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Rio de Janeiro
2013
Suellen Santiago dos Reis
Rio de Janeiro
2013
Suellen Santiago dos Reis
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Prof.ª Dra. Zeny Rosendahl (Orientadora)
Instituto de Geografia da UERJ
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Prof.a Dra. Mariana Araujo Lamego
CEFET/ RJ
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Prof. Dr. Alberto Pereira dos Santos
Instituto de Geografia da UERJ
Rio de Janeiro
2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus amados pais Lia e Daniel por terem cuidado de mim (e ainda
cuidam) durante todos esses anos, pelo carinho, amor, zelo e preocupações. Agradeço pela
liberdade que me deram isso me auxiliou muito na escolha de meu caminho profissional e
no meu crescimento como ser humano. Também a minha querida irmã Angélica que me
alfabetizou, cuidou de mim, e me acompanha nessa longa caminhada da vida. Obrigada
pela atenção e apoio, por ser mais que me irmã e por se orgulhar de mim, mas saiba que
tenho muito mais orgulho de você, minha irmã, minha artista preferida!
Agradeço ao meu querido Anderson, hoje meu marido, mas também meu
companheiro, amigo e cúmplice durante todos esses anos. Desde muito cedo vem me
incentivando nos desafios da vida e nos estudos acadêmicos. Além de segurar a barra nos
dias ruins, me fazendo sorrir com as coisas mais simples do mundo, me ajudando a
enxergar que posso ser mais forte do que imagino e que posso descomplicar muitas coisas,
dando importância ao que é verdadeiramente importante. Obrigada meu amado.
Agradeço ao NEPEC, pela oportunidade de ter feito parte desse núcleo, foi
importante pra mim o tempo que estive nesse microcosmo, me trouxe crescimento pessoal
e profissional. Agradeço ao meu grande amigo Jefferson Rodrigues, que conheci durante a
graduação, esteve comigo no NEPEC e hoje apesar de estarmos distante fisicamente a
amizade perdura e perdurará para sempre, pois somos amigos de verdade, assim espero.
Agradeço a amiga tia Eliane pelas palavras doces, por me ajudar a me erguer quando estive
desanimada e por ter carinho por mim. Agradeço a Renata Rufino, amiga que conheci
durante a minha especialização na UERJ, e que hoje faz parte da minha família. Agradeço
a Gisele Medeiros pela felicidade que me traz com sua presença e com seu sorriso,
obrigada por você me ajudar nos dias alegres e tristes e compartilhar da sua felicidade
comigo. Agradeço ao meu cunhado Valdenício pela descontração e pelas conversas
inteligentes.
Agradeço a instituição educacional Ciep 119, local onde trabalho e onde encontrei
verdadeiras amizades. Obrigada aos amigos e profissionais, aos alunos que a cada dia
encontro alegrias e desafios constantes, que longe de me fazer desistir me faz querer
insistir por algo melhor.
A Prof.a Dra. Zeny Rosendahl, por me ensinar na academia e na vida. Obrigada por
sua amizade, seu carinho e por acreditar em mim. Serei eternamente grata por seus
auxílios. Muitíssimo obrigada. Agradeço a Prof.a Dra. Mariana Araujo Lamego e ao Prof.
Dr. Alberto Pereira dos Santos por aceitarem o convite de fazerem parte da banca de defesa
e por contribuírem para o crescimento da pesquisa.
REIS, Suellen of Santiago. Place secreted to the spiritual place of Liberation Theology:
Diocese of Nova Iguaçu 1970-1990. 2013. 127 f. Dissertation (Masters in Geography) -
Institute of Geography, State University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
This research aims to understand the historical and geographical processes by which the
spatial dimension of the Catholic Church in the current municipality of Nova Iguaçu, in the
Baixada Fluminense, was structured as well as interpret the actions taken by the Catholic Church
showing her managerial role in the development various social activities and religious.In this
location, lacking in public policies initially favored in basic ecclesial communities to build
important religious spaces, and subsequently were developed popular movements that
helped in sociability and exchange of knowledge and practices. The actions carried out by
the Liberation Theology and directed by the Diocese of Nova Iguaçu and the religious
leader Don Adriano Hypólito enabled the expansion of public awareness regarding their
rights and duties mainly expressed in the numerous claims for public and social services.
The aim is then to understand the social structure of some areas of the Lowlands as well as
uncover the strategies used by the Diocese of Nova Iguaçu in order to promote religious
organization of its territory, through the dissemination of religious strategies. Such actions
helped in strengthening the collective actions of the town, marking the history of the
municipality of Nova Iguaçu and the Brazilian Catholic religious institution.
Figura 1 – Hierarquia dos territórios religiosos da Igreja Católica Apostólica Romana ... 41
Mapa 8 – Diocese de Nova Iguaçu e diocese de Duque de Caxias: limites territoriais ....101
LISTAS DE FOTOGRAFIAS
INTRODUÇÃO ....................................................................................................12
1 BAIXADA FLUMINENSE: AS IDEIAS DE SUA REPRESENTAÇÃO .......18
1.1 Baixada Fluminense: processo e estruturação espacial ....................................18
1.1.1 Baixada Fluminense no século XVI ao século XIX ...............................................28
1.2.2 Função e forma da Igreja como Instituição Social: a ação pastoral ......................47
2 A VIDA RELIGIOSA E POLÍTICA DOS BISPOS DA DIOCESE DE NOVA
IGUAÇU.................................................................................................................55
2.1 Nova Iguaçu: Nova sociedade católica no Brasil ................................................55
2.2 A vida religiosa e política do Bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito .........60
2.2.1 Dom Adriano Hypólito no tempo das CEBs ...........................................................62
2.3 Dom Adriano Hypólito no espaço religioso plural .............................................69
3 ESPAÇO POLÍTICA E JUSTIÇA SOCIAL: ESTRATÉGIAS
RELIGIOSAS.........................................................................................................78
INTRODUÇÃO
Neste nível se faz também uma importante articulação teórica: do particular para o geral,
e do regional para o nacional, de modo que se pode formar uma visão integrada de todo o
conhecimento. O quinto é o ritmo e equilíbrio de ação-reflexão trata-se da adoção de um
ritmo específico no tempo e no espaço, que vai além da ação à reflexão, e da reflexão à
ação, em um novo nível de prática. Para tanto é necessário reconhecer a importância em
se manter uma sincronização permanente de reflexão e ação no trabalho de campo, como
um ato de permanente equilíbrio intelectual. O último princípio metodológico é a ciência
modesta e técnicas dialogais na qual o autor destaca duas ideias, a primeira é a de a tarefa
científica pode ser realizada mesmo nas situações mais insatisfatórias e primitivas com o
uso de recursos locais e, ainda ressalta a ideia da necessidade do pesquisador em aprender
a ouvir discursos concebidos em diferentes sintaxes culturais, e adotar a humildade dos
que realmente querem aprender e descobrir além de romper com a assimetria das relações
sociais geralmente impostas entre entrevistados e entrevistado, entre outras ressalvas.
Nesta pesquisa em tela utilizamos principalmente o primeiro, o segundo e o quinto
princípios metodológicos da pesquisa participante.
Voltando a análise do objeto de nossa pesquisa, o território religioso da diocese de
Nova Iguaçu é composto atualmente pelos seguintes municípios: Nova Iguaçu, Mesquita,
Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Paracambi e Japeri. Na segunda metade do século
XX por diversos contextos políticos e econômicos essas áreas possuíam particularidades
socioespaciais. Vejamos algumas: a população carente, principalmente aquelas que saíam
da cidade do Rio de Janeiro ou do Nordeste do Brasil pelos mais diversos motivos, se
abrigavam, grande parte dela, na localidade conhecida como Baixada Fluminense. Nesta
região, carente de políticas públicas estruturantes e de aparelho de cultura, favoreceu nas
comunidades católicas a construção de importantes espaços religiosos, como também de
sociabilidade e trocas de saberes e fazeres. Construção de possibilidades de vidas
coletivas e da manutenção de uma rede de sociabilidade.
A Diocese de Nova Iguaçu busca, desde o início de sua fundação, fornecer uma
formação sociopolítica a seus membros centrada na perspectiva do engajamento social.
Em outras palavras, uma formação que ajude seus participantes a compreender a
importância das ações dos cristãos no mundo do trabalho, da saúde e da educação. A vida
social e política que hoje compreende por exercício da cidadania. A igreja tenta
preencher, de alguma maneira, o avanço em melhorias em seus territórios diocesanos,
mas o objetivo principal, se assim podemos dizer, era levar conscientização política e
social, assim como educação para as camadas mais populares que viviam na Baixada
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Fluminense. Desta forma a igreja católica agiliza com maior efetividade a organização de
seu território religioso, gestão de inúmeras ações estratégicas de controle de pessoas e
coisas. Tal análise da dimensão religiosa do/ no lugar, nesta pesquisa, torna-se relevante
para os estudos da geografia, pois mostra como a relação político e religiosa interage na
vida social; atribuindo ao território religioso novo significado que os desvincula somente
da esfera do econômico, levando-o também para a esfera do simbólico. Ressaltando que,
“os sentimentos religiosos constituem-se em manifestações culturais da maior
importância nas sociedades humanas” (TAMBASCO, 2010, p.49), sendo que em algumas
localidades esses sentimentos religiosos se manifestam em verdadeiras ações sociais e
humanitárias, na tentativa de prover a esses lugares a “força” material e imaterial até
então ausente. “No caso das populações carentes, as religiões passam a suprir suas
carências, oferecendo alternativas de cura física, material e espiritual” (CAES, 2010, p.
298).
O estudo geográfico sobre religião proposto por Rosendahl (2002) enfatiza quatro
vertentes de análise: fé, espaço e tempo: difusão e área de abrangência; centros de
convergência e irradiação; religião, território e territorialidade e por fim espaço e lugar
sagrado: vivência, percepção e simbolismo. A pesquisa que aqui se inicia privilegia a
terceira proposição, ou seja, a leitura do poder e das estratégias da religião na construção
de seus territórios. Neste sentido, o estudo do território religioso e sua territorialidade é o
ponto central desta dissertação.
O trabalho empírico empreendido realizou-se através de pesquisas bibliográficas da
geografia da religião, pesquisas bibliográficas de fontes primárias e secundárias no arquivo
diocesano a respeito da história da Baixada Fluminense, de Nova Iguaçu e da diocese além
de leituras de algumas entrevistas feitas como os que viveram e viram as ações
implementadas pela Igreja Católica nas décadas de 1970, 1980 e 1990, cedidas pelo Centro
de Memória Oral da Baixada Fluminense. É importante ressaltar que o arquivo diocesano
localizado na cidade de Nova Iguaçu é utilizado por vários estudantes e pesquisadores
voltados para a análise de temáticas como igreja católica na Baixada Fluminense,
movimentos sociais, história social da cidade de Nova Iguaçu, entre outros. Este local
possui também a função de biblioteca do município, uma vez que há valiosas referências
não encontradas em outros espaços culturais de pesquisas.
Esta dissertação busca então, o entendimento na estruturação social de algumas áreas
da Baixada Fluminense relacionando o modo de apropriação desses territórios e as práticas
desenvolvidas por dado grupo religioso para proteção e controle do mesmo. “Apreender as
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O segundo capítulo, por sua vez, aborda sobre a vida dos primeiros representantes
eclesiais além de enfatizar a relação existente entre a igreja e a sociedade, mostrando a
importância do apoio e da atuação da instituição religiosa em pleno regime militar, que
através de seus inúmeros movimentos populares buscava proporcionar condições dignas a
população mais sofrida. Neste capítulo, veremos o surgimento e o desenvolvimento de
dois fatos religiosos importantes – que são as Comunidades Eclesiais de Base e o bispo
Dom Adriano Hypólito – esses fundaram, na Baixada Fluminense, uma nova proposta de
ação direcionada pela igreja. Tais movimentos foram organizados em torno da chamada
ala progressistas da Igreja Católica de Nova Iguaçu, que estava fortemente ligada à
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A Baixada Fluminense é uma planície entre montanhas que se estende entre a Serra
do Mar até o litoral, seus limites físicos localizam-se entre Itaguaí (RJ) e a divisa com o
Espírito Santo (TORRES, G. 2004). Existem outros pesquisadores que acreditam que a
região seja mais ampliada, indo desde uma parte do estado de São Paulo até a divisa do
estado de Espírito Santo, sua representação está para além dos limites geomorfológicos, já
que assumir configurações geográficas, econômicas, políticas e culturais diferenciadas.
Segundo Rocha (2009, p. 23) “atribui-se a Baixada uma ideia qualificadora, quase que
adjetivada associada às noções de miséria, fome violência, grupo de extermínio, periferia,
lugar distante, etc”. O termo Baixada Fluminense é peculiar, pois realiza uma fusão entre
o geográfico e o social. Na década de 1970 inúmeros casos de assassinatos ocorridos na
área à oeste da cidade do Rio de Janeiro, fez com que esta parte do Estado, composta por
alguns municípios, passassem a ser definidos por este termo Baixada Fluminense, mas a
identificação estava voltada mais para o aspecto da violência do que o geográfico (ALVES,
2003). O senso comum costuma denominar de Baixada Fluminense apenas a porção da
Baixada da Guanabara na qual estão os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias,
Nilópolis, São João de Meriti, Belford Roxo, Queimados e Mesquita (TORRES, G. 2004).
Tal representação desenvolveu-se, principalmente, devido à colaboração da mídia que
criou uma visão estigmatizada onde a Baixada Fluminense passou a representar apenas
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uma região onde predominava a miséria, a pobreza material e a violência. Vale a pena
ressaltar que apesar de existir essa representação pejorativa em relação à Baixada existem
tantas outras, como a Baixada Fluminense sendo um lugar de pessoas que lutam com força
e dedicação para ter uma vida melhor e com mais dignidade, é um lugar de pessoas
solidárias e com uma história singular. Como existem muitos perfis sobre a Baixada
Fluminense existem muitas Baixadas, esse talvez seja um dos problemas que mais aflige
aos pesquisadores em relação à representação dos municípios que a compõem.
A Baixada Fluminense é uma localidade que até hoje se apresenta com diversos
limites e distintas interpretações, que foram sendo formuladas ao longo de intensas
transformações econômicas, sociais e espaciais de sua história. Segundo Simões (2007,
p.20) “a sua divisão político-administrativa acompanhou a evolução destes processos se
modificando de acordo com o peso e importância política que os diversos grupos e classes
sociais da região possuíam nestes momentos”. Por ser considerada uma região polissêmica
a sua análise e interpretação vai depender do interesse dos pesquisadores, da escala de
observação e da atuação das instituições ou grupos políticos (ALMEIDA, 2009). Não
existindo, portanto, um consenso geral sobre o que seja a Baixada Fluminense e quais são
limites territoriais. Entretanto existem alguns importantes apontamentos, como por
exemplos a concordância unânime dos pesquisadores na titulação dos municípios de Nova
Iguaçu e Duque de Caxias como os núcleos dessa região e os municípios de Belford Roxo,
São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita Queimados e Japeri como parte integrante da
Baixada Fluminense (SIMÕES, 2007). O problema maior está na inclusão ou não de outros
municípios como Magé, Guapimirim, Itaguaí, Seropédica e Paracambi. Diante das leituras
consultadas percebemos que alguns pesquisadores não consideram os municípios de
Itaguaí, Paracambi e Seropédica como pertencentes à Baixada Fluminense, pois eles nunca
fizeram parte da área original da antiga Vila de Iguassú e posteriormente município de
Nova Iguaçu e, portanto, não apresentam as mesmas características sociais dos demais oito
municípios que se formaram a partir do desmembramento territorial de Nova Iguaçu
(MAPA 1).
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segunda metade do século XX. Neste contexto, os pesquisadores passam a repensar sobre
tais noções.
Em relação às limitações da atual Baixada Fluminense, de acordo com Rafael da
Silva Oliveira (2004), existe outra noção que tem sido, talvez, o mais recorrente, na qual é
estabelecida pela Secretaria de Desenvolvimento da Baixada e Região Metropolitana
(SEDEBREM), sendo que esta secretaria considerada a região da Baixada Fluminense
composta por treze municípios, a saber: Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis, São
João de Meriti, Belford Roxo, Mesquita, Japeri, Queimados, Magé, Guapimirim, Itaguaí,
Paracambi e Seropédica (MAPA 4).
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Cumpre mencionar que esta pesquisa tomará por base como Baixada Fluminense a
representação espacial estabelecida pela SEDEBREM. Sendo assim, após conhecermos os
limites físicos da Baixada Fluminense, faremos uma análise de sua história, entendendo o
contexto político religioso pelo qual este espaço foi cenário de tantos movimentos de
cunho social e humanitário, muitos deles dirigidos inicialmente pela Igreja Católica.
Entretanto, quando falamos de Baixada Fluminense, não é estranho escutarmos algumas
noções no sentido de reduzi-la a violência ou a pobreza. Esse olhar veiculado na mídia, na
opinião pública e no senso comum fora acentuado devido ao referido grupo de municípios,
que foram vistos anteriormente, apresentarem diversas carências socioeconômicas que os
integram, que vão desde problemas habitacionais até a violência configurada pelos antigos
grupos de extermínio, também conhecidos por “polícia mineira” ou “esquadrão da morte”.
Esta denominação explica-se porque este grupo era formado por policiais, ex-policiais,
criminosos comuns, entre outros tipos de integrantes, que tinham o intuito de utilizar a
força e a violência para desarticular as ações dos traficantes, dos ladrões e dos estupradores
desta localidade (ALVES, 2003). Segundo Mainwaring (2004), o serviço policial
inadequado levou a um dos altos índices de criminalidade do país.
É importante ressaltar que apesar de todos os problemas sociais enfrentados até hoje
por essa área, esse tipo de análise não é o foco principal de nossa pesquisa. O nosso
objetivo é entendermos os processos históricos e geográficos pelo qual a dimensão espacial
da Baixada Fluminense foi estruturada, assim como interpretar as ações desenvolvidas pela
Igreja Católica mostrando a seu papel relevante no desenvolvimento de várias ações
sociais. Nas linhas que se seguem, apresentaremos, de maneira sucinta, um pouco a
história e algumas causas do processo de segregação sócio espacial da Baixada
Fluminense.
Após a expulsão dos franceses no século XVI é fundada a cidade do Rio de Janeiro.
Iniciava a partir deste momento a distribuição de sesmarias em todo o recôncavo da Baía
de Guanabara, tal estratégia desenvolvida pelo Governo Português de Dom João III tinha
como objetivo iniciar de imediato a colonização das terras da orla da baia, essa ocupação
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portuguesa para o Recôncavo da Guanabara só foi possível através dos rios que cortavam
essa região, sendo os principais rios Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Estrela-Inhomirim, Magé,
Macacu, Guaxindiba e Suruí (ALMEIDA, 2009; TORRES, G. 2004).
As terras dessa região eram destinadas para aqueles que juravam a fé cristã – católica
– e que também prestassem algum tipo serviço a Coroa Portuguesa, ou seja, as terras eram
designadas aos nobres e militares portugueses, mostrando que “o projeto de ocupação da
colônia é também um projeto de expansão da fé católica pelo Novo Mundo” (SIMÕES,
2007, p. 77). “Ao rezar uma missa no momento da posse da terra em 1500, o rei selava o
compromisso de, onde quer que seu poder estivesse lá estaria a presença da igreja”
(TORRES, G. 2004, p.18). Segundo esse mesmo autor, a presença de uma capela ou igreja
em uma determinada localidade comprovava o alto valor que aquele território tinha diante
o poder secular (do Rei) e do poder eclesiástico (do Papa) (TORRES, R. 2004). A
construção dessas capelas e igrejas, que datam no século XVII, na Baixada Fluminense
tratava-se da formalização e constituição de uma freguesia – um distrito eclesiástico que
tinha como objetivo a distribuição dos sacramentos. A Freguesia caracterizava-se pela
Igreja Matriz, e suas filiais, na qual realizavam batizados, casamentos, nascimentos, óbitos
e outras práticas, todas elas entravam nos Livros da Matriz (TORRES, G. 2004). A
primeira freguesia da região analisada foi instalada em Pilar, na atual Duque de Caxias em
1612 (SIMÕES, 2007). Segundo Gênesis Torres (2004) os nomes das freguesias estavam
associados à devoção católica e à topografia: Nossa Senhora do (rio) Pilar, Nossa Senhora
da Piedade do (rio) Inhomirim, São João do (rio) Meriti, entre outros. As maiorias das
freguesias que inicialmente formaram pequenos povoados deram origem aos municípios de
hoje.
No século XVI nascia então, no Recôncavo da Guanabara, dezenas de engenhos de
açúcar, igrejas e pequenas povoações. Já no século XVII, o número de engenhos
rapidamente crescia e o açúcar iria absorver quase toda a iniciativa dos fazendeiros
(ALMEIDA, 2009). Cerca de 120 engenhos são levantados em torno da baía, e é o açúcar
do recôncavo que vai afinal, como nos demais portos primitivos, erguer a economia da
cidade Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, a paisagem natural vai deste modo
modificando-se, fazendo aparecer os primeiros clarões nas florestas, não longe da entrada
da baía começa a projetar toda uma população agrícola sobre os enflorestados morros do
recôncavo (BARROS, 2000).
Segundo Gênesis Torres (2004), o marco inicial da colonização no Vale do Rio
Iguaçu foi a Fazenda São Bento – a primeira e maior fazenda da ordem no Brasil
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(MENESES, 2010) –, que teve sua origem nas terras doadas pela Marquesa Ferreira ao
mosteiro de São Bento no final do século XVI. Nesse local, os monges Beneditinos
fizeram erguer inicialmente uma capela dedicada a Nossa Senhora do Iguaçu. Em 1695,
as terras passaram para as mãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a
partir de então a capela passa a ser chamar Nossa Senhora do Rosário, entretanto apenas o
nome é que foi mudado, uma vez que a mesma imagem de Nossa Senhora do Iguaçu
permaneceu na capela (MENESES, 2010). Segundo Meneses (2010) a imagem de Nossa
Senhora do Rosário era a mais popular entre os negros no período colonial, durante esse
momento a maior parte da população do Vale do Rio Iguaçu era formada por negros,
sendo que uma boa parte deles trabalhava nos engenhos e posteriormente nas olarias da
Fazenda de São Bento do Iguaçu. Nessa mesma fazenda, onde se encontrava uma capela
dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Meneses (2010, p. 10) nos mostra a visão de um
visitador pastoral feita em relação a essa capela em 1794:
Consta de seus livros que fora muito fervorosa e aplicada ao culto de seu orago,
celebrando grandes festas, tratando com muito anseio o seu altar, que foi
ornado com sacras e castiçais de prata, tendo bastantes alfaias de seda e cruz de
prata, e outras muitas coisas que bem mostravam o seu zelo e devoção.
brejos, tornando essa área perigosa em relação à saúde, logo a ocupação torna-se
desinteressante, além disso, a abolição da escravidão colabora ainda mais para o processo
de decadência econômica da Baixada da Guanabara (SOARES, 1964). As ferrovias
também iriam se tornar o meio de transporte de massa da população na primeira metade do
século XX, “transformando pequenas paradas em estação de grande porte” (SIMÕES,
2007, p. 82) na qual a população e algumas atividades urbanas irão agregar-se.
Em 1855 é iniciada a construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II. Três anos após
inaugura-se o trecho da ferrovia que sai do Campo de Santana (atual Central) até a estação
de Benedito Ottoni (atual Queimados), algum tempo depois chega até Belém (atual Japeri).
Devido a algumas dificuldades técnicas e financeiras a ferrovia só chega ao Vale do
Paraíba – para escoar o café para a cidade do Rio de Janeiro – em 1863, chegando
posteriormente até Juiz de Fora (1875) e São Paulo (1877), quando se encontra em
Cachoeira Paulista com a linha Estrada de Ferro do Norte. A incorporação da Estrada de
Ferro do Norte com a Estrada de Ferro Dom Pedro II originou a Estrada de Ferro Central
do Brasil em 1890 (SIMÕES, 2007). “A partir daquele momento, as estradas de ferro
tornaram-se um marco histórico da ocupação urbana, dando novo perfil da ocupação da
região” do Recôncavo da Guanabara (ALMEIDA, 2009, p. 8). Os fatos do início da
urbanização devem ser colocados em nosso estudo, devido às sucessivas organizações
espaciais que a área conheceu. Segundo Simões (2007, p. 103) “a inauguração do primeiro
trecho foi suficiente para deslocar o transporte do café para a estação de Belém, acelerando
a decadência do porto de Iguaçu e dos povoados ao longo da Estrada do Comércio”. Várias
centralidades surgiram nas estações do ramal ferroviário da cidade do Rio de Janeiro até o
Vale do Paraíba. Inauguradas ainda no século XIX.
No século XX já começa a apresentar uma ocupação urbana. Os primeiros
loteamentos urbanos surgem nas terras rurais da Baixada Fluminense, especificamente na
Estação de Engenheiro Neiva (atual Nilópolis). O mesmo processo acontece em outras
áreas da Baixada, como por exemplo, nas atuais cidades de São João de Meriti, Belford
Roxo e Duque de Caxias proporcionando um intenso crescimento populacional, entretanto
esse crescimento não vem acompanhado de serviços de infraestrutura. A população
apresentava pleno abandono socioeconômico. Diante desse panorama, e também por que
“a metrópole necessitava dessa área para instalar sua população em rápido crescimento e
para localizar suas indústrias” (SOARES, 1964, p. 170), durante a década de 1930 a
localidade da Baixada Fluminense sofre intensa iniciativa por parte do governo federal
para a melhor utilização e aproveitamento de seu território. Nesse mesmo período é
33
com esse processo. Nesta localidade, principalmente no município de Nova Iguaçu, foi
realizado um dos mais importantes movimentos de bairro do Estado do Rio de Janeiro.
O movimento de bairro em Nova Iguaçu é interessante devido a sua importância,
ao dinâmico crescimento e a seus fortes laços com a Igreja Depois de 1974, os
esforços limitados e dispersos da população local para obter melhores serviços
urbanos foram gradualmente sendo transformados num dos mais conhecidos e
mais bem organizados movimentos do Estado do Rio de Janeiro, e a Igreja
Católica desempenhou um papel relevante nesse desenvolvimento. Através da
legitimação de bispo, de militantes e lideranças católicas e da presença de uma
base católica que fortalece o povo, (...) (MAINWARING, 2004, p. 208).
geocultural não pode deixar de se debruçar sobre essas duas características integrantes,
entendendo a totalidade do território associada tanto à função social quanto a simbólica.
A ideia do território como um segmento do espaço delimitado e controlado por um
determinado agente social, empresa, ou instituição – responsável pela gestão deste
território será nossa aplicação nessa pesquisa. Além disso, o território também possui um
conjunto de símbolos e significados que dão a ele não só um caráter político como
também cultural. Nota-se que a cultura tem um papel relevante na análise do território, já
que ela se apresenta como a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos
conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas, os quais
passam a determinar e fazer parte da vida do grupo. A cultura é, portanto, um código de
símbolos partilhados pelos membros do grupo que compartilham da mesma cultura
(CORRÊA, 2010). A importância da cultura para a nossa análise não poderia ser
diferente, uma vez que o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado e é
este homem que constrói os territórios, ou seja, “é pela existência de uma cultura que se
cria um território e é por ela que se fortalece e se exprime a relação simbólica existente
entre a cultura e o espaço” (BONEMMAISON, 2002, p. 101-102). Os agentes criam os
territórios utilizando sua visão de mundo, suas experiências tecidas nos locais percorridos
e suas ações impressas no espaço, configurando-as em estruturas simbólicas espaciais
revelando assim o poder de criação dos territórios (BONNEMAISON, 2002).
A abordagem teórica dos estudos da geografia da religião tem no conceito de
território um grande espectro de possibilidade de discussão. Rosendahl (2005, p. 193)
ressalta que é importante interpretar o fenômeno religioso e suas interações com o homem
e o território a partir de dois focos de análise: o sagrado e o profano.
Parte-se da revelação de que o território é dividido em lugares do cosmo – que
estão profundamente compreendidos com o domínio do sagrado e, como tal,
marcados por signos e significados – e em lugares de caos – que designam uma
realidade não – divina. O cosmo qualifica-se como território sagrado, enquanto o
caos representa ausência de consagração, sendo um território profano, não
religioso. (...) Essa questão abrange o conhecimento da religião como um sistema
de símbolos sagrados e seus valores, envolvendo a produção, o consumo, o poder,
as localizações e fluxos e os agentes sociais em suas dimensões econômicas,
política e de lugar. Portanto, o território está presente em todas essas dimensões.
campo de força e valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o
transporta para um meio distinto no qual transcorre sua existência” (p. 30). Ressaltando
que o espaço sagrado e o espaço profano estão sempre vinculados a um espaço social.
Sinalizamos que apesar das valiosas contribuições de Rosendahl (2002) acerca do
conceito de espaço sagrado e espaço profano, essa pesquisa direciona-se para a análise do
conceito de território, na qual a autora também se debruça em suas pesquisas.
Diante da análise feita até então, percebe-se que independente da interpretação do
conceito, e de seu agente gestor, a questão de poder qualificará de modo marcante o
território. Um aspecto comum a todos esses enunciados é a existência de uma base
material espacial sobre a qual se estabelecem inúmeras relações entre os indivíduos. O
território configura-se não apenas pelo espaço e sim, pelas relações de poder que operam
em dada delimitação espacial. E, é a partir dessas relações entre os indivíduos que
podemos compreender a territorialidade.
As ações de poder disseminadas no território estarão vinculadas a objetivos e
estratégias. Essas estratégias para manter ou expandir os territórios são chamadas de
territorialidades. Para Raffestin (1993, p. 158) a territorialidade “reflete a
multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros da coletividade, pelas
sociedades em geral”. Para esse autor, o homem vive o processo e o produto territorial
através de um sistema de ações existenciais e produtivas, todas elas permeadas pelas
relações de poder. “A territorialidade se inscreve no quadro da produção, da troca e do
consumo das coisas” (p. 161). E para compreendermos as territorialidades precisamos
analisar as relações em seu contexto social, histórico e espaço-temporal. A territorialidade
é um atributo comportamental intrínseco ao indivíduo social e aos seus grupos sociais. Ela
revela a identidade do lugar, tornando-se ao mesmo tempo produto e expressão de um
ponto de vista de um agente social (LE BOSSÉ, 2004). A territorialidade é fruto das
relações econômicas, políticas e culturais, por isso, se apresenta de diferentes formas,
imprimindo heterogeneidades espaciais, paisagísticas e culturais, sendo a maneira pela qual
o espaço e a sociedade estão interconectados. Nas contribuições de Correa (2010, p. 296) a
territorialidade é considerada “como uma forma de promoção do controle sobre o ambiente
por meio das ações do homem”. Para Sack (1986, p. 6) ela será definida como “uma
tentativa, por um indivíduo ou grupo de afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos
e relações, delimitando e assegurando controle sobre a área geográfica”. Colaborando
ainda mais para a nossa reflexão, a territorialidade pode ser interpretada como as
39
Cabe ressalta que as relações entre geografia e religião devem ser realizadas, pois
ambas “se encontram através da dimensão espacial, uma porque analisa o espaço, a outra
porque, como fenômeno cultural, ocorre espacialmente” (ROSENDAHL, 2002, p. 11).
Sendo assim, esta pesquisa torna-se relevante para os estudos da geografia, pois mostra
como a relação do político e do religioso interagem e entreveem na vida social. Tais
reflexões induziram ao interesse de reconhecer em qual ambiente e em qual contexto
político-econômico se promoveu a formação da diocese de Nova Iguaçu, que diante das
circunstâncias tão degenerativas, socialmente encontradas, programou inúmeras ações
norteadas por seus ideais sociais, religiosos e históricos. Vale lembrar que umas das
características marcantes da diocese de Nova Iguaçu, dentro do recorte temporal analisado,
é o comprometimento em se aproximar dos pobres, em compartilhar do seu sofrimento e
suas alegrias de maneira mais profunda. Essa postura da igreja de aproximação em relação
a classe social menos favorecida são práticas desenvolvidas e exercidas principalmente
pelas comunidades eclesiásticas4 na qual a pastoral libertadora – que falaremos mais a
frente – é a ideologia que norteou as ações.
As ações populares da Diocese de Nova Iguaçu no período do governo religioso de
Dom Adriano Hypólito (1966 a 1995) contribuíram de maneira relevante para a
estruturação social da comunidade e da igreja. Havia uma ênfase na união dos membros
dos grupos católicos com as comunidades que estavam mais distantes da esfera religiosa, e
essa “adesão” entre diferentes comunidades tinha como um dos objetivos discutirem os
problemas sociais, os valores religiosos e não religiosos e a cultura. Essas ações deram a
esta igreja, por um determinado tempo, um caráter de Igreja Popular. Como nos diz
Mainwaring (2004, p. 234-235) “a igreja popular enfatiza no caráter dialético das relações
de aprendizado e a capacidade de todos. (...), ressalta a sabedoria do povo manifestado nas
técnicas da sobrevivência cotidiana diante da opressão”. Tais reflexões induziram ao
interesse de reconhecer em qual ambiente e em qual contexto político-econômico se
promoveu a gênese da diocese de Nova Iguaçu, que diante das circunstâncias tão
degenerativas, socialmente encontradas, programou inúmeras ações norteadas por seus
ideais sociais e religiosos.
A ideia da criação da diocese de Nova Iguaçu nasceu por iniciativa eclesiástica. Tal
fato deve-se principalmente a dinâmica socioeconômica da localidade entre as décadas de
1940 e 1950: primeiramente a falência da produção cítrica decorrente da queda de
exportação durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945) assim como do sofrido ataque
decorrente de pragas que auxiliou a dizimar a produção e em segundo lugar a expansão
45
Mercês Pena bispo da diocese de Valença ocupa Barra do Piraí (AZEVEDO, 1980;
PASSOS, 1970).
Em 1956 Dom Agnello Rossi é nomeado bispo da diocese de Barra do Piraí pelo o
Papa Pio XII. Após sua posse inicia-se a criação da nova diocese que obtivera poucos
resultados desde a criação da primeira comissão em 1953. Após quatro anos (1957), os
trabalhos da comissão pré-criação da diocese de Nova Iguaçu encontravam-se ainda lentos,
o bispo Dom Agnelo decide dissolver a antiga comissão e cria uma nova presidida pelo
próprio bispo assessorado por quatro sacerdotes que representavam os municípios que
comporiam a nova diocese. Os trabalhos então prosseguiram, houve novas obtenções de
terrenos para a construção de futuras paróquias entre outras atividades referentes a
financiamentos pagos e (re) organizações espaciais de paróquias. Em 1959 a cidade de
Nova Iguaçu recebeu a visita do Núncio Apostólico Dom Armando Lombardi que analisou
as condições e os preparativos que conceberia a futura diocese. Após suas análises,
encaminhou a documentação e o pedido oficial para a criação da diocese (AZEVEDO,
1980). É importante destacar que a decisão de instalar a sede da diocese no município de
Nova Iguaçu deve-se ao fato de que nesse município havia um grande contingente
populacional e com isso necessitava de assistência espiritual. A estratégia deveria ser mais
efetiva. Outro importante ponto era a pluralidade e variedade crescente de outras religiões
como a Umbanda, o Kardecismo e os cristãos pentecostalistas – que cresciam em números
de maneira alarmante para a Igreja Católica em Nova Iguaçu (PASSOS, 1970). A
importância desse município na dinâmica socioeconômica da Baixada Fluminense, alertava
por uma decisão da Igreja em instalar a diocese nessa localidade (ROLIM, 1973).
Após sete anos de estudos eclesiásticos desde a criação da primeira comissão
envolvida com a preparação da futura diocese, o Papa João XXIII através da Bula
Quandoquidem Verbisno dia 26 de março de 1960 cria a Diocese de Nova Iguaçu e no
mesmo dia nomeia o primeiro bispo: Dom Walmor Battú Wichrowski, que sai da diocese
de Santos como bispo auxiliar e destina-se para a nova diocese da Baixada Fluminense.
Segundo Dom Agnelo Rossi a criação de uma diocese de Nova Iguaçu foi um dos maiores
acontecimentos na região na dinâmica religiosa de evangelizar os grupos sociais ainda sem
escolha espiritual (PASSOS, 1970; ROLIM, 1973).
Para darmos continuidade a nossa análise, antes precisamos entender a função da
igreja na sociedade, os seus agentes fomentadores de ideias e dos movimentos, suas
ideologias5 e como as transformações sociopolíticas e econômicas que ocorreram no Brasil
e no mundo interferiam em sua atuação, em diferentes momentos históricos.
47
Mundial e tem seu apogeu após o Concílio Vaticano II. E a terceira que é a Pastoral
Libertadora que surge com força na década de 1960 e é enfraquecida na década de 1980,
mas permanece até hoje, obviamente que suas ações são um pouco distintas de outrora,
pois o contexto político e ideológico das décadas de 1960 e 1970 eram outros, todavia as
suas atividades na essência são as mesmas, que é priorizar a figura do homem,
principalmente daqueles menos favorecidos (LIBANIO, 1982).
A pastoral tradicional configura-se pela intensa ligação da igreja com hierarquia,
com o clero diocesano e também com o Estado, esse que tinha um forte poder de
representação na igreja. Segundo Libanio (1982, p. 37), nesse período “o Imperador quase
se comporta como um Papa. Convoca concílios, defende a ortodoxia, pune hereges,
depõem patriarcas. Interfere com toda desenvoltura nos negócios internos da Igreja”.
Com a separação entre Estado e a Igreja, essa se estende como responsável pela
verdade religiosa e pela dita moral da sociedade. Exercendo um posicionamento firme no
campo religioso e no campo da moral, assim como em todos os outros que tivessem direta
ou indiretamente conectados a eles. Os dois maiores “vilões” ou “inimigos” vistos pela
pastoral tradicional são o erro e o vício. O erro surge através de filosofias, de teorias
científicas que desconhecem a Deus e a autoridade da igreja e, o vício vem do
desempenho de atividades consideradas errôneas pela igreja, como jogos, prostituição,
entre outras. Dando como exemplos eventuais acontecimentos ocorridos no Brasil na
primeira metade do século XX que nos mostra um pouco da desenvoltura desse modelo
de igreja, consiste no fato das pastorais durante esse período organizarem grandes
congressos religiosos, missões rurais que abrangiam quase todo o país, procurando
transmitir os valores morais da igreja e fazer a manutenção de sua doutrina, exercendo
assim a função de proteção, de defesa, de manutenção dos fiéis dentro do rebanho da
igreja. Outra característica marcante dessa pastoral tradicional estava pautada no poder
da igreja com suas enormes riquezas proporcionando a esta instituição ferramentas
necessárias para a sua difusão no espaço e, além disso, a igreja utilizava-se de
ensinamentos religiosos baseados no medo do castigo eterna, do purgatório, do inferno e
do juízo final, fazendo com que as pregações feitas pelos padres alcançassem o mais
intimo da consciência humana (LIBANIO, 1982; BETTO, 1985).
Apesar de todas essas ações hierárquicas na sua função de alimentar, defender e
dilatar o corpo eclesial, a pastoral tradicional já não conseguia “alcançar” a sociedade
com sua força religiosa como antigamente, pois o mundo estava culturalmente
transformado, tocado pelos avanços do capitalismo dos países mais industrializados.
49
Devido a esses fatores a Pastoral entra em crise, dando espaço para o surgimento de uma
pastoral que defenda os valores cristãos em um mundo mais moderno.
Após a II Guerra Mundial apesar da pastoral tradicional ainda está muito presente
nas ações da igreja, a autoridade clerical perde de maneira relevante a sua força, devido
ao contexto político e cultual do momento, no qual há, de certa maneira, todo um
descrédito por parte da população e das autoridades (LIBANIO, 1982). As trágicas
experiências de abuso de autoridade por ditadores fascistas, nazistas e militares do século
XX proporcionaram profundas transformações na Igreja, repercutindo no surgimento de
movimentos que irão alterar a concepção que se tinha até então de pastoral. Durante a
realização do Concílio Vaticano II (1962/65) – esse evento é considerado um dos mais
importantes da história da igreja católica, pois enfatiza a missão social da igreja–
entretanto, principalmente após a realização do mesmo, modifica-se o conceito de
pastoral, a igreja e suas ações se abrem possibilitando um diálogo com o mundo moderno.
A ação católica passa então a desenvolver trabalhos mais personalizados, voltados
principalmente para as minorias. Logo, a autonomia dos leigos na Igreja começa a ganhar
espaço vagarosamente.
A Igreja recupera assim nova presença, tão vasta como na sociedade
tradicional. Somente com a diferença de que naquela sociedade antiga tratava-
se de presença visível, geo-humanamente definida, enquanto que agora se
esconde no anonimato dos valores crísticos vividos e praticados. Onde há algo
de justiça, de amor, aí está presente o Reino de Deus, em função do qual toda a
pastoral deve ser pensada (LIBANIO, 1982, p. 79).
A igreja brasileira, dentro desse contexto histórico, é direcionada a buscar cada vez
mais mudanças em suas ações evangelizadoras e em seu olhar sobre o mundo. Juntos a
essas transformações, os movimentos populares começam a atingir a igreja, seja por
mostrarem as mazelas da população mais carente e o poder de luta que o povo tem,
ajudando os líderes das igrejas a conscientizarem a população religiosa da importância na
participação dessa luta que é de todos ou, a colocarem temor aos religiosos conservadores
que acreditavam que os comunistas estavam ameaçando a igreja com as suas lutas sociais.
Tais situações ajudaram a gerar grandes conflitos internos na instituição religiosa católica.
É também nesse contexto que surgem alguns movimentos leigos especializados como a
Juventude Agrária Católica (JAC), a Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude
Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude
Universitária Católica (JUC). Esses movimentos mostravam a presença e a tentativa de
influencia dos católicos nas ações políticas e sociais no Brasil e também mostrava o
estímulo que uma parte da igreja estava oferecendo aos leigos – através de sua
50
Notas
______________________________________________________________________
1
Iguaçu se emancipou do Rio de Janeiro em 1833, já a denominação Nova Iguaçu só surgiu a partir de 1916.
2
A Região Central da Baixada Fluminense abarcavam áreas como parte do município de Rio Bonito, Araruama, Silva
Jardim, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Casimiro de Abreu e Macaé.
3
Teologia da Libertação surge no processo de abertura desencadeado pelos documentos do CV-II. É uma tentativa de
elaborar uma Teologia Católica com elementos próprios da experiência da Igreja Católica na América Latina. Possui
como característica principal uma articulação entre a crença e a realidade social. Teologia da Libertação fala em três
mediações principais, a saber: a mediação socioanalítica que olha para o lado do mundo do oprimido; a mediação
hermenêutica que olha para o lado do mundo de Deus, procurando ver qual o plano divino em relação ao pobre e a
mediação prática que, por sua vez, olha para o lado da ação e tenta descobrir as linhas operativas para operar a
opressão de acordo com o plano de Deus (BOFF, C.; BOFF, L. 2001).
4
Utilizamos eclesiástico para definir as ações do clero e/ ou da igreja de um modo geral. Segundo ASSIS (2008), esta
palavra também serve para definir a estrutura hierárquica da Igreja Católica.
5
A ideologia é um conjunto lógico, sistêmico e coerente de representações (ideias e valores) e de normas e regras (de
conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem
valorizar e como devem valorizar e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer (CHAUÍ, 2006, p. 108).
6
Crise da pastoral tradicional levou a Igreja a perceber que sem uma identificação com o meio, sem um diálogo com as
necessidades e perguntas do homem de hoje, toda a pastoral se torna inoperante.
7
Concílio é a reunião dos cardeais e bispos representantes das regiões e países onde a Igreja Católica Apostólica
Romana se encontra presente, para discutir seus rumos, assim como questões doutrinais ou pastoris. O Concílio
Vaticano II (CV- II) foi o vigésimo primeiro Concílio e aconteceu entre os anos de 1962 e 1965 (ASSIS, 2008).
2 A VIDA RELIGIOSA E POLÍTICA DOS BISPOS DA DIOCESE DE NOVA
IGUAÇU
O bispo Dom Walmor iniciou em 1960 como o festeiro nos preparativos para a festa
de Santo Antônio, o padroeiro da cidade de Nova Iguaçu, que deveria realizar-se no ano
seguinte (PASSOS, 1970). Ele próprio presidiu a maior parte das etapas da festa não
permitindo a participação na organização e na direção dos festejos pessoas que não
estivessem envolvidas verdadeiramente e tão somente com a igreja católica. Essa restrição
trouxe conflitos na gestão religiosa de Dom Walmor, pois a participação dos maçons nos
festejos era uma realidade já conhecida e de consentimento das paróquias locais. Tal
grupo, de maçons, composto em sua maioria pela elite local sentiu certa intolerância pela
igreja. O fato configura-se em desentendimento no ato de conflitos do bispo com a
população local. Além da intolerância religiosa, Dom Walmor teve discórdias com o editor
chefe do jornal local Jornal Correia da Lavoura, que era kardecista, os dois divergiam de
opiniões políticas e religiosas. O padre João Musch um padres popular no grupo religioso
local apresentou alguns conflitos com o Dom Walmor. Além da intolerância religiosa com
os grupos, como foi citado acima, esses fatos conflituosos tornou insustentável a gestão de
Dom Walmor na diocese de Nova Iguaçu. A história oficial declara que foi a enfermidade
do bispo em conjunto com o clima sociopolítico da Baixada Fluminense os fatores que
permitiram sua transferência da diocese de Nova Iguaçu para diocese de Santa Maria, no
Rio Grande do Sul. Os conflitos não impediram a festa de Santo Antônio, uma das mais
fortes manifestações religiosa da localidade; suas atuações estão nas formas espaciais
marcadas na Catedral, no novo espaço sagrado, e na área central da cidade, no espaço
profano, na qual o poder está na presença de seu nome na movimentada rua central agora
Rua Dom Walmor (PASSOS, 1970). A gestão religiosa é exercida por Dom Honorato
Piazera, auxiliar da Catedral do Rio de Janeiro, nomeado administrador apostólico de Nova
Iguaçu.
Em 1961 Dom Honorato direciona-se para diocese de Nova Iguaçu exercendo o seu
cargo de apostólico administrativo na qual sua função estava relacionada tanto com os
assuntos da diocese de Nova Iguaçu quanto da diocese (arquidiocese) do Rio de Janeiro.
Em 22 de junho de 1961 a diocese comemorava as bodas de prata sacerdotais de Dom
Honorato e também a sua nomeação para a função de segundo bispo da diocese de Nova
Iguaçu. Segundo Passos (1970) a sua nomeação não representava mais do que a
confirmação jurídica no cargo de administrador apostólico que já vinha exercendo. O novo
bispo manteve algumas atividades que já existiam antes da sua chegada, e essas atividades
religiosas incluíam as visita às paróquias pertencentes à diocese e também a criação de
outros territórios religiosos, para isto a gestão possuía de trinta novos padres estrangeiros
vindo da Bélgica e da Itália em sua maioria (MENESES, 2010).
favorece o grupo minoritário contrário ao regime. O novo bispo foi recepcionado com um
cortejo de mais de cem automóveis e da comitiva que o levou até a Catedral juntamente
com a massa popular que participava desse cenário aplaudindo, cantando ao som de sinos
e fogos de artifícios. Na porta de Catedral o Interventor concedeu a chave simbólica a
Dom Adriano, seguindo assim a solenidade da posse canônica presidida pelo Cardeal
Dom Jaime de Barros da Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro tendo como participantes
da província eclesiástica, o administrador apostólico de Salvador da Bahia Dom Eugênio
Sales, Dom Paulo Arns, bispo auxiliar de São Paulo além de numerosos sacerdotes,
autoridades civis e a multidão de religiosos (PASSOS, 1970).
No dia 24 de novembro o bispo inicia os trabalhos com a sua equipe composta por
padres das paróquias pertencentes à diocese. No ano seguinte em fevereiro Dom Adriano
consegue adquirir um patrimônio material que estava dentro de seus planos imateriais,
isto é, atualização da pastoral. O bem tão desejado era um amplo terreno que se
transformaria no Centro de Formação de Líderes. Encontros de clero e leigos, das
comunidades eclesiais de base entre outras importantes reuniões. A forma e a função do
modo de agir da pastoral libertadora adquiriu no tempo a sua espacialidade religiosa. É
importante ressaltar que a aquisição desse imóvel e do veículo utilizado pelo clero, assim
como a ajuda a várias paróquias e reformas de escolas católicas só foram possíveis devido
ao empenho do bispo em solicitar auxílios a instituições religiosas brasileiras e amigos da
Europa. Esses agentes espaciais viam para o Brasil e para a Baixada Fluminense (RJ) para
conhecer os grupos religiosos e modificar habitantes frente a sua realidade
socioeconômica (PASSOS, 1970).
Em outubro do ano de 1967 o bispo Dom Adriano celebrou suas bodas de pratas
sacerdotais numa comemoração que reuniu sacerdotes e fiéis. O cardeal do Rio de Janeiro
60
Dom Jaime de Barros Câmara e o Núncio Apostólico Dom Sebastião Baggio estavam
presentes. O foco principal da comemoração estava na criação canônica de dez paróquias
no território religioso da diocese. As obras do bispo revelavam o seu desejo por práticas
de novas ideologias do Concilio Vaticano II. Pode-se exemplificar através da execução e
do funcionamento do Conselho Presbiterial4 eleito pelo clero, o Conselho Diocesano de
Pastoral. Havia um planejamento anual feito em grupo na qual participam padres, leigos e
religiosos a fim de avaliar o que estava sendo feito e o que seria programado para o
próximo ano. A meta era dinamizar o plano pastoral como a diretriz das ações da igreja.
Os órgãos criados e os planos desenvolvidos tinham a função de trazer ideias e novidades
na organização espacial do território religioso da diocese. Em 1970 a diocese de Nova
Iguaçu comemorou seus dez anos de existência. As lembranças das conquistas religiosas e
os desafios encontrados pela igreja. A vitória para a diocese estava na expansão das
paróquias – surgiram mais de quinze paróquias – e também no aumento do número de
sacerdotes no território religioso. Esse ano foi marcado pela chegada à Baixada
Fluminense da comunidade religiosa suíça, As Irmãs de Santa Cruz. Destinaram-se para a
paróquia de Tinguá bairro constituinte do município de Nova Iguaçu.
2.2 A vida religiosa e política do bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito no tempo e
no espaço
Dom Adriano era conhecido como um homem que compartilhava a realidade vivida
pelo seu povo. Ele se identificava com as dificuldades e possibilidades de Nova Iguaçu.
Suas atitudes e suas atuações podem ser qualificadas como manifestações de um líder
carismático, estamos nos referindo ao agente religioso conceituado por Weber (1991) em
seu livro “Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”. Na tipologia
da religião em sua função na sociedade, Weber (1991) ratifica três agentes na atividade da
transcendência. São: (a) o profeta religioso – dotado de carisma –; (b) o sacerdote –
produtor do sagrado –; e, por fim, (c) o leigo – consumidor do sagrado.O profeta
61
carismático em Nova Iguaçu foi Dom Adriano. Segundo Weber (1991), a principal
característica do carisma é o dom que o ser humano possui. É o ser extraordinário. Essa
imagem carismática permanece até hoje na lembrança dos que o conheceram pessoalmente
e aqueles que conhecem a sua história. Há quem também considere Dom Adriano um
herói, já que ele arriscou a sua vida em pleno regime militar para defender os seus ideais e
propagar as suas ações. Segundo Campbell (1990, p. 167), “o herói é o protagonista que
descobriu ou realizou alguma coisa além do nível normal de realizações ou experiências. É
aquele que oferece a sua vida por algo maior que ele mesmo”. Mas qual o motivo disso
tudo? E como interpretar o compromisso de Dom Adriano com a sua fé e com o seu povo.
Por muitos anos Frei Adriano foi diretor e professor no Seminário Franciscano de
Ipuarana, em Campina Grande, na Paraíba, exercendo, ao mesmo tempo, funções
administrativas e religiosas: foi definidor da Província (em 1952 a 1958) e reeleito em
62
1961, quando também foi transferido para o Convento de São Francisco em Salvador
(BA) exercendo a função de mestre dos clérigos.
Em 1962, no início do Concílio Vaticano II, o Papa João XVIII nomeia o então
Frei Adriano para bispo-auxiliar de Salvador, a partir desse momento mudanças ocorrem
na vida do bispo, pois além de tomar conhecimentos das novidades que trariam
transformações da igreja católica, Dom Adriano decide implementá-las em seus trabalhos
diocesanos como líder religioso. Em 1966 torna-se o terceiro bispo de Nova Iguaçu. Dom
Adriano já tinha ouvido falar da Baixada Fluminense quando ainda era um jovem
adolescente e estudava em Rio Negro no Paraná. Seus professores que fizeram estágio
pastoral nas paróquias da Baixada diziam horrores da localidade então visitada,
colaborando ainda mais para a imagem depreciativa dessa área conhecida por Baixada
Fluminense. Mas Dom Adriano ao saber da nova localidade que se destinaria para exercer
sua função religiosa preferiu manter-se esperançoso, apesar dos votos de felicitações de
seus amigos se misturarem aos de pêsames devido a sua nomeação para a diocese de
Nova Iguaçu. “Sei que vou ser feliz com o povo da Baixada” (MENESES, 2010, p. 35),
disse Dom Adriano pouco antes de chegar à diocese.
O trabalho das cebs tem como prioridade o trabalho com o povo e para o povo, a
conscientização principal é tornar o sujeito o criador de sua própria história, para isso o uso
da política tona-se uma das principais ferramentas, já que a política “é uma dimensão
fundamental para a vivência da fé” (OLIVEIRA, P. 2004, p. 14). Segundo Betto (1985)
muitos deixam a família para viver do trabalho pastoral, esses agentes pastorais ou
animadores de cebs podem ser padres, freiras, religiosos ou leigos. Por se tratar de pessoas
simples vindas de comunidades carentes na qual uma das características principais no
espaço habitado é a ausência de infraestrutura e políticas públicas. Os fatores que marcam
os membros das cebs tanto na zona rural quanto na urbana é a exploração do trabalho e a
expropriação da terra. Muitos buscam na religião o acalanto para a alma e a solução de
problemas, mesmos que esses se perpassem por verdadeiros milagres. A literatura estudada
afirma que alguns dos membros das cebs sofrerem torturas ou até mesmo serem
66
Ao falar das cebs, Betto (1985) destaca quatro fases importantes desse movimento
religioso. A primeira é a própria comunidade em toda a sua complexidade que busca na fé
cristã o direcionamento para as suas atividades sociais desenvolvidas. A segunda é a
mudança nos movimentos populares a partir da inserção de participantes membros das
comunidades eclesiais de base, dando ao movimento novas características, como a
integração de participantes de diversas religiões ou aqueles que não manifestavam
afinidade por nenhuma religião, mas todos juntos e unidos priorizavam a luta em prol dos
benefícios das camadas menos beneficiadas. A partir então da reflexão dos problemas
sociais que assolam cidades, bairros e ruas as cebs auxiliaram na criação de movimentos
populares autônomos, como clube das mães, grupos de teatro, luta pela causa indígena –
uma das principais ações na região Norte do Brasil–, entre outros, através dessas pequenas
políticas do cotidiano, políticas da vida pública, mobilizações que mesclavam a noção de
cidadania com direitos humanos e direitos sociais. Numa participação maior na política e
menor na religião católica. A terceira fase é o fortalecimento do movimento operário, que
pode ser mais bem vislumbrado em São Paulo, onde as cebs participavam por
reivindicações por melhores condições de serviço, de salário entre outras petições que
trouxessem valorização para a categoria. E a quarta está inserida na atuação da abertura
política e partidária. Segundo Clodovis Boff (2004) as comunidades eclesiais de base –
CEBs se transformaram um uma organização facilitadora do surgimento de organizações
populares como os sindicatos, associações de bairro e de formações partidárias de cunho
popular. E isso aconteceu por que as CEBs exerceram um trabalho pastoral e social voltado
principalmente para a união, a fraternidade e a solidariedade. Nas leituras consultadas
percebemos que alguns pesquisadores acreditam que as ações das comunidades eclesiais de
base em relação ao auxílio na criação e desenvolvimento dos movimentos populares eram
de baixo nível conscientizador, entretanto outros defendem as ações solidárias desse grupo
em prol dos sofredores de incontáveis injustiças, enfatizando que essas ações tinham o
67
poder de alimentar o desejo, das camadas mais pobre da sociedade, de conhecer as causas
das desigualdades socioeconômicas e fortalecer o anseio por uma cidadania completa, sem
rupturas e emendas (Mainwaring, 2004).
CEBs o contato direto com o sagrado e a capacidade reflexiva das classes populares em
relação aos problemas individuais e coletivos. Nesse momento de reflexão se estabelece
um tempo espiritual de encontro com o sagrado, concomitantemente este sagrado se
relaciona com os aspectos concretos da vida da comunidade. Discutindo o texto da Bíblia,
“o povo discute, a um tempo, sua própria realidade. A história bíblica, sem deixar de ser
história, torna-se espelho da realidade atual vivida pela comunidade” (HIGUET, 1984, p.
46). É através da mensagem de Deus, lida na Bíblia, que o povo religioso consegue obter
a base e a ajuda necessária para guiar a sua vida e suas experiências. As histórias de luta e
esperanças contidas no livro tornam-se exemplos a ser seguidos, a identificação dos males
sofridos na atualidade como a opressão sofrida pelo povo nos textos sagrados faz com que
essa comunidade busque com mais força ainda a libertação dos oprimidos. No culto o
Evangelho da Bíblia é analisado pelo víeis político e o religioso, sendo exercitado através
da oração. Segundo Betto (1985) em muitas cebs, durante o regime militar, o momento de
se pensar na vida, nos problemas sociais e em possíveis soluções eram momentos que
deixavam muitos membros temerosos e desconfiados de alguma represália devido ao
regime político imposto neste momento histórico, apesar disso Silva (2007) destaca as
ações heroicas de muitos membros das CEBs da diocese de Nova Iguaçu que eram
destemidos e lutavam em prol dos oprimidos arriscando a própria vida pelo ideal das
comunidades eclesiais de base e da Igreja Popular.
protesto, seu desejo era tornar-se um intermediador entre a sociedade civil e poderes
públicos constituídos. Entretanto é importante ressaltar que antes de mesmo da formação
do MAB, na década de 1950 já havia formado as primeiras associações de bairro, e em
1960 os líderes organizaram o I Congresso das Comissões pelas Melhorias Urbanas dos
bairros de Nova Iguaçu, o congresso foi tão veemente em suas petições e protestos que
conseguiram alcançar algumas respostas por parte da prefeitura. Antes mesmo do golpe
militar de 1964, os movimentos operários e os trabalhadores rurais já se mobilizavam na
Baixada Fluminense, mostrando- nos o histórico de lutas pelo qual região tem passado
(MAINWARING, 2004). Com o golpe militar a situação da Baixada Fluminense tornava-
se ainda mais difícil de suportar, pois a população continuava a crescer, as infraestruturas
que existiam tornavam-se ainda mais obsoletas e a violência com seus desdobramentos
deixava a população totalmente desprotegida e entregue a própria sorte. A conjunção
desses fatores formou um riquíssimo ingrediente para a eclosão dos chamados
movimentos social urbano (MIZUBUTI 2006).
O Movimento Amigos do Bairro originou-se através da ação de dois jovens
médicos que decidiram auxiliar a saúde pública da população mais carente das cidades
distantes. Suas ações eram pontuais e podem ser interpretadas como paliativas já que
tornava-se difícil implantar métodos preventivos de doenças e mesmo os básicos de
higiene uma vez que a população vivia uma realidade precária com ruas sem
pavimentações, esgotos a céu aberto, água contaminada, entre outros. Em 1975 a filial
diocesana de Cáritas - um órgão internacional da Igreja Católica de amparo aos pobres -
resolveu ajudar aos dois médicos contratando mais dois para todos juntos, inclusive a
diocese de Nova Iguaçu, pudessem administrar ações com melhores resultados. A diocese
organizou a primeira discursão sobre saúde tendo a equipe médica como os condutores do
curso. A maioria dos participantes dos cursos eram profissionais da área de saúde. Vendo
isso os jovens médicos ficaram desejosos de ampliar o público enfatizando a raiz da causa
dos problemas de saúde. Esse movimento embrionário adentrou em alguns grupos da
igreja e nos bairros do município de Nova Iguaçu.
Predominava nas discussões os problemas gerais pelo qual a população mais
carente enfrentava. Os desdobramentos dessas primeiras ações resultaram em organizações
espaciais de bairro. Em 1978 o movimento torna-se oficialmente Amigos de Bairro,
passando a assumir expressões de um movimento que não deseja ser cerceado pelos limites
ideológicos da igreja – nesse caso pela diocese de Nova Iguaçu, pelo contrário deseja
chegar a massa trabalhadora de toda e qualquer origem. Com isso o movimento cresce e
73
passa a ter objetivos políticos mais amplos, com um jornal informativo e um arquivo
central contendo inúmeros endereços para quem deseja ter uma qualificação profissional
melhor, posteriormente o MAB consegue ter mais afinidade com alguns políticos locais,
porém não há forte apoio por partes desses políticos, além da imprensa direcionar olhares
para as ações do movimento, todos esses fatores tornam as pressões para cima da prefeitura
ainda mais veementes (MAINWARING, 2004).
O bispo Dom Adriano Hipólito é considerado o elo da união entre a diocese e o
MAB, através desse agente religioso o movimento popular adquiriu auxílios da Cáritas,
podendo assim criar trabalhos focando a saúde para a população além de proporcionar o
desenvolvimento do próprio MAB. Além disso, a Comissão de Justiça e Paz e a Comissão
Pastoral Operária (CPO) também deram amparo para esse movimento. Apesar de todas as
transformações ocorridas com o MAB e da sua autonomia em relação à igreja, essa não
deixou de apoiar, muitos padres encorajavam os membros das CEBs a entrarem em
associações valorizando a participação política e impulsionando o desenvolvimento de
lideranças populares. Muitos integrantes de CEBs tornaram-se líderes dos movimentos
populares com o passar do tempo, isso deve-se ao incentivo da igreja e eles tinham
consciência disso, muitos agradeciam a igreja por ter proporcionado a aproximação com a
justiça social.
Além de mostrar uma forte atuação política na Baixada Fluminense Dom Adriano
não esqueceu de olhar para o povo da localidade programar e efetivas as estratégias
religiosas. Ressalta-se as manobras desse agente religioso afim proteger os devotos
católicos de outras religiões que viam crescendo na localidade. No início da década de
1970, antes mesmo de organizar com mais veemência os movimentos populares,
principalmente o MAB, Dom Adriano tratou de buscar auxílio para investigar o território
religioso da diocese no que diz respeito a difusão do catolicismo e de outras religiões. O
projeto direcionado por Dom Adriano nesse período foi o de contratar pesquisadores para
fazer um levantamento da área contendo dados históricos, geográficos, as características
das diferentes religiões que existiam no território religioso da diocese, seus respectivos
crescimentos na área entre outros. Percebe-se que o bispo primeiramente procura conhecer
o território da diocese e sua realidade social e religiosa para depois concretizar as
estratégias nesses dois campos. Dom Adriano investiga o território, capacita os agentes
sociais e religiosos ao mesmo tempo busca mais adeptos para o catolicismo através de suas
ações sociais em busca de cidadania.
74
Sendo assim, em 1960 instala-se a diocese de Nova Iguaçu, entretanto muitas ações
estratégias ainda eram necessárias na busca de novos fiéis uma vez que o protestantismo
crescia na localidade. “Em 1969 eram 209 os lugares de culto católico em toda a diocese,
repartidos pelas paróquias, enquanto os templos protestantes alcançavam a cifra dos 605”
(MAPA6).
75
Diante desse quadro, mais uma vez percebe-se a preocupação da igreja católica em
estudar de modo mais profundo a questão das religiões e suas manifestações na Baixada
Fluminense, para adequar suas estratégias. Além do crescimento dos templos evangélicos,
outro problema pela qual a igreja católica atravessava entre as décadas de 1960 e 1970 era
a escassez de padres que se tornava algo preocupante para as hierarquias das igrejas, uma
vez que os fiéis não possuíam todo o aparato necessário, ou seja, a demanda de fiéis era
maior que a oferta religiosa católica. Os evangélicos não possuíam esse problema, não só
porque havia mais templos e lugares de cultos na área, mas sim porque as atividades
religiosas como a de evangelização eram feitas pelos leigos, tal fato propiciava uma
difusão mais rápida da religião entre a população da Baixada Fluminense. O pesquisador
Rolim (1973) chega a conclusão, em relação aos evangélicos e o território religioso da
diocese, que “o protestantismo é cada vez mais penetrante numa população que aumenta
cada vez mais, (...) seu maior crescimento ocorre, sendo sua concentração maior, na área
mais populosa e mais densa da diocese”. Aos olhos da igreja católica havia uma intensa
necessidade de novas estratégias para assim concorrer com as igrejas evangélicas.
A aplicação das estratégias sugeridas pela tese pastoral entre outras estratégias
sociais e religiosas implementadas pela diocese de Nova Iguaçu afim de assegurar o seu
território religioso e difundir suas ideias será a nossa análise do próximo capítulo.
77
Notas
________________________________________________________________________________
1
Cáritas Diocesana é uma organização internacional da igreja católica que oferece assistência
social ao grupo social menos favorecido economicamente em várias partes do mundo.
2
A então paróquia de Santo Antonio de Jacutinga é desde 1960 a Catedral de Nova Iguaçu,
localiza-se próximo a estação de trem. Ela foi construída nessa área devido a forte centralidade
que existia nesse local no final do século XIX, pois ali onde ocorriam as trocas de mercadorias, os
pequenos serviços e principalmente o transporte do café. Antes ela ficava na Vila de Iguaçu,
localidade próximo ao rio Iguassú, mas foi transferida para a antiga Maxambomba, hoje
conhecida como a cidade Nova Iguaçu onde fica a atual diocese.
3
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, trata-se de um órgão regulador constituído por
bispos, sendo este órgão o porta-voz do Vaticano.
4
Conselho Presbiterial é um conselho de padres que ocupam cargos de coordenação dentro da
Diocese juntamente com o bispo diocesano. O nome presbiterial vem da palavra presbítero
(padre).
3 ESPAÇO, POLÍTICA E JUSTIÇA SOCIAL: ESTRATÉGIAS RELIGIOSAS
O bispo Dom Adriano Hypólito além de buscar auxiliar a população através das
reivindicações dos serviços públicos dignos, era um homem de extrema inteligência e
estrategista. Suas ações voltavam-se também para a “exploração” do território religioso
da diocese de Nova Iguaçu com a finalidade de obter conhecimentos das condições
favoráveis com vista a objetivos específicos, nesse caso religiosos.
No final dos anos 1960 após a II Conferencia Episcopal Latino-Americana em
Medellín, Colômbia, as igrejas católicas da América Latina foram incentivadas a
conhecer a vida da população, a sua cultura, sua religiosidade e seu comportamento
(ANDRADE, 2008). Conhecer a realidade da população possibilita a estruturação da
religião no território e suas manobras territoriais. Segundo Andrade (2008, p. 259) esse
procedimento era necessário, pois
O objetivo que a igreja católica visava era compreender as manifestações
religiosas e culturais para poder agir num povo que apresentava uma
religiosidade extremamente diversificada, complexa e incompreensível aos
olhos da igreja por que fugia ao padrão considerado correto pela instituição. Era
necessário conhecer e depois agir para mudar uma postura considerada
imprópria.
79
b) diante da diversidade religiosa a igreja católica precisava ser um grupo diferente dos
demais e diferenciador, buscando atingir variados grupos com a mensagem do evangelho,
isso inclui crianças, jovens e adultos;
c) a diocese deveria assumir como seus os problemas locais, mostrando que a pastoral não
se restringe ao aspecto religioso, mas também ao aspecto social.
oportunidade a atuação dos leigos, já que ela é muito disponível na área de atuação da
diocese, e uma vez não aproveitada acaba sendo canalizada pelos cultos protestantes. O
leigo “será passivo se for mero executor do que o padre projeta. Mas tornar-se-á atuante a
se ver engajado numa obra, que possa sentir também como sua” (p. 205). Esse sentimento
de pertencimento a uma coletividade vai fortalecer ainda mais a identidade religiosa e de
lugar do homem religioso. Além disso, Rolim (1973) oferece sugestões de como incentivar
a realização das comunidades eclesiais de base e como conduzi-las, suas abordagens
propõem que as intervenções do padre nesse movimento seja de animador das cebs, sendo
o seu papel o de estimular e conduzi-las, mas sem controlá-la, dando maior autonomia
possível para os integrantes dessa formação para que cada um encontro o seu lugar nos
trabalhos da igreja local, enfatizando as atividades tanto de cunho religioso quanto de
cunho social. “Nota-se que o leigo é passivo debaixo da mediação do padre, mas pode
tornar-se atuante, quando internaliza valores religiosos e age dentro de sua liberdade de
leigo” (p. 201). A partir da atuação dos leigos esses buscam entender e se conscientizar dos
problemas alheios e da própria comunidade. Nessa relação tanto o padre aprende com a
comunidade quanto à comunidade com o padre. Sendo o leigo a agente principal desse
dinamismo encontrando no padre o animador de seu grupo, descobrindo as características e
os talentos dos leigos.
Durante esse período foram realizadas mais de 33 paradas. Além desse trabalho deve ser
destacado também o Movimento Oásis que eram liderados por jovens e destinados a eles,
o movimento procuravam os jovens que estavam afastados da igreja e tentavam inseri-los
novamente nos movimentos religiosos; outro projeto importante foi a Pastoral da
Juventude que trouxe uma nova dinâmica para a diocese de Nova Iguaçu com a realização
de criativos encontros como por exemplo as várias edições do Dia Nacional da Juventude
(MONTEIRO, 2010).
Já em 1975, surge no município de Nova Iguaçu o Movimento Amigos do Bairro,
como vimos, esse movimento teve grande influência na organização do movimento
popular na Baixada Fluminense, a religião e a dimensão social do/ no lugar. Em 1977 é
criada a Comissão Social da Terra que se empenhava em defender a posse de terra feita
por uma considerável parte da população, que com o passar dos anos vinha crescendo
ainda mais (SILVA, 2007). Ainda na década de 1970, Dom Adriano começa a escrever
em dois jornais que circulavam pelas dioceses do Brasil, que eram A Folha e o Boletim
Diocesano. Além disso, cria a Comissão de Justiça e Paz com o intuito de minimizar as
ações dos grupos de extermínios e sua atuação na localidade. A religião e sua dimensão
política no lugar.
Todas essas ações incomodavam muito ao governo que via o bispo como um
comunista.O golpe de 1964 e os violentos atos exercidos pelo governo fez com que Dom
Adriano se solidarizasse com os sofrimentos do povo e se aproximasse ainda mais desse,
tal postura do bispo em relação à população mais humilde era visto como uma afronte ao
regime militar, tal situação desencadeou sucessivas perseguições e ameaças. “Dom
Adriano nunca se deixou intimidar, e o recado dos incomodados não tardou” (Meneses,
2010, p. 37). Após dez anos a frente da diocese de Nova Iguaçu, Dom Adriano é
sequestrado, humilhado, torturado e abandonado em um local ermo na zona oeste do Rio
de Janeiro, os sequestradores ainda avisaram que o próximo bispo a sofrer as mesmas
atrocidades seria Dom Valdir Calheiros, bispo de Volta Redonda (RJ). Nas inúmeras
entrevistas após esses acontecimentos, Dom Adriano relata suas tristes lembranças:
Eles puseram um capuz na minha cabeça e me obrigaram a entrar num
automóvel, arrancaram as minhas roupas e me passaram a chutar e pisar
meu corpo. (...) Preparei-me para morrer enquanto eles prosseguiam
com toda a sorte de humilhações. Depois esguicharam um spray de tinta
vermelha pelo meu corpo, abandonaram-me, algemado e nu, numa rua
escura de Jacarepaguá (Meneses, 2010, p. 37).
85
No início do ano de 1978, Dom Adriano cria a comissão de Justiça e Paz através
do Decreto 01/1978 na CNBB, o bispo aproveita a presença de inúmeros repórteres para
fazer suas declarações e desabafos em relação aos direitos humanos.
(...) lembrando que o pecado atinge proporções escandalosas na nossa
área (Baixada Fluminense), (...) não temos força militar, não temos força
política, não temos força econômica, mas nossa força é a fé. A História,
disse ele, são os homens que a fazem, não a força cega que nos esmaga.
Afirmando aos fiéis que somos sinal da esperança [...], o Bispo de Nova
Iguaçu convidou a todos para que com esse espírito de alegria e
esperança cantassem o Hino Nacional que finalizou a celebração (Jornal
do Brasil, 1978, p. 5).
A criação dessa comissão tinha como finalidade segundo Dom Adriano “defender
os Direitos Humanos à luz da fé” (Jornal do Brasil, 1978, p. 5). A tensão era constante e
com a criação desta Comissão se fortaleceriam as forças de paz. Era o que o bispo
acreditava, todavia após mais essa ação política e social liderada por Dom Adriano as
ameaças a sua vida tornaram-se ainda mais constante: “o bispo não aprendeu a lição” e
por isso “receberá o castigo” ainda mais violento que da primeira vez. Essas ameaças
geralmente vinham através de telefonemas anônimos à diocese (SILVA, 2007). Além
disso, o bispo era constantemente vigiado, houve momentos em que durante viagens ao
interior do estado do Rio de Janeiro percebia-se, durante o percurso, a presença de
helicóptero militar (MENESES, 2010).
Dois importantes acontecimentos ocorridos na década de 1970 mostram um pouco
mais da personalidade e postura de Dom Adriano Hypólito em relação à política e religião
que foram a sua indicação como delegado da Terceira Conferência Latino Americana
realizada em Puebla, no México, quando o bispo declara no plenário a opção pelos pobres
e a necessidade de ajuda-los, e também em outro momento Dom Adriano faz uma
polêmica alegação, para a igreja, ao apoiar a ordenação de homens casados (MENESES,
2010).
No final da década de 1970 as ameaças e a violência continuam. A Catedral de
Santo Antônio – sede da diocese de Nova Iguaçu – e uma igreja do bairro da Prata, no
município de Nova Iguaçu, apareceram pichadas com frases ofensivas a Dom Adriano.
Um mês depois, em 20 de dezembro, uma bomba conhecida como “trotil”, de uso
exclusivo das Forças Armadas explodiu no altar da Catedral de Santo Antônio de
Jacutinga. O sacrário foi destruído, “até então, nunca no Brasil qualquer igreja tinha sido
atingida por atentado à bomba” (Meneses, 2010, p. 40). Dois dos três operários que
estavam na igreja na hora da explosão ficaram feridos. Paralelamente a esse
87
Entre 1985 a 1990 a diocese de Nova Iguaçu ainda tendo Dom Adriano Hypólito à
frente decidiu investir numa formação política utilizando a educação popular informal
como instrumento principal para alcançar os objetivos almejados. Nesse contexto
histórico o Brasil passava por várias mudanças em seu aspecto econômico e social, a
lógica de mercado e a ideologia neoliberal passam a reger as atividades em vários
91
âmbitos. Cada vez mais a sociedade se caracteriza como uma “sociedade de consumo”
mobilizada pelo desejo, nunca alcançado, de satisfação (BAUMAN, 1999) e pela forte e
demarcada segmentação social. Nesse período “novas bandeiras foram costuradas e
erguidas, novos manifestos elaborados, novos cartazes concebidos e impressos”
(BAUMAN, 2005, p. 42). O descontentamento social foi grande assim como a quantidade
de diferentes grupos a se manifestarem, cada um em sua ala – gênero, raça, classe social,
entre outros – e cada um procurando seus alicerces (BAUMAN, 2005).
Neste contexto, a diocese de Nova Iguaçu percebeu a necessidade de incrementar
novas atividades, com a pretensão de formar não apenas pessoas conscientes de seus
direitos e deveres como também capacitadas a gerenciar as políticas públicas da
localidade. A igreja percebia as dificuldades na questão do surgimento de sujeitos
políticos autônomos, havia a necessidade de preparar os agentes políticos e educadores
populares para o novo momento histórico que o país estava presenciando através da
abertura política. Essa nova intenção de renovação no campo político, social e religioso
surgiu através de reuniões e debates, na qual nasceu a seguinte questão:
Que Baixada Fluminense queremos daqui a 10 anos?
A partir dessa inquietação, a diocese desenvolve, a partir de 1995, o Projeto de
Formação Social destinado a lideranças de origem da Igreja. São objetivos deste projeto:
estimular nos agentes sociais a consciência dos direitos do povo, reforçar a sua
participação efetiva na transformação social, propiciar oportunidades de confrontar suas
experiências e aprofundar os conhecimentos necessários ao enfrentamento das situações
novas. É, portanto, neste contexto, de uma formação social sistemática, visando à
formação de lideranças, que nasceu o Curso de Formação Social. A proposta inicial desta
formação foi feita em 30 de junho de 1994 pela Diocese a Misereor 2. As bases dessa
proposta foram levantadas, a partir da formulação do Documento Final do Sínodo
Diocesano, em 16 de abril de 1992 (PEREIRA, 2006). Neste documento, ressaltava-se a
situação da realidade do povo da Baixada Fluminense nos seguintes aspectos: a) de
marginalização crescente; b) de empobrecimento; c) de desvalorização da qualidade de
vida e d) de destruição dos valores humanos.
Para planejar a execução deste projeto, foi realizado um seminário que pretendia
fazer uma análise da conjuntura pastoral e social na área da diocese. A partir do seminário
foi iniciado o processo de constituição dos grupos temáticos para a formação
propriamente dita, que durariam dois anos. Formaram-se, então, três grupos de mais de
cem pessoas cada. Estudavam um fim de semana por mês, durante dois anos, em que
92
a) Emprego;
b) Poder e Política Local;
c) Educação;
d) Saúde;
e) Habitação.
políticos, principalmente os assuntos partidários. Tal fato fez com que os religiosos que
“ingressavam em núcleos partidários, sentiam-se institucionalmente órfãos. Já não
encontravam nas Cebs o alimento sólido à nova etapa de seus engajamentos”. Essa
situação não quer dizer, segunda as referências consultadas, que houve algum conflito em
relação à fé e a politica por parte dos religiosos envolvidos com os assuntos políticos
nesse novo momento democrático, apenas que, para esses agentes, esse período foi
caracterizado por certa carência de novas fontes de abastecimentos que fortalecesse a luta
que une a fé e a política.
Em relação a esse tema fé e politica, é importante ressaltar que uma parcela dos
cristãos católicos, que é a categoria que está sendo analisada nessa pesquisa, durante o
recorte temporal avaliado (1970 a 1990), entendem que a união dessas duas esferas
sociais tem como objetivo final a vivência e o testemunho da fé, principalmente no
contexto histórico, social e religioso latino-americano. Segundo as leituras consultadas
que analisam esse tema, os militantes cristãos católicos acreditam que através da politica
é que se vive a luta pelo povo e também a fé, essa ideia vem da compreensão de que a
solução dos problemas sociais passa necessariamente pelas ações políticas e
consequentemente pela prática da fé. A justificativa para ilustrar essa ideia é que uma vez
conseguindo amenizar ou erradicar as injustiças sociais de uma localidade, realiza-se a
vontade de Deus, logo vive-se a fé. Por sua vez, a fé necessita da politica para realizar as
suas obras, “na verdade, há de se reconhecer que toda politica tem uma espécie de fé
imanente, assim como toda fé possui uma dimensão politica interna a si mesma” (BOFF,
C. 2004, p. 46). O pesquisador e religioso Clodovis Boff (2004) vai além com as suas
reflexões e sinaliza que fé e politica são como duas grandezas autônomas e distintas,
porém abertas uma à outra. O exemplo mais contundente e que justifica essa relação
harmoniosa entre fé e política para os cristãos é a pessoa de Jesus, que segundo
pesquisadores, possuía uma intensa atividade pública voltada principalmente para o povo
ensinando um novo estilo de vida.
Porém nem sempre essa união entre a fé e a politica é vista com apresso pelos
cristãos, esses cristãos são tantos os católicos como os protestantes e várias outras crenças
e denominações. Há quem defenda o conceito de que a política articulada com a fé coloca
essa em uma posição menos importante. Entretanto, essa afirmação passa a ser mais
debatida e repensada a partir das novas práticas instauradas pela Igreja Católica através
das influências do Concílio do Vaticano II, as inovações, como já foram faladas,
trouxeram novas maneiras de pensar e agir da igreja, colocando essa instituição religiosa
95
também como uma grande responsável pela transformação do mundo, tornando esse um
lugar melhor. Pensar em política passa a ser visto sob a ótica da fé em busca da justiça
social, da libertação do povo oprimido e da fraternidade. Porém jamais reduzindo a fé à
política (BOFF, C. 2004).
Muitas discussões foram promovidas em relação ao assunto fé e política. Na
década de 1980 a população viu o desenrolar de um novo contexto histórico, as mudanças
no tempo e no espaço exigiam novas estratégias. Algumas manifestações nesse momento
foram promovidas na tentativa de chamar a atenção dos cristãos católicos para a
importância na participação dos assuntos políticos partidários, a preocupação de alguns
líderes religiosos estava em organizar e mobilizar o povo, conscientizar os grupos
religiosos sobre os assuntos da politica partidária e programar os projetos populares. Com
o passar dos anos essas primeiras ações surtiram efeito, os militantes cristãos escolheram
diferentes frentes partidárias, cada grupo com sua visão de política mostrou, certa, falta de
homogeneidade entre os militantes cristãos, e até mesmo uma crise entre eles e com a
Igreja. Esses problemas relacionados com os diferentes modos de fazer política tendo a fé
como o “carro chefe” dos assuntos políticos acabaram por promover uma crise de
identidade cristã desses militantes. Para Leonardo Boff e Marcos Miranda (2004) o
principal motivo dessa crise decorreu da falta de consciência e prática dos militantes de
que servir a Deus não acontece somente nos espaços sagrados, como nas igrejas.
Trabalhar a favor dos grupos excluídos, buscar justiça social, se entrosar nos assuntos
políticos partidários afim de promover uma ‘transformação libertadora” são maneiras de
desempenhar a obra de Deus, de servir a Deus. A ausência dessa consciência entre os
militantes, de não enxergar “fora das igrejas ou religiões” (p. 77) o serviço a Deus teve
como resultado a realização de uma política sem valores cristãos, e consequentemente
esses atos se transformaram em crise de identidade cristã para os militantes. No decorrer
de sua análise Leonardo Boff e Marcos Arruda (2004) ressalta que os militantes cristãos
esqueceram ou não sabiam que as mediações do Reino de Deus não tem como referência
somente a igreja, a militância na politica também é uma mediação do Reino. Além disso,
os cristãos envolvidos com a política partidária pareciam está muito mais fortalecidos na
fé teológica do que na fé teologal. Para entendermos melhor esses conceitos, a fé
teológica é entendida segundo Leonardo Boff e Marcos Arruda (2004, p. 73) como aquela
“expressa no Credo das Igrejas e na doutrina oficial, elaborada somente por homens,
acolhida pela comunidade, coordenada pelos pastores”. Como podemos perceber, a fé
teológica é uma fé envolvida fortemente com a instituição religiosa, por sua vez a fé
96
afirmar ser este o meio estratégico mais eficaz, uma vez que é a unidade territorial
diocesana o lócus onde se dá o controle eclesiástico efetuado pela gestão episcopal
(ROSENDAHL, 2002). São os bispos os agentes religiosos especializados que detêm o
forte poder hierárquico de criação e difusão de novas dioceses, fazendo-se suscitar
diferentes práticas espaciais. Segundo Rosendahl (2005. p. 203)
paróquias de São João de Meriti eram ligadas a de Nova Iguaçu. Ambos os municípios
que comporiam a nova diocese viviam em situações semelhantes: falta de vagas nas
escolas, falta de uma política pública de saúde, constantes problemas com enchentes e
doenças, a violência e a ausência do poder religioso em sua área de abrangência. Em
Duque de Caxias, eram constantes as lutas pela construção de passarelas e postos de
saúde. Em São João de Meriti, a população se organizou para lutar por políticas públicas
que combatessem os males da enchente e da fome presentes no município (Mattos, 2006).
Segundo os estudos de Mattos (2006), os argumentos apresentados para a criação
da diocese foram os seguintes:
a) a distância da cidade de Duque de Caxias em relação ao centro de sua diocese,
localizada em Petrópolis;
b) as diferenças sociais entre as populações assistidas pela diocese , em Petrópolis e na
Baixada Fluminense;
c) a diocese de Nova Iguaçu atendia uma população bastante numerosa e possuía
poucos padres para a demanda religiosa existente na área de São João de Meriti e,
d) o desenvolvimento populacional, religioso, econômico, cultural e cívico da área de
Duque de Caxias que permanecia na periferia de ação do bispo de Petrópolis.
Diante de todos esses fatos, acreditamos que o crescimento demográfico e a
urbanização geraram sim uma forte demanda religiosa para se criar uma nova diocese,
fazendo com que os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti passassem a
fazer parte desta nova jurisdição religiosa. Entretanto, acreditamos que essa ação do
Vaticano em desmembrar o território religioso da diocese de Petrópolis e, principalmente,
de Nova Iguaçu, teve como objetivo primaz o enfraquecimento do catolicismo de massa
desenvolvido em São João de Meriti. Como sabemos, representa uma área de forte
efervescência social da periferia da cidade do Rio de Janeiro. É referência das atividades
populares desenvolvidas tanto pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) quanto pelas
Pastorais Libertadoras e Organizações de Bairro, juntamente com o município de Nova
Iguaçu. Completando o cenário essa decisão de desmembrar o território religioso da
diocese de Nova Iguaçu favorecia o objetivo de “frear” as intervenções das pastorais, das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e do bispo Dom Adriano Hypólito, diminuir o
seu campo de atuação e sua liderança forte e representatividade no campo político-
religioso da Baixada Fluminense. A estratégia era enfraquecer o campo religioso na
divisão territorial para facilitar o controle e a implantação dos ideais do Vaticano.
100
Diante dessa situação, a diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti foi
criada em 11 de outubro de 1980 pela Bula Qui divino consilio, do Papa João Paulo II.
Porém, somente em 12 de julho de 1981, ocorreu à instalação da nova diocese e a posse
do primeiro bispo, Dom Mauro Morelli, em celebração que contou com a participação de
aproximadamente três mil pessoas, entre as quais, vinte e quatro bispos, cinquentas
padres, o Núncio Apostólico Dom Carmine Rocco; o governador Chagas Freitas; o ex-
deputado, mas de forte atuação com o lugar, Tenório Cavalcante; o Cardeal de São Paulo,
Dom Paulo Evaristo Arns; Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra; o bispo auxiliar do Rio
de Janeiro, D. Karl Joseph Rommer; Dom Romeu Briggenti; Dom Afonso Gregory; Dom
Adriano Hypólito; Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Clemente Isnard. (MATTOS,
2006). Numa cerimônia religiosa o poder político estava presente afirmando assim a
gestão diocesana no lugar.
Os limites espaciais das dioceses de Nova Iguaçu e de Duque de Caxias e São
João de Meriti podem ser vistos a seguir (MAPA 8).
101
Mapa 8 - Diocese de Nova Iguaçu e a Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti:
limites territoriais
Fonte: CIDE, 2001 adaptado por Costa, 2012.
102
Dom Mauro Morelli era então o bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo e
trabalhava junto com o Cardeal Dom Evaristo Arns – personagem atuante da igreja
popular – quando foi nomeado primeiro bispo da recém-fundada diocese. Ao chegar a
Duque de Caxias, encontrou a cidade envolta na crise da Fiat (antiga Fábrica Nacional de
Motores – FNM). Os operários da fábrica de automóveis, localizada em Xerém, haviam
entrado em greve, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. O Tribunal
Regional do Trabalho declarou a paralisação ilegal, mas a igreja decidiu apoiar os
operários por meio de uma celebração ecumênica e também de uma campanha de
arrecadação de mantimentos e doações para o fundo de greve, prestando-lhe assessoria
jurídica (MATTOS, 2006). Tal movimento uniu outras instituições religiosas. Assinaram
o manifesto de apoio aos operários: Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu; Dom
Mauro Morelli, bispo eleito mais inda não empossado em Duque de Caxias; Dom Paulo
Aires, bispo metodista; Reverendo Mozart Noronha, pastor da igreja Cristã Renovada;
Reverendo Carlos Cunha, pastor da igreja Presbiteriana da Penha (MATTOS, 2006).
A ação de Dom Mauro Morelli na questão dos operários em Xerém provocou
reações de alguns bispos conservadores, esses reclamaram que aquela convocação do
operariado era uma intromissão totalmente descabida em dioceses alheias, pois Dom
Mauro Morelli ainda não era o bispo de Duque de Caxias3. Logo ao tomar posse do cargo
de bispo da diocese, Dom Mauro Morelli iniciou os seus trabalhos de cunho popular e
religioso, já de início procurou por meios de realizações de sínodos4 diocesanos, fortalecer
a participação de todos os fiéis na caminhada da igreja. As suas propostas e os seus
planejamentos deixavam claro a efetiva participação popular e o incentivo aos trabalhos
voltados para a área social (MATTOS, 2006).
Ressaltamos que antes mesmo da fundação da diocese, existiam obras sociais em
algumas paróquias, como o Instituto Profissional São Bento 5, no bairro de São Bento, e a
Ação Social São Mateus, em São João de Meriti6. Com o passar do tempo, as obras de
assistência e promoção humana se multiplicaram e, surgiu então, a necessidade de se criar
um organismo que condensassem todas as atividades da ação social da então diocese de
Duque de Caxias e São João de Meriti e, essa surgiu, foi nomeada de Ação Social Paulo
VI (ASPAS), fundada em 12 de junho de 1984 (MATTOS, 2006). Essa ação social tem
por finalidade manter, promover e coordenar todas as ações sociais da diocese,
abrangendo obras culturais, educacionais e promocionais, tais como ambulatórios,
creches, orfanatos, asilos, escolas e qualquer outra que se destine à promoção humana,
especialmente nas áreas de educação e integração da criança à sociedade.
103
semelhantes. A miséria, a doença e a falta de emprego acabam unindo essas pessoas para
uma mesma e dura realidade. Todos em busca de respostas para as suas aflições. A
paróquia, devido a essa realidade, acaba tendo que ser diversificada para responder as
necessidades de sua comunidade.
Além das “prestações de serviço”, a igreja costuma realizar as comemorações
cívicas e as datas mais importantes para a comunidade local. Tudo isso são os
componentes que sugerem ao “homem comum” que passa pelo centro urbano e entra no
templo em busca de resposta a seus problemas, que há uma “ordem” a governar sua
existência.
A paróquia dos “bem-aventurados” é composta predominantemente pela classe
média alta, ou como sugere o autor Benedetti (2000), pela classe dominante. O discurso
do padre nesta igreja é um discurso na qual o conteúdo central está na naturalização e
aceitação da ordem social, como se tal fato fosse decorrente de algo extremamente
natural, “cada um está onde estar, com os bens e os males a isso associados”
(BENEDETTI, 2000, p.172). Parte desse discurso é embasada na figura do cristão fiel a
suas crenças, que na sua jornada do dia a dia deve carregar a sua “cruz” e aceitar seus
sofrimentos. O sermão do padre à comunidade cristã é como o envio da “palavra divina
que vem consagrar o que somos por natureza” (BENEDETTI, 2000, p. 171), juntamente
com as incessantes buscas dos bens sagrados imateriais. O que se destaca nesta paróquia é
o fato de se aceitar o mundo do jeito que ele é, como se não pudéssemos fazer nada além
de mudarmos apenas a nossa moral diante das más circunstâncias. Diante desse discurso
percebemos um determinismo diante da ordem social estabelecida. Como se diante dessas
circunstâncias vividas por todos nós, não pudéssemos fazer grandes coisas, já que “a
ordem social está inscrita no universo da inevitabilidade” (p. 172). Ou seja, diante dessa
concepção, cada um está onde deve está.
Além dessas caracterizações, o que pode ser percebido também é a íntima ligação
entre a igreja e a classe média alta. Sendo esta quem faz grande parte das doações
destinadas à paróquia. A igreja por sua vez, reproduz os rostos dos doadores, e de seus
familiares, nas imagens de Jesus, Maria, os anjos e os santos, como formas de
homenageá-los e também de associar as qualidades divinas, através da representação, a
essas famílias (BENEDETTI, 2000). Vimos então, que esta paróquia além de esta muito
ligada à classe média alta, ela também possui uma visão de mundo conservadora, baseada
na “naturalidade” da posição ocupada pelos indivíduos da sociedade, onde há poucos
questionamentos, predominando mais a conformação diante dos fatos.
107
“prestadora de serviços”, contudo, essa está ligada ao passado e a tradição, não se opõem
as funções clássicas da religião, não se propõem a agir por vertentes consideradas novas
naquele momento e nem procura proporcionar atuações que irão verdadeiramente
transformar a vida da população local, seja ela católica ou não. A segunda paróquia dos
“bem-aventurados” é composta, por sua maioria de classe média alta, esse já é o grande
diferencial com a diocese de Nova Iguaçu, além disso, os discursos e ações do padre vão
de encontro aos anseios dessa classe social pouco se fazem pelas classes trabalhadoras,
um dos consolos direcionados pela igreja é se conformar diante das desigualdades da vida
social; há certo determinismo diante da ordem social. A igreja compartilha de uma visão
conservadora. A última paróquia analisada é a paróquia de “classe média baixa” que
possui um raio de atuação pequeno e muito frágil, suas atividades circundam,
principalmente, o campo religioso, se importam pouco com os problemas sociais vividos
pela população. A aproximação da igreja com a pobreza é intermediada pelo medo do
processo de proletarização. A igreja possui um moralismo latente em seus discursos e
atuações.Portanto, a ligação entre expressão religiosa e classes sociais terá como
consequência os diferentes tipos de comportamentos desenvolvidos pela igreja, tal fato
personificará os diferentes tipos de prestações de serviços religiosos ligados a essa igreja.
O caso da igreja diocesana de Nova Iguaçu, no que consiste em seu engajamento e
suas atividades que foram desenvolvidas ao longo das décadas analisadas, sua
personalidade pode ser considerada peculiar, pois através de suas práticas, que geraram
um ativismo intenso, a igreja colocou em evidência a luta por políticas públicas que
trouxesse melhorias para a população. Por manterem um trabalho de formação
sociopolítico, diferentes autores como Krischke e Mainwaring (1986) já apontaram a
importância do trabalho diocesano de formação, mobilização e reivindicação de direitos
sociais. Essa opção ocorreu na diocese de Nova Iguaçu, mas não necessariamente em
outras dioceses do Brasil. Apesar dos anos que passaram, desde a criação do Centro de
Formação até os dias atuais, a diocese de Nova Iguaçu continua tendo um papel singular
no campo da formação sociopolítico e de criação e/ ou fortalecimento de espaços de
articulação e reivindicação para os direitos sociais. Através de seu Centro de
Sociopolítico, criou a Escola de Formação Política que é uma iniciativa de formação de
quadro em políticas públicas na Baixada Fluminense (SILVA, 2007). Os objetivos
específicos da Escola de Formação Política são:
1. Contribuir para a formação sociopolítico com informações e
conhecimentos, a fim de possibilitar uma melhor intervenção nas políticas públicas;
109
Hoje em dia a população tem voz e não é impedida de lutar por seus direitos como
outrora, essa é uma grande conquista gerada por milhares de brasileiros que lutaram até
alcançar o seu objetivo comum que era a liberdade de expressão e de direitos. Como já
sabemos a igreja teve uma função importante na estruturação político-social de Nova
Iguaçu e de uma parte da Baixada Fluminense. Esse acontecimento é plausível e está
inscrito na história da igreja católica brasileira e na história do município na qual está
sediada a diocese. Não é por menos que o ano de 2010 foi marcado como o ano da grande
comemoração, na qual ocorreu a celebração e exaltação de todas as vitórias conquistadas
pela igreja, pelos seus líderes e seus vários anos de vivência e história. Estamos falando
da celebração do jubileu de ouro da diocese de Nova Iguaçu que marcou os seus 50 anos
de existência.
De acordo com Mattos (2006), etimologicamente, a palavra jubileu deriva do
hebraico yobel, o carneiro guia do rebanho. Em seguida o termo passou a ser aplicado ao
chifre do carneiro e ao som por ele produzido, e, finalmente, à festividade que com ele se
anunciava, em conformidade ás prescrições contidas na Bíblia. Para o povo hebreu, o
quinquagésimo ano era chamado jubilar, comemorado segundo uma legislação específica
que descrevia sete séries de anos sabáticos antes do grande jubileu. Ele teria de ser
totalmente santificado pelo repouso da terra - que deixava de ser cultivada -, pela
libertação dos escravos e pelo perdão de todas as dívidas. Como consequência do ano
jubilar, havia a emancipação geral de todos os habitantes carecidos de libertação
(MAROCHI, 1999). Apesar das transformações ocorridas em relação ao propósito dessa
festividade chamada jubilar, tal comemoração é realizada até os dias de hoje pela Igreja
Católica e outras denominações.
A diocese de Nova Iguaçu celebrou o jubileu de com um extenso calendário de
atividades programadas, além disso, a igreja foi homenageada através do lançamento da
Bíblia do Jubileu e do livro Comemorativo sobre a Diocese na qual relata uma parte do
processo histórico, político, social e cultural da igreja. Neste livro há um espaço
especialmente dedicado a vida de Dom Adriano Hypólito e toda a sua trajetória de ação
social que terminou no ano de 1995 quando esse precisava se aposentar por ter
completado 75 anos4, nas quais boa parte desses anos foram dedicados a igreja e a
população brasileira. Esse momento de despedida do bispo Dom Adriano Hypólito foi
110
Notas
_____________________________________________________________
1
Conhecido membro do aparato de repressão.
2
A Misereor é uma entidade alemã católica financiadora, que mantém projetos há mais de 20 anos
na Diocese de Nova Iguaçu. Esses projetos, geralmente, duram um triênio e podem ou não ser
renovados.
3
Mesquita ainda não tinha sido emancipada, por isso ainda pertencia a Nova Iguaçu.
4
Os bispos quando fazem 75 anos têm que se aposentar, porém podem solicitar à Igreja de Roma
(Vaticano) uma prorrogação de mais 05 anos, até completarem 80 anos. D. Adriano que não
legislava em causa própria, não fez uso dessa possibilidade.
CONCLUSÃO
Na literatura consultada podemos dizer que muitas pessoas que fizeram parte das
Cebs puderam mudar suas vidas a partir desse processo. Elas obtiveram informação de
uma maneira diferente, um conhecimento voltado ao saber do seu papel na sociedade.
Assim, tiveram experiências e participações de uma nova igreja. Um novo encontro, um
novo caminho que compõe a sua existência na terra (HYPÓLITO, 1983).
Essas inúmeras ações da instituição religiosa católica podem ser decodificadas como
estratégias interligando religião, território e territorialidade, que tem como objetivo
assegurar a vivência da fé, fortalecer as experiências religiosas coletivas e individuais e
manter constantemente a vigilância dos fiéis. As relações de poder que se estabelecem no
território remontam às mais antigas civilizações, nas quais a dimensão espacial já era
reconhecida como instrumento de manutenção, conquista e exercício do poder de extrema
importância (CORRÊA, 2007). O conceito de território pode ser compreendido em sua
flexibilidade, sua elasticidade formal e de conteúdo, expressas na relação que desenvolve
com as noções de espaço e tempo. A organização interna dos territórios da igreja é
dinâmica, móvel no espaço, como pode ser percebido nesta pesquisa, e é justamente a não
rigidez no tempo e no espaço a característica que garante a compreensão das
territorialidades. No caso da diocese analisada percebeu-se que, contextos socioespaciais
distintos requerem estratégias territoriais também distintas.
Dom Adriano é invocado por muitos como idealizador e efetivador de uma diocese
voltada para ação sociotransformadora com base em “comunidades” de convívio ao
mesmo tempo religioso e sociopolítico. Porém, é possível encontrar opiniões que o
consideram como propagador de uma visão unilateral de Igreja, ao “forçar” a opção dos
fiéis para um estilo político de religião (ASSIS, 2008). Entretanto, um fato relevante
considerado tanto por fiéis da diocese quanto de outras dioceses brasileiras ou estrangeiras,
por representantes de movimentos sociais e políticos e mesmo pela imprensa geral, foi o
posicionamento de Dom Adriano frente ao regime político-civil-militar que se impunha.
Tal posicionamento levou a seu sequestro e tortura física e psicológica a que foi submetido
em 22 de setembro de 1976. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
lançou, em outubro do mesmo ano, uma carta de esclarecimento à sociedade sobre, entre
outros acontecimentos, o sequestro de Dom Adriano. Tal acontecimento marcou, não
somente a Igreja católica naquele período como diversas organizações contrárias ao regime
militar e, sobretudo, o imaginário dos membros da diocese de Nova Iguaçu e de outras
dioceses. Várias instituições, movimentos e logradouros da Baixada Fluminense recebem
seu nome como homenagem e reconhecimento. Dom Adriano veio a falecer em 10 de
agosto de 1996. A substituição de Dom Adriano deu-se em 1995, sendo designado à frente
da diocese, o bispo Dom Werner Siebenbrock, estando ali até o ano de 2002, quando foi
substituído pelo atual responsável, Dom Luciano Bergamin.
pelo Centro de Memória Oral da Baixada Fluminense, na qual fiz parte da equipe no
referido ano - . No decorrer dos anos tive a oportunidade de conhecer outros integrantes e
algumas pessoas que foram próximas de Dom Adriano no Arquivo Diocesano, a partir
desses encontros e estudos conseguimos desenvolver esta pesquisa, que ainda não se
encontra esgotada. Muitos fatores contribuíram para o enriquecimento de nossa análise
diante da política e religião.
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