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Entre memórias e costuras - reflexões preliminares sobre a dissertação

Memórias e agenciamentos processos criativos: as materialidades e o design da marca de


moda local curitibana, NovoLouvre de Thais Dyck (2021)

Marco Takashi Matsuda - Universidade Federal do Paraná

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo propor uma reflexão acerca da dissertação da designer
e pesquisadora Thais Dyck, vinculada ao PPGDESIGN pela UFPR. Ao pensar a memória e os
agenciamentos que permeiam o trabalho da designer de moda Mariah Salomão Viana na
marca de moda curitibana NovoLouvre, Thais Dyck articula a forma como a produção de
objetos de memória, no caso, as roupas, produzem enunciados, os quais versam sobre as
memórias individuais e coletivas, sobre os espaços públicos e privados da capital paranaense.
Questiono e pondero sua argumentação me afiliando aos estudos feministas, propondo uma
outra perspectiva que traga o gênero como uma categoria frutífera para se pensar as produções
que circundam a marca NovoLouvre, bem como das possibilidades de se pensar e fazer
design.

Introdução

Como pensar os modos pelos quais nossas memórias agenciam nossos processos criativos?
Creio que essa foi uma possível indagação que inquietou o desenvolvimento da dissertação de
Thais Dyck, acerca da marca de moda curitibana NovoLouvre, especialmente sobre as
memórias que mobilizaram o desenvolvimento das peças de vestuário pela designer e
fundadora da marca Mariah Salomão Viana. Para tanto, Thais constrói uma pesquisa empírica
baseada em um estudo de caso com revisão bibliográfica e registro de entrevistas baseadas na
História Oral. Em vista de uma proposição crítica ao trabalho de Thais Dyck, trago as
contribuições de autoras vinculadas aos estudos feministas e de gênero, como Marinês Ribeiro
dos Santos (2015), Joan Scott (1995) e Isabel Campi (2007).

Thais Dyck expõe que está considerando as roupas como mediadoras de processos culturais
pelos quais sujeitos e artefatos se constituem mutuamente, ao se afiliar as proposições de
teóricos da cultura material, salientando a importância de tratar desses artefatos juntamente de
outras categorias de análise, as quais seriam a materialidade (JONES,2016; MILLER, 2013) e
a memória (BOSI,2016). Para isso, a autora delimita seu percurso de pesquisa apresentando a
designer Mariah Salomão Viana, bem como sua empresa e espaço de trabalho, articulando
com os espaços urbanos que circunscrevem ambos, analisando coleções e peças produzidas no
centro histórico de Curitiba, para então identificar as formas que essas roupas são
caracterizadas como objeto-memória, a partir do agenciamento da designer em relação às suas
vivências, capital simbólico, e constituição mútua com sua prática projetual.

Reflexões iniciais
Ao apresentar a designer Mariah Salomão Viana, Thais Dyck identifica em suas entrevistas a
íntima relação que a fundadora do NovoLouvre detém com seu bisavô Miguel Calluf,
fundador da prestigiosa loja de tecidos do século XX. Mas para além de ser uma história
centrada na figura masculina, de um patriarca, a fala de Mariah atesta que trata-se de uma
história de mulheres, pois parte do ônus do prestígio vem do agenciamento de mulheres para
que essas empresas conseguissem em alguma medida alcançar longevidade e reconhecimento
nas diferentes Curitibas, a do século XX e a do XXI. A designer destaca seu afeto para com
sua bisavó e avó, materializando tais memórias e afetos em peças de suas coleções que vão
narrando, visualmente e materialmente, a relação da designer com lembranças familiares e
lembranças do cenário urbano curitibano.
Ao se pensar uma história de mulheres, bem como é destacado por Mariah em suas
entrevistas, e mesmo pelo uso do termo ”matriarcado” para se referir ao poder das figuras
femininas de sua família, seria possível de se filiar ao que Joan Scott (1995) explicita acerca
da categoria patriarcado, entendido como um sistema de poder por meio do qual se
estabelecem estruturas de dominação em que o sujeito masculino está localizado em uma
posição de privilégio e de dominação, enquanto o feminino, as mulheres, geralmente, estão
situadas em posições de subalternidade, de opressão vivida. Tem relação com o capitalismo,
ao se pensar a analogia entre o controle por meio da retirada de posse, retirada de posse do
capital, bem como da sexualidade (SCOTT,1995). Ao pensar no agenciamento exercido por
Mariah enquanto sujeito mediador dos processos de produção, circulação e consumo dentro
do NovoLouvre, seria possível traçar uma relação de discordância com as prescrições
decorrentes do fato de ser uma designer mulher, mas também passível de se atentar a outras
clivagens como o de raça, classe, geração, profissionalização, desvelando uma posição social
privilegiada dentro do circuito de moda curitibano e mesmo em relação aos extratos sociais
locais. Ainda em diálogo às proposições de Scott (1995), seria possível de tomar a categoria
gênero como um potente recurso crítico para analisar as materialidades que circundam,
produzem e são produzidas pela designer. O potencial dessa categoria se dá no tessitura de
críticas e discussões em diferentes campos do conhecimento, como o design e a moda,
prescindindo da sua articulação em conjunto com outros marcadores sociais, como os de
classe, raça/etnia, geração etc.
Thais Dyck prossegue com sua argumentação, articulando os modos como a designer vai se
constituindo em relação ao seu processo criativo, ao acionar memórias pessoais e coletivas
(em relação a Curitiba) e torná-las objetos-como-memória. Pensando a respeito da
especificidade da prática projetual, nota-se o entendimento do design como uma prática
imbuída de significados e sentidos socialmente partilhados, em determinado espaço e tempo,
cultura, grupo. É um fenômeno cultural, entendido por meio da articulação entre a produção,
circulação e consumo de artefatos (SANTOS, 2015). No caso do trabalho de Thais Dyck
juntamente de Mariah Salomão, é evidente o destaque atribuído à produção, sendo que a todo
momento são acionados os significados e sentidos que a designer evoca em suas produções
em constante diálogo com suas lembranças familiares vividas, e até mesmo as imaginadas,
pois traz muito de seu bisavô, Miguel Calluf, mesmo sem ter coexistido em seu espaço e
tempo. Em vista de tais estratégias, problematizo aqui esse privilegiamento da produção em
sua pesquisa, trago as considerações de Marinês Ribeiro dos Santos (2015).
A autora argumenta que a supervalorização da produção em detrimento da circulação e do
consumo estão em diálogo com as tensões entre masculinidades e feminilidades,
especialmente a dicotomia entre público e privado, e que a crítica feminista vem para deslocar
a hegemonia dessa instância valorativa (SANTOS, 2015).
A vinculação com os estudos feministas se mostra profícua para o trabalho de Thais Dyck em
vista da problematização acerca do trabalho de Mariah Salomão Viana junto à marca de moda
curitibana NovoLouvre. Quanto a isso, Isabel Campi (2007) argumenta que as contribuições
dos estudos feministas para o campo da história do design e da moda são eficientes no sentido
de nos auxiliar a pensar as relações de usos, consumos, difusão e produção. A partir disto, o
cotidiano, o corriqueiro, todos os artefatos que nos rodeiam, tenham um potencial discursivo e
simbólico para ser tratado como um fio condutor de discussões que tragam o gênero e a
domesticidade como categorias importantes de se pensar as relações sociais a partir dos
objetos, e não somente disso, mas também contribuindo para deslocar o eixo de poder
constitutivo do patriarcado.
Reflexões finais
Com o trabalho de Thais Dyck junto ao NovoLouvre, infiro que há uma complexa relação
entre o agenciamento de memórias coletivas e individuais e os processos criativos que
perpassam as coleções da marca curitibana. Todavia, bem como salienta Campi (2007), além
de esgarçar as fronteiras daquilo que tentamos definir como design, prescindimos do
adensamento das reflexões, críticas e proposições que atribuímos a esse campo de estudos e
atuação profissional. Em virtude das limitações advindas do processo de mestrado, Thais se
detém especialmente a esfera da produção, o que nos deixa outras inúmeras pistas a serem
rastreadas para como a marca e o trabalho da designer Mariah Salomão Viana, bem como os
aspectos da circulação e do consumo dessas peças de vestuário, tensionando outros
marcadores identitários como o de gênero, raça/etnia, geração e classe social.

Referências

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. 13a ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.

CAMPI, Isabel. Algunas reflexiones sobre la historia del diseno del producto. In: La ideia y
la materia; vol.1: el diseno de producto em sus origenes. Barcelona; Gustavo Gil, 2007 pp.
219-240.

GELL, Alfred. Arte e agência. Ubu Editora, 2018. [ebook].

JONES, Andrew. Memory and Material Culture. Cambridge: Cambridge University Press,
2007.

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre cultura material. Rio
de Janeiro: Zahar, 2013.

SANTOS, Marinês Ribeiro dos. Questionamentos sobre a oposição marcada pelo gênero
entre produção e consumo no design moderno brasileiro: Georgia Hauner e a empresa de
móveis Mobílinea (1962-1975). Caderno a tempo : histórias em arte e design. Barbacena:
Editora da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, 2015. pp. 25-44.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20,
n. 2, pp. 71-99, jul.-dez., 1995. Disponível em:
<https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667>. Acesso em: 3 maio
2021.

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