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Livro primeiro

Crenças antigas

Capitulo I

Crenças sobre a alma e sobre a morte

A idéia de que a alma poderia se perpetuar e que morte não era o fim, mas apenas
uma mudança na existência, já existia desde as épocas mais remotas da humanidade. O que
muda entre a concepção antiga e a atual é apenas sobre o destino, ou conseqüência que a
alma se submeteria após deixar o corpo físico. Por exemplo:
Sabe-se que os antigos gregos e romanos, que são o alvo de nosso estudo, não
acreditavam na reencarnação. A hipótese do retorno da alma em outro corpo era totalmente
descartada naquela época.
Quanto à possibilidade da alma elevar-se aos céus e lá encontrar a luz, também é
descartado. Na verdade essa concepção é moderna. Somente aqueles homens que tivessem
vivido de maneira correta e que tivessem gerado benfeitorias a humanidade eram
merecedores desta dádiva.
Resumindo: A alma não reencarnava, não ascendia aos céus, mas permanecia na
terra, literalmente. Acreditavam que alma e corpo não se separavam, por isso quando um
corpo descia à sepultura, também descia sua alma e ambos lá repousavam. Tal concepção é
tão real que nos textos modernos da época os filósofos, poetas e pensadores remontavam a
essas tradições e faziam narrativas como as fez Virgílio1 descrevendo o funeral de Polidoro:
“Encerramos a alma no tumulo”. Encontramos semelhantes expressões em textos mais
modernos.
Todos os ritos e cerimônias tinham o intuito de homenagear os mortos e lhe
proporcionar felicidade em sua nova morada. Algumas fórmulas eram acrescentadas às
cerimônias para cumprir as ordenanças, como por exemplo: Diziam três vezes: Passa bem!
Que a terra te seja leve! Criam que o morto poderia ter uma vida feliz embaixo da terra
desde que seus familiares lhe prestassem as cerimônias e perpetuassem os ritos fúnebres;
basta vermos que um costume advindo daquela época permanece entre nós: Escrever na
lápide do túmulo palavras como: Aqui jaz ou descanse em paz. .Também acreditavam que a
alma gozaria das mesmas felicidades e sofrimentos semelhantes aos vividos quando no
corpo físico.
Se a alma poderia sentir-se feliz, acreditavam os antigos que isto era possível desde
que ela tivesse seus desejos, muitos ainda com relação à vida carnal, saciados. Isso se
demonstra em algumas ordenanças onde se colocavam alimentos e por vezes, bebida,
como: leite e vinho, para o manjar do morto. Chegavam a derramar o vinho ou leite sobre o
1
Publius Vergilius Maro – Poeta latino (Andes, perto de Mântua)
túmulo para que o morto sorvesse o líquido e saciasse sua sede. Quantos aos alimentos
sólidos também, em alguns casos, enterravam-nos próximos ao túmulo para que a alma do
morto tivesse acesso mais rápido a eles. Outros objetos como utensílios domésticos,
animais e até escravos que por vezes eram sacrificados e enterrados próximos do seu
senhor, para servir-lhe ainda no mundo dos mortos, eram deixados ou enterrados próximo
do túmulo.
Tamanha era a crença de que a alma viveria em baixo da terra que encontramos
relatos de que, por vezes, as almas apareciam aos vivos lhe pedindo para que fossem
retirados seus restos mortais que se encontravam enterrados em outras localidades longe de
sua terra natal, e que fossem repatriados, para gozar das felicidades de sua pátria e do
“convívio” próximo de seus familiares.
A ausência de um túmulo era considerada situação pior do que a própria morte para
os antigos gregos e romanos. Sem ele a alma não teria descanso nem poderia desfrutar das
oferendas lhe cedidas. Fatalmente se tornaria uma alma errante e atormentaria a vida
daqueles que lhe negligenciaram a morada fúnebre. Tais tormentas resultariam em
aparições, pragas, doenças e infortúnios. O não cumprimento dos ritos fúnebres adequados
também eram motivos de desgraça para os entes em relação aos seus mortos. Na falta
destes, certamente a alma também se tornaria desgraçada. As cerimônias fúnebres eram
para a felicidade do morto, não para expressar a tristeza dos entes.
Se haviam formulas e ritos para se encerrar a alma ao túmulo, também existiam
formulas que pretendiam o efeito contrário: evocar sua saída do túmulo.
Como se vê, a questão pós-morte era de suma importância para os antigos tanto que
algumas leis do Estado tinham rigorosas penas a aqueles que negligenciassem os costumes
como: pena de morte e privação de túmulo, para que a alma do sentenciado sofresse do
mesmo castigo.
A noção de vida futura era simplista e não importava ao morto a prestação de contas
de seus atos quando ainda vivo. O encerrar na sepultura lhe garantia apenas o descanso,
felicidades e angustias, pois elas existiam se considerarmos que sua condição dependia dos
vivos. Com isso vemos que em certo dia do ano as famílias se reuniam e todos prestavam
cerimônias a seus mortos, com manjares completos e toda sorte de apetrechos de que o
morto pudesse precisar. As formulas eram empregadas para convidar o morto a participar
do banquete, que na verdade somente ele usufruía, pois sagrada era tal ordenança que o
tocar na comida por um ser vivo era uma ofensa ao morto e conseqüentemente à família
deste. Convém citar que até os túmulos desta época já eram preparados e tinham em sua
arquitetura um espaço chamado culina ou cozinha, que evidentemente era utilizada apenas
pela alma do morto.
Tais concepções nos parecem insignificantes nos dias atuais, mas precisamos
estudá-las e analisá-las, pois muitos de nossos costumes atuais têm origem delas.

O culto dos mortos


Pela importância dada aos costumes fúnebres, conforme pudemos ver no capitulo
anterior, criou-se uma religião de culto aos mortos, considerados pelas famílias como entes
querido e até deuses. Cícero2 em uma de suas oratória nos diz: “Os nossos antepassados
quiseram que os homens que tivessem deixado esta vida fossem contados no número dos
deuses”.
Os gregos costumavam dar a seus mortos o nome dos deuses subterrâneos. Os
romanos davam nomes de deuses manes. Os túmulos eram formas de templos onde havia
um altar para se prestar homenagens e render graças. A relação entre a alma tornar-se um
deus ou um espírito atormentado era tênue, na verdade dependia mais dos vivos que
deveriam cumprir suas obrigações para com o morto, e este, de gozar dessa obrigação e
permanecer na memória como uma boa alma.
Se uma alma poderia ser um deus, também lhe caberia a função de um deus: a de
ajudar os seus. Interessante frisar que os gregos davam nomes a essas almas divinizadas:
Demônios, ou heróis. Por estes nomes percebemos o que foi dito anteriormente sobre a
condição de uma alma que tinha ou não seus desejos atendidos e também de sua atitude
para com os negligentes.
Nos tempos modernos temos sociedades que ainda cultuam os seus antepassados da
mesma forma como eram feitos na antiguidade. Nota-se que a evolução das culturas e das
civilizações podem ser refreada, quando falamos de aspectos sagrados que unem as
pessoas.
Uma das primeiras manifestações de adoração se deu entre o homem e seus
antepassados; antes mesmo de qualquer divindade propriamente dita. A idéia de morte e da
continuidade de vida fora do corpo foi talvez o início da derradeira mudança conceitual do
homem em relação ao sobrenatural. Essa concepção o colocou diante de mistérios e dúvidas
ainda maiores que, com ele, chegaram até a modernidade. O fez questionar sobre sua
existência, sobre o que é material e imaterial finito e infinito, humano e divino. A questão
morte não encontra fundamentação lógica científica mesmo no dias atuais o que talvez seja
uma das maiores frustrações do homem moderno: não poder prevê-la

2
Marcus Tullius Cícero – Orador e político romano (Arpino, Lácio)

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