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Signos urbanos juvenis: rotas da piXação1 no

ciberespaço2
GlóRia DióGenes3
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil

DOI: 10.11606/issn.2316-9133.v22i22p45-61 the cyberspace. Our observation locus was social


networks such as the Orkut and the Facebook from
resumo Este texto é parte de uma pesquisa que well-known grafti practitioners in Fortaleza. Be-
vem sendo desenvolvida acerca das experiências sides the cyberspace ethnography, some online in-
juvenis e conexões entre esferas online e ofine. terviews and meetings took place. Te practitioners
Nesse estudo são traçados percursos de signos leave marks in the cyberspace. Te acronym marks
de pixadores entre a cidade e o ciberespaço. Foi of belonging, the grafti practitioners’ names, es-
tomado como locus de observação as redes de re- tablish territories in the cyberspace not necessarily
lacionamento do Orkut e Facebook de pixadores attached to the city spaces. Te “xarpi” might be
destacados de Fortaleza. Além da etnografa no erased from the city spaces, and, even so, remains
ciberespaço, foram realizadas entrevistas online e in the cyberspace. Te study shows that the cybers-
contatos presenciais. Os pixadores “tacam mar- pace makes the sharing of name and the display
cas” no ciberespaço. Observou-se que as marcas of acronyms of belonging possible within larger
das “siglas” de pertencimento, o “nome” dos pi- groups of other acronyms, so it brings other sign
xadores, podem defnir territórios no ciberespaço systems about.
não necessariamente acoplados aos ambientes da keywords Youth; Cyberspace; Grafti; Language
cidade. O “xarpi” pode ser “apagado” dos lugares
físicos da cidade e, mesmo assim, resistir ao efeito
do tempo no ciberespaço. Percebe-se ao longo da PiXar para se destacar: linhas iniciais
pesquisa que o ciberespaço possibilita a partilha
do nome e a visibilidade da sigla de pertencimen- Roland Barthes (2001, XIII) traduziu a se-
to no universo das demais siglas, produzindo as- miologia como uma aventura de deslocamento
sim outros “regimes de signos”. do sujeito. Assim como os muros e as paredes
palavras-chave Juventude; Ciberespaço; Pixa- da cidade, os traços da escrita da pichação no ci-
ção; Linguagem berespaço exigem outros movimentos do olhar5.
Nos arquivos virtuais de Raposão (integrante da
Juveniles urban signs: routes of ilegal galera “Fera dos Grafteiros”), tal qual destacado
graffti in cyberspace na fgura acima, encontra-se parte representativa
de artigos publicados em jornais, percorrendo,
abstract Tis text is part of a research about no seu conjunto, a cronologia da pixação na
youth experiences and the connection between cidade de Fortaleza. Interessa evidenciar com o
online and ofine spheres. Tis study follows destaque da ilustração acima não o corpo da ma-
the routes of grafti signs between the city and téria jornalística, que aparece ilegível. Raposão,

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pixador “famoso” da década de 1980, diante de de livre acesso, tanto no Orkut como no Fa-
um suposto desconhecimento da mídia da “lín- cebook, observa-se um uso restrito dos signos
gua” falada pelos pixadores, faz uma espécie de que permeiam a comunicação entre pixadores.
intervenção ao lado da página do jornal. A in- De algum modo, a utilização da pixação no ci-
versão das sílabas cria um dialeto próprio: “gori- berespaço parece reproduzir a mesma dinâmica
pe” signifca perigo, “josu” é sujou, “xarpi” vem da intervenção realizada na geografa da cidade:
de pixar e “tala” é lata de tinta, dentre outras. uma comunicação de poucos-para-poucos, para
“Xarpi”, a assinatura do pichador, represen- que os que transitem na cidade sintam o impac-
ta exatamente o avesso, o contrário do nome, o to da extensão dos “riscos” dessa outra “língua”.
contradito daquilo que se diz, do que se pactua Por tal razão, nossa inserção no ambiente
como linguagem. Raposão assinala ainda, no virtual – a “visita” aos perfs de pixadores – se-
seu perfl, na abertura de um de seus “álbuns”, guiu um compasso semelhante a um processo
constituído apenas por artigos de jornais, os sig- presencial de percepção dos signos que com-
nifcados que conformam o reverso da língua: põem e produzem a paisagem das pixações
“Aqui, a maior diferença da flosofa dos P.C.M urbanas. O desafo foi o de perceber se havia
(Pixadores contra o mundo)”. Certamente, o ou não interatividade entre os vários sujeitos
que parece mobilizar a cena da pixação no cibe- que compõem a cena da pixação em Fortaleza
respaço é a criação de um campo de enunciação e se o ciberespaço, além de melhor destacar os
de poucos-para-poucos, ao invés da universa- “nomes”, as trilhas deixadas por eles na cidade,
lidade dos media pautada na comunicação de propicia uma maior amplitude de conectivida-
um-para-todos, ou de todos-para-todos. Isso de e de aproximação. Para isso, quando houve
signifca dizer que, mesmo num ambiente da oportunidade e “abertura” por parte do pixador,
internet marcado, em sua maioria, por perfs foram realizados alguns contatos via MSN6.

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O ciberespaço tem mobilizado olhares e in- pixação surge tendo como propósito inicial a
tervenções que alargam o repensar sobre cami- demanda por visibilidade, representando o ci-
nhos da tradição etnográfca. Outras formas de berespaço apenas como uma ampliação dessa
conexão, de interação, de mobilidade têm, para paisagem e uma esfera mais veloz de propaga-
além do contato face to face, ampliado o espaço ção e difusão dos “xarpis”. A ordem é multi-
de movimentação do próprio pesquisador em plicar os espaços por onde circulam os nomes,
campo. No caso da ação dos pixadores no ci- é ganhar visibilidade: “Se destacar é ter nome
berespaço, observa-se o alargamento de esferas em todo o bairro” – afrma Seco (GDR – Ga-
de expressão, compartilhamento e demarcação rotos de Rua, 32 anos, que parou de pixar em
de ambientes e sujeitos sociais. Eles multipli- 1998); é “arrebentar nos nomes” – fala Snow
cam paredes, assinaturas e crews7 na esfera di- (GDR – Garotos da Rua, 21 anos).11 Antes da
gital. Não se trata de um outro lugar. Como intensifcação do uso dilatado das redes sociais
indica Cristine Hine (2010, p. 9) não se deve no ciberespaço12, a pixação possibilitou que
classifcar a etnografa na arena do ciberespaço atores de lugares sombreados das periferias
como um modo distinto de percepção da cul- multiplicassem marcas e estilos nos corredo-
tura. Segundo a autora8, o uso da Internet si- res das grandes cidades. No universo dos pi-
mula uma experiência localizada culturalmente xadores, repetir é um modo de marcar, de não
e, concomitantemente, se constitui numa in- deixar o “nome” ser esquecido, e é esse o uso
terpretação fexível do objeto. mais signifcativo que fazem “os tacadores de
É notória a necessidade de fexibilização dos marcas” ao ocuparem o ambiente virtual:
circuitos do objeto quando se trata de um enfo-
que entre espaços. Ricardo Campos (2010, p. 37), Cada pixador tem o seu estilo, o meu estilo é
acerca da abordagem etnográfca sobre o grafti esse. A gente nunca muda o estilo que é pra po-
urbano em Lisboa, assinala que de todo modo a der ser conhecido pelo seu estilo, pq qnd vc fca
própria noção de terreno9, ao se pesquisar experi- mudando vc nunca vai ser conhecido pq cada
ências de graftismo juvenil, deve ser tomada no canto q vc meter o seu nome vc fcar mudar
sentido metafórico. “Este espaço fragmentado o estilo de colocar as pessoas n vão conseguir
e disseminado, físico e virtual, é acompanhado identifcar a pixação. Ela tem q ter um padrão
por um tempo igualmente descontínuo”. Assim só, o q acontece é q qnto mais vc pixa, mais vc
como, tal qual relata Raposão à seguir, são visíveis vai aperfeiçoando a sua letra (SECO).
as distâncias e vácuos da atividade da pixação,
antes e depois do uso da Internet. O “perfl” do pixador, a repetição de pa-
Em uma entrevista que pode ser facilmen- drões e do desenho de letras é o que possibilita,
te encontrada no Google10, Raposão afrma: mesmo antes das “redes de relacionamentos”, a
“Em 1987, não havia Orkut, não havia MSN, identifcação de seus “nomes” no “papel” cida-
porém a pixação surgiu como ferramenta de de, no contínuo artifício de aperfeiçoamento
14 de
comunicação e expansão dos relacionamen- suas grafas. Basta abrir a página de um pixador
tos”. Observa-se que o meio de conexão, de nas redes sociais para identifcar o contorno e a
diminuição das distâncias da comunicação, si- extensão de seu grupo, de sua galera. Cada um
nalizado por Raposão, não diz respeito ao uso aparece vinculado ao seu avatar13, sinalizando
do computador, e sim à difusão da pixação. o nome que o identifca no circuito de pixação
Embora, à primeira vista, pareça paradoxal, a da cidade, como no exemplo abaixo:

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Como bem explicou Snow, “tem três tipos de


pixação: xarpi, letreiro e desenho”15. O que, no
geral, “os de fora” chamam de pixação, está bem
mais relacionado ao “xarpi” propriamente dito.
Indagado acerca do comentário da pesquisadora
(“o que eu menos entendo é o xarpi... Xarpi não
tem letra”), Snow explica, num “papo” virtual:
“tem, mais é geralmente uma letra que apenas
quem joga o nome entende”.
A sigla do pixador expressa o seu “grupo” de
referência, sua galera, sendo o “xarpi” sua mar-
ca pessoal e intransferível. O ritual de entrada
numa “sigla”, a representação de um coletivo,
acontece apenas quando o pixador já conse-
guiu “destacar” o seu “xarpi”, já mostrou que
tem coragem de sair para pixar e de enfrentar
“os cana”.16 Para essa fnalidade, “tem que pe-
dir para os antigo, ne qualquer um que pode
deixar os outro entrar não” (SCORPION17 –
Daniel acopla ao nome o duplo de sua SDR – Suicidas de Rua). Divulgar a “sigla” vai,
identifcação e apresenta-se através de trecho no geral, ocorrer casado ao “xarpi”, como se o
de música de Ana Carolina: “Você pode me nomadismo dos pertencimentos possibilitasse
ver, do jeito que quiser, eu não vou fazer esfor- a visibilidade e a repetição dos “nomes” dos pi-
ço pra te contrariar”. O que parece interessar xadores, intensifcando a importância da sigla.
no seu “perfl lotado” é o modo como preten-
de se mostrar, é a utilização do ciberespaço Sigla é a principal subsigla é só um complemento
como mais um lugar que “vitriniza” fliações, não é todo mundo que joga subsigla
preferências diante de seus pares, pouco im- Eu já joguei as subsiglas
portando o campo de interpretação dos que 3M
estão fora desse ciclo. 3S
Diante da fragmentação de experiências, da OH
volatilidade dos modos de vida urbanos, o ato mais só jogo TB (Terroristas do Bairro) agora18
de pixar, ao “destacar” o sujeito pixador para
além do muro, no espaço “múltiplo” da tela vir- Eterniza-se o nome do pixador por meio das
tual, possibilita que a marca se fxe, ainda mais, “siglas” e “subsiglas” que mediam o ato de “jo-
na memória da cidade. Numa reunião de pixa- gar o xarpi” no ciberespaço. O que parece estar
dores no bairro Carlito Pamplona, Demo (WS em jogo para os pixadores são dimensões que se
– “Wild Street”), ao ser indagado sobre qual seu alternam na tensão entre efemeridade e perma-
intuito ao colocar o nome no muro, respondeu nência, entre esquecimento e lembrança. Bolle
de forma direta: “Divulgar. Tá passando nos (1994, p. 287), num diálogo com Baudelaire e
canto e lembrar”. Por tal razão, as formas da pi- Benjamin, enfatiza o caráter ambíguo da escrita
xação se reproduzem e se diversifcam. das grandes cidades: por um lado, o “transitó-

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rio” e o “fugaz”; de outro, o “eterno” e o “imu- “Atropelar o nome do outro” é a quebra de


tável”. O esquecimento representa, para muitos uma regra que pode fndar em confito ou mor-
moradores da periferia, o preço muito alto que te. Como explica também Scorpion, “atropelar
comumente se paga no dia a dia da vida urbana. é num deixa passar por cima do pixo do cama-
Há uma luta incessante por visibilidade públi- rada, não pode rasurar e nem pode atropelar,
ca. Para que um “xarpi” possa ter lugar, fncar rasurar é meter um X no xarpi do outro”. É
marcas e padrões, faz-se necessário mais do que como se, uma vez um signo fncado, ele tives-
“tacar o nome” de forma aleatória, que se trace se já ganho um lugar, obtido um destaque, al-
e compartilhe um “regime de signos” que possa cançado um plano de enunciação. De algum
facilmente migrar para a esfera digital. Isso sig- modo, “atropelar o nome do outro” representa
nifca dizer que para ganhar destaque na cidade, “trair”, na língua dos pixadores. Ao ser inda-
para “ser considerado”, é regra entre os pixado- gado se já havia vivido alguma experiência de
res se valer de todos os suportes e ferramentas “atropelo”, Snow destacou:
possíveis para difusão do seu “nome” e das “si-
glas” e “subsiglas” em que “joga”. Atropelou, mais o cabeça da galera veio falar co-
Embora os “regimes de signos constituam migo e pedir desculpas pelo membro que atro-
uma semiótica, eles remetem a outros agencia- pelou.
mentos que não são necessariamente linguísticos” e mandou o membro lá pintar.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 61). Atra- ah não coloca meu nome nn’
vés de máquinas informacionais (GUATTARI, não gosto de confar nesse mundão que vivo”.
1993, p. 178) e comunicacionais, os “xarpis” não (SNOW, entrevista MSN)
se contentam em veicular apenas conteúdos re-
presentativos, mas concorrem também para a “Superar” representa apenas o ato de pixar
confecção de novos agenciamentos de comuni- mais alto, de ultrapassar o desafo já alcançado
cação individuais e coletivos, para a produção de pelo representante de outra sigla. No geral, essa
novas marcações na cidade e para a cidade. regra é possível de ser burlada, a depender do
E para que um “regime de signos” de múltiplos lugar que cada pixador assume dentro da sigla.
agenciamentos que envolvem a pixação se propa- Se for “o principal” (assim eles denominam os
gue e se sustente, torna-se necessário outro pacto chefes), a superação é um ato natural, plausível;
linguístico, um arranjo que “desmaterialize” o su- se for “um pequeno”, vai ter rasurada a ousadia
porte do “nome” e o traduza “descolado” da sua da “superação”.
feição concreta, material, na esfera do ciberespaço.
Snow, da GDR, (no MSN) sinaliza que re- depende se você for um pixador pequeno , e su-
gras um pixador deve respeitar: perar um cabeça de uma galera.
possivelmente ele vai passar um “X” no seu nome.
1 º : NÃO ATROPELAR O NOME DO OU- mais se vc for um dos que arrepia na galera e
TRO superar , não dá em nada
2 º: SE SUPERAR O NOME DO OUTRO só oferecemos pra quem consideramos. (SNOW,
OFEREÇER entrevista MSN)
3 º: HONRAR A SIGLA QUE ELE JOGA
4 º: NÃO USAR SEU NOME EM VÃO “Superar” signifca um ato que precisa ser
propagado, algumas vezes oferecido para os pi-

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Fonte: Imagem pessoal. Av. Francisco Sá. Fortaleza-CE. (2012). Para os L.V. “de rocha”

xadores mais “considerados”, e o ciberespaço é o colocar no plano da aventura e da invenção de


ambiente mais que propício para essas exibições: novos “nomes”, de divulgação das “siglas”, de
“Honrar a sigla que joga” e “não usar o seu outras formas de enunciação de si, a pixação
nome em vão” representam regras, que, inclusi- produza toda a emoção e a intensidade de uma
ve, promovem o entendimento de onde, como disputa. De outro modo, a perspectiva de jogo
e com que “siglas” é possível e permitido realizar ressaltada por Huizinga (2001) ultrapassa os li-
o ato da pixação. Forma-se uma aliança horizon- mites dos torneios, das rivalidades, e assume o
tal que acopla bairros, “xarpis” e “siglas” e que, plano de um sistema de produção de signos de
muito embora não se situe, aparentemente, em processos peculiares de signifcação:
lugar algum, move-se pela paisagem concreta
da cidade e pelos interstícios do ciberespaço. O jogo é mais do que um fenômeno fsiológico
ou um refexo psicológico. Ultrapassa os limites
da atividade puramente física ou biológica. É
Bordas entre os espaços físicos e uma função signifcante, isto é, encerra um de-
digitais da pixação terminado sentido. No jogo existe alguma coisa
“em jogo” que transcende as necessidades ime-
No campo da linguagem, o ato de pixar diatas da vida e confere um sentido à ação. Todo
é um jogo, de “curtir um pouco, depois sair jogo signifca alguma coisa. (2001, p. 3-4)
para riscar” (SNOW). Provavelmente, por se Provavelmente, os pixadores movem-se por

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meio do “jogo” de ultrapassar limites corporais você tem quando você vai lá e supera um cara de
e linhas de segmentação urbana, no movimento uma galera rival é inexplicavel, a adrenalina de
de produzir novos planos de signifcação sobre eles subir em um galpão por um poste é inexplicavel
mesmos e sobre a cidade. Ao ultrapassar os limites (SNOW, entrevista via MSN)
da atividade puramente física e biológica, ao pe-
netrar no ciberespaço, os “nomes” criam formas Pixar é adrenalina. O que vale é o que a pessoa
outras de visibilizar os jogos dos signos da pixação. tá escrevendo ali na hora, eu vou mais por causa
Como diz Barthes (1992, p. 51), “o signo da aventura. Fui a primeira vez e gostei (DEMO
é uma fatia de visualidade, de sonoridade”; WS, 28 anos)
a signifcação é o ato que une signifcante e Pixar é mt irado o coração batendo acelerado;;
signifcado, cujo produto é o próprio signo. adrenalina a mil” (SCORPION)
Entre os que formam as “siglas” da pixação,
o “jogo” tem início na aventura de “riscar Adrenalina, o gosto da aventura de “escrever
nomes”, de produzir outros processos de sig- na hora”, de marcar um muro, de pichar num
nifcação diante de modos pactuados de vida lugar de improvável acesso, tanto devido à altura
na paisagem urbana. Para efetuar um outro como por conta da inacessibilidade. Fica marca-
“regime de signos”, no “jogo de tacar nome”, da a sigla e amplia-se a notoriedade do pixador.
é preciso “desbravar linhas de fronteira”, en- Observa-se, por meio de vários perfs de pixado-
tre alto e baixo, entre longe e perto, entre res, tanto no Orkut como no Facebook, fotos e
permitido e proibido. vídeos postados no YouTube que referendam a
ousadia do pixador e o gosto deixado pela aven-
Adrenalina, prazer a gostinho de ter seu nome tura do “jogo”, como os exemplos acima desta-
lá em cima onde ninguem pegou, o gosto que cados na monografa de Chagas (2012).

“Raposão F.G.” (1990). “Xarpis” de Raposão, Ratinha, Sombra e Gabola19.

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Fonte: Arquivo virtual na rede social Orkut20. “Vem na trilha” (detalhe)

A imagem é comentada pelo pixador Snow ele mesmo –, uma curiosa indagação expressa
T.B., em um bate-papo via MSN: novas modalidades de “tacar o nome”, assim
como amplia a natureza dos muros e paredes.
– Qual exemplo de lugar que alguém “pegou”
que mais te chamou atenção? – O quê você acha dessa era xarpi digital?
– Um prédio no centro perto do IJF que o Cipó – Muito mais interessante que correr os riscos
G.Z.P. pegou. Que ele desceu até o meio do prédio desnecessários por uma coisa que as meninas
pelos cabos de aço e botou “VEM NA TRILHA”. não valorizam.

Para os pixadores, sair do anonimato, ser O “xarpi digital” elimina os “riscos desneces-
“famoso”, “nunca ser esquecido” é uma saga sários” e profere diante “das meninas” outro sta-
pontilhada por afoitezas e riscos que ultrapas- tus para a fgura do pixador. Assim, a demanda
sam os espaços cerceados da cidade e os limites de não ser esquecido, de ultrapassar as barreiras
interpostos pelo corpo orgânico. Por isso mes- do tempo e do espaço amplia e dá ainda mais
mo, o “xarpi digital” desliza veloz pelo ciberes- visibilidade ao “jogo de tacar nomes”. Não signi-
paço. Na já mencionada entrevista de Raposão, fca dizer, como bem pontuou Simões (2010, p.
disponível no espaço da internet – provavel- 24), no livro intitulado “Entre a rua e a internet:
mente de perguntas e repostas elaboradas por um estudo sobre o hip hop português”, que:

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o que se passa na internet só pode ser compre- minado “raridades”, com quase 200 fotos. É uma
endido tendo por referência o que ocorre fora homenagem a quem Rato designa no letreiro da
desta (em certa medida, vice-versa) [...] assim, foto: “O REI!!!!! TANGO ER”. Como destaca
qualquer texto on-line é sempre um hipertexto, Chagas (2012, p. 65), já tendo sido “riscada” há
formado por múltiplas ligações que nos reme- mais de 20 anos. Por isso mesmo, o mundo of-li-
tem por diferentes circuitos, tanto a nível inter- ne e on-line interpenetram-se e produzem novas
no como externo. conexões, permeada de feixes de espaços, de um
tempo móvel e de corpos híbridos. Nota-se que
Isso implica traçar não apenas as marcas das a distinção entre espaços físicos e digitais tem,
“siglas” e o nome do “xarpi”, como também também, transposto as segmentações e linhas
defnir territórios da pixação no ciberespaço, divisórias entre gerações. Foi muito recorrente
não necessariamente acoplados e projetados no nesta pesquisa encontrar pixadores de todas as
ambiente concreto da cidade. O “xarpi” pode idades atuando, comumente, interligados às no-
ter sido “apagado” nos lugares físicos da cida- vas gerações de pixadores. O depoimento abaixo,
de e, mesmo assim, resistir ao efeito do tempo de Pango, explicita a natureza móvel e “desloca-
no âmbito do ciberespaço. Lopes da Silveira da” dessa superfície de experiências.
(2011, p. 133), ao pesquisar sobre graftes e
espaço público virtual, sinaliza que “o grafte Pixação ta no sangue, isso ai eu vou fcar velho vou
é extremamente permeável às inovações tec- morrer com isso e não tem como apagar mais não.
nológicas”. Diz ele que a aderência das mídias [...] Às vezes a gente é adrenalina, esquece que tem
“deslocaliza socialmente o graftti, conduzindo 37 anos e volta pros 15 anos de novo. (Pango, 37
à constituição de redes através da internet; em anos, Sujando e Anarquizando +GDR)
segundo lugar, deslocaliza a imagem-graftti
tornando-a virtualmente disponível, desvincu- O espaço digital dissipa as fronteiras entre
lada do espaço físico que a aloja”. gerações: somem nele as faixas etárias e “dis-
Essa deslocalização das imagens produz do- solvem-se” os corpos. A sensação – “a gente é
bras diferenciadas do que se denomina espaço adrenalina” – transmuda idades e constitui uma
público – perspectiva já discutida em artigos disposição corporal em estado permanente de
anteriores (DIÓGENES; SILVA, 2012) –, potência: “eu vou fcar velho vou morrer com
aquilo que Lopes da Silveira (2011) designa, isso e não tem como apagar mais não”. No seu
também, como “redes dobradas”. Essas dobras estudo sobre “os quartos na era digital”, Feixa
de espaço transpõem a geografa urbana e se (2006, p. 82) destaca que os ritos de passagem
projetam nos corpos e nos “xarpis” que se de- entre gerações assumem um movimento “espi-
senham nos interstícios entre sistemas online e ral”, caracterizados por mecanismos de “noma-
of-line. Como discute Santaella (2007, p. 153), dismo social” e de “arritmia temporal”.
“o corpo, cuja perda iminente foi tão lastimada,
está na realidade se transformando rapidamen- O termo “geração @” pretende expressar três
te em um conjunto de extensões ligadas a um tendências desse processo: em primeiro lugar, o
mundo cíbrido, pautado pela interconexão de acesso universal, ainda que não necessariamente
redes e sistemas on e of-line”. generalizado, às novas tecnologias de informa-
A imagem abaixo faz parte do álbum de fotos ção e de comunicação; em segundo, a erosão das
raras do pixador colecionador Rato M.P, deno- fronteiras tradicionais entre os sexos e os gêne-

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Fonte: Arquivo virtual de Rato M.P. na rede social Orkut21.

ros; e, em terceiro, o processo de globalização “O corpo material do signo – o som,


cultural, que gera necessariamente novas formas as tintas, a grafia – não pode existir sem o
de exclusão social em escala planetária (FEIXA, suporte material que o plasma” (SANTA-
2006, p. 86). ELLA, 2007, p. 191-192), e esse suporte,
para além da cidade, do spray, do “nome”
De um jeito ou de outro, os pixadores no para além da tela do computador, se traduz
devir-adrenalina22, lançados na onda da “comu- no próprio corpo do pixador, condensado
nicação transversal”, experimentam a sensação no seu “xarpi” desenhado manualmente e
de corpos moldáveis, facilmente adaptáveis, reproduzido digitalmente.
erodindo fronteiras de classifcação etária, de
classe social, entre outras. Como afrma Cane-
vacci (2012, p. 54), são os “corpos polifônicos e Entre-cidades: a multidão de
as tecnologias digitais”, permutáveis por “múl- “xarpis” digitais
tiplos heterogêneos de si’. Raposão, já citado no
início deste texto, destaca que a necessidade de Cada vez em que vi, li e visitei perfs de pixa-
“tacar nome”, de “expandir relacionamentos”, dores, percebi uma tática, comumente utilizada
projeta o pixador, desde o ato inaugural da pi- entre eles, de valer-se das multidões para se escon-
xação, como lugar de linguagem, de infndáveis der e, concomitantemente, apregoar suas “lin-
possibilidades de expressão de si. guagens às avessas”. A multidão tanto multiplica

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imagens como promove, por vezes, uma confusão Deia23, ex-pixadora, no vídeo “Fuga RM
de sinais, provocando zonas de “não visão”. Entrevista DEIA RPM”, fala, de uma forma
O “jogo de tacar o nome” tende a produzir- muito tranquila, numa reunião ampliada de
-se, propositadamente, imerso numa multidão de pixadores, acerca da importância da pixação na
signos que formam e cadenciam o cotidiano das sua trajetória de vida:
grandes metrópoles. Desse mesmo modo, um “ar-
senal” de “xarpis”, de fotos de pixações em locais Eu era muito nova naquela época, estudei em
proibidos, de depoimentos em vídeos, de chama- colégio de freira, de padre, querendo ou não, foi
das para reuniões ganham desapercebidamente uma maneira de como eu me expressar, conheci
o ciberespaço. A tática é criar um mundo fora- grandes pessoas. Era uma forma de manifestar,
-dentro dos matizes multicoloridos que povoam expressar que a gente não está aqui à toa. Dei-
e produzem linhas de segmentação no panorama xar algo e é importante isso que sabe que é um
das multidões. O sentido é apregoar-se, reprodu- delito, mas eu tive que passar por tudo aquilo
zir-se, apoderar-se de todos os lados da cidade até pra ser o que eu sou hoje, minha personalidade,
não serem mais vistos, até se destacarem apenas minha maneira de agir toda foi graças ao que eu
para os participantes que integram o mesmo “tor- passei naquela época.
neio de signos”. O “jogo” é traduzir o signo da pi-
xação como mais uma peça do tabuleiro urbano, É como se o “proibido” da pixação se ma-
como se a antinorma fzesse parte da ordem. “A nifestasse à luz do dia, no frenesi da multidão.
arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, As palavras de Deia propagam um elogio à pi-
o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., xação, seu papel na formação da personalidade
têm todos a forma e a função de terrenos de jogos do pixador, que, ainda que “fora”, distanciado
[...] Todos eles são mundos temporários dentro pelo calendário do tempo, permanece. Vale o
do mundo habitual” (HUIZINGA, 2001, p. 13). risco de nunca esquecer que “a gente não está
O jogo cria o inabitual dentro da cadência aqui à toa”. Esse é o ponto nevrálgico da expan-
turva do cotidiano. Por tal razão, no ciberespa- são das práticas da pixação para o ciberespaço:
ço, bem mais que no fuxo da multidão, os pi- a marcação da passagem do indivíduo, que,
xadores marcam reuniões ampliadas, “expõem” mesmo imerso na “guerra” do ato de “tacar no-
seus arquivos de memória e exaltam o valor das mes”, se multiplica no jorro da multidão, no
assinaturas nas “folhinhas das agendas”. O tipo coração do “Império”.24
de anúncio abaixo, a cada evento da “galera”, Destacando “os históricos”, Seco assinala a
ganha as telas virtuais: importância que teve Slayer, reverenciado pela
maioria dos pixadores contatados e conhecido
por pessoas que não participam das cenas da pi-
xação: “faleceu em 2008, por motivo de droga,
crack, overdose. Era da Serrinha, cabeça e fun-
dador da E.D.T. (Espírito das Trevas), década
de 80. A Av. da Universidade, ponto “X” dele,
onde ele construiu a fama dele”. É preciso esco-
lher “um ponto” para que a fama se consolide,
para que o nome permaneça, para que a sigla se
distinga no emaranhado das linhas da memó-

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ria. Apenas assim, tantas outras “assinaturas”


surgirão em busca do destaque. A fnalidade
é não “deixar o nome morrer”, produzir “um
politeísmo de selves” (CANEVACCI, 2009, p.
234), compor “uma cena social que se desloca
de forma multilinear” (DIÓGENES; SILVA,
2012, p. 3) e multiplica os movimentos dos
pixadores na cidade e no ambiente da internet.
As “agendas”,25 ou as denominadas “folhi-
nhas”, condensam e preservam a memória dos
“nomes” que compõem a história de pixação,
cada lugar por onde o pixador “arrebentou” e
as “siglas” que resumem sua passagem nesse
mundo. Verifca-se que as “folhinhas” povoam
inúmeros perfs do Orkut e arquivos de fotos Perfl de Snow26
na “linha da vida” do Facebook. No geral, o ar-
senal de nomes publicado nos perfs, além de A memória digital dos “xarpis” realiza uma
reverenciar os “mais considerados” na cena, ten- atualização e um processo de vivifcação da pixa-
ta manter vivo outros que não mais “metem o ção no tempo presente. As imagens que resistem
xarpi”. Por isso, perder a agenda com as “assina- à efemeridade do tempo revitalizam o corpo do
turas”, tê-la confscada, representa, tal qual res- pixador. Bergson (1999, p. 14) assinala que
salta Scorpion, a seguir, uma perda irreparável:
as imagens exteriores infuem sobre a imagem
nas reuniao ne que chamo meu corpo: elas lhe transmitem mo-
o povo leva as agendas vimento. E vejo também de que maneira este
pra pegar as assinatura dos outro pixadores corpo infui sobre as imagens exteriores: ele lhes
ai tem vez quando o povo ta voltando pra casa ‘ restitui movimento.
e ta com a agente se a policia pegar eles rasga
tudo ‘ e bate e vc A multiplicação das “folhinhas” dos “xarpis”
dps : ‘ no ciberespaço possibilita que essa “matéria digi-
ai é foda tal”, como um conjunto de imagens, provoque
por que reações e potencialize o ato “de tacar nomes” nas
tem fez que tu tinha uma assinatura paredes, muros, outdoors, marquises, pedras e
de um cara que ja morreu calçadas da cidade no tempo de fruição do pre-
e o cara rasga sente. É o corpo quem maneja e infui na pro-
e tu num pode fazer nd ‘ (Scorpion, entrevista fusão das “imagens exteriores”. Por isso, como
via MSN) enfatiza Snow, a seguir, é preciso dar lugar às len-
das no tempo presente, para que se expresse em
Um pixador que se destaca é notado pela cada “risco” o lastro de uma memória.
quantidade de assinaturas que “ganhou” de ou-
tros pixadores, fundamentalmente dos conside- Terroristas dos baiross | A mais cruel ! desde 1986 !
rados “históricos”, e que foram a ele dedicadas: ele joga muito nome, arrepia sempre

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me chama a pakas pra sair mundo fechado” de comunicação em meio


voce pode perguntar a qualquer pessoa quem é à multidão de signos que povoam as cidades.
o RATO TB’ Por isso, para a maioria deles, pouco impor-
que eles sabem ta se o pixador é considerado ou não artista.
é uma lenda ele. Santaella (2007, p. 255), ao refetir sobre
arrepia muito muito mesmo’ “mediações tecnológicas e suas metáforas”,
diz preferir o uso do termo “estéticas tecno-
“Ser cruel” signifca resistir diante dos riscos lógicas” quando se trata da arte nos “espaços
que compõem a trajetória de vida do pixador, intersticiais”, aqueles que se desenham nas in-
na guerrilha pela “permanência” de imagens, terfaces entre a condição “física” e “digital”.
daquele “que arrepia muito, muito mesmo”. Até porque, recorrentemente, os pixadores
Repetir o “xarpi”, no mesmo “padrão”, para são indagados pelo mesmo motivo: “você con-
que a marca se fxe e se eternize. Para que qual- sidera, como dizem os jornais, que a pixação
quer pessoa que seja indagada, nesse pacto fe- enfeia e suja a cidade?”
chado de linguagem, saiba dizer, sem titubear,
quem é o Rato TB, quem é o Raposão, quem é A cidade já é suja em tantos aspectos não acha?
o Slayer, quem é...? Que arte é essa, que quase não só no visual .
sempre é considerada suja, prática ensejada por acho que é uma maneira de expressar a indigna-
vândalos, expressão de riscos e rasuras na pai- ção em alguns casos “alguns pixam para mostrar
sagem urbana? sua revolta”
outros só pra se destacar na multidão pra ganhar
fama’ pra ganhar seu espaço. (SNOW)
Partilhas entre arte e pixação
Afrmar que a cidade já é suja signif-
Retomemos Snow, pixador que condensa ca dizer que a paisagem urbana está imersa
e preserva elementos da história da pixação de em um emaranhado de marcas, publicidades
Fortaleza e, ao mesmo tempo, “está na ativa”. ofciais e alternativas, sinais de uma intensa
Ao ser indagado sobre a dimensão artística da poluição visual, que tomam diversos equipa-
pixação, ele responde: mentos urbanos como suporte. Para o pixa-
dor, destacar-se na multidão implica também
acho que é uma forma de arte diferente. afetar, simultaneamente, instâncias na esfera
acho que é uma maneira de se libertar de tudo do ciberespaço, carregando a própria sujeira
que o sistema joga contra a gente que permeia os espaços concretos das cidades
a pixação é um mundo fechado, onde a ideia para as redes sociais.
não é trocado com pessoas comuns mais sim de Levando-se em conta as “dobras”, já aqui
pixador pra pixador mencionadas, de circuitos e campos de ex-
se eu pixo uma avenida movimentada eu pixo pressão de siglas possibilitados pela dimensão
pra outro pixador ver e falar nossa esse cara pe- “física” e concreta da cidade e do ciberespaço,
gou ali. (Entrevista via MSN) percebe-se que o “xarpi digital” insere-se num
contexto que demanda, ainda bem mais, outras
O “sistema joga contra a gente”, daí o imersões teórico-empíricas e outras refexões
intento de inventar uma outra língua, “um metodológicas.

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Santaella (2007, p. 283) adverte que ta se o referente é irrisório). É a imagem da le-


tra que revela o corpo ausente do pixador, seja
[...] não obstante a imensa diversidade de pos- nas telas da cidade, seja na quadratura do “xar-
sibilidades, questões e desafos que as estéticas pi digital”. Compartilham-se os signos sensíveis
tecnológicas contemporâneas apresentam, uma de uma outra língua, como explicitou Raposão,
constante está indiscutivelmente sempre presen- no início deste texto, traspassando o “goripe”
te: o caráter processual de inacabamento em que (perigo) do vazio da comunicação no “mundo
o artefato já não existe em uma versão fnal, mas fechado” de linguagem.
apenas em processos permanentes e cada vez Nas trilhas de Ranciére (2005, p. 67), “ta-
mais acelerados e mutáveis de vir a ser. car marca” no ciberespaço pode signifcar uma
nova “partilha do sensível”. Isso signifca dizer
Vale ressaltar que a “ocupação” do pixador que “produzir une ao ato de fabricar o de tor-
no ciberespaço não é perpassada por nenhuma nar visível, defne uma nova relação entre fazer
pretensão de destacá-lo como “net-artista” ou e ver”. Essa seria a arte da pixação, mais um “ru-
qualquer condição correlata. Quando o pixa- mor da língua”, mais uma forma de estar “em
dor cria um perfl no Orkut ou no Facebook, todo canto”, na posse de um “respeitado” nome.
quando publica vídeos no YouTube, não trans-
muda o “pixo” das ruas para uma versão alte-
rada por manejo de ferramentas tecnológicas e Notas
por programas e softwares dispostos na inter-
net. O pixador simplesmente utiliza-se de um 1. Com a fnalidade de manter o uso do termo nativo,
dobra de “rede de relacionamentos” para dar comumente utilizado pelos próprios jovens, mantere-
mos Pixação, Pixo e Pixador com “X”.
maior visibilidade aos seus “xarpis”, “siglas” e
2. Parte representativa dessa pesquisa de campo (pre-
“subsiglas”, num processo nítido de “inacaba- sencial), com pixadores de Fortaleza, foi realizada por
mento”, como ressalta Seco: Juliana Chagas na monografa, sendo que a pesquisa
no ciberespaço foi realizada em parceria. Além desses
O que importa (no xarpi) não é o formato, se dados mais atualizados, durante o meu doutorado, so-
ele vai juntar as letras demais, ou se a letra vai bre “Cartografas da Cultura e da Violência: gangues,
galeras e o movimento hip hop” (1998), e em pesquisa
ser fácil de ler, o que importa é ele (pixador)
realizada como bolsista do CNPq, “Itinerários de Cor-
divulgar o nome dele em todo canto, isso vai pos Juvenis: o jogo, o baile e o tatame” (2003), detive-
fazer ele ser conhecido e respeitado. (SECO, -me a pesquisar as dinâmicas da Pixação em Fortaleza.
set. 2010) 3. Professora doutora do Programa de Pós-Graduação
em Sociologia da Universidade Federal do Ceará e
O que importa é a partilha do nome, a mu- Coordenadora do Laboratório das Juventudes-LA-
JUS da UFC e, atualmente, Pesquisadora Visitante
tação provocada em outros pixadores pela di-
do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
vulgação e visibilidade da “sigla” no universo Lisboa.
das demais “siglas”, a profusão de outros “re- 4. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Albu
gimes de signos”. Como diz Barthes (1984, p. m?uid=4890670061433255803&aid=1252818843>.
77), por razão de uma leitura fotográfca, trata- Acesso em: 11 ago. 2012.
-se de a imagem provocar um interesse, uma 5. Preferimos, neste artigo, suprimir toda uma discussão
tanto teórica quanto metodológica acerca do proces-
fulguração, um estalo, “um pequeno abalo, um
so de construção da etnografa virtual, seus limites e
satori, a passagem de um vazio” (pouco impor- possibilidades, já condensados no texto apresentado

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no GT 01 – Ciberpolítica, Ciberativismo e Cibercul- -papos do MSN, seja nos seus perfs que compõem
tura, da ANPOCS, em outubro de 2011, cujo título as redes sociais.
é: “Redes sociais e juventude: uma etnografa virtual”. 19. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Albu
Aqui, traçaremos apenas linhas básicas de refexão so- m?uid=4890670061433255803&aid=1262359237>.
bre o desafo da pesquisa no ciberespaço. Acesso em: 22 ago. 2012.
6. Uma ferramenta de internet que signifca “messenger 20. Imagem indisponível para o livre acesso.
system network”, ou seja, sistema de mensagens via in- 21. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Albu
ternet. m?uid=2390390125825884039&aid=1241608669>.
7. Grupo de writers que pintam em grupo. Acesso em: 22 ago. 2012.
8. Tradução livre. 22. No sentido do devir enunciado por Deleuze e Guat-
9. É como os portugueses denominam a noção de cam- tari, “devir não é uma evolução, ao menos que uma
po de pesquisa. evolução por dependência e fliação. O devir nada
10. Disponível em: <http://xarpivirtual.blogspot.com. produz por fliação; toda fliação seria imaginária [...]
br/2009/11/24112009-entrevista-raposao-fg-oi.html.> ele é da ordem da aliança” (1997, p. 19).
11. Todos os perfs de pixadores pesquisados no Orkut, 23. Disponível em: <http://www.youtube.com/
de modo presencial, assim como os vídeos, encon- watch?v=F0-tRZigSm4&feature=relmfu>. Acesso
tram-se em anexo. em: 5 maio 2012.
12. “Esse espaço de existência para entidades que 24. De acordo com Hardt e Negri, no livro “Multidão”,
não têm um lugar fxo, mas podem estar em “Surge agora um ‘poder em rede’, uma nova forma de
inúmeros lugares, e mesmo cruzando os ares, ao soberania, que tem como seus elementos fundamen-
mesmo tempo, é chamado ciberespaço” (SAN- tais, juntamente com as instituições supranacionais,
TAELLA, 2007, p. 179). as grandes corporações capitalistas e outros poderes”
13. Representa a imagem que cada um escolhe para (2005, p. 10).
“vestir” o seu perfl. 25. Coleção de “folhinhas” de Rato. M. P. Disponível
14. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Pr em: <http://www.orkut.com.br/Main#Album?uid=2
ofle?uid=5507554538994582754>. 390390125825884039&aid=1242123866>. Acesso
15. “Xarpi: é o codinome do pixador criado numa estética em: 22 ago. 2012.
própria com letras estilizadas e sobrepostas, a estética da 26. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Albu
marca depende da imaginação do pixador. Um sujeito m?uid=16506895481688960513&aid=1309029031>.
fora do fenômeno da pixação não distingue as letras, Acesso em: 21 ago. 2012.
muito menos executa a leitura do apelido; Boneco: ou
Desenho. A assinatura não se traduz numa palavra, mas
num desenho simples executado somente por linhas;
letreiro: ou nome. É legível, conseguimos identifcar Referências bibliográfcas
as letras e é possível a leitura do apelido” (CHAGAS,
2012). Juliana Chagas, na sua monografa, indica, tam- BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotogra-
bém, que optará por utilizar o termo pichação com “x” a fa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
partir da seguinte justifcativa: “a palavra pichação, bem ______. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1992.
como suas derivações (pixar, pixo, pixador etc), serão
______. A aventura semiológica. São Paulo: Martins Fon-
grafadas com “x” porque é dessa forma que a fala dos
tes, 2001 (Coleção Tópicos).
nativos informam que as utilizam” (2012, p. 8). Eu pre-
feri utilizar o termo na sua grafa de uso mais universal. BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a
16. Gíria utilizada para identifcar a polícia. relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins
17. Não foi possível obter de todos os contatos efetuados, Fontes, 1999.
presencialmente ou virtualmente, dados relativos à BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrópole Moderna. São
faixa etária. Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
18. Mesmo contrariando as regras de formatação de tex- CANEVACCI, Mássimo. Comunicação visual: máscaras,
tos científcos, preferimos preservar os modos como visus, cinemas, vídeos, publicidades, artes, etnowebs.
os pixadores apresentaram seus escritos, seja nos bate- São Paulo: Brasiliense, 2009.

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O Signos urbanos juvenis: rotas da piXação no ciberespaço| 61

(realizadas por Juliana Chagas) Fuga R.M. “Rebeldes da Madrugada”, 35 anos, geração
Tubarão. Pixador de (1995 a 1999) e grafteiro desde 90. Entrevista na reunião dos G.D.R., “Garotos de
1999. Entrevista realizada em 2009. Rua”, no Cuca da Barra do Ceará, em: 4 mar. 2012.
Scorpion S.R. “Suicidas de Rua”. Entrevista realizada Cancão R.P.M. “Rebeldes Protestantes da Madrugada”.
pelo MSN em: 27 mar. 2010. Depoimento presente no vídeo “Fuga RM entrevista
Canção RPM”. Disponível em: <http://www.youtu-
Snow T.B. “Terrorista dos Bairros”. Entrevista realizada
be.com/watch?v=pokRBK086DE&feature=relmfu>.
pelo MSN em: 27 mar. 2010.
Acesso em: 30 abr. 2012.
Demo W.S. “Wild Street”. Começou com 13, 14 anos.
Raposão F.G. “Feras dos Grafteiros”. Entrevista realizada em
Hoje (2010), tem 28 anos. Entrevista realizada no
30 ago. 2009. Disponível em: <http://www.fotolog.com.
bairro Carlito Pamplona em: 16 set. 2010.
br/junimroots/38338020>. Acesso em: 5 maio 2012.
MALA W.S. “Wild Street”. Tem 14 anos (2010), come-
Fotógrafo da galeria Choque Cultural. Disponível
çou recentemente. Entrevista realizada no bairro Car-
em: <http://repique.blog.terra.com.br/2008/10/27/
lito Pamplona em: 16 set. 2010.
fotografo-conta-detalhes-da-pichacao-na-bienal/>.
Sask D.N.G. “Detonando no Grafte”. Entrevista re- Acesso em: 5 maio 2012.
alizada no bairro Carlito Pamplona em: 16 set.
Crazy G.F. Depoimento presente no vídeo “Fuga RM
2010.
& AMIGOS.mpg”. Disponível em: <http://www.
Boy L.D.P. “Loucos, Delinquentes e Psicopatas”, 14 youtube.com/watch?v=0EO-TfUFlgs>. Acesso em:
anos. Entrevista realizada no bairro Carlito Pamplona 5 maio 2012.
em: 16 set. 2010.
Déia R.P.M. Depoimento presente no vídeo: “Fuga
Snow T.B. “Terrorista dos Bairros”. Entrevista realizada RM Entrevista DEIA RPM.wmv”. Disponí-
na reunião dos V.S. no Polo de Lazer da Av. Leste vel em: http://www.youtube.com/watch?v=F0-
Oeste em: 26 mar. 2011. -tRZigSm4&feature=relmfu>. Acesso em: 5 maio 2012.
Snow T.B. “Terrorista dos Bairros”, entrevista realizada Raposão F.G “Feras dos Grafteiros”. Depoimen-
pelo MSN em: 21 nov. 2011. to presente no vídeo “Fuga, RM & AMIGOS.
Pango S.A. “Sujando e Anarquizando”. Tem 37 anos e mpg” . Disponível em: <http://www.youtube.com/
começou na pixação em 1989. Entrevista realizada watch?v=0EO-TfUFlgs>. Acesso em: 5 maio 2012.
durante a reunião dos G.D.R., “Garotos de Rua”, no Hugo foi BECK E.M. “Esquadrão Maligno”. Entrevista
Cuca da Barra do Ceará, em: 4 mar. 2012. realizada pelo MSN em: 9 maio 2012.
Seco G.D.R. “Garotos de Rua”, 32 anos, geração 90. En-
trevista na reunião dos G.D.R., “Garotos de Rua”, no
Cuca da Barra do Ceará, em: 4 mar. 2012.

autora Glória Maria dos Santos Diógenes


Pós-Doutoranda / ICS-UFC/ ISCTE-IUL

Recebido em 03/12/2012
Aceito para publicação em 09/11/2013

cadernos de campo, São Paulo, n. 22, p. 45-61, 2013

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