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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

ADRIELLY MOREIRA DA SILVA

A PERMANÊNCIA DAS MULHERES NEGRAS EM TRABALHOS


SUBALTERNOS

São Bernardo do Campo

2020
A PERMANÊNCIA DAS MULHERES NEGRAS EM TRABALHOS
SUBALTERNOS

Adrielly Moreira da Silva

RESUMO: O presente ensaio pretende demostrar os processos históricos e sociais que


tange à atual situação precária da mulher negra no mercado de trabalho brasileiro desde
a colonização do Brasil. Para além disso, apresenta as dificuldades encontradas por elas
durante essa trajetória a partir de dados para comprovação da permanência da
desigualdade entre esse grupo social e os demais.

Palavras-Chave: Sexismo. Racismo. Mulher negra. Mercado de Trabalho.

INTRODUÇÃO

A interccionalidade - quando duas ou mais identidades sociais marcadas por


opressão e dominação se cruzam - está presente no cotidiano brasileiro desde o Brasil
como colônia de Portugal. E isso se deu devido a diversos fatores históricos com
influências externas que chegaram até aqui.

Como qualquer causa relacionada à minorias sociais, a dificuldade referente ao


mercado de trabalho para a mulher negra no Brasil, se encontra entre um dos problemas
principais a serem resolvidos a partir de políticas públicas de Estado.

Para combater um problema designado como estrutural de faz necessário


entender como se criou essa estrutura, para isso, compreender os processos históricos e
como está situado o sistema econômico de uma sociedade contribui para o planejamento
de futuras ações.

Dado o apresentado, este estudo pretende agregar ao conhecimento do leitor, a


partir de sessões coesas, os impactos que a superioridade do homem branco causa, em
especial para a mulher negra, oprimida em decorrência do racismo e sexismo no Brasil.
1 Mulheres negras entre a escravidão e pós-Abolição

No período de expansão marítima em busca de riquezas nos séculos XV e XVI,


o Brasil - ainda não constituído desta forma - se torna colônia de Portugal. Após se
passado o tempo, foi visto pela Coroa Portuguesa uma oportunidade de extrair lucro do
país, dado o fato, o Brasil se tornou efetivamente uma colônia de exploração que mais
adiante utilizaria o trabalho escravo negro como parte de sua renda.

Logo, o primeiro navio negreiro, com escravos vindos da África para o Brasil,
chegou em 1525 e esse ciclo se estabeleceu legalmente até 1866. Foram mais de 300
anos marcados por uma constante exploração e violência física e psicológica dos
senhores brancos contra os seus escravos negros. As mulheres, além de serem vítimas
da exploração para trabalhos pesados - ignorando todo o ideal de feminilidade da época
- e das torturas com açoites, eram suscetíveis a outros tipos de violência, como discorre
Ângela Davis sobre a escravidão:

Mas as mulheres também sofriam de forma diferente, porque eram


vítimas de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros que só poderiam
ser infligidos a elas. A postura dos senhores em relação às escravas era
regida pela conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se
fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando
podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas
às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição de
fêmeas. (DAVIS, 2016)

Sob a ótica marxista, a escravidão é considerada a forma mais cruel da opressão


capitalista, por chegar a subjugar, torturar e matar pessoas a favor do lucro, em que a
dor do uns serviram para o triunfo de outros, como pregava os Panteras Negras “ a
escravidão é o capitalismo ao extremo.” (Black Panthers Speak, 1970) Entretanto, foi o
próprio capitalismo que decidiu 300 anos depois que para a continuidade do lucro seria
necessário abolir a escravatura.

Depois de abolida, em 1888, a esperada liberdade dos negros foi refletida no


abandono. De acordo com o levantamento feito pelo historiador João José Reis, mais de
700 mil vidas negras sem ter onde morar e trabalhar, ficaram esquecidas às margens da
sociedade.
A preocupação pelo destino do escravo se mantivera em foco enquanto
se ligou a ele o futuro da lavoura. Ela aparece nos vários projetos que
visaram regular, legalmente, a transição do trabalho escravo para o
trabalho livre, desde 1823 até a assinatura da Lei Áurea. [...] Com a
Abolição pura e simples, porém a atenção dos senhores se volta
especialmente para seus próprios interesses. [...] A posição do negro no
sistema de trabalho e sua integração à ordem social deixam de ser
matéria política. Era fatal que isso sucedesse. (FERNANDES, 2013)

Além de carregarem o fardo de serem ex-escravas, pretas e pobres, as mulheres


também sofriam as consequências referente ao gênero, em uma sociedade na qual o
patriarcado era mantido pelo apoio dos costumes, tradição, justiça, medicina e igreja.
(CORREA apud BARTOCONCELO, 2018). Emile Durkheim, um sociólogo francês de
grande prestígio, classificaria estes antes citados como instituições sociais, essas têm o
poder de moldar o pensamento e atitudes de uma sociedade, impondo-os a eles o modo
que devem agir sujeitos a sansões, que nem sempre são nítidas. Essa corrente de
pensamento será de grande importância para entender a permanência dessa estrutura de
sociedade posteriormente.

Para que conseguissem sobreviver, em um Brasil que continuava com a opressão


nas relações capitalistas, essas mulheres negras se sujeitavam à trabalhos mal
remunerados no ambiente privado, semelhantes a algumas funções exercidas por estas
no período de escravidão, como: trabalhos domésticos, amas de leite e muitas vezes
sendo condicionadas à prostituição para obter um sustento que não lhes eram
garantidos.

2 O retrato da escravidão nos séculos subsequentes

Por um longo período, o trabalho era associado somente a homens, as mulheres


brancas eram vistas como rainhas do lar, tomadas por todo o ideal de fragilidade e
feminilidade. Contudo, as mulheres negras não adentravam nesses ideais e ainda após a
escravidão continuavam a exercer trabalhos brutos. (DAVIS, 2016) Enquanto umas não
cessavam de se fadigarem devido ao trabalho, outras almejavam esse direito e a
normalização.
Logo, a entrava da mulher brasileira no mercado de trabalho se deu,
expressivamente, na década de 40, com a industrialização, quando houve a falta de
trabalhadores homens para esses postos. Então, as mulheres brancas adentraram, porém
as mulheres negras, por não possuírem qualificação devido ao abandono estatal dessas
que antes estavam em condições de escravidão, não conseguiam cargos com melhores
condições financeiras e de trabalho, o que levou essa desigualdade aumentar
substancialmente.

Haja vista, o reflexo dessa desigualdade social se perdura por longos anos, e até
os dias atuais se encontra em grandes proporções mulheres negras em desvantagens em
relação às mulheres brancas. Ainda que o Brasil esteja em patamares mais elevados de
desenvolvimento econômico, essas mulheres negras continuam a exercer trabalhos
subalternos e receber os menores salários, mesmo após a consolidação das ações de
cotas raciais para inserção do negro nas universidades em 2012, os índices continuam
baixos. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Desigualdades Sociais por Cor ou Raça de 2019, mulheres pretas e
pardas recebem menos na metade dos salários de homens brancos. Ademais, essa
pirâmide de privilégios, ainda no século XXI conta com as mulheres negras na base,
seguindo dos homens negros, mulheres brancas e os homens brancos do topo, para
confirmar o que Elza Soares cantou “A carne mais barata do mercado/ é a carne negra
[...]/ E vai de graça pro subemprego” (ELZA SOARES, 2002)

3 Desafios para conquista e permanência

Voltando alguns anos na História, nota-se que desde o início o Brasil conta com
uma estrutura sexista e racista, e essa é a realidade que mulheres negras estão inseridas
diariamente. Portanto, além das desigualdades devido ao gênero, essas mulheres
também sofrem as consequências devido à cor. Retomando a uma ideia desenvolvida
anteriormente, conclui-se que as instituições sociais de Durkheim mantiveram, ainda
que de maneira obscura, esses ideais a favor do capitalismo, favorecendo por séculos o
homem branco.

Nesse sentido, fica evidente que modelos hegemonicamente


cristalizados pelo capitalismo e pela sociedade patriarcal e machista não
se rompem facilmente, sendo a mão de obra negra feminina atrelada à
subalternização. [...] A atribuição dos trabalhos considerados inferiores
e submissos às mulheres negras, demonstra a continuidade da opressão
presente nas relações capitalistas, marcadas pelas relações de gênero,
pelo racismo e condição de classe. (AZEREDO; AZEREDO;
BRANDÃO, 2019)

Sendo assim, se constitui essa estrutura social atualmente, que subestima a


capacidade produtiva e intelectual de pessoas referente ao gênero, cor de pele, cabelos
crespos e cacheados, negando assim o acesso à riqueza desse grupo social para que se
mantenha a divisão entre os opressores e os oprimidos.

Além de serem as que mais sofrem as consequências do desemprego, um


levantamento a partir de dados da PNAD, concluiu que quase 20% das mulheres negras
empregadas trabalham com serviços domésticos, seguindo por limpeza em
estabelecimentos, balconistas e vendedoras.

Umas das razões para a permanência de trabalhos subalternos para a mulher


negra se dá recorrente ao racismo no processo de admissão. Para mais, o preconceito
também ocorre mediante às características físicas das próprias negras, na qual negras
com cabelos alisados possuem mais chances de conseguirem ocupar vagas de empregos
em relação às com seus cabelos naturais ou tranças aponta pesquisa da Duke University.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Baseados nos dados, citações e argumentos apresentados, o reflexo das relações


capitalistas que trouxeram longos anos de escravidão ao Brasil, se perpetuam até hoje
junto com o sexismo sustentado por diversas instituições sociais existentes que
formaram uma sociedade estruturada nessas características, que trabalham para manter a
dominação do homem branco, desfavorecendo a todo custo a mulher negra.

O descaso e negligência estatal em relação a esses problemas só contribuiu para


que eles aumentassem substancialmente, uma vez que, somente em 2012 se consolidou
através de cotas o acesso à universidade para negros no Brasil. Mesmo com este acesso
concedido, as mulheres negras encontram inúmeras dificuldades para conquistar e se
estabelecer em ambientes de trabalho devido ao sexismo e racismo aqui existentes, que
as condicionam a se manterem na baixa classe social.
Em suma, devido a esses problemas antes apresentados, conclui-se a necessidade
da vertente negra do feminismo, porque o feminismo branco só alcança a questão do
gênero, mas a mulher negra vive na opressão da interseccionalidade entre gênero e raça.

REFERÊNCIAS

AZEREDO, Verônica; AZEREDO, Ive; BRANDÃO. Ângela Davis: Dor e Opressão


da mulher em suas resistências e lutas históricas. Revista Debates Insubmissos, v. 2,
n. 7, (p. 46-66.) 2019.

BORTONCELLO, Sara. Gênero, Cor e Classe: a invisibilidade da mulher no Pós-


abolição. Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2018.

CAMAZANO, Marina; ESTARQUE, Priscila. Negras ganham menos e sofrem mais


com o desemprego do que as brancas. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/10/negras-ganham-menos-e-sofrem-
mais-com-o-desemprego-do-que-as-brancas.shtml>. Acesso em: 03 de dezembro de
2020.

DAVIS, Ângela. Mulheres, raça e classe. Trad. Heci Regina Candiani São Paulo:
Boitempo Editorial, 2016.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes, vol. 2.


Globo livros, 2013.

HAIDER, Asad. Armadilha da identidade. Raça e classe nos dias de hoje. São Paulo:
Editora Veneta, 2019.

REIS, João José. Nos achamos em campo a tratar da liberdade: a resistência negra
no Brasil oitocentista. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a
experiência brasileira. São Paulo: Senac, 1999.

SOARES, Elza. A carne. 2002 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?


v=yktrUMoc1Xw> Acesso : 03 de dezembro de 2020.

EUA: Negras de cabelo natural têm menos chance no mercado de trabalho. Uol,
2020. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/08/12/eua-negras-de-cabelo-
natural-no-mercado-de-trabalho-estudo.htm>. Acesso em: 03 de dezembro de 2020.

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