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RECIFE
2011
A553s Andrade, Edson Francisco de.
Sistemas Municipais de Educação : impactos na gestão educacional
no âmbito do poder local / Edson Francisco de Andrade. – Recife: O
Autor, 2011.
340f. : il. ; 30 cm.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------- 11
Tessitura da Pesquisa --------------------------------------------------------- 18
1.1 – Introdução---------------------------------------------------------------- 31
1.2 – Discurso e exercício do poder no espaço público------------------- 31
1.3 – O discurso em sua formação tridimensional: uma abordagem às
contribuições de Norman Fairclough -------------------------------------- 39
1.4 – A teoria do discurso na perspectiva foucaultiana: categorias
teóricas e perspectivas de análise em debate ----------------------------- 42
1.5 – Campos Discursivos da Política Educacional ---------------------- 49
2.1 – Introdução---------------------------------------------------------------- 54
2.2 – Teoria do Poder e suas implicações no papel do Estado
contemporâneo ---------------------------------------------------------------- 56
2.3 – Estado Nacional no Brasil: contextos de seu surgimento e
consolidação-------------------------------------------------------------------- 60
2.4 – Federalismo e descentralização da ação estatal: implicações na
gestão da educação------------------------------------------------------------ 67
2.5 – Dinâmica do federalismo brasileiro: interfaces com o campo
educacional--------------------------------------------------------------------- 71
2.6 – Federalismo e gestão sistêmica da educação------------------------ 79
2.6.1 – Federalismo fiscal e capacidade de atendimento às demandas
educacionais nos entes federados-------------------------------------------- 82
3.1 – Introdução---------------------------------------------------------------- 87
3.2 – Concepção de gestão sistêmica e sua contextualização no campo
educacional---------------------------------------------------------------------- 87
3.3 – A gestão sistêmica no âmbito nacional ------------------------------ 95
3.4– A opção pela criação do sistema municipal de educação:
concepções e perspectivas----------------------------------------------------- 99
3.4.1 - O papel do CME a partir do advento de implantação do SME-- 104
3.4.2 – Planos Municipais de Educação: sistematização da
intencionalidade na gestão da educação municipal ----------------------- 108
6
AGRADECIMENTOS
LISTA DE SIGLAS
AC- Acre
AL- Alagoas
ANPAE- Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPED- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
BA- Bahia
CE- Ceará
CEE- Conselho Estadual de Educação
CF – Constituição Federal
CME- Conselho Municipal de Educação
CNE- Conselho Nacional de Educação
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COMUDE – Conferência Municipal de Educação
CONAE – Conferência Nacional de Educação
COPEM – Coordenadoria de Cooperação com os Municípios
CUT- Central Única dos Trabalhadores
EC- Emenda Constitucional
ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA- Educação de Jovens e Adultos
ENEM- Exame Nacional do Ensino Médio
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FPE- Fundo de Participação dos Estados
FPM- Fundo de Participação dos Municípios
FUNDEB- Fundação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GAM – Gerência de Articulação Municipal
IBAM- Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados
10
RESUMO
A presente tese analisa o processo de criação dos sistemas municipais de educação e suas
implicações no exercício da autonomia do Poder Local e na institucionalização do regime de
colaboração entre os entes federativos. Os estudos sobre a gestão da educação indicam que o
rumo dado à apropriação das possibilidades de descentralização das políticas educacionais
ainda se confronta com obstáculos de caráter histórico, político e cultural (OTRANTO, 2006;
KRAWCZYK, 1999; ANDRADE, 2007; TEIXEIRA, 2004; LERCLERC, 2002; ABREU;
SARI, 1999; SOUZA; FARIA, 2004; GEMAQUE; GUTIERRES, 2007; BITTAR, 2004;
SAVIANI, 1999, entre outros). Isto significa que há dimensões a serem analisadas no
contexto político-social em que cada sistema de educação está inserido. Os dados que
compuseram o corpus desta pesquisa foram captados através do trabalho de observação do
campo, da coleta de documentos, da realização de entrevistas semiestruturadas e da
administração de questionários nos municípios que instituíram seus sistemas próprios de
educação nos estados do Ceará e Pernambuco, com aprofundamento da análise em Recife e
Fortaleza. A interpretação dos dados coletados foi desenvolvida por meio da Análise de
Discurso, estabelecendo uma relação entre os elementos que indicamos como preponderantes
para esta perspectiva de interpretação, a saber, o contexto de produção do discurso, o público
a que se destina, os impactos que uma determinada prática discursiva pode provocar no
processo tanto de reprodução quanto de mudança social (FOUCAULT, 2006, 2007;
FAIRCLOUGH, 2001). O estudo revelou que, para os gestores locais, a vinculação entre a
opção pelo sistema próprio e a perspectiva de ação autônoma constitui um mecanismo
imprescindível para a legitimação de práticas administrativas desenvolvidas por seus
representantes que, mesmo não expressando uma vontade coletiva, passa a resguardar-se no
enunciado da articulação que o sistema se nutre e também reproduz. Já a perspectiva de
autonomia que toma por referência o fortalecimento da participação dos sujeitos coletivos
locais guarda coerência com o fundamento da descentralização da gestão pública que, por sua
vez, se efetiva por meio do compartilhamento do poder decisório sobre o processo de
proposição, execução e acompanhamento da Política Municipal de Educação. Constatou-se
que o retardo da conclusão do Plano Municipal de Educação em Recife retira dessa
municipalidade justamente o balizador objetivo para a gestão. Por conseguinte, a programação
das ações, bem como a indicação das estratégias e demais elementos de um planejamento, fica
por conta do gestor. Neste caso, o potencial de transformação da realidade a que o sistema se
vincula é reduzido, sobretudo porque o Poder Local não dispõe de regulamentação do que
deve ser defendido como bandeira da educação no Município. Por outro lado, o exemplo de
Fortaleza demonstra que a construção do instrumento que objetiva a gestão repercute, de fato,
na alteração das práticas exercidas, com destaque para a consecução do rumo à cidadania
preterida pelo conjunto dos sujeitos sociais envolvidos. Por fim, observou-se que as
experiências de colaboração constatadas na pesquisa correspondem muito mais ao
cumprimento do papel redistributivo da União ou do Estado, em relação ao Município, do que
a acepção do termo como planejamento e execução de ações conjuntas face às demandas
educacionais, o que exigiria o exercício da colaboração entre sistemas, o que inclui a
implantação do Sistema Nacional de Educação, a fim de que as negociações entre os entes de
poder federado sejam levadas a efeito pelas instâncias legitimamente representadas na
composição dos três sistemas de educação.
ABSTRACT
This thesis analyzes the process of creation of the municipal education systems and their
implications in the exercise of autonomy of Local Government and the institutionalization of
the system of collaboration between federal entities. Studies on the management of education
indicate that the direction given to the appropriation of the possibilities of decentralization of
education policy still faces obstacles historical, political and cultural (OTRANTO, 2006;
Krawczyk, 1999; ANDRADE, 2007; TEIXEIRA, 2004; LERCLERC, 2002; ABREU, Sari,
1999; SOUZA; FARIA, 2004; GEMAQUE; Gutierrez, 2007; BITTAR, 2004; SAVIANI,
1999, among others). This means that there are dimensions to be analyzed in the political and
social context in which each system of education is inserted. The data that formed the corpus
of this research were collected through observation of the field work, collecting documents,
conducting semi-structured questionnaires and the administration of the municipalities that
have established their own systems of education in the states of Ceará and Pernambuco with
further analysis in Recife and Fortaleza. The interpretation of the data collected was
developed through Discourse Analysis, establishing a relationship between the elements that
we set for this prevailing perspective of interpretation, namely, the context of speech
production, the intended audience, the impacts that a particular discursive practice can cause
in the process of both reproduction and social change (Foucault, 2006, 2007, Fairclough,
2001). The study revealed that, for local managers, the link between the choice of the system
itself and the prospect of independent action is an essential mechanism for the legitimization
of administrative practices developed by their representatives who, while not expressing a
collective will is to withdraw into in the joint statement that the system also feeds and
reproduces. The perspective of autonomy that makes reference to strengthening the
participation of local collective subjects keep consistency with the foundation of
decentralization of public administration which, in turn, is realized through the sharing of
decision-making about the process of proposing, implementing and monitoring of the
Municipal Education Policy. It was found that the delay in completion of the Municipal Plan
for Education in Recife, this municipality removes just the objective yardstick for
management. Therefore, the programming of actions, as well as details of the strategies and
other elements of planning is for the manager. In this case, the potential to transform reality in
the system is bound is reduced, particularly as the Local Government has no regulations that
must be defended as a banner of education in the city. On the other hand, the example of
Fortaleza demonstrates that the construction of the instrument that affects the management
objective, in fact, exercised in changing practices, especially towards the achievement of
citizenship passed over by all the social actors involved. Finally, it was observed that the
experiences of collaboration found in the survey correspond more to the fulfillment of the
redistributive role of the State of the Union or, in relation to the city than the meaning of the
term as planning and execution of joint actions to meet educational demands , which would
require the exercise of collaboration between systems, including the implementation of the
National Education, in order that negotiations between the federated entities can be carried
out by bodies legitimately represented in the composition of the three systems of education.
INTRODUÇÃO
1
A pesquisa vincula-se à linha Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação do Grupo de Pesquisa
Políticas Públicas da Educação, sediado no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, cadastrado no
Diretório do CNPq como consolidado. Os trabalhos têm a coordenação dos professores: Dra. Janete Maria Lins
Azevedo e Dr. Alfredo Macedo Gomes. As atividades são desenvolvidas com a participação de graduandos,
mestrandos e doutorandos do referido Programa.
15
de educação básica. Nesse sentido, compreendemos, como Sarmento (2005), que a criação
dos sistemas municipais de educação pode ser entendida como a opção do município em
assumir a autonomia em relação à Política Educacional, tendo como pressuposto a
participação de setores da comunidade nos Conselhos Municipais de Educação.
Não obstante, os estudos sobre a gestão dos sistemas de educação indicam que o rumo
dado à apropriação das possibilidades de descentralização das políticas educacionais no
âmbito do poder local ainda se confronta com obstáculos de caráter histórico, político e
cultural (CAPANEMA, 2004; OTRANTO, 2006; KRAWCZYK, 1999). Isto significa que há
dimensões a serem analisadas no contexto político-social em que cada sistema municipal de
educação está inserido. Para Sarmento (2005), nos municípios que vieram respondendo
afirmativamente às políticas de municipalização ao longo das últimas décadas e que contavam
com uma rede estruturada de escolas, inclusive com conselho de educação em funcionamento,
a política de municipalização foi enfrentada com a criação do sistema, significando a
confirmação de uma autonomia que já vinha sendo gestada.
É possível afirmar que nos contextos em que prevalece a desarticulação entre as
instâncias envolvidas com a educação, a municipalização induzida conseguiu, mais
efetivamente, ofuscar a compreensão do significado de Sistema Municipal de Educação como
opção autônoma na condução da política educacional. Nesses espaços, em conformidade com
as assertivas de Duarte (2005), a crise da gestão da educação pública amparou-se na
mercantilização das relações sociais, o que implica, portanto, pôr em discussão, na atual
conjuntura, as medidas da política de financiamento subordinadas às preocupações com a
adoção de um planejamento político-educativo de ações intergovernamentais. Assim, a
construção de rupturas com a lógica gerencial, presente no período anterior, requer a
efetivação de ações supletivas e redistributivas da União mediante investimentos em projetos
e programas de superação das desigualdades entre os sistemas de educação.
Tais considerações nos instigam ao estudo sobre o movimento de criação dos sistemas
municipais de educação, assim como as nuances que permeiam o exercício de suas
atribuições, sobretudo aquelas vinculadas à perspectiva de materialização do regime de
colaboração entre as esferas do poder federativo, no sentido da universalização da qualidade
do ensino público, através da superação de decisões impostas ou da simples transferência de
encargos, sem que haja a distribuição devida dos meios e recursos necessários. Da mesma
forma, é desejada a garantia de participação da sociedade civil, através dos seus conselhos,
com a perspectiva de democratização do exercício do poder nas instâncias deliberativas dos
sistemas de educação.
19
Nossa referência para tais questões baseia-se na concepção de que o papel a ser
desenvolvido pelos sistemas municipais de educação deve amparar-se em ações conjuntas que
compreendam a divisão de responsabilidades pela oferta da educação básica entre as esferas
21
de poder, respeitando-se o preceito da redistribuição de recursos para que cada ente federativo
possa elaborar seu Plano Educacional e prover as condições necessárias para a sua execução.
Desta feita, justificamos a relevância deste estudo pela sua interlocução com o debate
sobre o processo de descentralização da gestão educacional, sobretudo no que se refere à
reflexão a respeito das possibilidades para a implementação do pacto federativo enquanto
mecanismo de viabilização de políticas educacionais no âmbito do Poder Local. Esperamos
que os resultados deste trabalho se tornem um importante subsídio para as municipalidades e
os seus sujeitos sociais, no que concerne à construção orgânica de propostas (viáveis e
concretas), integradas com a luta pela melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas e
com a democratização da sociedade.
Tessitura da Pesquisa
2
Intitulamos construção do corpus, com base em Barthes (apud BAUER; AARTS, 2002, p. 44), que expõe a
noção de corpus como “uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, com (inevitável)
arbitrariedade, e com a qual ele irá trabalhar”.
22
têm um encontro marcado tanto nas teorias como nos métodos de análise e interpretação”
(MINAYO, 1994, p.32).
Nesse sentido, acreditamos que o caráter de multimétodo (GUBA; LINCOLN, 1994)
que optamos como procedimento metodológico corroborou para a ampliação da amostragem e
tornou a análise dos dados mais consistente. Isto significa dizer que os dados quantitativos,
recolhidos através da administração de questionários, versando sobre os aspectos mais
abrangentes em relação ao objeto de estudo, permitiram uma percepção mais ampla do
contexto da pesquisa. Além disso, os dados qualitativos obtidos através das entrevistas dos
sujeitos foram analisados em conjunto com a realidade expressa no conteúdo sistematizado
através da abordagem quantitativa.
Em nossa análise sobre o processo de criação e implementação dos sistemas
municipais de educação consideramos imprescindível o exercício de interpretação do discurso
que é proferido, mas também do que se infere das práticas sociais. Esse movimento tem por
perspectiva captar não só a aparência do fenômeno, como também sua essência, procurando
explicar sua origem, suas relações, suas mudanças (TRIVINÕS 1987). Em face desse
entendimento, as informações exteriorizadas nos momentos formais dos encontros com os
sujeitos constituíram os elementos essenciais dos registros deste estudo. Entretanto, estivemos
atentos ao discurso não exposto verbalmente, mas do qual pudemos inferir significados
advindos das posturas político-ideológicas exercidas na relação entre sujeitos pertencentes a
diferentes instituições que constituem os campos discursivos. Conforme Chizzotti (1998, 84),
“na pesquisa qualitativa todos os fenômenos são igualmente importantes e preciosos; a
constância das manifestações e sua ocasionalidade, a frequência e a interrupção, a fala e o
silêncio. É necessário encontrar o significado manifesto e o que permanece oculto”.
Os dados que compuseram o corpus desta pesquisa foram obtidos através do trabalho
de observação do campo, da coleta de documentos, da realização de entrevistas e da
administração de questionários. Tanto a atenção aos fatos observáveis do estudo quanto à
análise dos documentos envolveram contatos interinstitucionais, considerando-se, inclusive,
consulta aos órgãos que integram as esferas de poder Municipal, Estadual e Federal.
Realizamos 09 (nove) visitas ao campo da pesquisa no estado do Ceará e 12 (doze) no
estado de Pernambuco, no período de julho de 2009 a junho de 2010. As atividades da coleta
dos dados envolveram visitas aos municípios que criaram Sistemas Municipais de Educação
24
3
A equipe técnica local é composta pelo dirigente municipal de educação, técnicos da secretaria municipal de
educação e representantes dos diretores de escola, dos professores da zona urbana e da zona rural, dos
coordenadores ou supervisores escolares, do quadro técnico-administrativo das escolas, dos Conselhos Escolares
e, quando houver, do Conselho Municipal de Educação.
25
disposição dos vocábulos interfere na produção de sentidos feita pelos interlocutores), além da
interpretação dos enunciados que perpassam a construção de diferentes documentos.
É importante pontuar que o discurso veiculado através dos documentos e de sua
apropriação é constituído por ideologias que cumprirão seus efeitos de forma mais eficaz
quando da sua inferência nas práticas discursivas exercidas, sobretudo nas instâncias com
poder decisório, considerando-se, inclusive, sua res-significação em função dos diferentes
campos ideológicos com que seus sujeitos se vinculam. Esse fato ilustra nossa consideração
de que a produção e reprodução do discurso, nesse caso do aporte documental, como em
outras construções discursivas, constituem campo de disputa.
Portanto, consideramos imprescindível partir do princípio de que a elaboração de
documentos requer cuidados com os rigores da “ordem do discurso” (FOUCAULT, 2006)
impostos pelo lugar (concreto ou simbólico) em que o instrumento documental é elaborado.
A esse respeito, salienta-se que o esforço que cada grupo, em disputa no campo discursivo,
mobiliza, com o intento de naturalizar sua posição ideológica, perpassa o movimento de
controle sobre o que se pode pôr em discussão. Esse trabalho corresponde a um exercício que
tem por função ocultar posições assumidas por quem exerce a autoria do discurso, de modo
que a apreensão da mensagem seja difundida como que destituída de interesses.
Assim, um texto produzido em uma instância governamental, ainda que congregue
toda uma carga ideológica que se vincula ao grupo no poder, precisa incorporar um conjunto
de enunciados que transcenda o conjunto das convicções circunscritas a este único grupo. Na
realidade, o que se apresenta como caracterização dos documentos traduz a constituição do
discurso que, em princípio, congrega a conciliação das pretensões dos diferentes grupos, ainda
que persistam discordâncias. O mecanismo que serve a esse propósito é a “interdição”
(FOUCAULT, 2006). O processo de interdição na produção do documento constitui um
importante procedimento de exclusão sobre o que é preciso ser deixado de fora da
comunicação, ou seja, silenciado em função, sobretudo, das reações contrárias que a
interpretação do texto pode suscitar.
Desse modo, podemos dizer que os aspectos a serem considerados na análise dos
documentos pressupõem atenção às regras de formação a partir das quais se tem a
convergência de enunciados sob o contorno de um acontecimento que respalda a essência da
mensagem que se pretende difundir nas práticas discursivas e sociais. Essa nossa tarefa
minuciosa pautou-se no entendimento de que um mesmo enunciado circula por diferentes
discursos, podendo ora permitir, ora impedir a realização de um desejo, pois sua requisição
entra na ordem das contestações e das lutas, tornando-se tema de apropriação e de rivalidade,
27
como nos ensina Foucault (2007). Sendo assim, a análise dos enunciados reunidos em torno
de uma proposição a ser manifesta através de um documento exige não somente o
reconhecimento de fragmentos textuais de outros textos, mas, sobretudo, o sentido com que é
correlacionado no discurso em estudo.
Quanto às instâncias e seus respectivos sujeitos que compõem o campo da pesquisa,
sistematizamos da seguinte forma:
A realização das entrevistas tem por perspectiva conhecer e analisar as concepções dos
gestores sobre o advento de institucionalização do sistema municipal de educação4 e suas
implicações na gestão da educação municipal e na viabilização da colaboração com os demais
entes federados5. Para tanto, subdividimos o roteiro em três blocos 6. O primeiro aborda o
processo de criação e funcionamento do SME, considerando aspectos relacionados à
legalização do modelo sistêmico no âmbito do Poder Local e ao papel que o conselho
municipal passa a exercer nesse contexto.
O segundo bloco é composto por questões que exploram nuances relacionadas ao
planejamento e gestão do SME. Inclui-se, nesse tópico, a dinâmica de participação social e os
mecanismos/estratégias que a gestão municipal reconhece no processo de proposição e
definição das políticas educacionais para o município. O último bloco contém questões sobre
o tema „regime de colaboração‟. Esta etapa da entrevista atenta para os seguintes aspectos: a)
o impacto da instituição do sistema na relação entre o Município, o Estado e a União, no que
se refere à garantia da educação básica; b) divisão de competências e mecanismos de
4
Registramos que, mesmo com nossa insistência ao longo de quatro meses, não foi possível realizar a entrevista
com o secretário de educação de Recife. O referido gestor indicou uma de suas assessoras do Núcleo de Gestão
Democrática da SEDUC/Recife, com a justificativa de que a mesma acompanhou a história da criação do SME
nessa municipalidade.
5
Obtivemos 15 (quinze) entrevistas, realizadas entre julho e dezembro de 2009, distribuídas conforme quadro
abaixo:
SUJEITOS NÚMERO DE
ENTREVISTAS
Secretário executivo adjunto do MEC/SEB 01
Gestora da Coordenadoria de Cooperação com os Municípios – COPEM/CE 01
Gestor da Gerência de Articulação dos Municípios – GAM/PE 01
Secretária de educação de Fortaleza 01
Assessor executivo da secretária de educação de Fortaleza 01
Assessora do secretário de educação do Recife 01
Ex-secretário de educação do Recife 02
Presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação – 01
UNCME
Presidente da UNCME (Seção Ceará) 01
Presidente da UNCME (Seção Pernambuco) 01
Presidente do CME de Fortaleza 01
Presidente do CME de Recife 01
Ex-presidente do CME de Recife 01
Presidente da UNDIME (Seção Ceará) 01
TOTAL 15
6
Ver anexo I.
29
7
Ver anexo II.
30
1.1- Introdução
As palavras e os atos ganham relevância na constituição do ser humano por sua virtude
singular de distinguir-se dos demais seres, não apenas por poder comunicar suas necessidades
primárias, mas, sobretudo, porque somente a ele é reconhecida a capacidade de comunicar
para si próprio. Sendo assim, cabe realçar a concorrência de interesses que permeiam a
35
produção e reprodução do discurso, com ênfase no interesse com que cada locutor e
interlocutor disputam o exercício do poder simbólico no espaço público 8.
Laclau (2005, p.137-138) compreende discurso como “articulação das palavras e
das ações, de modo que a função de fixação nodal nunca é uma mera operação verbal,
mas está inserida em práticas materiais que podem adquirir fixidez institucional”.
Tomamos essa conjunção entre palavras e ação como propriedade do discurso, que se
constitui de um conjunto de enunciados mobilizados com o intento de pôr em jogo o poder e
o desejo.
Partindo desse juízo, o estudo do discurso como abordagem teórico-metodológica não
se propõe apenas ao exercício da verificação, refutação e/ou confirmação de um determinado
dado da realidade focado num movimento de pesquisa. Trata-se de algo mais, da Teoria do
Discurso9, paradigma que, para Guba e Lincoln (1994), define-se como “conjunto de crenças
básicas” que se referem ao fundamento ontológico (o quê é o real, o que constitui a
realidade?), ao fundamento epistemológico (que define como o real pode ser conhecido e o
que pode ser conhecido?) e, por último, à questão metodológica (que diz respeito aos meios,
instrumentos e procedimentos para construção do conhecimento) (GOMES; ANDRADE,
2009).
O campo, nos limites do qual é produzido, apropriado e ressignificado o discurso, é
lugar de luta em que cada agente busca o reconhecimento de sua visão como objetiva10.
8
Bourdieu (2007, p.14-15) define „poder simbólico‟ como “poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer
ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto
o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário”.
9
Burity (2007), com base nos estudos de Laclau, sintetiza quatro características fundamentais da Teoria
do Discurso. A primeira é o pressuposto de que existe uma gramática básica na qual objetos possíveis são
constituídos e que isso medeia qualquer forma de contato com a realidade (2003, p.9). [...] Em segundo
lugar, e em decorrência, “discurso” não remete (exclusiva ou originariamente) aos domínios da escrita e
da fala. A definição de discurso na TD não é linguística [...] Neste sentido, discurso é um sistema
relacional que pode ser aplicado a qualquer objeto possível [...] Em terceiro lugar, o discurso, como um
sistema de relações (entre significante e significado, entre linguagem e ação, entre elementos de
diferentes outros discursos, etc.) encerra uma articulação orgânica entre língua e ato, entre o linguístico e
o extralinguístico [...] Em quarto lugar, a principal abordagem filosófica contra a qual se coloca a TD é o
idealismo. Primeiro, porque este reduz o real ao pensamento, enquanto aquela defende a irredutibilidade
do real ao discurso (em linha com a psicanálise). E, segundo, porque o idealismo assume a unidade da
mente, do sujeito, de modo que a unidade do “eu” acompanha (ou está presente em - para evocar a crítica
de Derrida à metafísica da presença) todas as suas representações.
10
O limite de um campo é o limite dos seus efeitos ou, em outro sentido, um agente, ou uma instituição, faz
parte de um campo, na medida em que nele sofre efeitos ou que nele os produz (BOURDIEU, 2007, p.31).
36
Trata-se, portanto, de um campo de poder que possui regras e desafios específicos (LAHIRE,
2002). Assim, é pertinente a seguinte consideração de Bourdieu (2007, p.56):
É possível inferir dessa assertiva de Bourdieu (2007) que os agentes de um campo têm
pelo menos interesse em que o campo exista e, portanto, mantêm uma cumplicidade objetiva
para além das lutas que os opõem. Desta feita, ainda que certa enunciação, difundida como
objetiva, seja percebida pelos interlocutores como fachada que oculta “segundas intenções”
do emissor, há rituais de pertença ao campo, assim como interesses específicos que movem a
articulação discursiva de cada sujeito, que, por vezes, fazem silenciar o exercício da contra-
argumentação. Nesse sentido, é oportuno destacar a atenção aos procedimentos de controle do
discurso na ação comunicativa, com ênfase ao que pode ser dito e, sobretudo, o que não pode
ser dito no campo discursivo. Para tanto, “é preciso conhecer as leis de formação do grupo
dos locutores - é preciso saber quem é excluído e quem se exclui” (BOURDIEU, 2007, p.55).
O estudo sobre os dispositivos de interpretação do discurso tem sido realizado por
importantes pesquisadores (LACLAU; MOUFFE, 1989; GUBA; LINCOLN, 1994;
HOWARTH, 2000; MAINGUENEAU, 1993; FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2006,
2007). É possível considerar que as produções desses autores têm um ponto em comum: a
categoria da linguagem como mediação das relações de poder entre os sujeitos que ocupam a
esfera pública. Por conseguinte, trataremos brevemente dos fatores que interpelam a ação
comunicativa entre sujeitos sociais que ocupam os espaços públicos de poder deliberativo,
para em seguida explicitarmos categorias do estudo do discurso a partir das quais abordamos
o campo de pesquisa desta tese.
Recorremos ao aporte teórico habermasiano para enfatizar o entendimento de que os
sujeitos capazes de linguagem e ação têm como referencial o mundo objetivo, que, por ser
comum a todos os partícipes, permite-se a negociação de acordos a partir da eleição do
37
melhor argumento. Para Habermas (2002, p.46-47), “os participantes da comunicação podem
se entender por cima dos limites dos mundos da vida divergentes, porque eles, com a visão de
um mundo objetivo comum, se orientam para a exigência da verdade, isto é, da validade
incondicional de suas afirmações”.
Com base neste juízo, os sujeitos da ação comunicativa devem confrontar seus
argumentos entre si, sendo capazes de não apenas explicitar as razões que justificam a
validade de seus pontos de vista, mas, sobretudo, esforçar-se para compreender e interagir
com as idéias manifestas pelos demais comunicadores. Nesse agir comunicativo, os
indivíduos exercitam a dimensão libertária da linguagem, o que significa, nas palavras do
autor (ibidem), a ausência de coação.
Conforme a análise de Aragão (2002), o essencial da produção habermasiana é deixar
claro que os acordos válidos são os que encontram a concordância de todos em função da
racionalidade de seus fundamentos, uma vez que a fragilidade dos acordos simplesmente
consensuais ou factuais se revela no fato de que argumentos hoje aceitos como convincentes e
evidências tidas como concludentes, futuramente, poderão ser questionados. Sobre esta
matéria, o autor tece as considerações de que “as exigências de verdade nos discursos não se
deixam solucionar definitivamente; entretanto, é somente através de argumentos que nos
deixamos convencer da verdade de afirmações problemáticas” (HABERMAS, 2002, p. 59).
Na perspectiva da ação comunicativa, o convencimento é decorrente da veracidade
que deve necessariamente estar contida na proposição. Habermas relaciona as exigências para
as práticas discursivas, enfatizando a condição de que todos os esclarecimentos e formações
sejam verbalizados, e de tal forma ponderados, que a escolha da posição do participante possa
ser motivada pela capacidade revisora dos enunciados livremente externados. Além disso,
uma prática apenas poderá ser considerada como argumentativa, quando satisfaz pressupostos
que o autor menciona como programáticos e determinados. Conforme exposição de Habermas
(2002, p.67):
À luz das exigências expostas pelo autor, pode-se considerar que a ação comunicativa
dos sujeitos nos espaços públicos tem como prerrogativa a explicitação teleológica dos
enunciados. Entende-se, por esta perspectiva, que a prática dialogal deve incorporar a
veracidade como premissa das intenções manifestas pelos seus participantes, pressupondo-se
que é a partir da sinceridade dos pontos de vista exteriorizados que o diálogo concorre para o
acordo e se distancia do consenso unânime fictício. Há na obra habermasiana uma concepção
de ação comunicativa amparada no princípio de que todos os partícipes devem dispor das
mesmas chances de expressar suas opiniões e de manifestar suas ponderações em relação às
exposições dos demais sujeitos do discurso. Não menos importante é a pressuposição de que
todos os sujeitos do campo discursivo devem ater-se ao essencial de suas proposições, o que
significa dizer que cabe a cada comunicador a demonstração de fidelidade com a publicidade
de seus argumentos.
Tão importante quanto as pressuposições de publicidade, da liberdade de expressão e
da coerência entre o enunciado e as pretensões de seu emissor é a garantia de uma ação
comunicativa que instiga a explicitação de proposições à luz da máxima habermasiana, que
conclama a não-coação. O autor sustenta uma perspectiva de agir comunicativo a partir da
qual, “um proponente só pode ganhar o jogo quando convence seus oponentes da correção de
suas exigências de validez. A aceitabilidade racional das expressões correspondentes se
fundamenta na capacidade de convencimento dos melhores argumentos” (HABERMAS,
2002, p. 66).
É justo o reconhecimento quanto à relevância das assertivas de Habermas, ao
discutirmos suas implicações para o movimento de produção e reprodução do discurso. Não
obstante, merece ser pontuado o seu desprezo para com as circunstâncias que potencialmente
podem desvirtuar suas prerrogativas, mas que não impedem que as práticas discursivas
aconteçam. A ênfase do autor, ainda que se refira à complexidade da ordem em que o discurso
é produzido e reproduzido, é focada estritamente na preocupação quanto à seletividade dos
sujeitos que, de fato, preenchem os requisitos, sobretudo, morais do ato comunicativo. Tal
aspecto de sua obra passa a impressão de certo elitismo que se pretende difundir quando se
trata da seleção dos sujeitos que poderão ocupar os espaços decisórios de poder.
O cumprimento de uma das exigências do autor, qual seja, a exclusão de enganos e
ilusões, parece pleitear um movimento de higienização dos que acessam os espaços
discursivos, de tal forma que seja identificado, com certa segurança, o que de fato pretende o
locutor, se há ou não coerência entre o que os mesmos professam e o que intimamente
pretendem. Observa-se que a referência do autor, quando expõe o desenho do sujeito ideal
39
para a ação comunicativa no espaço público, não atribui ênfase à complexidade da própria
dinâmica do ato discursivo. Os possíveis enganos e ilusões são colocados como se as
aspirações de quem se expõe nesta ordem fossem contempladas sem a necessidade de disputas
entre os sujeitos.
Percebe-se que o tipo de ação comunicativa que Habermas apresenta corrobora a
discussão sobre os princípios que fortificam o discurso da gestão democrática na ação estatal,
sobretudo por correlacionar a aceitabilidade dos pontos de vista com base na capacidade de
convencimento dos melhores argumentos manifestos durante os turnos da comunicação.
Contudo, faz-se imprescindível atentarmos para os mecanismos de controle do discurso
através dos quais, ainda que aparentemente sejam dadas as mesmas chances de se expressar
sobre as coisas, os sujeitos se submetem a interdições sem que a coação seja explícita nem
verbalizada, mas que exercem implicações sobre o que os participantes pretendem ao
exteriorizarem seus argumentos, considerando-se os interesses pessoais e /ou de grupos
representativos e, por conseguinte, do contexto que se quer referir, além das restrições
impostas, principalmente, pelos lugares (epistemológico e institucional) de onde se fala.
Os aspectos mencionados podem ressignificar o ideário de ação comunicativa
defendido por Habermas, concebendo-se, sobretudo, as práticas discursivas como parte das
relações de poder que interpelam os diversos campos sociais. Neste sentido, consideramos
relevante tanto a análise dos fatores que implicam a validação de determinados argumentos
em detrimento de outros, assim como a compreensão do discurso como uma das dimensões
que corporificam cada indivíduo como sujeito único, mas também constituído e constituinte
das práticas sociais assumidas pelos outros sujeitos.
Para Arendt (1997), a ocupação do espaço público pressupõe uma convivência entre
os homens pautada na divisão do poder, o que não significa reduzi-lo (ARENDT, 1997). Pelo
contrário, a interação entre os sujeitos que manifestam a palavra pode até ampliar o poder,
entendendo-se que o discurso que se produz e reproduz através das práticas discursivas gera,
potencialmente, condições favoráveis à legitimidade das deliberações do coletivo. Sendo
assim,
Arendt expõe uma concepção de poder em que se tem como premissa a ação
comunicativa entre homens livres. Ressalta-se a compreensão da autora de que a aliança entre
a palavra e o ato deve ter por perspectiva a criação de relações e novas realidades. Em suas
palavras, “todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência,
renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que
sejam suas razões” (ARENDT, 1997, pp. 212-213).
Algo muito destacável, e de igual modo passível de análise, em Arendt é a sua
perseverança na possibilidade de uma comunicação entre os homens orientada para o
entendimento recíproco. Para a autora, através da ação e do discurso a política ratifica-se em
seu tempo histórico, tal qual significara para os gregos nos tempos dos debates de Sócrates
com seus interlocutores em plena Ágora. Partindo desse entendimento, a participação nos
espaços públicos constitui o meio pelo qual o bom senso deve superar a força e a violência
que os homens em suas ações isoladas podem exercer sobre seus semelhantes.
O entendimento de descentralização do poder de decisão que se infere desse construto
teórico arendtiano só tem sentido se concebermos o ato de descentralizar como decorrência da
palavra que expressa a condição humana da pluralidade. Nesse contexto da interação, o
discurso incorpora a possibilidade do dissenso, e é neste sentido que se entende a relação
entre manifestação da palavra e liberdade de expressão como efetivação do poder que pode
ser dividido entre os sujeitos coparticipantes da ação política.
Arendt concebe o diálogo como ato eminentemente político, ou seja, não há uma
relação cognitiva, como em Habermas. O grande desafio que é percebido pela autora consiste
em garantir a esfera pública como espaço da aparência dos homens livres. Sendo assim, a
ação política que serve ao propósito de definição da agenda pública deverá constituir-se não
apenas pelo encontro entre diferentes sujeitos, mas, sobretudo, pela reflexão de que, quanto
maior for a articulação de cada segmento de representação social, maior será a possibilidade
do exercício do poder de influência nas instâncias de interlocução entre a sociedade civil
organizada e o Estado.
Consideramos pertinentes as contribuições de Habermas e Arendt no que diz respeito
ao entendimento da ocupação do espaço público pela prática comunicativa. Contudo, faz-se
pertinente ressaltar que questões como os diversos domínios ou grupos de objetos que
definem as posições do sujeito nos atos comunicativos, assim como as condições para que
apareça um objeto de discurso, as condições históricas para que dele se possa dizer alguma
coisa e para que dele várias pessoas possam dizer coisas diferentes, não são exploradas pelos
41
referidos autores. Pode-se afirmar que é especialmente em relação a esse quadro que
entendemos a pertinência do conceito de “ordem do discurso” em Foucault (2006),
considerando, sobremaneira, a colocação do autor de que se trata de algo arriscado e que
requer qualificação de quem pretende adentrá-la. Há aqui um anseio por articular tais
implicações das práticas discursivas com a exigência quanto à participação dos diversos
sujeitos no espaço público, enfatizando-se, com efeito, a capacidade individual de corroborar
com a construção de acordos a partir da prática de ponderação dos pontos de vista manifestos
durante a ação comunicativa dos demais sujeitos.
Tem-se aqui, portanto, o intento de correlacionar os acontecimentos discursivos nas/
das instâncias de interlocução entre sociedade civil organizada e o Estado governista com o
movimento por meio do qual os sujeitos sociais disputam a hegemonia nas relações de poder.
Nas mesmas condições em que as lutas podem resultar em manutenção de velhas práticas de
dominação, há possibilidades de mudança social, em função, sobretudo, da ocupação do
espaço discursivo, inferindo-se o sentido crítico e criador inerente ao uso da linguagem. Essa
concepção de prática discursiva pressupõe o apreço às regras do jogo como condição primária
para a interação dos interlocutores, mas também vislumbra como horizonte a mediação de
conflitos para a tomada de decisões, que deverão galgar, quando necessário, reformulações no
arcabouço normativo.
O objetivo, portanto, é fundamentarmos nossa perspectiva de estudo do discurso
produzido e reproduzido em nosso campo de pesquisa, fato que justifica nossa referência,
tanto às abordagens de Fairclough (2001), quanto aos estudos de Foucault (2006; 2007).
Desta feita, a exploração do espaço em que se desenvolvem os acontecimentos discursivos
pretende, mais que identificar virtudes/caráter dos sujeitos e sua preparação para a
comunicação, descrever os lugares institucionais de onde estes obtêm seu discurso, e onde
este encontra sua origem legítima e seu ponto de aplicação. Entendemos que ambos lançam
mão de reflexões em suas produções, que abrem caminhos para o trato analítico no campo da
pesquisa em educação.
42
Pode-se inferir que os dois sentidos com que Fairclough (2001) faz menção ao
processo de produção e reprodução do discurso por meio das práticas discursivas levam em
consideração a apreensão do lugar de fala dos sujeitos produtores do discurso, evidenciando
aspectos como: conteúdo em discussão, vinculação institucional, experiências culturais
acumuladas, e motivações político-ideológicas, que permeiam o campo em cujos limites
afloram os acontecimentos discursivos.
Desta feita, a análise do discurso a ser desenvolvida no campo educacional,
considerando o conjunto dos recursos (depoimentos de sujeitos sociais, legislação
educacional, planos educacionais, projetos institucionais, dados estatísticos) que norteiam as
suas diretrizes políticas, exige tanto a descrição do vocabulário, da gramática, da coesão e da
estrutura textual, quanto a interpretação dos enunciados que compõem a prática discursiva dos
sujeitos. Sobre esta matéria, faz-se pertinente a atenção a aspectos como a ênfase atribuída a
determinados termos, a repetição de expressões, as omissões, a iniciativa de acréscimo ao que
se tem registrado num texto primeiro, as vinculações produzidas entre o conteúdo da política e
as aspirações ideológicas do lugar a partir do qual se pretende inscrever determinada
proposição discursiva.
Ao proceder às interpretações das práticas discursivas, objetiva-se o reconhecimento
de que os significados que o discurso constitui e pelos quais é constituído transcendem o
“valor limitado” pela qual uma língua pode ser concebida quando atrelada estritamente a um
vocabulário documentado. O que queremos dizer é que a significação das palavras justifica-se
fortemente pelas vinculações sociais e institucionais que já apontamos. Há um vocabulário
utilizado, por exemplo, no âmbito da gestão educacional, que, se por um lado facilita a
comunicação de parte dos sujeitos envolvidos no sistema de educação, por outro lado,
restringe a interação daqueles indivíduos que não o dominam.
44
Essa consideração do autor evidencia, ao mesmo tempo, a força com que as ideologias
podem induzir determinados posicionamentos dos sujeitos nas práticas discursivas, mas
também realça a possibilidade de luta ideológica enquanto contraponto à situação de
determinismo com que as relações de dominação por vezes são retratadas. O dinamismo que
se constata nas implicações ideológicas sobre os acontecimentos discursivos demarca a
condição de produção e consumo do discurso como campo de disputa pela hegemonia do que
se pretende validar na comunicação. Este juízo suscita a discussão acerca dos aspectos que
legitimam ou interditam os argumentos que se apresentam à arena do discurso. É justamente
por essa razão que buscamos, na obra foucaultiana, elementos que nos ajudam a compreender
as nuances das formações discursivas que constituem as diretrizes das políticas educacionais.
11
O autor não é concebido como indivíduo falante que pronunciou ou escreveu o texto, mas o autor como
“princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua
coerência” (FOUCAULT, 2006, p. 26).
47
O discurso é aqui referido como construto que incorpora, além de signos que
permitem sua decodificação, elementos constituídos e constituintes das práticas exercidas nos
momentos de sua exteriorização. Por conseguinte, sua interpretação exige tanto a descrição do
vocabulário, da gramática, da coesão e da estrutura textual, quanto a caracterização dos
recursos que constroem e /ou ressignificam as práticas discursivas dos sujeitos sociais. Desta
feita, acredita-se que os significados que cada sujeito constrói transcendem o “valor limitado”
em que uma língua pode ser concebida quando atrelada estritamente a um vocabulário
documentado.
O que queremos dizer é que a significação dos textos impressos ou oralmente
produzidos ampara-se nas vinculações sociais e institucionais de quem o produz (econômica,
política, cultural e ideológica), as quais, quando examinadas, certamente, permitem a
constatação de aspectos relevantes e potencialmente capazes de dar significados ao discurso.
Nesse sentido, a afirmação que inferimos do autor nos desperta a atenção para o entendimento
do processo de produção, circulação e apropriação do discurso na gestão das políticas
públicas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam12.
Assim, faz-se necessário examinarmos o discurso, procurando situá-lo nos contextos
social, político e econômico de seu autor. Portanto, deve-se atentar para o exame das
formações discursivas a partir da interpretação dos recursos (conhecimento sobre o conteúdo
em discussão; vinculação institucional; experiências culturais acumuladas; motivações
político-ideológicas) que cada sujeito mobiliza durante o processo de constituição do
discurso.
Nesta perspectiva, consideramos que o trabalho de análise dos elementos constitutivos
do discurso – que também pode ser lido como exercício de fazer aparecer o algo a mais que
transcende os signos empregados na elaboração dos textos – exige que recorramos às
principais categorias desenvolvidas por Foucault, quais sejam, o enunciado, a formação
discursiva e a ordem do discurso. Assim, procederemos a uma breve abordagem de cada uma.
12
Os objetos do discurso são constituídos e transformados em discurso. Por objetos, Foucault entende as
entidades que as disciplinas particulares ou as ciências reconhecem dentro de seus campos de interesses
(FAIRCLOUGH, 2001).
48
O enunciado
Este esforço é realçado nos trabalhos de Foucault, em face de sua percepção de que o
discurso contém, além dos signos, um acontecimento que não se esgota inteiramente com o
uso dos conectivos da língua, nem ainda com o referente semântico do texto elaborado. Nesse
contexto, o enunciado é referido como algo dinâmico, que não está, portanto, restritamente
atrelado a um fato perdido no passado, mas que será articulado com o tempo e um
determinado contexto de acordo com os objetivos explícitos ou implícitos pelos sujeitos
sociais que buscam o exercício do poder no interior do campo discursivo. Conforme assertiva
de Foucault (2007, p.118-119):
Formação Discursiva
Seu significado para o campo em que o discurso é produzido e reproduzido pode ser
entendido como um conjunto complexo de relações que regulam o que deve ser aceito. Este
construto, conforme ressalta Foucault (2007, p.82), “prescreve o que deve ser correlacionado
em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal ou qual objeto, para que empregue tal
ou qual enunciação, para que utilize tal conceito, para que organize tal ou qual estratégia”.
Partindo desse entendimento, o exercício de análise e interpretação da prática
discursiva requer do analista a capacidade de identificar os enunciados que seguem regras de
aproximação com o campo discursivo em questão. A atenção que recai sobre a análise da
50
prática pretende inferir o sentido do discurso que a perpassa por meio da caracterização e
individualização dos enunciados, os quais, ainda que variados e espalhados, guardam
coerência com o objeto que se enfatiza na enunciação.
Observa-se na obra foucaultiana uma chamada de atenção para a compreensão dos
elementos que permitem a regularidade discursiva de forma distinta do que pode se entender
por ideologia ou teoria, por exemplo. Portanto, o movimento de análise de discurso constitui
um espaço de descobrir os enunciados vinculados à prática discursiva do emissor, não
obstante o próprio analista também acabe mobilizando seus enunciados no momento em que
realiza as articulações enunciativas do discurso com que está trabalhando.
Pode-se afirmar que a análise de discurso em Foucault adquire, de certa forma, a
dimensão de correlação entre discursos. À medida que o analista consegue inferir os
enunciados relacionados a uma determinada formação discursiva, não apenas o enunciado se
torna mais identificável, como também ocorre um processo de exposição do sujeito do
discurso.
A Ordem do Discurso
o desejo diz: “Eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do discurso
[...] gostaria que fosse ao meu redor como uma transparência calma,
profunda, indefinidamente aberta, em que os outros respondessem à minha
expectativa, e de onde as verdades se elevassem, uma a uma” [...] E a
instituição responde: “Você não tem por que temer começar; estamos todos
aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis; que há muito
51
tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar que o honra,
mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, é de nós, só de nós, que
ele lhe advém”.
Logo, ocupar o espaço discursivo das mais diversas instituições sociais requer a
atenção sobre os impactos que a manifestação da palavra pode gerar, em virtude dos
interesses pessoais, mas também em face à grande complexidade de interesses dos demais
sujeitos sociais. Sobre esse entendimento, Foucault faz menção às interdições que atingem o
discurso, revelando sua ligação com o desejo e com o poder. Sendo assim, as práticas
discursivas dizem respeito não somente àquilo que manifesta (ou oculta) o desejo, mas
constituem, sobretudo, aquilo que é o objeto do desejo. É nesse sentido que Foucault (2006,
p.10) afirma que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.
As particularidades dos procedimentos que permitem a elaboração, apropriação e
circulação do discurso envolvem mecanismos capazes tanto de autorizar, quanto de excluir ou
interditar enunciados. Trata-se de uma ordem em que não somente o conteúdo, mas o próprio
sujeito deverá obedecer às determinadas exigências para seu acesso e atuação. De acordo com
Foucault (2006, p. 37),
A exigência de qualificação para integrar a ordem do discurso significa que não são
todos os indivíduos que estão devidamente autorizados a discursarem sobre quaisquer temas.
Para o cumprimento de tal prerrogativa, os sujeitos precisam expressar familiaridade com os
fundamentos que dão sentido coerente ao foco de sua enunciação. Esta postura inclui desde o
conhecimento sobre o que Foucault considera texto primeiro, referindo-se à capacidade de
reatualização de um determinado texto, através de seus múltiplos sentidos, possíveis de serem
inferidos para outros contextos, assim como a interiorização das normas de conduta inerentes
ao local a partir do qual produz o discurso, bem como o contexto no qual será reproduzido.
Este último elemento é referido por Foucault como sistema de restrição que recebe o nome de
„ritual‟. Conforme caracterização de Foucault (2006, p.39),
52
[...] o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam
(e que, no jogo de um diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar
determinada posição e formular determinado tipo de enunciados); define os
gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos
que devem acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou
imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os
limites de seu valor de coerção.
A relação entre campo discursivo e campo de poder é aqui referida com a intenção de
situar o debate sobre o processo de definição das políticas públicas para o campo educacional
como espaço estruturado de posições, no qual coexistem lutas entre os diferentes agentes que
ocupam posições diversificadas. Por conseguinte, Bourdieu, quando trata do limite e os
efeitos de um campo, ressalta que “um agente ou uma instituição faz parte de um campo na
medida em que nele sofre efeitos ou que nele os produz” (BOURDIEU, 2007, p.31). Infere-se
da obra deste autor que cada campo possui regras do jogo e desafios específicos, assim como
as lutas que nele são travadas perseguem a apropriação de um capital específico do campo.
Desta feita, “no plano mais concreto dos sistemas educacionais que é o campo das
instituições e dos poderes mediados por elas, as políticas contribuem tanto a reproduzir uma
53
ordem estabelecida, quanto a transformá-la” (VIEIRA, 2007, p.56). Cabe destacar que,
quando nos referimos à Política Educacional, estamos tratando de idéias e de ações
governamentais, reconhecendo que a análise de política pública é, por definição, estudar o
Estado em ação (AZEVEDO, 2001; SOUZA, 2003). As políticas educacionais, nessa
perspectiva, expressam a multiplicidade e a diversidade da Política Educacional 13 em um dado
momento histórico. Nesse movimento, as políticas que expressam as pretensões dos diversos
grupos que constituem o Poder Público se materializam na gestão ao serem convertidas em
ações estatais14.
A concepção de Estado em ação compreende campos discursivos em que o processo
de definição e execução das políticas públicas perpassa a tensão inerente às relações entre as
instâncias de representação da sociedade civil e os representantes do Estado governista, ainda
que muitas vezes se observe uma tendência de tomar „o governo‟ como única instância de
formulação de políticas. Concebe-se, portanto, o Estado como campo de disputa, próprio de
uma correlação de forças que rivalizam propósitos e estratégias no que se refere à elaboração
e implementação de respostas às demandas sociais.
Por conseguinte, o movimento de análise das políticas públicas “implica considerar os
recursos de poder que operam na sua definição e que têm nas instituições do Estado,
sobretudo na máquina governamental, o seu principal referente” (AZEVEDO, 2001, p.5).
Sob esse ponto de vista, a análise das políticas educacionais requer um significativo esforço,
por transcender o estudo das ações que emanam do Poder Público em suas diferentes esferas
(União, Estados, Municípios). A análise, dessa forma, deve apreender seus nexos com o
contexto em que elas se forjam e compreender como as idéias se materializam em ações,
traduzindo-se, ou não, na gestão educacional (DOURADO, 2007; VIEIRA, 2007).
13
A Política Educacional (assim, em maiúsculas) é uma, é a Ciência Política em sua aplicação ao caso concreto
da educação, porém as „políticas educacionais‟ (agora no plural e em minúsculas) são múltiplas, diversas e
alternativas. A Política Educacional é, portanto, a reflexão teórica sobre as políticas educacionais [...] se há de
considerar a Política Educacional como uma aplicação da Ciência Política ao estudo do setor educacional e, por
sua parte, as políticas educacionais como políticas públicas que se dirigem a resolver questões educacionais
(PEDRO; PUIG, 1998. Grifos nossos).
14
Conforme nos ensina Vieira (2007), a gestão pública é integrada por três dimensões: o valor público, as
condições de implementação e as condições políticas. O valor público, como a própria expressão revela, dá conta
da intencionalidade das políticas [...]. As outras duas dimensões referem-se tanto à exigência de viabilidade das
intenções de qualquer gestor ou gestora (condições de implementação), quanto à de sua aceitação (condições
políticas).
54
Mainardes (2005) apresenta considerações sobre este tema, com ênfase para o fato de
que o foco da análise de políticas deveria incidir sobre a formação do discurso da política e
sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para
relacionar os textos da política à prática. Para o autor, “isso envolve identificar processos de
resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre as arenas da prática, e o
delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas arenas” (MAINARDES,
2005, p.50).
Esse olhar sobre a arena onde as políticas educacionais são concebidas, inscritas
textualmente e implementadas perpassa o cerne do trabalho desenvolvido nesta tese. Com
efeito, a opção pela gestão sistêmica no campo da educação municipal – aspecto de maior
atenção no estudo – tem sido tratada na legislação educacional e por pesquisadores da área,
conforme se apresenta no terceiro capítulo, sob a formação discursiva que respalda a gestão
democrática na educação pública. Essa formação discursiva constitui, portanto, regra
fundamental para a constituição do discurso da criação de sistemas de educação no âmbito
dos entes federados, fundamentando a organização da educação nacional em que se
pressupõe, inexoravelmente, compartilhamento de responsabilidades e, por conseguinte, a
divisão de tarefas, sob uma coordenação da Política Nacional de Educação que possa
viabilizar maior eficácia e eficiência nos resultados.
Faz-se importante recorrermos aos três contextos propostos por Mainardes (2005)
quanto à análise de políticas no campo educacional, quais sejam: o contexto de influência, o
contexto da produção de texto e o contexto da prática. O trabalho mais amplo que detalha
cada um dos contextos foi desenvolvido por Ball e Bowe (1992) e que Mainardes recupera
conceitos fundamentais com acréscimos pertinentes aos procedimentos didáticos que servem
à análise das políticas educacionais.
Numa breve exposição, apresentamos os aspectos principais de cada contexto, com
ênfase para os elementos que tomam esses contextos como arenas, lugares e grupos de
interesse, que envolvem disputas e embates, portanto, com maior proximidade com a
discussão sobre „campos discursivos da Política Educacional‟. Assim, o contexto de
influência diz respeito ao movimento de proposição das políticas públicas, constituindo-se em
espaço de disputa entre os grupos de interesse (redes sociais dentro e em torno de partidos
políticos, do governo e do processo legislativo) que pretendem fazer prevalecer suas
concepções e aspirações quanto à definição das finalidades sociais da educação.
O contexto do texto compreende o resultado de disputas e acordos dos diferentes
grupos que anseiam inscrever suas pretensões educacionais na agenda política. Assim, a
55
2.1- Introdução
A tese do fim do Estado, como alternativa que acreditava ser possível “o nascimento
de uma sociedade que pode sobreviver e prosperar sem necessidade de aparato de coerção”
(BOBBIO, 2007, p.131), é quase completamente abandonada pelo debate atual em que se
coloca com muito mais veemência a necessidade de reforma do aparelho estatal em
consonância com o modo de organização social contemporâneo. Nesse tempo histórico mais
recente, a luta é empreendida na perspectiva de fortalecimento do poder estatal, enfatizando-
se sua imprescindibilidade para prover a equidade quanto ao atendimento das demandas do
conjunto da sociedade. Concebe-se, assim como supõem Neto e Araújo (1998), a pertinência
de se repensar o próprio conceito de Estado, não mais marcado por um jogo de “soma zero”,
tanto na relação Estado/mercado como na relação Estado/sociedade, mas um conceito de
Estado democrático, que integre efetivamente todos os cidadãos, enfrentando-se o desafio de
como compatibilizar democracia e desenvolvimento.
Há, neste contexto histórico, o arrefecimento da defesa de uma determinada classe
como única alternativa para a superação das desigualdades ostentadas pelo próprio Estado,
uma vez que o discurso da democratização da gestão pública apresenta o intento da
participação indistinta dos diferentes grupos sociais como prerrogativa indubitável da
instauração de um novo papel para a ação estatal.
Este é o cenário em que se constata a consolidação de instituições públicas, assim
como de Organizações Não-Governamentais com a incumbência anunciada de refutar a
função do Estado, como órgão separado, na e para a sociedade. Desta feita, entende-se que,
longe de modelar a sociedade, “o Estado é, pois, o produto da interação entre os grupos
livremente formados, e constitui uma forma de „véu‟ totalmente permeável aos interesses e à
competição dos grupos que caracterizam as lógicas sociais” (MULLER; SUREL, 2002, p.36-
37). Esse entendimento tem por premissa a política pública como modo em que o Estado
efetiva sua ação, e considera que o conteúdo desta resulta das diferentes pressões exercidas
pelos grupos de interesse envolvidos, que buscam mobilizar recursos, exercer pressões ou
impor sua visão de mundo, convertendo, por fim, suas ações em decisões públicas.
Conforme analisa Hypólito (2008, p.68), “o processo de reestruturação do estado tem
envolvido realinhamentos de muitas relações entre Estado e cidadão, Estado e economia, e
Estado e suas formas organizacionais no qual um novo modo de coordenação foi construído,
refazendo instituições do estado e criando novas formas de gerência para sua reorganização”.
58
o Estado torna-se ele próprio campo de uma luta política menos codificada e
regulada que a luta política convencional. Esta descentralização do Estado
significa menos o enfraquecimento do Estado do que a mudança da
qualidade da sua força (SANTOS, 1998, p. 15).
15
Não é nosso objetivo trazer à memória toda a fortuna literária já produzida acerca tanto do Marxismo quanto
do Funcionalismo. Contudo, consideramos pertinente a colocação de Bobbio (2007, p. 59), quando o autor expõe
que a teoria marxista é dominada pelo tema da ruptura da ordem, da passagem de uma ordem para a outra,
concebida como passagem de uma forma de produção para a outra através da exploração das contradições
internas ao sistema, especialmente da contradição entre forças produtivas e relações de produção. A concepção
funcionalista pode ser considerada análoga àquela contra a qual Marx travou uma de suas batalhas teóricas mais
célebres, segundo a qual a sociedade civil, não obstante os conflitos que a agitam, obedece a uma espécie de
ordem preestabelecida e goza da vantagem de um mecanismo – o mercado – destinado a manter o equilíbrio
através de um contínuo ajustamento dos interesses concorrentes.
16
Coutinho afirma que o Estado ampliado gramsciano “é a ditadura mais hegemonia ou a hegemonia escudada
na coerção, é o equilíbrio entre sociedade civil e sociedade política” (COUTINHO, 1999, p. 127-129).
60
Estado é constituído pela sociedade política (Estado-coerção) e pela sociedade civil (Estado
ético). O equilíbrio entre estes dois segmentos realçam uma perspectiva de ação estatal em
que o poder e o controle não estão apenas em suas instâncias revestidas de legitimidade para o
uso da força coercitiva, mas estão presentes nas organizações sociais, ressaltando-se,
sobremaneira a ação de grupos, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.
Desta feita, cabe ressaltar que o campo em que a sociedade civil compartilha o
exercício do poder no Estado constitui uma importante arena de luta, uma vez que é nele que
os grupos almejam conquistar hegemonia, ou seja, direção política, assim como buscam o
consenso e tentam legitimar-se. Essa dinâmica de ação política coaduna-se com a relação que
Gramsci (1979) faz entre guerra de movimento e revolução permanente, e entre guerra de
posição e a conquista da hegemonia civil.
Entendemos que a “guerra de posição” tem sido travada pela sociedade civil
organizada à medida que os movimentos sociais, as organizações não-governamentais
militantes e representativas buscam a construção e consolidação de uma sociedade
democrática, incluindo-se a ocupação dos espaços de poder decisório da agenda de políticas
públicas. É por admitir essa premissa que se concebe o processo de análise das políticas
públicas como desafio que deve transcender a compreensão dos resultados de decisões do
Estado no sentido estrito (Sociedade política). Assume-se, portanto, que “o desafio atual da
pesquisa é o da constituição de um quadro de análise sistêmica da ação pública, que possa
ultrapassar os limites da abordagem sequencial” (MULLER; SUREL, 2002, p.12).
Essa ampliação da composição do Estado, assim como a necessária inflexão quanto ao
modo de estudá-lo, é explicitada no contexto histórico atual, quando se constata que as
instituições políticas passam a desempenhar a função precípua de intermediar a decisão sobre
quais demandas serão elencadas como prioridades num sistema em que as ações estatais
tendem a atingir um determinado fim. Essa intermediação se dá por meio de um discurso de
que se trata de um pleito manifesto pela maioria que compõe a tessitura social. Nessa
conjuntura de deslocamento do olhar das estruturas político-administrativas para as
instituições como objeto pertinente de análise, torna-se sumamente relevante a
compreensão do contexto de influência das respostas às demandas sociais.
É por conceber que o Estado não existe enquanto entidade monolítica, portanto,
suscetível de um tratamento específico, que Muller e Surel realçam a análise sistêmica da
ação pública como pressuposto para evidenciar os múltiplos contatos que o Estado mantém
com seu contexto. São, portanto, as condições de produção e de evolução das instituições
(regras procedimentais, dispositivos particulares e representação) que formam
61
17
Conforme ensina Bobbio (1996, p.52), os significados históricos de democracia representativa e de
democracia direta são tantos e de tal ordem que não se pode pôr os problemas em termos de ou-ou, de escolha
forçada entre duas alternativas excludentes, como se existisse apenas uma única democracia representativa
possível e apenas uma direta possível; o problema da passagem de uma para a outra somente pode ser posto
através de um continuum no qual é difícil dizer onde termina a primeira e onde começa a segunda [...] Um
sistema democrático caracterizado pela existência de representantes substituíveis é, na medida em que prevê
representantes, uma forma de democracia representativa, mas aproxima-se da democracia direta na medida em
que admite que estes representantes sejam substituíveis [...] isto implica que, de fato, democracia representativa e
democracia direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra)
mais são dois sistemas que podem integrar reciprocamente.
62
dinâmica, segundo o autor, difere das teorias fundamentais do poder apresentadas pela
filosofia política, uma vez que não pressupõe o poder como bem pessoal, consequentemente,
passível de ser mobilizado como um outro instrumento qualquer (teoria substancialista), nem
ainda é entendido como virtude possuída por determinados indivíduos, com potencial de
elevá-los a uma condição privilegiada para alcançar objetivos (teoria subjetivista).
É importante ressaltar que, na teoria relacional do poder, o que estar em causa não é a
supressão das várias formas de poder, sobretudo a sua clássica tipologia (econômico,
ideológico e político), mas as estratégias que deverão ser postas em ação para que os projetos
apresentados, ainda que atendam mais propriamente determinados grupos, sejam apreciados e
acatados, inclusive por aqueles que não foram os seus proponentes. Como se percebe, não há
impedimento de que haja, a exemplo do próprio parlamento, utilização de certos bens para
induzir os que não os possuem a adotar uma certa conduta (status tipicamente do poder
econômico), assim como há relevância especial para a apropriação de diversas formas de
conhecimentos como instrumento potencial para exercer influência sobre o comportamento
de outrem (poder ideológico), ou ainda do reconhecimento da possibilidade do uso da força
(poder político) como mecanismo de garantia do bem-estar da coletividade.
Para Arendt (1997) a possibilidade de efetivação do poder relacional está atrelada
diretamente à disposição dos sujeitos sociais em ocupar o espaço público através da ação
comunicativa. Nesse sentido, é possível entendermos o poder em Arendt como a conjugação
entre a palavra e o ato, que só é possível enquanto os homens estiverem juntos. Nesse caso, só
há sentido tratar a categoria “do exercício do poder” enquanto possibilidade, portanto,
mutável.
Esta assertiva da autora serve, inclusive, para diferenciarmos força de poder. Força
seria a qualidade natural de um indivíduo isolado, enquanto que poder diz respeito ao
resultado das relações, sobretudo, discursivas, entre os homens. Portanto, seu caráter é,
eminentemente, provisório, uma vez que deixa de existir quando os partícipes da ação coletiva
se dispersam. Assim, “o poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam,
quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são
empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para
violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades” (ARENDT, 1997, p. 212).
Pode-se afirmar que o caráter relacional com que o poder opera, mesmo quando posto
a efeito por meio do uso da força, tem por perspectiva legitimar-se através da aceitação pelo
grupo social ao qual se destina. Logo, não se trata do exercício do poder estritamente pela
força, mas pelo reconhecimento de que as próprias regras do jogo democrático precisam ser
63
e suas leis permaneceram marginais. Desse modo, ainda que o Estado nacional, instituído no
contexto do Brasil independente, seja textualmente apresentado com fundamentos liberais, e
marcado por práticas político-sociais que o identificam como instrumento da dominação
patrimonialista, é a partir desse advento que se demarca aqui o ponto de partida do estudo,
sobretudo por conceber, assim como afirma Florestan Fernandes (2005), que criar um Estado
nacional significa organizar o espaço econômico, social e político de uma forma peculiar.
Para o autor, tal peculiaridade pode ser concebida por meio da regularidade e eficácia
dos serviços e das instituições criadas com o surgimento do Estado Nacional no Brasil,
constituindo-se, desta feita, em requisito fundamental para a organização do espaço
econômico, social e político dos anos 1820, uma vez que a ação estatal incumbia-se de zelar
pelo atendimento dos interesses gerais dos estamentos senhoriais. Por conseguinte, identifica-
se esse modelo de estado como mecanismo a serviço da burocratização da dominação
patrimonialista, sobretudo porque “se as camadas senhoriais não se apoiassem em
ajustamentos políticos altamente egoísticos e autoritários, correriam o risco de uma regressão
econômica, da perda do controle do poder e da inviabilidade do Estado nacional”
(FERNANDES, 2005, p. 90).
É pertinente ressaltar o envolvimento dos estamentos senhoriais no sentido de
articularem-se para a ocupação dos centros de decisão política e promoverem a consolidação
dos círculos dominantes. Tal movimento exigiu, sobretudo, que as elites nativas assumissem
os novos papéis políticos, jurídicos e administrativos, em todas as esferas da organização do
poder (central, provincial e municipal). Para fazer valer seus objetivos políticos altamente
egoísticos e autoritários, as camadas senhoriais internalizaram novos conteúdos, além de
alterarem seu horizonte cultural, em face de pretenderem firmar-se como nação independente
e moderna18. Ao referir-se a esse processo histórico, Azevedo (2003, p.90) faz alusão à
mudança no modo de organização da ação estatal, com o destaque para o fato de que “se na
Colônia o poder foi descentralizado, no Império foi concentrado no governo central, sem, no
entanto, alterar a dominação da elite agrária, escravocrata, cujos fundamentos foram
assentados nas bases da nossa formação colonial”.
O que se faz notável, portanto, é que o advento da independência do Brasil legitima a
criação de um Estado nacional com declarada finalidade de impulsionar a dominação do
18
Para Florestan Fernandes (2005, p. 65), a necessidade de adaptar a dominação senhorial a formas de poder
especificamente políticas e organizadas burocraticamente não teria produzido os resultados reconhecíveis se o
horizonte cultural médio dos “cidadãos de elite” não absorvesse idéias e princípios liberais, de importância
definida para a sua orientação prática, a sua ação política e o seu comportamento social.
65
senhor rural num campo econômico em que, sem tal emergência de organização político-
administrativa, se tornaria impraticável resguardar-se dos efeitos nocivos inerentes às relações
econômicas que se estabeleceram no âmbito da Colônia, sob o crivo da dependência. O
aparelhamento do Estado significou a constituição de uma estrutura necessária para o
enfrentamento das adversidades impostas pelo mercado, incluindo-se a definição de regras, a
organização de espaços decisórios e com função regulatória para que os senhores rurais
pudessem mobilizá-los, estrategicamente, em seu favor. Os vários encargos que o Estado
assumiu com esse intento de servir à manipulação senhorial são descritos por Fernandes
(2005, p. 93), com o comentário de que
19
No período colonial, os instrumentos políticos utilizados para o exercício do poder pelas elites agrárias - que o
exerciam em função dos seus interesses e em nome da metrópole - estavam alicerçados no espaço local. Eram os
chamados "homens bons", os grandes proprietários de terras e de escravos, que detinham o poder através das
Câmaras Locais (AZEVEDO, 2003, p.89).
66
20
O Estado construído no período getulista não deixa de ser uma versão, em muitos sentidos acanhada e em
outros singular, do Estado de Bem-Estar Social. Foi uma tentativa de consolidar políticas sociais de cunho
trabalhista, com investimentos estatais sólidos para garantir um desenvolvimento nacional e que precisou montar
uma burocracia estatal capaz de dar suporte às iniciativas governamentais (HYPÓLITO, 2008, p.67).
67
21
É importante reconhecer que os percentuais estabelecidos pela Constituição/1946 apenas foram
implementados a partir da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 4.024/1961,
legislação que também cria o Conselho Federal de Educação e lhe atribui a incumbência de elaboração dos
critérios para distribuição dos recursos da União para os demais entes federados.
22
A vinculação dos recursos à educação é extinta, mas a Reforma Constitucional de 1969 estipula novamente a
vinculação - contudo, somente para os Municípios que, obrigatoriamente, teriam que aplicar 20% das suas
receitas de impostos na educação.
68
23
A palavra „federalismo‟ se origina da palavra latina foedus, que significa associação, tratado, pacto, aliança ou
contrato, “remetendo a um acordo mútuo entre as partes, pautado na confiança” (RIKER, 1975, p. 99).
72
de suas leis e de suas políticas sem prescindirem da unidade política de âmbito nacional.
Em estudo sobre esse tema, Schultze (1995) salienta que o componente
constitucional da organização federativa deve tomar como base tanto a formação dos
Estados como unidades territoriais, quanto a divisão dos poderes executivo e legislativo
na União e estados membros. Tal formato deve respaldar-se em significativa autonomia,
expressando-se pela representação dos estados-membros no Parlamento federal e sua
participação na vontade da União, além de dispor de regras para solução de conflitos e
jurisdição constitucional para arbitragem de divergências entre os órgãos nos dois
planos. Essa descrição do sistema federalista atribui relevância à organização política
nas diferentes esferas governamentais, considerando-se que entre elas deve coexistir a
mesma orientação institucional, além da jurídico-constitucional.
Em parte, o trabalho de Fiori (1995) coaduna-se com as considerações de Schultze,
quanto à afirmação do federalismo como mecanismo de “preservação simultânea da unidade
de objetivos de um povo com a diversidade espacial de seus interesses, compatibilizados na
forma de pacto constitucional em que são, simultaneamente, definidos os espaços e os limites
das duas soberanias” (FIORI, 1995, p. 23). Contudo, este autor destaca uma segunda
perspectiva em que concebe o federalismo como arena de disputa, com especial atenção aos
seus aspectos de barganha pragmática que resultam no pacto federativo.
É pertinente relacionar essa última concepção apresentada pelo autor com a lógica de
ação do Estado que aqui estamos tratando, considerando, sobretudo, o campo de poder em que
tramita o processo de elaboração e execução de políticas públicas. Há especial interface com a
regulação estatal, uma vez que a própria definição das regras do jogo, mecanismo regulatório
que se efetiva por meio da regulamentação, também resulta dessa transferência mútua de
interesses entre esferas governamentais. Para Fiori (1995, p. 23-24), a idéia de barganha entre
as unidades federadas “define a quota de poder que cabe a cada uma das instâncias de
governo nos distintos momentos históricos de tal perene negociação”.
Com efeito, é a própria acepção de federalismo que já pressupõe permanente transação
entre as partes como qualidade inerente a essa forma de organização territorial do poder dos
estados nacionais. Contudo, a prática da barganha, como troca de favor, por vezes, à revelia
da ética, sobrepõe-se à colaboração, termo que oficialmente adjetiva as relações federativas,
com acepção de tratado realizado em comum em que se pretende a cooperação, constituindo,
portanto, a semântica que legitima essa forma de compor o Estado na ordem do discurso em
que se insere a identidade da federação como expressão democrática da gestão pública.
Pesquisas realizadas sobre esse tema (ARRETCHE, 2005; AFFONSO, 2003;
73
24
Conforme estudo de Affonso (2003, p. 3-4), “neste começo do século XXI, aproximadamente 25 nações
reivindicam o adjetivo „federal‟ para seus Estados ou ostentam características típicas de federações, respondendo
por algo em torno de 40% da população mundial”.
74
25
O Decreto nº 01 do governo provisório Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, baixado em 15 de Novembro
de 1889, declara proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brasileira - a
República Federativa previa, em seu Art. 3º, que cada um dos Estados, no exercício de sua legítima soberania,
deveria decretar oportunamente sua própria Constituição (Vide: BRASIL, 2001).
75
26
Souza (2005, p. 108) comenta que a Constituição de 1946 “manteve a marca de ter sido a de vida mais longa
da história constitucional brasileira. Seus dispositivos e o regime democrático por ela regulado sobreviveram a
várias crises políticas: suicídio de Vargas, renúncia de Jânio Quadros e posse de João Goulart. No entanto, não
foi capaz de sobreviver à crise econômica e política iniciada em meados dos anos 1960”.
27
Como se sabe, a Constituição de 1967-1969 e a reforma tributária de 1966 centralizaram na esfera federal
poder político e tributário, afetando o federalismo e suas instituições. Isso não significou, todavia, a eliminação
do poder dos governadores nem dos prefeitos das principais capitais. Como demonstrou Souza (2005), os
governantes subnacionais foram grandes legitimadores do regime militar e contribuíram para formar as coalizões
necessárias à sua longa sobrevivência.
28
Um exemplo de lei específica, cuja publicação expressa bem os movimentos da década de 1980 é a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/96. Ferreira (2003, 78) ressalta que “A LDB embora pesem os
seus limites recondicionantes, é a expressão das lutas efetivadas entre as diversas forças sociais e, dessa forma,
apresenta-se como um balizador para as políticas educacionais no país e, consequentemente, para as políticas de
democratização da escola e da gestão escolar”.
76
durante os anos 1980, federalismo e descentralização entraram na agenda política como parte
das estratégias que visavam romper as relações de poder interestatais consolidadas no modelo
autoritário-burocrático de Estado”.
Fica evidente, nessa conjuntura, que o anseio pela redemocratização não se restringia
ao movimento de reinstituição do parlamento como representação do desejo da maioria. Na
realidade, o grande desafio é fortalecer a democracia em seu principal locus – a sociedade
(nas suas diversas formas de organização). A mobilização civil para a criação de novos
institutos políticos demonstra o reconhecimento de que o processo de democratização e
fortalecimento do federalismo no Brasil implica a criação de instâncias de participação
colegiada com vistas à viabilização de estratégias de ação política, sobretudo, voltadas para a
intervenção nos espaços públicos.
Conforme apresentam Souza e Faria (2003, p.56),
29
Faz-se pertinente recorrer a WERLE (2006, p. 23) para explicar o sentido dos termos: Regime vem do latim
regimen, que significa a ação de guiar, de governo, direção. Regime significa modo de administrar; regra ou
sistema, regulamento. Colaborar implica trabalhar na mesma obra, cooperar, interagir com outros.
30
Em análise sobre a criação e desenvolvimento dos sistemas de ensino no Brasil, Sarmento (2005, p.1367)
afirma que os estados mais desenvolvidos, iniciando-se por São Paulo, adotaram, nas décadas de 1920 e 1930,
políticas que levaram à organização do ensino em seu âmbito. Os sistemas estaduais e o sistema federal, restrito
ao ensino secundário e superior, começaram a se organizar de forma paralela.
81
O que se infere como marca histórica desse quadro, e que parece constituir desafio
plausível de atenção ao contexto atual, é que a inexistência de uma coordenação federativa
das ações que devem ser pactuadas entre as esferas administrativas impôs limite à
materialização do federalismo cooperativo e que se faz ainda mais indispensável com a
ascensão dos municípios ao status de ente autônomo. Podem-se elencar duas razões que
explicitam a necessidade dessa coordenação na ação estatal que se pressupõe com base na
composição federativa brasileira vigente. A primeira diz respeito às desigualdades
(financeiras, técnicas e de gestão) entre os entes federados quanto à capacidade de prover
políticas públicas, com notáveis limitações por parte dos governos subnacionais31. A segunda
está na ausência de mecanismos constitucionais ou institucionais que regulamentem e
estimulem a cooperação, na perspectiva de que a relação competitiva entre gestores seja
contraposta pelo exercício programático da colaboração, por exemplo, entre sistemas de
educação.
É importante ressaltar que o pacto ou contrato que deve permear a relação federativa
(foedus) remete a uma prática de acordos mútuos entre as partes para além de antinomias
(centralização/ descentralização) quanto à divisão de responsabilidades. O que está em causa é
como levar a efeito a conjugação entre autonomia de cada ente e a colaboração coordenada da
ação estatal para que as decisões e sua efetivação atendam as prerrogativas de uma federação.
Buscando correlacionar a opção pelo federalismo e a perspectiva que dele se infere para a
organização da educação nacional, Araújo (2005, p. 77) considera que:
31
Oliveira e Sousa (2010), em análise da educação no Brasil, tecem importantes considerações sobre a
desigualdade inter e intrarregional, decorrente da assimetria entre as condições econômicas dos entes federados e
a distribuição de competências previstas constitucionalmente, que indica o que cabe a cada um realizar no
tocante ao provimento da educação para a população, resultando em diferentes condições de oferta.
82
Entendemos que a vinculação entre a acepção de federalismo que temos exposto e sua
finalidade como mecanismo propulsor da garantia do direito à educação, lembrado por
Araújo, expressa-se por meio de acordos formais e contratos que implicam reciprocidade em
múltiplas dimensões do campo educacional. Faz-se pertinente mencionar que os fundamentos
do Estado brasileiro, preconizados pelo advento do federalismo no País, exigem o trato desse
tema a partir do texto (marco legal), que o inscreve como modo específico de organização do
sistema político, mas que também deve ser analisado mediante o discurso como texto, como
prática discursiva e prática social, que constitui e é constituído pelo modo em que a gestão da
educação é concebida nesse contexto, assim como pela configuração fiscal que é assumida,
aspectos que têm grande interface com a questão da obrigação mútua que se identifica como
propriedade da relação federativa. Assim, para fins didáticos, topicalizamos, na sequência,
aspectos que qualificam o federalismo no campo educacional.
32
Cury (2010), discorrendo sobre a relação entre federalismo e educação preconizada pela Constituição Federal
de 1988, destaca que “a insistência na cooperação, a divisão de atribuições, a assinalação de objetivos comuns
com normas nacionais gerais indicam que, nessa Constituição, a acepção de sistema se dá como sistema
federativo por colaboração, tanto quanto de Estado Democrático de Direito” (CURY, 2010, p.159).
83
33
Em estudo sobre o tema, Oliveira (2007, p.86) constata que “a maioria dos municípios brasileiros seria
financeiramente inviável, como esfera administrativa autônoma, caso não recebesse as transferências de recursos
de outras esferas. Como regra, a grande maioria dos municípios brasileiros arrecada, através de impostos
próprios, menos de 10% de sua receita total. Mais de 90% de suas receitas provêm das transferências de outras
esferas, o que explica em muito a relação de dependência política de prefeitos de pequenas cidades em relação
aos governos estadual e federal”.
84
cooperativo, aqui devendo ser destacada a atuação conjunta entre os níveis de governo e seus
sistemas de educação para evitar choques ou ações descoordenadas na Política Educacional.
Sobre a recomposição do CNE, cabe a consideração de que este conselho é concebido
como órgão de Estado, contudo sua formação não atende ainda a lógica sistêmica de gestão,
uma vez que não incorpora em seu quadro a representação que emana dos demais conselhos
com assento nos sistemas de educação estaduais e municipais. Assim, considera-se
imprescindível a incorporação dessa diversidade representativa para que sua parte na
articulação das ações expresse a pluralidade de opiniões que justifica a projeção nacional de
suas deliberações.
Ocorre que, no âmbito do federalismo brasileiro, tal equalização referida pelo autor é
não apenas ausente, mas também de difícil possibilidade de ser construída. O que tem
34
Rezende (2010, p. 74) pondera que, “apesar de sua importância para o equilíbrio federativo, as disparidades
horizontais nunca foram objeto de maior atenção no federalismo fiscal brasileiro. No modelo contemplado na
reforma de 1967, o assunto foi indiretamente abordado nas regras então instituídas para repartir os recursos do
Fundo de Participação dos Estados e do DF (FPE) entre os estados e os recursos do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) entre os municípios, embora de forma inadequada. Posteriormente, o tema foi praticamente
esquecido, não sendo obra do acaso, portanto, o progressivo agravamento dos desequilíbrios horizontais na
federação brasileira, com sérias consequências para a gestão descentralizada de políticas públicas”.
87
35
Almeida (2005) desenvolve consistente descrição do que pode ser citado como ampliação do poder de taxação
dos estados, incluindo-se petróleo, produtos minerais, transportes e telecomunicações. Os recursos fiscais foram
redistribuídos em prejuízo do governo federal, dado o crescimento das receitas compartilhadas com estados e
municípios. Segundo a autora, “as receitas transferidas dos estados para os municípios também se expandiram.
Em 1985, o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
chegavam respectivamente a 14% e 16% das receitas federais provenientes de impostos. Em 1993, eles atingiram
21,5% e 22,5%. Ademais, 10% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi destinado a um fundo de
compensação para os estados que deixaram de taxar suas exportações de manufaturados e 3% do Imposto de
Renda e do IPI foram alocados em um fundo de desenvolvimento regional, que deveria apoiar projetos no Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do país” (ALMEIDA, 2005, p. 32).
88
36
Oliveira e Souza (2010) constatam a manutenção da diferenciação do atendimento educacional no País nessa
conjuntura de implantação dos fundos contábeis. Verifica-se que, enquanto em São Paulo o Fundeb cobriu, no
ano de 2010, um valor de referência para o gasto/aluno/ano de R$ 2.318,75, para os estados mais pobres, após a
complementação da União, o valor ficou em R$ 1.415,97. Uma diferença de R$ 902,78 ou 63% a mais em favor
do estado do Sudeste.
89
3.1- Introdução
Trataremos, neste capítulo, das razões pelas quais a constituição dos sistemas de
educação é requerida como mecanismo de afirmação da autonomia de cada ente de poder
federado, ao mesmo tempo em que é referendado como estratégia de integração para a
construção do Sistema Nacional de Educação. Tematizaremos, primeiramente, o significado
histórico-etimológico de sistema, assim como as nuances que envolvem sua incorporação ao
campo educacional.
A segunda parte do capítulo aborda o fato de que a perspectiva de gestão sistêmica na
educação traz consigo a concepção de organização do todo (a educação nacional), ao mesmo
tempo em que se faz necessário respeitar a autonomia das partes (a educação no âmbito do
poder estadual/local), constituindo, desta feita, uma lógica de ação que se coaduna aos
fundamentos do federalismo, visto que as responsabilidades educacionais de cada ente
federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) obedecem a um ordenamento legal e
a uma estrutura administrativa oficial, sem, contudo, prescindir da capacidade de prover os
princípios e diretrizes legais da organização e da gestão das atividades educacionais por cada
ente federado.
Na última parte, discutiremos a relação entre a opção pela criação do sistema
municipal de educação e a viabilização da autonomia Municipal e do regime de colaboração
com os demais entes federativos. Nesta etapa, ressaltam-se elementos que fundamentam a
gestão sistêmica da educação municipal, a saber: a) incremento das atribuições desenvolvidas
pelo Conselho Municipal de Educação (CME), b) elaboração do Plano Municipal de
Educação (PME), e c) impulsão ao Regime de Colaboração entre os entes federativos quanto
ao processo de definição e execução das políticas educacionais.
comuns, formam um todo, administrado para um mesmo fim – nesse caso, a educação
(VASCONCELOS, 2003)37. Com efeito, o surgimento do sistema educacional apresenta-se
como resposta à crescente demanda por um modelo de educação organizado, a partir de um
corpo doutrinário, e passível de ser mobilizado face ao objetivo de atingir um determinado
fim38. Nesse sentido, a expressão „sistema de educação‟ foi incorporada ao contexto
educacional brasileiro como consequência dos movimentos de 1930, em que se reclamava a
educação escolar como resposta às novas demandas por qualificação para o trabalho,
decorrente das transformações, sobretudo, econômicas que o País experimentava.
É nessa conjuntura que a educação passa a ser requerida em caráter sistêmico, dotada
de intenções que precisavam ser operadas por via de mecanismos que atingissem o País em
toda a sua amplitude. Um passo importante na direção de uma educação sistematizada no
Brasil foi a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1931, e, ainda com maior
destaque, sua inscrição na Constituição de 193439. É pertinente ressaltar que esta Carta Magna
torna-se um marco no que concerne à Organização da Educação Nacional, sobretudo, por
fundar, em caráter oficial, os sistemas estaduais, assim como o Sistema Federal de Educação.
Tal dispositivo legal não faz menção aos sistemas municipais de educação, uma vez que os
municípios ascenderam, como ente federado, com autonomia para criar e legislar sobre
educação, apenas na Constituição de 1988.
Considera-se como caracterização e perspectiva de ação do sistema de educação,
tomando-se por base os preceitos instituídos com o marco de legal de 1988, o “conjunto de
campos de competências e atribuições voltadas para o desenvolvimento da educação escolar,
que se materializam em instituições, órgãos executivos e normativos, recursos e meios
articulados pelo poder público competente, abertos ao regime de colaboração e respeitadas as
37
Quando nos referimos a um sistema de ensino, estamos indicando as escolas, prédios, equipamentos,
bibliotecas, laboratórios, alunos, professores, funcionários, equipes administrativas e pedagógicas, currículos,
conteúdos, metodologia, avaliação das instituições de educação, tanto públicas quanto privadas, de uma mesma
rede de ensino (VASCONCELOS, 2003, p.110).
38
É com base neste entendimento que Gadotti (1993, p.75) explica que os grandes sistemas escolares nacionais
nasceram, em meados do século passado (Sec. XIX), na Alemanha, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, com
o fim de inculcar os ideais nacionais.
39
De acordo com a Constituição de 1934, compete à União “organizar e manter, nos Territórios, sistemas
educativos apropriados aos mesmos” (art. 150), enquanto compete aos Estados e ao Distrito Federal “organizar e
manter sistemas educativos nos Territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecias pela União” (Art.
151). Conforme análise de Bordignon, a organização da educação brasileira, na perspectiva sistêmica, aparece
pela primeira vez no Brasil nesta Constituição de 1934, sob a inspiração dos Pioneiros da Educação Nova. Para
o autor, concebendo a educação com visão de totalidade e como fundamento de um projeto nacional de
cidadania, os pioneiros “apontavam como causas da situação educacional, então considerada caótica, a sua
fragmentação e a falta de unidade em termos de educação brasileira” (BORDIGNON, 2009, p. 29).
93
é bom que se observe que um sistema de ensino não pode nem deve, a
pretexto de que precise ser autêntico, limitar-se a reproduzir a realidade
social em que se acha inserido, refletindo-a com a docilidade servil, a
retratar a imagem posta à sua frente. Ele tem por missão, também, interferir
nessa realidade, modificá-la, trabalhá-la, castigá-la, às vezes, se necessário,
reagir contra ela, para transformá-la daquilo que ela é naquilo que ela pode e
deve ser.
É oportuno realçar que o papel que se reclama ao sistema de educação quanto à sua
incumbência de interferir na realidade social, da qual é parte, numa perspectiva de operar
98
É possível afirmar que o discurso sistêmico de gestão tem sido difundido no campo
educacional por meio de enunciados que delimitam conceitos e escolhas temáticas assumidas
em práticas discursivas desenvolvidas em espaços públicos, como as conferências de
educação nos municípios e estados (2009), assim como na Nacional (CONAE/2010), em que
se verificaram correlações entre os fundamentos da gestão democrática (participação social
cidadã, autonomia, descentralização, controle social, entre outros) e a proposição do sistema
nacional de educação.
Da mesma forma, também é possível perceber a produção e reprodução desse discurso
nas produções de pesquisadores da área (FRANÇA, 2009; OLIVEIRA; SANTANA, 2010;
BORDIGNON, 2009; WERLE, 2008; SARMENTO, 2005; KRAWCZYK, 1999), quando
tematizam expectativas para a gestão da educação, sobretudo, correlacionando a relação
sistêmica como mecanismo viabilizador de práticas de colaboração entre os poderes
federados, quanto à elaboração e execução da Política Educacional em âmbito nacional. Em
todo caso, é possível perceber que as posições do sujeito se definem igualmente pela situação
que lhe é possível ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos, conforme
assertiva de Foucault (2007, p.58): “ele é sujeito que questiona, segundo uma certa grade de
interrogações explícitas ou não, e que ouve, segundo um certo programa de informação; é
sujeito que observa, segundo um quadro de traços característicos, e que anota, segundo um
tipo descritivo”.
O que é possível apreender dos estudos sobre esse tema é que os principais desafios à
consolidação da gestão sistêmica em âmbito nacional têm explicação na própria estrutura
federativa adotada no País, em que se legitima a autonomia político-administrativa dos
Estados e Municípios sem uma clara posição quanto ao compartilhamento do poder decisório
99
entre estes entes e a União. Tal quadro impõe limites à efetivação de uma política de Estado
para a Educação, concebida e levada a efeito através de permanente relação entre os sistemas
de educação instituídos no conjunto dos entes federados.
Conforme tem-se apresentado nos estudos (ANDRADE et al., 2009; FRANÇA, 2009),
a ausência de um sistema nacional de educação fragiliza a materialização do Regime de
Colaboração mediante cumprimento de planos articulados de educação com participação
necessária das instâncias de participação. A interpretação desse quadro pelos pesquisadores
evidencia a importância da consolidação do Sistema Nacional de Educação (SNE) como
espaço público de definição de estratégias para concretização de objetivos coletivos,
constituindo-se, portanto, em resposta a uma luta histórica da sociedade e dos educadores
brasileiros.
França (2009, p.198) chama a atenção para a expectativa de que
objetivo de coordenar e dar unidade aos sistemas estaduais e municipais. O estudo de Romão
(1993) exemplifica a reprodução do enunciado da gestão sistêmica como estratégia que visa
estabelecer as normas que garantam a unidade mínima no País.
Esse enunciado, e não outro, ganha legitimidade na conjuntura sócio-histórica em que
o autor constrói seu discurso sobre a relação entre Município e Educação (1993), assim como
os princípios e propostas da autonomia da escola (1997). O que está em causa é que a defesa
pelo modelo sistêmico de gestão da educação se inscrevia por meio do mesmo corpo de
enunciado que fundava o discurso da redemocratização dos espaços de poder decisório do
País, que, no campo educacional, correlacionava-se à luta por instituir políticas (nacionais),
consubstanciadas em Planos de Educação, de duração plurianual, com definição de metas
mais amplas e de longo prazo.
Referindo-se ao contexto dos anos 1990, Gadotti (1993) pondera que, de fato, não
existia propriamente, no Brasil, um sistema nacional de educação, pois os vários “sub-
sistemas” se constituíam de forma justaposta. “Não há articulação entre eles, não há um
conjunto harmônico de relações entre partes e todo [...] Um sistema nacional pressupõe a
articulação e não a justaposição, nem a anulação de um sistema por outro” (GADOTTI, 1993,
p.74).
É por correlacionar a defesa da gestão sistêmica ao movimento de reabertura
democrática das instituições públicas no País que Romão (1993) afirma a imprescindibilidade
do SNE, com o argumento de que sua ausência corroborava a concentração do atendimento às
demandas educacionais em uma região ou camada social, acentuando a desigualdade
existente40.
No atual contexto histórico tem-se a reatualização do discurso da gestão sistêmica
como estratégia de ação política potencialmente capaz de viabilizar as promessas da
Constituição de 1988, quanto ao federalismo cooperativo, sob a denominação de regime de
colaboração recíproca (CF/1988, Arts. 1º, 18, 23, 29, 30 e 211). Ocorre que, conforme
chamamos a atenção para o quadro de regulamentação em lei complementar até hoje
inexistente, o regime de colaboração entre sistemas não conhece regulação clara, objetiva,
universal e válida para o território nacional.
40
Para o autor, assumir a perspectiva sistêmica no campo educacional significava optar por um mecanismo
capaz de “promover a redistribuição dos recursos, com vistas à equalização dos objetivos. Dialeticamente, a
universalização das metas e objetivos exigirá a discriminação positiva, isto é a concentração dos recursos nas
regiões e classes sociais mais desfavorecidas” (ROMÃO, 1993, p.110).
101
É importante ressaltar que a omissão do parlamento quanto ao trato dessa matéria não
é desprovida de interesse, por reeditar relações de mandonismo e de isolamento regional,
mantidos sob a obscuridade do que deve ser obrigação dos entes federados quanto à garantia
do atendimento às demandas educacionais de forma equânime em todo o País. Abicalil (2002)
já chamava a atenção sobre esse posicionamento político e suas consequências, em estudo
desenvolvido na conjuntura histórica de início de vigência do PNE (2001). Para o autor,
A análise de Cury, emblemática para o conjunto dos estudos que tematizam os limites
e dificuldades para a formalização de um SNE no Brasil, demonstra que, apesar de inscritos
na mesma formação discursiva, a gestão sistêmica da educação e a efetivação de políticas para
a educação, por meio da colaboração intergovernamental, ainda enfrentam resistências nas
práticas discursivas que afirmam a vinculação intrínseca entre o entendimento de sistema de
educação e a materialização do regime de colaboração, mas que disputam projetos diferentes
quanto à consolidação dessa associação nas práticas cotidianas das esferas administrativas. A
questão que parece ser transversal aos estudos diz respeito às dificuldades de se garantir o
princípio do federalismo cooperativo, ao mesmo tempo em que se busca reconhecer o
fortalecimento da autonomia de cada nível de poder federado com a criação de seu sistema
próprio de educação.
41
Lesbaupin (2000, p. 7), baseando-se em estudos sobre os novos desafios do poder local na atual conjuntura de
globalização, reconhece as iniciativas exitosas em algumas municipalidades quanto ao potencial de
democratização do poder público, ao colocar em evidência que “alguns governos municipais têm conseguido
reverter em seus municípios o processo de exclusão promovendo a inclusão de setores sociais desfavorecidos”.
103
infantil mantidas pelo Poder Público municipal; b) as instituições de educação infantil, criadas
e mantidas pela iniciativa privada; e c) os órgãos municipais de educação.
Não obstante, o espectro político em que o SME se insere contempla dimensões
concernentes aos mecanismos de operação dos objetivos que justificam o caráter de
intencionalidade e de ação articulada que apontamos enquanto tratávamos das exigências para
a implementação do modelo sistêmico. Nesse sentido, o papel a ser desenvolvido pelos órgãos
que compõem o sistema de educação tem por perspectiva a proposição de ações estratégicas
com vistas ao desenvolvimento das condições em que as práticas educativas são realizadas
nas unidades de ensino.
Desta feita, o significado da criação do SME é de que ele passa a definir a organização
formal/legal do conjunto das ações educacionais no âmbito do Poder Local. A manifestação
dessa opção tem sido considerada pelos pesquisadores como sendo mais efetiva quando é
procedida por meio de lei municipal, porque explicita e afirma o espaço da autonomia do
município e as responsabilidades educacionais próprias, eximindo, por consequência, o
sistema estadual de suas responsabilidades quanto à intervenção direta no ente Municipal,
salvo quando em atendimento ao que é preconizado pela Constituição.
Esse entendimento é corroborado por Bordignon (2009), quando explicita as razões
que levam a entender o sistema como afirmação de princípios e valores mais permanentes na
construção da cidadania e da sociedade que se deseja no projeto municipal de educação.
Segundo o autor, “ao assumir, com autonomia, a responsabilidade de suas atribuições
prioritárias, o município possibilita a dimensão concreta do exercício do poder local, da
cidadania ativa” (BORDIGNON, 2009, p. 38).
Faz-se, portanto, necessário considerar que a opção pela criação do SME, com a
finalidade de ordenação articulada dos vários elementos necessários à consecução dos
objetivos educacionais preconizados para o Município, exige ajustes importantes no que se
refere à atuação dos órgãos legitimamente instituídos na estrutura organizacional desse nível
administrativo da federação. Sobre esta matéria, é pertinente considerarmos a assertiva de
Gandini e Riscal (2007, p.106), quando fazem menção às atribuições das instâncias co-
gestoras do sistema de educação, ressaltando incumbência, como:
deverão organizar o espaço social de lutas empreendidas em função dos diferentes projetos
que buscam sua afirmação no campo educacional.
O estudo de Vasconcelos (2003) sobre o processo de criação de sistemas municipais
de educação no estado do Rio de Janeiro revela um movimento emblemático para o País no
que se refere à postura do Conselho Estadual de Educação (CEE) daquele Estado quanto ao
trâmite de descentralização das responsabilidades com a gestão educacional. Isso porque o
conjunto de exigências dizia respeito à necessidade de o ente Municipal ajustar sua estrutura
gestionária quanto à legislação e às instâncias de participação democrática, para que lhes
fosse “reconhecida” a competência de sistema próprio e para que passassem a atuar
plenamente em suas atribuições, até então realizadas pelo Estado.
Segundo Vasconcelos, dentre os procedimentos a serem adotados, os municípios
deveriam informar ao Estado, mediante um formulário de cadastro, essa opção de constituir
um sistema de educação próprio. Uma vez feita a opção pela constituição de sistema próprio,
o CEE-RJ acompanhava o Município, informando-lhe as necessidades surgidas a partir daí,
dentre elas, a de ter uma lei municipal criando o sistema de educação – uma espécie de
„certidão de nascimento‟ do sistema. Outra exigência do CEE em relação aos municípios era o
estudo, por parte destes, quanto às normas para a regulamentação do funcionamento de
instituições de Educação Infantil, uma vez que essa etapa da Educação Básica passaria a ser
autorizada e supervisionada pelo próprio Município. Esse ente deveria, “criar um órgão dentro
da estrutura da SME, com um corpo de supervisores educacionais devidamente habilitados,
para a realização da supervisão e inspeção da Educação Infantil privada e de todos os níveis
de educação pública existentes no Município” (VASCONCELOS, 2003, p.114).
Os estudos mostram que a expectativa de funcionamento do sistema de educação
reclama, necessariamente, a organização ou, se já existe, reorganização do Conselho
Municipal de Educação. O enunciado que difunde a criação do SME como opção que
assegura ao município o direito de exercício da autonomia para produzir suas diretrizes
educacionais se inscreve na mesma formação discursiva que elege o CME como instância
responsável por intermediar o processo de detecção e análise de problemas, e com
legitimidade para a elaboração e acompanhamento da Política Educacional do Município para
além da instabilidade de governos (WERLE et al., 2008). Tal enunciado, além de se constituir
em mecanismo de viabilização da descentralização do poder decisório entre as instâncias de
participação, na perspectiva de interferir na realidade social, opera meios que promovam sua
transformação (SANDER, 1993).
107
O principal impacto da instituição do SME para o CME diz respeito ao caráter em que
seu papel passa a ser requerido, enfatizando-se sua relevância para o exercício da autonomia
do ente municipal quanto à definição de suas diretrizes educacionais. Ao fazer menção a este
fato, Monlevade (2004) destaca as implicações do novo papel do CME no processo de
implantação ou execução das estratégias e ações do Plano Municipal de Educação. Para o
autor,
42
Meira (2001) analisa a importância do CME para a descentralização da gestão educacional, com base em nove
municípios do Estado da BA. Ressalta haver uma tendência à descentralização, não no sentido da estadualização,
mas na centralização da educação no âmbito da esfera municipal, em que as secretarias municipais de Educação
somam suas funções àquelas específicas do CME. RIBEIRO (2000) averigua se o CME se insere no efetivo
cumprimento do direito à educação escolar de sua respectiva população e, ainda, em que medida a criação deste
órgão contribui para a educação sistemática oferecida nos nove municípios baianos estudados. Constata que, na
maioria dos casos pesquisados, o CME ainda não traz benefícios para a garantia do direito à educação da
108
qualidade e a garantia da permanência dos alunos nos diversos níveis de ensino atendidos no
Município.
Cury (2005) salienta a interrrelação entre o fortalecimento dos mecanismos de
participação e a materialização do princípio da cooperação entre os três níveis de poder como
atributo que se vincula à dimensão que o papel do CME deve assumir no sistema. Para o
autor:
sobretudo, maior mobilização dos próprios sujeitos que exercem a representação, face ao atual
quadro em que se constata considerável dissociação entre a voz do representante e os anseios
dos representados.
Assim como o fortalecimento e a institucionalização da participação da sociedade civil
através do CME, o processo de definição das políticas educacionais do Município assume
expectativas que se inserem no campo discursivo da gestão sistêmica, em que evidencia a
elaboração de planos municipais de educação, bem como o acompanhamento, fiscalização e
avaliação de sua aplicação, matéria que passaremos a abordar no tópico a seguir.
Pode-se inferir desse juízo exposto pelo autor que a elaboração do plano de educação
na esfera municipal constitui uma decisão política que expressa especificidades deste ente
federado quanto à sua Política Educacional que, conforme expõe Gracindo (2000, p.214),
deve estabelecer “seus princípios e compromissos; seus objetivos; sua estrutura e organização;
suas relações com o Estado e a União, suas competências gerais e específicas por nível e
116
gestão da educação pressupõe não somente a mera divisão de responsabilidades, mas também
o acompanhamento do cumprimento das atividades de competência de cada esfera de poder,
através da participação dos sujeitos sociais que compartilham dos processos educativos.
119
4.1- Introdução
Esse capítulo apresenta elementos que realçam que os temas Poder Local e Regime de
Colaboração se inscrevem na mesma formação discursiva à que se vincula o discurso da
gestão sistêmica da educação. O enunciado da [unidade na diversidade] tem ampla aceitação
no contexto em que a integridade nacional (federação) precisa ser resguardada, ao mesmo
tempo em que se advoga diversidade de espaços de poder decisório (autonomia dos entes
federados). Pode-se considerar que a defesa pelo fortalecimento do âmbito local como espaço
legítimo de poder no sistema político que rege o Estado nacional tem por premissa a lógica
sistêmica de que as partes não perdem a sua especificidade na relação com o todo.
Esse tem sido o ponto convergente de nossa referência à ação do estado, aqui sendo
particularizado o campo educacional, essencialmente por concebermos a análise das políticas
públicas pelo viés das práticas sociais que se estabelecem em diversos centros de poder,
ocupados por grupos sociais em permanente disputa, e não pela compreensão do Estado como
uma composição monolítica. Por conseguinte, ainda que seja premente o temor de invasão
indébita na autonomia dos entes federados, as práticas de colaboração são exigidas em face do
forte apelo quanto ao fortalecimento dos governos subnacionais para proverem suas políticas
públicas, uma vez que se sabe que é por essa via que seu poder geopolítico é concretamente
percebido e socialmente apropriado.
A efetivação dessa promessa de federalismo cooperativo na educação, como tem sido
referida ao longo deste trabalho, tem por signatário o modelo de Estado relacional, com amplo
reconhecimento da representatividade social, sem o que não tem sentido inferir princípios
democráticos nas relações estabelecidas, sendo estes prerrogativas fundantes do respaldo
jurídico da república federativa brasileira. Concebe-se, portanto, a noção de Estado ampliado,
tendo a democracia como preceito da forma governo.
Este é o seu melhor disfarce. Quando a imposição é aceita como forma de participação, temos
o poder hábil, estratégico, capaz”.
A observação do autor é emblemática para a apreensão do termo em sua amplitude
polissêmica. Com efeito, pode-se encontrar a utilização do termo com o sentido de cooptação
de indivíduos mediante a promoção de programas que visam diluir os conflitos sociais,
tratando-se, portanto, de uma concepção de participação da sociedade civil divorciada da
intervenção na proposição das políticas, circunscrita, apenas, à função de provedora de
serviços.
Contudo, a participação expressa, sobretudo, o fortalecimento da sociedade civil na
perspectiva da definição, acompanhamento e avaliação da ação estatal. Nesse sentido, a
participação social não representa um sujeito social específico, mas se constrói como um
modelo de relação geral/ideal, na relação sociedade/Estado (GOHN, 2007). Esta acepção de
participação constitui-se em um processo histórico de conquista das condições de
autodeterminação. Este é um movimento que não se empreende pela via da imposição.
Conforme afirma Demo (1996, p. 101), “participação existe, se e enquanto for conquistada.
Porque é processo, não produto acabado”.
Desta feita, evidencia-se a participação política como processo relacionado ao número
e à intensidade de indivíduos envolvidos na tomada de decisões no espaço público. Nossa
ênfase conceitual neste trabalho atenta para esta última dimensão, resguardando-se na
imprescindibilidade da participação como estratégia de ação política dos sujeitos sociais com
vista à democratização da gestão pública. Logo, conciliamos com Habermas (Apud CATANI;
GUTIERREZ, 2003), no que diz respeito à sua concepção de que participar significa que
todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação
discursiva da vontade, ou seja, participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o
consenso quanto a um plano de ação coletivo.
Faz-se importante mencionar que, ao conceber a possibilidade da atuação dos sujeitos
sociais nos espaços públicos, sendo, em nosso caso, particularizado o campo educacional,
estamos, ao mesmo tempo, enfatizando a necessidade de se romper com a lógica de uma
participação planejada e regulada pela representação governista com assento no Estado.
Assume-se aqui, por coerência de princípio, que “a tomada de consciência da necessidade de
decidir e o posterior processo de decisão, quando feito no coletivo, propicia a riqueza de
idéias, o debate, o confronto de argumentos diferentes que se constroem no próprio processo
coletivo de consciência do problema em questão” (FERREIRA, 2004, p. 312).
123
para o nível local e exerce a função de regulação, garantindo, através de sua posição
hierárquica, o controle dos resultados44. Por outro lado, o termo demonstra uma acepção
democrático-participativa, expressando maior intervenção das instâncias locais nas decisões
tomadas no sistema de educação45. Sendo assim, é oportuna a colocação de Casassus (1995, p.
95), quando diz que, “ao transferir competências, há de se pensar que é necessário reacomodar
situações tanto do ponto de vista de quem recebe a competência quanto do ponto de vista de
quem se desprende dela. Ao se afirmar que o tema é complexo, quer-se dizer que este deve ser
visto em forma sistêmica”.
Portanto, em face de se tratar de um tema que admite a coexistência de relações que
não se dão em qualquer lugar, mas no interior de um sistema de educação, a ação
descentralizadora reclama a participação dos sujeitos sociais no processo de definição das
políticas educacionais, além do reconhecimento da autonomia como valor intrínseco e
indispensável à prática democrática entre as instâncias que compartilham dos espaços
decisórios.
No Brasil, os anos 1990 foram marcados pela emergência de uma nova lógica de ação
do Estado, que passa a ser difundida como parte da grande reforma anunciada em 1995. De
acordo com Azevedo (2002 p. 58),
44
Lagares (2008), em estudo realizado em um município do Tocantins, conclui que a descentralização
educacional em curso porta-se como um processo político que reforça a base oligárquico-clientelista, assentada
em intervenções externas neoliberais. Em outra pesquisa, realizada nos Estados de SP e PR, Lima (2001)
apresenta notas conclusivas, segundo as quais, em nome da descentralização do processo de tomada de decisões,
as políticas educacionais observadas propiciaram condições para que, seguindo as orientações dos organismos
internacionais de financiamento, condicionassem o processo de desestatização da educação pública durante a
década de 1990.
45
Garcia (1997) analisa as nuances de como as políticas educacionais são executadas no Estado do CE,
utilizando o princípio da descentralização como categoria de análise. O estudo constata que a descentralização,
iniciada em 1987 neste Estado, pode ser considerada um meio capaz de favorecer o exercício da cidadania. Costa
(1997) descreve a experiência da descentralização no RS. Sua análise destaca o esforço dos governos municipais
em conquistar espaços de decisão e gestão do ensino, quer expandindo sua rede, quer ampliando sua esfera de
atuação sobre a população atendida pelo serviço público municipal ou estadual.
127
representam o governo, parte pelos que representam a sociedade civil, com o recorte do local
no qual o sistema está inserido.
É pertinente afirmar que a relevância da lógica sistêmica na gestão educacional
somente cumpre suas funções quando há espaço para seus partícipes exporem suas idéias,
serem ouvidos e ainda tornarem públicas as suas decisões. Esse é um espaço essencialmente
público. Sua imprescindibilidade é amparada no direito de que todos os seus participantes
devem ter a liberdade de defender pontos de vista e apresentarem dissensos em relação às
posições dos demais interlocutores. Isto não significa que todos irão participar, nem também
significa que tudo o que for proposto constituirá a deliberação do coletivo.
Historicamente o termo „local‟ foi tomado como sinônimo de locus dos desmandos
autoritários de mandatários das elites locais ou regionais na política brasileira (LEAL,
1976)46. Essa relação de mandonismo na esfera local em que a elite, sob a proteção de
coronéis, se revestia do poder estatal para fazer valer seus desígnios particulares é consonante
como o determinismo classista com que também esteve circunscrita a concepção de Estado.
Daí ser o poder local “perdulário, mal gastador do dinheiro público, quase sempre corrupto e
que tem a ineficiência como sua marca característica” (DOMBROWSKI, 2008, 271).
46 É emblemática dessa interpretação, e também coerente com o momento histórico a que se refere, a tese
defendida em 1947 por Victor Nunes Leal para ingresso como professor na Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil, hoje UFRJ, que teve como título “O municipalismo e o regime representativo no Brasil -
uma contribuição para o estudo do coronelismo”, posteriomente publicada com o nome comercial de
Coronelismo, enxada e voto. O estudo faz menção ao coronelismo como „sistema político‟, sistema este
composto por proprietários de terras (coronéis) que detinham irrestrito poder político-militar na esfera local.
130
Pode-se dizer que, pela mesma razão, essa esfera, marcada pela ocupação do público
como se privado fosse, também tem sua história vinculada ao insucesso administrativo e à
incredibilidade de sua capacidade de isonomia no trato dos interesses públicos. Por
conseguinte, princípios como participação, descentralização e autonomia (com a acepção
político-democrática aqui apresentada) são ignorados nas teorias tradicionais sobre o governo
local (SCHUMPETER, 1971), uma vez que a habilidade e competência política para a
governabilidade do Estado em todas as suas esferas é conferida às elites dirigentes. Nesse
contexto, a principal tarefa dos governos locais seria a de dar condições para que os serviços
coletivos locais se viabilizassem no mercado, num plano de competição. O tema da autonomia
é tratado segundo o binômio governo local versus governo central, e quando se refere
exclusivamente ao plano do governo local, “o enfoque é sobre a autonomia dos agentes locais
privados versus a dos agentes estatais, governamentais” (GOHN, 2007, p. 32-33).
Ao longo da segunda metade do Século XX, especialmente nas suas duas últimas
décadas, o processo de mudança e transformação social – e a própria democratização do poder
– assim como a ampliação das esferas de decisões do governo e da sociedade passam a
integrar o debate sobre o Poder Local. Nesse novo ambiente histórico, as demandas por
respostas do poder público despertam a consciência de que as decisões precisam ser
formuladas e cotejadas pelos próprios interessados pela ação estatal. Tem-se, portanto, o
movimento pela construção de instâncias de participação democrática como contraponto à
histórica centralização do poder político-administrativo no país. É concebível afirmar que a
ressignificação do que se entende mais recentemente por Poder Local tem como atributo
fundamental o conceito de esfera pública proveniente da teoria democrática.
Avritzer (1999), com base em estudo habermasiano, defende que a emergência desse
conceito constitui o principal e mais importante elemento revitalizador da teoria democrática
no século XX47. Trata-se, pois, de um espaço cuja pluralidade de convicções político-
ideológicas perpassa a interação entre os grupos (originários das mais diversas entidades,
organizações, associações, movimentos sociais etc.) que dele se ocupa e disputa poder de
legitimar proposições com pretensões de que estas integrem a agenda estatal. Conforme
afirma Gohn (2007, p. 35-36), “a natureza dessa esfera é essencialmente política
47
Dowbor (2008, p. 13) constata, em seu estudo sobre o tema, que “a questão do poder local está rapidamente
emergindo para se tornar uma das questões fundamentais da nossa organização como sociedade. Referido como
“local authority” em inglês, “communautés locales” em francês, ou ainda como “espaço local”, o poder local
está no centro do conjunto de transformações que envolvem a descentralização, a desburocratização e a
participação, bem como as chamadas novas "tecnologias urbanas”.
131
argumentativa. É um espaço para o debate, face a face, dos problemas coletivos da sociedade,
diferenciado do debate no espaço estatal propriamente dito”.
Essa “natureza argumentativa” da esfera pública, que tem sua legitimidade assegurada
pela “diversidade de grupos participantes”, incrementa a noção de Poder local, de modo que
seu significado passa a ser mais abrangente que o de governo local. Faz-se importante
explicitar que aqui concebemos o Poder Local como espaço público ocupado por sujeitos
coletivos envolvidos com a gestão pública, rompendo-se com a lógica de uma participação
planejada e regulada por lideranças governistas. Isto significa a necessidade de se refletir
sobre as condições em que os consensos são construídos entre as instâncias, assim como em
que medida os dissensos que emanam dos diversos grupos sociais interferem no
direcionamento das decisões, como forma de se fazer valerem, por exemplo, os princípios da
gestão educacional democrática.
Por conseguinte, a ação do Poder Local tem como horizonte não apenas conhecer e
saber aplicar as normas que balizam o Estado democrático. Reconhece-se como
imprescindível a participação ampliada dos sujeitos que necessariamente devem estar
também habilitados a corroborar com o processo contínuo de revisão das regras do jogo
democrático. Com isso, contrapõe-se ao fluxo do poder imposto autoritariamente na direção
descendente (que desce, decrescente), evidenciando-se a possibilidade crescente do exercício
do poder no espaço público em direção ascendente (que sobe, se eleva), mediante
representatividade social legitimamente instituídas.
Os princípios da participação social cidadã, da descentralização e da autonomia são
intrinsecamente vinculados à referência que aqui é feita, especialmente, quando tomamos por
premissa a organicidade do Poder Local como mecanismo indutor do processo de
democratização da gestão educacional, constituindo-se movimento ascendente do exercício
do poder. Tal fato exige a garantia de condições para que os indivíduos possam sentir-se
responsáveis pela proposição, não apenas pela execução de tarefas; pela prática do dissenso
como expressão de compromisso com a definição das normas e medidas em prol do espaço
público, não apenas assevera consensos sem que as discussões tenham acontecido.
Esse entendimento tem mobilizado vários pesquisadores que se interessam pelo tema,
registrando-se especial atenção aos estudos que buscam compreender as nuances que
envolvem a organização política local e sua interferência nas políticas públicas (ABRUCIO,
2005; GOHN, 2007; DOWBOR, 2008; DOMBROWSKI, 2008; LESBAUPIN, 2001; NETO;
ARAÚJO, 1998).
132
48
Dentre os 5.564 municípios que compõem a República Federativa do Brasil, 1.385 não existiam antes da
promulgação da última Constituição. A intensidade da recente fragmentação das unidades de governo local,
assim como a institucionalização de uma federação em três níveis, é um fenômeno político restrito ao Brasil.
Essa multiplicação de governos locais não possui qualquer paralelo contemporâneo. Outros países registram
somente a ocorrência de alguns eventos isolados, que, diferentemente dos municípios brasileiros, geralmente
possuem um grau muito limitado de autonomia (TOMIO, 2005, p. 142).
134
49
O fenômeno da prefeiturização remete a um processo de centralização política no âmbito do governo local em
que se coloca a prefeitura como único locus da decisão sobre o que constitui a ação pública nas municipalidades,
tendo a figura do prefeito como protagonista. Nesse contexto, instâncias como o Conselho Municipal de
Educação, por exemplo, têm suas funções esvaziadas, seja porque a atuação dos seus membros, quando
potencialmente altiva, é dificultada ou mesmo impedida, seja porque sua composição por pessoas indicadas pelo
prefeito configura-se claramente em uma situação em que se alija a efetiva participação e controle por parte da
população, propiciando um retorno (ou reforço) aos tradicionais esquemas de coronelismo. Conforme sintetiza
Maffezoli (2004), a prefeiturização distingue-se da municipalização, pois aquela, ao centrar-se na administração
municipal, tende a impedir a participação e o controle social organizado, que constituem os elementos políticos
diferenciadores fundamentais, do ponto de vista do viés democratizante e transformador da descentralização.
50
Leonardo Guimarães e Tânia Bacelar (Vide NETO e ARAÚJO, 1998), a partir de estudos sobre a articulação
entre os governos locais e a sociedade civil, na busca de soluções para os problemas de cidades situadas nas
regiões metropolitanas brasileiras, ponderam que, mesmo reconhecendo que a necessidade da (re) legitimação é
imperativa nos tempos atuais, é certo, ainda, ter presente que o prefeito precisa, efetivamente, exercitar sua
vontade política de ampliar o leque de parceiros no processo decisório. Na prática, é muito difícil haver
participação popular à revelia do Executivo, em um quadro de sociedades socialmente dependentes e indife-
renciadas. Nas grandes cidades, dada a tendência de a democracia semidireta se impor como valor universal,
com grande aceitação junto à opinião pública, é pouco provável que os prefeitos oponham-se abertamente aos
processos participativos. O mais provável é que a maioria dos executivos ainda se refugie em não-decisões e no
escamoteamento de conflitos, mantendo os conselhos participativos como estruturas formais, mas evadindo-se
135
constatado pelo discurso como prática social é a forte tendência à burocratização do processo
de participação nessas instâncias. E isso, tanto naqueles casos em que o governo local tem
criado, estrategicamente, instâncias apenas pro forma, para preencher os requisitos exigidos
para o repasse de recursos, quanto naqueles casos em que (sobretudo nos municípios de
pequeno e médio porte) as organizações populares não estão ainda fortemente estabelecidas
(NETO; ARAÚJO, 1998).
O que se verifica nessas experiências de governo local são tendências de
materialização de sentidos da descentralização convivendo de forma tensa e contraditória
entre si. Isso significa dizer que, se por um lado, tem-se a constatação da participação tutelada
por governos locais em instâncias burocratizadas, ainda que com o timbre da participação
democrática, por outro lado, há experiências que atestam progressivo avanço na
democratização do processo decisório em contextos de consolidação do Poder local.
Sobre essa segunda vertente das experiências, Neto e Araújo (1998) constatam
possibilidades de democratização das relações de poder na esfera local, destacando-se, em
primeiro lugar, que a existência de conselhos e demais instâncias de participação vêm
possibilitando o surgimento de uma diversidade maior de atores nesse processo, apesar da
resistência das próprias lideranças dos movimentos populares e demais organizações sociais
em repartirem o poder entre seus pares. Em segundo lugar, essas experiências vêm
demonstrando a viabilidade de se compatibilizar democracia representativa com democracia
direta. Em terceiro lugar, “não se pode subestimar a importância do aprendizado de exercício
da cidadania tanto por parte dos movimentos populares quanto dos novos sujeitos que vêm
surgindo com essas experiências no âmbito de uma relação complexa e por vezes ambígua da
sociedade com o Estado” (NETO; ARAÚJO, 1998, p. 162).
O aprendizado que os sujeitos sociais têm construído nesse contexto de reabertura às
relações democráticas no País tem corroborado com a ampliação da democracia representativa
para além do exercício do voto a cada quatro anos. O exemplo que tem se mostrado plausível
a esse respeito é a experiência do orçamento participativo em alguns municípios do Brasil51.
O caráter da participação que parece ser viabilizado através dessa atuação social no governo,
mediante consolidação da presença dos sujeitos coletivos para levar a efeito o exercício da
autonomia na esfera local, ora a “uma espécie de prefeiturização envergonhada, uma vez que
a transferência de redes federal e estaduais para a responsabilidade dos governos municipais,
por melhores condições que lhes sejam dadas, não resolve a questão da universalização da
escola infantil e básica de qualidade” (ROMÃO, 1992, p. 65). Trataremos desse tema na
seção a seguir.
52
Para uma análise mais detalhada desta lógica, ver os trabalhos de Marília Fonseca (1992 e 1995) e Maria de
Fátima Félix Rosar (1995).
53
Conforme estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM (BREMAEKER,
2004), essas novas matrículas reclamaram contrapartidas dos municípios, como: a) ceder professores para as
escolas estaduais; b) fornecer merenda escolar e transporte escolar para os alunos das escolas estaduais; c)
efetuar a manutenção das escolas estaduais; d) ceder pessoal e manter os serviços estaduais de apoio, entre
outras. Tais atribuições, segundo o autor, provocaram o agravamento das dificuldades financeiras dos
municípios.
139
54
“O Fundef gerou problemas conexos que permaneceram como contradições a serem resolvidas, quer seja por
propostas de aperfeiçoamento, quer seja por propostas alternativas: como enfrentar o repasse desigual e
insuficiente de recursos para as diferentes etapas e modalidades da educação básica e a enorme desigualdade
regional [...] Uma outra consequência importante do Fundef foi o impulso decisivo ao processo de
municipalização do ensino fundamental. Inicialmente, imaginou-se que tal ocorreria apenas nos estados em que a
municipalização era menor, mas ela ocorreu em todo o país [...] De toda forma, nos maiores Estados, São Paulo e
Minas Gerais, que possuíam índices altos de estadualização do atendimento, a municipalização induzida foi
significativa. Apenas para se ter uma idéia, em 1998-99 o número de transferências de vagas desses estados para
seus municípios ultrapassou 1,2 milhão, fazendo com que, já em 2000, o atendimento municipal do ensino
fundamental fosse majoritário no país” (OLIVEIRA, 2007, p.116).
140
Todos esses setores, como se sabe, atendem a um grande contingente que depende
exclusivamente dos serviços públicos. Contudo, o sistema público de educação tem por
obrigação atender cerca de 45 milhões de estudantes da educação básica diariamente.
Daí porque a explicitação da colaboração no campo educacional ter sido indicada pelo
marco legal e defendida com grande ímpeto pelos sujeitos sociais que historicamente
assumiram a defesa da educação pública, gratuita e com qualidade social, indistinta para
cidadãos inseridos na diversidade de condições socioeconômicas das unidades federativas.
Ocorre que a Constituição Federal de 1988 apenas indica, ou recomenda, a regulamentação da
colaboração (Artigos 23 e 211). Recentemente, a Emenda Constitucional nº 59/ 2009
modificou a redação do Art. 211 da Carta Magna, que passa a vigorar em seu § 4º com o
seguinte texto: “na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório”.
Portanto, tem-se uma nova recomendação, desta vez, para que no país haja formas de
colaboração, sem avanços em relação ao que indica o artigo 23 da CF/1988, que definia a
necessidade de uma Lei Complementar para regular a cooperação entre as esferas de poder
federado. Essa omissão do parlamento brasileiro tem sido lembrada por um grande número de
pesquisadores da área, que tomam quase que unanimemente esse fato como fator
preponderante das limitações quanto à equalização da qualidade do atendimento das
demandas educacionais no País.
Dentre as constatações que se tornam enfáticas sobre essa matéria, faz-se pertinente
citar as conclusões de estudos de Abrucio (2010) de que essa lacuna normativa induziu um
tipo de “municipalização” com negociações políticas entre os estados e municípios sem que
houvesse uma arena institucional que mediasse o estabelecimento e cumprimento de critérios
claros de repasse de funções. Em decorrência disso, esse processo dependeu muito mais do
jogo político de gestores, portanto, para além da Política Educacional em si.
Esse dado que se infere do trabalho do autor foi também constatado em nosso campo
de pesquisa, ressaltando-se, especialmente, as formas peculiares de “colaboração” que foram
identificadas. No caso do Recife, observamos que a referência à colaboração é feita com base
em um termo assumido entre prefeitos e o governador de Pernambuco (PERNAMBUCO,
2008). Em relação ao município de Fortaleza, a colaboração é norteada por um programa
criado pelo governo do estado do Ceará (Programa de Alfabetização da Idade Certa - PAIC),
cuja efetivação ocorreu quando os prefeitos assinaram a adesão ao referido programa.
Voltaremos a esse tema mais adiante.
144
No bojo das discussões sobre o novo marco legal brasileiro, o Congresso Nacional
promulga, em setembro de 1996, a Emenda Constitucional nº 14 (EC nº 14), estabelecendo
significativas modificações na política de financiamento da educação básica brasileira, ao
instituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF). A nova lei previa investimentos voltados, especificamente, para a
universalização do ensino fundamental, mediante a destinação de, pelo menos, 15% dos
recursos, vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, no âmbito de cada Estado e
do Distrito Federal. Após uma década em que se verificaram avanços – mas também muitas
perplexidades quanto ao reducionismo dos impactos deste fundo em relação aos persistentes
desafios da educação pública no País –, a essência da nova política é ratificada, com
148
importantes ajustes, sobretudo para ampliar sua cobertura para toda a educação básica, através
da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, que cria o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB).
Previsto para durar 14 anos, o FUNDEB pretende, na visão de seus proponentes,
corrigir as falhas identificadas no decurso do FUNDEF, como a exclusão da Educação
Infantil, EJA e Ensino Médio e de seus profissionais. Apresenta-se como perspectiva para o
investimento dos fundos público em educação a ratificação do ideário de divisão de
responsabilidades entre os entes federativos quanto à oferta dos diferentes níveis de ensino,
sob a expectativa de melhor distribuição dos recursos financeiros em âmbito nacional. O Art.
8º da Lei do FUNDEB esclarece que a distribuição de recursos que compõem os Fundos, no
âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, dar-se-á, entre o governo estadual e os de seus
municípios, na proporção do número de alunos matriculados nas respectivas redes de
educação básica pública presencial.
Percebe-se, portanto, que há uma inferência do ideário de regime de colaboração,
estimando-se, desta feita, o exercício de ações articuladas entre as esferas administrativas,
uma vez que os novos recursos têm sua lógica de distribuição em função do número de
matrículas que os governos tiverem no seu âmbito de atuação prioritária, conforme o disposto
nos §§ 2º e 3º do art. 211 da CF. Essa prerrogativa indica a necessária negociação no que diz
respeito ao cumprimento das incumbências dos entes federativos, com o atendimento da
demanda da educação básica. Na prática, isso significa, por exemplo, que as matrículas
municipais no ensino médio não serão levadas em conta na distribuição do FUNDEB, porque
as prefeituras não devem atuar, prioritariamente, no ensino médio, mas apenas na educação
infantil e no ensino fundamental.
Faz-se pertinente considerar avanços, mas também registrar limites concernentes à
efetivação do FUNDEB até o momento, assim como a sua prospecção, considerando o que
ainda está por acontecer no decurso de sua vigência, tema que vem sendo abordado de forma
sistemática por pesquisadores da area (ABRUCIO, 2010; CURY, 2010; FRANÇA, 2009;
PINTO, 2007; OLIVEIRA, 2007). Assim, é possível reconhecermos vantagens, como o fez
França (2009), citando dois impactos deste Fundo para o financiamento da educação básica. O
primeiro relaciona-se com o aumento substancial de recursos no que se refere ao
compromisso da União, ampliando o aporte, a título de complementação, de cerca de R$ 500
milhões, tomando-se como base os valores do FUNDEF, para cerca de R$ 5 bilhões de
investimento ao ano, a partir de 2009. O outro diz respeito ao fato de que houve a institu-
149
cionalização de um Fundo único para toda a educação básica e não, apenas, para o ensino
fundamental.
Ainda no plano dos avanços, cabe mencionar o capítulo VI da Lei n. 11.494/2007, que
versa sobre o controle social dos recursos do Fundo por meio de conselhos instituídos para
esse fim. O reconhecimento deste aspecto deve-se à inclusão da representação de sujeitos
sociais vinculados à escola, garantindo-se a participação de pelo menos dois pais e dois
estudantes, além de um representante dos conselhos tutelares nos conselhos de âmbito
municipal. Era de se esperar que a legislação também estabelecesse uma série de
impedimentos que atingissem parentes de membros do Executivo, prestadores de serviços,
pais que ocupem cargos ou funções de confiança quanto à participação nesses conselhos,
norma igualmente válida para os Conselhos Municipais de Educação (FUNDEB, § 2º do art.
37).
Contudo, há limitações no FUNDEB que inclusive já se verificava no FUNDEF. O
cerne desse aspecto são os problemas que ainda persistem no plano intergovernamental. Sobre
essa matéria, Abrucio (2010) pondera que esses Fundos conseguiram dar mais recursos aos
governos que se responsabilizam pela política, mas mexeram pouco com as desigualdades
regionais que marcam a federação brasileira. Para o autor, seria necessário que a União não só
complementasse o dinheiro que falta para chegar à meta básica, mas que também fizesse
política redistributiva, caso contrário, “a equalização se dá num patamar mínimo, e as redes
dos estados mais ricos tendem a ter uma diferença substancial de condições em relação aos
demais” (ABRUCIO, 2010, p.64).
Portanto, muito embora o FUNDEB represente um avanço ante o FUNDEF, ao
resgatar o conceito de educação básica e ao fortalecer o controle social, tem-se a reedição da
desigualdade quanto às condições de atendimento às demandas educacionais no País, uma vez
que em ambas as experiências de fundos contábeis a ação redistributiva é limitada ao âmbito
de cada Estado. Isso se configura como uma limitação, quando se toma como referência de
pacto federativo, a colaboração em que se tem por perspectiva a consolidação de um
paradigma de qualidade para educação, válido para todo o território nacional, sobretudo num
país como o nosso, em que se verificam enormes diferenças, do ponto de vista da capacidade
financeira, entre os estados e entre municípios de cada unidade federativa.
Pinto (2007) apresenta dois principais problemas dessa política de fundos que
explicitam a ausência de enfretamento das desigualdades regionais: 1) a inexistência de um
valor mínimo por aluno que assegure um ensino de qualidade e que impeça as disparidades
regionais; 2) embora o fundo seja único no âmbito de cada unidade da Federação, os alunos
150
Quer se afirmar com isso que a referência aos sujeitos coletivos perpassa também a
imprescindibilidade do exercício de sua função precípua de controle social. No que diz
respeito às finanças da educação no Município, faz-se urgente um acompanhamento mais
criterioso da implementação dos recursos vinculados a despesas definidas como de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino - MDE55, que não podem ser confundidas com as
despesas que a Secretaria de Educação nomeia como pertencentes à educação. A cautela que
se procura resguardar com a efetiva ação de controle social deve-se ao conhecimento de
prejuízo para a MDE, perpetrado pelo modo como os governos classificam, de forma
irregular, tais investimentos56.
Há ainda uma atenção especial a ser acatada no que diz respeito ao caráter transitório
em que os fundos são instituídos na educação. Faz-se oportuno reconhecer que o anúncio do
novo fundo, inclusive com certa conotação de redenção da educação básica, tem prazo para
acabar, o que permite cogitar que a alternativa para uma agenda sustentável na gestão
educacional brasileira – portanto, com aspirações de continuidade – reclama,
indubitavelmente, a regulamentação do regime de colaboração através da explicitação do que
se compreende por pacto federativo e, sobretudo, o que fazer para efetivá-lo. Essa questão é
também observada por Pinto (2007), quando tece considerações sobre o sistema de
financiamento no setor educacional, atribuindo realce para o fato de que a política de fundos
(FUNDEF e FUNDEB) tem evitado o colapso quanto às condições de provimento financeiro
por parte do Estado, em função do atrelamento da MDE, principalmente, por meio de
transferências de recursos de uma esfera de governo para a outra.
Nesse sentido, se por um lado é justo o reconhecimento do caráter imprescindível dos
fundos no sentido da possibilidade de intervenção provisória nos desafios que estão postos
para o setor, por outro lado, sua existência deve suscitar a defesa por algo condizente com a
essência processual com que a educação se identifica. Pinto (2007, p.881), referindo-se ao
cunho transitório do FUNDEB, afirma que:
[...] montou-se uma bomba de efeito retardado com data certa para explodir:
31 de dezembro de 2020, quando finda o FUNDEB. Se nenhuma medida de
caráter permanente for tomada neste ínterim, o país viverá naquela data uma
55
A LDB/1996 define, em seus artigos 70 e 71, o que são e não são despesas em MDE.
56
Davies (2003) disserta sobre o problema da inclusão ilegal de despesas em MDE com base em análise de
dados emitidos pelo TC do Rio Grande do Sul. O estudo relaciona 37 tipos de despesas ilegais que os governos
gaúchos consideravam de MDE. Dentre os exemplos que atestam tal irregularidade, destacam-se: “construção de
ginásio ou centro esportivo comunitário, pavimentação de ruas de acesso ou fronteiriças a prédios/instalações
escolares, construção de abrigos em paradas de ônibus nas zonas rural e urbana, realização de eventos como
festivais musicais e de teatro, shows, rodeios, construção de poços tubulares profundos (“artesianos”)”
(DAVIES, 2003, p.154).
152
Merecem destaque pelo menos dois aspectos levantados por Pinto (2007). O primeiro
diz respeito à chamada de atenção em tom de convocação do Estado e da sociedade civil
organizada para que se busque uma medida de caráter permanente, ainda durante o período
de vigência do Fundo. Trata-se de uma força-tarefa empreendida a partir do entendimento de
que os fundos, por um lado, salvaguardaram a sobrevivência do sistema de financiamento da
educação, de tal forma que sua permanência deveu-se, também, pelo clamor social que,
mesmo identificando suas falhas num período de dez anos (período de vigência do FUNDEF),
ainda assim recorre às lideranças governistas para a sua permanência em caráter extensivo ao
conjunto da educação básica. Por outro lado, os próprios limites apresentados pela política de
fundos têm instigado o debate sobre as contrapartidas necessárias para se construir
mecanismos não apenas de natureza estritamente contábil, mas, sobretudo, de
acompanhamento e controle social sobre o que se planeja e investe em educação pública.
O segundo aspecto, relacionado à citação do autor, coaduna-se com a defesa de que o
próprio FUNBEB serve de inspiração para o que se pretende instituir como duradouro na
gestão dos sistemas educacionais. É possível exibir esse juízo por compreendermos que as
regras, definidas para a regulação da parcela de complementação da União, têm como
prerrogativa a fixação anual deliberada por uma Comissão Intergovernamental. Esta exigência
corresponde ao que se vislumbra nas relações federalistas. Ainda sobre a distribuição da
parcela de recursos da complementação aos Fundos de âmbito estadual, merece menção o Art.
7º, da Lei nº 11.494/2007, quando relaciona como requisitos para tal cumprimento legal, tanto
a apresentação de projetos em regime de colaboração por Estado e respectivos Municípios ou
por consórcios municipais, quanto a vigência de plano estadual ou municipal de educação
aprovado por lei.
Pode-se afirmar que o exemplo que a política de financiamento apresenta guarda
coerência com o debate sobre Federalismo e Regime de Colaboração no Brasil, entendendo-
se que os desafios que emanam da experiência com os fundos de natureza contábil têm
contribuído para o provimento de uma agenda transitória para o setor, mas também têm
suscitado a discussão sobre o valor do investimento a ser garantido para se atingir a totalidade
do gasto com a educação básica no País, incitação que deve estar imbricada com as lutas pela
redução das desigualdades entre os entes de poder federado.
153
5.1- Introdução
Este capítulo inicia a parte de análise dos dados coletados na pesquisa. Aborda-se,
inicialmente, o contexto mais amplo do movimento pela gestão sistêmica nos nove estados da
Região Nordeste. Discutiremos as implicações de aspectos socioeconômicos desta Região,
contextualizando as razões que explicam sua atual organização da educação básica. Conforme
temos tratado neste trabalho, as profundas desigualdades socioeconômicas do Brasil impõem
fortes limitações quanto à equalização do atendimento educacional em toda a sua extensão
territorial e populacional. Este fato se reflete na organização da educação, em que se
verificam avanços no processo de democratização em determinados contextos regionais, em
detrimento do retardo de iniciativas de consolidação de espaços democráticos de poder
decisório em outras partes geográficas do País.
Na sequência, sistematizamos e analisamos indicadores de que a criação de sistemas
municipais de educação tem refletido os impactos com que a herança geopolítica Municipal,
em sua inserção regional, ora corrobora com a ampliação da participação social cidadã –
condição imprescindível para o fortalecimento do Poder Local –, ora reedita relações de
mandonismo ostentadas por uma estrutura gestionária centralizada, sob a égide do
protagonismo governista.
Com efeito, a opção pela criação do sistema próprio de educação na esfera local
também acompanha as diferentes condições com que as municipalidades ascenderam ao
status de ente federado, consequentemente, as distintas potencialidades locais para a
viabilização de progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão
financeira em seu âmbito de prioridade.
Finalmente, apresentamos elementos que pontuam homogeneidades e
heterogeneidades no processo de criação dos SME nas capitais de estados nordestinos.
57
Sobre o histórico do atendimento da educação básica na Região Nordeste, ver: INEP. Relatório de Diagnóstico
Regional – Região Nordeste Volumes I, II e III: Brasília, 2006.
156
Observa-se que apenas nos estados de Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte a
população escolar acolhida pela rede municipal é inferior a 50% da totalidade das matrículas.
Na comparação entre as matrículas sob a responsabilidade estadual e municipal em cada
estado nordestino, a constatação é de que no Maranhão, Ceará, Alagoas e Bahia a diferença
do efetivo municipal em relação ao estadual é de mais de 100%. Este fato demonstra a
necessidade de maior atenção ao Regime de Colaboração, principalmente, no interior das
unidades federativas em que há uma relação entre o elevado público assistido pela esfera
municipal e a escassez de recursos na esfera local para atender esta incumbência. Nesta
perspectiva, a implantação do processo de descentralização no setor educacional precisa
eleger como prerrogativa os limites e possibilidades, sobretudo dos Municípios quanto ao
cumprimento de suas competências legais com a educação básica. Tal exigência, conforme
assertiva de Souza e Faria (2003), perpassa a decisão sobre quais desses níveis
governamentais se encontra mais apto a assumir determinadas atribuições, considerando-se
158
Recife
federativo que se vislumbrava nos anos 1980, esta lei não explicita os mecanismos pelos quais
será efetivada a articulação entre os entes federados, nem ainda suscita o movimento tanto de
criação do sistema municipal de educação, quanto de elaboração do Plano Municipal de
Educação, uma vez que tais instrumentos da gestão municipal apenas são instigados a partir
da vigência da LDB/1996, quando as municipalidades recebem nova configuração em relação
aos encargos correspondentes a sua especificidade de atuação nos níveis e modalidades que a
educação passa a ser organizada.
Entretanto, podem-se mencionar importantes consequências decorrentes da Lei
Orgânica do Município (LOM), como a criação dos conselhos escolares nas escolas
municipais do Recife em outubro de 1992 (RECIFE, Lei nº 15.704/92), fato que repercute,
especialmente, os princípios da participação e da gestão democrática, em conformidade com a
Constituição Municipal. Outro aspecto que merece reconhecimento é a indicação, no Art. 135
da Lei Orgânica, de que o Conselho Municipal de Educação (CME), já instituído desde a
década de 1970 no Recife, receberia regulamentação em observância ao novo marco legal
brasileiro, sendo cumprido a partir de emenda preconizada na Lei Municipal nº 16.190/96.
Desta feita, o CME passa a constituir um dos instrumentos, com respaldo na principal
lei Municipal, para elaborar as diretrizes globais da educação no município do Recife, em
conjunto com outras instâncias de participação e controle social. Sua organização formal é
configurada como entidade pública de constituição paritária e participativa, com
representação dos segmentos da sociedade civil vinculados à educação, assegurada sua
autonomia em relação ao Poder Executivo e as entidades mantenedoras das escolas privadas
instaladas no Recife.
Segundo o disposto na Lei Municipal nº 16.190/96, o CME, para fazer cumprir suas
disposições, basear-se-á nas proposições da Conferência Municipal de Educação (COMUDE),
instância da gestão participativa de que trata o artigo 134, § 2º da Lei Municipal nº 15.547/91,
especialmente no que se refere à: a) adoção de normas e medidas para a organização e
funcionamento da educação municipal; b) pronunciação sobre a aplicação anual e plurianual
dos recursos destinados à educação do município, inclusive os provenientes de verbas
estaduais, federais ou internacionais; c) deliberação sobre o regimento e calendário comuns ao
conjunto da rede municipal de ensino; e d) acompanhamento do cumprimento da legislação
160
58
A estrutura, funcionamento e atribuições do Conselho Municipal de Educação - CME encontram-se previstos
em legislação específica e em seu próprio Regimento, aprovado pela Resolução nº 04, de 07 de dezembro de
1999.
59
De acordo com o Art. 4º da Lei Municipal nº 16.768/2002, o Sistema Municipal de Ensino do Recife
compreende: I - a Secretaria Municipal de Educação; II - o Conselho Municipal de Educação; III - As Escolas
Públicas Municipais de Ensino Fundamental; IV - as Instituições de Educação Infantil mantidas pelo Poder
Público Municipal e pela iniciativa privada; e V – as Escolas Públicas Municipais de Ensino Médio.
60
Conforme o disposto no § 2º do Art. 7º da Lei 16.768/2002, os membros do CME terão direito, por sessão a
que comparecerem, a uma gratificação de presença, num total de até 08 (oito) por mês, no valor de R$ 83,00
(oitenta e três reais), que será reajustada na mesma época e no mesmo percentual em que for procedido o
reajustamento da gratificação correspondente ao símbolo DDP, constante da tabela de remuneração da Prefeitura
do Recife.
161
continuada dos agentes do SMER na RPA (Idem, Art. 10, III)61; c) o apoio e estímulo às
iniciativas que visem à melhoria da qualidade do funcionamento dos Conselhos Escolares
(Idem, Art. 10, III, b); e d) a menção à necessidade de mecanismos que possam assegurar a
implementação e exercício da autonomia dos grêmios estudantis em todas as unidades de
ensino do SMER (Idem, Art. 10, VI).
A análise parcial dos dados referentes ao SMER revela duas importantes dimensões a
serem aprofundadas mais adiante. A primeira diz respeito ao fato de que a legislação
educacional do município, ao mesmo tempo em que menciona o regime de colaboração com a
União e o Estado de Pernambuco (LOM, Art. 131 e 134), não se verifica a explicitação, nas
concomitâncias das leis, de mecanismos que permitam tal prerrogativa legal. A Lei de criação
do SMER, por exemplo, não faz qualquer menção ao princípio da cooperação com os demais
sistemas, além de não esclarecer que aspectos da gestão municipal deverão articular-se às
demais esferas administrativas corresponsáveis pela educação ofertada no âmbito do Poder
Local.
A segunda dimensão refere-se à constatação de que os elementos, apresentados em
nível da produção textual do SMER, demonstram a emergência, pelo menos do ponto de vista
formal, de uma perspectiva de gestão resguardada no princípio constitucional que enuncia a
“gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988, Art. 206, VI),
constituindo, por conseguinte, uma narrativa que se repete mediante a ritualização dos
discursos produzidos e reproduzidos no conjunto das leis que versam sobre a gestão do
sistema de educação. Trata-se, conforme ensina Foucault (2006, p. 22), de “discursos que
estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os transformam ou
falam deles, ou seja, os discursos que, indefinidamente, para além de sua formulação, são
ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer”.
Há, no próprio sentido em que inferimos da obra foucaultiana, uma intenção em
considerarmos que a narrativa, ou „discurso fundador‟, que a gestão democrática passa a
exercer no campo educacional apresenta um potencial de ressignificação que transcende a
estrita recorrência desse princípio nos textos que formalizam a organização da educação no
município do Recife. Trata-se da ocorrência dos acontecimentos discursivos no conjunto do
sistema, os quais, “embora ganhem uma coloração específica, um tom coloquial lá onde se
materializam, neles se verifica, de forma significativa, a presença do outro que o pronuncia
distante no espaço e tempo” (GOMES; ANDRADE, 2007, p.8). Esta é a razão pela qual
61
As Comissões Regionais de Educação não se efetivaram e apenas figuram até o presente na letra da lei.
162
atribuiremos igual atenção às práticas sociais, que, ainda sob menção do amparo legal,
provavelmente não se eximem de constituir e constituir-se de novas significações em
conformidade com os interesses que interpelam o campo discursivo em que a gestão da
educação municipal está inserida.
Fortaleza
outro que venha a sucedê-lo; por órgão executivo central a Secretaria Municipal de Educação
ou o que venha a sucedê-la; e por órgãos executivos regionais os Distritos Regionais de
Educação ou, igualmente, seus sucessores.
Faz-se pertinente atribuirmos especial atenção ao caráter do papel exercido pelo CME,
sobretudo quanto à sua autonomia normativa, consultiva, deliberativa, avaliativa e
fiscalizadora em relação ao órgão executivo central, considerando-se, inclusive, que cabe ao
órgão central de educação municipal garantir a estrutura de apoio, recursos humanos e
materiais necessários ao funcionamento do conselho (FORTALEZA, Lei 9.317/2007, Art.
18). No que se refere à descrição de sua competência, merece destaque o detalhamento de
atribuições em que se verifica, além das responsabilidades mais citadas, como propor,
acompanhar e avaliar o desenvolvimento da política pública municipal de educação entre
outras, o poder que CME de Fortaleza acumula para realizar estudos e pesquisas sobre a
educação no Município e divulgar seus resultados, assim como acompanhar, avaliar e emitir
parecer sobre a aplicação dos recursos públicos na área de educação, repassados a entidades
conveniadas bem como manter intercâmbio com os Conselhos Nacional e Estadual de
Educação e conselhos congêneres.
Assim, entendemos que a forma como o texto da Lei de criação do SMEF apresenta o
CME parece querer realçar uma atuação para além do cumprimento de atribuições
estritamente normativas, uma vez que o conjunto de suas competências, mesmo as que já se
reconhece como função inerente às atividades desempenhadas pelos conselhos municipais,
como o acompanhamento e avaliação da aplicação dos recursos financeiros no setor, tem nova
configuração em face da política de financiamento da educação sob a lógica do fundo contábil
no âmbito municipal.
Sobre este aspecto, observamos que o Fundo Municipal de Educação – FME (Idem,
Art. 19), inovação que surge na lei do sistema, em consonância com as exigências do
FUNDEB, é apresentado como parte integrante do Sistema Municipal de Educação, até
mesmo destinando-se à consecução dos programas e projetos relativos à educação, a serem
estabelecidos no Plano Municipal de Educação ((FORTALEZA, Lei 9.441/2008, Art. 21).
Nesse sentido, o que se infere é que o SMEF tem a finalidade de garantir a transparência e a
agilidade dos gastos nessa área e fortalecer a participação da sociedade na garantia, sobretudo,
da oferta com qualidade social dos níveis de ensino Infantil e Fundamental.
Entretanto, o mesmo texto esclarece que o FME é um instrumento financeiro da
Secretaria Municipal de Educação para captação e aplicação de recursos destinados à
execução da Política Municipal de Educação. A redação é ainda mais incisiva quando
164
Teresina
Quanto à instituição do CME por meio da Lei nº 3.058/2001, nota-se uma redação de
caráter estritamente descritivo das funções deste órgão, repetindo a omissão da LOM no que
diz respeito ao papel que essa instância passa a ter, por perspectiva, na conjuntura de gestão
democrática que se quer difundir nesse marco histórico em que tanto a LOM, quanto o CME
são instituídos no município de Teresina, a exemplo da coordenação de conferências
municipais de educação e da elaboração do plano de educação, aspectos contemplados da
redação do Plano Decenal de Educação.
Mesmo não havendo menção ao plano de educação para o município de Teresina em
sua LOM, nem a explicitação de sua consecução como parte da ação colegiada do CME, a
elaboração de políticas educacionais para esta municipalidade é apresentada por meio de seu
Plano Decenal de Educação, que abrange o período de 2003 a 2013 (TERESINA, 2003).
Dentre as principais linhas de políticas pleiteadas no plano, destaca-se a Erradicação do
Analfabetismo, a Universalização do Atendimento da Educação Básica, a Formação para o
Trabalho e o Ensino Superior.
Percebe-se que há manifestação de interesse por atendimento a demandas que
transcendem o espectro de atuação prioritária do Município, fato que reclama,
indubitavelmente, a concretização de estratégias institucionais desenvolvidas – e postas em
prática –, mediante a articulação de ações educativas interinstitucionais, considerando-se a
necessidade de racionalização de recursos materiais e financeiros, bem como da gestão de
pessoas, incluindo-se políticas de valorização de trabalhadores em educação.
Esta concepção é, parcialmente, apresentada pelo plano decenal ao enfatizar a
pretensão do poder público local pela materialização de acordos ou convênios com os
sistemas de educação e instituições da sociedade civil, para a utilização comum de espaços
educativos, como bibliotecas, laboratórios, complexos esportivos, oficinas profissionalizantes,
teatros, museus, bem como o estabelecimento de parcerias com instituições de ensino superior
para oferta de cursos em nível de pós-graduação para professores especialistas em educação,
administradores e de Educação Infantil (TERESINA, 2003).
A presunção de ações pactuadas entre as instituições vinculadas à gestão da educação
no âmbito do Poder Local é coerente com as intenções expostas formalmente quanto ao
atendimento ampliado das demandas educacionais, sobretudo, da perspectiva de valorização
profissional através de políticas de formação continuada. Contudo, a mesma ênfase não se
verifica quando da caracterização do tema financiamento e gestão no Plano Decenal, em que
se verifica tão-somente a referência à garantia de “aplicação dos 30% dos recursos financeiros
167
2º) e as condições em que este evento é materializado. O exemplo que cabe à discussão diz
respeito ao fato de que o CME de Teresina, ao convocar a população para participar da II
Conferência Municipal de Educação, com o tema “Sistema de Educação e Responsabilização
pelos Resultados: a Consolidação da Qualidade”, impõe como condição da participação o
pagamento de inscrição com valores distintos para profissionais e estudantes, equivalentes aos
praticados em eventos de porte nacional.
Conforme matéria publicada no Portal AZ62, a Conferência Municipal de Educação é
apresentada como espaço de discussão das políticas educacionais para o município de
Teresina, com o objetivo de fortalecer as políticas de gestão nas dimensões da participação,
do fazer pedagógico e da aplicação dos recursos financeiros. Na intenção de ratificar esse
cunho político-ideológico com que este evento é concebido, a presidente do CME afirma que
“a Conferência é o espaço para a participação de todos aqueles que se interessam pelos rumos
da educação, e não apenas para profissionais da educação. Queremos promover uma maior
integração entre escola, família e comunidade, visando à formação integral do educando”
(Trecho de entrevista citado pelo Portal AZ, em 09 de junho de 2008).
Há, neste caso, elementos a serem analisados quanto ao tipo de participação, assim
como o caráter de seleção dos sujeitos que estão autorizados a discutir sobre as políticas
educacionais para o município, subtendendo-se que a natureza “propositiva” das conferências
somente logra êxito se corroborar as decisões sobre as prioridades de ação governamental no
setor educacional. A lógica de premiação, em conformidade com a performance demonstrada
por alunos e professores, assim como se verifica em Teresina, constitui parâmetro
fundamental para a focalização das políticas, sobretudo de recompensas tanto para as escolas,
que poderão dispor de maior volume de recursos, quanto para os docentes, que têm sua
possibilidade de mudança de nível salarial atrelada ao seu desempenho em avaliações
realizadas por instituições contratadas pelo poder municipal.
Uma vez que o direito à participação está condicionado às possibilidades individuais
de financiá-lo, a inferência do discurso da gestão democrática não condiz com as expectativas
de que o conjunto da sociedade se faz representar nesse evento com a intenção de defender
projetos sociais, que incluem, inclusive, as vozes daqueles cidadãos que historicamente são
62
Site que se autodenomina “Porta AZ - Notícias de verdade”, com publicações sobre o Estado do Piauí.
169
Natal
será elaborada Lei complementar, definindo a organização desse órgão e suas atribuições, a
ser composto, paritariamente, por representantes da administração, do pessoal do magistério e
de outras entidades representativas da sociedade civil.
Em relação à Lei de criação do Sistema Municipal de Educação de Natal nº 5.339, de
27 de dezembro de 2001, merece ênfase a determinação de que a gestão do sistema potiguar
funcionará em regime de permanente cooperação com os Sistemas Federal e Estadual e
cuidará da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (NATAL, Lei nº 5.339/2001, Art. 2º).
Esta prerrogativa é ratificada tanto na descrição das competências da Secretaria de Educação
– ressaltando-se a exigência de articulação com órgãos do governo estadual e federal em
matéria de política e legislação educacionais –, quanto na apresentação da atuação do CME,
destacando-se a efetivação de intercâmbios com outros colegiados, especialmente, o Conselho
Estadual de Educação.
Algo importante a ser analisado nas práticas sociais exercidas nas relações no interior
do SME de Natal é a materialização das especificidades quanto às competências que são
estabelecidas pela Lei nº 5.339/2001 para a Secretaria Municipal de Educação: elaborar e
coordenar a execução das políticas e diretrizes educacionais para o sistema de educação do
Município; elaborar e coordenar a execução do PME (idem, Art. 6º, I). O CME deve apreciar
e aprovar as políticas e diretrizes educacionais para o Sistema de Educação do Município,
além de apreciar e aprovar o Plano Municipal de Educação (idem, Art. 6º, II).
Da forma como dispõe a lei, a impressão é que cabe à Secretaria o papel de elaborar e
coordenar a execução das políticas e diretrizes educacionais, enquanto que o CME se reserva
à apreciação do que já foi tramitado e deliberado, devendo ser apenas oficializado nessa
instância que, pelo menos formalmente, seja expressa a voz da sociedade organizada de Natal.
Este é também um aspecto que merece ser mais bem averiguado, sobretudo, na perspectiva da
compreensão das formas pelas quais esta lei, que institui a lógica sistêmica de gestão, é
incorporada às práticas discursivas e sociais dos processos gestionários nessa municipalidade.
Com semelhante atenção, entendemos ser necessário averiguar o cumprimento da Lei
Municipal nº 5.708, de 16 de janeiro de 2006, que trata do Regimento Interno do Conselho
Municipal de Educação de Natal. O destaque aqui é para o dispositivo legal (NATAL, Lei nº
5.708/2006, Art. 4º) sobre a consideração do CME como instância que integra a estrutura da
Secretaria Municipal de Educação, com ressalva de que não haverá prejuízo de sua autonomia
técnica e funcional. Essa condição desperta atenção especial ao que destacávamos sobre as
competências da Secretaria e do CME, ainda que observemos uma alteração no regimento do
conselho, preconizando sua atuação na elaboração das políticas e diretrizes para o SME,
171
estabelecendo normas e medidas para seu funcionamento, mas que apenas repete a redação da
lei do sistema em relação ao PME, que é de aprová-lo e, quando for o caso, propor alterações.
No que diz respeito ao PME de Natal, aprovado através da Lei Municipal nº
5.650/2005, a atenção se volta para o estabelecimento de objetivos e metas para o
atendimento aos níveis e modalidades de ensino. Nesse sentido, para o ensino infantil a
perspectiva é de ampliação da oferta de vagas, enquanto para o fundamental é de
universalização, considerando a indissociabilidade entre acesso, permanência e qualidade da
educação escolar. Há, ainda, a explicitação da meta de implantar, gradativamente, o ensino
em tempo integral, como experiência piloto, em escolas da rede municipal de ensino, além de
fortalecer as parcerias entre as instituições públicas e privadas, abrindo espaço à participação
da comunidade em atividades pedagógicas, socioculturais, artísticas e desportivas.
Convém realçar a amplitude das dimensões com que o Plano faz menção em seu
conjunto de metas, contemplando, especialmente, ações correlatas às modalidades de ensino e
à valorização do magistério. Destacam-se, nesse sentido, a perspectiva de integração dos
programas de Educação de Jovens e Adultos a programas de educação profissional, mediante
o estabelecimento de parcerias com instituições governamentais e não-governamentais
(NATAL, 2005, p. 11). Em relação às políticas voltadas para a valorização dos profissionais
de educação, a ênfase é atribuída à formação continuada e à reformulação e implementação do
Plano de Cargos, Carreira e Salários, além da formação inicial e continuada do pessoal
técnico e administrativo (idem, p.15). Ainda sobre os aspectos destacáveis do Plano, registra-
se a meta, também inscrita no regimento do CME, de fortalecer o processo de gestão
democrática por meio da consolidação do Conselho Escolar e do Grêmio Estudantil, mas
também do processo de eleição e formação do gestor escolar (idem, p.16).
Há, portanto, elementos do conjunto dos documentos analisados que apontam a
apropriação de enunciados sobre o paradigma emergente da gestão democrática, sob a lógica
sistêmica, demarcando novos papéis para as instâncias de participação, além da explicitação
da necessidade de articulação entre os entes federados, ainda que se reconheça a exigência de
fazê-lo de forma mais incisiva. É pertinente trazer a memória o fato de que as competências
do CME aparecem de forma distinta nos textos, ora apresentando um caráter de atuação
passível de uma interpretação que o compreende como órgão extensivo da Secretaria de
Educação – ainda que se faça menção a sua autonomia –, ora identificando uma identidade do
conselho em sua acepção colegiada, incumbido da proposição e acompanhamento das
políticas educacionais para o Município. Esse fato suscita a análise sobre o modo como as
instâncias fazem valer sua autonomia em benefício dos fins que se pretende atingir na gestão
172
Salvador
O Município de Salvador não optou pela criação legal de seu sistema próprio de
educação. A expressão “Sistema Municipal de Educação de Salvador” é incorporada aos
textos sobre a gestão educacional nessa municipalidade de forma indiscriminada, referindo-se,
com frequência a sua rede de escolas, não necessariamente ao conjunto de sujeitos coletivos
que compõem político-administrativamente um sistema de educação. Contudo, é pertinente
salientar que a partir da Resolução nº 002/1998, emitida pelo Conselho Municipal de
Educação de Salvador, em conjunto com a Secretaria Municipal da Educação e Cultura
(SMEC), o município realiza uma série de ajustes em sua organização da educação, buscando
enunciar a autonomia local com base nas prerrogativas da LDB/1996.
Destaca-se, a esse respeito, a afirmação pronunciada pela referida resolução de que o
Poder Público Municipal poderá definir as diretrizes gerais de sua Política Educacional,
momento em que há também a explicitação de que, a partir da vigência desta resolução
(06/07/98), os pedidos de autorização, renovação de autorização e credenciamento de
estabelecimentos que forem protocolados no âmbito dessa municipalidade obedecerão às
normas emanadas de seu CME, que deverão respaldar-se na legislação federal e estadual,
prerrogativa que, como se sabe, apenas pode ser cumprida pelo ente municipal que institui seu
SME. Registram-se iniciativas desta proclamação de autonomia Municipal, como: a)
organização escolar em Ciclos de Estudos Básicos – CEB; b) oferta de modalidades de
ensino, sobretudo para o atendimento às pessoas com deficiência; c) definição de critérios
para o processo de avaliação da aprendizagem, com flexibilização para que as escolas possam
optar, em seus regimentos internos, pela progressão continuada; entre outras (SALVADOR,
Resolução nº 002/1998, Art. 3º).
Por não atender ao que se pressupõe por modelo sistêmico de gestão da educação no
município, a referência ao SME no aporte documental não é consubstanciada à explicitação
de questões fundantes sobre essa perspectiva gestionária – como a gestão democrática, a
função das instâncias de participação social no âmbito da educação no Município – ao
mecanismo de escolha de gestores escolares, dentre outros temas que têm sido enfatizados por
outros municípios quando da formalização de seus sistemas.
173
63
O Fundo Municipal de Educação foi criado pelo Decreto nº 11.236 de 02 de fevereiro de 1996. De acordo com
seu Art. 1º, o Fundo tem a finalidade de propiciar apoio e suporte financeiros à implantação de programas e
projetos educacionais no âmbito municipal.
64
De acordo com seu regulamento, o FME tem contabilidade própria e autonomia financeira, sendo suas contas
submetidas à apreciação do Tribunal de Contas do Município, devendo ser administrado por um Gestor a ser
designado pelo titular da Secretaria Municipal da Educação e Cultura e nomeado pelo Chefe do Poder Executivo,
ficando diretamente subordinado ao Secretário Municipal da Educação e Cultura.
175
65
O pacto direto entre gestores é exemplificado pelo caráter com que a consecução dos programas relacionados
no PME independe da existência do sistema municipal. São eles: Bolsa-família, Programa Nacional de
Alimentação Escolar - PNAE, Plano Nacional de Alfabetização Tecnológica - PNAT, Programa Nacional do
Livro Didático - PNLD, Programa de Dinheiro Direto na Escola - PDDE, Programa Nacional de Qualidade
Ambiental - PNQA/PNAE – Quilombola, O Programa Nacional de Inclusão de Jovem, Educação, Qualificação e
Ação Comunitária – PROJOVEM, Programa Brasil Alfabetizado, Programa de Capacitação a Distância para
Gestores Escolares - PROGESTÃO, Programa Escola Aberta, Programa de Formação Inicial para Professores
em Exercício na Educação Infantil – PROINFANTIL.
177
Aracaju
66
Entre esses problemas, cita-se um déficit significativo no quadro de professores e de pessoal de apoio e
segurança escolar. O levantamento estatístico procedido durante o processo de elaboração do PME revelou que
faltavam 116 professores de 5ª a 8ª séries, 400 professores de educação infantil, 227 vice-diretores e 656
coordenadores pedagógicos, 550 merendeiras, 1.376 auxiliares de serviços e 277 porteiros.
67
Fica assegurada, através do Art. 319 da LOM/1990 de Aracaju, a participação de todos os segmentos sociais
envolvidos no processo educacional do Município, quando da elaboração do Orçamento Municipal de Educação.
178
68
A Lei Municipal nº 2.582/1998 dispõe que o SME de Aracaju compreende: a) as instituições de ensino
fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público Municipal; b) as instituições de
educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada; e c) os órgãos municipais de educação. Esta lei
também faculta ao SME, sempre que as partes entenderem necessário, conveniar com o Governo do Estado de
Sergipe para operar em rede única com as escolas estaduais de ensino fundamental e de educação infantil
existentes no Município de Aracaju.
179
perspectiva de gestão que pretende manter-se sob a guarda da lógica verticalizada das
relações, incorporando-se termos como integração entre planos educacionais, colaboração
entre entes, e autonomia para baixar normas para o SME, como forma de ajustar o discurso da
gestão ao texto primeiro já reeditado pelo Marco Legal, quando este identifica a forma
sistêmica com a bandeira da democratização da gestão da educação pública.
Tem-se ainda a constatação de que a Lei do sistema não estabelece as atribuições do
CME, não trata da elaboração do PME, nem menciona a realização de conferências
municipais de educação. Desta feita, o que fica perceptível é que a formalidade de criação do
SME nessa municipalidade não emana de um processo de fortalecimento do Poder Local, mas
de um ajuste na forma de apresentar a gestão sem que suas práticas sociais sejam modificadas.
João Pessoa
propostas que emanam deste evento, fazendo valer o exercício da autonomia do Poder Local
para a avaliação e prospecção da gestão educacional.
Com a criação do Sistema Municipal de Educação de João Pessoa, através da Lei
Municipal nº 8.996, de 27 de dezembro de 1999, o CME recebe regulamentação, ampliando
as suas responsabilidades em relação ao espectro de sua atuação, passando a acumular as
funções propositiva, consultiva, fiscalizadora, mobilizadora, deliberativa e normativa. O
texto realça também sua relevância como órgão mediador entre a Sociedade Civil e o
Governo Municipal na discussão, elaboração e implementação das políticas municipais de
educação, da gestão democrática da educação pública e da defesa da educação de qualidade
para todos.
É coerente reconhecer que a institucionalização do sistema próprio de educação exerce
forte influência na organização da educação em João Pessoa, pelo menos do ponto de vista
formal. Constata-se que a lei do sistema, nove anos após a promulgação da LOM, redefine,
além das funções do CME, o papel estratégico da Conferência Municipal de Educação, assim
como as atribuições da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes desse Município como
parte integrante do sistema.
Credita-se legalmente ao Sistema Municipal de Educação de João Pessoa as
incumbências de organizar, executar, manter, orientar, coordenar e controlar as atividades do
poder público, ligadas à educação municipal, respaldando-se no Plano Municipal de
Educação, na observância da Legislação educacional, nas deliberações das Conferências e nas
decisões dos conselhos municipais ligados à Educação. Contudo, esse pronunciamento não
recebe a devida atenção no corpo do texto, razão pela qual parte considerável do que se
poderia tratar como avanço – como, por exemplo, a explicitação de como será levado a efeito
o princípio da gestão democrática, assim como as estratégias para a valorização da atividade e
carreira do docente, entre outros – não é regulamentada, reeditando a mesma superficialidade
com que esses temas são tratados nas leis federais.
Além disso, não houve na fase posterior a criação do sistema de elaboração imediata
do Plano Municipal de Educação. Assim, o que se enuncia como respaldo para a gestão
sistêmica não atinge concretude. Tem-se ainda o agravante da não realização das conferências
municipais de educação, espaço imprescindível para a interlocução entre a sociedade civil e o
governo. Tais lacunas impõem fortes limitações à efetivação do modelo sistêmico nessa
municipalidade, uma vez que sua opção por essa forma de gestão está imbricada com a
existência de um plano educacional, ao mesmo tempo em que esse mantém relação de
181
Maceió
69
O PME de Maceió, mesmo constando nas requisições da Lei do SME (2001) e na LOM (2003) desse
Município, apenas teve seu projeto encaminhado pelo prefeito em setembro de 2010.
183
São Luís
demais entes de poder federado. O município não instituiu seu PME, assim como não se
verifica qualquer menção à sua adesão ao sistema de educação estadual, já que, na ausência de
sistema próprio, o Município necessariamente fica sob a tutela desse ente.
Até 2009, o município também não havia realizado sua conferência municipal de
educação. Sua primeira experiência atendeu estritamente as exigências do MEC, com a
incorporação dos mesmos pontos elencados para a pauta da CONAE/2010, algo que não seria
estranho, caso o Município estabelecesse uma correlação com sua realidade educacional,
prerrogativa que não pôde ser atendida em face da inoperância das instâncias de participação
social quanto à realização da diagnose e à prospecção de metas e estratégias específicas para a
educação pública de São Luís.
atuação de seu CME, uma vez que, nessas condições, o CEE é quem assume as funções de
autorização, credenciamento e acompanhamento das unidades educacionais instituídas na
esfera local. Já em Salvador, como observamos, mesmo sem a formalização de seu sistema
próprio, a LOM, assim como o regimento do CME, utilizam a expressão sistema municipal de
educação como se este fosse instituído tacitamente pelo Marco Legal. Apenas o PME pondera
que Salvador não possui um SME legalizado, mas que a consonância com as leis vigentes lhe
confere legitimidade como tal.
Há semelhança entre esses dois municípios quanto ao fraco papel do Poder Local, fato
que se constata pela centralidade exercida pelo Governo Local na determinação da agenda
política Municipal, registrando-se a edição de textos que apresentam a Política Educacional
datada para o período de vigência do governo no poder, sem que haja a constituição de fóruns
com participação paritária entre governo e sociedade civil.
Os municípios de João Pessoa e Fortaleza citam já em suas leis orgânicas a
incumbência Municipal de regulamentar o SME, prescrição cumprida a posteriori, enquanto
Aracaju, Maceió, Natal, Recife e Teresina definem a sua opção pela gestão sistêmica por meio
de promulgação em lei própria. É oportuno reconhecer que o momento em que as leis
orgânicas foram instituídas, todas elas em 1990, o amparo legal da CF/1988 tanto permitia a
interpretação de que não se estendia aos municípios a competência para legislar em matéria de
educação – prerrogativa privativa da União (CF/1988, Art. 22) ou concorrente entre União e
estados (Ar. 23 e 24), que não garantia, portanto, competência ao município para instituir seu
sistema próprio de educação – quanto pode ser inferida tal permissão, uma vez que a mesma
Carta Magna, em seu art. 211, estabelece que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios organizarão, em regime de colaboração, os seus sistemas de ensino”.
Concordamos com a apreciação de Saviani (1999) sobre essa matéria, sobretudo
quando o autor conclui que “já não pairam dúvidas, à luz do texto da LDB/1996, quanto à
competência legal dos municípios para instituir os respectivos sistemas de ensino. A questão
que se põe, agora, diz respeito às condições para a sua efetivação” (SAVIANI, 1999, p. 124).
Como se sabe, as leis federais não esmiúçam o que se entende por gestão sistêmica, nem as
formas pelas quais seu funcionamento corroborará o cumprimento dos princípios
democráticos da gestão pública.
É por essa razão que cada lei de criação do sistema expõe particularidades quanto às
condições pelas quais pretende efetivar essa perspectiva de gestão. Desse modo, há casos em
que os princípios que fundamentam a relação sistêmica são tratados de forma superficial, sem
o aprofundamento semântico-pragmático necessário, assim como se constata na instituição do
186
SME em João Pessoa e também em Maceió, uma vez que o texto faz menção às incumbências
do sistema, além de referir-se às deliberações das Conferências e ao PME como balizador
desse processo, sem, contudo, serem feitas as considerações sobre como tais etapas e relações
serão orquestradas.
Tal superficialidade é ainda enfática nos casos de Teresina, em que se tem um texto
tão restrito, que apenas afirma a opção do município pela criação de seu sistema, assim como
Aracaju, que deixa de fora referências fundamentais, como atribuições do CME, a elaboração
do PME e a realização de conferências municipais de educação ou outro espaço semelhante
de interlocução entre os representantes do governo e os da sociedade civil organizada. Apesar
dessas limitações textuais, o contexto da prática pode revelar experiências bem sucedidas de
gestão democrática nesses municípios. Contudo, o que o conjunto dos documentos indica é
que o sistema foi instituído sem a correlata instituição de uma nova postura gestionária. Na
realidade, o que fica omisso é justamente o que se espera ser explicitado com a gestão
sistêmica, que diz respeito à presença do Poder Local na democratização das relações de
poder que perpassam a gestão da educação na esfera Municipal.
Há, no entanto, uma construção textual mais ampliada nas leis de criação do SME em
Fortaleza, Natal e Recife. No primeiro caso, o processo de instituição do sistema de educação
é engendrado pari passu com a definição do que aqui estamos tratando como elementos
imprescindíveis a essa lógica de gestão, como, por exemplo, a criação e/ou redefinição de
órgãos normativos e executivos, além da elaboração ou requisição legal do PME e do Fundo
Municipal de Educação. Em relação ao município de Natal, além de a lei estabelecer as
atribuições das instâncias que compõem seu SME, também induziu a elaboração do PME, a
reformulação do CME e a regulamentação do plano de valorização dos profissionais do
magistério, recomendações que foram integralmente cumpridas logo nos anos iniciais da
vigência do sistema.
Por fim, em Recife o sistema é criado no bojo de um processo de construção de uma
cultura democrática com que esta cidade é reconhecida nacionalmente, uma vez que a criação
das instâncias que compõem a gestão sistêmica teve seu processo iniciado ainda na década de
1970, como é o caso do CME, além da realização de conferências de educação e da instituição
de conselhos escolares desde o início da década de 1990. Por conseguinte, o texto legal que
cria o SME nesta municipalidade, apesar de mencionar as atribuições de suas partes
constituintes, cada uma delas já possui respaldo legal específico, salvo o PME, que foi
incorporado ao texto do SME, mas que também foi indicado para ser construído por meio da
participação do conjunto dos sujeitos coletivos.
187
A organização do SME nesses três últimos municípios revela sua imbricação com o
processo mais amplo de valorização do Poder Local, através da institucionalização de espaços
de poder decisório, ocupados de forma paritária entre os representantes do governo local e os
setores representativos da sociedade organizada. Esse movimento, conforme as considerações
de Dowbor (2008, p. 79-80), envolvem “alterações no sistema de organização da informação,
reforço da capacidade administrativa, e um amplo trabalho de formação tanto na comunidade
como na própria máquina administrativa. Trata-se, portanto, de um esforço do município
sobre si mesmo”.
Analisaremos esses aspectos no capítulo a seguir, aprofundando o estudo sobre os
sistemas de educação instituídos nos municípios de Recife e Fortaleza. Aspectos como o
reforço da capacidade administrativa e a organização da sociedade civil serão abordados a
partir da categorização de dados extraídos das práticas sociais e discursivas dos sujeitos que
compartilham da gestão da educação dessas municipalidades.
188
6.1- Introdução
Dos 184 municípios pernambucanos, 154 (83,7%) possuem CME, ao passo que 33
deles instituíram seus sistemas próprios de educação, o que corresponde a 17,9% do total.
Conforme se apresenta no gráfico a seguir, a partir do ano 2000 houve maior intensidade de
criação de sistemas.
Gráfico 6.1: Tempo de criação dos SME em Pernambuco
relação à gestão democrática das escolas, constata-se que em 63% dos 33 municípios a lei do
SME dispõe sobre sua regulamentação. Cabe ainda acrescentar que das 33 leis analisadas,
apenas 21% fazem menção ao tema, e 16% sequer se referem à questão. Já a incumbência de
supervisionar as escolas privadas que oferecem Educação Infantil no âmbito do município é
assumida, pelo menos formalmente, por apenas 29%.
Observa-se que há menor avanço na composição dos requisitos da gestão sistêmica no
que se refere à elaboração do PME e quanto à atuação do CME na supervisão das escolas
privadas com matrículas na Educação Infantil. Sobre tal quadro, pudemos constatar em nossas
observações e registros, a partir de visitas in loco, que a estrutura deficitária dos CME, a
pouca disponibilidade de espaços para trabalho e falta de condições objetivas para a atuação
dos conselheiros podem ser apontadas como principais entraves 70.
A realidade é que os CME ainda se encontram sob a tutela gestionária das secretarias
municipais de educação, uma vez que, para cumprir suas funções regimentais, inclusive de
fiscalização e controle social, precisam requisitar de quem é responsável pelo campo sob
fiscalização as condições para realizá-las. As dificuldades do CME para uma atuação em
consonância com o que se tem por perspectiva de sua ação autônoma no SME reduzem
também sua capacidade de incumbir-se da mobilização social, inclusive de se
corresponsabilizar pela realização de COMUDE, que, como se verifica no gráfico, tem sido
realizada em apenas 50% dos municípios da amostra.
Outro aspecto que se relaciona à expectativa da gestão sistêmica no Município é a
definição sobre a forma de escolha dos dirigentes escolares. As opções que vigoram
atualmente nos municípios pesquisados estão apresentadas no gráfico a seguir.
70
Somam-se a isso as limitações pessoais dos conselheiros quanto ao autofinanciamento para participação das
atividades do CME, inclusive para deslocamento para a sede do CME, que, em muitos casos, fica às custas do
próprio conselheiro. Cabe ressaltar que em apenas 25% dos municípios verificou-se a regulamentação do
pagamento de jetom ou equivalente aos conselheiros municipais de educação.
192
O sistema municipal de educação no município do Recife foi efetivado por meio de lei
própria em 2002 (RECIFE, Lei nº 16.768/2002), assim como já apresentamos no capítulo
anterior. Contudo, o nascedouro e desenvolvimento de sua construção têm sido creditados a
importantes etapas da história da cidade e, sobretudo, aos movimentos que se referem à
redemocratização do País pós-regime militar. Elementos como o empoderamento da
população e a altivez do povo recifense, quanto à mobilização social, e a capacidade de
representatividade em instâncias com poder decisório são enfaticamente referidos nos textos e
depoimentos dos sujeitos sociais envolvidos com a gestão da educação municipal como razão
que justifica a opção pela forma sistêmica nesta municipalidade. Desta feita, iniciaremos a
abordagem desta etapa da tese pela historicidade de aspectos que identificam
sociopoliticamente o Recife, mas que também são incorporados direta ou indiretamente à
instituição do seu sistema de educação.
Recife ocupa uma área territorial de 219 Km2, constituída por seis Regiões Político-
Administrativas, e uma população integralmente urbana de 1.536.934 habitantes,
correspondendo a 17,5% da população do estado de Pernambuco. As principais atividades
econômicas da cidade são o comércio, a rede de serviços, o turismo e a indústria. O município
abriga diversas empresas em seu Porto Digital, considerado um dos mais importantes pólos de
tecnologias da informação do Brasil em quantidade de empresas e faturamento71.
O pólo médico, um dos mais importantes do Brasil – sendo a grande referência do
Norte/Nordeste –, representa bem o conjunto dos serviços que integram a força econômica do
Recife. O setor industrial inclui importantes atividades que corroboram o desenvolvimento
local, a exemplo da indústria de construção civil, que garante grande parcela de empregos,
além de colocar a cidade no circuito das capitais com destacável presença de arranha-céus
residenciais e comerciais.
71
Conforme dados do Ministério das Cidades, o Porto Digital, criado em 2001, constitui uma iniciativa de
desenvolvimento econômico baseado no segmento de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), pioneira
em sua natureza, promovida pelo Governo do Estado de Pernambuco, em parceria com órgãos de fomento,
universidades e empresas do setor privado. Entre as principais competências desenvolvidas no Arranjo Produtivo
Local estão as soluções para web/based, outsourcing, biometria, segurança da informação, infraestrutura de TI,
mobilidade/wi-fi, educação a distância, games (Vide: http://www.cidades.gov.br/secretarias-
nacionais/programas-urbanos/biblioteca/reabilitacao-de-areas-urbanas-centrais/publicacoes-
institucionais/PortoDigitalRecifePE.pdf/view).
194
72
Tomamos de empréstimo a ponderação de Chauí de que, “ao falarmos em mito, nós tomamos não apenas no
sentido etimológico de narração pública de feitos lendários da comunidade (isto é, no sentido grego da palavra
mythos), mas também no sentido antropológico, no qual essa narrativa é a solução imaginária para tensões,
conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade” (CHAUÍ,
2007, p. 9).
73
Movimento que põe fim aos 24 anos de domínio holandês. Na Campina do Taborda, pernambucanos e
holandeses, depois das duas memoráveis batalhas dos montes Guararapes, assinam a capitulação no dia 23 de
janeiro de 1654.
74
Merece nota, ainda, a Revolução Praieira, irrompida em 1848 e organizada pelo partido liberal, composto dos
“praieiros”. Dentre seus protagonistas, Nunes Machado entra para a História por ter morrido bravamente em
combate. Inclui-se também o nome de Joaquim Nabuco (1849-1910), abolicionista, lembrado por sua atuação
como defensor da libertação dos escravos.
75
O MCP foi criado em 1961 por um grupo de intelectuais e artistas pernambucanos, na primeira gestão de
Miguel Arraes como prefeito de Recife. Assumiu inovadoramente o conceito de cultura popular como chave
para o trabalho com a população pobre, por meio de escolas para crianças, alfabetização de adultos, praças e
núcleos de cultura. Revitalizou as festas folclóricas e teve expressiva atuação no teatro e cinema. Seu Livro de
Leitura para Adultos renovou radicalmente o material didático da época. Sediou a primeira experiência do
195
Sistema Paulo Freire, no Centro Dona Olegarinha, em 1962, e o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura
Popular, promovido pelo MEC, em 1963.
76
O Programa OP surgiu em 2001. Seus organizadores autointitulam a proposta como radicalmente
democrática, difundindo o discurso do resgate da cidadania do povo, da criação de uma esfera pública não
estatal, da cogestão da Cidade, do controle social sobre o estado, da participação universal, da
autorregulamentação do processo e da transparência administrativa.
196
compromisso com a participação e o controle social, mas também silencia enunciações que
podem revelar interesses particulares de grupos com maior influência na definição da agenda
político-administrativa da cidade.
O processo de construção e consolidação do SMER se encontra enredado nesse
entrelace enunciativo, razão pela qual recorremos aos fatos empíricos que compõem o espaço
discursivo da gestão da educação no município, assim como apresentada mais adiante77.
Quanto à contextualização da estrutura educacional, tem-se o registro de que estão
matriculados na Educação Básica no Recife 358.821 estudantes, distribuídos por níveis de
ensino de acordo com o gráfico a seguir.
77
O SMEF/2002 foi criado no primeiro mandato (2001-2004) do ex-prefeito João Paulo de Lima e Silva (PT).
197
São ao todo 951 escolas em funcionamento para atender a essa demanda, distribuídas
entre a rede municipal e a rede privada que compõem o SMER, assim como se apresenta no
próximo gráfico.
Das 417 escolas mantidas pela prefeitura municipal, 234 são destinadas ao ensino
Fundamental e 183 à Educação Infantil, enquanto a rede privada mantém 534 escolas, sendo,
assim, proprietária de 74% das escolas que atendem especificamente a esse nível de ensino.
A partir de 2002 a organização do ensino nos níveis Infantil e Fundamental da rede
municipal passou a ser por Ciclos de Aprendizagem, distribuídos em conformidade com a
seguinte estrutura78:
78
A proposta de ciclos de aprendizagem foi lançada no âmbito do município do Recife em 2002, no bojo da
criação do SMER. Após estudo sobre a proposta pedagógica do Recife (2002), Machado e Aniceto (2010)
ressaltam a questão dos ciclos, salientando que estes têm como base a reorganização do espaço, tempo escolar e
da prática pedagógica, num processo contínuo, respeitando a diversidade e os diferentes tempos dos alunos para
aprender. Considera o ritmo de aprendizagem de cada um e advoga que a avaliação deve ser realizada de forma
dinâmica, contínua e processual.
198
79
Os grifos em itálico nos trechos de entrevistas, que apresentaremos ao longo desta seção e da próxima, são
nossos e têm o objetivo de salientar determinados elementos das falas.
199
práticas discursivas. Cabe ressaltar que os enunciados que constituem o discurso externado
pela ex-Secretária Municipal de Educação – tal como se observa na menção à cultura política
de Recife, e, nesta mesma ordem, a cara da cidade sendo retratada como espaço de lutas
permanentes de conquista do poder – realçam a relação entre os objetos de que estamos
tratando, uma vez que esse sujeito quer difundir uma premissa incontestável sobre a
qualificação desta municipalidade para a consolidação do modelo sistêmico, sobretudo no que
concerne a sua capacidade para a negociação com os outros sistemas.
Com efeito, a regularidade que se observa no conteúdo dos enunciados reflete a
intenção de naturalizar a perspectiva da democratização da gestão como virtude intrínseca à
cidade, colocando-se, inclusive, independente da normatização. Esse fato é notado quando se
constatam divergências entre a concepção de planejamento, autonomia e colaboração que está
inscrita no discurso apresentado como texto fundador do modelo sistêmico na educação e nas
práticas sociais em que se percebem as inflexões quando da execução das políticas
educacionais.
Os trechos dos depoimentos que apresentaremos na sequência incorporam essa
identidade historicamente assumida pelo Recife como elemento explicativo da naturalidade
com que o SMER foi construído, e que também parece credenciar esta municipalidade a fazer
valer as expectativas que se lançam a partir do advento da forma de gestão sistêmica. O
primeiro trecho foi produzido por uma ex-gestora que exerceu a titularidade da secretaria
municipal de educação no período em que o sistema foi criado.
Na gestão de João Paulo, ele encontrou toda uma história e toda uma
reforma iniciada em 1986, que criava as bases para a criação do sistema
municipal de educação. Na verdade, o sistema municipal de educação vem
enquanto lei, apenas (...), traduzindo os marcos regulatórios de um processo
que tinha sido iniciado em 1986, pela linha de gestão, tanto no período de
1986 como período de 2000, que era um momento histórico voltado para o
emponderamento da população (Ex-Secretária Municipal de Educação do
Recife; 1986-1988; 1993-1996; 2001-2004).
80
A Fundação Guararapes, criada em 1964 pelo Golpe Militar, substitui o MCP. A educação recifense é
redirecionada para atender os objetivos dos novos donos do poder, podendo ser considerada como espaço de
consolidação dos apadrinhamentos para os que ali tinham acesso. As decisões eram encaminhadas numa relação
direta entre o presidente da Fundação e o prefeito, sem necessariamente passar pela Secretaria Municipal de
Educação.
201
o sistema próprio viabiliza a ter mais autonomia dos municípios nas suas
políticas públicas. Agora, em termos de projetos, a gente faz a unidade. Tem
que saber que lá naquele município existe não mais um que é o Estado,
existe uma unidade. O filho que é do município também é do Estado. E que
essa colaboração tem que ser de forma organizada (Gestor da
GAM/SEDUC).
Apesar de reconhecer a relevância da criação dos SME, este gestor, que desenvolve a
função de articulação entre os sistemas estadual e os municipais de educação em Pernambuco,
pondera que o tratamento do Estado com os municípios, quanto ao exercício da colaboração,
por exemplo, independe da existência ou não de sistema no ente Municipal. Em relação a este
tema, um representante do MEC faz o seguinte comentário:
suas relações com o ente Municipal, prerrogativa que, como se observa nos depoimentos
anteriores, não tem sido considerada, assim como do nível local reclama-se a iniciativa de
explicitar os componentes do sistema municipal que refletem a autonomia desse âmbito
administrativo no campo educacional.
Ambas as requisições ainda carecem de maior atenção pelos três níveis de poder
federado. Contudo, a segunda suscita maior urgência, uma vez que grande parte dos
municípios entende que seus sistemas já estão tacitamente criados pelo disposto na
Constituição Federal/ 1988 (Art. 211, §4º) e pela LBB/1996 (Art. 8º). Desta feita, dispensam
o procedimento de formalização do SME em lei Municipal. As falas de diferentes sujeitos da
pesquisa permitem tal interpretação, assim como se apresenta nos seguintes trechos extraídos
de entrevistas:
[…] o sistema, de certa forma, ele já passa a existir a partir da LDB. Ele já
aponta a autonomia do Município enquanto sistema. Ele só não normatiza
alguns aspectos quanto às atribuições em regime de cooperações. Em Recife,
na verdade, não houve tanta alteração. O CME é constituído desde 1971. [...]
Em relação a essa questão do conselho municipal, o que muda no sistema
municipal de Recife é muito mais na questão da normatização. Mas a
constituição já garantia antes, porque poderia ser feito por um órgão da
própria secretaria. A LDB aponta para a questão dos conselhos, inclusive
como órgãos normatizadores dos sistemas. Não condiciona: o sistema tem
que ter o conselho! Mas é, digamos assim, uma direção dada e que foi feita
na prática, onde existem conselhos, sejam os conselhos municipais ou
estaduais, eles sejam os órgãos normatizadores do sistema (Assessor da
SEE/Recife; 2006-).
Teoricamente eles são criados por uma lei bem maior. Mas a gente sabe que
nesta lei do sistema, muito mais do que falar quais são os elementos que
compõem o sistema, não precisa falar, até porque a LDB já fala quais são
esses elementos. Mas eu acho que deve ser dito, acima de tudo, como eles se
relacionam, como eles se articulam, como o sistema municipal, através do
regime de colaboração, compartilha algumas ações voltadas para o mesmo
ciclo (Presidente do CME/PE; 2009-).
Em outro trecho da mesma entrevista, essa depoente ainda destaca que é a partir da
organização do sistema em uma lei municipal que se deve tecer considerações sobre os
componentes do SME, sobretudo a função que cada órgão ou instância de participação
exercerá no modelo de gestão sistêmica:
na hora que você organiza o sistema você vai debruçar-se na lei. O sistema
se compõe de quê? Numa Secretaria de Educação, num órgão do executivo...
Então, vai amadurecer: quem será esse órgão normativo? É a própria
secretaria? O conselho abre o espaço para que a sociedade entre nessa
discussão de autorização. Quando você cria o sistema, surge a necessidade
de todos esses elementos. Como é que a secretaria viabiliza o que ela diz que
é de sua competência? Através do plano! Então, é através de um plano que
ela tem as suas ações. Então eu chamo de a lei da organização. É para dizer,
assim, que tipo de secretaria é essa. Quais são os princípios que regem as
escolas públicas, não as escolas privadas, porque as escolas privadas fazem
parte do sistema, mas não fazem parte da rede. A rede são escolas mantidas
pelo poder público. Então, nessa lei tem que dizer justamente que secretaria
é essa, qual o papel de uma secretaria dentro de um sistema, qual o papel de
um conselho. Por exemplo, não tem lei nenhuma dizendo que o conselho é
um órgão normativo. Mas, se você for..., não tem na LDB, porque faltou.
Aliás, não faltou só do conselho municipal, faltou do conselho estadual. Lá
diz que os sistemas normatizarão, os sistemas autorizarão, credenciarão e
supervisionarão suas escolas. É como se os municípios de fato estivessem
assumindo uma titularidade que eles obtiveram com a constituição. Ele é
titular da educação de seu sistema (Presidente do CME/PE; 2009-).
nós UNCME, como instituição, defendemos que exista uma lei específica.
Uma lei do Município que diga como é que o sistema funcionará. Porque
aqui tem o sistema... Mas, como é que o sistema vai funcionar naquele
município? Por exemplo, como as escolas desse município defendem a
gestão democrática? Como se expressa concretamente? É através de toda
escola municipal ter um conselho escolar? É através de a escolha do diretor
ser por eleição? Quer dizer, isso é uma autonomia do município dizer. Dizer
que está criado na lei é bom do ponto de vista jurídico. Agora, vamos
verificar na prática. Acontece alguma mudança só porque está na
Constituição? Não acontece mudança de jeito nenhum! (Presidente da
UNCME/PE; 2008-).
Essa fala retoma a questão da normatização do que constituirá a ação sistêmica, com
especial atenção aos mecanismos de democratização da gestão escolar (instituição de
conselhos escolares em todas as unidades de ensino, escolha do dirigente escolar por meio de
eleições diretas). Faz-se pertinente salientar que sua interjeição de que não acontece mudança
de jeito nenhum, pelo fato de o sistema constar na Constituição Federal, assume a postura de
defesa do SME, não como carta declarativa da autonomia do governo municipal em relação à
Política Educacional no Município, mas como forma de gestão sistematizada legalmente
quanto à sua perspectiva de ampliação dos espaços de poder decisório.
Direta ou indiretamente, os depoimentos apresentados consideram que a lei do SME
deve ocupar-se da titularidade do Poder Local quanto às questões da educação no Município.
Há de se convir que a Constituição Federal de 1988 reconhece a possibilidade da instituição
do SME, mas não diz como este será operacionalizado. Nesse sentido, torna-se procedente o
argumento de que essa lacuna deve ser preenchida necessariamente por uma lei própria do
Município. É através desta que ações como a autorização, o credenciamento e o
acompanhamento da qualidade da educação das escolas – assim como o compromisso com a
colaboração entre sistemas e a materialização dos princípios da gestão democrática – passam
a fazer parte legalmente das incumbências específicas de cada instância vinculada à gestão da
educação municipal, não apenas de seu órgão executor.
206
legitimidade que a existência do sistema pode conferir à esfera local. Assim, o modo como
observa (assimila) o modelo de gestão sistêmica tem como traço característico (perspectiva
de ação) que as normas são forjadas segundo a idiossincrasia governamental, não se tratando,
portanto, de construção que passa necessariamente pelo crivo do conjunto dos segmentos
representados no sistema.
Os próximos trechos de entrevistas tematizam os impactos que os sujeitos da pesquisa
consideram a respeito da opção pela instituição do SME na gestão da educação do Recife,
considerando aspectos para além do ato de criação da lei. As falas serão apresentadas na
sequência temporal em que os sujeitos ocuparam a gestão da Secretaria de Educação e a
presidência do CME do Recife a partir do advento do sistema. O primeiro extrato reflete o
entendimento da ex-secretária municipal de educação, que exerceu a função no período do
surgimento do SMER.
Quando a gente pensou em formalizar a lei, tinha claro que deveria ter um
capítulo, como tem, da gestão democrática e, para esse governo, naquele
momento, o que era uma gestão democrática? Era ter, pode até ter outros,
mas era fazer a conferência municipal de educação; a gente queria, no caso
específico da gente, criar as comissões regionais. Como a rede é muito
ampla, as comissões regionais teriam um papel de cada região ter seu
representante, com eleição paritária também para as comissões regionais;
acompanhar e avaliar a qualidade do ensino, para a gente fazia parte de
uma gestão democrática. Não basta o gestor dizer que a educação está boa,
mas a gente tem que ter uma forma de avaliar se isso está acontecendo.
Acompanhar os conselhos escolares […], inclusive foi dada formação para
os conselheiros escolares. Quer dizer, a gente não pensou que gestão
democrática passasse somente pela eleição do dirigente. Então, e o
município que não aderiu ao sistema? Ele está submetido ao Estado! Então,
81
A implantação da Proposta de Ciclos de Aprendizagem (2002), assim como a realização de COMUDE (2002;
2004), são exemplos de iniciativas da gestão que não envolveram, em seu planejamento e/ou execução a
participação de sujeitos coletivos, como o Conselho Escolar. Além disso, as proposições das COMUDE não são
perceptíveis na agenda programática das políticas públicas, uma vez que se desconhece até mesmo a
sistematização desses eventos (Vide: ANDRADE, 2007).
209
se não é o município que decide, ele tem que consultar o Estado sobre
determinadas questões. Como proceder em determinadas questões (Ex-
presidente do CME/Recife; 2001-2002).
Note-se que a fala dessa ex-presidente do CME se confunde com o próprio tom
discursivo da gestão82. A entrevistada parece se incorporar ao que se apresenta como gestão
democrática para esse governo, naquele momento. Ainda que essa entrevista tenha acontecido
sete anos após os fatos narrados, ela não fez qualquer menção no conjunto de sua fala ao
impacto diminuto que a conferência municipal de educação exerceu quanto à orientação das
ações da gestão, nem mesmo ponderou-se o fato de que as comissões regionais tenham sido
criadas no texto da lei do sistema, mas que jamais exerceram suas funções, inclusive porque
não houve a devida atenção por parte da Secretaria de Educação e, sobretudo, do CME.
Há ainda a menção feita ao acompanhamento e formação dos conselheiros escolares –
ação desenvolvida pela Secretaria de Educação em parceria com uma ONG –, mas que é
incorporada como se fizesse parte das ações do CME, ou que este constituísse parte integrante
da Secretaria de Educação, não do sistema. Dos aspectos destacados no trecho sob análise, a
proposta de eleição para dirigentes escolares foi a que logrou maior êxito, tendo sido
normatizada a posteriori pelo executivo, ainda que recentemente (2009/2010) tenha sofrido
abalos quanto à sua permanência.
A entrevistada a seguir tece sua consideração, com referência especial ao período de
sua gestão à frente da Secretaria de Educação (2005-2008):
Dois aspectos são evidenciados nesse discurso. O primeiro é sobre a dinâmica que o
sistema suscita na gestão, especialmente por parte da Secretaria de Educação. O segundo é
referente à sua importância como mecanismo de viabilização do regime de colaboração. Faz-
82
Cabe ressaltar que este sujeito da pesquisa mantinha estreita relação partidária com a gestão, passando a
integrá-la diretamente, com função gerencial na equipe da Secretaria de Educação, a partir de 2003.
210
se importante ponderar que, em relação ao dinamismo, não se percebe grande avanço, porque
a instância com maior possibilidade – e que também é investida de legitimidade para induzir a
mobilização – não o faz a contento, em face de suas limitações, sobretudo financeiras, assim
como já nos referimos. Sobre o segundo tópico, há ainda muito a se fazer para que o regime
de colaboração se efetive, uma vez que a relação que deveria ser entre sistemas ainda é
empreendida diretamente entre os gestores.
Pode-se considerar que a partir da emergência do sistema alguns passos foram
adiantados em favor da construção de mecanismos que induzam o dinamismo, como a
universalização dos conselhos escolares em toda a rede municipal de ensino, a
regulamentação da periodicidade das COMUDE, além de ajustes parciais na organização do
CME, elementos que corroboram o processo de democratização e que constituem prerrogativa
fundamental para a consolidação da gestão sistêmica, inclusive entre as esferas
administrativas.
A representante da Secretaria de Educação, com vínculo na equipe atual, mantém sua
argumentação de que as alterações promovidas pelo SME à gestão são mínimas, centrando-se
no enaltecimento do órgão gestor como referência das inovações, independente do surgimento
do sistema.
A entrevistada parece tomar a Secretaria como o próprio sistema. Sua fala guarda
coerência com outros trechos já apresentados em que a depoente indiretamente trata o sistema
como algo dispensável, sendo que, inicialmente, o argumento era de que a lei federal já criava
o SME, tornando-se desnecessário constituí-lo por meio de lei Municipal. Neste trecho, a
mesma sutilmente desdenha o sistema quando remete à Secretaria o que constitui
incumbência legal do CME, quando o Município opta pelo SME, que é a inclusão do
acompanhamento das escolas privadas de Educação Infantil. Para a entrevistada a Secretaria
de Educação só tinha a responsabilidade direta de acompanhamento, de monitoramento de
suas escolas, passou a acompanhar as escolas privadas da Educação Infantil.
211
[…] o fato de eu não ser organizado como sistema de educação significa que
eu vou ter que aceitar que o estado é quem autoriza as minhas escolas no
município. Na prática é assim que funciona. Agora, é preciso o município se
posicionar. Quer organizar seu sistema? Organize. Não quer organizar, quer
continuar sendo normatizado pelo sistema estadual? Que diga também, que
expresse isso num instrumento legal. Há quem pense isso, há quem pense
que não. O fato de eu não organizar o sistema eu estou aceitando,
pacificamente, que o estado é quem normatiza as minhas escolas. A partir do
sistema, estado não pode mais normatizar as escolas que forem do município
(Presidente da CME/PE; 2009-).
212
A fala de outro sujeito da pesquisa também sublinha esse status que o sistema garante
à esfera local, conforme fragmento da entrevista que exibimos na sequência:
[…] para que ser sistema? Porque é a autonomia de ter uma gerência própria,
de poder organizar. Aqueles que não têm sistema ficam atrelados ao sistema
do estado. E aqueles que não têm conselho ainda, não têm sistema; vão
tocando a educação sem ter uma organização institucional (Gestor da
SEDUC/GAM/PE; 2007-).
É possível afirmar que o conjunto dos elementos referidos nos depoimentos, ora como
condicionante, ora como possibilidade para a consolidação da forma sistêmica na gestão da
educação do Recife, tem como cerne o empoderamento da população. Esse enunciado, assim
como já salientamos anteriormente, perpassa as enunciações proferidas pelos sujeitos,
buscando-se, direta ou indiretamente, afirmar a trajetória histórica da cidade como credencial
214
para a implementação de seu sistema próprio de educação. Em função disso, apesar das
contradições observadas no contexto das práticas exercidas, a formação discursiva com que os
depoimentos se vinculam tem respaldo formal da literatura especializada, segundo a qual a
opção pelo sistema deve já expressar uma requisição indubitável pela colegialidade nas
decisões dos assuntos referentes à educação no Município. Conforme temos assumido ao
longo do texto,
os “discursos”, tais como podemos ouvi-los, tais como podemos lê-los sob a
forma de texto, não são, como se poderia esperar, um puro e simples
entrecruzamento de coisas e de palavras [...] analisando os próprios
discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as
palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras próprias da prática
discursiva (FOUCAULT, 2007, p.54-55).
Com efeito, observa-se que, embora o que se leia e o que se ouça sobre a criação do
SME em Recife insiram-se na formação discursiva da gestão democrática no campo
educacional, é possível inferir do discurso que se manifesta por meio das práticas sociais
(FAIRCLOUGH, 2001) que a reconversão à lógica de gestão baseada na relação hierárquica
entre representantes do governo local constitui ameaça iminente. Desse modo, a aparente
consistência com que o sistema é retratado pelas palavras (textos e depoimentos) se dissocia
das coisas (práticas cotidianas), considerando a persistência de entraves quanto à atuação das
215
83
A Educação Infantil, assim como o Ensino Fundamental e Médio receberam Câmaras próprias. Além disso, a
Comissão de Legislação e Normas também recebeu incumbências com maior enfoque na garantia do
atendimento às demandas educacionais que estão sob o âmbito de prioridade do SMER.
217
Como se pode notar, a fala dessa entrevistada se inscreve na ordem do discurso que
respalda a defesa do CME como órgão autônomo em relação ao executivo local, portanto,
devendo constituir-se conselho de Estado e não de governo (BORDIGNON, 2009;
REZENDE et al; 2009). Ressalte-se que tal reconhecimento ao Conselho é referido como uma
preocupação da gestão, assim como já salientamos a imbricação político-partidária dessa
conselheira com o grupo gestor da Secretaria de Educação naquela ocasião.
O que se constata é que a conduta apregoada sobre o CME, sobretudo, que este, de
fato, tinha autonomia para encaminhar os debates e aprovar as normatizações, os
encaminhamentos próprios dos conselhos, merece ser relativizada. Em primeiro lugar estão as
limitações operacionais do conselho, destacando-se sua forte dependência em relação ao
órgão gestor, a começar pela sua instalação em um dos compartimentos da secretaria
municipal de educação. Tal imagem se projeta para o público como se tratando de uma
extensão da própria equipe gestora, além do fato de que o acompanhamento das suas ações
(normativa, propositiva, deliberativa) somente se efetiva após liberação da titular da
Secretaria, fato que se coaduna com a autonomia que lhe é atribuída no texto.
218
Em segundo lugar, o discurso que se infere das práticas sociais explicita um quadro
em que ações fundamentais que haviam sido engendradas no bojo da instituição do sistema
foram levadas a efeito sob uma lógica que identifica o Conselho muito mais como órgão de
governo do que de Estado, a exemplo das COMUDE, cuja sistematização o Conselho não
conhece até o presente momento, pois se trata de documento que está sendo elaborado
estritamente sob a maestria do gabinete da gestão. Muito menos conhece qualquer versão
preliminar no PME, apesar de ambas as iniciativas serem referidas como prerrogativa do
CME, sobretudo quando se recorre a sua amplitude requerida pela forma sistêmica de gestão
da educação no Município.
No depoimento a seguir, outro sujeito da pesquisa retoma esse tema, desta vez,
destacando nuances que reforçam as limitações sobrepostas ao CME para que este assuma
suas funções com a autonomia necessária para então ser concebido como órgão do Estado,
assim como se verifica no próximo trecho:
nas práticas cotidianas da gestão, mas também dos demais órgãos que são chamados a
construir paritariamente a Política Municipal de Educação, requerendo, portanto, que o CME
assuma suas prerrogativas regimentais com indubitável autonomia. Este último tópico é
discutido pela presidente da UNCME/PE, quando a mesma nos concedeu entrevista sobre sua
concepção a respeito da atuação do CME no SMER, mas também considerando o contexto
mais amplo dos Conselhos municipais de educação em Pernambuco, conforme se apresenta
no extrato abaixo:
84
A presidente da UNCME/PE ressaltou, no conjunto de sua fala, que até 2008 as UNCME estaduais se regiam
por um estatuto nacional que não conferia nenhuma autonomia financeira a essa instância. Uma mudança
estatutária promovida no início de 2009 passou a permitir que essas instâncias possam se organizar como
entidade jurídica. Desta feita, passam a poder abrir conta, receber doações, e também cobrar anuidade. Contudo,
essa medida não tem corroborado o processo de fortalecimento dos conselhos, objetivo principal da entidade,
uma vez que grande parte dos CME não consegue se filiar por não disporem de recursos financeiros para tal.
Conforme pondera a presidente, esta situação impede até mesmo a formalização jurídica da entidade, como pode
ser percebido no caso pernambucano, narrado pela depoente no seguinte trecho de sua entrevista: “No momento,
eu acabei de fechar o estatuto da UNCME de Pernambuco. Está aí para ir para o cartório: eu vou pagar com meu
dinheiro!”
220
A segunda dimensão dos depoimentos analisados nesta seção aborda a narrativa dos
conselheiros acerca da efetivação da mudança de postura que se apregoa para o Conselho no
contexto da gestão do SMER. O primeiro depoimento tematiza a (re)composição do CME,
conforme dispõe o extrato a seguir:
Dentre as questões apontadas pela entrevistada, a eleição para dirigentes escolares foi
a que se converteu em Lei Municipal (Lei nº 17.125/05), incorporando o CME, junto com os
Conselhos escolares, como instância incumbida da realização do pleito. A elaboração da
resolução para credenciamento e acompanhamento das escolas da rede privada com Educação
Infantil teve sua proposta iniciada, mas não houve efetivação. Conforme dados já
apresentados, a iniciativa privada é responsável por 74% das escolas que oferecem Educação
Infantil no Município do Recife.
Dito isto, é perceptível que não é suficiente apenas a elaboração de uma resolução
específica para a orientação da Educação Infantil sob a responsabilidade da iniciativa privada,
mas também se faz necessário ampliar proporcionalmente a estrutura do Conselho para o
acompanhamento de toda essa demanda, que corresponde a 534 escolas, além das 417 que já
pertencem ao poder público Municipal. O que tem sido constatado é que essa
responsabilidade ainda não foi assumida pelo CME. Com efeito, parte substancial dessa nova
empreitada do CME diz respeito à avaliação para fins de credenciamento ou de fechamento de
parte dessas escolas privadas que nunca foram vistoriadas pelo Conselho Estadual de
224
A análise dos dados coletados revela que o Município do Recife ainda não dispõe de
seu Plano Municipal de Educação (PME), apesar da implementação de importantes instâncias
de participação democrática, tais como: o CME, criado desde a década de 1970; os Conselhos
escolares, com a universalização da criação em suas escolas municipais no período de 1995 a
2005; a COMUDE, com realizações periódicas desde 2002, momento em que foi instituído
seu sistema próprio de educação.
Na realidade, o PME, como conteúdo dos documentos analisados em nosso estudo,
apenas aparece de forma direta na Lei Municipal nº 17.325/2007, que dá nova versão ao
regimento do CME, quando dispõe em seu artigo 4º, § único, que compete ao CME apreciar e
acompanhar a execução do PME. No entanto, a Lei Orgânica do Município e a Lei
17.511/2008, que apresenta atualização do Plano Diretor do Município, não dispõem de
qualquer referência específica à dinâmica de elaboração e acompanhamento do PME.
Não obstante, em todos os períodos da gestão da educação que sucederam o advento
do SMER registram-se iniciativas concernentes à elaboração do PME. Desta feita, indagamos
os diferentes sujeitos da pesquisa sobre que considerações podem ser feitas a respeito dessa
trajetória.
Agrupamos, inicialmente, trechos da entrevista com a ex-presidente do CME (2001-
2002), por consideramos que, a partir de sua fala, é possível sintetizar as primeiras etapas do
movimento de elaboração do PME em Recife, centrando-se no período entre 2001 a 2004. Em
seguida, analisaremos o depoimento da presidente do CME (2009-) que aborda o contexto
atual desse processo e sua relação com etapas anteriores. Por fim, discutiremos trechos de
entrevistas com ex-secretárias de educação do Recife, considerando a ordem cronológica em
que as mesmas exerceram funções no âmbito do SMER.
225
85
A publicação continha: a Constituição Federal/ 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996,
o Plano Nacional de Educação/2001, o Plano Estadual de Educação/ 2002, a Lei Orgânica do Município/1990,
texto-síntese sobre o financiamento da educação do Brasil, além da compatibilização dos objetivos e metas dos
planos nacional e estadual de educação.
226
pertinentes ao PME. Foi também promovido um debate público sobre o PME através de
Conferência Municipal de Educação (COMUDE/2004) e também durante reunião anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/2005), assim como a depoente
apresenta no extrato a seguir:
[…] o que a gente escuta é que já está tudo pronto, que só falta a
sistematização, que ficou a cargo de uma professora da Universidade
Federal... Enfim, essas coisas burocráticas. Aí, não tem o plano. Mas, o que
acontece? Não está escrito num papel, mas algumas delas estão escritas no
plano estratégico, porque no 1º ano (2005) a Secretária apresentou o plano
227
Tem-se nesse trecho, primeiro um tom de indignação à morosidade com que o trâmite
burocrático tem impedido a apresentação da sistematização do PME. Percebe-se, a esse
respeito, que essa conselheira não cita o CME como parte da sequência desse processo. Por
outro lado, a presidente desse Conselho parece minimizar a inexistência do PME ao sublinhar
a existência de um plano estratégico da gestão, que, por ser elaborado segundo interesses
estritamente da gestão, não guarda qualquer relação com as proposições elencadas pelo
conjunto dos sujeitos sociais que compartilharam da elaboração do PME.
Partindo desse entendimento, consultamos nossa entrevistada a respeito da concepção
do CME sobre os impactos da ausência de um PME na gestão sistêmica da educação no
Recife. O extrato a seguir aborda essa questão:
[…] para você ver. Recife tem um sistema que acompanha a política, que
tem sido reconhecido, que há respaldo, o que ele não fez foi sistematizar o
PME num documento. Já teve conferências municipais com objetivo
unicamente de obter subsídios para um plano. Temos o PAR que vem nesse
movimento. Tem a questão de que o plano nacional está terminando a
vigência, agora vamos para um novo plano, e ao mesmo tempo tem o PDE.
Aí, o quê é que acontece aqui? Não tem! Apesar de todos os esforços, da
cobrança do Conselho, eu acho que nessa minha gestão parou há pouco
tempo, mas toda reunião, ou todas as ocasiões que o Secretário ou Secretária
veio ao Conselho, não tem, no mínimo dois ou três conselheiros que não
coloquem como ponto que está devendo esse plano (Presidente do
CME/Recife, 2009-).
(2008). Essa iniciativa da gestão surtiu o efeito de atenuar o caráter heterônomo com que o
procedimento de adesão incute, por se tratar de assinaturas entre executivos. Assim, mesmo a
gestão se omitindo quanto ao pedido de informações dos conselheiros a respeito do plano
municipal, nas ocasiões que o secretário ou secretária vão ao Conselho, a questão do plano
ganha um “sotaque” democrático, por receber, no caso do PAR, o aval do CME, ainda que se
conheça a dispensabilidade desse ato.
Os próximos depoimentos pertencem aos gestores que atuaram e atuam no SMER,
considerando o marco temporal estabelecido na pesquisa. Assim, iniciamos pela fala da ex-
Secretária Municipal de Educação (2001-2004), com o seguinte extrato:
[…] quando nós saímos, deixamos o plano todo desenhado, faltou ser
concluído. Eu não sei se já concluíram. Agora, há uma tradição, também, de
terminar uma gestão e nem sempre a nova gestão continua. Eu digo uma nova
gestão não é do ponto de vista de partido. Do pondo de vista de percepção e
concepção! Mas, você me dizer que não foi concluído o plano é uma surpresa.
Porque foram feitas tantas coisas. Foi feito diagnóstico... Ele é
importantíssimo. Com esse plano na mão você pode monitorar até as diretrizes
dos Conselhos (Ex-Secretária Municipal de Educação; 1986-1988; 1993-1996;
2001-2004).
O movimento de construção do PME narrado por esse sujeito da pesquisa, como temos
exposto, de fato pode ser confirmado através dos registros sobre a gestão referente ao período
de 2001-2004. O que merece destacar é o que a entrevistada chama a atenção sobre a tradição
de descontinuidade das políticas no momento em que termina uma gestão e assume um novo
grupo no poder. Conforme se lê no extrato acima, a nova gestão da educação em Recife e, por
conseguinte, os novos rumos da Política Municipal de Educação não foram desencadeados
por força de alternância de prefeito municipal, mas por emergir uma nova percepção e
concepção quanto à ação do poder público no campo educacional.
Desta feita, temas que estiveram em pauta na gestão anterior e que integravam a
elaboração do PME, como a política de formação continuada dos professores, a composição
do quadro de coordenadores escolares, além de outras questões relativas ao atendimento às
demandas educacionais no Município, não foram retomados. A gestora que ocupou o cargo no
período subsequente (2005-2008) faz ponderações que nos ajudam a contextualizar esse
quadro de transição entre gestores e seus impactos para a gestão da educação municipal.
Nesse último trecho, fica mais evidente o trato restritivo do PME como instrumento
normativo, até porque se enuncia que, na prática, o que está em causa são as metas já
estabelecidas pela gestão. Observa-se também que o PAR é citado como construto resultante
da própria atualização/ revisão do plano, sem ao menos este ter existido. O que parece estar
em causa mesmo é que o PAR representa a própria Política Municipal de Educação, ao
mesmo tempo em que este plano é a cara do planejamento estratégico do gestor. Esse caráter
231
endógeno com que o PAR é apresentado, sobretudo por traduzir os interesses estritamente da
gestão, é providencialmente abrandado pelo enunciado que toma o CME como locus do
acompanhamento da execução desse plano, identificação que permite vincular tal prática de
planejamento à perspectiva democrática conferida pela ação colegiada do Conselho. Por
conseguinte, a concepção assumida de que o planejamento estratégico sobrepõe-se ao PME,
ainda que seja efetivada, é silenciada na prática discursiva por força da ordem do discurso que
interdita o pronunciamento da heteronomia do gestor e reclama a enunciação da autonomia
compartilhada pelos sujeitos que compõem o sistema.
Observemos que em sua fala a ênfase que é atribuída à construção do Plano
estratégico ressalta o encontro entre as diretorias que representam o próprio governo como
algo que justifica, implicitamente, a perspectiva da construção descentralizada das decisões.
Com efeito, consideramos que tal iniciativa, de fato, corresponde a uma prática fundada nos
princípios democráticos, uma vez que o conjunto dos setores de um governo não constitui um
bloco monolítico, devendo ser, portanto, a própria discussão com os representantes das
diretorias interpretada como uma possibilidade de compartilhamento da decisão. Entretanto, o
texto não chama a atenção para a retomada da interlocução com as instâncias de participação
da gestão democrática, na perspectiva de concluir o PME.
No conjunto da entrevista da ex-Secretária de Educação (2005-2008), observa-se que
as referências sobre as práticas de compartilhar a decisão no âmbito do SME são feitas com
mais ênfase nas ponderações a respeito das dificuldades que o processo requer do que
propriamente no sentido de reconhecer a implementação desse princípio como meta a ser
também alcançada pelos gestores.
A representante do atual Secretário de Educação (2009-) também tematiza a questão
dos entraves que têm impedido a conclusão do PME do Recife, conforme dispõe o extrato a
seguir:
desse processo, respeitando-se os princípios da gestão democrática, deve pleitear o acordo, até
porque todo esse trabalho resultará em lei municipal válida para o conjunto da sociedade
recifense, mas é preciso garantir que isto não signifique a proibição dos dissensos e a
premiação de consensos unânimes, porém fictícios (BOBBIO, 1996).
Por esse caminho, planejar o que deve ser inscrito na agenda de políticas públicas para
a educação na esfera local constitui uma ação emblemática do que se concebe por Estado
Representativo, em que se pressupõe a perspectiva de disputa pelo exercício do poder entre os
sujeitos que ocupam o campo discursivo, no qual o Plano é forjado. Tal assertiva se coaduna
com a premissa de que “não há como pensar democracia sem repartição de poderes, sem
descentralização das decisões, sem ampliação da cidadania. Os disfarces da dominação devem
ser sempre denunciados, e a discussão política é seu campo mais fértil para essa denúncia”
(REZENDE et al., 2009, p. 29).
Faz-se necessário, portanto, que o desejo pela conclusão e execução do plano
municipal seja demonstrado pela dedicação à luta, a ser protagonizada pelo Poder Local,
entendendo o PME como instrumento que sistematiza as bases e diretrizes do SME. Com
efeito, é concebível admitir que quando o município não tem plano fica à mercê de ações
episódicas, que, mesmo planejadas caso a caso, representam improvisações. Sem plano
municipal não há visão de Estado nas ações, não há caminho a percorrer, mas apenas passos
ao sabor das circunstâncias de cada Governo (BORDIGNON, 2009, p. 92).
Esta é propriamente a situação a que o município do Recife se encontra submetido,
uma vez que, mesmo tendo sido registrados alguns passos do que se chamou de processo de
elaboração do PME do Recife, a inexistência de previsão de sua conclusão, sem ao menos se
conhecer sua versão preliminar, tem permitido a reedição de ações episódicas por meio de
planos estratégicos dos gestores, conforme os fatos atestam.
Em que pese a Carta Magna prever há mais de vinte anos a necessidade de lei que
regulamente o Regime de Colaboração no País (CF/1988, Art. 23, § único), até o momento
essa matéria não recebeu atenção adequada do parlamento brasileiro, deixando margem para
práticas de colaboração definidas no âmbito de cada Unidade Federativa (CURY, 2010;
ABRUCIO, 2010).
O Regime de Colaboração no Estado de Pernambuco recebeu orientações gerais
através do Protocolo da Secretaria de Educação do Estado, emitido em 22 de janeiro de 2009,
234
decorrente de compromisso [formal] assumido entre esta Secretaria e a União dos Dirigentes
Municipais de Educação de Pernambuco – UNDIME-PE. O texto apresenta como objetivo a
articulação das políticas do Estado e dos Municípios voltadas para o enfrentamento de
questões relacionadas à concretização do direito social à Educação Básica em todo o Estado.
Foi delegada à Gerência de Articulação Municipal (GAM) a função de mediar o processo de
efetivação de acordos entre o Estado de Pernambuco e os Municípios interessados, devendo
tais termos seguirem para assinatura conjunta dos respectivos chefes do executivo.
Com apoio em fundamentos constitucionais que referenciam as relações
intergovernamentais e em pressupostos balizadores da Política Estadual de Educação, o
documento (PERNAMBUCO, 2007) foi estruturado nos seguintes eixos:
princípio da horizontalidade, uma vez que são os sujeitos coletivos que se fazem
protagonistas. Por outro lado, tem-se o protesto de que o exercício da colaboração não
recebeu atenção diferenciada em face da criação do SMER. Essa dúbia constatação se
expressa através de diferentes testemunhos.
A ex-Secretária de Educação (2005-2008) descreve, exemplarmente, a positividade do
sistema para o propósito em debate, ao expor o comentário a seguir:
[…] eu percebo que se você não tem o sistema, o regime de colaboração ele
não é entre entes do mesmo nível de autonomia. Ele é um regime de
colaboração paternalista. Então, é o secretário municipal aderindo a políticas
públicas do Estado. Pode ser que, de repente, seja uma política positiva:
Muito bom! E se de repente você tem uma posição que vai no sentido
contrário ao que o município acredita..., se ele não tem sistema, ele tem que
aderir à política do Estado! Não necessariamente em todos os aspectos, mas
em muitos aspectos. Por exemplo: toda vez que o Governo Federal resolve
fazer um regime de colaboração que depende diretamente da relação com o
Estado, se o Estado se nega, o município não consegue fazer. Então, é
importante que tenha esta autonomia na relação do município no Estado para
que até essas concepções divergentes sejam diluídas (Ex-Secretária
Municipal de Educação do Recife; 2005-2008).
[…] o sistema próprio viabiliza a ter mais autonomia dos municípios nas
suas políticas públicas. Mas, numa política pública integrada, ela tem
autonomia para dar um parecer, de organizar, de fazer seu calendário
próprio, tem normal. Agora, em termos de projetos, a gente faz a unidade.
Tem que saber que lá naquele município existe não mais um que é o Estado,
existe uma unidade. O filho que é do município também é do Estado. É que
essa colaboração tem que ser de forma organizada [...] Nós temos um
236
Essa fala reafirma a dispensabilidade do SME para o que se expõe como objetos da
colaboração vigente entre a União e os demais entes de poder federado, assim como já havia
sido enfatizado pelo gestor da GAM/PE e pela presidente do CME/Recife, quando ambos se
238
referiram a mesma matéria. O que merece maior realce neste último depoimento é o
reconhecimento da transitoriedade dos programas que são firmados entre os gestores da vez.
Tem-se, por um lado, o enaltecimento de que tal concepção constitui prática
respaldada na perspectiva de equidade do atendimento à demanda educacional no âmbito
nacional, seja qual for a forma de organização da gestão local, uma vez que o Ministério da
Educação não faz nenhuma restrição a ter sistema ou não. Por outro lado, a ausência da
relação sistêmica impõe limites para que se vislumbre o horizonte da Política Educacional,
traduzindo-se na posição de que os principais projetos que têm se materializado na gestão da
educação no conjunto do País, a exemplo do PAR, são, na verdade, um programa de governo,
não uma Política de Estado.
O depoimento da representante da Secretaria de Educação do Recife (2009-) tematiza
as consequências dessa relação direta entre executivos em que a barganha se sobrepõe à
negociação colegiada. Sua opinião a esse respeito pode ser sintetizada no seguinte trecho de
sua entrevista:
[…] você tem uma colaboração que é implícita, quer dizer, em alguns
municípios. A colaboração tem também o componente da capacidade que
você tem de se organizar e se transformar num sujeito coletivo, e a
colaboração vem por pressão, e tem também uma colaboração a partir de
projetos comuns. Isso na lei não está. Então, veja, um setor mais organizado
da população que tem o poder de pressão, ou um município que tem, do
ponto de vista político, poder de influenciar na opinião pública, tem uma
história reconhecida de luta e de oposição, o regime de colaboração também
influencia. Você não quer me dizer que a relação de Lula com Pernambuco é
a mesma relação dele com o conjunto do País. A sua avaliação é essa? Há
uma colaboração estreita, rigorosa e íntima entre a União e o Governo do
Estado (Ex-Secretária Municipal de Educação do Recife; 1986-1988; 1993-
1996; 2001-2004).
240
[…] houve uma negociação, naquela ocasião, com o Estado, por exemplo,
sobre a questão dos alunos que passavam para a 5ª série. Por quê? Porque
nós temos menor quantidade de escolas do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª e
de Ensino Médio municipal. Então, houve uma negociação no sentido de
ampliar o atendimento dos menores, sob a responsabilidade dos municípios,
e o Estado ampliar o atendimento aos maiores que estão vinculados ao
Ensino Fundamental. Então, quando chegava a época de matrícula, esse
acordo era retomado, lembrado, e a gente já negociava a passagem,
respeitado o local que o aluno morava, para não ficar distanciado. Então, a
gente mandava a lista dos alunos que haviam completado essa faixa etária e
o ano do ciclo correspondente para que o Estado acatasse e efetivasse a
matricula desse aluno. Isso foi feito durante os quatro anos com base no
regime de colaboração (Ex-presidente do CME/Recife; 2001-2002).
Sabe-se que, no período em que o SMER foi instituído, era intensa a discussão sobre a
questão do atendimento ao Ensino Fundamental, que registrava grande acréscimo de
matrículas desde 1995, e do Ensino Médio, que, em face do maior número de egressos do
nível de ensino fundamental, já assinalava aumento de demanda a ser respostada pelo poder
241
público ao longo dos anos 2000. Diante disso, fez-se evidente a necessidade de negociação
entre os entes Estadual e o Municipal na perspectiva de que este último pudesse ampliar o
atendimento dos menores, enquanto que o Estado ampliasse o atendimento aos maiores,
referindo-se ao conjunto dos estudantes vinculados ao Ensino Fundamental.
A COMUDE/2002 (RECIFE, 2004) trouxe esse tema para o debate. Deste evento,
saíram sugestões no sentido de buscar o diálogo com o Estado e com outros municípios, a fim
de estabelecer parâmetros para a colaboração em determinadas situações. Sobre tal requisição,
constatam-se iniciativas como a transferência de escolas do Estado para a prefeitura de Recife
(escolas com atendimento restrito às quatro séries iniciais do Ensino Fundamental); a
transferência para a rede estadual de estudantes do Ensino Médio que eram atendidos pelo
Município, além da manutenção do compartilhamento entre Estado e Município quanto ao
atendimento dos estudantes da segunda etapa do Ensino Fundamental.
A negociação de que fala a ex-presidente do CME também foi efetivada mediante
convênio de cooperação entre a Prefeitura do Recife e prefeituras da região metropolitana,
como: Camaragibe, Jaboatão do Guararapes e Olinda (idem). O objetivo era o
compartilhamento do atendimento à demanda educacional de microrregiões dessas cidades
em que a divisão geográfica é tênue, registrando-se bairros compostos por ruas que pertencem
a cidades diferentes. O acordo foi firmado entre os gestores e contemplava situações como
transferências de estudantes, ocupação compartilhada de prédios e cedência de professores.
Apesar de tais experiências se inserirem no bojo do que se considera conteúdo
fundamental da discussão sobre o regime de colaboração, não se registram avanços quanto à
transição do caráter pontual com que essas ações foram levadas a efeito, para a elaboração de
uma agenda programática e com regulamentação própria que trate o tema da colaboração
como um contínuo que perpassa a temporalidade de mandatos de governantes e ascenda à
Política de Estado.
O que se evidencia é que a experiência do FUNDEB constitui a principal menção dos
entrevistados quando se trata das formas de colaboração que efetivamente se reconhece, no
contexto das relações entre entes federados, com expectativa de vigência para além de
iniciativas que iniciam e se encerram no decurso de mandatos governamentais. É pertinente
salientar que em todos os depoimentos houve referência a essa característica com que os
fundos contábeis têm se materializado no País, repercutindo enfaticamente na gestão da
educação no Município. Até mesmo a assessora da Secretaria da Educação, que em outra
parte de seu depoimento já havia negado veementemente a existência de práticas de
colaboração, tece o seguinte comentário:
242
O que se verifica nesse trecho da entrevista é que o FUNDEB é referido como prática
bem sucedida de colaboração entre esferas administrativas, permitindo-se que haja
compartilhamento quanto ao atendimento de etapas da educação básica, mesmo sabendo-se
que legalmente tem-se definido a quem cabe prioritariamente a responsabilidade com os
subgrupos de sua demanda. Esse entendimento também foi externado pela ex-Secretária de
Educação (2001-2004), especialmente quando a mesma declarou que:
consonância com a ordem do discurso que toma a atuação dos Conselhos como premissa da
gestão democrática, razão pela qual a experiência dos fundos contábeis, mesmo não sendo
efetivada necessariamente entre sistemas, ampara-se em um dos princípios essenciais que
enunciam a gestão sistêmica, que é a colegialidade quanto ao exercício do poder decisório.
Do conjunto das considerações, podemos afirmar que, apesar da instituição formal do
sistema próprio de educação no Recife, os elementos fundantes do modelo sistêmico de
gestão, como o incremento das atribuições desenvolvidas pelo CME, a elaboração do PME e a
impulsão ao Regime de Colaboração entre os entes federativos quanto ao processo de
definição e execução das políticas educacionais, ainda não ganharam concretude nesta
municipalidade.
Dentre essas lacunas, ressalta-se a inexistência do PME, tanto porque o município
fica sem uma política estatal para a educação em seu espectro político-administrativo,
deixando margem para que planos estratégicos de governos sejam reeditados, quanto porque o
Poder Local não dispõe de balizador para a necessária articulação com os demais entes
federados. Desta feita, a organização da educação recifense se identifica muito mais com o
que aqui tratamos como estrutura, que, mesmo guardando similitude com a noção de sistema,
quanto ao fato de se referir a conjunto de elementos (SAVIANI, 1975), não cumpre os
requisitos da intencionalidade e da articulação na gestão.
O fato é que a criação do SME por meio de lei própria confere à esfera local
autonomia para reger sua Política Educacional, tendo no discurso da gestão democrática o
fundamento de que são os sujeitos coletivos locais (órgãos colegiados) os protagonistas da
ação articulada, expressa emblematicamente pela elaboração e execução do PME. No caso do
Recife, a ação autônoma tem sido exercida mais enfaticamente pela própria equipe do
governo local, que, ao protelar a elaboração do plano de educação, sem que o CME se revele
competente para coordenar esse processo, encontra espaço propício para levar adiante seus
projetos. Nesse cenário, ainda que a estrutura da gestão da educação municipal incorpore a
feição de espaço discursivo em que se produzem e reproduzem relações de poder entre os
sujeitos, na realidade, a figura do gestor exerce significativo controle das prioridades da
agenda de políticas educacionais.
Em face ao exposto, propõem-se ajustes para que o modelo sistêmico se consolide
neste município. É concebível considerar que o cerne da mudança está na reorganização das
instâncias de participação na perspectiva de que o processo de discussão e deliberação das
políticas educacionais do município possa integrar a participação dos sujeitos vinculados à
educação pública municipal em todos os seus setores, convergindo para uma atuação do CME
245
condigna com as aspirações que emanam do conjunto dos segmentos institucionais que este
representa.
Desta feita, com base em nossos registros da pesquisa, entendemos que o atual
organograma da gestão educacional precisa ser repensado, uma vez que nele se verifica a
postura da Secretaria de Educação como centro do sistema, valendo-se, inclusive, de sua
posição hierárquica para transferir responsabilidades para as escolas e exercer o controle dos
resultados, situação que corresponde ao procedimento de desconcentração, em que se tira do
centro o compromisso com a execução, mas mantém a decisão política sob a regulação do
poder central.
Nossa proposição não pressupõe a criação de outras instâncias no interior do sistema
municipal. Trata-se, na realidade, de uma mudança de atitude no que concerne ao processo de
definição das normas e medidas a serem regulamentadas. Para tanto, a dinâmica da
participação no CME deve contemplar, sobremaneira, os Conselhos escolares, uma vez que se
observa a ação desses colegiados circunscrita aos limites do recinto escolar. A realização da
COMUDE se insere nessa relação como momento em que os sujeitos envolvidos com a
educação municipal propõem as políticas educacionais à luz de suas convicções,
amadurecidas ao longo de uma sistemática de trabalhos que contempla uma agenda de
atividades anteriores à conferência, mas que também tem por perspectiva a continuidade dos
debates sobre suas deliberações. Essa exigência busca corrigir a situação vigente em que uma
ampla maioria dos conselheiros declara não conhecer a sistematização das propostas que
emanam desta instância.
Percebe-se que, nessa concepção de gestão à luz do modelo sistêmico, a existência de
instâncias superiores, tal qual tem sido retratada a Secretaria de Educação e o CME, em
função de ser este o perfil atual destas instâncias, destitui-se. Por conseguinte, o modelo de
relacionamento no sistema que estamos propondo ampara-se na concepção de horizontalidade
entre os seus membros. É por assim entender que se vislumbra a concretização de funções do
Conselho Municipal (Mobilizadora, Deliberativa, Consultiva e de Controle Social), pois a
ação a ser empreendida a fim de cumprir tais prerrogativas deve ser compartilhada entre as
partes que organicamente formam o sistema.
246
7.1 Introdução
Dos 184 municípios cearenses, 164 (89%) possuem CME, ao passo que 29 deles
instituíram seus sistemas próprios de educação, o que corresponde a 17,4% do total.
Conforme se apresenta no gráfico a seguir, somente a partir dos últimos cinco anos houve
maior intensidade de criação de sistemas neste estado.
deles não se verifica qualquer menção ao PME em sua legislação educacional. Em relação à
gestão democrática das escolas, constata-se que, em 43% dos municípios da amostra, a lei do
SME dispõe sobre sua regulamentação. Cabe ainda acrescentar que, em 45% das 29 leis
analisadas, faz-se apenas menção ao tema, e 12% delas sequer se referem à questão. Já a
incumbência de supervisionar as escolas privadas que oferecem Educação Infantil no âmbito
do município é assumida, pelo menos formalmente, por 50% dos 29 CME consultados.
Os dados nos permitem considerar que a adesão dos municípios cearenses à forma
sistêmica de gestão da educação tem reverberado no progressivo avanço formal das condições
para que esta perspectiva gestionária se efetive, a exemplo da crescente constituição de planos
educacionais, considerando-se que em todos os municípios que já dispõe de PME, a
elaboração ocorreu no bojo da criação do SME. Na mesma perspectiva, tem-se a mobilização
dos sujeitos vinculados aos processos educativos que se desenvolvem nos municípios no
sentido de se corresponsabilizar pela realização de COMUDE, que, como se verifica no
gráfico, tem sido realizada em 68% dos municípios da amostra.
Já em relação aos casos em que se verifica o posicionamento Municipal quanto à
regulamentação da gestão democrática das suas escolas, cabe a ressalva de que, no contexto
mais amplo de abrangência deste tema, evidenciam-se práticas contraditórias à rede
conceitual que respalda tal princípio gestionário, assim como se constata na forma
centralizada de escolha dos dirigentes escolares, que trataremos logo adiante.
Quanto à atuação do CME na supervisão das escolas privadas com matrículas na
Educação Infantil, constatamos que as dificuldades operacionais dos CME, do mesmo modo
que observamos no caso recifense, tem limitado o avanço no acompanhamento dessa nova
demanda de atendimento por parte do ente Municipal, fato que justifica a declaração que
apenas metade dos municípios cumpre essa prerrogativa. Ainda assim, constatamos que a
atuação do Conselho se restringe à autorização de funcionamento das escolas particulares.
Observou-se que o movimento recente de criação dos CME no estado não tem
garantido a estrutura necessária ao adequado funcionamento desse órgão86. A realidade é que
os CME têm sua intensidade e qualidade de atuação atrelada à dimensão da cobertura
financeira e patrimonial que as secretarias municipais de educação por livre iniciativa
resolvem garantir, situação que compromete sua autonomia quanto ao cumprimento de suas
86
É pertinente salientar que em todos os municípios consultados não foi identificado nenhum caso de
regulamentação do pagamento de jetom ou equivalente aos conselheiros municipais de educação, a fim de
garantir sua participação nas atividades do CME.
250
O Sistema Municipal de Educação de Fortaleza (SMEF) foi efetivado por meio de lei
própria em 2007 (FORTALEZA, Lei Municipal nº 9.317/2007), assim como já apresentamos
no capítulo anterior. No bojo de sua criação houve uma ampla modificação da estrutura
gestionária da educação Municipal, a começar pela criação da Secretaria Municipal de
Educação, através da Lei Complementar nº 0039 (FORTALEZA, 2007b), separando as pastas
da Assistência Social e Educação. Como parte das inovações, tem-se a criação do CME, com
regimento próprio e a regulamentação do PME em lei Municipal. Além disso, todos os
recursos da educação em Fortaleza passaram a ser geridos pela Secretaria de Educação, tendo
a sua gestora como única ordenadora de despesas, encerrando o ciclo em que a distribuição
dos recursos da educação era pulverizada entre seis gerentes de regionais da educação.
É pertinente considerar que esse conjunto de ações empreendidas no campo
educacional tem estreita relação com a própria construção histórica da cidade. Por
conseguinte, situaremos brevemente os elementos concernentes às dimensões sociais e
políticas da história de Fortaleza que se interrrelacionam direta ou indiretamente com a
constituição de seu sistema próprio de educação.
87
O nome “Fortaleza” é uma alusão ao Forte Schoonenborch, que se localizava à margem esquerda da foz do
Riacho Pajeú, sobre o monte Marajaitiba. Esse forte foi construído pelos holandeses durante sua segunda
permanência no local entre 1649 e 1654. O lema da cidade, presente em seu brasão, é a palavra em latim
“Fortitudine”, que em português significa força, valor, coragem.
252
88
Como M Dias Branco e J Macêdo, que são os principais moinhos de trigo do Brasil.
89
No Portal encontra-se, de forma relativamente detalhada e didática, informações de valores arrecadados pelo
município através dos recursos próprios e transferidos, como os repasses federais e estaduais. Também ficam
disponíveis informações relativas à execução orçamentária e à gestão fiscal da Prefeitura. Na seção de despesas,
é possível acessar os recursos aplicados em investimento com pessoal, despesas de custeio, investimentos na
cidade, valores pagos pela prefeitura a cada fornecedor do Município, entre outros.
253
90
O SMEF/2007 foi criado no primeiro mandato (2005-2008) da atual prefeita Luizianne de Oliveira Lins (PT).
254
Das 454 escolas mantidas pela prefeitura municipal, 259 são destinadas ao ensino
Fundamental e 195 à Educação Infantil, enquanto a rede privada mantém 694 escolas, sendo,
assim, proprietária de 78% das escolas que atendem especificamente esse nível de ensino.
A educação infantil, assumida pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, atende as
crianças de 0 a 5 anos, em creches e pré-escolas. Constatou-se importante iniciativa da gestão
municipal, com relação à ênfase atribuída ao papel desempenhado pelo professor nesse nível
de ensino. A esse respeito, cabe mencionar a regulamentação da formação específica dos
professores, as condições de trabalho desses profissionais, além da definição de elementos
básicos para a qualidade do atendimento ao público infantil.
255
O Ensino Fundamental, cuja duração é de nove anos, está dividido em dois segmentos:
o primeiro abrange as crianças de 06 a 10 anos, e vai da 1ª à 5ª série; o segundo abrange os
adolescentes de 11 a 14 anos, e vai da 6ª à 9ª série. Faz-se importante ressaltar que o
surgimento do SMEF não alterou a estrutura seriada com que as etapas desse nível de ensino
são vivenciadas.
Nas seções a seguir, analisaremos os depoimentos dos sujeitos da pesquisa sobre o
contexto em que o SME foi proposto, assim como o impacto de sua criação para a educação
no Município.
A justificativa que se infere das práticas discursivas dos sujeitos da pesquisa acerca do
surgimento do SMEF toma como referência a própria evolução histórica da cidade, não
propriamente relacionada a movimentos protagonizados pela sociedade civil organizada, mas
pelo crescimento populacional e desenvolvimento econômico da cidade, constituindo-se em
elementos que reclamaram da esfera local a postura autônoma em relação ao conjunto de seus
processos gestionários, dentre os quais se insere o campo educacional e, por conseguinte, a
opção pela lógica sistêmica como mecanismo de formalização desse pleito político-
administrativo.
O depoimento da atual Secretária de Educação é emblemático para a compreensão do
que se toma por processo histórico da cidade e que se conjuga com a inadiável afirmação de
sua autonomia. Inicialmente, tem-se a tônica maior para as razões estruturais que
conclamaram “naturalmente” a emergência do sistema, segundo o fragmento abaixo:
[…] a cidade de Fortaleza pode ser que […] mude sua característica daqui a
cinco anos ou mais, mas ela é considerada quase uma Cidade-Estado. Os
recursos são gerados na cidade de Fortaleza. Se você pegar pelos últimos
dados do IBGE, Fortaleza é uma das cidades que mais cresceu em população
do Brasil. Ela atrai 20 milhões de pessoas ao redor dela. É uma coisa
assustadora! Ela é uma referência para o Rio Grande do Norte, que tem
muito mais referência em Fortaleza do que em Pernambuco, Piauí e
Maranhão. Grande parte do Norte, por conta do parque que a cidade tem…
ser uma hipercidade turística... e a própria população atrair mais população.
Se tudo acontece no Município, se o Estado é uma abstração, como é que um
Município desse porte, com uma rede absurda dessa, que tem muito mais
característica para piorar do que para melhorar, como é que a gente vai
adotar um sistema estadual de educação? Então, a idéia foi essa, é um
fortalecimento da cidade pelas próprias características que ela tem. Tanto a
característica de ela ser uma superatração para outros estados, como a
atração dentro do próprio estado (Secretária Municipal de Educação; 2005-).
256
[…] você tem município muito pobre, com média de 10 mil habitantes, que a
rede de ensino dele tem mil alunos no Ensino Fundamental. Então, ele não
tem pessoas qualificadas no município. Ele não tem a mínima estrutura para
criar mais um órgão lá. Então, ele fica vinculado ao sistema estadual, ao
Conselho Estadual, ao sistema, compondo aí e se beneficiando dele. Eu acho
que à medida que o município for crescendo, for tendo mais recursos, for
tendo mais autonomia, vai chegar o momento de ele perceber que aquilo é
importante para ele. Eu acho que os principais limitadores são esses: é a
capacidade técnica que não existe, de pessoas qualificadas em vários
municípios, a condição financeira do município (Gestora da COPEM/CE;
2006-).
financeiras dos municípios – que, por isso mesmo, não dispõem de capacidade técnica/
pessoas qualificadas – compõem um quadro adverso às exigências básicas para a constituição
do sistema de educação. Há ainda o reforço desse juízo quando a entrevistada vislumbra a
possibilidade de autonomia local, à medida que o município for crescendo, for tendo mais
recursos. É pertinente considerar que nesse discurso, apesar da menção ao sistema como
estágio sublime da gestão, é a capacidade de barganha, típica dos municípios com maior
condição econômica, que se quer enunciar como condicionante para a autonomia local.
Não obstante, é concebível afirmar que o reconhecimento do sistema próprio de
educação como mecanismo de afirmação da autonomia do Poder Local para propor e executar
a Política Municipal de Educação é incorporado ao discurso sobre a pertinência da gestão
sistêmica na esfera local com maior veemência no conjunto dos depoimentos. Os próximos
depoimentos permitem a compreensão de diferentes possibilidades quanto ao exercício da
autonomia pelo Poder Local a partir da constituição do SME. Na fala a seguir, pode-se
observar a força enunciativa da criação do sistema em Fortaleza como obtenção da
independência local em relação ao Estado:
[…] essa ideia da cidade veio fortalecida, uma parte, pelo próprio
movimento do Governo Lula de fortalecer os municípios, e a gente tentando,
realmente, como Governo Municipal, se descolar da tutela do Estado.
Porque, mesmo a constituição colocando os entes federados como entes
paralelos, na sua autonomia e etc., nós ainda temos uma herança muito
perniciosa da tutela do Estado, muitas vezes estimulada, inclusive, pelo
Governo Federal. Eu vou lhe dar um exemplo: o Prova Brasil! Tem sentido o
Estado tutelar o Prova Brasil para a cidade de Fortaleza? Não tem o menor
sentido! Um tipo de programa como esse, que, do governo federal para o
governo do estado, ele descola. É assim que acontece! Se a gente não tem,
politicamente, uma relação muito boa com o governo do estado, isso causa
um grande nó para a educação do município! (Secretária Municipal de
Educação; 2005-).
às ordens de alguém que se posiciona hierarquicamente superior. Por conseguinte, esse grau
de dependência da esfera local exige o que a depoente chamou de uma relação muito boa com
o governo do estado, expressão que também pode significar a adesão forçosa do governo local
às políticas elaboradas pelo governo do estado. Desta feita, tal condição não se coaduna com o
status de ente autônomo conquistado pelo Município.
O SMEF constitui-se, portanto, instrumento fundamental para a efetivação da
“independência” Municipal no que se refere ao setor educacional. Como tem sido colocada, a
expectativa da ação autônoma que se atribui ao modelo sistêmico, diz respeito especialmente
à legitimação de espaços de poder decisório ocupados por sujeitos coletivos e pelo governo,
com finalidade de deliberarem sobre a Política Municipal de educação. No trecho da
entrevista que ora analisamos, infere-se o exercício da autonomia como autoridade do
Município para negociar, diretamente com a União, através do MEC/INEP, o momento de
realização da política “Prova Brasil”, em face da necessidade que o município de Fortaleza
teve de adiar a data desse exame em função do longo período de greve de seus profissionais
da educação, argumento apresentado pela gestão municipal.
Conforme nossa apuração, o governo do estado do Ceará resolveu, sem dialogar com
os municípios, antecipar a aplicação da prova. Essa decisão foi acatada pelos municípios que
permanecem vinculados ao Sistema Estadual de Educação, mas provocou um impasse com os
municípios que já possuem sistema próprio, como o caso emblemático de Fortaleza, que
externou sua posição de embate. Esse episódio parece ilustrar o que nossa depoente se referia
como a herança perniciosa da “tutela” do Estado.
O desfecho desse evento foi o adiamento da Prova Brasil em Fortaleza, tendo como
fator preponderante para essa decisão o contato entre a gestora do órgão executivo do sistema
e o ministro de educação. Observe-se que a autonomia é conferida formalmente ao sistema,
mas constitui instrumento fundamental para o exercício da liderança de sujeitos que têm
particular interesse pelo exercício hegemônico do poder decisório, com a devida legitimidade
social e normativa.
Tem-se outra nuance da relação entre autonomia e a opção pelo SME no depoimento
que segue:
Logo no início dessa fala, tem-se o reforço de que a própria decisão local por instituir
seu SME já deve expressar sua intenção de assumir autonomamente a incumbência de
elaborar e levar a efeito as políticas municipais de educação. No decorrer de sua
argumentação, a opção pela gestão sistêmica é referida como forma de viabilização do
exercício da cidadania, por isso mesmo é enaltecida como processo glorioso. Acata-se,
portanto, o juízo de que a autonomia que se toma como propriedade do sistema é, na
realidade, uma necessidade indubitável para que os sujeitos sociais possam agir
sistemicamente, consolidando, de fato, não somente de direito, a ascensão do Poder Local à
condição de membro de um Estado, que reconhece, no texto e nas práticas sociais, a
imprescindibilidade do gozo de direitos representativos que lhe permite participar da vida
política do Município.
Com sentido análogo ao de não ser mais tutelado pelo Estado, a criação do sistema é
retratada no discurso como um grande sinalizador para a emancipação da educação. Trata-se,
assim, de uma iniciativa com propósitos de libertação, alforria, independência do ente
Municipal em relação ao Estadual, no que diz respeito à autoridade de deliberar sobre os
assuntos educacionais. Vê-se que, tanto para o gestor da secretaria municipal de educação,
quanto para o representante do CME, a adoção do modelo sistêmico na gestão da educação
constitui mecanismo indispensável para levar adiante o pleito pela melhoria da qualidade
social da educação no Município, mediante a consecução de políticas educacionais que
dialoguem com as necessidades imediatas que se apresentam na realidade local, sendo esta
uma tarefa a ser protagonizada pelos sujeitos sociais que lidam diretamente e cotidianamente
com os problemas e, por conseguinte, dispõem de melhores condições para corroborar a
impulsão das mudanças necessárias.
261
Ainda sobre o tema da relação entre a instituição do sistema próprio de educação pelo
Município e o exercício da autonomia quanto à elaboração e execução de sua Política
Educacional, consultamos o entendimento da UNDIME/CE, tomando por referência o caso de
Fortaleza. A presidente desse órgão fez o seguinte pronunciamento:
O elemento novo que aparece nesse depoimento é o embate, por vezes silencioso,
entre o gestor (representante do governo) e o órgão responsável pela fiscalização,
acompanhamento e controle social da gestão da educação no município (CME), a respeito da
materialização da autonomia do SME para a organização da educação nesse ente federado. O
cerne da discussão é algo nem sempre posto às claras, que é a disputa pelo exercício da
autonomia por parte do gestor, segundo os interesses mais imediatos do executivo Municipal,
e por parte dos sujeitos que constituem o Poder Local.
É sobre esse aspecto que a entrevistada faz menção à vinculação entre os princípios da
autonomia e o da gestão democrática. Os limites para a efetivação do primeiro se mantém
justamente pela inviabilidade do segundo, uma vez que a atuação de forma autônoma no
âmbito do que se enuncia como gestão sistêmica somente é possível se a ação for
protagonizada pelo conjunto dos sujeitos que representam os segmentos com assento no SME,
situação que, como diz essa representante dos secretários municipais de educação, passa a
incomodar, inclusive ao próprio gestor.
O sentido da autonomia a que se refere no discurso remete ao entendimento desse
princípio como ação exercida pelos sujeitos nas práticas cotidianas da gestão da educação no
município, portanto, para além da prescrição de ente autônomo que o Marco Legal estabelece
para a esfera local. Trata-se de algo que independe, portanto, pelo menos primariamente, das
dimensões populacionais e/ou da pujança econômica de cada Município, pois o que está em
causa é a capacidade e disponibilidade para a organização dos sujeitos coletivos que são
262
[…] é porque você está olhando do ponto de vista da lei, e aí o sistema como
input. Nós, enquanto municípios cearenses que estamos vinculados ao
Estado, tentamos garantir o funcionamento das escolas. A gente não espera
do Conselho a definição de nossas políticas. Por exemplo, no meu município
nós temos uma proposta pedagógica para a Educação Infantil, construída de
uma forma democrática, com professor, com gestor, com pais – o Conselho
não tem nem conhecimento disso (Presidente da UNDIME/CE; 2009-).
Ele só não faz isso!... O restante ele faz tudo. Porque a dependência do
sistema quando não é criado é só da legalização das escolas, inclusive com
uma limitação por parte do Conselho Estadual. Como eu te disse, considera a
documentação sem nem ir in loco. Mas, do ponto de vista da atuação de suas
políticas, o Município faz independente de ter sistema (Presidente da
UNDIME/CE; 2009-).
Vê-se que a não mobilização para a criação do SME não é desinteressada. Trata-se de
uma ausência que, como temos abordado, interessa ao gestor, pois lhe permite atuar segundo
o que lhe aprouver. Cabe ressaltar, então, que tal situação, que vai de encontro à melhoria da
qualidade social da educação, uma vez que a manutenção do vínculo com o ente estadual – já
sabendo de seu distanciamento com os processos que se desenvolvem no contexto municipal
– gera um quadro de abandono de etapas fundamentais para o avanço da educação, que são
justamente as atribuições que se delegam ao SME por meio de seu Poder Local.
Procuramos saber como esse tema tem sido compreendido pelos sujeitos da pesquisa
que atuam na esfera estadual e no governo federal. Como será apreendido das falas a seguir, a
possibilidade da criação do SME é tratada com a ressalva de que parte significativa dos
municípios deve continuar sob a coordenação político-administrativa do sistema estadual. O
depoimento da gestora da COPEM sintetiza esse ponto de vista:
[…] acho que nem todos os municípios estão preparados para ter sistema.
Fortaleza veio construir agora depois de anos; é um município com um
grande número de habitantes, [que] veio construir agora seu sistema de
educação. Muitos Conselhos não são atuantes, muitos Conselhos não são
qualificados, porque o município nem estava preparado, foi só aquela coisa:
ah, vamos fazer um sistema! Eu acho que tem que ter um processo de
amadurecimento, de crescimento do município para que ele crie o Conselho
e crie o sistema realmente que seja atuante. Eu não vejo como uma medida
[…] que vai impactar na qualidade da educação do município, não. E os
resultados na aprendizagem, os alunos não têm mostrado isso como um fator
que seja relevante, e não há diferença entre o município que tem e o que não
tem (Gestora da COPEM/CE, 2006-).
Essa fala, que fecha esta parte sobre a questão do sistema como mecanismo de indução
da autonomia municipal, deixa claro que o reconhecimento do sistema como forma plausível
de gestão da educação cumpre exigência da ordem do discurso que delimita como regra o
exercício da autonomia, que permite o compartilhamento das decisões. Não obstante, tal
premissa tem sofrido inflexão no contexto das práticas cotidianas de gestão, uma vez que,
mesmo não tendo autonomia, se o município se organizar no sentido de ter sua política
pedagógica própria, Conselho Municipal de Educação, ele começa a ser autônomo.
A exigência, no campo das práticas gestionárias, da relação entre sistemas, conforme
consta no marco legal, ainda é mencionada como um vir-a-ser. Tanto do ponto de vista do
controle social, quanto das relações entre os entes federados, a inexistência do SME não tem
sido sentida em face de se burlar o que de fato constitui responsabilidade de quem mantém a
rede municipal como parte de seu campo de atuação. O que fica perceptível é que o
movimento de conquista e exercício da autonomia começa pelo rompimento dessa lógica.
Trata-se de reivindicar a formalização do sistema próprio, juntamente com a garantia de
condições para que haja isonomia na relação entre o órgão gestor e o CME, sem o qual não é
possível advogar o princípio da autonomia na gestão sistêmica como Política de Estado.
265
Outro sujeito, desta vez referindo ao contexto mais amplo do País, também abordou
esse tema com semelhante compreensão do cerne da questão.
[…] a articulação num sistema nacional de educação perpassa […] ter uma
organização municipal, uma organização estadual e uma organização
nacional, porque você não consegue articular coisas que são desorganizadas.
Em outras palavras, é isso. Sistema requer o quê? Organização! Nosso
corpo humano é organizado. Se você tiver um dos órgãos que não funcione,
desorganiza. Sistema requer algo organizado. E no caso de um sistema de
educação, é uma organização feita pelo homem, tem intencionalidade
(Secretário Executivo Adjunto do MEC; 2007-).
autonomia dos sujeitos coletivos em cada ente de poder federado. As práticas discursivas
exercidas pelos sujeitos da pesquisa revelam uma estreita vinculação entre a reafirmação da
plausibilidade do SME e os avanços na democratização da gestão da educação em Fortaleza.
Sobre este fato, observou-se que a opção do sistema como estratégia de ação política indutora
da materialização dos princípios da gestão democrática tem sido demonstrada, especialmente,
através da elaboração do PME, mas também da consistente descentralização político-
administrativa de sua implementação, tema para o qual, mais adiante, dedicaremos seção
específica.
91
Foram realizadas 04 audiências públicas durante o processo de elaboração de resoluções que regulamentam o
atendimento às demandas de Educação Infantil e Ensino Fundamental do SMEF, tendo em todas as etapas a
mediação do CME, ficando também sob esse órgão a responsabilidade de encaminhamento do texto final, assim
como de fato aconteceu, passando, desde então, a constituir referência para consulta obrigatória de gestores da
rede pública de ensino, mas também, das instituições da educação infantil pertencentes à iniciativa privada.
269
A partir daquilo que sistematizamos de nossos contatos com membros do CME, pode-
se concluir que a própria agenda programática de ações a serem realizadas pelo Conselho tem
suscitado a discussão das condições estruturais para o funcionamento desse órgão. Portanto,
trata-se de uma requisição induzida pela crescente mobilização dos sujeitos coletivos no
sentido de assumirem efetivamente as atribuições que se espera do Conselho na gestão
sistêmica.
Na sequência, analisaremos o discurso da atuação do CME a partir da criação do
SMEF, considerando três dimensões das práticas discursivas dos entrevistados, que são: a) a
força ideológica na enunciação da perspectiva política do Conselho, b) a contextualização do
campo de atuação do Conselho e das atribuições assumidas pelos conselheiros, e c) a
referência às ações do CME identificadas como inerentes à gestão sistêmica.
Sobre a primeira dimensão, destacamos o seguinte trecho do depoimento da presidente
do CME:
A convicção política que perpassa essa fala resguarda-se na formação discursiva que
enuncia o CME como estímulo ao fortalecimento e a institucionalização da participação
democrática da sociedade civil nos processos educacionais do Município. A própria
elaboração do regimento do Conselho já exemplifica essa perspectiva de ação dos partícipes
por ter sido constatada a efetivação do direito ao dissenso sobre princípios a serem observados
na rotina de atuação desse órgão, assim como na regulamentação de orientações para o
acompanhamento da qualidade do ensino no âmbito da rede pública e da iniciativa privada.
Percebemos que a internalização da lógica sistêmica é evidenciada como estratégia de
ação política para legitimar a apresentação e apreciação de projetos elaborados pelos
diferentes grupos que disputam maior influência na definição do foco de ação do CME no
sistema. As discussões que se desenvolvem nas comissões do Conselho são emblemáticas da
correlação de forças entre os conselheiros que representam as diferentes instituições que o
compõem.
270
[…] os Conselhos não conseguem cumprir sua função normativa e dar conta
pela falta ainda da qualificação dos conselheiros, essa característica que tem,
e pela falta de uma equipe técnica que dê suporte para que o Conselho possa
cumprir com suas funções consultivas, deliberativas, normativas,
fiscalizadoras, mobilizadoras. Eu acho superimportante estar mobilizando a
população para estar discutindo as questões da educação e que essas
discussões sirvam de referência para o Conselho para que vá assumindo,
também, posições no sistema na perspectiva daquilo que seria o melhor para
a educação (Presidente do CME/Fortaleza; 2007-).
Como já foi dito, a elaboração do regimento do CME foi a primeira iniciativa desse
órgão em atendimento à lógica de gestão sistêmica da educação no Município. Após o
processo de apresentação e apreciação de proposições quanto às incumbências a serem
assumidas por esse Conselho, a participação de profissionais com reconhecido conhecimento
sobre normas e legislações educacionais foi incorporada à composição do quadro de
membros92.
92
Os participantes da “equipe técnica” do CME de Fortaleza foram selecionados por meio de análise de
currículo e memorial, além da realização de entrevistas. Todos os candidatos deveriam ser professores
vinculados ao SMEF.
271
A fala chama a atenção para as condições favoráveis que o CME dispõe, em relação ao
CEE, no tocante ao desempenho de suas funções precípuas. Observa-se que o foco discursivo
272
não se circunscreve à descrição de atribuições que o CME passa a exercer com a criação do
sistema. Na realidade, o que ocupa centralidade são exigências a serem cumpridas pelo Poder
Local a fim de resguardar a operacionalidade dos trabalhos do Conselho Municipal,
especialmente a assessoria técnica para que os encaminhamentos didático-pedagógicos
possam fluir.
É oportuno afirmar que as ações do CME de Fortaleza têm corroborado o
cumprimento progressivo das incumbências atinentes ao sistema de educação de que é parte.
Como exemplo deste fato, cita-se a campanha que resultou na elaboração do PME, momento
em que esse Conselho se fez notável na definição das diretrizes da Política Educacional do
Município, conforme analisaremos na próxima seção, mas também cabe, com igual
pertinência, a menção ao protagonismo crescente quanto ao processo de acompanhamento das
escolas públicas e privadas vinculadas ao SMEF. Esse último tópico é explicitado pela
presidente do CME, sendo o extrato a seguir simbólico para o conjunto de seu depoimento:
[…] a gente tem até seis anos para que a escola seja credenciada, mas se
alguma exigência ali está deixando de ser cumprida pela resolução, ela vai
ser notificada por menos tempo e vai ser dado um parecer, dizendo assim:
“para renovação, daqui a dois anos, só poderá ser feita quando aquela
exigência tiver sido cumprida”. Isso é o Conselho acompanhar a qualidade
da educação e colocar a responsabilidade para o executivo para ele fazer, ou
coloca os responsáveis nessa perspectiva para resolver para caminhar de
forma processual, naturalmente. Melhor do que colocar o processo em
diligência, como é comum nos Conselhos Estaduais de Educação, porque
não conhece a realidade de cada caso (Presidente do CME/Fortaleza; 2007-).
Poder Local como instância privilegiada para a viabilização de estratégias que imprimam
maior rapidez e eficiência ao atendimento das demandas educacionais do ente Municipal. Vê-
se que a efetivação da experiência descentralizadora já incute a perspectiva da regulação da
dinâmica educacional nessa municipalidade, respaldando-se na formação discursiva que
preconiza a gestão democrática da educação como constituição e execução de regras que
garantam os direitos da população local à escola e à educação.
Nesse sentido, a fixação de regras que norteiam não somente a gestão da educação
pública municipal, mas também aquela sob a responsabilidade da iniciativa privada no âmbito
do SMEF, como temos salientado, explicita concretamente a noção da regulamentação como
forma particular da regulação (Barroso, 2005), assim como reafirma o espaço da autonomia
do município, bem como as responsabilidades educacionais que lhes são atinentes. No caso de
Fortaleza, a regulação tem delineado as ações dos atores em função das regras instituídas.
Desta feita, pode-se afirmar que a postura autônoma de seu CME tem se mostrado signatária
dos procedimentos regulatórios. Tal condição tem se constituído fundamento indubitável para
assegurar a incorporação da lógica sistêmica nas práticas sociais, portanto, para além das
próprias regras inscritas na lei do sistema.
Faz-se importante ponderar que a questão do exercício da autonomia na atuação do
CME foi relativizada quando consultamos os sujeitos da pesquisa sobre a forma de
financiamento para que esse órgão desenvolva suas funções. Consideramos que o depoimento
da presidente da UNCME/CE sintetiza a avaliação que os conselheiros externaram sobre essa
matéria, conforme o exposto no extrato abaixo:
[…] o nosso sonho é que essa autonomia financeira ela seja, assim, de modo
que os próprios Conselhos gerenciem o seu financiamento. Mas eu acho que
a gente ainda precisa avançar muito em relação a isso. Eu lhe digo que
mesmo o Conselho onde já existe sistema, mas ainda tem alguns gargalos
que a gente precisa superar. Então, querendo ou não, ainda existe um elo,
mas o Conselho ele não fica submisso porque ele sabe que isso está
garantido em dotação orçamentária da Secretaria de Educação. Então, se
entrega um plano na Secretaria de Educação onde se diz, por exemplo: nós
vamos realizar uma capacitação... A gente manda sempre o que se vai
fazer..., que metas que vamos atingir no primeiro bimestre. Então, no
primeiro semestre nós vamos realizar uma capacitação. Então, nós vamos
precisar de quê? Material gráfico, alimentação... Só se comunica dizendo o
que vai se precisar. Então, quem decide que material que é; que cardápio que
se quer é o Conselho. A Secretaria […] acata todas as decisões do Conselho,
desde que aquele gasto não ultrapasse o que está na dotação orçamentária
anual. Um conselheiro quer participar de um seminário que vai ter em tal
canto..., então, ele tem direito ao translado; ele tem direito à hospedagem, ele
tem direito às inscrições. Então, funciona ainda assim (Presidente da
UNCME/CE; 2009-).
274
O caráter relativo com que esse tema é tratado se expressa por meio da consideração
da autonomia financeira como sonho, portanto, tratando-se de um desejo ainda que intenso,
veemente, por parte dos conselheiros, reconhece-se que é preciso avançar muito em relação a
sua efetivação. Observa-se que a noção da autonomia como princípio inerente à postura
política do CME é incorporada às práticas discursivas dos membros desse Conselho, assim
como salientamos ações, desenvolvidas a partir da criação do sistema, em que o exercício de
tal fundamento democrático se fez notável. Não obstante, a citação de que querendo ou não,
ainda existe um elo, enuncia um condicionante importante ao que se pressupõe como postura
autônoma intra-sistema.
Pode-se constatar que a limitação do CME quanto à sua capacidade de dar-se as
próprias regras, evidencia-se estritamente quando se trata de sua dependência em relação à
secretaria municipal de educação. A alegação de que a gente manda sempre o que se vai
fazer, retira do CME exatamente a condição objetiva para que sua autonomia possa ser
exercida no controle social no âmbito do próprio SMEF, sendo esta uma das suas funções
precípuas, mas que tem sido comprometida à medida que se faz necessário, por parte do
Conselho, solicitar ao órgão gestor o provimento da infraestrutura para a realização de
fiscalizações das instâncias sob a jurisdição do poder público Municipal. Contudo, a todo o
momento em que a questão da autonomia foi referida como condição para que o Município
pudesse emancipar-se da tutela do ente estadual, o Conselho foi incorporado no discurso
como órgão que se reveste deste fundamento democrático, inexoravelmente.
Esse quadro realça os limites interpostos à atuação do Conselho no sentido de garantir
o cumprimento de uma exigência que se faz à gestão sistêmica da educação no Município,
que é o protagonismo dos sujeitos coletivos locais no controle social da educação. Apesar do
tom ameno com que a entrevistada se refere ao pronto-atendimento da Secretaria às suas
necessidades operacionais, nota-se que a subordinação do órgão fiscalizador ao órgão
responsável pelo objeto da fiscalização é clara.
Além de expedir convocações, preparar processos e reuniões, fazer verificações in
loco, providenciar diligências necessárias, o que já demanda gestão financeira e liberdade de
iniciativa para decidir o momento para fazê-las, o Conselho precisa prover-se de condições
que lhe assegurem a elaboração e cumprimento de uma pauta de atuação que inclua a
realização de formações permanentes para seus membros, sem que seja promovida
necessariamente pelo órgão gestor, entre outras iniciativas que promovam a qualificação e
275
otimização de suas ações. Conforme afirma Romão (1993, p.119), “para fazer face a sua
própria manutenção e preservar sua autonomia, o Conselho deverá ter dotação orçamentária
própria, consignada à conta da Secretaria Municipal de Educação”.
Em face dessa constatação, pode-se afirmar, por um lado, que o CME de Fortaleza tem
avançado, ainda que parcialmente, quanto ao cumprimento de suas atribuições esperadas a
partir do advento do SMEF, destacando-se, em detrimento das limitações objetivas
apresentadas, sua participação na construção de mecanismos que se coadunam à lógica de
gestão sistêmica, com a ponderação de que tais iniciativas também se consubstanciaram aos
interesses da gestão, a exemplo da elaboração do PME.
Por outro lado, falta-lhe – até mesmo em função de sua dependência financeira –
consolidar-se como Conselho de Estado, status que reclama o exercício da autonomia para
fazer valer o crédito atribuído ao Poder Local para agir na perspectiva de desburocratizar o
processo de atendimento das demandas educacionais da esfera local, resguardando a
qualidade social dos serviços oferecidos, sobretudo, ao assumir a vigilância quanto ao
cumprimento das obrigações por parte do conjunto dos sujeitos envolvidos no SMEF,
especialmente a parte que cabe ao governo municipal.
extensão temporal ganha o alcance de uma década, portanto, a projeção da ação do Estado no
campo educacional extrapola os limites políticos do governo da vez. É pertinente salientar que
as diretrizes, objetivos, metas e ações educacionais para o período de sua vigência tomam a
qualidade da Educação e a inclusão social como formação discursiva.
Os depoimentos que nos foram concedidos retratam, sobremaneira, esse processo de
construção do plano, de modo que as expectativas de sua implementação são mencionadas nas
práticas discursivas como uma resposta ao interesse manifesto pelo conjunto dos sujeitos
sociais que compõem o SMEF. Os trechos de entrevistas apresentados a seguir exemplificam
esse entendimento. No primeiro, resgata-se o fundamento democrático assumido durante a
construção:
Essa gestora traz à memória a trajetória discursiva que envolveu a elaboração do PME
de Fortaleza, ressaltando-se o processo de ampliação do espaço de participação democrática
engendrado nesse movimento. A esse respeito, pudemos constatar que a consolidação de
instâncias imprescindíveis à gestão sistêmica, como o CME e a COMUDE, tiveram impulsão
ao longo dos intensos debates realizados sobre tópicos relacionados ao plano. Evidenciou-se,
como mote das argumentações, a defesa de que a execução eficiente do PME requer
mecanismos de acompanhamento, que, além do Conselho e da Conferência, destacou-se
também o Fórum Municipal de Educação (FME)93.
Cabe salientar que o caráter eminentemente democrático com que o Fórum é difundido
no discurso tem por perspectiva justificar o crédito atribuído ao SMEF como construto
decorrente do envolvimento da sociedade civil organizada em prol da causa educacional, não
apenas uma questão de interesse governista, ainda que o trâmite legal permita tal
93
O Fórum constituiu-se como uma instância de participação coletiva, presidido pela Secretaria Municipal de
Educação - SME e composto por 68 (sessenta e oito) órgãos, instituições e entidades, com um conjunto de 108
(cento e oito) membros titulares e igual número de suplentes. Teve como objetivo articular as discussões em
torno da elaboração do Plano Municipal de Educação - PME, culminando seu trabalho com a entrega do
anteprojeto de Lei à Senhora Prefeita Municipal, para encaminhamento à Câmara Municipal de Fortaleza.
277
[…] para a elaboração do PME foi criado um fórum. E esse fórum também
teve uma composição extremamente democrática. Ele teve a participação de
68 entidades representativas da sociedade, da comunidade educacional de
Fortaleza. Esse fórum se reunia mensalmente para discutir e para organizar,
tanto para fazer o diagnóstico da educação de Fortaleza e cada um dos eixos
das temáticas que iriam compor o documento para culminar na conferência
municipal de educação. Então, nesse momento, uma das questões postas no
próprio plano, e que era um desejo desse fórum, era que Fortaleza se
organizasse na perspectiva da criação de um sistema municipal de educação.
Então, quando o sistema é criado, ele já é fruto dessa ampla discussão, que
em vários momentos dos fóruns mensais ficava muito evidente da
necessidade de Fortaleza, além da construção legal, […] ter definitivamente
uma Política de organizar o plano municipal de educação, porque era uma
vontade do CME de criar o SME dentro dessa perspectiva de construir a
unanimidade dentro da diversidade, com toda a complexidade que tem.
Então, eu entendo que essa participação […] foi muito importante. O fórum
para elaborar o plano e, finalizando, quase que concomitantemente, a criação
do sistema municipal de educação (Presidente do CME/Fortaleza; 2007-).
A análise dos dados coletados referentes aos documentos e registros sobre a dinâmica
de elaboração do PME revela que o diagnóstico realizado pela Secretaria de Educação,
citado pela Secretária e reafirmado pela presidente do CME, diz respeito à estrutura montada
para a realização do Fórum, sendo composta por catorze plenárias mensais, cinquenta e duas
reuniões semanais da Comissão Executiva, além de reuniões semanais ou quinzenais dos
Grupos de Trabalho, subdivididos didaticamente em: Educação de Crianças, Educação de
Adolescentes e Jovens, e Educação de Adultos e Idosos.
Reconhecemos a autenticidade da correlação entre as possibilidades de
democratização que são ensejadas com/pelo Fórum e o entendimento da criação do sistema
como fruto dessa ampla discussão, que pôde ser viabilizada por meio dessa instância. A
própria construção conjunta dos mecanismos constituintes do sistema sublinha a função que o
fórum cumpriu na construção e difusão da lógica sistêmica. A tônica de construir a
unanimidade dentro da diversidade, referida pela presidente do CME, é amplamente notada
nas práticas discursivas dos sujeitos da pesquisa quando mencionam a convivência colegiada
nas etapas que corroboraram a elaboração do PME, a implementação do CME e, por
conseguinte, a formalização do SMEF.
Com efeito, assim como se preconiza como amplitude do PME, o Fórum contemplou
discussões a respeito de todos os níveis, modalidades e etapas da educação, bem como a rede
pública de ensino e as instituições privadas de Educação Infantil, sob a justificativa de que se
278
trata de um plano da cidade e não apenas da rede/gestão municipal 94. Tem-se, portanto, a
incorporação do conceito de cidade educadora como marco conceitual importante para a
difusão do sentido abrangente que o plano precisa ser concebido no âmbito do Poder Local.
Nesse sentido, a projeção decenal do plano é permeada pela perspectiva filosófica da
constituição de cenários e espaços educativos na cidade, em que se enuncia a formação
integral e global de todos os cidadãos como regra a partir da qual se justificam as metas,
diretrizes e estratégias para o decurso em que o planejamento educacional do Município é
proposto. Em consonância com tal ordem do discurso, o Fórum Municipal de Educação de
Fortaleza definiu os seguintes objetivos para o PME:
[…] quando o município tem sistema próprio eu acho que existe uma
preocupação muito grande com a questão da qualidade. Então, elaborar a
proposta pedagógica é uma questão indiscutivelmente dos Conselhos. A
gente trabalha em cima das propostas pedagógicas por níveis e modalidades.
94
O Fórum tomou como marco referencial para o PME de Fortaleza a Carta das Cidades Educadoras, que é uma
proposta internacional de adesão dos municípios a uma série de princípios e ações que compreendem a cidade
como educadora em todos os seus aspectos, movimentos e espaços para além das escolas. Os princípios
definidos foram: Educação de Qualidade Social, Democratização da Educação e Inclusão Social. Pode-se
conceber que o texto do plano é notavelmente respaldado no Plano Nacional de Educação e no Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos. Documento elaborado no 1º Congresso Internacional das Cidades
Educadoras realizado em 1990, na cidade de Barcelona, reuniu na Carta inicial os princípios essenciais ao
impulso das cidades educadoras. Esta carta foi revista no III Congresso Internacional de Bolonha, em 1994, e no
de Gênova, em 2004.
279
histórico das etapas do plano é mencionado nas práticas discursivas com destacável ênfase
para a autonomia local, conferida pelo sistema, quanto à proposição de ações ao poder público
Municipal, demonstrando que a lógica sistêmica passa a ser incorporada não apenas pelo
órgão gestor, mas, sobretudo, pelas demais instâncias representativas. Essas instâncias,
inclusive, reclamaram a implantação do CME e do PME como condição indubitável para a
criação do SMEF, razão pela qual tais instrumentos de fato foram regulamentados e têm sido
ocupados no contexto atual como instrumentos garantidores de ações propostas e levadas a
efeito pelo conjunto dos sujeitos sociais que compõem o sistema de educação nessa
municipalidade.
Há de se convir que a sinergia com que tais mecanismos da gestão sistêmica foram
engendrados tem impactado, sobretudo, na ação coletiva em defesa da efetivação do plano, de
tal modo que a figura do planejamento estratégico da gestão, na estrita condição de
substituição do PME, como se observou em Recife, não se verifica em Fortaleza. Não
obstante, a análise do discurso como prática social realizada no âmbito de Fortaleza permite
desvelar que a concentração de esforços dos sujeitos vinculados à sociedade civil organizada,
por fazer cumprir estritamente o que consta no PME, não passa ilesa de disputas no campo
discursivo, no sentido de empreender possíveis inflexões por parte da representatividade do
governo local, em face aos seus interesses partidários. A Secretária Municipal de Educação
cogitou essa possibilidade. A parte de sua argumentação sobre essa matéria pode ser
sintetizada com o seguinte extrato:
e continuada dos professores, razão pela qual esse tema é enfaticamente tratado no PME de
Fortaleza.
Apresentamos, de forma sintética, os aspectos registrados nesse plano sobre a
prospecção de metas para o atendimento à Educação Infantil:
[…] quando o município cria o seu sistema, então ele passa a autorizar e a
credenciar as escolas. Esse é um trabalho que é feito, na maioria das vezes,
pelo Conselho Estadual. Na hora que o município se torna sistema próprio de
educação, quem passa a desenvolver esse trabalho é o CME. Ele é quem vai
visitar. Ele é quem vai receber todo o protocolo. Por isso é que eu acho
importante o trabalho do CME, porque são esses atores que vão observar a
atuação das escolas, o Projeto Político-Pedagógico, o regimento interno, a
estrutura física da escola. Quem passa a ter um olhar mais analítico, mais
crítico ou colaborador mesmo é o CME. Ele sai da esfera estadual, e, assim,
acho que a esfera estadual tem uma postura um pouco cartorial (Presidente
da UNCME/CE; 2009-).
Esse tema, que já tratamos quando nos referíamos ao incremento das ações do CME
em face das requisições da criação do sistema municipal, é retomado com o enfoque da
necessidade de se induzir o comprometimento social com o acompanhamento das ações
didático-pedagógicas que se desenvolvem nas escolas, portanto, com pretensões de atuação
para além do momento de credenciamento/recredenciamento de unidades escolares. Trata-se
de uma força-tarefa com o intento de corroborar a melhoria do nível de aprendizagem dos
estudantes. Por conseguinte, a ação exige a transcendência da postura cartorial com que de
fato se observa no trabalho desenvolvido pelo Conselho Estadual de Educação em matéria de
visita in loco das escolas.
Observa-se que essa chamada de atenção que a entrevistada faz em sua fala, em
resposta a nosso questionamento sobre a perspectiva de avanços no atendimento do ensino
fundamental a partir do PME de Fortaleza, se insere no discurso que problematiza os fatores
que geram a baixa qualidade do trabalho pedagógico nas escolas, enfatizando-se, dentre eles,
o não cumprimento das diretrizes curriculares e as condições adversas quanto à estrutura
necessária para a realização satisfatória da prática didático-pedagógica.
285
[…] na época que o Tasso Jereissati foi governador, ele transferiu, por volta
de 1998 – com aquele medo do FUNDEF não atingir o Ensino Fundamental
para o Governo do Estado – […] de uma forma totalmente irresponsável, 80
mil alunos para a rede municipal de uma vez. Então o prefeito da época, com
todas as críticas que nós temos a ele, saiu colocando meninos em todo canto.
Uma verdadeira pocilga [...] Quando a prefeita assumiu, foram criadas as
unidades anexas, que é um termo genérico, são unidades ligadas a uma
escola municipal. Nós tínhamos informado ao Conselho Municipal de
Educação que tínhamos 150 unidades anexas, sendo que 70 impossíveis de
funcionar como unidade escolar. Durante esse período da prefeita, de 2005
até hoje, nós só estamos com 52, mais de 100 anexos nós fechamos e
criamos as escolas. Passamos 4 anos enlouquecidos para montar essa
estrutura das escolas, porque não eram realmente. Tinham 15 escolas com o
padrão do Ministério da Educação, considerando tamanho das salas,
Laboratório, biblioteca..., e só! (Secretária Municipal de Educação, 2005-).
O que nossa entrevista revela é algo que de fato corresponde aos fatos. As informações
dão conta de que, por volta de meados dos anos 2000, o número de estudantes na rede
municipal de ensino havia superado a capacidade de atendimento em condições adequadas,
obrigando a gestão a providenciar espaços anexos, quase sempre inapropriados para a
atividade educacional, assim como se tem conhecimento da existência em uma grande parte
dos municípios brasileiros. A fala ratifica a importância da participação dos sujeitos coletivos
no sentido de reverter esse quadro, assim como destacamos na análise da fala da presidente da
UNCME/CE.
Consideramos que o texto do PME de Fortaleza avança na perspectiva de consolidação
da gestão sistêmica, quando atribui ao ente Municipal a incumbência de manter e consolidar o
286
ensino seja ofertado, mas também a observância das orientações político-pedagógicas para as
etapas de ensino, em consonância com os marcos regulatórios da área.
A premissa de que na relação entre os sistemas não pode haver subordinação, uma vez
que, instituído o sistema, o município se subordina tão somente às leis e diretrizes nacionais,
também é validada para o SMEF. Isso significa dizer que a função a ser exercida pelo CME,
quanto à apreciação sobre as condições de funcionamento das escolas, assim como a
implementação de projetos pedagógicos pelas escolas – ação que já requer a participação do
conjunto dos segmentos da comunidade local e escolar –, constitui o cerne do movimento prol
melhoria da qualidade social da educação de Fortaleza, em face de que o mote que se constata
no PME dessa municipalidade é a exigência do cumprimento das normas legitimamente
instituídas, tratando-se, portanto, de uma iniciativa a ser empreendida necessariamente pelos
sujeitos envolvidos com os processos educativos na esfera local.
[…] não há uma regulamentação, isso é uma falha muito grande. Inclusive, a
falha ela existe e, na prática, ela é muito mais forte do que na concepção do
Regime de Colaboração. Porque, você não pode dissociar os dirigentes,
governador, prefeitos, e dirigentes de educação, secretários estaduais e
288
A fala da Secretária coloca em evidência o viés partidário com que as parcerias são
estabelecidas entre os dirigentes (governador e prefeitos), em face da ausência da
regulamentação do que deve ser objeto da colaboração com imprescindível intermediação de
sujeitos coletivos que representam os segmentos sociais do Poder Local. A tônica é atribuída à
questão do caráter das parcerias que são efetivadas sob a dependência da vontade das pessoas
que representam o grupo governista, eivado, portanto, de interesses que não se coadunam,
necessariamente, com os demais projetos porta-vozes de pleitos que emanam da sociedade
civil organizada.
Esse mesmo argumento é recuperado pela presidente do CME de Fortaleza, no
seguinte trecho de seu depoimento:
[…] houve uma mudança na LDB, que a LDB dizia que deveria ter lei para o
Regime de Colaboração, para a regulamentação. O que foi que aconteceu?
Mudou a lei, porque o legislador chegou à conclusão de que uma lei só não
resolve o problema da colaboração, ou seja, da regulamentação do Regime
de Colaboração. É preciso leis, porque talvez [seja] preciso fazer várias leis,
não apenas uma (Secretário Executivo Adjunto do MEC; 2007-).
A questão é que a forma como esse processo de elaboração de parcerias tem sido
materializada revela a tendência da consecução de pactos circunscritos a determinados
aspectos das demandas educacionais e não ao conjunto do que se preconiza para a ação
conjunta dos três níveis governamentais. Além disso, a ausência de coordenação federativa
deixa margem para que a proposição de termos, a ser apresentada como marco regulatório da
colaboração, seja feita, unilateralmente, pelo ente Estadual. Daí porque os sujeitos da pesquisa
não reconhecem os documentos que as esferas locais são quase que coibidas a pactuarem com
o Estado proponente ao qual se inserem geograficamente, como regulamentação do regime de
colaboração, conforme se explicita, exemplarmente, na voz da Secretária Municipal de
Educação e na presidente do CME de Fortaleza.
Nossa análise sobre essa matéria permite afirmar que o tema “Regime de
Colaboração”, no campo educacional cearense, é referido quase numa só voz como
“Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC)”. O PAIC foi proposto pelo Governo do
Estado do Ceará e recebeu adesão por unanimidade dos prefeitos dessa unidade federativa,
por meio de assinaturas ao Termo de Parceria, evento ocorrido em 24 de maio de 2007 95. O
referido instrumento passa então a ser apresentado na qualidade de regulamentação de ações
possíveis de serem pactuadas entre os entes de poder federado (Estadual e Municipal), com
objetivo, reafirmado ao longo do texto do programa, de desenvolver políticas de Educação
Infantil e de alfabetização de crianças matriculadas nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental.
O programa abrange um conjunto de iniciativas dirigidas ao acesso, permanência,
95
Termo de Parceria celebrado entre o Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria da Educação
(SEDUC), da Secretaria de Cultura (SECULT), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e das
Entidades da Sociedade Civil; e da Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará (APRECE), da
Associação das Primeiras Damas dos Municípios do Ceará (APDMCE), da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (UNDIME-CE), e do Fórum de Educação Infantil do Ceará.
290
A esse respeito, cabe salientar que o discurso da melhoria dos índices educacionais
como meta imprescindível ao planejamento da gestão educacional tem justificado o
posicionamento do governo estadual em prover o assessoramento técnico às equipes de gestão
do PAIC nas Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (CREDE) e nas
Secretarias Municipais da Educação. Constata-se a incorporação de estratégias de
gerenciamento dos sistemas de educação com estabelecimento de indicadores de eficiência de
gestão, com ênfase em metas como a correção do fluxo escolar e a redução do abandono e da
evasão escolar.
É pertinente destacar que tal enfoque gerencial tem se incorporado às políticas
educacionais implementadas a partir de 2008, podendo-se identificar a postura consonante das
administrações locais em ações como a escolha de gestores escolares. Nessas ações se verifica
o pacto com o Governo do estado para a garantia de que o processo seja baseado
fundamentalmente no mérito e na declaração de compromisso com o cumprimento de metas
de elevação de desempenho dos índices educacionais. Outro exemplo que segue essa mesma
diretriz é o estabelecimento de políticas de valorização do magistério atreladas ao
desempenho docente e na comprovação de aprendizagem dos alunos por meio de avaliações
externas.
Uma vez que nem o processo de elaboração, nem, muito menos, a gestão do PAIC
constituem ação respaldada pela lógica sistêmica, a incumbência de estabelecer os convênios
com os Municípios foi delegada ao órgão gestor da educação do Estado, mais especificamente
da Coordenadoria de Cooperação com os Municípios – COPEM. Em nosso trabalho de
pesquisa nesse órgão, analisamos que entendimento perpassa as práticas discursivas ali
exercidas no tocante ao foco do programa, bem como a razão que levou a tal proposição por
parte do governo do estado. O trecho de entrevista abaixo trata dessa questão:
[…] a Secretaria de Educação do estado do Ceará […] adotou..., ela tem uma
diretriz muito clara de que ela não era secretária apenas de sua rede estadual.
Ela se co-responsabilizou pelo sistema público de educação no Estado,
inspirada principalmente pelos baixos resultados de aprendizagem dos
alunos da rede pública. Aqui é a coordenação que está aberta para os
municípios, mas se o município quer procurar logo a Secretária, aí
conversa... Se tiver de acontecer uma cooperação, a Secretária dá um ok lá
para o município, mas ele tem que vir pra cá para cumprir todo o
procedimento burocrático do acordo específico que for firmado (Gestora da
COPEM/SEDUC/CE, 2007-).
Faz-se pertinente considerar que o conjunto das ações preteridas pelo PAIC assinala
para a reafirmação do compromisso do Governo do Estado com o atendimento das demandas
292
educacionais pala além do âmbito de sua prioridade legal, uma vez que a educação infantil e
os anos iniciais do ensino fundamental ficam sob a responsabilidade imediata dos municípios.
Igualmente oportuna é a ponderação de que essa intenção e esse gesto não se afinam,
sabendo-se que a iniciativa tem por perspectiva a construção de parcerias, mas os parceiros
(Municípios) são convocados tão-somente a assinarem embaixo do que o Estado determina.
Vê-se que o discurso da corresponsabilidade pela gestão da educação pública é
assumido quando da referência de que o gestor da Secretaria Estadual de Educação não tem
atuação limitada a sua própria rede. Contudo, cabe salientar que é por meio dessa força
enunciativa que a prática discursiva da gestora da COPEM busca afirmar a posição do ente
Estadual como hierarquicamente superior ao Municipal, ainda que se saiba da garantia legal
quanto à horizontalidade do trato hierárquico entre tais esferas.
A colocação de que, se tiver de acontecer uma cooperação, a secretária dá um ok lá
para o município, devendo este último cumprir todo o procedimento burocrático indicado
pela COPEM, dá o tom de que o ente Estadual se apresenta como uma agência de fomento
para o financiamento de ações que se coadunem à definição de seus critérios. Não se trata,
portanto, de um acordo após discussão entre as partes, mas uma relação entre uma parte
mandatária (o ente Estadual), que ostenta sua posição hegemônica por dispor de maior vigor
econômico, e as partes com menor capacidade de prover as demandas que lhes são
requisitadas (o ente Municipal), restando-lhes acatar os termos baixados pelo Estado, caso
contrário, ficará automaticamente excluído da relação de beneficiários do Programa.
Diante desses fatos, indagamos os sujeitos da pesquisa sobre os aspectos que elegemos
como base da abordagem da questão do Regime de Colaboração nesta Tese: as perspectivas
de colaboração engendradas a partir da criação do SMEF; as concepções de regime de
colaboração defendidas por gestores e por representantes da sociedade civil organizada, e as
formas pelas quais os acordos entre governos e/ou sistemas de educação têm sido efetivados.
Sobre o primeiro tópico, analisamos, inicialmente, o depoimento da Secretária de
Educação do município, que retoma a questão sobre o modo como o PAIC foi acatado pelos
municípios como mote da sua argumentação sobre as perspectivas de colaboração que podem
ser creditadas ao advento de criação do sistema de educação em Fortaleza.
estadual se deslocou para o CME para uma reunião em que a gente discutiu
algumas pautas, por exemplo: a partir de quando as escolas começariam a ser
credenciadas pelo SMEF. Então, as escolas que estavam lá antes do
município criar sistema municipal. A gente já está discutindo, no caso das
instituições privadas de educação infantil, que tinham dado entrada no CEE.
As escolas que têm educação infantil, fundamental e médio que são da rede
privada, essas escolas vão ter que dar entrada em um processo no CME para
a educação infantil e outro no CEE para o ensino fundamental e o médio.
Como facilitar para essas escolas, sem deixar que o CME dê o seu parecer
sobre a educação infantil? (Presidente do CME/Fortaleza; 2007-).
pesquisa quanto ao entendimento do ente Estadual de que sua relação com os municípios
desconsidera, por completo, a existência ou não de SME. Assim, ao indagarmos a gestora da
COPEM sobre a relevância da criação dos sistemas de educação no âmbito municipal para
realização de práticas de colaboração com o Estado, sua resposta foi a seguinte:
[…] não tem essa coisa, assim…[…] a gente está se relacionando entre
sistemas. Primeiro a gente tem o princípio que o município é autônomo,
tenha ele um sistema próprio ou não. O respeito é o mesmo, não há
imposições... O que há é adesão do município a um determinado programa e
a nossa relação é a partir do aceite do município em querer participar. Nós
não estamos aqui […], esse município tem um sistema, esse aqui não tem...
Nós não estamos preocupados com isso não. Nós estamos preocupados para
que seja elevada a qualidade daquele município, tenha ele sistema ou não
(Gestora da COPEM/SEDUC/CE, 2006-).
limites de atuação de cada colegiado para que o compartilhamento se efetive por meio da ação
conjunta nos processos, quando for pertinente. Em relação ao posicionamento da
representação da Secretaria de Educação do Estado, tem-se, na realidade, a substituição do
que se espera do ato de colaborar como uma construção e vivência recíproca entre os sujeitos
coletivos, que respondem pela gestão em cada ente federado, pela noção de colaborar como
redistribuição de recursos do governo estadual com os governos municipais, sem que essa
relação perpasse o trâmite sistêmico que temos salientado na gestão da educação.
Quanto às formas de colaboração efetivadas no âmbito do SMEF, última etapa desta
seção, é conveniente ressaltar que se trata essencialmente de possibilidades de parcerias
estritamente listadas no PAIC. Além disso, têm-se as políticas educacionais fomentadas pelo
Governo Federal que são acatadas pelo Município. Nesse caso, são ações que independem da
existência de sistemas de educação no contexto local, portanto, não constituem objeto de
apreciação prioritária deste estudo.
O FUNDEB, apesar de não ser uma política pública levada a efeito pela lógica de
gestão sistêmica, tem sido citado como experiência que corrobora o fortalecimento de ações
que os SME assumem, uma vez que a autonomia exercida pelo poder local, nos termos que
temos ressaltado – inclusive para desenvolver legitimamente o controle social quanto ao
cumprimento das incumbências do poder público –, permite o planejamento e execução de
ações com perspectiva de perenidade.
Diante do exposto, pode-se afirmar que o processo de implantação do SMEF guarda
estreita relação com a perspectiva de exercício da autonomia local quanto à iniciativa de
proposição da Política Municipal de Educação. Esse movimento tem sido levado a efeito por
meio da materialização de um dos fundamentos da gestão sistêmica, que é o incremento das
atribuições do CME, incluindo-se a coordenação tanto da Conferência Municipal de
Educação, quanto da elaboração do PME.
Não obstante, há ainda um grande desafio a ser superado no que diz respeito à garantia
das condições objetivas necessárias para que o CME possa exercer suas prerrogativas em
consonância com a dinâmica de acompanhamento da execução da Política de Educação
inscrita no PME de Fortaleza. A realidade é que as funções que o Conselho assumiu com o
advento do sistema reclamam ampliação nos investimentos destinados ao provimento das
atribuições exercidas pelos seus conselheiros.
O cumprimento de uma agenda de reuniões com cronograma compatível com as
demandas – somado ao volume de serviços externos que esses sujeitos são incumbidos a
desenvolver em face de sua responsabilidade para que a ação do Conselho no sistema
297
municipal não reedite a postura cartorial com que o Conselho estadual trata as questões
advindas da educação nos municípios – requer um substancial incremento na infraestrutura
em relação ao que hoje o CME dispõe. Trata-se de um ritmo e qualidade de trabalho que
precisa ser considerado na estreita dimensão com que sua relevância representa para a
melhoria dos processos educacionais que se desenvolvem no âmbito Municipal. Por
conseguinte, faz-se imprescindível a garantia de financiamento para que o cumprimento de
suas atribuições regimentais não fique condicionado à liberação casuística do gestor da vez.
Dentre os impactos esperados com a criação do SME, a viabilização do Regime de
Colaboração entre os entes federados tem demonstrado maior distanciamento em relação ao
que se tem por perspectiva no modelo sistêmico de gestão da educação. É pertinente destacar
que tanto a elaboração do PME quanto o processo de fortalecimento da representatividade
local no papel de controle social constituem importante estratégia de ação política para que se
estabeleçam, paulatinamente, negociações para além da barganha entre gestores. Contudo, a
ausência de regulamentação desse tema em âmbito nacional impõe limitações que os avanços
locais não são suficientes para que uma agenda de políticas educacionais possa ser definida,
considerando os fundamentos do federalismo cooperativo.
298
CONSIDERAÇÕES FINAIS
permeável aos interesses e à competição dos grupos que buscam mobilizar recursos, exercer
pressões e/ou impor sua visão do mundo, a fim de converter suas proposições em ações
públicas.
Partindo-se deste entendimento, o que passa a exercer maior atenção nesse campo é o
movimento em favor da consolidação de instâncias de participação democrática como
contraponto à histórica centralização do poder sob a égide do governo central. A esse respeito,
o conceito de esfera pública, como enunciado fundamental do discurso da gestão
democrática, passa a ser incorporado às práticas discursivas que tomam a participação, a
descentralização e a autonomia como fundamentos da ocupação do espaço público, capazes
de gerar isonomia no que concerne à governabilidade do Estado em todas as suas esferas.
A presente tese teve por objetivo problematizar o discurso do paradigma sistêmico
como mecanismo de viabilização da autonomia na gestão da educação municipal e de
efetivação do regime de colaboração com os demais entes federativos. Partimos do
pressuposto de que a opção do município pela criação de seu sistema constitui estratégia de
ação coletiva em relação à definição e à implementação da sua Política Educacional. Por
conseguinte, também pressupomos que nessa forma de organização gestionária reside a
esperança da superação do paradigma de gestão da educação centrado na figura do gestor, seja
da Secretaria de Educação ou da escola.
A perspectiva de gestão sistêmica da educação, foco desta tese, consubstancia-se como
a tendência democrática que vem sendo requerida nos três entes de poder. Cabe, no entanto,
ressaltar que a própria estrutura federativa adotada no País – em que se legitima a autonomia
político-administrativa dos Estados e Municípios sem uma clara posição quanto ao
compartilhamento do poder decisório entre estes entes e a União – constitui principal entrave
para a consolidação dessa forma de gestão.
O movimento de criação de sistemas próprios de educação tem sido encampado pelos
Municípios, configurando-se como mecanismo indutor da autonomia por parte desse ente
federado e também como estratégia de viabilização de práticas de colaboração mediadas por
suas instâncias de participação social. Contudo, os estudos sobre a experiência da
implantação dos sistemas de educação indicam que o rumo dado à apropriação das
possibilidades de descentralização das políticas educacionais no âmbito do Poder Local ainda
se confronta com obstáculos de caráter financeiro, político e cultural (GEMAQUE;
GUTIERRES, 2007; CAPANEMA, 2004; OTRANTO, 2006; KRAWCZYK, 1999).
Esse dado revelado pelas pesquisas instigou-nos a investigar mais amiúde como os
sistemas municipais de educação se organizam para o exercício da sua autonomia e para a
300
opção pela lógica sistêmica como mecanismo de formalização desse pleito político-
administrativo.
Já o discurso sobre a criação do SME em Fortaleza tem no enunciado que preconiza o
gigantismo desta cidade – em termos de sua alta densidade demográfica e da capacidade de
auto-sustentação político-administrativa – seu principal aporte. O que se quer naturalizar neste
caso é o status de cidade independente, incorporado às práticas discursivas como que seja
propriedade inerente dessa municipalidade, passível, portanto, de ser transferida como
justificativa para a emergência da lógica sistêmica como consequência indubitável dessa
potencialidade política local.
De fato, é pertinente afirmar que há notável envolvimento dos sujeitos coletivos que
constituem o Poder Local, no que diz respeito à gestão da educação no Município,
guardando-se coerência com a postura de independência que se enuncia nessa localidade, com
destacável impulsão à vivência de experiências democráticas por parte, especialmente, das
instâncias de participação. Por outro lado, também se verifica o interesse pela autonomia
conferida pelo sistema próprio de educação como condição para que a esfera local possa
desprender-se da jurisdição político-administrativa do Estado, na perspectiva de fazer valer a
vontade do Governo Municipal. Sobre esta matéria, consideramos que, apesar da menção ao
sistema como estágio sublime da gestão, é a capacidade de barganha, típica dos municípios
com maior condição econômica, que se evidencia, também, como identidade discursiva da
autonomia local.
É cabível afirmar que a assimilação do discurso da gestão sistêmica por parte dos
gestores tem se manifestado nas práticas sociais como instrumento normativo que resguarda a
não-dependência das lideranças locais em relação às regras que são aplicadas nos outros
níveis governamentais. Isto significa que o nível de organização e envolvimento dos sujeitos
que compõem o Poder Local é que vai dar o tom de que essa forma de gestão pode corroborar
a materialização dos fundamentos democráticos ou legitimar a centralização decisória sob o
julgo governista.
Com efeito, o reconhecimento do significado do sistema próprio de educação como
afirmação da autonomia do Poder Local para propor e executar a Política Municipal de
Educação – e também como reconhecimento legal para que a regulação sobre todos os
processos educacionais que se desenvolvem no âmbito da esfera local seja feita pelos órgãos
do SME – pode cumprir a expectativa da descentralização gestionária com benefício para a
agilização de ações, tais como a autorização e acompanhamento de escolas municipais e das
escolas de nível infantil mantidas pela iniciativa privada e a gestão de recursos financeiros
302
gestão sistêmica. Para tanto, faz-se imprescindível prover infraestrutura e incorporar dotação
orçamentária proporcional às necessidades comprovadas do CME.
Há também de se destacar, como ponto de estrangulamento da ação do CME à luz do
modelo sistêmico de gestão, a desarticulação desse órgão com o conjunto das instâncias de
participação, permitindo a centralização do poder de decisão sob a égide da Secretaria
Municipal de Educação. Sobre esse aspecto, pode-se mencionar o fato de que a interlocução
entre o Conselho e a Secretaria não representa o elo entre os segmentos que compõem o
sistema, uma vez que não há uma prática dialogal sistemática que autorize os conselheiros
municipais a falarem em nome dos segmentos das comunidades escolares de cada Região
Político-Administrativa da cidade.
É importante afirmar que os fundamentos da articulação e da intencionalidade,
creditados ao conceito de sistema, em sua aplicação mais ampla, precisam retificar-se nas
relações estabelecidas entre o conjunto das instâncias do SME. No caso do Recife, constatou-
se que os sujeitos vinculados aos Conselhos escolares não conhecem as proposições das
Conferências Municipais de Educação já realizadas, fato que também se repete no âmbito do
CME. Tal situação impede que o compartilhamento da elaboração de políticas educacionais se
estabeleça, uma vez que os órgãos formalmente indicados para esta tarefa (CME e SEDUC)
passam a propor a agenda de ação estatal à luz dos interesses daqueles que detêm maior
potencial de influência nas decisões, distanciando-se, portanto,da articulação com os anseios
dos segmentos que, embora tenham se pronunciado no espaço legitimamente instituído
(COMUDE), não são contemplados pelo texto que emana da instância a que se confia a
responsabilidade de sistematização.
Faz-se importante também frisar que o CME de Recife ainda não produziu referenciais
normativos que regulamentem o processo de autorização e acompanhamento da educação no
Município, sobretudo no que diz respeito ao atendimento da Educação Infantil ofertado pela
Iniciativa Privada, tratando-se de requisito que constitui exigência imprescindível para a
consolidação do SMER. Sobre esse aspecto, cabe afirmar que o grande diferencial da atuação
do Conselho de Educação no Município que opta pela criação de seu Sistema é justamente a
perspectiva de regulamentação sobre temas educacionais e procedimentos gestionários, além
da visita in loco para verificação de sua execução.
Em relação à atuação do CME de Fortaleza, a partir da criação de seu SME, atestamos
o movimento progressivo de fortalecimento de sua capacidade de interlocução com as demais
instâncias responsáveis pela proposição e implementação da Política Municipal de Educação.
A postura exercida por esse órgão demonstra que os sujeitos coletivos que compõem o Poder
304
96
Um dos conselheiros nos relatou que já chegou a financiar o deslocamento de outro membro do CME para que
este não faltasse à reunião.
305
Cabe ponderar que a opção por não efetivar qualquer ajuda financeira aos conselheiros
do CME por parte dos cofres municipais provoca um desequilíbrio quanto às condições de
participação dos representantes da sociedade civil e os que representam o governo. Enquanto
estes últimos dispõem do uso legítimo da máquina governamental para prover as necessidades
de sua presença no Conselho – sendo inclusive tratada a sua função neste órgão como parte
integrante de suas atribuições profissionais –, os primeiros, por serem desprovidos dessa
garantia, cumprem seu ofício de conselheiro de acordo com o que permite seu orçamento
pessoal.
Desta feita, a bem da isonomia na relação entre o órgão gestor e o CME, faz-se
pertinente advogar a indexação de porcentagem dos recursos destinados à educação para o
financiamento das atividades do CME, não apenas com a cobertura das despesas dos
conselheiros, mas também do funcionamento desse Conselho, considerando o cumprimento
de atribuições que reclamam o sigilo e a agilidade das ações que devem ser desenvolvidas.
Isso nos permite considerar que sua dependência em relação ao órgão executivo municipal
rompe com a perspectiva da gestão sistêmica, que requisita, indubitavelmente, o exercício da
autonomia por parte desse órgão.
Quanto ao PME, os estudos sobre o processo interrompido de sua elaboração em
Recife fez com que tratássemos a questão como promessa e contradições no âmbito do SME
implantado nessa municipalidade. Entendemos que a ausência do Plano compromete
profundamente a organicidade do modelo sistêmico, uma vez que não se reconhecem
parâmetros que possam fazer valer os princípios da articulação e da intencionalidade, tratados
neste estudo como fundamentos precípuos do sistema de educação em todas as áreas
administrativas a que se vincula.
Em nossa fundamentação, defendemos a criação do SME como “uma opção política
que exige dos responsáveis pela educação local assumirem a inteira responsabilidade da orga-
nização e da explicitação das estruturas, dos fins e valores da educação local” (WERLE, 2008,
p.85). Por conseguinte, é necessário explicitar diretrizes que norteiam a Política Municipal de
Educação, suas interfaces com os demais sistemas de educação, além do compromisso
político que um plano educacional estabelece no que concerne às etapas para a garantia da
oferta da educação pública com qualidade social.
Os dados evidenciaram que, apesar de toda a tradição participativa do povo recifense –
sendo inclusive demonstrado pela longevidade de seu CME, da existência de Conselhos
escolares em praticamente todas as escolas municipais, além da regularidade com que são
realizadas as conferências de educação –, o Município convive com a reedição de
306
das ações, bem como a indicação das estratégias e demais elementos de um planejamento
ficam por conta do gestor, como foi apresentado. Neste caso, o potencial de transformação da
realidade a que o sistema se vincula é reduzido, sobretudo porque o Poder Local não dispõe
de regulamentação do que deve ser defendido como bandeira da educação no Município. Por
outro lado, o exemplo de Fortaleza demonstra que a construção do instrumento que objetiva a
gestão repercute, de fato, na alteração das práticas exercidas, com destaque para a consecução
do rumo à cidadania preterida pelo conjunto dos sujeitos sociais envolvidos.
A parte de nossa análise dedicada à questão do Regime de Colaboração foi
enfaticamente marcada pela responsabilização da ausência de regulamentação desse
fundamento da relação entre sistemas por parte do Congresso Nacional. O que ficou evidente
é que tal lacuna deixa margem para que os supostos acordos de colaboração sejam firmados
no âmbito de cada Estado, como se observou nos exemplos de Pernambuco e Ceará.
Tem-se, na realidade, um quadro em que se verificam parcerias na gestão da educação
estabelecidas através da relação direta entre chefes do executivo, à revelia do que se almeja
com a perspectiva sistêmica. Essa prática depõe contra a concepção de pacto federativo, que
postula um regime de colaboração recíproca com a coexistência coordenada e descentralizada
de sistemas de educação, em que se tem por perspectiva a divisão de competências e
responsabilidades, a diversidade de campos administrativos e a assimilação de recursos
vinculados (CURY, 2010).
O estudo sobre as práticas da colaboração que se desenvolvem em Recife revelou que,
apesar do protocolo baixado pelo governador de Pernambuco se autointitular de Regime de
Colaboração, na prática as formas de negociações sobre o que constitui objeto passível de
acordos reafirmam o exercício da barganha por parte dos gestores. Constata-se, portanto, o
esvaziamento da função dos sistemas de educação como mediadores desse processo.
Esse tipo de colaboração que se estabelece entre representantes do executivo constitui
campo propício para formação de pactos com base em coligações partidárias que tomam a
identificação entre projetos políticos como requisito primário. Como se constata, tal postura
se trata de uma estratégia de reedição do mandonismo (Governo Local) como princípio de
gestão. Por conseguinte, ainda que a lógica sistêmica não seja relegada – especialmente
quanto à autonomia que esta confere à esfera local –, há renegação da pluralidade de
representantes que ocupam o espaço público com poder deliberativo da ação estatal (Poder
Local) como interlocutores da colaboração entre sistemas de educação.
Há de se convir que as ações que estão sendo efetivadas por meio da adesão dos
prefeitos ao protocolo proposto pelo governo do estado não seguem um planejamento que
309
Duas observações são cabíveis a partir do estudo sobre o PAIC. A primeira é que,
mesmo se tratando de uma proposta de cooperação entre o governo do estado e os municípios
cearenses, restrita ao atendimento à Educação Infantil nessa unidade federativa, a iniciativa
por parte do ente Estadual é louvável, uma vez que esse nível de ensino fica, prioritariamente,
sob a responsabilidade do ente Municipal. A segunda é que o programa não impõe a
existência de SME nos municípios do estado como condição para que estes possam pleitear o
recebimento dos recursos e do apoio técnico.
Dentre esses aspectos observados, acrescenta-se que a delimitação do foco do
programa quanto ao nível de ensino não significa que a atenção esteja apenas voltada para o
financiamento de ações que serão desenvolvidas estritamente dentro de salas de aula. Pelo
contrário, há uma perspectiva de alcance do programa que remete ao fortalecimento da gestão
da educação nos municípios. Algumas iniciativas têm impactado o conjunto dos níveis e
modalidades de ensino, incluindo-se apoio técnico e financeiro à criação dos sistemas
municipais de educação.
A leitura que se faz desse movimento é que o incentivo para que os SME sejam
criados tem o objetivo de fazer valer a autonomia da esfera local para levar adiante o projeto
gerencial que o governo do estado tem manifestado empenho em efetivar, no que se refere à
execução das políticas educacionais. O enunciado que preconiza o sistema próprio de
educação como fundamento gestionário imprescindível para que as metas estabelecidas para a
educação Infantil no Ceará sejam alcançadas é o mesmo que realça a escolha de gestores
escolares, assim como a avaliação do trabalho docente, baseada, fundamentalmente, no mérito
aferido por meio da evolução dos índices educacionais.
Para além do PAIC, não se verifica outra forma de sistematização de ações a serem
desenvolvidas com vistas ao atendimento das demandas educacionais da educação básica
como um todo. Sobre essa matéria, podemos afirmar que o baixo nível de compartilhamento
entre os entes federados quanto à responsabilidade pela garantia da qualidade social da
educação em Fortaleza é semelhante ao caso recifense. A realidade já narrada é que não se
percebe nem mesmo interesse manifesto em propor instrumento de regulamentação mais
consistente, nem por parte do CME, nem, muito menos, por parte dos gestores nessas
municipalidades.
Diante do exposto, pode-se considerar que a criação de sistemas de educação no
âmbito da gestão Municipal revela especificidades quanto à perspectiva de consolidação da
autonomia local e da viabilização do Regime de Colaboração com os demais sistemas. Em
relação à menção ao modelo sistêmico como mecanismo de afirmação da autonomia pela
311
esfera local, compreende-se que essa tem sido internalizada nas práticas sociais dos gestores e
dos representantes da sociedade civil organizada, ainda que tenhamos que ponderar o modo
particular com que a acepção desse termo é assumida quando se toma por referência o
exercício do protagonimo pelo Executivo Local ou pelo Poder Local.
Para os gestores locais, a vinculação entre a gestão sistêmica e a ação autônoma
constitui um mecanismo imprescindível para a legitimação de práticas administrativas
desenvolvidas por seus representantes, que, mesmo não expressando uma vontade coletiva,
passam a resguardar-se no enunciado da articulação que o sistema se nutre e também
reproduz. Por meio desse expediente, tem-se a efetivação do movimento de prefeiturização,
tratando-se da centralização do poder decisório pelos prefeitos, em detrimento da coexistência
de instâncias de interlocução com a representação dos sujeitos coletivos com assento na esfera
local.
Essa postura ilustra o que chamamos a atenção na tese de que as forças políticas que
atuam na esfera local – apesar de realçarem com veemência as dificuldades financeiras
enfrentadas pelos municípios quanto ao provimento das novas atribuições geradas pelo
fenômeno da municipalização do Ensino Fundamental – não demonstram o mesmo ímpeto
quanto ao tema da colaboração com os entes estadual e federal. A realidade é que, quando um
programa ou ação é proposto pelo governo federal, caso haja afinidade de projetos políticos,
os termos são assinados com enaltecimento da colaboração entre governos; caso os grupos
governistas estejam em campos políticos e/ou ideológicos concorrentes, simplesmente não se
opta pela adesão ao programa/ação.
É concebível inferir que o princípio da autonomia, quando circunscrito à legitimação
para que o gestor possa dar-se as próprias regras, tem-se revelado como instrumento que serve
à perpetuação do quadro gestionário em que prevalece o exercício descendente do poder,
manifesto através de decisões impostas pelo mandonismo local. Nesse contexto, as relações
que são referidas como exemplos de colaboração entre o Município, o Estado e a União, por
buscarem quase sempre responder às demandas que emergem nos casuísmos do tempo
político dos gestores, não se respaldam em uma agenda programática de intervenções,
acordada entre tais esferas, no sentido da explicitação do que e como serão levadas a efeito as
ações necessárias à melhoria não somente do atendimento às demandas específicas de níveis e
modalidades do ensino.
A acepção do princípio da autonomia que é incorporada pelo Poder Local guarda
coerência com a perspectiva de descentralização da gestão pública, que, por sua vez, se
efetiva por meio da democracia representativa. Assim, todo o movimento político-
312
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324
ANEXO I
ROTEIRO PARA A ENTREVISTA
Local e data de realização da entrevista:___________________________________________
Identificação
Nome:_____________________________________ Município:
Cargo/ Função:______________________________ ____________________________
Regime de Colaboração
10. Que impacto a instituição do sistema provocou na relação entre o Município, o Estado
e a União, no que se refere à garantia da educação básica
Há formas/ mecanismos de cooperação / colaboração Que aspectos merecem
destaque
Como tem sido compreendida a divisão de competências entre os níveis de
governo
11. Quais considerações podem ser feitas sobre a efetivação de ações supletivas e
redistributivas da União mediante investimentos focalizados em projetos e programas
de superação das desigualdades interssistemas de educação
12. Quais os possíveis efeitos das alterações advindas da aprovação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) na gestão do sistema
municipal de educação
335
ANEXO II
QUESTIONÁRIO
Recife, ____/____/________
Prezado(a) gestor(a)__________________________________________________
O questionário tem por objetivo colher dados que possam mostrar os principais
aspectos relacionados à gestão do Sistema Municipal de Educação nos municípios de Estados
nordestinos.
Da sinceridade da sua resposta dependerá o maior grau de visão da realidade que estou
procurando conhecer através desta pesquisa, ao mesmo tempo em que garanto o total sigilo a
respeito de suas respostas. Ou seja, os dados, quando forem analisados, aparecerão em
conjunto, sem a identificação de quem os forneceu, garantindo o procedimento ético que deve
orientar uma pesquisa desta natureza.
Desde já, muito grato pela sua preciosa e importante colaboração para fazer avançar o
conhecimento científico na área de educação.
Atenciosamente,
__________________________________
Edson Francisco de Andrade
Doutorando em Educação pela UFPE
e-mail: edsonprofessor@uol.com.br Fone: 92992584
336
11. O Município baixa normas complementares para o seu sistema de educação. Isto é,
define outras normas para a organização da educação municipal, além das nacionais e
estaduais
( ) Sim
( ) Não
Escolas Urbanas
( ) Creche Pública.
Quantas__________________________________________________
( ) Pré-Escola Pública.
Quantas_______________________________________________
338
Escolas do Campo
( ) Creche Pública. Quantas__________________________________________________
( ) Pré-Escola Pública. Quantas_______________________________________________
( ) Ensino Fundamental Regular Público – 1ª a 4ª série.
Quantas________________________
( ) Ensino fundamental Regular Público – 5ª a 8ª série.
Quantas________________________
( ) Ensino Fundamental Regular Público de Nove Anos.
Quantas________________________
( ) Educação Fundamental Pública para Jovens e Adultos(EJA).
Quantas__________________
Educação Especial
( ) A Creche Pública inclui alunos portadores de necessidades especiais.
( ) A Pré-Escola Pública inclui alunos portadores de necessidades especiais.
( ) O Ensino Fundamenta Regular Público inclui alunos portadores de necessidades especiais.
( ) A Educação Fundamental Pública para Jovens e Adultos inclui alunos portadores de
necessidades especiais.
( ) Há Salas de Educação Especial, nas escolas públicas regulares, para alunos portadores de
necessidades especiais.
( ) Há Escola Pública de Educação Especial.
( ) Há Escola Privada de Educação Especial.
( ) Outras
Quais:__________________________________________________________________
20. Há proposta de ampliação para nove anos do ensino fundamental obrigatório com
inicio aos seis anos de idade
( ) Sim
( ) Não
( ) Está sendo construída
Outros:___________________________________________________________________
31. O Município está assegurando às unidades escolares publicas de educação básica que o
integra progressivos graus de Autonomia Administrativa
( ) Sim.
( ) Não
( ) Está sendo organizado
( ) Não está sendo organizado, mas sua organização está prevista
32. O Município está assegurando às unidades escolares publicas de educação básica que o
integra progressivos graus de Autonomia de Gestão Financeira
( ) Sim.
( ) Não
( ) Está sendo organizado
( ) Não está sendo organizado, mas sua organização está prevista
35. O Município elabora suas políticas, planos, programas e projetos próprios “observando”
as políticas e planos educacionais da União
( ) Sim.
Como____________________________________________________________________
( ) Não
36. O Município elabora suas políticas, planos, programas e projetos próprios “observando”
as políticas e planos educacionais do estado
( ) Sim.
Como____________________________________________________________________
( ) Não
38. O Município desenvolve sua política educacional em regime de colaboração com outros
sistemas, órgãos e instituições ligadas à educação
( ) A sociedade local
( ) Os trabalhadores da Educação- docentes
( ) Os trabalhadores da Educação- não- docentes
( ) Os Conselhos existentes na área da educação
( ) Os Conselhos existentes em outras áreas
( ) O Poder Legislativo
( ) O Poder Judiciário
343