o velho Carvalho, lá da janela no segundo andar, um rosto observava atento e curioso. um gato negro enorme estava deitado no tapete em frente à porta de entrada. à esquerda dava para ver a torre e o sino da igreja, era exatamente 7 hs da manhã de sexta-feira, o sino soou alto despertando os moradores de Portland. - Ei, Stephen - gritou fitando a vidraça da janela -, sei que é você, vamos, desça, achou mesmo que não viríamos? pois se enganou. nesse momento a janela se abriu. - Bom dia, e que dia! os outros vieram? - perguntou ajeitando os óculos. - Sim, pensou que nós o abandonaríamos? ledo engano, amigo. e não sairemos antes de lanchar; não seja mal educado e nos convide a entrar. Em dois minutos ele os recebeu na sala sorrindo e os abraçando. - Muito obrigado, rapazes. Allan, Howard, Clive, Matherson, Ray; aparentemente estão todos bem; espero que nossa viagem seja de paz e tranquilidade. - Claro que será! - disse Ray ingerindo capuccino quente. - E aliás, este capuccino está ótimo. - O que houve com o Carvalho? - perguntou Matherson. - Não sei, estranhamente secou, faz dois anos que não dá uma folha sequer. bom, já que nossa "tralha" está arrumada, partimos, se ficarmos falando demais acordaremos o resto da família. Partiram. Ray reparou que fazia 35 graus C, havia pouco vento, e algumas estradas estavam esburacadas. - Allan, - disse Howard - eu conheço um atalho, acho que será bom pegá-lo. - Esse negócio de atalho é fria. - esbravejou Clive lendo um livro de bolso de faroeste. - O certo é irmos por aqui. - Ora - interferiu Stephen -, deixe-o em paz, sou a favor também do atalho. não é só uma comemoração de aniversário, mas também uma aventura. estou farto do politicamente correto. - Ora, ora, quem diria! - exclamou Matherson. A essa altura já estavam no atalho, desviando de pedras, crateras, galhos retorcidos, arame, então num dado momento Howard gritou: "ei, cuidado Allan!", este ao perceber algo à sua frente tentou se desviar, contudo houve o choque fazendo o veículo rodar quebrando o eixo traseiro. - Putz, que maçada! - Allan estava furioso pois não tinha transcorrido duas semanas na reforma do Olds, foi realmente uma pena, pensou ele. em seguida todos desceram e foram ver quem tinha sido atropelado. - Vejam, é uma garota. - disse Stephen ajeitando os óculos. - Precisamos levá-la ao hospital urgente, pois está sangrando. - Disse Clive. Allan aproximou-se dela e pegou-a nos braços. - Vamos até aquela casa ali. - Casa? - perguntou Howard aflito. - É mesmo! - exclamou Matherson. - Agora vejo, há cento e poucos metros. se alguém morar lá, poderá nos ajudar. - Por precaução - disse Stephen -, levarei minha Taurus rt82, não sabemos o que encontraremos, é fato. - Odeio armas! - esbravejou Clive. chegando próximo à casa, localizada num rancho, um cão são bernardo enorme levantou-se de onde havia estado deitado no chão seco. tinha a expressão de um animal com raiva, dava para notar no focinho lesionado e nos olhos avermelhados, o pêlo eriçado e algumas unhas quebradas. ele os fitou rosnando. - O que a gente faz agora? - perguntou Allan. - Acalmem-se, rapazes. - disse Clive. num repente o cão disparou em suas direções, rápido como um coelho que foge duma onça faminta. deu um grande salto sobre o corpo de Allan, mas Stephen atirou duas vezes para matá-lo. o animal grunhiu e caiu morto ensanguentado. Ray se aproximou do cadáver, remexeu, remexeu e disse: - Um na cabeça e outro no peitoril. Stephen, você é bom heim! Howard foi até a porta e bateu várias vezes, inutilmente. repetiu, na terceira tentativa a porta se rompeu, o barulho chato de dobradiças enferrujadas despertou a atenção de ratos que se debandaram. Ray e Howard seguiram a frente, seguidos pelos demais. Allan deitou a garota na cama no quarto no segundo andar. - O que lhe parece, Stephen? - perguntou Clive limpando a poeira do local com um pano que achou, logo os demais também começaram a ajudá-lo. - Veja lá fora, - bradou Ray -, já é noite e eu nem percebi que o tempo passou tão rápido. - Ei! - gritou Clive voltando da cozinha -, encontrei comida e cerveja na geladeira; e não está vencida. acho que esta casa está abandonada ou os proprietários logo regressarão. - Aí a gente tá ferrado. - interferiu Howard tentando fazer a tevê pegar dando solavancos nela, uma tevê dos anos 80. - quando os donos voltarem e nos pegarem aqui, invasores; seremos processados, naturalmente. - Calma. - interpelou Matherson -, precisamos ter muita calma nessa hora. lá no quarto está uma garota ferida; não sabemos a distância que estamos da cidade depois que entramos nesse maldito atalho. vou procurar gases, faixas, analgésicos, já que concordamos em não usar celulares no dia do aniversário do Stephen. estão lembrados? olharam-se concordando. depois de fazer os curativos na garota que ainda estava desacordada, eles se reuniram na sala, sentados num sofá macio e beberam cerveja. o relógio na parede marcava 22 hs e 45 min quando Allan lembrou-se do seu Olds e esbravejou que devia ir ver se seu carro ainda estava lá. - É muito perigoso a essa hora da noite, sozinho. - disse Stephen. - Não tem problema, amigo, já sou adulto, sei me virar. e não tenho medo do escuro, tenho medo de quem vive no escuro. - Então, - e retirou o paletó -, vista isto aqui, pois o clima mudou, está mais frio. e tenha cuidado. Ray o acompanhou para depois rodar a chave na fechadura por duas vezes para ter certeza de que a porta estava fechada. - Veja só - disse Howard - encontrei um baralho na estante. que tal jogarmos 21? - Adoro este jogo! - exclamou Clive. Já passava de meia-noite e continuavam jogando e bebendo, de repente ouviram bater forte na porta. a princípio acharam que podia os proprietários, mas descartaram tal possibilidade e Ray abriu-a, era Allan que retornara, desconsertado, cambaleando feito um bêbado, bolhas espalhadas pelo corpo, bolhas como porfiria que ao ser exposto ao sol são formadas bolhas e estas estouram. - Allan! - gritou Stephen -, meu amigo, o que houve? Deitaram-no no sofá. Clive gritou: - Howard, traga-me a pomada e gazes; Matherson, traga-me água para que eu possa limpar a região afetada. Deus meu, o que deve ter ocorrido? Allan fitou-os sentindo uma dor incomensurável e guturejou: - Eu os vi, sei que os vi, não sou louco. Ao ver meu carro, eles estavam lá, não são humanos, têm olhos completamente azuis, são magros como gravetos, e quando me viram, senti minha alma a se queimar; as labaredas queimaram minha pele, cof, cof, cof! - Calma, amigo. Você vai ficar bem. - disse Matherson. - Mas nos conte o que viu. - Não sei o que era de fato, porém sei que são reais; acho que quem os trouxe foi o nevoeiro. - Nevoeiro? - perguntou Clive. - que nevoeiro? - Ele morreu. - disse Stephen ajeitando os óculos, os olhos lacrimosos. - Deus, ele morreu, não posso crer. - Vamos ficar aqui velando nosso amigo. Clive, por favor, traga aquela vela e a acenda, por favor. vamos ficar aqui rezando para que sua alma encontre a paz. E ficaram em torno rezando, mas após dez minutos de oração um som seco e grotesco rachou o meio da porta, era o som de um machado afiado e manchado de sangue. quem fez tal coisa pôs o rosto frenético na cratera e riu desconsertadamente, feito louco e Howard gritou: - Jack! Não é possível! Como sobreviveu àquilo? Jack continuou quebrando a porta a machadadas até conseguir entrar; seus cabelos esguinxados, sangue nas mãos, no machado e sua roupa jeans surrada continha respingos de lôdo e sangue. - Eu sobrevivi para vingar-me de você, primo. Eu e minha família tínhamos uma vida tranquila, você me traiu, me deixou lá com a droga, a polícia me cercou, recebi sozinho toda a culpa, peguei dez anos e quando saí prometi que jamais desistiria da minha vingança, e aqui estou, patife! Ele ergueu o machado para desferir o primeiro golpe quando Stephen mirou seu 38 e atirou. Jack abaixou a cabeça e fitou o furo da bala no seu peito esquerdo, depois riu. - Idiota! Acha mesmo que isso vai me deter? - e desferiu alguns golpes de machado, Howard e Ray se esquivando, os golpes acertaram o peito e o pescoço de Allan, a cabeça rolou e caiu no chão. Matherson encontrou um taco de golfe atrás da estante e unindo toda a sua força desferiu um golpe tão forte na cabeça de Jack que fez seu olho direito sair da orbital e ficar pendurado nas entranhas. Jack por sua vez golpeou-o, este desviou porém o gume do machado abriu a carne do ombro ao cotovelo fazendo seu sangue espirrar no rosto de Clive. - Atire a vela! Atire a vela! - gritou Howard desesperado. Stephen jogou-lhe a vela, esta alcançando o corpo de Jack pô- lo em chamas; ainda sim, insistindo na vingança, caminhou em chamas com seu machado enlameado de sangue para dar mais um golpe, entretanto sentiu-se sufocado; era como se uma mão invisível o agarrasse e o erguendo ao teto decepou- lhe a cabeça com seu próprio machado. Stephen, Clive, Matherson e Ray se voltaram para a escadaria que dava ao segundo andar; viram a garota de pé, o braço esquerdo estendido, a mão com dedos crivados como se prontos para esmagar qualquer coisa, em seguida fitou-os e acalmou-se, depois, desceu a escada com calma e abraçou Stephen. Howard foi até a cozinha e trouxe para ela um copo d'água. ela tomou com gosto e muita sede. Enquanto pensavam no que fazer, eis que o dia chega, um sol amarelado, pálido. - Não podemos ir embora antes de dar a esses dois defuntos um sepultamento. - disse Matherson. - Concordo. - Stephen concordou já procurando ir em busca de ferramentas para o enterro. - Fica no porão. - disse a garota. todos a fitaram com estranheza. - Por acaso você vive aqui, garota? - quis saber Clive. - Sim, aqui é a minha casa. podem me chamar de White. eu e minha mãe moramos aqui até que um dia ela enlouqueceu, tentou matar-me, não tive escolha a não ser matá-la. enterre os corpos do lado direito do bosque, esse rancho é antigo, muitas histórias esquisitas ocorreram por aqui. Até às 9 hs da manhã conseguiram fazer o que ela encomendou e puseram-se a partir pela mesma estrada de onde vieram. No meio do caminho alguém numa picape parou e ofereceu carona, o motorista era um homem muito alto, robusto, negro, pesava uns cento e trinta quilos de puro músculo. - Bom dia, senhores, senhorita; por acaso aceitam uma carona, estou indo para Portland. - Aceitamos. - todos responderam juntos. - Eu não vou. - bradou White. - conheço essa estrada, procurarei por meu pai na pequena cidade de HarvyCrew, ele trabalha num circo, é palhaço e se chama Penny. muito obrigado por terem me ajudado, jamais esquecerei. - disse e retirou-se. - E quanto ao Old de Allan? - perguntou Stephen. - Amanhã venho com um mecânico. - disse Ray. - O senhor usa que grau, se me permite a intromissão, senhor? - perguntou o motorista para Stephen. - Quatro graus, mas está tudo bem, me acostumei. O motorista parou a picape, pediu que Stephen tirasse os óculos, este assim o fez mesmo achando aquilo estranho. o outro então, tapou seus olhos com suas mãos poderosas. - Ei, pare, o que pensa que está fazendo? - gritou Ray. - Agora está tudo bem, senhor. - deixou-os na casa de Stephen e desapareceu na sua picape indo em direção norte da cidade. Stephen narrou sua história a sua esposa que ficou chocada e abraçou-o. a noite veio, jantou com sua família, ele e sua esposa fizeram amor e ela dormiu, porém uma profunda insônia o incomodava, por mais que tentasse dormir o sono não vinha, então ele pôs os óculos para ir à cozinha e tropeçou pois não podia enxergar absolutamente nada; retirou os óculos, colocou outra vez, e depois de várias tentativas descobriu que a miopia desapareceu de vez. Feliz com o acontecido foi à cozinha tomar uísque, ao retornar para o quarto para dar a boa nova à esposa, viu-a nua sobre a cama, fazendo amor com Ray, Stephen esfregou os olhos para ter certeza do que estava vendo e era verdade a traição; ela o fitava com olhos de escárnio e prazer e Ray regozijava em prazer maior ainda. Stephen saiu do quarto, atônito, abriu a gaveta do armário e pegou a faca, o brilho do gume refletiu em seus olhos arregalados. voltou ao quarto e matou a ambos. caído ao umbral, na pouca luz do abajur quebrado, ligou para Howard dizendo que precisava que viesse com Clive e Matherson. vieram. - Deus meu! Stephen, mas o que você fez? assassinou sua própria esposa! - exclamou Clive. - Vou ter que ligar para a polícia, isso não pode ficar assim. - Por favor, não faça isso. - como seu amigo insistisse, entraram numa contenda e Clive caiu com um profundo corte na garganta; os demais tentaram fugir, mas as portas e janelas estavam trancadas e as chaves escondidas. Stephen abriu a gaveta do guarda-roupa, retirou sua arma de fogo, encaixou o silenciador, desceu com calma a escadaria e matou-os; depois retornou, desnudou-se, banhou-se, pôs a melhor roupa, o melhor sapato, o melhor perfume, abriu a porta, ligou o Jaguar na garagem, lembrou que seus filhos chegariam de viagem em duas semanas, então dirigiu-se ao hotel Dolphin, em Nova York, escolheu o quarto 1408, lá se trancou, á espera de um milagre...