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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000010023

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1043180-89.2020.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes
LEÔNIDAS MANOEL FILHO, LEANDRO PEREIRA DOS SANTOS e JOÃO
PAULO DE ALMEIDA MARTINS, são recorridos CHEFE DO CENTRO DE
APOIO FINANCEIRO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO e
COMANDANTE GERAL DA POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO
PAULO e Apelado ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito


Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U., de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ENCINAS


MANFRÉ (Presidente sem voto), MARREY UINT E CAMARGO PEREIRA.

São Paulo, 13 de janeiro de 2021.

JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA


Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO 1043180-89.2020.8.26.0053

Comarca de São Paulo

APELANTES João Paulo de Almeida Martins, Leandro Pereira dos Santos e


Leônidas Manoel Filho

APELADA Fazenda Pública do Estado de São Paulo

Voto nº 46433

Mandado de segurança Policiais Militares Licença


Prêmio Pretensão de não aplicação da Lei Complementar
Federal nº 173/20 Garantia de continuidade do cômputo
do tempo de serviço para todos os fins Admissibilidade
Recurso provido.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por João Paulo


de Almeida Martins, Leandro Pereira dos Santos e Leônidas Manoel Filho
contra ato do Chefe do Centro de Apoio Financeiro da Polícia Militar do Estado
de São Paulo, Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo e
Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Diz a inicial que os autores são policiais
militares, que tiveram seus pedidos de concessão de licença-prêmio anulados, com
base na Lei Complementar n. 173/2020, que impede a concessão de vantagens,
aumentos, reajustes e adequações das remunerações aos servidores públicos até 31 de
dezembro de 2021. Requereram a tutela jurisdicional para que haja a continuidade do
cômputo do tempo de serviço para todos os fins.

Liminar indeferida, a fls. 59.

Notificada, a autoridade impetrada prestou informações (fls.


68), defendendo a legalidade do ato.

Manifestação do Ministério Público, a fls. 93.


Apelação Cível nº 1043180-89.2020.8.26.0053 -Voto nº 46433 2
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A ordem foi denegada (fls. 98) pelo juiz Luis Manuel Fonseca
Pires.

Insatisfeitos, os impetrantes apelaram, sustentando que teriam


direito ao benefício.

Recurso tempestivo e contrariado, a fls. 125.

É o relatório.

Cinge-se a controvérsia em verificar se a aplicação da Lei


Complementar 173/2020, que suspendeu o cômputo do tempo para fins de concessão
de adicionais temporários e licença-prêmio, sendo a causa de anulação do Boletim
Geralda PM nº 117.

Alegam os impetrantes que a lei federal afronta o direito


adquirido e as normas locais previstas na Constituição Estadual de São Paulo (art.
128 e 129, quinquênio e sexta-parte) e na Lei Complementar Estadual nº 1.048/08
(licença-prêmio).

A Lei Complementar 173, de 27 de maio de 2020, estabelece o


Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARSCOV-2 (Covid-19) e
altera a Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e, no art. 8º,
assim determina:

“Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº


101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da
Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou


adequação de remuneração a membros do Poder ou de órgão, servidores
e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença
judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à
calamidade pública;

(...) IX contar esse tempo como de período aquisitivo necessário

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exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios,


licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a
despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado
tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo
exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins”.

Afirmam os impetrantes que a questão relativa à


constitucionalidade da Lei Federal foi levada ao Supremo Tribunal Federal e ainda
não julgada.

Sustentam que o Governo do Estado de São Paulo, que se


baseou exclusivamente na Lei Complementar 173/2020, e determinou a suspensão da
contagem do tempo de serviço de todos os servidores estaduais, inclusive para fins de
quinquênio, licença-prêmio em pecúnia e sexta parte, afrontou diretamente o
federalismo cooperativo, que estabelece a autonomia dos entes federativos (art. 1º e
18 da Constituição Federal), não podendo o Congresso Nacional tratar de matéria
relacionada a cortes financeiros e orçamentários do quadro funcional dos Estados.

Alegam que, embora o art. 163 da CF tenha atribuído à União


a competência para legislar sobre finanças públicas, o art. 8º inciso IX daquela lei
ultrapassou os limites definidos constitucionalmente, pois dispôs sobre o regime
jurídico de servidor público de todos os entes da federação, o que não poderia ser
feito, sendo inconstitucional, por usurpar a competência estatal.

Entendem que deveria ser determinado que a requerida desse


continuidade ao cômputo do tempo de serviço dos autores para todos os fins,
inclusive para obtenção de vantagens, por tempo de serviço, como o quinquênio, a
sexta parte e a licença prêmio, a partir de 28 de maio de 2020.

Em resumo, pretendem os recorrentes afastar a aplicabilidade


da Lei Complementar nº 173/20, para que a autoridade coatora seja compelida a
efetivar as vantagens relativas à licença-prêmio no período de 27 de maio de 2020 a
31 de dezembro de 2021.

O mandado de segurança visa a resguardar direito líquido e

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certo, de acordo com o que estabelece o art. 5º, LXIX, da Constituição Federal e o
art. 1º da Lei nº 12.016/09.

Dizem os impetrados que o presente mandado de segurança


sequer pode ser conhecido por estar sendo utilizado para discutir lei, em tese. A lei
somente poderia ser atacada diretamente por ações judiciais próprias, pois de acordo
com a Súmula 266 do STF, “não cabe mandado de segurança contra lei em tese”.

Não se pode falar em ataque a lei em tese, pois este mandado


de segurança busca afastar os efeitos concretos da aplicação da Lei Complementar
Federal 173/2020 sobre os direitos dos impetrantes, funcionários público estaduais.
O ato que se busca atacar, aliás, não é a referida lei, mas as Orientações
Administrativas Gerais decorrentes da Resolução SPOG-1, de 01.07.2020. Estas
orientações, não sendo leis, estão alterando direitos funcionais, garantidos inclusive
pela Constituição Estadual.

Em decisão semelhante bem entendeu a ilustre e culta Juíza


Alexandra Fuchs de Araujo (proc. 1041972-70.2020.8.26.0053):

“A finalidade do referido artigo 8º é a vedação de novas verbas


remuneratórias a qualquer título, (vantagem, aumento, reajuste ou
adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores
e empregados públicos e militares, reconhecidos em lei), e não a
supressão de direitos existentes.”

O que as orientações normativas fizeram foi afrontar direitos


adquiridos que só poderiam ser suspensos pelo Poder Estatal competente, pela via da
alteração do Estatuto do Servidor Público. Seria até sustentável a suspensão do
pagamento das referidas vantagens, não a própria vantagem conquistada. Nesse
sentido a orientação do ilustre e culto Des. James Siano no processo nº
2128860-87.2020.8.26.0000/50000, julgado pelo Órgão Especial deste Tribunal de
Justiça:

AGRAVO INTERNO. Indeferimento de liminar em ação direta de


inconstitucionalidade. Ato Normativo nº 01/2020, editado pelo Tribunal

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de Justiça, Tribunal de Contas e Ministério Público Estaduais, que dispõe


“sobre as limitações com gasto de pessoal impostas pela Lei
Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020”. Cabimento parcial. Ato
administrativo impugnado aparentemente se afigura mais restritivo do
que a lei que lhe serve de supedâneo. Infere-se do inciso IX do art. 8º da
Lei Complementar nº 173/2020 que a contagem de tempo para a
concessão de anuênios, triênios, quinquênios e licença-prêmio está
vedada se representar aumento da despesa com pessoal durante o
período citado no “caput” do art. 8º, ou seja, até 31 de dezembro de
2021. Norma federal preconiza “sem qualquer prejuízo para o tempo de
efetivo exercício”. Impossibilidade de contagem desse período como
“aquisitivo”, em princípio, merece ser interpretado apenas como a
suspensão do pagamento da vantagem pecuniária pelo período de
incidência da lei, ou da fruição no caso da licença-prêmio. Basta o efetivo
exercício do cargo para a plena consecução dos aludidos benefícios, além
da assiduidade e disciplina para a hipótese da licença-prêmio. Em
princípio, interpretar de forma diversa, data venia, seria emprestar novo
significado à expressão “tempo de efetivo exercício” para impedir a
aquisição de um direito que lhe está umbilicalmente atrelado. Objetivo
da norma federal é interromper a majoração das despesas com o
funcionalismo por tempo certo, a representar suspensão de dispêndios
em razão dos efeitos da pandemia, mas não ruptura do direito que
decorre peremptoriamente do exercício da atividade pública. Ato
administrativo ao exorbitar o antecedente normativo que lhe confere
fundamento aparenta ofender o princípio da legalidade. Agravo
parcialmente provido para conceder parcialmente a liminar, a fim de que
as disposições do ato administrativo impugnado não impeçam a
aquisição dos direitos decorrentes do adicional por tempo de serviço e da
licença-prêmio, mantendo apenas a suspensão do pagamento e da
fruição de tais benefícios durante o período de 27 de maio de 2020 a 31
de dezembro de 2021.

No referido julgamento, lógica foi a observação do eminente


desembargador Jacob Valente:

Em comparação lúdica, o pai, em dificuldades financeiras, não


pode impedir que seu filho faça aniversário naquele ano; só
pode adiar a comemoração.

Apelação Cível nº 1043180-89.2020.8.26.0053 -Voto nº 46433 6


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Dessarte dá-se provimento ao recurso para os efeitos acima


mencionados.

JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA


Relator
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