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Percursos linguísticos e
ensino de línguas
COLEÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
Cada volume desta coleção promove um debate teórico-metodológico a respeito
do complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas (maternas,
estrangeiras, adicionais). As discussões estão sustentadas a partir de abordagens
(in)disciplinares, mestiças e nômades, esses estudos se dão nos mais diversos
contextos e têm potencial para enriquecer distintos olhares sobre a temática, uma
vez que ousam pensar de forma diferente.
Conselho editorial
ISBN 978-65-80266-14-2
CDD 410
http://www.mentesabertas.com.br/
SUMÁRIO
Prefácio ......................................................................................................................................5
Cássio Florêncio Rubio
Apresentação ...........................................................................................................................8
Michelle Soares Pinheiro
5
Nacionais (PCN), os objetivos específicos da Competência 8 da Matriz Curricular do
Enem, no que concerne ao conhecimento do aluno acerca da língua portuguesa e de
suas variedades, à prova do Enem aplicada entre 2013 e 2018. Os resultados desse
comparativo, revelados ao final do capítulo, irão apontar, dentre outras questões, se
o Exame tem abordado, de forma satisfatória, temáticas relacionadas à variação
linguística, como preceituam os PCN e a Matriz Curricular da prova.
O segundo capítulo trata da compreensão do posicionamento de discursos
de divulgação científica presentes na mídia digital, com base no viés teórico de
diferentes autores da Análise do Discurso. A investigação dos autores desse capítulo
coloca em debate a imagem do cientista como ser iluminado e a ciência como
inefável e transformadora, a considerar que esses sujeitos se integram à sociedade,
influenciando-a e sendo por ela influenciados.
No terceiro capítulo desta obra, discute-se, com base nos pressupostos
teóricos da Sociolinguística, um tema bastante presente dentro e fora do ambiente
acadêmico e escolar do ensino de língua portuguesa, a variação na concordância
verbal de terceira pessoa do plural no português brasileiro e suas implicações
pedagógicas. As autoras proporcionam, neste capítulo, importante debate sobre a
vivacidade do fenômeno variável, com atuação de diferentes fatores de ordem social
e linguística, e apontam, em suas conclusões, a relevância da consideração de uma
prática pedagógica que considere aspectos sociais e científicos envolvidos no
emprego das variantes linguísticas.
Em seu quarto capítulo, a obra conta com uma análise discursiva que tem
como foco a proposta dos projetos pedagógicos de curso (PPC’s) do Ensino Médio
para o ensino de Espanhol como língua estrangeira, buscando verificar a orientação
apontada nesses documentos institucionais para a prática docente. No
desenvolvimento da discussão, destaca-se o comparativo crítico das pesquisadoras
entre o que preceituam os documentos oficiais governamentais, como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), os PCN, as Orientações
Curriculares do Ensino Médio (OCEM) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica, e entre o que figura nos PPC’s considerados na pesquisa.
Com base em uma abordagem sociodiscursiva, o quinto capítulo do livro
trata do processo de letramento como prática social e discursiva que permite o
emprego da leitura e escrita de forma crítica e torna o indivíduo um sujeito. Os
autores debatem, ao longo de seu texto, as consequências da formação de indivíduos
alfabetizados ou de leitores/escritores proficientes na produção de gêneros textuais
reais.
O sexto capítulo desta obra, propõe um estudo centrado nas representações
conceituais analíticas em verbetes ilustrados online, por meio da exploração de
dicionários eletrônicos ilustrados. Com base na Teoria da Multimodalidade, a partir
da Gramática do Design Visual, os pesquisadores debatem aspectos relacionados à
organização composicional interna dos verbetes, com destaque para sua construção
de sentido.
No sétimo capítulo, são apresentados os resultados do Projeto “Escola-casa
de leitores”, que visa, por meio do trabalho com obras literárias indicadas no
vestibular da Universidade Regional do Cariri, contribuir na preparação dos
participantes para o exame vestibular. O debate desenvolvido ao longo do capítulo
evidencia uma visão crítica dos problemas que envolvem a leitura dentro e fora da
escola e da diversidade temática das obras literárias. Além disso, expõe uma
proposta metodológica para o estudo da literatura, com o estabelecimento da
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relação entre escola e casa e a formação de leitores críticos.
O último capítulo desta obra volta-se para pesquisa realizada com artigos
científicos da área da Economia, com análise dos usos e funções do metadiscurso
interacional. A discussão empreendida ao longo do texto permite a comprovação
científica de quais recursos metadiscursivos são mais empregados na área do
conhecimento considerada. Essas estratégias revelam características do contexto de
produção e dos produtores e podem subsidiar pesquisas em outros contextos
discursivos, acadêmicos e não acadêmicos.
Este é um livro que permite ao leitor o contato com rica pluralidade de
pesquisas vinculadas aos estudos linguísticos, as quais possuem em comum a
relação imprescindível entre o saber acadêmico e a prática docente, ou, em outras
palavras, o trabalho com a linguagem verbal no contexto escolar. Os textos que aqui
se apresentam filiam-se a diferentes áreas, teorias, perspectivas e abordagens, como
a Sociolinguística, a Análise do Discurso, a Teoria da Multimodalidade, o Estudo do
Metadiscurso e até mesmo o emprego da literatura para a formação do leitor crítico,
entretanto se coadunam em um ponto essencial, o ensino de línguas, visto como um
processo contínuo, que se inicia nos primeiros anos de vida de um ser humano e
segue por toda a sua vida, com a leitura e a produção de gêneros mais complexos,
ligados ou não ao ambiente acadêmico.
Uma excelente leitura a todos e a todas.
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APRESENTAÇÃO
Alberto Lopo Montalvão Neto, Francisco Vieira da Silva e Éderson Luís Silveira
analisaram, em linhas gerais, algumas das maneiras pelas quais a mídia contribui
para produções/caracterizações identitárias, onde várias formas são assumidas
pelos sujeitos dos meios de comunicação, reverberando discursos inerentes às
posições em que falam, de suas Formações Discursivas (FD) típicas. Além disso, os
autores também abordam a forma autoafirmativa e o caráter de verdade imposto
pelo discurso midiático, em um conflitante jogo ideológico.
Maria Lidiane de Sousa Pereira, Aluiza Alves de Araújo e Brenda Kathellen Melo
de Almeida analisaram o comportamento variável da concordância verbal da 3ª
pessoa do plural. As autoras perceberam que o uso da variante analisada sofre um
estigma social como também não ocorre de forma aleatória nem é resultado da falta
de conhecimentos verbais por parte dos falantes. Ou seja, para as pesquisadoras, a
variante em questão se localiza especificamente na atividade linguageira dos
fortalezenses. O que demanda uma intervenção pedagógica nos ambientes
educacionais a fim de se amenizar os valores simbólicos discriminatórios em nossa
sociedade.
8
língua(gem).
Aluizio Lendl, José Marcos R. de Souza e Antônio Luciano Pontes, com base na
Gramática do Design Visual e nos fundamentos teóricos da Lexicografia, analisaram
a organização composicional interna da megaestrutura do dicionário visual online
Merrian-Webster. Os autores concluiram que predomina a relação de coesão e
coerência intersemiótica entre as definições verbais e imagéticas na megaestrutura
do dicionário analisado, além de haver muitas representações conceituais analíticas
com o objetivo de sistematizar a exposição dos elementos verbo-imagéticos e seus
componetes fundamentais.
Antônio Luciano Pontes, Evandro Gonçalves Leite e José Juvêncio Neto de Souza
discorreram sobre usos e funções do metadiscurso interacional em artigos
científicos do âmbito da Economia por intermédio de uma abordagem
quantiqualitativa. Os autores identificaram que os recursos metadiscursivos mais
empregados nos textos analisados foram os marcadores de engajamento e os
atenuadores. Os pesquisadores destacaram ainda que os membros da área da
Economia demonstram interesse de modalizar seu discurso e de envolver o leitor
no texto.
Diante do exposto, indico a leitura apurada dos artigos deste livro por
acreditar na relevância social e acadêmica dos conteúdos aqui elencados e por sentir
que o atual momento sociopolítico brasileiro demanda leituras, intervenções e
análises que transcendam os limites da criticidade. Penso que, somente por meio de
uma pedagogia crítica e engajada, poderemos nos motivar para agir de maneira
concreta contra todo e qualquer autoritarismo e preconceito sociodiscursivo seja na
escola, na universidade ou na comunidade.
9
A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENEM: UMA BREVE ANÁLISE DE PROVAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Introdução
10
abordagem variacionista de forma mais específica, ou seja, como conteúdo
solicitado pela questão.
A presente pesquisa objetiva analisar a presença de fenômenos de variação
linguística na língua portuguesa na prova do Enem. Pretende-se examinar questões
apresentadas nos últimos seis exames, ou seja, o interstício entre 2013 a 2018,
especificamente, aquelas que pretendem avaliar o conhecimento do aluno acerca da
Língua Portuguesa e suas variedades e registros, objetos específicos da Competência
8 da Matriz Curricular: “Competência de área 8 – Compreender e usar a língua
portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da
organização do mundo e da própria identidade” (BRASIL, 2009, p. 60).
Para isso, propomos analisar as questões por dois prismas: aquelas que
tratam de forma específica do conhecimento da variação linguística e aquelas
questões que trazem a variação linguística de maneira não específica na questão.
Dividimos este trabalho em seis seções, a partir desta introdução, trazemos
uma breve apresentação dos PCN e suas considerações sobre o ensino de linguagens
e códigos; em seguida, um conciso histórico sobre o ENEM. A quarta parte da
pesquisa traz alguns trabalhos que analisaram o fenômeno variacionista em exames
do Enem; já, na seção seguinte, apresentamos a metodologia usada e o corpus
examinado, seguida da análise de questões das provas examinadas e concluímos,
por fim, com nossas considerações acerca dos resultados apresentados.
[...] a questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de
fala utilizar, considerando as características do contexto de
comunicação, ou seja, saber adequar o registro as diferentes
situações comunicativas [...] é saber, portanto, quais variedades e
registro da língua oral são pertinentes em função da intenção
comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se
dirige (BRASIL, 1997, p. 31).
11
todos. É certo que muitas discussões em torno do tema foram promovidas nas
universidades do país, o que se refletiu nas mudanças ocorridas nos documentos
oficiais de ensino nas últimas décadas, no entanto, podemos observar que muito
ainda precisa ser feito para que se observe mudanças nas práticas docentes.
Dessa forma, podemos ver que os PCN reconhecem a Língua Portuguesa
falada no Brasil como um conjunto de variedades, quando apresenta a variação
linguística como sendo:
12
língua às diversas situações comunicativas dos indivíduos.
13
ou não verbal, chamado de suporte do item; pelo enunciado, que pode vir sob a forma
de complementação ou de interrogação, mas tem que ser preciso e estar totalmente
ligado à habilidade que se pretende avaliar, chamado de comando; por alternativas
de respostas, apresentadas na forma de cinco opções, sendo somente uma correta,
o gabarito, e outras quatro alternativas que não contemplam a resposta escolhida
como correta, chamadas de distratores, que mesmo sendo respostas incorretas eles
têm de ser plausíveis, ou seja, parecerem corretas para o candidato sem se tratarem
de pegadinhas.
A resolução da prova de Língua Portuguesa do Enem envolve, portanto, uma
postura ativa do candidato e a ativação de suas estruturas cognitivas de leitura e
raciocínio, assim como a ativação de seus conhecimentos prévios, tanto linguísticos,
como específicos sobre o tema tratado. A prova de Linguagens e Códigos é composta
por quarenta e cinco questões de língua portuguesa, cinco questões de língua inglesa
e cinco de língua espanhola, sendo, essas duas últimas, uma opção do inscrito. Vale
lembrar que, em consonância com os PCN, as questões devem ser elaboradas de
modo a permitir que o aluno mobilize suas competências e habilidades para eleger
a única alternativa correta entre as cinco oferecidas.
Além disso, atualmente, o Enem possui uma edição extra, seguindo o mesmo
formato da prova regular, nas unidades prisionais e de internação de adolescentes
que cumprem medidas socioeducativos, o Enem PPL, aplicada cerca de um mês após
a avaliação oficial. Esse recurso é uma oportunidade para menores infratores e
adultos presidiários retomarem suas vidas por meio do ensino superior ou da
conclusão do ensino médio, pois a nota pode servir para a obtenção do certificado
de conclusão do ensino médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Para os que pretendem o ensino superior, as notas terão que estar acima de 600
pontos.
Vejamos, na seção seguinte, o estado da arte que trazemos para contribuir
com nossa reflexão e análise dos dados.
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demonstrando que há uma congruência de sentido entre todos
acerca da concepção de língua [...] (ANDRADE, 2015, p. 79).
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afirmando que “a separação rígida entre fala e escrita, criticada há bom tempo pelos
estudos antropológicos, linguísticos e pedagógicos em torno do letramento,
continua, no entanto, impregnando o senso comum” (BAGNO, 2015, p. 212, grifos do
autor).
Finalizando seu texto, Bagno (2015) realiza uma grande crítica a empresas
de cursinhos pré-vestibulares e à mídia, que usam o exame em prol de seus
benefícios próprios e de uma elite cultural, através de críticas contra o exame, exame
este, que vem universalizando o aceso ao ensino superior à população mais pobre
do país. Concluindo seu texto, o autor insiste com os elaboradores do exame nacional
que:
Por último, na pesquisa de Silva Jr. (2018), são analisadas seis questões
dentre as edições 2015, 2016 e 2017 da prova de Língua Portuguesa do Enem. Para
o autor:
Metodologia
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Enem3. Para tanto, a busca pela variação linguística abrangeu as questões que
continham em seu suporte (que pode ser um texto verbal ou não verbal, comando,
distratores e/ou gabarito) o reconhecimento da variação da língua, da
sociolinguística como um todo.
Essa análise parte do pressuposto de que se um item ou questão apresenta
em seu suporte, assim como em seu comando ou em seus distratores e gabarito, algo
que contemple a diversidade, variação e mudança linguística, demonstrando o
caráter heterogêneo da língua, estamos diante de uma escolha pensada, por parte
da banca organizadora, em contemplar os eixos cognitivos presentes em uma das
cinco matrizes de referências do Enem, para além de verificar o conhecimento sobre
o tema em pauta, validando a variação linguística.
Posto isso, o corpus desta pesquisa foi formado por todas as questões
selecionadas nas provas de Língua Portuguesa, de primeira e segunda aplicação do
Enem no período de 2013 a 2018, que totalizam 480 questões.
Vejamos, no Quadro 1, o demonstrativo das questões encontradas.
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Vejamos, na seção a seguir, a análise de nossos dados e os resultados a que
chegamos. Em nossas análises, apresentamos os percentuais de ocorrência do
fenômeno variacionista nas provas do Enem, exibindo, primeiro, o percentual geral
e, em seguida, os percentuais para as provas de primeira aplicação e de segunda
aplicação. Por último, traremos os resultados comparativos entre as questões que
tratam o tema aqui levantado.
Entre 2013 e 2018 foram aplicadas 12 provas do Enem, sendo que 6 foram
aplicadas a toda a comunidade estudantil do país, com livre acesso a partir da
inscrição, e 6 foram aplicadas àqueles alunos que, por alguma razão, estão reclusos
em algum centro de reabilitação social. Em um total de 480 questões analisadas,
obtivemos um total de 80 questões (16,7%) que contemplam, de forma específica e
não específica, o fenômeno da variação linguística no Brasil, como podemos ver no
gráfico a seguir.
16,7%
Abordagem variacionista
Demais abordagens
83,3%
18
Gráfico 2 - Quantidade de questões de cunho sociolinguístico na 1ª aplicação do ENEM
20,0%
0,0%
2013 2014 2015 2016 2017 2018
15,0% 12,5%
10% 10%
10,0% 7,5% 7,5%
5% 5% 5% 5%
5,0%
0%
0,0%
2013 2014 2015 2016 2017 2018
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Gráfico 4 - Percentual de questões específicas de variação linguística e questões não
específicas nas provas do Enem de 1ª e 2ª aplicação de 2013 a 2018
47,5%
Questões específicas
52,5%
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Quadro 2 - Questões nº 97 e nº 08 específicas da abordagem variacionista
21
“Reafirmar discursivamente a forte relação do falante com seu lugar de origem”.
A questão em análise espera que o aluno compreenda que há uma forte
relação do falante com seu lugar de origem, ou seja, a questão demonstra o caráter
heterogêneo da língua, além da valorização do interior brasileiro e suas variedades
linguísticas, a partir do poema trazido no suporte da questão. Essa questão, além de
apresentar como válida a relação entre o falante e sua variante linguística, mostra
uma posição de valorização linguística das variantes do PB.
Vejamos, no Quadro 3, mais duas questões de nossa amostra em análise.
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dos indivíduos, ou seja, o texto apresenta a língua, enquanto código de linguagem
que permite variações.
O comando da questão, além de afirmar o surgimento de usos particulares
da língua a partir do desenvolvimento da tecnologia como uma nova realidade,
indaga o candidato sobre a função da escola: “cabe à escola levar o aluno a...”. Dessa
forma, com o propósito de verificar se ao aluno possui conhecimentos
sociolinguísticos, o gabarito da questão, letra “E” afirma que cabe à escola levar o
aluno a “perceber as especificidades das linguagens em diferentes ambientes
digitais”.
Já a questão nº 102, ainda do Quadro 3, nos oferece, em seu suporte, um
fragmento da peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna. Semelhante à questão nº
97 do Quadro 2, o comando da questão exige do candidato conhecimentos de
variedades linguísticas relacionadas ao Nordeste brasileiro. Com o questionamento
“Nesse texto teatral, o emprego das expressões ‘o peste’ e ‘cachorro da molest’a’
contribui para...”, o exame apresenta, em um texto canônico da literatura brasileira,
a variedade linguística presente nas regiões do Brasil a partir de expressões
próprias. Podemos, portanto, verificar a necessidade de conteúdos de variação
linguística para que o candidato possa responder corretamente à questão, a partir
do gabarito, item “B”, que traz como resposta: “caracterizar usos linguísticos de uma
região.”.
Vimos, portanto, quatro questões que solicitam os conteúdos de variação
linguística de forma específica ao candidato. Seguindo agora uma nova análise, o
Quadro 4, nos apresenta, portanto, duas questões que consideramos cobrar de
maneira não específicas a variação linguística.
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Quadro 4 - Questões nº 10 e nº 116 não específicas da abordagem variacionista
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realiza nas práticas sociais, portanto, dotar o aluno de competência textual, oral e
escrita, para uma atuação eficiente além dos muros escolares passa a ser a finalidade
principal do ensino de Língua Portuguesa, anteriormente focado no
desenvolvimento de habilidades de leitura e no domínio da língua escrita padrão.
Assim, deve ser desenvolvida a competência comunicativa do educando, ou seja, sua
capacidade de realizar a adequação do ato verbal às mais variadas situações de
comunicação (TRAVAGLIA, 2001, p. 17).
Ainda no Quadro 4, a questão nº 106 não trata, especificamente, do
fenômeno da variação, e sim, da função conativa, gênero textual propaganda, texto
híbrido, texto publicitário, abordando a temática do aquecimento global,
especificamente o derretimento das calotas polares, como sua primeira
consequência para nosso planeta. Para isso, o texto publicitário cria toda sua
mensagem a partir da ligação entre a conjugação do verbo “derreter” e o efeito do
aquecimento no derretimento das calotas polares. No entanto, o texto escolhido
para compor a questão apresenta, em sua composição, o fenômeno variacionista
entre o pronome pessoal de 2ª pessoa do singular “tu” e o pronome de tratamento
“você”, quando a questão não aborda o fenômeno variacionista, mas, sim, a
intertextualidade entre o verbal, o não verbal e os conhecimentos de mundo do
candidato.
Para essa questão, a banca, também não apresenta, em seus distratores,
nenhuma opção que leve o aluno ao fenômeno da variação linguística apresentado
na imagem, assim como também não apresenta na opção escolhida como a certa, o
gabarito “E”, e muito menos no comando há qualquer menção ao fenômeno. Isso nos
possibilita concluir que, mesmo uma questão não exigindo o conhecimento
especifico sobre o fenômeno da variação e mudança linguística, não significa que o
fenômeno não possa ser contemplado pela questão, a partir de uma música regional,
uma charge usando a fala coloquial, uma poesia, entre outras maneiras. O fato é que
a banca teve a opção de escolher uma imagem que, em seu conteúdo, não suscitasse
tal discussão e que, ao optar por essa imagem, possibilitasse ao aluno a certeza de
que ambas as formas são aceitas na língua cotidiana.
Entendemos que esse fato está ancorado na C8 e H26, ou seja, o aluno vai
relacionar a variedade linguística no texto apresentado na campanha a situações
específicas de uso social, portanto, passível a ser aceita como correta. Nesse caso, o
participante do exame não vai se atentar à variação linguística presente no texto
para responder ao comando da questão. No entanto, ele está consciente de que, em
determinados contextos, orais ou escritos, a variação é permitida sem nenhum
prejuízo ao entendimento textual, pois “a principal razão de qualquer ato de
linguagem é a produção de sentido” (BRASIL, 2000, p. 5).
Vejamos, no Quadro 5, as últimas questões de nossa análise.
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Quadro 5 - Questões nº 133 e nº 22 não específicas da abordagem variacionista
Brasil
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autor tratou essas palavras por pares: “Essa diferença é apresentada considerando-
se a(s)...”. Como gabarito, a banca do exame confere o item “B”: “adequação às
situações de uso.”.
Esta questão, assim como as três anteriores estudadas, surge com
abordagens de usos da língua portuguesa, como a adequação vocabular bastante
discutida na sociolinguística, mas não traz, especificamente, a variação lexical, por
exemplo, tratando, destarte, de forma não específica da variação linguística.
Os exemplos apresentados, a partir das questões do Enem, servem para
demonstrar o método que usamos para selecionar a amostra desta pesquisa,
tratando as questões que apresentam em seu escopo o fenômeno variacionista,
mesmo que a diretriz da questão trate de outros fenômenos linguísticos ou questões
formais da língua e da comunicação, mas não propriamente a sociolinguística.
Podemos perceber que a diferença entre o total de questões específicas e
questões não específicas, sobre variação linguística no PB, não é significativa, pois,
no geral, é de 5% a mais para as questões não específicas. De qualquer modo, isso
demonstra que os organizadores do Enem têm a sensibilidade de ampliar o número
de possibilidade de visualização da variação linguística ao longo de todas as edições
do exame, e isso pode ser considerado como uma forma de atender às
recomendações dos PCN e às matrizes do Enem.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
27
Graduação em Letras, Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, 2015.
Disponível em: https://ri.ufs.br/handle/riufs/5733. Acesso em: 19 mar. 2019.
BAGNO, M. Variação, avaliação e mídia: o caso do ENEM. In: ZILLES, A. M. S.; FARACO,
C. A. (org.). Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. São
Paulo: Parábola Editorial, 2015. p. 191-224.
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
28
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, 1997.
29
APONTAMENTOS SOBRE A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA MÍDIA DIGITAL: A
(RE)PRODUÇÃO DE DISCURSOS DE AUTORIDADE E AS INFLEXÕES NO
ÂMBITO EDUCACIONAL
30
pensando na presença do discurso do Outro/outro1. Além disso, defende a questão
da heterogeneidade de vozes que, tal como a ideologia, atravessa sujeitos ao
enunciarem. Essas vozes heterogêneas podem ser tanto constitutivas do discurso,
como apenas mostradas em dadas situações. No caso de uma heterogeneidade
mostrada, esta pode estar devidamente marcada, onde reconhece-se explicitamente
a presença do outro no discurso do eu ou podem não estar marcadas. Nesse último
caso, apesar de haver rastros do discurso do “outro”, estes são indiretos, ou seja, não
evidenciados (FERNANDES, 2008).
A exterioridade é aspecto fundamental do discurso. A AD busca justamente
compreender o que está por trás da língua, dessuperficializando a mesma, tentando
entender para além do que está aparentemente transparente, o dito e o não-dito,
pois o não dizer também significa. A linguagem não é fixa. Esta é dinâmica, instável,
se (re)significa, reconstrói-se. E a formulação de sentidos se dá pelo apagamento do
caráter material da ideologia, designando um imaginário sobre algo, onde se tem a
noção de transparência. Dessa forma, FD's se tornam dominantes, em um processo
onde ideologia e inconsciente atuam como “estruturas-funcionamentos” (ORLANDI,
2001), constituindo o sujeito, de forma que estes discursos dominantes, atrelados
ao interdiscurso, não sejam claros na constituição do indivíduo. Cabe ao analista de
discurso pensar em como essas ideologias constituem o sujeito e como ocorrem na
dinamicidade da língua em funcionamento.
Grigoletto (2005), baseando-se principalmente em preceitos pecheutianos,
coloca em pauta tais questões, ao tratar dos termos “lugar social”, “lugar discursivo”,
“posição-sujeito” e “forma-sujeito”. Estas noções mostram como o sujeito discursivo
tem potencialidades para produzir movimentos de (des)identificação. A noção de
forma-sujeito está interligada a inscrição do sujeito em uma determinada FD, na
qual este vai se identificar, se constituindo. Esta forma se dá, então, por meio do
interdiscurso, onde o sujeito se inscreve no imaginário de uma determinada posição
social e assume seu discurso. É o que ocorre com a posição que assume enquanto
profissional, onde incorpora uma identidade da imagem que lhe é atribuída
socialmente daquela posição (médico, repórter, cientista, etc.), ou mesmo outros
sujeitos que (co)participam de um mesmo espaço social, mas assumem posições
diferentes, que o autorizam ou não o dizer dentro de uma relação de forças (relação
aluno versus professor, leigo versus especialista, etc.), dentre outras formas. Porém,
apesar de ter uma formação ideológica basal, um sujeito pode assumir diferentes
posições dentro do discurso. Como aponta Grigoletto (2005, p. 02), ao citar a
definição de Pêcheux, na “posição-sujeito”, há uma “relação de identificação entre o
sujeito enunciador e o sujeito do saber (forma-sujeito)”. O sujeito, então, assume
diferentes posições em uma FD, pois se identifica de forma particular com um saber,
produzindo, assim, efeitos discursivos que vão se relacionar (COURTINE, 1982 apud
GRIGOLETO, 2005). Nessa relação, é importante pensar que a posição que um
sujeito assume em seu discurso não é algo universal. Esta se dá por uma construção
histórica, por meio da qual ideologias levam a constituição de FD's características
de determinado grupo social, ou seja, o indivíduo ocupa um lugar discursivo, porque
ocupa um lugar social que é constitutivo de si. Exemplificando, quando falamos da
posição de mãe, médico, cientista, professor, político, ou outra, assumem-se
discursos, dado ao que as hierarquias sociais nos impelem a concebê-los como
1 Cabe lembrar que o grifo “Outro”, marcado pela inicial da palavra maiúscula, se dá em relações de
discursividade, enquanto que o termo “outro” refere-se ao sujeito com o qual se dá a relação de
interlocutor.
31
certos e dados.
Há, no entanto, uma passagem desse lugar empírico, onde o sujeito está
engendrado em sua FD, pertinente a sua “forma-sujeito”, para o espaço discursivo,
dinâmico, onde o sujeito se inscreve em um determinado lugar discursivo, “o qual
está determinado pelas relações de verdade e poder institucional que ele representa
socialmente” (GRIGOLETTO, 2005, p. 01). O sujeito então interpreta, dentro de seu
discurso heterogêneo e (re)ordena os saberes, de modo que coabitam diferentes
vozes em seu discurso.
Dado que nossas análises se pautam na ciência que se apresenta como
“verdade absoluta”, nos rastros de uma concepção de ciência cartesiana e positivista
que lança discursos dogmáticos e hierárquicos, interessa-nos a noção de verdade.
Conforme Gregolin (2007), o discurso possui uma “espessura histórica”, e é função
do analista de discursos a busca da compreensão de como tais verdades se
produzem e se enunciam, de forma a propiciar conexões tanto materiais, quanto
históricas dos enunciados. Assim, “em vez de sujeitos fundadores, continuidade,
totalidade, buscam-se efeitos discursivos” (GREGOLIN, 2007, p. 15). Nessa
perspectiva, Gregolin (2007) assinala que Foucault “propõe analisar as práticas
discursivas, pois é o dizer que fabrica as noções, os conceitos, os temas de um
momento histórico” (idem). Nessa perspectiva, para Foucault, esse tipo de análise
permite identificar a relação do que é dito com a produção de uma “verdade” que
ocorre no limiar do histórico. Em outra perspectiva, mas que nos ajuda a pensar em
possibilidades correlatas de como enxergar a questão de “verdade” e
“responsabilidade” do sujeito pelo que este diz, Silveira (2014) une criticamente o
conceito de Foucault, “coragem da verdade” com a “responsabilidade do ato” de
Bakhtin. Resumidamente, Silveira frisa que, para Bakhtin (2010, p. 04), “todo ato de
pensar é responsável, porque o sujeito somente pode falar a partir de sua posição
social e historicamente situada no mundo”, o que confere subjetividade ao ato, já
que, apesar da relação com o “outro” nos constituir como sujeitos (através de
relações dialógicas), somente o “eu” pode pensar por si. Concomitantemente, é
necessário considerar que a constituição do “eu” está relacionada à exterioridade,
ao social. O sujeito não é um ser de individualidades fechadas. A noção de ato
responsável vem justamente por este ser um “evento único e irrepetível tal qual o
sujeito que o realiza devido as condições sociais, históricas, culturais, a
responsabilidade das ações realizadas por ele recai sobre este sujeito” (SILVEIRA,
2014, p. 5). Já o termo de Foucault, a “coragem de verdade”, condiz com os efeitos
que o sujeito enunciador sofre ao “dizer a verdade”.
Vê-se nessa noção de Foucault, a vontade, a busca incessante pela verdade,
que é inerente às condições sociais, históricas e culturais. Da mesma forma, vemos
que um sujeito é responsável pelo que diz, logo, é responsável pelas supostas
“verdades” que produz. Nesse sentido, propomos pensar o dito em relações
afirmativas, que apontam para efeitos de verdade, como é o caso da ciência
divulgada de forma assistemática pelas mídias.
Dado o proposto e os pressupostos levantados, cabe-nos adentrar no
escopo de análise. Tal como Grigoletto (2005), pretendemos entender as relações
de discursividade em mídias de divulgação científica, mas não voltados com
exclusividade na perspectiva das posições e formas do sujeito. Pautamos nossos
esforços para pensar em “quem fala”, mas nosso propósito também é pensar em
“como” se fala. Pensar nos sujeitos enquanto ocupantes de uma posição social,
inseridos em uma determinada FD não basta para pensar em ciência, nos discursos
32
que são propagados por meio de enunciados que naturalizam dizeres dogmáticos,
dotados de um efeito de “verdades inquestionáveis”.
2A web página sugere como profissionais “criativos” sujeitos dos ramos da arquitetura, ilustradores,
designers, decoradores, estilistas, empreendedores, planejadores, dentre outros.
33
posiçao-sujeito dos elaboradores do site insere-se na FD que resguarda os interesses
de classes dominantes, autorizadas a falar, disseminando ideologias e discursos, que
se sobrepoem aos das classes menos favorecidas socialmente, mantendo, assim, os
anseios de um sistema hierarquizado, em um movimento em que “tanto a ideologia,
quanto o inconsciente operam ocultando sua propria existencia, produzindo
verdades 'subjetivas' evidentes” (GREGOLIN, 2004).
Apenas pelo título já se começa a ver o silenciamento do sujeito. Afinal,
quem propiciou esse “avanço” científico? E o que se entender por “avanço”? Isso nos
faz lembrar de um discurso muito comum, que remete a uma autoridade, referente
a posição-cientista. Exemplo clássico da Biologia, o conceito de “Evolução”, advindo
das teorias darwinistas, é por muitos, atribuído como um sinal de “melhoria”, em
uma noção de “avanço”. Conforme apontam Montalvão Neto e Fernandes (2014, p.
3), essa conceituação é errônea, pois: “Não necessariamente evoluir, no sentido
darwinista, significa superioridade. (...) Esse conceito remete-se a uma melhor
adaptação de um organismo frente a um ambiente e suas mudanças de condições de
vida”. Não obstante, discursos científicos, muitas vezes, reverberam uma noção de
“progresso”, de forma a se autoafirmar como um “discurso de verdade”, próprio da
autoridade que este (quer) representa(r) perante a sociedade. Para tanto,
adentramos no texto para pensar mais sobre a interdiscursividade e as posições do
sujeito.
Logo no início da matéria, o site apresenta os seguintes enunciados:
Todo mundo sabe que para gerar uma criança é preciso que um
espermatozóide encontre um óvulo, sendo obrigatória, portanto,
a participação de um homem e de uma mulher no processo. Mas a
ciência está dando um jeitinho nisso e, ao que tudo indica, casais
homoafetivos poderão gerar filhos biológicos em breve. O estudo,
que está sendo desenvolvido pela Universidade de Cambridge, na
Inglaterra, conseguiu criar formas primitivas e artificiais de células
sexuais programáveis usando a pele humana (RASSMUSSEN, 2015,
s.p., grifos nossos).
Vamos primeiro pensar nos sujeitos que estão marcados (ou ausentes) no
discurso. A expressão generalizante “todo mundo sabe” se ausenta de identificar um
sujeito específico e causa um efeito de sentido banalizante, de trivialidade, em que
se acredita partir de uma premissa óbvia para afirmar a veracidade do que se diz
(autoafirmar), ao se referir como uma criança é gerada. Essa ideia é atribuída a uma
lógica “biologizante”, historicamente marcada em uma matriz hierárquica binária de
gênero, em que prevalece um patriarcado que se estabelece como ideologia
dominante e traz uma performatividade de gênero que reverbera efeitos de uma
heteronormatividade preponderante. Não esqueçamos também do cunho religioso
embutido no preceito, onde o binarismo homem/mulher é considerado como o
socialmente certo e aceito. Mas atentamos ao detalhe da posição: ao enunciar sobre
os gametas reprodutores, a autora coloca a frente o masculino por mera
coincidência? Sabe-se que nesse modelo patriarcal quem predomina é a figura do
macho, que se estabelece como “forte” e “viril” frente à imagem da fêmea, frágil e
submissa.
Dialogando com essas questões que atravessam os limites das Ciências
Biológicas, Bento (2011) destaca as complexas relações de poder que determinam
as relações de sexualidade e gênero, nos diversos campos sociais. A autora, dessa
34
forma, sublinha que os padrões binários, ao predominarem socialmente, suprimem
a diversidade existente nas identificações de gênero, e essas relações duais
existentes permeiam não apenas a sexualidade, mas também outras vertentes
sociais. Essa noção aproxima-se do que diz a AD ao evidenciar que, ao se dizer algo,
necessariamente, não se diz outra coisa. Há, então, ao se optar por um discurso, a
negação de outro e, muitas vezes, a exclusão de outros discursos. Butler, citada por
Arán e Peixoto (2007), coloca que, no tocante a sexualidade, desejos e identidades
são negadas justamente porque há uma reiteração da norma sexual, instituída por
uma estrutura social em que os comportamentos considerados como “desvio” de
comportamento são colocados como abjetos.
Em outra passagem, emprega-se um tom de humor quando se diz que “a
ciência está dando um jeitinho nisso”, colocando sob um sujeito que se oculta a
responsabilidade por “revolucionar” e “permitir” que se burle o imposto pelo
biológico e pelo heteronormativo, a qual a sociedade se engendra. Cabe ressaltar que
nesse tom burlesco, corporificado no emprego do termo “jeito” em sua forma
diminutiva, emerge uma heterogeneidade mostrada, mas não marcada, pois a ironia
é o manifesto de vozes que se aliam ao discurso do sujeito que enuncia para, assim,
falar da ciência, ressaltar sua autoridade, através do efeito de sentido que se cria
sobre sua eficácia de sobrepor-se ao improvável.
De forma a corroborar ainda mais o efeito de verdade do que diz, observa-
se a referência à Universidade de Cambridge, ressaltando, não por acaso, sua
localização: Inglaterra. Como se sabe, os países nórdicos historicamente
predominaram econômica, política e ideologicamente nas relações sócio-históricas,
disseminando ideologias de superioridade eurocêntricas, baseadas nas relações de
poder construídas milenarmente, e por isso, autoriza-se a eles o dizer, não mais
apenas por se utilizar de um discurso científico, mas também gênese (o local) desse
discurso, de forma a credibilizar o dizer do sujeito que enuncia.
Em um trecho subsequente, é possível notar a construção de um discurso
marcado por verdades científicas.
3 Cassiani, Giraldi & Linsingen (2012) em estudos sobre a formação do leitor na educação em ciências,
colocam que, ao se ler um texto, que pode se apresentar como escrito, imagético, gestual, dentre
diversas outras formas, há sempre o ato de interpretação, e por isso os sentidos não estão dados ou
fixados. O sujeito ao ler um texto, mobiliza suas histórias de leitura para interpretá-lo. Nessa
circunscrição que apontamos, dado que as histórias de leitura de um cientista e de um jornalista se
alicerçam em campos e gêneros textuais/discursivos diferentes, evidenciam-se discrepâncias nos
modos de interpretar. Dadas as visões de mundo, ao entrar em contato com o texto, mobiliza-se
conceitos e preceitos para a interpretação, que se atrelam a FD's diferentes.
4 Conforme colocado por Baalbaki (2007), o Discurso de Divulgação Científica é encarado de diversas
maneiras, por vários autores, podendo ser considerado como uma atividade de reformulação de um
“discurso-fonte”, no caso, o da ciência, na visão de Authier-Revuz; ou como um movimento/jogo de
interpretação na visão de Grigoletto e Orlandi. Mesmo estas últimas, possuem discordâncias quanto
a alguns aspectos teóricos. Ambas as visões analisam a heterogeneidade no discurso, porém,
enquanto a primeira pensa a nível do enunciado, a segunda o faz em nível discursivo.
36
por meio da experimentação (FRENCH, 2009). Observamos isso no seguinte
enunciado:
5 De acordo com Gaulia (2013, p. 37), a obra de Foucault, Vigiar e Punir, “faz de um exame dos
mecanismos sociais e teóricos que motivaram mudanças nos sistemas penais ocidentais, dedicando-
se à análise de como o poder, por meio de diversas entidades estatais (hospitais, prisões e escolas),
vigia e pune aqueles que qualifica como criminosos (ou 'injustos agressores')”.
37
Fonte: Rassmussen (2015, s.p.).
38
predições. Porém, nem as queremos. É notável que, mesmo que nos apropriemos de
exemplos de outros trabalhos, que se propuseram a analisar a divulgação científica
em revistas especializadas, jornais, rádios, televisão… enfim, em vários tipos de
mídia, ocorrem fenômenos muito semelhantes, em termos dos efeitos discursivos
que apontamos6.
A historicidade marca-se em um apagamento ideológico, em que o sujeito
esquece não ser dono de seu dizer, ao mesmo tempo em que assume formas e
posições dentro das FD's diversas que caracterizam os discursos. Mas diante do
exposto, quais seriam as possíveis implicações desse embate entre a mídia, que
divulga das mais diversas formas possíveis conteúdos relativos à ciência (e em
nossas análises evidenciamos diversos tipos de ideologias propagadas e
naturalizadas, mesmo em tão poucos enunciados), e o processo de ensino-
aprendizagem em Ciências/Biologia nas escolas básicas? Lembrar-nos-emos que os
alunos são constantemente bombardeados por informações tão dúbias e não
necessariamente possuem a noção das fragilidades a que estão expostos.
Então resta-nos, para chegar à guisa de um efeito de conclusão, trazer
algumas considerações para emergir, não em respostas, mas em reflexões em torno
dessa problemática. Queremos pensar não apenas em um sujeito que se assume em
formas e posições diante da ciência, mas em seres que se posicionam enquanto
integrantes de uma sociedade que sofre, mais do que com os silêncios fundantes do
discurso, com os silêncios que as opressões preponderantes lhes causam. Os
preceitos bakhtinianos sobre dialogismo corroboraram para olhares como o de
Freire (1987), ao pensar nas várias formas de expressão, bem como nas dualidades
existentes entre opressor versus oprimido. Essa dualidade instaura-se na
comunicação que nem sempre é realizada em um genuíno diálogo. Aqui não falamos
de mera interação comunicativa entre interlocutores, mas de um fazer-se ouvir e ser
ouvido de forma humanizadora.
Diante do exposto, é função daqueles que resistem (dentre eles estão os
educadores) procurarem meios de tentar subverter as ideologias dominantes.
Mesmo que existam instituições aparelhadas, que quiçá não sejam os melhores
modelos de ensino (como é o caso da instituição escola, enquanto instituição
ideológica), é possível criar resistências em meio a faces reprodutoras de uma
hierarquia dominante. Afinal, o assujeitamento, em seus múltiplos sentidos,
necessita ser perpétuo? Claro que as palavras do outro, o já dito, as ideologias
inclusas nas formações de sujeito ideológico, não deixarão de existir. Mas é
necessário pensar criticamente, formando sujeitos que, apesar das condições,
resistam. E não são apenas falamos dos poderes de Estado. Pensamos também em
formas de poder como preconiza Foucault que pensa na legitimação deste não
somente enquanto instância jurídica ou de guerras, mas em distintas e dispersas
relações de poder, que estão disseminadas (MAIA, 1995). Conforme aponta Lander
(2005), corroborando com essa compreensão de poderes disseminados que alienam
massivamente, na lógica capitalista-liberal há uma naturalização e universalidade
da concepção de modelo social, sendo necessário que esta seja desconstruída, para
que possamos nos desvencilhar do mesmo, questionando-se assim a neutralidade e
objetividade dos princípios naturalizantes e legitimadores dos parâmetros
predominantes de sociedade.
6 Recomendamos as leituras de textos como Gregolin (2007), ou mesmo de Grigoletto (2005), que
foram as bases de inspiração para nosso teor de análise. Porém, esses efeitos podem ser vistos
semelhantemente, ao mesmo tempo que em diferentes abordagens, em vários tipos de trabalhos.
39
Dessa forma, queremos pensar na formação do sujeito no Ensino de
Biologia/ Ciências não como mero ser condicionado, aprisionado dentro de vozes
que lhe impõe o pensar/dizer. Queremos que se reflitam meios para a abertura de
possibilidades aos sujeitos, em perspectivas críticas, de forma que este possa
encarar, e quiçá superar, as reverberações disseminadas pelas várias esferas sociais
sobre/de ciência. Seja nas abordagens sistêmicas e formalizadas da escola, ou
naquelas assistemáticas presentes em páginas ou blogs informais, deve-se
possibilitar ao sujeito tomar decisões e ter posturas críticas, frente às ditas
inovações científicas e tecnológicas. Nessa mesma perspectiva, Cassiani, Giraldi e
Linsingen (2012), ao se posicionarem diante dessas questões, defendem que
“quando pensamos o ensino de ciências, consideramos que a própria forma como
olhamos a ciência e tecnologia também é um importante questionamento”
(CASSIANI; GIRALDI; LINSINGEN, 2007, p. 47). Com isso, os autores colocam que a
relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) pode contribuir para repensar
na educação.
Finalizamos nossas discussões com uma última citação para (re)pensar
sobre o ensino de ciências, sendo esta, uma das visões que compartilhamos:
REFERÊNCIAS
40
ARÁN, M.; PEIXOTO JR., C. A. Subversões do desejo: sobre gênero e subjetividade em
Judith Butler. Cadernos Pagu, n. 28, p. 129-147, 2007.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
41
KADER, C. C. C. A heterogeneidade enunciativa: Um entrelugar. In: ANPED SUL, 9.,
2012, Caxias do Sul. Anais [...]. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2012.
p. 01-15.
SILVEIRA, E.L. Entre rupturas e deslocamentos: o encontro com a língua (do outro)
na escola e a coragem do ato. Página de Debate: Questões de Linguística e de
Linguagem, v. 20, p. 1-17, 2013.
42
COMPORTAMENTO VARIÁVEL DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE 3ª DO PLURAL
E ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
Introdução
43
fenômeno de variação na CV com 3pp. Nosso objetivo é analisar o modo como a
variante sem marcas de CV na 3pp, em coocorrência com a variante com marcas
formais de CV, é influenciada tanto por fatores linguísticos como extralinguísticos.
No âmbito dos condicionadores internos ao sistema, discutimos a atuação da
saliência fônica, já para a observação dos fatores externos, enfocamos a atuação da
escolaridade.
Para tanto, nos valemos dos postulados teóricos da Sociolinguística
variacionista e retomamos os resultados da pesquisa de Pereira (2016) 2 realizada
com base em dados de linguagem falada por informantes do Projeto Norma Oral do
Português Popular de Fortaleza (NORPOFOR). A partir dos resultados obtidos por
Pereira (2016), refletimos sobre o comportamento variável da CV com a 3pp com
base em uma variedade de fala especifica, isto é, o falar de Fortaleza, e colocamos
em pauta algumas implicações pedagógicas que envolvem a variação na CV com a
3pp.
Este texto está dividido em três partes, além desta introdução. Assim, na
seção denominada Sociolinguística e a heterogeneidade linguística, tratamos alguns
dos principais pontos que caracterizam a sociolinguística enquanto campo de
estudo, com ênfase na noção de língua enquanto fenômeno heterogêneo defendido
por estudiosos vinculados a essa área do conhecimento, bem como o encaixamento
da variação na CV com a 3pp no português brasileiro. Na seção Variação na CV de
3pp e algumas implicações pedagógicas, discutimos a influência de uma variável
linguística (saliência fônica) e extralinguística (escolaridade) sobre o
comportamento variável da CV na 3pp a partir de dados extraídos da pesquisa de
Pereira (2016) e refletimos sobre algumas implicações pedagógicas que cercam o
fenômeno de variação em tela. Por último, tecemos algumas Considerações finais.
2Trata-se de uma dissertação de mestrado defendida pela autora deste capítulo e sob orientação da
professora Drª Aluiza Alves de Araújo, pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
(PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). A referida dissertação está inserida no Projeto
Retratos sociolinguísticos de aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos do falar de Fortaleza –
CE e pode ser conferida, na íntegra, através do seguinte endereço eletrônico:
http://www.uece.br/posla/index.php/dissertacoes/288-2016.
44
Essa abordagem assinalava, antes de qualquer coisa, uma oposição ao já consagrado
modo de fazer linguística em outras áreas como o Estruturalismo (SAUSSURE, 2012)
e o Gerativismo (CHOMSKY, 1957, 1965) e, ao mesmo tempo, marcava uma nova
maneira de olhar para as línguas naturais. Afinal, em oposição ao Estruturalismo e
Gerativismo, Labov (2006, 2008) compreende a língua como um fenômeno
essencialmente heterogêneo, mutável e que torna possível toda e qualquer situação
de interação comunicativa entre os sujeitos por meio da linguagem verbal.
Essa concepção de língua, que está na base do pensamento sociolinguístico,
abriu espaço para a observação de uma série de fenômenos resultantes da
heterogeneidade linguística, vista não mais como um fator secundário, mas sim
como uma das mais marcantes propriedades das línguas naturais, pois na
compreensão de Labov (2008, p. 238):
45
Sendo assim, os falantes são capazes de dizer se o uso de determinada variante está
(ou não) adequado à determinada situação de interação comunicativa; aos
propósitos do locutor; às identidades do locutor e interlocutor etc.
Em consonância com esses postulados, vale lembrar que as pesquisas
realizadas nos moldes da Sociolinguística variacionista têm evidenciado que as
formas variantes não estão restritas a um único âmbito da língua. Ou seja, sabemos
que é possível encontrar formas variantes coexistindo nos mais diferentes níveis da
língua: vocabulário, fonético-fonológico, morfossintático e pragmático-discursivo
(MOLLICA, 2012). Para exemplificar a noção de variantes linguísticas, no nível
morfossintático, com a qual operamos na perspectiva variacionista, observemos os
excertos 3 e 4:
3 NORPOFOR, Diálogo entre Informante e Documentador (DID. 06): informante do sexo feminino, 60
anos de idade, 0-4 anos de escolaridade.
4 Ainda que seja chamado de ‘preconceito linguístico’, esse fenômeno marca essencialmente um
preconceito social que busca nas diferenças linguísticas algum tipo de sustentação. Afinal, conforme
argumentamos, não existe nada na língua capaz de eleger uma forma variante como superior ou
inferior a outra (LABOV, 2008; CALVET, 2002). Essa eleição é feita exclusivamente com base no
prestígio social que possuem os sujeitos situados em classes sociais favorecidas e que supostamente
usam determinadas formas linguísticas ao invés de outras.
46
O ponto de partida para a atribuição de valores negativos à variante sem
marcas formais de CV na 3pp reside no fato de que essa forma não condiz com o
modelo de língua conservado pelas gramáticas normativas e amplamente difundido
por grande parte dos veículos de comunicação e preservado pela educação formal
(SCHERRE, 2005; LUCCHESI, 2015). Dado o prestígio que o modelo de língua
apregoado pelos bancos escolares em consonância com os meios de comunicação
disfruta, não surpreende, portanto, perceber que as formas linguísticas que escapam
aos padrões impostos por esses condutores são avaliadas de modo negativo.
De igual maneira, não é difícil concluir, dado o reconhecimento da
sistematicidade da variação linguística, bem como a legitimidade das variantes
linguísticas, que toda e qualquer atribuição de valores positivos ou negativos a
determinadas formas é feita sem respaldo científico. Na verdade, o que distingue os
valores conferidos a uma ou outra forma variante é sua relação ou não com a
valoração do status social atribuído aos falantes que usam (ou que imaginamos que
usam) determinadas formas variantes.
Segue daí que aos falantes situados em uma escala social economicamente
favorecida, geralmente com amplo acesso aos bancos escolares e a outros bens
culturais prestigiados, são correlacionadas às variantes prestigiadas (caso da
marcação formal de CV com a 3pp). Em sentido oposto, as variantes desprestigiadas
(como, por exemplo, a variante sem marcas formais de CV na 3pp) são cotejadas em
relação ao suposto comportamento linguístico de falantes posicionados em escalas
sociais economicamente desfavorecidas (LUCCHESI, 2015). Essas assertivas
indicam que a classificação de uma determinada variante linguística em ‘melhor’ ou
‘pior’ é feita com base em critérios, exclusivamente, sociais, isto é, externos à língua
(BAGNO, 1999, 2013; CALVET, 2002; SCHERRE, 2005; LABOV, 2008; LUCCHESI,
2015).
No tocante à realização das variantes linguísticas, é essencial pontuar que o
uso de tais formas não acontece de modo aleatório. Na verdade, ao postular a
existência de variantes linguísticas ‘competindo’ entre si, Weinreich, Labov e Herzog
(2006) e Labov (2008) defendem que toda forma variante é influenciada por uma
série de fatores linguísticos, ou internos, bem como por fatores externos ao sistema
que podem ser de ordem social ou estilística. Ou seja, para Labov (2008), a existência
de formas variantes em toda e qualquer língua natural só pode ser explicada por
meio da correlação entre tais variantes e fatores linguísticos e extralinguísticos, tal
como procuramos mostrar na seção seguinte, ao abordar o comportamento variável
da CV na 3pp, com base na pesquisa de Pereira (2016).
47
49 e III: 50 anos em diante), a Escolaridade (I: 0-4 anos; II: 5-8 anos e III: 9-11 anos)
e o Tipo de inquérito (Diálogo entre Informante e Documentador (DID), Diálogo
entre 2 informantes (D2) e Elocução Formal (EF)).
Ainda que tenhamos selecionado informantes estratificados em sexo, faixa
etária e escolaridade nos moldes do NORPOFOR, optamos por trabalhar apenas com
inquéritos do tipo DID. A esse respeito, destacamos que os DID figuram como
inquéritos nos quais temos a interação entre informante e um documentador.
Evidentemente, consideramos apenas os casos de variação na CV de 3pp presentes
na fala dos informantes. Além disso, é importante dizer que, haja vista a presença do
informante, assumimos que os DID apresentam um grau intermediário de
formalidade, já que a presença de um indivíduo estranho, com quem o entrevistado
não estabelece nenhum tipo de laço sócio afetivo pode gerar algum tipo de
monitoramento maior do entrevistado em ralação à sua fala (LABOV, 2008; ARAÚJO,
2011).
Ao todo, foram computadas 3.489 ocorrências de variação na CV com a 3pp.
Esses dados foram devidamente submetidos à análise estatística com o auxílio do
programa computacional Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005).
Com isso, verificamos que 65,4% (2.283) das ocorrências apresentam a marcação
formal de CV na 3pp, enquanto 34,6% (1.206) dos casos correspondem a não
marcação de CV. Sobre os percentuais de uso obtidos para as variantes em foco, é
importante mencionar que a amostra de fala com a qual trabalhamos em Pereira
(2016) é representativa do falar tido como popular, fato que poderia elevar o
percentual de uso da variante sem marcas formais de CV na 3pp, conforme mostram
outros estudos sociolinguísticos (MONTE, 2007; ARAUJO, 2014; LUCCHESI, 2015).
Por outro lado, não podemos esquecer que usamos uma amostra de fala
composta por informantes situados em uma das maiores metrópoles brasileiras.
Além disso, os dados computados estão inseridos no contexto dos DID os quais,
conforme dissemos anteriormente, apresentam certo grau de formalidade.
Somados, esses pontos podem ter, portanto, contribuído para diminuir o percentual
de uso da variante sem marcas formais de CV na 3pp.
Além das percentagens para as variantes em estudo, o Goldvarb X também
apontou, dentre os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos controlados em
Pereira (2016), aqueles que interferem no comportamento variável da CV na 3pp.
Dentre os linguísticos, o programa apontou o grupo da saliência fônica como o mais
pertinente. Os resultados obtidos para todos os fatores que compõem a variável
saliência fônica estão distribuídos na Tabela 1:
48
Os dados da Tabela 1 mostram que as formas menos salientes, distribuídas
no nível 1 (posição não acentuada), favorecem a realização da variante sem marcas
formais de CV, ao contrário dos fatores ‘a’ e ‘c’ do nível 2 (posição acentuada). Afinal,
no segundo nível, vemos que apenas as formas que envolvem acréscimo de
segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural beneficiam, ainda que
discretamente, a variante sem marcas formais de CV na 3pp.
Para que possamos compreender melhor a atuação da saliência fônica sobre
o comportamento variável da CV na 3pp, na amostra de Pereira (2016),
apresentamos nas ocorrências (5), (6) e (7) contextos que correspondem aos níveis
1a, 1b e 1c, respectivamente. Ou seja, destacamos os contextos que beneficiam o uso
da variante sem marcas formais de CV, na variável saliência fônica:
(5) não sei dizer o que o eles sabe (NORPOFOR, Inq. 06).
(6) as menina ajuda... (NORPOFOR, In. 06).
(7) aí eles diz assim (NORPOFOR, Inq. 10).
49
Os dados da Tabela 2 indicam que na amostra de fala analisada em Pereira
(2016), os falantes com 0-4 anos de escolaridade favorecem o uso da variante sem
marcação formal de CV na 3pp. Vemos também que os falantes com 5-8 anos
beneficiam, ainda que discretamente, o uso dessa mesma forma variante. Por outro
lado, constatamos que os informantes com 9-11 anos de escolaridade inibem a
realização da variante sem marcas formais de CV na 3pp. Ou seja, os resultados das
análises empíricas realizadas em Pereira (2016) mostram que os falantes com pouca
ou nenhuma escolaridade são aliados da não marcação formal de CV na 3pp.
As descobertas feitas em Pereira (2016) acerca da atuação da escolaridade
sobre a variação na CV com a 3pp concordam com o que diferentes estudos de linha
variacionista vêm mostrando, isto é, quanto mais alto o nível de escolaridade do
informante, mais marcas de CV tendem a aparecer em sua fala. Por outro lado,
quanto menor o grau de escolarização possuir determinados sujeitos, maiores as
chances de eles não fazerem o emprego de marcas formais de CV (CARDOSO;
CABUCCI, 2014).
Dentre as muitas explicações para esse fato, é importante dizer que a
variante sem marcas formais de CV é coibida pela tradição escolar, pois, conforme
já mencionamos, essa forma variante não condiz com o modelo de língua
perpetuado nas escolas, por meio das gramáticas normativas. O mesmo, contudo,
não ocorre com a variante com marcação formal de CV na 3pp. Afinal, é essa a
variante adotada como modelo a ser seguido nas aulas de Língua Portuguesa. Desse
modo, cabe supor que quanto menos tempo os falantes passarem na escola, menores
as chances de eles fazerem uso do modelo de língua difundido nos grandes bancos
escolares. Com isso, não estamos querendo dizer que:
Haja vista as questões que tratamos até aqui, é possível depreender, pelo
menos, duas questões que têm implicações diretas no trabalho com a CV no âmbito
do ensino de língua materna. A primeira dessas implicações diz respeito ao fato de
que, por meio do funcionamento da variação na CV com a 3pp, constatamos a
heterogeneidade própria da língua portuguesa, bem como de toda e qualquer língua
natural, tal como propõe a Sociolinguística.
Em segundo, vemos que essa variação é sistemática, pois, conforme
mostramos nos dados extraídos da pesquisa de Pereira (2016), as variantes com e
sem marcas formais de CV na 3pp são devidamente condicionadas por fatores
internos e externos ao sistema. Dentre os primeiros, destacamos a atuação da
saliência fônica. Já no âmbito dos fatores sociais, vimos que a escolaridade é de
grande valia para a compreensão da variação na CV com a 3pp, na linguagem real,
falada pelos fortalezenses.
Naturalmente, o caráter variável da CV na 3pp se estende a diferentes
variedades de fala do Português brasileiro, pois, conforme sinalizamos logo de
início, temos conhecimento de diferentes trabalhos sociolinguísticos sobre o
fenômeno em diversas localidades do país. Isso nos leva a assumir que a variação na
CV com a 3pp pode ser mais bem compreendida se levarmos em conta fatores
50
linguísticos e fatores sociais que mais bem compreendem diferenças na identidade
social dos falantes do que mesmo diferenças geográficas.
Em nossa compreensão, essas questões, por si só, sinalizam o quão
importante pode ser a abordagem da variação na CV com a 3pp. Assim, estaremos
promovendo o trabalho com uma visão de língua não apenas mais aberta ao
reconhecimento e compreensão das diferenças linguísticas em sala de aula, mas
também com uma visão de língua que está mais próxima da realidade de toda e
qualquer língua natural. Além disso, concordamos com Bagno (2007) quando diz
que, mesmo tendo o trabalho formal com a língua materna avançado no que tange o
tratamento da variação linguística em sala de aula, essa abordagem muitas vezes
está restrita ao reconhecimento de fenômeno variáveis situados no léxico e
marcados por diferenças diatópicas.
De igual modo, Bagno (2007) aponta a necessidade de abrir espaço para o
tratamento de fenômenos variáveis marcados socialmente, como é o caso da
variação na CV com a 3pp. Afinal, a queda de marcas de concordância é um
fenômeno que escapa às regras prescritas pelas gramáticas tradicionais, tornando-
se um ponto problemático para o ensino formal da língua materna, visto que “é um
dos tópicos gramaticais que os professores de Língua Portuguesa, de um modo geral,
mais se empenham em corrigir nos seus alunos” (MONTE, 2007, p. 13).
Diante disso, acreditamos que promover, entre professores e alunos, a
descrição dos fatores linguísticos e sociais que interferem – no uso real que fazemos
de nossa língua – é de suma importância não apenas para a compreensão do
funcionamento das variantes linguísticas, mas também para a quebra do
preconceito linguístico que geralmente sofrem os falantes que fazem uso da variante
sem marcas de CV na 3pp. A questão que se coloca é o reconhecimento da
sistematicidade dessa forma variante marcada pela influência de fatores internos e
externos à língua.
Com isso, estamos mostrando – por meio de dados empíricos – que a
variante sem marcas formais de CV na 3pp não acontece de modo aleatório,
tampouco é fruto de alguma deficiência linguística. Na verdade, essa variante é fruto
da heterogeneidade linguística sistemática presente, conforme sustentando, em
toda e qualquer língua natural. Essa perspectiva, de fato, nos parece bastante
frutífera para a quebra do preconceito linguístico que, por sua vez, “deve ser
enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação
para o respeito à diferença” (BRASIL, 1997, p. 26).
Com isso, não estamos querendo dizer, em instância alguma, que a escola não
deve trabalhar com variedades linguísticas mais prestigiadas socialmente. Muito
pelo contrário, sabemos que ter acesso a tais variedades é um direito inalienável dos
nossos alunos e que deve ser promovido pela escola (WEINREICH; LABOV; HERZOG,
2006; BAGNO, 2007; LABOV, 2008). Para tanto, é preciso proporcionar aos discentes
o contato com o maior número de situações ou gêneros textuais que os levem a
perceber os diferentes usos da língua, tanto na modalidade falada quanto escrita da
língua. Trata-se, portanto, da adoção de um ensino ‘produtivo’ e não ‘prescritivo’
(TRAVAGLIA, 2009).
Assim, por exemplo, cabe levar os discentes a compreenderem que, em
situações de interação comunicativa com alto grau de formalidade, é importante
fazer uso de formas linguísticas mais prestigiadas socialmente. Todavia, variantes
com menor prestígio social – como a variante sem marcas formais de CV na 3pp –
podem e costumam ser empregadas em situações de interação comunicativa nas
51
quais predomina um alto nível de informalidade (CARDOSO; CABUCCI, 2014, p. 95).
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
52
Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, Universidade Federal da
Paraíba, João Pessoa, 1999.
BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola.
1999.
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
LABOV, W. The social stratification of English in New York city. Washington: D.C.:
Center for Applied Linguistics, 1966.
54
Disponível em: http://acervodigital.unesp.br/handle/unesp/178001?locale=es_ES.
Acesso em: 02 fev. 2015.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Organizado por Charles Bally, Albert
Sechehaye com a colaboração de Albert Riedlinger. Tradução de Antônio Chelini,
José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 34. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2012.
55
teoria da mudança linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola
Editorial, 2006.
56
ESPANHOL COMO LE NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DO ENSINO MÉDIO
INTEGRADO DO IF SERTÃO-PE: UMA ANÁLISE DISCURSIVA
Introdução
Dessa forma, aliados a essa perspectiva, tomou-se ainda para a análise dos
dados, os estudos do letramento, em sua abordagem crítica e da pedagogia dos
multiletramentos (CASSANY, 2006; KLEIMAN, 2005; ROJO, 1998, 2009), e, seguiu-
se uma proposta de base dialógica do discurso (BAKHTIN, 2000; VOLOCHÍNOV,
2013), por conceber a linguagem sob o viés de sua historicidade ao ganhar o caráter
57
ideológico e social em suas práticas.
1 Assim como Abreu propõe, compreende-se para este trabalho o seguinte conceito: “Entende-se
como formação cidadã um conjunto de ações possibilitadas no ambiente educacional: o acesso ao
conhecimento; a constituição do sujeito (valores e atitudes); o agir e o posicionar-se no mundo de
forma consciente e crítica; o contato com outras formas de interação através da linguagem; a
oportunidade de debater e de compreender as desigualdades, relações de poder, na sociedade como
um todo; entre outros” (2011, p. 23).
2 Não se tem pretensão, neste estudo, polemizar a retirada da oferta obrigatória do espanhol dos
direcionamentos para a educação básica, estando somente agora como uma disciplina optativa. Em
outros trabalhos aprofundar-se-á e ampliar-se-á o tema.
58
de escrever, de falar, de compreender enunciados (CASSANY, 2006,
p. 555).
Mas será que tais mudanças ou propostas de uma educação linguística que
conceba o engajamento discursivo dos discentes já encontra eco nos currículos?
Será que ainda se tem a forte tendência estrutural de ensinar e aprender uma língua?
Será que há a proposta de compreender o texto como um instrumento real, rico em
possibilidades pedagógicas?
Para a proposta deste estudo, analisaram-se os PPC’s de três cursos do
IFSertão – PE, Campus Salgueiro, no caso os PPC’s dos cursos ensino médio
integrado (EMI) do Campus Salgueiro (Agropecuária3, Edificações4 e Informática5),
por meio de uma pesquisa documental de base exploratória interpretativista e
qualitativa, sendo possível mapear os seguintes efeitos divididos em duas frentes:
PPC's e as
PPC's e orientações para o
documentos ensino de espanhol
governamentais como LE
Fonte: As autoras.
resultados, mas explorar apenas um recorte desses. Em outros estudos e trabalhos serão melhor
aprofundadas essas relações.
59
Agropecuária
• Presença de citações diretas a LDBEN, mas sem referências.
• Paráfrases da LDBEN, mas sem referências.
• Quatro premissas sugeridas pela UNESCO: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver; e, aprender a ser.
• Apresentam 10 (dez) leis que amparam a criação do curso; somadas
a 5 (cinco) pareceres Câmara de Educação Básica (CEB) e do
Conselho Nacional da Educação (CNE); mais uma portaria do
Ministério de Planejamento e Gestão; mais quatro resoluções do
CEB/CNE. Todas a título de exemplificação, pois estão citadas apenas
em sequência sem profundidade do que prescrevem – pelo menos
não na seção apresentada. E todas até 2008.
• Para o perfil do egresso, espera-se formá-lo com a base proposta
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000),
fundamentado pela Resolução CNE/CEB nº 04/99.
• Apresentam as leis associadas à proposta na organização curricular
do curso.
• Apresenta referências à Organização Didática do IFSertão/PE, mas
sem referência ao número e ano de publicação.
Edificações • Presença de citações diretas a LDBEN, mas sem referências.
• Paráfrases da LDBEN, mas sem referências.
• Quatro premissas sugeridas pela UNESCO: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver; e, aprender a ser.
• Na seção de fundamentação legal, utilizam-se da LDBEN e do Parecer
CEB/CNE nº15/98 somente.
• As listagens das competências foram tomadas por base o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
• Para o perfil do egresso, espera-se formá-lo com a base proposta pela
LDBEN e as competências elencadas pelo ENEM.
• Nas referências, o documento governamental mais atual, data de
2004.
Informática
• Apresentam a LDBEN, um parecer e uma resolução para a criação do
curso. Todas a título de exemplificação, pois estão citadas apenas em
sequência sem profundidade do que prescrevem – pelo menos não
na seção apresentada. A legislação mais atual data de 1999.
• Paráfrases da LDBEN, com referências.
• As listagens das competências foram tomadas por base o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
• Para o perfil do egresso, espera-se formá-lo com a base proposta pela
LDBEN e as competências elencadas pelo ENEM.
• Nas referências, o documento governamental mais atual, data de
2001. Faz-se referência a uma resolução, mas não há indicação de
qual órgão o publicou com data de 2010.
Fonte: As autoras.
7 Ressalta-se que no decorrer dos últimos cinco anos já foram apresentadas sugestões de mudança
ao currículo. Contudo, após as alterações impostas pela Lei nº13.415/17 na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDBEN (BRASIL, 1996), há a sugestão no Campus de aguardar os
direcionamentos específicos para o EMI.
8 A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT) é recente, datada de
2008. Contudo, a história da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil surge em 1909 no
Brasil, primeiramente com uma política voltada a classes desprovidas, visando uma qualificação
profissional desta camada da população. Porém, atualmente a rede profissionalizante federal “se
configura como importante estrutura para que todas as pessoas tenham efetivo acesso às conquistas
científicas e tecnológicas” (SOUZA, 2013, p. 61), além da sua formação técnica.
61
e quer humanisticamente, porém, essas precisam de um melhor amparo teórico-
metodológico e pedagógico no texto base dos cursos.
Já para o segundo eixo dos resultados, e que trata do objetivo maior deste
estudo, foi possível observar que nos três cursos:
9A língua espanhola na grade curricular do IFSPE como todo é vivenciada somente nos 3º e 4ºanos
do ensino médio integrado.
62
Figura 3: Currículo Ensino Médio Integrado – Agropecuária
Considerações Finais
Nesta investigação foi possível, após análise dos PPC’s, estabelecer alguns
resultados principais para os objetivos propostos iniciais (compreender as relações
postas em torno das prescrições governamentais que incentivam a formação
63
discursiva do discente e a proposição dada aos docentes por meio de um documento
institucional - o PPC dos cursos), tais como: a prioridade no uso linguístico da língua
por meio de assuntos gramaticais, conforme se esboçam nas seções dos conteúdos;
a ausência de direcionamentos do trabalho com o texto por meio de gêneros
discursivos, por exemplo; e a homogeneização dos conteúdos entre os três cursos,
sem associar as suas particularidades e necessidades.
Dessa forma, conclui-se que há a necessidade de reformulação desses PPC’s
para que se possa construir uma linha de atuação mais próxima dos
direcionamentos sinalizados por documentos governamentais e os preceitos
teóricos recomendados neste estudo (uma pedagogia dos letramentos por meio de
uma educação linguística) associados a uma proposta de base dialógica do discurso
(BAKHTIN, 2000; VOLOCHÍNOV, 2013), no intuito ainda de que uma aula de LE
possa buscar formar cidadãos autônomos, críticos, produtores e consumidores de
linguagem em um dado idioma.
Destaca-se para esse estudo a importância que “o caráter dialógico da
linguagem e das relações postas” dadas em uma interação ou em um processo
comunicativo são de ordem sócio historicamente construídas por meio de um dado
tempo e espaço, estando relações de poder e de intencionalidades envoltas nesses
contextos (LENDL; ABREU; BARBOSA, p. 53, 2018).
De igual forma, fazem-se urgente as adequações desses PPC’s, uma vez que
existem outros “equívocos”, como por exemplo: erros de ordem linguística e até
mesmo de referências relacionados a regras da ABNT. Logo, os gestores devem estar
atentos com relação a reformulação constante e da necessária e oportuna adequação
dos PPC’s com as demandas atuais quer seja de ordem governamental quer seja de
ordem acadêmico-científico, trazendo assim um discurso coeso para a formação dos
discentes.
REFERÊNCIAS
64
BRASIL. M. da E. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e
Educação Integral, 2013.
65
VOLOCHINOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. Org. Trad. e
notas: João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro e João Editores, 2013.
66
LETRAMENTO: LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS DE
LINGUAGEM E DE INTER(AÇÃO)
Marcos de FRANÇA
Cláudia Rejanne Pinheiro GRANGEIRO
Introdução
avaliar se eles são capazes de elaborar respostas dentro do raciocínio lógico, considerado como uma
ação cognitiva de caráter altamente abstrato só possível para indivíduos com certo nível de
letramento. A autora constatou que a falta do rigor lógico é substituído pelas narrativas explicativas,
o que demonstraria um certo nível de letramento.
67
(2014), que é possível haver alguém com certo nível de letramento e não ser
alfabetizado assim como pode ser alfabetizado e não ter domínio de certo nível de
letramento (com proficiência em leitura e escrita). É preciso dizer, portanto, que
essa é uma perspectiva de letramento grafocêntrica, altamente valorizada pela atual
sociedade tecnológica. De acordo com Coulmas (2014, p. 8):
3É claro que isso teria que passar também pela formação do professor que trabalha nas formações
iniciais, na alfabetização.
68
Este capítulo tem por objetivo discutir os usos da leitura e da escrita como
práticas sociais que caracterizam o processo de letramento para além da
alfabetização. Nesse sentido, nossa discussão ocorre no contraponto entre a
concepção de alfabetização e a concepção de letramento como dois processos
complementares e não excludentes. Com base em autores como Soares (2004a,
2004b, 2006), Tfouni (2006), Street (2014) e outros, sustentaremos nossa discussão
sobre as concepções de alfabetização e letramento, visto que na atualidade se
discute com certa veemência o fato de que ser alfabetizado não é garantia de pleno
letramento; pelo contrário, a existência dos chamados “analfabetos funcionais” se
apresentarem como o produto final de quatro anos ou mais de escolarização é prova
cabal da ineficiência da escola em proporcionar um nível de letramento que faça da
leitura e da escrita uma prática social de linguagem. A nossa proposta, portanto, é
mostrar que o uso da leitura e da escrita como prática social de linguagem só é
possível/viável para o exercício ser/estar em sociedade quando o indivíduo passa
por um processo de letramento e não apenas de alfabetização, tornando-se,
portanto, um sujeito menos “assujeitado”, como diria Althusser (1974) ou capaz de
resistências, como diria Foucault (2001), no âmbito das ações sócio-políticas.
Para alcançar esse intuito, num primeiro momento, defenderemos que a
concepção de linguagem como interação social e a de leitura e de escrita como
processos e produções de sentidos estão atreladas à adoção de uma concepção de
letramento, a qual está condicionada a uma perspectiva de leitura e de escrita como
práticas sociodiscursivas de linguagem. Esse condicionamento foi favorecido por
um contexto sócio-histórico-ideológico que proporcionou rever a concepção de
alfabetização e o surgimento de uma nova concepção que atendesse aos interesses
do momento presente, no caso o conceito de letramento.
Num segundo momento, discutiremos, em contraponto, as concepções de
alfabetização e letramento e os seus contrastes, não como concepções que se opõem,
se excluem, mas como conceitos que se complementam. Nesse sentido, o processo
de codificação/decodificação (alfabetização) é necessário para se atingir o processo
de produção de texto e de sentidos (letramento), que é o almejado.
Na terceira seção, analisaremos alguns textos que circularam na esfera
social nos meios digitais (internet: uma notícia e uma tirinha) com base na discussão
aqui levantada sobre o letramento como prática social de linguagem e a importância
do papel da escolarização no processo de formação do sujeito como um agente
sócio-político de ações de linguagem por meio do domínio pleno da leitura e da
escrita. Por fim, apresentaremos as nossas considerações finais, onde exporemos as
nossas conclusões resultantes das leituras e das análises realizadas a partir do
corpus selecionado.
O nosso propósito é de contribuir, modestamente, porém de forma
significativa, com os debates contemporâneos no campo de estudos sobre leitura,
escrita e letramento, principalmente na relação com o ensino de português como
língua materna.
69
como interação.
70
De acordo com Brandão (2004, p. 11), “[…] a linguagem enquanto discurso
é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural,
por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia.” Sendo assim, ela não
pode ser concebida como uma entidade abstrata, “[…] mas como o lugar em que a
ideologia se manifesta concretamente, em que o ideológico, para se objetivar,
precisa de uma materialidade […]” (BRANDÃO, 2004, p. 9). É a linguagem em uso –
em movimento, em funcionamento, a linguagem como interação – que materializa o
discurso e o discurso por sua vez materializa a ideologia. Consequentemente, ao se
adotar uma concepção de linguagem como a aqui defendida, implica uma mudança
de concepção de leitura e escrita.
É sobre as concepções de leitura e de escrita que discutiremos na subseção
seguinte.
Concepções de Leitura
71
relevância para se estabelecer sentidos num texto, pois esse processo de leitura,
como assevera Fernandes na citação anterior, não só poderá favorecer a percepção
do aluno-leitor de que a leitura é um processo dialógico (que um texto dialoga com
outros textos, isto é, perceber a presença desses outros textos no texto em questão),
como também desenvolver outras habilidades de leitura, tornando-se um leitor
mais crítico e menos intuitivo, capaz de ler “nas entrelinhas” e compreender que a
leitura está além do que está na superfície do texto, da mesma forma que estabelecer
sentidos para um texto requer que o leitor faça relações com outros elementos que
não estão explícitos no texto, mas que podem ser inferidos a partir dele, embora as
inferências feitas, inicialmente, possam ser negadas em favor de outras no decorrer
da leitura.
Entre outras concepções, “[…] a leitura [é concebida] como um processo
cognitivo de inferências e como um processo sócio-discursivo que se realiza num
contexto enunciativo” (FERNANDES, 2011, p. 2), portanto, ler é interação, é
produção de sentido, é interpretação e compreensão. Em outros termos, é possível
afirmar, sob a perspectiva de uma concepção de leitura pragmática, que “Saber ler
um texto é saber fazer as inferências corretas ou plausíveis que cada trecho do texto
propicia” (MOURA, 2007, p. 33).
Seguindo essa mesma perspectiva de abordagem cognitiva e
sociodiscursiva, sob os aportes da Psicolinguística, Leffa (1996, p. 10) afirma que
“Embora a leitura, na acepção mais comum do termo, processa-se através da língua,
também é possível a leitura através de sinais não linguísticos. […]. Não se lê,
portanto, apenas a palavra escrita, mas também o próprio mundo que nos cerca.”
Isso quer dizer que não se lê apenas a palavra escrita, em linguagem verbal; é preciso
considerar a massa de textos em outras semioses, como os não verbais e os virtuais,
por exemplo, que circulam na esfera social. Além disso, é mister considerar que a
leitura por ser uma prática social e histórica, sofre, por isso mesmo, transformações
com o passar dos tempos. Hoje, por exemplo, a leitura de textos virtuais, dispostos
nas telas dos computadores, impõe novas reflexões e desafios ao ensino
aprendizagem da leitura (SILVA, 1999). Assim, norteado por uma perspectiva
interacionista de leitura, Silva (1999, p. 16) afirma que: “Ler é sempre uma prática
social de interação com signos, permitindo a produção de sentido(s) através da
compreensão-interpretação desses signos”.
Sob os aportes da Análise do Discurso (AD), Orlandi (2006, p. 11) diz que
“Saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui
significativamente.” Isso implica dizer que, de acordo com a autora, quando se lê, se
deve considerar não só o que está dito como também o que não está dito, mas que
também está significando pela ausência. Assim, para a AD, a leitura é um processo;
e nesse processo se procura determinar o processo e as condições de produção do
texto, por isso, é possível dizer que “[…] a leitura é o momento crítico da constituição
do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é
nele que se desencadeia o processo de significação” (ORLANDI, 2006, p. 38). Para a
autora, é no momento em que se realiza o processo da leitura, que também se
configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação
específico (ORLANDI, 2006).
Para concluir, então, esta subseção, trazemos a concepção de ler na
perspectiva de Magda Soares (2006) que nos parece dar a tônica do que de fato é
leitura e o que envolve em seu processo de realização: “Ler é um conjunto de
habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar
72
sílabas ou palavras até ler Grande Sertão: Veredas [...] ler é um conjunto de
habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo
continuum [...]” (2006, p. 48, grifos da autora).
Em síntese, podemos concluir que todas as concepções de leitura aqui
apresentadas têm como eixo norteador a concepção de linguagem interacionista,
portanto, de caráter dialógico, cognitivo, inferencial, discursivo e pragmático o que
implica acionar, no sujeito-leitor, uma série de habilidades e comportamentos que
vão além do linguístico, da estrutura, do código. Exige também, pois, o
extralinguístico, o conhecimento de mundo do sujeito-leitor e as condições de
produção envolvidas no processo.
Não se pode deixar de anotar que a uma concepção de leitura, está atrelada
uma concepção de escrita, que é o que apresentaremos e discutiremos na próxima
subseção.
Concepções de Escrita
73
(SAVELI, 2007, p. 110). Portanto, “A escrita é um meio de construir um ponto de
vista, uma visão do mundo, de encaixar cada fato num conjunto, de estabelecer um
sistema, de dar um sentido às coisas” (SAVELI, 2007, p. 111). Em outros termos, é
por meio da escrita que é possível sistematizar e organizar com maior precisão as
ideias, os argumentos, o ponto de vista defendido etc., porque se pode pensar, pesar,
retomar, repensar etc. antes da versão chegar até ao leitor.
A escrita, enfim, pode ser entendida como uma atividade de produção de
texto que se realiza com base nos elementos linguísticos e na sua forma
organizacional e que requer a mobilização de um vasto conjunto de conhecimentos
do escritor, no interior do evento comunicativo, o que inclui também o que ele
pressupõe ser do conhecimento do leitor ou do que é compartilhado por ambos
(KOCH; ELIAS, 2012). Nessa perspectiva, trazemos a definição de escrever concebida
por Magda Soares que nos parece dar a tônica do que de fato é essa ação de
linguagem e o que ela envolve em seu processo de realização: “Escrever é também
um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde
simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado [...]
Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos,
conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum [...]” (2006, p. 48-49,
grifos da autora).
Em síntese, assim como ler, escrever também envolve uma série de
habilidades e estratégias e não pode ser reduzida a simples codificação linguística
porque envolve aspectos cognitivos, linguísticos, pragmáticos, sócio-históricos e
culturais.
74
ideal é que se alfabetize dentro de condições de letramento e que tal processo
implique em uma imersão proficiente nos materiais verbais e/ou multissemióticos
contemporâneos, que vão além do texto puramente verbal. Por isso, hoje, é
preferível se falar em texto verbo-voco-visual:
75
forma mais eficaz a relação de interação entre o sujeito e a linguagem." Como
podemos perceber, na proposta das autoras, com base no Paradigma Indiciário,
deve-se buscar os indícios, as particularidades que o sujeito possa ou venha a
demonstrar ter com a linguagem, ou seja, a partir do que o aluno demonstra
conhecer de linguagem explorar isso em favor do seu aprendizado, ou seja, prioriza
o sujeito do processo interativo com a ação de linguagem.
Deve-se entender "indício" como "pista". Por isso a referência comparativa
que se faz com a atividade de um detetive, porque é exatamente com o indício, com
a pista que ele trabalha para chegar às suas deduções lógicas. O que normalmente a
pedagogia tradicional considerava "erros", podem ser, na verdade, indícios de como
o aluno se relaciona com a linguagem e como isso interfere no seu processo de
aprendizagem da escrita. Em outras palavras, ao invés de o professor olhar para os
erros como algo em si, de forma estática, poderia analisar, procurar saber o porquê
desses erros. Em vista disso:
76
é “[…] entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso
competente da leitura e da escrita em práticas sociais” (SOARES, 2004a, p. 97).
Sendo assim, não se pode pensar nos dias atuais num ensino de línguas dissociado
de condições de letramento que envolvam a leitura e a escrita como práticas sociais.
Essas, por sua vez, tomadas como ações de linguagem significativas no processo de
socialização e participação político-social efetiva do sujeito na sociedade da qual faz
parte e não como meras e simples práticas escolares.
Para o Programa de Avaliação Internacional de Competências Adultas da
OCDE6 (PIAAC) letramento é definido como:
77
TEXTO I7
Aprovado
Tiririca passa no teste de alfabetização
Em teste, o palhaço eleito deputado federal provou que sabe ler e escrever
Depois de provar para quase um milhão e meio de eleitores que merecia
uma vaga de deputado na Câmara federal, o palhaço Tiririca agora prova que é
alfabetizado e pode assumir o mandato. A Justiça Eleitoral aplicou nesta quinta-feira
11 um exame para verificar se o recém-eleito Francisco Everardo Oliveira Silva - o
homem por trás do personagem - sabe ler e escrever. E ele passou. [...]
No exame aplicado, Tiririca precisou ler título e subtítulo de duas
reportagens de jornal, além de escrever um ditado8 retirado de um livro sobre a
própria Justiça Eleitoral. Walter de Almeida Guilherme, presidente do Tribunal
Regional Eleitoral de São Paulo, confirmou que o recém-eleito cumpriu as tarefas a
contento.
TEXTO II9
78
escrita.
O texto II ilustra bem como a escola tem formado os nossos alunos em
termos de leitura e escrita. O processo de alfabetização enquanto for concebido
como “[…] uma técnica que está diretamente ligada à decodificação […]”, isto é, “[…]
a decifração do código escrito – o alfabeto […]” (ROSÁRIO, 2013, p. 39), a escola
estará longe de formar sujeitos proficientes em leitura e escrita. Enquanto a escola
considerar que repetir frases feitas fora de contexto (“Minha mãe me mima. Minha
mãe me ama.”) e “ler título e subtítulo” e “escrever um ditado” é o suficiente para
estar alfabetizado, é provável que não tenhamos o tipo de leitor que a personagem
Mafalda representa: um sujeito criticamente politizado, com uma percepção de
mundo que o leva a “ler” que a escola não está cumprindo o seu papel político-social
de formar cidadãos letrados, se continuar insistindo em usar métodos arcaicos de
alfabetização que não proporcionam o letramento do aluno.
Considerações finais
79
proporcionar o letramento pleno como também de conscientizar sobre tais nuances
do letramento e de respeito ao outro.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial,
2005.
80
LEFFA, Vilson J. O conceito de leitura. In: Aspectos da leitura. Uma perspectiva
psicolinguística. Porto Alegre: Sagra; DC Luzzatto, 1996. p. 9-24
SAVELI, E. L. Por uma pedagogia da leitura: reflexões sobre a formação do leitor. In:
CORREA, D. A.; SALEH, P. B. O. (orgs.). Práticas de letramento no ensino: leitura,
escrita e discurso. São Paulo: Parábola Editorial; Ponta Grossa: UEPG, 2007.
_____. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Rev. Bras. Educ. [online]. 2004a,
n. 25, p. 5-17.
81
UM ESTUDO SOBRE A MEGAESTRUTURA MULTIMODAL DO MERRIAM-
WEBSTER: VISUAL DICTIONARY ONLINE
Aluizio LENDL
José Marcos Rosendo de SOUSA
Antônio Luciano PONTES
Introdução
82
O elemento que estudaremos desse sistema organizacional é a
megaestrutura. Adotamos este termo, usado por Pontes (2009) e Hartmann & James
(1998), por ser parte de um conjunto maior que gera uma sequência lógica com as
outras estruturas. Entretanto é importante fazer entender que outros estudiosos
adotam outras nomenclaturas, como é o caso de Welker (2004) e Hausmann &
Wiegand (1989), os quais chamam de textos externos; Haensch (1982), que nomeia
de macroestrutura; e Gelpí Arroyo (2000) que batiza de hiperestrutura. De modo
geral, todos entendem esta estrutura como sendo a parte geral do dicionário,
contendo três partes principais, o material anteposto, a nomenclatura e o material
posposto.
Sobre as três partes mencionadas, Hartmann & James (1998) designam como
conjunto formado pelas nomenclaturas e os textos externos – outside matter. Assim,
dividem a megaestrutura em front matter, middle matter e back matter1. Cabe ainda
mencionar que Pontes (2009) traz outra nomenclatura à megaestrutura de
dicionários escolares, porém as definições dadas aos termos não divergem daquelas
dos autores já citados. O autor divide-a em “páginas iniciais (elementos
preliminares, material anteposto), o corpo (nomenclatura ou macroestrutura) e as
páginas finais (material posposto)” (PONTES, 2009:66-67). Em suma, Welker
(2004) constata que a megaestrutura pode ser constituída pelo prólogo, prefácio,
introdução, lista de abreviaturas usadas no dicionário, informações sobre a
pronúncia, resumo da gramática, lista de siglas e/ou abreviaturas, lista de verbos
irregulares, listas de nomes próprios, lista de provérbios, bibliografia, fonte e,
algumas vezes, certas curiosidades.
Quanto ao material anteposto, Pontes (2009, p. 67) destaca que é de presença
obrigatória na megaestrutura do dicionário. Por outro lado, Welker (2004: 80) nos
mostra que há autores que consideram apenas o corpo do dicionário como parte
obrigatória. O que é consenso entre os dois autores é que há a necessidade de
informações sobre como usar os dicionários, isto é, uma explicação sobre a
organização. Sobre esses textos externos, Welker (2004, p. 80) constata que não
possuem uma posição fixa, “a não ser o prefácio e a introdução, que devem preceder
as nomenclaturas”.
Front matter ou material anteposto desempenha função metalinguística, já
que ressalta como os dicionários foram feitos e os seus usos possíveis. Serve,
portanto, para que os consulentes compreendam como a obra se organiza e como
manuseá-la. Tecnicamente, Pontes (2009, p. 67) destaca elementos que deveriam
constar nesta parte introdutória, são eles: as características da obra; a definição de
critérios adotados pelo lexicógrafo; as indicações de uso, como guia para a consulta
da obra; e a indicação do leitor potencial do dicionário. Dentro desse mesmo
entendimento, elencamos a seguir o que Damin (2005, p. 83) considera como
elemento importante do material anteposto:
(i) Deve explicar para quem é destinado e quais informações o usuário irá
encontrar na obra;
(ii) Deve oferecer um guia de uso que explique como procurar as palavras
utilizando a ordem alfabética;
83
(iii) Deve explicar como o usuário pode entender a organização do artigo
léxico e se movimentar dentro dele;
(iv) Deve informar sobre como as acepções estão ordenadas;
(v) Deve ter informações sobre como entender e utilizar o sistema de
remissão entre as partes do dicionário;
(vi) Deve conter explicações sobre símbolos, ícones e abreviaturas.
84
como apêndices e anexos.
Entretanto como podemos notar, o dicionário visual eletrônico não está
organizado dessa forma, a rede megaestrutural está arquitetada a partir do todo
organizacional de informações, tal como as funções do menu. Percebemos que não
há uma preocupação direta do dicionário em explicitar as características técnicas da
obra, as indicações de uso ou definição de critérios adotados pelo lexicógrafo. Para
fazer entender melhor sobre como essas informações são apresentadas, dispomos a
página inicial do dicionário eletrônico.
Fonte: visualdictionaryonline.com
85
(i) Overview (visão geral): Este link nos chama atenção sobre a visão geral
do dicionário. Por exemplo, que o dicionário possui 20.000 termos com
definições contextualizadas e 6.000 imagens coloridas, que é projetado
para quando você sabe como algo é, mas não como é chamado, ou quando
conhece a palavra, mas não consegue visualizar o objeto, o dicionário
visual tem essa resposta. Isso por que a busca por uma palavra ou termo
pode acontecer a partir dos campos temáticos (Themes), pela busca de
uma palavra isolada ou uma busca simples a partir da imagem (Index),
ambos dispostos do lado esquerdo da imagem.
Fonte: visualdictionaryonline.com
(ii) Behind the visual (Por trás do visual): Neste link o dicionário apresenta a
equipe responsável pela construção do dicionário, desde a criação da
imagem à escolha das terminologias e das definições que passaram por
um sistema de aprovação. Isto mostra que o dicionário seguiu critérios
bem definidos, ele nos diz que:
86
(c) As definições trazem informações essenciais que não podem ser vistas
ou são apenas sugeridas pela palavra. Como a definição deixa de fora
o óbvio da imagem, as imagens e as definições se complementam.
Fonte: visualdictionaryonline.com
87
Figura 4: Internacional
Fonte: visualdictionaryonline.com
Fonte: visualdictionaryonline.com
88
Por seu turno, o link cuja denominação é TOOLS (ferramentas), discute sobre
a possibilidade de uso do Dicionário Visual em blogs, redes sociais e outras
atividades. A indicação é que todas as imagens, terminologias e definições podem
ser utilizadas livremente, desde que sem fins lucrativos, contanto que não seja feita
nenhuma modificação na ilustração ou na terminologia.
Figura 6: Ferramentas
Fonte: visualdictionaryonline.com
Fonte: visualdictionaryonline.com
Por sua vez, o link APPS direciona o consulente para outro sítio. Nessa nova
89
página, percebemos que a Merriam-Webster disponibiliza uma nova versão em
formato de aplicativo do Dicionário Visual para dispositivo móvel, com mais de
8.000 imagens de alta definição rotuladas e explicadas por 25.000 palavras em cinco
idiomas que dão nome e descrevem nosso mundo contemporâneo, conforme
podemos observar na imagem a seguir:
Fonte:ikonet.com/en/thevisualplus/
90
semanalmente jogos multimodais interativos diferentes, que busca fazer aprender
uma língua a partir da relação entre termo e imagem. Acrescentamos, sobretudo, a
possibilidade de comunicação mais rápida entre os consulentes e a equipe do
Merriam-Webster. São facilidade como essas que fazem de um dicionário visual
eletrônico uma ferramenta diferenciada das obras impressas.
Constatamos, portanto, que megaestrutura do dicionário visual eletrônico
online possui uma rede organizacional complexa, diferente em termos estruturais e
informacionais dos dicionários impressos, visto que o eletrônico disponibiliza certas
informações através de abas ou menus em forma de link para acesso das
funcionalidades dentro do próprio dicionário ou encaminha por meio de uma nova
guia de acesso em outro sítio eletrônico.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
PONTES, A. L. Dicionários para uso escolar: o que é como se lê? Fortaleza: EdUECE,
2009.
91
WELKER, H. Dicionários: uma pequena introdução. 2ed. Revista e ampliada –
Brasilia: Thesaurus, 2004.
92
O ENSINO DE LITERATURA MEDIADO PELO PROJETO “ESCOLA-CASA DE
LEITORES”
Cássia da SILVA
Antônia Cândido de SOUZA
Maria Lúcia Pessoa SAMPAIO
Introdução
93
viva não só no Ensino Médio, mas também em todos os níveis de ensino e que os
alunos junto aos professores procurem fazer a mediação entre casa e escola,
conscientizando, assim, também a família sobre o quanto é importante as crianças e
jovens terem gosto pela leitura, também em casa.
A pesquisa que apresentamos neste capítulo justifica-se relevante devido às
dificuldades encontradas no ensino médio em relação à leitura de obras literárias
que venham a ser primordiais nos vestibulares e que são pouco trabalhadas nas
modalidades de ensino e aprendizagem dos alunos. No entanto, é de imensa
importância salientar que não defendemos um modelo de ensino de literatura
voltado apenas para exames pós ensino médio. Pretendemos, com este estudo,
(re)pensar esse modelo de ensino no qual a literatura é posta em segundo plano,
buscando fazer com que o aluno se torne um cidadão crítico capaz de fazer suas
próprias escolhas e de se impor a determinadas situações no mundo atual que
vivemos. Para isso, adotamos obras que estão no edital da URCA, mas que podem
ser adaptadas, dependendo da faculdade e do vestibular.
Nosso trabalho se encontra dividido, além de uma introdução, na qual
visamos reforçar a leitura mediadora entre escola e família, enfocando
principalmente as obras do vestibular da Universidade Regional do Cariri (URCA)
com objetivo de também levar esse conhecimento para dentro das casas de cada um
dos discentes que desejam passar no processo seletivo de qualquer natureza. A
segunda seção é referente à teoria utilizada no embasamento deste trabalho. Na
terceira seção, tratamos da metodologia escolhida para a realização do estudo aqui
empreendido. Já na quarta seção, nossa atenção volta-se para o projeto “Mala da
Leitura”, inspiração para a criação do nosso, e para as obras literárias que serão
trabalhadas à medida que ele for desenvolvido. A quinta seção é dedicada à
descrição do nosso projeto intitulado “Escola-Casa de Leitores”.
94
uma atrás da outra. O professor posiciona-se, em geral, a frente dos
alunos, dirigindo-se a todos ao mesmo tempo, e em algumas
situações fazem perguntas a alunos em particular e os demais,
quando desejam manifestar-se levantam o braço – sinal de pedir
licença para fazer uso da palavra.
Com isso, percebemos que o modelo de ensino ainda está muito distante da
realidade que vivemos, pois ainda está relacionado com um passado não muito
distante, e para que possamos melhorar, é preciso que nos convertamos a realidade
do mundo que vivemos.
Uma alternativa útil para a dinamização do ensino é a utilização da
tecnologia a favor da aprendizagem escolar, pois a grande maioria dos jovens possui
um aparelho tecnológico com acesso a internet (geralmente um celular), utilizando-
o para se comunicar com outras pessoas via redes sociais, jogar jogos, fazer
downloads de músicas, assistir filmes, séries etc. Por que não utilizar essa habilidade
de manuseamento da tecnologia em favor da escola? Pelandré (2011, p. 31)
recomenda:
95
na escola quanto em casa.
A leitura literária nos faz viajar e dar mais ênfase em outras leituras
necessárias para passar nos vestibulares e provas que realizamos no decorrer do
nosso ensino. No entanto, Silva (2009, p. 45) ressalta que “a grande ênfase das
leituras de vestibulares, portanto, está no romance e no conto produzidos nos
últimos 80 anos”. Sendo assim, ao observarmos o Ensino Médio, notamos que os
textos que são cobrados pouco têm do que realmente cai nos vestibulares, pois o que
o ensino pede o tempo todo, não somente no Ensino Médio, mas em todo ensino, é o
estudo da gramática tanto em casa quanto na escola deixando, assim, o estudo
literário para depois, o qual se cobra tanto numa prova. Logo, Silva (2009, p. 47)
ainda afirma que “a linguagem literária é sutil: treinar um olhar crítico pela via e
ficção é conhecer mais a fundo a natureza humana, um aprendizado essencial para
cada um de nós”. Isso nos diz que a literatura está dentro de cada um de nós e só
precisamos nos interessar por obras literárias que nos façam pensar criticamente.
No entanto, para que isso aconteça, é necessário que as escolas e as famílias
também olhem para o ensino literário com bons olhos. Logo, os alunos não vão para
escola apenas para estudar o português, praticamente dito, mas também pela
literatura. Segundo Leite (2006, p. 21), “na Europa, a sociologia da literatura já vem
inventariando, há anos, os usos da literatura na escola, pondo em evidencia a sua
função ideológica e seletiva”. Posto isso, fica claro a importância dada à literatura
em outras escolas de países que não são diferentes do nosso, e ainda nos primórdios.
“No Brasil, esses estudos são ainda muito raros” (ibdem).
É comum os textos literários serem “jogados” no meio da disciplina de
Português, como se não tivesse nenhuma importância para o desenvolvimento
interativo dos alunos. Sendo assim, é meio que obrigação ensinar literatura que, por
sinal, é tão rica em conteúdo, mas que pode se tornar muito pobre se não aplicada
como deveria, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio.
Linhares e Lopes (2007 p. 7) nos apontam que, “nas aulas de literatura
geralmente as metodologias aplicadas não permitiam o contato dos alunos com
textos literários, tampouco favoreciam o trabalho de reflexão e interpretação sobre
eles”. Este excerto reforça o que vem sendo dito, sobre o fato de o ensino de leitura
literária ser muito pouco em relação à sua necessidade, fazendo com que os alunos
não desenvolvam a capacidade de interpretação e nem compreensão do que estão
lendo.
Se não houver o incentivo à leitura literária desde cedo é quase que
impossível o despertar desse gosto quando o aluno chega ao Ensino Médio, até
porque vivemos em uma sociedade na qual já é muito difícil estudar e, considerando
a realidade dos alunos, onde muitos têm que conciliar estudo e trabalho, isso acaba
prejudicando, fazendo, assim, a leitura pouca para quem estuda e trabalha, e muita
para quem apenas estuda. Sendo assim, é pertinente falar novamente em Linhares e
Lopes (2010, p. 2), numa leitura que fizeram de Martins (1993) afirmando que: “a
leitura historicamente é concebida como privilégio de classe no Brasil permitindo o
domínio de um setor da sociedade sobre os demais, porque a leitura é conhecimento
e conhecimento é poder”.
Como podemos perceber, o crescimento profissional depende de muito
estudo e bastante leitura não só na escola, mas em todos nossos momentos de
convivência familiar. Como diz Brandão e Micheletti (2007, p. 26), “a escola deveria
desde as séries iniciais, encarar a literatura como atividade produtiva no sentido
mais amplo”. Para isso acontecer, é necessário também o apoio dos pais em casa,
96
fazendo, assim, a mediação entre escola e família.
Ainda segundo as autoras (2007, p. 26), “a literatura integra diversos
prazeres: o da criação, o da ação, o do conhecimento, o do bem-estar interior, o do
lazer - que se condensam na fruição; a escola pode ser séria sem ser sisuda e
enfadonha”. Como podemos perceber, o ensino e assimilação dos conteúdos podem
ser cobrados sim, mas que a literatura seja sentida emocionalmente por todos que
constituem o ensino e aprendizagem de maneira igualitária.
Faz-se necessário formar leitores dentro e fora da escola e fazer como
Lajolo, (apud INFANTE, 1998, p. 63):
97
[...] nenhum leitor nasce lendo Fernando Pessoa ou Guimarães
Rosa. Até porque é preciso maturidade de leitor para apreciar os
mestres. Prefiro ver um adolescente lendo, feliz, Harry Potter do
que vê-lo sendo obrigado, pela escola, a ler um romance qualquer
de Machado De Assis, por conta de ser seu centenário, e odiando,
por tabela, qualquer leitura.
98
entendimento e organização das ideias, dos dados e dos resultados, mediados por
um denominador comum essencial para o seu desenvolvimento: o método.
Constituindo um ponto importantíssimo para a pesquisa acadêmica, a
metodologia é a parte responsável pelos caminhos trilhados para o alcance dos
objetivos do pesquisador na busca pela obtenção de resultados. Consoante esses
pressupostos, esta pesquisa constitui-se como bibliográfica a qual obtivemos
resultados qualitativos, pois segundo Salvador (1978, p. 10), “a pesquisa feita em
documentos escritos é chamada de pesquisa bibliográfica, quando se utiliza de
fontes, isto é, documentos escritos originais primários”.
Nesse sentido, privilegiamos obras de teóricos que consideramos propícios
ao enriquecimento do nosso trabalho cientifico e que tratam do ensino de literatura
no ambiente escolar e em casa, como Martins (1988), Infante (1998), Leite (2006) e
Silva (2016) que nos ajudaram a enxergar as dificuldades da leitura em sala de aula.
Além desses autores, usamos em nossa metodologia, uma sondagem em escolas do
município de Missão Velha, com o intuito de recolher informações sobre o projeto
“Mala da Leitura”, enleio motivador deste estudo, no qual adaptamos e
acrescentamos novos elementos voltados agora para o Ensino Médio.
Partindo de uma perspectiva voltada para o Ensino Fundamental (o Projeto
Mala de Leitura), propomos uma abordagem direcionada para o Ensino Médio,
destacando, assim, a transição da leitura nesses anos pré-universitários, da escola
para casa e enfocando as obras em (prosa e poesia) que as universidades propõem
para o vestibular, em específico, da URCA.
Já avançados no desenvolvimento deste estudo, faz-se necessário situar
nossos possíveis leitores acerca do que está por vir. As páginas seguintes são
dedicadas à apresentação do projeto “Mala da Leitura” e da análise das respostas
dadas ao questionário aplicado à professora X. Em seguida, há um breve resumo das
oito obras escolhidas para serem estudadas no projeto “Escola-Casa de Leitores” a
ser especificado num capítulo adiante, sendo as mesmas indicadas pela URCA. Em
seguida, nossas últimas considerações sobre o percurso realizado até aqui.
99
instauração de uma cultura como a oficial de um país, até a poética de um autor cujo
lirismo o transformou no maior poeta português de todos os tempos.
O primeiro romance indicado é a Cidade e as Serras, do escritor português
Eça de Queiroz. Brevemente, a narrativa trata da vida no campo e na cidade através
do personagem Jacinto de Tormes, que sai do campo para viver em meio à civilização
de Paris. O narrador da história é José Fernandes, que descreve Jacinto como um
homem muito rico que passou por estranhas transformações à medida que foi se
civilizando. As mudanças são tamanhas que com o passar do tempo seu
comportamento é associado ao de um louco em um mundo totalmente diferente do
mundo dos humanos em sua expectativa de vida. O romance termina com as
consequências da chegada de Jacinto à Tormes, onde se encantou com a beleza do
lugar e logo casou-se, encontrando a felicidade em uma vida simples, diferente da
que tinha em Paris.
Big Jato, do cratense Xico Sá, é uma obra construída pelo viés da memória
através de suas próprias lembranças de barulhos ouvidos na região do Cariri. A vida
real tornou-se ficção numa representação da vida no sertão nordestino,
precisamente no Crato, sua cidade natal. O enredo gira em torno da trajetória de um
menino, um velho, de um beatlemaníaco e de um caminhão limpa-fossa, do qual saiu
o título da obra “Big Jato”. Através dele, visualizamos a difícil história de Xico Sá e de
sua família que sobrevivia graças a profissão de seu pai como motorista de um
caminhão de limpa-fossa.
Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, é uma obra cujo enredo desenvolve-se a
partir de uma relação homoafetiva entre dois homens, tendo como personagens
centrais Amaro, Aleixo e dona Carolina. Aos poucos, se forma um triângulo amoroso,
pois Amaro, um escravo negro, se apaixona por Aleixo, um homem loiro de olhos
azuis. Depois de Amaro se envolver numa confusão no navio que ele trabalhava para
defender Aleixo, os dois passam a se encontrar num quarto alugado por dona
Carolina, que era prostituta. Passado algum tempo, Amaro foi transferido do navio
e os desencontros começaram, deixando o caminho livre para Carolina seduzir
Aleixo e deixá-lo apaixonado. Amaro desconfia da traição, no entanto, pensa ser com
outro homem e, por conta de tanto sofrimento, ele entra em outra briga no navio,
logo é castigado a 150 chibatadas e foi hospitalizado, Amaro manda recado para
Aleixo ir lhe visitar, mas ele não vai então Amaro foge do hospital que está internado
e descobre a traição de Aleixo com dona Carolina, ele fica indignado e o mata a
navalhada.
Em Os Papéis do Inglês, o escritor português Ruy Duarte de carvalho escreve
um romance de ganância, violência e paixão, que tem como personagem principal
um professor, que investiga a morte de um caçador de elefantes na África. Esse
próprio caçador mata um amigo de profissão, mas se entrega as autoridades
portuguesas, que por sinal, não lhe dão ouvidos, deixando-o, assim, livre para sair
atirando em tudo que vir pela frente no acampamento, e em seguida, termina por
atirar em seu próprio peito.
Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é um clássico da
literatura brasileira, publicado primeiramente, em folhetins e que retrata o mundo
político em um momento histórico da história brasileira, tendo como foco principal
a inconformidade de um major chamado Policarpo Quaresma, em ver seu país
seguindo modelos portugueses políticos e culturais. Em suma, o personagem
pretende valorizar a cultura do Brasil, lutando contra políticos que desvalorizam a
verdadeira cultura brasileira. Policarpo é tido como louco ao exagerar no seu desejo
100
em abrasileirar a sociedade em que vivia, começando pelo Rio de Janeiro, para, em
seguida, abranger todo o país, fracassando nesse percurso.
Não só de prosa faz-se o vestibular da URCA. Aqui, falamos também da
Poesia representada por obras como O ferrolho do abismo, de Geraldo Urano. O poeta
nascido em Crato-CE, em 10 de julho de 1953, foi grande participante dos festivais
regionais da Canção e grande escritor da geração mimeógrafo. Produziu dois livros
solos. Em um deles, ele reúne suas poesias por completa. Sua poesia é inspirada na
própria vida dos moradores de Crato, pincelada em recordações de suas andanças
pelas raízes culturais de sua terra.
Em Romanceiro da inconfidência, publicada originalmente em 1953, Cecília
Meireles transcreve para a poesia notas líricas sobre um importante acontecimento
histórico brasileiro: a Inconfidência Mineira. Esse livro, apesar de publicado em
1953 foi escrito em 1940, resultado das andanças de sua autora por Vila Rica e,
inicialmente, sob outra pretensão de escrita. A atmosfera da cidade fez com que
Cecília, diante dos conflitos políticos que ali efervesciam, buscasse inspiração nas
verdadeiras histórias e lendas da população daquela cidade, hoje, Ouro Preto, para
construir uma lírica com densos tons políticos em uma revolta marcada,
principalmente, pelo enforcamento de Francisco José da Silva Xavier, o famoso
Tiradentes.
Por fim, mas não menos importante, temos Sonetos, de Luís de Camões, o
maior poeta português de todos os tempos. Fonte inesgotável de inspiração bebida
por escritores do passado, do presente e, certamente, do futuro, esse poeta
português é conhecido, principalmente, por seu clássico da literatura “Os lusíadas”.
No entanto, outros escritos de Camões merecem destaque, a saber, seus sonetos,
aqui representados pelo (talvez) mais conhecido deles “O amor é fogo que arde sem
se ver”. Através dele pode ser percebida a transcendência temporal de sua escrita,
quando esta perpassa as linhas do tempo, passando pela canção do grupo musical
brasileiro Legião Urbana e chegando a atualidade, adentrando o espaço musical do
sertanejo universitário. Com isso, fica visível o quão o estudo dessas obras, no
Ensino Médio, e cobrado no vestibular de uma Universidade que vem se destacando
a cada dia no meio acadêmico, pode contribuir para debates sobre temas diversos,
discutidos a partir da literatura. Decorridas as considerações feitas até aqui,
passamos, agora, a discutir mais especificamente os pontos contemplados na
proposta do nosso projeto.
Os textos literários são ricos em conteúdo que não merecem ficar guardados
em uma biblioteca. Eles foram/são escritos para serem lidos e trabalhados dentro
da escola para, a partir dela, expandir-se para fora de seus muros, através da
mediação feita pelos professores entre a família e esta instituição de ensino. Dessa
101
forma, reafirmamos que buscamos através deste estudo, conscientizar a todos que
a ele tiverem acesso sobre a importância de se incentivar a leitura literária como
forma de contribuir para produção crítica do pensamento humano e do mundo, por
intermédio da literatura, focada nos exames aplicados pelas universidades em seus
vestibulares. Apresentamos, portanto, o projeto “Escola-Casa de Leitores”.
Como “ponta pé inicial”, para a idealização deste projeto de leitura,
destacamos as qualidades e dificuldades que os alunos da rede pública e da rede
privada enfrentam em relação à leitura, com enfoque nos primeiros. Partimos do
entendimento de que o ensino privado, na escola em que aplicamos o questionário
de pesquisa citado anteriormente, tem uma boa base de leitura e desenvolve, em
parceria com as famílias dos alunos, projetos que visam à formação de leitores. No
entanto, vale ressaltar que o ensino público também possui boas escolas e bons
professores que podem desenvolver projetos desta mesma natureza, se tiverem as
ferramentas e o apoio necessário.
Ressaltamos ainda que, apesar de ser mais difícil, considerando as
dificuldades enfrentadas pelas famílias dos alunos da rede pública, também é
possível fazer a mediação entre pais, alunos e professores, fazendo da literatura a
ponte de ligação entre casa e escola, nestas instituições públicas.
O projeto “Escola-Casa de Leitores” é uma proposta que busca desenvolver
a leitura literária dentro e fora da escola enfocando, principalmente, alunos que
estão cursando o terceiro ano do Ensino Médio. Sabemos que nestas turmas é
comum o estudo da literatura voltado quase que exclusivamente para o ENEM.
Dessa forma, direcionamos nossa atenção para outros exames (os vestibulares),
especificamente o da URCA. O objetivo do projeto é incentivar a leitura de obras
literárias indicadas para a realização dos vestibulares com metodologias que
envolvam o aluno e o motive a querer ler tais obras não por obrigação, mas por
prazer.
“Escola-Casa de Leitores” divide-se em quatro etapas a serem
desenvolvidas durante o ano escolar, em conformidade com os bimestres que regem
o calendário de atividades anuais da escola. Optamos por esta divisão acreditando
que, desta forma, todas as obras podem ser trabalhadas aprimorando o
desenvolvimento do aluno de maneira mais ampla e eficaz, já que eles estão
próximos de prestarem um vestibular. Além disso, temos a esperança de causar
algum tipo de mudança na vida dos alunos, já que a literatura tem o poder de
humanização do homem (CANDIDO, 2011).
Dessa forma, trabalharemos com duas obras em cada bimestre uma em
prosa e outra em poesia, no 1°, 2º e 3º, e duas em prosa, no 4º bimestre. No primeiro
bimestre, a obra em prosa é A cidade e as serras (Eça de Queiroz), da qual se podem
tirar características do mundo civilizado e da vida simples que o homem pode ter
sem tanta globalização. A poesia fica por conta de Ferrolho do abismo (Geraldo
Urano) valorizando, assim, o grande escritor da terra local Crato-CE, cenário
escolhido por Geraldo Urano em suas poesias.
Daremos continuidade a nossa sequência de aplicação das obras,
abordando, já no segundo bimestre, a obra Big Jato (Xico Sá), autor também da
cidade do Crato-CE, que é também onde fica a sede central da URCA. Para darmos
andamento, ainda no segundo bimestre, utilizaremos a poesia presente em
Romanceiro da Inconfidência (Cecília Meireles), tratando dos fatos históricos do
Brasil através da literatura.
No terceiro bimestre, a prosa a ser trabalhada com os alunos é Bom crioulo
102
(Adolfo Caminha), através da qual abordaremos o grande triângulo amoroso entre
Amaro, Aleixo e dona Carolina. E, para dar leveza ao trabalho de leitura, por vezes
enfadonho, devido à extensão dos romances, trabalharemos também com os Sonetos
(Luís de Camões), autor de obras literárias que serviram de exemplos para outros
escritores.
Por fim, no 4º bimestre, todas as atividades estarão relacionadas a dois
romances, pois, segundo o quadro de indicações das obras do vestibular da URCA,
há um número maior de obras em prosa. Assim, restam Os papéis do inglês (Rui
Duarte de Carvalho), história de um professor que investiga a morte de um caçador
de elefantes, e Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto), na figura do
visionário Policarpo e seu desejo de resgatar a cultura brasileira.
Seguindo essa ordem cronológica de estudo e considerando a diversidade
de temas presente nestas indicações, serão desenvolvidas ações dentro da escola,
em que serão explorados todos os ambientes, principalmente a biblioteca, em
consonância com a feitura de atividades em casa, onde serão estimuladas pesquisas
e a confecção de materiais, ambos mediados pela leitura individual e coletiva dessas
literaturas. Resumir os elementos básicos de uma obra pode induzir os leitores a
buscarem lê-la, por isso, é importante saber indicar algo, no nosso caso um livro, que
já conhecemos e gostamos, para despertar o interesse de outras pessoas a também
conhecê-los. Dessa forma, Silva (2016, p. 30) afirma:
103
O que será feito na escola e o que será feito em casa
104
Na segunda etapa do projeto, aquela que tem como foco o estudo das obras
Big jato e Romanceiro da inconfidência, os pontos a serem destacados referem-se,
tanto a aspectos sociais, como históricos. A partir do texto literário, discutiremos as
desigualdades sociais existentes na sociedade brasileira conscientizando os alunos
a se posicionarem criticamente diante dessa situação. Sabemos que existem
diferenças entre as famílias, principalmente em relação à renda, pois poucos
ganham muito dinheiro e uma maioria gigantesca não ganha nem o suficiente para
o seu sustento.
Esse entendimento pode ser o ponto de partida para relevantes discussões
e também uma forma de elevar a autoestima de alguns alunos, pois é comum os
alunos se sentirem envergonhados por conta de sua condição humilde, diante de
outros alunos que demonstram ter boas condições financeiras. Também é uma
forma de valorizar a cultura da nossa terra, por meio de autores da própria região,
chamando a atenção dos discentes para os escritores locais.
A terceira etapa consiste no estudo do romance Bom crioulo e dos Sonetos
de Luís Vaz de Camões. A mescla entre essas duas importantes obras das literaturas
brasileira e portuguesa é importante para o entendimento de dois movimentos
literários, a saber, o Classicismo e o Realismo-Naturalismo. Portanto, ao estudarmos
a lírica de Camões, revisaremos as características da poesia clássica para um melhor
entendimento. Também será necessário apontarmos as principais características do
Realismo-Naturalismo.
Além disso, pelo tema presente no cerne dessas obras, provocaremos
debates acerca de um delicado assunto e muito presente em nossa sociedade: a
homossexualidade. Em Bom crioulo, presenciamos as aventuras e desventuras de
uma relação homoafetiva marcada por um assassinato. A partir dessa obra,
trabalharemos a homofobia, deficiência social que maltrata física e
psicologicamente homens e mulheres, pelo fato de se relacionarem com pessoas do
mesmo sexo.
É interessante para o estudo de uma obra literária, incitar o desejo dos
alunos por lê-la. Assim, iniciarmos as atividades com algo que os motivem a querer
se aprofundar nessa leitura. Esse momento inicial provou ser bastante proveitoso,
cumprindo, assim, sua principal função: motivar o aluno. Segundo Cosson (2014, p.
28):
Considerações finais
106
REFERÊNCIAS
CHIAPPINI, Ligia. Aprender e Ensinar com Textos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
v. 2.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.
GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.
INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto: curso prático de leitura e redação. São Paulo:
Scipione, 1998.
MARIA, Luzia de. O clube do livro: ser leitor – que diferença faz? São Paulo: Globo,
2009.
MARTINS, Helena Martins. O que é leitura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.
107
SILVA, Cássia da. A sequência básica em prol do letramento literário em sala de
aula via webQDA. Dissertação de Mestrado. Pau dos Ferros: UERN, 2016.
SILVA, Vera Maria Tietzmann. Leitura Literária & outras leituras: impasses e
alternativas no trabalho do professor. Belo Horizonte: RHJ, 2009.
108
Anexo
“ESCOLA-CASA DE LEITORES”
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
SALA CASA
1º Bimestre • Leitura das obras A cidade e as • Leitura das obras A cidade e as
serras (Eça de Queiroz) e O ferrolho do serras (Eça de Queiroz) e O ferrolho do
abismo (Geraldo Azevedo. abismo (Geraldo Azevedo.
• Debates sobre as duas obras e as • Pesquisa sobre a vida e obra dos
características do gênero romance e poesia. autores e sua importância nas literaturas
• Realização de um leilão literário brasileira e portuguesa.
com a resolução de algumas questões de • Preparação para as apresentações
vestibular relacionadas às duas obras. de trabalho.
2º Bimestre • Introdução ao estudo das obras Big • Leitura das obras Bom Crioulo
Jato (Xico Sá) e Romanceiro da Inconfidência (Adolfo Caminha) e Romanceiro da
(Cecília Meireles). Inconfidência (Cecília Meireles).
• Roda de conversa sobre os artistas • Confecção de cartazes
(poetas, escritores, cantores, etc.) relacionados aos dois temas debatidos,
nordestinos e da região do Cariri. pensando em alguma contribuição para a
• Roda de conversa sobre a sociedade.
Inconfidência Mineira e seus impactos na • Produção de um texto/resumo
história do Brasil, bem como sua influência descrevendo os principais elementos
na literatura. contidos nas obras.
• Resolução de questões sobre os
livros estudados.
3º Bimestre • Continuação do projeto com os • Leitura das obras Bom crioulo
primeiros diálogos sobre Bom crioulo (Adolfo Caminha) e Sonetos (Camões).
(Adolfo Caminha) e Sonetos (Camões) • Pesquisa sobre outras obras
• Debate sobre o tema literárias que tratam do preconceito nas
homossexualidade, exibição do curta- várias formas que ele se apresenta na
metragem Hoje eu não quero voltar pra casa sociedade.
sozinho, discussão sobre a homofobia. • Ensaios para o recital de poemas
• Reprodução da música “Monde com os sonetos de Camões a ser realizado
castelo” (Legião Urbana) e “Impressionando em um espaço da escola onde seja possível
os anjos” (Gustavo Mioto), cantadas por um convidar outros alunos e professores para
convidado. participar.
• Realização de um recital de
poemas com os sonetos de Camões.
4º Bimestre • Estudo dos romances Os papéis do • Leitura das obras Os papéis do
inglês (Ruy Duarte de Carvalho) e Triste fim inglês (Ruy Duarte de Carvalho) e Triste fim
de Policarpo Quaresma (Lima Barreto). de Policarpo Quaresma (Lima Barreto).
• Exibição do primeiro episódio da • Assistir em grupo os outros
série Thirteen Reasons Why, em que o tema episódios da série.
do suicídio, também presente no livro de • Produção de uma redação sobre a
Ruy Duarte é o principal assunto. fala do psicólogo convidado para debater
• Roda de conversa sobre o suicídio sobre o suicídio relacionando com a obra de
na adolescência com um psicólogo Ruy Duarte e a série Thirteen Reasons Why.
convidado. • Pesquisa sobre vida e obra de Lima
• Leitura de um artigo científico Barreto.
sobre a obra Triste fim Policarpo Quaresma • Resolução de questões de
para que os alunos conheçam a estrutura vestibulares.
dos trabalhos que terão de fazer ao
entrarem na Universidade, bem como uma
análise mais aprofundada desta obra.
• Encerramento do projeto.
109
O METADISCURSO INTERACIONAL EM ARTIGOS CIENTÍFICOS DA ÁREA DE
ECONOMIA
Introdução
110
seus estudos mais recentes (HYLAND; TSE, 2004; HYLAND, 2017; HYLAND; JIANG,
2018).
Hyland (2005) parte de uma concepção de linguagem como interação e não
apenas como troca de informações. Para o autor, nos diversos propósitos com os
quais fazemos uso da linguagem (persuadir, informar, entreter, engajar-se com a
audiência etc.), transmitimos uma atitude em relação ao que é dito e ao nosso leitor
ou ouvinte. Nesse sentido, a linguagem veicula, ao mesmo tempo, um conteúdo
proposicional (informações), mas também aspectos que se referem à própria
interação (dimensão interpessoal), atinentes à maneira como a informação é
organizada discursivamente e à relação a ser estabelecida entre o locutor e sua
audiência.
Dessa concepção deriva sua visão da fala e da escrita como engajamento
social e comunicativo entre interlocutores (HYLAND, 2005; HYLAND; TSE, 2004).
Trata-se, então, de formas de relação social, de construção e negociação de sentidos,
a partir das quais o locutor promove interação com seu destinatário por meio do
texto, procurando projetar uma imagem de si e do outro com o uso de recursos
linguísticos que melhor cumpram essa função.
Esses recursos linguísticos de natureza interpessoal utilizados pelo autor
para referir-se ao conteúdo proposicional do texto, organizando o discurso, a si
próprio, marcando seu posicionamento, e ao leitor/ouvinte, para guiar sua
interpretação, são chamados de metadiscurso. Nas palavras de Hyland (2017, p. 17,
tradução nossa):
111
negociação que envolve os conhecimentos do leitor/ouvinte, suas experiências com
textos e necessidades de interpretação, a serem levados em conta pelo autor (como
exemplo, cita as conjunções, recursos textuais que são interacionalmente motivados
a fim de guiar a interpretação do leitor sobre o texto). O terceiro princípio diz que o
metadiscurso se refere a relações que são construídas discursivamente, na
organização e no funcionamento da linguagem, ao passo que o conteúdo
proposicional alude a elementos externos, da organização dos eventos do mundo.
Ao realçar o aspecto interacional em detrimento de critérios puramente
linguísticos, Hyland (2005) propôs um modelo2 que ele denomina de interpessoal, a
compreender duas dimensões: a interativa e a interacional. A primeira concerne à
organização do conteúdo proposicional para o leitor/ouvinte, ordenando e
relacionando o material linguístico, a fim de dar coerência e convencimento ao texto
e orientar sua interpretação. A segunda diz respeito, mais especificamente, à
condução da interação entre os interlocutores, explicitando a visão e os julgamentos
do autor e envolvendo e engajando o leitor. O quadro a seguir apresenta cada uma
dessas dimensões, com seus respectivos recursos metadiscursivos:
2A classificação de metadiscurso proposta por Hyland (2005) é funcional, pois leva em consideração
o contexto de uso e os propósitos comunicativos. Relaciona-se com as metafunções da linguagem na
perspectiva sistêmico-funcional de Halliday: a função ideacional remeteria ao conteúdo
proposicional, enquanto as funções textual e interpessoal, ao metadiscurso.
112
indicando a ordenação dos argumentos, dos estágios, dos objetivos e da mudança de
tópico; os marcadores endofóricos remetem a informações de outras partes do
texto; os evidenciais indicam, na forma de citações, fontes de informações presentes
no texto, marcando as posições de outras pessoas; e os códigos glossais oferecem
informações adicionais (paráfrases), explicando ao leitor o que foi dito.
Na dimensão interacional, os atenuadores indicam a avaliação do autor
sobre ponto(s) de vista do texto, mas com certo grau de incerteza e de imprecisão;
os intensificadores também indicam uma avaliação sobre o conteúdo proposicional,
mas com certeza e ênfase; os marcadores de atitude expressam atitude subjetiva ou
afetiva do autor em relação ao conteúdo proposicional, como surpresa,
concordância, obrigação, importância etc.; as automenções indicam o grau de
explicitação do autor no texto; e os marcadores de engajamento direcionam-se ao
leitor/ouvinte, para focalizar sua atenção e incluí-lo no texto.
Ao estudar os usos e funções do metadiscurso, Hyland (2005, 2017), Hyland
e Tse (2004) e Hyland e Jiang (2018) têm privilegiado os textos acadêmicos, neles
enfatizando a relação desse fenômeno com aspectos como propósito comunicativo,
gêneros de texto, comunidades discursivas, registros, culturas e idiomas. Em nosso
trabalho, ao analisarmos elementos metadiscursivos em artigos científicos da área
de Economia, destacamos a relação com o conceito de cultura disciplinar de uma
determinada comunidade discursiva.
Segundo Hyland (2005, p. 58), o metadiscurso está relacionado a práticas
de uma comunidade, seus valores e ideias, haja vista que constitui o modo como o
autor percebe e interpreta a comunidade e os participantes com os quais interage,
ao utilizar os recursos discursivos mais adequados a eles, definindo, assim, certos
padrões. Essas práticas, valores e ideias de uma determinada comunidade
acadêmica ou profissional constituem sua cultura disciplinar.
Para Hyland (2004), as práticas de escrita de uma determinada disciplina
(como Economia) são situadas. Isso significa que cada disciplina (re)produz e
veicula, através dos textos, normas, atitudes, concepções e valores que definem sua
cultura, a identidade dos membros que dela fazem parte. Nesse sentido, depreender
características dessas práticas linguageiras, como as marcas metadiscursivas,
permite-nos vislumbrar algumas peculiaridades de dada cultura. Nas palavras de
Hyland e Tse (2004, p. 175, tradução nossa):
113
audiência e negocia com ela o sentido do que se diz, mediante a organização do
conteúdo proposicional. Esses elementos, por sua vez, podem fornecer-nos indícios
de aspectos da cultura disciplinar de uma comunidade, como a Economia.
A seguir, apresentaremos os procedimentos de coleta e de análise dos dados
utilizados para tal finalidade.
114
na “Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política” (B2 na área de Economia
de acordo com a classificação Qualis-Capes 2013-2016). A escolha dos textos se deu
em função do objetivo da pesquisa de estudar o metadiscurso interacional na
linguagem especializada da Economia.
Para a seleção dos termos que compõem o metadiscurso interacional,
utilizamos a ferramenta Concordance do software computacional da LC, o Antconc
versão 3.2.3w3. Essa ferramenta nos permite extrair termos, palavras e expressões,
sua frequência de uso e emprego nos artigos. Os termos, palavras e expressões das
categorias do metadiscurso interacional que procuramos e encontramos foram os
seguintes:
Quadro 2 – Itens lexicais pesquisados e encontrados nos artigos por meio do software
Antconc
Categoria Itens lexicais
Atenuadores talvez, provavelmente, possivelmente, (é) possível, é provável, poder
(possibilidade), dever (possibilidade), porventura, aproximadamente, às
vezes, ocasionalmente, parecer, quase, sugerir, usualmente
Intensificadores de fato, é certo, certamente, decerto, indubitavelmente, sem dúvida,
inquestionavelmente, é inquestionável, está claro que, definitivamente, é fato,
não há dúvida, com certeza, claramente, é claro, não é possível, não poder,
necessariamente, obviamente, perfeitamente, realmente, sempre
Marcadores de (in)felizmente, (eu/nós) concord-, surpreendentemente, minha/nossa
atitude opinião, (eu/nós) acredit-, (eu/nós) ressalt-, enorme, extraordinár-,
extraordinariamente, fantástic-, fundamental(is), grande(s), importante(s),
precis-, significativ-
Automenções eu, mim, me, nós, nos, meu(s), minha(s), nosso(s), nossa(s), -mos
Marcadores de considere(-se), veja(-se), observe(-se), note(-se), você, -mos, nós, nos,
engajamento nossa(s), nosso(s), dever (obrigação), é importante, é preciso, ter que
Fonte: Elaborado pelos autores.
O AntConc é um programa compatível com sistemas operacionais tais como: Windows, Macintosh OSX
e Linux. As ferramentas que compõem o AntConc são: Concordance, Concordance Plot, File View,
Clusters, Collocates, Word List e Keyword Lis. Para utilizar as ferramentas do programa, é preciso
converter os textos para o formato txt e salvá-los no programa Bloco de Notas.
115
Automenções 1.678 29,77 19,91
Intensificadores 1.219 21,63 14,46
Marcadores de atitude 1.389 24,64 16,48
Marcadores de engajamento 1.930 34,24 22,9
TOTAL 8.427 149,51 100
Fonte: Elaborado pelos autores
Exemplo 1
“Tal elevação poderia desencadear uma valorização da moeda doméstica frente às moedas
estrangeiras, afetando os setores produtivos locais, risco conhecido na literatura como doença
holandesa.” (RIBEIRO, 2014, p. 46, grifo nosso)
116
“É possível pensar neste estágio do debate como um período intermediário entre duas fases de
polarização teórica forte.” (ANDRADE; MARQUES, 2013, p. 25, grifo nosso)
“Esta é uma das razões, talvez a principal razão, pelas quais Magdoff e Foster acham que a
participação da classe trabalhadora nos salários caiu vertiginosamente” (KLIMAN, 2014, p. 50, grifo
nosso).
Exemplo 2
“A SPVEA, criada em janeiro de 1953, foi instalada em Belém em 21 de setembro deste ano,
aprovando-se seu regimento interno um mês depois – veja o largo espaço temporal entre a sua
criação em lei e a sua efetivação.” (MARQUES, 2013, p. 171, grifo nosso)
“[A propriedade privada] Deve, assim, ser entendida como um resultado da atividade alienada, e
não a sua causa.” (CARDOSO; PINTO, 2016, p. 14, grifo nosso)
“Note-se agora, passando para o momento seguinte, que Marx tem por verdade a seguinte afirmação:
conquanto nem toda mercadoria seja dinheiro, é certo que o dinheiro é mercadoria, mas
propriamente uma mercadoria sui generis” (PRADO, 2013, p. 133, grifo nosso).
Exemplo 3
“Muitos teóricos consideram uma diferença entre os termos alienação e estranhamento tal com
utilizados por Marx. Nós, no entanto, nos posicionamos ao lado daqueles que utilizam ambos como
sinônimos.” (FRANKLIN; MOURA, 2015, p. 35, grifo nosso)
117
“Do nosso ponto de vista, a não consideração desse modo de exposição é o que dificulta a
compreensão da construção dialética da teoria da superexploração no Livro I de O capital.”
(NASCIMENTO; DILLENBURG; SOBRAL, 2015, p. 107, grifo nosso).
“Como a questão central aqui é o que causou a Grande Recessão, eu vou limitar minha explicação
para os dados até o ano de 2007, quando, ao seu final, a recessão entrou em erupção” (KLIMAN, 2014,
p. 40, grifo nosso).
Exemplo 4
“É importante destacar que a interpretação dos conflitos representava, para os pesquisadores, um
esforço para articulá-los com as macro-transformações em curso na sociedade brasileira.”
(MASSUQUETTI, 2015, p. 85, grifo nosso)
“Como ressaltamos anteriormente, a base da alienação do trabalho no capitalismo nasce da criação
de uma classe de trabalhadores despossuídos.” (FRANKLIN; MOURA, 2015, p.30, grifo nosso)
“Eu acredito que o futuro vai aprender mais com o espírito de Gesell do que com o de Marx” (YUKI,
2015, p. 136, grifo nosso).
Exemplo 5
“É a essa camada que, de fato, o discurso trabalhista se dirige, qual seja, trabalhadores urbanos,
sobretudo os não-formalizados.” (VARASCHIN, 2016, p. 142, grifo nosso)
“De acordo com a concepção do materialismo histórico de Marx, o capitalismo, enquanto modo de
produção historicamente localizado, chegará necessariamente a um fim.” ((FRANKLIN; MOURA,
2015, p. 27, grifo nosso)
118
“Certamente o discurso marxiano pressupõe que o sujeito do processo histórico é “o homem” e que
o predicado exprima simplesmente distintas formações sócio-históricas” (ANDRADE; MARQUES,
2013, p. 25, grifo nosso).
Conclusão
119
comparando-as. Como vemos, os estudos do metadiscurso em textos acadêmicos
dessa e de outras áreas de conhecimento apresentam como campo fértil de
possibilidades.
REFERÊNCIAS
120
HYLAND, K.; JIANG, F. (K.). “In this paper we suggest”: Changing patterns of
disciplinary metadiscourse. English For Specific Purposes, [s.l.], v. 51, p. 18-30, jul.
2018. Disponível em: https://ac.els-cdn.com/S0889490616302058/1-s2.0-
S0889490616302058main.pdf?_tid=0364a67ae4df443eb3bf4ba217c5824a&acdn
at=1530061785_b410237c06a8a95ff62a05506b9d1fd5. Acesso em: 29 maio 2018.
121
Referências do Corpus
SOBRE OS ORGANIZADORES
122
Ciências e Letras de Iguatu (UECE/FECLI). É vice-líder do grupo Tecnologias,
Culturas e Linguagens (TECLIN – CNPq/UEPB) e integrante do grupo Lexicografia,
Terminologia e Ensino (LETENS – CNPq/UECE). Desenvolve pesquisas sobre a
produção e compreensão dos mais diversos gêneros multimodais aplicados ou não
às práticas de ensino.
E-mail: lendl.b3@gmail.com
SOBRE OS AUTORES
123
Catarina (UFSC).
E-mail: neto_19901812@yahoo.com.br.
Cássia da Silva
Doutoranda do PPGL/Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pau
dos Ferros – RN.
E-mail: cassia_silv@hotmail.com.
124
Éderson Luís Silveira
Doutorando e Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
E-mail: ediliteratus@gmail.com.
125
Marcos de França
Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba, professor-assistente
de Língua Portuguesa do Departamento de Línguas e Literaturas da Universidade
Regional do Cariri; pós-doutorando em Linguística Aplicada pela Universidade
Federal do Ceará.
E-mail: santanadefrança@yahoo.com.br.
126
e políticas - Fábio Marques de Souza & Marta Lúcia Cabrera Kfouri Kaneoya
[orgs.]
mentesabertas.com.br
contato@mentesabertas.com.br
MentesAbertas.Com.Br
Mentesabertas2019
127