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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Tecnologia e Ciências


Instituto de Geografia

Suellen Santiago dos Reis

De lugar segregado ao lugar espiritual da Teologia da Libertação:


Diocese de Nova Iguaçu de 1970 a 1990

Rio de Janeiro
2013
Suellen Santiago dos Reis

De lugar segregado ao lugar espiritual da Teologia da Libertação: Diocese de Nova


Iguaçu de 1970 a 1990

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de Concentração: Gestão e Estruturação
do Espaço Geográfico.

Orientadora: Prof.ª Dra. Zeny Rosendahl

Rio de Janeiro
2013
Suellen Santiago dos Reis

De lugar segregado ao lugar espiritual da Teologia da Libertação: Diocese de Nova


Iguaçu de 1970 a 1990

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de Concentração: Gestão e Estruturação
do Espaço Geográfico.

Aprovada em 07 de fevereiro de 2013.


Banca Examinadora:

_____________________________________________
Prof.ª Dra. Zeny Rosendahl (Orientadora)
Instituto de Geografia da UERJ

_____________________________________________
Prof.a Dra. Mariana Araujo Lamego
CEFET/ RJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Alberto Pereira dos Santos
Instituto de Geografia da UERJ

Rio de Janeiro
2013
AGRADECIMENTOS

São muitos os agradecimentos, tantas foram as pessoas que tiveram participações


diretas ou indiretamente na construção dessa pesquisa, mas eu não poderia deixar de
agradecer primeiramente a Deus pela oportunidade de está aqui e ter encontrado tantas
pessoas em meu caminho que me promoveram felicidades, crescimentos e desafios. E,
muitos outros virão, assim espero.

Agradeço aos meus amados pais Lia e Daniel por terem cuidado de mim (e ainda
cuidam) durante todos esses anos, pelo carinho, amor, zelo e preocupações. Agradeço pela
liberdade que me deram isso me auxiliou muito na escolha de meu caminho profissional e
no meu crescimento como ser humano. Também a minha querida irmã Angélica que me
alfabetizou, cuidou de mim, e me acompanha nessa longa caminhada da vida. Obrigada
pela atenção e apoio, por ser mais que me irmã e por se orgulhar de mim, mas saiba que
tenho muito mais orgulho de você, minha irmã, minha artista preferida!

Agradeço ao meu querido Anderson, hoje meu marido, mas também meu
companheiro, amigo e cúmplice durante todos esses anos. Desde muito cedo vem me
incentivando nos desafios da vida e nos estudos acadêmicos. Além de segurar a barra nos
dias ruins, me fazendo sorrir com as coisas mais simples do mundo, me ajudando a
enxergar que posso ser mais forte do que imagino e que posso descomplicar muitas coisas,
dando importância ao que é verdadeiramente importante. Obrigada meu amado.

Agradeço a minha Nina e ao meu Zezinho, meus amigos, meus companheiros,


minhas alegrias. Sempre me recebendo com carinho quando chego em casa. Minha
felicidade é caminhar com vocês numa tarde de outono.

Agradeço ao professor Estevam que ainda no ensino médio me incentivou em fazer


parte do grupo de alunos que pesquisaram sobre a vida de Dom Adriano e alguns anos
depois me sugeriu como pesquisa de monografia de graduação analisar todo esse rico
material. Eu aceitei a sugestão e mais uma vez coloco a disposição do público uma breve
análise dos estudos geográficos da Baixada Fluminense, descortinando um pouco da sua
cultura e de seus encantos. Não poderia deixar de agradecer também ao Arquivo Diocesano
e ao pesquisador Antônio Lacerda que com muita atenção disponibilizou materiais de
fontes primárias e secundárias para o desenvolvimento dessa e de tantas outras pesquisas
que ressaltam a análise sobre a Baixada Fluminense e a Diocese de Nova Iguaçu. Meus
sinceros agradecimentos.

Agradeço ao NEPEC, pela oportunidade de ter feito parte desse núcleo, foi
importante pra mim o tempo que estive nesse microcosmo, me trouxe crescimento pessoal
e profissional. Agradeço ao meu grande amigo Jefferson Rodrigues, que conheci durante a
graduação, esteve comigo no NEPEC e hoje apesar de estarmos distante fisicamente a
amizade perdura e perdurará para sempre, pois somos amigos de verdade, assim espero.
Agradeço a amiga tia Eliane pelas palavras doces, por me ajudar a me erguer quando estive
desanimada e por ter carinho por mim. Agradeço a Renata Rufino, amiga que conheci
durante a minha especialização na UERJ, e que hoje faz parte da minha família. Agradeço
a Gisele Medeiros pela felicidade que me traz com sua presença e com seu sorriso,
obrigada por você me ajudar nos dias alegres e tristes e compartilhar da sua felicidade
comigo. Agradeço ao meu cunhado Valdenício pela descontração e pelas conversas
inteligentes.

Agradeço a instituição educacional Ciep 119, local onde trabalho e onde encontrei
verdadeiras amizades. Obrigada aos amigos e profissionais, aos alunos que a cada dia
encontro alegrias e desafios constantes, que longe de me fazer desistir me faz querer
insistir por algo melhor.

A Prof.a Dra. Zeny Rosendahl, por me ensinar na academia e na vida. Obrigada por
sua amizade, seu carinho e por acreditar em mim. Serei eternamente grata por seus
auxílios. Muitíssimo obrigada. Agradeço a Prof.a Dra. Mariana Araujo Lamego e ao Prof.
Dr. Alberto Pereira dos Santos por aceitarem o convite de fazerem parte da banca de defesa
e por contribuírem para o crescimento da pesquisa.

Obrigada a Baixada Fluminense e a Diocese de Nova Iguaçu por seu exemplo de


força, mostrando que através da conscientização e da luta podemos mudar a nossa
realidade. Por fim, agradeço a todos que estiveram comigo, aos meus amigos ou nem tão
amigos assim, tudo vale a pena, em tudo se tira algo de bom. Só posso dizer que toda a
experiência foi muito gratificante, me trouxe amadurecimento e paciência. Obrigada a
todos e a tudo.
O ato de conhecer é um caminho para a
compreensão da realidade; em si, conhecer
não transforma a realidade; só a conversão
do conhecimento em ação transforma a
realidade
Leonardo Boff
RESUMO

REIS, Suellen Santiago dos. De lugar segregado ao lugar espiritual da Teologia da


Libertação: Diocese de Nova Iguaçu de 1970 a 1990. 2013. 127 f. Dissertação (Mestrado
em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2013.

Esta pesquisa tem como objetivo entendermos os processos históricos e geográficos


pelo qual a dimensão espacial da Igreja Católica no atual município de Nova Iguaçu, na
Baixada Fluminense, foi estruturada, assim como interpretar as ações desenvolvidas pela
Igreja Católica mostrando o seu papel de gestor no desenvolvimento de várias ações
sociais e religiosas. Nesta localidade, carente de políticas públicas favoreceu inicialmente
nas comunidades eclesiais de base a construção de importantes espaços religiosos, assim
como, posteriormente foram desenvolvidos movimentos populares que auxiliaram na
sociabilidade e trocas de saberes e fazeres. As ações conduzidas pela Teologia da
Libertação e dirigidas pela Diocese de Nova Iguaçu e pelo líder religioso Dom Adriano
Hypólito possibilitou a expansão da conscientização da população em relação a seus
direitos e deveres expressos principalmente nas inúmeras reivindicações por serviços
públicos e sociais. Busca-se então, o entendimento na estruturação social de algumas
áreas da Baixada Fluminense assim como desvendar as estratégias utilizadas pela Diocese
de Nova Iguaçu durante a fim de promover a organização de seu território religioso,
através da disseminação de suas estratégias religiosas. Tais ações auxiliaram no
fortalecimento das ações coletivas da localidade, marcando a história do município de
Nova Iguaçu e da instituição religiosa católica brasileira.

Palavras-chave: Diocese de Nova Iguaçu. Baixada Fluminense. Dom Adriano Hypólito.


Teologia da Libertação. Comunidades Eclesiais de Base (Cebs).
ABSTRACT

REIS, Suellen of Santiago. Place secreted to the spiritual place of Liberation Theology:
Diocese of Nova Iguaçu 1970-1990. 2013. 127 f. Dissertation (Masters in Geography) -
Institute of Geography, State University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

This research aims to understand the historical and geographical processes by which the
spatial dimension of the Catholic Church in the current municipality of Nova Iguaçu, in the
Baixada Fluminense, was structured as well as interpret the actions taken by the Catholic Church
showing her managerial role in the development various social activities and religious.In this
location, lacking in public policies initially favored in basic ecclesial communities to build
important religious spaces, and subsequently were developed popular movements that
helped in sociability and exchange of knowledge and practices. The actions carried out by
the Liberation Theology and directed by the Diocese of Nova Iguaçu and the religious
leader Don Adriano Hypólito enabled the expansion of public awareness regarding their
rights and duties mainly expressed in the numerous claims for public and social services.
The aim is then to understand the social structure of some areas of the Lowlands as well as
uncover the strategies used by the Diocese of Nova Iguaçu in order to promote religious
organization of its territory, through the dissemination of religious strategies. Such actions
helped in strengthening the collective actions of the town, marking the history of the
municipality of Nova Iguaçu and the Brazilian Catholic religious institution.

Keywords: Diocese of Nova Iguaçu. Baixada Fluminense. Don Adriano Hypólito.


Liberation Theology. Basic Ecclesial Communities (BECs).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Hierarquia dos territórios religiosos da Igreja Católica Apostólica Romana ... 41

Mapa 1 – Antiga Vila de Iguassú ...................................................................................... 20

Mapa 2 – Emancipações de Nova Iguaçu .......................................................................... 22

Mapa 3 – Regionalização da Baixada Fluminense ............................................................. 24

Mapa 4 – Estado do Rio de Janeiro: municípios da Baixada Fluminense ......................... 27

Mapa 5 – Território religioso da diocese de Nova Iguaçu ................................................. 43

Mapa 6 – Diversidade religiosa no município de Nova Iguaçu ......................................... 75

Mapa 7 – Evolução dos templos protestantes no município de Nova Iguaçu .................... 80

Mapa 8 – Diocese de Nova Iguaçu e diocese de Duque de Caxias: limites territoriais ....101
LISTAS DE FOTOGRAFIAS

Foto 1 – A vinda de Dom Adriano..................................................................................125

Foto 2 – Dom Adriano na década de 1970......................................................................125

Foto 3 – Dom Adriano visitando comunidade carente em Nova Iguaçu.........................126

Foto 4 – Dom Adriano e as freiras da Comunidade de Santa Cruz..................................126

Foto 5 – Aniversário de 75 anos do bispo Dom Adriano.................................................127

Foto 6 – Missa de despedida do bispo Dom Adriano......................................................127


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................12
1 BAIXADA FLUMINENSE: AS IDEIAS DE SUA REPRESENTAÇÃO .......18
1.1 Baixada Fluminense: processo e estruturação espacial ....................................18
1.1.1 Baixada Fluminense no século XVI ao século XIX ...............................................28

1.1.2 Baixada Fluminense no século XIX ao século XXI ...............................................31


1.2 A expressão humana na Baixada: os territórios e suas
territorialidades.....................................................................................................35
1.2.1 A expressão religiosa na Baixada: a diocese de Nova Iguaçu ...............................39

1.2.2 Função e forma da Igreja como Instituição Social: a ação pastoral ......................47
2 A VIDA RELIGIOSA E POLÍTICA DOS BISPOS DA DIOCESE DE NOVA
IGUAÇU.................................................................................................................55
2.1 Nova Iguaçu: Nova sociedade católica no Brasil ................................................55

2.2 A vida religiosa e política do Bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito .........60
2.2.1 Dom Adriano Hypólito no tempo das CEBs ...........................................................62
2.3 Dom Adriano Hypólito no espaço religioso plural .............................................69
3 ESPAÇO POLÍTICA E JUSTIÇA SOCIAL: ESTRATÉGIAS
RELIGIOSAS.........................................................................................................78

3.1 Conhecendo o território religioso da diocese: a pluralidade religiosa ..............78


3.1.1 Ações estratégicas de Dom Adriano na diocese de Nova Iguaçu ..............................82

3.1.2 Pequeno histórico da formação sociopolítica ..........................................................90

3.2 Fé e Política: democratização da política brasileira ...........................................93

3.3 Nova representatividade religiosa na Baixada Fluminense ...............................97


3.4 O modo de agir das igrejas .................................................................................104
CONCLUSÃO ......................................................................................................112
REFERÊNCIAS ...................................................................................................118
ANEXO - O cotidiano da diocese de Nova Iguaçu ...............................................125
12

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo entendermos os processos históricos e


geográficos pelo qual a dimensão espacial da Igreja Católica no atual município de Nova
Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi estruturada, assim como interpretar as ações
desenvolvidas pela Igreja Católica mostrando o seu papel de gestor no desenvolvimento
de várias ações sociais e religiosas. O tema dessa pesquisa torna-se relevante para os
estudos da geografia, pois mostra como a relação da dimensão política e da dimensão
religiosa interagem e interveem na sociedade. Tais reflexões induziram ao interesse de
reconhecer em qual ambiente e em qual contexto político e econômico se promoveu a
formação da diocese de Nova Iguaçu, que diante das circunstâncias tão degenerativas,
socialmente encontradas, programou inúmeras ações norteadas por seus ideais sociais,
religiosos e históricos.

O desejo de enfocar este tema nasce, justamente, do trabalho desenvolvido pelo


Centro de Memória Oral da Baixada Fluminense através do professor Cláudio Estevam
que no ano de 2003 desenvolveu o projeto para as turmas do terceiro ano do ensino médio
do Colégio Estadual Dom Adriano Hypólito, localizado em Nova Iguaçu, RJ. Tinha por
objetivo o resgate da memória da figura política e religiosa da Baixada Fluminense - o
Bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito. Tal projeto do Centro de Memória Oral
envolvia estudos históricos, entrevistas, transcrição e digitação da personalidade religiosa
em destaque no município. As atividades eram vastas e por isso fazia-se necessário uma
gama de voluntários que se interessassem sobre o assunto. Eu fui uma delas e me engajei
com grande satisfação, devido à afinidade que tinha sobre a temática, isto é memória,
religião e espaço.
O envolvimento com essa atividade me trouxe esclarecimentos sobre a história da
Baixada Fluminense, a de Nova Iguaçu, assim como o papel relevante que a Igreja teve
para a sociedade iguaçuana nas décadas de 1970, 1980 e 1990. O envolvimento foi de
dois enfoques. O primeiro por morar neste município e por está colaborando no resgate da
memória coletiva através de análises históricas e entrevistas com pessoas que
participaram diretamente dos movimentos direcionados pela Diocese de Nova Iguaçu,
pude começar a refletir sobre o mundo em que vivia e a situação de vida em que eu
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mesma estava inserida. O segundo foi a minha participação como pesquisadora no


reconhecido lugar. As ações sociais, que eram respostas a um processo de insatisfação
com a realidade vivida pela população da Baixada Fluminense, juntamente com as
políticas implantadas pela diocese se Nova Iguaçu principalmente nas décadas de 1970 e
1980, me despertou para certas questões, me fez interpretar a realidade de maneira mais
crítica. Enfim, utilizei a metodologia da pesquisa participante.
Para fundamentar o método de pesquisa em questão, utilizamos como referência o
livro Pesquisa Participante organizado por Carlos Rodrigues Brandão. Em relação aos
aspectos teóricos da pesquisa participante o autor Bordas (1990) aborda especificamente
seis princípios metodológicos desse tipo de pesquisa. O primeiro em destaque é a
autenticidade e compromisso enfatizando assim a honestidade e o compromisso com a
analisar do objeto de estudo. O segundo é o antidogmatismo onde é apresentado o uso não
conveniente em pesquisas, de ideias preestabelecidas ou princípios ideológicos,
ressaltando que o dogmatismo é um inimigo dos métodos científicos. O terceiro é
restituição sistemática nesse princípio o autor chama a atenção para os pesquisadores, que
deverão parti da noção de que a cultura ou a tradição do grupo social analisado não é
conservadora, mas sim realista e dinâmica. E essa análise da cultura deve ser feita de
maneira organizada e sistemática, onde o autor expõe quatro regras, que são: a)
comunicação diferencial na qual o intuito é restituir os materiais históricos, entre outros,
de maneira adequada de acordo com o nível de desenvolvimento político e educacional
para o grupo que foi estudado; b) simplicidade de comunicação é ressaltada a importância
de o pesquisador expor os resultados da pesquisa para a comunidade (ou grupo social)
analisada por meio de uma linguagem acessível a todos; c) auto investigação e controle
refere-se ao controle da investigação pelos movimentos ou grupos de base, levando em
consideração as necessidades do grupo e não somente as necessidades do pesquisador,
além do estímulo da auto investigação; d) popularização técnica a quarta e última regra
consiste em reconhecer a generalidade das técnicas de pesquisa mais simples e torna-las
acessíveis a esses grupos. O quarto princípio metodológico da pesquisa participante é o
feedback para os intelectuais orgânicos na qual ressalta-se o fato de que todo o processo
pedagógico e político não se reduz a recuperar criticamente a história e restituí-la
sistematicamente às bases. Nesse processo acontece também o feedback dialético das
bases para os intelectuais engajados. Tal fato acontece quando o pesquisador vai a campo
e se aproxima do grupo social e se depara com a realidade estudada, na qual há a
aplicabilidade teórica no contexto analisado e a observação dos processos sociais locais.
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Neste nível se faz também uma importante articulação teórica: do particular para o geral,
e do regional para o nacional, de modo que se pode formar uma visão integrada de todo o
conhecimento. O quinto é o ritmo e equilíbrio de ação-reflexão trata-se da adoção de um
ritmo específico no tempo e no espaço, que vai além da ação à reflexão, e da reflexão à
ação, em um novo nível de prática. Para tanto é necessário reconhecer a importância em
se manter uma sincronização permanente de reflexão e ação no trabalho de campo, como
um ato de permanente equilíbrio intelectual. O último princípio metodológico é a ciência
modesta e técnicas dialogais na qual o autor destaca duas ideias, a primeira é a de a tarefa
científica pode ser realizada mesmo nas situações mais insatisfatórias e primitivas com o
uso de recursos locais e, ainda ressalta a ideia da necessidade do pesquisador em aprender
a ouvir discursos concebidos em diferentes sintaxes culturais, e adotar a humildade dos
que realmente querem aprender e descobrir além de romper com a assimetria das relações
sociais geralmente impostas entre entrevistados e entrevistado, entre outras ressalvas.
Nesta pesquisa em tela utilizamos principalmente o primeiro, o segundo e o quinto
princípios metodológicos da pesquisa participante.
Voltando a análise do objeto de nossa pesquisa, o território religioso da diocese de
Nova Iguaçu é composto atualmente pelos seguintes municípios: Nova Iguaçu, Mesquita,
Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Paracambi e Japeri. Na segunda metade do século
XX por diversos contextos políticos e econômicos essas áreas possuíam particularidades
socioespaciais. Vejamos algumas: a população carente, principalmente aquelas que saíam
da cidade do Rio de Janeiro ou do Nordeste do Brasil pelos mais diversos motivos, se
abrigavam, grande parte dela, na localidade conhecida como Baixada Fluminense. Nesta
região, carente de políticas públicas estruturantes e de aparelho de cultura, favoreceu nas
comunidades católicas a construção de importantes espaços religiosos, como também de
sociabilidade e trocas de saberes e fazeres. Construção de possibilidades de vidas
coletivas e da manutenção de uma rede de sociabilidade.
A Diocese de Nova Iguaçu busca, desde o início de sua fundação, fornecer uma
formação sociopolítica a seus membros centrada na perspectiva do engajamento social.
Em outras palavras, uma formação que ajude seus participantes a compreender a
importância das ações dos cristãos no mundo do trabalho, da saúde e da educação. A vida
social e política que hoje compreende por exercício da cidadania. A igreja tenta
preencher, de alguma maneira, o avanço em melhorias em seus territórios diocesanos,
mas o objetivo principal, se assim podemos dizer, era levar conscientização política e
social, assim como educação para as camadas mais populares que viviam na Baixada
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Fluminense. Desta forma a igreja católica agiliza com maior efetividade a organização de
seu território religioso, gestão de inúmeras ações estratégicas de controle de pessoas e
coisas. Tal análise da dimensão religiosa do/ no lugar, nesta pesquisa, torna-se relevante
para os estudos da geografia, pois mostra como a relação político e religiosa interage na
vida social; atribuindo ao território religioso novo significado que os desvincula somente
da esfera do econômico, levando-o também para a esfera do simbólico. Ressaltando que,
“os sentimentos religiosos constituem-se em manifestações culturais da maior
importância nas sociedades humanas” (TAMBASCO, 2010, p.49), sendo que em algumas
localidades esses sentimentos religiosos se manifestam em verdadeiras ações sociais e
humanitárias, na tentativa de prover a esses lugares a “força” material e imaterial até
então ausente. “No caso das populações carentes, as religiões passam a suprir suas
carências, oferecendo alternativas de cura física, material e espiritual” (CAES, 2010, p.
298).
O estudo geográfico sobre religião proposto por Rosendahl (2002) enfatiza quatro
vertentes de análise: fé, espaço e tempo: difusão e área de abrangência; centros de
convergência e irradiação; religião, território e territorialidade e por fim espaço e lugar
sagrado: vivência, percepção e simbolismo. A pesquisa que aqui se inicia privilegia a
terceira proposição, ou seja, a leitura do poder e das estratégias da religião na construção
de seus territórios. Neste sentido, o estudo do território religioso e sua territorialidade é o
ponto central desta dissertação.
O trabalho empírico empreendido realizou-se através de pesquisas bibliográficas da
geografia da religião, pesquisas bibliográficas de fontes primárias e secundárias no arquivo
diocesano a respeito da história da Baixada Fluminense, de Nova Iguaçu e da diocese além
de leituras de algumas entrevistas feitas como os que viveram e viram as ações
implementadas pela Igreja Católica nas décadas de 1970, 1980 e 1990, cedidas pelo Centro
de Memória Oral da Baixada Fluminense. É importante ressaltar que o arquivo diocesano
localizado na cidade de Nova Iguaçu é utilizado por vários estudantes e pesquisadores
voltados para a análise de temáticas como igreja católica na Baixada Fluminense,
movimentos sociais, história social da cidade de Nova Iguaçu, entre outros. Este local
possui também a função de biblioteca do município, uma vez que há valiosas referências
não encontradas em outros espaços culturais de pesquisas.
Esta dissertação busca então, o entendimento na estruturação social de algumas áreas
da Baixada Fluminense relacionando o modo de apropriação desses territórios e as práticas
desenvolvidas por dado grupo religioso para proteção e controle do mesmo. “Apreender as
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lógicas territoriais adotadas pela Igreja Católica na implantação da fé no território vem


acompanhado da premência de se conhecerem as estratégias aplicadas” (CARDOSO, 2007,
p.19). Dentro dessa vertente de investigação, a pesquisa se preocupa em responder a
seguinte questão central, para o entendimento do processo como um todo:

Questão central: Como ocorreu o processo de organização espacial da gestão


religiosa, na criação da Diocese em Nova Iguaçu, nas décadas de 1970; 1980 e 1990?
A tentativa de responder a este questionamento acarretou no surgimento de duas
intencionalidades ou objetivos específicos pertinentes ao desenvolvimento da pesquisa: A
primeira intencionalidade se dedicou a compreender a memória de Dom Adriano Hypólito
como homem religioso carismático no contexto político brasileiro. A segunda visa
acompanhar as estratégias religiosas que marcaram a Igreja Católica na sociedade
iguaçuana nas décadas de 1970, 1980 e 1990.
Para tanto a presente dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro
apresenta algumas interpretações acerca do conceito de Baixada Fluminense e o
arcabouço histórico desta localidade que por muito tempo esteve ligado a noção de
pobreza e violência. Esta localidade era conhecida por suas antigas “cidades
dormitórios”, localidades que abrigavam grande parte da população carente que não tinha
condições de viver próximo ao centro ou nos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro. No
decorrer, este capítulo evidenciará o embasamento teórico-conceitual sobre o qual a
pesquisa está assentada. Neste âmbito, alguns conceitos principais norteiam o seu
desenvolvimento, como o de território e território religioso, territorialidade e
territorialidade religiosa, além da compreensão acerca das ações das pastorais religiosas.
Ainda neste capítulo, conheceremos quais condições político e sociais motivaram a
criação da diocese de Nova Iguaçu.

O segundo capítulo, por sua vez, aborda sobre a vida dos primeiros representantes
eclesiais além de enfatizar a relação existente entre a igreja e a sociedade, mostrando a
importância do apoio e da atuação da instituição religiosa em pleno regime militar, que
através de seus inúmeros movimentos populares buscava proporcionar condições dignas a
população mais sofrida. Neste capítulo, veremos o surgimento e o desenvolvimento de
dois fatos religiosos importantes – que são as Comunidades Eclesiais de Base e o bispo
Dom Adriano Hypólito – esses fundaram, na Baixada Fluminense, uma nova proposta de
ação direcionada pela igreja. Tais movimentos foram organizados em torno da chamada
ala progressistas da Igreja Católica de Nova Iguaçu, que estava fortemente ligada à
17

Teologia da Libertação. Será ressaltado também o surgimento dos movimentos populares


com destaque para o movimento MAB (Movimento Amigos do Bairro). A vida do bispo
Dom Adriano Hypólito juntamente com as inúmeras estratégias propostas por ele fará
parte da reflexão do segundo capítulo.
No terceiro capítulo analisaremos as estratégias impostas pela diocese de Nova
Iguaçu em seu território religioso, assim como os processos pelos quais possibilitaram o
enfraquecimento da Igreja Popular e como essa nova fase proporcionou mudanças no papel
da igreja diante a sociedade civil. No decorrer do capítulo, veremos as transformações
ocorridas na dinâmica territorial da diocese de Nova Iguaçu a partir dos desmembramentos
e fragmentação dos seus territórios religiosos, reconheceremos os antigos e atuais
municípios que fazem parte de seu território religioso. Ainda nesse capítulo será abordada
a manifestação dos diferentes tipos de prestação de serviços realizados pela igreja católica
brasileira principalmente durante as décadas de 1970 e 1980 e, o seu envolvimento com as
mais diferentes classes sociais inseridas no espaço urbano.
No mais, só tenho o desejo de compartilhar o saber científico obtidos nos estudos e
na escrita desta pesquisa, além de lançar alguma luz sobre aspectos das atividades de
formação da Diocese que ficaram excluídos da história “oficial”, aquilo que, se não
depararmos para analisar, passará despercebido.
1 BAIXADA FLUMINENSE: AS IDEIAS DE SUA REPRESENTAÇÃO

Neste capítulo conheceremos um pouco da formação histórica da Baixada


Fluminense e de algumas representações atribuídas a essa área. Iremos desenvolver
também as bases conceituais que darão suporte a esta dissertação, interpretando assim as
estratégias organizadas pela Igreja Católica Apostólica Romana para se apropriar de uma
área significativa da Baixada Fluminense transformando-a em localidade religiosa. Como
prosseguimento, abordaremos as linhas ideológicas que direcionam o modo de agir da
igreja católica no tempo e no espaço e descortinar as principais ideias que possibilitaram a
criação da diocese de Nova Iguaçu.

1.1 Baixada Fluminense: processo e estrutura espaciais

A Baixada Fluminense é uma planície entre montanhas que se estende entre a Serra
do Mar até o litoral, seus limites físicos localizam-se entre Itaguaí (RJ) e a divisa com o
Espírito Santo (TORRES, G. 2004). Existem outros pesquisadores que acreditam que a
região seja mais ampliada, indo desde uma parte do estado de São Paulo até a divisa do
estado de Espírito Santo, sua representação está para além dos limites geomorfológicos, já
que assumir configurações geográficas, econômicas, políticas e culturais diferenciadas.
Segundo Rocha (2009, p. 23) “atribui-se a Baixada uma ideia qualificadora, quase que
adjetivada associada às noções de miséria, fome violência, grupo de extermínio, periferia,
lugar distante, etc”. O termo Baixada Fluminense é peculiar, pois realiza uma fusão entre
o geográfico e o social. Na década de 1970 inúmeros casos de assassinatos ocorridos na
área à oeste da cidade do Rio de Janeiro, fez com que esta parte do Estado, composta por
alguns municípios, passassem a ser definidos por este termo Baixada Fluminense, mas a
identificação estava voltada mais para o aspecto da violência do que o geográfico (ALVES,
2003). O senso comum costuma denominar de Baixada Fluminense apenas a porção da
Baixada da Guanabara na qual estão os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias,
Nilópolis, São João de Meriti, Belford Roxo, Queimados e Mesquita (TORRES, G. 2004).
Tal representação desenvolveu-se, principalmente, devido à colaboração da mídia que
criou uma visão estigmatizada onde a Baixada Fluminense passou a representar apenas
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uma região onde predominava a miséria, a pobreza material e a violência. Vale a pena
ressaltar que apesar de existir essa representação pejorativa em relação à Baixada existem
tantas outras, como a Baixada Fluminense sendo um lugar de pessoas que lutam com força
e dedicação para ter uma vida melhor e com mais dignidade, é um lugar de pessoas
solidárias e com uma história singular. Como existem muitos perfis sobre a Baixada
Fluminense existem muitas Baixadas, esse talvez seja um dos problemas que mais aflige
aos pesquisadores em relação à representação dos municípios que a compõem.
A Baixada Fluminense é uma localidade que até hoje se apresenta com diversos
limites e distintas interpretações, que foram sendo formuladas ao longo de intensas
transformações econômicas, sociais e espaciais de sua história. Segundo Simões (2007,
p.20) “a sua divisão político-administrativa acompanhou a evolução destes processos se
modificando de acordo com o peso e importância política que os diversos grupos e classes
sociais da região possuíam nestes momentos”. Por ser considerada uma região polissêmica
a sua análise e interpretação vai depender do interesse dos pesquisadores, da escala de
observação e da atuação das instituições ou grupos políticos (ALMEIDA, 2009). Não
existindo, portanto, um consenso geral sobre o que seja a Baixada Fluminense e quais são
limites territoriais. Entretanto existem alguns importantes apontamentos, como por
exemplos a concordância unânime dos pesquisadores na titulação dos municípios de Nova
Iguaçu e Duque de Caxias como os núcleos dessa região e os municípios de Belford Roxo,
São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita Queimados e Japeri como parte integrante da
Baixada Fluminense (SIMÕES, 2007). O problema maior está na inclusão ou não de outros
municípios como Magé, Guapimirim, Itaguaí, Seropédica e Paracambi. Diante das leituras
consultadas percebemos que alguns pesquisadores não consideram os municípios de
Itaguaí, Paracambi e Seropédica como pertencentes à Baixada Fluminense, pois eles nunca
fizeram parte da área original da antiga Vila de Iguassú e posteriormente município de
Nova Iguaçu e, portanto, não apresentam as mesmas características sociais dos demais oito
municípios que se formaram a partir do desmembramento territorial de Nova Iguaçu
(MAPA 1).
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Mapa 1 – Mapa da antiga Vila de Iguassú


Fonte: TORRES, G. 2004
21

Já outros autores como Rafael da Silva Oliveira (2004) reconhece a composição da


Baixada Fluminense como o município de Nova Iguaçu juntamente com seus territórios
perdidos através do desmembramento e que deram origem a novos municípios (MAPA 2)
mais os municípios de Magé e Itaguaí. Os estudos de Simões (2007) mostram que Baixada
Fluminense é Nova Iguaçu mais os municípios que surgiram a partir de seu
desmembramento territorial juntamente com o distrito de Inhomirim do município de
Magé. Segundo esse autor todos esses integrantes possuem um passado histórico ligado
aos portos fluviais, os caminhos do interior do país que ligavam ao Rio de Janeiro além do
modo de ocupação. Já Gênesis Torres (2004) reconhece, mais uma vez, o município de
Nova Iguaçu e seus vizinhos imediatos como parte integrante da Baixada Fluminense,
como todos os demais autores até então, incluindo ainda os municípios de Magé,
Guapimirim e Paracambi.
22

Mapa 2 – Mapa das emancipações de Nova Iguaçu


Fonte: CIDE, 2001 adaptado por COSTA, 2012
23

Percebe-se que são várias e diferentes regionalizações criadas para a Baixada


Fluminense e isto não é de agora. Como já foi dito anteriormente, a análise da Baixada
Fluminense e sua interpretação vai depender do interesse dos pesquisadores, da escala de
observação e da atuação das instituições ou grupos políticos (ALMEIDA, 2009).
Para termos um pouco mais de conhecimento da problemática situação de
regionalização dessa área, tomaremos por base o livro Baixada Fluminense: Novos Estudos
e Desafios de Rafael da Silva de Oliveira (2004) na qual nos mostra em qual contexto
ocorrera essa regionalização e qual era a intenção pretendida.
A região da Baixada Fluminense desde o início de sua ocupação sofre com o
problema de saneamento, e isto por causa da própria estrutura física da localidade. No final
do século XIX com a elaboração de um plano de saneamento do Estado do Rio de Janeiro,
ficou evidenciado que a “extensa baixada fluminense abrangia aproximadamente a
superfície de 17.880 Km2 dos quais cerca de 8.000 Km2 são cobertos, em sua maior parte,
por extensos alagadiços, pântanos impenetráveis e terrenos de mangue, sujeitos às marés”
(TORRES, G. 2004, p. 183).
Na década de 1930 o governo federal decide então resolver ou amenizar esse grande
problema enfrentado na Baixada, através dos trabalhos desenvolvidos pelo Serviço de
Saneamento Fluminense (TORRES, G. 2004). Nesse período, o engenheiro Hildebrando de
Araújo Góes foi contrato pelo presidente do Brasil Getúlio Vargas com a incumbência de
confeccionar relatório sobre os problemas de saneamento evidenciados na Baixada
Fluminense. Esse relatório, que foi publicado em 1934, apresentava a Baixada Fluminense
subdividida em quatro grandes regiões (MAPA 3), tomando por base as características
hidrográficas, são elas: a Baixada de Goitacazes, a Baixada de Araruama, a Baixada de
Guanabara e a Baixada de Sepetiba (OLIVEIRA, R. 2004).
24

Mapa 3 – Mapa da Regionalização da Baixada Fluminense


Fonte: GÓES (1934): Saneamento da Baixada Fluminense
Adaptado por COSTA, 2012
25

Esta regionalização não se preocupava com os limites municipais, a relevância era


atribuída somente às bacias hidrográficas, devido a esse fator, vários municípios foram
divididos, como é o caso de Nova Iguaçu e Niterói (OLIVEIRA, R. 2004). Segundo
Rafael da Silva Oliveira (2004), os geógrafos Pedro Pinchas Geiger e Myriam Gomes
Mesquita, publicam pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na década
de 1950 um estudo na qual subdividia a Baixada Fluminense utilizando como critério a
estrutura econômica a partir da intensificação das atividades agrícolas da região. Neste
sentido foram criadas por esses pesquisadores quatro grandes regiões que se subdividiam
em zonas econômicas, a saber:
a) Região da Guanabara que comporta a área que contorna a baía de Guanabara,
cuja presença urbana e a intensidade dos loteamentos é mais evidenciada; Esta região
subdividi-se em: Zona do Rio de Janeiro e de Niterói - São Gonçalo; Zonas das Cidades
Satélites (localidade dormitórios, como os municípios de Nilópolis, São João de Meriti);
Zona da Fruticultura e Horticultura; Zona Açucareira da Guanabara e Zona dos bananais e
da lenha.
b) Região das Lagoas que abrange o entorno das lagoas de Saquarema e
Araruama.
c) Região Central da Baixada Fluminense que é marcada por um saneamento não
satisfatório, possuindo baixa densidade demográfica, cuja presença da atividade florestal
e uma pequena criação de gado intensiva registram os traços desta região 2. Essa está
dividida em Zona da lenha e do carvão e de gêneros alimentícios de São Vicente de
Paulo; Zona da exploração florestal e do gado da bacia do rio São João e Zona da bacia
do rio Macaé.
d) Região de Campos que é formada em torno da atividade açucareira, possuindo grande
população e intensa economia em torno da agricultura. Essa também está dividida em
Zona açucareira de Campos; Zona de criação de gado e de canaviais; Zona de extração
vegetal e criação de gado em restingas; Zona da mandioca e Zona de criação e de
produção de café.
Com o passar dos anos, as atividades e as tendências econômicas no interior da
Baixada Fluminense vão ficando mais complexas, essa regionalização e seus respectivos
municípios ganham limites e assumem perfis distintos dos abordados no início da
26

segunda metade do século XX. Neste contexto, os pesquisadores passam a repensar sobre
tais noções.
Em relação às limitações da atual Baixada Fluminense, de acordo com Rafael da
Silva Oliveira (2004), existe outra noção que tem sido, talvez, o mais recorrente, na qual é
estabelecida pela Secretaria de Desenvolvimento da Baixada e Região Metropolitana
(SEDEBREM), sendo que esta secretaria considerada a região da Baixada Fluminense
composta por treze municípios, a saber: Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis, São
João de Meriti, Belford Roxo, Mesquita, Japeri, Queimados, Magé, Guapimirim, Itaguaí,
Paracambi e Seropédica (MAPA 4).
27

Mapa 4 – Mapa do Estado do Rio de Janeiro: municípios da Baixada Fluminense


Fonte: CIDE, 2001 adaptado por COSTA, 2010
28

Cumpre mencionar que esta pesquisa tomará por base como Baixada Fluminense a
representação espacial estabelecida pela SEDEBREM. Sendo assim, após conhecermos os
limites físicos da Baixada Fluminense, faremos uma análise de sua história, entendendo o
contexto político religioso pelo qual este espaço foi cenário de tantos movimentos de
cunho social e humanitário, muitos deles dirigidos inicialmente pela Igreja Católica.
Entretanto, quando falamos de Baixada Fluminense, não é estranho escutarmos algumas
noções no sentido de reduzi-la a violência ou a pobreza. Esse olhar veiculado na mídia, na
opinião pública e no senso comum fora acentuado devido ao referido grupo de municípios,
que foram vistos anteriormente, apresentarem diversas carências socioeconômicas que os
integram, que vão desde problemas habitacionais até a violência configurada pelos antigos
grupos de extermínio, também conhecidos por “polícia mineira” ou “esquadrão da morte”.
Esta denominação explica-se porque este grupo era formado por policiais, ex-policiais,
criminosos comuns, entre outros tipos de integrantes, que tinham o intuito de utilizar a
força e a violência para desarticular as ações dos traficantes, dos ladrões e dos estupradores
desta localidade (ALVES, 2003). Segundo Mainwaring (2004), o serviço policial
inadequado levou a um dos altos índices de criminalidade do país.

É importante ressaltar que apesar de todos os problemas sociais enfrentados até hoje
por essa área, esse tipo de análise não é o foco principal de nossa pesquisa. O nosso
objetivo é entendermos os processos históricos e geográficos pelo qual a dimensão espacial
da Baixada Fluminense foi estruturada, assim como interpretar as ações desenvolvidas pela
Igreja Católica mostrando a seu papel relevante no desenvolvimento de várias ações
sociais. Nas linhas que se seguem, apresentaremos, de maneira sucinta, um pouco a
história e algumas causas do processo de segregação sócio espacial da Baixada
Fluminense.

1.1.1 Baixada Fluminense no século XVI ao século XIX

Após a expulsão dos franceses no século XVI é fundada a cidade do Rio de Janeiro.
Iniciava a partir deste momento a distribuição de sesmarias em todo o recôncavo da Baía
de Guanabara, tal estratégia desenvolvida pelo Governo Português de Dom João III tinha
como objetivo iniciar de imediato a colonização das terras da orla da baia, essa ocupação
29

portuguesa para o Recôncavo da Guanabara só foi possível através dos rios que cortavam
essa região, sendo os principais rios Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Estrela-Inhomirim, Magé,
Macacu, Guaxindiba e Suruí (ALMEIDA, 2009; TORRES, G. 2004).
As terras dessa região eram destinadas para aqueles que juravam a fé cristã – católica
– e que também prestassem algum tipo serviço a Coroa Portuguesa, ou seja, as terras eram
designadas aos nobres e militares portugueses, mostrando que “o projeto de ocupação da
colônia é também um projeto de expansão da fé católica pelo Novo Mundo” (SIMÕES,
2007, p. 77). “Ao rezar uma missa no momento da posse da terra em 1500, o rei selava o
compromisso de, onde quer que seu poder estivesse lá estaria a presença da igreja”
(TORRES, G. 2004, p.18). Segundo esse mesmo autor, a presença de uma capela ou igreja
em uma determinada localidade comprovava o alto valor que aquele território tinha diante
o poder secular (do Rei) e do poder eclesiástico (do Papa) (TORRES, R. 2004). A
construção dessas capelas e igrejas, que datam no século XVII, na Baixada Fluminense
tratava-se da formalização e constituição de uma freguesia – um distrito eclesiástico que
tinha como objetivo a distribuição dos sacramentos. A Freguesia caracterizava-se pela
Igreja Matriz, e suas filiais, na qual realizavam batizados, casamentos, nascimentos, óbitos
e outras práticas, todas elas entravam nos Livros da Matriz (TORRES, G. 2004). A
primeira freguesia da região analisada foi instalada em Pilar, na atual Duque de Caxias em
1612 (SIMÕES, 2007). Segundo Gênesis Torres (2004) os nomes das freguesias estavam
associados à devoção católica e à topografia: Nossa Senhora do (rio) Pilar, Nossa Senhora
da Piedade do (rio) Inhomirim, São João do (rio) Meriti, entre outros. As maiorias das
freguesias que inicialmente formaram pequenos povoados deram origem aos municípios de
hoje.
No século XVI nascia então, no Recôncavo da Guanabara, dezenas de engenhos de
açúcar, igrejas e pequenas povoações. Já no século XVII, o número de engenhos
rapidamente crescia e o açúcar iria absorver quase toda a iniciativa dos fazendeiros
(ALMEIDA, 2009). Cerca de 120 engenhos são levantados em torno da baía, e é o açúcar
do recôncavo que vai afinal, como nos demais portos primitivos, erguer a economia da
cidade Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, a paisagem natural vai deste modo
modificando-se, fazendo aparecer os primeiros clarões nas florestas, não longe da entrada
da baía começa a projetar toda uma população agrícola sobre os enflorestados morros do
recôncavo (BARROS, 2000).
Segundo Gênesis Torres (2004), o marco inicial da colonização no Vale do Rio
Iguaçu foi a Fazenda São Bento – a primeira e maior fazenda da ordem no Brasil
30

(MENESES, 2010) –, que teve sua origem nas terras doadas pela Marquesa Ferreira ao
mosteiro de São Bento no final do século XVI. Nesse local, os monges Beneditinos
fizeram erguer inicialmente uma capela dedicada a Nossa Senhora do Iguaçu. Em 1695,
as terras passaram para as mãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a
partir de então a capela passa a ser chamar Nossa Senhora do Rosário, entretanto apenas o
nome é que foi mudado, uma vez que a mesma imagem de Nossa Senhora do Iguaçu
permaneceu na capela (MENESES, 2010). Segundo Meneses (2010) a imagem de Nossa
Senhora do Rosário era a mais popular entre os negros no período colonial, durante esse
momento a maior parte da população do Vale do Rio Iguaçu era formada por negros,
sendo que uma boa parte deles trabalhava nos engenhos e posteriormente nas olarias da
Fazenda de São Bento do Iguaçu. Nessa mesma fazenda, onde se encontrava uma capela
dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Meneses (2010, p. 10) nos mostra a visão de um
visitador pastoral feita em relação a essa capela em 1794:
Consta de seus livros que fora muito fervorosa e aplicada ao culto de seu orago,
celebrando grandes festas, tratando com muito anseio o seu altar, que foi
ornado com sacras e castiçais de prata, tendo bastantes alfaias de seda e cruz de
prata, e outras muitas coisas que bem mostravam o seu zelo e devoção.

Entre o século XVII e XVIII a fase econômica direcionada a exploração do ouro


ocorrido no interior do Brasil, traria importância para a ampliação dos caminhos da
baixada tornando essa região um local de passagem entre a cidade do Rio de Janeiro e o
restante do país (SIMÕES, 2007). Após o abandono do Caminho dos Guaianazes que
partia de Parati, abriu-se um novo caminho através da Baixada com ligação direta entre o
Rio de Janeiro e as Minas, era o Caminho Novo de Garcia Paes em 1704 – passando por
Xerém, Pilar e descendo o Rio Iguassú até o Rio de Janeiro (PERES, 1993).
Pelas águas do Rio Iguassú desceram também a produção de café do vale do Rio
Paraíba do Sul, atravessando a baía em direção à cidade do Rio de Janeiro. Seu porto com
uma dezena de armazéns em sua volta atraiu para a localidade um grande contingente
populacional, que se dedicaram nas mais diversas atividades de serviços, o arraial cresceu
e virou vila em 15 de Janeiro de 1833. Era a mais próspera das Vilas Fluminenses
(PERES, 1993). Porém mesmo antes da Baixada estabelecer um contato maior com o
interior do Rio de Janeiro e Minas Gerais, ela já se encontrava privilegiada pelas suas vias
de comunicação e, atravessava com seus rios por entre as planícies com grande
capacidade hidrográfica. Tal potencialidade dessa rede hidrográfica auxiliará de maneira
precisa o processo de ocupação, a comprovação disso está no fato que a maioria dos
31

núcleos iniciais de povoamento que posteriormente de transformaram em sedes dos


municípios da Baixada surgiram como portos fluviais (SIMÕES, 2007). Assim escreveu
Lamego (2007, p. 130): “Sempre na Baixada teve o homem que contar com a água a
contrariar a sua expansividade. Na região das baias não foi ela que interpôs como
elemento freador de seus empenhos progressistas”. A água ali foi justamente a instigadora
de suas crescentes ambições.

1.1.2 Baixada Fluminense no século XIX ao século XXI

O cenário da Baixada Fluminense na primeira metade do século XIX remete-nos às


grandes fazendas produtoras de bens alimentícios, fornecendo hortaliças, leite, cereais,
lenhas, entre outros produtos a cidade do Rio de Janeiro (SOARES,1964). Posteriormente,
é implementada nesta área a citricultura (produção de laranja) na pretensão de valorização
da terra. Em harmonia com o contexto econômico do período, na primeira metade do
século XIX surgem propostas para a construção de ferrovias que ligassem o Rio de Janeiro
às áreas produtoras de café no Vale do Paraíba. Em 1854 o Barão de Mauá efetivou esse
projeto tornando-o realidade, a Estrada de Ferro ligava o porto de Guia de Pacobaíba no
fundo da Baía de Guanabara, atualmente localizada em Magé, até a estação de Fragoso, na
subida da serra do Caminho de Inhomirim, as várias etapas da construção da Estrada de
Ferro pode ligar a estação de Fragoso até o alto da serra em Petrópolis que posteriormente
chegou até Areal e finalmente alcança o rio Paraíba do Sul em 1900 (TORRES, R. 2004).
A Estrada de Ferro Mauá não foi uma grande indutora de ocupação, entretanto as demais
construídas irão, inicialmente, trazer grandes impactos para as localidades próximas as
suas estações. “Em primeiro lugar, elas vão roubar o transporte de carga dos rios e
caminhos, esvaziando e até extinguindo antigos porto e localidades ao longo deste”
(SIMÕES, 2007, p. 82), como foi o caso da Vila Iguassú que se localizada próximo ao rio
Iguassú onde havia um porto por onde descia o ouro, vindo de Minas Gerais, e também
posteriormente o café que vinha do Vale do Paraíba, entretanto essa vila, como tantas
outras na Baixada, entra em decadência não só por causa da construção das ferrovias, mas
também pelo descuido com o cultivo das várzeas (esse cuidado era feito a partir da
construção das valas que tornavam as terras menos molhadas), com a ausência de limpeza,
drenagem e conservação de rios e canais tendo como consequência o reaparecimento dos
32

brejos, tornando essa área perigosa em relação à saúde, logo a ocupação torna-se
desinteressante, além disso, a abolição da escravidão colabora ainda mais para o processo
de decadência econômica da Baixada da Guanabara (SOARES, 1964). As ferrovias
também iriam se tornar o meio de transporte de massa da população na primeira metade do
século XX, “transformando pequenas paradas em estação de grande porte” (SIMÕES,
2007, p. 82) na qual a população e algumas atividades urbanas irão agregar-se.
Em 1855 é iniciada a construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II. Três anos após
inaugura-se o trecho da ferrovia que sai do Campo de Santana (atual Central) até a estação
de Benedito Ottoni (atual Queimados), algum tempo depois chega até Belém (atual Japeri).
Devido a algumas dificuldades técnicas e financeiras a ferrovia só chega ao Vale do
Paraíba – para escoar o café para a cidade do Rio de Janeiro – em 1863, chegando
posteriormente até Juiz de Fora (1875) e São Paulo (1877), quando se encontra em
Cachoeira Paulista com a linha Estrada de Ferro do Norte. A incorporação da Estrada de
Ferro do Norte com a Estrada de Ferro Dom Pedro II originou a Estrada de Ferro Central
do Brasil em 1890 (SIMÕES, 2007). “A partir daquele momento, as estradas de ferro
tornaram-se um marco histórico da ocupação urbana, dando novo perfil da ocupação da
região” do Recôncavo da Guanabara (ALMEIDA, 2009, p. 8). Os fatos do início da
urbanização devem ser colocados em nosso estudo, devido às sucessivas organizações
espaciais que a área conheceu. Segundo Simões (2007, p. 103) “a inauguração do primeiro
trecho foi suficiente para deslocar o transporte do café para a estação de Belém, acelerando
a decadência do porto de Iguaçu e dos povoados ao longo da Estrada do Comércio”. Várias
centralidades surgiram nas estações do ramal ferroviário da cidade do Rio de Janeiro até o
Vale do Paraíba. Inauguradas ainda no século XIX.
No século XX já começa a apresentar uma ocupação urbana. Os primeiros
loteamentos urbanos surgem nas terras rurais da Baixada Fluminense, especificamente na
Estação de Engenheiro Neiva (atual Nilópolis). O mesmo processo acontece em outras
áreas da Baixada, como por exemplo, nas atuais cidades de São João de Meriti, Belford
Roxo e Duque de Caxias proporcionando um intenso crescimento populacional, entretanto
esse crescimento não vem acompanhado de serviços de infraestrutura. A população
apresentava pleno abandono socioeconômico. Diante desse panorama, e também por que
“a metrópole necessitava dessa área para instalar sua população em rápido crescimento e
para localizar suas indústrias” (SOARES, 1964, p. 170), durante a década de 1930 a
localidade da Baixada Fluminense sofre intensa iniciativa por parte do governo federal
para a melhor utilização e aproveitamento de seu território. Nesse mesmo período é
33

formada a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense objetivando a preparação do


solo – ainda com grandes áreas de pântanos e portados de inúmeros focos de transmissão
de doenças como a malária e a febre amarela (TORRES, R. 2004), tais doenças foram
presentes por séculos na Baixada.
Após a Segunda Guerra Mundial (1945) este cenário rural gradativamente vai se
descaracterizando abrindo espaço a criação de loteamentos de sítios e fazendas, sendo a
melhor saída financeira frente às ruínas da citricultura e do passado agrário (CARVALHO,
1999). Nas décadas de 1950 e 1960, a Baixada Fluminense sofre também grandes
alterações no seu quadro populacional, “os municípios (...) tiveram um crescimento
demográfico acentuado, que foi resultado de processos migratórios de diversas áreas do
Brasil e de tantas outras nações do mundo” (ALMEIDA, 2009, p. 8). A pesquisa revela que
a chegada dos imigrantes juntamente com o parcelamento das terras na Baixada
Fluminense, mas principalmente na cidade de Nova Iguaçu, proporcionara a essa área uma
paisagem variada, com a presença de casas em grandes terrenos ao lado de vilas e entre
prédios comerciais pequenos e terrenos vazios (SIMÕES, 2007). O processo de
urbanização atinge os municípios da Baixada, a autoconstrução foi a alternativa que
superou as demais. “Os moradores melhoram a sua qualidade de vida através da
autoconstrução, embora a duras penas e eximindo o capital e o estado de suas obrigações”
(SIMÕES, 2007, p. 141). A predominância da população pobre nessa localidade,
principalmente em Nova Iguaçu, era expressa tanto na paisagem quanto nos registros de
licença para construção da prefeitura (SOARES, 1964). Esse cenário vai prevalecer por
alguns anos.
É importante também ressaltar que as transformações ocorridas na cidade do Rio de
Janeiro no final do século XIX e início do XX, revelam um padrão segregacional de
urbanização (ABREU, 1987) e assim reconhece no reconhece no nosso estudo período de
estudo o sentido de baixada socioeconômico e político e seu processo de formação uma
vez que essa região deixava de receber verbas em prol do embelezamento de outras áreas
da cidade do Rio de Janeiro. Os capitais privados, mediados pelo Estado eram
direcionados às zonas privilegiadas, como destaca Alves (2003, p.53): “A ordem
socioespacial que emergia preservava a zona sul da zona norte da cidade para as
incorporações imobiliárias do capital nacional e para as influências do capital estrangeiro
na alocação dos serviços de transporte de infraestrutura urbana”. Enquanto a Baixada
sofria através da desigualdade socioeconômica e territorial que se construía por meio de
um projeto urbano fundamentalmente excludente. Esse tipo de planejamento urbano, como
34

diz Everaldo Santos Melazzo e Raul Borges Guimarães (2010) é considerado um


planejamento passivo ou privatista, já que serve os interesses da minoria e ao mercado
imobiliário em detrimento dos interesses da maioria da população, tal política promove
e/ou aguça ainda mais os processos de exclusão social.
O eixo segregacional Rio-Baixada é um dos principais efeitos da Reforma Pereira
Passos (1902-1906), que adequaria o centro do Rio de Janeiro a capital da nova elite
cosmopolita, e a Baixada Fluminense como uma excelente área para alocar a mão de obra
barata e as famílias pobres, resultado tanto das demolições de cortiços e “cabeça-de-
porco”, como das proibições de ambulantes e mendigos no centro do Rio de Janeiro
(ABREU, 1987). A adoção dessas políticas refletirá então no modelo dicotômico da futura
metrópole: núcleos hipertrofiados e periferias cada vez mais pobres conforme a distância
(ABREU, 1987). “A lógica do ordenamento do território concebido pelo poder público é
de segregação espacial, exclusão social e investimento espacialmente diferenciado,
beneficiando os espaços ocupados pelo segmento de renda mais elevado” (MIZUBUTI,
2006, p. 244). Tal realidade cria uma grande contradição entre o que se espera da cidade e
o que ela oferece, segundo Magnani (2003, p. 24), que analisa em sua pesquisa as
periferias da cidade de São Paulo, essa distancia e contradição do que se espera e a real
situação da cidade “é percebida não apenas sob a forma carência, mas também de
distribuição desigual de recursos e equipamentos entre “ricos” e “pobres”, “fracos” e
“fortes”, vilas pobres e bairros bacanas”. Já o que é desejado pelos grupos excluídos é
exatamente o contrário, a luta por melhores condições de vida e de investimento em
infraestrutura mostrando-nos uma reivindicação pelo espaço de cidadania e pelo direito ao
espaço da cidade. Diante dessas circunstâncias, podemos perceber que a área metropolitana
do Rio de Janeiro configura-se por este modelo dicotômico núcleo-periferia, como foi
falado anteriormente, onde os bairros e/ ou cidades dos ricos se contrapõem aos bairros e/
ou cidades dos pobres.
É oportuno relacionar processo, estrutura e ordenamento espacial da Baixada
Fluminense, observamos que essa apresentou inúmeras deficiências em sua infraestrutura
urbana mediante a ineficiência de políticas públicas do Estado. Esses fatos latentes
acabaram por estigmatizada-la, como se neste local só existisse a estrutura formada pela
pobreza e a violência. Entretanto, a Baixada Fluminense está para além das interpretações
e lembranças depreciativas. “Com um potencial rico em História e Ecologia a Baixada
Fluminense começa a ser descoberta” (KAMP, 2003, p. 13) e esta dissertação se preocupa
35

com esse processo. Nesta localidade, principalmente no município de Nova Iguaçu, foi
realizado um dos mais importantes movimentos de bairro do Estado do Rio de Janeiro.
O movimento de bairro em Nova Iguaçu é interessante devido a sua importância,
ao dinâmico crescimento e a seus fortes laços com a Igreja Depois de 1974, os
esforços limitados e dispersos da população local para obter melhores serviços
urbanos foram gradualmente sendo transformados num dos mais conhecidos e
mais bem organizados movimentos do Estado do Rio de Janeiro, e a Igreja
Católica desempenhou um papel relevante nesse desenvolvimento. Através da
legitimação de bispo, de militantes e lideranças católicas e da presença de uma
base católica que fortalece o povo, (...) (MAINWARING, 2004, p. 208).

Em meio a este universo de violência, de pobreza, de segregação entre outros


aspectos na qual identificam a Baixada Fluminense, a diocese de Nova Iguaçu é “invocada
por muitos como a idealizadora de uma organização eclesial voltada para a ação
sociotransformadora com base em comunidades de convívio e atividades ao mesmo tempo
religiosas e sociopolíticas” (ASSIS, 2008, p. 92). Essas ações da Igreja podem ser
decodificadas como estratégias interligando religião, território e territorialidade, que tem
como objetivo assegurar a vivência da fé, fortalecer as experiências religiosas coletivas e
individuais e manter constantemente a vigilância dos fiéis. Para a melhor compreensão, é
imprescindível reconhecer o conceito de território e territorialidade em geografia que será
abordado a seguir.

1.2 A expressão humana na Baixada: os territórios e suas territorialidades

Neste subcapítulo temos como pretensão entender como os indivíduos e os grupos


através de suas experiências religiosas vividas no tempo e no espaço da Baixada
Fluminense afetam o território religioso da Diocese de Nova Iguaçu na tentativa de
modificar a realidade vivida por essa população residente principalmente no aspecto
social e político.
O território pode ser considerado um conceito polissêmico uma vez que sua
concepção e entendimento muda conforme sua utilização, que é feita pelos mais diversos
pesquisadores. Várias ciências empregam o conceito de território em suas análises, a
Antropologia enfoca na dimensão simbólica dos territórios, a Psicologia direciona-se para
a análise da construção da subjetividade e das identidades no território, a Sociologia
analisa a ação do território nas relações sociais, a Geografia avalia o território em diversas
dimensões, seja ela política, social, econômica ou cultural (HAESBAERT, 2011).
36

Nessa pesquisa o território é entendido como “fruto de um processo de apropriação e


uso, material e imaterial, do espaço” (ROCHA, 2009, p. 18), sendo dotado de memória
coletiva e interação social, ele é abrangido no tempo, no espaço e na história. Sua
apropriação pode ser exercida de modo efetivo ou afetivamente por um agente social,
instituição ou grupo (BARBOSA, 2007). O território é construído por diversos atores e em
diferentes escalas, tanto o Estado, as grandes e pequenas instituições quanto o próprio
indivíduo contribuem para a produção do território, que é formada através da combinação
de energia, informações, objetivos e estratégias, todas eles permeadas por diversas relações
de poder. “Em graus diversos, em momentos diferentes e em lugares variados, somos
todos sintagmáticos que produzem territórios” (RAFFESTIN, 1993, p. 152). Por meio das
práticas espaciais que produzimos esses territórios, mesmo que elas sejam “embrionárias,
induzidas por um sistema de ações ou de comportamento” (RAFFESTIN, 1993, p. 150).
Segundo Souza (2009, p. 111), o “conceito de território deve abarcar infinitamente
mais que o território do Estado-Nação. Todo espaço definido e delimitado por e a partir
de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por gangue, até o bloco
dos países membro da OTAN”. Os territórios possuem vários aspectos de significados
que vão desde o biológico até o politico, entretanto ele é entendido nesta pesquisa “em
sua expressão mais humana, ele é essencialmente o lugar de mediação entre o homem e a
sua cultura” (BONNEMAISON, 2002, p. 128). Ele é vivido, é afetividade, é
subjetividade.
No território materializam-se e interagem diversos elementos em certo período.
Podemos identificar o território por meio das relações de poder tecidas em um
determinado perímetro espacial, assim como pelas inúmeras riquezas imateriais que ali
subsistem, como cultura, os valores individuais e de grupo e significados que lhe são
atribuídos. Isso nos mostra que o vínculo territorial que se revela no espaço está
empossado de valores não apenas materiais, mas também éticos, espirituais, simbólico e
afetivo (ROSENDAHL, 2001 b).
Haesbaert (2006, p. 121) baseado em Robert Sack analisa que, “o território é o
produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-
econômico do espaço e sua apropriação simbólica”. Segundo esse mesmo autor, o território
configura-se em um espaço social- espaço produzido, concebido em termos de relação e
produção – e um espaço simbólico – vivenciado, de forte identidade simbólica – o que
possibilita, em sua função simbólica, a criação de paisagens culturais e valorização
(HAESBAERT, 1999). Bonnemaison (2002) ratifica essa ideia ressaltando que a análise
37

geocultural não pode deixar de se debruçar sobre essas duas características integrantes,
entendendo a totalidade do território associada tanto à função social quanto a simbólica.
A ideia do território como um segmento do espaço delimitado e controlado por um
determinado agente social, empresa, ou instituição – responsável pela gestão deste
território será nossa aplicação nessa pesquisa. Além disso, o território também possui um
conjunto de símbolos e significados que dão a ele não só um caráter político como
também cultural. Nota-se que a cultura tem um papel relevante na análise do território, já
que ela se apresenta como a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos
conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas, os quais
passam a determinar e fazer parte da vida do grupo. A cultura é, portanto, um código de
símbolos partilhados pelos membros do grupo que compartilham da mesma cultura
(CORRÊA, 2010). A importância da cultura para a nossa análise não poderia ser
diferente, uma vez que o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado e é
este homem que constrói os territórios, ou seja, “é pela existência de uma cultura que se
cria um território e é por ela que se fortalece e se exprime a relação simbólica existente
entre a cultura e o espaço” (BONEMMAISON, 2002, p. 101-102). Os agentes criam os
territórios utilizando sua visão de mundo, suas experiências tecidas nos locais percorridos
e suas ações impressas no espaço, configurando-as em estruturas simbólicas espaciais
revelando assim o poder de criação dos territórios (BONNEMAISON, 2002).
A abordagem teórica dos estudos da geografia da religião tem no conceito de
território um grande espectro de possibilidade de discussão. Rosendahl (2005, p. 193)
ressalta que é importante interpretar o fenômeno religioso e suas interações com o homem
e o território a partir de dois focos de análise: o sagrado e o profano.
Parte-se da revelação de que o território é dividido em lugares do cosmo – que
estão profundamente compreendidos com o domínio do sagrado e, como tal,
marcados por signos e significados – e em lugares de caos – que designam uma
realidade não – divina. O cosmo qualifica-se como território sagrado, enquanto o
caos representa ausência de consagração, sendo um território profano, não
religioso. (...) Essa questão abrange o conhecimento da religião como um sistema
de símbolos sagrados e seus valores, envolvendo a produção, o consumo, o poder,
as localizações e fluxos e os agentes sociais em suas dimensões econômicas,
política e de lugar. Portanto, o território está presente em todas essas dimensões.

A Geografia da Religião firmou-se como mais um viés de análise junto à ciência,


destacadamente pós 1990, tendo entre seus estudiosos propostas para sua metodologia de
análise. Rosendahl (2002) elenca como fundamental ao estudo a interpretação das
relações entre o sagrado e o profano. Em seu livro Espaço e Religião: uma abordagem
geográfica a autora enfoca sobre o conceito de espaço sagrado definindo-o como “um
38

campo de força e valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o
transporta para um meio distinto no qual transcorre sua existência” (p. 30). Ressaltando
que o espaço sagrado e o espaço profano estão sempre vinculados a um espaço social.
Sinalizamos que apesar das valiosas contribuições de Rosendahl (2002) acerca do
conceito de espaço sagrado e espaço profano, essa pesquisa direciona-se para a análise do
conceito de território, na qual a autora também se debruça em suas pesquisas.
Diante da análise feita até então, percebe-se que independente da interpretação do
conceito, e de seu agente gestor, a questão de poder qualificará de modo marcante o
território. Um aspecto comum a todos esses enunciados é a existência de uma base
material espacial sobre a qual se estabelecem inúmeras relações entre os indivíduos. O
território configura-se não apenas pelo espaço e sim, pelas relações de poder que operam
em dada delimitação espacial. E, é a partir dessas relações entre os indivíduos que
podemos compreender a territorialidade.
As ações de poder disseminadas no território estarão vinculadas a objetivos e
estratégias. Essas estratégias para manter ou expandir os territórios são chamadas de
territorialidades. Para Raffestin (1993, p. 158) a territorialidade “reflete a
multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros da coletividade, pelas
sociedades em geral”. Para esse autor, o homem vive o processo e o produto territorial
através de um sistema de ações existenciais e produtivas, todas elas permeadas pelas
relações de poder. “A territorialidade se inscreve no quadro da produção, da troca e do
consumo das coisas” (p. 161). E para compreendermos as territorialidades precisamos
analisar as relações em seu contexto social, histórico e espaço-temporal. A territorialidade
é um atributo comportamental intrínseco ao indivíduo social e aos seus grupos sociais. Ela
revela a identidade do lugar, tornando-se ao mesmo tempo produto e expressão de um
ponto de vista de um agente social (LE BOSSÉ, 2004). A territorialidade é fruto das
relações econômicas, políticas e culturais, por isso, se apresenta de diferentes formas,
imprimindo heterogeneidades espaciais, paisagísticas e culturais, sendo a maneira pela qual
o espaço e a sociedade estão interconectados. Nas contribuições de Correa (2010, p. 296) a
territorialidade é considerada “como uma forma de promoção do controle sobre o ambiente
por meio das ações do homem”. Para Sack (1986, p. 6) ela será definida como “uma
tentativa, por um indivíduo ou grupo de afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos
e relações, delimitando e assegurando controle sobre a área geográfica”. Colaborando
ainda mais para a nossa reflexão, a territorialidade pode ser interpretada como as
39

estratégias e ações a fim de “conservar a cultura” em uma determinada área


(BONNEMAISON, 2002).

Mediante a territorialidade – que é uma expressão territorial – o grupo define o


que pertence e o que não pertence ao território, estreitando ainda mais os seus laços de
identificação e valorização simbólica com esse território, todas essas ações poderão
corroborar no desenvolvimento da identidade territorial do grupo, que segundo Haesbaert
(1999, p. 178) “trata-se da identidade em que um dos aspectos fundamentais para a sua
estruturação está na alusão ou referência a um território, tanto no sentido simbólico
quanto concreto”, sendo que uma das características mais importantes nesse tipo de
identidade está na dimensão histórica e no imaginário social a qual o grupo recorre, tendo
o territorial como o fator de “fusão” da memória do grupo (HAESBAERT, 1999). Há
outras maneiras de pertencimento ao território, como as que se vinculam a uma identidade
cultural, onde sua referência está alçada nos geossímbolos do que nos contornos físicos
do território, o valor simbólico é mais exaltado assim como as experiências humanas
vividas e seus significados (BONNEMAISON, 2002). O geossímbolo “é definido como
um lugar, um itinerário, uma extensão que, por razões religiosas, políticas ou culturais,
aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assume uma dimensão simbólica que os
fortalece em sua identidade” (BONNEMAISON, 2002, p. 109). O território compõe,
portanto, o sentido da existência dos grupos sociais.

1.2.1 A expressão religiosa na Baixada: a diocese de Nova Iguaçu

Como já explanado, os territórios poderão ser regulados por diferentes agentes.


Sendo assim, quando uma determinada localidade tem como órgão regulador à instituição
religiosa, temos então um território religioso. Dentro dessa temática Rosendahl (2005, p.
201) nos diz que os territórios religiosos são “demarcados, onde o acesso é controlado e
nos quais a autoridade é exercida por um profissional religioso”. Diante dessa elucidação,
temos como exemplos duas unidades territoriais da instituição religiosa – Igreja Católica
Apostólica Romana – na qual esta pesquisa analisa e reconhece que são, as dioceses e as
paróquias. Segundo Rosendahl (2005, p. 202) a diocese é evocada como território religioso
“verdadeiramente presente e atuante no processo de regulação e religiosidade católica. (...),
constitui o espaço de aproximação entre o regional e o universal, isto é, entre as ações de
40

controle pastoral regional e as ações na escala do mundo”. Ainda na concepção da


pesquisadora, a paróquia é o território principal das comunidades locais e “deve ser
reconhecida como o território onde se dá o controle do cotidiano por que ela está na escala
da convivência humana – lugar de aproximação entre o local, o regional e o universal”
(Rosendahl, 2005, p. 203). Dessa maneira, o território beneficia não só as práticas e
devoções da fé, como também a identidade religiosa, e tal realidade pode acontecer tanto
na paróquia – numa escala de vivência, de lugar – quanto na diocese na qual atuação é
mais abrangente – regional.
A Igreja Católica distinguir-se por possuir territórios religiosos demarcados por uma
hierarquia, sendo que a lógica de suas territorialidades também segue o padrão dessas
esferas. Segundo Barbosa (2007, p. 50) a territorialidade da Igreja Católica é “reconhecida
pelo seu domínio em hierarquias territoriais, estruturadas em paróquias, dioceses e
arquidioceses. Cada um desses territórios possui um poder chefiado por um profissional
religioso especializado”. Para nossa melhor compreensão, observaremos o quadro a seguir
estruturado por Barbosa (2007) na qual nos mostra a organização territorial da Igreja
Católica (FIGURA 1).
41

Figura 1 – Hierarquia dos Territórios Religiosos da Igreja Católica Apostólica Romana


Fonte: BARBOSA, 2007 adaptado por COSTA, 2012
42

Barbosa (2007) ao analisar a estrutura hierárquica dos territórios da Igreja Católica


destaca que as territorialidades da igreja baseiam em três pontos fundamentais: os
objetivos, os meios e as estratégias. Sendo que “os objetivos se referem a difusão da fé, os
meios ao corpo profissional, templos e outras formas e funções, e as estratégias são aquelas
ações mutáveis que ocorrem no espaço/tempo” (p.51). Todas essas ações estratégias,
movimentos internos e externos formam o corpo da igreja dando-lhe existência,
condicionando estilos de vida, contribuindo para a formação de um conjunto de ações
sociais que irão destacar o posicionamento da igreja em relação ao governo e a sociedade
de um modo geral, revelando assim, as relações de poder que se estabelecem em uma
determinada localidade.
O estudo da territorialidade religiosa aponta para a importância do reconhecimento
acerca das estratégias de ocupação da Igreja Católica em uma parte estimável da Baixada
Fluminense, especificamente no município de Nova Iguaçu que apresenta considerável
importância na Área Metropolitana do Rio de Janeiro. A localidade analisada é composta
por uma população bastante expressiva, cuja economia desenvolvida reflete, sobremaneira,
a organização socioeconômica e espacial de seu território. As territorialidades religiosas
adotadas foram estrategicamente programadas com o objetivo de maior assegurar a
manutenção da religião católica no referido recorte espacial, comprovando assim a
influência da Igreja Católica na dinâmica da organização territorial religiosa e social a
partir do desenvolvimento de movimentos populares ligados a Teologia da Libertação 3.
Entender as lógicas territoriais adotadas pela Igreja Católica na implantação da fé no
território vem acompanhado da preeminência de se conhecerem as estratégias aplicadas.
Busca-se, assim, o entendimento destas lógicas de importância ímpar na estruturação social
de algumas áreas da Baixada Fluminense (MAPA 5).
43

Mapa 5 – Mapa do Território Religioso da Diocese de Nova Iguaçu


Fonte: CIDE, 2001 adaptado por COSTA, 2012
44

Cabe ressalta que as relações entre geografia e religião devem ser realizadas, pois
ambas “se encontram através da dimensão espacial, uma porque analisa o espaço, a outra
porque, como fenômeno cultural, ocorre espacialmente” (ROSENDAHL, 2002, p. 11).
Sendo assim, esta pesquisa torna-se relevante para os estudos da geografia, pois mostra
como a relação do político e do religioso interagem e entreveem na vida social. Tais
reflexões induziram ao interesse de reconhecer em qual ambiente e em qual contexto
político-econômico se promoveu a formação da diocese de Nova Iguaçu, que diante das
circunstâncias tão degenerativas, socialmente encontradas, programou inúmeras ações
norteadas por seus ideais sociais, religiosos e históricos. Vale lembrar que umas das
características marcantes da diocese de Nova Iguaçu, dentro do recorte temporal analisado,
é o comprometimento em se aproximar dos pobres, em compartilhar do seu sofrimento e
suas alegrias de maneira mais profunda. Essa postura da igreja de aproximação em relação
a classe social menos favorecida são práticas desenvolvidas e exercidas principalmente
pelas comunidades eclesiásticas4 na qual a pastoral libertadora – que falaremos mais a
frente – é a ideologia que norteou as ações.
As ações populares da Diocese de Nova Iguaçu no período do governo religioso de
Dom Adriano Hypólito (1966 a 1995) contribuíram de maneira relevante para a
estruturação social da comunidade e da igreja. Havia uma ênfase na união dos membros
dos grupos católicos com as comunidades que estavam mais distantes da esfera religiosa, e
essa “adesão” entre diferentes comunidades tinha como um dos objetivos discutirem os
problemas sociais, os valores religiosos e não religiosos e a cultura. Essas ações deram a
esta igreja, por um determinado tempo, um caráter de Igreja Popular. Como nos diz
Mainwaring (2004, p. 234-235) “a igreja popular enfatiza no caráter dialético das relações
de aprendizado e a capacidade de todos. (...), ressalta a sabedoria do povo manifestado nas
técnicas da sobrevivência cotidiana diante da opressão”. Tais reflexões induziram ao
interesse de reconhecer em qual ambiente e em qual contexto político-econômico se
promoveu a gênese da diocese de Nova Iguaçu, que diante das circunstâncias tão
degenerativas, socialmente encontradas, programou inúmeras ações norteadas por seus
ideais sociais e religiosos.
A ideia da criação da diocese de Nova Iguaçu nasceu por iniciativa eclesiástica. Tal
fato deve-se principalmente a dinâmica socioeconômica da localidade entre as décadas de
1940 e 1950: primeiramente a falência da produção cítrica decorrente da queda de
exportação durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945) assim como do sofrido ataque
decorrente de pragas que auxiliou a dizimar a produção e em segundo lugar a expansão
45

rodoviária na região Rio-São Paulo. O desdobramento desses eventos foram as


transformações espaciais dos locais antes destinados a produção cítrica para loteamentos
numerosos, que podem ser considerados de caráter popular, caracterizado pelo preço
acessível, em comparação com alguns terrenos suburbanos da cidade do Rio de Janeiro
(PASSOS, 1970). O sistema habitacional pode proporcionar a moradia própria de pessoas
que resolvera ali habitar, tornando o sonho de muitos em realidade. Segundo Lefébvre
(1991) em seu livro O direito à cidade, ele relata acerca das habitações nas cidades e
define o conceito de habitar, que em seus argumentos refere-se a participação plena da vida
social, viver com dignidade. Tal definição surge com a população de Nova Iguaçu
inicialmente. Entretanto o processo histórico foi muito diferente do que o povo esperava, o
sonho da casa própria tornou-se real, porém o custo foi alto. Décadas de abandono, de
falta de infraestrutura e da segregação socioespacial (ROLIM, 1973) marcou esse processo.
A noção de habitar de Lefébvre (1991) fugia totalmente a essa realidade inscrita (impressa)
na Baixada Fluminense.
Ressaltamos a expansão rodoviária no local devido a forte concentração populacional
ocorrida nessa região. O excesso de população sem uma ação religiosa favoreceu a criação
de uma diocese em Nova Iguaçu. A inauguração da Rodoviária Presidente Dutra, via de
extrema importância entre Rio de Janeiro e São Paulo proporcionou (re) arranjos espaciais
no município de Nova Iguaçu. Entre muitos pode instaurar um parque industrial
modificando a economia local e o seu cenário fluminense. O processo industrial, que
segundo Lefebvre (1991, p. 3) “é o motor de transformação da sociedade” em Nova Iguaçu
a função industrial substituiu a função agrícola mostrando uma realidade espacial longe de
atingir os benefícios aos grupos sociais (PASSOS, 1970).
No ano de 1953 o bispo diocesano de Barra do Piraí Dom José André Coimbra cria
uma comissão procriação da diocese de Nova Iguaçu. Tal comissão foi dirigida pelo
pároco de Nova Iguaçu João Musch. Nesse primeiro momento os trabalhos não se
mostraram muito eficientes no tocante à compra do terreno para a construção da futura
diocese, que só foi adquirido em 1954, na época a área, que possuía um prédio, era
considerada valiosíssima e chamava-se Fazenda da Posse, ficava próximo ao centro da
cidade de Nova Iguaçu. Em seu governo de 17 anos o bispo Dom José André Coimbra
contribui para a Baixada Fluminense com 17 sacerdotes e 10 paróquias na localidade. Em
1955 Dom André Coimbra foi transferido para Patos em Minas Gerais, deixando, portanto
a diocese de Barra do Piraí. O administrador apostólico Dom Rodolfo de Oliveira das
46

Mercês Pena bispo da diocese de Valença ocupa Barra do Piraí (AZEVEDO, 1980;
PASSOS, 1970).
Em 1956 Dom Agnello Rossi é nomeado bispo da diocese de Barra do Piraí pelo o
Papa Pio XII. Após sua posse inicia-se a criação da nova diocese que obtivera poucos
resultados desde a criação da primeira comissão em 1953. Após quatro anos (1957), os
trabalhos da comissão pré-criação da diocese de Nova Iguaçu encontravam-se ainda lentos,
o bispo Dom Agnelo decide dissolver a antiga comissão e cria uma nova presidida pelo
próprio bispo assessorado por quatro sacerdotes que representavam os municípios que
comporiam a nova diocese. Os trabalhos então prosseguiram, houve novas obtenções de
terrenos para a construção de futuras paróquias entre outras atividades referentes a
financiamentos pagos e (re) organizações espaciais de paróquias. Em 1959 a cidade de
Nova Iguaçu recebeu a visita do Núncio Apostólico Dom Armando Lombardi que analisou
as condições e os preparativos que conceberia a futura diocese. Após suas análises,
encaminhou a documentação e o pedido oficial para a criação da diocese (AZEVEDO,
1980). É importante destacar que a decisão de instalar a sede da diocese no município de
Nova Iguaçu deve-se ao fato de que nesse município havia um grande contingente
populacional e com isso necessitava de assistência espiritual. A estratégia deveria ser mais
efetiva. Outro importante ponto era a pluralidade e variedade crescente de outras religiões
como a Umbanda, o Kardecismo e os cristãos pentecostalistas – que cresciam em números
de maneira alarmante para a Igreja Católica em Nova Iguaçu (PASSOS, 1970). A
importância desse município na dinâmica socioeconômica da Baixada Fluminense, alertava
por uma decisão da Igreja em instalar a diocese nessa localidade (ROLIM, 1973).
Após sete anos de estudos eclesiásticos desde a criação da primeira comissão
envolvida com a preparação da futura diocese, o Papa João XXIII através da Bula
Quandoquidem Verbisno dia 26 de março de 1960 cria a Diocese de Nova Iguaçu e no
mesmo dia nomeia o primeiro bispo: Dom Walmor Battú Wichrowski, que sai da diocese
de Santos como bispo auxiliar e destina-se para a nova diocese da Baixada Fluminense.
Segundo Dom Agnelo Rossi a criação de uma diocese de Nova Iguaçu foi um dos maiores
acontecimentos na região na dinâmica religiosa de evangelizar os grupos sociais ainda sem
escolha espiritual (PASSOS, 1970; ROLIM, 1973).
Para darmos continuidade a nossa análise, antes precisamos entender a função da
igreja na sociedade, os seus agentes fomentadores de ideias e dos movimentos, suas
ideologias5 e como as transformações sociopolíticas e econômicas que ocorreram no Brasil
e no mundo interferiam em sua atuação, em diferentes momentos históricos.
47

1.2.2 Função e Formas da Igreja como Instituição Social: a ação pastoral

A palavra igreja é tradução do latim “Ecclesia” que vem do significado da palavra


hebraica “qahal” ou “qehal” que significa reunião ou a comunidade reunida
(EVARISTO, 1981). A igreja é “entendida como instituição, como um campo em que
relações sociais se estabelecem com tensões, lutas, disputas e contradições” (LIBANIO,
1982, p. 33). É-lhe atribuída também função simbólica, assim como a de oferecer bens
simbólicos religiosos, produzindo-os e comunicando-os a quem deles tem necessidades
(ROSENDAHL, 2002).
Nesse campo religioso, de instituição social, a igreja reage aos impactos do
contexto histórico-político em que vive. As contradições sociais e os conflitos sejam eles
de cultura, etnia, classes sociais, sexo, entre outros, adentra no campo da igreja e faz com
que ali seja reproduzida várias contradições, já que a igreja é formada por pessoas que
estão imbuídas dessas características (LIBANIO, 1982). A maneira como a sociedade se
organiza para produzir, reproduzir e distribuir seus bens materiais ecoa intimamente no
corpo social da igreja influenciando na organização de seus territórios religiosos. Para
entendermos melhor como funcionam essas atividades internas e externas da Igreja e
como ela se manifesta, o que ela é e o que ele crê, faz-se de extrema necessidade
compreender o que é pastoral e como suas ideologias norteiam os exercícios
desenvolvidos pela comunidade eclesiástica. Para Boff (2004a, p. 210) pastoral é
“entendida como a instância responsável pelas estruturas de expressão e de sustentação de
uma caminhada espiritual”, já para Libanio (1982, p. 119-120) a pastoral pode ser
considerada como:
um conjunto das práticas que a instância de autoridade, os grupos da igreja
clericais e leigos, desenvolveram em função do crescimento da comunidade
cristã, sendo que essa vida e esse crescimento se processam dentro de um
determinado momento histórico, e são condicionados pelas condições
sociopolíticas culturais.

Pode-se dizer que, a pastoral tem uma conotação de autoridade, de companhia e de


relação interpessoal, e esteve intimamente ligada a estruturação da igreja católica. Por
essa ter uma história de mais de dois mil anos, podemos assim distinguir as ações das
pastorais em três momentos distintos, que são condicionados pelo caráter histórico e
cultural de cada período, sendo elas: a Pastoral Tradicional que se inicia em 313, entra
em crise6 após a II Guerra Mundial e se enfraquece um pouco antes do Concílio Vaticano
II 7(1962 – 1965); a segunda que é a Pastoral Moderna, inicia-se após a II Guerra
48

Mundial e tem seu apogeu após o Concílio Vaticano II. E a terceira que é a Pastoral
Libertadora que surge com força na década de 1960 e é enfraquecida na década de 1980,
mas permanece até hoje, obviamente que suas ações são um pouco distintas de outrora,
pois o contexto político e ideológico das décadas de 1960 e 1970 eram outros, todavia as
suas atividades na essência são as mesmas, que é priorizar a figura do homem,
principalmente daqueles menos favorecidos (LIBANIO, 1982).
A pastoral tradicional configura-se pela intensa ligação da igreja com hierarquia,
com o clero diocesano e também com o Estado, esse que tinha um forte poder de
representação na igreja. Segundo Libanio (1982, p. 37), nesse período “o Imperador quase
se comporta como um Papa. Convoca concílios, defende a ortodoxia, pune hereges,
depõem patriarcas. Interfere com toda desenvoltura nos negócios internos da Igreja”.
Com a separação entre Estado e a Igreja, essa se estende como responsável pela
verdade religiosa e pela dita moral da sociedade. Exercendo um posicionamento firme no
campo religioso e no campo da moral, assim como em todos os outros que tivessem direta
ou indiretamente conectados a eles. Os dois maiores “vilões” ou “inimigos” vistos pela
pastoral tradicional são o erro e o vício. O erro surge através de filosofias, de teorias
científicas que desconhecem a Deus e a autoridade da igreja e, o vício vem do
desempenho de atividades consideradas errôneas pela igreja, como jogos, prostituição,
entre outras. Dando como exemplos eventuais acontecimentos ocorridos no Brasil na
primeira metade do século XX que nos mostra um pouco da desenvoltura desse modelo
de igreja, consiste no fato das pastorais durante esse período organizarem grandes
congressos religiosos, missões rurais que abrangiam quase todo o país, procurando
transmitir os valores morais da igreja e fazer a manutenção de sua doutrina, exercendo
assim a função de proteção, de defesa, de manutenção dos fiéis dentro do rebanho da
igreja. Outra característica marcante dessa pastoral tradicional estava pautada no poder
da igreja com suas enormes riquezas proporcionando a esta instituição ferramentas
necessárias para a sua difusão no espaço e, além disso, a igreja utilizava-se de
ensinamentos religiosos baseados no medo do castigo eterna, do purgatório, do inferno e
do juízo final, fazendo com que as pregações feitas pelos padres alcançassem o mais
intimo da consciência humana (LIBANIO, 1982; BETTO, 1985).
Apesar de todas essas ações hierárquicas na sua função de alimentar, defender e
dilatar o corpo eclesial, a pastoral tradicional já não conseguia “alcançar” a sociedade
com sua força religiosa como antigamente, pois o mundo estava culturalmente
transformado, tocado pelos avanços do capitalismo dos países mais industrializados.
49

Devido a esses fatores a Pastoral entra em crise, dando espaço para o surgimento de uma
pastoral que defenda os valores cristãos em um mundo mais moderno.
Após a II Guerra Mundial apesar da pastoral tradicional ainda está muito presente
nas ações da igreja, a autoridade clerical perde de maneira relevante a sua força, devido
ao contexto político e cultual do momento, no qual há, de certa maneira, todo um
descrédito por parte da população e das autoridades (LIBANIO, 1982). As trágicas
experiências de abuso de autoridade por ditadores fascistas, nazistas e militares do século
XX proporcionaram profundas transformações na Igreja, repercutindo no surgimento de
movimentos que irão alterar a concepção que se tinha até então de pastoral. Durante a
realização do Concílio Vaticano II (1962/65) – esse evento é considerado um dos mais
importantes da história da igreja católica, pois enfatiza a missão social da igreja–
entretanto, principalmente após a realização do mesmo, modifica-se o conceito de
pastoral, a igreja e suas ações se abrem possibilitando um diálogo com o mundo moderno.
A ação católica passa então a desenvolver trabalhos mais personalizados, voltados
principalmente para as minorias. Logo, a autonomia dos leigos na Igreja começa a ganhar
espaço vagarosamente.
A Igreja recupera assim nova presença, tão vasta como na sociedade
tradicional. Somente com a diferença de que naquela sociedade antiga tratava-
se de presença visível, geo-humanamente definida, enquanto que agora se
esconde no anonimato dos valores crísticos vividos e praticados. Onde há algo
de justiça, de amor, aí está presente o Reino de Deus, em função do qual toda a
pastoral deve ser pensada (LIBANIO, 1982, p. 79).

A igreja brasileira, dentro desse contexto histórico, é direcionada a buscar cada vez
mais mudanças em suas ações evangelizadoras e em seu olhar sobre o mundo. Juntos a
essas transformações, os movimentos populares começam a atingir a igreja, seja por
mostrarem as mazelas da população mais carente e o poder de luta que o povo tem,
ajudando os líderes das igrejas a conscientizarem a população religiosa da importância na
participação dessa luta que é de todos ou, a colocarem temor aos religiosos conservadores
que acreditavam que os comunistas estavam ameaçando a igreja com as suas lutas sociais.
Tais situações ajudaram a gerar grandes conflitos internos na instituição religiosa católica.
É também nesse contexto que surgem alguns movimentos leigos especializados como a
Juventude Agrária Católica (JAC), a Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude
Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude
Universitária Católica (JUC). Esses movimentos mostravam a presença e a tentativa de
influencia dos católicos nas ações políticas e sociais no Brasil e também mostrava o
estímulo que uma parte da igreja estava oferecendo aos leigos – através de sua
50

participação nesses movimentos – que objetivava também a evangelização de massa


(MAINWARING, 2004).
A pastoral entra em crise quando percebe que não consegue mais dá conta sozinha
dos problemas que ocorrem na sociedade. Uma nova visão começa a surgir quando
percebe-se que o número de fiéis começa a decrescer juntamente com as vocações
sacerdotais, as obras de assistência e educação, entre outras. Tais fatores geraram
desconforto e muita preocupação. No entanto, a alternativa para solucionar esses
problemas foi buscar novas estratégias territoriais e implementá-las. Nesse momento é
que começa a surgir à ideia de uma nova pastoral que atenda com mais satisfação à
necessidade da população. É nessa conjuntura que a dinâmica ação da pastoral
libertadora começa a se desenvolver.
A pastoral libertadora nasce na década de 1960 quando o capitalismo encontra-se
em ritmo acelerado de exploração, principalmente nos países Latinos Americanos, onde
parte da massa de trabalhadores veem as riquezas produzidas por seu trabalho fluírem para
locais centrais. Nesse momento há uma grande monopolização das riquezas, dos poderes,
das instituições que regem a política e a economia de vários países que integram a América
Latina. O avanço do capitalismo em seu estilo selvagem oferece multidões de pobres e
marginalizados. Essas massas de proletariados ou homens do campo avançam em suas
ações de protestos e não conseguem fazer-se ouvir. “Tal situação é vista, a luz da fé, como
um escândalo e uma contradição com o ser cristão” (LIBANIO, 1982, p. 89). A igreja
passa a encarar o fato de que a pobreza e miséria vivida pela população, não faz parte de
uma fase econômica e social que irá passar com o tempo, mas sim que essa realidade é
consequência de determinadas situações políticas, sociais e estruturas econômicas
(RIBEIRO, 2010). A igreja passa a se posicionar segundo a ideia de que, “embora as
diferenças econômicas não seja pecado em si mesma, são pecados as injustiças que as
tiverem provocado” (CASTRO, 1985, p. 43).
Ainda durante a década de 1960 na América Latina, a igreja e as comunidades
cristã iluminada pelo espírito de renovação de suas ideologias e práticas – onde a
preferência pelos pobres era o tema que orientavam suas ações – resolvem organizar
importantes conferências a fim de discutir as novas diretrizes da Igreja deliberadas após o
Concílio Vaticano II. Segundo Pedrosa-Pádua (2010, p. 129) a II Conferência Geral dos
Episcopados Latino-Americanos realizada em Medellín (1968) “foi um marco histórico e
eclesial, pois se tomou em especial consciência da presença e da situação dos pobres e da
pobreza do continente”. Essa conferência denunciou a exploração e o sofrimento vivido
51

por vários trabalhadores na América Latino, clamou a participação da igreja em prol da


justiça, da vida e da conscientização política e social, além de mostrar a nova posição da
igreja nesse contexto histórico (PEDROSA-PÁDUA, 2010). Durante as décadas de 1960 e
1970 a igreja percebendo as injustiças e as contradições existentes entre estruturas sociais,
decide lutar por transformações sociais. “Para que a Igreja participe efetivamente do
processo de libertação do povo latino-americano, conforme sua missão específica e
revelando em sua presença a comunhão de Deus com Seu povo, é necessário que ela esteja
comprometida com as classes populares” (BETTO, 1985, p. 12), essas ações
vislumbraram-se na integração dos valores da fé com a consciência social. O Golpe Militar
de 1964 será fator decisivo na orientação da pastoral da libertação, que buscará meios para
a conscientização política da população que vivia momentos de intensa opressão e conflito.
No contexto desta ideologia de trabalho e dos movimentos das igrejas católicas ao
longo das décadas de 1960 e 1970, surgem pastorais voltadas para as mais diversas
atividades que antes não possuía muita visibilidade, ou não se dava sua devida
importância, como é o caso da pastoral indígena que lutou pelos direitos dos índios e
organizou diversos encontros com os chefes indígenas. Já a pastoral operária desenvolveu-
se devido à política hostil praticada pelo governo militar instituído em 1964, essa pastoral
assumiu o conflito e defendeu os interesses dos operários. Em 1975 surge a Pastoral da
Terra que foi um subproduto de um Encontro de Bispos da Amazônia sobre a Terra e
Mineração, essa pastoral nasce através da luta de pobres lavradores e posseiros. Todos
esses movimentos sociais e religiosos podem ser considerados como comunidades que
passam a assumir funções abandonadas pelo Estado. Bauman (2005, p. 93 e 94), ao relatar
o papel das agregações religiosas em locais com forte repressão política, nos diz que essas
comunidades religiosas além de oferecer o conforto espiritual, muitas vezes “também
oferecem o ingrediente mais penosamente ausente de uma vida digna, e que a sociedade
em geral lhe recusa: um senso de propósito, de uma vida (ou morte) significativa, de um
lugar correto e decente no sistema geral das coisas”.
Em 1979 acontece a III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano
realizado em Puebla que tem como pretensão reforçar o que foi discutido e renovar os
votos e esforços em prol da solidariedade pelos pobres e a libertação do homem. “Puebla
abriu os olhos dos cristãos para que suas ações com relação aos pobres não fossem apenas
assistencialista. Não! Os pobres são sujeitos históricos. Com eles é que se deve buscar e
construir formas de superação do empobrecimento injusto” (PEDROSA-PÁDUA, 2010, p.
131-132). Nota-se que as ações e os desempenhos da pastoral libertadora volta-se para o
52

grupo social menos favorecido economicamente, para o grupo excluído e marginalizado,


projetando assim um novo papel da nova igreja, não só nos assuntos religiosos, mas
também em todos os outros assuntos que fazem parte da vida humana. Na tentativa de
construir o ser humano. Se outrora a Igreja se preocupava mais com as classes abastardas,
nesse momento ela passa a ser a igreja dos pobres. Além disso, no contexto da pastoral
libertadora há uma intensa valorização do agente espacial, que passa a ser considerado tão
importante quanto de um profissional o sacerdote ou até mesmo do papa, o povo é visto
como católico militante de forte atuação e influencia no seio da igreja e fora dela
(CASTRO, 1985).
É de extrema importância salientar que, esses três tipos de pastoral: tradicional,
moderna e libertadora, não existe como fases de um processo espacial, histórico único,
irreversível. Atualmente elas são estratégias que coexistir em dado momento e em dada
igreja. Assim ao mesmo tempo em que ações de uma pastoral tradicional pode vigorar em
uma determinada localidade, em outra pode existir estratégias que são regidas pela
pastoral libertadora, ou então os movimentos podem entremear-se produzindo uma
pastoral com características duplas, de ambas as ações. Segundo Mainwaring (2004, p. 17)
a igreja “muda principalmente por que seus interesses a obrigam a mudanças que estejam
de acordo com as transformações da sociedade como um todo”. Tais mudanças geram (re)
arranjos espaciais, é esse nosso local de estudo o caso da diocese de Nova Iguaçu. A Igreja
desempenhou estratégias religiosas dinâmicas, pois foi à precursora no fortalecimento da
sociedade iguaçuana, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Os movimentos
populares direcionados pelas ações da pastoral libertadora, agindo de maneira impactante
no espaço político do município na qual ela está localizada. Umas das características
marcantes dessa igreja, dentro do recorte temporal por nós analisado, foi o
comprometimento em se aproximar do grupo social menos favorecido economicamente,
em compartilhar do seu sofrimento e suas alegrias. Havia uma ênfase na união dos
membros dos grupos católicos com as comunidades que estavam mais distantes da esfera
religiosa, e essa “aderência” entre diferentes comunidades tinha como um dos objetivos
discutir os problemas sociais do lugar, os valores religiosos e não-religiosos do grupo e a
cultura fluminense. Entretanto, antes da diocese de Nova Iguaçu desenvolver essas ações
populares direcionadas por um líder eclesial, ela teve um passado histórico que contribuiu
de maneira relevante para que seu processo e estrutura chegassem a ser definida, durante
um determinado tempo, como uma Igreja Popular. Como nos diz Mainwaring (2004, p.
234-235) “a Igreja popular enfatiza no caráter dialético das relações de aprendizado e a
53

capacidade de todos. (...) ressalta a sabedoria do povo manifestado nas técnicas da


sobrevivência cotidiana diante da opressão”.
A estratégia foi iniciada. Os anos 1960 marcam em Nova Iguaçu mudanças na
sociedade fluminense, não somente em Nova Iguaçu. Os anos de 1960 foram
qualitativamente transformadores na música, no comportamento, na religião em vários
espaços mundiais. E, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, na periferia da área
metropolitana também. E esses (re) arranjos com suas transformações serão delineados no
próximo capítulo.
54

Notas
______________________________________________________________________

1
Iguaçu se emancipou do Rio de Janeiro em 1833, já a denominação Nova Iguaçu só surgiu a partir de 1916.
2
A Região Central da Baixada Fluminense abarcavam áreas como parte do município de Rio Bonito, Araruama, Silva
Jardim, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Casimiro de Abreu e Macaé.
3
Teologia da Libertação surge no processo de abertura desencadeado pelos documentos do CV-II. É uma tentativa de
elaborar uma Teologia Católica com elementos próprios da experiência da Igreja Católica na América Latina. Possui
como característica principal uma articulação entre a crença e a realidade social. Teologia da Libertação fala em três
mediações principais, a saber: a mediação socioanalítica que olha para o lado do mundo do oprimido; a mediação
hermenêutica que olha para o lado do mundo de Deus, procurando ver qual o plano divino em relação ao pobre e a
mediação prática que, por sua vez, olha para o lado da ação e tenta descobrir as linhas operativas para operar a
opressão de acordo com o plano de Deus (BOFF, C.; BOFF, L. 2001).
4
Utilizamos eclesiástico para definir as ações do clero e/ ou da igreja de um modo geral. Segundo ASSIS (2008), esta
palavra também serve para definir a estrutura hierárquica da Igreja Católica.
5
A ideologia é um conjunto lógico, sistêmico e coerente de representações (ideias e valores) e de normas e regras (de
conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem
valorizar e como devem valorizar e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer (CHAUÍ, 2006, p. 108).
6
Crise da pastoral tradicional levou a Igreja a perceber que sem uma identificação com o meio, sem um diálogo com as
necessidades e perguntas do homem de hoje, toda a pastoral se torna inoperante.
7
Concílio é a reunião dos cardeais e bispos representantes das regiões e países onde a Igreja Católica Apostólica
Romana se encontra presente, para discutir seus rumos, assim como questões doutrinais ou pastoris. O Concílio
Vaticano II (CV- II) foi o vigésimo primeiro Concílio e aconteceu entre os anos de 1962 e 1965 (ASSIS, 2008).
2 A VIDA RELIGIOSA E POLÍTICA DOS BISPOS DA DIOCESE DE NOVA
IGUAÇU

Neste capítulo analisaremos a vida e as obras dos primeiros bispos da diocese de


Nova Iguaçu, apontando as suas principais ações que revelam a relação entre a Igreja
Católica e a sociedade civil da localidade. Nossa reflexão será no apoio dado pelo bispo
Dom Adriano às atividades consideradas progressistas, de fundamental importância na
formação e no fortalecimento dos movimentos populares que aconteceram em pleno
regime militar. Período em que a censura e a repressão eram tão fortes, que tornava quase
que impossível qualquer tentativa de organização popular. Todavia esta foi possível
porque existia dentro da Igreja o desejo de implantar novas ideias e, este foi o lugar para
as reuniões dos grupos comunitários e para as pessoas desejosas de discutirem a fé e a
realidade social. É essa diretriz que conduzirá a um marco histórico e eclesial do modo de
agir da diocese de Nova Iguaçu acarretando em uma progressiva mudança na ideologia e
prática eclesiástica.

2.1 Nova Iguaçu: Nova sociedade católica no Brasil

Dom Walmor Battú Wichrowski nasceu em 27 de outubro de 1920, foi ordenado


sacerdote em 23 de dezembro de 1945 na Diocese de Santa Maria (RS). Cinco anos depois
tornou-se vigário-cooperador na Matriz de Nossa Senhora Aparecida de Passo Fundo (RS).
Em 1958 foi nomeado bispo-auxiliar da diocese de Santos (SP), no mesmo ano é nomeado
bispo da diocese de Nova Iguaçu, mas somente em 1960 toma posse (MENESES, 2010). A
posse do primeiro bispo ocorreu juntamente com a solenidade de instalação da diocese no
dia 12 de junho de 1960, a celebração foi feita pelo bispo-auxiliar do Rio de Janeiro Dom
Helder Câmara. Dom Walmor era caracterizado como um sacerdote administrador e
metódico. Em seu governo religioso criou cursos de catequista na Escola Universitária de
Patioba na a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. E iniciou como prioridade a
compra de novos territórios. Foram instauradas assim novas paróquias em Nova Iguaçu.
Estruturar a base administrativa e pastoral da diocese provendo-a de profissionais
religiosos especializados. As outras atividades imediatas desenvolvidas estavam
56

relacionadas com a instalação da Cúria Diocesana e algumas alterações na forma espacial


simbólica da Catedral e de seu arranjo espacial interno, através de doações do grupo social
local: como bancos, imagens religiosas e a forma espacial dos batistérios (PASSOS, 1970).

O bispo Dom Walmor iniciou em 1960 como o festeiro nos preparativos para a festa
de Santo Antônio, o padroeiro da cidade de Nova Iguaçu, que deveria realizar-se no ano
seguinte (PASSOS, 1970). Ele próprio presidiu a maior parte das etapas da festa não
permitindo a participação na organização e na direção dos festejos pessoas que não
estivessem envolvidas verdadeiramente e tão somente com a igreja católica. Essa restrição
trouxe conflitos na gestão religiosa de Dom Walmor, pois a participação dos maçons nos
festejos era uma realidade já conhecida e de consentimento das paróquias locais. Tal
grupo, de maçons, composto em sua maioria pela elite local sentiu certa intolerância pela
igreja. O fato configura-se em desentendimento no ato de conflitos do bispo com a
população local. Além da intolerância religiosa, Dom Walmor teve discórdias com o editor
chefe do jornal local Jornal Correia da Lavoura, que era kardecista, os dois divergiam de
opiniões políticas e religiosas. O padre João Musch um padres popular no grupo religioso
local apresentou alguns conflitos com o Dom Walmor. Além da intolerância religiosa com
os grupos, como foi citado acima, esses fatos conflituosos tornou insustentável a gestão de
Dom Walmor na diocese de Nova Iguaçu. A história oficial declara que foi a enfermidade
do bispo em conjunto com o clima sociopolítico da Baixada Fluminense os fatores que
permitiram sua transferência da diocese de Nova Iguaçu para diocese de Santa Maria, no
Rio Grande do Sul. Os conflitos não impediram a festa de Santo Antônio, uma das mais
fortes manifestações religiosa da localidade; suas atuações estão nas formas espaciais
marcadas na Catedral, no novo espaço sagrado, e na área central da cidade, no espaço
profano, na qual o poder está na presença de seu nome na movimentada rua central agora
Rua Dom Walmor (PASSOS, 1970). A gestão religiosa é exercida por Dom Honorato
Piazera, auxiliar da Catedral do Rio de Janeiro, nomeado administrador apostólico de Nova
Iguaçu.

Dom Honorato Piazera nasceu no Jaraguá do Sul, Santa Catarina, em 16 de


novembro de 1911. Ordenou-se padre em 30 de novembro de 1936. Na década de 1940
possuía o cargo de reitor da Escola Apostólica e do Colégio Tubarão, na década seguinte
tornou-se superior provincial da congregação dos padres do Sagrado Coração de Jesus e
posteriormente foi eleito bispo-auxiliar da diocese do Rio de Janeiro.
57

Em 1961 Dom Honorato direciona-se para diocese de Nova Iguaçu exercendo o seu
cargo de apostólico administrativo na qual sua função estava relacionada tanto com os
assuntos da diocese de Nova Iguaçu quanto da diocese (arquidiocese) do Rio de Janeiro.
Em 22 de junho de 1961 a diocese comemorava as bodas de prata sacerdotais de Dom
Honorato e também a sua nomeação para a função de segundo bispo da diocese de Nova
Iguaçu. Segundo Passos (1970) a sua nomeação não representava mais do que a
confirmação jurídica no cargo de administrador apostólico que já vinha exercendo. O novo
bispo manteve algumas atividades que já existiam antes da sua chegada, e essas atividades
religiosas incluíam as visita às paróquias pertencentes à diocese e também a criação de
outros territórios religiosos, para isto a gestão possuía de trinta novos padres estrangeiros
vindo da Bélgica e da Itália em sua maioria (MENESES, 2010).

Logo de início em seu governo religioso, Dom Honorato avança em estratégias


religiosas, a Baixada Fluminense apresentava um grande volume de habitantes e uma parte
considerável desses pertencia a outros tipos de religiões como o candomblé, o espiritismo e
o protestantismo. Uma das metas do bispo era aumentar ainda mais o número de sacerdotes
para administrar a oferta de bens religiosos e organizar o território religioso. O
planejamento da diocese incluía conhecer a realidade socioreligiosa da Baixada
Fluminense. A diocese então contrata Frei Rolim, religioso e sociólogo, e sua equipe como
responsáveis pelo levantamento que iria direcionar as ações estratégicas da igreja
(PASSOS, 1970).

A literatura pesquisada em alguns momento caracteriza Dom Honorato como


pertencente a uma linha mais tradicional da igreja católica, outros caracteriza-o como
moderador, de toda maneira as suas atuações mais ressaltadas foram aquelas que
envolviam as camadas populares, como a reorganização do Cáritas Diocesano 1e o auxílio
de assistência social prestado a população carente local durante a chuva de 1964. Outras
ações são ressaltadas: as atividades envolvendo a Campanha da Fraternidade; do
Apostolado da Juventude; do Incentivo a Criação do MIC Mocidade Iguaçuana Católica e
a criação do curso para catequistas em áreas mais distantes da sede diocesana; e
finalmente fundou o Departamento de Ensino Religioso em Nova Iguaçu (DERNI) que
foi entregue a administração de padres e irmãs religiosas e transformado posteriormente
no Centro de Pastoral Catequética (CEPAC). Tais políticas tinham objetivos de alcançar
novos adeptos à igreja. Nesse período o Concílio Vaticano II (1962/1965) já tinha
terminado, o bispo de Nova Iguaçu participou de todas as sessões do Concílio e buscou
58

acionar na diocese as inovações doutrinais na qual a Igreja Católica Apostólica Romana


estava difundindo, todavia elas foram timidamente postas em prática. As ideias oriundas
do Concílio Vaticano II só iriam ser firmemente enraizadas na diocese por seu sucessor
Dom Adriano Hypólito, mas as bases de uma nova estrutura religiosa estavam
inauguradas (MENESES, 2010).

Entre todos os acontecimentos durante a gestão do bispo Dom Honorato, o evento


histórico-religioso de forte espiritualidade ocorreu na festa do Centenário da
Transferência da Paróquia de Santo Antônio de Jacutinga 2. O centenário foi celebrado
com a população nas ruas formando uma procissão e relembrando todo o caminho
percorrido há cem anos, na qual a imagem de Santo Antônio de Jacutinga saiu do seu
antigo lugar e direciona-se para a nova paróquia. Durante o ano de 1964 a celebração ao
Santo Antônio de Jacutinga foi festejada e foi declarado padroeiro celeste da diocese. É
importante ressaltar que segundo Eliade (2010) o tempo da festa religiosa é o Tempo
sagrado, trata-se de um momento indefinidamente recuperável e repetível através da
própria participação da festa, que é o período na qual apresenta-se o primeiro tempo
sagrado que estava no passado. Ou seja, “a cada festa periódica reencontra-se o mesmo
Tempo sagrado – aquele que se manifesta na festa do ano precedente ou na festa de há um
século: é o Tempo criado e santificado pelos deuses (...) que são reatualizados pela festa”
(p.64). É a celebração da memória.

No dia 18 de fevereiro de 1966 Dom Honorato é transferido para o cargo de bispo


coadjunto na diocese de Lages no Estado de Santa Catarina. Enquanto estava a frente da
diocese de Nova Iguaçu, a sua preocupação estava em aumentar o número de sacerdotes
na região, como já foi pontuado, e assim o fizera, ele consegue dobrar a quantidade de
padres na localidade e deixa a diocese um pouco antes da chegada de mais oito religiosos,
quatro sacerdotes da Itália e quatro componentes da comunidade religiosa feminina. No
dia 16 de março de 1966 parte então Dom Honorato rumo a sua nova diocese.Após duas
semanas o Papa Paulo VI nomeia como Administrador temporário de Nova Iguaçu Dom
José Gonçalves da Costa, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário geral da CNBB 3.
Esse ficaria na função de gestor da diocese até o mês de setembro do mesmo ano, quando
outro bispo seria intitulado a função episcopal (PASSOS, 1970).

No dia 29 de agosto de 1966 Dom Adriano Mandarino Hypólito é nomeado o


terceiro bispo da diocese de Nova Iguaçu o contexto político autoritário no Brasil não
59

favorece o grupo minoritário contrário ao regime. O novo bispo foi recepcionado com um
cortejo de mais de cem automóveis e da comitiva que o levou até a Catedral juntamente
com a massa popular que participava desse cenário aplaudindo, cantando ao som de sinos
e fogos de artifícios. Na porta de Catedral o Interventor concedeu a chave simbólica a
Dom Adriano, seguindo assim a solenidade da posse canônica presidida pelo Cardeal
Dom Jaime de Barros da Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro tendo como participantes
da província eclesiástica, o administrador apostólico de Salvador da Bahia Dom Eugênio
Sales, Dom Paulo Arns, bispo auxiliar de São Paulo além de numerosos sacerdotes,
autoridades civis e a multidão de religiosos (PASSOS, 1970).

As atividades e os propósitos de Dom Adriano em relação ao seu governo religioso


na diocese de Nova Iguaçu desde o inicio chamava a atenção pela preferência de uma
pastoral nos moldes mais progressista, que estivesse mais alinhada com a aproximação
com o povo e sua valorização, ou seja, implantar as políticas religiosas debatidas e
priorizadas no Concílio Vaticano II. Essas medidas socioreligiosas foram ações
incentivadas pela Igreja Católica, poucas dioceses conseguiram implantar. Segundo
Passos (1970) a meta prioritária do novo bispo era a atualização da pastoral e a renovação
da vivencia cristã, umas das normas sugeridas pelo Concílio Vaticano II.

No dia 24 de novembro o bispo inicia os trabalhos com a sua equipe composta por
padres das paróquias pertencentes à diocese. No ano seguinte em fevereiro Dom Adriano
consegue adquirir um patrimônio material que estava dentro de seus planos imateriais,
isto é, atualização da pastoral. O bem tão desejado era um amplo terreno que se
transformaria no Centro de Formação de Líderes. Encontros de clero e leigos, das
comunidades eclesiais de base entre outras importantes reuniões. A forma e a função do
modo de agir da pastoral libertadora adquiriu no tempo a sua espacialidade religiosa. É
importante ressaltar que a aquisição desse imóvel e do veículo utilizado pelo clero, assim
como a ajuda a várias paróquias e reformas de escolas católicas só foram possíveis devido
ao empenho do bispo em solicitar auxílios a instituições religiosas brasileiras e amigos da
Europa. Esses agentes espaciais viam para o Brasil e para a Baixada Fluminense (RJ) para
conhecer os grupos religiosos e modificar habitantes frente a sua realidade
socioeconômica (PASSOS, 1970).

Em outubro do ano de 1967 o bispo Dom Adriano celebrou suas bodas de pratas
sacerdotais numa comemoração que reuniu sacerdotes e fiéis. O cardeal do Rio de Janeiro
60

Dom Jaime de Barros Câmara e o Núncio Apostólico Dom Sebastião Baggio estavam
presentes. O foco principal da comemoração estava na criação canônica de dez paróquias
no território religioso da diocese. As obras do bispo revelavam o seu desejo por práticas
de novas ideologias do Concilio Vaticano II. Pode-se exemplificar através da execução e
do funcionamento do Conselho Presbiterial4 eleito pelo clero, o Conselho Diocesano de
Pastoral. Havia um planejamento anual feito em grupo na qual participam padres, leigos e
religiosos a fim de avaliar o que estava sendo feito e o que seria programado para o
próximo ano. A meta era dinamizar o plano pastoral como a diretriz das ações da igreja.
Os órgãos criados e os planos desenvolvidos tinham a função de trazer ideias e novidades
na organização espacial do território religioso da diocese. Em 1970 a diocese de Nova
Iguaçu comemorou seus dez anos de existência. As lembranças das conquistas religiosas e
os desafios encontrados pela igreja. A vitória para a diocese estava na expansão das
paróquias – surgiram mais de quinze paróquias – e também no aumento do número de
sacerdotes no território religioso. Esse ano foi marcado pela chegada à Baixada
Fluminense da comunidade religiosa suíça, As Irmãs de Santa Cruz. Destinaram-se para a
paróquia de Tinguá bairro constituinte do município de Nova Iguaçu.

Para interpretarmos as transformações espaciais ocorridas no território da diocese é


necessário conhecer a vida e da trajetória do agente religioso o bispo carismático Dom
Adriano Hypólito.

2.2 A vida religiosa e política do bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito no tempo e
no espaço

Dom Adriano era conhecido como um homem que compartilhava a realidade vivida
pelo seu povo. Ele se identificava com as dificuldades e possibilidades de Nova Iguaçu.
Suas atitudes e suas atuações podem ser qualificadas como manifestações de um líder
carismático, estamos nos referindo ao agente religioso conceituado por Weber (1991) em
seu livro “Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”. Na tipologia
da religião em sua função na sociedade, Weber (1991) ratifica três agentes na atividade da
transcendência. São: (a) o profeta religioso – dotado de carisma –; (b) o sacerdote –
produtor do sagrado –; e, por fim, (c) o leigo – consumidor do sagrado.O profeta
61

carismático em Nova Iguaçu foi Dom Adriano. Segundo Weber (1991), a principal
característica do carisma é o dom que o ser humano possui. É o ser extraordinário. Essa
imagem carismática permanece até hoje na lembrança dos que o conheceram pessoalmente
e aqueles que conhecem a sua história. Há quem também considere Dom Adriano um
herói, já que ele arriscou a sua vida em pleno regime militar para defender os seus ideais e
propagar as suas ações. Segundo Campbell (1990, p. 167), “o herói é o protagonista que
descobriu ou realizou alguma coisa além do nível normal de realizações ou experiências. É
aquele que oferece a sua vida por algo maior que ele mesmo”. Mas qual o motivo disso
tudo? E como interpretar o compromisso de Dom Adriano com a sua fé e com o seu povo.

A vida religiosa e política de Dom Adriano voltada para atender a fé dos


oprimidos e do povo da Baixada Fluminense iniciou-se em 1966 quando foi transferido da
cidade de Salvador, Bahia, onde era bispo auxiliar, para a diocese de Nova Iguaçu no Rio
de Janeiro. O conhecimento social e as vivências com as dura realidade da vida
começaram bem cedo para o bispo. Nascido em 18 de janeiro de 1918 em Aracaju,
(Sergipe) filho de Nicolau Polito e Izabel Mandarino Polito, Dom Adriano foi batizado
com o nome Fernando Polito. Seu pai Nicolau Polito foi prefeito durante a década de
1920 de uma cidade de Sergipe, além desse cargo político Nicolau se envolveu também
em outras questões de forte cunho ideológico, como participante da Revolução de 1924.
Nicolau teve como consequência a cassação de seu mandato de prefeito e o decreto de
prisão domiciliar. A família de Dom Adriano que morava em Aracaju direcionou-se para
a Bahia em 1930. Foi neste tempo e espaço onde começou a aproximação do pequeno
Fernando, com 12 anos de idade, com os ensinamentos franciscanos incentivados por sua
mãe. Dois anos depois foi cursar o antigo ginásio na cidade de João Pessoa na Paraíba,
tornando-se redator de um jornalzinho chamado A Banana, o jornal continha artigos e
muitas piadas, o que motivou algumas censuras por parte do diretor do colégio. Iniciava o
seu desenvolvimento analítico da verdade. Em 1937 inicia sua análise religiosa no
noviçado em Pernambuco, no curso de Filosofia no Convento de Olinda (PE) e o de
teologia no Convento de São Francisco, em Salvador (BA). Em 1941, Frei Adriano
Hipólito professa os votos de Pobreza, Castidade e Obediência e, no ano seguinte na
Igreja de São Francisco em Salvador é ordenado padre franciscano (MENESES, 2010).

Por muitos anos Frei Adriano foi diretor e professor no Seminário Franciscano de
Ipuarana, em Campina Grande, na Paraíba, exercendo, ao mesmo tempo, funções
administrativas e religiosas: foi definidor da Província (em 1952 a 1958) e reeleito em
62

1961, quando também foi transferido para o Convento de São Francisco em Salvador
(BA) exercendo a função de mestre dos clérigos.

Em 1962, no início do Concílio Vaticano II, o Papa João XVIII nomeia o então
Frei Adriano para bispo-auxiliar de Salvador, a partir desse momento mudanças ocorrem
na vida do bispo, pois além de tomar conhecimentos das novidades que trariam
transformações da igreja católica, Dom Adriano decide implementá-las em seus trabalhos
diocesanos como líder religioso. Em 1966 torna-se o terceiro bispo de Nova Iguaçu. Dom
Adriano já tinha ouvido falar da Baixada Fluminense quando ainda era um jovem
adolescente e estudava em Rio Negro no Paraná. Seus professores que fizeram estágio
pastoral nas paróquias da Baixada diziam horrores da localidade então visitada,
colaborando ainda mais para a imagem depreciativa dessa área conhecida por Baixada
Fluminense. Mas Dom Adriano ao saber da nova localidade que se destinaria para exercer
sua função religiosa preferiu manter-se esperançoso, apesar dos votos de felicitações de
seus amigos se misturarem aos de pêsames devido a sua nomeação para a diocese de
Nova Iguaçu. “Sei que vou ser feliz com o povo da Baixada” (MENESES, 2010, p. 35),
disse Dom Adriano pouco antes de chegar à diocese.

2.2.1 Dom Adriano Hypólito no tempo das CEBs

Dom Adriano Mandarino Hypólito chega à Diocese de Nova Iguaçu em 1966,


tendo de início em sua gestão religiosa o desafio de implantar as propostas sugeridas pelo
Concílio Vaticano II (1962/1965) – de possibilitar a abertura da igreja ao mundo moderno
–, na qual a Igreja Católica tem como lema principal de sua pastoral a opção pelos
pobres. É essa diretriz que conduzirá a um marco histórico e eclesial do modo de agir da
igreja, principalmente na América Latina. Alguns anos após o Concílio Vaticano II surge
a Teologia da Libertação, que será falada mais a frente, ela conduziu a uma progressiva
mudança na ideologia e na prática eclesiástica. Auxiliou na implantação de comunidades
leigas que foram encorajadas a trabalharem pela mudança na sociedade e nos grupos
sociais (ANGELOZZI, 2008). Essa renovação da comunidade cristã católica foi ainda
mais perceptível através do desenvolvimento das Conferências Episcopais Latino-
Americanos, como a de Medellín (1968) e a de Puebla (1979), na qual foi destacada a
63

“consciência da presença e situação dos pobres e da pobreza no continente” (PEDROSA-


PÁDUA, 2010, p. 129). O compromisso da Igreja Católica em trabalhar pela libertação
integral do homem, para além da dimensão espiritual, incluindo a dimensão política, a
cultural e a socioespacial. Essas Conferências Episcopais “não significaram simplesmente
eventos históricos, mas simbolizaram movimentos inovadores, cujas raízes históricas se
encontram bem antes cujos efeitos vão além de seu acontecer” (ANDRADE, 2008, p.
268).

A II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano foi realizada na cidade de


Medellín, na Colômbia, de 26 de agosto a 4 de setembro de 1968, tendo como tema “A
Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio”. A partir dessa
conferência várias práticas inovadoras surgiram dentro da igreja, a exemplo a Teologia da
Libertação. Além disso, aspectos importantes foram focalizados, algumas estratégias
como a preocupação de uma evangelização mais eficiente no Continente Sul Americano.
Tal ação se configura nos países carregados de forte diversidade religiosa. A necessidade
de a igreja adaptar as suas ações religiosas priorizando a diversidade e a pluralidade
cultural do povo latino americano. A partir dessas diretrizes entre outras indicações
teológicas os bispos brasileiros – principalmente os mais progressistas – procuram adequar
essas recomendações pastorais com o catolicismo desenvolvido no país. Segundo Andrade
(2008) essas propostas foram estratégias que procuravam ajustar o catolicismo considerado
popular aos moldes da instituição eclesiástica, pretendendo assim organizar o espaço de
atuação e ter maior domínio sobre essas manifestações.

Já a III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano ocorreu em Puebla de


Los Angeles, no México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979, tendo como tema
“Evangelização no presente e no futuro da América Latina”. A realização da conferência
reforçou mais uma vez a opção pelos pobres e a necessidade de analisar a religiosidade da
população da América Latina, fortalecendo assim as estratégias empregadas pela igreja.
Foi ressaltada a religiosidade popular do continente destacando-se os aspectos,
classificados pela igreja, como positivos e não positivos em relação essa religiosidade. Os
aspectos positivos são (a) a fé situada no tempo (festas) e nos lugares (santuários e
templos), (b) a sensibilidade para a peregrinação como símbolo da existência humana e
cristã, (c) a capacidade de celebrar a fé em forma expressiva e comunitária” (ANDRADE,
2008, p.277) entre outros. Já os aspectos não positivos da religiosidade popular praticados
na América Latina são “superstição, magia, fatalismo, idolatria do poder, fetichismo e
64

ritualismo. (...), reinterpretação sincretista, reducionismo da fé a um mero contrato na


relação com Deus” (ANDRADE, 2008, p. 278) entre outros aspectos. A conferência de
Puebla foi mais um evento religioso com o intuito de (a) reforçar e aprimorar as ações da
igreja em prol da evangelização da população latina, (b) as reflexões desenvolvidas
transformaram-se em ações pastorais mais dinâmicas, (c) fortes incentivos a difusão das
comunidades de base, (d) difusão das catequistas nas zonas rurais e áreas indígenas e (e) as
lutas voltadas para justiça do povo oprimido. Nossa preocupação em ressaltar os concílios
torna-se oportuno para a melhor interpretação de nosso objetivo de estudo.

É nesse contexto de tantas mudanças históricas da Igreja Católica na América


Latina que podemos entender a origem de uma nova teologia que procura articular a
libertação do povo com as novas práticas cristãs. A Teologia da Libertação nasce então
das reflexões dos teólogos que desejam encontrar um novo modo de agir da igreja que
aliasse a relação entre fé, pobreza e justiça social (RIBEIRO, 2010). Segundo Leonardo
Boff e Marcos Arruda (2004) a teologia da libertação desde o seu “nascimento” traz
consigo um caráter pedagógico, um dos seus objetivos é a libertação do povo oprimido,
que viria através do conhecimento e da conscientização social promovendo ações
transformadoras, sendo as organizações cristãs um importante agente de fomentação
dessas ideias e práticas juntamente com os movimentos sociais.

Diante da crítica ao desenvolvimento dependente e excludente do capitalismo


entre a década de 1960 e 1970 na América Latina, reforça-se a ideia de possibilidade de
libertação do homem que viria através de um novo tipo de sociedade, que surgiria baseada
principalmente em novas relações entre os homens (TEIXEIRA, 1991). Podemos dizer
que a principal característica da Teologia da Libertação é a articulação entre a crença e a
realidade social (BOFF, C.; BOFF, L. 2001). Essa Teologia surgia perante um contexto
histórico, político e social bem demarcado, na qual Ribeiro (2010, p. 27) destaca três
aspectos importantes da realidade dentro desse recorte temporal dos anos 1970, são eles:
“o contexto internacional de dominação socioeconômica e política; as expectativas de
libertação social e políticas motivadas por amplos setores crítico ao capitalismo; e os
conflitos gerados pelos governos militares na maioria dos países latino-americanos”.

As décadas de 1960 e 1970 marcam Igreja Católica Latina trazendo grandes


novidades advindas do Concílio Vaticano II, das Conferências Episcopais Latino-
Americanas e da Teologia da Libertação. Esse novo “modo de agir” da Igreja
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proporcionou várias mudanças, entre elas o surgimento de uma importante comunidade


composta por leigos religiosos e que tinham um forte apoio das hierarquias eclesiásticas,
estamos falando das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Essa Comunidade aliada a
Teologia da Libertação e ao lema fé, vida, política e justiça social proporcionou
verdadeiras modificações no âmbito religioso e político da sociedade, principalmente no
Brasil. Segundo Mainwaring (2004) a Igreja Católica brasileira durante as décadas de
1970 a 1980 foi considerada umas das mais progressistas do mundo. Essa nova prática da
igreja ocorreu com o período autoritário do regime militar no Brasil, onde as proibições
tornaram-se práticas constantes do Estado – esse que se encontravam cada vez mais
distante da igreja –, fizeram com que as cebs e todos os outros movimentos religiosos se
tornassem o porta voz da população, principalmente das mais oprimidas (BETTO, 1985).
As Comunidades Eclesiais de Base representam uma nova forma de organização pastoral,
um “grupo em comunhão, que partilha a adesão ao mesmo ideário” (Oliveira, P. 2004, p.
13). Durante muito tempo a única forma de organização pastoral era a paróquia.
Entretanto a sociedade moderna não comportava a paróquia como único ponto de
convergência.

É necessário que as pessoas estejam mais próximas umas das outras em


diferentes eixos geográficos, e é essa união em uma dada região, com uma
liderança vinda do povo, com o reconhecimento dos seus problemas e aflições
em comum unidos pela mesma fé que dão as Cebs seu caráter de uma
organização pastoral e social reivindicatória (Betto, 1985, p. 17-18).

O trabalho das cebs tem como prioridade o trabalho com o povo e para o povo, a
conscientização principal é tornar o sujeito o criador de sua própria história, para isso o uso
da política tona-se uma das principais ferramentas, já que a política “é uma dimensão
fundamental para a vivência da fé” (OLIVEIRA, P. 2004, p. 14). Segundo Betto (1985)
muitos deixam a família para viver do trabalho pastoral, esses agentes pastorais ou
animadores de cebs podem ser padres, freiras, religiosos ou leigos. Por se tratar de pessoas
simples vindas de comunidades carentes na qual uma das características principais no
espaço habitado é a ausência de infraestrutura e políticas públicas. Os fatores que marcam
os membros das cebs tanto na zona rural quanto na urbana é a exploração do trabalho e a
expropriação da terra. Muitos buscam na religião o acalanto para a alma e a solução de
problemas, mesmos que esses se perpassem por verdadeiros milagres. A literatura estudada
afirma que alguns dos membros das cebs sofrerem torturas ou até mesmo serem
66

assassinados devido ao seu envolvimento em questões políticas, sociais e reivindicatórias,


e isso deve-se não ao alto nível de conscientização das comunidades eclesiais de base, mas
sim da própria conjuntura político, econômica e social na qual o Brasil passava. Com a
imposição do regime militar e consequentemente com o fechamento e proibições de vários
meios de comunicação, organizações e manifestações, a população buscou novos caminhos
para se estabelecer. Muitos encontraram nas cebs um lugar de convívio e organização
socioeducativa e conscientizadora (BETTO, 1985).

Ao falar das cebs, Betto (1985) destaca quatro fases importantes desse movimento
religioso. A primeira é a própria comunidade em toda a sua complexidade que busca na fé
cristã o direcionamento para as suas atividades sociais desenvolvidas. A segunda é a
mudança nos movimentos populares a partir da inserção de participantes membros das
comunidades eclesiais de base, dando ao movimento novas características, como a
integração de participantes de diversas religiões ou aqueles que não manifestavam
afinidade por nenhuma religião, mas todos juntos e unidos priorizavam a luta em prol dos
benefícios das camadas menos beneficiadas. A partir então da reflexão dos problemas
sociais que assolam cidades, bairros e ruas as cebs auxiliaram na criação de movimentos
populares autônomos, como clube das mães, grupos de teatro, luta pela causa indígena –
uma das principais ações na região Norte do Brasil–, entre outros, através dessas pequenas
políticas do cotidiano, políticas da vida pública, mobilizações que mesclavam a noção de
cidadania com direitos humanos e direitos sociais. Numa participação maior na política e
menor na religião católica. A terceira fase é o fortalecimento do movimento operário, que
pode ser mais bem vislumbrado em São Paulo, onde as cebs participavam por
reivindicações por melhores condições de serviço, de salário entre outras petições que
trouxessem valorização para a categoria. E a quarta está inserida na atuação da abertura
política e partidária. Segundo Clodovis Boff (2004) as comunidades eclesiais de base –
CEBs se transformaram um uma organização facilitadora do surgimento de organizações
populares como os sindicatos, associações de bairro e de formações partidárias de cunho
popular. E isso aconteceu por que as CEBs exerceram um trabalho pastoral e social voltado
principalmente para a união, a fraternidade e a solidariedade. Nas leituras consultadas
percebemos que alguns pesquisadores acreditam que as ações das comunidades eclesiais de
base em relação ao auxílio na criação e desenvolvimento dos movimentos populares eram
de baixo nível conscientizador, entretanto outros defendem as ações solidárias desse grupo
em prol dos sofredores de incontáveis injustiças, enfatizando que essas ações tinham o
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poder de alimentar o desejo, das camadas mais pobre da sociedade, de conhecer as causas
das desigualdades socioeconômicas e fortalecer o anseio por uma cidadania completa, sem
rupturas e emendas (Mainwaring, 2004).

É na luta pela água no bairro que a dona-de-casa descobre o verdadeiro caráter


do regime político em que ela vive e perde as suas ilusões a respeito do interesse
do Governo pelo povo. É nessa luta que ela adquire confiança na organização e
mobilização popular (Betto, 1985, p. 25).

As comunidades eclesiais de base – CEBs – são consideradas uma das maiores


contribuições ao catolicismo brasileiro, entretanto o seu nascimento foi menos auspicioso.
Segundo Mainwaring (2004), ao contrário do que ocorreu na América Central, no Brasil
as CEBs foram criações de padres e freiras. Desde o seu início as CEBs estavam ligadas
diretamente com a igreja institucional. Sua origem tinha como pretensão estreitar as
relações humanas e facilitar a evangelização e a educação religiosa, todavia a sua
“missão” foi para além das práticas religiosas tradicionais, suas ações adquiriram
importância política. Quando falamos de política não se trata somente de uma ação
partidária. E tão pouco o Estado deve ser entendido como o único agente social presente
na política pública, as decisões devem incorporar as sugestões e opiniões controladas
pelos cidadãos. Para Cortela e Ribeiro (2010, p. 44) “quando falamos, na política, em
cidadania plena, estamos nos referindo a escola de qualidade para todos, atendimento de
saúde adequado e possibilidade de trabalho digno”. “A politica tem a ver com as formas
de participação no poder da sociedade” (BOFF, L. 2004, p. 137). Nesses aspectos, a igreja
e as CEBs, principalmente estre as décadas de 1970 e 1980, desenvolveram as ações que
lutavam em prol desses benefícios para a população, principalmente as mais
empobrecidas. Entretanto as suas ações não se davam apenas nesse campo político e
social, por se tratar de uma comunidade religiosa havia também em seus encontros a
celebração de cultos, novenas e da catequese. Suas atividades unem as ações tradicionais
da igreja envolvidas diretamente com o clero hierárquico assim como as ações mais
revolucionárias, abarcadas no combate a opressão seja ela física, social, política ou
econômica. O discurso político no circulo bíblico é feito a partir do momento em que há
discussões acerca dos acontecimentos da vida, do cotidiano, já o discurso religioso ocorre
na leitura da Bíblia, é nesse momento que se estabelece um diálogo entre a Palavra de
Deus e os problemas e as lutas de cada componente da comunidade (ANDRADE, 2008).
Segundo Higuet (1984) é identificado a partir dessa prática de leitura da Bíblia feita pelas
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CEBs o contato direto com o sagrado e a capacidade reflexiva das classes populares em
relação aos problemas individuais e coletivos. Nesse momento de reflexão se estabelece
um tempo espiritual de encontro com o sagrado, concomitantemente este sagrado se
relaciona com os aspectos concretos da vida da comunidade. Discutindo o texto da Bíblia,
“o povo discute, a um tempo, sua própria realidade. A história bíblica, sem deixar de ser
história, torna-se espelho da realidade atual vivida pela comunidade” (HIGUET, 1984, p.
46). É através da mensagem de Deus, lida na Bíblia, que o povo religioso consegue obter
a base e a ajuda necessária para guiar a sua vida e suas experiências. As histórias de luta e
esperanças contidas no livro tornam-se exemplos a ser seguidos, a identificação dos males
sofridos na atualidade como a opressão sofrida pelo povo nos textos sagrados faz com que
essa comunidade busque com mais força ainda a libertação dos oprimidos. No culto o
Evangelho da Bíblia é analisado pelo víeis político e o religioso, sendo exercitado através
da oração. Segundo Betto (1985) em muitas cebs, durante o regime militar, o momento de
se pensar na vida, nos problemas sociais e em possíveis soluções eram momentos que
deixavam muitos membros temerosos e desconfiados de alguma represália devido ao
regime político imposto neste momento histórico, apesar disso Silva (2007) destaca as
ações heroicas de muitos membros das CEBs da diocese de Nova Iguaçu que eram
destemidos e lutavam em prol dos oprimidos arriscando a própria vida pelo ideal das
comunidades eclesiais de base e da Igreja Popular.

A diocese de Nova Iguaçu durante o governo religioso de Dom Adriano Hypólito


(1966/1995) em conjunto com a participação das CEBs e dos movimentos populares,
lutavam pelos direitos dessa parcela da população residente da Baixada Fluminense e que
compõem o território religioso da igreja, essas lutas eram expressas através das
reivindicações por serviços públicos e sociais, tal realidade era a tentativa de distribuir e
redistribuir os serviços a esse povo que por tanto tempo foi renegado (MELAZZO;
GUIMARÃES, 2011). O engajamento das lutas voltava-se para ações sociopolíticas
articuladas na fé, na vida e na política. As reivindicações se destinavam ao campo dos
direitos sociais, sendo a conscientização a ferramenta mais utilizada e valorizada pela
igreja, pois a crença estava na ideia de que um ser humano para ser completo precisa ser
consciente de seu papel na sociedade, para que assim possa lutar pelos seus direitos e da
coletividade, exercendo seu papel de cidadão.

As comunidades eclesiais de base desenvolviam obras que para muitos


pesquisadores tratavam-se de ações políticas rudimentares preocupadas principalmente
69

com a obtenção benefícios materiais imediatos, entretanto é inegável a sua importância e


influência no desenvolvimento de alguns movimentos populares com o passar dos anos,
principalmente quando a repressão do governo diminui. É importante ressaltar que muitos
dos líderes dos movimentos populares na Baixada Fluminense, principalmente em Nova
Iguaçu, tiveram o seu primeiro contato com a luta e a conscientização em prol de causas
justas da população mais carente através do trabalho direcionado e desenvolvido pelas as
CEBs, esses movimentos populares ao contrário das CEBs conseguiram articular melhor
suas ideias, unindo melhor os bairros do município de Nova Iguaçu e desenvolvendo
ações políticas mais amplas (MAINWARING, 2004).

Para entendermos melhor a relação entre os movimentos populares e igreja,


falaremos um pouco do surgimento dos movimentos sociais urbanos no Brasil e como a
aliança desses movimentos com a Igreja Católica resultou em benefícios para a
população, tanto em relação à consciência política e social vindas através da dos
encontros dos movimentos populares com as CEBs, quanto aos bens materiais alcançados
através das reivindicações.

2.3 Dom Adriano Hypólito no espaço religioso plural

Os movimentos sociais urbanos serão um dos temas analisados aqui, principalmente


em conjunto com as ações da igreja. São chamados de movimentos populares – não que
eles sejam somente populares, mas é o atributo principal que marca a maioria dos
movimentos reivindicatórios urbanos –, possuem esse nome devido ao campo de atuação
desses movimentos, já que eles ocorrem nas cidades, e voltam-se para as questões urbanas
que vão desde a implantação de serviços públicos até a luta pelos direitos humanos. Os
movimentos populares podem ser definidos como uma organização que não satisfeita
como a atual qualidade de vida imposta ou com a defasagem dos equipamentos urbanos,
buscam mudar suas realidades vividas, sejam através da força física ou das reivindicações
imposta pelo movimento por meio da pressão política (SANTOS, 2008). A política de
identidade, muitas vezes, é o que marca esses movimentos sociais. A política de identidade
concentra-se em afirmar a identidade cultural das pessoas que pertencem a um determinado
grupo oprimido ou marginalizado. Essa identidade torna-se assim um fator importante de
mobilização (WOODWARD, 2011). Existem dois principais tipos de movimentos sociais
70

urbanos, os que lutam na tentativa de transformara sociedade tornando-a mais igualitária,


onde os aspectos das lutas são de caráter mais revolucionário; e os movimentos que lutam
apenas para que as suas petições sejam atendidas, quando essas são realizadas,
normalmente o movimento se dissolve. Em ambos os tipos de movimentos, as principais
matérias primas para a reivindicação popular costumam ser a espoliação urbana e a
opressão política (SANTOS, 2008).
Os movimentos sociais urbanos se fortaleceram no Brasil na década de 1970, tal fato
revelou-se como uma resposta ao quadro político e socioeconômico pelo qual o país
passara, presenciaram-se moradias precárias, falta de infraestrutura, desempregos entre
outras mazelas que acarretava a grande insatisfação da população, principalmente daquelas
menos favorecidas economicamente. Devido a implantação de um governo autoritário na
década de 1964, os sindicatos não possuíam “voz reivindicatória”, a liberdade foi
suprimida. Os movimentos sociais urbanos nesse momento e no decorrer da década de
1980 pode se legitimar através do apoio, de uma parte da população, como intermediador
que expressava insatisfação da sociedade civil e cobrava políticas aos que detinham o
poder de governar (MIZUBUTI, 2006). “O alvo dessas manifestações era então,
preferencialmente, o poder público; quanto mais próximo, maior a frequência dos eventos
e maiores as possibilidades de se verem atendidas as reivindicações” (Mizubuti, 2006, p.
234). É importante ressaltar que nesse período, final dos anos de 1960 e os anos de 1970,
no mundo eclodiam vários tipos diferentes de movimentos, sejam eles sociais, políticos ou
de gênero. Cada “movimento apelava para a identidade social de seus sustentadores.
Assim, o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e lésbicas, o
movimento antibelicista aos pacifistas” e assim por diante (Hall, 2006, p. 45).
Os movimentos sociais urbanos no Brasil, como sabemos, surgem e se
desenvolvem dentro das grandes cidades, especificamente nas áreas metropolitanas
(SANTOS, 2008). Tal fato está atrelado ao processo de urbanização brasileira que
construíram ao longo dos anos cidades com características concentradoras de bens e
serviços. Ao mesmo tempo essas cidades atraíram, principalmente na década de 1950, –
quando a urbanização atinge uma velocidade transformadora – um grande contingente
populacional, juntamente a esse fato poucas ações políticas e sociais foram praticadas de
maneira equilibrada no espaço urbano, ao invés disso a ação pública contribuiu para
construção diferenciada desse espaço urbano, promovendo áreas de interesse do capital e
das classes abastardas de benefícios e que foram negadas as demais classes, resultando
então na criação também de áreas de extrema carência (ABREU, 1986). É nesse contexto
71

que os movimentos sociais urbanos tornam-se verdadeiras ferramentas de ações em busca


de mudança de vida (MIZUBUTI, 2006).
As ações desses movimentos, consequências das precariedades cotidianas, fizeram
com que a população se tornasse mais unida e politicamente mais consciente e isso se
refletiu na tentativa de estruturação do espaço urbano. Segundo Santos (2008) durante a
década de 1980 nas regiões periféricas das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro surgiram
movimentos populares que reivindicavam por novas formas de administração pública, a
exigência estava na participação popular na gestão dos serviços públicos, os movimentos
de saúde foram os que mais conseguiram essa conquista. Entretanto, a proposta de
participação popular na gestão dos serviços públicos começa a ser verdadeiramente atuante
e mais representativo a partir da permissão implementada pela Constituição Federal de
1988. Os movimentos populares podem “alterar as decisões imposta pelo bloco
hegemônico, e assim contribuir para a melhor das condições de vida dos trabalhadores da
cidade, com base em alternativas políticas para a superação das enormes desigualdades
econômicas e sociais vigentes” (SANTOS, 2008, p. 17).
Apesar da participação popular no Brasil só se tornar verdadeiramente mais atuante a
partir da Constituição Federal de 1988, sabemos que os movimentos populares já existiam
muito antes disso e, muitos deles se manifestavam em pequenos núcleos onde os
componentes em sua maioria eram vizinhos de rua. Esses movimentos eram associação de
moradores, centros comunitários, cursos de qualificação profissional, entre outros. Os
agentes políticos de fomentação desses movimentos muitas das vezes não eram religiosos,
mas com o aumento da pressão social e política a esses movimentos populares eles
encontraram na igreja popular um lugar de apoio e incentivo onde a força da comunidade
poderia ser reforçada e atuante. A igreja passou a ser não só um lugar de adesão com
também de articulação do movimento popular (MAINWARING, 2004). Como foi o caso
das CEBs da Diocese de Nova Iguaçu e do Movimento amigos do Bairro.
No final da década de 1960 Dom Adriano Hypólito tentou organizar a população
da Baixada Fluminense através do Movimento de Integração Comunitária que tinha como
pretensão unir os membros da igreja católica local a fim de encontrarem um modo de
obterem melhores condições de serviços urbanos. O Estado dissolveu o movimento
(MAINWARING, 2004). Em 1975, foi criado em Nova Iguaçu, com o apoio da diocese,
o Movimento Amigos do Bairro – MAB – de grande influência na organização do
movimento popular na Baixada Fluminense. A religião e a dimensão social do/ no lugar
acontecia no espaço. Esse movimento personificou o caráter de reivindicação e de
72

protesto, seu desejo era tornar-se um intermediador entre a sociedade civil e poderes
públicos constituídos. Entretanto é importante ressaltar que antes de mesmo da formação
do MAB, na década de 1950 já havia formado as primeiras associações de bairro, e em
1960 os líderes organizaram o I Congresso das Comissões pelas Melhorias Urbanas dos
bairros de Nova Iguaçu, o congresso foi tão veemente em suas petições e protestos que
conseguiram alcançar algumas respostas por parte da prefeitura. Antes mesmo do golpe
militar de 1964, os movimentos operários e os trabalhadores rurais já se mobilizavam na
Baixada Fluminense, mostrando- nos o histórico de lutas pelo qual região tem passado
(MAINWARING, 2004). Com o golpe militar a situação da Baixada Fluminense tornava-
se ainda mais difícil de suportar, pois a população continuava a crescer, as infraestruturas
que existiam tornavam-se ainda mais obsoletas e a violência com seus desdobramentos
deixava a população totalmente desprotegida e entregue a própria sorte. A conjunção
desses fatores formou um riquíssimo ingrediente para a eclosão dos chamados
movimentos social urbano (MIZUBUTI 2006).
O Movimento Amigos do Bairro originou-se através da ação de dois jovens
médicos que decidiram auxiliar a saúde pública da população mais carente das cidades
distantes. Suas ações eram pontuais e podem ser interpretadas como paliativas já que
tornava-se difícil implantar métodos preventivos de doenças e mesmo os básicos de
higiene uma vez que a população vivia uma realidade precária com ruas sem
pavimentações, esgotos a céu aberto, água contaminada, entre outros. Em 1975 a filial
diocesana de Cáritas - um órgão internacional da Igreja Católica de amparo aos pobres -
resolveu ajudar aos dois médicos contratando mais dois para todos juntos, inclusive a
diocese de Nova Iguaçu, pudessem administrar ações com melhores resultados. A diocese
organizou a primeira discursão sobre saúde tendo a equipe médica como os condutores do
curso. A maioria dos participantes dos cursos eram profissionais da área de saúde. Vendo
isso os jovens médicos ficaram desejosos de ampliar o público enfatizando a raiz da causa
dos problemas de saúde. Esse movimento embrionário adentrou em alguns grupos da
igreja e nos bairros do município de Nova Iguaçu.
Predominava nas discussões os problemas gerais pelo qual a população mais
carente enfrentava. Os desdobramentos dessas primeiras ações resultaram em organizações
espaciais de bairro. Em 1978 o movimento torna-se oficialmente Amigos de Bairro,
passando a assumir expressões de um movimento que não deseja ser cerceado pelos limites
ideológicos da igreja – nesse caso pela diocese de Nova Iguaçu, pelo contrário deseja
chegar a massa trabalhadora de toda e qualquer origem. Com isso o movimento cresce e
73

passa a ter objetivos políticos mais amplos, com um jornal informativo e um arquivo
central contendo inúmeros endereços para quem deseja ter uma qualificação profissional
melhor, posteriormente o MAB consegue ter mais afinidade com alguns políticos locais,
porém não há forte apoio por partes desses políticos, além da imprensa direcionar olhares
para as ações do movimento, todos esses fatores tornam as pressões para cima da prefeitura
ainda mais veementes (MAINWARING, 2004).
O bispo Dom Adriano Hipólito é considerado o elo da união entre a diocese e o
MAB, através desse agente religioso o movimento popular adquiriu auxílios da Cáritas,
podendo assim criar trabalhos focando a saúde para a população além de proporcionar o
desenvolvimento do próprio MAB. Além disso, a Comissão de Justiça e Paz e a Comissão
Pastoral Operária (CPO) também deram amparo para esse movimento. Apesar de todas as
transformações ocorridas com o MAB e da sua autonomia em relação à igreja, essa não
deixou de apoiar, muitos padres encorajavam os membros das CEBs a entrarem em
associações valorizando a participação política e impulsionando o desenvolvimento de
lideranças populares. Muitos integrantes de CEBs tornaram-se líderes dos movimentos
populares com o passar do tempo, isso deve-se ao incentivo da igreja e eles tinham
consciência disso, muitos agradeciam a igreja por ter proporcionado a aproximação com a
justiça social.
Além de mostrar uma forte atuação política na Baixada Fluminense Dom Adriano
não esqueceu de olhar para o povo da localidade programar e efetivas as estratégias
religiosas. Ressalta-se as manobras desse agente religioso afim proteger os devotos
católicos de outras religiões que viam crescendo na localidade. No início da década de
1970, antes mesmo de organizar com mais veemência os movimentos populares,
principalmente o MAB, Dom Adriano tratou de buscar auxílio para investigar o território
religioso da diocese no que diz respeito a difusão do catolicismo e de outras religiões. O
projeto direcionado por Dom Adriano nesse período foi o de contratar pesquisadores para
fazer um levantamento da área contendo dados históricos, geográficos, as características
das diferentes religiões que existiam no território religioso da diocese, seus respectivos
crescimentos na área entre outros. Percebe-se que o bispo primeiramente procura conhecer
o território da diocese e sua realidade social e religiosa para depois concretizar as
estratégias nesses dois campos. Dom Adriano investiga o território, capacita os agentes
sociais e religiosos ao mesmo tempo busca mais adeptos para o catolicismo através de suas
ações sociais em busca de cidadania.
74

A Baixada Fluminense como já foi dito, configura-se em uma área diversificada em


seu âmbito natural, social, religioso e econômico. As áreas que integram o território
religioso da diocese, ou seja, uma porção relevante da Baixada Fluminense, nasceram
“como uma área de passagem cujo povoamento se fez pelo processo migratório, trazendo
em consequência uma situação social precária” (ROLIM, 1973, p. 7). Em relação ao
fenômeno religioso, Rolim (1973) nos diz que só no século XVII que surgem as primeiras
capelas públicas dentro do território da diocese. A freguesia de Santo Antônio de Jacutinga
data de 1657 é o primeiro templo católico público da área. Em relação ao surgimento de
outras religiões na Baixada Fluminense destaca-se a Umbanda que surge nessa localidade
por volta do século XX, todavia seus elementos afro-brasileiros datam de um passado
distante. Já a manifestação da religião Espírita Kardecista também data no século XX.

Na segunda metade do século XX o protestantismo e o espiritismo – na análise de


Rolim (1973) inclui-se a Umbanda e o Kardecismo – são os mais atuantes no território
religioso da diocese. O protestantismo chega a Baixada Fluminense na primeira década do
século XX, sendo que os primeiros templos evangélicos a surgirem foram os da
denominação Congregacionais que se fixa em 1913. Com o passar do tempo outras
denominações surgem, como Batistas e Presbiterianas (1922), Assembleia de Deus (1924)
e Metodista (1926). Já as denominações Casas de Oração, Cristã Evangélica e Obra de
Restauração surgem entre 1930 a 1939. Os Adventistas chegam em 1948. Entre 1950 a
1959 chegam a Cruzada Nacional de Evangelização, Testemunhas de Jeová, Luteranos e
Igreja Cristão Pentecostal. Dentro dessa pluralidade de religiões juntamente com o
crescimento da população da Baixada Fluminense, a Igreja Católica sente a necessidade
urgente de criar uma diocese nessa área. Segundo Rolim (1973, p. 20) “os templos
protestantes somavam 209 dos quais 102 estavam no município de Nova Iguaçu”. Diante
disso, podemos concluir o motivo da diocese está situada nesse município, uma vez que a
população e as religiões concorrentes se concentravam ali.

Sendo assim, em 1960 instala-se a diocese de Nova Iguaçu, entretanto muitas ações
estratégias ainda eram necessárias na busca de novos fiéis uma vez que o protestantismo
crescia na localidade. “Em 1969 eram 209 os lugares de culto católico em toda a diocese,
repartidos pelas paróquias, enquanto os templos protestantes alcançavam a cifra dos 605”
(MAPA6).
75

Mapa 6 – Mapa da diversidade religiosa no município de Nova Iguaçu


Fonte: ROLIM, 1973 adaptado por COSTA, 2012
76

Diante desse quadro, mais uma vez percebe-se a preocupação da igreja católica em
estudar de modo mais profundo a questão das religiões e suas manifestações na Baixada
Fluminense, para adequar suas estratégias. Além do crescimento dos templos evangélicos,
outro problema pela qual a igreja católica atravessava entre as décadas de 1960 e 1970 era
a escassez de padres que se tornava algo preocupante para as hierarquias das igrejas, uma
vez que os fiéis não possuíam todo o aparato necessário, ou seja, a demanda de fiéis era
maior que a oferta religiosa católica. Os evangélicos não possuíam esse problema, não só
porque havia mais templos e lugares de cultos na área, mas sim porque as atividades
religiosas como a de evangelização eram feitas pelos leigos, tal fato propiciava uma
difusão mais rápida da religião entre a população da Baixada Fluminense. O pesquisador
Rolim (1973) chega a conclusão, em relação aos evangélicos e o território religioso da
diocese, que “o protestantismo é cada vez mais penetrante numa população que aumenta
cada vez mais, (...) seu maior crescimento ocorre, sendo sua concentração maior, na área
mais populosa e mais densa da diocese”. Aos olhos da igreja católica havia uma intensa
necessidade de novas estratégias para assim concorrer com as igrejas evangélicas.

O relatório constantemente ressalta a preocupação do crescimento demográfico de


algumas áreas integrantes do território religioso da diocese, como Mesquita, Nilópolis,
Belford Roxo e São João de Meriti, relacionando esse fator com o crescimento urbano
acelerado e desordenado juntamente com a penetração acelerada do protestantismo e da
Umbanda. Essa preocupação desencadeia em sugestões, como a avaliação da situação das
paróquias localizadas nessa área e a imediata inserção da pastoral voltada para as
necessidades básicas da população tanto no contexto religioso como social. Outra sugestão
do autor é a igreja católica buscar um novo estilo de atuação diferenciador, implementar
modelos de cultos sem missa de maneira que os leigos possam dialogar em torno das
reflexões dos textos bíblicos sem obrigatoriamente a presença dos padres, uma vez que
esses são relativamente escassos na localidade, é um modo de proporcionar
responsabilidades a comunidade pela atuação religiosa e sua difusão.

A aplicação das estratégias sugeridas pela tese pastoral entre outras estratégias
sociais e religiosas implementadas pela diocese de Nova Iguaçu afim de assegurar o seu
território religioso e difundir suas ideias será a nossa análise do próximo capítulo.
77

Notas
________________________________________________________________________________

1
Cáritas Diocesana é uma organização internacional da igreja católica que oferece assistência
social ao grupo social menos favorecido economicamente em várias partes do mundo.
2
A então paróquia de Santo Antonio de Jacutinga é desde 1960 a Catedral de Nova Iguaçu,
localiza-se próximo a estação de trem. Ela foi construída nessa área devido a forte centralidade
que existia nesse local no final do século XIX, pois ali onde ocorriam as trocas de mercadorias, os
pequenos serviços e principalmente o transporte do café. Antes ela ficava na Vila de Iguaçu,
localidade próximo ao rio Iguassú, mas foi transferida para a antiga Maxambomba, hoje
conhecida como a cidade Nova Iguaçu onde fica a atual diocese.
3
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, trata-se de um órgão regulador constituído por
bispos, sendo este órgão o porta-voz do Vaticano.
4
Conselho Presbiterial é um conselho de padres que ocupam cargos de coordenação dentro da
Diocese juntamente com o bispo diocesano. O nome presbiterial vem da palavra presbítero
(padre).
3 ESPAÇO, POLÍTICA E JUSTIÇA SOCIAL: ESTRATÉGIAS RELIGIOSAS

Neste capítulo iremos conhecer as ações estratégicas e as realizações sociais e


religiosas direcionadas pela diocese de Nova Iguaçu principalmente durante as décadas de
1970 a 1980, além de ressaltar os planejamentos elaborados pela a diocese afim de
enfrentar a concorrência com outras religiões, tendo como base a tese pastoral
desenvolvida na década de 1970. Também iremos interpretar as políticas religiosas que
permearam as ações do Vaticano e que deliberou uma nova dinâmica territorial da diocese
de Nova Iguaçu com o desmembramento do seu território religioso, e ainda apontaremos
a nova fase da Igreja Católica brasileira que consiste em um novo posicionamento
sociopolítico frente à nova realidade vivida pela população advinda com o fim do regime
militar.

3.1 Conhecendo o território religioso da diocese: a pluralidade religiosa (tese pastoral


de 1973)

O bispo Dom Adriano Hypólito além de buscar auxiliar a população através das
reivindicações dos serviços públicos dignos, era um homem de extrema inteligência e
estrategista. Suas ações voltavam-se também para a “exploração” do território religioso
da diocese de Nova Iguaçu com a finalidade de obter conhecimentos das condições
favoráveis com vista a objetivos específicos, nesse caso religiosos.
No final dos anos 1960 após a II Conferencia Episcopal Latino-Americana em
Medellín, Colômbia, as igrejas católicas da América Latina foram incentivadas a
conhecer a vida da população, a sua cultura, sua religiosidade e seu comportamento
(ANDRADE, 2008). Conhecer a realidade da população possibilita a estruturação da
religião no território e suas manobras territoriais. Segundo Andrade (2008, p. 259) esse
procedimento era necessário, pois
O objetivo que a igreja católica visava era compreender as manifestações
religiosas e culturais para poder agir num povo que apresentava uma
religiosidade extremamente diversificada, complexa e incompreensível aos
olhos da igreja por que fugia ao padrão considerado correto pela instituição. Era
necessário conhecer e depois agir para mudar uma postura considerada
imprópria.
79

Diante dessa situação de incentivo a conhecer as práticas culturais da população


local, no início da década de 1970, um pouco antes do surgimento oficial do Movimento
Amigos do Bairro, o bispo Dom Adriano no comando da diocese de Nova Iguaçu contrata
uma equipe de pesquisadores com o propósito de construir um documento da área
investigada, conhecer o território para melhor administrá-lo como já foi dito
anteriormente. O objetivo desse documento, que se transformou em tese pastoral, era
executar um levantamento histórico, cultural, social e econômico das áreas que
integravam o território religioso da diocese com a pretensão de ter um documento base
que pudesse nortear as ações pastorais da igreja. Tais informações fornecidas por este
documento auxiliaria também no entendimento das estratégias utilizadas por outras
religiões, como a Umbanda e o Pentecostalismo, que crescia de maneira preocupante aos
olhos da igreja católica. Em nosso entender, percebe-se que esse documento servia como
uma “estratégia” poderosa para a diocese, pois através dos conhecimentos assimilados a
igreja desenvolveu ações para melhor organizar as lideranças religiosas com a pretensão
de conquistar novos fiéis e mantê-los, além disso, conhecer as religiões concorrentes e as
suas táticas eram instrumentos necessários para manter a igreja católica atenta as suas
ações evangelizadoras, enfatizando aquelas que melhor poderiam se projetar na Baixada
Fluminense.Acreditamos que com essa tese pastoral a diocese buscou analisar e entender
a realidade de seu território religioso para melhor se preparar em suas dinâmicas
religiosas, tanto na conquista de novos adeptos quanto na busca constante de manter os
fiéis. Para os pesquisadores que desenvolveram esse documento, o objetivo desse estudo
era analisar o fenômeno religioso numa área de diversificação religiosa, vinculando assim
o fenômeno religioso à área.
No corpo do relatório que se transformaria em tese pastoral da diocese de Nova
Iguaçu, o pesquisador e religioso Rolim (1973) analisou dois pontos importantes que
devem ser ressaltados, o primeiro é que o território da diocese constitui-se em uma área
religiosa onde essa religiosidade manifesta-se de maneira diversificada, ou seja, são várias
as religiões que se manifestam na Baixada Fluminense, com destaque para as
denominações pentecostais que vinham crescendo mais do que as outras com o passar das
décadas (MAPA 7).
80

Mapa 7 – Evolução dos templos protestantes no município de Nova Iguaçu


Fonte: ROLIM, 1973 adaptado por Costa, 2012
81

O segundo ponto é que o território pertencente aos cuidados da diocese era


caracterizado por ser uma “área diversificadamente religiosa, mas onde a diversificação é
decorrente da passagem de uma religião para a outra” (Rolim,1973, p. 185). Pelos estudos
analisados observou-se que uma parte considerável dos que foram entrevistados pelo
pesquisador em relação à escolha de sua religião demostraram que esses já seguiam outra
religião antes da que se declarava adepto no momento da entrevista, mostrando assim a
movimentada transição de fiéis de uma religião para a outra. Além desses pontos
importantes, Rolim (1973) ressalta os desafios enfrentados pela igreja católica em relação à
realidade local e a possível ação que essa deveria executar, entre elas destacou:

a) a necessidade da igreja se inserir na realidade socioeconômica e religiosa local, com o


objetivo de entendê-la e não rejeitá-la, se esforçando em atuar sobre essa realidade;

b) diante da diversidade religiosa a igreja católica precisava ser um grupo diferente dos
demais e diferenciador, buscando atingir variados grupos com a mensagem do evangelho,
isso inclui crianças, jovens e adultos;

c) a diocese deveria assumir como seus os problemas locais, mostrando que a pastoral não
se restringe ao aspecto religioso, mas também ao aspecto social.

Rolim (1973) destaca a sua preocupação em relação à diocese e seu território


religioso, ressaltando a questão da pouca quantidade de padres distribuídos nesse território,
problema este que já foi ressaltado. Em suas palavras fica clara a relação não harmoniosa
entre oferta e procura religiosa católica. Esse era um fator preocupante para a igreja
católica uma vez que havia uma quantidade considerável de outras religiões e seu relativo
crescimento. Outro ponto enfatizado era a necessidade de se estimular mais atividades
religiosas destinadas aos leigos, ou seja, dar mais autonomia a esses agentes religiosos,
delegando-os funções que ficavam muito restritas ao clero, e como já sabemos os padres
eram poucos para a demanda religiosa. Fica evidenciado que havia necessidade do
crescimento da crença católica na Baixada Fluminense, e que esta só aconteceria com mais
força e eficácia, tendo como principal contribuição às ações dos leigos e das formações de
grupos de fiéis que tem sua raiz baseada na fé e nos problemas relacionados com a sua
terra. Esse grupo também chamado de comunidades eclesiais de base surgirá e dará um
novo dinamismo para o território religioso da diocese de Nova Iguaçu. Uma estratégia
pensada por Dom Adriano Hypólito e endossada pelo sociólogo e padre Rolim, que
intensifica a necessidade da participação dos leigos nas atividades da igreja, de dar
82

oportunidade a atuação dos leigos, já que ela é muito disponível na área de atuação da
diocese, e uma vez não aproveitada acaba sendo canalizada pelos cultos protestantes. O
leigo “será passivo se for mero executor do que o padre projeta. Mas tornar-se-á atuante a
se ver engajado numa obra, que possa sentir também como sua” (p. 205). Esse sentimento
de pertencimento a uma coletividade vai fortalecer ainda mais a identidade religiosa e de
lugar do homem religioso. Além disso, Rolim (1973) oferece sugestões de como incentivar
a realização das comunidades eclesiais de base e como conduzi-las, suas abordagens
propõem que as intervenções do padre nesse movimento seja de animador das cebs, sendo
o seu papel o de estimular e conduzi-las, mas sem controlá-la, dando maior autonomia
possível para os integrantes dessa formação para que cada um encontro o seu lugar nos
trabalhos da igreja local, enfatizando as atividades tanto de cunho religioso quanto de
cunho social. “Nota-se que o leigo é passivo debaixo da mediação do padre, mas pode
tornar-se atuante, quando internaliza valores religiosos e age dentro de sua liberdade de
leigo” (p. 201). A partir da atuação dos leigos esses buscam entender e se conscientizar dos
problemas alheios e da própria comunidade. Nessa relação tanto o padre aprende com a
comunidade quanto à comunidade com o padre. Sendo o leigo a agente principal desse
dinamismo encontrando no padre o animador de seu grupo, descobrindo as características e
os talentos dos leigos.

3.1.1 Ações estratégicas de Dom Adriano na diocese de Nova Iguaçu

Entre as primeiras ações de Dom Adriano ao chegar à diocese está à criação do


Conselho Prisbiterial – que é um conselho de padres que ocupam cargos de coordenação
dentro da Diocese juntamente com o bispo diocesano – e a introdução do sistema de
eleições diretas para o preenchimento dos cargos diocesanos. Em 1968, foi criado o
Movimento de Integração Comunitária (MIC). Um dos principais trabalhos desenvolvidos
pelo movimento foram os Clubes das Mães, que eram grupos de mulheres que aprendiam
e ensinavam vários trabalhos manuais e que refletiam sobre cidadania, essas ações
também foram respostas aos problemas sociais da Baixada Fluminense (SILVA, 2007). A
mulher recebia ensinamentos religiosos e passava no lar para os filhos. Tal estratégia
bastante antiga, mas de bons resultados (ROSENDAHL, 2001 a).
83

No final da década de 1960, foram realizados os primeiros encontros diocesanos de


Planejamento Pastoral, de Pastoral Catequética e de Pastoral Social. Outra inovação
ocorrida no território da diocese foi em 1970 quando a coordenação do trabalho pastoral
da paróquia de Tinguá (em Nova Iguaçu) passa a serem exercidas pelas freiras da
Congregação de Santa Cruz, elas viraram religiosas regentes, tal incentivo de Dom
Adriano por essa proposta é visto como algo inovador dentro das funções religiosas da
localidade (MENESES, 2010). Ainda no início da década de 1970 o bispo resolve
contratar pesquisadores para fazer levantamentos sobre a história, a economia e a religião
do território religioso da diocese com a pretensão de melhor conhecer a localidade para
assim melhor imprimir suas estratégias religiosas e sociais. Aliada a essa estratégia de
conhecimento do território da igreja, Dom Adriano promove a realização em 1973 de um
centro de formação de líderes, conhecido também como CENFOR (Centro de Formação),
a intenção do Centro era difundir a teologia, realizar a formação diocesana e fortalece-la.
Além de realizar cursos, seminário e encontros afim de promover conhecimentos,
experiências e consciência política e social daqueles que estavam diretamente envolvidos
ou não com a igreja. Nos depoimentos de Dom Adriano, e que foram relançados no
Jornal Diocesano Caminhando de 2003, ele fala da criação e dos objetivos do CENFOR,
esta organização pretendia atingir o maior número possível de pessoas, para que essas se
tornassem multiplicadores da mensagem cristã e influenciasse ainda mais os outros. Os
projetos do CENFOR eram direcionados principalmente para o público jovem, mostrando
a preocupação do bispo em relação a esse grupo. Segundo Dom Adriano são os jovens
que “mais cedo ou mais tarde, formados ou deformados, preparados ou despreparados,
vão assumir seu papel na comunidade eclesial ou civil” (Jornal Diocesano Caminhando,
2003, p. 10). Os trabalhos desenvolvidos pelo Centro de Formação incluíam atividades
bem didáticas e instrutivas, a intenção era promover informações e conhecimentos para
todos os integrantes. O uso de cartilhas, leituras, debates, encenações, entre outros tipos
de práticas eram muito recorrentes. O intuito era transformar simples cidadãos em fortes
líderes de sua própria vida. Dentro desta perspectiva, essa organização foi um importante
centro difusor, por gerenciar uma mudança significativa em uma parte da sociedade
iguaçuana, ou seja, provocou uma nova maneira de ser no mundo onde o bem comum
estava em primeiro lugar (SILVA, 2007). A preocupação em relação à juventude não
ficou apenas configurada no CENFOR, outros projetos também foram desenvolvidos
tendo os jovens como foco principal. Entre 1968 a 1979 foram realizados encontros que
reuniram jovens e sacerdotes, o objetivo era preparar esse grupo para as paradas jovens.
84

Durante esse período foram realizadas mais de 33 paradas. Além desse trabalho deve ser
destacado também o Movimento Oásis que eram liderados por jovens e destinados a eles,
o movimento procuravam os jovens que estavam afastados da igreja e tentavam inseri-los
novamente nos movimentos religiosos; outro projeto importante foi a Pastoral da
Juventude que trouxe uma nova dinâmica para a diocese de Nova Iguaçu com a realização
de criativos encontros como por exemplo as várias edições do Dia Nacional da Juventude
(MONTEIRO, 2010).
Já em 1975, surge no município de Nova Iguaçu o Movimento Amigos do Bairro,
como vimos, esse movimento teve grande influência na organização do movimento
popular na Baixada Fluminense, a religião e a dimensão social do/ no lugar. Em 1977 é
criada a Comissão Social da Terra que se empenhava em defender a posse de terra feita
por uma considerável parte da população, que com o passar dos anos vinha crescendo
ainda mais (SILVA, 2007). Ainda na década de 1970, Dom Adriano começa a escrever
em dois jornais que circulavam pelas dioceses do Brasil, que eram A Folha e o Boletim
Diocesano. Além disso, cria a Comissão de Justiça e Paz com o intuito de minimizar as
ações dos grupos de extermínios e sua atuação na localidade. A religião e sua dimensão
política no lugar.
Todas essas ações incomodavam muito ao governo que via o bispo como um
comunista.O golpe de 1964 e os violentos atos exercidos pelo governo fez com que Dom
Adriano se solidarizasse com os sofrimentos do povo e se aproximasse ainda mais desse,
tal postura do bispo em relação à população mais humilde era visto como uma afronte ao
regime militar, tal situação desencadeou sucessivas perseguições e ameaças. “Dom
Adriano nunca se deixou intimidar, e o recado dos incomodados não tardou” (Meneses,
2010, p. 37). Após dez anos a frente da diocese de Nova Iguaçu, Dom Adriano é
sequestrado, humilhado, torturado e abandonado em um local ermo na zona oeste do Rio
de Janeiro, os sequestradores ainda avisaram que o próximo bispo a sofrer as mesmas
atrocidades seria Dom Valdir Calheiros, bispo de Volta Redonda (RJ). Nas inúmeras
entrevistas após esses acontecimentos, Dom Adriano relata suas tristes lembranças:
Eles puseram um capuz na minha cabeça e me obrigaram a entrar num
automóvel, arrancaram as minhas roupas e me passaram a chutar e pisar
meu corpo. (...) Preparei-me para morrer enquanto eles prosseguiam
com toda a sorte de humilhações. Depois esguicharam um spray de tinta
vermelha pelo meu corpo, abandonaram-me, algemado e nu, numa rua
escura de Jacarepaguá (Meneses, 2010, p. 37).
85

Além do sequestro os criminosos ainda roubaram e atearam fogo no carro do bispo


em frente a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no Largo da Glória, no
centro da cidade do Rio de Janeiro. Oficialmente ninguém foi identificado como o agente
ou o mandante desse brutal crime, embora algumas acusações denunciem como
responsável principal um oficial do Exercito conhecido como tenente-coronel José
Ribamar Zamith1 (SILVA, 2007). Mesmo “perseguida, a igreja se fortalece como
instituição, à medida que, perseguida, ela é mais irmãs dos pobres, dos perseguidos como
ela, (...), dos ofendidos, dos sem vez e sem voz” (CASTRO, 1985, p. 32).
Mesmo com toda esta represália, Dom Adriano permaneceu com sua atuação no
lugar. Em 1977 após se recuperar, a sua nova ação voltou-se para um projeto mais
inovador para a Baixada Fluminense, tratava-se do início de uma futura comissão diocese
de justiça e paz, mas que começava apenas como um encontro para debater os sucessivos
atos de violência que acontecia até então no Brasil e a necessidade de busca constante
pelos direitos humanos. Entretanto mais uma vez o governo militar tenta mudar o curso
da história do povo da Baixada Fluminense e através da força e intimidação consegue
impedir a realização do encontro, “o local escolhido para sediar o debate foi cercado com
um aparato de guerra” (MENESES, 2010.p. 38). A ação política militar atua na ação
política religiosa. O Estado tenta comandar a igreja. Durante esse período, o governo
militar age mais uma vez com intenção de enfraquecer as ações da diocese de Nova
Iguaçu, a sua estratégia foi espalhar na cidade do Rio de Janeiro e na Baixada
Fluminense, em pleno domingo de Pentecoste, uma edição falsa do jornal diocesano A
Folha com relatórios de Dom Sigaud – bispo de extrema direita - acusando alguns bispos
de comunistas (SILVA, 2007). Apesar de todos esses acontecimentos, não foi somente o
bispo Dom Adriano que sofreu com as inúmeras perseguições durante o regime militar,
muito outros padres, bispo e religiosos também foram perseguidos, torturados e até
mortos. A perseguição sofrida por Dom Hélder Câmara foi implacável, assim como a de
seus colaboradores. Dom Pedro Casadálga também é um exemplo de homem que assumiu
com coragem os problemas da terra numa área de intensos conflitos conhecida como a
região do Araguaia-Tocantins, assim como Dom Paulo Evaristo que lutou em prol dos
pobres e tantos outros (CASTRO, 1985). “A sociedade se beneficia como um todo
quando existem indivíduos que se sobrelevam aos demais através de seu testemunho de
vida” (BOFF, C. 2004, p. 58).
86

No início do ano de 1978, Dom Adriano cria a comissão de Justiça e Paz através
do Decreto 01/1978 na CNBB, o bispo aproveita a presença de inúmeros repórteres para
fazer suas declarações e desabafos em relação aos direitos humanos.
(...) lembrando que o pecado atinge proporções escandalosas na nossa
área (Baixada Fluminense), (...) não temos força militar, não temos força
política, não temos força econômica, mas nossa força é a fé. A História,
disse ele, são os homens que a fazem, não a força cega que nos esmaga.
Afirmando aos fiéis que somos sinal da esperança [...], o Bispo de Nova
Iguaçu convidou a todos para que com esse espírito de alegria e
esperança cantassem o Hino Nacional que finalizou a celebração (Jornal
do Brasil, 1978, p. 5).

A criação dessa comissão tinha como finalidade segundo Dom Adriano “defender
os Direitos Humanos à luz da fé” (Jornal do Brasil, 1978, p. 5). A tensão era constante e
com a criação desta Comissão se fortaleceriam as forças de paz. Era o que o bispo
acreditava, todavia após mais essa ação política e social liderada por Dom Adriano as
ameaças a sua vida tornaram-se ainda mais constante: “o bispo não aprendeu a lição” e
por isso “receberá o castigo” ainda mais violento que da primeira vez. Essas ameaças
geralmente vinham através de telefonemas anônimos à diocese (SILVA, 2007). Além
disso, o bispo era constantemente vigiado, houve momentos em que durante viagens ao
interior do estado do Rio de Janeiro percebia-se, durante o percurso, a presença de
helicóptero militar (MENESES, 2010).
Dois importantes acontecimentos ocorridos na década de 1970 mostram um pouco
mais da personalidade e postura de Dom Adriano Hypólito em relação à política e religião
que foram a sua indicação como delegado da Terceira Conferência Latino Americana
realizada em Puebla, no México, quando o bispo declara no plenário a opção pelos pobres
e a necessidade de ajuda-los, e também em outro momento Dom Adriano faz uma
polêmica alegação, para a igreja, ao apoiar a ordenação de homens casados (MENESES,
2010).
No final da década de 1970 as ameaças e a violência continuam. A Catedral de
Santo Antônio – sede da diocese de Nova Iguaçu – e uma igreja do bairro da Prata, no
município de Nova Iguaçu, apareceram pichadas com frases ofensivas a Dom Adriano.
Um mês depois, em 20 de dezembro, uma bomba conhecida como “trotil”, de uso
exclusivo das Forças Armadas explodiu no altar da Catedral de Santo Antônio de
Jacutinga. O sacrário foi destruído, “até então, nunca no Brasil qualquer igreja tinha sido
atingida por atentado à bomba” (Meneses, 2010, p. 40). Dois dos três operários que
estavam na igreja na hora da explosão ficaram feridos. Paralelamente a esse
87

acontecimento, foi distribuído um manifesto contra o bispo e várias igrejas da localidade


foram pichadas. No dia 30 dezembro, a população se manifestou como pôde. Pelo menos
10 mil pessoas participaram de uma procissão no município de Nova Iguaçu a fim de
protestar contra a violência a Dom Adriano e a população local, entre os participantes
incluíam representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre
outros (MENESES, 2010).
Esses acontecimentos ocorridos na história do Brasil e da Baixada Fluminense se
tornaram em reflexões de vida e fé para Dom Adriano, mesmo com todas as atrocidades o
bispo juntamente com a população não deixou de denunciar os atos de injustiça. Entre as
intervenções feitas pelo bispo e que afetaram a Baixada Fluminense estão: as influências
nas assembleias de moradores dos conjuntos habitacionais de Nova Iguaçu, a
solidariedade aos operários desempregados da Metalúrgica Lanaria (em Paracambi), a
denúncia contra policiais militares que faziam parte do Esquadrão da Morte, a libertação
dos líderes dos posseiros do Parque Estoril, a ocupação e mutirão da Pedra Lisa (em
Japeri), a realização da Caminhada dos Sem-Terra onde houve protestos contra a
violência e a injustiça social, a criação do Fórum Permanente contra a Violência e a
Universidade Popular da Baixada que era regida sob o lema “quem sabe mais, luta
melhor”. Com o passar dos anos, já próximo ao fim de seu governo religioso, Dom
Adriano ainda ajuda a criar e inaugura o Centro de Direitos Humanos que fica
responsável por todas as atividades até então desenvolvidas pela Comissão de Justiça e
Paz, passando a gerenciar todos os assuntos ligados a essa temática.
Mais obras são criadas com o apoio da diocese na década de 1980. Devido ao forte
grau de violência destinado aos adolescentes moradores de rua, o padre Renato Chiera
com a adesão e incentivo de Dom Adriano, que acompanhou toda a obra, decide criar a
Casa do Menor São Miguel Arcanjo em Nova Iguaçu, segundo o padre Renato a casa
“nasceu para responder à dramática situação de crianças e adolescente em estado de
exclusão e abandono” (CHIERA, 2010, p. 60). Na casa foram implantados programas
educativos e profissionalizantes, a tentativa era torna-los capacitados e qualificados para o
mercado de trabalho, além disso, a Casa encaminhava esses jovens para algumas
empresas que forneciam a eles o seu primeiro emprego. Com o passar dos anos a Casa do
Menor conseguiu se difundir no país e fora dele, atuante no nordeste, no interior do estado
do Rio de Janeiro e na área metropolitana e também em Moçambique. Ainda durante a
década de 1980 é inaugurado por Dom Adriano o Seminário Paulo VI, em Nova Iguaçu,
88

entretanto esse é um projeto em conjunto com outras dioceses, as que participam é a


diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti, a diocese de Volta Redonda, a diocese
de Valença, a diocese de Barra do Piraí e Itaguaí. A função desse Seminário é formar
clero, desde a sua inauguração até o ano de 2010 foram 136 ordenações de sacerdotes,
lembrando que a formação de um padre leva em média nove anos (Meneses, 2010). Em
outubro de 1980 é fundado a Associação dos Empregados e das Empregadas Domésticas
de Nova Iguaçu. Alguns anos depois com o auxílio do bispo Dom Adriano e das irmãs
religiosas Elizabeth Moryux e Paulina Elsener essa associação se transforma em
sindicato, tendo sua sede numa casa doada pelo bispo no bairro de Metrópole, e que
funciona até os dias de hoje.
Entre 1987 a 1990 um novo projeto é implementado a favor da população mais
carente de Nova Iguaçu, o projeto de construção de moradias coordenado pela Irmã
Filomena e apoiado pela diocese, visava transferir uma parte da população que morava às
margens do Rio Botas para uma área mais segura e com melhor infraestrutura, durante
esse período mais de 144 casas foram construídas, além de creches, igrejas e um salão
comunitário. Irmã Filomena liderava todo esse movimento, entretanto a sua liderança e
atuação incomodou muito. No dia 9 de junho de 1990 no município de Belford Roxo a
Irmão Filomena foi perseguida e assassinada por bandidos que acertaram um tiro em sua
cabeça, não deixando chance de sobrevivência para a religiosa, que deixou saudades e
lembranças à população local.
Nas décadas 70 e 80 do século XX, a igreja popular brasileira esforçou-se pela
união entre pessoas para lutar por seus direitos. Essas pessoas de anônimas passam ao
papel de protagonistas. Era preciso valorizar e conhecer a própria história do seu povo, as
suas dificuldades vividas no cotidiano. O ideal era a libertação. Esta seria conquistada
pela consciência dos direitos que, sendo assim, viriam pela capacidade de lutar da
população. Durante esse período a diocese de Nova Iguaçu promoveu inúmeras ações que
objetivavam a conscientização política e social das classes menos favorecidas, suas ações
no momento do regime militar oscilavam entre o campo social e religioso.
Embora muito do que acontecia na diocese fosse fruto da concepção de pastoral
exercida por Dom Adriano, o Brasil estava representado na Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) em participação nacional. Os bispos Dom José Maria Pires,
Dom Pedro Casaldáliga, Dom Evaristo Arns, Dom Valdir Calheiros e muitos outros
comungavam dos mesmos ideais e da vida pastoral como atuação política. É importante
observar que esses caminhos de atuação local, em diferentes escalas, concretizam as
89

ideias e favorecem novos conhecimentos, pois percebemos que a história é dinâmica e a


geografia favorece o acontecer. Tempo e espaço juntos organiza a sociedade como os
homens desejam. A paisagem, o lugar, o território tem a marca da produção humana.
A formação sociopolítica na diocese de Nova Iguaçu era uma constante na
pastoral diocesana, pois tudo o que se pretendia ensinar na diocese tinha a marca de fé e
política: a estratégia de conversão estava na Catequese, no Clube das Mães, na Pastoral da
Juventude, e outras ações. Vários estudiosos afirmam que em momentos de crise a
sociedade tenta se mobilizar para sua própria sobrevivência. Porém não basta apenas a
existência das precariedades, é extremamente importante que haja a junção das
insatisfações com o agente que colocará a comunidade em movimento de luta e
reivindicações (MIZUBUTI, 2006). Em alguns casos a religião é o caminho escolhido.
Em relação à diocese de Nova Iguaçu a demanda social era muito grande, as necessidades
do dia a dia faziam as pessoas procurarem a igreja ou os espaços comunitários esperando
algum tipo de auxílio, tal realidade fazia os agentes religiosos se engajarem ainda mais
nas lutas sociais, esse contexto ajudou no surgimento e formação das comunidades
eclesiais de base e posteriormente nos movimentos populares, muitos deles liderados por
religiosos pertencentes à diocese. A partir dessas necessidades cotidianas, a formação
ministrada tentava responder aos desafios da vida.
Algumas mudanças políticas que ocorreram em nosso país ocorreram e, em parte, às
atitudes de alguns membros do clero da igreja católica. Foram aqueles que tiveram uma
atuação fortíssima contra o regime militar e contra as péssimas condições de vida do povo
brasileiro. Os exemplos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) podem ser
novamente destacados, essa comunidade proporcionou uma nova dinâmica na igreja, pois
amalgamou os assuntos religiosos e sociais, uniu as pessoas auxiliando-as a descobrirem
umas às outras encontrando assim uma identidade própria através de uma história
semelhante de desafios e conquistas. O descobrimento dessa realidade incentivou as
comunidades a elaborarem ações e projetos políticos que buscassem mudar a suas vidas e
seus futuros (SANTOS, 2008). Bauman (2003, p. 8) relata em seu livro Comunidade o
significado e os sentimentos que caracterizam a comunidade. Segundo o pesquisador a
própria palavra já evoca tudo o que precisamos para vivermos seguros e confiantes, na
comunidade “nosso dever, pura e simplesmente, é ajudar uns aos outros e, assim, temos
pura e simplesmente o direito de esperar obter a ajuda de que precisamos”. Os devotos
tinham esse sentimento, sentiam que não estavam sós e acreditavam que traziam dentro
de si a proteção divina.
90

É importante ressaltar que tudo o que acontecia na Baixada Fluminense e no Brasil


ecoava por todo o país e pelo mundo através da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Essa organização não se deixou calar até mesmo nos anos mais difíceis
do regime militar. Na década de 1970 a CNBB lança dois documentos oficiais que mostra
a voz e o posicionamento, em sua maioria, da hierarquia católica no Brasil. O primeiro
documento denominado Eu ouvi os clamores do meu povo (1973) e o segundo
Comunicação pastoral ao Povo de Deus (1976) apresentam a dura realidade vivida pela
população brasileira em relação ao regime político autoritário e a economia configurada
intensamente pela concentração de renda, além de denunciar os fatos de violência
voltados contra a igreja e a população. Apesar dessas sucessivas reafirmações a favor da
população mais carente, é importante ressaltar que nem sempre o posicionamento da
CNBB foi desta maneira. Se recuarmos um pouco na história do Brasil vemos que a
Igreja Católica deu seu apoio oficial ao golpe militar de 1964, esse fato pode ser
constatado num documento elaborado pela Comissão Central da CNBB no dia 29 de maio
e, que só foi divulgado pelos jornais no dia 3 de junho de 1964. Nesse documento há
relatos da situação política que o Brasil estava passando e a defesa da Igreja ao governo
militar brasileiro. Embora a Igreja fosse a favor do golpe militar no Brasil, o seu
posicionamento em alguns anos mudaria drasticamente mostrando a preocupação da
igreja com a injustiça e a distribuição desigual de riquezas no planeta (CASTRO, 1985).
Ações sociopolíticas da diocese de Nova Iguaçu, com a abertura política os
trabalhos continuaram, na década de 1990 foi criado o Centro de Direitos Humanos,
mencionado anteriormente, e o Projeto de Formação Social entre inúmeras outras
realizações que uniam os trabalhos de conscientização política e educação como veremos
melhor a seguir.

3.1.2 Pequeno histórico da formação sociopolítico

Entre 1985 a 1990 a diocese de Nova Iguaçu ainda tendo Dom Adriano Hypólito à
frente decidiu investir numa formação política utilizando a educação popular informal
como instrumento principal para alcançar os objetivos almejados. Nesse contexto
histórico o Brasil passava por várias mudanças em seu aspecto econômico e social, a
lógica de mercado e a ideologia neoliberal passam a reger as atividades em vários
91

âmbitos. Cada vez mais a sociedade se caracteriza como uma “sociedade de consumo”
mobilizada pelo desejo, nunca alcançado, de satisfação (BAUMAN, 1999) e pela forte e
demarcada segmentação social. Nesse período “novas bandeiras foram costuradas e
erguidas, novos manifestos elaborados, novos cartazes concebidos e impressos”
(BAUMAN, 2005, p. 42). O descontentamento social foi grande assim como a quantidade
de diferentes grupos a se manifestarem, cada um em sua ala – gênero, raça, classe social,
entre outros – e cada um procurando seus alicerces (BAUMAN, 2005).
Neste contexto, a diocese de Nova Iguaçu percebeu a necessidade de incrementar
novas atividades, com a pretensão de formar não apenas pessoas conscientes de seus
direitos e deveres como também capacitadas a gerenciar as políticas públicas da
localidade. A igreja percebia as dificuldades na questão do surgimento de sujeitos
políticos autônomos, havia a necessidade de preparar os agentes políticos e educadores
populares para o novo momento histórico que o país estava presenciando através da
abertura política. Essa nova intenção de renovação no campo político, social e religioso
surgiu através de reuniões e debates, na qual nasceu a seguinte questão:
Que Baixada Fluminense queremos daqui a 10 anos?
A partir dessa inquietação, a diocese desenvolve, a partir de 1995, o Projeto de
Formação Social destinado a lideranças de origem da Igreja. São objetivos deste projeto:
estimular nos agentes sociais a consciência dos direitos do povo, reforçar a sua
participação efetiva na transformação social, propiciar oportunidades de confrontar suas
experiências e aprofundar os conhecimentos necessários ao enfrentamento das situações
novas. É, portanto, neste contexto, de uma formação social sistemática, visando à
formação de lideranças, que nasceu o Curso de Formação Social. A proposta inicial desta
formação foi feita em 30 de junho de 1994 pela Diocese a Misereor 2. As bases dessa
proposta foram levantadas, a partir da formulação do Documento Final do Sínodo
Diocesano, em 16 de abril de 1992 (PEREIRA, 2006). Neste documento, ressaltava-se a
situação da realidade do povo da Baixada Fluminense nos seguintes aspectos: a) de
marginalização crescente; b) de empobrecimento; c) de desvalorização da qualidade de
vida e d) de destruição dos valores humanos.
Para planejar a execução deste projeto, foi realizado um seminário que pretendia
fazer uma análise da conjuntura pastoral e social na área da diocese. A partir do seminário
foi iniciado o processo de constituição dos grupos temáticos para a formação
propriamente dita, que durariam dois anos. Formaram-se, então, três grupos de mais de
cem pessoas cada. Estudavam um fim de semana por mês, durante dois anos, em que
92

conviviam, faziam as refeições juntos e muitas outras atividades. Isso propiciava um


clima de fraternidade muito importante na perseverança em relação à frequência e
aquisição dos conteúdos que eram bastante variados e dinâmicos (PEREIRA, 2006).
Com base nas necessidades concretas, seria montada, em cada cidade que faz parte
do território religioso da diocese de Nova Iguaçu, uma sequência de cursos de formação a
qualificar os agentes que iriam se incorporar às estratégias de intervenções pretendidas.
Sendo que, as temáticas seriam:

a) Emprego;
b) Poder e Política Local;
c) Educação;
d) Saúde;
e) Habitação.

Sendo assim, o trabalho foi divido entre as áreas escolhidas exercendo-se as


atividades das seguintes maneiras: em Belford Roxo foram trabalhadas, prioritariamente,
as questões da educação, saúde e política; já em Japeri, Queimados e Paracambi as
prioridades foram o trabalho e a renda; em Nilópolis as atividades voltavam-se para a
questão do meio ambiente e, finalmente em Nova Iguaçu o foco principal era a política3.
De acordo com Silva (2003) alguns municípios conseguiram efetivar seus trabalhos;
outros, não. Belford Roxo conseguiu reativar o Conselho Comunitário de Saúde e passar a
atuar no Conselho Municipal de Saúde e em convocações de reuniões junto à Secretaria
Municipal de Saúde. Queimados fundou um grupo chamado “Mão na Massa”, com
mulheres que pediam alimentos na Igreja, e faziam a massa, vendendo e partilhando os
lucros entre si. Nova Iguaçu se dedicou a atuar nos vários espaços de decisão política no
município. Paracambi e Japeri não conseguiram firmar uma atuação e Nilópolis também
não, pois queriam trabalhar com reciclagem de lixo, mas o município não contava com
terrenos para isso.
Essas atividades auxiliaram na formação sociopolítica da população, que estava
fundamentada na espiritualidade solidária, libertadora e transformadora. Podemos
interpretar essas ações como uma “missão” objetivando a assistência a sociedade civil no
controle social e, de certa forma, na execução das políticas públicas, mesmo que essas
fossem feitas só pelo poder religioso e por iniciativas de gestores católicos.
93

3.2 Fé e Politica: democratização da política brasileira

Durante a abertura do regime político do país, como já sabemos, a Igreja Católica


contribuiu à democratização. Desde a defesa de direitos humanos, com as críticas aos
abusos do regime autoritário, ao forte apoio nos movimentos populares que contribuíram
para o sucesso da volta a democracia. O fortalecimento dos partidos políticos em 1979
levou a igreja a ser menos atuante na dimensão política do Brasil em relação a muitas
questões, mas os eclesiásticos progressistas permaneceram ativos na defesa das classes
populares. O fortalecimento da sociedade política não modificou inteiramente a função
política da igreja. É bem verdade que “a nova conjuntura política destituiu a Igreja de
principal atriz nos palcos da denuncias contra o regime autoritário” (BETTO, 2004. p.
19), suas ações inovadoras foram de fundamental importância no período em que o Brasil
era uma sociedade com regime militar autoritário. Entretanto, com o regime democrático
a igreja se posiciona firme buscando um papel específico de atuação. Segundo Betto
(2004) a igreja nesse momento de abertura política não recuou em seu papel dentro da
sociedade, o que aconteceu foi que os militantes religiosos leigos é que avançaram em
lutas, “reforçando instrumentos políticos que passaram a dividir com a igreja o papel
contestatório da realidade nacional” (p. 19). Entretanto o autor, de maneira contraditória,
também defende a ideia de que os recuos da igreja durante a década de 1980 e 1990 foram
provocados sim principalmente por Roma e pela nova composição de bispado brasileiro.
Na década de 1980, quando a política brasileira se encaminhava para o momento
de democratização,ampliavam-se as formas de organização de mobilização da sociedade
civil, tornando-se necessário que esses componentes tanto dos movimentos populares
quanto das comunidades eclesiais de base se inserissem nos assuntos políticos partidários.
Houve intensos conflitos. Diante dessa situação a igreja progressista não conseguiu, de
maneira plena, alcançar um de seus objetivos que era formar não apenas pessoas
conscientes de seus direitos e deveres como também capacitadas a gerenciar as políticas
públicas da localidade. A igreja não conseguiu orientar os cristãos militantes a ponto
deles terem uma certa habilidade de atuação política articulada que os impedisse de ser
massa de manobra dentro das organizações politicas. Um dos motivos desse problema,
defendido pelo religioso Betto (2004, p. 20) é que não existia na igreja uma “pastoral da
política”, ou seja, uma organização religiosa direcionada unicamente para os assuntos
94

políticos, principalmente os assuntos partidários. Tal fato fez com que os religiosos que
“ingressavam em núcleos partidários, sentiam-se institucionalmente órfãos. Já não
encontravam nas Cebs o alimento sólido à nova etapa de seus engajamentos”. Essa
situação não quer dizer, segunda as referências consultadas, que houve algum conflito em
relação à fé e a politica por parte dos religiosos envolvidos com os assuntos políticos
nesse novo momento democrático, apenas que, para esses agentes, esse período foi
caracterizado por certa carência de novas fontes de abastecimentos que fortalecesse a luta
que une a fé e a política.
Em relação a esse tema fé e politica, é importante ressaltar que uma parcela dos
cristãos católicos, que é a categoria que está sendo analisada nessa pesquisa, durante o
recorte temporal avaliado (1970 a 1990), entendem que a união dessas duas esferas
sociais tem como objetivo final a vivência e o testemunho da fé, principalmente no
contexto histórico, social e religioso latino-americano. Segundo as leituras consultadas
que analisam esse tema, os militantes cristãos católicos acreditam que através da politica
é que se vive a luta pelo povo e também a fé, essa ideia vem da compreensão de que a
solução dos problemas sociais passa necessariamente pelas ações políticas e
consequentemente pela prática da fé. A justificativa para ilustrar essa ideia é que uma vez
conseguindo amenizar ou erradicar as injustiças sociais de uma localidade, realiza-se a
vontade de Deus, logo vive-se a fé. Por sua vez, a fé necessita da politica para realizar as
suas obras, “na verdade, há de se reconhecer que toda politica tem uma espécie de fé
imanente, assim como toda fé possui uma dimensão politica interna a si mesma” (BOFF,
C. 2004, p. 46). O pesquisador e religioso Clodovis Boff (2004) vai além com as suas
reflexões e sinaliza que fé e politica são como duas grandezas autônomas e distintas,
porém abertas uma à outra. O exemplo mais contundente e que justifica essa relação
harmoniosa entre fé e política para os cristãos é a pessoa de Jesus, que segundo
pesquisadores, possuía uma intensa atividade pública voltada principalmente para o povo
ensinando um novo estilo de vida.
Porém nem sempre essa união entre a fé e a politica é vista com apresso pelos
cristãos, esses cristãos são tantos os católicos como os protestantes e várias outras crenças
e denominações. Há quem defenda o conceito de que a política articulada com a fé coloca
essa em uma posição menos importante. Entretanto, essa afirmação passa a ser mais
debatida e repensada a partir das novas práticas instauradas pela Igreja Católica através
das influências do Concílio do Vaticano II, as inovações, como já foram faladas,
trouxeram novas maneiras de pensar e agir da igreja, colocando essa instituição religiosa
95

também como uma grande responsável pela transformação do mundo, tornando esse um
lugar melhor. Pensar em política passa a ser visto sob a ótica da fé em busca da justiça
social, da libertação do povo oprimido e da fraternidade. Porém jamais reduzindo a fé à
política (BOFF, C. 2004).
Muitas discussões foram promovidas em relação ao assunto fé e política. Na
década de 1980 a população viu o desenrolar de um novo contexto histórico, as mudanças
no tempo e no espaço exigiam novas estratégias. Algumas manifestações nesse momento
foram promovidas na tentativa de chamar a atenção dos cristãos católicos para a
importância na participação dos assuntos políticos partidários, a preocupação de alguns
líderes religiosos estava em organizar e mobilizar o povo, conscientizar os grupos
religiosos sobre os assuntos da politica partidária e programar os projetos populares. Com
o passar dos anos essas primeiras ações surtiram efeito, os militantes cristãos escolheram
diferentes frentes partidárias, cada grupo com sua visão de política mostrou, certa, falta de
homogeneidade entre os militantes cristãos, e até mesmo uma crise entre eles e com a
Igreja. Esses problemas relacionados com os diferentes modos de fazer política tendo a fé
como o “carro chefe” dos assuntos políticos acabaram por promover uma crise de
identidade cristã desses militantes. Para Leonardo Boff e Marcos Miranda (2004) o
principal motivo dessa crise decorreu da falta de consciência e prática dos militantes de
que servir a Deus não acontece somente nos espaços sagrados, como nas igrejas.
Trabalhar a favor dos grupos excluídos, buscar justiça social, se entrosar nos assuntos
políticos partidários afim de promover uma ‘transformação libertadora” são maneiras de
desempenhar a obra de Deus, de servir a Deus. A ausência dessa consciência entre os
militantes, de não enxergar “fora das igrejas ou religiões” (p. 77) o serviço a Deus teve
como resultado a realização de uma política sem valores cristãos, e consequentemente
esses atos se transformaram em crise de identidade cristã para os militantes. No decorrer
de sua análise Leonardo Boff e Marcos Arruda (2004) ressalta que os militantes cristãos
esqueceram ou não sabiam que as mediações do Reino de Deus não tem como referência
somente a igreja, a militância na politica também é uma mediação do Reino. Além disso,
os cristãos envolvidos com a política partidária pareciam está muito mais fortalecidos na
fé teológica do que na fé teologal. Para entendermos melhor esses conceitos, a fé
teológica é entendida segundo Leonardo Boff e Marcos Arruda (2004, p. 73) como aquela
“expressa no Credo das Igrejas e na doutrina oficial, elaborada somente por homens,
acolhida pela comunidade, coordenada pelos pastores”. Como podemos perceber, a fé
teológica é uma fé envolvida fortemente com a instituição religiosa, por sua vez a fé
96

teologal é desenvolvida e fortalecida através da experiência religiosa pessoal, ela acontece


onde a vida, a liberdade e a justiça é defendida, ela “está em ligação com a dimensão
mística que existe dentro de toda humana criatura e que passa pela afetividade, pelo
coração” (p. 76).
Uma das propostas defendidas pelos pesquisadores Leonardo Boff e Marcos
Arruda (2004) diante desse contexto de crise de identidade dos militantes cristãos em
relações ao modo de fazer política dentro das entidades partidárias é articular os cristãos
para que essa comunidade através de debates e reuniões escolha um partido que
represente o grupo cristão e os menos favorecidos economicamente, perante essa escolha
a nova etapa é a comunidade cristã se unir para fazer valer o seu voto e não permitir que
outros candidatos de partidos divergentes ganhem as eleições, essa seria, talvez, a maneira
de fortalecer a fé e contribuir de alguma maneira para as questões politicas, além disso,
outra proposta é da criação da Pastoral Política que seria um “espaço coletivo para a
alimentação da dimensão de fé, articulada com a dimensão política” (p. 92), essa pastoral
deveria ter um caráter ecumênico e com temáticas livres. Apesar de essas propostas serem
ressaltadas pelos pesquisadores, vários questionamentos e dúvidas são levantados em
relação a elas e a seus possíveis desdobramentos.
É importante salientar que para muitos cristãos a tarefa de fazer política é
entendida como uma missão vinda do próprio Deus com o objetivo de “instaurar o Reino
na sociedade” (BOFF, C. 2004, p. 194). A política é interpretada como um instrumento
para promover a libertação do povo, se essa não promove, não é considerado um ato
cristão. “Antes de ser um chamado da comunidade ou do próprio coração, (a política) há
de ser um chamado do espírito” (BOFF, C. 2004, p. 195). O que fica bem claro na leitura
consultada é que os cristãos envolvidos com a politica não são considerados aqueles que
fazem coisas a mais que os outros, mas sim aqueles que são guiados por uma essência
espiritual que os permite executar uma nova maneira de fazer política.
A relação Igreja Católica e Política acompanha o Brasil desde 1500. Vários foram
os movimentos denominados neoconservadores, relativamente, fraco no Brasil durante a
década de 1970. Todavia, á medida que a igreja brasileira se tornava uma das mais
importantes e progressivas do mundo, suas reações com Roma se tornava mais difíceis.
Apesar de ter ocorrido alguns conflitos menores, o Vaticano pouco fizera para frear a
igreja brasileira até 1980. Sob alguns aspectos, o papa João Paulo II até apoiava a igreja
progressista como estratégia de poder no regime militar. Um dos exemplos desse apoio
97

foi à defesa da opção preferencial pelos pobres, o apoio as comunidades de base e os


elogios feitos aos bispos brasileiros, notadamente aos passos políticos.
No entanto, após 1980, o Vaticano tomou medida para limitar as mudanças
teológicas na igreja brasileira. Um dos passos significativos foi a carta apostólica
endereçada aos bispos brasileiros em dezembro de 1980. Afirmava que a igreja não
deveria se envolver em questões sociais em detrimento de sua função especificamente
religiosa. Além disso, durante essa década, o papa vinha apoiando a linha pastoral
tradicional de Dom Eugênio Sales, arcebispo do Rio de Janeiro e líder dos
neoconservadores. Dom Eugênio representou o pensamento religioso em Roma bem
como a hierarquia diocesana brasileira em diversas ocasiões (MAINWARING, 2004).
O Vaticano optou por uma estratégia essencialmente não confrontista com a igreja
brasileira, tentava evitar o conflito, mas procurava impedir as mudanças progressistas.
Umas das estratégias do Vaticano, foi exatamente deter o controle das nomeações
episcopais, exercendo assim influências sobre a igreja e enfraquecendo as ações dos
bispos. Exemplos de nomeações episcopais conservadoras ocorreram em 1981, nas
arquidioceses de Porto Alegre e Brasília. Já em 1984, o Vaticano nomeou um conservador
como o novo arcebispo de Manaus e, em 1985, em Recife, também houve substituição de
bispo. Essas ditas “adaptações” são ações políticas eclesiais clássicas de impor o poder do
vaticano na gestão do lugar. É o poder em escala global impondo a sua ação na escala
local, sendo muito utilizado pelo papa João Paulo II.
E dentro desse contexto histórico que ocorre a reorganização espacial na diocese
de Nova Iguaçu. Essa transformação proporcionou novos elementos de atuação na
Baixada Fluminense. Nessa perspectiva, torna-se importante então, evidenciarmos a
estratégia geográfica realizada pela igreja católica e interpretar quais os objetivos
permearam essas ações e quais foram às consequências desses atos. E são esses
acontecimentos que conheceremos a seguir.

3.3 Nova representatividade religiosa na Baixada Fluminense

A ação territorial da Igreja Católica hoje acontece em grande parte através da


implantação, manutenção e ampliação de uma rede de unidades territoriais diocesanas. A
difusão da fé doutrinária se efetua por meio da própria difusão diocesana, pois se pode
98

afirmar ser este o meio estratégico mais eficaz, uma vez que é a unidade territorial
diocesana o lócus onde se dá o controle eclesiástico efetuado pela gestão episcopal
(ROSENDAHL, 2002). São os bispos os agentes religiosos especializados que detêm o
forte poder hierárquico de criação e difusão de novas dioceses, fazendo-se suscitar
diferentes práticas espaciais. Segundo Rosendahl (2005. p. 203)

A organização interna dos territórios da igreja é dinâmica, móvel no espaço. Os


territórios religiosos se modificam há vários século, quer por criação de novas
dioceses, quer por fragmentação das paróquias. Acontecimentos importantes
induzem a uma transformação; mesmo que seja visto como recuo ou avanço, o
território é modificado, aparecendo como o que melhor corresponde a
afirmação do poder.

As estratégias de atuação da Igreja Católica acompanharam, muitas vezes, a


expansão urbana, atendendo não apenas a demanda religiosa da população, assim como
seus próprios objetivos de propagar e garantir a manutenção da religião católica nos mais
diversos territórios brasileiros. Os desmembramentos dos territórios religiosos que serão
evidenciados nesta pesquisa foram resultado de uma territorialidade religiosa cada vez
mais bem definida e demarcada na medida em que exigia-se o maior controle nessa
localidade, lembrando que as estratégias mudam com o passar do tempo, e a
territorialidade também, já que ela “é uma realidade histórica, portanto mutável e
provisória” (REINERT, 2010, p. 78).
A criação de uma diocese envolve, muitas vezes, uma diversificada e múltipla
situação. No caso que será analisado, a igreja acompanha o aumento populacional da
localidade e percebe a necessidade de expansão da rede diocesana para atender a demanda
religiosa. Também percebe que agindo dessa maneira coibiria a expansão de outras
doutrinas. Esses não foram os únicos motivos para a criação de uma nova diocese na
Baixada Fluminense, apesar da história oficial defender somente essas questões.
A criação de mais uma diocese na Baixada Fluminense ocorreu a partir do
desmembramento das dioceses de Petrópolis e Nova Iguaçu. O bispo de Petrópolis era
Dom Manoel da Cunha Cintra e o de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hypólito (MATTOS,
2006). No ano de 1980 nasce a diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti a partir
desse desmembramento, instituindo então um novo território religioso católico regional
na Baixada.Os municípios de Duque de Caxias e a de São João de Meriti têm uma história
recente e um passado histórico ligado a de Nova Iguaçu. No entanto, as paróquias de
Duque de Caxias eram administradas pela diocese de Petrópolis, enquanto que as
99

paróquias de São João de Meriti eram ligadas a de Nova Iguaçu. Ambos os municípios
que comporiam a nova diocese viviam em situações semelhantes: falta de vagas nas
escolas, falta de uma política pública de saúde, constantes problemas com enchentes e
doenças, a violência e a ausência do poder religioso em sua área de abrangência. Em
Duque de Caxias, eram constantes as lutas pela construção de passarelas e postos de
saúde. Em São João de Meriti, a população se organizou para lutar por políticas públicas
que combatessem os males da enchente e da fome presentes no município (Mattos, 2006).
Segundo os estudos de Mattos (2006), os argumentos apresentados para a criação
da diocese foram os seguintes:
a) a distância da cidade de Duque de Caxias em relação ao centro de sua diocese,
localizada em Petrópolis;
b) as diferenças sociais entre as populações assistidas pela diocese , em Petrópolis e na
Baixada Fluminense;
c) a diocese de Nova Iguaçu atendia uma população bastante numerosa e possuía
poucos padres para a demanda religiosa existente na área de São João de Meriti e,
d) o desenvolvimento populacional, religioso, econômico, cultural e cívico da área de
Duque de Caxias que permanecia na periferia de ação do bispo de Petrópolis.
Diante de todos esses fatos, acreditamos que o crescimento demográfico e a
urbanização geraram sim uma forte demanda religiosa para se criar uma nova diocese,
fazendo com que os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti passassem a
fazer parte desta nova jurisdição religiosa. Entretanto, acreditamos que essa ação do
Vaticano em desmembrar o território religioso da diocese de Petrópolis e, principalmente,
de Nova Iguaçu, teve como objetivo primaz o enfraquecimento do catolicismo de massa
desenvolvido em São João de Meriti. Como sabemos, representa uma área de forte
efervescência social da periferia da cidade do Rio de Janeiro. É referência das atividades
populares desenvolvidas tanto pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) quanto pelas
Pastorais Libertadoras e Organizações de Bairro, juntamente com o município de Nova
Iguaçu. Completando o cenário essa decisão de desmembrar o território religioso da
diocese de Nova Iguaçu favorecia o objetivo de “frear” as intervenções das pastorais, das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e do bispo Dom Adriano Hypólito, diminuir o
seu campo de atuação e sua liderança forte e representatividade no campo político-
religioso da Baixada Fluminense. A estratégia era enfraquecer o campo religioso na
divisão territorial para facilitar o controle e a implantação dos ideais do Vaticano.
100

Diante dessa situação, a diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti foi
criada em 11 de outubro de 1980 pela Bula Qui divino consilio, do Papa João Paulo II.
Porém, somente em 12 de julho de 1981, ocorreu à instalação da nova diocese e a posse
do primeiro bispo, Dom Mauro Morelli, em celebração que contou com a participação de
aproximadamente três mil pessoas, entre as quais, vinte e quatro bispos, cinquentas
padres, o Núncio Apostólico Dom Carmine Rocco; o governador Chagas Freitas; o ex-
deputado, mas de forte atuação com o lugar, Tenório Cavalcante; o Cardeal de São Paulo,
Dom Paulo Evaristo Arns; Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra; o bispo auxiliar do Rio
de Janeiro, D. Karl Joseph Rommer; Dom Romeu Briggenti; Dom Afonso Gregory; Dom
Adriano Hypólito; Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Clemente Isnard. (MATTOS,
2006). Numa cerimônia religiosa o poder político estava presente afirmando assim a
gestão diocesana no lugar.
Os limites espaciais das dioceses de Nova Iguaçu e de Duque de Caxias e São
João de Meriti podem ser vistos a seguir (MAPA 8).
101

Mapa 8 - Diocese de Nova Iguaçu e a Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti:
limites territoriais
Fonte: CIDE, 2001 adaptado por Costa, 2012.
102

Dom Mauro Morelli era então o bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo e
trabalhava junto com o Cardeal Dom Evaristo Arns – personagem atuante da igreja
popular – quando foi nomeado primeiro bispo da recém-fundada diocese. Ao chegar a
Duque de Caxias, encontrou a cidade envolta na crise da Fiat (antiga Fábrica Nacional de
Motores – FNM). Os operários da fábrica de automóveis, localizada em Xerém, haviam
entrado em greve, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. O Tribunal
Regional do Trabalho declarou a paralisação ilegal, mas a igreja decidiu apoiar os
operários por meio de uma celebração ecumênica e também de uma campanha de
arrecadação de mantimentos e doações para o fundo de greve, prestando-lhe assessoria
jurídica (MATTOS, 2006). Tal movimento uniu outras instituições religiosas. Assinaram
o manifesto de apoio aos operários: Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu; Dom
Mauro Morelli, bispo eleito mais inda não empossado em Duque de Caxias; Dom Paulo
Aires, bispo metodista; Reverendo Mozart Noronha, pastor da igreja Cristã Renovada;
Reverendo Carlos Cunha, pastor da igreja Presbiteriana da Penha (MATTOS, 2006).
A ação de Dom Mauro Morelli na questão dos operários em Xerém provocou
reações de alguns bispos conservadores, esses reclamaram que aquela convocação do
operariado era uma intromissão totalmente descabida em dioceses alheias, pois Dom
Mauro Morelli ainda não era o bispo de Duque de Caxias3. Logo ao tomar posse do cargo
de bispo da diocese, Dom Mauro Morelli iniciou os seus trabalhos de cunho popular e
religioso, já de início procurou por meios de realizações de sínodos4 diocesanos, fortalecer
a participação de todos os fiéis na caminhada da igreja. As suas propostas e os seus
planejamentos deixavam claro a efetiva participação popular e o incentivo aos trabalhos
voltados para a área social (MATTOS, 2006).
Ressaltamos que antes mesmo da fundação da diocese, existiam obras sociais em
algumas paróquias, como o Instituto Profissional São Bento 5, no bairro de São Bento, e a
Ação Social São Mateus, em São João de Meriti6. Com o passar do tempo, as obras de
assistência e promoção humana se multiplicaram e, surgiu então, a necessidade de se criar
um organismo que condensassem todas as atividades da ação social da então diocese de
Duque de Caxias e São João de Meriti e, essa surgiu, foi nomeada de Ação Social Paulo
VI (ASPAS), fundada em 12 de junho de 1984 (MATTOS, 2006). Essa ação social tem
por finalidade manter, promover e coordenar todas as ações sociais da diocese,
abrangendo obras culturais, educacionais e promocionais, tais como ambulatórios,
creches, orfanatos, asilos, escolas e qualquer outra que se destine à promoção humana,
especialmente nas áreas de educação e integração da criança à sociedade.
103

Como podemos observar, a função do novo território diocesano passava pelos


mesmos problemas enfrentados pela maioria dos municípios da Baixada Fluminense. No
caso de Duque de Caxias, que não fazia parte do território religioso diocesano de Nova
Iguaçu, este desde o início não deixou de ser influenciado e, parcialmente beneficiado,
pelos inúmeros trabalhos de assistência à população feita pela diocese e que aconteciam
em áreas próximas de seu território municipal.
Essas diretrizes iniciais já indicavam o caminho a ser percorrido pela nova
diocese, e assim realmente aconteceu. A diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti
estabeleceu inúmeras parcerias com o movimento popular, se envolvendo assim em várias
lutas a favor da vida. Um dos campos de atuação da diocese foi no acompanhamento dos
trabalhadores rurais. Para essa missão foi criada em 1983 a Pastoral Ecumênica da Terra
(PET), que realizou inúmeros encontros de cristãos preocupados com a situação dos
trabalhadores rurais. Além disso, a igreja apoiou a produção de pequenos lavradores e
incentivou os movimentos sindicais. Ao longo dos anos a diocese criou várias outras
pastorais, a fim de direcionar os trabalhos com a sociedade, foram elas: a Pastoral da
Favela, a Pastoral Operária, a Pastoral do Migrante, a Pastoral do Negro, a Pastoral da
Saúde, a Pastoral da DST-AIDS, a Pastoral Carcerária e outras.
Percebe-se que através do desmembramento do território diocesano de Nova
Iguaçu, o Vaticano conseguiu diminuir a força e representatividade do bispo Dom
Adriano Hypólito na localidade, todavia não desarticulou as ações das pastorais e de
outros agentes religiosos, que através de suas atuações tinha como objetivo principal
garantir a dignidade e a esperança à população. É importante ressaltar que essas ações são
estratégias da igreja para entremear-se, com a sua doutrina e seus ensinamentos, nos
vários setores da vida da população. Proporcionando os mais diversos tipos de prestação
de serviços – sejam eles religiosos ou não – a comunidade local. Esse modo de agir da
igreja, como já vimos, é direcionado pelas suas ideologias que norteiam os exercícios
desenvolvidos pela comunidade eclesiástica.
Os diferentes tipos de prestação de serviços realizados pela igreja católica e o seu
envolvimento com as mais diferentes classes sociais inseridas no espaço urbano será o
nosso tema investigado e proposta a seguir.
104

3.4 O modo de agir das igrejas

Como já sabemos as décadas de 1960 e 1970 trouxe uma renovação no modo de


agir das paróquias. Uma das consequências dessa renovação foi certa racionalização da
prestação de serviços religiosos. Algumas igrejas foram tomadas por mudanças onde a
vida religiosa católica permaneceu centralizada em torno dos padres, dos movimentos ou
comunidades e das paróquias. As mudanças ocorridas, consequências dessa renovação da
igreja, eliminaram a uniformização na prestação de serviços religioso, ou seja, muitas
igrejas agiam conforme as demandas das localidades na qual faziam parte de seu território
religioso.
O desenvolvimento das camadas médias e do proletariado, provocada seja pelo
processo de industrialização ou mesmo pela própria dinâmica de crescimento urbano da
cidade, acelerou o desenvolvimento do setor de serviços, que possibilitou o surgimento e
a expansão tanto dos movimentos quanto das comunidades de base, como iniciativa da
igreja católica que, buscava tentativas de reformas no campo religioso. Esse aspecto pode
ser observado em várias igrejas brasileiras que possuíam a vertente popular, aquelas que
agiam segundo os ideais da pastoral libertadora.
Esse modo de agir das igrejas brasileiras passou a ser analisado pelo autor Luiz
Roberto Benedetti (2000) que escreveu o livro “Templo, Praça e Coração – a articulação
do campo religioso católico”, essa obra é o produto de uma pesquisa que foi realizada ao
longo de 13 anos (1974-1987) sobre a questão da ligação entre expressão religiosa e
classe social na cidade de Campinas em São Paulo.
O autor percebeu que a atuação da igreja católica variava conforme a localidade na
qual ela se encontrava. Por exemplo, ao longo das periferias da cidade, principalmente e,
sobretudo nos loteamentos populares e à margem de vilas planejadas encontrava-se,
normalmente, uma forte presença das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), já no
centro das cidades e em outras partes da periferia, esta habitada por classe média e as
classes dominantes, havia uma predominância das paróquias tradicionais, com outros
tipos de atividades para atender a esses fiéis. Apesar dessas diferenças espaciais impressas
pelas classes sociais, será que podemos generalizar as ações das igrejas católicas
conforme a localização da mesma? Ou há peculiaridades de atuações religiosas que nem
sempre adotam esse padrão? Será que a diocese de Nova Iguaçu possui alguma
semelhança com as igrejas analisadas?Estas são questões que iremos desvendar. Tal
análise, em nosso ponto de vista, faz-se necessário para que possamos interpretar como a
105

distinta divisão do espaço religioso obedece a dinâmica de ocupação do espaço urbano


pelas classes sociais.
Ao longo de sua pesquisa, Benedetti (2000) traçou um mapa religioso católico da
cidade, na qual pode observar três diferentes tipos de paróquias, sendo elas: a paróquia
“prestadora de serviços”, a “paróquia dos bem-aventurados” e por último a “paróquia de
classe média baixa”. Todas elas possuem, se assim podemos dizer, personalidades
distintas, e são essas características que iremos conhecer.
A paróquia “prestadora de serviços” funciona com núcleos de prestação de
serviços religiosos e até mesmo não religiosos. A igreja tem como uma de suas funções
observar os problemas sociais e espirituais dos frequentadores e assim oferecer possíveis
soluções. Segundo Benedetti (2000, p. 163) essa paróquia “é vista como capaz de resolver
tudo”. O padre é a personificação, principalmente aos olhos dos mais humildes, de um
super-homem, do super-herói, visto como aquele que pode solucionar qualquer coisa seja
no campo econômico, educacional ou espiritual. Os seus comunicados servem como um
acalanto para a alma, mas também como uma prestação de serviço, uma vez que por meio
dos anúncios do padre comunica-se as atividades religiosas da igreja, as atividades
comunitárias de auxílios aos mais necessitados, os acontecimentos do dia a dia, entre
outras. O sacerdotal procura levar a “verdade divina” e ao mesmo tempo busca se
identificar com a realidade vivida pelos ouvintes; é o homem que experiência os
problemas do cotidiano, mas, além disso, mantém um constante contato com o mundo
sagrado. É importante ressaltar que além do discurso religioso e moral, a disposição
espacial dos santos dentro dos templos, dessa paróquia “prestadora de serviços”, mostra
uma acomodação que transmite a mensagem da harmonia e da estruturação dessa igreja,
que combina “a doutrina, a norma oficial, o culto romanizado e as devoções populares, as
devoções aos santos” (BENEDETTI, 2000, p. 169). Segundo o mesmo autor, os padres ao
pensar na disposição dos santos no templo, fazem uma espécie de “pesquisa de mercado”
pra saber quais são os santos mais populares para colocarem assim em locais de destaque.
A comunidade dessa paróquia é composta por pessoas que apoiam a ala religiosa
conservadora e tradicionalista, mas há também uma forte presença da ala progressista.
Essa mistura abundante de pessoas diferentes, com culturas diferentes, questões sociais,
econômicas e religiosas dentro de uma mesma igreja mostra a intensa característica de
heterogeneidade dessa comunidade religiosa. Os intensos atendimentos, principalmente
após os cultos religiosos, fazem parte da rotina dessa igreja, que tenta auxiliar uma
expressiva quantidade de pessoas vindas de bairros distintos, mas com realidades muito
106

semelhantes. A miséria, a doença e a falta de emprego acabam unindo essas pessoas para
uma mesma e dura realidade. Todos em busca de respostas para as suas aflições. A
paróquia, devido a essa realidade, acaba tendo que ser diversificada para responder as
necessidades de sua comunidade.
Além das “prestações de serviço”, a igreja costuma realizar as comemorações
cívicas e as datas mais importantes para a comunidade local. Tudo isso são os
componentes que sugerem ao “homem comum” que passa pelo centro urbano e entra no
templo em busca de resposta a seus problemas, que há uma “ordem” a governar sua
existência.
A paróquia dos “bem-aventurados” é composta predominantemente pela classe
média alta, ou como sugere o autor Benedetti (2000), pela classe dominante. O discurso
do padre nesta igreja é um discurso na qual o conteúdo central está na naturalização e
aceitação da ordem social, como se tal fato fosse decorrente de algo extremamente
natural, “cada um está onde estar, com os bens e os males a isso associados”
(BENEDETTI, 2000, p.172). Parte desse discurso é embasada na figura do cristão fiel a
suas crenças, que na sua jornada do dia a dia deve carregar a sua “cruz” e aceitar seus
sofrimentos. O sermão do padre à comunidade cristã é como o envio da “palavra divina
que vem consagrar o que somos por natureza” (BENEDETTI, 2000, p. 171), juntamente
com as incessantes buscas dos bens sagrados imateriais. O que se destaca nesta paróquia é
o fato de se aceitar o mundo do jeito que ele é, como se não pudéssemos fazer nada além
de mudarmos apenas a nossa moral diante das más circunstâncias. Diante desse discurso
percebemos um determinismo diante da ordem social estabelecida. Como se diante dessas
circunstâncias vividas por todos nós, não pudéssemos fazer grandes coisas, já que “a
ordem social está inscrita no universo da inevitabilidade” (p. 172). Ou seja, diante dessa
concepção, cada um está onde deve está.
Além dessas caracterizações, o que pode ser percebido também é a íntima ligação
entre a igreja e a classe média alta. Sendo esta quem faz grande parte das doações
destinadas à paróquia. A igreja por sua vez, reproduz os rostos dos doadores, e de seus
familiares, nas imagens de Jesus, Maria, os anjos e os santos, como formas de
homenageá-los e também de associar as qualidades divinas, através da representação, a
essas famílias (BENEDETTI, 2000). Vimos então, que esta paróquia além de esta muito
ligada à classe média alta, ela também possui uma visão de mundo conservadora, baseada
na “naturalidade” da posição ocupada pelos indivíduos da sociedade, onde há poucos
questionamentos, predominando mais a conformação diante dos fatos.
107

A terceira é última paróquia analisada é a paróquia da classe média, essa é


composta principalmente por ex-operários especializados, pequenos comerciantes,
professores, funcionários em serviços de gerência (com remuneração baixa), entre outros,
na qual segundo o autor, constituem parte da classe média baixa. Em relação ao aspecto
físico da paróquia, o templo católico costuma ser o ponto de referência espacial na cidade
onde a igreja se localiza, assim como ocorre na maioria das pequenas cidades, sendo o
padre a figura central desse “mundo” religioso. A atividade religiosa resume-se ao
essencial: o cumprimento dos preceitos religiosos oficiais, as devoções tradicionais e as
rotinas de casamento, batizados e missas de sétimo dia. Já as atividades sociais voltadas à
assistência aos pobres se limitam a algumas poucas campanhas. Segundo Benedetti
(2000) nas exortações feitas pelo padre durante as missas e/ou outros eventos religiosos
há uma firme defesa da necessidade de preservar e aprofundar os valores e costumes
religiosos mais prezados. Em relação às desigualdades sociais, percebe-se um tom
moralista e até mesmo um medo ao avanço da proletarização junto com o anseio à
ascensão social.
Diante das análises feitas em relação aos diferentes tipos de paróquias,
percebemos que os diferentes trabalhos desenvolvidos por cada instituição religiosa
católica dão a essa igreja uma “personalidade” distinta, uma característica “marcante”.
Obviamente que a instituição religiosa procurará o máximo possível manter os seus fiéis e
conquistar novos adeptos, e essas tarefas serão articuladas através de suas estratégias, ou
seja, de sua territorialidade religiosa, que pode englobar vários tipos de ações, sejam elas
de cunho religioso ou não. Isso já ficou claro para nós, entretanto, não se pode generalizar
são as ações das igrejas. Acreditar que, só por que uma determinada instituição religiosa
localiza-se na periferia de uma grande cidade não quer dizer que ela desenvolverá as suas
ações guiadas pela a ideologia das pastorais libertadoras. Isso é um engano.
No nosso recorte espacial e temporal analisado, alguns bispos, que possuíam uma
interpretação da Bíblia diferentes daqueles “ditos” conservadores, preferiam adotar
maneiras de desenvolver trabalhos que envolvessem mais as classes populares,
procurando assim ajudá-las e de certo modo, controlá-las. Contudo, em periferias pobres
também havia igrejas com trabalhos de cunho mais tradicional, onde os padres e bispos
não se envolviam diretamente nas causas populares. Os trabalhos desenvolvidos pela
diocese de Nova Iguaçu, pouco se parecem com das paróquias analisadas. Em primeiro
momento, podemos até acreditas que as suas atuações se parecem com a da paróquia
108

“prestadora de serviços”, contudo, essa está ligada ao passado e a tradição, não se opõem
as funções clássicas da religião, não se propõem a agir por vertentes consideradas novas
naquele momento e nem procura proporcionar atuações que irão verdadeiramente
transformar a vida da população local, seja ela católica ou não. A segunda paróquia dos
“bem-aventurados” é composta, por sua maioria de classe média alta, esse já é o grande
diferencial com a diocese de Nova Iguaçu, além disso, os discursos e ações do padre vão
de encontro aos anseios dessa classe social pouco se fazem pelas classes trabalhadoras,
um dos consolos direcionados pela igreja é se conformar diante das desigualdades da vida
social; há certo determinismo diante da ordem social. A igreja compartilha de uma visão
conservadora. A última paróquia analisada é a paróquia de “classe média baixa” que
possui um raio de atuação pequeno e muito frágil, suas atividades circundam,
principalmente, o campo religioso, se importam pouco com os problemas sociais vividos
pela população. A aproximação da igreja com a pobreza é intermediada pelo medo do
processo de proletarização. A igreja possui um moralismo latente em seus discursos e
atuações.Portanto, a ligação entre expressão religiosa e classes sociais terá como
consequência os diferentes tipos de comportamentos desenvolvidos pela igreja, tal fato
personificará os diferentes tipos de prestações de serviços religiosos ligados a essa igreja.
O caso da igreja diocesana de Nova Iguaçu, no que consiste em seu engajamento e
suas atividades que foram desenvolvidas ao longo das décadas analisadas, sua
personalidade pode ser considerada peculiar, pois através de suas práticas, que geraram
um ativismo intenso, a igreja colocou em evidência a luta por políticas públicas que
trouxesse melhorias para a população. Por manterem um trabalho de formação
sociopolítico, diferentes autores como Krischke e Mainwaring (1986) já apontaram a
importância do trabalho diocesano de formação, mobilização e reivindicação de direitos
sociais. Essa opção ocorreu na diocese de Nova Iguaçu, mas não necessariamente em
outras dioceses do Brasil. Apesar dos anos que passaram, desde a criação do Centro de
Formação até os dias atuais, a diocese de Nova Iguaçu continua tendo um papel singular
no campo da formação sociopolítico e de criação e/ ou fortalecimento de espaços de
articulação e reivindicação para os direitos sociais. Através de seu Centro de
Sociopolítico, criou a Escola de Formação Política que é uma iniciativa de formação de
quadro em políticas públicas na Baixada Fluminense (SILVA, 2007). Os objetivos
específicos da Escola de Formação Política são:
1. Contribuir para a formação sociopolítico com informações e
conhecimentos, a fim de possibilitar uma melhor intervenção nas políticas públicas;
109

2. Criar condições para viabilizar candidaturas político-partidárias que


expressem uma concepção política ética, popular e transformadora.

Hoje em dia a população tem voz e não é impedida de lutar por seus direitos como
outrora, essa é uma grande conquista gerada por milhares de brasileiros que lutaram até
alcançar o seu objetivo comum que era a liberdade de expressão e de direitos. Como já
sabemos a igreja teve uma função importante na estruturação político-social de Nova
Iguaçu e de uma parte da Baixada Fluminense. Esse acontecimento é plausível e está
inscrito na história da igreja católica brasileira e na história do município na qual está
sediada a diocese. Não é por menos que o ano de 2010 foi marcado como o ano da grande
comemoração, na qual ocorreu a celebração e exaltação de todas as vitórias conquistadas
pela igreja, pelos seus líderes e seus vários anos de vivência e história. Estamos falando
da celebração do jubileu de ouro da diocese de Nova Iguaçu que marcou os seus 50 anos
de existência.
De acordo com Mattos (2006), etimologicamente, a palavra jubileu deriva do
hebraico yobel, o carneiro guia do rebanho. Em seguida o termo passou a ser aplicado ao
chifre do carneiro e ao som por ele produzido, e, finalmente, à festividade que com ele se
anunciava, em conformidade ás prescrições contidas na Bíblia. Para o povo hebreu, o
quinquagésimo ano era chamado jubilar, comemorado segundo uma legislação específica
que descrevia sete séries de anos sabáticos antes do grande jubileu. Ele teria de ser
totalmente santificado pelo repouso da terra - que deixava de ser cultivada -, pela
libertação dos escravos e pelo perdão de todas as dívidas. Como consequência do ano
jubilar, havia a emancipação geral de todos os habitantes carecidos de libertação
(MAROCHI, 1999). Apesar das transformações ocorridas em relação ao propósito dessa
festividade chamada jubilar, tal comemoração é realizada até os dias de hoje pela Igreja
Católica e outras denominações.
A diocese de Nova Iguaçu celebrou o jubileu de com um extenso calendário de
atividades programadas, além disso, a igreja foi homenageada através do lançamento da
Bíblia do Jubileu e do livro Comemorativo sobre a Diocese na qual relata uma parte do
processo histórico, político, social e cultural da igreja. Neste livro há um espaço
especialmente dedicado a vida de Dom Adriano Hypólito e toda a sua trajetória de ação
social que terminou no ano de 1995 quando esse precisava se aposentar por ter
completado 75 anos4, nas quais boa parte desses anos foram dedicados a igreja e a
população brasileira. Esse momento de despedida do bispo Dom Adriano Hypólito foi
110

assinalado pela celebração da última missa na catedral de Santo Antônio de Jacutinga,


onde houve a presença significativa da comunidade que foi auxiliada por este bispo.
É relevante ressaltar que Dom Adriano é invocado por muitos como idealizador e
efetivador de uma diocese voltada para ação sociotransformadora com base em
“comunidades” de convívio ao mesmo tempo religioso e sócio-político. Porém, é possível
encontrar opiniões que o consideram como propagador de uma visão unilateral de Igreja,
ao “forçar” a opção dos fiéis para um estilo político de religião (ASSIS, 2008). Entretanto,
um fato relevante considerado tanto por fiéis da diocese quanto de outras dioceses
brasileiras ou estrangeiras, por representantes de movimentos sociais e políticos e mesmo
pela imprensa geral, foi o posicionamento de Dom Adriano frente ao regime político-civil-
militar que se impunha. Tal posicionamento levou a seu sequestro e tortura física e
psicológica a que foi submetido em 22 de setembro de 1976. A própria Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, em outubro do mesmo ano, uma carta de
esclarecimento à sociedade sobre, entre outros acontecimentos, o sequestro de Dom
Adriano. Tal acontecimento marcou, não somente a Igreja católica naquele período como
diversas organizações contrárias ao regime militar e, sobretudo, o imaginário dos membros
da diocese de Nova Iguaçu e de outras dioceses. Várias instituições, movimentos e
logradouros da Baixada Fluminense recebem seu nome como homenagem e
reconhecimento. Dom Adriano veio a falecer em 10 de agosto de 1996.
111

Notas
_____________________________________________________________

1
Conhecido membro do aparato de repressão.
2
A Misereor é uma entidade alemã católica financiadora, que mantém projetos há mais de 20 anos
na Diocese de Nova Iguaçu. Esses projetos, geralmente, duram um triênio e podem ou não ser
renovados.
3
Mesquita ainda não tinha sido emancipada, por isso ainda pertencia a Nova Iguaçu.
4
Os bispos quando fazem 75 anos têm que se aposentar, porém podem solicitar à Igreja de Roma
(Vaticano) uma prorrogação de mais 05 anos, até completarem 80 anos. D. Adriano que não
legislava em causa própria, não fez uso dessa possibilidade.
CONCLUSÃO

O cenário se modifica, a paisagem se altera, o lugar adquire novos fluxos e fixos.


De caminho de passagem no tempo do Brasil-Colônia e Império, transformado, hoje, em
periferia da cidade do Rio de Janeiro. De espaço insalubre, alagadiço, rios assoreados e
destruição ambiental. Há insolúveis problemas de saneamento básico. As epidemias
sucessivas sem respostas do poder público, como o cólera que, em meados do século XIX,
destrói a antiga Vila Iguassú. A atual dengue que hoje penaliza a população local. De
depósito forçado de desalojados da cidade do Rio de Janeiro pela Reforma Pereira Passos
no início do século XX ao lugar de generosa acolhida a migrantes de inúmeros recantos do
Brasil em busca de trabalho e condição de vida. De espaço urbano “inchado”, sobretudo a
partir dos anos 1960, a localidade segregada de políticas públicas de assistência e de
equipamentos urbanos. De espaço abandonado por suas elites locais ao lugar portador de
uma riquíssima cultura. Cultura de contrastes onde a Igreja Popular presente realiza suas
obras de conscientização dos grupos populares.
É neste cenário fluminense, caracterizado por muitos de maneira depreciativa, que
nasce a diocese de Nova Iguaçu, sediado no município de Nova Iguaçu, criada em 26 de
março de 1960 pela Bula Quandoquidem Verbis do Papa João XXIII. Os primeiros bispos
foram Dom Walmor Battú Wichrówiski (1960 – 1961), Dom Honorato Piazera (1961 –
1966) e Dom Adriano Mandarino Hypólito (1966 – 1995). De lugar segregado ao lugar
espiritual da Teologia da Libertação. Nas décadas de 1960 e 1970, o município de Nova
Iguaçu, e boa parte da Baixada Fluminense, era conhecido por ser uma área de intensa
violência onde predominava a população menos favorecida economicamente, tal
realidade foi consequência, entre outras, das intensas migrações direcionadas para essa
localidade que foram acompanhadas de uma infraestrutura desordenada.

O cenário da Baixada Fluminense, dentro desse recorte temporal, apresentou


inúmeras deficiências em sua infraestrutura urbana mediante ao descaso do Estado e da
ineficiência de políticas públicas comprometidas com as necessidades urbanas e sociais da
localidade. Devido a esses problemas latentes a mídia estigmatizou a área como local de
pobreza, violência e decadência humana. Neste universo de violência, de pobreza, de
segregação entre outros aspectos na qual identificam a Baixada Fluminense, a diocese de
Nova Iguaçu é “invocada por muitos como a idealizadora de uma organização eclesial
113

voltada para a ação sociotransformadora com base em 'comunidades' de convívio e


atividades ao mesmo tempo religiosas e sociopolíticas” (ASSIS 2008, p. 92). Na diocese de
Nova Iguaçu, observamos a existência de uma igreja progressista convivendo com uma
instituição tradicional. A chegada, em 1966, de Dom Adriano na diocese, religioso de forte
sensibilidade em relação à situação opressora em que vivia o povo brasileiro no período do
autoritarismo militar, fez desse homem religioso um agente espiritual singular na diocese.
Inicia uma atuação de combate a essa opressão, onde o lugar e as ideias favorecem a
criação das mudanças.

Durante as décadas de 1960 e 1970, o panorama da igreja católica brasileira


começava a se modificar. Pois começa o desenvolvimento das características fundamentais
da Igreja Popular. Entre as inovações citamos o surgimento da Teologia da Libertação e
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). No Brasil, as CEBs foram quase que em sua
maioria, criação de sacerdotes ou freiras, ou seja, desde o início essas comunidades
estavam intimamente ligadas à igreja institucional, tornando-se uma das contribuições de
maior destaque ao catolicismo brasileiro. Segundo Mainwaring (2004), as CEBs foram
originalmente pensadas, pela hierarquia, como um meio de fortalecer a presença da igreja
tradicional, não para ser uma nova forma de igreja. Foram pensadas com a intenção de
estimular a fé dentro de uma sociedade secular, não para modificar essa sociedade.
Todavia, contrariando as expectativas, a partir das intensas reuniões e debates, da leitura da
Bíblia tendo como apoio padres e freiras comprometidas com os ideais comunitários, e
devido à conjuntura de alteração na política e na sociedade brasileira, muitos participantes
das comunidades eclesiais de base se envolveram nos movimentos populares, fortalecendo
assim os movimentos de resistência contra o regime político. Destacamos os a favor dos
direitos humanos, os da educação e os de uma vida de ser no mundo – ser cidadão. A
repressão militar, principalmente após o decreto do Ato Institucional n° 5 (AI-5) em 1968,
reduz a participação popular a reivindicações isoladas. Neste período, a diocese de Nova
Iguaçu, tendo a frente Dom Adriano Hypólito, prioriza as Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) que exerce uma função subsidiária importantíssima frente à carência de
movimentos sociais, a Igreja representa o espaço ideal para a libertação frente à repressão.
Essa participação das comunidades na qual a igreja está inserida com seus trabalhos e
ideologias foram e ainda são, uma forma e uma função de expressão da Pastoral da
Libertação e tornou-se parte integrante da diocese de Nova Iguaçu, favorecendo de
114

maneira estimável a população excluída, que obtinha auxílio espiritual, material e


educacional.

Na literatura consultada podemos dizer que muitas pessoas que fizeram parte das
Cebs puderam mudar suas vidas a partir desse processo. Elas obtiveram informação de
uma maneira diferente, um conhecimento voltado ao saber do seu papel na sociedade.
Assim, tiveram experiências e participações de uma nova igreja. Um novo encontro, um
novo caminho que compõe a sua existência na terra (HYPÓLITO, 1983).

O centro sociopolítico, projeto criado pelo bispo Dom Adriano Hypólito na


década de 1970, desenvolveu vários subprojetos, como: cursos de análise de conjuntura
política, escola de formação política, curso de metodologia na educação popular,
acompanhamento aos legislativos municipais e outros, perfazendo uma estratégia contra a
atuação da Igreja Tradicional. Assim, em nossa análise os trabalhos desenvolvidos pela
diocese são de natureza pública conservando em si uma qualidade verdadeiramente
universal, pois qualquer pessoa, mesmo não sendo católica era incentivada a participar. A
comunidade conseguiu bons resultados. A relação comunidade e igreja, nesse caso, não
esperaram provisões do governo, e sim procuraram buscar suas demandas por meios
ligados à igreja. Nas diversas atividades desenvolvidas na diocese, há uma intensa
valorização em se trabalhar com grupos – e tal fato foi incentivado por Dom Adriano, pois
essas tarefas favoreciam com sucesso o encontro entre as pessoas e, sendo assim,
aumentavam as possibilidades de exercerem a cidadania no lugar.Não se pode esperar que
a igreja seja o grande agente das mudanças radicais, mas é razoável esperar que ela
desenvolva práticas que sejam condizentes com o seu discurso. Dentro dessa análise,
percebe-se a função da igreja católica na estruturação social do município de Nova Iguaçu.
Tanto na organização espacial, como nos sucessivos (re) arranjos.

Apesar das ambiguidades, contradições e conflitos, a diocese de Nova Iguaçu


através de suas atividades sociais proporcionou, nas primeiras décadas da sua
implantação, benefícios à população mais do que qualquer outra instituição
governamental. Fortaleceu a sociedade civil através das organizações católicas. A
liderança do bispo em seus clamores por uma ordem mais democrática em pleno regime
militar favoreceu a função da igreja. E, embora a igreja popular tenha conhecido um
declínio de ação na década de 1980, algumas das criações projetos por ela continuaram a
perdurar por um longo tempo.
115

Essas inúmeras ações da instituição religiosa católica podem ser decodificadas como
estratégias interligando religião, território e territorialidade, que tem como objetivo
assegurar a vivência da fé, fortalecer as experiências religiosas coletivas e individuais e
manter constantemente a vigilância dos fiéis. As relações de poder que se estabelecem no
território remontam às mais antigas civilizações, nas quais a dimensão espacial já era
reconhecida como instrumento de manutenção, conquista e exercício do poder de extrema
importância (CORRÊA, 2007). O conceito de território pode ser compreendido em sua
flexibilidade, sua elasticidade formal e de conteúdo, expressas na relação que desenvolve
com as noções de espaço e tempo. A organização interna dos territórios da igreja é
dinâmica, móvel no espaço, como pode ser percebido nesta pesquisa, e é justamente a não
rigidez no tempo e no espaço a característica que garante a compreensão das
territorialidades. No caso da diocese analisada percebeu-se que, contextos socioespaciais
distintos requerem estratégias territoriais também distintas.

O desmembramento aqui evidenciado contribui para mostrar a relação socioespacial


e política da igreja católica, visto que essa atitude tinha como “alvo” principal o
enfraquecimento do catolicismo de massa desenvolvido pela diocese de Nova Iguaçu, que
está localizada em uma área de forte efervescência social da periferia da cidade do Rio de
Janeiro. Já nos é conhecido que a territorialidade religiosa católica exercida na prática do
catolicismo de libertação – este praticado por Dom Adriano Hypólito – apresentou
conflitos com o catolicismo romanizado, e umas das táticas do Vaticano foi exatamente
desmembrar o território religioso a fim de desestimular as ações das pastorais, das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e do bispo Dom Adriano Hypólito. Assim como
diminuir o seu campo de atuação e sua forte representatividade político-religiosa na
Baixada Fluminense. Essa ação foi efetivada, dentro de um novo contexto político e social
do Brasil. Com o fim do regime militar, a igreja vai tomando novos rumos, buscando novas
formas de atuações. Contudo, a diocese iguaçuana não perder a função singular no campo
da formação sociopolítico. Isto é, de criação e/ ou fortalecimento de espaços de articulação
e reivindicação para os direitos sociais.

A diocese completou, em 2010, 50 anos de existência, dos quais, grande parte


voltada para o desenvolvimento das Comunidades de Base. A diocese de Nova Iguaçu
celebrou o jubileu de com um extenso calendário de atividades programadas, além disso, a
igreja foi homenageada através do lançamento da Bíblia do Jubileu e do livro
Comemorativo sobre a Diocese na qual relata uma parte do processo histórico, político,
116

social e cultural da igreja e da comunidade local. Neste livro há um espaço especialmente


dedicado a vida de Dom Adriano Hypólito e toda a sua trajetória de ação social que
terminou no ano de 1995 quando esse precisava se aposentar por ter completado 75 anos,
nas quais boa parte desses anos foram dedicados a igreja. Esse momento de despedida do
bispo Dom Adriano Hypólito foi assinalado pela celebração da última missa na catedral de
Santo Antônio de Jacutinga, onde houve a presença significativa da comunidade que foi
auxiliada por este bispo.

Dom Adriano é invocado por muitos como idealizador e efetivador de uma diocese
voltada para ação sociotransformadora com base em “comunidades” de convívio ao
mesmo tempo religioso e sociopolítico. Porém, é possível encontrar opiniões que o
consideram como propagador de uma visão unilateral de Igreja, ao “forçar” a opção dos
fiéis para um estilo político de religião (ASSIS, 2008). Entretanto, um fato relevante
considerado tanto por fiéis da diocese quanto de outras dioceses brasileiras ou estrangeiras,
por representantes de movimentos sociais e políticos e mesmo pela imprensa geral, foi o
posicionamento de Dom Adriano frente ao regime político-civil-militar que se impunha.
Tal posicionamento levou a seu sequestro e tortura física e psicológica a que foi submetido
em 22 de setembro de 1976. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
lançou, em outubro do mesmo ano, uma carta de esclarecimento à sociedade sobre, entre
outros acontecimentos, o sequestro de Dom Adriano. Tal acontecimento marcou, não
somente a Igreja católica naquele período como diversas organizações contrárias ao regime
militar e, sobretudo, o imaginário dos membros da diocese de Nova Iguaçu e de outras
dioceses. Várias instituições, movimentos e logradouros da Baixada Fluminense recebem
seu nome como homenagem e reconhecimento. Dom Adriano veio a falecer em 10 de
agosto de 1996. A substituição de Dom Adriano deu-se em 1995, sendo designado à frente
da diocese, o bispo Dom Werner Siebenbrock, estando ali até o ano de 2002, quando foi
substituído pelo atual responsável, Dom Luciano Bergamin.

O estudo da criação de território religioso católico requer uma análise espaço-


temporal com uma metodologia da geografia da religião. A decodificação de seus
símbolos, ideias, líderes e estratégias devem ser feitas por um elemento que esteja
incorporado a religião católica. Nossa pesquisa participante foi favorecida pois nasci e
moro em Nova Iguaçu e, apesar de não fazer parte dos integrantes dos movimentos
populares auxiliados pela igreja no período analisado, conseguir me aproximar de alguns
antigos integrantes desses movimentos através das entrevistas ocorridas no ano de 2003 –
117

pelo Centro de Memória Oral da Baixada Fluminense, na qual fiz parte da equipe no
referido ano - . No decorrer dos anos tive a oportunidade de conhecer outros integrantes e
algumas pessoas que foram próximas de Dom Adriano no Arquivo Diocesano, a partir
desses encontros e estudos conseguimos desenvolver esta pesquisa, que ainda não se
encontra esgotada. Muitos fatores contribuíram para o enriquecimento de nossa análise
diante da política e religião.

Por fim, em decorrência da dinâmica do saber geográfico, a pesquisa realizada,


está sujeita à incorporação de novas considerações que venham a contribuir para o
aperfeiçoamento. Aprender as lógicas das territorialidades adotadas pela igreja Católica
na implantação e manutenção da fé no espaço vem acompanhado da preeminência de se
conhecer as estratégias adotadas. Buscou-se assim, interpretar o processo de organização
espacial da gestão religiosa, na criação da diocese em Nova Iguaçu, nas décadas de
1970,1980 e 1990, relacionando as ações dirigidas por Dom Adriano Hypólito como
homem religioso carismático no contexto político brasileiro acompanhando as estratégias
religiosas que marcaram a Igreja Católica na sociedade iguaçuana dentro do recorte
analisado.
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ANEXO - O cotidiano da diocese de Nova Iguaçu

Destacamos no anexo as imagens selecionadas, pois acreditamos, assim como


Medeiros (2006, p. 13), que as imagens que remetem o cotidiano nos permitem analisar
questões geográficas e históricas do local estudado. “É importante considerar que a foto
foi produzida em um contexto histórico, nos transmite valores de uma época, assim
podendo construir reflexões sobre a relação presente/passado através dos costumes e da
maneira de viver de outras épocas”.

Foto 1 – A vinda de Dom Adriano. Saudado pelo Interventor, o bispo


recebeu deste as chaves simbólicas da cidade.
Fonte: Arquivo Diocesano.
Pesquisado em 2010.

Foto 2 - Dom Adriano na década de 1970.


Fonte: Arquivo Diocesano.
Pesquisado em 2010
126

Foto 3 - Dom Adriano visitando comunidade carente em Nova Iguaçu.


Fonte: Arquivo Diocesano.
Pesquisado em 2010.

Foto 4 - Dom Adriano e as freiras da Comunidade de Santa Cruz.


Fonte: Arquivo Diocesano.
Pesquisado em 2010.
127

Foto 5 - Aniversário de 75 anos do bispo Dom Adriano Hypólito.


Fonte: Arquivo Diocesano.
Pesquisado em 2010.

Foto 6 - Missa de despedida do bispo.


Fonte: Arquivo Diocesano.
Pesquisado em 2010.

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