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ORQUIDÁRIO MUNICIPAL
5 REGIMES DE COTAS
Mais uma edição de Carolina Ramos
Santos Arte e Cultura , que nes-
6 (CON)SEQUÊNCIA
te mês traz o resultado do Con- Cláudio de Cápua
curso de Contos Jovem Talento 7 SALVEM A LUA
- Prêmio Stella Carr. O concur- José Candido Júnior
so surpreeendeu pela qualidade 8 SIMPLICIDADE
dos textos enviados e pela de- Raquel Naveira
monstração de cultura de nos- 9 A COMISSÃO DA VERDADE E A VERDADE
sos jovens. Fica a esperança de HISTÓRICA
que teremos assegurados novos Ives Gandra da Silva Martins
talentos literários para dar 10 CONCURSO DE CONTOS - 1º LUGAR: A
17 NOTAS CULTURAIS
O Editor
18 ESPAÇO DO LIVRO
Expediente
Editor - Cláudio de Cápua. MTB 80
Jornalista Responsável - Liane Uechi. MTB 18.190.
Editoração Gráfica - Liane Uechi
Revisão: Antonio Colavite Filho
Designer Gráfico - Mariana Ramos Gadig
Fotos: Gervásio Rodrigues
Capa: Orquidário Municipal, de J. A. Sarquis.
End.: Rua Euclides da Cunha, 11 sala 211. Santos/SP. E-mail: revistaartecultura@yahoo.com.br
Participaram desta edição: Carolina Ramos; Cláudio de Cápua; Clotilde Paul; Henrique Novak;
Ives Gandra da Silva Martins; José Candido Júnior; Juliana Cristine de Freitas Leite; Lilia Dinelli;
Maria Zilda da Cruz; Ney Paes Loureiro Malvásio; Raphaela Boechat e Raquel Naveira.
Os autores têm responsabilidade integral pelo conteúdo dos artigos aqui publicados.
Distribuição Gratuita. 5.000 exemplares.
Gosta de Trovas? A “União Brasileira de Trovadores”, seção de Santos, reúne-se na última terça-feira de cada mês, no IHGS, av. Conselheiro
Nébias, 689, às 16h. Compareça!
Sei que o assunto é tabu. E sei também que muita jovens. Que o regime de cotas seja analisado com maior cari-
gente, que pensa como eu, não se manifesta com receio de nho e substituído pelo empenho de dar oportunidade a todos,
ser chamada de racista, coisa que nunca fui, não sou e não indiscriminadamente, sem pender para medidas de pretenso
serei jamais. Por que o seria?! E como o assunto volta à baila, protecionismo, que acabam por resvalar, perigosamente,
agora aprovado por expressivos representantes das raças em para o estímulo ao racismo - degradante para qualquer nação
questão, atrevo-me a manifestar minha sincera opinião. Cor, e que pretendemos ver bem longe das nossas fronteiras.
raça e crença são fatores que não impedem que sejamos to- As Universidades, em colaboração importante, po-
dos chamados de irmãos. Tenho amigos de todas as raças e deriam unir esforços no sentido de oferecer oportunidades
minhas atitudes, minha poesia e particularmente as trovas, de aos que por elas anseiam, sem meios de alcançá-las, quer no
maior abrangência, provam o que digo. ensino fundamental, como no médio. Com infraestrutura de
Abomino o preconceito, mas, já fui alvo dele, em Be- base, as chances de chegar ao ensino superior seriam as
thesda, EUA, em 75, quando, ao ver um garoto, de uns doze mesmas, sem favorecimentos discutíveis, calcados na cor da
anos, sem uma perna, jogar basquete entusiasticamente, em pele e não na capacidade do aluno. E o que dizer, então, do
cadeira de rodas. Não consegui conter as lágrimas! E ante a incentivo à busca de gotas de sangue ancestral, ora privile-
emoção, que eu procurava ocultar, ouvi uma enfermeira, afro- giado, com vistas a passar por cima de outro portador dos
descendente, dizer: - “Raça fraca! O menino está feliz, por mesmos direitos, mas que não tem em suas veias gotas des-
que chorar?!” - e o desdém expresso no olhar acusador era se mesmo sangue? O aluno, ao assumir essa atitude, recebe-
mais contundente do que as palavras. Não a culpei. Talvez ela rá, amanhã, o seu diploma com o mesmo respeito que o rece-
ainda não soubesse, como eu soubera, que aquele “menino beria, caso fruto de leal competitividade?
feliz”, ante o avanço do mal, estava prestes a perder a perna O regime de cotas, repito, é estimulador do racismo.
que lhe restava. Continuo não racista e poderia prová-lo com Como se sentirá o estudante classificado em igualdade de
expressivos exemplos. Assim, sinto-me com direito de, es- situação, ou, o que é pior, com nota superior, e, apesar disso,
pontaneamente e sem filtros, emitir minha opinião sobre a vendo-se preterido apenas porque a pigmentação de sua pele
questão das “cotas” nas universidades. é mais clara que a do escolhido?
Com todo o respeito e plena convicção, considero Seres humanos são apenas seres humanos, não im-
esta medida absurdamente racista! O Brasil tem alunos ca- porta a cor que tenham. E as oportunidades devem ser, tam-
rentes seja lá qual for a origem. Jovens que precisam de infra- bém, as mesmas para todos. Nada de privilégios, favoreci-
estrutura escolar, desde os primeiros passos. Jovens que têm mentos injustos, que depreciam o favorecido, seja ele quem
sonhos, querem crescer e ter oportunidades para ser alguém. for. Importa é subir por mérito, conquistar etapas, ombro a
Todos eles, seja lá qual a cor da pele, têm direito ao ombro, passo a passo, sem o constrangimento inicial de sa-
acesso a escolas e faculdades que lhes facultem realizar suas ber que seu êxito foi referendado por uma lei controvertida,
mais sadias ambições. Contudo, este é um problema situado até mesmo perversa, que a ninguém dignifica. Nossos estu-
além das suas possibilidades, acima deles, que não pode ser dantes carentes, tenham a origem que tiverem, não precisam
resolvido por eles, mas que todos eles querem ver soluciona- de falsa ajuda, que os deprecie, e, sim, de justiça e ensino de
do, antes que o tempo os arraste para longe do objeto dos base, que os coloquem em pé de igualdade, aptos para com-
seus sonhos. E a quem caberá a resolução deste importante petir, num mesmo patamar, com gente da mesma altura.
dilema? Dilema que não envolve apenas uma só raça caren- Merece destaque o esforço da UNESP de Dracena,
te, mas a população brasileira como um todo. Um todo caren- com seu Cursinho Pre-Vestibular, que já vem aprovando estu-
te que repudia a discriminação de cor, ou outra qualquer. Um dantes nos vestibulares de Universidades públicas. Este Cur-
todo a exigir as mesmas atenções, sem escolhas discrimina- sinho prepara alunos, vindos da rede pública, de comprovada
tórias! A resposta, portanto, é uma só. Cabe ao governo e aos carência econômica. Ao que parece, o fio do novelo começa,
educadores, de mãos dadas, levar a bom termo a solução enfim, a ser puxado! Que assim seja.
deste dilema. Solução que óbvia e absolutamente não pode
incluir o sistema de cotas, que funciona como agravante.
Quanto o Brasil deve ao braço afro, como ao braço
de outro qualquer imigrante europeu ou oriental! Foi o traba-
lho, a força e o suor desses braços que elaboraram os alicer-
ces da pátria brasileira. A raça negra, particularmente, é raça Carolina Ramos é poetisa e escritora, vice-presidente do
sofrida, valorosa, que merece profundo respeito e principal- Conselho Nacional da União Brasileira dos Trovadores -
mente justiça. E, não, favores discutíveis, pouco edificantes! UBT e presidente da UBT/Santos; Secretária Geral do
Instituto Histórico e Geográfico de Santos. Pertence à
Melhor seria que nossos governantes e todos aque- Academia Santista de Letras - ASL, à Academia Feminina
les ligados a este assunto bastante grave pensassem menos de Ciências, Letras e Artes de Santos - AFCLAS e à
apaixonada e mais objetivamente sobre esta questão educa- Academia Cristã de Letras de São Paulo - ACL
tiva de tão grande responsabilidade para o futuro dos nossos
A História apresenta-se
através dos tempos, por voltas e re-
viravoltas, de século para século, de
geração para geração, em todas as
áreas, transformações.
São exemplos a revolução
científica, a transformação política, a
mudança artística e a nova forma es-
tética no contexto histórico da huma-
nidade.
Na era moderna, a Filosofia
demarca os limites do pensamento
humano, determina os parâmetros
para o uso do saber; através da Filo-
sofia, decide-se o conhecimento, di-
ferenciam-se o falso do verdadeiro e
as crenças, onde existe só o ato de
fé.
Através da Filosofia e da
Arte, um mundo novo pode ser mol-
dado.
Antes de encantar os ou-
tros, é necessário encantar a si mes-
mo, desvelando um novo mundo de
conhecimento. Qual é o desafio? É
um desejo enorme de saber, uma
vontade de aprender e divulgar tudo
isso, em benefício da evolução do
ser e do próprio planeta. É um fator
de dignidade, de cidadania e de na-
cionalidade.
Horácio, filósofo latino, em sua Arte Poética, acon- heróis, do tom das fábulas que misturam Uiaras, índios e
selhava aos poetas: “faze tudo o que quiseres, contanto que bandeirantes.
o faças com simplicidade” (Tringali, 1994). Menotti Del Picchia em “Juca Mulato” exalta a natu-
Rainer Maria Rilke, poeta alemão, no seu célebre reza, a ânsia de viver, a coragem de sofrer, a busca da feli-
livro Cartas a um jovem poeta, recomendava aos poetas: cidade, a vitória sobre si mesmo.
“Aproxime-se da natureza”, “fuja dos motivos gerais para Seria imensa a lista dos poetas que me são caros
aqueles que sua própria existência cotidiana lhe oferece”, na sua elevada simplicidade.
“volte-se para sua infância”, “busque o âmago das coisas”, Talvez neste ponto os mais críticos me perguntas-
“ame o insignificante”. (Rilke, 1990). sem: a que simplicidade você está se referindo, à da forma
O caminho para viver e escrever bem é este: o da ou à do conteúdo?
simplicidade. A rigor, forma e conteúdo são inseparáveis, mas
Observo as pessoas sedentas de paz, de liberdade para mim o conteúdo é o elemento prioritário, é o conteúdo
interior, de sobrenatural. No entanto, equivocadas, buscam que determina a renovação e não a forma. Concordo com
essas experiências no tarô, nos cristais, nas runas, no zodí- Ferreira Gullar quando afirmou no livro Vanguarda e Subde-
aco, nas especulações sobre seres espaciais. Perdemos a senvolvimento:
simplicidade, aquela que nos faz crianças, seres atentos, “...a orientação da linguagem poética no sentido da ruptura
capazes de olhar com espanto e surpresa um abacaxi, uma radical com a linguagem comum distancia o poeta do público
taturana, um sabiá, um riacho claro. A magia está tão perto e sobrepõe os problemas poéticos aos problemas humanos
de nós, dentro de nós, em tudo que há na terra e no céu. À e sociais, de importância fundamental num país como o nos-
nossa volta, a vida é um milagre no qual estamos mergulha- so. Isso não quer dizer que o poeta deva abdicar de pesqui-
dos, como peixes no mar. Lembrei-me do poema “Prepara- sar a linguagem e de buscar novas formas de expressão,
ção para a morte”, de Manuel Bandeira: mas que essa busca deve ser feita visando às necessidades
A vida é um milagre./Cada flor,/ Com sua forma, sua reais da poesia dentro do contexto histórico-social em que
cor, seu aroma,/ Cada flor é um milagre./ Cada pássaro,/ vivemos” (Gullar, 1984).
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,/Cada pássaro é Meu desejo é o de criar uma poesia simples, espon-
um milagre./ O espaço, infinito,/ O espaço é um milagre,/ O tânea, culta, profunda, cheia de imagens e sinestesias, que
tempo, infinito,/ O tempo é um milagre./ A memória é um se identifique com a alma e a natureza. Uma poesia que se
milagre./
A consciência é um milagre./ Tudo é milagre./ Tudo, entenda, que se ame, que deleite, que faça sentir beleza,
menos a morte./ Bendita a morte, que é o fim de todos os que ensine, que cure.
milagres (Bandeira, 1979:141). Quero ter a simplicidade de reunir à minha volta os
Sim, esta é a verdadeira experiência transcenden- meus leitores e dizer:
tal: a renúncia, a aceitação, louvar e participar do grande -Venham, ouçam este poema que escrevi agora e
milagre da vida. que está quentinho.
Como Deus é simples. Escolheu o pão para ser seu
corpo por toda eternidade. Se podemos nos alimentar de
algo tão puro como o corpo de Deus, o que nos falta? Por
que O buscamos em vão, onde ele não está?
Debruço-me sobre a poesia de alguns de meus po-
etas preferidos e ali encontro a mesma trilha, o mesmo cami-
nho: a simplicidade.
Drummond escreve sobre esse “José” angustiado,
esse “José” do povo que busca uma solução para os seus
problemas, marchando, fugindo, resistindo; sobre sua cida-
dezinha de Itabira, cheia de ferro nas calçadas e nas almas;
sobre o menino que, sem saber, tinha uma história mais bo-
nita que a de Robson Crusoé.
Adélia Prado volta-se para sua casa pintada de ala-
ranjado brilhante; para os objetos de seu dia-a-dia como “um
bule azul com um descascado no bico” e “uma garrafa de
pimenta pelo meio”.
Cora Coralina encarna as caboclas velhas, as lava-
deiras do Rio Vermelho, as cozinheiras, as roceiras, as mu-
lheres da vida.
Gabriela Mistral descreve a mesa posta: o sal, o Raquel Naveira é graduada em Direito e Letras, Mestre
azeite, o pão, a espiga; embala crianças no seu seio de mãe em Comunicação e Letras pelo Mackenzie e Douto-
adotiva; cria uma poesia dura e acolhedora como a pedra e randa em Literatura Portuguesa, na USP. Professora
a fruta. da Pós-Graduação da UNINOVE, poeta, escritora com
Cassiano Ricardo em seu épico poema paulista diversos títulos publicados. Pertence à Academia Sul-
“Martim Cererê” aproxima-se dos meninos, dos poetas, dos -Mato-Grossense de Letras e ao Pen Clube do Brasil.
Depois de muita expectativa ―e com grande exposi- O terceiro reparo é que alguns de seus membros pre-
ção na mídia― foi constituída Comissão para “resgatar a ver- tendem que a verdade seja seletiva. Tortura praticada por guer-
dade histórica” de um período de 42 anos da vida política na- rilheiro não será apurada, só a que tenha sido levada a efeito
cional, objetivando, fundamentalmente, detectar os casos de por militares e agentes públicos. O que vale dizer: lança-se a
tortura na luta pelo poder. imparcialidade para o espaço, dando a impressão que guerri-
A história é contada por historiadores, que têm postu- lheiro, quando tortura, pratica um ato sagrado; já os militares,
ra imparcial ao examinarem os fatos que a conformaram, visto um ato demoníaco. Bem disse o vice-presidente da República,
serem cientistas dedicados à análise do passado. Os que am- professor Michel Temer, em São Paulo, no dia 17/05/2012, que
bicionam o poder fazem a história, mas, por dela participarem, os trabalhos da Comissão devem ser abrangentes e devem
não têm a imparcialidade necessária para a reproduzir. procurar descobrir os torturadores dos dois lados.
A Comissão da Verdade não conta, em sua composi- O quarto reparo é que muitos guerrilheiros foram trei-
ção, com nenhum historiador capaz de apurar, com rigor cien- nados em Cuba, pela mais sangrenta ditadura das Américas no
tífico, a verdade histórica da tortura no Brasil, de 1946 a 1988. Século XX. Assassinou-se, sem direito a defesa, nos paredões
O primeiro reparo, portanto, que faço à sua constitui- de Fidel Castro, mais pessoas que na ditadura de Pinochet,
ção é que “não historiadores” foram encarregados de contar a onde também houve muitas mortes sem julgamento adequado.
história daquele período. Conheço seis dos sete membros da Um bom número de guerrilheiros não queria, pois, a democra-
Comissão e tenho por eles grande respeito, além de amizade cia, mas uma ditadura à moda cubana. Radicalizaram o pro-
com alguns. Não possuem, no entanto, a qualificação científi- cesso de redemocratização a tal ponto, que a imprensa passou
ca para o trabalho que lhes foi atribuído. a ser permanentemente censurada. Estou convencido que este
O segundo reparo é que estiveram envolvidos com radicalismo e os ideais da ditadura cubana que os inspirou ape-
os acontecimentos daquele período. Em debate com o ex-de- nas atrasaram o processo de redemocratização e dificultaram
putado Ayrton Soares, em programa de Mônica Waldvogel, uma solução acordada e não sangrenta.
perguntou-me o amigo e colega - que defendia a constituição O quinto aspecto, que me parece importante desta-
de Comissão para essa finalidade, enquanto eu não via ne- car, é que, a meu ver, a redemocratização deveu-se ao trabalho
cessidade de sua criação – se participaria dela, se eu fosse da OAB, que se tornou a voz e os pulmões da sociedade. Lide-
convidado. Disse-lhe que não, pois, apesar de ser membro da rada por um brasileiro da grandeza de Raimundo Faoro, conse-
Academia Paulista de História, estive envolvido nos aconteci- guiu, inclusive, em pleno período de exceção, com apoio dos
mentos. Inicialmente, dando apoio ao movimento para evitar a próprios guerrilheiros, aprovar a lei da Anistia (1979), permitin-
ameaça de ditadura e garantir as eleições de 1965, como, de do, pois, que todos voltassem à atividade política. A OAB, subs-
resto, fizeram todos os jornais da época. No dia 2 de setembro tituindo as armas de fogo pela arma da palavra, deu início à
de 1964, o jornal “O Globo”, em seu editorial, escrevia: “Vive a verdadeira redemocratização do país.
nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os pa- Por fim, num país que deveria olhar para o futuro, em vez de
triotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias remoer o passado - tese que levou guerrilheiros, advogados e
ou opinião sobre problemas isolados para salvar o que é es- o próprio governo militar a acordarem a Lei de Anistia, colocan-
sencial à democracia, a lei, a ordem”. do uma pedra sobre aqueles tempos conturbados – a Comis-
A partir do Ato Institucional n. 2/65, que suprimiu as são é inoportuna.
eleições daquele ano, opus-me a ele, ao ponto de, em 13 de Parafraseando Vicente Rao: esta volta ao pretérito
fevereiro de 1969, ter sido pedido o confisco de meus bens e parece ser contra o “sistema da natureza, pois, para o tempo
a abertura de um inquérito policial militar sobre minhas ativi- que já se foi, fará reviver as nossas dores, sem nos restituir
dades de advogado, por defender empresa que não agradava nossas esperanças” (O Direito e a vida dos direitos, Ed. Revis-
ao regime. O mais curioso é que continuei como advogado, ta dos Tribunais, 2004, p. 389).
tendo derrubado a prisão de seus diretores, no STF, em 1971, Estou convencido que tudo o que ocorreu, no passa-
por 5 x 3, à época em que os magistrados não se curvavam ao do, será, no futuro, contado com imparcialidade, não pela Co-
poder da mídia ou dos detentores do poder. Embora arquiva- missão, mas por historiadores, que saberão conformar para a
dos os dois pedidos, o fato de ter sido anunciada a abertura do posteridade a verdade histórica de uma época.
processo contra mim, pelos jornais, com grande sensaciona-
lismo, tive minha advocacia abalada por alguns anos. Nem por
isto pedi indenizações milionárias ao governo atual e nem pe- Dr. Ives Gandra da Silva Martins é Professor Emérito das
direi. À época, apoiei a Anistia Internacional, tendo entrado Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O
ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-
para seus quadros sob a presidência de Rodolfo Konder, e fui -Maior do Exército - ECEME e Superior de Guerra - ESG; Professor
conselheiro da OAB-SP por 6 anos, antes da redemocratiza- Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de
ção. À evidência, faltar-me-ia, por mais que quisesse ser im- Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa da
parcial, a tranquilidade necessária para examinar os fatos com Universidade de Craiova (Romênia) e Catedrático da Universidade
do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da
isenção. Envolvidos da época não podem adotar uma postura FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro
neutra, ao contar os fatos históricos de que participaram. de Extensão Universitária.
Ontem fui surpreendida pela notícia da morte de lhor, serve apenas para alimentar o fogo que logo o transfor-
René. Era uma daquelas mortes que não causam grande mará em cinzas.
dor, não porque o morto fosse indesejável ou um daqueles A minha essência, por sua vez, verdadeiras doutri-
amigos que nada respresentam. nas e filosofias, poderá muito bem estar aqui junto de vocês
O René era muito engraçado e uma de suas carac- assistindo agora esta cerimônia. Lágrimas e lamentações,
terísticas era a de ser sempre o melhor em tudo. Se você portanto, são desnecessárias, pois não vale se lamentar
dissesse que almoçou com o príncipe, ele já teria almoçado neste momento.
com o rei; se você dissesse que falou com um dos discípu- Vivi intensamente, alegrei-me, visitei lugares, con-
los de Cristo, ele já teria passado um final de semana com vivi com vocês, conheci muitas mulheres, bebi, desejei, bri-
Deus. guei, compreendi, chorei, plantei uma árvore, dormi no sere-
Sua morte foi recebida com certa displicência. Era no, etc. Só lamento que não consegui escrever um livro;
como se todos dissessem: “Ele logo estará no comando do quem sabe na próxima encarnação.
Céu ou do Inferno...” Acho que fiz bem mais do que sonhava fazer. Por-
Como não poderia deixar de ser, sua cremação foi tanto, meus amigos, parto feliz, vou para o lugar que me foi
muito diferente. destinado com um sorriso aberto.
Fomos convidados a nos sentar numa plateia de Por fim, peço que me perdoem pelas dívidas que
um palco todo vermelho com poltronas em azul, duas colu- deixo com alguns que hoje estão aqui, rogando que não as
nas prateadas ladeavam o caixão e jazia em uma mesa de cobrem de meus parentes, porque, com muitos deles, tam-
mármore acomodada sobre pedestais. As paredes escor- bém deixo alguma dívida.
riam fontes de água. O teto era branco com vários relevos Agora que liberá-los, chega de encenação e perda
em gesso permeados por uma frágil luz azul da qual não era de tempo comigo, porque um dia, queiram ou não, todos nós
possível dizer de onde partiam. Era um salão para ninguém nos encontraremos.
indicar defeitos e muito à altura das fanfarronices de René. A plateia estava atônita com aquelas palavras, uns
O salão estava lotado, todos sentados aguardando com cara de assustados, outros rindo e outros ainda sem
os passos seguintes da cerimônia. qualquer expressão.
Certo momento, um tio de Renê levanta-se e toma Aquela atitude somente poderia partir de uma pes-
lugar em uma pequena tribuna com microfone. Todos param soa como René.
para ouvir, talvez, algumas palavras de agradecimento ao Orei um Pai-Nosso e uma Ave-Maria: que Deus o
falecido. O cidadão retira de seu bolso um envelope lacrado, tenha em bom lugar.
anunciando que René havia solicitado que o envelope deve-
ria ser lido na cerimônia final de seu velório.
A plateia ajeita-se nas cadeiras, sur-
presa.
A leitura é iniciada, dizendo, do que me
recordo, mais ou menos assim:
Boa tarde. Primeiro, gostaria de me
desculpar do enorme contratempo que ocasio-
nei na rotina de suas vidas. Gostaria de agrade-
cer também a todos que hoje aqui comparece-
ram e os que, por uma razão ou outra, não
puderam vir.
A vida, separado o corpo da alma, não
é nada. Portanto, meus amigos, aquele que jaz
no caixão à sua frente não sou eu, ali reside ago-
ra apenas um corpo sem qualquer valor, ou me-
10
MEMÓRIA
JULIANA CRISTINE DE FREITAS LEITE
Amadeu Amaral, numa crônica publicada em 1918, blicar algumas poesias no Correio Mercantil e, rapidamente,
afirmava: “Paulo Eiró foi, cronologicamente, o primeiro poeta retornou a Santo Amaro.
verdadeiro que São Paulo pode-se orgulhar, - de que se po- De seu primeiro contato com Santos, quando ficou
derá orgulhar quando o conhecer, como é preciso, como é hospedado na casa do médico Firmino José Mária Xavier,
indispensável que o conheça. Esperamos que alguém se ficou uma poesia dedicada à prima Carolina, “Barra de San-
incumba da apresentação, nos moldes que o valor do des- tos”. A prima Carolina, solteira na ocasião, casou-se mais
venturado moço merece, isto é, através de uma edição con- tarde com o Dr. Vieira de Carvalho, professor da Faculdade
veniente dos mais perfeitos dos seus versos”. Em 1936, por de Direito de São Paulo. A poesia “Barra de Santos” certa-
ocasião do centenário do seu nascimento (Paulo Eiró nas- mente é um dos mais antigos registros poéticos da praia
ceu em 15 de abril de 1836, em Santo Amaro–SP), algumas santista de que se tem notícia. Do seu contato com a cidade
de suas poesias, ou parte delas, até então inéditas, foram portuária, o que impressionou o poeta mesmo foi a beleza
divulgadas em conferências realizadas pelo mesmo Amadeu da praia, à qual não se cansa em enaltecer: “Quem te deu
Amaral e também por Valdomiro Silveira, Cesar Salgado, tamanho encanto?”.
Mário Vilalva, entre outros.
No entanto, apenas em 1940 parte da obra de Eiró BARRA DE SANTOS (Carolina)
teve, pela primeira vez, uma divulgação representativa e a
nível nacional, com a publicação de sua biografia romancea- Praia, que o mar brandamente / repele ou acaricia, / em que as
da, de autoria de Afonso Schmidt (nascido em Cubatão, em auras vêm carpir-se / à volta do meio dia,/ e a tarde espalhar
29 de junho de 1890). A obra biográfica foi lançada na Cole- frescura,/ sombras e melancolia; / Linda praia, debruada / de
ção Brasiliana, acrescida de um apêndice contendo uma se- alvejante, fina areia, / porque só tua lembrança /o espírito me
leção das poesias de Eiró, organizadas e anotadas por José encandeia?/ Quem te deu tamanho encanto? / Onde está tua
A. Gonsalves, sobrinho-neto do poeta romântico que tam- sereia? / À solidão de minha alma / chega teu som lastimoso, /
bém foi dramaturgo (autor de “Sangue Limpo”, drama apre- eco prolongado e triste / de cavo búzio
sentado em 2 de dezembro de 1861) e um precursor do re- lustroso; / meu coração todo abala,
publicanismo e abolicionismo, além de iniciador da coleta de / qual voz de amigo extremoso. /
quadrinhas e modinhas folclóricas. Paulo Eiró é conhecido Vejo a ti, pégo infinito, / como
como o poeta que verdadeiramente “morreu louco de amor”, a um cativo sultão, que ora,
apaixonado por sua musa que o deixou para casar com ou- com pátrios cantares, / sua-
tro. viza a escravidão, / ora,
Há registros de que Paulo Eiró tenha estado duas espumando, se atira/
vezes em Santos. A primeira vez, em 1855, com 19 anos de contra as grades da pri-
idade, acompanhando sua família e, na segunda, em 1861, são. / Vejo-te a face que
já impulsionado pelos frequentes delírios ambulatórios, pas- o posto/ sol doura, aver-
sou por Santos para engajar-se no navio Japuraná e ir ao melha, inflama, / e o ho-
Rio de Janeiro, onde ficou por alguns dias. Lá chegou a pu- rizonte que se ignora/
onde repousa,
onde clama,/
como um segun-
do oceano / que
sobre ti se derra-
ma./ Vejo, surgin-
do das águas, / a
solitária “Moela”; / o
cabo que se adianta /
e, ao longe, perdida
vela... / vejo a “terra da sau-
dade”! / das praias vejo a mais
bela ! Paulo Eiró, aos 18
Santos, 1855. anos, um ano antes
de escrever “Barra de
Santos”.
ESCULTURAS EM CARRARA
Um grupo de
escultores brasileiros do
Em 11 de maio, Ney Malvásio
Newton Santanna ate-
tomou posse no Instituto Histórico e
lier foram para a cidade
Geográfico de Santos, na cadeira 33 - de Carrara, Itália, fazer
General Dionísio Evangelista Castro curso de escultura em
Cerqueira. Na ocasião, lançou sua mármore no atelier Arco
obra “Distantes Estaleiros: arsenais de Arte, sob o comando do
Marinha e a reforma naval pombalina”. professor Boultros.
O livro já se encontra nas livrarias Sa- Da esquerda
raiva. Para professores, a aquisição para a direita: Newton
pode ser realizada com desconto direto Santanna, Thiago Ca-
na Editora. giano, Rosalva Siqueira, Mana Celani, Boutros Romhein, Bete Pimentel, Lilli Vilela,
www.livrariadapaco.com.br Mabel Di Bastiano e Rodrigo Andreotti.
DISTANTES ESTALEIROS
MOTIVOS E MATIZES
NEY PAES LOUREIRO MALVASIO
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
SAUDADE