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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO - DHE
CURSO DE PSICOLOGIA

DANIELI LOPES RODRIGUES

AUTOMUTILAÇÃO EM ADOLESCENTES

Santa Rosa,
2019
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DANIELI LOPES RODRIGUES

AUTOMUTILAÇÃO EM ADOLESCENTES

Trabalho de pesquisa de conclusão de curso, apresentado para ao


curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à
obtenção do título de bacharel em psicologia.

Orientadora: Taís Cervi

Santa Rosa,
2019
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AGRADECIMENTOS

Inicialmente quero agradecer ao meu pai que nunca mediu esforços para dar o
melhor estudo e futuro para mim e sempre me ajudou em todos os momentos de
minha graduação.
A minha família pelo apoio, confiança e incentivo, e que nesses cinco anos de
graduação sempre estiveram do meu lado nos momentos que mais precisei.
Ao meu namorado Gabriel, que ficou ao meu lado em todos meus momentos
de desamparo e nos momentos em que me sentia sobrecarregada e que sempre me
motivou a enxergar o meu melhor e por me mostrar que conseguiria chegar onde
estou.
Sou grata a todos pela paciência, apoio e escuta, principalmente por me
apoiarem no sonho de seguir nesta profissão e por nunca duvidarem da minha
escolha.
Desejo agradecer também a todos os professores do curso de Psicologia da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijuí, pelo
comprometimento e apoio no processo de ensino-aprendizagem durante estes cinco
anos.
Agradeço especialmente a minha orientadora professora Taís, pelo
comprometimento na orientação deste trabalho; não apenas neste, mas também no
meu primeiro estágio, não medindo esforços para me ensinar o melhor e me fezer
acreditar na minha capacidade. Agradeço pela paciência, apoio e dedicação e por
suas preciosas contribuições que valeram muito para o meu crescimento pessoal e
profissional.
Por fim, mas não menos importante, agradeço ao meu supervisor de estágio
da ênfase clínica, professor Nilson Heidemann, que nesse último ano de graduação
me enriqueceu com seus ensinamentos, me mostrando meu grande potencial e
também o grande leque que a psicologia é capaz de abordar me fazendo desenvolver
ainda mais meus conhecimentos alcançados até aqui.
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RESUMO

O presente trabalho buscou abordar questões sobre a automutilação em


adolescentes. Inicialmente o trabalho aponta algumas considerações acerca do
entendimento da adolescência para a Psicanálise. Em seguida, a pesquisa trabalhou
questões referentes à automutilação. Nesse sentido, foram apontadas algumas
questões históricas, trazendo os primeiros estudos referentes à temática e às
mudanças que vem ocorrendo até a atualidade. Seguindo com o tema central, foram
realizados estudos com o intuito de conhecer a problemática investigada e todo o seu
contexto, especialmente quanto às contribuições que a psicologia vem agregando
sobre o tema. A partir disso, o trabalho abordou também a questão do suicídio que
vem aumentando constantemente nesta etapa da vida. Com isso, concluímos que é
de extrema importância o trabalho da psicologia com a escuta na adolescência para
dar suporte a essas questões e que a automutilação pode ser compreendida como um
sintoma que precisa ser escutado e trabalhado, uma vez que ele está relacionado com
o sofrimento psíquico do adolescente.

PALAVRAS-CHAVES: Psicanálise. Automutilação. Adolescência.


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................... Erro! Indicador não definido.


2. CAPITULO 1 - A ADOLESCÊNCIA PARA A PSICANÁLISEErro! Indicador
não definido.
3. CAPÍTULO 2 - A AUTOMUTILAÇÃO NA ADOLESCÊNCIAErro! Indicador
não definido.
3.3 O PAPEL DO PSICÓLOGO FRENTE À ESCUTA DA AUTOMUTILAÇÃO EM
ADOLESCENTES ..................................................... Erro! Indicador não definido.
4. CONCLUSÃO ..................................................... Erro! Indicador não definido.
5. REFERÊNCIAS .................................................. Erro! Indicador não definido.
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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo estudar a questão da automutilação em


adolescentes. Para tanto, a metodologia adotada para a realização desse trabalho foi
uma pesquisa bibliográfica, de caráter qualitativo e de cunho descritivo e exploratório
de tal forma que permitisse a aproximação do tema ao pesquisador.
Em relação a adolescência cabe conceituar brevemente o tema, que se inicia,
segundo Calligaris (2000), quando ocorre uma mudança fisiológica produzida pela
puberdade, sendo muito fácil de se perceber, tanto para os pais, quanto para os
demais que fazem parte do convívio do adolescente. Em outras palavras, podemos
dizer que se trata de uma transformação do corpo do sujeito para um corpo adulto.
Cabe ressaltar que, quando abordamos a automutilação, estamos nos referindo às
pessoas que machucam o próprio corpo de diversas formas, por meio de cortes,
queimaduras, entre outras. Elas se encontram em um momento de profunda dor na
qual não sabem como lidar com esta. Em relação ao adolescente, notamos que o ato
de se automutilar está cada vez mais presente em seu âmbito social e familiar, onde
estes atos são mantidos geralmente em segredo e são cometidos em um momento
de muita angústia. A automutilação também pode aparecer diante de algum
acontecimento que produziu uma enorme dor psíquica, com a qual o adolescente não
conseguiu encarar, associada ao forte sentimento de solidão por não ter com quem
partilhar esta dor. (FORTES; MEDEIROS, 2017).
Desta forma, ao abordarmos o tema da adolescência é visível as mudanças
psíquicas e o quanto esse turbilhão de pensamentos e sentimentos que muitas vezes
não conseguem ser expressados por via da palavra, acabam se manifestando no
corpo, ou seja, nas lesões corporais. Segundo Fortes e Medeiros (2017) a
automutilação no discurso dos jovens é trazida como uma dor corporal, sentida
fisicamente que busca amenizar a dor psíquica por meio do ato de infligir-se uma dor
física. Assim, pretende-se abordar essa relação da adolescência com a automutilação
por uma via psicanalítica.
O presente trabalho foi desenvolvido em dois capítulos. No primeiro momento
abordando a adolescência para a Psicanálise, a partir das contribuições de alguns
autores como Rassial, Aberastury e Knobel. No segundo capítulo é abordado
inicialmente a história da automutilação, seus primeiros estudos e apontamentos,
seguindo com o desenvolvimento sobre a automutilação na adolescência.
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Fernandes (2011) aponta que o corpo é frequentemente visto como fonte de


frustrações e sofrimentos passando a ser utilizado como instrumento para a
automutilação e cada vez mais usado como expressão do seu mal-estar. Nesse
sentido, dentro desse mesmo capítulo também é apontado questões relacionadas a
esse ato como a automutilação e sua relação com o convívio familiar, além de um
breve apontamento sobre o papel do psicólogo frente à escuta da automutilação em
adolescentes.
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2 CAPITULO 1 - A ADOLESCÊNCIA PARA A PSICANÁLISE

De acordo com Costa (2008) 1o período da adolescência, é marcado


pelo corpo do sujeito que passa a sofrer por diversas modificações, tanto
biológicas como psíquicas, e que para o adolescente podem ser vistas como
uma forma de invasão.
Andrioli (2014) aborda em seus estudos, que a adolescência é
caracterizada como uma crise psíquica, pois é nesse período da vida do sujeito
que ele é intimado a responder pelos seus atos que demandam mais
responsabilidades. Com isso, o sujeito acaba entrando em crise, pois encontra
dificuldade de posicionar-se frente a estas questões vendo-se neste momento,
em outro lugar e como um “novo sujeito”.
Ainda podemos pensar a adolescência como um ideal cultural na
contemporaneidade, pois o desejo de liberdade e independência que é
buscado pelos adolescentes, é visto pelo social como uma forma de rebeldia.
Porém, ao olharmos essa questão pela perspectiva psicanalítica, podemos
entender que esse desejo de liberdade e independência é de ordem
inconsciente dos adultos. Com isso, podemos constatar que a adolescência
surgiu na modernidade como um ideal necessário, e os paradoxos e
contradições que se impõem aos sujeitos adolescentes seriam consequências
dessa idealização. (CALLIGARIS, 2000).

O adolescente das últimas décadas do século XX deixou de ser a


criança grande, desajeitada e inibida, de pele ruim e hábitos anti-
sociais, para se transformar no modelo de beleza, liberdade e
sensualidade para todas as outras faixas etárias. O adolescente pós-
moderno desfruta de todas as liberdades da vida adulta, mas é
poupado de quase todas as responsabilidades. (KEHL, 2007, [S.p.])2.

De acordo com Oliveira (2001) a definição de adolescência pode ser


entendida mais como um trabalho psíquico do que como uma faixa etária, visto que a

1 Informação retirada de um site escrito por Ana Costa. Disponível em:


http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/marcas_invisiveis.html
2 Informação obtida do site escrito por Kehl. Disponível em:
http://coordenacaopedagogicaced4guara.blogspot.com/2012/04/juventude-como-sintoma-da-cultura-
maria.html
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sua durabilidade não dependerá tanto da idade, mas do peculiar tempo de cada sujeito
para a realização dessa operação subjetiva.
Giles (2010) aponta que essa questão da faixa etária pode ser vista como um
tempo lógico, mais do que um tempo cronológico, de modificações corporais do
sujeito, onde o real sexual irá fazer um corte no corpo imaginário tecido que diz
respeito ao corpo materno. Com isso, ocorrem mudanças discursivas do sujeito e do
outro, sendo que este outro na infância seriam os pais. Nesse sentido:

O Outro da infância encarnado imaginariamente pelos pais fica sem


consistência, vazio sem esse recurso que o puro simbólico. São estas
modificações que provocam a desestruturação do fantasma infantil ligado
edipiana e ao predomínio fálico na sua versão de potência imaginaria, ou seja,
sucumbe à significação construída na infância. (GILES, 2010, p. 198).

Ferreira, Teixeira e Ravasio (2017) apontam que para partir em direção a uma
definição de adolescência na Psicanálise, devemos considerar primeiramente o seu
objeto de estudo: o sujeito do inconsciente, aquele que deve ser compreendido pelos
tempos de constituição psíquica, mais do que pela idade cronológica. Assim, o que
vai orientar as interpretações na perspectiva psicanalítica não é o visível da
puberdade, mas sim o que se passa em nível de trabalho psíquico, a partir da forma
que o sujeito adolescente irá trabalhar com a crise subjetiva que marca esse momento
da vida. Compreendemos então, a adolescência enquanto um momento psíquico
complexo, uma passagem que coloca em questão a constituição psíquica e a
possibilidade de o sujeito posicionar-se em relação ao seu desejo e ao seu lugar no
social. (RASSIAL, 1999).
Andrioli (2014) aborda a adolescência como um momento psíquico, no qual o
sujeito busca construir uma nova posição subjetiva. Nesse período, o adolescente
busca respostas no seu meio familiar e ele não as encontra. Além disso, se espera do
jovem que ele dê conta das alterações do próprio corpo de maneira instantânea, dê
conta da sua sexualidade, e mais adiante ainda, que dê conta de sua escolha
profissional. Assim, o adolescente se depara com um amplo social, precisando neste
momento, de outras instâncias de referências, ou seja, ocupando outro lugar, de forma
a realizar uma passagem da família ao laço social.
A fase da adolescência é marcada pela rebeldia e pelo fato do sujeito sempre
estar testando os limites que lhes são impostos. Knobel (1981) citando Ana Freud,
aborda que é muito complicado marcar o limite de normal e o patológico na fase da
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adolescência e com isso aborda que todo esse período da adolescência se considera
normal, e se visto como anormal, estaria se desestruturando esse equilíbrio que vem
a ter nesse processo.
Aberastury (1981) aborda a adolescência caracterizando-a como um
momento crucial para o desenvolvimento do sujeito, não apenas para o momento em
que ele está se estruturando, como um final da personalidade, mas também como um
momento para aquisição da imagem corporal definitiva.
Nota-se portanto, que ao abordar o tema da adolescência se faz necessário
mencionar as mudanças corporais que ocorrem nesse período e a percepção que o
sujeito tem desse “novo” corpo, bem como os lutos necessários para a elaboração
dessa nova “fase”. Aberastury e Nobel (1981) descrevem a rebeldia, que geralmente
aparece no adolescente, como sendo uma elaboração de luto diante das perdas dos
pais da infância e do corpo infantil. Souza3 [S.d.] aborda que é a partir dessa
modificação de esquema corporal e do conhecimento que o sujeito tem do próprio
corpo, que as mudanças desse luto pelo corpo da infância são elaboradas.
A elaboração do luto é conduzida segundo Aberastury, Dornbusch, Goldstein,
Knobel, Rosenthal e Salas (1981) como uma forma de aceitação da função da
puberdade que lhe é destinada. Durante esse trabalho de luto, surgem defesas na
qual a finalidade é a negação da perda da infância. Nesse, o esquema corporal é
definido como a representação mental que o sujeito tem do próprio corpo, como
consequência das suas experiências em contínua evolução.
De acordo com Rassial (1997) esse período da puberdade, ou seja, o período
das transformações corporais, em que o sujeito se depara com o corpo semelhante
da mesma espécie do adulto e não mais com o corpo infantil, pode ser considerado
como o primeiro momento de uma revelação fraudulenta da promessa edípica. O autor
ainda aponta que o fato de “tornar-se” grande tanto quanto os pais, ou seja, largar o
estatuto de criança, demanda uma reconstrução da imagem de corpo no qual a
puberdade trocou de valor e de estatuto. Portanto, seguindo essa lógica, a
adolescência acontece em um momento posterior ao estádio do espelho, momento
em que a criança se depara com o “Eu”. De acordo com Dor (1989) o estádio do
espelho ordena-se essencialmente a partir de uma experiência de identificação

3 Informação retirada de um site escrito por Tamara Souza. Disponível em:


https://extensao.cecierj.edu.br/material_didatico/sau2202/pdf/aula%202_leitura_ADOLESCENCIA_N
ORMAL.pdf
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fundamental, durante a qual a criança faz a conquista da imagem de seu próprio corpo.
Anterior ao estádio do espelho, a criança não experimenta seu corpo como uma
totalidade unificada, mas como alguma coisa dispersa.
Rassial (1999) aborda então, que adolescência acontece após o estádio do
espelho, pois é nesse período que o sujeito se vê como uma imagem transformada e
com isso vai ver também o olhar do outro sob ele, e a partir disso vai se estruturar um
sintoma ou a modificação desse sintoma. São exemplos desses sintomas, questões
de ordem sexual, como o jovem que passa por uma enurese infantil para a
dismenorreia, ou quando o jovem passa da gagueira para a ejaculação precoce. Esse
corpo do jovem não apenas não é o mesmo, como também não pertence ao mesmo
estatuto.
Voltando a questão do luto, Knobel (1981 apud ABERASTURY, 1981) aponta
que o adolescente passa por três lutos fundamentais: o luto do corpo infantil, o luto
pelo papel e a identidade infantil, onde após passar pela infância ele se depara com
responsabilidades não antes enfrentadas, e por fim, o luto pelos pais da infância, onde
o adolescente procura refúgio e amparo e acaba por não receber, pois seus pais
também estão elaborando e aceitando a nova fase do filho.
Seguindo as ideias relacionadas à questão do corpo proposta por Aberastury
(1981), a autora aponta que o mundo externo exige do adolescente novas pautas de
vivências e convivências que são vistas como invasivas, diante das modificações
corporais incontroláveis. Essas modificações das quais a autora se refere, diz do
momento em que o sujeito se depara com a sua perda de identidade de criança, e
com isso surge a busca por uma nova identidade, com um plano consciente e
inconsciente. É importante lembrar que esse processo de construção do corpo próprio
se dá a partir de uma construção psíquica que acaba conduzindo contra o arranjo das
identificações que surgirem desde a constituição dos fantasmas primordiais do sujeito,
que vão gradualmente permitindo que este resida ao seu próprio corpo. (FORTES;
MEDEIROS, 2017).
Então, a fase da adolescência, é segundo Eros, Moreira e Stengel (2011), o
momento onde se iniciam novas experiências. Decorrente disso, o sujeito acaba por
desencadear certas confusões mentais onde ele não se reconhece, onde ele se vê
em uma incompreensão diante do seu eu. Ele se depara com o desconhecido e isso
pode levar o sujeito a desencadear uma série de comportamentos e atitudes
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inesperadas na tentativa de voltar a ter controle sobre si e sobre o que acontece com
seu corpo.
É importante salientar ainda, as questões de humor, típicas do adolescente e
que fazem parte do processo de luto enfrentado. “A quantidade e a qualidade da
elaboração dos lutos da adolescência determinarão a maior ou a menor intensidade
dessa expressão e desses sentimentos” e esses sentimentos podem vir a decorrer de
microcrises maníaco-depressivas, sendo que o adolescente passa por frustações e
aborrecimentos e acabam por vir a ter sentimentos de solidão. (ABERASTURY;
KNOBEL, 1989, p. 58).
Assim, após abordarmos alguns dos principais aspectos sobre a adolescência
para a Psicanálise, seguiremos com o objetivo de aprofundar nossa compreensão
acerca da questão da automutilação na adolescência.
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3 CAPÍTULO 2 - A AUTOMUTILAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA

As primeiras referências na literatura sobre a automutilação, surgem na


metade do século XIX. Nos Estados Unidos surgiram vários artigos sobre estudos de
caso referenciados na literatura médica sobre as formas mais severas de
automutilação. Entre a metade e o final do século XIX, foram registrados vários relatos
de casos de mulheres, diagnosticadas como histéricas, que furavam suas peles com
agulhas. Segundo Turner (2002 apud ARAÚJO; SCHEINKMAN; CARVALHO; VIANA,
2015):

O primeiro artigo sobre automutilação, em 1846, foi um relato de caso de uma


viúva maníaco-depressiva de 48 anos que removeu seus próprios olhos. Ela
cometeu a enucleação porque sentia que seus olhos a estavam levando a
desejar homens e, consequentemente, a pecar. (p.5).

Seguindo os estudos dos autores, apontam que Menninger (1934 apud


ARAÚJO; SCHEINKMAN; CARVALHO; VIANA, 2015) as questões da automutilação
são apontadas com uma visão teórica psicanalítica. De acordo com o autor a
automutilação continha três elementos essenciais: agressão voltada para o interior,
que frequentemente é sentida em relação a um objeto exterior de amor-ódio,
geralmente um dos pais; estimulação, com uma intenção sexual ou puramente física,
de certa forma uma função autopunitiva que permite que a pessoa compense ou
pague por um “pecado” de natureza agre
ssiva ou sexual. Quatro anos depois, em 1938, o autor reforça seu argumento
contra a noção popular de que tentativas de se machucar ao cortar a própria pele
fossem simplesmente uma tentativa de suicídio. Menninger aborda que os sujeitos
que se automutilam estavam, na verdade, buscando um meio de se autocurar e
autopreservar de algum modo. “A automutilação representava um sacrifício de uma
parte do corpo pelo bem de todo o corpo.” (MENNINGER, 1938/1966, p. 5). O autor
verificou que esses automutiladores sentiam pouca dor na hora do ato e pouco
arrependimento depois. É como se seu ato de automutilar tivesse resolvido o conflito
dentro deles.
A automutilação é definida como qualquer agressão consciente, intencional
direcionada a si mesmo, em qualquer parte do corpo, geralmente nos pulsos, com a
intenção de obter alívio e na maioria das vezes sem intenção suicida. Outros termos
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também são utilizados para definir o ato de automutilação como: cutting, autolesão,
autoagressão e violência autodirigida. (SANTOS; SANTOS; FREITAS; TENÓRIO;
SILVA, 2017).
Quando abordamos a automutilação, estamos nos referindo às pessoas que
machucam o próprio corpo de formas diversas, por meio de cortes, queimaduras, entre
outras formas. Elas se encontram em um momento de profunda dor de forma que não
sabem como lidar com essa dor. Em relação ao adolescente, notamos que o ato de
se automutilar está cada vez mais presente no âmbito social e familiar destes. Esses
atos são mantidos geralmente em segredo e são cometidos em um momento de muita
angústia do adolescente. A automutilação também pode aparecer diante de algum
acontecimento que produziu uma dor psíquica insuportável, com a qual o adolescente
não conseguiu encarar, associada ao forte sentimento de solidão por não ter com
quem partilhar esta dor. (FORTES; MEDEIROS, 2017).

Alguns adolescentes se engajam em tentativas repetitivas a cada fracasso


e em cada fracasso da relação com os outros, a cada encontro de mal-
entendido, apenas porque estas tentativas são os únicos acontecimentos que
parecem inquietar o meio circulante; por outro lado, o desafio que o
adolescente lança a si mesmo e aos outros, pode ir ao extremo, quer seja sob
a forma de uma tentativa de suicídio definida enquanto tal ou pela assunção
de riscos mortais, ou ainda por atos falhos de final trágico. (RASSIAL, 1999,
p. 135).

A automutilação trata-se, portanto, de uma dor que não encontra expressão


pela via da palavra. Diante desta impossibilidade de colocar em palavras a própria dor,
esse ato se apresenta como uma forma de amenizar a dor da alma. Essa dor que vem
em forma de cortes, é como uma tentativa de produzir a falta no Outro: “fazer furo lá
onde se mostra excessivo, na medida em que provoca angústia, constituinte de um
Outro sem faltas [...] a angústia é sinal de que a falta pode vir a faltar.” (COSTA, 2015,
p. 122).
Ao se referir a essa falta da falta, remetemo-nos às dificuldades de separação
dos adolescentes com a mãe, a dificuldade de fazer cair o objeto olhar da mãe, um
olhar que tudo vê e que é insuportável. Os relatos dos adolescentes, apontam que os
cortes são realizados em momentos de angústia, e que o alívio é proporcionado ao
ver o sangue escorrer.
Favazza (1987/1996 apud ARAÚJO; SCHEINKMAN CARVALHO; VIANA,
2015) classifica a automutilação superficial/moderada em três subtipos:
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Compulsivo, episódico e repetitivo. Cortar-se, queimar-se e quebrar os


próprios ossos podem ser tanto episódicos quanto repetitivos. A diferença
está na frequência e na importância que esses atos assumem na vida do
sujeito. Automutilação compulsiva refere-se a um comportamento que é
automático, sem que a pessoa pense muito antes de agir, geralmente ocorre
em resposta a uma ânsia repentina de se machucar e promove um alívio da
ansiedade. O tipo mais pesquisado da automutilação compulsiva é a
tricotilomania (ato repetitivo e deliberado de arrancar os próprios cabelos da
cabeça, sobrancelha e genitais). Automutiladores repetitivos se machucam
cronicamente e desenvolvem uma identidade fixa em torno da automutilação.
Automutilação episódica ocorre periodicamente como um sintoma ou uma
característica associada a alguns transtornos como stress pós-traumático,
depressão, transtornos dissociativos ou transtorno de personalidade
Borderline. (p. 8).

O comportamento de autolesão na maioria das vezes busca transferir algo


psiquicamente incontrolável para o corpo. Neste contexto, o ato contra si mesmo
denúncia a rasura nos destinos dos investimentos psíquicos. Em literaturas sobre
automutilação, podemos encontrar depoimentos que abordam sobre um acúmulo de
tensão que é seguida do relaxamento após a descarga. (ARAÚJO; SCHEINKMAN;
CARVALHO; VIANA, 2015).
De acordo com Fortes e Medeiros (2017) a tentativa de substituição de uma
dor por outra se faz na medida em que se constata a inegável dificuldade de
elaboração psíquica de um evento doloroso. As autoras ainda ressaltam que:

A dor corporal é vista como um substituto da dor moral, isto é, como uma
forma presentificada via cortes no corpo que atesta a impossibilidade de sentir
a dor da alma. Busca-se assim, paradoxalmente, apaziguar a dor psíquica
insuportável por meio do ato de infligir-se uma dor física. (FORTES;
MEDEIROS, 2017, p. 3-4).

Segundo Costa (2003 apud FERREIRA; TEIXEIRA; RAVASIO, 2017) as


marcas corporais tais como tatuagens, piercings entre outras, são formas de fazer
bordas, de situar as fronteiras corporais. Essas bordas são recortadas a partir do
suporte do olhar do Outro, desde as constituições da imagem corporal, advinda do
processo do estádio do espelho. São essas bordas corporais que constituem a relação
do sujeito com o ambiente, com o outro semelhante e com a realidade.

A automutilação geralmente não possui finalidade suicida, mas, pode ser um


primeiro passo para um pensamento de ideação suicida quando a
escarificação não for o suficiente para atenuar e controlar aquilo que esse
jovem busca transferir para o corpo. (SANTOS; SANTOS; FREITAS;
TENÓRIO; SILVA, 2017, p. 9).
15

Ao abordamos a automutilação cabe observar, segundo Fortes e Medeiros


(2017), que o ato é uma tentativa de substituição de uma dor por outra, e que esse ato
é cometido geralmente quando se constata a inegável dificuldade de elaboração
psíquica de um evento doloroso em que o sujeito esteja passando na sua vida.
Conforme Fortes e Medeiros (2017):

O irredutível da dor é o fato de ela se descarregar de maneira direta. No


caso da automutilação, trata-se da descarga direta de uma tensão
insuportável na ordem do corpo, na medida em que não se encontrou uma
via possível para que a dor pudesse ser traduzida em palavras. (p. 6).

De acordo Pontalis (2005), quando falamos em dor, em seus estudos se


observa que essa dor ocorre quando não se há mais possibilidade de suporte, quando
não há mediação ao alcance. Essa dor aparece quando o sujeito rompe os dispositivos
de proteção do psiquismo, quando “o cheio demais cria um vazio.” (PONTALIS, 2005,
p. 268).
Ao apontarmos acerca da automutilação é inevitável não trabalharmos
algumas pequenas questões em relação ao suicídio, pois muitas vezes esse ato pode
chegar à morte real. O suicídio ao ser estudado, é visto como um sintoma social, pois
em geral, ele está relacionado com algo da ordem do social, do que é exigido do sujeito
ser ou fazer, e com isso, muitas vezes, vem a acontecer a passagem ao ato. O
sintoma irá se expor dessa maneira, como uma forma mais intensa e visível sobre o
mal-estar que está presente no nosso âmbito social no qual exige do sujeito
responsabilidades e demandas em que ele, as vezes, não está totalmente preparado.
(WEIZENMANN, 2015).
Ao relacionar o adolescente e o suicídio, Alberti (2009) aborda que o sujeito
na fase da adolescência quando se depara com a fronteira entre a vida e a morte é
intensamente frágil, pois nessa fase da vida é difícil viver sempre com uma tensão,
novas exigências e responsabilidades. A autora segue uma visão freudiana,
entendendo que o Eu e a cultura estão em constante oposição na adolescência. A
cada nova renúncia pulsional, aumenta-se a culpa, que pode voltar contra si próprio.
Essa tentativa de suicídio primeiramente é abordada como uma forma de
apelo, como uma demanda, situada certamente, no registro neurótico e depois em
segundo lugar, essa tentativa vem como uma resposta de um luto ou uma punição de
alguma culpa. (RASSIAL, 1999).
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O sujeito passa ao ato para liberar-se do mal interior ou por um imperativo


superegoíco, e atinge no outro a imagem de si mesmo. Nesse sentido, a passagem
ao ato visa promover uma separação radical do outro. O sujeito “deixa-se cair” e sai
de cena. (LACAN, 1963, p. 125). Tal questão relacionada à imagem está vinculada a
personalidade que o adolescente está buscando. Quando não se encontra nos
padrões exigidos pela sociedade, o sujeito pode a vir a não conseguir essa adaptação
e vem a sintomatizar, causando um grande sofrimento.
De acordo com Dunker4 (2017) o adolescente em seu processo de construção
de sua personalidade, passa por algo nomeado de despersonalização, onde ele se
depara com um corpo que não o pertence, que não se reconhece, e acaba usando a
automutilação como uma forma de redução de angústia, em momentos que não
consegue mais caber em si mesmo. Esse ato é visto como uma aflição, na qual não
consegue dar nome, e essa dor é vista como uma forma de corte na angústia.
Aberastury, Dornbusch, Goldstein, Knobel, Rosenthal e Salas (1981) abordam
que essa questão da despersonalização é acompanhada no feminino, com a
menstruação e no masculino, com o surgimento do sêmen. Esses aparecimentos são
sentidos pelos sujeitos como uma forma defensiva e não uma aceitação, de forma que
eles não aceitam que esse processo é do seu próprio corpo.
Seguindo nessa ordem de construção da personalidade e despersonalização,
o sujeito irá se deparar com vários acontecimento e vai acabar refletindo, surgindo as
seguintes verbalizações: “não sou mais criança, perdi minha condição de criança; os
meus pais não são os pais de uma criança, mas os pais de um adulto; eu tenho que
me comportar como um adulto assim como meu corpo.” (ABERASTURY;
DORNBUSCH; GOLDSTEIN; KNOBEL; ROSENTHAL; SALAS ,1981, p. 65).
Ao abordamos a automutilação, podemos citar também a forma como o sujeito
sentirá o alívio dessa dor sentida, que vem de uma lógica da agonia e do desespero,
e sobre isso não está se tratando, necessariamente, do que a Psicanálise aborda
como masoquismo. A dor sentida no corpo aqui, não é uma via de obtenção de gozo,
mas é mostrada como uma forma expressar o desespero moral. (FORTES;
MEDEIROS, 2017).

4 Informação retirada de uma fala em vídeo de Christian Dunker. Disponível no seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=ngi_oZVXBWo
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A repetição desses atos de automutilação, intensivamente nos faz


interrogarmo-nos sobre como a dor física da criação desses cortes pode não ser
sentida como um desprazer, e nos faz pensar no que levaria esses adolescentes à
compulsão de cortar a própria pele, e também sobre o motivo dessa ocorrência ser
mais frequente na adolescência. (FERREIRA, 2016). A produção desses atos pode
trazer alívio a uma angústia que transborda, realizando o furo num corpo que ameaça
desbordar-se. Ao ver o sangue que escorre no seu corpo irá provocar o fascínio que
contém um sacrifício que se identifica em uma imagem. (COSTA, 20085).
Fernandes (2011) aborda que o corpo acaba se tornando um meio onde o
sujeito pode descarregar todo seu sofrimento e frustração. No âmbito social da
atualidade, o corpo tornou-se uma espécie de espelho, onde o sujeito mostra sua
subjetividade e seus desapontamentos diante do mundo.
Andrioli (2014) aborda suas experiências clínicas no seu período de estágio
com adolescentes, trazendo a forma como a prática de cortes no corpo é apresentada:

A referência à mãe fica colocada ao dizer que alguns cortes não são visíveis,
ou que o corte alivia uma angústia. A partir da minha escuta, alguns casos
me fizeram pensar sobre o lugar do olhar do Outro. Estes adolescentes
pontuam que o corte alivia a angústia que sentem em momentos que se veem
ameaçados ou em risco, neste sentido o corte vem a confirmar a borda
corporal. Também é uma forma que eles direcionam algo para a mãe. (p. 11).

A autora ainda traz a partir das suas experiências, que os adolescentes nessa
fase acabam indo em busca do corte como uma forma de buscar o olhar do Outro. Um
olhar de fora, que de alguma forma dê sustentabilidade para o próprio eu, para se
constituir como sujeito. Com isso, ele irá iniciar uma luta para construir sua identidade,
de forma que com as marcas ele se vê de alguma forma diferenciado, ele se vê como
um sujeito singular, ocorrendo uma intervenção no corpo que busca uma reformação
da sua imagem. É nesta relação do eu com o outro, com o meio ambiente em que ele
está inserido tanto no social quanto no seu meio familiar e com a realidade na qual
que ele se encontra que ele irá constitui as bordas.

5 Informação retirada de um site escrito por Ana Costa. Disponível em:


http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/marcas_invisiveis.html
18

3.1 AUTOMUTILAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O CONVÍVIO FAMILIAR

Ao abordarmos o tema da automutilação em adolescentes, é imprescindível


mencionar a relação dos pais com o sujeito. Todo o processo de desenvolvimento é
sim inerente de cada subjetividade e isso pode mudar a forma como o sujeito é
inserido na sociedade e como é sua convivência familiar.
Rodrigues (2018)6 aborda a forma como a comunicação é vinculada entre o
adolescente e sua família. Tal fato é uma das principais causas para que o
adolescente estabeleça uma identidade própria e independente, valorizando as
culturas morais e éticas parentais. Estas culturas refletem a preocupação dos pais
para com o bem-estar dos filhos, criando no adolescente uma maior satisfação com
o ambiente familiar e um menor envolvimento em comportamentos de risco.
Seguindo a ideia da autora, ao abordar sobre os estudos vinculados às
dificuldades do funcionamento familiar, no qual originam o desenvolvimento do
adolescente, pode-se relacionar uma série de riscos que influenciam a saúde, desde
o consumo de substâncias, comportamento alimentar inadequado, os quais acabam
chegando à automutilação ou ao suicídio. Ainda com esses estudos é evidenciado que
adolescentes deprimidos acabam por ser mais vulneráveis para o desenvolvimento
em comportamentos de automutilação. (RODRIGUES, 2018).
Para a Psicanálise, o sujeito passa pelo complexo de Édipo, onde o pai é uma
metáfora. Cabistani (2004) aborda que “para a criança, criança o Nome do pai, ou
função paterna, é sustentado imaginariamente na família”. ( p. 205).
Ao chegar na adolescência, ele se situa e sai desse imaginário colocando o
nome do pai dentro ou fora da subjetividade na qual ele está constituindo. Nesse
momento, o sujeito vai ver possibilidades de deixar a casa paterna, e em função dessa
busca, um novo laço social surgirá. A partir disso, irá inventar novos nome do pai para
possibilitar a existência desse sujeito fora do lugar familiar. (RASSIAL, 1997).
Os pais também passam por esse luto. Não só passam, como vivem por seus
filhos não só do corpo mas de sua identidade e dependência infantil.
Contudo, podemos concluir que o meio familiar em que o sujeito adolescente
está inserido, é sim um fator de grande importância, pois é ali que o sujeito vai se

6 Informação retirada do site de Thaynara Rodrigues. Disponível no seguinte link:


https://www.espacokonsenti.com.br/artigo/familia-adolescencia-e-a-automutilacao
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espelhar e é onde vai projetar tanto as seus objetivos e metas futuras quanto seus
conflitos e angústias.

3.3 O PAPEL DO PSICÓLOGO FRENTE À ESCUTA DA AUTOMUTILAÇÃO EM


ADOLESCENTES

Diante da questão da automutilação, é indispensável pensar no papel do


psicólogo frente a esse sintoma. O adolescente diante de tal situação, geralmente não
tem espaço para escuta, tanto no meio familiar quanto no seu convívio social, e sem
esse espaço ele acaba cometendo o ato para aliviar a sua dor. Na adolescência o
sujeito é visto como alguém rebelde e que só age com atitudes para chamar atenção.
Com isso, não é levado a sério, e muito menos é visto como alguém que está pedindo
ajuda.
A intervenção do psicólogo com o adolescente geralmente é complexa e
demanda muito cuidado. Muitas vezes, o silêncio apresentado pelo adolescente, é
entendido como uma resistência. Contudo, durante o processo analítico existem
momentos em que os sentimentos não conseguem ser expressados pela palavra.
(FORNI; SANTOS, OLIVEIRA, 2008). Nesse sentido, podemos pensar que o silêncio
pode assumir diferentes significados, sendo possível separa-los em dez categorias:

Simbiótico que seria quando o paciente espera que o analista adivinhe, de


maneira mágica, suas demandas não satisfeitas; bloqueio - quando ocorre
um bloqueio da capacidade de pensar; inibição fóbica - medo de falar por
apresentar intenso sentimento de ansiedade paranóide relacionada ao medo
de ‘dizer alguma besteira’, ou proferir algo que pode ser mal interpretado ou,
ainda, por se temer a quebra do sigilo em relação ao que é dito na sessão
analítica; protesto - ocorre devido à intolerância do paciente frente à situação
assimétrica que caracteriza a relação com o analista; nesse caso, o protesto
ocorre pelo fato de o paciente achar que o analista deve falar mais do que
ele; controle - maneira de testar a tolerância do analista e impedir que ele
tenha material psíquico disponível para construir interpretações que possam
ferir sua auto-estima; desafio narcisista - nesse caso, o paciente acredita que,
em silêncio, triunfará sobre o analista e, assim, o derrotará.; negativismo -
nesse caso, o silêncio pode representar uma forma de identificação com
objetos internos frustradores que não respondiam ao paciente ou, ainda, o
necessário e estruturante uso do ‘não’; comunicação primitiva - captado pelos
efeitos contratransferenciais que desencadeia no analista, o silêncio do
paciente pode fazer uma importante comunicação a respeito de seus
aspectos inconscientes e que ele não consegue transmitir
verbalmente; regressivo - o silêncio arrastado por longo período de tempo e
com um relativo distanciamento pode representar a busca de construção de
um sentido na presença da mãe, ou seja, a capacidade para estar
só; elaborativo - aparece apenas como um espaço de tempo para que o
20

paciente possa refletir e integrar insights parciais rumo à obtenção de


um insigth total. (FORNI; SANTOS; OLIVEIRA, 2008, p. 4).

Ao trabalharmos com adolescentes, é necessário termos uma certa


“delicadeza” ao identificar que a adolescência é singular, e cada sujeito irá fazer essa
passagem de forma diferente e, com isso, é preciso observar como essa efetivação
será para cada um. Assim, é indispensável ter muita cautela com generalizações como
aquelas que posicionam o adolescente em um lugar de rebeldia. Por outro lado,
podemos sustentamos a hipótese de que há algo em comum na adolescência
enquanto operação, na qual definições importantes irão se processar. Podemos ainda
acrescentar um outro elemento, que seria o entendimento de que a adolescência
também nos mostra algo do seu tempo. (JUCA; VORCARO, 2018, p.4).

Cabe então uma reflexão sobre os motivos pelos quais os atos se tornaram
tão recorrentes na clínica com adolescentes hoje. Se temos uma repetição
que não é apenas de um, mas que se apresenta como sendo pertencente a
vários de uma mesma geração, é preciso atentar para o que está sendo
denunciado acerca do campo social no qual os adolescentes estão inseridos.
(JUCA; VORCARO, 2018, p.4).

Assim, observamos que a automutilação na adolescência é uma forma do


sujeito expressar o seu sofrimento no corpo e por isso, torna-se fundamental a
compreensão acerca do que é a adolescência e do significados que o corpo pode
assumir.
21

CONCLUSÃO

O presente trabalho foi desenvolvido a partir de um interesse sobre a


adolescência e as questões relacionadas à automutilação, visto que tal interesse
surgiu a partir de uma primeira experiência de estágio desenvolvido em uma escola
pública.
A partir desse estudo concluímos que trabalhar com a adolescência está para
além de observarmos as questões físicas, pois para o campo psicanalítico ela é
caracterizada como uma crise psíquica, visto que é nesse período da vida que o sujeito
começa a responder pelos seus atos e consequentemente, é sobrecarregado com
mais responsabilidades. Isso faz com que o adolescente acabe por entrar em crise,
pois encontra dificuldades de se posicionar frente a estas questões e se reconhecer
em outro lugar.
O ato da automutilação está se tornando cada vez mais frequente nos
adolescentes. Esse ato pode ser caracterizado como qualquer agressão em que o
sujeito se encontra consciente sobre qualquer ato que venha a realizar, direcionado a
si mesmo, em qualquer parte do corpo, geralmente nos pulsos, com a intenção de
obter alívio da dor moral e na maioria das vezes sem intenção suicida. Essa dor não
consegue encontrar uma forma de se expressar pela via da palavra. Com isso, esse
ato se apresenta como uma forma de amenizar a dor psíquica.
O ato da automutilação vem sendo estudado a muitos anos e com o tempo
vem aumentando a frequência de casos encontrados e com isso acabam por despertar
uma enorme preocupação. Podemos ter como base comportamentos de risco e sua
frequente ocorrência, e com isso mostra-se fundamental a formação de profissionais
na área da psicologia, pois é indispensável um suporte profissional especializado para
que se possa auxiliar no atendimento desses casos. Com isso, para que se atinja um
resultado na intervenção com o sujeito adolescente, é preciso considerar que são
visíveis as atitudes de negação onde o sujeito demostra sempre uma certa
vulnerabilidade.
Enfim, o presente trabalho nos viabilizou a compreensão sobre a
automutilação na adolescência e seus estudos por um viés psicanalítico. Além disso,
abrangeu o entendimento desses atos que acontecem muitas vezes por meio dos
laços sociais e o convívio familiar que podem influenciar esses atos e também a
importância da escuta de um profissional da área da psicologia.
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