Você está na página 1de 21

UNIVERSIDADE DO MINDELO

CURSO DE CRIMINOLOGIA E REINSERÇÃO SOCIAL


DISCIPLINA DIREITO PENAL ESPECIAL - AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO
CRIME
DOCENTE: Dr. SIMÃO A. ALVES SANTOS
MESTRE EM DIREITO – CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS
JUIZ DESEMBARGADOR

1. INTRODUÇÃO

Noções básicas:
O Direito Criminal
Diz-se Direito Criminal o conjunto de normas jurídicas que fixam os pressupostos de
aplicação de determinadas reações legais: as reações criminais.
As reações legais englobam as penas e ainda medidas de outro tipo, entre as quais
avultam as chamadas medidas de segurança. Assim sendo,
No dizer do Prof. Eduardo Correia, a partir do momento em que, ao lado das penas
surgem reações criminais de outro tipo (medidas de segurança, correção, tratamento, etc.), a
expressão Direito Penal torna-se demasiado estreita para abarcar totalmente o objeto deste
ramo de direito.
Podemos definir o Direito Penal como sendo o conjunto de regras jurídicas que ligam
uma pena ao cometimento de certos factos, cabendo ao Estado o direito de punir. Assim,
Direito penal objetivo será, o conjunto de regras jurídicas que ligam uma pena ao
cometimento de certos factos. Ao passo que,
Direito Penal subjetivo consiste no direito de punir pertencente ao Estado.
Por isso, ou seja, por ser mais abrangente é que o Prof. Eduardo Correia preferia usar a
expressão “Direito Criminal”, ao invés de “Direito Penal”.
O termo Direito Penal é demasiado estreito para abarcar totalmente o objeto do ramo do
direito em estudo.

Direito Criminal e Criminologia


A Criminologia é a ciência especialmente votada ao estudo das causas do crime.
Dito de forma simples, nas palavras singelas de Eduardo Correia, a criminologia é a
ciência das causas do crime.
Cabe à criminologia responder o que é o crime?
Quando se diz que cabe à criminologia responder à pergunta: o que é o crime? Quer-se
dizer que é a criminologia que define a essência do crime como fenómeno associal.
1
O crime é, pois, o objeto da criminologia.
Porém, como diz Mezger, “toda a criminologia recebe o seu objeto, o conceito de
crime, da ciência do direito penal”.
Para além do que é o crime? Cabe à criminologia responder: Quais são as causas que
explicam o seu cometimento? Quais as circunstâncias que o favorecem e quais as que o
impedem?

2. NATUREZA E FINALIDADE DAS SANÇÕES PENAIS


Salientar que,
Os autores referem-se mais frequentemente aos fins das penas e das medidas de
segurança criminais do que aos fins do direito penal.
Na secção seguinte cuidaremos de analisar os fins específicos das penas criminais e
das medidas de segurança, atendendo sobretudo aos efeitos da sua execução.
Importa, porém, fazer a distinção entre fins das penas criminais e das medidas de
segurança (fins das sanções penais) e fins do direito penal.

2.1 Distinção entre fins do direito penal e fins das penas criminais

Os objetivos, os fins do Direito, em geral, e do direito penal, em especial, não se


confundem com os fins imediatos das sanções aplicáveis como consequência da violação das
normas.
Os fins do direito penal são, sobretudo, a prevenção e a defesa da sociedade contra a
violência.
As normas, em geral, incluindo as normas penais, têm por finalidade ordenar a vida
social conforme à justiça, ou, pelo menos com pretensão de justiça.

Ao invés,
As penas criminais, como as sanções jurídicas, em geral, ditam (impõem) uma
consequência desfavorável normativamente prevista para o caso de violação de uma
norma e pela qual se reforça a sua imperatividade.
As sanções não são condição da essência do Direito, embora sejam muito
importantes, porventura essenciais, para a sua vigência.
As sanções são instrumentais relativamente aos fins do Direito, servem para reforçar
a imperatividade das normas.

2
2.2 O direito penal e as respetivas sanções como mal necessário. A legitimidade das
sanções
O direito penal, enquanto limitador da liberdade das pessoas, impondo-lhes e
proibindo-lhes certos comportamentos, é por si só um mal, independentemente do mal das
sanções que o caracterizam e distinguem das dos outros ramos do Direito, só sendo
tolerável, e por isso legítimo, quando necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses também dignos de proteção jurídica.
Também as sanções penais consistem num sofrimento imposto ao agente do crime
como consequência do facto ilícito praticado e nessa medida constituem um mal.

As diversas teorias sobre os fins das sanções penais buscam a legitimação deste
mal, do sofrimento em que se traduz a sanção penal, donde resultaria também a
legitimação do direito penal.

A busca da legitimação das sanções penais


A busca da legitimação das sanções penais tem sido feita essencialmente por duas
vias: considerando que o mal da sanção não é um mal, antes um bem, porque nega o
mal do crime e restaura o Direito, ou
Considerando que o mal da sanção é um mal útil, um mal menor, um mal necessário.
As orientações dominantes oscilam entre os dois extremos, sendo minoritárias as que
entendem absolutamente ilegítima qualquer espécie de sanção penal, o que
consequentemente conduziria à abolição do próprio direito penal.

2.3 As sanções penais (as penas e as medidas de segurança) são meios de tutela jurídica
repressiva
Já vimos acima que as sanções penais (penas e medidas de segurança) sãos meios de
que se serve o direito penal para realizar os seus fins de prevenção, são, por isso,
instrumentais relativamente ao direito penal; as sanções penais servem para reforçar os
imperativos contido nos preceitos das normas incriminadoras e têm, por isso, a natureza de
meios ou medidas de tutela jurídica.
As sanções penais são meios de tutela e de tutela repressiva, porque aplicáveis
em consequência da violação de uma norma jurídica.

Assim,
A aplicação das sanções penais tem por fim imediato satisfazer os interesses
originados pela violação das normas (interesses que nas sanções penais não são, porém, os

3
próprios interesses ofendidos pelo ilícito, mas um interesse qualitativamente diverso,
difusamente nascido no meio social do facto de ter sido praticado o crime) e por fim mediato
a realização dos próprios fins que o direito penal se propõe e que são a defesa da sociedade
contra a violência.
O que há de característico na tutela repressiva é constituir ela uma reação do Direito
contra os factos ilícitos; logo que estes ocorram, segue-se-lhes como necessário efeito
jurídico a adstrição de suportar uma privação de bens (liberdade, dinheiro, etc.).
A esta privação se dá o nome de sanção e à necessidade de suportá-la o de responsabilidade.

Definição de sanção,
A sanção pode ser definida como sendo toda a privação de bens imposta pelo Direito
como consequência da prática de um facto por ele proibido.

Quanto à responsabilidade,
No sentido mais amplo do termo, diz-se que alguém é responsável, ou que tem
responsabilidade, quando se encontra adstrito a suportar uma sanção.

Convém ter presente que,


A ideia de pena tem implícita a de castigo, de sofrimento; punir é sinónimo de castigar,
significa infligir um sofrimento a alguém que é responsável por algo.
O castigo penal, a pena, é por natureza aflitivo na medida em que comporta censura
jurídica, privação de um bem ou de um direito, sujeição a constrangimentos vários por parte
do responsável pelo facto ilícito.
Mas o sofrimento implícito na pena pode ser instrumentalizado para a realização de fins
diversos.
Entretanto,
Os fins imediatos das sanções mudam em função das conceções da sociedade e do
Estado que vão emergindo no decurso da história.
Mas se a evolução histórico-social influi sobre os fins imediatos das penas criminais,
também influi sobre os tipos de castigos adotados como penas.
É significativa a passagem das penas corporais às penas simplesmente privativas
da liberdade e, mais recentemente, às chamadas penas alternativas, como a prestação
de trabalho a favor da comunidade (art.º 71.º do CP) e até a proibição de conduzir veículos
motorizados (art.º 75.º CP).

O conceito de sanção penal abrange as penas e as medidas de segurança

4
O conceito de sanção penal no direito penal moderno abrange as penas e as medidas
de segurança. Sendo ambas consequências da prática de um facto objetivamente ilícito.

Distinguem-se na medida em que,


A pena traduz a reação jurídica à culpabilidade do delinquente pelo mal do crime.
Enquanto que,
A medida de segurança traduz a reação jurídica à perigosidade do delinquente.

O problema da natureza e dos fins imediatos das sanções penais continua sendo de
plena atualidade e dos mais importantes problemas do direito penal.

2.4 O Problema dos fins imediatos das penas criminais (sanções/reações criminais)
Nota Boa: trata-se aqui de analisar, ao certo, os fins das penas, a que podemos chamar também de
sanções ou reações criminais, sendo que, mais adiante falaremos dos fins das medidas de segurança.

Pode-se ser tentado a dizer, desde logo, que as sanções criminais correspondem a uma
necessidade de afirmar certos valores ou bens jurídicos.
Porém, com isto não fica dito em que consiste essa afirmação de valores ou bens
jurídicos.
Antes importa fixar o seu preciso conteúdo e alcance, ao certo, importa fixar quais são
os fins imediatos das penas/sanções/reações criminais.
Mais adiante falaremos dos fins das medidas de segurança
Para tanto dois caminhos são fundamentalmente possíveis:
De acordo com um deles (Teorias absolutas), a reação criminal é uma pura exigência
de justiça, corresponde a uma necessidade absoluta de afirmação, existente em si e por si.
e
Doutro lado (Teorias relativas) se afirma, pelo contrário, que a reação criminal tem em
vista proteger certos interesses, conservá-los e defendê-los, tirando a sua razão de ser da
necessidade de evitar que esses interesses venham a ser violados.
A estes dois grupos de teorias se dá respetivamente o nome de absolutas («res absoluta
ab effectu») e relativas («res relata ad effectum»).

As Teorias absolutas consideram a reação criminal derivada de uma exigência da


própria violação (a punição tem lugar «quia peccatum»), enquanto,
As Teorias relativas fazem derivar a razão de ser da sanção da necessidade de evitar
futuras violações (a punição tem lugar «ne peccetur»).

5
Por isso se poderá falar também, no primeiro caso, de teorias etiológicas, ético-jurídicas,
e, no segundo, de teorias utilitárias, finalistas.
Mas não se fica por aqui, porquanto é concebível um terceiro grupo (teorias mistas):
As Teorias mistas entendem que o fim ou razão de ser da sanção se cumpre
ecleticamente (de forma mista), reagindo-se contra o passado (exigência de justiça/
exigência da própria violação) e procurando-se ao mesmo tempo evitar futuras violações
(pune-se «quia peccatum ne peccetur»).

Com isto, porém, não se pode dizer que o problema fica inteiramente solucionado. Pois
deve ir-se mais longe e perguntar-se:
Em que se traduz essa necessidade de reação ou essa necessidade de evitar futuras
violações pela aplicação das penas?
A necessidade de reação ou a necessidade de evitar futuras violações pela aplicação
das penas traduz-se (respondem uns) na aplicação de um mal correspondente ao mal
praticado, imposta por imperativos morais, lógicos, dialéticos, estéticos, religiosos ou
sociais.
Nesta perspetiva,
Quem procede mal deve pagar esse mal como é justo, e é justo que sofra um mal igual
ao crime que praticou (retribuição).

A necessidade de reação ou a necessidade de evitar futuras violações pela aplicação


das penas (para outros) reconduz à ideia de que, a aplicação da sanção ou a sua ameaça
são simplesmente um modo de prevenir as violações futuras (teorias utilitárias) - e isto
quer na medida em que a ameaça ou a execução desse mal agem sobre a generalidade das
pessoas, intimidando-as e desviando-as da prática do crime (prevenção geral); quer na
medida em que atuam sobre o agente num sentido segregador - afastando-o ou eliminando-o
da sociedade -, reeducativo ou corretivo - adaptando-o à vida social - ou intimidativo -
dando-lhe consciência da seriedade da ameaça penal (prevenção especial).

2.5 O problema dos fins das penas através da história do direito criminal

O pensamento pitagórico e o de certos escritores, como Eurípedes e Píndaro,


afirmava a ideia de pena como retribuição devido ao mal do crime.

Já com Platão,

6
Afirma-se a necessidade de substituir este ponto de vista por uma consideração
puramente preventiva.
No dizer de Platão: pune-se “(…) para que nem aquele que sofreu a pena volte a
praticar um crime nem qualquer outro que veja a punição o faça”.

Não obstante o pensamento preventivo platónico,


Na Idade Média (sob a influência das conceções germânicas do talião e, depois, dos
direitos canónico e romano e das doutrinas da Igreja, com S. Tomás de Aquino e Santo
Agostinho) se volta a acentuar de maneira predominante uma ideia retributiva.

Posteriormente,
Com a Renascença e o Humanismo dá-se uma cisão entre o pensamento teórico (que
regressa aos autores e filósofos antigos, sobremodo a Platão, reafirmando as ideias
preventivas) e a prática casuística que continua a viver à base de ideias retributivas.

No entanto,
A primeira construção geral da teoria da pena, liberta de conceções bíblicas e
teológicas medievais, só viria a ser feita, já em plena Idade Moderna, por Grócio, que
define a pena como um «malum passionis quod infligitur propter malum actionis» e lhe
assinala uma finalidade eminentemente retributiva.

Outro tanto não sucede, porém,


Com outros filósofos do direito natural como Hobbes, Pufendorf, Tamazius e Wolf
e com todos aqueles que preparam o movimento que teve a sua apoteose na Revolução
Francesa - para os quais a pena só podia racionalmente ter uma função preventiva e nunca
retributiva, tese que aliás encontra uma expressão jurídica própria no quadro da doutrina
do contrato social.

E assim é que,
Nos fins do século XVII e no sécu1o XVIII Beccaria e Feuerbach, que exerceram uma
profunda influência em todo o direito criminal, construíram os seus sistemas à base desta
ideia (função preventiva).

Logo, porém,
Kant, Hegel e outros (como Herbart e Stahl) vêm reagir contra o pensamento
utilitário, creditando de novo a retribuição como o verdadeiro e único fim da pena – seja
em homenagem a um imperativo categórico de justiça, que é substancialmente igualdade e

7
que obriga a que o mal da pena seja igual ao mal do crime (Kant); seja porque a pena surge
como reafirmação dialética do direito de obediência do Estado, violado pelo crime (Hegel);
seja, finalmente, porque a pena deriva de imperativos estéticos (Herbart) ou religiosos
(Stahl).

E a projeção que especialmente os dois primeiros destes autores (Kant e Hegel) tiveram
sobre os criminalistas foi tal que a partir desse momento se começa a afirmar, de uma
maneira sistemática no domínio do direito criminal, a querela sobre os fins das penas e se
procuram organizar sistemas construídos no desenvolvimento das novas ideias retributivas.

Certo é, porém, que


No século XIX e justamente na Alemanha, se afirma também, sob a influência da
filosofia de Krause, a escola correcionalista, que dava à prevenção especial papel
predominante no fim da pena.
E depois,
Por influência do positivismo, a escola positiva italiana concede caráter exclusivo de
todos os outros fins das penas à prevenção especial.

Apesar da forte influência que exerceu, esta escola não conseguiu furtar-se às maiores
críticas, de tal modo que hoje, como sempre, as opiniões sobre o problema se encontram
divididas.

Na maioria dos autores, porém,


De novo se desenham tentativas isentas de unilateralismo, onde o fim da prevenção
especial se procura conciliar com o ponto de vista da prevenção geral, e este com o da
retribuição;
Como também de novo se tenta a construção de sistemas que partam de cada um destes
fins, mas alargando-lhes todas as virtualidades, de modo a furtarem-se às críticas que do
ponto de vista dos outros fins das penas lhes podem ser dirigidas.

Dito isto, podemos dizer que, ainda hoje:


A doutrina agrupa geralmente em três tipos os fins fundamentais das sanções penais:
retribuição, prevenção geral e prevenção especial.

Assim é que a ideia de retribuição significa que a pena deve servir para compensar
a culpa pelo mal cometido (puniatur quia peccatum est).
A pena justificar-se-ia por si mesma, como exigência da justiça absoluta.

8
Ao crime praticado deve reagir-se com castigo proporcional.
A razão de ser da pena é também o seu fim.
Independentemente de considerações filosóficas, sobre o fundamento da pena a sua
aplicação ao culpado da prática de um crime atua como ato de apaziguamento das
emoções sociais causadas pelo crime.
Nesta medida, a retribuição do mal do crime com o sofrimento da pena imposto ao
criminoso visaria destruir os efeitos do crime mediante a justa compensação penal,
restabelecendo o equilíbrio, a autoridade, a confiança e a segurança perturbadas pelo
comportamento criminoso.

A perspetiva da prevenção geral significa que a efetiva aplicação da pena ao


agente do crime serve para afastar a generalidade dos cidadãos da prática de crimes,
quer pelo temor do castigo (prevenção geral negativa), quer pelo conhecimento e
compreensão e consequente orientação em ordem aos valores que o sistema jurídico
consagra (prevenção geral positiva), mostrando por um sinal visível o que é nocivo para a
vida em comunidade.
Pela intimidação, pelo temor, quando não pelo terror, a ameaça da pena e o exemplo
da sua aplicação garantiriam a defesa da ordem jurídica, contra os atentados de todos e de
cada um e servem de orientação dos cidadãos sobre os comportamentos que devem ou
podem adotar na vida social.

Finalmente a doutrina da prevenção especial assenta sobre a ideia de que a


aplicação da pena ao agente do crime serve para evitar que esse agente cometa novos
crimes no futuro.
O fim da pena seria evitar a futura delinquência relativamente aquele que foi sujeito à
pena, quer pelo medo de repetir o sofrimento em que a pena se traduz, quer pela sua
conversão ao respeito dos valores que as leis penais tutelam.

2.6 Natureza e fins das penas


Vimos já que a pena criminal é reação jurídica ao crime e, como tal, repressão; a pena
segue-se ao crime como sua consequência jurídica, a pena traduz a reação à culpabilidade
do delinquente pelo mal do crime e é repressão porque, originada no crime, se dirige não
somente para o futuro - ne peccetur -, mas para o passado – quia peccatu.

Quanto à natureza, a pena traduz a reação à culpabilidade do delinquente pelo mal


do crime e é repressiva porque, originada no crime, se dirige não somente para o futuro,
mas também para o passado.

9
A doutrina concorda que a pena criminal tem natureza repressiva, mas em pouco
mais reside a concordância.
Quanto aos fins,
Como vimos já,
Questiona-se e dividem-se as opiniões sobre os seus fins imediatos e esta questão é
uma das mais complexas do direito penal.
A conceção que a pena como algo resultante do crime, com absoluta independência do
fim, por uma parte, ou como uma livre criação humana, que encerra todo o seu conteúdo
na relação com a melhoria ético-social do delinquente e da sociedade, por outra, abre-nos
horizontes muito distintos, opostos mesmo, em toda a atividade jurídica científica e prática
e mesmo em todas as nossas relações humanas.

No entanto, em Cabo Verde,


A propósito das finalidades das penas, dispõe o art.º 47.º do Cód. Penal que «a aplicação
das penas (…) tem por finalidade a proteção de bens jurídicos essenciais à subsistência da
comunidade social e a reintegração do agente na vida comunitária».

2.7 Natureza e fins das medidas de segurança


Vimos acima que, quanto à natureza, a pena traduz a reação à culpabilidade do
delinquente pelo mal do crime e é repressão porque, originada no crime, se dirige não
somente para o futuro, mas também para o passado.

Diferentemente, quanto à natureza, a medida de segurança traduz a reação à


perigosidade do agente e, por isso, pode mesmo ser aplicada a agentes de factos
objetivamente ilícitos, mas em que o agente atua sem culpa, porque inimputável.

Ao invés,
A finalidade da medida de segurança não seria nunca a de castigar, ainda que com
objetivos acessórios de cura, mas tem essencialmente uma finalidade curativa, de
afastamento da perigosidade do agente, revelada pela prática de factos tipicamente ilícitos
que revelam o estado de perigosidade criminal, e da sua recuperação social.

Por isso, o crime tem, para a aplicação das medidas de segurança, valor sintomático e
de prova, mas nunca é o fundamento dessas medidas.
Podemos constatar que,

10
A medida de segurança há-de ser útil, em duas perspetivas:
Quer sob a perspetiva de interesse social, como meio de combate à perigosidade; e
Quer sob a perspetiva do interesse individual, como meio de recuperação da própria
dignidade e liberdade interior do homem.

Acrescenta-se que,
As medidas de segurança não se justificam só pela utilidade social.
A impossibilidade de justificar as medidas de segurança só pela utilidade social é
comprovada pela circunstância de que não pode haver medidas de segurança privativas ou
restritivas da Liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida (art.º
33.º, n.º 1, da CRCV) e que só quando a perigosidade se basear em grave anomalia
psíquica, poderão as medidas de segurança privativas ser judicialmente prorrogadas
sucessivamente enquanto tal estado se mantiver (art.º 32.º, n.º 6, da CRCV).

Em Cabo Verde,
A propósito de finalidade das medidas de segurança, tal como em relação às penas,
A nossa lei penal diz que a aplicação das medidas de segurança tem por finalidade a
proteção de bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade social e a
reintegração do agente na vida comunitária (art.º 47.º do Cód. Penal).

3 PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA


OS SISTEMAS MONISTAS E DUALISTAS DAS REAÇÕES CRIMINAIS

Antes de mais, deixar claro que,


As medidas de segurança são aplicáveis tanto a delinquentes imputáveis como a inimputáveis
perigosos.
Exemplos de aplicação de pena e medida de segurança a imputável,
O caso condenação em pena de prisão por crime cometido mediante a utilização de arma de
fogo, acumulada com a decretação da cessação de licença de porte de arma (art.º 94.º); e
O decretar da cessação da licença de condução, na sequência de crime cometido no exercício
da condução de veículo motorizado ou com ela ligada (art.º 95.º).

Ora, já
Vimos anteriormente que a pena é a reação jurídica à culpabilidade do delinquente e,
por isso, há-de corresponder à medida da culpa (art.º 45.º, n.º 3).

Ao passo que,
11
A medida de segurança é a reação jurídica à perigosidade e, por isso, fundamenta-se
apenas na perigosidade do agente (art.º 45.º, n.º 4).

Porém,
Sucede frequentemente que a “perigosidade” do delinquente (imputável) excede os
limites da sua culpa no caso concreto (ou seja, a perigosidade do delinquente vai para
além da sua culpa concreta).
Nestes casos (quando a perigosidade do delinquente excede os limites da sua culpa no
caso concreto), a doutrina e a legislação têm hesitado entre um sistema monista e um
sistema dualista.
Segundo o sistema monista das reações criminais, quando a perigosidade do
delinquente excede os limites da sua culpa no caso concreto, deve-se aplicar ao agente do
crime uma só medida penal que realize simultaneamente os fins da pena e da medida
de segurança (sistema monista).
Assim, o sistema monista atende particularmente à estrutura similar de execução da
pena de prisão e da medida de segurança privativa da liberdade.

Ao invés,
Segundo o sistema dualista das reações criminais, quando a perigosidade do
delinquente (imputável) excede os limites da sua culpa no caso concreto, deve-se aplicar
ao agente do crime medidas diversificadas, correspondentes à diferenciação da culpa
e da perigosidade (sistema dualista).
Assim sendo,
O sistema dualista atenta sobretudo na separação dos pressupostos da pena e da
medida de segurança (culpabilidade e perigosidade).

No entanto, convém ter presente que, na doutrina,


Os conceitos de monismo e dualismo não são unívocos e, por isso, é preciso ter muita
atenção ao seu uso pelos diversos autores, compreendendo previamente o sentido que dão
aos conceitos que utilizam.

Note-se, porém, que, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva, um sistema não
deixa de ser considerado monista, apesar de conhecer a existência de penas e de medidas
de segurança, se estas últimas forem aplicadas em situações em que não terá lugar a
aplicação cumulativa, pelo mesmo facto, de uma pena.

12
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, «o sistema português é decerto monista no
sentido de não permitir a aplicação ao mesmo agente, pelo mesmo facto, de uma pena e
de uma medida de segurança complementar privativa de liberdade.
Ele é, todavia, dualista não só no sentido de conhecer a existência de penas e de
medidas de segurança, mas também no sentido de aplicar medidas de segurança não
detentivas a imputáveis (art.ºs 100.º e ss CP Port.), como ainda no de aplicar
cumulativamente no mesmo processo, ao mesmo agente embora por factos diversos, penas
e medidas de segurança».

Seguindo de perto o pensamento de Germano Marques da Silva e Figueiredo Dias,


parece que o Código Penal de Cabo Verde segue tendências monistas ao não permitir a
aplicação ao mesmo agente, pelo mesmo facto, de uma pena e de uma medida de
segurança complementar privativa de liberdade (art.º 48.º), e, ao mesmo tempo, parece
seguir tendências dualistas ao prever, pelo mesmo facto, (para além da pena) a aplicação
de medidas de segurança desde que não privativas da liberdade (art.º 94.º e ss), como
ainda no de aplicar cumulativamente no mesmo processo, ao mesmo agente embora por
factos diversos, penas e medidas de segurança (art.º 89.º).
Nesta linha de pensamento, parece defensável tratar-se um sistema misto.

4 PRINCÍPIOS FUNDAMETAIS DE UMA POLÍTICA CRIMINAL CONFORME AO


MODELO DO ESTADO DE DIREITO

4.1 Os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade

O princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio da proibição
do excesso, é um princípio geral do Direito e que pode ser visto em duas perspetivas:

Uma muito ampla e outra restrita.


Em sentido muito amplo, o princípio da proporcionalidade preconiza o justo
equilíbrio entre os interesses em conflito, obrigando o legislador, os juízes e demais
operadores do direito a ponderar os interesses em conflito para em função dos valores
subjacentes e os fins prosseguidos os resolver segundo medida adequada.

13
Em sentido restrito o princípio da proporcionalidade significa que os meios legais
restritivos da liberdade e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida,
determinada pela gravidade do mal causado e censurabilidade do seu autor.

A proporcionalidade em sentido restrito exige, antes de mais, a limitação da


gravidade da sanção, gravidade do mal causado pelo crime, na base da adequação da pena
ao fim que esta deve cumprir.
Tradicionalmente o princípio foi entendido no direito penal como exigência de
proporcionalidade entre o facto cometido e a sanção prevista por lei. São razões de justiça
e de utilidade que fundamentam este princípio aplicável ao direito penal moderno: a
ordenação dos crimes e das penas em obediência a critérios que simultaneamente sirvam
para humanizar as penas e para facilitar o cumprimento da finalidade das penas e do
direito penal.

Como começamos por referir,


O princípio da proporcionalidade vale não só para o legislador, no momento da
opção pela incriminação e predeterminação da espécie e medida da pena aplicável em
abstrato, mas também para a determinação judicial da pena, na medida em que não há dois
factos concretos iguais, embora o possam ser nos elementos essenciais previstos pela lei.
É assim que o art.º 83.º, n.º 2 do Código Penal dispõe que na determinação concreta
da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,
depuserem a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, o grau de
ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, bem
como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

Salientar que,
No Estado de Direito Democrático a restrição legítima da liberdade pressupõe a
proibição do excesso dessa restrição e, em consequência, a adequação a necessidade e a
proporcionalidade das sanções penais aplicáveis e aplicadas ao crime previsto e cometido,
respetivamente.
O principio da adequação significa que as sanções penais legalmente previstas
devem revelar-se adequadas (apropriadas) para a prossecução dos fins visados pela lei.
O princípio da necessidade, que se concretiza no princípio da intervenção mínima,
significa que as sanções devem revelar-se necessárias, porque os fins prosseguidos pela
lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos.

14
O princípio da subsidiariedade
Fala-se do carácter subsidiário do direito penal para significar a ideia de que só deve
recorrer-se ao direito penal, como instrumento de tutela de bens jurídicos, quando a
incriminação for não só necessária, mas também adequada.
O princípio da subsidiariedade assim entendido constitui uma especificação no
campo do direito penal do princípio da proporcionalidade.

O princípio da subsidiariedade pode ser concebido em duas diversas aceções:


Em sentido restrito, o princípio da subsidiariedade pretende assegurar que o
recurso ao direito penal é injustificado ou supérfluo quando a tutela do bem jurídico for
eficaz mediante sanções de natureza não penal; em paridade de eficácia dos instrumentos
de tutela, o legislador deve optar por aqueles que limitem menos os direitos das pessoas.

Porém, já,
Numa aceção mais ampla, o princípio da subsidiariedade pretende assegurar que
a sanção penal seria a preferível ainda nos casos de não absoluta necessidade, mas
sempre que a função estigmatizante própria do direito penal for útil para os fins de uma
mais forte reprovação do comportamento e consequente mais enérgica tutela do bem
jurídico.

O princípio da fragmentariedade
O carácter fragmentário (parcelário) do direito penal é um aspeto do princípio da
subsidiariedade e pode ser analisado também numa dupla perspetiva embora ambas
complementares. Ora, bem,
Se o direito penal é subsidiário, não tutelando todos os casos em que é necessária a
intervenção sancionatória da ordem jurídica, mas só aqueles cuja gravidade em termos de
dano social justifica a ameaça de uma sanção penal, a escolha desses comportamentos é
feito pelo legislador de modo fragmentário (parcelário/fracionário):

As duas perspetivas do princípio da fragmentariedade:


- Nem todos os factos socialmente danosos, lesivos de bens jurídicos, constituem
crimes, mas só aqueles que o legislador qualifica como tais (crimes), aqueles que o
legislador considera de tal modo graves para a vida social que justificam a sanção penal
para quem os praticar.

15
Por exemplo:
A venda de cigarros não é crime, porém não deixa de ser lesiva para a saúde das
pessoas e, portanto, um dano social, lesivo do bem jurídico saúde pública.

Por outro lado, nem todo o comportamento lesivo dos bens que são objeto da tutela
penal constitui ilícito penal, mas só aquele que ocorra nos termos da previsão legal, isto
é, só aquele que corresponde ao modelo da previsão legal (que é previsto legalmente).
Só o facto típico é penalmente ilícito; não o é, pelo contrário, o facto não conforme
ao tipo legal, ainda que seja também lesivo de bens jurídicos que são objeto da proteção
penal.
Por exemplo:
Praticar ato sexual consentido com menores de idade é crime, portanto é um
comportamento lesivo de um bem objeto de tutela penal, porém caso o menor tiver catorze
ou mais de catorze anos de idade já não é crime, a não ser que o agente prevaleça de
alguma superioridade sobre ele/ela ou lhe tiver sido confiado para educação ou assistência.

Assim se vê que,
É frequentemente a especial gravidade do ilícito, a gravidade que justifica a
intervenção do direito penal, não reside só na lesão do bem, mas na forma da lesão, na
modalidade da ação lesiva do bem jurídico tutelado.
Por isso que, na perspetiva do direito penal, nem todos os bens jurídicos sejam por
ele tutelados, nem o sejam contra todas as formas de agressão, mas apenas são penalmente
tutelados alguns bens jurídicos e contra algumas formas de agressão.
Como referimos acima, o princípio da fragmentariedade é um aspeto do princípio da
subsidiariedade.
Com efeito, se a opção penal deve representar a ultima ratio é consequente que se
recorra a previsão incriminadora só para as agressões mais graves de um bem merecedor
de tutela, para as quais o interesse público impõe o meio extremo da punição penal.
Importa anotar que o princípio da fragmentariedade do direito penal representa a
projeção do instrumento penal como ultima ratio.
Por isso, no confronto com um sistema alternativo fechado e totalizante de tutela, a
fragmentariedade exalta a aspiração liberal da moderna conceção de um direito penal
constitucionalmente orientado.

Os princípios da legalidade e da jurisdicionalidade

16
Característica essencial do direito penal é também a legalidade (ter previsão
legal/estar previsto na lei) garantida pelos art.ºs 32.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Constituição e
consagrada pelo art.º 1.º do Código Penal, segundo a qual ninguém pode ser sentenciado
criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão
nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior,
nem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente
cominadas em lei anterior.

Outra característica do direito penal é a jurisdicionalidade, também garantida,


indiretamente, pelos art.ºs 30.º, n.º 2, e 31.º, n.º 3, da Constituição.
O princípio da jurisdicionalidade significa que a competência para decidir a
matéria penal e aplicar penas e medidas de segurança é exclusivamente dos tribunais,
portanto, da jurisdição.
A ideia de jurisdição está implícita a ideia de juiz imparcial e essa imparcialidade da
entidade competente para decidir a matéria penal e aplicar penas e medidas de segurança
criminais constitui uma garantia das pessoas.

O princípio da culpabilidade
O princípio da culpabilidade como fundamento e limite do direito de punir
O princípio da culpabilidade é considerado pela doutrina dominante como
fundamento e limite de qualquer política criminal num Estado de direito.
Com a invocação deste princípio pretende-se preservar uma série de garantias que o
princípio encerra e que são a sedimentação de uma progressiva evolução do direito penal.
O princípio da culpabilidade significa que a pena se funda na culpa do agente
pela sua ação ou omissão, isto é, em um juízo de censura do agente por não ter agido em
conformidade com o dever jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele
e realiza-lo.
A culpa pressupõe a consciência ética, isto é, a capacidade prática da pessoa de
dominar e dirigir os próprios impulsos psíquicos e de ser motivado por valores e a
liberdade de agir em conformidade, sem admissão das quais não se respeita a pessoa nem
se entende o seu direito à liberdade.
Por isso que a exigência constitucional da culpabilidade se deduz da dignidade da
pessoa humana, consagrada no art.º 1.º da CRCV).
Num sistema penal democrático, ninguém é qualificado como delinquente por ter
certas qualidades ou defeitos segundo os critérios sociais dominantes.

17
O homem é delinquente por haver agido, violando o dever jurídico de não agir, ou
omitido o cumprimento de um dever jurídico de agir, por opção própria, com consciência e
vontade de desobedecer à lei.
Colocada a questão nessa perspetiva, podem extrair-se do princípio da culpabilidade
as seguintes consequências:

Consequências do princípio da culpabilidade:


- A exigência de dolo ou negligência e consequente afastamento da responsabilidade
simplesmente objetiva;
-A necessidade de que a pena se refira a facto próprio (exclusão da responsabilidade
coletiva ou por facto de outrem);
- A necessidade de ter em conta a situação concreta em que o agente se encontrava
ao tempo de cometer o crime para que as circunstâncias concorrentes possam exercer o seu
papel excludente ou redutor da pena;
- Exigência de que a pena seja proporcionada à culpa do agente, isto é, que entre o
castigo e o facto exista um equilíbrio.

Na perspetiva da prevenção geral, só um direito penal que assente no princípio da


culpabilidade pode aspirar à função de orientação cultural das pessoas (prevenção geral
positiva), na medida em que o apelo à vontade da pessoa para que se comporte de acordo
com os ditames do direito pressupõe a sua capacidade de autodeterminação.
Do mesmo modo, a ameaça da pena só tem efeito preventivo se o agente se puder
determinar em razão da motivação, decidir-se a evitar o ilícito para não sofrer a sanção.
Ainda no campo da prevenção especial, só a culpa pode justificar a punição, porque a
reintegração social do delinquente através do cumprimento de uma pena pressupõe a
capacidade de distinguir e de se determinar em função dos imperativos jurídicos.
Parte da doutrina crê poder prescindir do princípio da culpabilidade, por
considerar que os fins do direito penal e da pena (prevenção geral) melhor se alcançam
pela aplicação da pena na medida que seja necessária para manter a confiança das pessoas
no direito e assegurar a ordem pública.
A substituição da ideia de culpabilidade pela de necessidade de prevenção geral
da pena não é aceitável, pelo menos no âmbito nuclear do direito penal, dado que se
perderia o necessário ponto de conexão entre a pena e as categorias vinculantes da ética
social.
Culpabilidade e prevenção geral pertencem a dimensões distintas e têm
significados independentes.

18
Na culpabilidade trata-se de determinar se se podem reprovar pessoalmente e de
que modo os factos ao agente do facto (merecimento da pena); na prevenção geral trata-se
de determinar se é necessária e em que medida uma sanção penal contra o autor de um
facto ilícito e culpável (necessidade da pena). A pena, que serve de ponte entre ambas, não
pode considerar-se uma medida coativa de valor neutro, mas antes como um juízo de
desvalor ético-social e, portanto, uma censura pública ao autor pelo facto culpavelmente
cometido.
O princípio da culpabilidade serve também como proteção da pessoa contra os
excessos da intervenção repressiva do Estado e preocupa-se em que a pena seja limitada a
condutas que mereçam um juízo de desvalor ético-social.
O princípio da culpabilidade no direito penal é manifestação de princípios
morais elementares que se mantêm vivos na consciência popular. A ideia da
responsabilidade do sujeito adulto e mentalmente são é uma realidade inquestionável da
nossa consciência social e moral. Geralmente assume-se a certeza da liberdade como
pressuposto dos próprios atos e espera-se também uma atuação livre por parte das outras
pessoas; da mesma forma pressupõe-se também a responsabilidade de todos os seres
humanos uns para com os outros e para com a coletividade.
O sentimento de liberdade de decisão e a consciência da responsabilidade pelos
próprios atos está ínsita no foro interno de cada pessoa e, por isso, o compreendem todos,
quando são responsabilizados com base no princípio da culpabilidade.
Este princípio é ao mesmo tempo uma importante proteção para todos. Ninguém
pode ser responsabilizado penalmente sem culpabilidade e só é possível punir na medida
da culpabilidade.
Também na prática só o princípio da culpabilidade pode servir de fundamento
ao Direito Penal, porque as penas que se não considerem merecidas não podem exercer
uma influência positiva, nem sobre o condenado, nem sobre a coletividade e, portanto, não
podem alcançar nem a prevenção geral nem a prevenção especial.

O Princípio da humanidade das penas e dignidade da pessoa enquanto limite da


duração e execução das penas
A pena como ultima ratio das sanções jurídicas
A pena é uma amarga necessidade, um ato de força, a ultima ratio de que lança mão
a sociedade para fazer respeitar as suas normas.

19
Cumprindo o direito penal uma função de proteção da sociedade e da pessoa, a
aplicação da pena só pode ser aceite quando seja necessária para à proteção da sociedade e
da pessoa.
O poder punitivo deve ajustar-se ao humanitarismo, que não deve entender-se como
simples caridade ou benevolência, mas como manifestação do respeito pela pessoa, e à
necessidade social do castigo.

A dignidade da pessoa humana como limite de duração e da execução das penas


O princípio da humanidade das penas, enquanto limite do poder punitivo do Estado, é,
porventura o princípio que em maior medida carateriza a evolução do sistema penal
contemporâneo.
O princípio da humanidade das penas é incompatível com sanções que atinjam a
própria dignidade da pessoa, como a pena de morte, as penas corporais e infamantes, as
penas privativas de liberdade de duração excessiva ou com caráter perpétuo ou de duração
ilimitada ou indefinida (art.ºs 28.º, n.º 2, e 33.º da CRCV).

20
21

Você também pode gostar