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132-Texto Do Artigo-1014-1-10-20130701
132-Texto Do Artigo-1014-1-10-20130701
na educação e na sociedade
The relations of power in gender inequalities in
education and society
Jane Soares de Almeida
Universidade de Sorocaba-UNISO. Membro do Corpo
docente permanente do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNISO. Doutorado em História e Filosofia
da Educação pela USP. Livre-Docência pela UNESP. Pós-
doutorado por Harvard University, Estados Unidos. E-mail:
janesoaresdealmeida@uol.com.br.
Resumo
O artigo, na forma de ensaio teórico, analisa as relações de poder entre homens e mulheres que permeiam
as relações sociais e revelam sua face inclusive na educação escolar. Essas relações, denominadas relações
de gênero, de acordo com a crítica teórica feminista que emergiu nos anos 1980/90, são pautadas por um
estrito senso de territorialidade, que coloca ambos os sexos em patamares desiguais na hierarquia social,
o que leva ao exercício de poder do sexo masculino sobre o sexo feminino. Nas escolas se ensina aos
meninos e meninas as atribuições e comportamentos esperados para cada sexo, o que leva ao conceito
de identidade. Esses comportamentos se prolongam na esfera social e ocasionam o recrudescimento da
desigualdade entre os sexos.
Palavras-chave
Gênero. Poder. Educação.
Abstract
The article, in the form of theoretical essay, examines the power relations between men and women that
permeate social relations and even show his face in school education. These relationships, known as
gender relations, according to feminist critical theory that emerged in the years 1980/90, are guided by a
strict sense of territoriality, which places both sexes in unequal levels in the social hierarchy, which leads
to the exercise of male power over females. The schools teach boys and girls the roles and expected
behaviors for each sex, which leads to the concept of identity. These behaviors are prolonged in the social
sphere, causing the increase in inequality between the sexes.
Key-words
Gender. Power. Education.
166 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
gestação e na criação de filhos pequenos. o desafio que lançaram à sociedade, tais
Outro aspecto ainda pouco estudado se resultados demorariam muito mais para
refere ao fato de mulheres maduras, com serem implantados.
filhos criados e vida familiar estruturada, No início do século XX, a crítica
também procurarem cursar universidades, feminista que acompanhou a emergência
inclusive pós-graduação. do movimento nos Estados Unidos e na
Europa, mesmo defendendo a igualdade
O movimento feminista e a ruptura de direitos, considerava as diferenças en-
com o modelo androcêntrico tre homens e mulheres do ponto de vista
biológico, acatando a dicotomia existente
O movimento feminista pode ser entre o espaço público e o privado. Isso sig-
considerado a ruptura que possibilitou nificava também aceitar a domesticidade e
uma das transformações mais radicais a subordinação feminina ao modelo mas-
deste século que foi a modificação da po- culino, além de atrelar a essas diferenças
sição das mulheres na sociedade ocidental. naturais uma ideia de inferioridade das
Em poucas décadas o feminismo mudou mulheres em razão de maior fragilidade
relações de autoridade milenares, abalou física e intelectual, apesar de uma inegá-
a estrutura tradicional familiar e promoveu vel superioridade do ponto de vista moral.
um rompimento com uma forma de alie- Essa teoria se ancorava na definição de
nação considerada absolutamente natural um sujeito coletivo, portador de interesses
por séculos, definida pela submissão das e necessidades próprios, que surgia em
mulheres aos homens. face da maior presença das mulheres no
Em termos históricos, o feminismo cenário político e a posição que ocupavam
é um fenômeno recente e não influen- na sociedade patriarcal. Porém, mesmo
ciou indistintamente as diversas raças, na defesa dos direitos femininos não se
culturas, religiões e classes sociais, po- deixava de considerar o matrimônio como
dendo ser estudado como um movimento destino inato das mulheres e a maternida-
sócio-político que teve repercussões nos de como sua suprema aspiração.
diversos campos epistemológicos, com Nos finais dos anos 1960 e mais
influência na esfera pública e privada, acentuadamente nos anos 1970, o movi-
alterando representações e simbologias mento feminista que havia passado por
nos papéis sociais diferenciados reserva- um período de estagnação nos vários
dos a homens e mulheres. A historiografia países do mundo ocidental, ressurgiu com
muitas vezes mostra as mudanças como força. Emergiu nesse período uma consci-
resultado de uma política de concessões, ência feminista que, na luta por igualdade
sem considerar que estas são o resultado e maiores direitos, rejeitava as diferenças
do atendimento às reivindicações e, por- naturais entre os sexos, reivindicando
tanto, conquistas. Sem o movimento das para as mulheres um lugar no mundo
mulheres, sem a resistência de algumas e até então reservado apenas aos homens.
168 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
sexos, apesar das relações de dominação O feminismo na perspectiva do gênero
e subordinação que entre ambos sempre
se estabeleceu no decorrer da História da O gênero procura dar significado
Humanidade, e que poderiam ser quebra- às relações de poder; se configura como
das por uma relação de parceria. um elemento estabelecido nas relações
As denúncias do sexo masculino sociais baseado sobre as diferenças entre
como opressor, a liberdade sexual obtida os sexos e se manifesta como um meio de
através de métodos contraceptivos mais decodificar o sentido e compreender as re-
eficazes, um maior acesso à escolarização lações complexas presentes no meio social.
e ao mercado do trabalho, revelaram para De acordo com a crítica teórica feminista,
as mulheres um mundo ainda voltado e representada pelos estudos de gênero, os
preparado essencialmente para o modelo dois sexos devem ser educados na família
social masculino, onde seus representan- e na escola por meio de uma reciprocidade
tes conseguiam os melhores postos e os de um sistema de relações que ultrapassa
melhores salários. Para as mulheres, a a oposição binária: masculino e feminino;
situação de inferioridade em que viviam em outras palavras: “coisas de meninos;
no espaço privado estendeu-se ao espaço coisas de meninas”. Nessa perspectiva,
público, tendo como agravante as dificul- o gênero é uma categoria teórica que
dades oriundas do meio familiar, repre- se refere a um conjunto de significados
sentadas pela dupla jornada de trabalho e símbolos construídos sobre a base da
e o cuidado com a família. Esculpia-se diferença sexual que são utilizadas na
assim uma ambiguidade em relação ao compreensão das relações entre homens
sexo feminino: se, por um lado, existia o e mulheres, a que se denomina alteridade,
desejo de serem esposas e mães, por outro a relação com o outro.
lado o anseio de fazer parte da população Desse modo, gênero não significa o
economicamente ativa significava deixar mesmo que sexo, isto é, o sexo refere-se
o primeiro espaço ao abandono. Em vista à identidade biológica de uma pessoa e
disso, a crítica feminista dedicou-se a es- o gênero diz respeito à sua construção
tudar a fundo as questões de identidade como sujeito masculino ou feminino.
e diferença e a não separação entre o Enquanto as diferenças sexuais biológi-
espaço público e o espaço privado, bus- cas são naturais e imutáveis, o gênero é
cando o fortalecimento de uma cultura não estabelecido por ajustes sociais, variando
sexista e rejeitando os antigos paradigmas segundo as épocas e os seus padrões
de submissão e opressão. Paralelamente, culturais e pode ser modificado. As rela-
optou-se também pela não separação do ções de poder entre homens e mulheres,
gênero e dos estudos sobre as mulheres, assim como classes sociais, etnias e op-
dos estudos sobre a infância, a sexualida- ções sexuais estão presentes em todas
de, o meio ambiente e a velhice. as construções sociais configurando-se
numa rede complexa.
170 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
que os avanços tecnológicos estavam im- nas relações sociais. Isso representa um
primindo um novo ritmo no surgimento de modelo de conduta no qual as peculiari-
novas estruturas sociais, o que representou dades existentes entre homens e mulheres
o aprofundamento e a expansão da crítica são consideradas, levando a formulações
feminista. A categoria passou a ter lugar teóricas eficazes sobre as relações social e
de destaque no pensamento feminista, que culturalmente construídas entre os sexos,
construiu uma critica teórica na qual as denominadas relações de gênero, o que
diferenças são consideradas, porém não também implica em relações de poder.
justificam qualquer forma de opressão No meio acadêmico, o conceito de
do sexo masculino sobre o feminino. O gênero foi introduzido a partir da consta-
conceito nasceu do debate teórico acerca tação de que o feminismo e seu confronto
do conhecimento de que a realidade é com os mecanismos de dominação e
socialmente construída e de que cada ser subordinação levavam à emergência de
humano tem o potencial e o direito de novas categorias analíticas que não se
decidir o seu destino. encaixavam nos paradigmas clássicos e
Esse pensamento constatou que a que esses paradigmas não conseguiam
superação de um sistema de desigual- elaborar modelos explicativos mais flexí-
dades não se alcança somente pelo fato veis para analisar a situação específica
de que o considerado inferior obtenha os da mulher como sujeito social e históri-
direitos e ocupe as mesmas posições do co. Embora num sentido mais restrito, o
superior, pois numa ordem democrática conceito de gênero se refira aos estudos
não se eliminam os desequilíbrios e os que têm a mulher, a criança, a família, a
mecanismos de dominação de forma tão sexualidade, a maternidade, entre outros,
simplificada. As diferenças do ponto de como foco de pesquisas; num sentido
vista biológico são consideradas, dado amplo, o gênero é entendido como uma
que os dois sexos não são iguais entre construção social, histórica e cultural, ela-
si e essa desigualdade faz parte do jogo borada sobre as diferenças sexuais e às
erótico da associação entre homens e mu- relações construídas entre os dois sexos.
lheres. No entanto, essas diferenças não se Estas estão imbricadas com as relações
constituem em aval para a opressão, nem de poder que revelam os conflitos e as
em empecilhos para o acesso ao mundo contradições que marcam uma sociedade
profissional e o direito de salários compa- onde a tônica é dada pela desigualdade,
tíveis com a função desempenhada, sem seja ela de classe, gênero, raça ou etnia.
distinção entre os sexos. Assume-se assim Com isso se permitiu alguma visibilidade
a premissa ideológica da igualdade na di- a movimentos sociais emergentes cujo
ferença, o que representa um considerável objetivo era a denúncia contra a discrimi-
avanço do feminismo e das conquistas nação, impondo-se a necessidade de um
teóricas dos estudos de gênero, com pos- olhar diferenciado para as ambiguidades
sibilidades de repercussão e de influência da ordenação social. Dessa perspectiva se
172 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
normas comportamentais, morais e reli- Educação feminina como projeto
giosas e até em emoções e sentimentos, social: igualdade ou manutenção da
estruturando a percepção de mundo e a inferioridade?
forma como a sociedade se organiza do
ponto de vista simbólico. Assume-se assim No Brasil, na educação tradicional,
a princípio da igualdade na diferença, o a instrução para as mulheres que fosse
que representa uma considerável transfor- além das prendas domésticas, era con-
mação nas representações culturais e no siderada supérflua. A herança luso-cristã
terreno das ideias, com possibilidades de afirmava que excesso de instrução poderia
repercussão e de influência nas relações prejudicar sua constituição frágil e nervosa
sociais num modelo de conduta no qual as e atingiria a saúde da futura prole. Poste-
peculiaridades existentes entre homens e riormente, a educação feminina passou a
mulheres são consideradas, o que também ser desejável, pelo imaginário da época
implica em estabelecimento de espaços acreditar que a mulher educada criaria
de poder. filhos saudáveis. Essa educação não po-
Ainda outra questão a ser consi- deria fazer com que ela se sentisse capaz
derada refere-se à vitimização feminina, de competir com os homens, o que ocasio-
aporte bastante usado quando os traba- naria desordem social. Assim, a educação
lhos ainda se encontravam no estágio da feminina, durante longo tempo, tanto na
denúncia. No discurso até então adotado, escola como na família, foi normatizada e
ao enquadrar as mulheres nos conceitos controlada pelos homens e de acordo com
definidos socialmente: “colocá-las sempre o que estes consideravam necessário: para
como oprimidas”, se deixava de lado os os homens, o espaço público, a política, a
contrapontos que se ancoram no mundo gerência dos negócios; para as mulheres,
subjetivo, local de trânsito das mulheres, o cuidado com a casa e os filhos, a econo-
onde a resistência é o contraponto para a mia doméstica. Historicamente, isso trouxe
opressão, o que leva a outro conceito, o impactos nas relações entre os sexos, que
da resiliência, do ponto de vista de recu- se traduzem pela subordinação feminina
peração perante as adversidades. Desse ainda nos tempos que correm e possivel-
ponto de vista, o revisionismo histórico mente, embora com menor impacto, ainda
oferece justificativas, dado que implica em nos tempos em devir.
(re)interpretar a História do ponto de vista A imagética social, ao alocar pa-
feminino e assim contribuir para alavancar péis sexuais diferenciados para homens
os estudos de gênero e reescrever fatos e mulheres, induz à estereotipia sexual,
históricos que não sejam os oriundos do onde se espera de cada sexo comporta-
poder masculino somente. mentos pré-determinados e isso se reflete
principalmente quando a criança chega à
escola. No ambiente escolar, se ensina a
ser menino ou menina, não há escapatória
174 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
seu nascimento. Essa ideia ultrapassa a do que consideram adequados ou não a
concepção do aprendizado de papéis, que cada sexo.
pode tornar-se muito simples, uma vez que Os estereótipos, por sua vez, situam-
caberia a cada indivíduo conhecer o que se numa escala axiológica e sempre estão
lhe convém ou não, adequando-se a essas sendo manifestados ao longo da existên-
expectativas. cia humana. Este processo ocorre desde
Desse modo, examinar apenas a a mais tenra idade pela educação, não
aprendizagem de papéis masculinos e apenas a formal, mas também a familiar
femininos implica em desconsiderar que e social, onde um modelo e um conjunto
a masculinidade e feminilidade podem de características estereotipadas significam
exercer variadas formas e que complexas um dos mais eficazes mecanismos de
redes de poder estão envolvidas nos dis- perpetuação das desigualdades, reforçan-
cursos e nas práticas representativas das do a relação de dominação e submissão.
instituições e dos espaços sociais, sendo Portanto, a educação escolar é um campo
produzidas a partir das relações de gênero. promissor para o desenvolvimento dos
Além disso, a maneira como a família e estudos de gênero, uma vez que reúne
a escola agem em relação às meninas e alunos de ambos os sexos nos sistemas
aos meninos é fundamental no processo de classes mistas.
de constituição da identidade de gênero.
As identidades não são estabeleci- Algumas considerações
das e fixadas num determinado momento,
mas estão constantemente sendo constru- Na segunda metade deste século,
ídas e transformadas. Por isso, os sujeitos a constatação da capacidade feminina
vão se edificando como masculinos ou fe- para o trabalho fora do espaço domés-
mininos e toda uma estrutura como família, tico que as guerras tinham revelado; o
religião, meios de comunicação, escola, etc., consequente ganho de autonomia, mais
estão envolvidas nessa dinâmica. Nesse as necessidades de sobrevivência ditadas
contexto, as relações pedagógicas que são pelas circunstâncias econômicas, iniciaram
organizadas na escola estão carregadas uma reviravolta nas expectativas sociais,
de simbolizações e as crianças aprendem familiares e pessoais acerca do sexo que
normas, conteúdos, valores, significados, até então estivera confinado no resguar-
que lhes permitem interagir e conduzir-se do da domesticidade e no cumprimento
de acordo com o gênero com a qual se das funções reprodutivas. Essas ideias
identificam, assumindo especificidades de atravessaram as fronteiras por intermédio
acordo com essa identificação. Na escola, da imprensa, rádio, cinema e televisão,
as crianças e os professores são socializa- influenciaram as mentalidades nos demais
dos a partir de uma reelaboração ativa de países, entre eles o Brasil, e ocasionaram
significados e as informações que recebem mudanças nas relações entre os sexos.
lhes permitem construir uma representação Sem o movimento das mulheres, sem a
176 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
serem mulheres e estarem sozinhas faz da crença que existem comportamentos
com que desenvolvam uma arte, a arte tipificados para homens e mulheres, não
da sobrevivência sem um homem, num têm razão de ser. As mulheres são compe-
mundo eminentemente masculino. E a titivas da mesma forma que os homens, e
maioria consegue. trabalham em equipe sempre que houver
As disputas por vagas hoje no necessidade, com a mesma competência.
mercado de trabalho estão ancoradas O que realmente existe são inúmeras ima-
na capacidade cognitiva de cada profis- géticas que colocam homens e mulheres
sional e na sua maneira de dominar os como opositores e não como parceiros,
requisitos básicos para desenvolver uma esquecendo que as relações entre os
determinada profissão. Estamos falando sexos devem ser mensuradas em termos
de mulheres que conseguiram estudar de alteridade, a relação com o outro e não
e obter certificados. Excetuando alguns contra o outro.
guetos masculinos, as mulheres podem Atualmente, a nova geração feminis-
desempenhar qualquer profissão e reali- ta aceita as diferenças entre os sexos e as
zar qualquer tipo de trabalho. Para isso é considera uma construção social, adotando
necessário uma mudança de mentalidade o termo gênero como comum aos dois
por parte dos empregadores e uma política sexos e que esse conceito se refere aos
trabalhista não discriminatória. espaços não mensuráveis entre ambos.
As inovações tecnológicas afetam Nessa perspectiva ressalta-se o paradigma
as relações de gênero em termos de de igualdade na diferença, uma construção
educação e trabalho no sentido que o teórica que significa um modelo de condu-
mundo de hoje se assenta no conheci- ta pelo qual as peculiaridades existentes
mento e em habilidades comuns aos dois entre os sexos são consideradas, mas não
sexos. A máquina, ao substituir a força se constituem em aval para a opressão.
física e os avanços da tecnologia pode Portanto, não se aceitam mais as diferen-
muito bem colocar homens e mulheres ças assentadas simplesmente no aspecto
em patamares igualitários. A partir daí o biológico.
que conta é a competência e qualificação O pensamento feminista dos anos
profissional de cada um. No entanto, um 1990 constatou que a superação de um
fenômeno frequentemente observado, pelo sistema de desigualdades não se alcança
menos nas Ciências Humanas, é o grande somente pelo fato de que o considerado
número de mulheres que procuram pela inferior obtenha os direitos e ocupe as mes-
universidade para obter mais qualificação. mas posições do superior. Numa ordem
Um número muito acima da quantidade democrática não se eliminam os desequi-
de homens. Esse é um fato para se pensar, líbrios e os mecanismos de dominação de
considerando que essas mulheres traba- forma tão simplificada, dado que direitos
lham fora e em casa; são esposas e mães. e privilégios para uns significam os não
As estereotipias para os sexos resultantes direitos de outros, conforme demonstra o
178 Jane S. de ALMEIDA. As relações de poder nas desigualdades de gênero na educação e ...
que os países socialistas se dão conta, a importância da educação como ação social
cada dia, que a igualdade perante a lei e que vem ocupando com cada vez maior
um acesso igual à educação e à profissio- intensidade a agenda política dos vários
nalização não liberam as mulheres das países, sendo alavanca essencial para o
responsabilidades familiares. Tal situação desenvolvimento.
restringe sua participação na vida pública Nessa rede de significações simbó-
e a possibilidade de fazer carreira. licas, a discriminação leva ao preconceito
Atualmente os (as) pesquisadores e cria-se a imagética da incapacidade:
(as) de gênero estabelecem diferentes aná- mulheres não servem para tais cargos,
lises que consideram as complexidades tais ofícios, tais projetos ou tais empreendi-
cada vez mais crescentes na ordenação mentos. Naturalmente esses cargos, ofícios,
social, nas quais as diferenças culturais projetos e empreendimentos são os melhor
e antropológicas em relação com a alte- valorizados socialmente e melhor remune-
ridade são destacadas, numa tendência rados no mundo do trabalho. Na imagética
do pensamento pós-moderno que incor- da incapacidade, todas as representantes
pora o pluralismo cultural e a diversidade. do sexo feminino, independentemente
Assume-se assim o princípio da igualdade de raça, classe social, idade ou nível de
na diferença, que significa uma conside- escolaridade, são incorporadas numa
rável transformação nas representações mesma categoria: o sexo. É no sexo, força
culturais e no imaginário social, com pos- motriz da raça humana, que se ancoram
sibilidades de repercussão e de influência e edificam as relações de desigualdade.
nas relações sociais, representando um Nesse campo, onde as relações de poder
modelo de conduta no qual as peculiari- demonstram seu maior impacto, reside o
dades existentes entre homens e mulheres paradoxo do subdesenvolvimento: alijadas
são consideradas, o que também implica das esferas produtivas por conta da anato-
na reordenação dos espaços de poder. mia, as mulheres deixam de contribuir nos
Na América Latina existem diferen- diversos campos da economia e da política
ças regionais, culturais e de classe que por motivos que vão desde impedimentos
alocam às mulheres papéis diferenciados. familiares ao preconceito, o que repercute
No âmbito da violência doméstica as mu- no desenvolvimento geral.
lheres e crianças são as maiores vítimas Se na esfera pública as mulheres
de cerceamento da liberdade, morte e sofrem impedimento de ascensão profis-
maus tratos, o que repercute também na sional por conta da imagética da inca-
edificação de uma sociedade saudável, pacidade, mais os obstáculos concretos
pois o medo e a opressão não podem co- que enfrentam no mundo do trabalho; na
existir com o desenvolvimento. No entanto, esfera privada, desde a infância, talentos
quanto maior o índice de escolaridade, femininos são desperdiçados e perdidos
menor aceitação da violência, embora não sob o ônus de uma cultura que ainda pri-
seu impedimento. Portanto, ressalta-se a vilegia a maternidade e reforça o mito da
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