você me olha desse jeito? - ela perguntou, inclinando levemente a cabeça
de lado, olhando-me séria.

Desviei o olhar para baixo e procurei uma resposta que justificasse o que quer que
fosse que ela havia visto na maneira como eu a olhava. Busquei uma resposta
verdadeira, ainda que não fosse 100% verdadeira.

- É que a senhora...

- Você. - ela me corrigiu.

- Você... - me corrigi e continuei. - É admirável. Quando você estava desenhando eu


vi todos os motivos pelos quais eu escolhi estudar arquitetura. É como se a
arquitetura ganhasse vida em você. - apertei um pouco os olhos, me atrapalhando
com as palavras. - Desculpe, estou parecendo uma louca, mas... é que... eu queria
que as pessoas vissem a arquitetura em mim, algum dia, como eu vejo em você.

Ela estava extremamente séria, com o olhar fixo no meu. Parecia querer abrir o meu
corpo e estudar cada célula minha. Senti um frio subir subitamente pela minha
espinha e gelar a minha nuca. Não consegui encará-la de volta por muito tempo,
então desviei o olhar.
- Você não está parecendo uma louca. - ela falou, convicta. - Venha, vamos! - Ela
levantou e nem me esperou, começou a andar, carregando suas coisas de volta para
o carro.

- Ainda vamos em outro lugar? - Perguntei, seguindo-a.

- Vamos, mas é a caminho de Cambridge, não se preocupe.

Eu não me preocuparia mesmo que ela não me dissesse para onde iríamos. Naquele
ponto, eu estava tão envolvida com a ideia de admirá-la que não me importava mais
com as questões lógicas das coisas. Nem a chance hipotética ao "se", sugerida por
Normani, estava sendo lembrada. Eu estava simplesmente vivendo o "se". E o "se",
talvez não fosse mais tão "se" assim.

Estávamos cruzando a ponte Zakim, voltando para Cambridge, quando Camila parou
o carro no acostamento, bem embaixo do eixo de sustentação dos cabos, no meio da
ponte.

- Por que paramos? Deu problema no carro? - perguntei, antes de perceber ela
descendo do carro.

Ela nem se deu ao trabalho de me responder, apenas caminhou para a extremidade


da ponte e me esperou lá. O sol já estava quase desaparecendo e de um lado da
ponte já estava escuro, do outro, o sol dava adeus. Saí do carro e fui até ela,
apoiando as minhas mãos no parapeito da ponte.

- Feche os olhos. - ela falou, olhando para cima.

- Por que? Vai me jogar da ponte? - perguntei em um tom brincalhão.

Ela virou o rosto para mim e seu olhar foi tão profundo que minhas pernas
enfraqueceram. Segurei-me, apertando as mãos no parapeito da ponte e Camila
desviou o olhar para as minhas mãos e depois para os meus olhos, outra vez.

- Feche os olhos, Lauren. - sua voz era suave, mas imperativa.

Eu fechei.

- Você desenhou essa ponte por quatro horas. Agora eu quero que você a sinta. Cada
pedaço construído é um mundo. Isto aqui é o seu mundo agora. Sinta isto como um
organismo vivo. Sinta as vibrações da ponte. Sinta-a como se ela fosse uma extensão
do seu corpo. - ela disse e mesmo de olhos fechados eu pude sentir o peso do seu
olhar sobre mim.

Eu não sabia por que, mas cada palavra dela fazia o meu coração pulsar na boca com
mais força e mais força. Minha mente foi absorvida por um êxtase tão leve que eu
quase podia sentir os cabos e toda matéria prima que constituía aquela ponte
atravessar o meu corpo, como se fosse o meu próprio sangue. Levantei a cabeça e
respirei profundamente o ar que corria e junto com ele, tudo o que estava naquele
ambiente se entranhou no meu corpo, como se fosse oxigênio. Ainda que
completamente absorvida por sensações completamente pulsantes dentro de mim,
ainda que tomada pelas emoções de estar aprendendo a sentir o mundo e não só a
vê-lo, eu sentia-me envolvida pelo olhar de Camila.

Em meio ao silêncio de nossas bocas e ao barulho distante dos carros, a voz dela
soou muito peculiar em meu ouvido quando ela colocou-se atrás de mim e sussurrou
em meu ouvido:

- Eu vejo a arquitetura em você tanto quanto vê em mim, Lauren.

E foi exatamente neste momento em que eu escancarei o meu coração para Camila
Cabello.
Alexithymia

Lauren's pov

Alexithymia (n.): A dificuldade em descrever sentimentos para outra pessoa.

- NORMANI! - gritei, jogando-me de costas na porta do quarto com todo o meu peso,
fazendo-a bater com muita força e consequentemente fazendo muito barulho.

Normani foi tomada por um susto tão grande que virou-se na cama em desespero e
acabou caindo no chão.

- EU SOU LÉSBICA. - dei outro grito abafado, sem nem me importar com o fato de
que minha amiga estava caída no chão, me olhando como se eu fosse um espírito do
mal, pronto para possuir seu corpo.

A minha respiração estava pesada e eu sentia meus joelhos cada vez mais fracos. A
minha cabeça estava girando tanto quanto as lâminas de um liquidificador ligado na
potência máxima. Eu não conseguia formar pensamentos coerentes. Tudo estava
passando pela minha consciência como um raio e eu não conseguia entender
nenhuma vírgula do que se passava na minha cabeça. O único pensamento que era
claro era: "eu sou lésbica". A sensação que eu tinha era de estar vomitando aquele
pensamento, como se estivesse engatado em mim e fosse tão grande que eu não
conseguia parar de colocar para fora.

Minhas pernas cederam à fraqueza e ao desespero emocional que emanavam por


todo o meu corpo e eu escorreguei, porta abaixo, batendo o bumbum no chão com
força, tal foi o tamanho do peso com que deixei meu corpo cair.

Por instinto, Normani levantou-se em um pulo e correu até mim quase sem realmente
levantar-se completamente.

- OH MEU DEUS, LAUREN! - ela exclamou, ajoelhando-se no chão com tanta pressa e
falta de zelo com o próprio corpo que o som do choque de seu joelho com o piso foi
um estalo. - O que aconteceu?! - a minha amiga perguntou-me, segurando o meu
rosto com as duas mãos e me forçando a olhá-la. - Eu achei que tivesse desmaiado!
Meu Deus! - seu tom melhorou quando percebeu que eu estava de olhos abertos,
mas ainda havia tanta preocupação em sua voz que por um momento eu consegui
sentir alguma coisa além do congelamento causado pelo pânico: culpa por ter
assustado tanto a minha amiga.

Passou tão rápido quanto veio. O pensamento avassalador que tomava conta de cada
molécula minha veio outra vez, como um tsunami: destruidor, impiedoso, enorme,
consumidor.

- Eu sou lésbica. - minha voz saiu tremida e baixinha. Meus dentes chocavam-se uns
nos outros a cada tentativa fracassada de emitir um som coerente.

Todo o meu corpo tremia. A origem dos tremores eu não sabia se era o meu coração
ou o meu estômago, mas àquela altura eu desconfiava que os dois fossem uma só
coisa. Não duvidaria nada se tivessem se unido.

- Você está muito gelada, Lauren! - Normani exclamou outra vez, ignorando o que eu
havia dito, tocando em minha mão e em seguida, em minha testa.

Seu olhar era alarmado em preocupação e eu queria dizer à ela que eu estava bem,
que ela não precisava se preocupar, mas a verdade é que eu não estava nada bem.
Eu tinha um terremoto, abalando todas as minhas estruturas, acontecendo dentro de
mim naquele exato instante.

- Olhe para mim, Laur. - Normani falou em um tom mais ameno, segurando o meu
rosto com as duas mãos e assim, eu a olhei. Ela estava tentando se acalmar para me
acalmar, eu percebi em seu olhar. - Você precisa respirar fundo e se acalmar. Eu não
sei o que aconteceu pra você ficar assim, mas antes de qualquer coisa, você precisa
amenizar esse turbilhão dentro de você. Certo? - ela disse, olhando no fundo dos
meus olhos. Eu apenas concordei com a cabeça. - Okay, eu vou buscar um copo de
água para você e eu quero que enquanto eu faço isso, você respire fundo e tente não
pensar no que está pensando agora, seja lá o que for. - o polegar da minha amiga
deslizou pela minha bochecha. - Acha que consegue fazer isso? - ela perguntou e eu
acenei positivamente com a cabeça outra vez. - Ótimo, muito bem. Eu já volto.

E assim, Normani se levantou e andou até a cozinha tão rápido que eu mal
a vi sair de perto de mim. Ou foi só a minha mente turbulenta que não estava me
deixando prestar atenção coerente às coisas.

Eu não precisei nem dos vinte segundos que Normani levou indo à cozinha e
enchendo um copo com água, para lembrar o que acabara de acontecer, poucos
minutos atrás, com Camila Cabello, na frente do prédio de dormitórios dos freeshman
de Harvard.

A lembrança voltou como um raio: rápida, mas destruidora.

'Flashback - Acostamento da ponte Zakim - Quarenta minutos antes.'

- Eu vejo a arquitetura em você tanto quanto vê em mim, Lauren. - Camila sussurrou


em meu ouvido, depois de colocar-se atrás de mim.

Abri os olhos imediatamente, como resposta ao meu coração que explodiu dentro da
minha caixa torácica no exato momento em que meu cérebro deu significado àquelas
palavras. Eu não sabia qual era o motivo de o meu coração estar em processo de
ebulição naqueles exatos vinte segundos em que permaneci calada. Não sabia se o
motivo era o fato de que a minha professora mais brilhante havia dito que via a
arquitetura em mim tanto quanto eu via nela ou se o motivo era o fato de ela estar
tão perto de mim. Tão perto que...

- Você só precisa ver a arquitetura em você, também. - ela concluiu, usando o


mesmo tom de voz calmo. - Então o mundo será seu.

O vento que batia em meu rosto deu forma quase que física, quase que palpável ao
som da voz dela, que beijou a minha pele e cobriu a minha euforia de calmaria.

Eu estava quase pronta para formular uma frase com o mínimo de coerência quando
ela passou o braço em volta de mim e segurou a minha mão direita, tirando-a do
parapeito da ponte. Fosse o que fosse o que ela pretendia fazer, foi impedida pelo
meu gemido de dor, quando levantou a minha mão.

- Ai... - reclamei baixinho, sentindo o meu pulso doer.

Eu não queria ter reclamado. Queria tê-la deixado fazer o que ia fazer com a minha
mão, mas o incômodo foi repentino e muito grande para que eu tivesse tempo de
assimilar e "engolir" a dor.

- Está doendo muito? - ela perguntou, franzindo o cenho levemente.

Fez-me virar de frente para ela e analisou mais minuciosamente e com cuidado, o
meu pulso.

- Um pouco... - menti.
Meu pulso estava latejando por causa dos cem desenhos que ela havia me mandado
fazer e naquele momento, um pouco mais por causa das quatro horas desenhando a
ponte Zakim.

- Sei bem o quanto é esse pouco. - Ela respondeu, desacreditando totalmente.

É claro que ela já havia feito a mesma coisa que me dissera, então é claro que ela
sabia que meu pulso estava doendo pra caramba.

- Deixe-me... - ela segurou meu pulso com as duas mãos, colocando os dois
polegares na palma da minha mão e apoiando os outros dedos na parte do outro
lado, entre os meus dedos. - Tentar ajudar... - ela torceu o meu pulso para frente e
para trás, forçando-o até que o fez estalar.

"CRACK", foi o barulho que fez o meu pulso.

"AI", foi o grito que eu dei pelo susto e dor repentina que aquilo me causou. Mas tão
rápido quanto doeu, tão rápida a dor se dissipou e de repente o incômodo que eu
sentia antes era mínimo.

Mexi o pulso em círculos e a surpresa foi eu ter conseguido fazer aquele movimento,
que antes me parecia impossível.

- Como fez isso?! - perguntei-lhe, intercalando o olhar entre ela e o meu pulso,
enquanto o rodava.

- Tenho alguma experiência com pulsos travados. - Ela disse, dando um


sorriso tímido.

- Graças a você eu tive a minha primeira. - Eu disse em um tom brincalhão, tentando


fazê-la sentir-se "culpada".

- Graças a mim você consegue desenhar melhor que alunos do último período de
Harvard. - Ela retrucou, usando o mesmíssimo tom que eu acabara de usar.

- Isso é sério? - perguntei, sentindo-me um pouco chocada com a informação.

Ela acenou positivamente com a cabeça e começou a caminhar de volta ao BMW 428i,
cruzando os braços para proteger-se do frio que já começava a incomodar àquela
altura.

- Hoje em dia os profissionais da área estão completamente dependentes de


programas de computador, são poucos os que conseguem desenhar linhas realmente
retas e precisas à mão livre, o que é uma lástima. - ela disse, parando ao lado da
porta do carona de seu carro. - A nossa profissão não é só técnica. Arquitetura é arte.
Arte onde se vive e se convive e eu não me lembro de obras de arte serem feitas em
computadores. - Concluiu e abriu a porta do carro para mim.

Eu não disse nenhuma palavra, apenas entrei no carro e esperei que ela desse a volta
e fizesse o mesmo. Aproveitei para pensar em algo para dizer. Mas não havia nada a
ser dito. Ela era tão genial e sensível que roubava as minhas palavras e capacidade
de raciocínio. Sentia-me completamente absorvida por tudo o que ela era.

- Professora...

- Camila. - ela me corrigiu instantaneamente, enquanto colocava o cinto de


segurança.

Olhei para ela e congelei quando encontrei o seu olhar em mim. Aquilo não deveria
me deixar daquele jeito. Por que meu coração estava acelerado? Por que o ar não
estava passando corretamente para os meus pulmões? Por que haviam tantas
borboletas no meu estômago? Por que eu estava tão mais atenta ao movimento dos
lábios dela? Por que eu queria sent...

- Você ia dizer alguma coisa? - ela perguntou, ainda olhando para mim, desviando o
olhar rapidamente apenas para alcançar a ignição e ligar o carro.

- Eu... - O que eu ia dizer?

- Você...? - Ela usou o mesmo tom que eu e esperou que eu completasse a frase,
pegando de volta a estrada à caminho de Cambridge.

Franzi o cenho, na tentativa de que aquilo fosse forçar fisicamente os meus


pensamentos a se tornarem coerentes. O resultado não foi cem por cento, mas
ajudou-me a concentrar alguma lógica para dar uma resposta e não parecer uma
louca.

- É que você disse que as pessoas estão muito dependentes de programas de


computador e bom, eu concordo com isso, mas você não acha que os programas
ajudam a tornar o trabalho mais rápido, mais ágil e menos complicado? - perguntei,
tomando ar profundamente de maneira disfarçada e agradecendo por ter conseguido
concluir o meu pensamento.

Por que eu estava sentindo o meu corpo fora de controle? Por que, de repente, as
minhas emoções pareciam ser um imã de polaridade oposta à Camila? Por que eu
estava sentindo tanta vontade de... de... Do que eu estava sentindo vontade, afinal?

- É uma boa colocação, Lauren. - Ela disse, sem me olhar, atenta somente ao trânsito
que era intenso àquela hora. Ela era tão linda de perfil quanto de frente. Não
importava a posição, ela sempre parecia se encaixar em todos os cenários. - Mas, me
responda uma coisa... - ela falou, jogando o alerta para dobrar e fazendo a curva
para a direita, assim que saímos da ponte Zakim. Me olhou brevemente. - Você acha
que consegue "criar" de maneira mais sensitiva e intuitiva usando um papel ou um
computador? Você acha que se conecta mais à sua criação usando uma lapiseira ou
um mouse? - perguntou, parando no semáforo perto do dormitório dos freeshman. -
É claro que o computador, hoje em dia, é uma excelente ferramenta para tornar mais
preciso e ágil o trabalho técnico, mas não o processo criativo. O processo criativo é
sentimento. É uma parte de você se tornando o sonho de alguém ou o seu próprio.
Esse é o momento onde, particularmente, eu acho um erro misturar homem e
máquina.

Mais dois quarteirões e eu estaria entregue à minha casa. Fim de rota.


Estranhamente, eu queria que aquele semáforo nunca abrisse. Eu poderia ficar
ouvindo-a falar pelo resto da semana e jamais me cansaria. O seu brilhantismo era
claramente perceptível quando começava a falar da arquitetura. Não havia nada que
ela amasse ou preservasse mais e eu nem precisei de mais que 96 horas para
descobrir isso.

Abaixei a cabeça, mordendo o lábio inferior.

- O que foi? Discorda de algo que eu disse? - Ela perguntou, partindo do semáforo em
direção ao dormitório e eu a olhei.

- Não, muito pelo contrário. - Respondi, sentindo-me intimidada.

Seu olhar desviava-se da rua para mim com cautela, mas repetidas vezes e eu não
conseguia controlar o que quer que fosse que estava acontecendo dentro de mim.
Assim, o meu olhar ficou absorvido pela imagem dela e o congelamento do meu
pensamento racional se refletiu no meu corpo. O certo era olhar para frente e dizer
qualquer coisa que parecesse inteligente, mas eu não queria fazer outra coisa senão
olhá-la infinitamente.

A vida é engraçada. Ela nos mostra quem somos em momentos como esse, em que
nosso próprio corpo não atende a nossa racionalidade; em momentos como esse, em
que a nossa natureza se manifesta, roubando a cena de toda a bagagem racional que
nos foi ensinada; em momentos como esse, em que não nos sobra opção a não ser
sermos nós mesmos.

Camila parou o carro na frente da entrada do edifício dos freeshman e pela primeira
vez, desde que havíamos entrado no carro, ela parou o olhar em mim.

"OLHA PRA OUTRO LUGAR", um lampejo de sobriedade passou pela minha mente.
"Mas ela é tão bonita...", pensei exatamente em seguida, por algum motivo, tentando
afastar a sobriedade da minha mente. Eu não queria ser racional naquele momento.

É o que dizem por aí... existem coisas incontroláveis.

- Por que você me olha assim, Lauren? - Camila perguntou-me, usando um tom doce
e atencioso. Ela parecia intrigada com a minha forma de olhá-la, ou incomodada. -
Acha que há algo de errado em mim?

Por que eu a olhava daquela forma? Por que?!

Franzi o cenho, pensando no quão ridículo era ela pensar que havia algo de errado
com ela e aquele pensamento gerou uma bolsa de ar enorme em meu peito, que
comprimia a minha garganta e tornava ainda mais difícil respirar. Todo o oxigênio do
meu corpo pareceu concentrar-se na minha caixa torácica e estava cada vez mais
difícil pensar com clareza.

- Não! - exclamei, sendo objetiva, para mascarar a minha exasperação.

- Então por que está me olhando assim? - sua expressão ficou séria, mas não havia
rudeza.

Sua cabeça pendeu levemente para o lado enquanto me olhava com curiosidade. Seu
olhar estava me analisando outra vez, estava cavando fundo dentro de mim atrás de
uma resposta. Ela estava me perfurando com o olhar. Ao contrário das outras vezes
que ela me olhara assim, eu não estava apenas curiosa para entender o motivo.
Daquela vez eu estava completamente e infinitamente vulnerável e eu não sei o que
intensificou mais ainda essa vulnerabilidade a ponto de apagar a minha consciência e
deixar-me a mercê dos meus instintos: os olhos dela e seu perfeito delineado que
tornava o olhar dela cortante e profundo ou os lábios dela, expostos, pulsantes,
carnudos e desejáveis.

"Desejáveis?".

O meu cérebro apagou, adormeceu completamente e empurrou toda a


responsabilidade de ação para o meu coração e foi com ele que a respondi.

- Porque...

Desisti de usar as palavras. Deixei meu corpo livre para fazer o que queria e os meus
sentimentos eram imãs tão fortes de atração para ela que antes que eu pudesse
entender, minhas mãos estavam no rosto dela, puxando-a ao encontro da minha
boca, que era tão urgente em senti-la que deixou-se ir. No meio do espaço confuso
das minhas ações, nossos lábios se encontraram em um toque intenso, mas doce, e
as estrelas caíram do céu para o meu estômago e explodiram dentro de mim,
chocando-se umas contra as outras, criando todo um universo novo dentro do meu
corpo. O universo, Camila Cabello.

As minhas mãos tremiam, mas não o suficiente para que eu não notasse
sua pele quente. Meus lábios eram urgentes em sugar os dela, mas não o suficiente
para que eu não sentisse que ela sugava os meus de volta. O meu ar era escasso,
mas não o suficiente para que eu não percebesse que a respiração dela estava em
total descompasso. A maciez de seus lábios consumia os meus desejos. A minha nuca
se comprimia e se expandia, como se expulsasse todos os meus sentimentos
escondidos de uma vez só. Mordi o lábio inferior de Camila e me permiti sentir o
gosto de sua boca... gosto de veneno doce, embriagante e viciante, escorrendo para
dentro de mim.

Não me lembrava de já ter sentido lábios tão deliciosos tocando os meus. Não me
lembrava de já ter sentido tantas sensações com um só beijo, mas ali estava eu,
beijando a minha professora e sentindo tudo o que eu achava que não existia,
sentindo com uma mulher, tudo o que jamais havia sentido no beijo de um homem.

"Eu sou lésbica", o pensamento veio calmo em minha cabeça, apenas o suficiente
para me despertar para a consciência. E foi crescendo, crescendo, crescendo,
crescendo...

"EU SOU LÉSBICA", dessa vez, veio como um grito interno e ensurdecedor. "OH MEU
DEUS, EU SOU LÉSBICA".

Nesse exato instante, as mesmas mãos que seguraram o rosto de Camila para trazê-
la para perto, a afastaram. Eu segurei o rosto dela e com mais dificuldade do que
achei ser possível, afastei o meu rosto do dela.

Os olhos dela se abriram, arregalando-se e eu percebi seu peito esvaziar, soltando


uma respiração pesada. Ela parecia estar em choque.

- Lauren... - falou meu nome com a voz fraca, olhando-me estupefata.

Naquele momento, eu não sabia mais distinguir o que estava sentindo. Haviam tantos
sentimentos correndo desenfreados dentro de mim, que eu mal pude ouvir quando
ela disse o meu nome. Senti-me zonza e explosiva, ao mesmo tempo e, totalmente
incontrolável, abri a porta do carro e corri para fora, sem dizer uma única palavra.
Nem me dei ao trabalho de esperar o elevador, corri em direção às escadas e subi os
seis andares até o meu quarto correndo. Tropecei durante o caminho, esbarrando as
pernas nos degraus, o que provavelmente me renderia alguns roxos, mas as dores
repentinas não acalmavam o pensamento devastador que tomava conta da minha
mente: "EU SOU LÉSBICA".

- Caramba. - Normani falou quase que num sussurro, sentada ao meu lado,
encostada na porta do quarto, depois de me ouvir contar o que havia acontecido. -
Você beijou a professora Cabello. - Ela falou mais para si mesma do que para mim.

Eu ainda tentava acalmar um pouco mais as minhas emoções aturdidas e a minha


respiração descontrolada pela correria desenfreada que eu tinha feito até o sexto
andar. A água que Normani me dera havia ajudado, mas contar à ela o que havia
acontecido não havia contribuído para o meu processo de ficar calma.

- E você está, definitivamente, surtando com isso. - Ela falou, constatando o meu
desespero.

- Estou! - falei, batendo a testa contra o joelho.

- E como foi beijar a professora Cabello? - Normani perguntou, falhando em esconder


a excitação com aquele assunto.

- Como foi?! - Olhei para ela, indignada. - Como foi?!! - repeti a pergunta, destacando
a minha indignação com aquela pergunta dela.
Normani arregalou os olhos, me olhando meio de lado sem entender o meu tom.

- Sim... Como foi? - ela perguntou, como se não entendesse o motivo da minha
indignação.

- Eu cheguei aqui gritando que sou lésbica e você me pergunta como foi?! - Eu
exclamei feito uma louca, como se a resposta para a pergunta dela fosse óbvia. E era.
- Foi maravilhoso, Normani! Foi inebriante, gostoso, muito gostoso e gostoso de novo.
Parecia que eu estava fazendo sexo com os lábios. Eu me senti uma virgem tendo a
melhor primeira vez da história dos virgens. Eu nem sei como explicar o tamanho da
maravilha que foi beijar a boca dela. Eu quase senti um orgasmo labial. - Eu falei,
contraindo os músculos das pernas e dos braços como resposta às lembranças das
sensações que beijar Camila haviam me causado. - Eu nem consigo acreditar no
quanto beijar pode ser tão gos-to-so. Eu nunca mais vou ter um beijo tão bom quanto
esse. - falei, passando as mãos pelos cabelos. - Meu Deus e isso é HORRÍVEL! - falei,
batendo a testa contra o meu joelho outra vez.

- Horrível?! - Foi a vez de Normani perguntar com indignação. - Você


acaba de dizer que deu o melhor beijo da sua vida e isso é horrível? Como isso pode
ser horrível?

Olhei para ela de olhos arregalados, como se ela estivesse me fazendo a pergunta
mais imbecil do mundo. E estava.

- Normani, eu gostei de beijar Camila Cabello, mais do que gostei de fazer sexo com
o cara que eu mais amei na vida. Isso só pode significar que eu sou lésbica! -
Expliquei o óbvio e afundei o rosto entre os joelhos outra vez, pressionando meus
joelhos nas têmporas.

- Ainda não consegui entender por que isso é horrível. - Ela falou, calmamente.

Suspirei. Como ela podia não ter entendido ainda?!

- Isso significa que eu sou lés bi ca. - Falei pausadamente, tentando fazê-la entender.
- E eu, DEFINITIVAMENTE, não posso ser lésbica. Não posso!

- Como assim, não pode, Lauren? - Normani usou um tom mais sério.
- Não podendo! É simples, não existe complicação. Ser lésbica é o meu atestado de
morte prematura. E não, eu não estou exagerando. Se eu for lésbica, eu vou querer
viver uma vida lésbica, vou querer "sair do armário" em algum momento e vai ser
exatamente nesse momento em que a minha mãe vai me matar. - expliquei a lógica
simples de eu não poder ser lésbica.

- Você está sendo "tragimática". - Normani disse, encostando-se na porta.

- Essa palavra não existe. - falei, enfiando as duas mãos por entre os meus cabelos e
depois esfregando o meu próprio rosto.

- Assim como não existe essa parte de você morrer por ser lésbica. - Normani usou a
psicologia dela, mais uma vez. - Você precisa primeiro se entender de verdade. O fato
de estar se sentindo assim pode não significar nada...

A fuzilei com o olhar. É claro que significava alguma coisa. Na verdade, significava
tudo.

- Okay, okay... - ela levantou as mãos em posição de rendição e logo em seguida


abaixou. - É, isso definitivamente significa alguma coisa. - Ela ponderou. - Mas pode
significar somente que você está caidinha por Camila Cabello e não que é lésbica no
sentido geral da coisa, se é que me entende.

Nada disse, apenas afirmei com a cabeça, mesmo não tendo prestado muita atenção
ao que ela falou. Minha cabeça não me permitia absorver muita coisa, tudo saia com
a mesma rapidez que entrava.

- Fora a parte em que você está em pânico por causa da sua mãe, como está se
sentindo com a ideia de ser lésbica? - Normani perguntou, depois de alguns segundos
de silêncio.

Ponderei sobre aquilo, mas não encontrei resposta alguma. A verdade é que nem eu
sabia o que estava sentindo. Era uma mistura de desespero com vergonha.
Desespero por receber um bloco de concreto sobre a minha cabeça com a informação
de que eu era lésbica. Vergonha por ter beijado a minha professora.

Em meio à tempestade de pensamentos que cortavam a minha mente naquele


momento, um dos mais fortes e que mais me comiam viva era: o que será que
Camila estava pensando?
Camila's pov

O oxigênio ainda estava escasso mesmo depois de cinco minutos sozinha no carro.
Lauren havia saído correndo em disparada edifício à dentro, deixando-me com os
lábios dormentes, o coração acelerado, a mente confusa e o pulmão falhando.

"Por que ela me beijou? Por que ela me beijou? Por que ela me beijou? Por que ela
me beijou? Por que ela me beijou? Por que ela me beijou? Por que ela me beijou?", a
pergunta se repetia continuamente na minha cabeça e não parava, ainda que eu
tentasse mudar a direção dos meus pensamentos. "Por que ela me beijou?", não
havia resposta.

Lauren Jauregui sempre havia sido figura intrigante para mim. Do começo
ao fim de si. A primeira vez que a percebi havia sido nos corredores das salas de
pranchetas da Harvard Graduate School of Design, em uma noite de terça feira,
enquanto a garota passeava e olhava com um encantamento absorto e profundo o
que os alunos do último semestre estavam fazendo.

A reconheci da turma de calouros para a qual eu havia dado aula na manhã daquele
dia. Ela passara ao meu lado, enquanto caminhava pelo corredor, mas não havia me
notado, por estar olhando na direção contrária.

Assim que a vi, questionei-me sobre o motivo para uma caloura jovem e realmente
bonita estar carregando livros, no meio dos corredores de Harvard, na sua primeira
noite da universidade. Ela deveria estar nas festas de calouros. Era assim que
funcionava. Não era?

Naquela noite eu percebi o quanto Lauren Jauregui tinha o que eu não conseguia
enxergar dentro da maioria dos outros alunos: uma mistura de sensibilidade e amor
profundo pelo que havia escolhido fazer. Ela sentia os ambientes ao redor de si como
poucas pessoas no mundo eram capazes de fazer. Ela se tornava parte do que lhe
tocava as emoções e isso era raríssimo. O mais intrigante, para mim, foi o fato de ela
não ter absolutamente consciência nenhuma sobre isso. Ela simplesmente era aquilo
e não forçava ou tentava alcançar de alguma forma não natural. Lauren Jauregui
abraçava o mundo com a sua sensibilidade e assim como se tornava parte das coisas,
as coisas tornavam-se partes dela.

Então, naquela noite de terça feira, eu decidi que faria por ela o que haviam feito por
mim. Eu ensinaria Lauren Jauregui a perceber o mundo. A ensinaria a ser o mundo.
Eu não contava com o fato de que ensiná-la seria um processo tão estranhamente
instigante. A presença dela era irritantemente agradável, mesmo quando a garota
mostrava-se irritada com alguma atitude minha que não entendia. Eu me divertia
com seu comportamento afoito e curioso. Era como um diamante belíssimo a ser
lapidado.

Não contava também que fosse desejar a companhia dela depois de ensiná-la a traçar
corretamente as linhas em um sábado de manhã, quando acidentalmente entrei na
sala errada e a vi, empenhada em fazer um trabalho que eu havia designado à ela.
Não contava muito menos com o fato de que ela era lésbica e que acabaria em algum
momento me beijando. Ela, definitivamente, não tinha um estereótipo lésbico, mas
isso não significava nada. Mas de todas as coisas com as quais eu não contava e a
que eu menos poderia supor ou sequer imaginar era que eu gostaria daquele beijo.

A minha mente havia desligado e dado lugar a um tremor exagerado do meu corpo
no exato segundo em que as mãos dela tocaram meu rosto e em seguida, seus lábios
os meus. E depois, antes que qualquer palavra pudesse ser trocada e qualquer
situação pudesse ser esclarecida, Lauren Jauregui, a minha aluna, havia sumido de
dentro do meu carro. E assim eu estava, estática, dentro do meu carro, lidando com
aquele momento repentino quando uma pequena e decisiva frase se destacou na
minha mente: "minha aluna".

Não precisei de mais nenhum segundo de auto entendimento das minhas emoções.
Estiquei-me por cima do banco do carona e fechei a porta que ela havia deixado
aberta.

"Por que ela me beijou?", o pensamento impertinente surgiu novamente na minha


mente, mas eu tratei de dissipa-lo e dei partida no carro rumo à Boston, onde eu
morava.

Lauren's pov

De todas as coisas óbvias que podiam acontecer, a mais óbvia de todas era que eu
faria de tudo para não encontrar Camila Cabello de jeito nenhum, na quinta feira,
quando eu sabia que ela daria aula em Harvard novamente. Portanto, assim que a
aula de Composição de Forma da professora Hadid acabou, eu corri para o meu
quarto no dormitório, fazendo o caminho mais distante possível do The Village, lugar
onde eu sempre almoçava e onde Camila Cabello estaria.
"Ela não está aqui", a mensagem de Normani apareceu na tela do meu
celular poucos minutos depois de eu ter jogado a minha chave em cima da pequena
bancada da cozinha.

Ao invés de sentir alívio, senti uma pontada de angústia no fundo do estômago. Por
que ela não estava no The Village se ela sempre estava lá? Será que não havia ido à
Harvard também ou era só ao The Village que não tinha ido?

No fundo, eu esperava que Normani me dissesse que quando chegou ao restaurante,


Camila havia ido urgentemente até ela e perguntado por mim e quando a ideia foi
destruída, pela mensagem da minha amiga que avisava que minha professora não
estava lá, eu me senti desapontada.

Então, por alguma lógica feminina reversa e incompreensível eu decidi que, por
aquele motivo, eu não iria mais fugir de situações em que pudesse encontrá-la e isso
incluiu ir para Harvard domingo de manhã para uma palestra de Ótica e Percepção
Visual, onde um dos nomes a palestrar para os alunos de mestrado de Harvard era
Camila Cabello.

No início da palestra, entretanto, avisaram que a professora Camila não compareceria


ao evento "por motivos pessoais familiares e inadiáveis". A pessoa mal havia
completado a frase e eu já havia saído do Centro de Convenções de Arquitetura de
Harvard.

Fiz o caminho todo de volta até o dormitório pensando no motivo para Camila Cabello
não ter ido à Harvard participar de uma palestra tão importante na qual ela era uma
das convidadas mais ilustres. No início eu achara que Camila não havia ido ao The
Village para não me encontrar, mas agora que sabia que ela não havia ido à uma
palestra por motivos familiares aparentemente sérios, senti-me, outra vez,
desapontada por não ser o motivo da professora Cabello estar "sumida" das minhas
vistas.

Era exatamente nisso que eu estava pensando enquanto esperava o semáforo abrir,
bem frente do restaurante The Edges, ainda perto da HGSD, quando o BMW 428i
parou no semáforo que acabara de fechar.

Meus pés perderam o chão e eu caminhei para a faixa de pedestres por puro instinto.
Meu pescoço se virou contra a minha vontade e pelo para-brisas do carro, atrás da
forte película, Camila Cabello me encarava, segurando o volante de seu carro com as
duas mãos. Acabei de atravessar a faixa e virei de frente para o carro dela, apenas
para ver o carro preto safira avançar pela rua, até sumir das minhas vistas.

"O que ela estava fazendo ali?", perguntei-me, intrigada.

Voltei para o dormitório e tentei concentrar-me em ler o livro que ela havia passado
como trabalho para a próxima aula, mas a minha mente não conseguia assimilar
nenhuma frase que eu lia. O resto do domingo se resumiu em tentar fazer os meus
trabalhos, mas fracassar terrivelmente porque Camila Cabello não saía da minha
cabeça.

A segunda feira pareceu arrastar-se, como se o tempo estivesse querendo me


torturar. Não houvera um dia em que eu tivesse me sentido mais ansiosa para uma
terça feira do que aquela segunda. Não houvera em toda a minha vida um dia em que
eu tivesse me sentido tão ansiosa assim.

Normani não se surpreendeu quando me viu completamente arrumada quando se


levantou de sua cama. Não se surpreendeu com o fato de eu ter andado mais rápido
que o normal e não se surpreendeu com o fato de que eu não tirava os olhos da porta
da nossa sala.

Às oito horas, em ponto, a porta da sala se abriu e Camila Cabello entrou, usando um
vestido branco de finas litras prestas horizontais, de gola alta e mangas que cobriam
seus braços até o cotovelo. O vestido beijava seu corpo até pouco acima da altura dos
joelhos, chamando a atenção para as curvas proeminentes de seu corpo. Seus
cabelos estavam lisos, mas não tanto quanto da última vez que a vira, o que lhe dava
um ar totalmente natural. Os óculos de grau já estavam no rosto, dando-lhe um
charme estupidamente enlouquecedor.

Ela atravessou a sala, colocou a pasta em cima da mesa, exatamente como de


costume e encostou-se em sua mesa, com as mãos cruzadas na frente de seu corpo.
Esperou que todos da turma se calassem para poder falar.

- Bom dia. Coloquem seu blocos de folhas tamanho A3 em cima de suas mesas. Hoje
vocês aprenderão a fazer croquis. Croquis são os esboços iniciais de um projeto.
Antes de fazerem qualquer coisa de um projeto, vocês farão croquis, ou seja,
colocarão as ideias de vocês em um papel. Temos três horas de aula e vocês tem três
horas para me entregar dez croquis diferentes. É um trabalho avaliativo, portanto,
concentrem-se e terminem, caso queiram passar na minha matéria. - ela concluiu e
dirigiu-se ao quadro, onde escreveu algumas instruções.

Durante todo aquele momento ela não havia olhado para mim uma vez sequer. Nem
de relance. Durante as próximas três horas de aula, ela continuou sem olhar para
mim. Sentou-se na cadeira de sua mesa e focou o olhar na tela de seu computador e
de lá não desviou a atenção por nenhum segundo por exatas três horas, exceto
quando algum aluno ia até a sua mesa tirar alguma dúvida.

Era como se eu não existisse. Era como se eu não estivesse ali, como se os olhos dela
não fossem capazes de me ver. Decidi ir até a mesa dela para tirar uma dúvida que
na realidade eu não tinha.

- Professora... - falei, parando ao lado dela em sua mesa.

Ela desviou o olhar do computador com certa relutância e olhou para mim.

- Sim? Diga. - Falou simplesmente, em um tom aparentemente normal, mas que para
mim era cheio de frieza.

- Como eu faço essa parte aqui? - perguntei, apontando para o papel, algo que ela
sabia que eu sabia como fazer.

- É assim. - Ela pegou a minha lapiseira e fez para mim com simplicidade e rapidez.

- Ah... - Eu falei, sem realmente saber o que dizer.

Eu esperava que ela me desse uma resposta rude, que dissesse que eu já sabia fazer
aquilo, mas ela simplesmente me tratou como tratava todos os outros alunos.

- Mais alguma dúvida? - Perguntou, fria como o ártico.

- Não... - Respondi, pegando a minha lapiseira que ela segurava estendida para mim.

- Ótimo. Volte a fazer, você não tem todo tempo do mundo. - Ela disse simplesmente
e voltou a olhar para o computador, como se eu tivesse desaparecido.

- Certo, professora Cabello. - Eu respondi com tanta frieza quando ela havia usado
comigo.

Ela apenas olhou para mim e deu um sorriso usando apenas os lábios.

Um sorriso frio, gelado. Um sorriso típico de Camila Cabello.


Sophrosyne

Camila's pov

Sophrosyne (n.): um estado de mente saudável caracterizado por auto controle,


moderação e uma profunda consciência do seu verdadeiro eu, que resulta em
verdadeira felicidade.

O quarto estava quase completamente escuro e não fosse pela luz fraca da luminária
de piso, bem ao lado da minha cama, o ambiente estaria um verdadeiro breu e
embora o meu espírito estivesse soturno naqueles últimos dias, eu não gostava do
escuro.

- O que está fazendo no escuro? - a garota entrou no quarto, deixando a porta


aberta, o que fez o quarto ganhar um pouco mais de iluminação e caminhou até mim,
dando-me um beijo na testa. - Está trabalhando em algum novo projeto taciturno,
gótico, ou...? - perguntou, usando um tom levemente sarcástico.

- Só estava pensando. - respondi, dando-lhe um sorriso e apertando-lhe, levemente,


a mão que eu havia segurado assim que ela se aproximou de mim.

- Pensando em que? - perguntou, jogando-se atravessada na cama, bem em cima


dos meus pés.

"Lauren", a voz dentro da minha cabeça gritou.

- Em nada demais. - respondi, retirando meus pés de baixo de suas costas.

- Normalmente você já pensa em coisas demais, meu amor, imagine agora, que você
parou, literalmente, para pensar em alguma coisa. Não duvido que em uma semana
tenhamos um projeto genial saindo dessa cabeça. - ela disse, esticando o corpo
preguiçosamente na cama.

"Um projeto genial", isso definia bem Lauren Jauregui. Talvez ela fosse o meu projeto
mais genial. Será que era errado considerar um ser humano como um projeto? Quer
dizer, eu só queria ajuda-la a ser o que ela queria ser.

- Talvez seja mesmo o meu projeto mais genial. - respondi simplesmente, deixando
que as palavras saíssem da minha boca sem antes realmente pensar sobre elas, mais
como uma ponderação para mim mesma do que como uma resposta para a garota.
- Está mesmo pensando em algum projeto? - ela se virou de lado na cama, ficando de
frente para mim.

- Não exatamente. - disse, tirando os óculos do rosto.

- Odeio quando você fica monossilábica. - a garota bufou e revirou os olhos.

Eu ri e me aproximei dela, deitando com a cabeça na curva de sua cintura.

- Você pergunta demais. - falei, segurando sua mão com carinho.

- E você responde de menos, Camila Cabello. - ela respondeu usando o mesmo tom
que eu e colocou a mão em minha cabeça por onde foi, gradativamente, deslizando
os dedos pelos meus cabelos.

- Respondo o necessário, Sofia Cabello. - falei, mantendo o tom da conversa e Sofia


riu.

Eu não costumava ser tão evasiva em assunto nenhum quando se tratava da minha
irmã, mas a realidade era que naquele assunto específico eu não sabia nem por onde
começar a falar, não sabia sequer o que falar.

- Tá, mas falando sério aqui, o que você tem? - perguntou, usando um tom mais
sério. - Já fazem dias que você está assim...

- Assim como? - perguntei, curiosa para saber que tipo de impressão a minha
bagunça interna causava ao mundo externo.

- Não sei... - ela disse pensativa e ajeitou seu corpo, deitando-se de peito para cima,
de tal forma que minha cabeça foi parar em cima da barriga dela. - Está estranha,
distante, com o pensamento longe. Quer dizer, não que você não esteja sempre com
o pensamento longe, porque normalmente você parece estar com a mente em
saturno, mas ultimamente a sua mente está em plutão.

Eu ri e mordi sua cintura com carinho.

- Não há nada de estranho comigo, só estou mais cansada que o normal. - falei,
usando a justificativa mais óbvia para encerrar o assunto. - Vamos falar de você.
Como foi na escola?

- Ah, foi normal, você sabe, as mesmas pessoas, as mesmas aulas, o mesmo tudo.
Não aguento mais o ensino médio. Não sei como você gostava de ir pra escola. -
minha irmã falou, levantando ligeiramente a cabeça para desprender o rabo de cavalo
em seu cabelo.

- Eu gostava de estudar, é diferente. A escola era indiferente pra mim. - respondi,


concentrando-me em esticar os pés para me livrar da cãibra por ter ficado muito
tempo na mesma posição.

- Ah é, às vezes esqueço que você é um gênio. - Sofia falou em um tom brincalhão.

- Genialidade é uma questão de ponto de vista, Sofi.

- Você tenta ser modesta, mas as coisas que você faz não deixam, Camila. Aceite,
você é um gênio. - ela decretou.

Minha irmã tinha todo o jeito da minha mãe. Em tudo o que falava, em tudo o que
fazia, Sofia me lembrava nossa mãe. Sempre mandona, sempre cheia de razão. Ter
só quinze anos não a impedia de se posicionar diante do mundo e das coisas que
queria e nas quais acreditava.

- Tudo bem, tudo bem. - concordei, apenas para encerrar uma discussão que, por
mais "gênio" que eu fosse, nunca ganharia, porque a satisfação de Sofia era sempre
mais importante do que qualquer coisa para mim.

- Quer comer? Eu estou azul de fome! - minha irmã perguntou, mas já estava me
empurrando de cima de si e levantando da cama.

- Eu já comi, Sofi, não estou com fome. - falei, quase me deitando novamente, mas
ela me segurou pelo braço, fazendo-me ficar sentada na cama.

- Quando eu perguntei se estava com fome, na verdade estava querendo dizer


"vamos pra cozinha comigo, eu não quero ficar sozinha". - ela disse, escancarando
um sorriso mais do que convencido no rosto.

Sorri para ela e sua juventude e concordei com um aceno de cabeça.

- Tudo bem, vamos lá.

Eu mal havia acabado de falar e Sofia estava me puxando quarto a fora, segurando-
me pela mão.

Sofia e eu éramos tão unidas quanto qualquer pai e mãe gostaria que seus filhos
fossem. Ela havia nascido quando eu tinha doze anos e desde o momento em que
meus olhos se encontraram com os dela, no exato instante em que meu pai abriu a
porta do quarto da maternidade, ela se tornou o meu mundo. Meus sentimentos por
ela eram tão intensos e genuínos que com toda facilidade do mundo eu daria a minha
vida por ela.

Quando eu tinha quinze anos e estava fazendo os testes para admissão em Harvard,
perdemos nosso pai em uma tragédia que Sofia jamais tivera conhecimento e desde
então, embora nossa mãe ainda estivesse presente e tentando ser forte em nossas
vidas, eu assumira, ainda que internamente, toda a responsabilidade sobre minha
irmã.

Sofia nunca soubera a realidade sobre a perda de nosso pai, pensava que ele havia
sofrido um acidente de carro, mas a verdade era que...

- Você tem certeza que não quer comer? Eu vou preparar macarrão ao molho de
queijos. - Sofia disse, largando a minha mão assim que entramos na cozinha.

- Que golpe baixo o seu, Sofia Cabello! - Falei, indignada. - Você sabe que venero
massas demais para me dar ao luxo de não comer.

- Você venera COMIDA demais para se dar ao luxo de não comer qualquer coisa,
maninha. - ela falou com um sorriso irônico nos lábios.

Fiz uma careta e sentei-me em um dos bancos de aço escovado que


ficavam à beira da ilha, bem no meio da cozinha.

- Não tem lugar nessa casa que eu ame mais do que essa cozinha! - Sofia falou com
um ar sonhador, enquanto abria os armários de panelas.

- Não tem lugar no mundo que você ame mais do que qualquer cozinha. - Falei,
puxando a fruteira de mesa para perto de mim.

- Essa eu amo mais que todas. Você fez ela pra mim. - respondeu, concentrada em
procurar alguma coisa.
Desde cedo minha irmã soube o que queria ser em sua vida. Nunca havia visto tanta
convicção quanto à profissão em uma menina de cinco anos. "Quero ser cozinheira",
ela dizia enquanto via nossa mãe cozinhando.

O que sempre me chamara atenção no discurso de Sofia e me dava plena certeza de


que aquilo jamais mudaria, era o fato de minha pequena irmã usar o verbo "ser" e
não o verbo "fazer" quando se referia ao rumo que queria seguir profissionalmente.
Foi aí que eu despertei para o fato de que eu deveria "ser" e não simplesmente
"fazer" algo em minha vida. Foi assim que eu me tornei a arquitetura. Foi assim que
"sendo" a arquitetura eu consegui "fazer" a arquitetura.

Aos quinze anos, Sofia ainda queria "ser" cozinheira.

- Você está mais do que certa. - ela falou, com a cabeça quase enfiada dentro de uma
gaveta. - Você viu aquele garfão grandão? - sua voz saiu abafada.

- Um de cabo preto, de três pontas que você comprou em uma loja de antiguidades
quando tinha treze anos? - falei, colocando para fora, instantaneamente, todas as
informações que meu cérebro conseguiu coletar a respeito daquele garfo.

Sofia levantou a cabeça e me encarou com os olhos levemente arregalados.

- Não sei por que ainda fico impressionada com o seu cérebro. - ela falou, divagando.
- Nem eu lembrava que tinha comprado esse garfo aos treze anos. Daqui a pouco
você sabe até o preço. - ela falou, voltando a se abaixar para procurar o garfo.

"Vinte dólares e cinquenta e cinco centavos", a voz surgiu na minha mente com a
lembrança do preço, que Sofia mencionara com excitação quando o comprou, mas eu
tranquei a língua e fiquei calada, olhando para os desenhos aleatórios da bancada de
mármore.

- Seu silêncio me contou que você também lembra o preço! - ela exclamou,
levantando-se e empurrando a gaveta com a perna. - Desisto de procurar. - declarou.

- Meu silêncio estava querendo lhe dizer para procurar na terceira gaveta do armário
ao seu lado esquerdo.

Sofia rapidamente abriu a gaveta que eu havia indicado e me olhou boquiaberta.

- Sério, como você sabia que estava aqui?! - perguntou, retirando o utensílio da
gaveta. - É mais uma dessas coisas de gênio?
- É muito simples. Eu sou arquiteta e tudo nessa casa tem o seu devido lugar, exceto
quando VOCÊ bagunça. Não é mais uma dessas coisas de gênio. - falei, ocultando a
parte em que eu vira Doroteia, a diarista, guardando o garfo ali, meses atrás.

Aos dois anos de idade, eu já sabia ler palavras e eventualmente uma frase ou outra.
Foi assim que me intitularam como "prodígio". Aos quatorze anos, quando eu
desenvolvi uma solução para aumentar a maleabilidade do concreto em um projeto
de ciências da minha escola, me intitularam como "gênio".

Eu não concordava com aqueles rótulos. Eu era uma pessoa normal, meu cérebro era
tão capaz de absorver informações e transformá-las em algo maior quanto o cérebro
de qualquer outro ser humano. Talvez, a única diferença que havia em mim era o fato
de que eu realmente gostava de estudar e não havia nada que eu gostasse de fazer
mais do que isso, mas essa era uma característica que podia ser desenvolvida por
qualquer pessoa. Era uma questão de prática.

Eu queria poder explicar isso aos psicólogos que me rotulavam como


gênio, mas a sua predisposição em separar as pessoas em grupos diferentes era
quase doentia, então, eu desisti. Talvez o meu cérebro também tivesse vindo com
algum tipo de defeito em que as coisas que parecem muito difíceis para a maioria das
pessoas, para mim, eram simples, mas eu não era mais ou menos genial que
ninguém.

Eu via genialidade em quase tudo ao meu redor. Nas pessoas, nem tanto, mas
haviam lá as suas exceções, como Lauren...

Lauren era o tipo de pessoa que, para mim, facilmente se encaixaria nos conceitos de
genialidade que eu considerava como válidos. Seu cérebro e coração eram conectados
às suas células e suas células eram conectadas com o mundo, o que me dava a
constante percepção de que Lauren sempre se encaixava nos ambientes em que
estava.

Ela fazia parte de tudo.

"Desculpe, estou parecendo uma louca, mas... é que... eu queria que as pessoas
vissem a arquitetura em mim, algum dia, como eu vejo em você", a voz de Lauren,
com todos os tons de timidez que ela usou para falar, ecoaram mais uma vez em
minha cabeça, entorpecendo o meu cérebro, pela milionésima vez em dias.
Depois daquela terça feira, não houve um dia em que eu não tivesse,
exaustivamente, pensado nela. Havia passado o resto daquela semana inteira
pensando em todos os detalhes da minha curta convivência com Lauren Jauregui e
quase todas as coisas se encaixavam. Quase.

O seu interesse genuíno pela arquitetura se encaixava na minha decisão de ajuda-la a


ser tão "genial" quanto a pessoa que havia construído o edifício da Havard Graduate
School of Design. A sua forte personalidade que não a deixava desistir ou se entregar
às dificuldades, se encaixava com o fato de eu pressioná-la aos limites de suas
habilidades. A sua entrega bruta à arquitetura se encaixava à minha própria entrega
bruta à arquitetura. O que não se encaixava era o fato de eu me sentir tão
desconsertada com a forma como ela me olhava; o que não se encaixava era o fato
de aquele olhar me agradar; o que não se encaixava era o beijo que ela havia me
dado repentinamente, dentro do meu carro, quando havia ido deixa-la de volta à
Havard, sobretudo, o que menos se encaixava era o fato de aquilo ter me agradado.

Não havia jeito, por mais que eu tentasse não pensar em Lauren Jauregui, ela estava
ali, dentro da minha mente, consumindo toda a minha quietude, consumindo todo o
meu pensamento racional. No início eu havia tentado afastá-la dos meus
pensamentos, mas tudo a respeito dela me arrastava como um mar furioso que não
se cansava de me engolir para o fundo.

- Ela está abalando a minha sophrosyne. - falei, concluindo em voz alta os meus
pensamentos à respeito de Lauren, com o olhar fixo na única maçã da fruteira.

- O que?! - Sofia perguntou, olhando-me por cima do ombro, enquanto carregava


uma panela cheia de água até o fogão.

- Sophrosyne. - repeti a palavra. - o meu estado de mente saudável, o meu auto


controle, a minha modera...

- Camila, eu sou sua irmã! - ela exclamou, me interrompendo e ligando o fogo do


fogão com o acendedor elétrico. O barulhinho me incomodava, então fechei os olhos
rapidamente, tentando me concentrar em outra coisa, para não ouvir. - É claro que
eu sei o que é sophrosyne. Eu quero saber quem é "ela"? - minha jovem irmã
perguntou, intercalando o olhar entre mim e a panela com água, onde despejava um
fio de azeite.

- Lauren Jauregui. - respondi sua pergunta.

"Lauren Jauregui", ouvi em minha cabeça a voz dela dizendo o próprio nome quando
se apresentara para a turma em minha aula. Eu costumava lembrar dos detalhes de
tudo, era uma das coisas sobre ter uma memória perfeita e "genial", mas sobre ela,
eu lembrava até mesmo das falhas roucas de sua voz e aquilo me deixava
embaraçada.

- Ah! Agora sim, explicou tudo. - Sofia respondeu ironicamente.

- Minha aluna. - expliquei novamente.

- Sua aluna? - Sofia pareceu interessar-se ainda mais no tema e pulou em cima da
bancada, sentando-se.

Respirei fundo ao ver a cena.

- Minha aluna. - falei rapidamente. - Eu sei que eu sou a irmã mais velha mais legal
de todo o mundo e que deixo você fazer quase tudo o que quer, mas eu ainda sou a
irmã mais velha, arquiteta, de vinte e sete anos que fica horrorizada com você
pulando numa bancada de mármore. - falei no tom mais calmo possível.

Sofia riu e pulou para fora da bancada, sentando-se em uma cadeira.

- Fiz de propósito, adoro ver sua cara de desespero quando faço algo do tipo.

- Vou adorar cortar sua mesada da próxima vez que fizer isso. - tentei ser
convincente.

Sofia riu outra vez.

- Até parece. - desdenhou de mim e deu aquele sorriso doce de menina enquanto
prendia o cabelo, o que me fez sorrir junto. - Tá, mas agora me conta, por que sua
aluna está abalando a sua sophrosyne?

"Por que Lauren Jauregui estava abalando a minha sophrosyne?", a pergunta ficou
colada na minha mente como um outdoor brilhando, em neon. "Por que?".

- Isso não é assunto pra você. - Desconversei, levantando-me do banco e caminhei


até a geladeira. - Quer que eu ajude você? - perguntei, pegando uma garrafa
pequena de suco de laranja concentrada.

- Não, tudo bem. Eu estou por dentro do quanto você "adoooooora" cozinhar. - Sofia
disse, tamborilando os dedos na bancada.

- Se você tivesse sido um pouco mais irônica, entraria para o livro dos recordes.

Sentei-me outra vez onde estava, tomando um gole do suco enquanto colocava a
tampinha em cima da pedra de mármore.

- Mila, um dia eu vou ser chefe do Deuxave. - minha irmã tentou afirmar, mas sua
frase saiu cheia de insegurança, quase como uma dúvida.

- É claro que você vai, Sofi. - respondi o óbvio.

- Não, mas não por ser sua irmã. Eu não quero ser chefe de lá porque pertence à
você e você pode colocar o chefe que quiser. Eu quero ser chefe de lá por ser
realmente boa.

A observei atentamente enquanto falava. Ela era sempre tão impressionante para
mim. Não se passava um dia sem que eu me encantasse um pouco mais por minha
irmã. Ela tinha uma maturidade precoce, que era reflexo do fato de se espelhar em
mim e desejar agir como eu em muitas partes de sua vida e isso era bom, de certa
forma, porque ela não se permitia influenciar pelas regalias que eventualmente teria
se quisesse ter.

Tomei mais um gole de suco e repousei calmamente a pequena garrafa sobre a


bancada.

- Se eu lhe colocasse em um curso de dois meses com um grande chefe, amanhã e


depois disso lhe desse o cargo de chefe do Deuxave, você aceitaria? - perguntei,
olhando-a firmemente.

Minha irmã me olhou com estranheza, mas ponderou sobre o assunto.

- Um curso de dois meses? E depois o cargo seria meu? - ela perguntou e eu fiz que
sim com a cabeça, analisando-a. - Sim, eu aceitaria, com toda certeza do mundo. -
respondeu, convicta.

- Mas eu não lhe daria o cargo de chefe do Deuxave, mesmo você sendo minha irmã.
- disse-lhe com clareza. - Sabe por que? - ela fez que não com a cabeça. - Porque
você não está preparada e nem estaria preparada com dois meses de curso. Você é
boa Sofia. Você tem o dom, mas precisa desenvolvê-lo, precisa estudar e ser a
melhor no que faz. O cargo de chefe do Deuxave vai ser seu quando você merecê-lo.
- completei, tomando mais um pouco do suco.
Sofia veio até mim repentinamente e me abraçou.

- Você é a melhor irmã do mundo, Mila. Obrigada por cuidar de mim. - ela segurou
meu rosto e beijou minha bochecha com carinho.

Meu coração derreteu-se como sempre acontecia em cada uma das demonstrações
inesperadas de carinho que Sofia me dava. Não eram raras, mas sempre me enchiam
o peito de mais amor do que eu podia suportar. Então, meus olhos enchiam de
lágrimas.

- Ah, pare! Lá vai você chorar outra vez! - Sofia riu, passando a mão pelos meus
olhos.

- Shhhhh. Vá fazer seu macarrão, menina. - falei, dando-lhe um tapa carinhoso no


braço.

- Já vou, já vou. - minha irmã falou, rindo e se afastou de mim, indo de volta para a
beira do fogão. - Ah... e não deixe essa "ela" atrapalhar a sua sophrosyne. - falou,
observando a panela.

"Não deixar?" Eu não me lembrava onde eu havia perdido o controle sobre deixar ou
não deixar Lauren atrapalhar a minha sophrosyne, mas o fato era que eu havia
perdido e não fazia a menor ideia de como encontrar. Fato é que eu não tinha mais
controle sobre as coisas que eu gostaria de pensar ou não, pelo menos não no que
dizia respeito à Lauren Jauregui.

Já era a segunda feira depois do ocorrido no meu carro e tudo o que eu estava
conseguindo fazer era não agir como uma mulher de vinte e sete anos. Não havia ido
ao The Village para o almoço na quinta, mas havia ficado à espreita observando-a não
ir para o restaurante, mas sim para o seu dormitório. Eu queria analisa-la, mas
quanto mais eu me esforçava para compreender tudo o que envolvia ela e aquele
beijo repentino, mais confusa eu ficava e quanto mais confusa eu ficava, menos a
situação me agradava e mais eu pensava sobre aquilo. Eu não suportava não ter
respostas.

Depois do jantar com Sofia, decidi voltar para o meu quarto para decidir o que fazer e
como eu deveria agir em relação ao que havia acontecido e depois de alguns minutos
de considerações, a solução mais correta me pareceu ser: chamar Lauren Jauregui
para conversar e esclarecer as coisas. Eu tinha perguntas e ela tinha as respostas e a
única maneira de eu obtê-las de maneira madura e coerente era perguntando à ela.
Eu tinha aula em sua turma no dia seguinte e estava decidida a tomar o seu tempo
de almoço para termos a conversa que eu gostaria.

No dia seguinte, como me era habitual, entrei na sala às oito horas em ponto. Fingi
que não vi, mas vi, Lauren Jauregui fixar o olhar em mim como se fosse me engolir.
Evitei olhar para ela durante todo o tempo da aula, mas como era sua professora, era
inevitável em alguns momentos e de toda forma, eu precisava instruí-la caso ela
precisasse da minha ajuda para qualquer coisa durante a aula. Não me incomodava
ensinar.

- Professora... - ouvi sua voz ao meu lado e meu corpo reagiu a isso travando.

Eu estava atenta demais ao que estava lendo e não havia percebido ela se
aproximando. Seu cheiro era leve, como se misturasse água e plantas suaves. Cheiro
de mar e verde. Cheiro de cascatas.

"Por que estou prestando atenção ao cheiro dela?", travei a mandíbula quando a
dúvida me ocorreu. "Por que é um cheiro tão agradável?"

- Sim? Diga. - Falei simplesmente, mantendo em mente que a garota era minha
aluna.

- Como eu faço essa parte aqui? - ela me perguntou, apontando para o papel, em
uma pequena parte de seu desenho.

Semicerrei levemente os olhos, intrigada com a pergunta. Era evidente que ela sabia
como fazer aquilo. Era tão simples quanto desenhar a letra A.

"Ela está me provocando?", perguntei-me e senti-me incomodada com a ideia.

- É assim. - peguei a lapiseira de sua mão e fiz, ao invés de explicar-lhe como fazer.

Não havia me sentido a vontade com aquela provocação. Ela sabia que eu sabia que
ela sabia fazer aquela parte do desenho com mais perfeição do que qualquer outro
aluno naquela sala, então, por que ela estava me perguntando aquilo?

- Ah... - ela falou, mas não dei muita atenção, tentando processar a
informação anterior.

- Mais alguma dúvida? - perguntei, olhando-a friamente e estendendo-lhe de volta


sua lapiseira.

- Não... - ela pegou a lapiseira de volta e antes que pudesse falar outra vez, eu falei.

- Ótimo. Volte a fazer, você não tem todo tempo do mundo. - falei, tentando parecer
imparcial.

- Certo, professora Cabello. - a garota respondeu friamente.

"Por que ela estava agindo assim?", perguntei-me mais uma vez.

Olhei para ela e lhe dei o sorriso mais rápido e frio que conseguia, desejando que ela
se afastasse o mais rápido possível da minha mesa.

E de repente, toda a minha mente estava consumida pelos pensamentos a respeito


de Lauren Jauregui outra vez. Eu não conseguia mais me concentrar nos textos que
estava lendo. Tudo o que eu desejava era conversar com a garota e obter "porquês"
para as minhas dúvidas.

Lauren's pov

O resto da aula passou a passos de lesma. Cada vez que eu olhava o meu relógio e
achava que já havia se passado pelo menos meia hora, na realidade, eram só cinco
minutos. Assim, desisti da ideia de esperar a aula acabar e me concentrei em
terminar os croquis que a professora Cabello havia pedido.

A minha concentração fez o tempo passar mais rápido e quando eu menos esperava o
alarme do fim da aula soou e todos começaram a recolher seus materiais e levar seus
croquis até a mesa da professora Cabello.

Eu ainda precisava terminar uma pequena parte do meu último desenho, mas teria
tempo suficiente até que todos os alunos tivessem entregado os seus.

- Eu espero você lá fora, ok? - Normani falou, levantando-se com a bolsa pendurada
no antebraço e segurando os seus croquis.

- Ok, não vou demorar. - falei, voltando a atenção ao meu desenho, vendo de relance
Normani se encaminhar para o final da fila de alunos.
"Só mais um pouco e eu acabo", pensei, enquanto traçava uma das últimas linhas.

- Cara, não dou mais que duas semanas pra professora Cabello tirar sua calcinha com
os olhos. - a voz de Keana soou repentinamente, de muito perto.

Virei o rosto para ela, com os olhos arregalados de tão assustada que eu estava por
sua presença repentina e pelo que ela havia falado.

- Sério, ela está muito na sua. - A garota declarou outra vez. - E pelo jeito que você
está vermelha, está na dela também.

Se eu estava vermelha, naquele momento eu virei a personificação de tudo o que é


vermelho.

- Você me assustou. - me defendi.

- Mas só falei verdades. - Keana disse rindo e se afastou da minha mesa, deixando-
me de olhos arregalados e rosto vermelho.

Revirei os olhos, tentando fazer parecer que não havia nada de verdadeiro no que ela
dizia e embora realmente não houvesse verdade alguma sobre Camila Cabello tirando
minha calcinha com os olhos em duas semanas, não era como se meu corpo não
tivesse reagido à ideia.

Pisquei com força para tentar afastar o pensamento de minha cabeça e terminei os
últimos traços do desenho, à tempo de olhar para a mesa da professora e vê-la
falando em particular com Normani que apenas concordava com a cabeça.

Segui para a fila, sendo a última da sala e acompanhei Normani saindo da sala com o
olhar. Estava impaciente para entregar de uma vez os meus croquis para Camila
Cabello e ir atrás de Normani para saber o que ela havia lhe dito.

Quando chegou a minha vez, Camila focou o olhar no computador outra vez,
mexendo em qualquer coisa que eu não conseguia ver.

- Quero entregar meus croquis. - falei e ela nem me olhou.

Seus olhos desviaram-se para a porta, onde ainda haviam dois alunos do lado de
dentro, conversando. Eu olhei junto e depois olhei novamente para ela.

- A senhora não vai pegar meus croquis? - perguntei, impaciente com o fato de estar
sendo ignorada.
Camila levantou-se e fechou o computador, colocando-o em seguida dentro de sua
pasta preta.

- Professora?! - a chamei, um pouco mais impaciente.

Ela se levantou, pegou os croquis da minha mão e os guardou junto com os dos
outros alunos. Eu estava estática demais para reagir a tanta frieza. Ela nem sequer
olhava mais para mim, era isso?

- Me acompanhe. - ela declarou, tirando a pasta de cima da mesa e dando um passo


à minha frente. Olhou-me por cima do ombro. - Eu acredito que nem preciso explicar
o por que, não é, senhorita Lauren? - disse impassível e caminhou para fora da sala.

Eu estava congelada e nada disse, apenas a segui em total silêncio e com um certo
pavor que eu não sabia de onde havia surgido.

De repente, todo o medo e toda a vontade de fugir que haviam sumido quando eu
considerara que Camila estava fugindo de mim, reapareceram e tudo o que eu queria
era sair correndo dali.

Caminhamos lado a lado, em total silêncio, até o seu carro e dessa vez ela não
precisou me dizer para entrar, simplesmente entrei e cruzei os braços, como uma
resposta inconsciente do meu corpo ao meu desejo de me proteger de fosse lá o que
fosse que estava me causando medo.

Camila nada dizia, apenas dirigia e eu não tinha coragem nem de olhá-la para
analisar o que a sua expressão revelava. Eu estava com medo da conversa que ela
provavelmente queria ter. Eu estava com medo das perguntas que ela iria me fazer e
das respostas que eu teria que dar, porque eu não fazia a menor ideia de como
respondê-la. Já era suficiente ter que lidar com tudo aquilo acontecendo dentro de
mim. Falar com a pessoa que me despertara para todas aquelas confusões estava me
deixando em pânico.

Seguimos caminhos muito diferentes do que eu estava acostumada e Camila parou o


carro no acostamento de uma rua cercada por árvores dos dois lados e sem
movimento algum. Desligou a ignição e virou-se de frente para mim.

- Nós precisamos conversar. - ela declarou e eu concordei com a cabeça sem


conseguir olhá-la. - Você está abalando a minha sophrosyne.

"Hã? O que?!", exclamei mentalmente. "Estou abalando o que?!".


Olhei para ela sem me preocupar em esconder a minha expressão de quem não havia
entendido o que ela havia falado. Levantei a sobrancelha, ao mesmo tempo que as
uni, franzindo a boca.

- O que?! - decidi expressar verbalmente, para deixar mais claro que eu não havia
entendido.

- Você está abalando a minha sophrosyne. Você está abalando o meu estado de
mente saudável, o meu auto controle e a minha moderação.

A minha expressão suavizou-se bem pouco, porque eu ainda estava chocada e


processando o que ela havia acabado de dizer.

- Eu estou abalando o seu estado de mente saudável? - perguntei, repetindo o que


ela havia dito apenas para ter certeza de que havia escutado corretamente.

Um frio na espinha me subiu congelando-me as costas e depois o corpo inteiro bem


no momento em que seus olhos esfomeados grudaram-se aos meus. Meus dentes
trancaram minha mandíbula quando seus olhos tornaram-se mais profundos e
intensos.

"O que está acontecendo com meu corpo?", pensei, ao me dar conta dos meus
músculos se contraindo em resposta ao olhar invasor de Camila.

- Droga. - sua voz soou baixa e fraca. - Você arruinou a minha sophrosyne.

Então, o mundo se calou.


Selcouth

Lauren's pov

Selcouth (adv.) : desconhecido, raro, estranho e maravilhoso.

"O que está acontecendo com meu corpo?", pensei ao me dar conta dos meus
músculos se contraindo em resposta ao olhar invasor de Camila.

- Droga. - sua voz soou baixa e fraca. - Você arruinou a minha sophrosyne.

Então, o mundo se calou.

Sua mão tocou o meu rosto e instantaneamente meus sentidos desligaram-se para o
resto mundo, só funcionavam para ela. Meus olhos só enxergavam Camila, meu
olfato só distinguia seu cheiro, meu tato só sentia seu toque.

"Eu preciso me controlar. Eu não posso ser lésbica. Isso é errado. Eu não posso
ser...", pensei. "Não importa, a mão dela é tão...tão...".

Seus dedos tocaram tão delicadamente meu rosto que em qualquer outra situação, se
fosse qualquer outra pessoa me tocando daquele jeito, eu mal poderia sentir.
Entretanto, o toque de Camila, embora fosse suave, estava-me fazendo tremer.

Seus olhos não desgrudavam-se dos meus e por mais que a minha vontade de
desviar o olhar fosse grande, maior ainda era a minha vontade de olhar eternamente
o seu rosto, seus traços profundos e suaves... seus láb...

- Por que está tremendo? - Ela perguntou, retirando a mão do meu rosto e eu olhei
para baixo imediatamente, cedendo à timidez.

- Eu não sei... - confessei, ouvindo a minha própria voz sair fraca demais e
amaldiçoando-me por isso. - O que quis dizer sobre eu estar abalando a sua
sophro...so.. - fiz uma careta tentando pronunciar a palavra que ela havia dito.

- Sophrosyne. - ela me ajudou.

- Isso, sophrosyne. - repeti, tentando memorizar a pronúncia daquilo.

Camila continuava a me olhar da mesma maneira que me olhara da primeira vez em


que conversamos, nos corredores das salas de pranchetas da HGSD. Parecia querer
me engolir, parecia querer me partir ao meio e mergulhar dentro de mim. E eu
continuava a sentir estrelas se chocando e explodindo no meu peito cada vez que ela
me olhava.

A mulher soltou algo parecido com um suspiro e com o olhar intrigado, como se
discutisse com ela mesma, ainda me olhando, respondeu.

- Eu quis dizer, literalmente, que você está destruindo a minha paz de espírito. - ela
disse em um tom ameno. - Eu tenho perguntas a seu respeito e não consigo
respondê-las. Eu preciso das respostas e só você pode me dar essas respostas.

"Merda!", exclamei mentalmente. "Como eu vou dar à ela respostas que eu ainda não
consegui dar nem para mim mesma?".

Era evidente que eu tinha total consciência de que eu devia respostas para a minha
professora, afinal, eu havia lhe dado um beijo sem mais nem menos e da mesma
forma eu havia desaparecido de seu carro cinco segundos depois. Eu sabia que lhe
devia respostas, mas eu não tinha resposta alguma.

- Eu não sei se... - tentei começar a falar a respeito.

- Por que você me beijou, Lauren? - ela me interrompeu, ignorando totalmente a


minha intenção de falar.

Foi direta. Objetiva. Foi mulher.

A tempestade de pensamentos que vieram à minha cabeça como resposta à pergunta


dela foi tão intensa e tão cheia de fatos que eu não queria aceitar como verdades que
eu travei outra vez. Apertei os dentes com força uns nos outros, tentando dissipar
aquela enxurrada de palavras e frases que eu me recusava a dar como resposta para
ela e principalmente, para mim.

"Lésbica", "Normani! Eu sou lésbica", "boca desejável", "os sentimentos


mais descontrolados que já tive", "porque você é linda", "porque seus olhos são
arrebatadores", "porque sou lésbica", "porque minha boca estava pulsando de
vontade de beijar a sua", "porque eu me sinto atraída por você".

Apertei os dentes com ainda mais força e soltei um suspiro profundo e quase raivoso,
na tentativa de afastar aqueles pensamentos inoportunos.

- Eu não sei... - respondi vagamente.

Eu realmente não sabia... Ou não queria aceitar o que eu sabia.

- Não sabe?! - ela perguntou, exclamando levemente e seu tom que, ainda que
delicado, saiu mais duvidoso do que deveria.

- Não sei. - respondi simplesmente.

Todos os meus pensamentos, de repente, estavam concentrados em querer


desaparecer. Ainda assim, mesmo com todos os meus pavores interiores do
momento, mesmo com o enjoo que se acumulava e crescia no meu estômago,
mesmo com a minha cabeça entorpecida, eu me permiti olhar para Camila outra vez.

Seu olhar continuava fixo em mim, sua expressão era intensa e a sensação de ser
invadida nunca havia sido tão forte. Os pelos escassos dos meus braços se
arrepiaram em reflexo ao frio que subiu rasgando pela minha espinha e eu me senti
levemente zonza. Sua expressão se suavizou e eu desviei outra vez o olhar.

- Lauren... - sua voz soou mais tranquila do que sua expressão dizia que ela estava. -
Não se intimide em me dizer que é lésbica. - ela começou, usando um tom de muita
compreensão. - Isso não vai mudar em nada a minha forma de avaliar você. Eu
respeito a sua opção sexu...

- Eu não sou lésbica! - falei deixando transparecer mais nervosismo do que eu


gostaria.

"Eu sou lésbica sim", o pensamento surgiu na minha cabeça como resposta à mentira
que eu contara não somente para ela, mas para mim própria.

- O que? - ela pareceu confusa e ajeitou-se no banco do carro, sentando-se melhor. -


Como assim? Você não é lésbica? - ela perguntou em um tom bastante inconformado.

"Sou", pensei. "Droga Lauren, você NÃO é lésbica."

- Não. - eu disse, encarando a mão dela que estava apoiada na própria coxa.

A tatuagem em forma de cruz fina não estava coberta por nenhum anel naquele dia e
só naquele momento eu reparara naquilo. Como tudo a respeito dela, a tatuagem se
encaixava perfeitamente em tudo o que ela era, como se sempre tivesse sido parte
de seu corpo, mesmo que fosse uma coisa que eu vira poucas vezes, mesmo que
fosse algo novo para mim. Seus dedos finos tinham curvas sinuosas, sem desníveis.

"Como ela pode ser tão perfeita até em detalhes tão ínfimos?", o pensamento surgiu
involuntariamente, sem controle. "Por que diabos eu não paro de olhar para os
malditos detalhes de perfeição dessa mulher?".

- Então, por que me beijou? - ela perguntou, deixando a cabeça pender levemente
para o lado, como se seu corpo expressasse a interrogação de sua dúvida.

Engoli o nó que se formou em minha garganta, esperando que se aquele nó fosse


engolido, respostas coerentes para a pergunta de Camila surgiriam, mas tudo o que
aconteceu foi: nada.

- Eu não sei... - suspirei. - Eu agi por impulso. Estávamos tendo todo aquele
momento durante a tarde e, eu não sei pra você, mas aquilo foi bastante intenso pra
mim e eu não sei... - eu estava formulando uma resposta convincente, que de certa
forma fazia sentido e tinha pontos de verdade, mas que ao mesmo tempo não era a
verdade completa. Eu estava adaptando a verdade. - Eu meio que me deixei levar.
Foi impulso. Como eu disse, eu vejo a arquitetura em você e eu estava tão
preenchida de amor pela arquitetura naquele momento que acabei... "colocando pra
fora" - fiz aspas com os dedos. - em você.

- "Colocando pra fora" em mim? - ela fez aspas com os dedos também.

- É... - eu respondi vagamente.

Não era como se aquilo não fosse parte da verdade. Eu a havia beijado em partes
porque a admirava, então eu não estava sendo totalmente desonesta.

Ela se manteve calada por alguns instantes, sem nunca tirar os olhos de mim e ao
mesmo tempo em que eu me sentia intimidada pela constância de seu olhar, eu
gostava que o seu foco fosse eu. Porque quando Camila me olhava, parecia que só eu
existia no mundo.

- Por que sua boca diz uma coisa e seus olhos dizem outra? - ela perguntou, de
repente.

Seu tom era sempre ameno e curioso. Meus sentimentos eram sempre nervosos e
descompensados.

- Meus olhos não estão dizendo nada. - falei repentinamente, pensando que minha
rapidez em responder fosse motivo suficiente para convencê-la de que meus olhos
diziam a mesma coisa que minha boca.

Ela me analisou outra vez e eu virei-me de frente para o para-brisa do carro,


sentando-me corretamente no banco do passageiro.

- Tudo bem... - ela disse, mantendo-se na mesma posição. - Se esta é a sua resposta
eu a aceito e a entendo. Não preciso me preocupar quanto a acontecer novamente,
correto?

"Precisa!".

- Não. - eu disse para ela e para a minha cabeça.

- Você é uma boa aluna, Lauren. Eu gosto de ensinar você. Fui sincera quanto ao que
lhe disse na ponte. Não é atoa que tenho lhe dado certa atenção no que diz respeito
às suas habilidades de desenho e de percepção do mundo ao seu redor. - ela falou,
tocando o meu rosto, fazendo-me virar de frente para ela. - O que aconteceu na terça
feira passada, eu entendo. - seu olhar estava fixo no meu, carregado de compreensão
e amabilidade e eu a agradeci por estar agindo daquela forma. - Não pense que estou
chateada com você. Eu estava intrigada. - ela falou, tirando a mão do meu rosto. -
Tudo bem?

Eu fiz que sim com a cabeça, olhando para ela.

Ao mesmo tempo em que sentia alívio pela maneira delicada que ela escolhera para
lidar com a situação eu me sentia angustiada por ela não ter percebido que...

- Bom, então agora eu vou lhe devolver à Harvard. - ela disse, dando-me um sorriso
agradável e sentando-se corretamente.

- Eu tenho uma pergunta. - falei, tentando manter o clima tranquilo que estava
começando a surgir, mesmo que por dentro eu estivesse no meio de um terremoto.

- Faça. - ela disse, ligando o carro e ajeitando-se para sentar-se melhor no banco.

- Por que você disse que eu destruí a sua Sophrosyne? - perguntei.

- Já lhe disse... - ela falou, dando a partida no carro, pegando de volta o caminho
para Harvard. - Por que eu queria respostas e não conseguia encontrá-las sozinha.
Estava perturbando a minha...

- Não, não. - a interrompi. - Você disse que eu destruí a sua paz de espírito. -
destaquei a palavra para que ela entendesse. - Por que?

Ela virou ligeiramente a cabeça de lado para me olhar e semicerrou os olhos


levemente, arrastando depois um lábio no outro, em seguida dando-me um sorriso
curto e envenenante.

O efeito do veneno daquele sorriso foi a paralisia imediata do meu pulmão. A


dificuldade de respirar foi tanta que eu não tive alternativa a não ser respirar fundo.
O sorriso dela aumentou ligeiramente e ela voltou a olhar para a rua.

- A resposta para essa pergunta é a mesma resposta para a pergunta que lhe fiz. -
ela disse, intercalando o olhar entre mim e a rua.

- Qual pergunta? - a indaguei. Ela havia me feito mais de uma pergunta, afinal.

- "Por que você me beijou?". - ela respondeu.

- Então a sua resposta é "Eu não sei?". - perguntei, usando as mesmas palavras que
eu havia usado para respondê-la.

Ela me olhou de lado novamente e seu sorriso envenenante voltou aos lábios. Voltou
a olhar para frente.

- Não a resposta que você me deu com a boca, Lauren. A resposta que você me deu
com os olhos. - ela falou, com o olhar fixo na rua.

Então, um sopro gelado se espalhou pelo meu corpo, congelando meus sentidos e
minha razão.

As horas começaram a passar lentas depois daquela tarde com Camila. Eu queria que
a quinta feira chegasse logo, para vê-la no restaurante, mas o tempo se arrastava,
como se quisesse testar a minha resistência. Eu não tinha motivo nenhum para
querer vê-la, senão, simplesmente vê-la. As coisas não estavam mais em uma ordem
de conexão lógica na minha cabeça.
Eu queria ver Camila e só.

Os meus desesperos pessoais foram sendo empurrados para dentro de qualquer


canto escondido dentro de mim. Eu não estava mais consumida pelo medo de pensar
em mim mesma como lésbica. O medo ainda existia, mas foi como se tivesse
percebido que não era o seu momento para entrar em cena e se retirou, dando
espaço para Camila que àquela altura, dominava os meus pensamentos ainda mais do
que antes, se é que isso era possível.

Camila dominava-me a mente furiosamente. Não havia um espaço dos meus


pensamentos que não estivesse sendo impiedosamente ocupado por ela.

Eu estava eufórica pela quinta feira, quando eu, finalmente, poderia vê-la outra vez.

- Você está parecendo nervosa, Lauren. - Normani falou, escovando os dentes,


encostada na porta do banheiro, olhando para mim. - Por que está assim?

Eu havia contado para Normani quase tudo o que havia acontecido na terça feira,
quando Camila havia me levado para conversar. Eu omiti a parte em que ela disse
que eu havia destruído a paz de espírito dela pelo mesmo motivo pelo qual eu a havia
beijado. Omiti, não porque eu não confiava em Normani, mas porque eu não sabia
como interpretar aquela informação, principalmente quando ela estava me fazendo
sentir coisas tão descontroladas.

- Não estou nervosa. - falei, colocando alguns livros dentro da mochila. - Só estou...

Normani estava segurando a escova de dentes quase pendurada em sua boca,


olhando-me com uma expressão de tédio total. Ela nem precisou dizer "pare de
mentir", eu li em seu rosto.

Suspirei e sentei-me pesadamente na cama.

- É que hoje é quinta feira... - falei, deixando no ar, tendo certeza que Normani
facilmente entenderia.

Joguei-me de costas na cama, vendo de reflexo quando Normani voltou para dentro
do banheiro sem falar nada. Fechei os olhos e tentei dar um pouco de calma à minha
mente, mas de nada adiantou. A minha agonia era tanta que meus olhos estavam
pesados. Tentei concentrar meus pensamentos no barulho da água da torneira, mas
tudo o que eu pensava, vinha acompanhado do nome dela.

"Água da torneira... Os olhos da Camila são lindos.", "Aula da professora Hadid... Não
vejo a hora de ter aula com a Camila.", "Vou comer pão com geléia... Camila tem a
voz tão bonita.".

Tudo levava os meus pensamentos à ela e eu estava enlouquecendo, mas


curiosamente, eu não queria parar.

Era estranho... Estar enlouquecendo e gostar disso.

- Laur... - Normani falou, sentando-se ao meu lado na cama e eu abri os olhos, vendo
sua silhueta bem perto de mim. - Você está assim por causa da professora Cabello?
Vocês já não conversaram? - ela perguntou, usando o mesmo tom carinhoso e
atencioso de sempre.

Inspirei profundamente e soltei o ar da mesma forma. Apertei os olhos e


impulsionei meu corpo para cima, sentando-me ao lado de Normani.

- Conversamos, Mani. - falei, olhando para as minhas mãos, meio caídas entre
minhas coxas. - Mas não é como se a minha explicação pra ela fosse verdade... Você
sabe... Eu... - mordi o lábio inferior, sentindo-me envergonhada em repetir aquilo.
Era mais fácil falar dos meus sentimentos quando eu não estava "calma". - Eu não a
beijei por causa do momento... Não foi só por isso. Eu a beijei porque senti vontade.
Meu corpo estava todo na minha boca e a minha boca estava desejando ela. - falei,
ainda que com dificuldade.

- Mas o que está deixando você assim? Por que está tão ansiosa? - Ela perguntou,
ainda sem entender.

- É que eu quero ver ela. - respondi, sem pensar.

- Pra que? - Normani levantou uma das sobrancelhas. - Vai falar alguma coisa para
ela?

- Não... - olhei para baixo outra vez. - Eu só quero vê-la mesmo. - confessei,
baixinho.

- Tipo, só ver por ver?

- É... - confirmei, usando o mesmo tom.


- Caramba, Lauren... - Normani falou, ponderando algo mentalmente.

- O que? O que foi? - perguntei, olhando-a e arregalando brevemente os olhos.

- Você está apaixonada pela professora Camila. - ela declarou.

- É CLARO QUE NÃO! - exclamei, sentindo um sopro fortíssimo no meu estômago e


levantei da cama em um pulo. - É claro que eu não estou apaixonada por ela! -
repeti, mais para mim mesma do que para Normani. - Você está interpretando as
coisas de forma errada.

- Calma, Laur... - Normani tentou falar, mas de nada adiantou.

- Uma coisa é eu descobrir que gosto de beijar mulheres ou que eu gostei muito mais
de beijar a professora Cabello do que de beijar qualquer outro homem e que por isso
eu, provavelmente sou lésbica e estou perdida na vida, outra coisa SOU EU ESTAR
APAIXONADA PELA MINHA PROFESSORA. - exclamei, quase gritando, alterando
bastante o tom de voz para concluir a fala.

Eu estava andando de um lado para o outro, sentindo-me consternada com a


suposição de Normani.

A minha amiga se levantou calmamente da cama e segurou nos meus dois braços,
fazendo-me parar de andar feito uma louca. Eu a olhava com certo desespero,
tentando encontrar qualquer tipo de porto seguro em seu olhar, qualquer coisa que
acalmasse aquele turbilhão dentro de mim.

- Respire fundo, Laur. Você precisa se calmar, garota. - Normani falou, encarando-me
firmemente, passando-me toda confiança que existia dentro de si. - Não adianta
surtar. Não tem por que surtar. Eu só fiz uma suposição, tudo bem? Respire e se
acalme...

Ela começou a respirar fundo e a soltar lentamente e eu a imitei, esperando,


sinceramente que aquilo desse certo. Eu não ousava desviar os olhos dos dela e
tampouco ela desviava os olhos dos meus.

Ficamos repetindo aquilo por alguns minutos, até que eu estivesse suficiente calma
para conversar sem ter um surto outra vez.

- Está melhor? - Normani perguntou, deslizando as duas mãos pelos meus braços.

- Sim...
- Laur... toda essa situação com a professora Cabello está fazendo você pirar. -
Normani falou, puxando-me delicadamente pelo braço, para sentarmos na cama
novamente. - Eu sei que você não gosta de falar sobre isso e que não gosta nem de
pensar sobre isso, mas o fato é que você precisa arranjar um meio de descobrir,
organizar ou sei lá... fazer qualquer coisa para entender o que está acontecendo com
você em relação à professora e em relação a você mesma.

- Eu sei, eu sei... - concordei, movimentando a cabeça em afirmação. - É


só que... eu não sei como fazer isso, Normani. Eu não sei como acalmar as coisas
dentro de mim. Não sei organizar o que eu estou sentindo, entende?
- Você nem precisava ter dito, isso está estampado na sua testa.
- O que eu faço? Como eu faço pra isso parar? - perguntei, quase suplicando por uma
resposta que me ajudasse.
- A questão é: você quer que isso pare, Lauren? - ela perguntou, segurando as
minhas duas mãos, olhando-me com atenção. - Porque, sinceramente, pra mim não
parece que você quer que isso pare. Você fica fugindo das coisas com as quais precisa
lidar, só pra ficar pensando exaustivamente na professora Cabello. Você não se
permite pensar sobre tudo isso com clareza. Você está afastando seus pensamentos e
deixando só o que você não consegue controlar, que é justamente: Camila Cabello.
- E o que você sugere que eu faça? - perguntei, deixando o peso dos meus ombros se
refletirem nas costas, curvando-me ligeiramente para frente.
- Enfrente você mesma, Lauren. Pare de fugir. - Ela decretou e levantou-se da cama.
- É o que você deve fazer. E agora vamos! - ela disse, puxando-me pela mão. -
Temos que ir pra aula da professora Hadid e você sabe que ela "não tolera atrasos". -
Normani disse, imitando o sotaque israelense da professora.
Eu ri.
- Você me faz recuperar o senso de humor nos momentos mais grotescos. - Eu disse,
levantando-me e pegando a minha mochila.
- Você me faz ter senso de humor sempre, sua perdedora. - ela disse, puxando-me
para um abraço. - Tente organizar esses sentimentos. Você é boa demais para sofrer
por algo só porque não tem coragem de pensar sobre isso.
A apertei em meus braços, agradecendo mentalmente por ter conhecido Normani em
um momento tão propício.
- Obrigada por estar aqui, Mani. - eu disse, apertando-a um pouco mais.
Ela beijou-me a bochecha e se afastou, segurando os meus braços outra vez.
- Não agradeça. Não estou lhe fazendo um favor. Amizade se trata de reciprocidade e
você me dá tanto quanto lhe dou.
Concordei com a cabeça e depois ri.
- Você anda mais filósofa que o normal.
A garota negra ajeitou charmosamente os óculos no rosto, jogou o cabelo por cima do
ombro.
- Faz parte do meu charme, você sabe.
Eu ri outra vez.
- E o que, nesse mundo, não faz parte do seu charme? - perguntei, abrindo a porta
do quarto.
- Nada. - ela disse rindo.
Era a pura verdade, tudo no mundo fazia parte do charme de Normani Kordei.
A aula da professora Hadid sempre começava às oito horas em ponto e não foi
diferente naquela quinta feira. A mulher de expressões pesadas, traços fortemente
judeus no rosto, vestida cheia de adornos que, embora combinassem, eram pesados
para os olhos, entrou pela sala trazendo toda a sua imponência e arrogância.
- Bom dia, turma. - ela disse. O sotaque israelense estava mais pesado do que em
todos os outros dias.
Colocou a bolsa que parecia extremamente pesada em cima da cadeira e foi para o
quadro. A turma ficou em silêncio total, enquanto esperava pela professora. A mulher
retirou o tablet da bolsa e o conectou ao cabo de projeção. Alguns segundos depois,
a imagem da tela inicial de seu tablet estava sendo reproduzida na tela de projeção
da sala. Ela colocou o aparelho em cima da mesa e voltou-se para a turma.
- Hoje vamos falar de uma arquiteta muito conhecida de todos nós. - Ela pigarreou,
denunciando que havia fumado antes de entrar na sala. - Para mim, é um orgulho
falar desta arquiteta, porque, talvez vocês não saibam, mas ela foi minha aluna aqui
em Harvard. - ela falou e encostou-se na mesa. - Não que eu seja velha, longe
disso... Ela que é nova demais. - falou em um tom zombeteiro e todos na classe
riram. - Hoje vamos estudar as obras de... - ela passou o dedo pelo tablet, revelando
uma fotografia. - Camila Cabello.
Ouvir o nome dela me deixou em alerta total. Senti tanta excitação com o tema da
aula que meu coração disparou.
- Ela tem vinte e sete anos, nasceu em Boston e faz uma das arquiteturas mais
instigantes da atualidade. Acreditem vocês ou não, Camila Cabello é a mais jovem
arquiteta a ganhar o prêmio Pritzker.
Todos da sala arregalaram os olhos com a informação. O prêmio pritzker era como o
Nobel da arquitetura!
A professora Hadid soltou uma risada ao ver nossas expressões.
- Eu sei, estão assustados não é? - ela falou, olhando o tablet. - Mas acreditem, o
prêmio dela foi um dos mais merecidos de todos os que já foram dados. Camila
ganhou o prêmio por esse obra... - ela passou o dedo pelo aparelho, revelando uma
nova imagem. - O Walt Disney Concert Hall.
O edifício era... era... estupendo! Não se parecia com nada que eu já tivesse visto
antes. Desafiava o cérebro a encontrar um forma que lembrasse aquilo, mas,
definitivamente, não se parecia com nada. Era uma forma inusitada e bela. Era
magnífico.
Meu coração virou um balão de ar, tal foi o tamanho da minha exasperação com a
arquitetura daquele lugar. Era belo e parecia dialogar com o céu. Era perfeito.
Causava-me exatamente as mesmas sensações que Camila Cabello me causava.
O Walt Disney Concert Hall causava-me exatamente as mesmas sensações que
Camila Cabello me causava.
- Ela é genial... - Keana falou em voz alta, ao meu lado, olhando tão fixamente para a
tela que estava a ponto de babar.
- Sim, senhorita Keana. Ela é genial. Camila Cabello revolucionou a arquitetura do
século vinte de um. Vocês tem sorte por serem alunos dela. Desfrutem o máximo que
puderem. - ela falou e em seguida, passou novamente o dedo pelo tablet, revelando
agora uma imagem do edifício da Harvard Graduate School of Design, o edifício onde
estávamos naquele exato momento. - O lugar onde vocês estão agora, também foi
projetado por Camila Cabello, então, se vocês apreciam qualquer coisa aqui, os
créditos são dela. - ela disse, e depois continuou mostrando e analisando muitas
obras já construídas pela professora Cabello.
Eu sabia que Camila era impressionante, sabia que ela conseguia fazer coisas
brilhantes, mas estava tão absorta nos sentimentos confusos que ela me causava que
nunca parara realmente para procurar a respeito de sua vida e obras. Ela havia
construído aquele edifício. Ela havia construído o lugar que me causara tantas
impressões reconfortantes de uma vez só.
"Camila Cabello é a mulher mais impressionante que existe.", o pensamento surgiu
em minha cabeça e eu sorri sozinha para a imensidão do significado de ela ser
impressionante. "Sim... Camila Cabello é impressionante e eu a quero para mim.".
Occhiolism

Lauren's pov

Occhiolism (n.) : a consciência da pequenez da sua perspectiva.

Eu sempre achei que a parte mais difícil da vida fosse "crescer", ter responsabilidades
adultas e priorizá-las. Entretanto, um mês em Harvard havia cravado na minha
essência, uma placa de letras gigantes com a revelação de que a parte mais difícil da
vida é aceitar a si mesmo.

Uma das fases mais difíceis do processo de ser um ser humano é aquela onde você
tem que se aceitar. Magro, alto, gordo, baixo, infantil, maduro, mentiroso, sincero
demais, insuportável, escrachado, "maria vai com as outras", inteligente, não tão
inteligente assim, preguiçoso, não comprometido, comprometido demais, fofoqueiro,
omisso, "furão", atrasado, "certinho", desleixado, filhinha de papai, não gosta de
academia, "come mais do que deveria", medroso, gay, "bicha pão com ovo", "mulher
macho", lésbica.

As coisas sempre haviam sido muito fáceis, muito claras, para mim. Eu era Lauren
Jauregui, fruto da união de um empresário bem sucedido com uma filha de pastor. Eu
ia à igreja todos os domingos, ia à uma boa escola, tinha "paixonites" pelo capitão do
time de futebol, estudava (porque gostava) e estava tudo muito confortável para
mim. Eu não tinha consciência alguma dessa parte complicada da vida. Chegou para
mim como uma bala perdida, um terremoto sem aviso, uma erupção espontânea, um
telão gigantesco de led no meio da quinta avenida, estampando a notícia: "Lauren
Jauregui, você é lésbica", acompanhada de explicações para tudo o que eu ainda não
entendia em mim.

Era como se eu estivesse sendo jogada na minha própria cara, com força; como se
houvesse um outro lado de mim despertando apenas naquele momento e estivesse
gritando com a boca colada no meu ouvido: "é isso o que você é, está na hora de
viver de verdade". Então era de se esperar que nesse ponto específico eu estivesse
entrando em estado de pânico. Era de se esperar que, como todo mundo faz, eu
tenha tentado fugir.

O magro tenta engordar porque todo mundo diz que ele está magro demais. O gordo
diz que vive de dieta porque todo mundo diz que ele come demais. O baixo dá
desculpas hormonais para sua estatura, o alto faz o mesmo. O infantil tenta ser
maduro, o maduro esconde sua maturidade pra não ser taxado como chato. O
preguiçoso finge que não é preguiçoso, porque estamos na "geração saúde" e a moda
é a disposição. O filho desleixado finge ser aplicado, mas na verdade odeia estudar. O
gay, tenta não ser gay. A lésbica tenta não ser lésbica. E no final, tá todo mundo
tentando ser exatamente quem não é. E eu, por um momento, afundei-me em negar
o que brilhou instantaneamente como verdade dentro de mim, desde a primeira vez
em que o assunto havia surgido na minha mente: eu era lésbica.

"Tá, e agora? O que eu faço?", perguntei-me mentalmente, mexendo as pontas dos


dedos entre a testa e o cabelo, enquanto estava de cabeça baixa, olhando para o livro
sobre a mesa, mas sem realmente ler sequer uma vírgula do que estava escrito ali.

O clima em Cambridge começara a esfriar mais do que as roupas de outono


costumavam suportar e o aquecedor daquela biblioteca, com certeza, não estava
ligado, ou eu estava com algum desequilíbrio na minha temperatura corporal. O dia
estava nublado, o que, brilhantemente, combinava com a iluminação da biblioteca,
criando uma sensação tão forte de aconchego que, ainda que estivesse frio, eu não
sentia a mínima vontade de sair dali. Camila havia sido absolutamente brilhante na
construção daquele edifício, até mesmo em detalhes como aquele, que usualmente
passavam desapercebidos da atenção da maioria dos arquitetos.

"Mas para ela, nada passa desapercebido", pensei, dando um sorriso para as letras do
livro aberto abaixo de mim.

- Normani... - falei em voz baixa, levantando o olhar do livro.

Antes de me olhar, Normani terminou uma anotação rapidamente e colocou a


lapiseira em cima da mesa de madeira da biblioteca da HGSD.

Naquela quinta feira, havíamos decidido ir para a biblioteca antes de irmos ao The
Village, para adiantar alguns trabalhos, já que a professora Hadid havia acabado a
aula quase duas horas antes do tempo correto, depois de receber uma ligação
inesperada.

Normani usou o tempo para estudar. Eu usei o tempo para "tentar


estu.pensar.em.camila". Não era como se eu não me sentisse intimamente culpada
por não estar dando atenção a um trabalho importante da faculdade, mas também
não era como se minha mente estivesse permitindo que qualquer outro pensamento
fosse tão agradável quanto ela.

"Como uma coisa pode ser tão incrivelmente boa e perturbadora ao mesmo tempo?",
pensei, observando Normani largar a lapiseira em cima da mesa.

- Oi? - Normani perguntou, olhando-me através dos óculos modelo gatinho, relutando
em tirar os olhos no livro, mas cedendo em seguida.

- Eu não consigo parar de pensar nela... - admiti, desviando o olhar para baixo e
mordendo o interior da minha boca.

Admitir aquela verdade era como se eu estivesse libertando de uma jaula o monstro
que tinha o poder de me engolir inteira. Ainda assim, eu não tinha mais forças para
lidar com aquele assunto sozinha. Eu me sentia fraca. Meus sentimentos eram tão
fortes que estavam consumindo as minhas forças físicas.

"É exaustivo ficar fugindo de mim mesma.", pensei, considerando que aquilo poderia
confortar-me do incômodo de falar abertamente sobre o assunto.

- Olhe para mim, Lauren. - Normani disse, tirando os óculos do rosto.

A olhei e ao mesmo tempo, Normani empurrou para o lado o livro que eu "lia" e
segurou as minhas mãos, olhando-me fixamente.

- Repita o que disse. - Ela falou, passando os polegares pelos meus dedos,
carinhosamente.

- Eu não consigo parar de pensar nela. - repeti, desviando mais uma vez o olhar para
baixo.

- Lauren... - Normani apertou os meus dedos, o que me fez olhá-la. - Você não
precisa desviar o olhar do meu para dizer isso. Olhe nos meus olhos. - ela realçou o
olhar que se prendia ao meu em confiança. - Não há nada de errado em você estar
pensando nela. - ela, como sempre fazia quando falávamos naquele assunto, não
desviava os olhos dos meus por nenhum segundo. - Não há nada vergonhoso nisso. -
ela sorriu com certo humor, como se risse de algo que acabara de pensar. - E, de
qualquer forma, não é como se eu já não soubesse disso. - seu sorriso se abriu mais
ainda.

Era incrível a capacidade que Normani tinha de tornar puro e leve tudo o que era
rarefeito e pesado. Sua maneira de reagir às situações me dava tal sentimento de
conforto que seus sorrisos, que sempre finalizavam suas palavras doces, eram como
o êxtase de uma droga que me curava.

A encarei por algum tempo, sentindo-me grata por ela, antes de respondê-la. Sorri,
porque Normani se tratava de sorrisos.

- É só que...eu não sei o que fazer. Sabe? - falei, olhando-a nos olhos. - Quer dizer,
eu não sei se sou lésbica, não sei se não sou, mas tenho quase certeza que sou. - uni
as sobrancelhas, fazendo uma careta e quase soltando a respiração pesadamente de
tanta frustração por não saber como expressar-me.

- Lauren, Lauren. - Normani apertou minhas mãos, interrompendo-me. - A questão


aqui não é a sua sexualidade. Ninguém é uma coisa só nessa vida. A questão aqui são
os seus sentimentos pela professora Cami...

- SHHHHHH. - exclamei, colocando a mão na boca dela e quase me jogando por cima
da mesa. - Você está maluca? - sussurrei em completa exasperação. - Não fale o
nome dela, pelo amor de Deus. As pessoas escutam demais.

Normani arregalou os olhos e levantou as mãos em posição de rendição. Eu tirei a


mão de sua boca e respirei profundamente.

- Enfim, a questão não é a sua sexualidade, Lauren. A questão são os seus


sentimentos por ela. - ela disse, sentando-se melhor na cadeira. - Não interessa por
"quem" você sente. Importa "o que" você sente. - Normani declarou.

"Não importa por 'quem' você sente. Importa 'o que' você sente.", repeti
mentalmente, preocupando-me em deixar o que minha amiga havia dito em destaque
para mim mesma.

- Tá, mas o que eu faço com isso? - perguntei, sentindo-me inquieta e frustrada. - O
que eu faço com o fato de um poder descrever o cheiro dela com perfeição, mesmo
eu nem tendo notado que havia prestado tanta atenção assim ao cheiro dela? O que
eu faço com o fato de que toda vez que eu a vejo, acontece uma explosão nuclear no
meio peito. Sinceramente, meus joelhos até ficam fracos! - exclamei, sentindo leves
reflexos daqueles sentimentos a partir das lembranças deles próprios. - O que eu faço
com o pulso dela que fica se movimentando em câmera lenta na minha mente, toda
vez que eu fecho os olhos. E repete, repete, repete. Eu até sei das marcas do dedo
dela, se você quer saber. - Todas as palavras saíam de mim como o jato mais forte
de uma mangueira impulsionada à bomba. Meu pulmão parecia ter diminuído de
tamanho e eu tinha dificuldades em respirar. - O que eu faço com o maldito fato de
que toda vez que eu falo dela eu fico parecendo uma asmática em crise?! - joguei-me
para trás, encostando-me pesadamente na cadeira. Tudo aquilo estava me deixando
exausta.

Normani manteve-se calada por alguns instantes, fitando-me com atenção. Pela
milionésima vez em semanas, eu suspirei, sentindo-me entrar em combustão, como
se cada suspiro fosse um aviso da explosão atômica que estava por mim de dentro de
mim.

- O que as pessoas fazem quando estão apaixonadas. - Normani disse, como se fosse
a coisa mais natural do mundo. - É o que tem que fazer.

- Quem está apaixonada aqui? - a voz de Drew surgiu atrás de mim e o susto foi tão
grande que dei um salto na cadeira e meu rosto provavelmente havia perdido todo o
sangue.

Enchi os pulmões de ar e soltei devagar, para que ele não percebesse minha
inquietação. Falhei.

- iiii, nem precisa dizer... - Drew disse, sorrindo com aqueles enormes dentes
desconfortavelmente brancos e sentando-se ao meu lado. - sua expressão denunciou
tudo, pequena Jauregui. - completou, colocando a mochila bege na cadeira ao lado.

Drew costumava ser bonito e charmoso, mas naquele dia, ele estava particularmente
atraente. Usava calças chino azul marinho, camisa xadrez branca e azul, e tênis
listrados brancos. O olhei por algum tempo, achando-o 100% bonito e charmoso e
sentindo 0% de atração.

"Se Drew não é atraente, quem nesse mundo é?", pensei, zombando de mim mesma
e imediatamente a resposta me foi gritada mentalmente. "CAMILA".

- Não tem ninguém apaixonada aqui, Chadwick. - falei, tentando soar natural. - Você
está ouvindo demais. Deve ser a idade, está velho, sabe como é... - falei em um tom
brincalhão, tentando desviar o assunto.

- Ah, qual é?! Não precisa ficar com vergonha. Eu ajudo. - Drew fez uma expressão
de quem podia fazer qualquer coisa que quisesse, colocando as mãos na nuca para
apoiar a cabeça. - Quem é o sortudo que levou o coração da garota mais difícil de
Harvard?

- Acho que dessa vez você não pode ajudar, Drew. - Normani falou, dando o mesmo
olhar apaixonado de sempre para garoto.

- Ué, por que? - Drew exclamou, provavelmente desacreditando da sua incapacidade


de ajudar em qualquer situação. - Conheço todos os caras por aqui e os que eu não
conheço, posso conhecer facilmente. Qual é? Eu ajudo.

A curiosidade de Drew estava me deixando inquieta e a minha mente já começara a


trabalhar alguma desculpa para eu poder me retirar e além de me livrar do peso da
conversa, aproveitaria para deixar Drew e Normani sozinhos.

- Não pode ajudar porque não tem ninguém apaixonada aqui. - falei, dando-lhe um
sorriso que dizia "vamos encerrar esse assunto agora".

- Tudo bem, tudo bem... - ele falou, sacudindo as pernas e tamborilando os dedos na
mesa. - Mas quando precisar de ajuda, pode contar comigo, mesmo que o cara seja
eu. - Ele falou o final da frase olhando fixamente para Normani que inicialmente o
olhou da mesma forma, mas em seguida desviou o olhar em total desespero.

Eu ri.

- Por que está rindo, Jauregui? É tão difícil assim ser eu? - ele falou sarcasticamente,
tentando soar ofendido.

Eu continuava trancando um sorriso nos lábios, mas quase tremendo de tanto rir da
cara de Normani por dentro. Levantei as sobrancelhas, para tentar amenizar a
expressão de riso, mas provavelmente aquilo só piorara tudo.

- Claro que não, é muito fácil ser você. Isso, considerando que existe alguém
apaixonado aqui, coisa que não existe. - falei, começando a recolher as minhas coisas
para colocar dentro da mochila.

- Já vão almoçar? - Drew perguntou.

- Vamos sim, já está na hora. - Normani falou, recolhendo também as suas próprias
coisas. - Se não, vamos nos atrasar pra aula do professor Newton.

- Então eu vou com vocês. - ele falou e os olhos da minha amiga quase viraram
estrelas de tanto que brilharam. - Vou mandar mensagem pra uma "mina" de
engenharia, pra ela ir com a gente. - ele completou, levantando-se e pegando o
celular do bolso dianteiro da bermuda.

- Estão ficando? - Normani perguntou, tentando parecer natural e pode até ter
parecido para Drew, mas para mim era claro o medo que ela tinha da resposta.

- O que? Com ela? - Ele tirou o olhar do celular, rapidamente olhando para Normani e
voltou a olhar a tela, digitando enquanto caminhávamos através das filas de mesas e
cadeiras da biblioteca. - Nãaao. - ele falou, rindo um pouco. - Bem que eu quis, mas
a "mina" nem me deu moral, daí a gente virou "parceiro".

- Ah... - Normani e eu nos expressamos ao mesmo tempo e da mesma forma, no


exato momento em que atravessamos a porta automática da biblioteca.

Caminhamos pelos corredores da HGSD juntos. Drew entre mim e Normani, com os
braços em nossos ombros, com um ar protetor demais. Era fácil estar perto de Drew,
sua companhia era como um entardecer na praia, em um dia sem nuvens e com
muito vento.

Durante as semanas anteriores eu o vira apenas rapidamente, apesar de suas


tentativas de estar sempre perto de mim e de Normani. Ele estava ocupado com seus
infinitos trabalhos do curso e nem sempre podia nos acompanhar nas horas de
almoço, mas todo tempo livre que tinha, nos dava toda a atenção do mundo.

- Como estão com os trabalhos? Estão tendo dificuldade em alguma coisa? - Ele
perguntou, atencioso, enquanto caminhávamos pelas calçadas frias de Cambridge,
rumo ao The Village.

- Estamos bem com as matérias. - falei, tendo instantaneamente uma ideia. - Exceto
por Normani que está tendo dificuldade em matemática... - menti e percebi Normani
arregalando os olhos e olhando para mim. - Você sabe, essa coisa de derivada e
integral é bem chatinha...

Drew olhou para Normani no mesmo momento, o que a fez arregalar ainda mais os
olhos.

- Está mesmo com dificuldade? - Drew perguntou, sendo "homem" demais para
perceber a comunicação oculta que estava acontecendo entre mim e minha amiga.

- Não exatamente...

- Ah, Normani, não tenha vergonha. - a interrompi. - Drew é nosso amigo e ele é
muito bom em matemática.

Ela também era muito boa em matemática, era quase um gênio da matemática, mas
Drew não precisava saber daquela parte da informação.
- Isso! - o garoto exclamou. - Eu posso mesmo ajudar. Vamos marcar um dia e eu
vou lhe ajudar com isso.

- Tá... Tudo bem. - Normani concordou, olhando para mim como se fosse me matar.

Eu sorri largamente para ela e, como resposta, recebi um revirar de olhos que
somente me fez sorrir ainda mais.

O The Village estava mais vazio do que na maioria das vezes em que havia
estado ali. Talvez a minha percepção de vazio fosse muito mais pelo fato de que eu
não vira Camila Cabello, sentada em sua mesa habitual, do que pelo espaço estar
realmente vazio. Talvez, a sensação de frustração por não vê-la tenha aumentado
ainda mais a impressão de que não havia mais ninguém além de nós, ali.

O meu estômago inflado de borboletas pela ânsia em vê-la murchou tão


instantaneamente quando os meus olhos distinguiram a ausência dela naquele
espaço. De repente, as cores ficaram menos coloridas, as luzes do The Village ficaram
menos brilhantes e o meu apetite foi embora.

"Mas que droga está acontecendo comigo?!", exclamei mentalmente, sentindo-me


irritada com a minha falta de controle sobre os meus sentimentos e minhas sensações
em tudo o que dizia respeito à ela. "Por que eu não posso simplesmente deixar isso
pra lá? Por que ela tem que fazer falta até em um maldito restaurante?", eu estava
pensando, quando Drew puxou a cadeira para que eu sentasse e assim o fiz, evitando
olhar de novo para onde ela deveria estar, mas não estava.

Eu não dava atenção alguma para o que Normani e Drew conversavam, absorta
demais em mim mesma para conseguir distinguir qualquer palavra do que eles
diziam, pelo menos até ouvir o nome dela.

- ...que a professora Camila é gata demais. - Drew falou, largando-se, desleixado na


cadeira.

"Gata demais?! Pelo amor de Deus, ela é maravilhosa, ela é incrível, ela é...ela".

- Sobre o que estão falando? - perguntei, colocando minha mochila encostada ao lado
da minha cadeira.
- Drew estava dizendo que "apesar de ser chata e um demônio na face da terra, a
professora Camila é gata demais". - Normani repetiu, fazendo aspas com os dedos.

- Ah, você são mulheres, não vão entender. - ele falou, encarando um ponto fixo
atrás de mim. - Mas olha aquilo... olha aquele corpo... - Drew falou e antes que eu
me virasse, Normani fez um sinal com a cabeça, indicando que eu olhasse para trás.

Eu olhei.

Meu coração disparou. Meu pulmão explodiu. Minha cabeça rodou.

Camila Cabello estava encostada no balcão de pedidos do The Village, de costas para
nós, com o cotovelo apoiado na pedra de mármore e os dedos da mão apoiando a
testa, enquanto lia algum papel e como se ela já não fosse suficientemente
estonteante em todos os outros dias de sua vida, naquele, particularmente, ela
estava exalando exuberância, feminilidade, imponência e tantas outras coisas que
meu cérebro não conseguia expressar em palavras, mas meu corpo se encarregava
de sentir. Como se as coisas que ela era, estivessem sendo faladas pelo meu corpo e
não pela minha boca.

Seus cabelos estavam presos em um coque frouxo, mas que havia sido claramente
planejado para compor o seu visual. Blusas de manga cumprida em um tom de rosa
claro cobriam o seu busto e os seus braços até os pulsos. Uma saia de cintura alta
quadriculada em pequenos detalhes de branco e preto, beijava seu corpo, bumbum e
coxas, até os joelhos, com uma leve abertura na parte de trás, que eu via
perfeitamente, deixando parte de suas pernas à mostra. Nos pés, saltos delicados de
tiras finas, combinavam com a cor da blusa que ela escolhera.

O resultado de toda aquela combinação foi o meu coração sendo escutado à


quilômetros de distância. Eu tinha certeza que todos estavam escutando o meu
coração batendo feito louco dentro do peito.

"Pare de olhá-la. Pare de... Esse brincos de pérola ficam tão delicados nela... deixam
a orelha dela tão atraente... O pescoço parece...".

- Calma, Jauregui, não vai babar. - Drew disse com humor, jogando o guardanapo de
pano em cima de mim.

Dei um pulo, virando-me de frente para Drew e Normani outra vez.


- A roupa dela está maravilhosa!!! - falei, exasperada demais, tentando
disfarçar meu comportamento descompensado.

- Ma ra vi lho sa. - Normani concordou, usando o mesmo tom que eu, apenas para
me ajudar, embora fosse verdade que a roupas dela estava maravilhosa.

- Mulheres... - Drew disse, balançando a cabeça negativamente, dando um sorriso de


inconformidade.

- Ah, nos deixe! - Normani disse, batendo nele com o seu próprio guardanapo e os
dois entraram em algum tipo de discussão a respeito da forma como mulheres
enxergam mulheres.

Eu estava com a mente mergulhada demais em Camila para conseguir prestar


atenção a qualquer coisa que não fosse ela. Todos os meus esforços estavam sendo
empreendidos em conseguir me manter na mesma posição e não virar para trás para
olhá-la novamente.

Senti o meu corpo se auto retesar, sem explicação alguma, acompanhado por um
corte gelado, que subiu pelas minhas costas e perfurou minha nuca, fazendo-me
arrepiar. A única explicação para aquele calafrio inesperado era o frio do outono, mas
somente até perceber a presença de Camila ao meu lado e entender que meu corpo
estava somente reagindo instintivamente à sua aproximação.

- Olá. - Ela cumprimentou educadamente todos na mesa, apoiando a mão esquerda


no encosto da minha cadeira.

- Olá professora. - Drew e Normani responderam, um seguido do outro.

- Olá... - Eu disse, olhando para cima, para poder cumprimentá-la educadamente,


mas arrependendo-me quase que instantaneamente, quando encontrei o seu rosto
voltado para mim, carregando um sorriso que delineava seus lábios que me
pareceram especialmente mais vermelhos naquele dia.

Ela alargou levemente o sorriso e continuou olhando para mim, parecendo não se
importar nenhum pouco com a presença dos meus amigos.

- Olá, Lauren. - ela falou. - Eu gostaria de falar com você. - Pode me acompanhar? -
completou, perguntando, mas me soou mais como uma ordem.

- Comigo? - perguntei o óbvio, precisando expressar externamente o meu espanto


para poder ter algum tempo de lidar com aquilo.

- Sim... você. - Ela repetiu, deixando a cabeça pender um pouco de lado, dando um
sorriso quase maquiavélico, cavando os meus olhos com os seus. - Preciso conversar
com você a respeito do seu trabalho da aula passada. - Ela explicou.

- Fiz algo errado? - perguntei, variando entre o desespero por ela estar perto demais
de mim e o desespero de talvez ter feito algo muito errado em sua aula.

- A senhorita pode, simplesmente, me acompanhar? - ela falou, levantando uma


sobrancelha e mexendo petulantemente a cabeça.

- Sim... - falei, afastando a cadeira um pouco para trás, para poder levantar e segui-
la.

- Obrigada. - Ela falou, seguindo para a mesa onde costumava sentar.

Caminhei logo atrás dela, exatamente como da última vez em que ela me chamara
para conversar em sua mesa.

- Sente-se. - ela falou, logo depois de sentar-se em seu lugar de costume.

Obedeci, puxando a mesma cadeira na qual eu havia sentado da última vez.

Ela nada disse, apenas afastou a sua bolsa que estivera ali desde sempre, mas fora
um detalhe que me passara desapercebido no momento em que havia sido impactada
pela sua ausência física no restaurante. De perto, eu podia distinguir melhor seu
cheiro e, como se eu já não tivesse aquele cheiro decorado e decifrado na minha
memória o suficiente, meus pulmões absorveram mais ainda as partículas do cheiro
dela.

Inspirei o ar por mais tempo do que precisava, somente para me


preencher do cheiro dela. Prendi a respiração para não deixar que a sensação que
aquele aroma doce e envenenante não saísse de mim.

Os olhos dela não saíam dos meus e os meus não saíam dos dela. Eu estava tão
consumida pela imagem dela formada na frente dos meus olhos que nem o nem todo
o nervosismo que fazia meus músculos se contraírem foi capaz de me fazer tirar os
olhos dos dela e ela, por algum motivo, tampouco tirava os seus olhos dos meus.
Ela cruzou os dedos em cima da mesa e deixou a cabeça pender levemente para o
lado e semicerrou os olhos tão sutilmente que se eu não estivesse tão atenta a todos
os movimentos que seu corpo fazia, não teria percebido. Sua postura era tão reta e
intimidadora quanto seu olhar, o que me fazia sentir encolhida diante de toda a
presença exuberante de Camila.

Seus olhos semicerraram-se um pouco mais e ao mesmo tempo percebi seu lábio
inferior sendo levemente mordido. Meus dentes se apertaram em resposta àquilo e
apertei o apoio de braço da cadeira, o que não passou desapercebido pela minha
professora, que deu um sorriso quase que malicioso e finalmente decidiu falar, coisa
pela qual agradeci mentalmente, porque ao mesmo tempo eu lembrei que precisava
respirar e soltei o ar preso do pulmão.

- Por que está me olhando assim, Lauren? - ela perguntou.

O ar ficou preso em meu pulmão outra vez. Aquela respiração travada e irregular
constante por causa de Camila Cabello estava me deixando zonza.

- Eu... - tentei responder com rapidez, para não parecer mais idiota do que
provavelmente já estava parecendo, mas a minha mente congelada me fez fracassar.
- Eu...

- Você...? - ela levantou ligeiramente a sobrancelha e passou os dentes pelos lábios,


mordendo-os quase que em câmera lenta.

- Eu nada... - respondi, sentindo uma pontada de desespero na cabeça. - O que a


senhora quer falar comigo? - perguntei, apertando as mãos embaixo da mesa.

- Responda-me uma coisa... - ela falou, passando a ponta do dedo indicador pelo
cabo da faca, mantendo o olhar em mim. Engoli seco. - Por que você insiste em me
chamar de "senhora" mesmo depois de ter me beijado? - Ela perguntou, direta, sem
rodeios.

Levantei as duas sobrancelhas e abri ligeiramente a boca para responder qualquer


coisa, mas o número de palavras que veio à minha boca foi igual ao número de
controle que eu tinha perto dela: zero.

Ela sorriu, docemente, aliviando a expressão extremamente profunda com a qual me


olhava e tomou um pouco da água que estava em sua taça.

- Bom, eu quero falar com você a respeito dos seus croquis da aula passada. - ela
falou, puxando o pequeno bloco de folhas com meus croquis de dentro de sua pasta
preta, que estava na cadeira ao seu lado.

- Há algo de errado? - perguntei, esforçando-me para controlar o tom de voz.

Ela desviou seu olhar da pasta para mim pelo canto dos olhos e seus lábios subiram
levemente em um sorriso que eu não soube decifrar. Virou-se de frente novamente, e
colocou os croquis em cima da mesa.

- Pelo contrário, Lauren. Seus desenhos estão excelentes. - Ela os deixou na mesa,
exatamente no espaço entre nós.

- Então, por que quer falar sobre eles? - perguntei novamente, concentrando meus
esforços em prever do que se tratava aquilo para poder reagir corretamente.

- Quero dizer que estão muito bons. Os analisei milimetricamente e estou contente
com o resultado que encontrei em seus traços. Estão muito satisfatórios. - ela disse,
olhando para a folha com um dos meus desenhos.

- Ah... obrigada... - eu disse, sem saber exatamente o que responder. - Quer dizer,
vindo de você, esse é um elogio que eu mal posso medir o tamanho da minha alegria
por receber.

Ela sorriu e balançou a cabeça positivamente.

- Estou tão alegre por lhe dar o elogio quanto você, provavelmente, está por receber.
- disse em um tom ameno.

A expressão dela estava amena, quase como um entardecer de verão, o que me fez
sorrir em reação à beleza de seu rosto. Seus olhos estavam castanhos, quase cor de
mel, delineados perfeitamente em um contorno preto que acentuava a profundidade
de seu olhar.

Olhar que me cortava ao meio.

- O seu sorriso é bonito. Devia sorrir mais. - ela falou, voltando a encarar-me nos
olhos.

Involuntariamente sorri e senti meu rosto queimar.

- Ammm... Porque fiquei desconsertada. - deixei a verdade sair de mim, ao invés de


tentar achar desculpas para respondê-la.
- Fique desconsertada mais vezes. - ela falou, e eu voltei a olhar para ela, somente
para me arrepender.

Seus olhos me devoravam, me mastigavam inteira. Engoli a bola de ar que se formou


em minha garganta.

- Você não me chamou aqui só para falar dos meus desenhos... Não é? - perguntei,
variando o olhar entre o rosto dela e a sua mão, fazendo e refazendo o contorno
circular da taça de vidro em cima da mesa.

- Definitivamente, não. - ela disse e seus olhos desviaram-se dos meus para outro
ponto do meu rosto.

"Ela está olhando a minha boca?!", a dúvida surgiu nervosamente em minha mente.

- Então, por que me chamou?

"Ela está olhando a minha boca.", afirmei mentalmente.

- Porque queria conversar com você. - ela respondeu, simplesmente, apoiando o


cotovelo sobre a mesa e depois o seu rosto, sem parar de me olhar nem por um
segundo sequer.

- Conversar sobre o que? - perguntei, intrigada, observando sua tatuagem do dedo


indicador sumir e reaparecer a cada volta que seu dedo dava na taça.

- Sobre qualquer coisa. - ela disse.

- Sobre qualquer coisa? - perguntei, repetindo para ter certeza de que ouvira direito.

- Sim. Sobre qualquer coisa. - Camila respondeu, como se estivesse falando a coisa
mais normal do mundo.

- Desculpe, não estou entendendo exatamen...

- Eu queria a sua companhia, Lauren. É simples. - ela disse, desapoiando-se da mesa


e pegando a taça paga tomar mais um gole de água.

- Queria a minha companhia? - perguntei, sentindo meu coração variar entre


profunda euforia e choque de susto.
Camila riu e seus olhos quase se fecharam de tão gostoso que foi aquele sorriso.
Poderia comê-lo e sentir toda a doçura do mundo.

- Você sempre pergunta tanto... - ela constatou novamente.

- Por que queria a minha companhia, professora? - perguntei, focada demais no


assunto para me deixar desviar.

"Por que ela queria a minha companhia?! Por que?!".

Camila ficou séria, seus olhos vacilaram entre os meus e o copo de água, mas o
vacilo não demorou mais que um instante, logo pareceu vencer algum tipo de conflito
interno e levantou os olhos, transpassando os meus, como se fosse um tiro.

Meu corpo reagiu àquele olhar com o tremer de meus lábios e o comprimir
desesperado do meu estômago.

- Porque eu gosto da maneira como você me olha, Lauren. - Camila disse, com seus
olhos intensos invadindo a minha alma.

Minhas pernas se contraíram e um frio ártico subiu pelo meu corpo, quase
congelando-me inteira.

- Como eu olho você? - perguntei com a voz baixinha, quase sem fôlego para falar.

Seus olhos ganharam uma mistura de intensidade e doçura. Olhava-me como se...
como se...

- Como se eu fosse a única pessoa no mundo.


Aeipathy

Lauren's pov

Aeipathy (n.) : uma duradoura e consumidora paixão.

- Como eu olho você? - perguntei com a voz baixinha, quase sem fôlego para falar.

Seus olhos ganharam uma mistura de intensidade e doçura. Olhava-me como se...
como se...

- Como se eu fosse a única pessoa no mundo.

O meu corpo reagiu àquilo muito mais do que minha mente, que havia paralisado.
Minha carne se manifestou àquela verdade como se eu estivesse levando seguidos
choques de mil voltz. Meus músculos pareciam auto mastigar-se e o frio que subiu
pelas minhas pernas, congelando meus ossos e pele, até o pescoço, arrepiou todo o
meu corpo.

Camila olhou para os pelos arrepiados dos meus braços e para as minhas mãos
apertadas em punho, que estavam em cima da mesa. Meu primeiro instinto foi tirar
os braços de cima da mesa, mas eles não me obedeceram. Eu estava paralisada.

"Como se eu fosse a única pessoa do mundo", pensei, reproduzindo mentalmente o


que Camila havia acabado de me dizer.

Aquela afirmação havia sido jogada sobre mim como uma caixa de mil verdades.

"Quando eu olho para ela, ela é a única pessoa do mundo", pensei, tentando abrir a
boca para falar algo que não fosse o que eu estava pensando, mas não importava o
que eu fosse falar, nenhuma palavra saía.

Camila me olhava cuidadosamente, com os olhos enterrados em mim, buscando,


provavelmente, alguma resposta que minha boca ainda não dera e apesar de não
conseguir controlar todo o meu desespero, eu não conseguia controlar meus olhos
para tirá-los dos dela e assim, quem sabe, poder pensar.

- Lauren... - Camila disse, suavemente e, antes de voltar a falar, apertou a mandíbula


e seu olhar curioso se tornou profundamente sério. - Você não precisa falar nada,
seus olhos falam mais e melhor do que sua boca. - ela disse, sem tirar aqueles olhos
devastadores de dentro dos meus.

Eu não tinha mais saída. Não haviam caminhos onde eu pudesse encontrar
justificativas plausíveis para me esquivar da percepção de Camila a meu respeito. Só
me restava a verdade e a verdade era que eu... eu... eu estava... eu...

Apenas balancei a cabeça para concordar com ela, sobre eu não precisar dizer nada.
Ela balançou a cabeça junto comigo e deu um sorriso apenas com os lábios,
semicerrando levemente os olhos enquanto sorria.

Ficamos em silêncio pelo que me pareceu uma eternidade, mas foram apenas quinze
segundos, nos olhando e quando o meu corpo já estava tendo dificuldades em
oxigenar o meu cérebro, como resposta ao olhar invasivo de Camila, ela decidiu falar.

- O que fará esta noite, Lauren? - perguntou, pegando naturalmente a sua taça de
água e tomando outro gole curto do conteúdo, como se não tivesse acabado de dar
uma martelada nas minhas estruturas.

Uni as sobrancelhas e apertei os lábios em reação àquela pergunta aleatória, mas


forcei-me a falar, depois de engolir o nó que atravessava a minha garganta.

- Estudar. - respondi, simplesmente, optando pela segurança de palavras curtas.

Um breve sorriso se formou em seus lábios enquanto ela olhava a taça que estava
colocando sobre a mesa outra vez. A taça mal havia encostado na mesa e Camila
desviou seu olhar para o meu e, como se tivesse jogado seus olhos em mim com
muita força, meu corpo foi para trás, assim, encostei-me na cadeira e ao mesmo
tempo em que eu me sentia exausta por estar sendo bombardeada por tantos
sentimentos, eu também me sentia sendo levada por uma brisa leve.

- Você aceita ir à um lugar comigo hoje à noite? - Ela perguntou, deslizando o polegar
e o indicador pela base circular da taça de vidro.

- O que?! Como assim? - perguntei rapidamente, sentindo as emoções voltarem ao


meu corpo, descongelando-me da paralisia, como se fosse lava derretendo gelo.

- Você aceita ir à um lugar comigo hoje à noite? - Ela repetiu, levantando


as duas sobrancelhas levemente e em seguida mordeu o lábio inferior.
- Aceito. - minha boca respondeu antes que meu cérebro sequer processasse a
pergunta dela racionalmente. - Quer dizer, pra onde? - tentei consertar, sacudindo
levemente a cabeça, sentindo-me embaraçada.

Camila soltou um riso que fez seus olhos quase fecharem e balançou a cabeça
positivamente.

- Você pergunta demais. - Ela disse, com um sorriso leve, mas mantendo os olhos
sempre nos meus. - Estarei na frente do seu dormitório às oito em ponto.

- Tudo bem, mas como vou saber o que vestir se não me disser para onde vamos? -
perguntei, inquieta, mais como uma tentativa de descobrir para onde iríamos do que
por estar realmente preocupada com o que iria vestir.

- Você sempre sabe o que vestir, Lauren. Vista o que quiser. - Ela disse e sorriu. -
Agora eu acho melhor você voltar para os seus amigos. Eles não param de olhar para
cá, devem estar preocupados com você. - Ela falou, sem sequer ter olhado para o
lado.

Olhei para a mesa onde estavam Drew e Normani e os dois olhavam para onde
estávamos pelo canto dos olhos. Voltei o meu olhar para Camila outra vez.

- Como sabe que eles estão olhando para cá se nem os olhou? - perguntei,
levantando a sobrancelha.

Camila sorriu.

- Foi só intuição. - ela respondeu com um ar sorridente, mas sem sorrir realmente. -
Agora vá. Às oito estarei lá.

- Não vai me dizer para onde vamos? - perguntei novamente, tentando obter alguma
resposta.

- Você saberá quando formos.

- Tudo bem... - levantei vagarosamente, mas antes que desse o primeiro passo para
ir, virei-me para ela, com a intenção de tentar, novamente, obter alguma resposta.

Antes que eu pudesse falar alguma coisa, Camila fez que não com a cabeça e sorriu.

- Às oito você saberá. - ela falou, respondendo um pergunta que eu nem havia feito.
Suspirei e acenei positivamente com a cabeça, seguindo de volta para a mesa onde
estavam os meus amigos.

Não precisei olhar para trás para sentir o peso dos seus olhos sobre mim. Não
precisei olhar para trás, para me sentir tão afetada por eles quanto se tivesse
realmente olhado.

- E aí? Dessa vez foram 200 desenhos de reprodução ou...? - Drew perguntou,
apoiando os dois braços em cima da mesa, jogando o corpo para a frente, enquanto
eu sentava.

Sentei com força na cadeira e deixei o ar sair pesadamente dos meus pulmões,
ignorando completamente a pergunta de Drew.

- Meu Deus, pela sua cara, devem ter sido 500... - Drew falou, encarando-me como
se eu fosse um extra terrestre prestes a falar com ele.

- Ela... - tentei falar qualquer coisa. - Ela... - minha mente não estava trabalhando,
meus pensamentos não passavam de fumaça. - Ela...

- Era sobre aquilo? - Normani perguntou, chutando minha perna, levemente, por
baixo da mesa.

A olhei para tentar entender do que ela estava falando e seus olhos diziam "apenas
concorde", então foi o que eu fiz, balançando a cabeça positivamente, confiando em
minha amiga para me tirar do problema de estar extasiada demais, sobrecarregada
demais, eufórica demais, para poder inventar qualquer resposta que convencesse a
Drew.

- É que na aula passada a professora Camila nos pediu pra fazer alguns croquis e
pegou um pouco no pé da Lauren de novo. - Normani falou, virando-se para Drew,
inventando uma explicação absolutamente do nada. - Ela foi bem chata e Lauren ficou
mexida com as coisas que ela falou. Ela não foi nada amigável. Pelo jeito, deve ter
repetido... - Normani falou, teatralmente, olhando-me com "preocupação".

- Ahhhhhhhh. - Drew exclamou, variando o olhar entre mim e Normani. -


Eu avisei que ela era lúcifer.

"Lúcifer?! Camila é algum tipo de deusa que hipnotiza as pessoas e faz elas ficarem
de quatro", pensei.

- E é! - concordou Normani.

Parte da minha mente prestava uma atenção superficial à Normani e Drew


conversando sobre Camila e depois, sobre outros professores. Uma pequena parte. A
maior parte estava atenta à mulher atrás de mim, sentada a poucos metros de
distância.

Minha percepção estava tão atenta à ela que eu quase podia ver o seu dedo indicador
movimentar-se na tela do tablet. Olhei-a por cima do ombro, não resistindo ao desejo
de vê-la mais uma vez. O corpo estava ereto, as pernas cruzadas e os cabelos, ainda
presos em coque, cobriam quase toda a lateral de seu rosto, de tal forma que o
máximo que eu podia ver eram as linhas de seu nariz, queixo e metade de sua boca,
o suficiente para lembrar da maciez daqueles lábios e ser consumida pela vontade de
beijá-la outra vez.

"Os lábios dela são tão...tão...quentes", pensei e imediatamente virei o rosto para
frente outra vez, constrangida com meu próprio pensamento.

- Lauren, você tá vermelha. Isso tudo é raiva da frozen? - Drew perguntou,


interrompendo a conversa com Normani, assim que viu meu rosto.

"Raiva por ela ser tão atraente. Raiva por ela me fazer querer beijá-la.", respondi
mentalmente.

Respirei fundo e me obriguei a falar.

- Você nem faz ideia. - falei, pegando o guardanapo para colocar sobre a perna. -
Vocês já pediram o almoço? - perguntei, tentando manter um tom irritado e mudando
de assunto drasticamente.

- Sim, eu pedi o seu. Você sempre come o mesmo, de qualquer forma. - Normani
respondeu.

"Ela também sempre come o mesmo", pensei imediatamente, lembrando do prato de


Camila. "POR QUE EU TENHO QUE RELACIONAR TUDO À ELA?!", gritei mentalmente
para mim mesma, esticando o guardanapo com força em cima da perna.

- Não vai contar pra gente o que foi que aconteceu? - o garoto loiro insistiu em querer
saber.
- Não. - respondi, simplesmente, sentindo um leve pavor apenas com a vaga ideia de
que ele pudesse saber o teor da minha conversa com Camila.

"Você aceita ir à um lugar comigo hoje à noite?", a voz de Camila repetia mil vezes a
frase em minha cabeça e cada vez que se repetia, meus pensamentos se clareavam,
a consciência da situação se tornava mais clara e eu ficava à um passo mais perto da
loucura.

O nervosismo que antes estava bloqueado pela presença dela, agora quebrava toda a
auto negação da realidade à qual eu estava entregue.

"Você aceita ir à um lugar comigo hoje à noite?", o pensamento se repetiu outra vez e
meus pulmões deram um espasmo. A falha foi tão grande que meu coração acelerou,
reagindo à ausência de oxigênio.

"ELA ME CHAMOU PARA SAIR!!!!!!!!", o grito foi tão alto na minha mente que eu
podia, facilmente, ter ficado surda se aquele som fosse externo. "ELA ME CHAMOU
PRA SAIR HOJE A NOITE. ELA ME CHAMOU PRA SAIR HOJE A NOITE. ELA ME
CHAMOU PRA SAIR HO..."

- Lauren, está tudo bem? - Normani perguntou, olhando-me com atenção e um leve
ar de preocupação. - Você ficou pálida de repente.

- Eu... - tentei falar, mas minha voz não saiu. Não sentia uma gota de sangue no meu
corpo.

- Eu acho que você precisa voltar pro dormitório, Laur. - Normani disse, mas soou
mais como uma certeza que ela concretizaria.

- Eu também acho que preciso. - concordei, passando a mão pela minha própria
testa, que estava dormente.

- Vão pro dormitório, deixem que eu pago tudo aqui e levo o almoço de
vocês lá. - Drew falou, sendo sério pela primeira vez no dia.

O agradeci com um sorriso curto no rosto e levantei-me, pegando minha mochila do


chão. Segui para a saída do The Village, entretanto, antes de sair, virei-me para trás,
achando que seria convincente eu olhar para ver se Normani estava atrás de mim,
mas meus olhos correram para a mesa de Camila que me olhava tão intensamente
que senti novamente o meu sangue se esvair do corpo.

Normani parou atrás de mim, empurrando-me para frente, de forma que eu fui
obrigada a sair pela porta, virando o rosto para frente apenas quando os meus olhos
não podiam mais ver os de Camila.

- O QUE FOI QUE ACONTECEU?! - Normani perguntou, mais eufórica por saber o
motivo do meu evidente desespero do que realmente preocupação com meu estado
de saúde.

"ELA ME CHAMOU PARA SAIR HOJE A NOITE!", exclamei mentalmente, mas era mais
fácil pensar naquilo do que por em palavras, então, eu apenas fiquei encarando
Normani com a boca meio aberta, tentando fazer as palavras saírem.

- FALE DE UMA VEZ, LAUREN! - A garota negra exclamou, quase tremendo em


curiosidade.

- Eu preciso sentar. - respondi, simplesmente, tentando ganhar tempo com a parte de


falar o que eu, necessariamente, teria que falar à Normani.

- Tudo bem, tudo bem, vamos pro quarto e quando você se acalmar você me fala. -
Minha amiga concordou, entendendo que aquele não era o momento certo para me
cobrar algum tipo de explicação.

Andar de volta ao dormitório nunca havia sido tão difícil. Minhas pernas pareciam ter
uma tonelada, ao passo que minha mente parecia não ter peso algum. Meus
pensamentos pesavam no meu corpo, não na minha cabeça, de tal forma que quando
vi a entrada do edifício dos freeshman de Harvard, senti uma alegria maior do que o
normal.

- Você quer um copo de água? - Normani perguntou-me, depois de fechar a porta,


jogando a chave em cima do balcão da pequena cozinha do nosso quarto.

Sentei-me na cama, sentindo-me zonza.

- Mani... - falei seu nome baixinho. Meu peito se contraía, como se o que eu ia falar
fosse maior do que minha garganta. - Camila me chamou para sair hoje a noite. -
falei de uma vez, sentindo meu corpo reagir imediatamente àquilo, de tal forma que
meus músculos se contraíram repetidas vezes.

- O QUE?! - Normani falou, cuspindo toda a água que bebia.


Arregalei os olhos quando percebi minha amiga cuspindo e por um breve momento,
meus pensamentos desesperadamente nervosos se dissiparam.

- ELA CHAMOU VOCÊ PRA SAIR?! - Ela praticamente gritou, colocando o copo em
cima da bancada e apoiou-se, como se precisasse daquilo para não cair.

"Ela me chamou pra sair.", repeti o pensamento, pela milésima vez em menos de
uma hora e todo o nervosismo desesperado voltou instantaneamente.

Afirmei com a cabeça, evitando falar porque de repente, falar era mais difícil que
piscar.

- Tá, calma. - Normani falou para si mesma, dando a volta na bancada e caminhando
até mim. - Estamos falando de que tipo de saída? - sentou-se ao meu lado. - Tipo,
encontrou ou só sair?

- EU NÃO SEI! - Exclamei, dando um pulo da cama, finalmente permitindo minhas


emoções serem expressadas pela minha boca. - Ela não me disse! Só disse "Você
aceita ir à um lugar comigo hoje à noite?" e nada mais!

- Ela disse, literalmente, só isso? - Normani perguntou, cruzando as pernas e


apoiando-se com as mãos atrás do corpo, na cama.

- Literalmente só isso! E disse que vai estar aqui às oito. - Falei, andando de um lado
para o outro. - Em ponto. - Completei, levando as mãos à cabeça, enfiando os dedos
pelos cabelos e apertando levemente.

- Claro que é "em ponto". - Normani zombou.

Joguei-me na cama novamente e soltei um suspiro pesado.

- O que eu faço? - perguntei, quase suplicando por uma resposta, colocando as duas
mãos no rosto.

Foi a vez de Normani suspirar, permitindo-se um breve silêncio, que provavelmente


usara para ponderar sobre toda a situação.

- Temos uma situação incomum aqui. Não sabemos se você terá um encontro, um
semi encontro ou uma daquelas situações que são encontro, mas não são porque
ninguém quer admitir que é um encontro. - Normani continuou falando em voz alta o
que pensava. - Isso significa que você não pode ser o lado que acha claramente que é
um encontro. Não! Isso, de jeito nenhum. - Minha amiga exclamou mais para si
mesma do que para mim. - Você tem que estar bem vestida, mas não muito, afinal, é
só "uma coisa que não sabemos se é um encontro" ou não. - Normani virou-se em
sobressalto para mim, como se tivesse se dado conta de alguma coisa
repentinamente. - OH MEU DEUS, VOCÊ VAI SAIR COM A NOSSA PROFESSORA!

Arregalei os olhos junto com ela e apertei meus rosto, usando as duas mãos, em sinal
de total e completo desespero.

- Tudo bem, sem pânico, mas... - Normani virou-se de frente para mim, sentando-se
sobre a própria perna. - Como você se sente sobre isso?

- O que você acha? - perguntei, deixando todo o meu desespero ser expressado pelo
meu tom de voz. - Eu estou em pânico, Normani! Em pânico! - levantei-me da cama
outra vez, retomando meu caminho de andar de um lado para o outro no quarto. - E
se eu beijar ela de novo?! - perguntei, desesperada. - Eu já entendi que, pelo menos
por ela, eu sou completamente, absurdamente lésbica. Eu tenho vontade de beijar ela
toda vez que a olho. - falei, apoiando-me nos meus próprios joelhos, bem de frente
para Normani. - O QUE EU PRECISO FAZER PRA MINHA SANIDADE VOLTAR E EU
CONSEGUIR AGIR NORMALMENTE PERTO DELA? - perguntei, alterada comigo mesma
em toda aquela situação. Inconformada com meu descontrole emocional e físico em
relação à Camila Cabello.

Normani me olhava contemplativamente, como se eu tivesse acabado de dizer à ela a


coisa mais óbvia do mundo.

- Caramba, Lauren... - Normani falou, usando o mesmo tom de sabedoria que usava
quando chegava à uma conclusão sobre a qual tinha absoluta certeza. - Você está
absurdamente apaixonada pela professora Cabello. - ela decretou.

"Você está absurdamente apaixonada pela professora Cabello", a voz de Normani


soou repetidamente como um eco em minha cabeça. Um nó desceu arrastado pela
minha garganta. "Apaixonada não! Sou encantada por ela! Só encantada!", repreendi-
me mentalmente pela reação do meu corpo ao que Normani dissera. "Apaixonada
s...", cortei o pensamento antes que ele prosseguisse.

- Encantada. - impulsionei meu corpo para cima, fazendo força com as duas mãos nos
joelhos. - E eu não quero falar sobre isso.

- Tudo bem, tudo bem... - Normani se deu por vencida e esticou o pescoço de um
lado para o outro, enquanto falava. - Você já sabe o que vestir?

- NÃO! - exclamei exasperada. - Eu nem sei que tipo de "sair comigo" é esse, como
vou escolher uma roupa?! - sentei-me no banco da prancheta e deixei os ombros
caírem. - Quando um garoto me chamava pra sair era mais fácil.

- Sim, porque você não se importava em agradá-los. - Normani disse, simplesmente,


levantando da cama e caminhando até o meu lado do closet. - Mas se importa e
muito em agradar Camila.

Ponderei sobre aquilo por alguns segundos, antes de pular do banco e seguir Normani
até o closet.

- Verdade. Mas por que isso acontece? - perguntei, parando ao seu lado, observando-
a encarar as minhas roupas.

- Porque você está apaixo...

Normani foi interrompida pela minha mão em sua boca.

- Não, eu não estou! - decretei, ainda com a mão em sua boca.

A garota deu de ombros, mas obviamente discordando do que eu acabara de dizer.

Eu mal acabara de retirar a mão da boca de Normani quando três batidas na porta
anunciaram a provável chegada de Drew.

- Vá você abrir a porta pra ele. Estou ocupada escolhendo a sua roupa. - minha amiga
decretou e eu não pude sequer questionar, porque não tinha a menor ideia do que
vestir e a ajuda dela era essencial.

Sem dizer uma palavra, fui até a porta para Drew que estava esperando do lado de
fora com um olhar preocupado.

- Laur, tá melhor? - Drew perguntou, entregando-me duas embalagens do The Village


com o meu almoço e o de Normani, encostando-se no batente da porta, enquanto
ajeitava a mochila no ombro.

- Estou bem melhor. Acho que eu fiquei assim porque não tinha comido nada de
manhã. - falei a justificativa mais óbvia e rápido que me veio à cabeça.

- Acho melhor você não voltar pra aula hoje. - Ele falou, olhando o relógio. - Mas,
infelizmente, eu preciso ir. Se precisar de mim, você liga? - perguntou, dando uns
passos dentro do quarto, apenas o suficiente para me dar um beijo na testa.

- Ligo! Eu ligo sim, mas não se preocupe, eu estou bem mesmo, Drew... - falei,
expressando gratidão por seu tratamento atencioso comigo. - Obrigada por ter
trazido o almoço. - levantei levemente as embalagens e sorri.

- Não foi nada. - Drew começou a se afastar no corredor, apressado. - Ligue mesmo
se precisar! - falou, antes de começar a descer as escadas apressadamente.

- Ligo. - falei mais para o nada do que para ele antes de fechar a porta.

- Já sei que roupa você vai vestir! - Normani apareceu com três cabides do meu
closet, mostrando-me as roupas que havia escolhido para mim.

Não precisei olhar muito para aprovar, o que ficou muito claro para Normani pelo
sorriso que dei.

- Isso! Sabia que você ia aceitar. - Ela falou, respondendo ao sorriso afirmativo que
eu havia dado e eu sorri de novo.

Pelas próximas sete horas que se passaram, Normani e eu conversamos sobre todas
as coisas sobre as quais eu não conseguia falar a respeito antes. Quase todas. E ao
cair da noite, o nervosismo exagerado, que fora brevemente aliviado por estar
envolvida em uma conversa sobre ela, o que me permitiu falar exaustivamente sobre
o assunto e não acabar surtando, voltou com toda a força.

- Meu Deus, eu não quero ir! - falei para a minha amiga, que estava sentada na
bancada da cozinha, mastigando um sanduíche de pasta de frango, o seu preferido.

- Você quer sim. - Ela disse, simplesmente. - Você não se arrumou toda assim porque
queria ficar em casa.

- Sem altas filosofias nesse momento de tensão, Mani. - Falei, observando a minha
imagem no espelho que tomava quase toda a altura da parede.

- Não estou filosofando, só estou constatando fatos. - Normani falou, balançando as


pernas, em meio a mais uma mordida em seu sanduíche.
A encarei pelo espelho, olhando para mim e para ela ao mesmo tempo, sem fazer
esforço algum para esconder a minha insegurança quanto a minha aparência.

- Laur, você está maravilhosa. - a garota falou, dando um pulo da bancada onde
estava sentada. - Não há nada que não esteja maravilhoso em você.

- Eu só... - olhei-me mais uma vez no espelho, vendo pelo reflexo Normani
se aproximar.

- Shhh. - ela fez o barulho com a boca. - Você está linda. - abraçou-me por trás,
dando-me um beijo carinhoso na bochecha.

Novamente olhei para o espelho, tentando sentir-me satisfeita com a roupa que
usava. Aquela sensação de insatisfação com a roupa era quase tão nova quanto todas
as outras sensações recentes que eu sentia.

A saia preta solta ia até a minha cintura, onde prendia por dentro a blusa de linho
com decote em "v", de manga cumprida, que Normani achara melhor enrolar até o
cotovelo. Meias pretas cobriam minhas pernas e nos pés, sapatos da mesma cor.

Respirei fundo e analisei mais uma vez o que vestia.

"Tudo bem, Lauren, está tudo bem. Você está apropriada.", pensei, tentando ter
alguma atitude positiva em meio ao mar de insegurança que me jogava de um lado
para outro.

- São 07:55, acho que está na hora de você descer. - ela disse, olhando as horas no
visor do celular.

Respirei profundamente uma vez, duas vezes, três vezes.

- Okay. Vou descer. - expirei todo o ar do pulmão e deixei os ombros caírem.

- Tente ficar calma, vai dar tudo certo, Laur.

Concordei com a cabeça, sentindo-me enjoada demais para falar qualquer coisa.

Três minutos depois, eu estava saindo do elevador no piso térreo do edifício dos
freeshman de Harvard. Caminhei lentamente até a porta de saída, buscando alguma
calma durante o processo de ter que andar até lá, mas fracassando drasticamente no
exato momento em que pisei o espaço em frente à porta de vidro do edifício e dei de
cara com o BMW 428i parado à do outro lado da rua. Eu não podia vê-la, mas a mera
ideia de que ela estava dentro daquele carro fez meus joelhos desaparecerem, o que
tornou quase impossível caminhar normalmente até o carro.

Antes de atravessar a porta, respirei fundo rapidamente, por seguidas vezes,


fechando os olhos para tentar afastar o turbilhão em minha mente.

"Calma, Lauren, não seja covarde, é só a sua professora.", pensei, respirando fundo
mais uma vez, mantendo os olhos fechados, parada do lado de dentro. "Ela é só a
sua professora linda, que tem a mente mais incrivelmente inteligente que existe, que
tem os sentidos mais apurados que você já conheceu, que tem os detalhes do corpo
mais detalhadamente belos que você já viu, que tem a boca sedosa, os olhos que
profundos que arrastam você para dentro dela, que...", apertei os olhos para mandar
os pensamentos para o espaço. "Pare com isso!", briguei mentalmente comigo
mesma e abri os olhos, somente para morrer mais um pouco.

Camila atravessava a rua, caminhando em direção ao edifício, exatamente para onde


eu estava, no exato momento em que eu abri os olhos. Meu coração explodiu feito
uma bomba nuclear quando a vi caminhando, bem na minha frente. Meus olhos
paralisaram, meus joelhos quase foram ao chão, não fosse o pingo de razão que
ainda circulava por minha mente.

Seu corpo estava sendo beijado, quase que literalmente, de tão bela que era a
composição de roupas que ela usava, por uma saia de cor salmão de cintura alta que
cobria somente até o seu umbigo e descia até os joelhos, com pequenos detalhes
redondos vazados, que se repetiam também na blusa de mesma cor, que cobria
somente o seu busto. Os cabelos pendiam livres e levemente ondulados pelos dois
ombros, dando-lhe um ar tão... sensual, que eu... eu... Enquanto caminhava, Camila
não tirava os olhos dos meus, através do vidro e eu me sentia sendo comida.

"Os olhos dela estão me comendo", pensei, desesperada com a sensação de estar
sendo mastigada por um olhar.

Minha boca estava seca e meu corpo inteiramente paralisado quando ela parou do
lado de fora da porta, esperando-me sair. Engoli, pela quinhentésima vez, a bola de
ar em minha garganta e forcei-me a caminhar até o lado de fora.
- Olá, Lauren. - Camila sorriu, sem se dar ao trabalho de olhar o que eu
vestia. Seus olhos estavam fixos nos meus.

- Olá profe...

- Camila. - ela me corrigiu, sem tirar os olhos dos meus.

- Camila. - me corrigi, permitindo-me encará-la de volta com a mesma intensidade.

- Isso. - ela disse, acenando quase imperceptivelmente com a cabeça. - Podemos ir?

- Sim. - falei e ao mesmo tempo afirmei com a cabeça.

Caminhamos lado a lado em silêncio até seu carro, parando somente à porta do
carona.

- Vai me dizer para onde vamos? - perguntei, segurando a porta do carro, já aberta,
antes que ela desse a volta no carro, mas isso não a impediu de continuar andando
até o outro lado.

Entrei no carro e imediatamente virei-me de frente para ela, que estava sentando no
banco no exato momento em que eu virei. Seu rosto estava com um ar risonho.

- Vai me dizer? - Insisti.

- Com uma condição. - Ela disse, fechando a porta do carro. Em seguida, colocando a
chave na ignição e olhando-me brevemente de lado.

Cada olhar que Camila me dava, era como uma espada enfiada no meio do meu
peito. Como uma bola de demolição atingindo-me bem na garganta.

- Qual...? - perguntei com a voz mais fraca do que gostaria.

- Você precisa me prometer que se lembrará que só sou sua professora dentro de
sala. - ela falou, parando para me olhar.

Como em todas as vezes que eu me deparara com seu olhar, naquela vez também,
seus olhos me retorciam.

- Tudo bem... - falei com a voz fraca, outra vez.

"Pare de agir como idiota, fale como uma pessoa normal!", briguei mentalmente
comigo mesma.

- Muito bem. - ela respondeu, dando um sorriso complacente enquanto dobrava por
algumas ruas de Cambridge, fazendo um caminho conhecido para mim, em direção à
Boston.

- Para onde vamos? Você disse que me diria. - falei, ajeitando-me no banco, tentando
encontrar uma posição confortável para as minhas mãos que não paravam quietas.

- Vamos ao Museu de Belas artes de Boston. - Ela respondeu, entrando na auto


estrada que dava acesso à ponte Zakim.

- Fazer o que? - perguntei, curiosa e ao mesmo tempo feliz por ter escolhido uma
roupa adequada.

- Vamos à exposição de um amigo meu. "Karma". - ela falou, olhando-me


rapidamente para sorrir.

- Por que está me levando à uma exposição de um amigo seu? - perguntei, sentindo-
me aturdida com a informação, sem saber exatamente como interpretar o fato de
estar indo à exposição de um amigo da minha professora.

- Porque quero que você veja o tipo de arte que ele faz.

- Por que? - perguntei.

Camila olhou-me de lado e deu um sorriso que exalava com humor.

- Por que tem estrelas no céu? Por que é impossível pregar gelatina com um prego
em uma parede? Por que o sol é amarelo? Por que? Por que? Por que? - Ela
perguntou várias vezes, fazendo-me ficar envergonhada, mas riu por fim, fazendo-me
rir também.

- Você pergunta muitos "por ques", Camila. - falei, envergonhada.

- É o resultado de seis terças feiras com você. - Ela abriu um sorriso enorme. - E uma
quinta feira.

- Cinco terças feiras. - repeti, virando-me para ela enquanto sorria e mais
uma vez, nossos olhos se encontraram.
Ela sorria para mim e eu para ela, com os olhos, com a boca, com o coraç...
- Cinco terças feiras e você já arrastou a minha sophrosyne e metade da minha
aeipathy.
Fiz uma careta, unindo as sobrancelhas.
- Aeipa... - tentei pronunciar a última palavra que ela havia dito, dispensando
explicações para a primeira, que eu já sabia o que significava. - O que?
Camila sorriu e olhou para mim rapidamente.
- Logo lhe explicarei o que é. - falou, simplesmente, enquanto voltava a atenção para
a o cruzamento de carros, assim que atravessamos a ponte Zakim.
- Por que não explica agora? - Perguntei, observando o movimento que os músculos
de suas pernas faziam enquanto ela dirigia. Desviei rapidamente os olhos de volta
para o seu rosto, mas não a tempo suficiente para ela não perceber meu olhar.
A mulher me olhou novamente, agora com muito mais atenção, enquanto estávamos
paradas no semáforo.
- Por que decidiu estudar arquitetura, Lauren? - ela perguntou, com seus olhos presos
aos meus, dando um tom mais sério à conversa.
Pensei em insistir no assunto anterior, mas cedi ao desejo de falar sobre arquitetura.
- Eu sempre me senti muito conectada aos ambientes, às construções, à tudo o que
expressava as pessoas através dos lugares. Faz sentido? - perguntei e ela fez que sim
com a cabeça, voltando a dirigir, mas completamente atenta à mim. - Quer dizer, por
trás de cada tijolo que se constrói, por trás de cada detalhe decorativo que se coloca,
existe uma pessoa e suas emoções. Eu quero ser a pessoa que está se expressando
através dos ambientes. Eu quero que as pessoas me sintam através do que eu
construir... - fiz uma pausa, ponderando se deveria, ou não, dizer o que meu coração
gritava para que eu dissesse. - Exatamente como as pessoas sentem você através do
que você faz.
- A mim? - Camila perguntou, sem surpresa, mas com curiosidade, provavelmente
para saber o meu ponto de vista.
- Sim... - respondi com timidez, mas a driblei para continuar falando o que eu tinha
vontade de dizer há dias. - Você. As pessoas olham as coisas que você constrói e se
comovem. Não sou só eu que me sinto assim, são todas as pessoas que veem o que
você faz. Às vezes eu tenho a impressão de que suas veias correm entre as vigas do
que constrói. Não existe nada seu que não seja reconhecível, porque tudo o que é
seu, tem você. Tem suas emoções. Tem seu ar misterioso e genial. Você usa o
concreto ou qualquer material que esteja usando como se fossem lápis e você escreve
os mais belos poemas em forma de construções. É esplêndido e magnífico - as
palavras simplesmente saíam da minha boca. - como você.
- Eu já ouvi muitas coisas bonitas a respeito do meu trabalho, Lauren. - Camila falou,
olhando-me com atenção. - Mas nunca uma pessoa me viu com olhos tão puramente
generosos quanto você está me vendo. Obrigada... - ela falou, deixando escapar, pela
primeira vez em cinco terças feiras, um leve tom de timidez.
- Não precisa agradecer, não é como se eu não estivesse falando a verdade. - falei,
olhando-a firmemente nos olhos pelo máximo de tempo que consegui, que não foi
muito. - E você, por que decidiu estudar arquitetura?
- Você já observou que tudo ao seu redor é a respeito de arquitetura? - ela perguntou
e eu ponderei rapidamente sobre aquilo, mas antes que eu desse qualquer resposta,
ela continuou. - Tudo o que você olha está relacionado à arquitetura. Toda sociedade
se desenvolve a partir de cidades e digo isto no sentido mais amplo. Você não tem
sociedade se não tiver, ao menos, algum tipo de edificação que represente que em
determinado local, existem pessoas vivendo em sociedade, nem que seja ao menos,
uma tenda, por exemplo. - ela falou, enquanto guiava o carro pelo estacionamento do
Museu de Belas Artes, à procura de uma local para estacionar. - Tudo o que
conhecemos, absolutamente tudo, se desenvolveu a partir da arquitetura. A união de
várias pessoas, vivendo em comunidades, construindo padrões de construções de
acordo com seus padrões emocionais como sociedade, gerou a necessidade de novas
profissões, de novas áreas do conhecimento a serem desenvolvidas para tornar a vida
nas cidades possível. Quando decidi estudar arquitetura, eu queria conhecer tudo,
queria estar em tudo, queria fazer parte de tudo. - ela parou de falar, depois de
alguns segundos que havia parado o carro. - Mas acima de tudo, percebi que o
mundo era um aglomerado de sonhos construídos, às vezes transformados e
modificados, mas eram sonhos e eu queria dar sonhos às pessoas.
Eu a olhava com tal admiração que nenhuma palavra no mundo poderia expressar.
Quando seus olhos encontraram os meus outra vez, não fiz questão alguma de
desviar ou de mudar a expressão. Queria que ela enxergasse nos meus olhos todo o
encantamento que eu sentia por ela, toda a p...
- Por que está me olhando assim? - ela perguntou, pendendo levemente a cabeça
para o lado.
- Porque você é impressionante. - falei, simplesmente deixando que as palavras
saíssem da minha boca, sentindo-me completamente absorvida pela maneira como
ela me comovia e sem a menor disposição para lutar contra aquela onda enorme que
me arrastava para depois, me jogar contra a areia.
Os olhos profundos e curiosos de Camila tornaram-se rasos, perfeitamente legíveis
para mim, pela primeira vez e eu vi nos olhos dela exatamente o que ela via nos
meus.
"Ela está me olhando como se eu fosse a única pessoa no mundo".
Sorri para o pensamento e para o seu olhar, abaixando levemente a cabeça, para
esconder a timidez do meu sorriso.
- Olhe para mim. - ela falou, com a voz quase rouca.
E como se ela tivesse total controle sobre as minhas ações, eu a olhei.
Os olhos dela abraçaram os meus em um aperto quase sufocante que, embora me
matasse, me afogasse, eu não queria e não conseguia soltar. Não desviei o olhar do
dela e nem ela desviou o olhar do meu.
- Lauren... - Camila falou o meu nome quase inaudivelmente.
Sua mão subiu até que tocou o meu rosto, com tanta leveza que, não fosse o seu
toque quente e quase ácido, eu não teria sentido. Não pude controlar-me e fechei os
olhos, para sentir as minhas células absorverem o calor que saía das mãos de Camila.
O arrepiou começou no meio das costas e corroeu os meus braços, pernas, rosto, o
corpo inteiro, quando os dedos de Camila deslizaram pela minha pele. Sua mão
desceu até o meu pescoço e com a ponta do dedo, Camila fez alguns desenhos
aleatórios pela minha pele. Abri os olhos para, finalmente, olhá-la, mas antes que eu
pudesse abri-los completamente, Camila prendeu a mão na minha nuca e puxou-me
pelo pescoço, quase que instantaneamente colocando a outra mão no meu rosto,
pressionando a minha pele sob suas mãos, afundando o meu peito em um calor
excruciante.
Segurando-me em suas mãos, como se fosse sua posse, encostou nossas testas e
nossos narizes, de tal forma que seus olhos rasgavam os meus e sua respiração
corroía a minha pele, queimando a minha boca.
- Lauren eu... - sua voz estava falhada, rouca, baixa, quase como um sussurro.
Meu corpo estava sendo dominado por uma onda de arrepios intermináveis, como se
meu corpo estivesse na frente de um forno à mil e quinhentos graus. Minha boca
estava mole e meu corpo à total mercê da vontade da mulher que segurava-me o
rosto com tanta posse.
Antes que eu pudesse lembrar de respirar, Camila apertou um pouco mais a mão na
minha nuca e pressionando também o meu rosto, colou os nossos lábios, invadindo-
me a boca logo em seguida, com uma onde interminável de calor escorrendo dos
lábios dela para os meus. Segurei-me em seus dois braços, quase cravando as unhas
em sua pele, puxando-a para mais perto e ao mesmo tempo, tentando encontrar algo
para me manter presa ao mundo. Camila soltou e apertou novamente a minha nuca,
beijando-me tão avidamente que meu corpo estava incendiando. Apertei novamente
as unhas nos braços dela, apertando os olhos, tamanhas eram as emoções que me
invadiam.
E no meio daquele beijo ardido, queimante e devastador, um único pensamento
explodia em minha mente, como se o próprio sol explodisse dentro de mim:
Eu estava inequivocamente, irrevogavelmente, loucamente, vergonhosamente e
desesperadamente apaixonada por Camila Cabello.
Mamihlapinatapei

Camila's pov

Mamihlapinatapei (n.): "o ato de olhar nos olhos do outro, na esperança de que o
outro inicie o que ambos desejam, mas ninguém tem coragem de começar".

"Quente, doce, úmido, gostoso, invasor, delicioso...", minha mente se afogava em


palavras que descreviam a sensação de ter os lábios de Lauren Jauregui enrolados
aos meus, tão profundamente que nossas bocas pareciam ser uma coisa só.
"Desfrutável, entorpecente, viciante, provocante".

Sua boca quente queimava a minha, mordendo-me quase que desesperadamente os


lábios e sob minhas mãos, sua pele parecia desintegrar-se. Eu podia sentir os
minúsculos pelos de seu rosto eriçados sob a pele sensível de minhas mãos. As
sensações que eu percebia em Lauren deixavam-me em completo estado de êxtase,
como se todo movimento ou reação da garota fosse capaz de me levar à loucura, ao
completo delírio.

Como se Lauren fizesse minha alma gozar.

Meu coração, mero arquiteto de emoções alheias até aquele ponto, corria
desenfreadamente por todo o meu corpo, fazendo cada milímetro da minha pele
pulsar em um desejo ardente de me afogar nos lábios da garota que eu tinha sob
meus toques; sendo, pela primeira vez, arquitetado pelo destino para um estado de
profunda paixão.

"Paixão?!", a pergunta surgiu em minha mente e teve como resposta o ritmo


desenfreado do meu coração que chutava o meu peito. "Paixão...", afirmei
mentalmente para mim mesma, sentindo o meu peito incendiado, arder.

Apertei-lhe a nuca, puxando-a mais para dentro de mim, como se o ato de aperta-la
fosse fazê-la se fundir ao meu corpo. Suas unhas apertaram os meus braços com
mais força que antes, fazendo meu corpo reagir à dor prazerosa com um arrepio, que
resultou em minha boca sugando ferozmente seu lábio inferior.

Quando o ar nos faltou, juntas, em perfeita sincronia, inspiramos oxigênio, mas sem
descolar nossas bocas. Lauren ainda apertava meus braços e eu não podia e nem
queria tirar as mãos de seu rosto e nuca. Como se tivéssemos combinado, nossos
peitos subiam e desciam em um perfeito compasso, acelerados, denunciando o
desespero resultante de um beijo devastador.

Sentia-me invadida, como se Lauren tivesse rasgado minha mente, corpo e coração
ao meio, fazendo de mim, seu objeto de manipulação livre.

Nos dois dias anteriores, eu havia decidido que a trataria como fazia com todos os
outros alunos e nada além disso. A minha ideia de ajudá-la em seus desejos com
relação à arquitetura havia tomado proporções maiores do que eu esperava para mim
mesma. Meus planos não passavam de ajudar uma aluna que, visivelmente, merecia
atenção por ter os olhos tão sensíveis à profissão que escolhera, mas no final das
contas, me encontrei com a mente absorvida, vinte e quatro horas por dia e todos os
seus minutos, segundos e milésimos de segundo, por Lauren Jauregui e seu beijo
repentino e gostoso; por Lauren Jauregui e seu olhar possessivo sobre mim; por
Lauren Jauregui e seu cheiro de cachoeira em um dia ensolarado; por Lauren Jauregui
e sua pele branca e delicada; por Lauren Jauregui e eu, Camila Cabello, que de
repente, pareceu-me ser o desejo mais consumidor, enlouquecedor e arrebatador que
eu já tivera em toda a minha vida.

Todo o meu pensamento lógico e racional havia sido mandado para o espaço. Depois
de cinco terças feiras e dois dias, não havia lógica ou razão que não cedessem à doce
irracionalidade que era Lauren, dentro de mim. Todos os meus esforços em agir
maduramente com a garota eram destruídos no exato momento em que eu punha
meus olhos nela. Nela e em seus olhos que me prendiam em correntes, como se eu
fosse dela. Seus olhos eram como marretadas estrondosas nas minhas estruturas.

E ali, estava eu, caída aos pés de Lauren, entregue aos seus lábios e emoções,
entregue aos seus medos e confusões que tanto me intrigavam, que tanto me
confundiam.

- Você... me beijou. - ela falou, com a voz saindo fraquinha.

Senti seus lábios movimentarem-se nos meus enquanto falava e a sensação de ter
sua boca movendo-se suavemente pela minha, fez-me sorrir com os lábios colados
nos dela e receber de volta um sorriso que, depois de tocar meus lábios, se espalhou
por todo o meu rosto.

- Sim... - falei, deslizando apenas o meu lábio inferior sutilmente pelo dela, tentando
controlar a vontade de sorrir, mas fracassando, como sempre fracassava todas as
vezes que tentava controlar as minhas emoções sobre Lauren. - Eu beijei você. -
falei, meu tom saindo mais fraco do que desejava, denunciando a dificuldade de ar
nos meus pulmões.

Suas mãos apertaram os meus braços mais uma vez e no mesmo instante que abri
meus olhos, Lauren fez o mesmo, fazendo-me sentir puxada com força para dentro
dela, de tal forma que não podia parar de olhar os detalhes de sua íris, o contorno
quase escuro de seus olhos, os cílios bem marcados por rímel, a pupila dilatada...

- Isso quer dizer que... - ela deixou no ar, para que eu lhe desse alguma explicação.

"Isso quer dizer que estou louca", pensei, com certo humor. "Completamente louca
por v...".

Dei-lhe um sorriso, afastando-me um pouco e aliviando a tensão de minhas mãos em


seu rosto. Passei o polegar por seu queixo, o que a fez sorrir e fechar os olhos
rapidamente. Sorri para a sensação que a cena me causou: meu coração escorreu
para o chão, passando por todo o meu corpo, impregnando cada átomo da minha
essência com... com... com...

- Você é linda, Lauren. - Falei, tentando cortar o pensamento que eu não queria ter.

"Paixão", a palavra brilhou feito o sol em minha mente.

A garota deu um sorriso tímido, unindo as sobrancelhas e negando com a cabeça


rapidamente, como se discordasse da verdade mais óbvia que eu já dissera na vida.

- Por que me beijou? - ela perguntou, tentando disfarçar a vergonha que já estava
expressa no tom avermelhado que suas bochechas ganharam, desviando a minha
atenção, como sempre tentava fazer.

"Ela sempre pergunta tanto...", pensei com humor, afastando-me mais de Lauren.
"Ela é sempre tão..."

- Desesperadoramente linda. - completei o pensamento em voz alta, enquanto


buscava novamente, agarrar o seu olhar com o meu.

"Desde quando você acha mulheres desesperadoramente lindas, Camila?", perguntei-


me mentalmente, tentando buscar dentro de mim mesma, respostas. Como se
fossem o caminho para a resposta, meus olhos cravaram-se em Lauren. "Desde que
você a viu".

A olhei por alguns instantes e deixei descer, rasgando, garganta adentro, a vontade
de agarrar-lhe o rosto outra vez e beijá-la eternamente.

- Vamos entrar, a exposição já começou e vamos acabar nos atrasando. - falei,


abrindo a porta do carro e saindo em seguida, sem ao menos lhe dar tempo para
dizer qualquer coisa.

- Você nunca me responde as perguntas que faço. - Lauren falou, em seu costumeiro
tom de timidez, mas com uma leve irritação misturada, enquanto fechava a porta do
carro depois de sair.

Fiquei em silêncio enquanto dava a volta no carro, indo até o seu encontro. Parei ao
seu lado rapidamente, antes de voltarmos a andar pelo estacionamento, em direção à
entrada do Museu de Belas Artes de Boston.

- Porque eu senti vontade. - disse simplesmente, falando a verdade na ausência de


palavras escusas que me livrassem do peso de ter que dizer à ela o que eu sentia.

As vezes, os sentimentos chegam a tal ponto que não há saída, senão, se entregar
aos seus desejos. Eles nos amassam, nos pisam, nos envergonham, nos intimidam,
nos sufocam e ainda assim, ainda assim, ainda assim... nos dão todo o prazer do
mundo.

Lauren virou o rosto para mim, no exato momento em que eu a olhei e


paramos bem à entrada do Museu. Seus olhos eram demasiadamente verdes até
mesmo no escuro, o que dava a impressão de uma constante iluminação em seu
rosto. Não resisti ao impulso de tocar-lhe a face outra vez e sorri quando seus olhos
se fecharam em reação ao meu toque.

Sob o céu escuro de Boston, à entrada do Museu de Belas Artes, Lauren Jauregui
colocou os dois pés para dentro de toda a minha essência, tornando-me outra,
tornando-me mais eu mesma do que eu era antes, tornando-me sua. Não haviam
mais caminhos para onde eu pudesse correr. Todas as dúvidas haviam ganhado
respostas contundentes, quase como se fossem respostas do universo, no instante
em que nossos lábios haviam se tocado. Eu havia chegado a um ponto onde não
havia mais retorno. Não havia mais saída. Eu a queria e ela seria minha.

"Nunca houve saída, Camila", o pensamento surgiu em minha mente enquanto eu


encarava o rosto da garota que permanecia de olhos fechados. "Por que é tão difícil
resistir à você, Lauren?", me questionei mentalmente, sem me preocupar com o meu
corpo agindo como queria e cedendo à atração que o corpo dela exercia sobre o meu.
Colei minha boca em sua bochecha e inspirei o cheiro de sua pele enquanto sentia
meus lábios adormecerem na troca de calor entre nossas peles.

- Seu cheiro entorpece meu corpo. - falei com a boca quase colada em sua orelha,
apenas deixando as palavras saírem livremente.

- Você faz meus ventrículos gritarem por você. - ela sussurrou, soltando pesadamente
o ar em meio à sua voz fraca. - Quer dizer... é que... - ela tentou consertar,
afastando o rosto do meu.

- Eu sei o que são ventrículos, Lauren. - disse-lhe, olhando-a intrigada por tentar
entender o motivo de ter se afastado tão bruscamente.

"Por que ela se afastou?", perguntei-me internamente, franzindo o cenho enquanto a


olhava e esperando por qualquer resposta para uma pergunta que eu nem sequer
fizera.

- Não, eu sei, é que... Quer dizer, é claro que você sabe. - ela revirou rapidamente os
olhos, como se estivesse achando a si própria idiota. Eu sorri internamente e
continuei a observá-la. - Você sabe de tudo, quer dizer...você é um gênio e tudo
mais... Ai, é que... O que eu falei... Tipo... - ela falava rapidamente, dando pausas
quando as explicações lhe faltavam.

Eu sorri balancei a cabeça positivamente.

- Você entendeu. - Ela falou, exausta de tentar explicar e eu sorri para ela
novamente, tentando fazer-lhe entender que estava tudo bem e concordei outra vez
com um aceno positivo. - Tem alguma coisa que você não entenda?

Ponderei a respeito daquilo brevemente, sem tirar meus olhos dela, repassando em
minha cabeça todas as coisas que eu conhecia. Eu entendia todas. Sempre as entendi
sem nenhuma dificuldade, era para isso que servia ter uma mente de "gênio", para
entender coisas e pessoas. Exceto, Lauren.

- Você. - respondi, simplesmente.

- Eu? - Lauren levantou a sobrancelha esquerda, expressando sua curiosidade.

- Você. - disse-lhe, tocando em seu braço para que voltássemos a andar.

- Por que eu? - ela perguntou, andando lado a lado comigo até a enorme porta que
dava acesso ao salão principal do museu.

Paramos à porta.

- Porque você faz meus ventrículos gritarem por você.

O segurança abriu a porta e o ar gelado do ambiente interno tocou minha pele,


acompanhado pelo cheiro de flores e comida, que se espalhava pelo ar.

- E eu nem sabia que meus ventrículos podiam reagir emocionalmente até você
aparecer. - completei, virando-me para a porta, já aberta.

- Boa noite, senhorita Camila. - Cumprimentou o segurança, que eu não fazia a


menor ideia de quem era, mas rapidamente identifiquei o seu nome em uma pequena
plaquetinha, presa em seu paletó.

"Oliver", memorizei seu nome e rosto mais rapidamente do que uma


câmera tira uma foto.

- Boa noite, Oliver, como vai? - perguntei, adentrando o espaço e olhando para uma
Lauren estática e de olhos arregalados, fazendo sinal para que me seguisse.

- Bem, senhorita. - Ele respondeu cordialmente, fechando a porta do salão, assim que
Lauren passou. - A senhorita vai acompanha-la? - O homem perguntou-me
educadamente bem humorado, referindo-se à Lauren.

- Sim, ela irá me acompanhar.

- Tudo bem, senhorita Camila. A exposição está no salão A, sabe como chegar? - o
homem perguntou.

- Sei. Boa noite, Oliver. - o cumprimentei e ao mesmo passo de Lauren, caminhei em


direção ao corredor que dava acesso ao salão A.

- Você sempre conhece todos os seguranças dos lugares aonde vai? - Lauren
perguntou, enquanto caminhávamos pelo largo corredor, repleto de obras de artes
com valores milionários, sua voz, sempre em um tom a menos do que o normal.

Antes de respondê-la minha mente se obrigou a fazer uma rápida busca para o
motivo de ela estar me fazendo aquela pergunta e imediatamente o meu almoço com
ela no Deuxave me veio à memória.

"Eles é que sempre me conhecem", respondi primeiro para mim.

- Não, eu...

- Camila, querida! - a voz feminina com pesado sotaque britânico soou alta atrás de
nós, interrompendo-me de responder Lauren.

Virei o rosto para trás, para, não surpreendentemente, encontrar Mary James, que
segurou-me pelos dois braços e, sem que eu tivesse qualquer reação, deu-me dois
beijos, um em cada bochecha.

Mary James tinha quase sessenta anos, mascarados com muitas plásticas e excesso
de botox. Seu rosto tinha tanta simetria que chegava a incomodar. Seu cabelo loiro
curto, estava sempre bem penteado para o alto, dando uma clara visão de seu rosto
artificial. A mulher era rica como poucas mulheres algum dia chegariam a ser. Mary
James era o tipo de pessoa que gostava de se adequar aos ambientes em que estava
e por isso, se estava nos Estados Unidos, agia como uma norte americana, mesmo
que aquilo fosse totalmente adverso às suas origens comportamentais britânicas.
Mary James era o tipo de pessoa sobre a qual eu precisava me esforçar muito para
encontrar o lado positivo.

- Olá, Mary. Como vai? - Falei, devolvendo-lhe o cumprimento, mantendo-me séria,


mas cordial.

- Estaria melhor se você já tivesse aceitado fazer aquele nosso projetinho. - ela falou,
exuberantemente alegre, apertando meu braço como se fosse a bochecha de um
bebê.

"Então ficará eternamente assim", pensei.

Olhei lentamente do meu braço para ela, mantendo o olhar sério. Forcei um sorriso
curto na boca.

- Um dia conversaremos sobre isso. - respondi friamente, esforçando-me para manter


a polidez.

- Espero que esse dia chegue logo, não vejo a hora de ter seu nome em um
empreendimento meu. - ela falou, mantendo o ar exuberante e exagerado. - Quem é
essa bonitinha aqui, hein? - Perguntou com certo ar de superioridade, como se Lauren
estivesse abaixo dela ou de mim.

- Sou Lauren Jauregui, alu... - Lauren começou a falar, mas a interrompi.

- Minha companheira essa noite. - respondi, mantendo a expressão séria e olhei para
Lauren que estava com os olhos levemente arregalados postos em mim. - E por
muitas outras, possivelmente. - sorri brevemente para Lauren que engoliu seco e
ganhou um incêndio nas bochechas.

Sorri mais ainda para ela que devolveu o sorriso muito timidamente.

- Ahhhhh! - Mary James deu um sorriso malicioso, semicerrando os olhos enquanto


sua boca ofídica sorria. - Entendi... Entendi...

Sorri sem humor, recusando-me a deferir qualquer outra palavra à ela.

- Agora vou entrar, porque uma mulher como eu não pode se atrasar tanto assim,
imagina? - ela falou mais para si própria e seu ego inflado, do que para mim. -
Hello!!! - exclamou, como se o mundo se estivesse chamando a atenção do mundo
inteiro.

- Claro. - falei simplesmente.

- Beijinhos queridas.

Mary James empurrou a porta branca de modelo renascentista, com maçanetas


redondas e douradas, adentrando o salão A do Museu de Belas Artes.

Respirei fundo e me virei para a garota ao meu lado que me encarava com um olhar
que eu não podia definir.

- "Sua companheira"? - ela perguntou, exibindo uma expressão que eu nunca havia
lido em seu rosto antes.

- Sim. - afirmei, sem tirar os olhos dos dela para conseguir capturar alguma resposta.

Seus olhos se tornaram imensos e me disseram tantas coisas que demorei a


organizar em frases lógicas, em pensamentos que fizessem realmente algum sentido,
mas quando eu encontrei, eu vi dentro de Lauren exatamente o que via dentro de
mim: nós. Entretanto, além disso, eu vi incômodo.

- O que houve? - perguntei, ainda focada em analisar cada pequeno movimento de


seu rosto.

Sua boca se abriu como se fosse dizer algo, mas nada saiu. Suas sobrancelhas se
uniram repetidas vezes e por fim, suspirou, cedendo à algo que eu não compreendia.

- Você sempre leva companheiras aonde vai? - ela perguntou baixinho, olhando para
o tapete vermelho sob nossos pés.

- Não. - respondi simplesmente, tendo certa dificuldade em entender o motivo da


pergunta. - Nunca levei ninguém.

- Não? - ela levantou o olhar para mim, deixando expressa toda a sua confusão que
até aquele momento eu não entendia.

- Não. - disse outra vez. - Nunca tive alguém para "levar por aí".

- Não? - ela perguntou, alterando mais ainda o seu ar estupefato.

Eu dei uma risada, entendendo, a partir dali, o motivo da pergunta de Lauren.

- Garota interrogação! - exclamei com humor, mas sem tirar os olhos dela e ela
tampouco tirava os olhos dos meus.

Lauren deu uma risada quase alta, o que fez seu corpo se mover e expressar toda a
alegria que ela se esforçava em segurar. Suas formas se moveram curvilineamente e
imediatamente meu cérebro transformou aquelas formas em traçados curvos que se
estendiam por qualquer cenário imaginário para mim. Minha cabeça explodiu em
traçados infinitos que poderiam expressar o movimentar sorridente do corpo daquela
garota.

- Por que disse isso àquela mulher, então? - ela perguntou.

- Que você é minha companheira? - perguntei, para ter certeza a qual parte ela se
referia.

- Sim... - ela falou, mordendo um cantinho discreto e quase imperceptível de seu


lábio, fazendo-me sentir o peito pesar. - Quer dizer, você não se importa de dizer que
está sendo acompanhada por uma mulher? - Ela perguntou e, outra vez, fez uma
careta para si mesma. Eu sorri. - O que eu quero dizer é que você disse isso em um
outro sentido e...

- Eu sei em qual sentido eu disse. - Falei, olhando sua boca se movimentar e depois
suas narinas inflarem. - E... por que eu me importaria? - devolvi a pergunta.

Lauren enfiou os olhos nos meus, como se os agarrasse com as unhas e meu corpo
reagiu à isso com fortes espasmos musculares em todos os espaços escondidos de
mim.

- Porque as pessoas se importam com isso. - Ela falou.

- Você se importa?

Lauren olhou para o chão e em seguida para mim outra vez e depois de longos
segundos encarando-me com a expressão séria, balançou a cabeça negativamente.

- Então eu não me importo.

Os olhos de Lauren sorriram para mim.

- Vamos entrar... - disse-lhe carinhosamente. - Preciso cumprimentar meu amigo. Eu


prometo que não vamos demorar.

- Não me importo em demorar. - ela respondeu rapidamente e arregalou os olhos. - É


que...é seu amigo e...

Empurrei a porta e olhei para Lauren, dizendo apenas com o olhar e um curto aceno
de cabeça "você não precisa se desculpar" e a deixei entrar antes de mim no salão.

Mal a porta se abriu e duas pessoas que eu não me lembrava de ter visto em lugar
algum, o que era estranho, porque eu sempre me lembrava de absolutamente tudo,
me cumprimentaram simpaticamente, dizendo o quanto estavam felizes por me ver
ali.

- As pessoas são sempre assim com você? - ela perguntou, enquanto atravessávamos
o salão, indo ao encontro de Louis, que estava atento a uma repórter que variava o
celular entre sua boca e a do meu amigo, enquanto ele respondia.

- Nem sempre... - respondi vagamente, olhando-a de lado.


Lauren era impressionantemente bela. Eu nunca falhava em descrições, mas com ela
era muito fácil cair em erros linguísticos que eram adjetivos que não lhe faziam a
menor justiça.

"Linda, bela, natural", pensei, observando-a movimentar a boca enquanto falava


comigo, compreendendo o que dissera por ler seus lábios, mas não por realmente
escutá-la. "Belíssima".

- ...porque parece que você... -

- Belíssima. - falei meu pensamento em voz alta, interrompendo-a.

- O que? - Ela perguntou, olhando ao redor, procurando por algum fotografia sobre a
qual eu estivesse me referindo. - Qual? - Ela perguntou, olhando para a gravuras ao
seu lado.

- Você. - eu disse, sem parar de olhá-la.

Lauren olhou para mim e suspirou pesadamente.

- Você. - ela falou em um tom suave, açucarado.

- Camila, mi amor!!!! - Louis exclamou, interrompendo sua entrevista assim que me


viu, caminhando ao meu encontro e dando-me dois beijos em cada bochecha, os
quais eu, com prazer, retribui.

- Louis! - Falei, dando-lhe um beijo em cada bochecha, enquanto tocava em seus


cotovelos.

- Como estou feliz por vê-la senhorita "ganhei.um.pritzcker"! - Ele falava com todo o
seu tom escrachado e exuberante, olhando-me nos olhos e com um sorriso sincero.

Louis havia sido meu colega de faculdade durante os dois primeiros anos do curso,
que decidira abandonar para se dedicar à fotografia, seu verdadeiro amor. Desde
então, nunca mais deixamos a amizade de lado. Não fosse por Louis, eu jamais teria
suportado a morte de minha mãe.

- Estou feliz por vê-lo senhor "estou.expondo.nos.melhores.salões.de.arte.do.mundo".


- falei, fazendo-lhe um carinho no braço.

- AI MEU DEUS! - Louis exclamou desesperado, quando olhou rapidamente para o


lado e viu Lauren. - AI MEU DEUS, QUEM É ESSA OBRA DE ARTE? - ele exclamou,
largando o meu braço e tocando o dela.

Lauren arregalou os olhos e mesmo vermelha como um tomate, sorriu para Louis.

- Essa é Lauren Jauregui. - olhei para ela, sentindo-me tão "ai meu Deus" sobre a sua
beleza quanto Louis. - Ela está me acompanhando.

- O QUE?! - o homem exclamou, arregalando os olhos para mim, mas sem


tirar as mãos de Lauren. - Você está saindo com alguém que não é Sofia? É o
apocalipse. Preciso me arrepender de toda maconha que já fumei. - ele falava,
deixando claro todo o seu choque.

"De toda heroína que injetou e de todo o pó que cheirou", pensei e ri internamente.

- A exceção vale muito a pena, pode acreditar. - falei e percebi os olhos de Lauren
sobre mim, engolindo-me.

- Louis, pode vir aqui por favor? - a assessora de Louis, com seu fone de ouvido e
prancheta em mãos, o chamou, interrompendo a conversa.

- Só um minuto. - Ele disse, voltando-se para mim e Lauren outra vez. - Garota, você
é linda e eu não vou morrer sem antes fotografar você! - Ele declarou. - Isso não foi
um pedido implícito, foi um fato constatado.

- Eu não sou linda. - Lauren respondeu polidamente e sorriu para Louis com carinho.
- Mas adoraria ser fotografada por você.

- Então está feito! - Ele exclamou, soltando os braços da garota ao meu lado. -
Amanhã vou almoçar com a Camila, você vai junto. - Louis decretou e eu sorri com a
ideia de ter os dois como companhia para um almoço. - Agora eu vou lá, se não
aquela drácula da minha assessora me corta a cabeça. - o rapaz despediu-se de
Lauren e depois de mim, saindo feito uma bala até onde estava a sua assessora.

- Ele é sempre assim? - Lauren perguntou, virando de frente para mim.

- S e m p r e. - respondi pausadamente e a garota deu-me um sorriso. - Tudo bem


pra você almoçar conosco amanhã?
- Tudo bem pra mim almoçar com você, amanhã. - ela falou, olhando fixamente meus
lábios.

Sorri vagarosamente acompanhando o movimento de seus olhos seguir o da minha


boca, sentindo meu peito pulsar descompassadamente com o olhar de Lauren.

- Quer... passear pela exposição? - perguntei, sentindo certa dificuldade em manter


minha respiração ritmada.

"O que ela está fazendo comigo?!".

- Adoraria.

Pelos próximos trinta minutos eu e Lauren caminhamos pelos corredores do salão A,


conversando a respeito das fotos incríveis de Louis, sobre sua sensibilidade extrema
como fotografo e uma infinidade de outros assuntos que me deixaram surpresa, por
Lauren conseguir falar tão bem a respeito. Sua propriedade em discorrer os vários
temas que surgiam era impressionante para mim, que, quase sempre entediava-me
com a maneira rasa que as pessoas comumente usavam para falar.

Vez ou outra, pessoas nos paravam para me cumprimentar e dizer o quanto


gostariam de um projeto meu.

- Você não se incomoda com isso? - Lauren perguntou, depois que o sétimo casal
que nos parara sumiu no corredor ao lado.

- Não sempre. - falei, parando ao lado da fotografia que eu mais gostava de Louis. -
Depende da pessoa que está falando comigo. Às vezes é extremamente agradável,
outra vezes é só... - pensei na palavra apropriada para descrever. - comum.

- Você não gosta de coisas comuns? - Lauren perguntou, apoiando o ombro na parede
ao seu lado.

- Gosto. - respondi-lhe. - Há tanta beleza no comum quanto há no raro.

- Então por que se incomoda quando é "comum"? - ela perguntou, pendendo


levemente a cabeça de lado.

- Não é o fato de ser comum que me desagrada. É o fato de que aquelas pessoas me
cumprimentam porque sou Camila Cabello, porque meu nome saiu em todas as
revistas depois do Pritzcker, e não porque realmente sentem o que eu faço. - tentei
explicar com o máximo de exatidão possível. - Como você sentiu, por exemplo. -
completei, sentindo-me desconsertada com o olhar de Lauren sobre mim.

- Mas as pessoas cumprimentam Camila Cabello porque sentem o seu


trabalho, porque veem o quão incrível você é no que faz, quer dizer, é só olhar para
os projetos que tem o seu nome e tudo emite tanto sentimento, tanto de você. Não
dá pra não sentir você em cada linha, em cada curva. Não é como se as pessoas
tivessem a opção de não sentir. - Lauren falou, demonstrando estar consternada com
o que eu acabara de lhe dizer.

- Lauren, pessoas compram pessoas. - falei, olhando em seus olhos, para que ela
jamais esquecesse. - Essas pessoas que me param, que vão ao meu escritório, que
querem o "meu nome" em suas casas ou edifícios, não fazem isso porque confiam
que eu posso realizar os sonhos deles; eles fazem isso porque eu sou Camila Cabello
e ganhei um Pritzcker. Eu posso fazer o pior projeto do mundo, mas se for meu, eles
vão gostar. Eles não compram o sonho, eles ME compram. E é por isso que, nesse
caso, o comum me "irrita", vez ou outra, mas não é nada com o que eu não possa
lidar.

- Eu discordo... - Lauren falou baixinho, por algum motivo, sentindo-se envergonhada


por discordar de mim. A olhei com curiosidade. - Você dá sonhos às pessoas, é por
isso que elas procuram por você, é por isso que elas querem o seu nome em suas
casas... Se elas procuram você porque compram o seu nome, elas falam de você com
encantamento depois porque você deu à elas o paraíso. É por isso que você é o que
é, você dá o paraíso às pessoas, Camila. Você torna tudo belo e familiar.

- Você me vê com olhos bondosos, Lauren. - expus o primeiro pensamento que


explicava para mim mesma o fato de aquela garota se expressar sobre mim de uma
maneira tão doce, mesmo quando a realidade não era tão doce assim.

- Eu a vejo com olhos realistas. - Lauren falou, quase que "batendo os pés" com as
palavras e eu sorri.

Lauren deu um passo à frente e pôs a mão carinhosamente em meu rosto, ajeitando
uma mecha bagunçada do meu cabelo, e meus olhos acompanharam os seus que
queimavam a minha pele. Senti o calor de seu toque invadir o meu sangue e em uma
batida ensurdecedora do meu coração, se espalhar por todo o meu corpo. Apertei os
dentes em resposta ao sentimento desenfreado que fazia-me tremer internamente e
segurei a mão de Lauren que ainda estava em meu rosto, trazendo-a até a minha
boca. A pressionei levemente contra os meus lábios, mantendo os olhos costurados
ao da garota à minha frente, que variava o olhar entre meus olhos e minha boca em
sua mão. Lauren aproximou-se um pouco mais, como se seu corpo fosse tão fraco
quanto o meu em resistir à atração que nos sugava, uma para a outra.

- Quero lhe mostrar uma coisa. - falei em um tom baixo, quase rouco, sentindo o
peso de sua presença falhar a minha voz.

A virei de costas para mim e de frente para o quadro. Na imagem, havia apenas o
rosto de uma senhora extremamente idosa, com a pele toda enrugada, os cabelos
bagunçados e mal cuidados. Os dentes eram amarelados e quebrados. A figura em
um todo não era realmente agradável à olhos que procuram beleza.

- O que vê? - perguntei, com a boca quase encostada no ouvido de Lauren. Senti o
corpo da garota se retesar, seus músculos dançaram encostados aos meus que
praticamente abraçaram os dela.

Inspirei profundamente o cheiro de sua nuca e cabelo, sentindo aquele cheiro


impregnar os poros do meu pulmão, tornando-se parte de mim.

- Vejo... - a voz de Lauren saiu fraca. - Uma senhora, maltrapilha... - arrastei o nariz
pela parte de trás da orelha da garota, incapaz de controlar o desejo de ter o seu
cheiro cada vez mais dentro de mim. Lauren falava com dificuldade. - Com um sorriso
alegre, mas não muito bonito por causa dos dentes... - Lauren suspirou
pausadamente. - maltratados.

Encostei novamente os lábios em sua orelha, com delicadeza, quando percebi que já
havia acabado de falar o que via.

- Não veja o óbvio, Lauren... - falei calmamente. - Não veja o todo, porque o todo
nem sempre é belo. Veja os detalhes. - segurei a sua mão e levei a ponta de seus
dedos até os olhos da mulher, na fotografia. - Veja como os olhos dela sorriem. Veja
as linhas bonitas de sua boca. - continuei, fazendo a ponta do dedo de Lauren
circularem as linhas da boca, na fotografia. - Veja o formato do rosto. Tudo nela é
belo e único. Você só precisa VER. Não olhe, veja. - completei, levando a mão da
garota para o seu próprio rosto. - E sinta. - passei a ponta dos seus dedos por seus
olhos, fazendo-os fechar. - Veja-os com beleza em sua mente. - falei, arrastando os
lábios por sua orelha. - Veja somente o belo, Lauren. O mundo já está cheio demais
de pessoas enxergando o feio.

Lauren virou-se de frente para mim com rapidez e agilmente passou os braços em
volta da minha cintura, segurando o meu corpo contra o seu com mais força do que
eu achava que fosse possível. Meu peito afundou em um desejo incontrolável de tê-la
ainda mais perto do meu corpo, ainda mais perto da minha pele.

A respiração ofegante e pesada de Lauren beijava a minha pele como ácido, corrosivo
e letal. Seu peito se chocava contra o meu que denunciava a fraqueza do meu corpo
com a proximidade repentina e carnal do dela. Lauren nada dizia, apenas me olhava,
com os lábios tão ardentes que chegavam a tremer.

Tomei uma leve puxada de fôlego.

- Quer sair daqui? - perguntei quase sem voz.

- Por favor. - Lauren disse, apertando os braços em volta do meu corpo mais uma
vez, fazendo-me escorrer para fora de mim.
Camren

A/N: POR FAVOR, ESCUTEM A MUSICA DESDE O INICIO DO CAPITULO.


(drunk in love - the weekend)

Lauren's pov

Camren (n.): uma voz que não usa palavras. Apenas se sente. Apenas se escuta.

Êxtase. Suas mãos puxaram-me pelo quadril fazendo nossos corpos se chocarem em
meio a escuridão daquele quarto. Meu sexo manifestou toda a luxúria quente e
molhada que corria pelo meu corpo.

"Oh...", gemi mentalmente, mordendo os lábios, que tremiam junto com todo o meu
corpo em resposta à excitação que me mastigava viva.

Agarrei com as unhas nos cabelos de sua nuca, tentando buscar algum ponto de
equilíbrio além de seus braços que envolviam possessivamente o meu corpo. Seus
dentes e lábios prenderam-se ao meu pescoço, chupando deliciosamente a minha
pele e como se a sensação de sucção fosse de fora para dentro, todas as minhas
moléculas vibraram, fazendo-me sentir toda a minha pele arder, como se cada espaço
de mim estivesse consumido por um incêndio impossível de ser apagado.

Nossas roupas haviam sido deixadas pelo caminho até o quarto e só nos sobravam no
corpo as peças íntimas, de tal forma que quando suas unhas desceram fortemente
pelas minhas costas, minha pele ferveu em desespero. Joguei a cabeça para trás,
mas as mãos de Camila logo subiram de volta e senti seus dedos serem enfiados nos
cabelos da minha nuca pouco antes de sentir a dor prazerosa e viciante de sentir seus
dedos puxarem os fios que ela segurava para trás, ao mesmo tempo, puxando minha
cabeça para si e sem ao menos me dar tempo para respirar ou raciocinar os
movimentos que meu corpo fazia, sugou minha boca inteira, dando-me um beijo
lascivo e incendiário.

A pouca luz que ainda havia no quarto desapareceu quando ela esticou o braço e
fechou a porta ao nosso lado sem ao menos olhar. Antes que eu pudesse raciocinar
que a porta estava fechada, senti meu corpo se chocar contra a porta e o corpo de
Camila encaixar-se ao meu. Nossas peles se beijavam tão ardentemente quanto
nossas bocas. O quadril de Camila estava pressionado ao meu e sua coxa deslizava
sutilmente entre as minhas, provocando-me, fazendo-me escorrer enlouquecidamente
a cada centímetro de pele dela que se arrastava pela minha.
- Eu quero você. - Camila falou baixo em meu ouvido, em um sussurro libidinoso e
impregnado de excitação.

Ou a frase ou a sua rouquidão fizeram meu sexo pulsar e empurrei o meu corpo
contra o dela, que respondeu pressionando a coxa contra a umidade entre minhas
pernas. Apertei as unhas ferozmente em suas costas, mordendo os lábios ao mesmo
tempo, tentando, fracassadamente omitir o gemido que me veio à garganta, quando
ela mordeu minha orelha e a chupou vagarosamente.

- Oh...Camila... - eu gemi o nome dela, apertando os olhos com força, tentando


prolongar a sensação de sua coxa pressionando-me excitantemente o sexo.

Camila pressionou mais ainda a coxa em mim, fazendo-me sentir os lábios do meu
sexo abrirem-se e meus dentes se chocarem com a sensação enlouquecedora que
subiu pela minha carne. Meu corpo só respondia à ela, sendo totalmente maleável aos
desejos que ela manifestava. Nossos corpos dançavam em uma dança enlouquecida
de toques desesperados. Como se tivessem um imã, nossos quadris se moviam
juntos, procurando um ao outro; e assim, nossas pernas, pés, coxas, se buscavam
com urgência, nunca deixando um milímetro sequer de pele se desencostar.

A mulher que me possuía, virou-me para o outro lado, devorando-me a pele


enquanto guiava o meu corpo mole através do quarto, até que senti minhas pernas
baterem na cama e seu corpo empurrar-me intensamente para trás.

Meu corpo se chocou contra o colchão no mesmo momento em que o corpo de Camila
se chocou contra o meu e a sensação de tê-la pesando sobre mim foi
enlouquecedora. Meu corpo se consumiu por um desejo desesperado de ter mais dela
e sem pudor algum, forcei meu corpo para cima, na tentativa de virá-la para baixo de
mim.

- Tch tch. - Camila fez um barulho de negação com a boca, balançando a


cabeça da mesma forma e pesando o quadril no meu, enquanto prendia os meus
braços pesadamente com suas mãos, acima da minha cabeça.

O olhar afrodisíaco de Camila fez-me sentir outra vez o líquido quente e denunciante
escorrer, dando-me uma sensação gostosa de prazer. A puxei com força pelos
cabelos, para mim, levantando o meu corpo para alcança-la mais rápido e, apertando
as duas mãos em seu rosto, suguei seus lábios com tanto tesão que minhas pernas
tremeram, manifestando a vontade de senti-la me tocar. Camila gemeu baixinho com
a boca presa na minha e movimentou seu quadril no meu de tal forma que nossos
sexos, ainda cobertos deslizaram um pelo outro. Ela prendeu minha língua em sua
boca e a sugou deliciosamente, mexendo vagorosamente e dolorosamente seu sexo
sobre o meu, fazendo-me sentir a sensação de ter tido a minha alma sugada para
dentro de Camila e todas as minhas veios pulsarem e incharem, implorando por mais.

Camila mordeu-me o lábio, puxando-o quase a ponto de arrancar e quando a dor já


estava ultrapassando os limites do prazer, ela soltou, dando um sorriso lascivo ao ver
a minha expressão de desespero. As mordidas continuaram pelo meu pescoço,
seguindo para baixo e antes que eu pudesse me preparar para aquilo, Camila deslizou
a língua quente pela parte exposta do meu seio, fazendo um caminho excitante por
alguns centímetros adentro. Sua língua fazia um caminho corrosivo pela minha pele,
derretendo-me toda para dentro. Meus pulmões pararam no exato instante em que
Camila, com uma das mãos abaixou um dos lados do meu sutiã e deslizou lentamente
a língua pelo meu mamilo, olhando-me em como se estivesse a ponto de me devorar.
Cravei as minhas unhas em seu ombro, tentando manter os olhos abertos, mas
entregando-me ao prazer de sentir sua língua venenosa chupando o meu seio com
desespero e urgência.

Segurar-lhe o ombro não era mais suficiente, então rapidamente coloquei as duas
mãos em sua cabeça, apertando com certa força em sua nuca, puxando-a para que
ela consumisse todo o meu seio, para me absorvesse. Em resposta, Camila prendeu o
meu mamilo entre sua língua e o céu de sua boca, sugando com mais intensidade,
fazendo-me sentir um prazer tão intenso que não pude me conter e gemi
vergonhosamente. O corpo de Camila tremeu sobre o meu e sua língua vacilou,
soltando-me. Ela soltou o meu sutiã, deixando os meus seios expostos e antes de
olhar para os meus olhos outra vez, parou o olhar no meu corpo nu por alguns
instantes.

Camila subiu a mão direita pelo meu corpo, agarrando o meu seio outra vez e dessa
vez, arrastou os dentes e a língua, mordendo-me enquanto eu gemia cada vez mais
alto, cada vez mais descontrolada, cada vez mais...dela. A mulher que tanto me
enlouquecia, com as mãos segurando o meu seio, subiu o rosto até a altura do meu e
colou seu ouvido em minha boca, enquanto pressionada seu sexo contra o meu.

- Geme baixinho pra mim, Lauren... - ela pediu, descendo a mão pela minha barriga e
afastando parte da minha calcinha para o lado.

Seu dedo desceu vagarosamente pelo meu sexo, abrindo-me, rasgando-me, tal era a
quentura que havia em mim. Eu gemi com a boca colada no ouvido de Camila,
sentindo seus dedos invadirem o meu sexo, lentamente, como lava que queima tudo
onde toca. Camila arrastou o seu próprio sexo pelo meu quadril no exato instante em
que gemi roucamente em seu ouvido. Ela alcançou o ponto de entrada e com a
mesma lentidão dolorosa começou a colocar o dedo para dentro de mim.

"Homossexualidade é pecado", a voz de minha mão gritou em minha cabeça no exato


instante em que o dedo de Camila chegou ao fundo de mim, fazendo-me sentir tanto
prazer e dor ao mesmo tempo que eu gritei em seu ouvido. Ela repetiu o gesto e,
incontrolável, o meu corpo foi para trás. "Eu prefiro uma filha morta a uma filha
lésbica", a voz de minha mãe voltou à minha mente.

- Para. - falei ofegante. - Por favor, para. - repeti e Camila parou imediatamente,
retirando o dedo de dentro de mim e tomando alguma distância para me olhar.

- O que houve? - Ela perguntou, fixando o olhar no meu e eu jamais vira o seu olhar
tão penetrante quanto naquele momento.

Baixei o olhar, desviando do dela e fiz um sinal negativo com a cabeça.

- Eu... - as palavras estavam engatadas na minha garganta. - Eu...

- Shhhhh. - ela fez um barulho com a boca, colocando a ponta do dedo na minha
boca, carinhosamente. - Está tudo bem. - Ela disse, com um olhar infinitamente
compreensivo fixo ao meu.

Eu a olhei profundamente por alguns segundos, sem saber o que dizer ou porque eu
não conseguia, quando o meu coração estava totalmente entregue à ela.

- Me desculpe... - eu falei, sentindo o meu peito pesar e todas as emoções do mundo


misturadas no meu corpo.

Felicidade por estar com ela, euforia por estar com aquela mulher incrível em um
momento tão íntimo, tão pessoal. Eu estava tão entregue a alguém quanto jamais
estivera em toda a minha vida, mas havia algo...havia algo...

- Lauren... - Camila falou com a voz suave. - Está tudo bem. - ela aproximou o rosto
do meu e beijou-me a testa com delicadeza.

Como de costume, meu corpo reagiu com exasperação ao contato dela e eu a puxei
para um abraço, esquecendo-me completamente do quanto tocá-la me parecia
sempre algo inalcançável. Camila retribuiu o abraço e depois afastou-se de mim,
saindo de cima do meu corpo e sentando-se na cama.

- Você se incomoda se eu lhe levar para casa ou quer que eu chame um táxi? - Ela
perguntou, sem um pingo de chateação na voz, mas sem um pingo de nenhuma
outra emoção aparente.

- Por que eu iria querer um táxi? - perguntei, sem entender, levantando-me depois de
fechar o meu sutiã, sentando-me ao lado dela na beira da cama.

- Porque eu suponho que não queira mais ficar perto de mim. - Ela disse,
simplesmente e percebi ela engolindo em seco, um nó que descia por sua garganta e
eu não entendia o motivo.

- Não! - Exclamei exasperada, sentindo um leve desespero invadir o meu peito


somente com a menção da ideia de não ficar mais perto dela. - Por que acha isso? -
perguntei, atrevendo-me a tocar seu queixo e fazê-la virar o rosto para mim.

- Porque você... - ela parou, mas não vacilou o olhar do meu, apenas encaixou seus
olhos o suficiente nos meus para que pudesse ler alguma coisa. - não me quis...

- Eu quis! Eu quero! - exclamei da mesma forma, sem controlar o meu tom de voz ou
o que eu dizia. - É só que... - olhei para baixo. - Eu não consigo...

- Por que? - Camila perguntou, simplesmente.

- Eu nem sabia que gostava de mulheres até você aparecer. - falei com a mesma
franqueza que ela, aceitando que não era o momento para rodeios.

Camila uniu as sobrancelhas, encarando-me com certa seriedade e em seguida, tocou


o meu rosto com carinho, deslizando o polegar pela minha bochecha.

- Talvez você goste só de mim. - Ela disse, colando a boca no meu ouvido e
deslizando o nariz carinhosamente por ali. - Do mesmo jeito que eu só gosto de você.

Meu corpo encheu-se de leveza e doçura. O tremor repentino consumiu-me mais uma
vez, fazendo-me arrepiar o corpo inteiro. Fechei os olhos, aproveitando a sensação de
ter seu rosto tão perto do meu.

- Você gosta de mim? - perguntei, com os olhos fechados, desfrutando do carinho que
sua boca fazia na lateral do meu rosto.

Inspirei profundamente, tentando manter-me atenta, depois que era prendeu minha
orelha entre os lábios e soltou. Ela sorriu com a boca colada na pele da minha
bochecha.
- Demasiadamente, Lauren. - Ela falou e eu senti seus lábios fazendo desenhos em
mim.

Camila descolou o rosto do meu e afastou-se apenas o suficiente para que pudesse
me olhar. Seus olhos estavam intensos e minuciosos, como se estivessem atentos até
às linhas dos meus.

- Eu quero você, Camila. - Falei, olhando rapidamente para baixo e mordendo o lábio,
sentindo minhas bochechas pegarem fogo.

Ouvi a respiração profunda que Camila tomou e percebi seu peito subir e descer
pesadamente. Seu dedo tocou o meu queixo, forçando levemente o meu rosto para
cima, para que eu pudesse olhá-la e quando o fiz, meu mundo despencou aos pés de
Camila Cabello.

- Eu também quero você, Lauren. - ela disse e um universo novo explodiu dentro de
mim, com milhões de estrelas brilhando e brilhavam para ela.
Solasta

A/N: Escutem "I was made for loving you - Tori Kelly", do começo do
capitulo até a musica acabar.

Lauren's pov

Solasta (adj.): Luminoso. Brilhante.

As luzes de Boston eram sempre muito intensas durante a noite. Pontos amarelos
brilhavam por todos os lados de uma perspectiva distante, mas não o amarelo pálido
que se vê por aí e sim um amarelo brilhante, intenso, combinando perfeitamente com
o meu estado de espírito inflamado. Havia luz a todo o alcance dos olhos, como uma
selva de vagalumes brilhando constantemente no meio da escuridão profunda da
noite.

"A dangerous plan, just this time... A stranger's hand clutched in mine.", a música
soava baixinho vinda do som do carro que estava sintonizado em uma rádio local. "I'll
take this chance, so call me blind. I've been waiting all my life", desviei os olhos das
luzes que brilhavam do lado de fora da janela do carro para a luz que brilhava ao meu
lado: Camila Cabello.

Seu cabelo estava levemente bagunçado, resultado ainda das minhas mãos
desesperadas atacando-a uma hora antes. Ela segurava o volante com a mão
esquerda, dirigindo em linha reta pela auto estrada que levava à ponte de acesso à
Cambridge e com a direita, segurava carinhosamente a minha mão, deslizando o
polegar carinhosamente por meus dedos. Seus lábios estavam infinitamente mais
vermelhos do que de costume e levemente inchados, em consequência dos beijos
descontrolados e intensos que havíamos trocado.

"Por que não a deixou continuar, Lauren? Por que parou?", perguntei a mim mesma,
observando-a dirigir, discretamente. "Você gosta dela, você sabe que gosta", meu
coração falava mansamente comigo, como uma brisa suava soprando em minha
mente.

Enchi os pulmões de ar e soltei lentamente, tentando buscar algum outro alívio para o
meu coração recentemente desordenado. Meus olhos, meus inimigos por tantas
vezes, fixaram-se nas linhas bem desenhadas da mandíbula de Camila, que, do meu
ponto de vista, pareciam ter uma iluminação própria, quase como de houvessem
minúsculas luzes escondidas em seu rosto.
"Please, don't scar this young heart, just take my hand", música continuava soando
em um volume forte apenas o suficiente para que eu e Camila a escutássemos
intimamente. O trecho fixou-se em minha mente, como um alerta para mim mesma,
de que aquele era um pedido do meu coração, sobre o qual eu não tinha consciência
até aquele momento.

"Por favor, não deixe cicatrizes nesse jovem coração, apenas segure a minha mão",
pensei e involuntariamente suspirei, enquanto encarava o rosto perfeito de Camila.
Como se tivesse escutado os meus pensamentos, Camila apertou os dedos em minha
mão.

Não trocamos nenhuma palavra no caminho de volta ao meu dormitório. Não


precisávamos de sílabas quando o silêncio nos falava com tanta clareza. Nossos
corações conversavam em completo entendimento, usando apenas o que sentíamos.

Camila parou o carro exatamente no mesmo lugar onde o havia feito quando fora me
buscar, sete horas antes. Ela diminuiu o volume do som até o zero e virou-se para
mim.

- Desculpe-me por lhe trazer tão tarde. - ela falou, com extrema educação e um leve
pingo de doçura. - A intenção era lhe devolver às onze. - falou, justificando-se.

Franzi o cenho, sem entender exatamente porque ela estava dizendo aquelas coisas,
sem entender porque ela estava se justificando por algo que, definitivamente, não
necessitava nem de desculpas, nem de justificativas.

- Eu pensei que a intenção fosse não me devolver... - falei quase baixo, mas
conseguindo manter um tom de voz razoável.

Camila arregalou levemente os olhos e negou com a cabeça.

- A intenção estava longe disso. - ela disse, em um tom mais sério. - Eu


jamais tive em mente qualquer planejamento para o que... aconteceu hoje... -
completou, olhando fixamente, passando-me mais certeza do que era necessário.

Jamais havia passado por minha mente a ideia de que Camila tivesse me chamado
para sair com ela, tendo em mente um encontro sexual. As coisas que aconteceram,
aconteceram por si só e não foram, nem de longe, uma manifestação unilateral da
parte dela. Eu havia caminhado até o carro dela por livre e espontânea vontade. Eu
havia caminhado até o quarto dela, por livre e espontâneo desejo que me corroía. Eu
a havia deixado tirar a minha roupa e morder meu corpo e me tocar intimamente
porque eu quis. Porque eu a queria ardentemente.

- E eu jamais achei que tivesse. - falei, tocando a sua mão que estava apoiada na
própria perna, àquela altura. - Camila..

- Me desculpe, Lauren. - Ela falou, interrompendo-me. - Fui longe demais e não


queria ter ultrapassado os seus limites.

- Não ultrapassou. - Afirmei, antes que ela continuasse a dizer qualquer coisa. - Eu
não pedi para parar porque não estava me sentindo confortável ou porque não estava
gostando. Eu pedi para parar porque eu... É confuso... - fiz uma careta para mim
mesma e para a minha falta de eloquência em explicar e até mesmo entender o que
acontecia comigo. Soltei um suspiro cansado, cedendo à ausência de palavras que
explicassem com dignidade de estilo e disse apenas o que estava em minha mente. -
Eu senti medo.

- Medo? - Camila perguntou, pendendo levemente a cabeça para o lado. Balancei a


cabeça positivamente, incapaz de falar. - De que?

- De tudo... - respondi simplesmente.

- Até de mim? - ela perguntou, sendo específica somente no ponto em que mais lhe
interessava no momento.

Balancei a cabeça positivamente outra vez, resignando-me ao conforto do silêncio.

- Não sinta medo de mim, Lauren.

"Não é de você que eu tenho medo. Eu tenho medo do que eu estou sentindo por
você", pensei, encarando a pele de sua barriga que estava à mostra. Subi o olhar
para encontrar o dela.

- Eu estou tentando. - falei, omitindo o pensamento que acabara de ter.

Camila semicerrou os olhos e uniu as sobrancelhas, deixando expressivamente claro


que tentava entender algo que não conseguia. Engoli em seco depois de alguns
segundos encarando aquele mar intenso e devorador que eram seus olhos e desviei o
olhar, sentindo-me bagunçada demais para continuar olhando.

- Eu acho melhor você ir... - Camila falou, usando um tom que eu não consegui
identificar. - Está muito tarde e eu já tomei bastante do seu tempo por hoje. - ela
disse e, não aguentando a ausência de expressão levantei o olhar para procurar algo
em seu rosto.

Havia uma mistura de nada com compreensão e.... "Tristeza", a palavra surgiu em
minha mente e imediatamente procurei algum sinal de tristeza no rosto de Camila.
Nada. Ou tudo?

- Lauren... - ela falou o meu nome e a minha mente saiu do transi de procurar algo
em seu rosto. - É melhor você ir... - repetiu, usando o mesmo tom inexplicável de
antes.

- Ah... Tudo bem. - falei, ajeitando-me e virando de frente, no carro. Destravei a


porta do carro e olhei rapidamente para ela. - Obrigada pela noite, não consigo me
lembrar de nada que não tenha sido absolutamente incrível. - disse-lhe e depois
empurrei a porta, de forma que se abriu e o vento gelado entrou, congelando-me.

Camila sorriu curtinho, mas com doçura. A mulher mais velha tocou a minha mão
esquerda e a pegou, levando-a até a altura de sua boca. Mais gelado do que o vento
da noite de outono foi o frio que envolveu a minha espinha, de cima para baixo, como
consequência do toque sutil dos lábios dela em minha pele. Ela soltou a minha mão
com a mesma delicadeza que a havia pegado.

- Tudo o que consigo lembrar é de momentos belos. - Ela disse e sorrimos


uma para a outra. - Tenha uma noite excelente e um dia tão excelente quanto,
amanhã.

- Você também! - falei, saindo do carro e parando rapidamente à porta do mesmo,


olhando para dentro. - Vejo você amanhã? - perguntei, entretanto, senti-me
impertinente e atirada no mesmo segundo. - Quer dizer... Louis... o almoço... -
perguntei, um tanto quanto atrapalhada.

- Ah! - Camila exclamou, mas sem muita empolgação. - Eu lhe mando uma
mensagem de texto confirmando ou, até mesmo, ligarei.

- Tudo bem... - falei, tendo, de repente, a quase absoluta e dolorosa certeza de que
ela não ligaria.

Camila acenou com a cabeça e sorriu com o cantinho da boca, colocando as duas
mãos no volante.

- Boa noite, Lauren. - ela disse, amenizando levemente a expressão.

- Boa noite... Camila. - respondi, quase fechando a porta do carro, mas hesitando.

Por alguma razão, meus braços estavam travados e eu não conseguia dar um fim
àquela despedida. Eu não queria e não conseguia fechar a porta do carro de Camila. A
mulher me olhou mais uma vez, questionando-me com o olhar o motivo de eu ainda
estar ali, parada, segurando a porta de seu carro ao invés de já estar andando para o
meu dormitório. Dei-lhe um sorriso e, engolindo a sensação horrorosa e indefinida
que me consumia, sorria para ela e fechei a porta do carro, encarando, por fim, o
vidro escuro.

Por um breve momento, supus que Camila baixaria o vidro e me daria boa noite mais
uma vez, mas o momento foi tão breve quanto o tempo que ela teve para passar a
marcha e pisar no acelerador. Dez segundos depois, o BMW 428i já estava dobrando
a esquina mais próxima e tudo o que eu via, era a praça que se estendia à minha
frente.

Não fosse o frio da madrugada, eu teria ficado ali até que meus pensamentos fossem
completamente explicados para mim própria, até que se esgotassem todas as
perguntas a serem respondias; até que se extinguissem todos os medos que eu
estava sentindo.

Cruzei os braços, para aliviar a sensação de se abraçada tão bruscamente pelo frio,
mas muito mais para tentar amenizar o buraco que havia surgido, sem explicação, no
meu estômago. Atravessei a rua, contando numericamente quantos passos eu estava
dando até que chegasse à entrada do edifício e concentrando a minha mente em algo
que talvez dissipasse a sensação de perda que eu estava tendo. De nada adiantou.

"Um...", contei o primeiro passo. "Por que ela ficou tão distante depois que eu disse
que tinha medo dela? Dois...", contei o segundo passo, olhando para o meu sapato,
tentando concentrar-me nos detalhes dele. "Três...". E assim, foram-se vinte e oito
passos até que eu estivesse dentro do elevador. Vinte oito passos e vinte e oito
perguntas que me inquietavam.

Às três e trinta e quatro da manhã, certa de que Normani estaria dormindo, abri a
porta do quarto HA01 e dei de cara com a minha amiga, sentada em sua cama,
acordada, encarando-me com uma expressão tão exultante que eu quase podia vê-la
pulando. Nem precisei cumprimenta-la e perguntar o motivo de ainda estar acordada.
- Você vai sentar nessa cama... - Normani apontou para o espaço vazio ao seu lado,
usando um tom totalmente mandão. - E me contar tudo o que aconteceu, do começo
ao fim, sem esquecer nenhuma vírgula e nenhum ponto. - Minha amiga decretou e
eu, sedenta por qualquer opinião de fora que talvez me ajudasse a entender os
acontecimentos daquela noite, apenas concordei com a cabeça, antes de fechar a
porta atrás de mim e caminhar até a cama de Normani, onde sentei. - Pode começar
a contar.

Suspirei pesadamente e puxei novamente o ar, para ajudar-me a ter alguma


concentração na hora de falar e lembrar os detalhes.

Contei-lhe tudo, cada detalhe do que havia acontecido, desde o momento em que eu
havia entrado no carro de Camila, na porta do edifício dos freeshman, até o momento
em que estávamos no museu. Normani ouvia-me com demasiada atenção, fazendo-
me perguntas vez ou outra, as quais eu respondia rapidamente e continuava a
contar.

- Então, ela me perguntou se eu queria sair dali e bem...eu estava com os


nervos à flor da pele e eu disse que sim... - falei, deixando no ar o duplo sentido do
"sair dali".

- O que?! Sair do museu para ir pra onde?! - Normani exclamou, atônita enquanto eu
abaixa-me até o alcance dos pés e retirava os sapatos. Sentei-me de frente para ela,
cruzando as pernas em posição de borboleta e arrumando a saia entre as pernas. -
Para onde, Lauren?! - ela insistiu, sendo cautelosa em perguntar, apesar de suas
suposições.

- Para o apartamento dela. - Respondi, mordendo o canto direito da boca e olhando


para baixo, sentindo mais vergonha do que poderia esconder.

- O QUE?! - Normani deixou, literalmente, o queixo cair e arregalou tanto os olhos


que tive medo que lhes saltassem do rosto. - Você e ela...? - ela deixou no ar a
pergunta.

- É........... - prolonguei a tonalidade para responder, deixando um vazio que


completei balançando a cabeça para um lado e para o outro, olhando para os lados,
desconfiada.

- Como assim, "é...."? - Normani perguntou-me, unindo as sobrancelhas. Seu rosto


estava um misto de expressões desesperadas. - Ou é ou não é.

- Deixe-me contar tudo de uma vez. - Falei, sentindo-me transbordar com as


lembranças que eu ainda não havia colocado para fora.

Flashback. - Sete horas antes.

- Quer sair daqui? - Camila perguntou, quase sem voz.

- Por favor. - eu respondi, apertando os braços em volta do meu corpo dela, mais
uma vez, sentindo o meu próprio corpo derreter com o contato extremamente
próximo.

Camila deu-me um beijo carinhoso e molhado no meu pescoço e segurou a minha


mão, andando comigo pelo salão. Despedimo-nos rapidamente de Louis que não se
preocupou em ser discreto e não tirou os olhos de nossas mãos entrelaçadas.

Eu não entendia o por que, mas a cada passo que dávamos em direção ao carro dela,
o desejo aumentava, crescia absurdamente e quando eu pensava que meu coração
não podia mais acelerar, ele desregulava-se desenfreado em uma corrida louca e
perigosa pelo meu corpo. O toque da mão dela na minha não me acalmava. A minha
mente estava consumida com a ideia de tê-la, seja lá o que isso significasse.

Caminhamos lentamente demais até o carro, quando o desejo mais imediato do meu
corpo era correr até lá e ter as mãos dela me tocando inteiramente, mas Camila era
prudente e, apesar de sua respiração pesada, coisa que eu havia percebido apenas
por estar exatamente igual a minha, sua expressão não dizia quase nada. Exceto por
seus olhos que ardiam, exatamente como os meus.

Camila abriu a porta de seu carro, mas antes que se afastasse, meu corpo entrou em
completo descontrole e a segurei pelo rosto, beijando-a com tanta urgência de senti-
la que esqueci-me de respirar. Ela me puxou contra si, cruzando os braços em volta
da minha cintura que tão ardentemente desejava por aquele toque. Minhas costelas
sentiram o calor de seus braços e eu estremeci em alívio e excitação por, finalmente,
ter o corpo dela próximo ao meu outra vez.

Não havia um membro do meu corpo, não havia um pedaço de mim sobre o qual eu
tivesse o mínimo de controle. Meu corpo respondia somente aos seus próprios
impulsos e desejos. Meu cérebro estava desligado para qualquer coisa que não fosse
memorizar o gosto da boca de Camila, o cheiro particular de seu pescoço, cabelos...

Consumida pelos gritos de luxúria do meu corpo, enfiei as mãos nos cabelos da nuca
de Camila e apertei, puxando-a para mim de tal forma que o beijo se tornou mais
intenso e não somente a minha alma estava sendo sugada por ela, mas os meus
lábios, o meu gosto, a minha língua...com força, com desejo, com tanta vontade de
me ter mais para ela que todo o meu corpo respondia em fortes beliscadas de desejo
de jogar-me para dentro dela. De ser dela.

O ar nos faltou e não houve jeito se não, afastarmos nossos rostos e


termos algum momento de raciocínio que resultou em Camila, evidentemente,
chegando primeiro ao ponto mais óbvio.

- Você... - ela falou com a voz baixinha e a boca colada à minha - gostaria de ir ao
meu apartamento? - perguntou-me algo que me parecia ter uma resposta muito
óbvia.

Nada lhe disse, apenas peguei sua mão direita e coloquei em cima do meu peito, para
que sentisse meu coração. Resposta melhor eu não poderia dar, principalmente
quando pouco raciocínio me sobrava e quando eu tanto queria dar a resposta correta.

"Sim, eu quero ir para o seu apartamento.", respondi mentalmente e assim também,


respondeu o meu coração desenfreado à Camila que afastou-se de mim e me deu
espaço para entrar no carro, coisa que rapidamente o fiz e ela, também.

Enquanto Camila dirigia até o seu apartamento, senti-me levemente menos ardente,
como o gás que, segundos antes de explodir, suga a faísca para dentro de si, para
depois engole ao seu redor, com uma chama azul, a mais quente de todas.

- Você gosta de Sam Smith, Lauren? - Camila perguntou, provavelmente tentando


preencher o vazio tenso que se formou no carro, à caminho de seu apartamento.

"These nights never seem to go to plan", a voz do cantor britânico soava baixinho no
som do carro, o que me fez compreender o motivo da pergunta.

- Bastante. - falei, depois de contrair a barriga para controlar o tremor insistente em


meu estômago e não acabar tremendo na fala. - E você?

- Também gosto muito. - Ela respondeu, diminuindo a velocidade do carro e dando


sinal para a entrada da garagem de um dos prédios mais esteticamente bonitos de
Boston.
Olhei para ele através da janela, alcançando o máximo que minha visão conseguia e
eu via tanto de Camila ali que no mesmo instante tive a certeza de que aquele era
mais um de seus projetos.

- Você o construiu, não é? - perguntei, enquanto ela estacionava o carro em sua vaga
depois de descermos uma rampa íngreme.

- Sou tão óbvia assim? - ela perguntou, dando-me um sorriso de lado, logo após
parar o carro e desliga-lo.

- Óbvia não. Você é única. - respondi, simplesmente.

Camila encarou-me por alguns segundos e seus olhos foram ficando rasos
gradativamente, de forma que eu pude ver toda a doçura que ela sentiu. A mulher
tomou fôlego rapidamente e sorriu para mim.

- Quer mesmo subir? - ela perguntou, antes de sinalizar qualquer movimento para
sair do carro.

Sua pergunta foi o suficiente para a combustão dentro de mim reaparecer. Não lhe
respondi com palavras, apenas saí do carro e a esperei do lado de fora. Caminhamos
em silêncio até o elevador e não esperamos nem trinta segundos até que a porta do
mesmo se abriu e entramos. Camila digitou no painel digital o número 40 e depois
pressionou o polegar, para a identificação por digital e a porta se fechou.

Camila e eu ficamos uma ao lado da outra, encarando a porta do elevador por alguns
segundos que pareceram algumas eternidades, mas, como se nossos corpos
estivessem em perfeita sincronia, nos viramos ao mesmo tempo de frente uma para a
outra e Camila me empurrou contra a parede do elevador, capturando os meus lábios
outra vez e com a mão pressionando a lateral do meu rosto, segurava-me com tanta
força, como se eu estivesse a ponto de escapar de suas mãos.

Eu prendi as mãos em seus cabelos e apertei com força, fazendo-a morder o meu
lábio inferior com mais força do que provavelmente pretendia, causando-me uma dor
prazerosa e que fez o meu sexo pulsar.

De repente, a porta do elevador se abriu diretamente no apartamento de


Camila do qual eu pouco vi. Nossas mãos se buscavam enlouquecidamente e antes
que eu me desse conta, Camila a minha blusa estava sendo jogada no chão e meu
corpo sendo pressionado contra a parede outra vez. Forcei o braço para baixo,
soltando-me das mãos dela e deslizei fortemente as unhas pela sua pele nua, de
baixo para cima, alcançando a barra de sua blusa e puxando-a, em seguida, para
cima, deixando-a apenas com a lingerie preta exposta.

As linhas de entrada da clavícula de Camila seguiam para o início do contorno de seus


seios, tão delicadamente sensual que meu primeiro impulso foi enfiar o rosto ali e
explorar cada centímetro de pele exposta e expor o que estava escondido, mas
Camila foi mais rápida e antes que eu completasse o meu raciocínio de adoração por
seu corpo, sua língua quente e corrosiva tocou levemente a pele exposta dos meus
seios. Contorci-me na parede.

Camila Cabello estava me enlouquecendo.

Todos os detalhes, do início ao fim, foram contados minuciosamente à Normani que


me encarava variando entre choque, excitação e curiosidade.

- Aí, eu fiquei olhando pra ela com cara de idiota, querendo voltar pra dentro daquele
carro, mas acabei fechando a porta e ela foi embora. - Completei todo o meu discurso
e soltei um suspiro que misturava cansaço e frustração.

Normani estava com uma expressão completamente indefinida. Eu não conseguia


entender o que seu rosto estava dizendo.

- O que foi? Por que está me olhando assim? - perguntei-lhe, quase chorando de
ansiedade para ouvir qualquer coisa que não fossem meus próprios pensamentos.

- Tipo... - Normani começou e pareceu procurar as palavras. - Ela estava com o dedo
lá...tipo, já estava lá, lá? - ela perguntou e eu fiquei vermelha instantaneamente. Fiz
que sim com a cabeça e engoli seco. A expressão da minha amiga revelava completo
choque. - E você mandou ela P A R A R? - ela perguntou novamente, destacando a
última palavra. - COMO ASSIM VOCÊ MANDOU ELA PARAR? VOCÊ É TIPO A MULHER
DE FERRO? IRON WOMAN?

Suspirei pesadamente pela milionésima vez naquele dia e até sorri com a indignação
de Normani.

- Sim, Mani... - respondi simplesmente, afirmando com a cabeça ao mesmo tempo,


sem conseguir olhar para Normani, de tão envergonhada. - De todas as coisas que eu
falei, você prestou atenção só nisso? - perguntei baixinho, tentando fazê-la sentir-se
culpada por não ter comentado algo de maior relevância.
- Desculpe, Lauren, mas é que NÃO dá para simplesmente ignorar o fato de que você
mandou Camila Cabello parar. - Ela falou, demonstrando toda a sua indignação com
aquela informação. - Você tem ideia disso? Eu nem sou lésbica e queria Camila
Cabello na minha vagina.

Arregalei os olhos e ela fez um sinal displicente com a mão.

- Ah, qual é, Camila Cabello é linda e sexy demais pra ficar pensando em
heterossexualidade...

- Eu sei, eu sei... - admiti que ela tinha razão em destacar aquela parte específica. -
Mas eu não quero falar sobre isso agora. Na verdade, eu acho que não quero falar
sobre nada disso agora, eu só preciso tomar um banho e dormir. - falei, levantando-
me da cama de Normani e dando-lhe um beijo na testa.

- Eu só não vou questionar isso porque se até eu estou precisando de um tempo pra
digerir isso, imagine você... - ela disse, retribuindo o beijo. - Mas não pense que
escapará de mim amanhã, Jauregui.

Acenei positivamente com a cabeça e segui para o banheiro.

Não mais que trinta minutos depois, eu estava na minha cama, olhando para o fio de
luz, que vinha da rua, que transpassava a lateral da cortina, lutando contra os meus
pensamentos agitados para conseguir dormir, até que foquei minha mente em
lembranças de Camila, de seus olhos profundos, de sua boca macia, de seus dedos
habilidosos, ágeis e gentis, de seu gosto, de seu corpo, dela inteira...

Camila's pov

O caminho de Cambridge à Boston costumava ter um trânsito pesado de carros e,


sendo aquela a primeira vez em que eu dirigia de madrugada por aquele trajeto,
encontrei repouso para os meus pensamentos inflamados, focando-os em pensar na
estranha calma daquela auto estrada às três e quarenta da manhã.

Em menos de quinze minutos eu estava em casa. No elevador, ainda haviam marcar


do rosto de Lauren. Aquilo, provavelmente eram restos de sua maquiagem que
borrara enquanto estávamos entregues à loucura dentro daquele elevador.

Meus olhos compenetraram-se em analisar as linhas marcadas no espelho e em


decorar as formas que faziam. As formas da pele de Lauren.

"Pin!", o elevador alertou que chegara ao meu andar e eu saí, entrando no meu
apartamento.

Tão instantâneo quanto dar o primeiro passo para dentro, foram as memórias das
horas anteriores invadindo a minha mente. O caminho para o meu quarto estava
absolutamente, completamente e irremediavelmente marcado pela presença e
memórias de Lauren.

"Ela enlouqueceu você, Camila", o pensamento surgiu em minha cabeça e eu sorri


para a ideia da doce loucura que Lauren Jauregui era. Doce, mas ainda assim,
loucura.

"Medo? Até de mim?", a minha própria pergunta para ela surgiu em minha mente
enquanto fazia o caminho até o meu quarto. A imagem de sua cabeça balançando em
afirmação surgiu como um flash em minha mente, no exato momento em que avistei
um objeto caído no chão, ao lado da imensa parede de vidro que dava claridade ao
corredor que estava com as luzes completamente desligadas.

Abaixei-me devagar e peguei o objeto do chão.

"Ela e esse crucifixo...", pensei, encarando o cordão com pingente de cruz de Lauren
em minha mão. O apertei e encarei a rua. "Você não pode ser minha, mas terei algo
seu, Lauren".

Na manhã seguinte, fui despertada, uma hora antes do meu horário habitual de
acordar com uma ligação do reitor Uhlmann.

"Camila, desculpe por acordá-la", ele falou do outro lado da linha.

- Tudo bem, Robert. Por que está me ligando? - perguntei, com mais sono do que de
costume, por ter dormido apenas poucas horas antes de ter sido acordada.

Aquele não era dia de dar aula em Harvard e eu iria para o escritório dar continuidade
a um projeto que precisava ser acabado com urgência; ainda assim, meus planos
eram dormir, pelo menos, até o horário normal.

"Você poderia cobrir a professora Hadid hoje? Ela teve um problema familiar muito
grave ontem e não vai poder dar aula hoje", ele explicou.

- Ela está bem? O que houve? - perguntei, preocupada com Zaha, minha colega de
profissão e eterna professora com quem eu havia aprendido muito.

"O marido dela enfartou, mas aparentemente já está tudo bem. Pode dar aula no
lugar dela hoje?", perguntou outra vez.

- É claro que sim, é claro que posso. Qual a turma? - perguntei.

"Os calouros de arquitetura. A mesma turma para a qual você dá aula às terças
feiras", o reitor Uhlmann falou e meu coração errou a batida e eu esqueci de
respondê-lo. "Posso contar com você?", ele insistiu, diante do meu silêncio.

- É claro que sim, Robert.

"Obrigado, Camila. Vou lhe deixar descansar um pouco mais. Tenha um bom dia", ele
agradeceu cordialmente e desligou logo depois de eu me despedir.

A ligação me despertara completamente e não havia mais nenhum resquício de sono


em meu corpo. Sentei-me na cama e encarei o vazio escuro do meu quarto,
ocasionado pelo isolamento total das cortinas. Já eram seis da manhã e o dia, com
certeza já estava claro.

De repente, como um insight, ocorreu-me uma ideia que, didaticamente,


pareceu-me excelente para fazer com os alunos da turma de calouros.

Peguei o telefone e disquei o segundo número da discagem rápida.

"Alô?", a voz sonolenta da minha melhor amiga e sócia no escritório soou do outro
lado da linha.

- Você dá aula em Harvard hoje, não dá? - perguntei, sem me importar com
formalidades.

"Aham", ela respondeu simplesmente, dispensando também as formalidades


desnecessárias entre nós.

- Vou substituir Zaha hoje, terei que ir também. Estava pensando em juntar nossas
turmas e fazermos uma aula interativa entre os dois cursos.

"Você vai para Harvard?", ela perguntou, para reafirmar algo que eu já tinha dito.
- Sim. - respondi simplesmente.

"Quer unir minha turma com a sua?", perguntou outra vez, com a voz completamente
sonolenta.

- Sim.

"Certo. No auditório?", perguntou.

- Sim. Encontro você lá. - confirmei e desliguei em seguida.

Naquela manhã, havia algo diferente em mim e que, embora eu tivesse total
consciência do que se tratava, desviava a minha mente em busca de respostas mais
racionais, entretanto, intimamente eu sabia que o que havia de diferente em mim
era: Lauren.

Levantei-me da cama no exato instante em que o pensamento me ocorreu, admitindo


que o gesto brusco fosse afastar aquilo de minha mente. Eu estava errada.

Uma hora mais cedo do habitual, saí do quarto completamente arrumada, vestindo
blazer azul marinho por cima de uma blusa branca e calça branca. Como Sofia não
estava em casa, eu podia sair antes do horário em que costumava, para levá-la à
escola. Sequer pensei em tomar café da manhã, apenas segui direto para o elevador.
Estava distraída checando a bolsa enquanto esperava o elevador quando...

- Não vai me esperar? - A voz de Sofia soou atrás de mim, vinda do corredor.

Todo o sangue do meu corpo desceu no espaço de um segundo e eu fiquei pálida.


Segurei-me na parede e encarei Sofia, ainda de pijamas, com o cabelo bagunçado e o
rosto amassado. Meu coração acelerou tanto em resposta ao susto e ao consequente
nervosismo por vê-la ali, que eu podia senti-lo bater no peito.

Sofia encarava-me com a expressão cínica e um sorriso quase que maquiavélico no


rosto.

- O.. o que você tá... tá fazendo aqui, Sofia? - Consegui completar a minha pergunta.

- Por que, maninha? - ela perguntou, cinicamente. - Eu não deveria estar na minha
própria casa?

- Você disse que dormiria na casa da Taylor ontem e... Afinal, por que está aqui? -
Perguntei firmemente.

- Por que está nervosa, Mila? - minha irmã perguntou, mantendo o tom sarcástico e
atravessou o corredor, passando por mim e andando em direção à cozinha, para onde
ela sabia que eu a seguiria.

- Não estou nervosa. - respondi, tentando fazer com que aquilo fosse verdade. -
Responda-me, por que está aqui?

- Ah... Resolvi vir pra casa. Não queria deixar você dormir sozinha... - ela falou,
deixando um pensamento no ar, que eu entendera completamente.

Mais forte do que a ideia de que ela havia escutado qualquer coisa entre mim e
Lauren, foi a dúvida: "Como ela veio para casa?".

- Como você veio para casa, Sofia? - perguntei, deixando a bolsa em cima da
bancada da cozinha, observando-a pegar um copo de água.

- Ah... - sua expressão mudou para desconfiança e eu tive certeza de que


não gostaria nenhum pouco da resposta que ela me daria.

- Sofia...

- Eu e Taylor queríamos andar até o Boston Common e...

- Você atravessou o Boston Common com a Taylor andando, sozinhas, a noite? -


perguntei, tentando manter toda a serenidade do mundo, embora a pergunta me
apavorasse.

- A boa notícia é que estou viva e perfeitamente bem. - ela respondeu, tomando um
gole de sua água e olhando-me desconfiada.

Olhei para ela por alguns segundos, ponderando racionalmente em alguma solução
para aquele problema de sua desobediência que poderia coloca-la em risco.

- Se você fizer isso outra vez, se eu sequer imaginar que você está pensando em
andar pelo Boston Common sozinha com a Taylor outra vez, você vai ficar sem a sua
mesada por seis meses e eu não estou brincando. - declarei, usando um tom sério.
- Desculpe... - ela falou baixinho, deixando o copo de água dentro da pia.

- Só não repita. Eu vou enlouquecer se algo de ruim acontecer com você. - falei,
sendo mais leve com ela.

- Igual você estava enlouquecida ontem com aquela garota? - ela perguntou e eu
imediatamente senti como se tivesse levado um chute na garganta.

- Do... do que você está falando? - perguntei, sabendo exatamente do que ela estava
falando.

- Ah... Você sabe. - ela falou, colocando suco de laranja em um copo e o empurrando
para mim. - Aquela garota que tirou a sua roupa no meio do corredor.

- Sofia!!! - exclamei, segurando no copo com muita força e arregalando os olhos e


deixando meu corpo ceder à fraqueza do nervosismo e apreensão, sentando-me no
banco de aço.

- Ué, suas roupas - ela falou no intervalo entre um gole do seu próprio suco e outro -
e as dela, estavam no chão. Você sabe como é, eu tive que sair do quarto pra ter
certeza que aqueles "gritinhos" - ela fez aspas com os dedos - não eram uma
tentativa de assassinato.

Abrir a boca cerca de oito vezes, tentando emitir algum som, mas eu estava
paralisada.

- Tudo bem, Mila. - ela falou, compreensiva. - Não é como se eu não soubesse que
você faz sexo e essas coisas... - ela tomou outro gole de seu suco e continuou falando
naturalmente, mas sempre mantendo o sarcasmo na voz. - Só não sabia que fazia
sexo com mulheres. - Outro gole de Sofia em seu suco. Outra bola de boliche
descendo pela minha garganta. - Essa é aquela que abalou sua sophrosyne? - ela
perguntou, disparando em falar. - Porque pelo que eu percebi, sua sophrosyne nem
existe mais, né? - Sofia pousou o copo vazio na pedra de mármore e eu continuava
segurando o meu próprio copo, como se fosse o meu único ponto de equilíbrio no
mundo.

Dei uma risada envergonhada, mas ao mesmo tempo conformada e alegre. Balancei a
cabeça negativamente.

- Por que você não vai tomar banho e se arrumar para a escola antes que eu deixe
você aqui e faça você ir de ônibus? - ameacei-a, usando uma das coisas que Sofia
menos gostava na vida: andar no ônibus da escola.
- Nem estou mais aqui, já estou tomando banho. - Ela falou, passando correndo por
mim em direção ao seu quarto. - Mas que você não tem mais sophrosyne, não tem
mesmo. - ela gritou de longe.

- Vai tomar banho, Sofia Cabello. - falei alto o suficiente para que ela escutasse.

Uma hora e meia depois, às sete e trinta da manhã, depois de ter deixado Sofia na
escola e feito o caminho de Boston à Cambridge, eu estava sentada, na sala dos
professores, separando algumas imagens a serem usadas na aula daquele dia,
quando minha melhor amiga abriu a porta, vestindo sua saia preta com quadrados
feitos em linhas brancas, presa por um cinto preto e blusa social branca de manga
3/4. Os óculos escuros cobriam quase todo o seu rosto.

- Da próxima vez que você me acordar de madrugada, eu deixo uma viga cair na sua
cabeça, Camila. - a mulher falou, aproximando-se de mim e dando-me um beijo no
alto da cabeça.

- Seu bom humor me comove. - sorri e a observei sentar-se ao meu lado.

- O que dizer do seu... - ela falou, colocando a bolsa em cima da mesa.

Pelos próximos trinta minutos, discutimos como desenvolveríamos a aula conjunta


das turmas de arquitetura e engenharia. Em seguida, caminhamos juntas pelo edifício
da HGSD, a caminho do auditório 03, para onde os alunos já haviam sido instruídos
para ir.

Quando entramos juntas no auditório, todos os alunos calaram-se e nos observaram


caminhar até o centro do auditório. Calmamente repousei a minha bolsa em cima da
mesa de centro que havia ali e encostei-me, esperando que a minha amiga fizesse o
mesmo. A loira retirou os óculos de grau da bolsa e os colocou no rosto, virando-se
de frente para a turma, junto comigo.

- Bom dia, alunos. - falei, percebendo que a mulher ao meu lado havia me dado a
palavra. - A turma de arquitetura já me conhece, sou Camila Cabello, arquiteta e
urbanista... - os alunos de engenharia começaram a fazer burburinhos quando
ouviram o meu nome e eu sorri. - Já percebi que minha amiga engenheira aqui andou
dizendo que meus projetos são particularmente de difícil execução. - Constatei com
bom humor, tendo total ciência das pequenas brigas que aconteciam entre
engenheiros e arquitetos. - Bem, a parte boa é que a arquitetura desafia vocês,
engenheiros, a fazerem o que parece ser impossível, portanto, agradeçam à nós pela
genialidade construtiva da engenharia. - Falei com orgulho, mantendo o bom humor.
- Bem, o fato é que arquitetura e engenharia precisam uma da outra. Minha colega
aqui - falei, olhando para a mulher ao meu lado. - é a prova viva de que engenheiros
são os construtores do impossível.

Ela sorriu para mim, com o típico sorriso que eu já conhecia, que dizia "pare de puxar
o meu saco, seus projetos ainda são muito difíceis de construir e eu sempre vou
reclamar". Ela se adiantou um passo à frente e começou a falar.

- Bom dia à todos. Aos que não me conhecem, muito prazer, me chamo Allyson
Brooke, engenheira civil, phd em dimensionamento avançado em concreto protendido
e armado, professora em Harvard e sócia da nossa querida, Camila Cabello. Sejam
bem vindos à nossa aula. Espero que saiam lúcidos daqui.
Airtibak

Camila's Pov

Airtibak (n.) : A súbita compreensão de não estar entendendo algo.

- Certo, senhoritas, estão dispensadas. Receberão a avaliação final do projeto de


vocês na próxima aula. Lauren e Normani na minha aula e Dinah na aula da
professora Brooke. – falei, depois de ouvir a conclusão do trabalho delas e de fazer
alguns comentários a respeito, assim como Ally.

As três garotas levantaram-se, despedindo-se educadamente. Exceto Lauren, que, ao


contrário de antes, não me olhava mais. Senti-me intrigada e quase deixei que minha
mente mergulhasse em um mar profundo de questionamentos, mas fui interrompida
por Allyson.

- Estou tentando entender o motivo da sua rudeza com aquela aluna. – Ally
perguntou baixinho, de forma que somente eu pudesse ouvir, com os braços apoiados
na mesa, olhando-me meio de lado.

- Quem? Lauren? – perguntei, tentando soar casual.

- Sim! – ela exclamou. – De longe, o croqui dela foi o melhor e o projeto delas foi o
melhor. Arrisco dizer que isso aqui – ela falou, pegando o croqui de Lauren. – pelo
menos conceitualmente falando, está melhor do que os dos nossos alunos do último
ano. Não há muita técnica, mas Camila, você tem que admitir que isto está incrível. –
Allyson falava com um tom levemente indignado e eu desconfiei que minha amiga
não estava gritando somente porque as três ainda estavam no auditório.

- Eu sei. – falei, levantando-me, colocando todos os projetos dentro da pasta. – É por


isso mesmo que eu ajo assim com ela. – expliquei o óbvio.

- Ah não... – Allyson exclamou, levantando-se também e fechando sua bolsa. – Você


não vai...

- Sim, eu vou. – a interrompi, respondendo a pergunta que ela nem havia feito, mas
eu havia entendido.

- Por que?! – Ela perguntou, quando começamos a caminhar em direção à saída.

- Não é óbvio? – Eu ia continuar a explicar, mas fui interrompida por meu celular,
tocando.

O retirei da bolsa e vi o nome de Louis no visor. Allyson também viu.

- Louis! Ah quanto tempo não o vejo. – minha amiga falou, com um ar saudoso ao
citar nosso velho amigo da faculdade.

"Preciso dar um jeito de perguntar à Lauren se ela quer, realmente, ir ao almoço",


pensei.

- Ele está em Boston, vou almoçar com ele. – deixei sair de minha boca, sem ao
menos raciocinar a respeito da informação que estava dando à Ally.

- Ah! Eu também vou! – Ally decretou e eu senti meu corpo gelar.

"O que?! Não!", pensei alarmada, buscando em minha mente qualquer desculpa
plausível para dizer à Ally que ela não podia ir.

Não achei.

Deslizei o visor para o lado, atendendo a chamada de Louis, que ligou confirmando o
almoço e antes mesmo que eu acabasse de responder que sim, ele já estava
perguntando se Lauren estaria presente, bem no momento em que eu estava
cruzando o corredor ao lado da fileira onde Lauren e suas amigas organizavam suas
coisas.

- Ah, sim. Bom, ela não vai poder ir. – Falei, olhando rapidamente para Lauren, que
não tirava os olhos de mim.

"Por que não?!", Louis exclamou indignado, do outro lado da linha.

– Ela tem um compromisso. – falei, mantendo o olhar longe dela, para não ter que
ver sua expressão. Eu explicaria depois.

"Mas ela disse que poderia! O que houve?"

– Ela está realmente muito ocupada. – falei, simplesmente, mas Louis não
iria se satisfazer somente com aquela resposta, então tratei de explicar-lhe de uma
maneira subentendida. – Ah! Ally vai almoçar conosco. – falei, como se estivesse
lembrando de algo, para que minha amiga não percebesse a minha troca de
informações secreta com Louis.

"Ah! Tô sacando tudo. A Lauren não vai porque a Ally vai.", ele falou, como se tivesse
acabado de resolver a Hipótese de Riemann.

- Sim, ela está morrendo de saudades de você também. – falei, atravessando a porta
do auditório, com Ally ao meu lado.

"Eu ainda quero saber toda essa história, dona Camila Cabello Pritzcker. Não pense
que vai fugir de mim e que eu vou ficar sem saber sobre esse seu romance lésbico
com a deusa dos olhos verdes. Aliás, desde quando você é lésbica?", ele perguntou e
eu arregalei os olhos ao ouvir a pergunta, mas tratei de disfarçar.

- Claro, não se preocupe. Chegarei aí em uma hora e meia, no máximo. – falei,


respondendo coisas totalmente desconexas.

"Você tá parecendo uma louca", Louis riu do outro lado da linha e eu também.

- Por que será, né? – perguntei sarcasticamente. – Me espere no Deuxave. – falei e


nos despedimos rapidamente.

Coloquei o telefone dentro da bolsa, no lugar apropriado e antes de fechá-la, Ally já


estava disparando.

- Quem ia e não vai mais por estar ocupada? – a baixinha perguntou casualmente.

Allyson era naturalmente curiosa e era normal que ela perguntasse tudo, sem
enxergar maldade ou realmente estar curiosa a respeito do tema. Ela não precisava
de motivos para fazer perguntas, simplesmente as fazia.

- Sofia. – menti, sentindo-me culpada por omitir uma informação importante como
aquela da pessoa em quem eu mais confiava, mas não era como se eu pudesse dizer-
lhe a verdade, ali, no meio do corredor da HGSD. Não seria apropriado, não era o
momento certo.

- Eu ainda quero entender por que você vai fazer isso com a sua aluna. – Ally
perguntou, desviando totalmente o assunto enquanto caminhávamos pelos extensos
corredores, para chegarmos ao estacionamento.

- Deveria ser óbvio. Você viu o desenho dela. – Falei, ajeitando a alça da pasta que
eu carregava no antebraço.
- Sim, mas... – Ally parou rapidamente de falar, enquanto um grupo de alunos passou
correndo. – isso não significa que você precise fazer isso com ela.

- Ela é diferente, AllyB. – falei, sendo sincera em minha opinião sobre Lauren. – Você
viu quanto talento ela tem, mas não é só isso...

Afastei um pouco a pasta de meu braço, dando espaço entre ela e meu corpo para
que eu pudesse pegar o croqui de Lauren.

- Você vai acabar deixando ela louca, igual você. – Ally falou com humor, mas havia
um fundo de verdade e eu sorri.

- Veja... – Entreguei o papel para Allyson vê-lo outra vez. Coloquei o dedo sobre o
desenho principal do projeto e contornei aquelas linhas com a ponta dos dedos. – É
aqui... é nesse momento que nasce a arquitetura. É a forma nova, é o diferente, é o
que nos causa surpresa. Você ficou surpresa com o que viu hoje e não só porque foi
apresentado por uma caloura, mas com o conteúdo brilhante. Eu não quero que ela
perca a liberdade de desenhar da forma que quer, não quero que ela aprenda.
Arquitetura não se aprende, a gente cria. O importante para nós, em todos os
sentidos, é a liberdade. E a nossa liberdade de pensamento é fantasiosa. Tem que
haver fantasia. A beleza é importante e a beleza está na fantasia. – Allyson
intercalava o olhar entre o papel e o corredor, atenta ao que eu dizia. – Ela tem essa
liberdade de pensamento, é por isso que ela faz coisas que nos surpreendem.

- Exatamente como você! – Ally exclamou, como se estivesse


compreendendo o que eu estava falando, finalmente.

Ignorei a exclamação e continuei o raciocínio.

- É como você ver um desenho de criança, colorido, aleatório...podia ser um painel,


de tão bonito que é. É criativo... é uma coisa espontânea. Depois que a criança
aprende, depois que o mundo "ensina", ela não consegue mais fazer as coisas
espontaneamente. E eu não quero que Lauren perca a espontaneidade de criar em
cima da fantasia. Compreende? Ela já tem o queeu estou tentando ensinar aos meus
alunos. Por isso a trato assim. – conclui, atravessando a porta de saída, ao lado de
Ally.

- É claro. – ela falou, devolvendo-me o desenho, que coloquei cuidadosamente dentro


da pasta, enquanto descíamos as escadas. – Você quer que ela seja como você. Mas
você pode ensiná-la sem fazer...isso.

- Por que se incomoda tanto? – perguntei, enquanto caminhávamos em direção aos


nossos carros.

- Porque sei como você ficou. – ela respondeu rapidamente, parecendo não querer se
aprofundar muito no assunto.

- Não seja dramática. Eu estou bem. Estou viva e estou com a minha capacidade
fantasiosa em dia. – brinquei e paramos na frente do meu carro.

- Você precisa MESMO fazer isso? – Ally perguntou, em meio a um sorriso divertido,
obviamente, sabendo qual seria a minha resposta.

- Não exatamente, mas quero. – falei simplesmente, abrindo o carro e colocando as


minhas coisas no banco de trás. – E eu seria um ser humano deplorável se não
instigasse tanto talento.

- Ela vale a pena? – minha amiga perguntou e eu entendi aquela indagação com um
duplo sentido enorme.

"Lauren vale a pena?", repeti a pergunta dela para mim mesma. "Ah...sim, ela vale
muito a pena".

- Sim, Ally. Não estou entendendo toda essa sua preocupação. – disse-lhe, apoiando
a mão na porta aberta do carro.

Ally colocou a mão em meu rosto e deslizou carinhosamente o polegar por minha
bochecha.

- Você aguentou tudo aquilo porque sua mente nasceu pronta, Mila. – minha amiga
falou com amor. – Eu sei que a garota é boa, excepcional até... – Ally tirou a mão do
meu rosto. – Mas ela não é você.

"Ela não é você", a frase se repetiu em minha mente e eu sorri para o pensamento.
"Ela é muito melhor do que eu."

- Eu sei. Essa é a melhor parte, Ally. Lauren não precisa de um QI 172 para ser
brilhante. – Falei, explicando à ela o meu ponto de vista. – Você viu do que ela é
capaz e não precisamos de muito para perceber que o QI dela não é de 172.
- Sim, eu concordo. Ela é brilhante, mas o cérebro dela não vai acompanhar isso...

- Você a está subestimando. – falei.

- E você está superestimando uma mente que pode surtar. – Ally falou. – Vá com
calma. Nem todo mundo reage às coisas como você reage.

- Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo. – falei, para tranquiliza-la. – O mundo
precisa de pessoas como Lauren. Ela é a prova de que pessoas "comuns" podem ser
brilhantes simplesmente colocando para fora o que tem, antes de ter "aprendido".
Quando aprendemos, estragamos. Quando simplesmente fazemos por instinto,
criamos o belo. Vou ensiná-la a não aprender, aprendendo.

- Você sabe que essas suas filosofias são bonitas, mas muito esquisitas, não sabe? –
Ally perguntou, sorrindo com o cantinho da boca.

- Sei. – dei uma risada com humor. – Mas eu também sei que estão corretas.

- Adoro sua modéstia. – a baixinha falou e sorriu.

- Eu não tenho modéstia. – respondi, sendo sincera sobre o assunto.

Eu realmente não tinha modéstia, era completamente consciente de mim mesma e do


mundo ao meu redor. Era uma coisa sobre ser considerada um gênio.

- Eu sei. – Ally disse. – E é por isso que você é incrível. Mesmo não tendo nem a
capacidade mental de ter modéstia alguma por causa dessa sua mente de gênio, você
não enxerga todo o seu brilhantismo. Você faz coisas incríveis e não as acha incríveis
genuinamente, ou seja, cientificamente falando, você não tem falsa modéstia.

- Não sou brilhante. – falei óbvio. – Só consigo aprender as coisas com mais
facilidade.

- Ai, Mila... – Ally falou, usando um tom entediado. – Desisto. Vamos logo de uma
vez. Eu vou buscar a Marie antes de ir encontrar você e Louis no Deuxave. Você vai
fazer o que no escritório?

- Vou dar uma olhada em um projeto da estagiária nova e assinar alguns papéis
pendentes pra hoje. – expliquei.
- Já decidiu se vai fazer o projeto em New York? – perguntou-me curiosa sobre minha
decisão.

- Não... – respondi, deixando clara toda a minha indecisão. – Pra ser sincera, ainda
não estudei adequadamente a proposta.

- Meu Deus, Camila, já fazem quatro meses que eles entregaram a proposta pra
você... – Ally falou com a voz pesada, expressando toda a preocupação que sempre
emanava quando se tratava dos assuntos do escritório. – Bom.. – ela suspirou
profundamente. – Depois conversamos sobre isso.

- No meu tempo Ally, no meu tempo. – falei, tranquilizando-a. – Eu não estou


pedindo a eles que me contratem. Eles querem me contratar e se eles querem que eu
faça, terão que esperar o meu tempo.

- São clientes importantes, é uma conta que não deveríamos perder. – Ally falou,
sempre preocupada com os números.

- Ally, porque eu faço arquitetura? – Perguntei, voltando ao mesmo ponto de sempre,


em nossas discussões.

Ally revirou os olhos, provavelmente lembrando-se da frase que eu sempre repetia e


que sempre finalizava as nossas discussões.

"Eu faço arquitetura porque amo, porque quero deixar o mundo melhor e mais bonito.
O dinheiro é uma consequência e não o objetivo".

- Ok, ok. – Minha amiga revirou os olhos. – Vou indo. – ela disse, dando-me um beijo
em cada bochecha. – Encontro você lá.

O trânsito em Boston não costumava ser intenso, com exceção dos horários de
"rush". Horários esses nos quais eu sempre procurava não precisar dirigir. Naquele
dia, entretanto, precisei e como todo bom cidadão de Boston, atrasei-me por causa
do trânsito.

Assim, quase duas horas e meia depois, e quase doze ligações de Louis depois, eu
parei o carro na frente do Deuxave, dando a chave para o manobrista novo, o qual eu
não sabia que havia sido contratado e, portanto, não sabia o nome, mas tratei de
perguntar. Anotei mentalmente que deveria perguntar onde estava Edgar, o antigo
manobrista.
- Boa tarde, senhorita Cabello. – o jovem rapaz me cumprimentou, segurando a porta
do carro aberta para mim.

- Boa tarde, rapaz. – o cumprimentei educadamente. – Qual o seu nome? –


perguntei, observando as pontas das tatuagens que apareciam de vez em quando,
por baixo da manga cumprida da camisa branca, com símbolo do Deuxave.

- Me chamo Harry, senhorita Cabello. – ele respondeu, com um sorriso educado no


rosto e eu identifiquei o seu sotaque diferente.

- Você não é daqui, certo, Harry? – perguntei, algo que já era óbvio para mim.

- Não senhora. Sou de Redditch, na Inglaterra. – ele falou, mantendo a


postura ereta.

- E o que faz em Boston? – perguntei, realmente interessada, já que tudo me


interessava.

- Estou estudando fotografia. – Ele respondeu. – E tentando uma carreira como


cantor. São três paixões.

- Você só citou duas. – assinalei. – E...não se supõe que deveria estar tentando uma
carreira de cantor em New York ou Los Angeles? – perguntei-lhe, tentando entender
porque estava em Boston.

- Boston é a terceira paixão, senhorita. – Ele disse, como se fosse óbvio e até teria
sido se eu tivesse analisado mais profundamente o caso.

- Oh! Sim! – exclamei. – Lhe desejo sorte, Harry.

- Obrigado, senhorita Cabello. – ele agradeceu e colocou-se à porta do carro, depois


que eu dei espaço.

- É seu primeiro dia, Harry? Primeiro emprego em Boston? – perguntei.

- É o meu segundo dia aqui no Deuxave e esse é o meu terceiro emprego. – ele falou,
colocando as mãos para trás do corpo para me responder. – Na verdade, eu trabalho
em três empregos atualmente, para poder me manter em Boston.
- Três? – perguntei, levantando a sobrancelha.

- Sim, três. – ele falou com humor.

- Boa sorte em seus três empregos então. – sorri para ele, admirando o garoto que
logo entrou no carro e o guiou para a minha vaga no estacionamento.

Caminhei calmamente até a entrada do Deuxave, passando pela porta que foi aberta
para mim pelo gerente e amigo de longa data da minha família, Nelson, um brasileiro
que estava em Boston a mais tempo do que eu estava no mundo e trabalhava como
gerente de salão no Deuxave.

Nelson era amigo de meus pais e desde sempre eu havia convivido com a sua
presença. Sua presença me era familiar e talvez, por isso, eu ainda o estivesse
mantendo por perto, deixando-lhe trabalhar no Deuxave. Era um homem de oitenta e
um anos e seu raciocínio já não funcionava mais como antes. Sempre fora um
excelente funcionário em todos os empregos que tivera. Entretanto, a idade chegara
para ele e com ela, também chegaram os problemas. Eu poderia, facilmente,
dispensá-lo de suas funções no restaurante e mantê-lo, pagando uma contribuição
por serviços prestados, mas não o fazia porque eu sabia que ele não queria e porque
sua presença lembrava-me de meus pais e fazia-me recordar dos domingos em que ia
à nossa casa. Nelson era familiar.

- Olá, Nelson. – o cumprimentei cordialmente.

- Boa tarde, pequena Camila. – ele me cumprimentou, segurando-me os ombros com


as mãos trêmulas e dando-me um beijo no alto da testa. – Seu amigo, Louis está à
sua espera.

- Em que mesa ele está? – perguntei, segurando carinhosamente o braço de Nelson.

- Está no reservado perto no bar. Mesa... – Nelson consultou em seu tablet. – onze.

- Tudo bem. Allyson vem também, diga para ela onde estamos e peça ao Tanner que
vá até a minha mesa. – falei e dei-lhe um beijo no rosto.

- Certo, direi à ele imediatamente. – Nelson respondeu.

Caminhei até a área reservada, encontrando Louis, com os olhos vidrados no celular.
Meu amigo percebeu a minha presença e levantou-se para me cumprimentar,
deixando o celular sobre a mesa.
- Ai, até que enfim. – Louis exclamou, puxando-me para um abraço apertado. – Mais
um pouco e eu viraria um esqueleto esperando você, Cabello.

- Trânsito... – expliquei, dando-lhe um beijo na bochecha.

- Pois que voasse. – ele falou em um tom sério enquanto voltava a sentar e eu sorri,
sentando-me na cadeira à frente dele.

- Sua paciência é algo admirável. – falei, pegando a taça com água da


mesa e tomando um gole.

- Não me enrole, eu quero saber de tudo. – ele falou, desviando completamente de


assunto e eu entendi imediatamente sobre o que ele estava querendo saber.

- Saber o que? – perguntei, fingindo-me de desentendida apenas porque sabia o


quanto Louis era impaciente.

- Lauren! É claro! A deusa dos olhos verdes que estava com você! – Louis exclamou
pausadamente, seguidas vezes.

- O que você quer saber? – fiz a pergunta mais óbvia, que era também a pergunta
que me ajudaria a contar a ele da maneira correta, sem tropeçar nas palavras.

- Primeiro, desde quando você é lésbica? – ele perguntou e apoiou os cotovelos em


cima da mesa, aparentando tanta excitação com o assunto que precisou chegar mais
perto e praticamente enfiar os olhos atenciosos em mim.

- Senhorita Camila. – A voz grossa e séria de Tanner, o gerente geral do Deuxave


soou atrás de mim.

Virei o rosto de lado para olhá-lo e o cumprimentei com um sorriso.

- Olá Tanner. – fiz sinal para que ele ficasse um pouco mais ao lado de Louis, e
assim, de frente para mim.

- A senhorita mandou me chamar? – ele perguntou em seu tom sempre sério e


formal.

Tanner Taft era um homem de cinquenta e cinco anos, pai de duas filhas, excelente
administrador, ótimo funcionário, porém orgulhoso. Não gostava de seguir ordens e
sempre tentava contrariar as minhas. Contraditório ou não, Tanner mantinha o seu
emprego exatamente por isso.

- Temos um novo manobrista e eu não fui informada? – perguntei-lhe seriamente,


focando o meu olhar e atenção nele.

- Sim, peço-lhe desculpas por isso. Eu iria informa-la em uma próxima oportunidade
que viesse até aqui. – ele respondeu, mais cauteloso.

Tanner sabia os limites que podia atingir comigo.

- Eu não devo ser informada, eu devo ser consultada e é por isso que você tem o meu
número pessoal de telefone. – falei e por reflexo, vi Louis arregalar levemente os
olhos.

- Eu não queria incomoda-la e presumi que...

- Não presuma. – cortei-lhe.

Eu sabia que Tanner não tinha a real intenção de me ligar. Ele gostava de tomar
decisões com se fosse o dono do restaurante e eu sabia que isso o fazia sentir-se
bem, mas eu não podia deixar de esclarecer que as decisões ali eram minhas.

- Sim senhorita. – ele falou simplesmente. – Precisa de mais alguma coisa?

- Não, pode ir. – falei, dando-lhe um sorriso curto e virei o rosto para Louis.

O homem deu alguns passos, passando por mim e foi somente o tempo de eu me
lembrar o motivo de tê-lo chamado realmente.

- Tanner. – falei e o percebi parando as minhas costas e depois virando-se. – dobre o


salário do novo manobrista. – disse-lhe enquanto ele parava novamente à minha
frente.

- Dobrar o salário do novo manobrista?! – ele perguntou, sem fazer questão de


esconder que estava levemente alarmado.

Cruzei os dedos em cima da mesa e subi o olhar até o dele, encarando-o.

- Sim, dobrar o salário do novo manobrista. – repeti outra vez.


- Mas senhorita... – Tanner começou a argumentar.

Uni as sobrancelhas e o encarei mais firmemente.

- Mas o que, Tanner? – perguntei, pendendo a cabeça levemente para o lado, curiosa
em saber como ele me contrariaria daquela vez.

- Tudo bem, o salário dele será dobrado. – ele disse. – Mais alguma coisa,
senhorita? – perguntou-me, sua voz soando mais baixa.

- Não, agora acabamos. – falei e desviei o olhar para Louis que intercalava o olhar
entre mim e Tanner que se afastava.

- Fiquei excitado. – Louis declarou em um tom solene e eu arregalei os olhos e depois


dei uma gargalhada.

- Tanner precisa de limites. – expliquei.

- Se você quiser me dar uns limites assim, estou aceitando. – Louis disse, mantendo
o tom solene e eu quis rir mais ainda.

- Você é gay. – declarei, arrumando os cabelos em cima dos ombros.

- Por você eu pratico a heterossexualidade com muita vontade. – meu amigo falou,
colocando a mão no peito. – Uma pena que você não pratique mais a
heterossexualidade. – ele disse, acelerando a fala. – Inclusive, pode começar a
responder a minha pergunta. Desde quando você é lésbica?

Fixei meus olhos em um ponto qualquer dos olhos de Louis e busquei por uma
resposta que eu não sabia se tinha.

"Desde quando eu sou lésbica?", perguntei para mim mesma.

- Por que presume que sou lésbica? – perguntei, levando a taça com água minha
boca mais uma vez.

O garoto de cabelos cor de mel encarou-me como se eu tivesse perguntado o


resultado conhecido de dois mais dois.
- Não é com se eu não tivesse visto você com a boca no ouvido dela na exposição ou
como se ela não estivesse olhando para você como se você fosse um copo de água no
meio do deserto. Alô-ou, eu sou gay, eu tenho gaydar e ele está apitando loucamente
pra você agora.

Eu não parei de sorrir enquanto Louis falava, instigada por seu tom de voz e pela
consciência de que o meu amigo me conhecia muito bem e que era óbvio que ele
havia notado o que estava acontecendo entre mim e Lauren.

- Eu não sei... – falei sinceramente. – E também não me importo muito em saber.


Sexualidade é uma coisa sem sentido. Heterossexual, homossexual... – falei e tomei
mais um gole de água. – são só conceitos criados por pessoas que não tinham muitas
coisa para pensar. Esse não é o ponto. Mas se eu tiver que me encaixar
necessariamente em alguma coisa, então sim, agora eu estou sendo absurdamente,
completamente e intensamente lésbica. – completei, esperando que ele entendesse.

E entendeu.

- OH. MEU. DEUS. – Louis exclamou pausadamente e eu percebi que ele havia
entendido. – Você está apaixonada por aquela mulher! – ele falou, sem fazer a
mínima questão de esconder todo o seu choque.

- Eu... – vacilei um pouco na resposta. – Eu não sei... – confessei. – Não sei como é
estar apaixonada, Louis. Nunca estive antes.

- Eu sei!! – ele falou em um tom tão vibrante, que quase pude ver seu corpo saltar da
cadeira. – Eu sei que não e isso é, UAU!

- É... quer dizer, eu acho que estou, porque penso bastante nela. – falei em um tom
um pouco mais baixo, sem saber exatamente como falar sobre aquilo.

- Pensa nela mais do que pensa em arquitetura? – Louis perguntou tão tenso que
parecia ter-me perguntado se eu havia matado alguém.

- Tanto quanto... – disse e logo ponderei sobre ter pensado muito mais em Lauren
nos últimos dias do que em arquitetura. – Às vezes mais.

Meu amigo jogou-se para trás, batendo as costas na cadeira e colocou as duas mãos
sobre o peito, com se tivesse acabado de levar um tiro.

- Você está muito apaixonada. – ele declarou e eu apenas concordei com a cabeça,
sentindo todo o meu corpo, minha mente e coração concordarem com ele. – Isso é
maravilhoso! – ele disse, inclinando-se para frente outra vez e tomando as minhas
duas mãos entre as dele. – Eu sei o quanto você queria se sentir assim, sei o quanto
é difícil para você. – Louis falava com todo o seu ar de compreensão de melhor amigo
que me conhecia dos pés à cabeça. – Como a conheceu? – ele perguntou.

Desviei o olhar do dele e depois o olhei outra vez, abrindo a boca para
falar, mas hesitei.

- O que?! Ela é uma prostituta ou algo assim?! – Louis perguntou, em choque.

- Ela é minha aluna. – falei de uma vez.

O rapaz à minha frente deixou o queixo cair, literalmente e ficou me encarando como
se eu fosse uma paisagem. Seus olhos perderam-se em meio ao choque e eu sentia-
me a cada segundo mais ansiosa por qualquer palavra dele.

- Comece a contar desde o começo enquanto eu processo essa informação. – ele


falou lentamente, deixando exalar em uma voz o quanto estava estupefato.

Suspirei e rodei o pescoço lentamente, para depois voltar a olhá-lo.

- Tudo bem, vou lhe contar. – falei, soltando as mãos dele e ajeitando-me na cadeira.

Vinte minutos se passaram entre o início da minha narrativa para Louis e o fim.
Contei-lhe desde a primeira vez em que a havia visto nos corredores das pranchetas
de maquetes da HGSD, em seu primeiro dia de aula. Contei da conversa que
havíamos tido no estacionamento e de como ela me despertara a atenção por sua
inteligência e sensibilidade. Contei-lhe sobre todos os encontros que eu havia tido
com ela, sobre todas as vezes em que havia pensado nela, sobre o que havia
acontecido entre nós na noite anterior, cada palavra que ela havia dito e que eu me
recordava com absoluta perfeição. Contei-lhe da aula que fui dar fora do meu dia
apenas para poder vê-la e tudo o que havia acontecido durante aquela mesma aula. E
neste momento, Louis me interrompeu.

- Peraí. Pausa. – Louis falou, segurando o garfo que estava usando para comer sua
refeição que havia chegado enquanto eu falava. – Você está me dizendo que tratou
ela feito uma vadia?

- Não! Ela não é uma vadia. – exclamei.


- Eu quis dizer que você foi uma vadia. – ele explicou, colocando um pedaço da
batata sauté na boca.

- Eu? – arregalei os olhos, totalmente aturdida depois de ter sido chamada de vadia.
– Por que está dizendo isso?

Louis repousou o garfo no prato e pegou o guardanapo, para limpar a boca e foi o que
fez enquanto me olhava e antes de me responder.

- Você não percebe, não é? – Ele perguntou-me, seriamente.

- O que? – perguntei curiosa, já que eu, dificilmente, não percebia alguma coisa.

- Você não percebe que tratou ela de uma maneira horrível e que ela, provavelmente
está odiando você agora. – ele disse e levou o copo com suco de laranja à boca. – Eu
estaria.

- Me odiando? Do que você esta falando, afinal? – perguntei, começando a sentir-me


preocupada com o que Louis estava dizendo.

- Essa sua mente de gênio que não permite que você entenda e processe facilmente
sentimentos ainda vai me dar muita dor de cabeça. – ele falou, ponderando.

- Explique de uma vez! – falei, sentindo-me agoniada.

- Camilinha... – Louis começou. – Você chamou a garota para sair, levou ela na
minha exposição, disse coisas fortemente sentimentais para ela, levou a garota para
a sua casa, quase fez sexo com ela, disse para ela que a quer, disse que gosta dela e
no dia seguinte, mal olha para a garota, pelo que me disse, já que estava tentando
disfarçar e ainda a tratou como uma bruxa na frente de Ally e das colegas de classe
dela... sinceramente, você não percebe?

- Eu sou professora dela, Louis. Estava tratando ela como trato todos os alunos.
Talvez eu tenha cobrado um pouco mais, mas é porque eu quero ensina-la a...

- Parou. Stop. – ele falou, fazendo um sinal com a mão e eu parei de falar.
– Você precisa entender que as pessoas que não tem uma mente de gênio não
costumam separar as coisas. Você separa muito bem o fato de estarem dentro de
uma sala de aula, mas você já parou para pensar que ELA provavelmente não faz
isso? E já parou para pensar que se ela não separa, provavelmente o seu
comportamento deve tê-la magoado e ela deve estar achando que você só queria
transar com ela na noite passada, mas como não conseguiu, ficou com raiva? –
perguntou-me.

- O QUE?!!!!!!! – exclamei, arregalando os olhos, processando e assimilando tudo o


que Louis havia acabado de me dizer. – Mas eu não fiquei com raiva! – falei,
esperando que Lauren estivesse ouvindo aquela conversa, onde quer que estivesse,
mesmo sabendo que aquilo era, de todas as maneiras, impossível.

- Eu sei que não, mas a forma como você agiu, com certeza, expressou isso. – Louis
explicava calmamente enquanto comia seu salmão.

Fiquei em silêncio por mais tempo do que pretendia, ponderando a respeito do que o
meu amigo havia dito. Se Lauren tivesse interpretado o meu comportamento daquela
forma, ela provavelmente estava chateada comigo, com razão. Não muita, porque me
comportei errado, mas eu não estava realmente com raiva dela.

- Eu preciso falar com ela. – declarei.

- Ah, sim.. você precisa sim. – ele disse, evitando falar, por estar de boca cheia. – Por
que não liga agora? – perguntou, deixando o garfo outra vez no prato.

- Porque esse não é um assunto a ser resolvido por telefone, Louis Tomlinson. – falei
o óbvio. – Amanhã darei aula para os alunos de doutorado em Harvard. Chegarei
cedo e falarei com ela. – falei, decidida.

- Falará com quem? – a voz de Ally soou atrás de mim, no exato momento em que eu
acabei de falar.

Virei para cima, para olhá-la, mas não tive tempo de responder, já que Ally e Louis
logo já estavam se abraçando e trocando palavras de saudade.

Pelo resto da tarde e quase toda a noite, Louis, Ally e eu ficamos no Deuxave,
conversando a respeito de todas as coisas que haviam acontecido em nossa vidas
desde a última vez que havíamos nos visto. Contei-lhes, outra vez, sobre o Pritzcker,
Louis contou sobre as exposições e Allyson contou sobre o casamento e a filha, Marie,
de 3 anos, que Louis não conhecia.

Eu e Louis já havíamos nos visto muitas vezes durante os quatro anos que ele havia
passado fora do país, viajando e expondo sua arte pela europa, entretanto, Ally não o
havia visto nenhuma vez, portanto, a conversa fluiu muito mais para os dois e eu os
ouvi, o que não foi incômodo, já que eu amava escutar e assim, passou-se a noite
inteira.

No dia seguinte, acordei no horário habitual e agradeci mentalmente por ser sábado e
Sofia ainda não estar acordada. Decidi tomar o café da manhã no The Village e
depois, antes de ir dar aula às nove da manhã na HGSD, passar no dormitório dos
freshman e conversar com Lauren.

Assim, às oito da manhã, cheguei ao ambiente familiar que era o The Village e
caminhei até a minha mesa de costume. Pedi o suco de laranja habitual e alguns
croissants para Edwiges, a garçonete que sempre me atendia quando eu ia ao The
Village para o café da manhã aos sábados, eventualmente.

O cheiro forte de café tomava o ambiente. Algumas pessoas conversavam alto nas
mesas próximas à minha, outras faziam seus pedidos no balcão de atendimento
rápido e eu estava concentrada em meu tablet, revendo a aula que daria e esperando
o meu pedido chegar para comer e, assim, tentar encontrar Lauren.

Edwiges chegou com o meu pedido em uma bandeja, certa de sete minutos depois e
o organizou em cima de minha mesa. Tão logo quanto ela se afastou, comecei a
comer, já que não queria perder tempo. Segurei o copo de suco e no exato momento,
escutei o sininho da porta tocar e, embora eu jamais olhasse, porque aquilo jamais
me chamava atenção, daquela vez, o sininho da porta sou como a badalada de um
sino de igreja, para mim, e assim, eu olhei.

Meu coração foi à lua quando vi Lauren entrando, mas foi imediatamente ao fundo de
um buraco negro, no momento em que eu vi quem a acompanhava. Chace Crawford.

Segurei o copo com mais força do que pretendia, esperando que aquele ato fosse
apagar a imagem que eu estava vendo. Não me importei em desviar o olhar, queria
entender aquela cena com clareza, mas Lauren não se importou em me olhar.

Os dois caminharam para o balcão de pedidos e sentaram-se nos bancos altos que
ficavam na frente balcão. Lauren sorria para ele mais vezes do que já a vira sorrir
antes em qualquer situação. Meu peito encheu-se de ar involuntariamente e um
formigamento vibrante tomou conta da minha garganta e dos músculos de todo o
meu corpo. O pedido dos dois não demorou a ficar pronto e logo estavam caminhando
de volta para a porta de saída do lugar. Apertei o copo com ainda mais força, sem
calcular que aquela força poderia quebrar o copo, enquanto minha mente se afundava
em conjecturas e suposições sobre de onde eles estavam vindo, para onde iriam,
porque estavam juntos.
Eu não tirava os olhos de Lauren, que não me olhava, mas eu tinha certeza que me
percebia. Não tirei os olhos do rosto dela até que percebi seu braço se movendo para
a frente e o de Chace movendo-se para trás. Segui, com o olhar, o movimento do
braço de Lauren e quase apertei os olhos para não ver o que aconteceria quando o
braço de Lauren completasse o percurso que fazia. A mão dela tocou a dele e os seus
dedos se entrelaçaram e tão lentamente quanto aquela cena me pareceu acontecer,
tão lentamente eu senti uma faca sem fio rasgar o meu peito dolosamente. Perdi a
força nas mãos e pendi a mão para o lado, de forma que o copo perdeu o equilíbrio e
caiu no chão. Não me importei, apenas continuei olhando para Lauren, que ao
barulho do copo, olhou em minha direção.

Nossos olhares se cruzaram em um fogo consumidor e ardente até que ela sumiu do
meu campo de visão.

Os olhos dela: mágoa. Os meus olhos: tristeza; ciúme.

"Eu vou atrás de você, Lauren", pensei. "Você será minha".


Drapetomania

Lauren's pov

Drapetomania (n.): uma sobrecarregada urgência de correr para longe.

O vento gelado entrava por uma frecha muito pequena de vidro entreaberto e tocava
a pele exposta do meu braço esquerdo que estava encostado no batente da janela. Às
cinco horas da manhã, haviam poucos sinais de sol, ou nenhum, exceto pelo clima
especialmente mais gelado e pela noite em sua hora mais profundamente escura que
prediziam que em breve o sol apareceria.

Não mais do que uma hora havia se passado desde que eu havia dormido e acordado
outra vez, despertada por um pesadelo angustiante. Dormir de novo foi tão ou mais
angustiante quanto, então, eu havia decidido sentar no largo beiral da janela principal
do quarto e esperar pela hora em que eu deveria, tecnicamente, acordar.

Inspirei o ar, com cheiro de plantas queimadas do outono, que vinha de fora e o
deixei percorrer todo o meu pulmão até que me doesse o peito e o coloquei para fora,
concentrando a minha mente no processo de respirar.

"Entra oxigênio", inspirei profundamente, mais uma vez. "Sai dióxido de carbono",
deixei o ar sair devagar, prendendo-o em espaços curtos e depois, o liberei
completamente do meu pulmão. "Mais uma vez, Lauren", pensei, preparando-me
para inspirar. "Ar entrando, diafragma contraindo, caixa torácica expandindo", eu
pensava, conseguindo, com sucesso manter a mente concentrada no processo de
respirar. "Ar saindo, diafragma relaxando, caixa torácica diminuindo", pensei e repeti
tudo mais uma vez. "Ar entrando... o cheiro de Camila é tão inebriante; o cheiro das
mãos, o cheiro do pescoço, o cheiro do cabelo...", sorri para o pensamento e
imediatamente assustei-me comigo mesma e pisquei com força, tentando empurrar o
pensamento para longe da minha cabeça.

Mais uma vez, ela voltara para a minha mente, como uma onda gigante que chega
sem aviso e arrasta tudo, envolve tudo, engole tudo.

- Por que já está acordada? - A voz de Normani cortou o silêncio, vinda do lado mais
escuro do quarto.

- Não consigo mais dormir... - minha voz saiu tão fraca quanto eu me sentia.

"Fraca, Lauren. Você é fraca", o pensamento surgiu em minha cabeça e eu apertei os


olhos e o lado da cabeça contra o batente da janela.

- Camila? - Normani perguntou, provavelmente, apenas para confirmar algo a


respeito do que ela tinha certeza.

"Camila...O que não tem a ver com Camila na minha vida atualmente?", pensei
ironicamente.

- É... - Falei, deixando escapar em meu tom de voz a mesma ironia do meu
pensamento.

- Vem aqui comigo, Laur. - Normani falou com a voz preguiçosa e ouvi o barulho de
sua mão batendo sobre o colchão.

Suspirei, sentindo-me repentinamente frágil e ao mesmo tempo percebendo que eu


estava precisando de colo. Virei meu corpo em um giro, colocando os pés no chão e
segui para a cama de Normani que estava a quatro passos largos de distância.

Deitei de lado e de costas para a minha amiga que, prontamente, abraçou-me


carinhosamente por trás.

- Por que você está assim, branca de neve? - Normani perguntou e eu franzi o cenho
como reação ao estranhamento pelo apelido repentino pelo qual a minha amiga havia
me chamado.

- Branca de neve? - perguntei, sentindo-me curiosa com o motivo de ter sido


chamada assim.

- Me deixe, são fofuras da madrugada, essas coisas não se perguntam. Você só


escreve num diário e caso sua vida um dia se torne muito importante, esse momento
vai para um filme e eu serei a pessoa que lhe deu um apelido fofo. - ela falou, com a
mão repousada sobre a minha barriga.

Eu não precisava vê-la para saber que estava de olhos fechados e lutando
bravamente para não voltar a dormir.

- Escreverei no meu diário sobre isso, pode ter certeza. - falei, agradecida por
Normani ter me chamado para deitar com ela e assim, me tirado da solidão de tantos
pensamentos inquietantes.
- Você nem tem um diário. - Ela constatou e eu ri. - O que você tem, Laur? -
perguntou em um tom mais sério?

"O que eu tenho?", perguntei para mim mesma, mas arrependi-me assim que a
resposta surgiu involuntariamente em minha mente. "Paixão", pensei e apertei os
dentes de tão forte que me veio a resposta, como uma martelada. "Medo", a outra
resposta me veio como um tapa no meio do rosto.

- Eu não sei. Eu acho que... - pausei, sentindo-me incapaz de falar, como se o medo
tivesse enfiado as unhas na minha língua e a estivesse puxando garganta abaixo.

- Acha que... - Normani perguntou, deixando no ar.

- Acho que estou apaixonada por ela. - falei de uma vez.

- Você acha? - minha amiga destacou o verbo, dando um tom especialmente irônico a
ele.

- Tudo bem, eu estou apaixonada por ela. - admiti em voz alta pela primeira vez e de
alguma forma externar aquilo tornou mais fácil pensar sobre aquilo.

- E como você se sente sobre isso? - Normani perguntou, mantendo o tom atencioso.

- Apaixonada. - respondi simplesmente.

- Ah, sério? - a mulher negra perguntou sarcasticamente e eu ri, dando-me conta da


obviedade da minha resposta.

- Sério. - respondi, sentindo o meu humor melhorar. - Me sinto idiota, otária,


obcecada, figurativamente de quatro por ela e não tenho muitas dúvidas de que
ficaria de quatro não só figurativamente também.

- No sentido literal da coisa você não conseguiu ficar nem "de dois", Lauren. - ela
falou e eu dei um tapa em seu braço. - Ainda não superei o fato de você tê-la
mandado parar.

- Na verdade, nem eu... - confessei, tendo um rápido flashback do meu momento


com Camila.

- Nenhum ser humano será capaz de superar o fato de você ter mandado Camila
Cabello parar. - ela decretou em um tom filosófico e levemente aristocrático, se é isso
era possível.

Às vezes eu achava que Normani tinha alguma descendência aristotélica ou socrática,


porque não eram raras as vezes em que minha amiga soltava frases de efeito que, eu
desconfiava, eram propositalmente faladas. Ela era o tipo de pessoa que enxergava a
vida como cenas de filmes e, sendo protagonista ou não, estava sempre atenta a
dizer o que queria dizer da melhor forma possível.

- Você poderia, por favor, parar de me lembrar disso? - Perguntei, mas quase
implorei, virando o rosto contra o travesseiro.

- Enquanto eu viver, você será lembrada. - Normani falou rindo e beliscou a minha
barriga.

Bufei com o rosto esmagado contra o travesseiro e Normani aproximou-se mais ainda
do meu corpo, abraçando-me com um pouco mais de força.

- Laur, está tudo bem... - minha amiga falou com a voz impregnada de carinho. - A
paixão faz a gente se perder, tudo fica confuso, nós ficamos mais sensíveis ao mundo
e por isso tudo está afetando você dessa forma, é natural.

- Eu me sinto completamente perdida. - confessei, olhando para a janela. - Não sei o


que fazer a partir desse ponto. Eu estou apaixonada por ela, ok. Mas...e agora? O que
eu faço? O que se faz depois disso? - perguntei mais para mim mesma do que para
Normani.

"Seja dela", a resposta veio para mim e eu apertei os olhos, tentando


negá-la.

- Agora você tenta descobrir se ela também está apaixonada por você. - Normani
disse, simplesmente, como se fosse absolutamente natural.

- Ela disse que me quer. - falei, relembrando uma das últimas que Camila me dissera
na noite anterior.

"Eu também quero você, Lauren", sua voz surgiu em minha cabeça junto com a
imagem de sua boca se movimentando suavemente às sombras do quarto escuro.
Seu cheiro era intenso e jamais suavizava, constantemente corroendo meu pulmão e
tornando quase impossível respirar sem a leve dor que seu cheiro me causava; dor
viciante. O toque de suas mãos em meu rosto surgiu como uma lembrança tão
palpável que por um segundo, por um derradeiro momento, eu pude sentir sua pele
quente sobre a minha.

Encolhi-me nos braços de Normani, movimentando o máximo para que não ficasse
tão evidente o desconforto em meu corpo com as lembranças que me surgiam.

- Então ela está apaixonada por você também. - minha amiga declarou.

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra. - falei, embora eu mesma duvidasse de
mim.

"Você sabe que ela está apaixonada por você também, você viu nos olhos dela", a voz
em minha cabeça me alertou e eu sorri para o pensamento, quase que
instantaneamente repudiando-o em seguida. "Pretenciosa, Lauren".

- Tente convencer a si própria.

- O que eu faço, Mani? - perguntei, começando a sentir outra vez o desespero tomar
conta de mim. - O que eu faço com isso?

- Viva. - Normani disse. - É isso o que você tem que fazer.

- Viver? - perguntei incrédula. - Supondo que ela realmente me queira de volta, como
eu vou viver isso, Normani? - perguntei com a voz entupida de agonia.

- Que tipo de pergunta é essa? - minha amiga perguntou, aparentando, realmente,


não ter entendido a minha pergunta.

- Você entendeu... quer dizer, Camila é uma mulher, eu sou uma mulher. Como eu
vou viver isso? Não dá. - falei, puxando o travesseiro de baixo da minha cabeça e
abraçando-o de lado.

- Isso é sério? Você está falando sério? - ela perguntou, soltando-me e sentando-se
na cama com as pernas cruzadas em posição de borboleta, de frente para mim.

Virei-me de frente e repus o travesseiro embaixo da cabeça.

- Eu não posso, Mani... - falei baixinho e olhei para a gola da minha própria blusa,
evitando contato visual com a garota à minha frente.

- Por que? - ela perguntou sem humor algum na voz.


"Por que? Por que eu não posso?", tentei lembrar de tudo o que justificasse eu não
poder ter qualquer tipo de envolvimento com Camila e todas as coisas me pareciam
pequenas demais até que... "Mamãe".

Suspirei profundamente e permiti-me o conforto do silêncio. Levei as duas mãos ao


rosto de esfreguei os olhos enquanto tomava, novamente, uma respiração profunda e
cansada. Cansada de mim mesma.

Normani tocou o meu braço e tirou as minhas mãos do meu rosto, encarando-me com
toda confiança e conforto no olhar. Agarrei-me ao olhar dela no mesmo instante,
considerando que ali encontraria algum conforto e proteção contra o que me afligia.

- Lauren... - minha amiga falou, sem desviar os olhos dos meus. - Não tenha medo
de você mesma. Não tenha medo de ser diferente do que lhe ensinaram que era
"normal". Normal é ser você e se ser você inclui gostar de um cacto, de um pepino,
de uma abóbora, de um homem ou de uma mulher, isso diz respeito somente à você
e isso é normal.

- Eu queria que fosse fácil assim. - falei com a voz fraca, admitindo a
verdade nas palavras de Normani, mas admitindo também, o quão difícil era ter
aquilo como verdade absoluta e livre de medos.

- Não se preocupe... - minha amiga falou, virando-se na cama e depois saindo com
um quase salto de cima da mesma. - A sua própria natureza vai tornar fácil. É fácil
ser você mesma, Laur... - Normani disse, enquanto calçava as pantufas. - Difícil é
conseguir ser você mesma. - Ela curvou-se na cama e me deu um beijo na testa. -
Mas isso é questão de tempo. O tempo sempre devolve a natureza original das coisas
e é o que vai acontecer com você. - ela completou, amarrando o roupão em volta do
corpo. - Vou tomar banho primeiro porque mereço depois que quase não ter dormido
essa noite por sua causa. - minha amiga declarou e me abriu um sorriso grande,
como se estivesse orgulhosa de si própria.

Sorri para ela e concordei com a cabeça, vendo-a seguir para o banheiro em seguida.

"O tempo sempre devolve a natureza original das coisas e é o que vai acontecer com
você", repeti em minha cabeça, abraçando o travesseiro e fechando os olhos. "Se
essa for a minha natureza, eu estou realmente perdida", apertei os olhos. "Mais
perdida do que já estou".
Duas horas depois, exatamente às 7:45am, como de costume, eu e Normani
entramos em nossa sala para esperar a professora Hadid. Estranhamente, a sala
estava vazia e demoramos a entender, até que sentamo-nos em nossos lugares
habituais e nos deparamos com o aviso escrito em letras garrafais, no quadro
magnético.

"AULA CONJUNTA COM A TURMA DE ENGENHARIA NO AUDITÓRIO 03"

Caminhar até o auditório 03 foi quase uma peregrinação. O auditório ficava do outro
lado do edifício da HGSD e aquela construção era, definitivamente, muito maior do
que eu considerava e parecia mais um teste de resistência física caminhar tudo
aquilo.

Quase cinco minutos de caminhada depois, Normani e eu encontramos grande porta


de madeira detalhada, estranhamente moderna e clássica ao mesmo tempo, com a
pequena placa em aço escovado que dizia: "auditório 03".

- Se eu andasse mais um pouco, perderia os joelhos. - Normani falou, empurrando a


porta.

No exato momento em que a porta se abriu, as vozes altas dos alunos nos envolveu
e, considerando que todo aquele barulho não era ouvido do lado de fora, tive certeza
de que aquele auditório tinha um excelente isolamento acústico.

Segui Normani por entre as fileiras e mal chegamos perto do grupo de alunos
reunidos ali e a voz de um garoto destacou-se.

- Lauren!! - Alec James falou o meu nome alto demais.

O procurei no meio dos alunos e não foi difícil acha-lo, dando um sorriso gigante,
como se eu fosse sua mãe e não me visse há anos.

- Aff. - Normani soltou baixinho, de forma que apenas eu ouvi.

- Olá Alec. - disse-lhe, abanando a mão em uma saudação curta.

Sentei-me ao lado de Normani e coloquei a minha mochila na cadeira ao lado da


minha.

- Como estão as coisas? Nunca vejo você pelas festas. Você some, Jauregui. O que
tanto faz que não aparece nas sociais? - Alec perguntou, sendo absurdamente
intrometido, o que me soava muito estranho para o comportamento de um britânico.

- Eu estudo. - respondi simplesmente.

- Wooooooow - Luis Felipe, um garoto que eu lembrava de já ter conhecido em algum


momento falou em um tom zombeteiro. - Depois dessa, eu pegava um livro e ia
estudar também. - o garoto falou, dando um tapinha no ombro de Alec.

- Não tenho tempo pra estudar, estudar é pros fracos. - Alec tentou se sair
bem da situação em que eu o colocara, sem querer, mas não funcionou muito bem. -
Mas você tá certa, Jauregui. Mulheres fortes tem que estudar.

- Pensei que tivesse acabado de dizer que estudar é para os fracos... - falei, olhando-
o rapidamente enquanto procurara por meu caderno de desenho dentro da mochila.

O olhar de Alec me engoliu. No pior sentido da palavra. O garoto abriu um sorriso


curto e ofendido com alguma coisa.

- Acho que me confundi. - ele falou simplesmente e mudou de assunto rapidamente,


dispersando a atenção de todos para o novo assunto que eu não fiz a menor questão
de ouvir.

- Não gosto dele. - Normani falou apenas para mim. - Não gosto mesmo.

- Desencana, Mani. Ele é só um bobo fazendo bobagens. - disse-lhe, completamente


despreocupada com a existência de Alec.

- Ele tem alguma coisa... alguma coisa não tá certa. - Ela falou, praticamente
fuzilando o garoto com o olhar.

- Tem um monte de coisas "não certas" com Alec, Mani. - falei, constatando uma
verdade muito óbvia.

- É que...

- Com licença, posso sentar aqui? - uma voz feminina, doce e suava soou ao meu
lado, desviando a minha atenção de Normani e eu virei para olhar.

A garota alta, corpulenta, cheia de curvas voluptuosas, com grandes cabelos


cacheados e louros estava parada ao meu lado, apontando simpaticamente para a
cadeira onde eu havia colocado a minha mochila.

Vestia jeans apertados que cobriam seu corpo quase sensualmente, mas seu moletom
largo e grande cortava toda a sinuosidade dos jeans. Seu rosto era iluminado e o ar
alegre era também confiante.

- Claro. - respondi da mesma maneira simpática, puxando a minha mochila e


pousando-a no chão, ao lado das minhas pernas.

- Você é a Lauren, né? - Ela perguntou enquanto sentava-se.

- Sou e você é a... - deixei no ar a pergunta, para não deixar tão claro assim que não
lembrava seu nome.

Já a havia visto outras vezes, mas não recordava de ter ouvido seu nome, exceto pela
primeira vez em que estávamos no mesmo grupo conversando e todos se
apresentaram.

- Dinah. - ela falou, com o rosto virado para mim, dando um sorriso tão bonito que
quase não consegui para de encarar seus dentes. - Tudo bem não lembrar o meu
nome, é exótico.

- Tão exótico quanto o meu. - Normani falou, esticando-se por cima de mim, para
intrometer-se na conversa. - Normani, prazer. - minha amiga se apresentou.

- Me sinto excluída desse clube de nomes exóti...

Meu ar acabou quando meus olhos bateram nela. Camila Cabello cruzou o meu olhar,
caminhando do outro lado do auditório, seguindo diretamente para a frente.

"O que ela está fazendo aqui?! O QUE ELA ESTÁ FAZENDO AQUI!!!!!?", a pergunta
soava freneticamente, como as badaladas de um sino dentro da minha cabeça.

Segurei a mão de Normani que estava apoiada no encosto da minha cadeira e


apertei, com força. Percebi o olhar de Dinah em mim, mas, por algum motivo, não
tive controle algum sobre o meu corpo e não consegui disfarçar a reação nervosa dos
meus músculos que se retesaram.

Camila estava desesperadoramente linda. Vestia calça branca e blusa da mesma cor,
coberta por um blazer azul marinho de listras brancas. A combinação era tão perfeita
que apenas aquilo poderia levar um ser humano à loucura. Seus cabelos estavam
mais lisos do que de costume e as bochechas mais rosadas, os lábios mais
voluptuosos, chamativos, desejáveis, beijáveis... Cada adjetivo que minha mente
dava à Camila, atingia o meu corpo com um soco na garganta e o ar me faltava tão
drasticamente que senti-me empalidecendo, perdendo as forças até mesmo para
apertar a mão de Normani.

Seu corpo movia-se elegantemente e a cada passo, os músculos de sua


perna se tornavam evidentes sob o tecido apertado na calça e em seu pescoço, as
curvas variavam entre sumir e reaparecer a cada movimento que ela fazia, enquanto
falava com...

Eu não havia percebido a presença da outra mulher até que a movimentação corporal
de Camila me fez desviar o olhar para ela. Era baixinha, elegante e tinha um ar que
exalava inteligência.

As duas chegaram à frente do auditório e Camila, como habitualmente fazia, deixou a


bolsa sobre a mesa e encostou-se na mesma. Disse algo que não ouvi. Todos os sons
ao meu redor estavam bloqueados pelas batidas ensurdecedoras do meu coração que
corria feito um louco desvairado pelo meu corpo. Tudo o que existia para mim
naquele momento era Camila, encostada na mesa, com as mãos apoiadas para trás.
Camila sorrindo. Camila rindo da piada de algum aluno. Camila entortando a boca
para o lado direito para falar palavras com "p". Camila mordendo o canto lábio.
Camila umedecendo o lábio. Camila olhando para mim.

Meu coração parou e todo o meu desespero correu pelo meu corpo inteiro em direção
à minha mão que, apertou a de Normani com tanta força que por algum momento,
suspeitei tê-la ouvido reclamar, mas a suspeita logo foi encoberta pela imagem de
Camila beijando-me todo o corpo; de suas mãos rompendo, rasgando, tomando o
meu corpo e eu adorando, sofrendo, gemendo na voz e na alma...

- Lauren... - Normani apertou a minha mão e deu-me um tapinha no ombro. -


Controle-se, por favor. - Ela falou baixinho no meu ouvido.

- Por que ela está aqui? - perguntei com a voz trêmula.

Normani abriu a boca para responder, mas Dinah se adiantou.

- Você não ouviu nada do que elas disseram, não é? - a garota perguntou, mas soou
mais como uma constatação. Foi a minha vez de abrir a boca para responder, mas
fracassei. - Já saquei que você é lésbica e tem uma queda pela professora Cabello. -
ela disse, encarando-me com um olhar quase malicioso. - Talvez seja um abismo. -
Ela disse e eu arregalei os olhos. - Talvez você já tenha chegado ao núcleo da terra,
de tão profundo que está o seu abismo por ela.

- Shhhhhh. Tá bom, parou. - Normani falou, tentando cortar o assunto para o qual eu
não tinha defesa. Meu comportamento deixara absolutamente óbvio o que acontecia
comigo. - Obviamente não dá nem pra tentar ajudar você, Lauren. - minha amiga
falou e depois voltou a falar com Dinah, enquanto eu a olhava completamente sem
reação. - Lauren está se descobrindo agora, então, por favor, shhhhh. Isso é segredo
de Estado.

Dinah levantou levemente as sobrancelhas e variou o olhar entre Normani e mim,


parando em minha amiga. Fez uma expressão de curiosidade.

- Quem é Lauren? - Dinah perguntou, acentuando ainda mais a expressão de


curiosidade e por um momento achei que ela estivesse louca, mas logo entendi o que
ela estava fazendo.

Normani sorriu para ela e elas fizeram um "hi 5" no ar, bem na minha frente e eu
apenas sorri para Dinah e disse "obrigada" usando somente os lábios e não a voz. A
garota concordou com a cabeça sorriu de volta.

- Afinal, por que ela está aqui? Hoje deveríamos ter aula da professora Hadid, não? -
Perguntei, intercalando o olhar entre Normani que estava ao meu lado esquerdo e
Dinah, que estava ao meu lado direito.

- Aparentemente, a professora Hadid ainda está resolvendo o problema que teve


ontem e a professora Cabello a está substituindo. - Normani explicou, fazendo algum
esforço para conseguir se livrar da minha mão.

- Ah...

- Você provavelmente não prestou atenção, mas temos que fazer um trabalho. -
Dinah disse, colocando a folha com instruções para o trabalho em cima da minha
mesa.

As duas explicaram-me como funcionaria o trabalho e durante aqueles


minutos, quase consegui concentrar-me totalmente, de tão interessante que era, mas
Camila era sempre mais forte em minha mente.

Utilizamos todo o horário da manhã realizando o trabalho que consistiu em realizar


todas as fases de um projeto. Croquis, plantas e cálculos estruturais. As clientes eram
as professoras e era a elas a quem deveríamos agradar. Eu fiquei com o croqui do
projeto. Normani com a planta de corte vertical e Dinah com os cálculos. Foi
trabalhoso, mas no final, tivemos um resultado incrível.

- Prefiro números, - Dinah disse, segurando o meu croqui nas mãos, analisando-o. -
mas vendo esse seu desenho, quase tenho vontade de ser arquiteta. - Ela o colocou
de volta na pilha de papéis que entregaríamos às professoras. - Você é muito boa
nisso, garota. - completou e ficou com um ar contemplativo.

- Não tão boa, nem tão rápida quanto você nesses cálculos. Você foi incrivelmente
genial e sagaz. - falei, dando-lhe o devido e merecido elogio.

Dinah era espetacularmente boa com números. Quando Normani entregou a ela a
planta com as especificações e medidas, antes mesmo de realizar contas no papel,
Dinah declarou quantidades de materiais, preços possíveis, tamanhos de vergalhões,
espessura adequada das vigas, etc. Somente depois, pôs os resultados representados
em papel.

- Tenho uma mente matemática. Uso a lógica. - ela falou. - Você usa os sentimentos.

- Senhoritas, Jauregui, Kordei e Hansen, é a vez de vocês. - A professora Allyson


chamou o nosso grupo, logo após o grupo de Alec, Keana e Luis.

Normani segurou a minha mão enquanto caminhávamos por entre as fileiras de


cadeira até chegarmos à mesa das professoras. Teria sido mais fácil caminhar se eu
não tivesse sentido o peso do olhar de Camila sobre mim. Olhar para o chão foi o
meu refúgio, até que não houve mais saída e chegamos às professoras, assim,
precisei olhá-la. Nada disse, apenas sentei em uma das três cadeiras colocadas à
frente da mesa de Camila e Allyson.

- Olá meninas. - a professora Brooke nos cumprimentou, mas Camila não se


manifestou.

A olhei rapidamente, enquanto Normani e Dinah respondiam a professora, e seu olhar


estava fixo em mim. Uma espada cortou-me de cima à baixo e eu desviei o olhar em
completo desconserto emocional, para a professora Brooke.

- O-olá professora. - a cumprimentei logo depois de Dinah.


- Nos apresentem o projeto de vocês. - Camila falou, seu tom era cortante e frio.

Normani a olhou e eu percebi certo pavor em seu olhar.

"Agora ela provou um pouco do que eu sinto", pensei e sorri mentalmente, mas logo
senti o olhar de Camila sobre mim. Não só o dela, mas o de todas ali.

- Ammm. - Tossi levemente e sacudi a cabeça, tentando fazer com que os


pensamentos voltassem ao lugar. - Eu... - peguei o meu croqui, desajeitadamente e
olhei para Camila, sem conseguir evitar. Sua sobrancelha estava levantada e sua
expressão impassível. Quase entediada.

- Pretende começar hoje, senhorita Jauregui? - Camila perguntou, seu tom de voz era
gelado.

"Por que ela está me tratando assim?", a pergunta foi mais forte do que o raciocínio
de que eu deveria começar a apresentar o trabalho.

- Sim. - falei, tentando controlar a voz. Sentei-me melhor da cadeira e respirei


calmamente. Foquei os olhos no papel e na professora Brooke. - Bom, nosso projeto é
um tanto quanto brutalista. Focamos na composição de formas curvas dando beleza
ao concreto nu e cru. - Mostrei o meu croqui para as duas, explicando alguns detalhes
do projeto e o conceito de tudo o que o envolvia. A professora Brooke levantava as
sobrancelhas, afirmando positivamente com a cabeça vez ou outra, mas Camila
mantinha-se séria, prestando atenção, mas parecia entediada.

- Senhorita Jauregui... - Camila falou, assim que eu acabei de falar. - Por que acha
que um projeto brutalista seria o melhor pra um conceito de um centro cultural, que é
o que estão propondo? - Ela perguntou, mantendo o ar de superioridade.

- Por que não? - perguntei imediatamente.

Camila pendeu a cabeça levemente de lado e levantou a sobrancelha esquerda.


Apoiou os braços na mesa e aproximou-se um pouco mais de mim.

- Senhorita Jauregui, eu - apontou para si mesma. - professora. Você - apontou para


mim. - aluna. Eu pergunto, você responde. Estamos entendidas?

Abri a boca achando que alguma palavra iria sair, mas tudo o que saiu de mim foi
silêncio. Concordei com a cabeça, na ausência de voz.
- Muito bem, agora responda a pergunta que lhe fiz. - ela disse, voltando a encostar-
se em sua cadeira.

- É... - recomecei. - Eu pensei inicialmente em um projeto modernista, inspirado em


Le Corbusier, mas me pareceu muito óbvio, então considerei o descontrutivismo e
talvez me inspirar em Oscar Niemeyer e até mesmo na professora Cabello, mas me
pareceu radical demais. O brutalismo me pareceu equilibrado entre uma coisa e coisa.
Nem oito, nem oitenta.

- A senhorita acha que meus projetos são radicais demais, senhorita Jauregui? -
Camila perguntou, cruzando os dedos em cima da própria mesa.

- Não! - exclamei, percebendo que talvez tivesse me expressado da maneira errada. -


A senhora não é radical demais. Quer dizer, talvez um pouco. Mas é um radicalismo
elegante e tentar imitá-la seria inútil. Eu não conseguiria alcançar tanta leveza em
coisas tão difíceis de serem feitas.

- Imitar? - Camila repetiu a palavra que eu usara. - Você acha que imitando alguém
vai chegar a algum lugar, senhorita Jauregui? - Ela perguntou, e lá estava o seu tom
venenoso e asfixiante de volta.

- Não foi o que eu quis dizer. - falei, desconsertada e sem saber o que responder.

- Mas foi o que disse. - Ela falou e em seguida olhou para Normani. - Senhorita
Kordei, apresente a sua parte, por gentileza.

Eu estava tão atônita com o que Camila estava fazendo comigo, que não pude conter-
me senão encara-la por tanto tempo quanto meus sentimentos curiosos e
machucados pediram. Normani apresentou sua parte e Camila a elogiou. Dinah
apresentou a sua parte e Camila a elogiou. Allyson Brooke fez muitos elogios à sua
aluna e à Normani também e à mim, principalmente, ao final de nossa exposição.
Camila, nada disse a meu respeito.

Elas nos dispensaram e como éramos o último grupo e todos os outros já haviam ido
embora, ficamos apenas nós, no auditório.

Voltei com Normani e Dinah até as nossas cadeiras e começamos a arrumar as nossas
coisas enquanto Camila e Allyson preparavam-se para fazer o mesmo. As observei
levantar e caminhar calmamente, conversando sobre qualquer coisa pelo corredor
entre as cadeiras, enquanto guardava minhas lapiseiras no estojo. Camila pegou o
celular de dentro da bolsa e o atendeu. O seu sorriso ao atender a chamada me fez
querer prestar atenção à conversa.
- Oi Louis! - ela exclamou e ficou em silêncio, caminhando devagar ao lado da
professora Brooke. - É claro que vou. Só preciso passar no escritório antes, me
encontra lá? - ficou calada outra vez. Ela estava cada vez mais perto de mim,
caminhando pelo corredor. - Ah, sim. Bom, ela não vai poder ir. - Camila falou,
enquanto passava por mim e me olhou rapidamente. A encarei sentindo suas mãos
apertarem o meu coração com força. - Ela tem um compromisso. - sua expressão
impassível não mudava, mesmo percebendo a minha expressão de angústia e agonia.
- Ela está realmente muito ocupada. - Ouvi sua voz dizer, já a alguns passos adiante
de mim.

Sentei-me na cadeira, incapaz de manter-me de pé. Uma confusão de sentimentos


aconteceu dentro de mim e eu não sabia a qual me agarrar para definir o que estava
sentindo, mas de todos, os maiores: mágoa e dúvida.

Eu não sabia por que Camila estava sendo boa comigo na noite anterior e horrorosa
na manhã seguinte, mas de uma coisa eu tinha certeza: a noite anterior havia sido a
última vez em que eu me deixara levar pelos encantos de Camila Cabello.
Silencenus

A/N: Dedico esse capitulo à minha eterna Tori, Natalia Nogueira, minha irmãzinha

Lauren's pov

Silencenus (n.): o intenso desejo de silenciar a própria mente.

Cambridge tinha, tradicionalmente, cheiro de café, croissants e natureza. Entretanto,


em nenhuma outra estação do ano se podia sentir tão forte o cheiro das folhas
queimadas que se misturavam ao vento gelado e corriam por toda a cidade. Era
quase como uma ajuda da natureza para aumentar o encanto quase místico daquele
lugar.

Aquele cheiro específico invadia o meu nariz, causando aquela sensação típica de
congelamento que percorria todo o trajeto do meu pulmão, gelando o meu peito,
enquanto eu, Normani e Dinah, caminhávamos até o The Village.

- Você está bem? - Normani perguntou, depois de me dar algum tempo de silêncio,
enquanto caminhávamos, sem nem ao menos tentar me envolver na conversa com
Dinah, coisa pela qual agradeci mentalmente.

- Perfeitamente. - respondi simplesmente, sem olhá-la e parando na calçada, ao lado


do poste de semáforo, esperando a sinalização abrir para os pedestres.

Coloquei as mãos nos bolsos do moletom e fixei meu olhar no semáforo com o
bonequinho vermelho brilhando do outro lado da rua.

- Tem certeza? - minha amiga questionou-me para confirmar. - O que Camila fez foi
tão...

- Professora Cabello. - a corrigi, sem humor algum. - O assunto Camila morreu. -


falei, sem tirar os olhos do bonequinho que nunca ficava verde.

- Morreu? - Normani perguntou, demonstrando claramente que não havia entendido.

- Ela quis dizer que não é mais pra você falar sobre a "falecida" perto dela. - Dinah
respondeu por mim e eu agradeci mentalmente a inteligência perspicaz da garota.
- Que falecida? - Normani virou a cabeça que estava voltada para mim bruscamente,
para poder olhar Dinah.

- A "morta". - Dinah explicou outra vez, em um tom de obviedade.

- Que morta? Quem morreu? - minha amiga perguntou, mais uma vez e eu mal pude
acreditar que ela estivesse sendo tão lenta em entender assim.

Dinah arregalou levemente os olhos, olhando estupefata para Normani.

- Ela disse pra você não falar mais na Camila. "O assunto Camila morreu". - ela falou,
fazendo aspas com os dedos, usando um tom de tanta obviedade que eu quase tive
vontade de sorrir, mas o gelo em meu peito rapidamente congelou a vontade.

- Ahhhhhhh! - Normani exclamou, expressando sua compreensão e seguindo-me


enquanto atravessávamos na faixa de pedestres. - Não podemos mais falar na
Camila, mas aposto que não vão se passar cinco minutos até ela mesma falar da
suposta "falecida". - minha amiga falou, em um tom descontraído.

O simples fato de escutar o nome dela estava tornando o meu peito cada vez mais
ártico. A cada menção do nome "Camila", eu sentia-me dar um passo mais para
dentro de uma geleira, para dentro do meu iceberg pessoal.

Virei-me, parando de frente para Normani e Dinah, parando de costas para a porta de
entrada do The Village. Cruzei os braços na frente do corpo para me proteger de um
frio intenso que, aparentemente, só eu sentia e encarei as duas, principalmente a
minha colega de quarto.

- Eu falei sério. - falei em um tom sério, porém sem ser rude. - Eu não quero mais
falar nesse assunto. Não quero mais falar nela e nem ouvir o nome dela a não ser que
seja extremamente necessário por questões da universidade.

Normani me olhava com certo arrependimento no olhar e apenas balançou


a cabeça em afirmação. A expressão de Dinah apenas reafirmava que ela já havia
entendido. Dei-lhes um sorriso curto de agradecimento e virei-me de frente para a
porta, empurrando-a e adentrei o local sem ao menos sentir vontade de olhar para o
lugar onde ela costumava ficar.
- Olha, as meninas estão aqui também. - a voz de Keana soou atrás de nós enquanto
caminhávamos em direção à nossa mesa de costume.

Olhei rapidamente por cima do ombro e a vi andando, acompanhada por um garoto


da nossa sala, chamado Rand Looper que havia migrado de Salt Lake City para
Cambridge, Savannah Payne, filha de um político do estado de Idaho e um outro
garoto que eu nunca havia visto.

Normani e Dinah a cumprimentaram enquanto caminhávamos juntos até a mesa.


Sentei-me, como sempre fazia, de costas para onde Camila costumava estar e
observei todos os outros cinco ocuparem lugares à mesa. O garoto o qual eu não
sabia o nome puxou uma cadeira da mesa ao lado, que estava vazia, e a colocou bem
ao lado da minha.

- Posso? - ele perguntou, com a voz rouca e grossa.

Olhei para cima, para respondê-lo e pude distinguir melhor o seu rosto. Tinha cabelos
lisos, jogados propositalmente despenteados para frente, cor de mel. Seus olhos
eram de um tom azul muito claro e as sobrancelhas grossas davam ainda mais
profundidade ao olhar. Tinha bochechas rosadas que combinavam perfeitamente com
a cor de seus lábios rosados ao extremo.

- Pode sim. - respondi sem muito humor, mas mantendo um tom simpático.

Ele jogou a mochila no chão e sentou-se, mantendo um sorriso agradável no rosto.

- Sou Chace. - ele disse, virando-se de lado e estendendo a mão para mim. - Chace
Crawford.

Apertei a mão dele levemente e sorri de volta.

- Sou Lauren... Jauregui.

- Ah! A garota dos cem desenhos... - ele falou, sem soltar a minha mão, encarando-
me desconcertantemente e sem tirar o sorriso do rosto.

Senti meu rosto corar sem motivo algum.

- Como sabe disso? - perguntei, timidamente e puxei a minha mão devagar para
livrar-me da dele.

- As notícias correm por aí, você sabe... - ele disse e ajeitou-se na cadeira.
- E isso é tipo, algum tipo de notícia agora? - perguntei, tentando entender do que ele
estava falando.

- Ah...calouros... - ele falou, dando um sorriso com o canto dos lábios, subindo
sinuosamente a boca para a esquerda. - Tudo o que acontece envolvendo a
excelentíssima senhorita frozen Cabello é notícia nesta faculdade, principalmente
entre os alunos de arquitetura e engenharia... você sabe...

De repente, um frio gelado me cortou a espinha, trazendo consigo as lembranças dos


meus momentos com Camila e um pequeno terror de que, talvez, as pessoas
soubessem daquilo.

- Tudo? - perguntei, engolindo a secura repentina da minha boca.

- Ela é tipo uma celebridade, Jauregui. Principalmente depois que ganhou o Pritzcker.
- ele explicou, sem demonstrar ter percebido a minha curiosidade desconfortável a
respeito do assunto. - Ela está em todas as revistas do país. Se ela é uma celebridade
no país, imagine em Harvard. - ele disse, pegando o garfo e rodando entre os dedos
descontraidamente.

- Ah... - falei, tentando assimilar as informações que Chace me dissera.

Não era como se eu não soubesse que Camila era muito conhecida, mas não tinha
ideia alguma da dimensão real daquilo. Eu não era o tipo de pessoa que se importava
com revistas em bancas de jornal, notícias de celebridades e toda essa coisa que
envolvia a vida pessoal de pessoas famosas, então, nunca atentara-me à ideia de
Camila ser algum tipo de celebridade.

- Qual o seu período? - perguntei antes que ele falasse de novo.

- Sou do oitavo. - ele respondeu, virando o rosto para mim outra vez.

- E como sabe de uma coisa que aconteceu no primeiro? - perguntei, um tanto


alarmada.

- Como eu já expliquei pra você... é Camila Cabello. - ele sorriu, paciente. - Além
disso, Keana é minha irmã, então confesso que facilitou um pouco pra eu saber.
- Ah... sua irmã? - expressei o entendimento e antes de Chace responder, Keana o
interrompeu.

- Laur, quer ir na festa da turma do Chace hoje à noite? - Keana perguntou e eu


desviei o olhar para o outro lado da mesa, onde ela estava. - Normani vai! - ela
exclamou e eu, imediatamente, corri os olhos para Normani que confirmou com a
cabeça e bateu palminhas.

- Vamos, Lauren. - Dinah, que estava sentada ao meu lado, falou com empolgação. -
Vai ser ÓTIMO pra esquecer até o seu próprio nome. - ela falou em um tom natural e
eu duvidei que qualquer outra pessoa tivesse entendido a mensagem oculta por trás
do que ela havia dito. Exceto por Normani.

- Não seja difícil, Jauregui. - Chace falou. - Prometo que você não vai se arrepender.

- E você ainda não foi em nenhuma festa por aqui. Precisa perder essa virgindade
"festivinal havardiana". - Keana disse, inventando, totalmente, duas palavras.

- Tudo bem, eu vou. - falei, sentindo uma distante empolgação a respeito da festa,
mas já foi o suficiente para me convencer, já que havia desviado a minha atenção,
mesmo que brevemente, do assunto Camila.

Meus amigos comemoraram e se envolveram em uma conversa a respeito da festa e


de acontecimentos de festas passadas, conversa essa na qual eu tratei de me
envolver. Eu não estava realmente interessada em saber quem havia sido pego
transando com a melhor amiga da namorada no banheiro do alojamento dos
veteranos de engenharia civil e muito menos em saber o nome da menina que ficou
com uma garrafa de cerveja presa na vagina, no meio da última festa, enquanto se
masturbava no banheiro, e menos ainda em saber como os médicos tiraram a garrafa
de dentro dela. Entretanto, eu não podia negar que aqueles assuntos distraíam a
minha mente e por toda a hora do almoço eu havia conseguido ficar espantada tantas
vezes com o que ouvira que minha mente, seguidas vezes, não ininterruptamente,
mas seguidamente, conseguiu desfocar-se de Camila e, para mim, isso havia sido um
grande passo.

Voltamos todos juntos para o edifício da HGSD e nos separamos apenas de Dinah que
voltou para o edifício de engenharia e de Chace, que foi para o andar de cima, onde
ficava a sua sala.

O resto do dia não foi tão bom quanto a hora do almoço no quesito "pensar em
Camila", pois eu duvidava que já houvesse pensado tanto nela quanto nas horas da
tarde daquela sexta feira. As lembranças da noite anterior estavam tão vivas na
minha mente e tentar fugir estava apenas piorando as coisas, de tal forma que, no
meio da aula de matemática aplicada, deixei meus pensamentos serem arrastados
pelas lembranças e mergulhei completamente naquele mar furioso que era "pensar
em Camila".

Suas mãos me tocando, arrancando a minha roupa... Seus lábios queimando a minha
pele em beijos corrosivos... Seu cheiro de mulher invadindo as minhas narinas e
derretendo tudo dentro de mim... Seus toque me molhavam e me faziam escorrer...
Sua língua que explorava a minha... Suas mãos percorrendo o meu corpo com
maestria... Seus dedos me inv...

- Laur, vamos? - Normani me chamou e eu desviei os olhos da janela da sala para


ela. - Você está voando a aula inteira, né?

- Um pouco. - falei, virando-me de lado na cadeira, para colocar os cadernos dentro


da mochila que estava, agora, entre minhas pernas.

Não havia mais ninguém na sala, exceto por Rand, que conversava com
um garoto que eu não sabia o nome, o garoto que eu não sabia o nome, Savannah,
que estava sempre onde Rand estava, Normani e eu. Eu não havia percebido o
término da aula e, muito menos, todas as outras pessoas da sala indo embora.

-Percebi. - ela falou, tamborilando os dedos na coxa, demonstrando impaciência. -


Vamos logo, temos que nos arrumar pra festa. - ela falou, levantando-se e eu fiz o
mesmo em seguida, fechando o zíper da mochila enquanto a segurava suspensa no
ar.

- Você sabe onde vai ser? - perguntei, colocando a mochila nas costas enquanto
caminhávamos para sair da sala.

- Eu não sei, mas Dinah sabe e vamos com ela. - Normani disse, metendo-se no meio
dos alunos que caminhavam desenfreados pelo corredor e eu a segui, andando
sempre atrás dela, já que estava praticamente impossível caminhar lado a lado por
ali. - Ela vai se arrumar com a gente, já deve estar nos esperando.

Não pude responder nada, porque nesse exato momento, começamos a descer as
escadas no meio de um monte de jovens que corriam descendo e subindo as escadas,
o que tornava aquilo ainda mais perigoso e eu precisei concentrar minha atenção nos
meus pés.
Menos de dez minutos depois de termos conseguido sair do edifício da HGSD,
estávamos chegando na frente do edifício dos freshman, quase no mesmo momento
em que Dinah estacionou o Ford Scape preto, na vaga livre, quase à frente da porta
de entrada. Eu e Normani paramos para espera-la, o que não demorou muito pois,
menos de trinta segundos depois, Dinah já estava ao nosso lado, carregando uma
nécessaire preta e uma pequena luggage preta, que combinavam.

- Você anda com roupas dentro do carro? - Normani perguntou para Dinah, referindo-
se ao fato de ela estar com roupas na luggage. - Pensei que eu fosse ter que lhe
emprestar roupas. - minha amiga concluiu e Dinah riu.

- Eu tenho, praticamente, todo o meu guarda roupa dentro do carro, garota. - Dinah
disse, enquanto esperávamos o elevador. - Se eu pudesse, colocava o guarda roupas
mesmo, porque só Deus sabe como é difícil deixar as roupas arrumadas dentro do
carro.

- AH! MEU DEUS! - Normani exclamou em excitação. - Você é minha alma gêmea
fashion! - minha amiga falava com um tom bem puxado pra empolgação extrema e
eu ri.

- VOCÊ TAMBÉM FAZ ISSO? - Dinah perguntou, abrindo a boca em choque e eu pude
ver que ela estava a ponto de explodir na mesma emoção que Normani.

- Claro que sim!!! Em New York eu sempre mantinha roupas dentro do meu carro. -
ela falou, enquanto entravamos no elevador. - E só Deus sabe o quanto era difícil
fazer isso.

- Ah, garota, por isso que eu gosto de você! - Dinah falou, usando o mesmo tom de
Normani e eu me encostei ao lado dos botões do elevador, rindo das duas que
ficaram conversando sobre roupas dentro de carro até o momento em que entramos
no quarto.

Fui a primeira a entrar, já que Normani e Dinah estavam muito distraídas


conversando e acabaram desacelerando o passo. Coloquei a mochila ao lado da cama
e me joguei no colchão macio, sentindo meu corpo ser tomado por leves espasmos de
relaxamento, começando na coluna e se espalhando até a nuca e pernas.

- Eu estou tão cansada. - falei, percebendo Dinah sentar-se ao meu lado, apenas pelo
cheiro amadeirado de seu perfume.

- Você deveria descansar, Laur. - Normani falou de longe e ouvi o barulho da chave
sendo jogada no balcão da cozinha. - Você quase não dormiu na noite passada.

- Temos que nos arrumar, não dá tempo. - falei, respirando profundamente, tentando
expelir o cansaço pelas vias aéreas.

- Dá sim, Lauren. A festa começa às dez e ainda são seis e meia. - Dinah se
manifestou e sua voz soou para mim como um doce.

- Tudo bem, vocês me acordam, então? - perguntei, jogando os pés para


cima da cama, depois de tirar os sapatos com a ponta de cada pé.

- Aham! - Normani e Dinah falaram juntas e começaram a rir de si próprias.

E tão rápido quanto fechei os olhos, tão rápido minha mente mergulhou em um
caleidoscópio de pensamentos dormentes e eu peguei no sono.

- Nossa, mas será que foi por isso que a professora Cabello tratou ela daquele jeito? -
a voz de Dinah soava quase que em um sussurro, vinda do lado oposto da minha
cama e a minha mente, mesmo com a lentidão de quem acabara de acordar,
discerniu que vinha da cama de Normani.

- Eu não sei... - foi a vez de Normani falar baixinho. - Ela age de forma estranha, se
você quer mesmo saber a minha opinião. Pelo que Lauren conta, ela é sempre
carinhosa e atenciosa quando estão sozinhas, mas todas as vezes que as vi juntas,
Camila estava sendo rude... - houve uma pausa. - Não exatamente rude, mas ela
sempre cobra muito de Lauren. Ela é uma incógnita pra mim.

- Talvez ela esteja confusa com os sentimentos, igual a Lauren. - Dinah falou,
mantendo o tom. - Afinal, ela é lésbica ou não?

- Quem? Lauren? - Normani perguntou.

- Sim. Quer dizer, as duas. - Dinah falou.

- Acho que rótulos são desnecessários, principalmente em casos de amor. Lauren


nega o máximo que pode, mas tem tanto amor implícito dentro dela... - Normani
falou e eu senti um sopro forte dentro do meu corpo. Meus músculos contraíram-se.

"Amor?!", repeti a palavra mentalmente, completamente alarmada.


- Amor?! - Dinah exclamou usando o mesmo tom que eu havia usado em meus
pensamentos. - Como assim amor?

"Como assim amor?", perguntei mentalmente, indignada.

- Não, tipo... Não é como se eu achasse que Lauren ama a professora Cabello. É
muito cedo pra isso ser amor. Mas é só você olhar pros olhos de Lauren quando ela
fala da professora ou quando está olhando para , ou até mesmo para a professora,
como ela olha a Lauren, que vai perceber... - Normani ia continuar, mas Dinah a
interrompeu.

- Perceber o que?! - a loira a interrompeu.

"Perceber o que?!", repeti a mesma pergunta de Dinah.

- Que se elas se derem uma chance, vão viver um amor daqueles que nunca acaba,
um amor daqueles que elas vão chegar aos oitenta anos juntas. - Normani
completou.

- Será? - Dinah perguntou, um pouco cética. - Você não acha que está romantizando
demais? - ela perguntou para Normani.

"ESTÁ!", eu respondi, gritando, em minha mente.

- Pode ser... - minha amiga respondeu, usando o mesmo tom sereno de antes. - Mas
você romantizaria também, se visse como elas se olham.

- Eu vi como a professora Cabello tratou Lauren hoje e não consigo romantizar nada
naquela situação. - Dinah manteve o tom cético e de leve discordância.

- Não a maneira como elas se tratam. Camila é sempre horrorosa com Lauren na
frente dos outros alunos. - Normani explicou.

- Não estou entendendo. - Dinah disse.

- Você tem que observar a maneira como elas se olham, é ali que está a chave. -
minha amiga explicou outra vez.

- Vou ficar atenta, se eu tiver outra oportunidade de vê-las juntas.

Houve um silêncio de alguns segundos e eu quase comecei a fingir que estava


despertando, mas Normani voltou a falar.

- Eu me preocupo muito com ela... - seu tom saiu sério. - Nos conhecemos há muito
pouco tempo, mas Lauren tem sido uma luz na minha vida. Não quero que ela sofra.
Lauren é uma garota muito especial e bonita.

- Você também é muito especial e bonita. - Ouvi Dinah dizer e quase me


joguei da cama.

"Oi?!!!!!", pensei alarmada.

- O-o que? - percebi a voz embargada de Normani.

- Quer dizer, concordo que ela é muito especial e bonita. - Dinah falou rapidamente.

Aquilo ficou esquisito até para mim e, por isso, decidi fingir um despertar que já havia
acontecido a muito tempo. Estiquei meu corpo preguiçosamente na cama, sentindo
todo o meu corpo tencionar e amolecer em seguida, causando-me uma sensação de
êxtase.

- Acordou a bela adormecida. - Normani falou e eu finalmente tentei abrir os olhos,


para olhá-las.

Consegui abrir um olho só e vi as duas que estavam levemente reclinadas na cama,


uma ao lado da outra, olhando pra mim.

- Até hoje de manhã eu era Branca de Neve... - falei, apertando os olhos com força e
depois abrindo-os de uma vez. - Você precisa se decidir, Mani. - disse com humor.

- E agora é a Bela Adormecida e não se atreva a me contrariar. - ela declarou,


tentando soar brava. Eu ri.

Tateei a cama em busca do meu celular, sentindo um leve desespero quando não o
achei ao meu lado, mas durou apenas até eu lembrar que não o havia tirado da
mochila ao chegar. Fiquei com preguiça de virar para pegá-lo.

- Que horas são? - perguntei, ainda deitada.

- Sete e quarenta. - Dinah respondeu. - Se quiser dormir mais, ainda pode...


- Ah.. mas não quero mais não, já descansei o suficiente. - falei, impulsionando o
meu corpo para cima e assim, sentando-me na cama. - Deveríamos começar a nos
arrumar, na verdade, porque se eu bem conheço, Normani vai precisar de umas três
horas para conseguir estar pronta às dez.

- Ei! Perai! Eu não demoro tanto assim! - ela exclamou, se defendendo.

- Certo... Aham... - Falei ironicamente. - Mas é melhor começarmos agora.

- O que dizer sobre vocês duas que eu mal conheço mas já considero pra caramba? -
Dinah disse, dando um sorriso maior que o mundo.

- Awwwwwwwwwn. - Eu e Normani falamos juntas e minha amiga, que estava ao


lado de Dinah, a abraçou pelo pescoço, apertando-a com força.

- Eu digo que gosto da pessoa e ela tenta me matar sufocada...

Normani soltou o pescoço de Dinah e beliscou o braço da loira.

- Não seja reclamona! - minha amiga decretou com humor.

- Quem vai tomar banho primeiro? - perguntei, esticando os braços para cima e
depois de um lado para o outro.

Normani apontou para Dinah. Dinah apontou para Normani. As duas perceberam o
que haviam feito e ao mesmo tempo apontaram para mim.

"Tão parecidas que poderiam...", pensei e levantei a sobrancelha esquerda, dando um


sorriso proposital com o canto da boca, enquanto levantava.

- Vá logo, você é voto vencido, leite azedo. - Dinah falou, zombando da minha cor e
eu apenas revirei os olhos, fazendo uma careta.

Caminhei até o banheiro ignorando todos os comentários sobre meu bumbum que
Normani e Dinah fizeram, apenas sorrindo e me divertindo com a tentativa das duas
de fazer parecer que não estavam falando de Camila e tentando fazer parecer que
Camila não era um assunto que elas sabiam que estava na minha cabeça o tempo
inteiro.

Tomei banho por mais tempo do que planejara, mas o resultado também foi melhor
do que eu esperara. Me sentia menos pesada, embora meu peito ainda estivesse com
uma sombra indefinida de sentimentos que eu não entendia, mas variavam entre
raiva, mágoa e incompreensão. Entretanto, ao contrário dos dias anteriores, eu não
estava curiosa pra entender o motivo dos meus sentimentos e tampouco disposta a
resolvê-los. Eu queria esquecê-los.

Às 22pm saímos do alojamento dos freshman no Ford Scape de Dinah


rumo à festa da fraternidade Omega Chi Delta, a fraternidade de Chace. Eu pouco
havia ouvido falar sobre as fraternidades de Harvard, mas não precisava ser grande
conhecedora para saber que a Omega Chi Delta era a fraternidade dos queridinhos.
Era uma fraternidade somente para homens e em parceria com a Zeta Beta Zeta, que
era uma fraternidade somente para mulheres, eram os adorados de Harvard. Suas
festas eram muito mais raras de acontecer do que a das outras fraternidades, mas
também eram as mais requisitadas e mais requintadas, assim como a das ZBZ.

Não foi atoa que Dinah, que estava muito mais por dentro do assunto "festas", por
causa da convivência com Drew, orientou a mim e a Normani quanto ao que vestir.
Ao contrário das festas da Kappa Tau Gamma, que permitiam trajes mais
desleixados, para festas da Omega Chi Delta, um traje adequado era indispensável.
Assim, acabei escolhendo uma blusa preta colada ao corpo, de gola alta, com um
decote V em tecido transparente, que não cobria toda a minha barriga, deixando um
espaço à mostra até o início da saia de tecido sintético de cintura alta que, também,
não cobria muito das minhas coxas, mas também não cobria de menos. Senti-me
satisfeita com o que escolhera para usar, com a ajuda de Normani e Dinah, que
também estavam impecáveis.

Vinte minutos depois chegamos à mansão dos Omega Chi Delta, que ficava às
margens do rio Charles, em uma das áreas mais nobres e ricas de Cambridge. De
fora se podia ouvir o som pulsante que vinha de dentro da mansão. As amplas janelas
de vidro refletiam em todos os três andares dali os feixes de luz dos jogos de
iluminação.

- UAU! - Normani exclamou, assim que saiu do carro e deu de cara com a enorme
construção que brilhava para todos os lados.

- Eles fazem as melhores festas, não dá pra negar. - Dinah falou, ajeitando a sua saia
branca, coladíssima ao corpo.

- Uau mesmo. - concordei, observando cada detalhe do lugar.


Muitas pessoas chegavam junto conosco e alguns tentavam burlar a fila, tentando
entrar de qualquer jeito.

As festas da Omega Chi Delta eram altamente exclusivas, ou seja, só se entrava ali
se você fizesse parte da fraternidade ou se fizesse parte da lista de convidados que
era muitíssimo restrita. Sorte ou não, Keana, nossa colega de turma, era irmã de
Chace que, pelo que eu havia conseguido compreender até aquele momento, tinha
certa influência na Omega Chi Delta e esse era o motivo de estarmos ali. De toda
forma, ver a quantidade de pessoas sendo barradas à porta me deu um leve pânico
de passar por aquele constrangimento quando, na verdade, eu nem fazia tanta
questão assim de estar ali.

Caminhamos calmamente pela calçada que dava acesso à entrada, em um silêncio


mútuo que dizia: "o que vamos fazer agora?".

- Acho que deveríamos ligar para Keana. - Normani falou e eu concordei


imediatamente.

Entretanto, antes que Normani tivesse tempo de tirar o celular da pequena bolsa que
usava, ouvi o meu nome ser gritado de algum lugar por ali e não fosse ter sido
acompanhado pelo meu sobrenome, teria ignorado completamente.

- Lauren Jauregui! - reconheci a voz de Chace, quando ouvi o grito pela segunda vez.
- Olhei para todos os lados, procurando onde ele estava, mas não o encontrava de
maneira nenhuma. - Aqui em cima, Jauregui! - Não só eu olhei pra cima, como
também Normani e Dinah o fizeram.

Chace estava encostado na varanda do segundo andar, acompanhado por algumas


outras pessoas e fez sinal para que o esperássemos onde estávamos. Caminhamos
um pouco mais para perto da porta e esperamos ali por mais tempo do que eu
calculara ser necessário para ele descer.

- Mais perdedoras tentando entrar... - a voz de uma garota que estava na frente da
fila, onde não estávamos, soou anasalada ao nosso lado. A olhei, levantando a
sobrancelha. - Vocês sabem como funciona a fila? - ela perguntou e não nos deu
tempo de responder. - Na frente ficam os candidatos das fraternidades ZBZ e Omega
Chi Delta e lá atrás os que ainda pretendem se candidatar, mas nunca serão aceitos.
Vocês deveriam tentar a sorte lá no final da fila, queridinhas... - a garota falou e a
cada palavra eu sentia mais enjoo por ter que escuta-la.
Eu estava a ponto de respondê-la, e percebi que Normani e Dinah
também, quando Chace apareceu.

- Cuidado Alexa... - O garoto falou sem ao menos olhar para ela. - Você pode acabar
indo parar no final da fila. - ele completou e abriu um sorriso para mim, Normani e
Dinah. - Sejam bem vindas, garotas. - ele disse e senti o hálito fortemente mentolado
saído de sua boca. - Vamos entrar.

Chace segurou a minha mão e eu a de Normani e Normani e de Dinah e assim,


caminhamos para dentro do recinto.

- Acho que hoje vamos tentar a sorte lá dentro. - Dinah disse para a garota da fila
antes de entrar, usando o mesmo tom esnobe que ela.

Chace parou no pequeno saguão entre as duas portas de entrada e batendo no ombro
no segurança declarou:

- Não deixe mais ninguém entrar. Dispense a fila. - ele disse e empurrou a porta,
puxando-nos para dentro.

O som estava alto demais e fez meus tímpanos pulsarem em desconforto, mas não
demorou mais de trinta segundos para meus ouvidos se acostumarem com a
sensação. O ambiente estava bem iluminado, nem muito escuro, nem muito claro,
com exceção de alguns cômodos que estavam completamente escuros e serviam
como pista de dança.

- Vamos subir. - Chace falou alto, apontando a escada com a cabeça. - Vou
apresentar alguns amigos para vocês.

Apenas concordei com a cabeça e sorri, sem soltar a mão de Normani que mal
entrara na festa e não parava de mexer o corpo em uma dancinha pessoal, enquanto
conversava com Dinah em extrema empolgação sobre o fora que Dinah havia dado na
garota da fila. Subimos a escada sem muita dificuldade, já que Chace, muito cortês e
simpático, sempre recebia a licença que pedia para passar.

O andar de cima estava menos abarrotado de pessoas, mas ainda assim, cheio.
Caminhamos por dois corredores imensos, até que chegamos a um quarto que tinha
uma enorme porta de acesso à sacada onde Chace estava quando nos viu.

- LAUREN!!! - Keana exclamou quando me viu. - NORMANI! - ela exclamou quando


viu Normani logo atrás de mim. - GAROTA LOIRA DO BUNDÃO! - ela exclamou ao ver
Dinah aparecer e correu até nós. - Ai, estou tão feliz que vieram! Pensei que vocês
nunca fossem vir a festa nenhuma. - ela falou, quase bufando.

- Pensou errado! - falei, sentindo-me repentinamente muito empolgada por estar ali.

- Pensou muito errado. - Normani falou no mesmo tom que eu.

- Ainda bem. - Ela falou e nos segurou pela mão, puxando-nos para o meio do grupo
de pessoas dali. - Venham, vamos conhecer os alunos mais importantes de Harvard.

Keana nos apresentou para um grupo de pessoas rapidamente, e dada a


apresentação rápida, considerei que ela não os considerava tão importantes assim.

- Esperem ela desligar o telefone, essa eu preciso apresentar com muita atenção. -
Keana falou, encostando-se no parapeito de mármore da mansão.

A pouco menos de dois metros, encostada também na mureta, de costas para nós,
estava uma mulher de cabelos loiros com cachos muito brilhosos, vestido preto curto,
com muito brilho que beijava seu corpo voluptuoso e pele de um dourado queimado.
Suas pernas tinham as curvas acentuadas por causa do salto scarpin altíssimo e preto
que usava.

A garota desligou o celular e antes de virar-se de frente para nós, soltou o que
pareceu ser um suspiro profundo. Enfiou os dedos nos cachos, como se os ajeitasse e
sem mais nem manos, virou-se para nós. Arregalei os olhos, pois a garota era mais
bonita do que imaginava. Tinha traços levemente árabes e uma beleza extremamente
exótica e diferente.

Keana não a esperou chegar até nós, caminhou até a garota e a segurou pela mão,
trazendo-a.

- Meninas, quero que conheçam a Tori. - Keana disse com uma mistura de orgulho e
empolgação. - Ela é a presidente da fraternidade ZBZ.

A garota nos olhava com um ar de muita simpatia, completamente


diferente do que eu esperava de uma presidente de fraternidade.

- Tori, essa são Lauren Jauregui, Normani Kordei e... - Keana fez uma expressão de
culpa por não saber o nome de Dinah.
- Dinah Hansen. - a loira falou, sorrindo e estendeu a mão para Tori. - Olá.

- É um prazer, Dinah. - Ela a cumprimentou com o aperto de mão e em seguida um


beijo de bochecha. - Hansen dos... Hansen's Burgers da California? - Tori perguntou,
enquanto ainda segurava a mão de Dinah.

- Exatamente. - Dinah afirmou e eu senti-me curiosa a respeito, mas deixei para


perguntar depois.

- Adoro os hamburgers de vocês! - Tori exclamou.

- Claro que adora! - Dinah exclamou da mesma forma e as duas riram.

Tori tocou delicadamente o ombro de Dinah e depois deu um passo para o lado,
segurando a mão de Normani e cumprimentando-a com um beijo de bochecha.

- Normani, certo? - ela perguntou simpaticamente.

- Certíssimo. - Normani confirmou, sendo tão simpática quanto. - Normani Kordei,


sem grandes redes que levem meu sobrenome. - ela falou e todas riram.

- Mas com um sorriso que me deixou mortinha de inveja. - Tori falou e deu um
sorriso brilhante que fez-me questionar por que ela estava com inveja do sorriso de
Mani, já que o seu era tão bonito quanto.

- Inveja sem motivo. - Normani disse, provavelmente observando o sorriso de Tori.

- E você... - ela disse, dando mais um passo e parando à minha frente. O cheiro forte
de perfume francês invadiu meus pulmões e foi agradável. - Você é... - eu ia
responder, mas ela foi mais rápida. - Lauren Jauregui.

A garota loira me cumprimentou da mesma maneira que havia feito com as minhas
amigas e fixou os olhos nos meus.

- Isso. - Falei, confirmando com a cabeça e sorri.

- Filha de Michael e Clara? - ela perguntou e eu levantei a sobrancelha, sem entender


como ela sabia o nome dos meus pais. - Seu pai faz parte do mesmo grupo de casais
dos meus pais. - Ela explicou. - Meu pai tem negócios com o seu também.

- Verdade? - perguntei, envergonhada por não saber muito sobre o trabalho do meu
pai.

- Completamente... - ela afirmou, olhando-me fixamente. - Mas deixemos isso para


depois. Vamos curtir a festa. Estou feliz por estarem aqui. - Ela falou para mim e para
as meninas.

Como se a palavra de Tori fosse uma ordem para o universo, todas nós curtimos a
festa como se não houvesse um amanhã para nos preocuparmos. Cada batida de
música nos consumia as energias, cada nota nos envolvia o corpo e a mente. Todos
os líderes das duas fraternidades passaram por todos os ambientes das festas e nós
os acompanhávamos, tornando cada segundo um momento a ser lembrado.

Depois de algumas horas intercalando entre dançar e fazer breves paradas, todos
estávamos cansados e sentados no mesmo andar onde nos encontramos horas antes.
O sol já havia surgido e o cansaço já estava evidente. Alguns caíam bêbados, com
exceção de mim, Normani, Dinah, Tori e Chace.

- Por que você não bebeu? - Tori me perguntou, enquanto estávamos encostadas no
parapeito da sacada.

- Não gosto de perder o controle de mim mesma e era a minha primeira festa na
faculdade... Gosto de me lembrar que me diverti bastante. - Falei, explicando o real
motivo e sentindo-me envergonhada depois.

- Diferente... - Ela falou, tomando um gole do copo de água em sua mão.

- E você? - perguntei e ela virou o rosto para mim. - Por que não bebeu?

- Eu não POSSO perder o controle. - ela disse, tomando todo o resto da


água no copo. - E confesso que não gosto, mas hoje, tudo o que eu queria era ter
enchido a cara. - ela completou, dando um sorriso cansado. - Só que... sou
presidente de uma fraternidade e o meu querer nem sempre é poder.

- Está tudo bem...? - perguntei, notando certa tristeza na garota. - Precisa conversar?

- Está tudo muito bem, não se preocupe. - Ela falou, cortando o assunto e colocou o
copo em cima de uma mesa.

- E Chace, por que não bebeu? - Perguntei, desviando o assunto.


- Pelo mesmo motivo que eu. - ela respondeu.

- Chace é presidente de alguma fraternidade? - perguntei, levemente chocada.

- Ele é presidente da Omega Chi Delta. - Tori respondeu, demonstrando todo o seu
choque por eu não saber daquela informação até aquele momento.

- Sério?! - perguntei e ela levantou a sobrancelha, totalmente desacreditada de mim


e eu ri. - Eu sou um pouco desatenta. - falei, sem graça.

- Não se desculpe, isso é ótimo. - ela disse e ia continuar, mas foi interrompida.

- O que é ótimo? - Chace perguntou e só então reparei em como estava vestido.

Calças caqui, tênis branco esportivo, camisa social, com um suéter azul marinho por
cima.

- Você ter chegado. Estou com fome, vamos comer e quando voltarmos, acabamos
com a festa. Já passou da hora. - Tori disse, passando a mão pelo cabelo de Chace.

- Quem sou eu para discordar?! - Ele perguntou em um tom fofo.

- Para onde vamos? - Keana cambaleou até nós e Chace a segurou.

- Vamos comprar café da manhã. - Ele disse, respondendo-a.

- Comidaaaaaaaaa, eu quero, eu precisooooooo. - ela falou, sem conseguir esconder


que estava completamente bêbada e todos rimos.

Passamos na cozinha para buscar Normani e Dinah e minutos depois, estávamos


apertados no 4x4 de Chace, todos bem acomodados no espaço enorme. Eu, Dinah,
Normani e Keana atrás. Chace e Tori na frente.

Às oito e quinze da manhã, Chace parou o carro em frente ao The Village.

- O que vão querer? - Chace perguntou, desligando o carro.

- O mesmo de sempre, Chace. - Tori respondeu.

- O messsmo de nunca ChaCha - Keane tentou responder, com a cabeça apoiada no


ombro de Normani.
- Eu não faço a menor ideia do que pedir. - Normani disse e Dinah concordou. -
Nunca tomei café da manhã aqui.

- Eu vou com Chace e trago o de vocês. - eu falei, conhecendo o gosto de Normani e


um pouco do de Dinah que havia comido conosco antes de sairmos para a festa.

Chace e eu saímos do carro juntos e caminhamos até o The Village. No meio do


caminho, surpreendendo-me, Chace segurou a minha mão e eu, no susto, recuei,
disfarçando ter que pegar no cabelo.

Assim que entramos no lugar, meus olhos, traidores correram para o mesmo lugar de
sempre, apenas por costume e o susto que levei quase me paralisou. Não fosse o
puro instinto de andar, eu teria ficado parada ali mesmo. Camila Cabello estava
sentada em sua mesa habitual, rodeada por uma mesa farta de café da manhã.

O sininho da porta chamou a sua atenção, então ela olhou para mim e Chace
entrando juntos no The Village. Desviei o olhar assim que nossos olhos se cruzaram e
segui Chace até o balcão, para fazermos nossos pedidos. Camila, ao contrário de
mim, não se importou em disfarçar o olhar e eu dei graças a Deus por Chace estar
sentado de costas para ela. Mantive meus olhos colados ao dele e sorria o máximo
que podia de cada coisa que ele falava. Não que fosse difícil sorrir para Chace, mas
era difícil sorrir para Chace com a presença de Camila, principalmente com o peso de
seu olhar tão forte sobre mim.

- Aqui seus pedidos. - O rapaz nos entregou as sacolas com nossos pedidos e Chace o
pagou.

- Vamos, Jauregui? Eu tô azul de fome. - Ele falou, tirando as sacolas de cima do


balcão.

O segui para sair do The Village e Chace, novamente segurou a minha mão, mas
dessa vez, não a soltei. Apenas entrelacei os meus dedos nos dele.

- Daqui a pouco viro um avatar. - Ele completou o que ia dizer.

Dei uma gargalhada ao imaginar Chace azul e junto com o som da minha gargalhada
veio o som de um copo caindo. Olhei para o lado e vi o copo de Camila no chão e seu
olhar pesado sobre mim. Continuei caminhando com Chace, encarando-a até o
momento que atravessamos a porta.

E até o momento em que atravessamos a porta o olhar de Camila não se desviou do


meu e o olhar dela me incinerava.
Abditory

A/N: Vamos à maratona? uahuhauha p.s: Happy Birthday Tori :)

Lauren's pov

Abditory (n.): um lugar dentro do qual se pode desaparecer. Um lugar escondido.

As pessoas só descobrem quem são, quando são testadas. Não há lugar mais certo
para encontrar a si mesmo do que dentro de si. Eu não sabia disso até precisar
desesperadamente de mim mesma para tomar decisões e não me encontrar, e
perceber que eu não sabia quem eu era.

Lauren Jauregui, filha de Michael e Clara, garota hétero que jamais pensara em se
envolver com uma mulher ou Lauren Jauregui, estudante de Harvard que não
conseguia controlar a si mesma e assim, estar se apaixonando pela professora? E se
eu fosse lésbica, qual era a vantagem em ser uma lésbica apaixonada por uma
pessoa que me fazia mais mal do que bem?

As dúvidas surgiam cada vez mais intensas em minha cabeça e em um ritmo cada
vez mais acelerado, que acompanhava a chuva torrencial e absolutamente inesperada
de outono, que caía em Cambridge naquela tarde de sábado.

Normani, Dinah e eu, havíamos voltado ao dormitório na manhã daquele dia, apenas
para tomarmos banho e trocarmos de roupa e, logo em seguida, havíamos voltado
para a mansão da fraternidade dos ômega chi delta, onde acompanhamos todo o
processo de Tori e Chace para "despejar" as pessoas ( que não eram poucas) que
ainda estavam por ali. Esperamos por, mais ou menos, uma hora e meia, todas as
coisas serem resolvidas e Tori arrumar-se para irmos ao lago, atrás da mansão, onde
haveria o almoço pós festa, que era tradição da fraternidade. O almoço, no geral,
havia sido legal e, não fosse pelo meu cansaço extremo, eu teria me divertido como
nunca.

Assim, depois de todas as festas concluídas, eu, Normani e Dinah estávamos no


carro, rumo ao dormitório dos freshman, encarando a chuva descomunal que caía,
que resultava em um trânsito estranhamente intenso que não acontecia na cidade em
situações normais.

O cansaço físico era tão grande, que cansou também a minha mente e assim, fraca e
sem barreiras, permiti que o meu assunto proibido invadisse os meus pensamentos
outra vez. Cansada de tentar omitir de mim mesma o que a minha mente passara o
dia anterior inteiro tentando falar, permiti que os pensamentos corressem soltos por
minha mente. E a sensação foi a mesma de ter aberto as compotas da barragem de
um rio, permitindo que toda a água presa se libertasse e assim, com fúria
incontrolável, inundasse tudo à sua frente.

E assim eu estava, inundada pelos pensamentos furiosamente incontroláveis sobre


Camila.

"Por que ela havia me tratado daquela forma na sala de aula?", pensei, vendo as
gotas de chuva escorrendo desordenadamente pelo vidro de trás do banco do carro,
enquanto Dinah e Normani conversavam descontraidamente qualquer coisa que eu
não dava atenção alguma. "Por que me tratou com tanta frieza? Por que me olhou
com tanto desprezo?", eu pensei e tentei trancar as respostas que vieram, mas elas
eram mais fortes. "Ela não gosta de você", a frase veio com força, como se chutasse
a minha garganta. "Ela ficou com raiva porque você não quis fazer sexo com ela",
apertei a testa contra o vidro gelado do carro e apertei os olhos. "Você não significa
nada para ela", conclui, finalmente, e apertei os braços em volta do meu próprio
corpo, sentindo o frio incomodar-me exageradamente. O que eu não sabia era se o
frio vinha de fora ou se vinha de dentro.

Dinah parou o Ford Scape na frente do edifício do dormitório e nós três corremos para
dentro, sem escapar do banho de chuva que nos deixou completamente molhadas, no
caminho.

- Laur, eu vou com Dinah até o quarto dela, pegar algumas coisas, hoje ela vai dormir
com a gente. – Normani disse, torcendo o cabelo com as mãos, depois que
atravessamos a porta e estávamos seguras dentro do edifício. – Eu sei que você tá
muito cansada e não vai querer ir, certo?

- Certo... – fiz que sim com a cabeça, sentindo-me sonolenta demais para
atravessar o edifício A e ir até o C.

O complexo de edifícios dos freshman de Harvard era composto de seis construções


que se interligavam por corredores térreos e eram, quase colados uns nos outros.
Entretanto, ainda assim, a distância a andar era consideravelmente grande e tudo o
que o meu corpo conseguia aguentar era caminhar até a porta do elevador e do
elevador para o quarto, onde eu me jogaria na minha cama e dormiria até o ano
seguinte.
- A gente já volta. – Dinah disse, dando-me um beijo na testa.

As duas seguiram para o corredor que ficava para o lado esquerdo, em relação à
porta de entrada e eu segui para o lado direito, onde ficava o elevador. Apertei o
botão cinza e, instantaneamente a luz vermelha ao lado do mesmo se acendeu.
Depois do que pareceram anos, a porta do elevador se abriu e eu, finalmente subi
para o sexto andar, rumo ao meu dormitório.

Eu estava a pouco menos de dois meses em Harvard, mas aquele quarto já me trazia
a sensação de familiaridade que um verdadeiro lar trazia. Ao contrário de algumas
semanas anteriores, voltar para o quarto HA01-6, já me trazia uma sensação
indescritível de estar voltando para casa. Assim, quando fechei a porta e encostei-me
nela, inspirando o cheiro específico daquele ambiente, senti-me instantaneamente
relaxada. Impulsionei o meu corpo para frente e caminhei em direção ao banheiro,
tirando a blusa, que estava completamente molhada.

Eu estava prestes a entrar no banheiro quando batidas na porta me fizeram parar os


passos. Normani, provavelmente esquecera a chave e, como a porta não abria pelo
lado de fora, precisava de mim para entrar. Caminhei de volta, segurando a blusa
molhada na mão e abri a porta quase sem olhar para quem estava do outro lado.

- Você sempre esquece a... – parei de falar, no exato momento em que meus olhos
distinguiram a figura parada do outro lado da porta. – chave. – completei a frase,
sem saber realmente o por que.

Seus cabelos estavam tão molhados quanto os meus e suas roupas tão molhadas
quanto as minhas. Seus olhos estavam ferozes, quase animalescos. Ela me mastigava
com o olhar e eu, sentia seus dentes perfurando a minha carne. Segurei-me com
força na porta, tentando encontrar algum ponto de equilíbrio que me segurasse em
pé. Senti minha unhas doerem em consequência ao atrito de meus dedos contra a
madeira da porta. E em resposta à presença possuidora daquela mulher, o meu
estômago tremia como se eu tivesse acabado de tomar banho gelado no inverno
antártico. Cada pequena molécula que me compunha, estava tremendo.

- O que você está... – tentei começar a perguntar, mas minha voz saiu trêmula
demais e ficou ainda mais trêmula quando a percebi dando passos à frente. –
fazendo... – tentei prosseguir, mas a mulher já estava a menos de um passo de
distância de mim, com o rosto quase colado ao meu. – aqui... – perguntei, com a voz
fraca demais, sentindo a sua respiração pesada tocando a pele do meu rosto e sua
mão soltando os meus dedos da porta, fechando-a atrás de si, em seguida. – Camila?
– conclui a pergunta, no exato momento em que a porta se fechou.
Camila olhava-me como se eu fosse desaparecer de sua frente a qualquer segundo.
Suas sobrancelhas estavam baixas, quase unidas perto dos olhos, e eu senti o seu
olhar como se fossem unhas, arrastando-se sobre a minha pele, rasgando-me o
tecido até sangrar. Meu peito subia e descia descontroladamente, expressando toda a
euforia do meu corpo, em resposta ao olhar invasivo da mulher à minha frente. A
resposta de Camila não veio com palavras.

A mulher mais velha passou o braço esquerdo em volta do meu corpo e tão rápido
quanto me puxou, fazendo nossos corpos se chocarem um contra o outro, tão rápido
segurou o meu rosto e deslizou a mão para a minha nuca, puxando-me velozmente
para o seu rosto e assim, colou nossas bocas, invadindo-me inteira, sem ao menos
esperar por qualquer reação minha.

Minha boca abriu-se para ela vergonhosamente rápido e minha pernas


cediam aos passos das pernas dela, de tal forma que ela me guiava pelo quarto
enquanto apertava a minha nuca e enrolava meus cabelos em seus dedos. Seus
lábios sugaram a minha língua com força e eu senti toda a euforia se transformar em
excitação e escorrer pelo meio das minhas pernas, molhando o meu sexo que pulsou,
desejando-a como uma louca, desejando-a dentro de mim, desejando senti-la tocar a
minha os meus nervos internos e me fazer enlouquecer um pouco mais. Camila
mordeu a ponta da minha língua dolorosamente e prendeu a mão em minha cintura,
tocando a minha pele exposta e desceu a mão, arrastando sua palma com força até
prender os dedos com força, apertando os ossos do meu quadril, fazendo-me escorrer
vergonhosamente mais uma vez. Meu corpo estava à deriva no meio daquele mar
furioso de desejo que Camila manifestava em mim.

Senti minhas pernas se chocarem contra algum colchão, que eu não sabia se era o da
minha cama ou não, mas não me importei. Camila soltou o meu sutiã, deixando meus
seios levemente expostos e em seguida, passou os dois braços em volta de mim,
segurando-se em meus ombros e prendeu o meu mamilo entre seus lábios,
chupando-o com uma intensidade dolorosa enquanto descia as suas unhas que
rasgavam a pele das minhas costas.

- Oh! – eu gemi, incontrolável, prendendo as minhas mãos nos cabelos dela e


puxando-a contra o meu corpo, desejando desesperadamente mais.

Acompanhado de meu gemido, veio o clarão de um relâmpago do lado de fora, que


iluminou o quarto, no exato instante em que Camila pressionou as duas mãos em
meu bumbum, fazendo o meu quadril se chocar contra o seu e em seguida,
acompanhado do trovão estrondoso que rasgou o ar, as mãos de Camila
empurraram-me sobre a cama e um caí, sem tempo de apoiar-me em lugar nenhum.

A mulher mais velha sentou-se em cima de mim, pressionando seu corpo sobre meu
sexo, fazendo-me empurrar o meu corpo para cima, para senti-la mais. A minha
mente não discernia nenhum pensamento que não fosse o desejo irrefreável de ser
invadida por ela, de invadi-la. Tentei levantar as minhas mãos, mas Camila as
prendeu acima de minha cabeça e curvou-se sobre mim, colando seus lábios quentes
e molhados ao meu pescoço por onde começou a chupar e descer a língua pelo
caminho do meu pescoço até a cavidade entre os meus seios. Sua língua parecida
ácida e minha pele parecia estar se dissolvendo, borbulhando.

Camila abriu o zíper da minha calça e arrastou o nariz pela fina linha da minha
calcinha, mordendo em seguida e pele em direção ao meu umbigo. Involuntariamente
o meu corpo subiu contra o seu rosto e a mulher sugou ainda mais, fazendo-me
sentir meu sexo pulsar.

- Aposto que ela já está dormindo, do jeito que é preguiçosa... – ouvi a voz de
Normani vindo do lado de fora do corredor.

A consciência da situação me atingiu como uma bola de demolição e eu empurrei


Camila de cima de mim, no exato momento em que ela se retirou. Normani colocou a
chave na porta e eu prendi o meu sutiã rapidamente, calculando mentalmente se
ainda havia tempo de colocar uma blusa. Camila estava de pé, à minha frente,
arrumando a saia e antes que eu conseguisse levantar para buscar uma blusa, a
porta se abriu.

- Lauren, você... – Normani entrou, chamando-me alto e sua voz foi morrendo
quando olhou em direção à minha cama distinguiu a cena à frente de seus olhos.
Dinah, que estava logo atrás, foi arregalando os olhos quase que em câmera lenta. –
está... – minha amiga tentou continuar a falar, mas não disse mais nada, apenas se
manteve calada, olhando para mim e para Camila como se fôssemos dois extra
terrestres.

A vergonha que me atingiu foi mais forte que o incêndio que Camila provocara em
mim e eu abaixei a cabeça, esperando que um buraco se abrisse embaixo de mim.

- Oi, professora... – Dinah disse, consciente o suficiente para preencher o vazio


sonoro que estava acontecendo naquele momento.

- Olá, Dinah. – Camila respondeu e para a minha surpresa, seu tom de voz saiu
absolutamente calmo. – Como vai?

- Bem... – Dinah respondeu e caminhou em direção ao balcão da cozinha,


puxando Normani pela mão.

- Lauren, eu preciso... – Camila disse, colocando o cabelo molhado para o lado. –


conversar com você. Vou esperar por você lá fora. – Ela disse e eu apenas concordei
com a cabeça.

A mulher mais velha atravessou o quarto até a porta e antes de sair, despediu-se de
Normani e Dinah rapidamente.

Quando ouvi a porta se fechar, soltei o ar lentamente e fechei os olhos por alguns
instantes, tentando reorganizar os sentimentos e pensamentos que se passavam
dentro de mim.

- Lau... – a voz de Normani soou dentro do quarto e eu levantei a mão, em sinal de


"pare".

- Nenhuma palavra sobre isso. – declarei, envergonhadamente séria e levantei da


cama, ouvindo as risadas baixas de Normani e Dinah.

Caminhei até o closet, passando pelas meninas para chegar até onde queria.

- Mas sobre as suas costas, podemos falar? – Dinah soltou em um tom sarcástico e
risonho, pegando-me de surpresa, de tal forma que eu virei-me imediatamente de
costas para o espelho do closet e olhei para o reflexo das minhas costas por cima do
ombro.

Haviam oito caminhos intensamente vermelhos, quase sangrando, que se estendiam


dos meus ombros até o final das minhas costas. Apertei os olhos e coloquei a mão
sobre a testa, lembrando do momento em que Camila havia feito aquilo.

- Não. Vocês, definitivamente, não podem falar sobre isso. – falei, pegando uma
blusa qualquer e vestindo-a rapidamente.

- Vai se iludindo, passivinha... – Dinah falou, encostada no balcão ao lado de


Normani, enquanto a outra tomava um copo de água lentamente.
- Passivinha? – perguntei ameaçadoramente, parando na direção de Dinah.

A garota loira levantou as duas mãos, em posição de defesa, mas sua expressão
estava envolvida por toneladas de cinismo.

- A ativinha está esperando você, melhor não demorar, vai que... – Dinah zombou e
eu ameacei correr atrás dela e a garota se esquivou.

- Vá de uma vez, Lauren. Camila está esperando. – Normani interferiou, colocando o


copo em cima do balcão.

Revirei os olhos, passando por elas e saí do quarto, deixando-as para trás.

"Calma, Lauren. Sem pânico", pensei, fechando a porta atrás de mim. Comecei a
caminhar em direção à porta do elevador, achando que Camila havia descido, mas
meus passos foram interrompidos pelo com da sua voz, que vinha do lado oposto ao
que eu havia tomado.

- Lauren... – Camila me chamou, calmamente.

Virei-me para encontrar de onde vinha o som de sua voz e dei de cara com ela,
encostada ao parapeito enorme janela ao final do corredor, a pouco menos de três
menos de mim. Sua postura estava ereta e mesmo com a roupa toda molhada e o
cabelo da mesma forma, o seu ar continuava imponente e dominador. Precisei de três
segundos para conseguir a concentração necessária para colocar um pé na frente do
outro e caminhar até ela.

- Oi... – ela falou, assim que encostei-me de lado na parede, de frente para ela.

- Por que veio aqui? Por que fez aquilo no quarto?! – perguntei de uma vez,
percebendo naquele momento a urgência de minha mente em obter respostas, de tal
forma que as perguntas me saíram da boca sem o menor controle racional.

Camila franziu o cenho, encarando-me fixamente e engoliu seco antes de me


responder.

- Desculpe por aquilo... – ela disse, com o mesmo tom moderado. – não era a minha
intenção, eu só queria conversar e...
- E achou que a melhor forma de conversar seria me agarrando daquele
jeito? – perguntei, começando a sentir uma leve irritação que eu não fazia a menor
ideia do motivo.

A mulher mais velha olhou-me pesadamente, vasculhando algo em mim e eu tratei de


tentar esconder todas as minhas emoções confusas dentro de mim. Sua expressão
curiosa mudou para expressar algo que me pareceu frustração.

- Você não precisa ser rude comigo. – ela disse, pendendo, ligeiramente, a cabeça de
lado.

- Mas você pode ser rude comigo... – constatei, soando mais como um desabafo de
minha:s mágoas.

- Está falando do que aconteceu ontem, na sala? – a mulher me perguntou, seu tom
saindo atencioso, compreensivo.

- Não importa... – confessei, sentindo minha emoções variando entre tristeza, mágoa,
raiva e alegria por estar perto dela.

- Bom... importa. – ela falou e passou o dedo por meu rosto, carinhosamente. – Foi
por isso que vim aqui.

- Você não precisa explicar nada. – eu disse, esquivando-me de seu toque, no


instante em que as memórias do comportamento dela comigo, no dia anterior,
reapareceram. – Eu já entendi tudo.

- Entendeu? – ela perguntou, em um tom extremamente duvidoso e retirou a mão do


meu rosto.

- Completamente. – respondi a verdade.

- Por que acha que eu agi daquela forma? – Camila perguntou, com a expressão
séria.

- Porque você ficou chateada por eu não ter... – travei ao tentar explicar. – não ter...

- Por você não ter transado comigo na noite anterior? – ela perguntou, sendo
madura, como eu não conseguia ser.

- Isso. – confirmei e senti meu coração magoado pular no peito.


- Você acha que sou assim? – a mulher mais velha perguntou, buscando o meu olhar
que variava entre se perder no ambiente ao meu redor e se achar no olhar dela.

- Eu não achava... – respondi, sinceramente.

- Mas agora acha. – ela falou.

Fiz que sim com a cabeça e percebi o corpo de Camila mudar de posição. Sua postura
já não estava mais tão ereta e suas mãos passaram quase que nervosamente por
seus cabelos molhados.

Houve um silêncio que eu estava prestes a quebrar, perguntando se ela queria falar
mais alguma coisa, entretanto, Camila foi mais rápida.

- Você me permite explicar? – ela perguntou docemente, em um tom baixinho, quase


nem parecia a Camila Cabello com a qual eu tinha que lidar na faculdade.

Subi os olhos do carpete do chão diretamente para os olhos dela e nada disse,
deixando como resposta o meu silêncio, para que ela interpretasse como quisesse. Se
ela, realmente queria falar, ela falaria. Se não quisesse, não falaria.

- Eu tenho certo problema em... – ela mordeu o lábio inferior e levou a mão direita
até o pescoço, coçando a própria nuca lentamente, enquanto se dava a pausa que
achava merecer. Parecia estar buscando por palavras. – Não separar situações. – Ela
concluiu, finalmente e eu semicerrei os olhos, deixando claro que eu não havia
entendido. – Entenda, eu tenho dificuldade em entender as situações de uma maneira
não tão racional ou lógica, como você faz, por exemplo. – ela continuava a falar e eu
continuava sem entender.

- Estou tentando entender... – falei, enquanto repassava em minha mente o que ela
havia dito, tentando encaixar aquilo como uma explicação para a rudeza dela comigo.

Camila olhou-me com atenção e depois virou-se de frente para a janela e pôs seu
dedos sobre o vidro que estava embaçado. Calmamente desenhou um quadrado
grande e o dividiu em dois quadrados menores. Dentro de cada um, escreveu as
palavras: professora; pessoa apaixonada; arquiteta; gênio.

- As coisas para mim são assim. – ela disse, passando o dedo novamente pelas linhas
que dividiam os quadrados. – perfeitamente separadas. Quando eu sou sua
professora, sou somente sua professora. – ela disse, passando o dedo pelas linhas do
pequeno quadrado que envolviam a palavra "professora". – Quando eu estou com
você, sozinha, como agora, por exemplo, eu sou somente a pessoa apaixonada. Eu
não sou sua professora. – ela dizia, repetindo a mesma coisa que havia feito antes e
eu senti meus músculos se contraindo em resposta àquela confissão tão espontânea
de Camila. – Para você, as coisas são assim. – ela disse, quebrando a linha que
dividia os quadrados, de tal forma que eles tornaram-se quase a mesma figura,
vazando-se entre si. – Elas se misturam. Se eu tivesse a mente como a sua, eu seria
a professora apaixonada e talvez eu não tivesse agido como eu agi na sala. – ela
concluiu a explicação e virou-se de frente para mim outra vez, finalmente, olhando-
me.

- Apaixonada? – perguntei, simplesmente, tendo entendido todo o resto e já não


dando a menor importância para o que havia acontecido no dia anterior.

Camila movimentou positivamente a cabeça, sem tirar os olhos atenciosos dos meus.

- Me desculpe por tê-la tratado daquela forma, eu não... eu não percebo as coisas da
mesma forma que você. – ela disse, docemente.

"É claro que eu desculpo", pensei, olhando seu rosto expressivo e doce, delineado por
mechas de seu cabelo molhado, dando-lhe um ar descontraidamente sexy.

- Tudo bem, eu acho que consigo entender... – eu disse, apertando os meus braços
em volta de mim mesma. – Isso tem a ver com o seu QI? – perguntei
inesperadamente.

- Sim. – respondeu simplesmente.

- Oh...

- Você aceita sair comigo amanhã a noite? – ela perguntou, antes que eu pudesse
concluir o que iria falar.

"Sim!", minha mente gritou a resposta que meu coração estava dando àquela
pergunta. "Não, acabe com isso de uma vez", minha mente contrariou. "Você não
pode se relacionar com uma mulher, Lauren. Acabe com isso enquanto há tempo",
minha mente falou mais alto ainda. "Seus pais nunca aceitariam, sua família rejeitaria
você eternamente", pensei e desviei os olhos da janela, para Camila, pronta para
respondê-la. "Você nunca vai sentir algo assim de novo, permita-se, não há nada de
errado", pensei, focando meus olhos nos dela, sentindo meu corpo arrepiar-se ao
discernir os contornado perfeito de seu delineado, que deixava seu olhar ainda mais
consumidor. "Diga sim!", meu coração gritou, eufórico de paixão. "Se você disser sim,
não vai mais ter volta".
- Não pense que eu não gostaria, mas eu acho melhor não... – falei, sem realmente
pensar no que estava falando.

Os olhos da mulher à minha frente caíram, mas logo tornaram-se curiosos. Curiosos e
caídos. Ela começou a falar, mas interrompeu-se antes mesmo de qualquer som sair
de sua boca. Uniu as sobrancelhas e olhou para o chão, como se quisesse esconder os
seus olhos dos meus. Mantive-me em silêncio e estava a ponto de ceder, de mudar
de ideia, pois já estava considerando todos os meus pensamentos contrários um
monte de desculpas para qualquer coisa que eu não entendia, mas Camila, subiu os
olhos, agora firmes e nenhum pouco vacilantes para os meus e manifestou-se.

- Eu posso entender. – Ela disse, seu tom saindo mais compreensivo do que seus
olhos diziam momentos atrás. – Espero, profundamente, que me perdoe por meu
comportamento nos últimos três dias e isso inclui o que aconteceu ainda a pouco em
seu dormitório.

- Está se desculpando por aquilo? – perguntei, antes mesmo de uma pontada de


indignação atingir minha garganta.

- Sim, estou. – Ela disse, desencostando-se da parede e pegou a ponta dos meus
dedos, apertando-os rapidamente. – Fique certa de que não se repetirá. – Ela disse,
dando-me um sorriso complacente que, por algum motivo, ativou o mecanismo em
meus olhos que cria lágrimas. – Tenha um bom final de semana, Lauren. – ela
completou e soltou meus dedos, caminhando em direção à escada, sem ao menos me
dar tempo para processar o que ela havia dito.

Camila desapareceu escadas à baixo, mas deixou o seu cheiro, impregnado no ar ao


meu redor e a vibração incômoda em meu peito que chegava à minha mente como
gritos.

"Que merda você fez, Lauren?".

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