Você está na página 1de 242

Estratégias de Intervenção

Socioeducativa em Contextos
Sociais Complexos

Estudo Prospetivo e de Avaliação

RELATÓRIO FINAL
PROJETO

Estratégias de Intervenção socioeducativa em contextos sociais complexos


Estudo Prospetivo e de Avaliação
POAT 00377402011

DATA
julho de 2013

EQUIPA
João Sebastião (coordenador)
Joana Campos
Sara Merlini
Mafalda Chambino

Gerir, conhecer e intervir

1
Índice
Introdução ...................................................................................................................... 8
I. Violência, controlo disciplinar e estratégias de intervenção .................................... 10
1. A Violência na escola como problema social .................................................................. 10
1.1. transformações no sistema educativo e violência na escola ................................ 10
1.2. Representações sobre a violência ........................................................................ 12
2. A violência como problema científico............................................................................. 13
3. Desigualdades escolares e controlo disciplinar ............................................................... 18
3.1. Distinções territoriais e desigualdades escolares ...................................................... 18
3.2. controlo disciplinar e clima de escola....................................................................... 19
4. organização escolar e as políticas de regulação da violência na escola ......................... 21
4.1. As lideranças escolares e as orientações face à violência na escola ......................... 21
4.2. A evolução e centralidade das "políticas de regulação dos comportamentos" ......... 22
II. Políticas públicas ..................................................................................................... 24
1. As políticas de inclusão e igualdade: evolução, orientações e instrumentos ................... 24
2. As políticas de segurança escolar: contextos, conceitos e instrumentos de intervenção . 26
III. Territórios .............................................................................................................. 30
1. A perspetiva dos agentes locais ....................................................................................... 30
1.1. Caracterização dos agentes locais inquiridos ...................................................... 31
1.2. Relações entre os agentes locais .......................................................................... 33
1.3. Forças e fraquezas: colaboração, trocas e afinidades ......................................... 38
1.4. Prevenir e Intervir: necessidades e propostas de atuação ................................... 42
1.5. Dos instrumentos políticos às interações – considerações finais do diagnóstico
exploratório ..................................................................................................................... 43
2. A perspetiva dos representantes das instituições da rede socioeducativa local ............... 44
2.1. Intervenção dos das instituições da rede socioeducativa local – relações entre
parceiros .......................................................................................................................... 46
2.2. Estratégias de intervenção e colaboração ................................................................. 47
2.3. Posição face à escola ................................................................................................ 50
2.4. Principais dificuldades e problemas identificados.................................................... 51
IV. Escola ..................................................................................................................... 55
1. Os documentos escolares ................................................................................................. 55
1.1 Orientações da escola ................................................................................................ 55
1.2 Estrutura e Coordenação Organizacional .................................................................. 56
1.3 Estratégias e Mecanismos de prevenção ................................................................... 62

2
1.4 Regulação dos comportamentos e atitudes ................................................................ 63
1.5 Parceiros e parcerias das escolas ............................................................................... 69
2. A perspetiva dos eementos das direções escolares .......................................................... 71
2.1 Alunos violentos ........................................................................................................ 71
2.2 Orientações para a Regulação e Intervenção ............................................................. 73
2.3 Relações da escola com o exterior: famílias, entidades locais e forças da segurança 77
3. A perspetiva dos Professores ........................................................................................... 81
3.1. Percurso metodológico e amostragem ...................................................................... 81
3.2. Caracterização da população inquirida ..................................................................... 82
3.3. Integração organizacional dos professores ............................................................... 84
3.4. Atividade pedagógica e práticas disciplinares .......................................................... 93
3.5. Representações sobre a escola e a violência ........................................................... 100
3.6. representações, práticas e participação docente...................................................... 103
4. A perspetiva dos Alunos................................................................................................ 112
4.1. Violência na escola: a perspetiva dos alunos (inquérito)........................................ 112
4.2. Entrevistas a alunos reincidentes ............................................................................ 146
V. Conclusões ............................................................................................................ 163
VI. Metodologia Integrada de Intervenção ................................................................ 167
VII. Referências Bibliográficas ................................................................................. 170
Anexo A atividades do projeto .......................................................................................i
Anexo B Guiões de Inquirição ...................................................................................... ii
1. Questionário aos Agentes Sociais ..................................................................................... ii
2. Guião de entrevista para os Grupos Focais ...................................................................... iv
3. Guião de entrevista às Direções Escolares ........................................................................ v
4. Questionário aos Professores ............................................................................................ vi
5. Inquérito aos Alunos ....................................................................................................... xii
6. Guião de entrevista a alunos com comportamentos reincidentes ................................. xviii
Anexo C Lista de entidades locais inquiridas ............................................................ xxx
Anexo D Ficha de Produção Científica ...................................................................xxxi
Publicações ....................................................................................................................... xxxi
Comunicações e participação em Congressos e outros encontros científicos .................. xxxi
Formação ......................................................................................................................... xxxii
Disseminação de resultados ............................................................................................. xxxii
Anexo E Manual de Formação .............................................................................. xxxiii

3
Índice de Quadros
Quadro 1 - Relação entre agressão e intencionalidade ................................................ 15
Quadro 3 - Abordagens de regulação da violência em meio escolar ........................... 29
Quadro 4 - Distribuição das instituições com intervenção nos territórios
socioeducativos em estudo (seleção) ........................................................................... 31
Quadro 5 - Objetivos de atuação segundo o tipo institucional .................................... 32
Quadro 6 - Distribuição das instituições com intervenção nos territórios
socioeducativos em estudo (presenças) ....................................................................... 46
Quadro 7 - Estruturas de Gestão de Conflitos nas escolas – Gabinetes de Intervenção
...................................................................................................................................... 57
Quadro 8 - Medidas disciplinares corretivas - Regulamentação da tutela e das direções
das escolas .................................................................................................................... 59
Quadro 9 - Medidas disciplinares sancionatórias - Regulamentação da tutela e das
direções das escolas ..................................................................................................... 59
Quadro 10 - Medidas preventivas – Regulamentação das direções das escolas .......... 60
Quadro 11 - Ocorrências, procedimentos e medidas disciplinares registadas no
Gabinete Gestão de Conflitos da Escola E2 ................................................................ 64
Quadro 12 - Ocorrências por período e ano escolar no ano letivo de 2011/2012
registadas no Gabinete de Gestão de Conflitos da Escola E2 ...................................... 65
Quadro 13 - Ocorrências e medidas no 3º Período do ano letivo de 2011/2012
registadas pelo Gabinete de Intervenção Disciplinar da Escola E1 ............................ 65
Quadro 14 - Ocorrências por turma e ano escolar no 3º período do ano letivo de
2011/2012registadas pelo Gabinete Intervenção Disciplinar da Escola E1 ................. 66
Quadro 15 - Direitos dos alunos definidos por escola ................................................. 68
Quadro 16 - Deveres dos alunos definidos por escola ................................................. 68
Quadro 17 - Parceiros identificados nos documentos orientadores das escolas .......... 71
Quadro 18 - Responsáveis pela intervenção, por local das ocorrências e gravidade, por
escola............................................................................................................................ 75
Quadro 19 - Orientações para a gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros
...................................................................................................................................... 76
Quadro 20 - Representações dos dirigentes sobre a Tutela ......................................... 79
Quadro 21 - Guião do Inquérito por Questionários aos Professores ........................... 81
Quadro 22 - Universo e amostra do inquérito por questionário aos docentes ............. 82
Quadro 23 - Sexo e idade dos docentes inquiridos (%) ............................................... 83
Quadro 24 - Antiguidade dos docentes inquiridos na profissão e na escola (%) ......... 83
Quadro 25 - Situação na escola e cargos ocupados pelos docentes inquiridos (%) ..... 84
Quadro 26 - Perceção individual da cultura profissional e situação na escola dos
docentes inquiridos ...................................................................................................... 85
Quadro 27 - Conhecimento dos docentes inquiridos sobre o Regulamento Interno, por
escola............................................................................................................................ 87
Quadro 28 - Conhecimento dos docentes inquiridos sobre Regulamento Interno, por
funções na escola ......................................................................................................... 87
Quadro 29 - Articulação organizacional em situação de conflito e conhecimento dos
docentes inquiridos sobre o Regulamento Interno ....................................................... 88
Quadro 30 - Recursos considerados importantes pelos docentes inquiridos ............... 89
Quadro 31 - Índices de Gestão de conflitos por escola ................................................ 91
Quadro 32 – Recurso a elementos da escola para a resolução de situações de conflito
por estabelecimento de ensino dos docentes inquiridos .............................................. 92

4
Quadro 33 - Relação entre a opinião dos docentes inquiridos sobre as práticas
profissionais e o recurso a elementos para intervir ...................................................... 93
Quadro 34 - Recurso a elementos e índices de gestão de conflitos (ANOVA) ........... 93
Quadro 35 - Fatores mais importantes para a resolução dos comportamentos violentos
por escola dos docentes inquiridos .............................................................................. 94
Quadro 36 - Práticas disciplinares dos docentes inquiridos, por escola ...................... 95
Quadro 37 - Índices de práticas disciplinares por escola dos docentes inquiridos ...... 96
Quadro 38 – Efeito dos castigos ou tarefas na melhoria do comportamento dos alunos
por escola dos docentes inquiridos .............................................................................. 97
Quadro 39 - Relação entre a eficácia dos castigos e as práticas disciplinares dos
docentes inquiridos ...................................................................................................... 98
Quadro 40 - Relação entre os critérios importantes na aplicação dos castigos e as
estratégias para lidar com a reincidência dos docentes inquiridos .............................. 99
Quadro 41 - Principal fator considerado pelos docentes inquiridos para que ocorram
situações de conflito na sala de aula, por escola ........................................................ 100
Quadro 42 - Relação entre a opinião dos docentes inquiridos sobre o clima de escola e
a avaliação das situações de violência na escola ....................................................... 102
Quadro 43 - Análise Multivariada das práticas disciplinares renunciantes (MANOVA)
.................................................................................................................................... 103
Quadro 44 - Práticas disciplinares renunciantes: fatores associados ......................... 105
Quadro 45 - Análise univariada das práticas disciplinares pacificadoras .................. 106
Quadro 46 - Práticas disciplinares pacificadoras: fatores associados ........................ 107
Quadro 47 - Análise univariada da gestão reativa dos conflitos ............................... 107
Quadro 48 - Gestão reativa dos conflitos: fatores associados.................................... 108
Quadro 49 - Gestão proactiva dos conflitos: fatores associados................................ 109
Quadro 50 - Relação entre a opinião sobre as práticas profissionais e a opinião sobre o
clima de escola ........................................................................................................... 110
Quadro 51 - Relação entre as causas da violência e os fatores considerados mais
importantes na resolução dos comportamentos violentos .......................................... 111
Quadro 52 - Guião de Inquirição do Questionário aos Alunos .................................. 112
Quadro 53 - Composição da Amostra ........................................................................ 113
Quadro 54 - Autores, Vítimas e Testemunhas: construção dos índices ..................... 115
Quadro 55 - Perfis dos atores nas situações de violência na escola ........................... 115
Quadro 56 - Autores, Vítimas e Testemunhas (leitura em coluna)............................ 116
Quadro 57 - Autores por Sexo (leitura em linha) ...................................................... 116
Quadro 58 - Testemunhas por Idade (leitura em linha) ............................................. 117
Quadro 59 - Testemunhas por Ano Letivo (leitura em linha) .................................... 117
Quadro 60 - Vítimas segundo Benefício de ASE (leitura em linha).......................... 117
Quadro 61 - Categorias de violência: construção dos índices ................................... 118
Quadro 62 - Violência Física: autores, vítimas e testemunhas (leitura em coluna) ... 118
Quadro 63 - Violência Relacional: autores, vítimas e testemunhas (leitura em coluna)
.................................................................................................................................... 119
Quadro 64 - Violência Física: autores por sexo e por benefício de ASE (leitura em
linha) .......................................................................................................................... 119
Quadro 65 - Violência Física: vítimas por idade (leitura em linha) .......................... 121
Quadro 66 - Violência Física: vítimas por ano letivo (leitura em coluna)................. 121
Quadro 67 - Violência Física: vítimas por benefício de ASE (leitura em linha) ....... 121
Quadro 68 - Violência Física: testemunhas por idade, ano de escolaridade e benefício
de ASE (leitura em coluna) ........................................................................................ 122
Quadro 69 - Violência Relacional: testemunhas por idade (leitura em coluna) ........ 123

5
Quadro 70 - Violência Relacional: testemunhas por ano letivo (leitura em linha) .... 123
Quadro 71 - Legitimidade da violência (leitura em linha) ......................................... 124
Quadro 72 - Legitimidade da violência: construção dos índices ............................... 124
Quadro 73 – Legitimidade da violência: defesa e provocação ................................. 125
Quadro 74 - Autores vs. Legitimidade da Violência (leitura em linha) ..................... 127
Quadro 75 - Vítimas vs. Legitimidade da Violência (leitura em linha) ..................... 127
Quadro 76 - Autores/castigos e recompensas: resultados do teste do Qui-quadrado 128
Quadro 77 - Autores vs. Castigos Familiares (leitura em linha) ................................ 129
Quadro 78 - Autores vs. Recompensas familiares (leitura em linha) ........................ 130
Quadro 79 - Autores/opinião sobre a escola: resultados do teste do Qui-quadrado .. 131
Quadro 80 - Autores vs. Opinião positiva sobre a Escola (leitura em linha) ............. 132
Quadro 81 - Autores vs. Opinião negativa sobre a Escola (leitura em linha) ............ 133
Quadro 82 - Autores/Regulamento Interno: resultados do teste do Qui-quadrado .... 134
Quadro 83 - Razões para não conhecer o Regulamento Interno (leitura em linha) ... 135
Quadro 84 - Opinião sobre o Regulamento Interno (leitura em linha) ...................... 136
Quadro 85 - Autores/Opinião sobre os castigos: resultados do teste do Qui-quadrado
.................................................................................................................................... 137
Quadro 86 - Autores vs. Opinião positiva sobre os castigos aplicados na Escola
(leitura em coluna) ..................................................................................................... 138
Quadro 87 - Autores vs. Opinião negativa sobre os castigos aplicados na Escola
(leitura em coluna) ..................................................................................................... 139
Quadro 88 - Autores/Confiança e Obediência aos adultos da Escola: resultados do
teste do Qui-Quadrado ............................................................................................... 140
Quadro 89 – Autores vs. Confiança nos adultos da Escola (leitura em linha) ........... 141
Quadro 90 - Autores vs. Obediência aos adultos da Escola (leitura em linha) .......... 142
Quadro 91 - Autores/Importância dos estudos: resultados do teste do Qui-quadrado
.................................................................................................................................... 143
Quadro 92 - Autores vs. Importância dos Estudos: visão positiva (leitura em linha) 144
Quadro 93 - Autores vs. Importância dos estudos: visão negativa (leitura em linha)145
Quadro 94 - Tipo de comportamento e dimensão de rede por aluno e por escola ..... 148
Quadro 95 - Tipo de comportamento e dimensão de rede ......................................... 148

6
Índice de Figuras
Figura 1 - A violência enquanto forma de ação contingente ....................................... 16
Figura 2 - Centralidade dos atores em nomeações diretas ........................................... 33
Figura 3 - Intermediação (betweeness) dos atores em nomeações diretas ................... 36
Figura 4 - Simmelian Ties: relações de reciprocidade ................................................. 37
Figura 5 - Qualidade das relações ................................................................................ 39
Figura 6 - Frequência da colaboração .......................................................................... 40
Figura 7 - Frequência das trocas de informação e/ou recursos .................................... 41
Figura 8 - Distribuição etária dos inquiridos ............................................................. 114
Figura 9 - Ano escolar frequentado ........................................................................... 114
Figura 10 - Disposição das variáveis ......................................................................... 120
Figura 11 - Configuração do espaço social ................................................................ 120

7
INTRODUÇÃO

O presente estudo centrou-se na avaliação do contributo das políticas de segurança


escolar desenvolvidas no âmbito do Programa Escola Segura para a concretização das
políticas de integração, inclusão e igualdade educativa e social em contextos escolares
marcados pela diversidade e complexidade social e cultural. Procurou-se desse modo
avaliar a forma como se concretiza ao nível territorial a articulação entre o Programa
Escola Segura e os programas centrados na inclusão e igualdade educativa e social, de
forma a identificar os bloqueios e as potencialidades de colaboração entre os agentes e
instituições responsáveis pela concretização das políticas públicas, com o objetivo de
especificar os elementos centrais de uma metodologia integrada de intervenção
(prevenção e regulação) da violência nas escolas e nas comunidades, passível de
difusão alargada no sistema educativo e comunidades locais.

Para a concretização deste objetivo central, o plano de investigação foi subdividido


em cinco objetivos específicos:

1. Avaliação da eficácia local das políticas de prevenção e controlo de


comportamentos violentos nas escolas, centradas no Programa Escola Segura;

2. Identificação e caracterização das instituições formais e dos agentes sociais locais


que no território concretizam as orientações e medidas de políticas públicas, nas
diversas áreas associadas à intervenção no âmbito da violência, integração social e
igualdade de género;

3. Análise das conceções e práticas de intervenção relativas à violência desenvolvidas


pelas instituições formais e pelos agentes sociais locais;

4. Análise aprofundada sobre as dinâmicas de articulação da intervenção das


instituições formais e dos agentes sociais locais, com particular enfoque na
articulação entre a intervenção nas dinâmicas de prevenção e regulação da violência
em contexto escolar e os programas comunitários de integração e inserção social para
jovens, designadamente os relativos à transição para a vida ativa, integração de
minorias étnicas e igualdade de género;

5. Identificação dos elementos centrais de uma metodologia integrada de intervenção


(prevenção e regulação) da violência em contexto escolar e comunitária, mediante a
sistematização de princípios, objetivos e estratégias de intervenção que possibilitem a
sua disseminação e implementação em diferentes contextos e territórios.

Com esta investigação considerou-se, portanto, a análise dos vários dimensões de


produção da violência na escola e a clarificação das circunstâncias e esferas de
intervenção acionadas na regulação da violência. A abordagem metodológica
desenvolvida centrou-se numa análise integrada e sistemática das diversas estratégias
de intervenção socioeducativa em contextos sociais complexos. A triangulação das
técnicas de análise contribuiu para uma maior complementaridade e riqueza da
informação recolhida, facilitando o processo de interpretação e compreensão das

8
condições produtoras de violência e das esferas de intervenção (prevenção e regulação)
acionadas.

Visando contribuir para futuras estratégias e mecanismos de prevenção e intervenção


a avaliação e estudo prospetivo realizou-se no concelho do país em que se verificou o
maior número de ocorrências nos últimos quatro anos letivos (entre 2006 e 2010).
Neste concelho da Área Metropolitana de Lisboa foram selecionados três territórios
distintos, representado cada um por uma escola de 2º e 3º ciclos do Ensino Básico,
todas integradas no programa ministerial Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária, com situações de violência escolar relevantes e onde se identificaram em
estudos anteriores capacidades de regulação e prevenção das situações de violência
diferenciadas. Nesse sentido, o caminho a percorrer para a persecução dos objetivos
deste estudo privilegiou o cruzamento entre estratégias metodológicas de investigação
diversas combinando técnicas de recolha de informação intensivas, de inspiração
etnográfica e de investigação participativa, com outras de caráter mais extensivo.

9
I. VIOLÊNCIA, CONTROLO DISCIPLINAR E ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO

1. A VIOLÊNCIA NA ESCOLA COMO PROBLEMA SOCIAL

1.1. TRANSFORMAÇÕES NO SISTEMA EDUCATIVO E VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Na segunda metade do século XX a violência na escola era um problema


essencialmente discutido em círculos académicos restritos ou pelos diversos atores
educativos envolvidos nos incidentes. A divulgação persistente dos acontecimentos de
violência na escola nos meios de comunicação social levou a que este problema
adquirisse uma significativa visibilidade pública, transformando-se numa questão
relevante no debate educativo e político a nível internacional que se traduziu pelo
desenvolvimento de medidas políticas e recomendações em diferentes países e
organizações internacionais. Contudo, a nível nacional, o aumento da visibilidade do
fenómeno nem sempre correspondeu a um aprofundamento da problemática nem a
um efetivo esclarecimento da sua real importância nas escolas portuguesas.

A adaptação da escola às transformações nas sociedades contemporâneas é um


elemento chave na compreensão da relevância social atribuída à violência na escola.
A massificação acelerada dos sistemas educativos, os efeitos da globalização sobre os
contextos nacionais e locais e a perceção do aumento das situações de risco na
infância são fatores que isoladamente ou de forma cruzada, conduziram a um aumento
da preocupação sobre a segurança nas escolas e se traduziram em políticas e medidas
diversas num número crescente de países (Sebastião, Alves e Campos, 2010).

Um outro fator relevante pode ser encontrado nos efeitos do prolongamento


generalizado da escolaridade obrigatória e da real abertura da escola a todos, o que
implica a redefinição dos objetivos educativos, das formas de organização e de
trabalho pedagógico tendo em conta o impacto da crescente diversidade sociocultural.
Estas exigências constituíram-se como desafios específicos para cada escola, desafios
esses que se cruzam com a carga e memória histórica que o sistema educativo carrega
consigo. As estruturas institucionais, modelos organizacionais e práticas profissionais
ou mesmo os edifícios escolares são neste sentido marcados pela sobreposição dos
vários ciclos de expansão da escolaridade ao longo dos dois últimos séculos
(Sebastião, 2009b) .

A escola constitui uma instituição relevante da primeira grande vaga da modernidade


pela sua capacidade de atrair as populações, por um lado, porque proporcionava
formas de mobilidade social ascendente e, por outro, porque contribuía para a
manutenção dos estatutos e privilégios sociais previamente adquiridos (Sebastião,
2009b). Esta O reconhecimento desta "vocação" fez com que se criasse uma relativa
estabilidade das representações sociais e das estratégias face à escola (especialmente
das classes médias). Contudo, as transformações económicas e sociais recentes

10
vieram colocar em causa as funções sociais da escola e a realidade da transição para o
mercado de trabalho (particularmente na Europa).1

O debate sobre a violência na escola expressa ainda alguns dilemas societais,


nomeadamente do confronto das sociedades com a imprevisibilidade, na medida em
que instituições centrais, como a escola, parecem perder capacidade para contribuir
para algum sentido de segurança ontológica (i.e. capaz de proporcionar um sentido de
ordem e continuidade nos quadros de vida dos grupos e indivíduos).

A sensação de segurança face ao futuro que a escola dava às novas gerações converte-
se num sentimento de incerteza quanto aos benefícios potenciais da educação, uma
procura desencantada de educação (Grácio, 1986), resultante das transformações
radicais no mercado de trabalho (Canário, 2008). Esta transformação teve efeitos
particulares em Portugal uma vez que o "desencanto" ocorreu sobretudo em
indivíduos provenientes de grupos sociais pouco escolarizadas cujas famílias
realizaram esforços significativos para que os seus filhos atingissem níveis elevados
de escolaridade.

Cumulativamente, o aumento da referida atenção mediática da violência na escola


leva a que se passe a encarar a escola como um contexto cada vez mais heterogéneo e
conflitual, um espaço inseguro ou mesmo potencialmente perigoso, contribuindo
deste modo para mudar as conceções sociais sobre as condições em que a violência se
desenvolve (Sebastião, Alves e Campos, 2010). A difusão de interpretações parcelares
de conceitos produzidos no campo científico (Sebastião, Alves e Campos, 2003),
como o bullying, vem aumentar a visibilidade e a preocupação societal sobre esta
problemática. Transmite-se a ideia de que a escola "não é capaz" ou não tem recursos
para agir, já que a violência radicaria não apenas em fatores escolares mas em
profundos processos de desagregação social.

Noutro sentido pode ainda ser constatado um declínio da conceção moderna de


infância (Smith, 2012; Vandenbroeck e Bouverne-De Bie, 2006) e uma maior
fragmentação das representações sociais sobre as crianças (Sarmento e Cerisara, 2004;
Almeida, 2009). Uma mudança nos modos de vida infantis que expressa alterações
profundas nas práticas de socialização familiares, no enquadramento normativo e
práticas institucionais associadas à infância e nas decisões coletivas e individuais
relativas aos percursos escolares (Charlot, 2002; Sebastião, Alves e Campos, 2003;
Almeida, 2009). Estas transformações produzem efeitos no modo como atualmente
nos relacionamos com as crianças, uma vez que a infância passa a ser
progressivamente entendida como uma fase de vida em que as crianças se encontram
tendencialmente confrontadas com situações de risco. As famílias reduzem as
experiências e atividades antes acessíveis às crianças (brincar na rua, ir a pé para a
escola, etc.), atividades essas que são reclassificadas como perturbadoras ou perigosas
e os adultos que as permitem considerados negligentes (Gill, 2007:10). Dá-se portanto
um processo de "institucionalização" ambivalente (Sarmento, 2008:30), resultante do

1Esta situação é experimentada de forma muito diferente nos diversos pontos do globo. Nos países em
que o crescimento económico tem sido elevado na última década (por ex. nos chamados BRICS ou
economias emergentes) o défice de qualificações existente coloca a questão de forma inversa,
encontrando-se a escola numa situação de alargamento sem perca da sua capacidade de atração .

11
aumento da supervisão e regulação das crianças por adultos, do enquadramento
permanente por instituições especializadas na infância e do fechamento da família.
Neste sentido, o alargamento e diluição espacial e temporal das fronteiras protetoras e
a difusão da perceção das crianças como vítimas e geradoras de riscos leva portanto a
uma tentativa de controlo do risco (Korbin, 2003; Gill, 2007).

Este conjunto de transformações sociais favoreceu o aumento da preocupação sobre a


segurança nas escolas, contribuindo assim para a construção de representações sociais
essencialmente negativas sobre a problemática da violência na escola.

1.2. REPRESENTAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA

Segundo Leal (2010:394), as perceções sobre a violência e os riscos a ela associados


são construções sociais que condicionam as práticas e representações na relação com
os outros, as suas motivações para o comportamento desviante, e a eficácia dos
mecanismos de controlo social.

Uma das ideias vulgarmente aceites é de que a violência está associada a


características individuais dos alunos e à socialização familiar (consequência das
condições e modos de vida precários). Os conflitos na escola resultariam nesta
perspetiva de causas "evidentes" como o insucesso escolar, o abandono precoce da
escola ou a ausência reiterada, a pertença a uma minoria étnica ou grupo
socioeconómico desfavorecido. A ambiguidade do controlo escolar sobre as situações
de violência tem contribuído em parte para a reforçar estas conceções, nomeadamente
a ideia de que a violência na escola é causada por fatores exteriores e que o seu
aumento progressivo resulta de processos de degradação civilizacional e do
desrespeito pelos valores e pela cultura dominante.

A naturalização das situações de violência resulta em parte do seu entendimento como


uma característica típica da adolescência e juventude e que justificaria inclusivamente
a reduzida intervenção dos adultos da escola. Neste sentido a violência na escola é
entendida como um comportamento desviante juvenil específico, manifestando-se
como uma fase passageira que não tende a evoluir para um padrão de violência
permanente nos estágios mais tardios de desenvolvimento (Fuchs, 2008:30).

Numa outra vertente, constata-se ainda a naturalização da violência no interior de


escolas situadas em contextos sociais desfavorecidos. Os incidentes são entendidos
como um elemento estrutural desses contextos e como estando num crescendo
acelerado e incontrolável. Nesta conceção as escolas são vistas como estando
expostas e desmunidas de recursos para atuar, contribuindo consequentemente para a
degradação dos valores e da erosão social.

Todavia, os resultados da investigação e da intervenção desenvolvidas neste domínio


não sustentam as teses da determinação pela "herança social" (Visser, 2006; Sebastião,
Alves e Campos, 2010), nem a perceção de uma "escalada" de violência (Fuchs, 2008;
Carra, 2009a). Inclusive, tem-se vindo a verificar que a violência na escola é um
fenómeno transversal a todos os grupos sociais e que a sua difusão e intensidade são
reduzidas. O que não significa que esta não ocorra ou que não necessite do

12
planeamento e implementação de estratégias de prevenção e intervenção. A designada
violência de baixa intensidade (Dupper e Meyer-Adams, 2008:164) remete justamente
para os atos recorrentes de “pequena” violência, com reduzida gravidade, cuja
persistência nos quotidianos escolares tem impactos altamente negativos e a longo
prazo para os alunos. Não deixa no entanto de ser notável a divergência existente
entre a perceção popular (escalada de violência) e a evidência empírica (redução
sustentada dos incidentes ao longo da última década) (Mayer e Furlong, 2010; Fuchs,
2008; Matos, et. al., 2010).

2. A VIOLÊNCIA COMO PROBLEMA CIENTÍFICO

A violência na escola surgiu como tema com uma significativa vitalidade na agenda
científica a partir dos anos 1970, marcada pela preponderância de propostas teóricas
inspiradas no conceito de bullying. Esta presença fez-se notar pelo aumento crescente
das investigações sobre o fenómeno e pela constituição de um campo de especialistas
(Brown e Munn, 2008). Desenvolveram-se diferentes abordagens, pautadas pela
crescente controvérsia acerca do carácter individual e patológico frequentemente
atribuídos aos comportamentos violentos (Bansel, et. al., 2009).

A desocultação dos processos sociais associados à violência (Casella, 2002; Korbin,


2003; Visser, 2006; Braun, Maguire e Ball, 2011) alertou os investigadores para os
enviesamentos analíticos produzidos pela descontextualização dos comportamentos
individuais (Fuchs, 2008). Neste âmbito, a pesquisa adquire uma maior amplitude
analítica, considerando o "estudo dos atores em contexto" (Torres e Palhares, 2010:
158). Ou seja, a análise desta problemática passa a considerar como centrais tanto os
quadros culturais em que a violência se produz (socialização entre pares e
comunitária) como os contextos normativos e organizacionais em que os atores
educativos desenvolvem diferentes formas de ação. (Sebastião, 2009; Sebastião,
Campos e Merlini, 2012a; Sebastião, 2013). Estas abordagens desenvolveram-se
impulsionadas pela maior procura de conhecimento sobre a violência na escola e
pelas diversas tentativas de a definir.

Um dos contributos centrais no desenvolvimento do debate científico sobre a


violência na escola foi a proposta de bullying de Dan Olweus em 1973. O facto desta
pesquisa partir da Psicologia marcou a evolução da produção científica, com a
predominância do conceito de bullying por várias décadas (Smith et al., 2002).
Olweus começou por classificar o bullying como comportamento individual,
distinguindo-o de mobbing (comportamento coletivo) (Smith, 2013). De uma forma
genérica, o bullying caracteriza-se pelo assédio ou intimidação repetida entre alunos,
implicando uma intenção deliberada de provocar dano a um colega por parte do aluno
ou do grupo de alunos, caracterizado pelo desequilíbrio de forças, a existência de atos
repetitivos e uma situação de dominação e anulação da vítima.

Desenvolveram-se entretanto outras definições como a de “comportamentos de risco”


e de “comportamento antissocial” e o bullying passa a ser considerado uma forma
particular do comportamento agressivo (Smith, et. al., 2002). A noção de
comportamento de risco, promovida pela Organização Mundial de Saúde, inclui
categorias baseadas nas ofensas sofridas ou nos danos infligidos, cujos custos

13
humanos, sociais e económicos deverão ser reduzidos (OMS, 2005). Automutilação
(suicídio, consumos de drogas legais ou ilegais), ofensas a outros (homicídio,
agressão, etc.) ou à sociedade (vandalismo, discriminação, etc.) estão considerados
nos comportamentos de risco e esta definição é particularmente comum nas
investigações epidemiológicas. Por sua vez, o conceito de comportamento antissocial
encontra-se mais associado às pesquisas na área da psicologia, sociologia e
criminologia. Aborda um leque de comportamentos como a violência física, as
ameaças e outro tipo de atitudes delinquentes, nomeadamente o roubo, o uso de
drogas e ofensas associadas ao incumprimento de regras, entre elas as escolares
(Carra, 2009a; Veenstra e Dijkstra, 2011).

Apesar de comummente aceite e valorizada nas ciências sociais e humanas, a


diversidade conceptual e algum fechamento disciplinar sobre este fenómeno têm
dificultado a procura de linhas de contacto entre as várias abordagens científicas. A
utilização de termos semântica e conceptualmente próximos, como bullying, violência,
indisciplina, agressividade ou incivilidade, quando utilizados sem referência aos
contextos teóricos em que foram produzidos, confunde o diagnóstico e a intervenção.
É possível superar parcialmente estes problemas se adotarmos uma definição de
violência entendida como forma de ação num quadro de relações interpessoais2: "um
comportamento levado a cabo por uma pessoa (o agressor) com a intenção de magoar
outra pessoa (a vítima) cuja qual o agressor acredita estar motivada para tentar evitar
essa ofensa" (Anderson, 2000: 68). Centramos assim a análise na relação entre a
intencionalidade e tipos de agressão, que podem assumir formas físicas ou
psicológicas, distinguindo-se desta forma de situações acidentais ou resultantes de
consequências não esperadas. Podemos então classificar as situações de violência
separando aquelas que possuem características de tipo reativo/afetivo, em que a
agressão constitui um objetivo em si mesma, das de tipo proactivo /instrumental em
que a violência constitui um meio para alcançar um fim. No primeiro caso a
finalidade é magoar o outro, resulta de uma reação emocional a um impulso, a uma
provocação ou atitude hostil, e esgota-se na agressão; no segundo caso a agressão é
meramente instrumental para obter algo em troca, podendo não passar da ameaça se a
vítima aceitar tacitamente as condições do agressor.

2
Consideramos nesta definição apenas as situações de violência interpessoal, deixando de lado as
formas de violência institucional existentes na escola ou outras formas de violência social. Tal não
significa adotar uma abordagem individualista, mas antes delimitar algumas das dimensões centrais do
fenómeno no quadro da escola, centrando a análise nos processos relacionais que nela se produzem.

14
Quadro 1 - Relação entre agressão e intencionalidade

Tipo de Agressão
Física Psicossocial
O principal motivo é magoar o alvo,
Reativa/ reação emocional baseada em fúria,
que ocorre tipicamente em resposta Comportamento
Intencionalidade

Afectiva que
à provocação. procura ferir outros ao
Ocorre na ausência de provocação prejudicar o seu estatuto
deliberada, é desencadeada para social ou relações de
Proactiva/ obter algo em troca. O agressor tem amizade (agressão indireta
Instrumental a expectativa de que a agressão ou relacional).
física tenha consequências positivas
de carácter instrumental.
(Sebastião, 2009: 41)

Tendo por base esta distinção prévia podemos definir a violência como "atos
caracterizados pela agressão intencional, seja esta física ou psicossocial, podendo
assumir formas reativas/afetivas ou proactivas/instrumentais" (Sebastião, 2013:27).
Nesse sentido, a violência é uma configuração relacional particular marcada pela
tensão confrontacional (Collins, 2008), interação que incorpora tendencialmente
relações de poder assimétricas entre os atores (Sebastião, 2013). A limitação da
capacidade de reação das vítimas às consequências da agressão, seja pelo uso da força
física ou de mecanismos de pressão psicológica, coloca-as numa situação particular
de desproteção, impedindo muitas vezes o acionamento dos sistemas de regras
institucionais. Assim, um agressor caracteriza-se por ser tipicamente um indivíduo
que utiliza formas de poder (que são suportadas por agressividade física, verbal ou
psicológica) com o objetivo de, simultaneamente, anular a capacidade reguladora do
sistema de regras e de desencadear, ao nível relacional, um processo de dominação de
um ou mais indivíduos. A vítima nesta perspetiva é tipicamente um indivíduo que não
possui capacidade para resistir aos processos de dominação nem para ativar para sua
proteção o sistema de regras sociais da escola (Sebastião, 2009a: 46).

A anulação dos sistemas de regras pelos agressores (Domingues, 1995; Munn, et. al.,
2007; Brown e Munn, 2008; Carra, 2009a; Braun, et. al., 2011) expressa a
importância de investigar as variáveis organizacionais e os processos de intervenção
em situações de violência na escola, e implica adotar uma abordagem que enquadre as
esferas de intervenção e ação das instituições formais e dos agentes sociais e os
mecanismos que estruturam e regulam as conceções e práticas de violência. Trata-se
de perspetivar a violência enquanto forma de ação contingente, que traduz uma
configuração relacional particular com quadros de possibilidades diversos, em que
diferentes tipos e graus de tensão podem levar (ou não) a situações de confronto.

15
Figura 1 - A violência enquanto forma de ação contingente

Processos longos de socialização


Práticas institucionalizadas
institucional
de regulação da violência (processos de aprendizagem dos sistemas
(estado, escola, segurança social,
de regras formais)
autarquias, etc.)

A violência Processos de estruturação das


Processos de regulação enquanto forma conceções e atitudes violentas
social das conceções e de ação
práticas de violência contingente

Fonte: Sebastião, 2013:2


Práticas informais de Processos longos de socialização
regulação da violência comunitária (aprendizagem de
(família, pares, etc.) quadros e modelos sociais e culturais
9 grupais)

As conceções e atitudes violentas estruturam-se como resultado dos diversos


processos de socialização de que os indivíduos são alvo; dos modos de regulação da
violência e das características particulares dos contextos em que estas interações se
desenvolvem. Nesse sentido, a violência pode acontecer ou não, dependendo por
exemplo da existência ou da eficácia dos processos de regulação existentes na escola.
A violência em meio escolar é portanto uma problemática que nos chama a olhar de
forma abrangente e cruzada para a escola através de perspetivas políticas e
interdisciplinares. Foi com base nestes referenciais e nos elementos chave para a
análise da violência na escola que se procurou aprofundar o fenómeno ao longo dos
anos no Observatório de Segurança Escolar (OSE), através de uma estratégia
metodológica abrangente e compreensiva. O Ministério da Educação contratualizou
com uma equipa de investigação, posteriormente designada por OSE (Observatório de
Segurança Escolar), a elaboração e implementação de um instrumentos de inquirição
sobre o fenómeno da violência na escola em Portugal, a nível continental nas escolas
públicas. A identificação de "anomalias estatísticas" aquando da análise dos dados
reportados pelas escolas portuguesas ao OSE (Sebastião, Alves e Campos, 2010) veio
questionar algumas das conceções socialmente difundidas sobre o problema. A
constatação da existência de escolas territorialmente próximas com taxas muito
distintas de ocorrências de violência levaram a que se reafirmasse o princípio
sociológico que incita a analisar criticamente as evidências relativas aos factos da
vida social, transformando essas anomalias em elementos heurísticos fundamentais
para a análise dos processos e mecanismos sociais em geral e da escolarização e
situações de violência em particular.

16
Para aprofundar o conhecimento sobre o fenómeno da violência na escola a equipa do
OSE recorreu a uma combinatória de métodos extensivos e qualitativos em três níveis
de análise da difusão das situações violência. A nível macro analítico realizou-se a
recolha e análise de dados nacionais coletados através do formulário eletrónico online
situado na rede informática do Ministério da Educação, através do qual as escolas
devem fazer o registo obrigatório das ocorrências de violência.

Um segundo nível de análise pautou-se pelo desenvolvimento de pesquisas que


tomaram os territórios educativos (agrupamentos de escolas) ou escolas isoladas
como unidades analíticas, centradas numa perspetiva organizacional, territorial e
comparativa. A nível micro analítico centrou-se na observação participante e na
inquirição de atores chave da comunidade educativa e local (como os diretores da
escola, delegados de segurança3, professores, alunos e agentes locais com intervenção
nesta matéria). Quer a nível meso, quer a nível micro analítico recorreu-se ainda a
técnicas de recolha de informação por aplicação de inquéritos por questionário 4 ,
entrevistas semiestruturadas, realização de grupos focais, análise de redes, análise
documental e observação participante. O tratamento e análise dos dados recolhidos
pautou-se pela combinação de diferentes métodos e técnicas como a análise de redes
sociais – com recurso ao software UCINET – análise de conteúdo – com recurso ao
software MAXqda - análise documental e análise estatística – com recurso ao
software SPSS.

O uso de informação de diferentes tipos permitiu a construção progressiva de uma


visão multifacetada do tipo e extensão das situações violência. Devido à informação
peoduzida pelo OSE nos últimos anos, hoje podemos estabelecer a evolução do
número de ocorrências registadas por região e escola e é possível mapear a sua
difusão. A relativa estabilização do número de escolas que participam ocorrências
traduz a fiabilidade do formulário eletrónico, na medida em permite confiar que o
registo é uma prática sustentada e de que é possível caracterizar com algum rigor a
distribuição das situações violentas. Contudo, apesar de podermos traçar um quadro
global da difusão de situações de violência, há ainda pouca informação sobre as
estratégias de intervenção das escolas, e a recolhida revela que muitas têm
dificuldades em atuar de forma eficaz. Entre os elementos potenciadores das situações
de violência estão o fraco conhecimento sobre a situação da própria escola,
mecanismos de intervenção desadequados ou insuficientes e a preocupação reduzida
com os processos de inclusão e integração educativa de alunos socialmente e
culturalmente diferenciados.

3
Responsáveis pela gestão disciplinar da Escola, habitualmente são professores membros da direção,
assumindo a função de participar as ocorrências ao Ministério da Educação, através do formulário
eletrónico.
4
A opção pela aplicação dos inquéritos numa plataforma online em software especializado –
limesurvey – revelou-se vantajosa tanto ao nível da eficiência como da eficácia do processo de
inquirição. Um exemplo demostrativo disso mesmo foi o inquérito realizado a uma amostra de 792
alunos. Com a colaboração das escolas, foi possível colocar os alunos responder a partir de
computadores com ligação à Internet, em sessões coletivas, contando para o efeito com o apoio
presencial de membros da equipa de investigação. Além de evitar os habituais erros de inserção de
dados, este processo agilizou o tempo de tratamento dos dados e consequentemente da sua análise.

17
3. DESIGUALDADES ESCOLARES E CONTROLO DISCIPLINAR

3.1. DISTINÇÕES TERRITORIAIS E DESIGUALDADES ESCOLARES

A distribuição das escolas no território português tem historicamente resultado das


decisões do estado central, e raramente da exigência ou participação das comunidades
locais, que têm mantido uma relação historicamente distanciada com os
estabelecimentos escolares, vistos como agências locais do estado central. Apesar
desta relação distanciada, não podemos afirmar que o seu funcionamento seja
estritamente determinado pelas políticas e normativos definidas a nível central. Os
quotidianos escolares constituem contextos sociais e organizacionais complexos, já
que nele se cruzam, muitas vezes de modo conflitual, os efeitos das políticas de
educação, os entendimentos normativos particulares dos vários intervenientes, as
conceções pedagógicas e sociais de professores e pais e a intervenção de outras
instituições locais com responsabilidades na área da infância e segurança.

Nesse sentido a escola é construída como um espaço de confronto de conceções e


estratégias políticas e sociais dos diversos grupos interessados (perdendo a imagem de
uma aparente neutralidade), podendo as estratégias de intervenção sobre a violência
na escola (pedagógicas, disciplinares e organizacionais) ser entendidas como um
indicador das suas dinâmicas internas, enquanto resultante das orientações presentes
nas políticas educativas e os entendimentos sobre a violência construídos em cada
escola e comunidade educativa.

Atualmente, verifica-se um entendimento bastante mais estruturado das políticas de


segurança no sistema educativo português do que identificada há uma década atrás
(Sebastião, Campos e Almeida, 2002). Os estudos realizados no âmbito do OSE
contribuíram para mostrar que uma parte muito significativa das situações de
violência na escola radicavam de facto no seu interior e resultavam em grande parte
da própria lógica escolar.

O desenvolvimento centralizado do sistema educativo português incorporou como


nuclear a conceção política que a distribuição igualitária de recursos pelo estado
central produz resultados mais equitativos no acesso aos vários tipos de recursos
escolares por parte de toda a população. Nesta perspetiva, o sistema educativo tem
sido organizado de modo progressivamente uniforme através do território,
considerando-se que as diferenças entre escolas resultam essencialmente de fatores
externos como a estrutura social e económica local. Apesar do sucesso relativo desta
conceção na difusão da escolaridade, a pesquisa sociológica tem vindo a demonstrar
que a aplicação da conceção de uniformidade da oferta educativa não corresponde a
uma homogeneidade efetiva de condições de frequência. Constata-se designadamente
diferenças resultantes de processos de seletividade interna nas escolas e diferenças
resultantes dos fatores ligados à divisão social do espaço urbano (Campos e Mateus,
2001, 2002; Sebastião, 2009; Abrantes e Sebastião, 2010).

As escolas diferenciam-se pela sua inserção espacial, dimensão e qualidade dos


equipamentos, composição social dos seus públicos, qualificações dos seus
professores, níveis de sucesso escolar, etc. O efeito cumulativo das combinações entre

18
estes indicadores produz hierarquias de prestígio relativo entre escolas, levando ao
agravamento da seletividade no acesso às escolas ou na organização do próprio
processo de ensino e aprendizagem, ou ainda, na fraca capacidade para atraírem e
fixarem os professores mais qualificados. As escolas situadas junto de bairros sociais,
bairros degradados ou predominantemente habitados por comunidades étnicas ou
imigrantes encontram-se no "fim da lista" dessas hierarquias simbólicas, traduzindo
uma forte perceção de que nestas escolas existem menores oportunidades educativas
contribuindo assim para reproduzir desigualdades sociais dos contextos sociais em
que se integram.

No entanto, estas hierarquias nem sempre surgem de forma evidente nas pesquisas,
constatando-se justamente que muitas dessas escolas têm maior abrangência de
ofertas educativas (como os cursos CEF e PIEF) e um efetiva estabilidade dos seus
corpos docentes (Sebastião, Campos e Merlini, 2012b). Além disso, os fatores
subjacentes ao aparecimento de escolas com necessidades educativas extensas são
mais profundos, remetendo tanto para os processos de exclusão social no território
como para os processos de seleção social das escolas.

Para alcançar os seus objetivos, as escolas servem-se dos seus estatutos territoriais e
simbólicos. Thrupp e Lupton consideram os atributos característicos dos alunos
(como a classe, etnicidade, proporção de alunos oriundos de famílias refugiadas ou
com necessidades especiais), as diferenças características da escola e do meio
envolvente como fatores fundamentais da localização territorial, defendendo que "o
contexto realmente conta", contradizendo dessa forma os discursos acerca da
"neutralidade" da escolaridade (Thrupp and Lupton, 2006: 308).

Num dos estudos anteriormente realizados pela equipa do OSE, foi possível constatar
que competição pelos alunos de classe média era mais intensa entre as escolas
territorialmente mais próximas, concorrendo através de estratégias de atração e
seleção para o agravamento das diferenças encontradas nas estrutura social dos
territórios destas escolas (Sebastião, Campos e Merlini, 2012b). Neste sentido, a
seleção dos alunos no momento da entrada para a escola ou através de processos
internos de triagem, que passam pelo encaminhamento de alunos para outras vias de
ensino além do regular ou pela utilização dos mecanismos de controlo disciplinar com
o mesmo fim, traduzem-se em situações de menor inclusão dos alunos e de maior
polarização social das escolas. Estes processos internos articulam-se com a
reconfiguração social dos territórios locais, com as escolas a reforçarem as
desigualdades escolares e sociais.

3.2. CONTROLO DISCIPLINAR E CLIMA DE ESCOLA

Uma segunda dimensão respeitante à diferenciação entre escolas relaciona-se com a


existência de uma variação elevada nos critérios de decisão na apreciação das
ocorrências e na aplicação de medidas disciplinares. A sua existência expressa
processos de regulação de conflitos pouco estruturados e marcados pela ausência de
uniformidade nas decisões tomadas, enquanto formas de atuação coerentes e justas.
Este padrão sugere que as decisões ficam mais à mercê da opinião do responsável
pela regulação do conflito ocorrido, do que em função do estabelecido nos normativos
da escola. Os diferentes níveis de intervenção e colaboração dos elementos escolares

19
introduzem assim arbitrariedades e desigualdades na interpretação e tratamento das
situações (Sebastião, Campos e Merlini, 2012b).

Medidas como a suspensão são repetidamente usadas para "libertar" a escola dos
alunos identificados como fontes de perturbação, por vezes provocando mesmo a
expulsão intencional desses alunos. Apesar das ameaças reais e percebidas no
imediato estarem entre os principais motivos do recurso à pena de suspensão, a
maioria dos alunos suspensos da escola esteve envolvida em atos que não poderão ser
considerados violentos ou criminosos (Taras, 2003:1206).

Têm sido feitas diversas críticas a estas medidas disciplinares sancionatórias em


particular, pela perceção da ineficácia e impactos negativos nos alunos visados. A
suspensão ou a expulsão da escola são consideradas por alguns autores como uma
transferência de um problema localizado nas escolas para as ruas e para a comunidade
em geral, o que pode levar ao seu agravamento e não à sua resolução. A utilização
frequente deste tipo de prática disciplinar por algumas escolas reforça o absentismo e
o comportamento inadequado, uma vez que provoca a rutura com o percurso
educativo do aluno, falhando em lidar com as causas do comportamento disruptivo
(Costenbader, 1998:60).

Em detrimento do afastamento dos alunos da escola tem sido recomendado, entre


outras estratégias, que as escolas recorram a instrumentos pedagógicos (ou
restaurativos) de regulação do comportamento do aluno e que aprofundem a relação e
o envolvimento das famílias desses alunos (Taras, 2003; Morrison e Vaandering,
2012; Chin, et. al., 2012; Skiba, et. al., 2006). Estas abordagens incorporam uma
orientação preventiva e proactiva da intervenção escolar sobre os comportamentos
violentos que fomenta a construção e manutenção de climas escolares pacíficos.

Diversos estudos têm vindo a demonstrar a importância das características da escola e


do seu clima organizacional na produção de maior ou menor número de incidentes e
na resposta à violência (Kapari e Stavrou, 2010; Carra, 2009b; Dupper e Meyer-
Adams, 2008). Escolas com um clima mais positivo (lido nas variáveis de “medo da
violência na escola” e de “disciplina”– Carra, 2009b) ou aquelas em que o
envolvimento dos grupos de pares e a intervenção dos professores têm efeitos na
redução de situações de conflitualidade, possuem menores taxas de vitimização
(Kapari e Stavrou, 2010:93). Para Dupper e Meyer-Adams (2008) a proximidade dos
funcionários é um fator importante na construção de culturas e climas escolares
positivos (tolerantes, acolhedores e cooperativos), resultando no reforço de
comportamentos mais adequados dos alunos e na prevenção e redução da hostilidade.
As escolas possuem uma margem de atuação para se adaptarem às características
sociais locais, pelo que Gottfredson (1998:7) destaca o reforço da capacidade da
escola para desenvolver e sustentar a inovação mediante a utilização de equipas
escolares ou pelo desenvolvimento organizacional de outras estratégias.

A sobrelotação escolar, por exemplo, põe a capacidade organizacional das escolas à


prova na procura de soluções inovadoras que não afetem o seu clima escolar, nem
potenciem os incidentes de violência na escola, ao que se associa frequentemente a
degradação das instalações escolares. Esta relação contribui para o enfraquecimento
das relações e interações sociais, assim como do empenhamento e dos níveis de
aprendizagem (Ready et al, 2004). As respostas imediatas, como a divisão do dia

20
escolar em turnos, podem acarretar custos sociais e académicos negativos, sobretudo
para os alunos mais desfavorecidos ou com maiores dificuldades de aprendizagem.

4.ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E AS POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DA VIOLÊNCIA NA


ESCOLA

4.1. AS LIDERANÇAS ESCOLARES E AS ORIENTAÇÕES FACE À VIOLÊNCIA NA


ESCOLA

Analisar a escola implica olhar para uma configuração social particular que se
caracteriza por condicionamentos estruturais que limitam o seu desenvolvimento
organizacional e por atores sociais que interagem a partir de interesses e motivações
individuais e grupais, nem sempre coincidentes com os da organização ou dos
quadros normativos mais amplos. É nesta relação que se perspetivam as organizações
escolares, tanto na sua inteligibilidade como na sua imprevisibilidade, pois torna-se
necessário entender as organizações escolares não como entidades altamente
organizadas exteriores aos atores mas, antes, "anarquias organizadas e sistemas
debilmente acoplados" (Barroso, 1991:74). Esta abordagem incita-nos a olhar para a
escola enquanto "um espaço-tempo de mediação de interesses e poderes diversos,
interiores e exteriores às suas fronteiras físicas, prefigurando-se como uma
organização em ação" (Torres e Palhares, 2010:152). A problemática da violência na
escola contribui assim para compreender a reação da escola a situações críticas que
colocam frequentemente em causa os seus próprios fundamentos, designadamente os
psicossociais, organizacionais e normativos.

A definição de regras e de princípios de atuação partilhados por todos é um aspeto


fundamental para a adesão às normas e valores a respeitar na escola. Nesse sentido, a
implementação de estratégias e mecanismos de regulação constitui um leque de
opções cuja materialização resulta na estruturação das relações entre os diversos
membros da comunidade escolar e na estrutura organizacional. A ausência de uma
definição clara e explícita de regras e princípios de atuação comuns remete para o que
Barroso (1996:25) definiu como “autonomias clandestinas”, expressando a ideia de
que a imposição normativa pode ser frequentemente: objecto de desconexão, base
explorada pelos atores em sua defesa, fonte para diferentes interpretações, alvo de
observância seletiva ou mesmo pretexto favorável, ou propiciador, para a produção
de regras não formais e informais, por vezes de carácter alternativo (Lima, 1998:
479). A opacidade dos sistemas de regras escolares, marcados pela ambiguidade e
fraca comunicação de entendimentos normativos entre direções e professores, traduz-
se numa sobreposição das regras formais com interpretações particulares pelos
diversos atores educativos. Esta diversidade de entendimentos disciplinares e
respostas à conflitualidade está diretamente associada aos processos de
implementação das políticas de regulação dos comportamentos.

A identificação e compreensão das lógicas de ação e dos quadros que orientam a ação
sublinham a importância dos "jogos" de poder, interesses, conflitos, estratégias e
coligações dos atores no quotidiano organizacional das escolas (Silva, 2007:103). É
neste âmbito que as lideranças escolares adquirem maior relevância. Segundo Trigo e
Costa (2008:571) a escola "precisa de uma liderança que coloque no centro da sua

21
atividade a ética, a moral, os valores, as pessoas, o diálogo e a relação entre pessoas, a
adaptabilidade à mudança, o desenvolvimento organizacional, a qualidade" de forma
a corresponder aos desafios atuais. O desempenho da liderança pode constituir um dos
principais contributos na mudança dos sistemas educativos e das organizações
escolares – devido à procura de maior eficácia e ao aumento dos níveis de qualidade
que permitem o crescimento e desenvolvimento institucional. Para Silva (2009) a
liderança ganha especial importância quando é potenciada por práticas suscetíveis de
alargar e reforçar a sua influência, entre as quais o papel das lideranças intermédias:
"elementos críticos potenciadores de sucesso ou artífices do contrário" (Silva,
2009:53), às quais compete gerir recursos de base e estabelecer a ponte entre a
realidade da sala de aula e a direção.

Relativamente à violência na escola, o papel das lideranças escolares é decisivo e o


seu desempenho está particularmente associado com as orientações definidas para
responder a esse problema (Sebastião, Campos e Merlini, 2012a), pois é a elas que
cabe garantir a atuação e a eficácia das respostas, evitando processos de intervenção
erráticos e isolados que, a médio e longo prazo, levam a uma progressiva perda do
controlo sobre a situação e ao fechamento face à comunidade.

Neste sentido, pode-se afirmar que se produz um efeito cruzado entre os princípios
fundadores do projeto estratégico da escola, os modelos organizacionais, os estilos de
liderança e as representações sobre a origem da violência e as formas possíveis de a
enfrentar. Foi possível constatar que as escolas mais abertas e preocupadas com a
equidade na educação, e por essa razão com processos internos mais democráticos e
participados, são as mais capazes de controlar e prevenir as situações de violência e
que conseguem construir ambientes mais favoráveis ao desenvolvimento dos
processos educativos de todos os alunos (Sebastião, Campos e Merlini, 2012a).

4.2. A EVOLUÇÃO E CENTRALIDADE DAS "POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DOS


COMPORTAMENTOS"

Os sistemas educativos foram alvo de significativas transformações e reformas nas


últimas décadas, processos esses que produziram novos dilemas e desafios, ampliando
o debate sobre a democratização do ensino. O questionamento público sobre as
situações de violência na escola tem motivado debates intensos sobre a autoridade dos
professores, a relação entre modelos pedagógicos e gestão da (in)disciplina, o impacto
da diversidade sociocultural e a oferta educativa nas escolas, etc. O intenso debate em
torno dos compromissos políticos do pós IIª Guerra Mundial tem-se traduzido por
uma forte expressão nas décadas mais recentes de quadros de valores neoliberais, que
enfatizam a ideia de uma menor gestão social da população pelo Estado, em
detrimento de uma maior responsabilidade individual para enfrentar desafios e
inseguranças globalizadas (Ong, 2006). Convicção que sobrevaloriza a centralidade
dos comportamentos individuais e a sua conformação em vez da sua gestão através de
processos escolares. Como refere Casella (2002:369) "at the beginning of the 21st
century, policy reinforces the simple idea that kids need to be changed and that adults
have the means to change them, and that the way of changing them is by adjusting
their cognitive facilities and threatening them with punishment", assumindo a
regulação dos comportamentos um espaço central nas políticas educativas (Maguire,
Ball e Brown, 2010: 155). Este entendimento estabelece uma relação de causalidade

22
imediata entre a correção dos comportamentos e a melhoria dos resultados escolares
(Maguire, et. al., 2010), encerrando uma visão simplista da melhoria do desempenho
dos sistemas educativos.

Diversos autores têm chamado à atenção para a existência de diferentes fontes e


formas de legitimidade política e organizacional no interior das escolas, resultante dos
níveis de autonomia organizacional e capacidade de ação dos diferentes autores
(Barroso, 2003; Watkins, et. al., 2007). Estas formas de legitimidade interferem
muitas vezes de modo contraditório nos processos de implementação e aplicação das
normas. Nesse sentido, a aplicação das políticas nacionais é condicionada pelos
entendimentos locais sobre a regulação dos comportamentos (ou micropolíticas,
Maguire et. al., 2010). Não constituindo realidades homogéneas, encontram-se nas
escolas diferentes acessos à informação e diferentes interpretações das políticas e
sistemas de regras da própria organização, que se traduzem em práticas contraditórias
ou ambíguas na aplicação das políticas por parte dos diversos agentes
organizacionais.

No plano das políticas públicas portuguesas relativas às situações de violência na


escola verificou-se um desenvolvimento conflitual na estruturação dos instrumentos
de intervenção do Estado, que passou por uma reorganização genérica da articulação
entre os diferentes agentes educativos e administrativos envolvidos no processo. A
estruturação de políticas de regulação dos comportamentos expressa-se, no caso
português, através de medidas como a reformulação sucessiva do Estatuto do Aluno,
o Programa Escola Segura ou as tentativas de criminalização do bullying. A revisão
do Estatuto do Aluno, cujo objetivo é estabelecer o quadro normativo a partir do qual
se elaboram os regulamentos disciplinares das escolas públicas, provocou uma batalha
entre visões políticas e ideológicas diferentes sobre a regulação dos comportamentos e
sobre as formas de organização da vida quotidiana das escolas, o que é demonstrativo
da tendência dos diversos poderes políticos centrais para regular ao máximo o
quotidiano das escolas. As sucessivas alterações a que este quadro normativo tem
vindo a ser sujeito expressam bem a natureza conflitual e negociada dos processos de
decisão política. Aliás, este debate foi acompanhado por outros, como a organização
da rede escolar e o seu modelo de gestão, as opções curriculares e os modelos
pedagógicos, o que demonstra as diversas tentativas de reorientação estrutural das
finalidades e procedimentos do sistema educativo.

A complexificação das políticas públicas sobre a segurança escolar requer uma


avaliação mais aprofundada da situação dos problemas existentes, do impacto das
medidas tomadas, da articulação local entre os vários programas (como o TEIP) e do
desenvolvimento das escolas e comunidades envolventes. É importante analisar as
dificuldades na implementação dessas iniciativas, tendo em conta as diversas
dimensões do processo em desenvolvimento e a participação de intervenientes com
interesses e motivações variadas (muitas vezes divergentes dos objetivos definidos
pelo Estado central). A par disso, são igualmente necessários programas e
metodologias de intervenção adaptados à realidade das escolas portuguesas. Foi o
reconhecimento destas insuficiências que orientou o presente estudo, sobre as quais a
equipa do OSE, com a sua experiência e conhecimento acumulado, procurou
ultrapassar.

23
II. POLÍTICAS PÚBLICAS

1. AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO E IGUALDADE: EVOLUÇÃO, ORIENTAÇÕES E


INSTRUMENTOS

Em Portugal e na União Europeia (UE) o progresso significativo melhoria dos


níveis de qualidade de vida tem coexistido com a persistência dos fenómenos de
pobreza e de exclusão social. Os mecanismos de redução das desigualdades têm
demonstrado uma relativa ineficácia por não terem conseguido impedir a manutenção
das situações de exclusão social de determinados grupos da população,
nomeadamente os que se encontram em zonas de periféricas. No sentido de contribuir
para a resolução destes problemas, em Março de 2000 o Conselho Europeu de Lisboa
definiu como meta a erradicação da pobreza e da exclusão social, com o objetivo
estratégico de atingir um crescimento económico sustentado (emprego em quantidade
e qualidade) e maior coesão social em 10 anos. É a partir desta cimeira que se começa
a desenhar a Estratégia de Lisboa tendo sido proposto o Método de Coordenação
Aberta (MCA) como principal vetor político para alcançar esse objetivo5. Esta nova
estratégia de cooperação implicou uma abordagem articulada e tripartida entre as
políticas sociais (qualidade social/ inclusão), económicas (competitividade/
dinamismo) e de emprego (qualidade e pleno emprego), bem como a conjugação de
objetivos comuns, planos nacionais e programas comunitários.

Os quatro objetivos comuns para a inclusão social foram definidos em Dezembro do


mesmo ano no Conselho Europeu de Nice e posteriormente revistos em Novembro de
2002, são eles: 1) promover a participação no emprego e o acesso de todos aos
recursos, aos direitos, aos bens e aos serviços; 2) prevenir os riscos de exclusão; 3)
atuar a favor dos mais vulneráveis; 4) mobilizar o conjunto dos intervenientes. É com
base nestes objetivos e nas metas definidas que se definiram os indicadores comuns
(de diagnóstico, monitorização e avaliação dos objetivos), Planos Nacionais de Ação
para a Inclusão (PNAI) – que propõem políticas e soluções a implementar – e
relatórios conjuntos de avaliação dos planos dos Estados-Membros elaborados pela
Comissão Europeia. É neste contexto político que surgem as primeiras gerações do
PNAI entre 2001-2003 e 2003-2005.

A partir de 2005, a revisão da estratégia de Lisboa conduziu a alterações na Agenda


Social Europeia e no MCA, passando o processo de inclusão social a integrar uma
abordagem mais ampla e racionalizada (streamlining) 6 , que articula políticas de
inclusão, pensões e cuidados de saúde e cuidados de longa duração ou continuados.
Estas alterações ocorrem essencialmente pela discrepância entre os objetivos comuns
e a concretização das políticas, passando a avaliação da eficácia das políticas a ocupar
um lugar de destaque. Segundo, pela necessidade de reforçar a dimensão social e

5 Para a sua implementação foi criado o Programa Comunitário de Ação Contra a Exclusão Social em
2002 (Gonçalves, 2006:136)
6
Perspetiva de racionalização em que se procurou maior simplificação, integração e coerência entre os
processos de coordenação existentes (op. cit . pp. 137).

24
garantir a coerência e coordenação entre os objetivos da coesão social e os objetivos
do crescimento e do emprego. Estas alterações reorientaram a terceira geração do
PNAI entre 2006-2008, com um novo quadro de objetivos para a proteção social e a
inclusão social, dos quais três são específicos para a inclusão: 1) garantir o acesso de
todos a direitos, recursos e serviços essenciais e simultaneamente erradicar as formas
extremas de exclusão e discriminações que levam à exclusão social; 2) garantir a
inclusão social ativa de todos através da promoção da participação no mercado de
trabalho e do combate à pobreza e à exclusão social das pessoas e grupos mais
marginalizados; 3) garantir a boa coordenação das políticas de inclusão social e o
envolvimento de todos os níveis de governo e agentes pertinentes; a sua eficiência e
integração em todas as políticas públicas relevantes (económicas e orçamentais; de
educação e formação; programas de fundos estruturais como o FSE) e que consideram
a perspetiva da igualdade de género. Em 2008-2010, após avaliação e consequente
aprovação da estratégia implementada anteriormente, deu-se continuidade às
prioridades e objetivos políticos no sentido de as reforçar e melhorar. Essas
prioridades tiveram como eixos estratégicos de intervenção responder ao impacto das
alterações demográficas e promover a inclusão social de todos os cidadãos,
procurando prevenir e reduzir as desigualdades.

Em 2010 foi definida a nova estratégia europeia, designada Europa 2020, que aponta
para um crescimento mais inteligente, sustentável e inclusivo, num prazo de dez anos.
Representando uma revisão do modelo anterior, esta agenda definiu as prioridades,
objetivos e iniciativas para orientação e coordenação das medidas políticas a nível
nacional e europeu. Foi dado especial enfoque ao crescimento inclusivo com
particular preocupação com a criação de emprego e a redução da pobreza, tendo como
um dos grandes objetivos reduzir pelo menos em 20 milhões o número de pessoas em
risco ou situação de pobreza e exclusão social7. Parte integrante desta nova estratégia
constitui a plataforma europeia contra a pobreza e a exclusão social, iniciativa criada
também em 2010, com o intuito de coordenar e gerir as intervenções promovidas,
tendo quatro medidas principais:
1) Melhorar o acesso ao trabalho, à segurança social, aos serviços essenciais
(cuidados de saúde, alojamento) e à educação;
2) Utilizar mais eficazmente os fundos da UE para apoiar a inclusão social e lutar
contra a discriminação;
3) Encorajar a inovação social para encontrar soluções inteligentes na Europa do pós-
crise, em especial no que toca a um apoio social mais concreto e eficaz.
4) Fomentar novas parcerias entre os sectores público e privado.

Estas alterações sustentam uma mudança nas estratégias definidas para a inclusão
social, reconhecendo a multidimensionalidade da pobreza e da exclusão social. As
estratégias deste modo definidas passaram a considerar, por um lado, um maior
número de pessoas em risco de pobreza, em privação material ou com uma
intensidade de trabalho muito baixa, e por outro lado, a dimensão territorial dos
fenómenos. Sendo os Programas Nacionais de Reforma elaborados por cada Estado
membro, a tradução efetiva dessas orientações encontra-se no instrumento político
nacional mais relevante nesta matéria, o Plano Nacional para a Igualdade (PNI). Na
sua quarta geração, o IV Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não

7 No caso português a meta definida refere-se a 200.000 pessoas.

25
Discriminação 2011-2013 enquadra-se nos compromissos assumidos por Portugal nas
várias instâncias internacionais e europeias (como a ONU, o Conselho da Europa e a
União Europeia). Neste plano procura afirmar-se a igualdade como fator de
competitividade através de três eixos: reforço da transversalidade do género e
integração desta dimensão em todos os domínios de atividade política e social;
implementação de ações específicas para ultrapassar determinadas situações de
desigualdade; abordagem das discriminações múltiplas – "quando à pertença sexual se
juntam outros fatores de discriminação e os seus efeitos em homens e em mulheres"
(Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2012).

A integração das orientações definidas nos vários domínios de decisão e ação política
(local, regional e nacional) mediante uma estratégia de territorialização, é vista como
garantia da concretização e eficácia das mesmas e um princípio fundamental de boa
governação (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2012). Emerge
portanto uma nova fase de políticas europeias para a inclusão e coesão social e
territorial, que procura integrar os diversos atores chave na sua coordenação, através
do diálogo entre parceiros institucionais e não institucionais.

2. AS POLÍTICAS DE SEGURANÇA ESCOLAR: CONTEXTOS, CONCEITOS E


INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO

O fenómeno da violência na escola começou a ser entendido como um problema


social a partir dos anos 1990, na maioria dos países europeus, surgindo um conjunto
de respostas diferenciadas para lidar com o mesmo (Carra, 2009a:98). Em
consonância com as tendências europeias, Portugal assistiu igualmente a uma
ampliação da preocupação com este assunto e, consequentemente, à definição de
instrumentos políticos de prevenção e intervenção, com abordagens
significativamente diversas (e divergentes) quanto ao entendimento sobre as causas de
violência e quanto aos princípios de atuação. Também na esfera científica se assistiu,
a partir dessa década, à produção de investigação e discussão em torno do fenómeno
em diferentes domínios científicos (Sebastião, Alves e Campos, 2003).

A diferenciação, quer na circunscrição, quer nas respostas dadas para reduzir a


violência, é em grande parte explicada pelos desenvolvimentos da investigação sobre
o tema, seja a nível europeu, seja nacional. Entre as disciplinas que mais se têm
ocupado da pesquisa sobre a violência na escola, destacam-se a Psicologia, as
Ciências da Educação, a Sociologia e as Ciências da Saúde. Encontram-se assim
definições sobre o fenómeno que sublinham dimensões distintas. As mais
predominantes têm sido: "bullying escolar" (Olweus, 1993); "comportamentos de
risco" (OMS, 2005); "comportamento antissocial" (Carra, 2009a; Veenstra e Dijkstra,
2011).

Independentemente da definição usada, as pesquisas têm convergido na ideia de que a


violência em meio escolar é um fenómeno restrito, ocorrendo nos quotidianos sob a
forma de micro-violências, pequenas vitimizações e incivilidades – aquilo que é
usualmente designado por violência de baixa intensidade (Dupper e Meyer-Adams,
2008:164) – reiterando a raridade de incidentes de maior gravidade. Neste âmbito,
Carra (2009a:102) defende que a gravidade de um incidente deve ser pensada mais
em termos da reincidência da vitimação do que em termos da forma ou proporções

26
que o ato violento assume. Alguns investigadores defendem uma maior preocupação
com a escolha dos argumentos, métodos e fórmulas no sentido de adquirir um
controlo teórico sobre as virtualidades semânticas dos conceitos (Debarbieux,
2002a:65). Por esse motivo, alertam para o efeito da adoção de uma definição unívoca
do fenómeno da violência na escola pelo refinamento de categorias corresponde a um
vácuo teórico (e que se encontram na base da criação de alguns modelos de
intervenção) (Sebastião, et al 1999; Sebastião, Alves e Campos, 2003).

O desenvolvimento e disseminação do conhecimento permitiram apoiar a


implementação de instrumentos políticos de intervenção e prevenção, bem como
avaliar os efeitos dessas medidas em diferentes escalas territoriais e de modo
comparado. Smith (2004:140) relativamente às iniciativas para reduzir a violência nas
escolas a nível internacional, distinguiu entre as diretivas ou holistas (combinadas) de
larga ou pequena escala, com um formato menos uniforme ou mais padronizado8.

Em Portugal, o fenómeno da violência nas escolas ganhou relevância e visibilidade


social sobretudo a partir da década de 90, como anteriormente se referiu. A crescente
preocupação com o problema resultou essencialmente da persistência das queixas das
associações de pais e de professores, por um lado, e pela mediatização do fenómeno,
por outro. Contudo, não se pode considerar que se trate de um fenómeno recente no
país 9 . Foi neste contexto que se definiram diversos instrumentos políticos, sendo
efectivada pela primeira vez uma medida específica de controlo da violência nas
escolas em 1992, a partir do estabelecimento de um protocolo interministerial entre o
Ministério da Educação e o Ministério da Administração Interna. Sem uma
preocupação pedagógica de partida, o objetivo deste protocolo foi o de colocar as
autoridades escolares e as forças de segurança (PSP e GNR) num campo de ação
conjunto. No decorrer deste primeiro período as atuações sustentavam-se numa
abordagem essencialmente policial (Sebastião, Alves e Campos, 2003). Esta
abordagem funda-se no entendimento da violência como fenómeno que pré-existe à
escola, resultando sobretudo dos problemas existentes em zonas de periferia
degradada, marginal ou de bairro sociais cuja conflitualidade contextual, que segundo
esta perspetiva se reproduz inevitavelmente nos quotidianos escolares.

A criação do Programa Escola Segura em 1996, bem como um acordo de cooperação


entre os Ministérios da Educação, Saúde, Segurança Social e Administração Interna,
resultou assim do reconhecimento da necessidade de incorporação de outras
dimensões, como a pedagógica e securitária no âmbito das medidas políticas definidas
a nível nacional nesta matéria. Tal alargamento, implicou a promoção de novos
domínios de intervenção e de investigação. O Programa Escola Segura foi, então,

8
De que é exemplo o Programa Anti-bullying de Olweus, que foi largamente implementado na
Noruega em conjunto com outras iniciativas, além da Áustria, Finlândia, Alemanha e Islândia.
9
Em termos históricos, a violência policial contra os estudantes universitários no período do Estado
Novo e os confrontos físicos resultantes de intensos debates políticos entre estudantes ou mesmo
professores na época da Revolução dos Cravos são exemplo disso. Contudo, o enquadramento da
violência tinha um carácter essencialmente político, que não se coaduna com o tipo de violência que
podemos encontrar nas escolas hoje. Pequenos furtos, agressões esporádicas ou sistemáticas, uso de
armas, ameaças a professores e a colegas, ou a destruição de bens e equipamentos escolares ou pessoais
são realidades vividas pelas escolas portuguesas nos últimos anos.

27
implementado progressivamente num conjunto de escolas com a coordenação do
Gabinete de Segurança do Ministério da Educação10. Tendo como objetivo reduzir ou
erradicar as situações de violência e insegurança nas escolas e meio envolvente
(Preâmbulo – Despacho n.º 25 650 de 19 de Dezembro de 2006), os seus princípios
estratégicos baseiam-se na territorialização, na parceria, na formação e na
monitorização do fenómeno.

Ao inscrever-se num contexto de novas formas institucionais de resposta que


concorrem para a regulação social, esta perspetiva política relaciona-se por um lado,
com as iniciativas europeias de carácter territorial, de natureza contratual ou
partenarial das políticas públicas. Por outro lado, o Programa Escola Segura é um dos
primeiros campos de experimentação do modelo de Policiamento de Proximidade11,
cujo enquadramento implica a mudança do paradigma de atuação e da organização na
sua relação das forças de segurança com as populações e instituições locais. Assume-
se assim como uma estratégia com um duplo objetivo: envolver os cidadãos na
melhoria da qualidade de vida dos territórios em que se encontram e descentralizar a
atuação policial do policiamento reativo. Em conformidade com a filosofia de
intervenção subjacente, as estratégias de policiamento são de carácter essencialmente
informativo e preventivo e definem-se sobretudo pelas necessidades dos cidadãos.
Estas duas vertentes ou inspirações do principal instrumento de intervenção da
violência na escola em Portugal possibilitaram assim uma maior adequação aos
contextos escolares locais e a concretização de redes de colaboração entre as diversas
entidades envolvidas. Com a inclusão de uma dimensão mais pedagógica 12 , o
Programa Escola Segura ampliou então o leque de iniciativas implementadas,
inscrevendo-se de forma parcial ou total no leque de atuações desenvolvidas nas
escolas portuguesas. Esta reorganização do Programa Escola Segura foi coordenada
pela em 2006 pelo Observatório de Segurança Escolar (OSE) criado em 2005, cujo
objectivo de formação inicial se prendeu com o estudo dos fenómenos relacionados
com a segurança dos estabelecimentos de ensino e de fornecer instrumentos e
indicadores técnica e cientificamente validados.

O leque de iniciativas e lógicas de atuação (direta ou indireta) sobre a violência nas


escolas portuguesas não se distancia muito do que tem vindo a ser implementado no
contexto europeu, havendo essencialmente dois tipos de abordagem que se alimentam
de diversas medidas políticas de escalas e enfoques diferenciados, mas que se
complementam.

10
Gabinete criado em 1984 com um enquadramento meramente administrativo até 2007, ano em que
foi criada a Equipa de Missão para a Segurança Escolar, cujo mandato de três anos consistiu na
concepção, desenvolvimento e concretização de um sistema de segurança nas escolas. Em 2009 é
constituído assim o Gabinete Coordenador de Segurança Escolar enquanto estrutura administrativa
autónoma a funcionar em dependência do ME, e regulamentada a situação dos prestadores de serviço
de vigilância nas escolas e dos procedimentos concursais.
11
Inspirado em experiências de outros países como os EUA, Canadá, Inglaterra, França ou Holanda, o
policiamento de proximidade traduz-se no princípio que os agentes das Forças de Segurança devem
trabalhar conjuntamente com os cidadãos de modo a encontrar soluções para os problemas da
comunidade associados à criminalidade, desordem e outros que concorram para a redução do
sentimento de segurança (Lisboa e Dias, 2008:4).
12
Entendendo-se que grande parte das ocorrências resultavam também da necessidade de
reorganização das escolas nesta matéria para a prossecução dos objetivos educativos.

28
Quadro 2 - Abordagens de regulação da violência em meio escolar
Abordagem Objetivo da Medida Medidas em Portugal
Resolução de incidentes ocorridos ou redução Aumento do número de guardas e à colocação de
das oportunidades de ocorrência de violência. alarmes e câmaras de videovigilância nas escolas no
Policial/ Sistemas de resposta rápida e reforço da âmbito do Programa Escola Segura, bem como à
Externa vigilância, que nem sempre são eficazes criação de linhas telefónicas de apoio à vítima,
/contraproducentes na melhoria do clima de designadamente o SOS Professor da Associação
escola e da convivência Nacional de Professores.
Interventiva
O Sistema Jurídico de Autonomia e Administração
Escolar (Decreto Lei 137/2012)14 e o Novo Estatuto do
Regulamentação, definição de papéis a Aluno (Lei n.º 51/2012)15 são produtos que
desempenhar na gestão de conflitos e apoio ou representam particularmente as iniciativas nacionais de
Escolar/ Interna formação de professores (sensibilização, regulamentação e estruturação organizacional das
acréscimo de assistentes educativos e/ou treino competências a desempenhar. As iniciativas de apoio
específico de gestão de conflitos13). ou formação de professores têm cabido sobretudo ao
Programa Escola Segura16 ou a outras entidades
formadoras contratadas pelas escolas.
Entre o vasto leque de medidas portuguesas estão:
1. Intervenção cívica e/ou comportamental: Formação cívica, Programa Parlamento de Jovens;
Intervenção
pressupõem a responsabilização dos alunos e Treino de competências pessoais e sociais; Projetos de
cívica e/ou
podem enquadrar-se no âmbito da Educação gestão de conflitos entre pares ou de melhoria da
comportamental
para a cidadania e/ou para a Saúde autoestima do aluno; Programa Saúde Escolar e
Programa Eco Escolas.
O instrumento que melhor se enquadra neste tipo de
2. Alteração do Ambiente ou clima de escola:
Alteração do iniciativa em Portugal foi o Programa de
Preveem a melhoria das condições físicas dos
Preventiva Ambiente ou Modernização do Parque Escolar cujo objectivo foi
espaços escolares e dos seus equipamentos,
clima de escola modernizar a rede pública de escolas secundárias e
bem como a promoção do clima de escola.
outras afetas ao Ministério da Educação.
Principais instrumentos: Programa Territórios
Procura de 3. Procura de Equidade (igualdade de
Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP);
Equidade oportunidades, democratização do ensino):
Programa Escolhas; Diversificação de vias de ensino:
(igualdade de medidas de combate à reprodução das
Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF),
oportunidades, desigualdades sociais, nomeadamente o
Curso de Educação e Formação para Jovens (CEF),
democratização insucesso escolar e o abandono escolar
Percurso Curricular Alternativo (PCA) e Cursos
do ensino) precoce.
Profissionalizantes
Fonte: Observatório de Segurança Escolar, 2012 – adaptado de Smith (2004) e Debarbieux et al (2003)

13
Na Europa, as formações em gestão de conflitos são habitualmente destinadas a professores,
deixando com frequência o pessoal não docente e os pais excluídos destas iniciativas.
14
Este decreto procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de setembro. O novo modelo de escola alterou significativamente os
níveis organizacionais de decisão e atuação, numa ótica de descentralização e autonomia, permitindo às
escolas rentabilizar e mobilizar recursos que resultaram, por exemplo, no decréscimo efetivo do
número de incidentes.
15
Sendo um normativo em constante reformulação nos últimos anos e que tem gerado um aceso debate
político, o atual Estatuto do Aluno adequa e reforça as medidas disciplinares (de carácter corretivo e
sancionatório) a aplicar na escola, agilizando igualmente os processos disciplinares e as tomadas de
decisão. Este documento é apropriado e traduzido para o Regulamento Interno de cada Escola ou
Agrupamento de Escolas, verificando-se variações pouco significativas de estabelecimento para
estabelecimento a nível documental. Nas práticas, porém, a situação é outra.
16
Nomeadamente as sessões de sensibilização e formação promovidas regularmente pelas Forças de
Segurança e pontualmente pelo Gabinete Coordenador de Segurança Escolar, para além do apoio
sistemático das estruturas regionais em colaboração com este gabinete ou da criação de programas de
atuação específica (Vigilantes nas Escolas Primárias na Amadora).

29
III. TERRITÓRIOS

1. A PERSPETIVA DOS AGENTES LOCAIS

O desenvolvimento e complexificação das políticas públicas relativas à segurança das


escolas nos últimos anos impulsionou a realização deste estudo, no sentido de avaliar
o impacto efetivo das medidas tomadas, assim como a articulação local entre os
vários programas (como o TEIP, Escolhas, etc.), as orientações e os instrumentos de
territorialização da educação e formação. Numa avaliação deste tipo é preciso
considerar as diversas dimensões em que se desenvolve o processo de implementação
e concretização local das políticas de segurança escolar e a participação dos diversos
intervenientes. Assim, os resultados que aqui se apresentam prendem-se
particularmente com os objetivos de identificação e análise: a) dos bloqueios de
articulação entre políticas, programas e medidas; b) e das potencialidades de
colaboração entre os agentes e instituições responsáveis pela implementação das
políticas. As opções metodológicas desta pesquisa foram definidas com base na
análise (preparatória) dos dados de caracterização recolhidos e desenvolvidos em
trabalhos anteriores, ancorando os saberes e experiências teóricos e empíricos
acumulados pela equipa do Observatório da Segurança Escolar (Sebastião, Campos e
Merlini 2012b; Sebastião, Campos e Merlini 2011; Sebastião Campos e Merlini,
2010).

Inicialmente partimos do levantamento do conhecimento prévio dos interlocutores


escolares relevantes neste domínio, por serem os atores com responsabilidade na
regulação do fenómeno de violência na escola, quer a nível local quer concelhio,
combinado com a análise dos documentos estratégicos das respetivas entidades
(Projeto Educativo de Escola, Plano de Desenvolvimento Social Concelhio,
Diagnóstico Social Concelhio do Conselho Local de Ação Social do Concelho).
Posteriormente, realizou-se a aplicação de um inquérito por questionário aos
representantes institucionais das diversas entidades identificadas, com implicação nos
processos relativos à proteção de crianças e jovens.

O inquérito por questionário aos representantes institucionais compreendeu três


dimensões principais: a) uma breve caracterização da instituição; b) a nomeação de
um conjunto de parceiros e a avaliação do grau ou intensidade das interações
estabelecidas com estes para a regulação da violência infanto-juvenil (afinidade,
frequência de colaboração e de trocas de informação ou recursos); c) a identificação
de necessidades internas e externas da instituição e de propostas de melhoria. A
triangulação da informação recolhida permitiu traçar um diagnóstico inicial sobre as
relações e articulações entre estes agentes institucionais na concretização de
estratégias de intervenção e prevenção. Inscrevendo-se numa pesquisa de pequena
escala, os resultados obtidos pela análise de redes que aqui se apresenta, enquadram-

30
se numa observação de diagnóstico, de natureza preliminar, cuja finalidade principal é
avaliar os padrões de interação de um conjunto de instituições locais. 17 Tanto os
recursos (temporais e materiais) como os objetivos principais do projeto, no
desenvolvimento do qual esta análise se inscreve, circunscreve a análise com enfoque
para a descrição das propriedades estruturais emergentes (padrões ou regularidades
sociais) na rede. Metodologicamente destaca-se que os diversos momentos de
contacto entre a equipa do Observatório de Segurança Escolar e as instituições
constituintes da amostra garantiram um nível de confiança significativo e,
consequentemente, um acesso privilegiado a esta rede, constituindo um excelente
ponto de partida.

1.1. CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES LOCAIS INQUIRIDOS

A seleção do conjunto de entidades locais e instituições formais que configuram as


redes de intervenção sobre situações de violência, em cada um dos territórios
socioeducativos considerados no estudo, procurou enquadrar as respetivas dinâmicas
dos contextos territoriais. Ao todo escolheram-se 23 entidades e instituições que se
distribuem da seguinte forma pelo concelho e freguesias.

Quadro 3 - Distribuição das instituições com intervenção nos territórios socioeducativos


em estudo (seleção)

Zona 1
Freguesia
Tipo/ Local Município Freguesia 1 Freguesia 2 (Freguesias Total
3
1 e 2)
Autárquica ou Oficial não judiciária 3 1 2 1 2 9
Associação, Projeto ou Programa Social 0 2 1 0 1 4
Educação e Formação 1 1 1 0 1 4
Policial ou Judicial 1 1 1 0 1 4
Saúde 0 0 0 1 1 2
Total 5 5 5 2 6 23
Fontes: Informações privilegiadas das escolas e análise dos documentos oficiais.

A classificação atribuída revelou-se de grande utilidade quer para a análise do


conjunto global de instituições, quer para a compreensão das relações estabelecidas
entre estas. A natureza e função das instituições constituiu o critério principal de
aplicação das categorias. O peso de cada tipo institucional no total de inquiridos foi
informado e ponderado face à realidade local e à importância destas entidades na
regulação do fenómeno. Num total de 23 intervenientes incluídos na análise, cinco

17
Aprofundada posteriormente no decurso do projeto, com a aplicação de mais grupos focais com as
instituições em análise, neste relatório no ponto 2. do capítulo III. Comunidade.

31
não responderam. Situação que procuráramos ver suprida em desenvolvimentos
posteriores do projeto. Ainda que apenas 18 tivessem respondido, foi
simultaneamente relevante constatar que as nomeações dos parceiros18 se centraram
sobretudo no conjunto total de entidades que estavam previamente selecionadas para
o estudo 19 , verificando-se ainda uma forte correspondência entre os respetivos
objetivos de atuação e o tipo institucional atribuído na classificação.

Quadro 4 - Objetivos de atuação segundo o tipo institucional

Tipo de instituição (sigla) Objetivos de atuação N


Autárquica ou Oficial não judicial (AO) Proteção da infância, apoio e bem estar social 5
Associação, Projeto ou Programa Social (APP) Inclusão social, cultural e educativa 4
Educação e Formação (EF) Educativos e formativos 3
Policial ou Judicial (PJ) Prevenção e intervenção policial e judiciária 4
Saúde (S) Promoção de saúde 1
Fonte: Inquérito aos representantes institucionais

Esta afinidade verifica-se, por exemplo, entre instituições muito distintas como a
Associação APP5 – cujo objetivo revelado é: Acolher, capacitar e integrar são o seu
mote de ação/ intervenção. – e o Programa Comunitário APP2.2 – com objetivos
idênticos: Promover o desenvolvimento de competências escolares (...) fomentando o
sucesso escolar e a inclusão escolar. Contribuir para a inserção social e cultural dos
destinatários e beneficiários. Intervir junto das crianças e jovens no sentido de diminuir o
risco de exclusão social a partir de ações que promovam a responsabilização pela
comunidade.

A correspondência entre os tipos institucionais (por nós categorizados) e os principais


objetivos de atuação reportados pelos inquiridos permitiu a realização de uma análise
das relações entre parceiros segundo a sua afiliação ou pertença organizacional,
levantando questões pertinentes em termos das propriedades emergentes desta rede de
parceiros.

18 A liberdade de nomeação, restringida até 10 parceiros possíveis, foi uma das opções metodológicas
na construção do instrumento de inquirição para a análise de redes. Embora uma lista exaustiva dos
parceiros permita suprir os problemas "típicos" de recurso à memória neste tipo de técnica, o facto de
se tratar de relações estabelecidas entre instituições garantiu-nos alguma fiabilidade na obtenção dos
dados. Resta salientar que cerca de 70% das instituições (N=18) escolheram até 6 parceiros o que, dada
a problemática em análise, seria expectável.
19
A lista de entidades locais inquiridas encontra-se em anexo, no ponto B, capítulo IX.

32
1.2. RELAÇÕES ENTRE OS AGENTES LOCAIS

Na sequência da perspetiva adotada, procurámos aferir as interações e relações de


interdependência mediante uma abordagem meso analítica e sociocêntrica – na
medida em que os atores estão "encastrados" (embedded) em redes de relações
formais e informais. Particularmente, compreender as forças de estruturação
emergentes nas relações estabelecidas entre o conjunto dos atores institucionais que
intervêm no fenómeno da violência infanto-juvenil no concelho em estudo. Assim,
para aprofundar os padrões de ligação estabelecidos entre os inquiridos consideraram-
se quatro conjuntos de dados relacionais/ sociométricos: a) as mutualidades ou
relações adjacentes entre os atores (quem nomeia quem e quem é escolhido por
quem); b) a frequência de colaboração entre os atores (nula, rara ou frequente); c) a
avaliação da relação mantida (nula, negativa ou positiva) e d) a frequência das trocas
de recursos e informação entre os atores (nula, rara ou frequente).

Retomando algumas das questões previamente colocadas, apresenta-se a análise. Uma


das primeiras evidências analiticamente consideradas prende-se com a significativa
uniformidade entre as finalidades declaradas e os tipos de instituição que integram a
rede observada. Para aprofundar a compreensão sobre esta correlação a análise focou-
se na distribuição das ligações adjacentes segundo a centralidade dos atores.

Figura 2 - Centralidade dos atores em nomeações diretas

Legenda: Locais – Concelho: Branco; Freguesia 1: Cinza 75%; Freguesia 2: Cinza 50%; Zona 1
(Freguesias 1 e 2): Preto; Freguesia 3: Cinza 25%. Tipo de instituição: AO: Círculo; APP: Quadrado;
EF: Triângulo; PJ: Quadrado com círculo; S: Losango.

33
Um dos aspetos a destacar no grafo das relações orientadas (ou direcionadas)
apresentado diz respeito à distribuição das instituições segundo a proximidade
geográfica. A posição dos atores na estrutura da rede está claramente disposta pelos
territórios locais em que estas se encontram. Esta evidência ganha particular
relevância relativamente à comunicação, à transferência de recursos e à colaboração
entre estas entidades, uma vez que o contexto local em que se situam determina
significativamente as ligações de adjacência/ diretas estabelecidas entre elas e
circunscreve o funcionamento do seu sistema de relações.

Sendo as estruturas reticulares desprovidas de uma hierarquia formal, isto é,


observando os padrões de ligação entre os atores com a premissa de que todos estão
ao mesmo nível de interdependência, importa medir o grau de centralidade e
intermediação das relações mantidas. 20 O grau de centralidade de uma matriz
direcionada (com relações de sentido entre os atores, ou, se quisermos, com
"preferências") é dado pelo número de nomeações recebidas (in degree) e pelo
número de nomeações emitidas (out degree) dos atores institucionais (ou na
linguagem usada no âmbito da teoria dos grafos, pelos nodos da rede). A centralidade
é um atributo do ator na medida em que este resulta da sua posição na rede de
relações, constituindo por isso um atributo de natureza relacional ou estrutural. Em
termos substantivos, estas medidas dão-nos, entre outras: o nível de prestígio dos
atores (liderança, popularidade), o seu nível de atividade na rede, a força ou
fragilidade da reciprocidade entre relações, bem como a maior ou menor dependência
entre os atores.

Na figura 2 o tamanho dos atores (ou nodos) está representado de acordo com o seu
grau de centralidade, seja por terem feito muitas escolhas, seja por terem sido muito
escolhidos. A escola EF2 e a unidade de saúde S4 são as instituições que têm maior
número de conexões emitidas e recebidas, ocupando uma posição muito particular na
rede pois têm um grau de atividade elevado relativamente aos outros, usufruem de
maior estatuto (maior prestígio ou liderança) e de maior número de alternativas
disponíveis (maior independência)21. Excetuando estas duas instituições, as restantes
têm maior frequência de nomeações recebidas ou de nomeações emitidas mas não de
ambas. Considerando o prestígio ou o número de nomeações recebidas pelos atores da
rede, a PJ2 e a PJ5 têm um lugar igualmente de destaque. Contudo, apesar destes dois
atores serem relativamente mais "populares" que os restantes, a sua capacidade de
controlo/ liderança é menor, uma vez que só uma dessas ligações é recíproca (PJ2 –
EF2). Já as comissões de proteção (AO3.2 e AO4), seguidas pela escola EF1
apresentam um grau elevado de nomeações recebidas e nulo de nomeações emitidas,

20
Para esta análise consideramos apenas a matriz das mutualidades (ou relações diretas) porque os
dados matriciais são binários e em maior quantidade do que os recolhidos com as outras dimensões
relacionais em estudo. As relações entre os atores estão representadas por setas direcionadas.
21
Tendencialmente, atores com maior centralidade adotam inovações mais cedo por terem maior
probabilidade de captar o que flui na rede (informação sensível).

34
colocando-as numa posição de recetoras das trocas e colaborações institucionais, que
não são correspondidas22.

Relativamente à medida de atividade ou o número de nomeações emitidas, o


Programa Comunitário APP1.2 é a entidade com o maior número de escolhas de
parceiros, contudo, apresenta uma significativa fragilidade na reciprocidade das
relações na rede (por não ter nenhum ator a nomeá-la). Na mesma posição, mas
relativamente mais equilibradas, estão as juntas de freguesia AO1 e AO2.1 e a
Associação APP3. Neste âmbito, salienta-se que o facto de existir um número
significativo de atores não nomeados pelos restantes parceiros da rede de intervenção
aponta para um fraco aproveitamento dos recursos disponíveis, que não são
capitalizados de forma alargada para atuações concretas.

Passando de um nível "individual" para outro "grupal", podemos analisar a medida de


intermediação (betweeness), ou seja, por que atores têm de passar os restantes para
alcançar os outros (que atores representam "pontes" de acesso de um subconjunto
para outro), no sentido de compreender as relações indiretas que se estabelecem entre
estas instituições. Um grau de intermediação elevado é sinónimo de maior poder ou
acesso à informação, precisamente porque os atores intermediários ocupam uma
posição estratégica (gatekeepers) que lhes permite controlar a relação mantida com os
outros, além de terem tendencialmente maior capacidade de inovação (por terem
informação mais variada) e de alteração das normas de um dado grupo (pelo menor
comprometimento relacional e constrangimento face às regras internas) – esta medida
revela-se particularmente pertinente no estudo das relações interorganizacionais23.

22
Os dados apresentados mereceriam uma avaliação posterior com as instituições em questão, para
aprofundar as razões de fraca interdependência.
23
Um resumo dos principais resultados com este tipo de análises pode ser encontrado em Mizruchi, M.
S. (2006:76). Além do grau de centralidade (das relações diretas), a intermediação e a proximidade
(closeness) constituem indicadores de centralidade indireta de uma rede, perfazendo os três tipos de
análise da centralidade dos atores, cujos referenciais teóricos foram propostos e desenvolvidos por
Freeman desde 1979 (Mizruchi, 2006:83).

35
Figura 3 - Intermediação (betweeness) dos atores em nomeações diretas

Os atores com maior grau de intermediação na rede em análise (fig. 3) são: a equipa
de reinserção social PJ5 e a unidade de saúde S4, seguidos pela comissão de proteção
AO3.2 e a equipa da rede social concelhia AO5.1. Um dos fatores que poderá explicar
(ainda que parcialmente) esta distribuição remete para o tipo de estrutura
organizacional e objetivos destas instituições, pois apresentam uma relativa
centralização de funções e serviços específicos de resolução das situações de
violência comparativamente aos restantes atores. As duas primeiras constituem órgãos
específicos para prevenção e intervenção judicial e cuidados de saúde, enquanto que
as últimas são órgão oficiais e autárquicos cuja finalidade é o acompanhamento, seja
na proteção de crianças e jovens, seja pelo incentivo a uma abordagem de intervenção
integrada das instituições do município. Cada gatekeeper em foco tem pelo menos
uma relação direta com um dos outros, criando três subgrupos conectados (ou grafos
possíveis). Um desses subconjuntos integra todos os intermediários a uma distância
(geodésica) de grau 1 pela seguinte ordem: [S4, AO5.1, PJ5, AO3.2]. Estas relações
de adjacência conferem aos referidos atores um nível significativo ou alto de
intermediação pois, além de constituírem pontos chave de relação com os restantes
integrantes da rede, estão conectados diretamente entre eles. Pode-se inclusivamente
inferir que a comissão de proteção AO3.2 e a equipa de reinserção social PJ5, nesta
rede em concreto, são atores intermediários do território 3; A PJ5 e a S4 fazem a
ponte com o território 1, com a segunda a desempenhar um papel central no acesso ao
território 2. A AO5.1, por sua vez, ocupa uma posição de intermediação essencial na
ligação entre as outras três instituições.

Outro aspeto interessante nas configurações existentes da rede é a tendência para as


entidades escolares e policiais (EF3, PJ3/ EF1, PJ1/ EF2, PJ2) serem atores com um
grau de intermediação significativamente baixo, colocando-as numa posição
periférica e condicionada relativamente ao controlo e acesso a informação "sensível"
– eventualmente por trabalharem de modo relativamente isolado.

36
A distribuição das interdependências dos atores desta rede apontam para pistas
relevantes na exploração de algumas das dinâmicas relacionais. Apesar da análise da
centralidade ser decisiva para a compreensão do estatuto ou poder simbólico dos
atores (sobretudo em relações direcionadas), vislumbram-se outros padrões de
interação nesta rede com importância análoga, como a coesão e reciprocidade. A
observação das relações de adjacência permite-nos constatar que não se trata de um
grupo coeso, porque é escassa em circuitos (ou seja, em subgrupos cujos nodos
coincidem) e é excessiva em árvores (i.e. grafos conexos sem circuitos). Uma
distribuição de relações deste tipo é comum em redes cujos atores têm uma orientação
na direção das suas conexões, apresentado portanto uma densidade baixa ou relações
dispersas (sparse).

Verificando-se que o padrão de interdependências apresenta pouca coesão, a análise


das relações recíprocas e de eventual pertença a subconjuntos (mais próximos entre
si) no interior da rede adquire especial relevância. Neste âmbito, a aplicação das
teorias de G. Simmel (1950; 1955) sobre as formas de sociabilidade é particularmente
útil, sobretudo para a análise de díades e tríades 24 Simmelian Tie (ou embedded tie) é
uma das medidas de coesão usadas pela análise de redes para identificar as relações
de reciprocidade. Por definição uma ligação Simmeliana é uma díade (ou par de
atores) reciprocamente conectada com ligações a outros atores.

Figura 4 - Simmelian Ties: relações de reciprocidade

24
De forma genérica, assume-se que a inclusão de um terceiro sujeito num encontro entre outros dois
(díade), por um lado, transforma a relação substantiva entre os dois primeiros como, por outro, produz
uma nova configuração – a tríade [que pode ser de vários tipos: fechada ou hierárquica, etc. – para
maior aprofundamento vd. isomorfismo das tríades, Holland e Leihardt (1981:43)].

37
A aplicação do teste ao padrão relacional que apresentamos confirmou a fraca
homogeneidade (e densidade) dos subgrupos, havendo apenas três formações ou
subconjuntos de relações recíprocas (triádicas), das quais duas são "hierárquicas" e
uma é "coesa". Por outras palavras, em dois subconjuntos (ou componentes do grafo)
um dos atores estabelece relações recíprocas com outros dois, mas estes não se
relacionam entre si. No subgrupo coeso existem relações recíprocas entre todos os
(três) atores. A emergência destes dois padrões revela-se relevante em vários aspetos.

Os dois subconjuntos de tipo "hierárquico" dispõem-se por território (um no território


3 e um no 2) e têm como ator intermediário – nesta distribuição específica – a escola
em relação com a polícia e com uma associação (no primeiro caso) ou com a junta de
freguesia (no segundo caso). Esta quase "equivalência estrutural" em dois dos
contextos de análise aponta algumas pistas para a compreensão das dinâmicas de
colaboração entre as escolas e outras entidades no que respeita à regulação das
situações de violência. Concomitantemente, verifica-se que o território 2 apresenta
maior estruturação das relações entre os seus membros, uma vez que – além de uma
tríade hierárquica – dois dos atores do subconjunto "coeso" pertencem a este contexto.
Tendo em conta a problemática que estamos a analisar, a reciprocidade das relações é
particularmente importante porque permite a troca ou transferência de informação e
recursos (materiais, humanos, cognitivos) e a distribuição das "responsabilidades e
funções" institucionais associadas ao acompanhamento e resolução dos diferentes
casos (na medida do que lhes é possível capitalizar).

1.3. FORÇAS E FRAQUEZAS: COLABORAÇÃO, TROCAS E AFINIDADES

A intensidade das trocas, da colaboração e a avaliação das relações foram os restantes


indicadores relacionais recolhidos pelo inquérito por questionário aos agentes locais.
O aprofundamento da intensidade das interações estabelecidas para a regulação da
violência infanto-juvenil que se segue toma por referência as oposições no interior de
cada um dos indicadores, bem como a análise comparativa das nomeações entre
parceiros (relações de adjacência).

38
Figura 5 - Qualidade das relações

Legenda: linhas escuras = positiva; linhas claras = negativa

Em termos globais a apreciação das relações estabelecidas é "positiva", com a escola


EF2 e a polícia PJ2 a acumularem o maior número de escolhas positivas (ocupando
uma posição de liderança/ prestígio, sobretudo dentro do seu cluster territorial) e a
unidade de saúde S4 juntamente com a associação APP3 a emitirem o maior número
de ligações positivas. Apesar das apreciações negativas não serem em grande
quantidade (n = 5), as instituições consideradas são todas de tipo Autárquico/ Oficial
(AO) ou de tipo Policial/Judicial (PJ). Uma das razões para avaliar as relações
negativamente com este tipo de entidades poderá estar associada ao próprio
funcionamento organizacional. Mas a procura dos fatores explicativos desta tendência
não foram considerados nesta análise, constituindo os resultados aqui encontrados
pistas para aprofundamento posterior.

Relativamente à colaboração e às trocas de informação e/ou recursos podemos


distinguir intensidades distintas de frequência destas relações: a) rara ou ocasional
(fraca) e b) diária ou constante (forte). Em ambas as relações verificaram-se duas
apreciações de sentido contrário entre os atores:

- para o observatório social de freguesia AO2.2 a colaboração com a unidade de


saúde S4 é forte, que contrapõe com o inverso (colaboração com AO2.2 é
fraca);

- para a junta de freguesia AO2.1 tanto a frequência da colaboração como das


trocas com a escola EF2 é forte, enquanto que para o estabelecimento de
ensino a intensidade destas relações com a autarquia é considerada fraca;

Estas dissonâncias revelam que apesar das relações no território 2 apresentarem um


forte dinamismo, os sentidos em que elas se fazem não são percecionados de igual

39
modo, sobretudo se se considerarem indicadores mais específicos das relações
(frequência da colaboração e trocas). Este padrão também evidencia que as interações
mantidas são de carácter maioritariamente unilateral, cuja reciprocidade é pouco
significativa, como já tínhamos apresentado anteriormente.

Figura 6 - Frequência da colaboração

Legenda: linhas escuras = diária; linhas claras = ocasional

Ao nível da colaboração as apreciações são mais dispersas, havendo inclusivamente


atores que são simultaneamente centrais em frequências raras/ ocasionais e
constantes/ diárias. A escola EF2 e a polícia PJ2 ocupam esta dupla posição, com um
grau de centralidade elevado, sobretudo pelo número de nomeações recebidas. Esta
distribuição complementa a análise da matriz de relações positivas e negativas, uma
vez que as duas instituições ocupam um lugar de destaque, beneficiando de um
estatuto prestigiante relativamente aos restantes parceiros da rede. Depois da escola
EF2, a unidade saúde S4 é a que recebe maior número de avaliações de colaboração
frequente, enquanto o Programa Comunitário APP1.2 ocupa uma posição central na
designação de parceiros com quem colabora frequentemente. Estes dados seguem as
tendências observadas nas relações anteriores, revelando um conjunto de atores
dinâmicos que interagem fortemente com os restantes em ambos os sentidos, sendo
particularmente valorizados por isso. Por sua vez, a junta de freguesia AO1, a
comissão de proteção AO3.2 e as associações APP3 e APP2 são as entidades que
apresentam maior número de colaborações fracas. Contudo, excetuando a AO3.2, o
grau de centralidade destes parceiros deve-se mais ao número de apreciações feitas do
que recebidas. Neste sentido, poderíamos admitir que se tratam de instituições cuja
avaliação é mais exigente ou que são vulneráveis à menor colaboração dos outros
parceiros. Esta hipótese é parcialmente confirmada quando observamos as relações de
troca de informação e/ ou recursos.

40
Figura 7 - Frequência das trocas de informação e/ou recursos

Legenda: linhas escuras = constantes; linhas claras = raras

Com efeito, a APP3 e a AO1 ocupam uma posição igualmente central no indicador de
trocas raras/ ocasionais. Disposição que é explicada exatamente pelo número de
apreciações feitas e não pelas recebidas. Também a AO2.1 e a PJ2 integram este
grupo, com a primeira a destacar-se pelo número avaliações emitidas e a segunda
pelas recebidas, sendo a instituição por excelência que a rede de parceiros avalia
como fraca em trocas de informação e/ou recursos.

Consistindo num indicador mais objetivo e concreto, a distribuição das relações de


troca mostram um padrão de maior consistência, com um número mais reduzido de
atores a ocupar uma posição de centralidade. A S4 e a escola EF2 são os atores com
maior relevo nas trocas de informação e/ou recursos frequentes, situação que não se
distancia muito da análise aos outros indicadores. Contudo, enquanto a escola se
mantém mais uma vez central pelo número de avaliações recebidas, a unidade de
saúde passa de "avaliada" (como colaboradora constante) a "avaliadora", designando
um grau elevado de parceiros cujas trocas são frequentes.

Os padrões encontrados – seja pela simples interação entre os atores, seja pela
avaliação mais concreta de alguns aspetos relacionais – apontam para algumas pistas
relevantes no aprofundamento e compreensão da rede de instituições que intervêm
(conjunta ou isoladamente) na regulação das situações de violência com crianças e
jovens. Neste âmbito, o cruzamento com os dados qualitativos sobre as necessidades e
propostas de atuação constitui informação particularmente útil, no sentido de
complementar e enriquecer a análise.

41
1.4. PREVENIR E INTERVIR: NECESSIDADES E PROPOSTAS DE ATUAÇÃO

Com o intuito de diagnosticar obstáculos e potencialidades de intervenção e


articulação, foi solicitado às instituições que respondessem acerca das necessidades
sentidas (interna e externamente) e que elencassem um conjunto de propostas para
regular a violência no respetivo território. Houve um conjunto significativo de
contribuições neste módulo do inquérito, cuja análise de conteúdo permitiu agregar
em cinco temas chave: 1) Articulação ou colaboração entre parceiros; 2) Gestão e
planeamento interno; 3) Comunicação; 4) Medidas de controlo e mediação (ações
interventivas); 5) Envolvimento e sensibilização. Cumulativamente, verificaram-se
também algumas respostas referentes à manutenção das relações estabelecidas ou com
apreciações positivas (por ex.: não são verificadas dificuldades).

Para os três critérios avaliados houve a indicação de respostas relacionadas com as


cinco temáticas. Nas necessidades internas às instituições, as sugestões de intervenção
(Medidas de controlo e mediação) são as mais frequentes, nomeadamente na
concretização de projetos mais específicos e no que se prende com um melhor
acompanhamento dos casos emergentes. As ações relativas a um maior Envolvimento
e sensibilização dos agentes educativos e as que concernem à Gestão e planeamento
interno de cada instituição também foram propostas significativas. Ao nível externo,
os representantes institucionais reportam maior número de necessidades de
Articulação ou colaboração entre parceiros (o que resulta particularmente da questão
colocada: E relativamente à articulação e colaboração com os outros parceiros,
quais as necessidades sentidas?). Entre as respostas enquadradas nesta temática há
uma tendência para referir a necessidade de uma abordagem integrada e coordenada
dos atores com maior estruturação e frequência de trabalho conjunto (compromissos a
médio e a longo prazo). É também nesta questão que se verifica o maior número de
respostas positivas ou de manutenção das relações de colaboração existentes. Outro
aspeto salientado com frequência é a necessidade de maior Comunicação ou partilha
de informação entre as instituições.

Quando questionadas acerca de propostas de intervenção, as instituições referem


significativamente ações de Envolvimento e sensibilização, enfatizando a necessidade
de mais formação, maior entendimento e participação dos vários atores (crianças e
jovens, agentes educativos, instituições e comunidade em geral). As ações de carácter
regulador, Medidas de Controlo e Mediação, são igualmente salientadas, com a
proximidade do acompanhamento, a resolução intercedida dos conflitos e a aplicação
de trabalho comunitário (em detrimento das suspensões escolares) a ganharem maior
destaque. O tema da Articulação ou colaboração entre parceiros é relativamente
distinguido nas propostas, apresentando linhas de ação semelhantes às referidas nas
necessidades externas.

Esta análise, embora concisa, permite-nos concluir sobre alguns aspetos salientados
no estudo das relações entre os parceiros. Nomeadamente, o facto de grande parte das

42
instituições considerar necessário uma maior articulação e coordenação para intervir
ou pela alusão a projetos mais específicos e mais participados e envolventes. As
respostas dadas validam o padrão global encontrado de relações dispersas e altamente
contextualizadas, cuja reciprocidade e intensidade de colaboração e trocas de
informação e/ou recursos é pouco significativa.

1.5. DOS INSTRUMENTOS POLÍTICOS ÀS INTERAÇÕES – CONSIDERAÇÕES


FINAIS DO DIAGNÓSTICO EXPLORATÓRIO

Tendo como pano de fundo a anterior apresentação relativa às abordagens políticas


mais relevantes nesta matéria em Portugal, procurou-se analisar as interações (ou
padrões relacionais) entre instituições da rede concelhia, tendo em conta o peso e o
jogo institucional das diversas entidades locais na regulação do fenómeno da
violência infanto-juvenil. Como salientámos noutro momento (Sebastião, Campos e
Merlini, 2012b) a aplicação das políticas implica a sua apropriação e reorientação no
quadro de redes locais de poder, hierarquizando competências e responsabilidades, o
que se traduz numa relativa redefinição. A autonomia dos atores para interpretar as
políticas e definir localmente as estratégias e as práticas que entendem ser mais
adequadas multiplica e reconstrói as respostas esperadas e alcançadas. Os resultados
emergem da interseção de particularidades, orientações e interesses estratégicos das
instituições (e suas lideranças), características territoriais e exigências das políticas.

Não só a nível macro, mas também no interior de cada uma das organizações, o leque
de interpretações das políticas e sistemas de regras é diverso. A atenção dada e a
responsabilização comum pelos casos de violência apoia-se num entendimento difuso,
sobretudo nas situações que requerem maior disponibilidade de recursos técnicos,
pondo em causa a eficiência e a eficácia de ações realizadas e o consequente sucesso
dos resultados. Os padrões encontrados na rede são reveladores disso mesmo, já que
no domínio da interação é possível identificar um conjunto de instituições cujas
relações são dispersas e com um grau baixo de reciprocidade e comunicação efetiva.
Isto quer dizer que as relações institucionais mantidas em matéria de regulação da
violência não traduzem explicitamente as demandas e normativos delineados para este
efeito.

As fontes e formas de legitimidade política e organizacional resultam dos níveis de


autonomia organizacional e capacidade de ação dos diversos atores (Barroso, 2003;
Watkins et al, 2007), que participam ou interferem no processo de implementação das
políticas e na aplicação das normas que orientam o funcionamento do sistema. O
domínio das orientações (políticas) e dos objetivos e metas a atingir pelas instituições
afigura-se a priori como um "ideal a cumprir", que se implementa de acordo com
diferentes condições de partida, escalas de intensidade, modos de organização, etc.
Princípios segundo os quais as instituições são (inclusivamente) avaliadas.

43
As necessidades externas e propostas de ação indicadas pelos representantes
institucionais analisados mostram que o caminho para a construção dos objetivos de
intervenção conjunta e integrada ainda é longo. Apesar da convergência entre
objetivos e tipo institucional, a distribuição das relações ocorre sobretudo pela
proximidade geográfica, havendo um número muito reduzido de parceiros
interdependentes. Estes padrões apontam para um maior isolamentos dos parceiros no
desenvolvimento das suas ações, com estratégias de intervenção pouco articuladas,
designadamente por parte das escolas e das polícias. Não obstante, uma das escolas
(EF3) e uma das unidades de saúde (S4) da rede (total) preenchem um lugar de
prestígio junto dos restantes parceiros em todos os indicadores (nomeações, maior
frequência nas colaborações e trocas, relações positivas) e apresentam um dinamismo
relevante nas relações estabelecidas. O território 2 e as instituições com funções mais
centrais destacam-se igualmente por serem aquelas que apresentam relações mais
estruturadas ou colaborantes. No que respeita à intermediação, as escolas e as polícias
ocupam uma posição periférica no conjunto global da rede, mas apresentam um
padrão de reciprocidade semelhante no interior de dois dos territórios. A maior
exigência das avaliações ou vulnerabilidade à colaboração e trocas de
informação/recurso foi outra das tendências verificadas nesta análise, com as
instituições de tipo Autárquico/Oficial (AO) e Policial/Judicial (PJ) a acumularem o
maior número de apreciações negativas ou fracas. Além disso, a polarização de
instituições com nomeações emitidas ou recebidas é reveladora da fraca
interdependência patente na rede. É relativamente paradoxal constatar que apesar de
todos os representantes, sem exceção, indicarem a necessidade (interna ou externa) ou
proporem atuações em conjunto, os padrões que emergem das suas relações com os
parceiros revelam precisamente o contrário.

Os resultados encontrados apontam para a necessidade de uma maior convergência e


dinamismo das instituições a nível concelhio, já que se constata que as organizações
cujos dirigentes se conhecem face a face têm maior relevância na capacidade de
resposta local, ampliando as potencialidades de articulação e colaboração. Neste
sentido, a proximidade geográfica constitui um fator decisivo nas ações de prevenção
e intervenção da violência na escola, mais do que o âmbito de intervenção
institucional.

2. A PERSPETIVA DOS REPRESENTANTES DAS INSTITUIÇÕES DA REDE


SOCIOEDUCATIVA LOCAL

Tendo por base os resultados encontrados na análise de redes locais, recorreu-se à


técnica de grupo focal no sentido de identificar os bloqueios e potencialidades de
colaboração entre agentes e instituições responsáveis pela concretização das políticas
públicas. Em coerência com o modelo de análise proposto e de forma a garantir a
continuidade e complementaridade da pesquisa, interessou-nos focar especificamente
os seguintes pontos: as conceções e práticas de intervenção dos agentes sociais e as
dinâmicas de articulação da intervenção entre essas instituições. Os resultados da

44
análise prévia orientaram a construção do guião semiestruturado de inquirição e a
seleção das instituições sociais e seus representantes.

A realização dos grupos focais revestiu-se de particular importância para o


desenvolvimento dos objetivos analíticos, uma vez que permitiu aprofundar o
conhecimento sobre as perspetivas dos agentes locais mediante uma reflexão e
discussão conjuntas em torno da problemática. Desta forma complementou-se a
informação recolhida com a proveniente dos outros procedimentos metodológicos,
garantindo uma melhor aferição dos resultados.

Os grupos focais realizaram-se nos territórios educativos em estudo. Os critérios de


seleção dos representantes institucionais basearam-se na referida análise de redes,
bem como nos documentos das escolas, considerando tanto as fronteiras territoriais,
como as relações institucionais mantidas com as escolas e as entidades presentes
nesses espaços. Em conformidade com a literatura de referência para esta técnica de
investigação, optámos por ter no máximo 10 elementos em cada território25. Assim,
convidámos 9 instituições com intervenção na freguesia T1, 9 na freguesia 2 e 9 na
freguesia T3. Na freguesia T1 estivera 7 instituições presentes, na freguesia T2
estiveram 6 e na freguesia T3 estiveram 4. Apesar do número mais reduzido de
participações os debates foram muito dinâmicos e participados.

Em cada uma das sessões explicámos aos intervenientes que o encontro procurava
aprofundar o conhecimento relativo às suas perspetivas sobre o fenómeno da
violência, enquanto representantes das suas instituições, compreender os modelos de
intervenção desenvolvidos no território, assim como a articulação interinstitucional, e
o que consideram ser os obstáculos e soluções relativamente ao problema. Os
intervenientes demonstraram interesse em participar nestes momentos de discussão e
reflexão conjuntas. Os espaços em que se realizaram as sessões foram gentilmente
cedidos pelos representantes das escolas, em dois territórios, e da junta de freguesia
noutro, e que tiveram uma colaboração de ativa e interessada na organização das
sessões. Coube à coordenação da equipa conduzir o debate, introduzindo os tópicos e
direcionando a discussão sobre o tema, de uma maneira não-estruturada e natural
(Parasuraman, 1986: 245). Para o registo e recolha da informação utilizámos o
suporte áudio e retirámos notas sobre os contributos dos intervenientes, a ordem dos
participantes e outras informações relevantes para a análise. A análise dos temas
discutidos nas sessões, centra-se tanto no que se aproximam e como no que diferem,
relativamente aos seguintes aspetos: 1) Foco de ação dos parceiros; 2) Estratégias de
intervenção e colaboração entre parceiros; 3) Relação com a escola e 4)
Contrariedades encontradas.

25
A literatura indica que cada grupo focal seja composto entre seis e doze participantes, não excedendo
cinco grupos por projeto de investigação (Morgan, 1997; Suter, 2004) supracitado em Galego, C. e
Gomes, A. (2005).

45
2.1. INTERVENÇÃO DOS DAS INSTITUIÇÕES DA REDE SOCIOEDUCATIVA LOCAL –
RELAÇÕES ENTRE PARCEIROS

À semelhança dos objetivos pretendidos com a análise de redes efetuada, procurou-se


que as entidades locais e instituições formais, que configuram as redes de intervenção
em situações de violência infantil e juvenil em cada um dos territórios
socioeducativos em análise, enquadrassem as respetivas dinâmicas nos seus contextos
territoriais. Nos territórios escolhidos para a realização dos grupos focais, as entidades
que se fizeram representar abrangeram os diversos tipos institucionais considerados
na seleção prévia.

Quadro 5 - Distribuição das instituições com intervenção nos territórios socioeducativos


em estudo (presenças)

Tipo/ Freguesia Freguesia T1 Freguesia T2 Freguesia T3 Total

Autárquica ou Comissão de Proteção de Comissão de Proteção


Divisão da Educação
Oficial não Crianças e Jovens (Zona 1) de Crianças e Jovens 4
da Câmara Municipal
Judiciária Junta de Freguesia (T1) (Freguesia T3)
Associação, Associação de Pais
Instituição de apoio à Projeto do Programa
Projeto ou Projeto do Programa 4
infância e à 3ª idade Escolhas
Programa Social Escolhas
Educação e
- Escola E2 Escola E3 2
Formação
Esquadra da PSP (T2)
Equipa de zona do
Policial ou Judicial Esquadra da PSP (T1) - 4
Instituto de Reinserção
Social
Agrupamento de
Agrupamento de Centros Agrupamento de
Saúde Centros de Saúde 3
de Saúde (Zona 1) Centros de Saúde (T3)
(Zona 1)
Total 7 6 4 17

No caso da freguesia T2, foi solicitado aos participantes para se apresentarem,


definindo a sua posição face à escola e às problemáticas, referindo os domínios de
intervenção em que atuava e a importância da atuação e funcionamento em rede. A
diversidade de instituições foi frutífera pois garantiu uma pluralidade de perspetivas e
maior abrangência da discussão, verificando-se uma distinção clara entre intervenções
de primeira e de segunda linha. Esta diferenciação revelou-se importante porque
permitiu estabelecer dois níveis de atuação das entidades relativamente à
heterogeneidade dos casos em estudo. Neste sentido, para os representantes as
atuações de primeira linha enquadram-se num despiste ou diagnóstico de situações
anómalas ou irregulares, cujo trabalho se centra sobretudo em mecanismos de
prevenção, encaminhamento ou acompanhamento. Já nas ações que designam como
de segunda linha, concentram-se especialmente os casos de maior gravidade, quando
excedem o campo de intervenção das próprias entidades ou exigem uma integração
em mecanismos de regulação formais ou sancionatórios, como por exemplo a
aplicação de medidas judiciais.

46
Uma outra distinção relevante, quer nas conceções, quer nas práticas de intervenção
destas entidades prende-se com o facto de serem de nível central ou local. O leque de
possibilidades de ação de cada instituição é condicionado pela sua abrangência,
verificando-se por esse motivo um maior ou menor distanciamento na resolução dos
casos de acordo com o seu foco de ação. Neste sentido, houve uma grande
convergência dos participantes na defesa de atuações a nível local, caso a caso,
articulada com os parceiros relevantes para cada situação, em detrimento de uma
intervenção mais alargada e abrangente.

Efetivamente, ainda que os representantes tenham sido unânimes relativamente à


forma como entendem a atuação das redes de intervenção nos territórios, houve
diferenças quanto à qualidade e eficácia do seu funcionamento. Em conformidade
com a análise previamente realizada, a escola emergiu nestes contextos como ator
intermediário, sendo, contudo, no território T2 que se constataram as relações mais
estruturadas ou colaborantes, e onde a instituição escolar assume um papel central e
de liderança na rede. Tendo em conta a problemática que estamos a analisar, a
reciprocidade das relações é particularmente importante porque permite a troca ou
transferência de informação e recursos (materiais, humanos, cognitivos) e a
distribuição das responsabilidades e funções institucionais associadas ao
acompanhamento e resolução dos diferentes casos (na medida do que lhes é possível
capitalizar). Os resultados dos grupos focais permitiram confirmar as tendências
anteriormente verificadas, apontando para uma rede articulada e cooperante na
freguesia T2, uma rede pouco funcional ou mesmo subdividida na freguesia T3 e uma
rede cuja articulação e aproximação entre entidades é ainda incipiente na freguesia
T1.

2.2. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO E COLABORAÇÃO

Um dos objetivos desta recolha diz respeito ao aprofundamento do conhecimento


sobre o trabalho em parceria desenvolvido pelas instituições e entidades da rede
socioeducativa local, as suas modalidades, a sua definição da enquanto rede local e o
alcance da intervenção da mesma. No território T2, os diversos intervenientes
consideram o trabalho em parceria como mais valia para o grupo, sendo a ação
coletiva orientada por um Plano de Ação comum, localmente definido e enquadrado
pela Rede Social de Freguesia através da Comissão Social de Freguesia. A
intervenção nesta rede organiza-se sobretudo para a resolução por casos, chamando os
intervenientes relevantes para um trabalho contextualizado e informado, de modo a
garantir que não há duplicação das intervenções. Já no caso do território T3, os
participantes entendem a atuação por casos como estratégia a seguir, mas assumem
que a rede de trabalho é pouco articulada, construindo-se ao redor de cada instituição.
Um dos motivos para esta fraca colaboração prende-se com a ausência de um apoio
efetivo, em particular por parte da autarquia, mas também pela comunidade em geral,
que não está organizada para a prevenção e apoio aos jovens. Apesar de não chegarem
a consenso relativamente aos responsáveis pela desarticulação na rede de intervenção,
os representantes consideram que mesmo existindo propostas, há problemas de fundo,
como a necessidade de recursos ou a desresponsabilização face aos problemas, que
não permitem o seu desenvolvimento de uma colaboração mais efetiva.
Por sua vez, no território 1 os participantes consideram que a colaboração e a
proximidade entre instituições ainda está a ser construída. A representante da CPCJ,

47
por exemplo, menciona o excesso de burocracia e a demora nos processos que trava
as tentativas de transmissão atempada da informação e o estabelecimento de pontes
interinstitucionais. A ausência de recursos humanos para intervir é outro dos
obstáculos identificados pelos parceiros. Todos os representantes deste território
consideram que a rede é um espaço privilegiado para a troca de influências, mas isso
requer alguma arrumação e preparação das instituições que possibilite a abertura e as
trocas, uma organização que nem sempre acontece na freguesia T1.

Na freguesia T2 foram identificadas algumas dificuldades na aplicação de medidas


políticas. Os parceiros assumem que as definições regulamentadas pelas respetivas
tutelas colocam por vezes restrições à capacidade de acompanhamento e resolução de
determinados casos, provocando designadamente um choque entre competências de
algumas entidades ou mesmo uma sobreposição ou omissão. Para os parceiros há uma
exagerada repartição do poder e simultaneamente um excesso na regulamentação, que
se traduz no terreno em formas de bloqueio ou omissões quanto a responsabilidades
sobre determinadas matérias. Contudo, entendem o funcionamento em rede como
uma forma de aumentar os recursos necessários à atuação, sendo as atividades
desenvolvidas construídas sempre em equipa. O maior dinamismo desta rede é
explicado por um período anterior e relativamente longo (mais de dez anos) em que
houve necessidade de criar respostas conjuntas relativamente a problemas vividos no
território, sobretudo os problemas criados pela instalação de um bairro de
realojamento e acompanhamento do processo de legalização do (extenso) edificado
clandestino da localidade. A necessidade de resolução conjunta, implicou uma
intervenção porta-a-porta e face-a-face, o que contribuiu para o desenvolvimento de
um sentido de ação comum e de pertença. De acordo com o coordenador da divisão
de educação da câmara este processo constituiu uma formação que ainda hoje se
destaca nas competências e no trabalho que realizam. Os participantes entendem-se
como herdeiros de uma rede que tem vindo a desenvolver-se e aperfeiçoar-se, sendo
constante nas ilustrações apresentadas pelos parceiros sobre as suas ações, que é
demonstrativa disso mesmo.

Outro aspeto destacado é a frequência dos encontros do grupo, havendo uma reunião
semanal para discussão das situações prioritárias, que além de garantir uma
intervenção efetivamente articulada, permite que os parceiros mantenham relações de
proximidade fortes. Ainda que esta colaboração esteja formalmente enquadrada, os
representantes afirmam que ultrapassam frequentemente a sua esfera de ação,
alargando e potenciando deste modo a ação conjunta, onde todos trazem e todos
recebem. Nesse sentido, os parceiros procuram identificar estrategicamente os
problemas da localidade, contando com a colaboração de todos para a definição de
um plano de ação, que lhes permite antecipar situações problemáticas relacionados
com a violência. Esta vantagem contribuiu para experimentarem estratégias e modos
de ação adequados às especificidades dos problemas com um sentido de
territorialidade e proximidade.

No caso do território T1, os participantes entendem que a disseminação e moderação


de uma atuação conjunta e integrada deve ocorrer a nível local, pois as freguesias têm
uma maior perceção dos problemas. Apesar dos obstáculos atrás referidos, os
parceiros indicam algumas colaborações e atuações bem sucedidas como a maior
proximidade e interação entre a PSP e a as escolas, que possibilitaram o controlo e
diminuição do número de casos pela polícia. A representante da Junta de Freguesia do

48
território T1 realça também que tem havido respostas, colaboração e apoios dos vários
parceiros à entidade, mas destaca obstáculos na articulação com a escola E1.

Relativamente às potencialidades surgiram diversas abordagens de intervenção por


parte dos parceiros, nomeadamente a necessidade de medidas estruturais ao nível do
território para a habitação, emprego e formação e ainda a necessidade apontada pela
PSP de reunir regularmente com as escolas. Além disso, alguns parceiro reforçaram
que seria vantajoso ter um plano de ação local para os alunos com medidas
disciplinares realizarem trabalho comunitário em detrimento da suspensão. E ainda a
aposta na responsabilização das crianças, através da aprendizagem preventiva de
gestão de conflitos desde a infância, o coaching ou da participação no desporto
escolar.

Já no território T3, a comunidade é percecionada como estando pouco interessada ou


fracamente orientada para a resolução de problemas. Verificaram-se divergências no
posicionamento face às responsabilidades e obrigações da escola, que se traduzem em
problemas de relacionamento, designadamente entre a CPCJ e a Escola E3. Entre as
diversas críticas apontadas, alguns consideram haver pouco trabalho de primeira linha
e uma assunção reduzida das responsabilidades de intervenção. Os atrasos na
sinalização e acompanhamento dos casos problemáticos são reveladores dessa
desarticulação da rede. Apesar de existir maior facilidade nos contactos, os
representantes afirmam que não existe trabalho efetivo em parceria, identificando um
problema de linguagem, que acarreta implicações no desempenho profissional dos
técnicos e desconhecimento sobre as situações. Referem mesmo que cada um está na
sua “quinta”, servindo os encontros da Comissão Social de Freguesia de momentos
para se lastimarem. A necessidade de recursos materiais e de disponibilidade de
tempo são outra reivindicação patente no discurso dos representantes deste território.
Uma das participantes considera que o encerramento do Observatório Social da
freguesia T3 veio dificultar ainda mais a colaboração e as trocas de recursos entre
parceiros. Esta crítica decorre sobretudo da sua perceção sobre o Observatório Social
da Freguesia T2 que entende ser o principal dinamizador daquela rede local, cuja
eficácia coletiva é conhecida e afirmada por todos.

Questionados sobre o que pode ser feito para ultrapassar essas limitações e melhorar a
intervenção, os representantes das entidades locais entendem que o trabalho tem de
ser desenvolvido de modo sistémico e com a inclusão de toda a comunidade. Apesar
de não haver um trabalho em parceria, a existência de situações de colaboração caso a
caso é referida e apoiada por todos.

Por sua vez, no território T2 a atuação caso a caso acumula com uma aposta na
criação de condições para as crianças e jovens, ou seja, trata-se de uma ação que se
pretende que seja mais que paliativa. Os parceiros ilustram esta estratégia com a
organização conjunta de colónias de férias e ocupação dos tempos livres das crianças
e jovens em período de interrupção letiva, ações que entendem ser chave na
prevenção de comportamentos disruptivos, bem como no desenvolvimento de um
sentido de pertença e participação na comunidade. Salientam ainda a relevância do
trabalho efetuado pelos técnicos junto das suas crianças e jovens, apontando para uma
ética profissional comum, na qual prevalece o bom senso na tomada de decisão e na
atuação.

49
Em síntese, pode afirmar-se que estes territórios contrastam significativamente em
relação ao nível de colaboração e funcionamento da rede, contudo a escola é
considerada como parceiro central. Por um lado por ser a instituição onde a maioria
das crianças e jovens da localidade se encontram e passam uma parte substancial do
seu dia. Por outro, por entenderem que a escola tem, ou deve ter, um papel ativo no
diagnóstico e na atuação de primeira linha dos casos problemáticos. Nesse sentido, a
postura dos parceiros locais em relação à escola é um indicador pertinente tanto para a
compreensão da articulação da rede, como para a identificação dos bloqueios e
potencialidades de atuação. Porém, apenas na freguesia T2 se verificou uma
disposição efetiva da escola em assumir esse papel preponderante.

2.3. POSIÇÃO FACE À ESCOLA

Para os diversos parceiros presentes nos grupos focais, a escola é considerada uma
instituição com um papel relevante na atuação em rede. No entanto, a perceção da sua
função e da responsabilidade que tem na resolução de casos é frequentemente objeto
de discordância e crítica nos debates tidos entre os parceiros no âmbito dos grupos
focais. A freguesia T2 constitui uma exceção, para os representantes das entidades
locais a escola desempenha uma função central e fortemente aglutinadora, e
contribuiu ativamente para a formalização e desenvolvimento da atual rede,
usufruindo da sua margem de autonomia, de uma forma global e estratégica.

No caso da freguesia T1, os parceiros mencionam a desadequação dos espaços


educativos, a frequente precariedade de condições físicas, a ausência de segurança e
dificuldades inerentes à vigilância dos espaços livres que favorece as situações com
armas e o menor controlo das entradas e saídas escolares. Ao nível do território, os
participantes apontam ainda para o problema da sobrelotação escolar e para a
dificuldade em mobilizar os pais para participar nas iniciativas escolares. As opiniões
dividem-se quanto à recetividade ou fechamento da escola à rede de parceiros.
Reconhecendo a diminuição no número de casos reportados pela escola E1 à CPCJ ou
à PSP, alguns parceiros referem que este decréscimo se deveu ao maior número de
técnicos na escola por ter integrado o Programa TEIP e à melhoria da imagem da
escola. Outros parceiros consideram que a escola E1 é um espaço fechado e que não
transmite ou que oculta informações ilustrando com casos de resistência ou falta de
comunicação por parte da direção escolar. Os representantes da PSP reconhecem
inclusivamente a existência de mecanismos de seleção na constituição de turmas da
escola E1, referindo a tendência para concentrar alunos mais fracos ou com
comportamentos considerados desviantes numa mesma turma. Para este grupo de
parceiros a informação que é transmitida depende sobretudo da liderança da escola e
do responsável pela segurança escolar (delegado de segurança).

Analogamente, na freguesia T3 constataram-se divergências quanto ao papel e às


expectativas face à escola. Em primeiro lugar, os representantes dividiram-se quanto à
capacidade de resposta da escola relativamente às alternativas formativas oferecidas
aos alunos. Para a CPCJ e para a os representantes das instituições da área da Saúde
não há ofertas adequadas que vão ao encontro das necessidades dos alunos,
considerando o alargamento da escolaridade um problema acrescido. Uma das
representantes da área da saúde encara a desadequação da oferta de vias não regulares

50
do Ensino Básico um problema cuja solução tem de passar por uma maior divulgação
e possibilidades de encaminhamento, assim como a necessidade de melhorar a
imagem negativa que existe na comunidade sobre essas vias. Esta opinião não é
partilhada pela escola, por entenderem que existe um grande esforço e trabalho nos
cursos alternativos, que frequentemente resulta em casos de sucesso apesar dos
problemas iniciais. Esclarecem que a escolha destes cursos formativos exige recursos
e negociação, que só é possível depois de se preencherem as vagas do Ensino Regular
numa rede educativa que está sobrelotada.

A falta de abertura, tempo e colaboração por parte da escola são igualmente


apontados pela representante da CPCJ, afirmando que alguma coisa não funciona.
Para esta representante, a escola gera por vezes dificuldades no diálogo com as
famílias, não se distanciando tecnicamente dos problemas. Nesse sentido,
responsabiliza a escola e a área da saúde pelas intervenções que realizam, por serem
entidades que pertencem à comunidade e que deveriam funcionar como aglutinadoras
da rede, propondo algumas iniciativas como a aposta no associativismo, no sentido de
ultrapassar estes bloqueios. A posição desta instituição não é, porém, partilhada pelos
restantes parceiros, que consideram haver demasiadas exigências e elevadas
expectativas relativamente à instituição escolar. Afirmam inclusivamente que os
recursos têm escasseado progressivamente na escola e nos centros de saúde, como
afirmaram não fazem milagres. A escola é entendida como tendo uma competência
específica, não podendo atuar de modo isolado, e que uma das razões para essa
articulação não funcionar é a ausência de uma rede de colaboração.

A representante da escola contra argumenta sublinhando que há um grande


desconhecimento por parte dos parceiros relativamente às ações da escola.
Exemplifica com as iniciativas de disponibilização das instituições a várias
instituições, organização de atividades desportivas e de ocupação dos tempos livres. A
experiência e o trabalho de equipa dos professores na sinalização e resolução dos
problemas é outro aspeto referido. Este tipo de ação foi elogiada por outra
representante da área da saúde, designadamente no esforço que realizam para mediar
as situações de conflito. Esta técnica afirma ainda ter uma boa relação de trabalho
com as escolas, entrando a qualquer hora e sem que seja necessário um aviso prévio.

Apesar das divergências encontradas, foi possível constatar que a escola assume uma
dupla função na rede, por um lado por ser um espaço onde se realizam parte as
intervenções de primeira linha, seja pela sinalização de casos, seja pelo
acompanhamento efetuado com os alunos. Por outro, funciona como aglutinadora dos
parceiros, na medida em que é promotora de ações conjuntas, orientando muitas vezes
as estratégias tomadas, nomeadamente através da cedência de espaços para a
concretização de atividades nos tempos não letivos.

2.4. PRINCIPAIS DIFICULDADES E PROBLEMAS IDENTIFICADOS

Dada a conjuntura socioeconómica desfavorável que se vive no país, a antecipação de


problemas ou obstáculos foi outro dos aspetos largamente apontado pelos parceiros.
Relativamente à escola, os representantes do território T2 sublinham dificuldades
resultantes da aplicação de novas medidas regulamentadas, como a extinção das áreas
curriculares de Formação Cívica e Área de Projeto, momentos que representavam

51
oportunidades para desenvolver trabalho conjunto e junto das crianças e jovens.
Apesar disso, procuram manter esse trabalho noutros momentos, mas menos
frequentemente. Os problemas de carência alimentar também têm trazido maiores
dificuldades na gestão da regulamentação escolar, recorrendo para o efeito sobretudo
ao Banco Alimentar Contra a Fome.

No território T3, as necessidades alimentares também são uma preocupação


substantiva, especialmente porque os Bancos Alimentares existentes na localidade se
encontram esgotados. A representante da escola afirma, neste âmbito, que estão
empenhados em encontrar respostas, ultrapassando mesmo as suas funções, na
medida em que estabelecem contactos com outras entidades através da técnica de
serviço social. Refere que o apoio começou por ser dirigido aos alunos com Ação
Social Escolar, mas rapidamente se estendeu a outros, cujas famílias têm graves
dificuldades. Este problema acumula-se com outros como o distanciamento ou menor
supervisão das crianças e jovens, provocado sobretudo pela sobrecarga e extensão dos
horários laborais das famílias: eles passam muitas horas sozinhos.

Também os parceiros da freguesia T1 alertam para o problema dos horários


familiares, referindo que a falta de equipamentos para ocupar o tempo livre das
crianças tem impactos na efetivação das respostas. Todos consideram haver uma
ausência de recursos e respostas no território passíveis de solucionar os problemas
inerentes ao fenómeno da violência. Neste âmbito, os representantes da PSP referem o
caso de uma intervenção tardia com um aluno. Situação que todos os parceiros
conhecem, explicando que se deveu sobretudo à fraca articulação e erros sucessivos
de avaliação e diagnóstico do caso. Esta situação é demonstrativa da reduzida
articulação interinstitucional existente no território T1, revelando uma rede em que os
parceiros ainda estão a construir relações próximas e colaborativas.

Face às contrariedades, os parceiros das redes nos territórios T2 e T3 assumem


frequentemente que excedem os seus campos de atuação ou mesmo que
desconsideram as regulamentações impostas no sentido de solucionar os problemas.
Na freguesia T2, por exemplo, apesar da exigência de encaminhamento das situações
de abandono imposta pelo novo Estatuto do Aluno, os participantes afirmam que a
gente faz o que sempre fez. Embora reconheçam a importância dos normativos, para
estes representes a resolução dos problemas é prioritária: primeiro resolvemos aqui,
esgotamos os nossos recursos. Sublinham uma resposta localizada e fortemente
enquadrada no plano de ação definido conjuntamente, alicerçada numa rede em que
os intervenientes são ativos e colaborantes: agarramos e fazemos nós, fazemos o
nosso serviço, que é no fim assumirmos a responsabilidade social. No caso da
freguesia T3, tanto a escola como na área da saúde assumem que dão tudo o que
devem e o que não devem, canalizando recursos e estratégias de resolução sempre que
surge um foco de problemas. Contudo, apontam a necessidade de recursos que tem
sido premente e que muitas vezes não conseguem ir além de um determinado patamar
de ação, acusando os responsáveis do poder local de estar a par dos problemas e não
agirem, pois isso não lhes dá votos.

A relação entre a regulamentação de medidas políticas e a sua aplicação encontra


outros paradoxos a nível local. Nomeadamente, nas limitações de intervenção sobre
os cuidados à primeira infância em particular no território T2. Apesar do maior
desenvolvimento de sistemas de creches familiares pelo poder local e segurança

52
social, subsistem muitas amas ilegais no bairro. Esta situação deve-se a um
desajustamento do número de creches face às necessidades das famílias, assim como
dos horários praticados relativamente aos de trabalho dos pais e do tipo de apoio que
precisam em caso de doença das crianças. Ou seja, as amas recebem e cuidam das
crianças mesmo que estejam doentes, praticam horários ajustados aos dos pais,
aceitando crianças em horários pós-laboral, por exemplo. O que coloca um dilema aos
representantes da rede pois: legalmente teríamos que denunciar, mas se o fizermos
estas crianças ficarão em muito piores situações.

O conjunto de contrariedades identificado nos grupos focais é extenso e relaciona-se


sobretudo com impedimentos legais e de recursos necessários para a atuação dos
técnicos. Os parceiros demonstraram uma forte preocupação com os problemas que
têm emergido na presente conjuntura socioeconómica, apoiando-se em práticas mais
flexíveis e dinâmicas para ultrapassar situações frequentemente dilemáticas ou
limitadoras. Advogam neste sentido uma exigência moral de responsabilidade social
para explicar as suas ações, entendendo a decisão de ir além das suas fronteiras de
intervenção é muitas vezes uma necessidade que lhes permite solucionar os
problemas.

A identificação dos obstáculos e das potencialidades da intervenção, bem como a


análise das dinâmicas de articulação local entre os parceiros destes territórios foram
as principais focos analíticos na realização dos grupos focais. Confirmando as
tendências anteriormente apresentadas resultantes da análise de redes sociais,
verificaram-se contrastes significativos no que diz respeito ao dinamismo e
funcionamento das redes de intervenção. O território T2 apresenta uma rede de
parceiros articulada e cooperante, enquanto nos territórios T1 e T3 o trabalho de
parceria é pouco desenvolvido e muitas vezes fragmentado.

Apesar destas diferenças, a escola desempenha um papel importante nas redes


analisadas, na medida em que reúne grande parte das crianças e jovens das
localidades e porque a entendem como instituição de primeira linha no diagnóstico e
acompanhamento de casos problemáticos. Neste sentido, por se verificarem fortes
divergências quanto ao papel desempenhado pelas escolas das freguesias T1 e T3, é
somente na freguesia T2 que esta entidade se assume como elemento aglutinador na
rede, com um forte pendor interventivo.

Face à atual conjuntura socioeconómica, embora preocupados, os parceiros


demonstram-se firmes relativamente às intervenções que realizam, mesmo que para
isso tenham ultrapassar os respetivos campos de atuação ou ignorar deliberadamente
os impedimentos legais impostos. A modalidade de trabalho em rede constitui uma
forma de ultrapassar estas contrariedades, que se associam sobretudo às
regulamentações e à aplicação das demandas da tutela a nível local. A rede funciona
como uma estrutura de recursos, especialmente no território T2, como uma plataforma
de ação a que os parceiros recorrem para superar as suas limitações e suprir as
necessidades.

Em síntese, podemos afirmar que apesar das vicissitudes apontadas pelos


representantes das instituições e entidades locais, as modalidades de trabalho
articulado em parceria constituem uma forma de ação coletiva que se revela e é por
todos considerada como particularmente útil e produtiva, seja no âmbito dos

53
mecanismos de intervenção e como de prevenção a nível territorial. As redes locais
permitem aceder a recursos e estratégias de atuação planeadas conjuntamente,
adequadas a problemáticas específicas identificadas pelos parceiros. Verifica-se,
porém, que para um funcionamento deste tipo de intervenção bem sucedido é
necessário um conjunto de parceiros interessados que dinamizem a rede, superando
convicções e práticas institucionais divergentes.

54
IV. ESCOLA

1. OS DOCUMENTOS ESCOLARES

Sendo os documentos estruturantes das escolas instrumentos que refletem,


formalmente, as linhas orientadoras de atuação a que as organizações escolares se
propõem, a presente análise procurou aprofundar e sistematizar de que forma as
escolas planeiam a intervenção relativamente ao problema da violência. De acordo
com o modelo de análise desenhado, interessou-nos focar por um lado: as dinâmicas
organizacionais das escolas e dos territórios respetivos e, por outro, as estratégias
definidas e implementadas na resposta e prevenção sobre as situações de violência e
agressividade.

Os documentos selecionados para a análise foram: o Regulamento Interno, o Projeto


Educativo de Agrupamento e o Plano de Intervenção da Diretora, a Avaliação Externa
da IGE (Inspeção Geral de Educação), o Projeto TEIP de cada escola, e ainda, os
dados internos relativos a situações de violência e indisciplina recolhidos e
organizados pelos gabinetes de apoio e mediação de conflitos nas Escolas. 26

1.1 ORIENTAÇÕES DA ESCOLA

Da análise conjugada dos Projetos Educativos de Agrupamento, dos Planos de


Intervenção da Diretora e das Avaliações Externas da IGE verificamos que as escolas
se encontram atentas mas fortemente vulneráveis às transformações e dinâmicas sócio
demográficas que têm vindo a ocorrer a nível concelhio, identificando, em diferentes
graus, constrangimentos e fraquezas, especialmente de sobrelotação e consequente
falta de condições – o que resulta na perceção de um aumento da insegurança e dos
riscos (ou perigos) a que estão sujeitos.

A diversidade cultural e vulnerabilidade económica das famílias dos alunos parece ser
marcante na medida em que são dos aspetos repetidamente apontados, referindo por
exemplo os desafios inerentes à abertura da escola a uma população heterogénea e
multicultural inserida num meio sócio económico difícil. [Projeto Educativo
Agrupamento da Escola E1, pp.7] Segundo os documentos escolares, as
características dos alunos e meios de origem criam obstáculos ao nível do
funcionamento e papel da escola, uma vez que – quer ao nível das expectativas quer

26
2010/ 2011 e 2011/2012 foram os anos letivos considerados para a análise documental, pela
disponibilidade de documentos aprovados e em vigor, uma vez que as alterações normativas da tutela
para 2012/2013 não permitiram o acesso atempado aos mesmos. Todas as escolas foram alvo de
avaliação externa, tendo sido recolhidos os respetivos Relatórios disponibilizados pelo site da IGE (não
houve apresentação de Contraditórios em nenhum dos casos), havendo apenas uma em que a Avaliação
foi anterior ao atual mandato (E2) – considerando-se apenas para a análise as continuidades e rupturas
de Liderança. Tivemos ainda acesso a outros documentos como o Projeto Curricular ou os Planos
Anuais e Plurianuais de Atividades que foram sempre tomados, quando pertinentes, como
complemento aos recursos em análise.

55
das práticas – tanto os alunos como os pais/responsáveis apresentam níveis elevados
de desinteresse [Projeto de Intervenção da Diretora E3, pp.7]. Ou seja, consideram
que a falta de acompanhamento, de participação e as fracas expectativas relativamente
à escola e ao percurso escolar dos educandos (especialmente no caso das escolas E2 e
E3, numa lógica de reprodução de trajetórias pouco escolarizadas) contribuem
frequentemente para o abandono, insucesso e indisciplina [patente por ex. no Projeto
Educativo de Agrupamento da E2, pp.8]. Facto que reflete nestes documentos, muitas
vezes, a perceção de uma escola com funções acrescidas, como espaço de educação
de competências sociais e cívicas, para além do ensino.

A presente discussão funda-se, em certa medida, na conceção dos responsáveis


escolares relativamente ao que entendem ser as missões da escola, nomeadamente
pelo confronto entre as orientações apoiadas num ideal de escola inclusiva, rigorosa e
responsável organizada em torno de uma cultura escolar partilhada por todos, tendo
como referência principal a Lei de Bases do Sistema Educativo. Nos seus
documentos, os responsáveis escolares procuram articular estas orientações e
princípios dos normativos da tutela com os valores adotados pelas escolas expressos
nesses documentos, como: "equidade", "tolerância", "respeito" e “cidadania” e a
promoção de uma convivência pacífica e integradora 27 . Neste sentido, tanto os
valores como as missões manifestadas prendem-se não só com a gestão da
diversidade sociocultural presente nas escolas, como com as perspetivas pedagógicos
e educativas. Em particular, nos documentos orientadores das três escolas e no que diz
respeito aos problemas da violência e indisciplina são na definição dos objetivos
considerados como prioritários, com referência à definição de planos de melhoria e
resposta. A escola E3 encara mesmo este problema como um ponto fraco e/ou
negativo: Os pontos fracos foram, então, identificados (…) comportamentos
inadequados [dos alunos] em sala de aula e nos espaços exteriores [PID da E3, pp. 9]

1.2 ESTRUTURA E COORDENAÇÃO ORGANIZACIONAL

Para compreender como os diferentes intervenientes e responsáveis se articulam na


resolução das situações de conflito, nas escolas, considerámos primeiramente as suas
estruturas internas. Nas três escolas encontram-se em funcionamento gabinetes de
apoio e mediação de conflitos, definidos como espaços intermediários na resolução e
controlo dos problemas comportamentais. É pertinente notar que estas estruturas não
estão previstas na lei, sendo a sua existência uma iniciativa das escolas, que encontra
paralelo noutros estabelecimentos do concelho em estudo (Sebastião, Campos e
Merlini, 2012b:12).

Com designações próprias em cada escola28, os seus modelos e finalidades de atuação


são semelhantes orientando-se para a elaboração do diagnóstico do problema, da

27
Patentes nos Projetos Educativos de Agrupamento e/ou nos Projetos de Intervenção das Diretoras das
escolas, designadamente: PEA/E1, pp.6-7; PEA/E2, pp. 21; PID/C3, pp. 31.
28
Escola E2 – Gabinete Gestão de Conflitos; Escola C3 – Gabinete Acolhimento e
Intervenção/Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família; Escola E1 – Gabinete de Intervenção Disciplinar.

56
mediação e intervenção em situações de conflito29. Organizacionalmente e para esse
efeito foram constituídas equipas às quais foram atribuídas funções e
responsabilidades diversas. Estas equipas são formadas por nomeação das respectivas
Diretoras e compostas por docentes no caso de duas das escolas (E1 e E3) ou, como é
o caso da E2, com a colaboração/ integração de outros elementos da escola (oriundos
das equipas multidisciplinares do Programa TEIP ou integração de Assistentes
Operacionais).

Quadro 6 - Estruturas de Gestão de Conflitos nas escolas – Gabinetes de Intervenção

Formação dos
elementos da
Designação Âmbitos de Constituição da Atribuição de Funções/
equipa em Tutorias
de Gabinete Atuação equipa Responsabilidades Tarefas
gestão de
conflitos
Constituída por Diretor pode Recebe/
Professores e delegar encaminha
Gabinete Diagnóstico,
Freguesia coordenado por competências na alunos com
E1 Intervenção Mediação e Sim Não
T1 Professores Equipa do ordem de
Disciplinar Intervenção
(reuniões Gabinete de saída de
quinzenais/mensais); Intervenção sala de aula
Equipa de
Integração/ Diretor pode Recebe/
acompanhamento delegar encaminha
Gabinete Diagnóstico,
Freguesia constituída por competências no alunos com
E2 Gestão de Mediação e Sim Sim
T2 diversos recursos Subdiretor, ordem de
Conflitos Intervenção
humanos do Adjunto ou saída de
Agrupamento Conselho de Turma sala de aula
multidisciplinar
Diagnóstico,
Gabinete de
Mediação,
Acolhimento Recebe/
Intervenção,
e Acompanhamento encaminha
Melhorar
Freguesia Intervenção Constituída por e encaminhamento alunos com
E3 meios de Não especifica Sim
T3 /Gabinete Professores dos casos ordem de
Comunicação
Apoio ao disciplinares saída de
e criar clima
Aluno e à sala de aula
de respeito e
Família
confiança

Nos Projetos Educativos de Agrupamento e de Intervenção da Diretora as referências


às funções e responsabilidades a desempenhar em matéria disciplinar dos alunos é
também muito diferenciada, sendo atribuídos pesos diferentes conforme os agentes
em cada escola. Podemos, assim, agrupar a partir das funções atribuídas aos diferentes
agentes, por escola.

Na escola E3 a escola é considerada é como um espaço com imensas potencialidades


educativas que devem ser maximizadas, visando a promoção do desenvolvimento
integral dos alunos, interlocutor e parceiro de desenvolvimento da comunidade onde

29
A escola C3 prevê ainda objetivos de melhoria dos meios de comunicação e criação de um clima de
respeito e confiança. As práticas de monitorização, os procedimentos e os modos de apropriação
internos são evidentemente singulares em cada escola.

57
está inserida, ou seja, a escola tem a responsabilidade de melhorar e aperfeiçoar o
meio social em que está inserida. Na escola E2 uma das principais linhas orientadoras
de atuação é o aumento das responsabilidades na manutenção dos espaços mediante o
incremento da participação e desenvolvimento cívico das crianças e jovens (os
alunos). A escola E1 aposta prioritariamente na informação e sensibilização dos Pais/
Encarregados de Educação sobre as normas de conduta, estando prevista formação
específica sobre estes assuntos exclusivamente para estes agentes. Além disso, esta
escola perspetiva as responsabilidades de prevenção e intervenção, relativamente à
segurança, disciplina e criação de um clima pacífico, a todos os elementos da
comunidade educativa (escola, corpo docente e não docente, alunos e demais
membros pertencentes ao estabelecimento escolar).

No plano das linhas orientadoras de atuação, a escola E1 considera a promoção de


hábitos de segurança, estabelecendo para esse efeito metas e objetivos gerais,
designadamente ao nível da reflexão, interiorização e cumprimento das normas de
conduta, ensino do "respeito" e a criação de condições para garantir a segurança,
prevenção do conflito nas escolas e imediações. Das três escolas, apenas esta tem em
conta dois interlocutores ou responsável em matéria de segurança e disciplina,
orientando a sua atuação tanto para os Pais/E.E. como para a Comunidade Educativa
através da sensibilização e a promoção de práticas conducentes à criação de condições
que garantam a segurança e previnam os conflitos.

É na delegação e atribuição de tarefas e responsabilidades que as diferenças entre


escolas são mais visíveis, ilustrando o usufruto da autonomia relativa à decisão sobre
regras e procedimentos a observar em matéria de delegação das competências do
diretor.30 Em consonância com o previsto na lei, as deliberações de resolução em caso
de infração cometida estão organizadas por tipos de medida a aplicar em todos os
Regulamentos Internos. É nas medidas corretivas que se verificam as principais
alterações face ao definido pela tutela.

30
Estatuto do Aluno, alínea n.º 1 do Artigo 52º, lei nº 39/2010 de 2 de Setembro. Normativo em vigor à
data do estudo

58
Quadro 7 - Medidas disciplinares corretivas - Regulamentação da tutela e das direções
das escolas

Ordem de Saída Tarefas de


Advertência Condicionamento Mudança de Turma
de sala de aula Integração
Estatuto Professor Diretor
Diretor Agrupamento
do Aluno Qualquer professor ou (determina Agrupamento de Diretor Agrupamento de
de Escolas (pode
(39/2010, membro do pessoal não período, atividade Escolas (pode Escolas (pode consultar
consultar Diretor de
artigo docente e decide marcação consultar Diretor Diretor de Turma)
Turma)
26º) de falta) de Turma)
Diretor de Turma e
Diretor de Turma e
Equipa Gabinete de
Equipa Gabinete de Diretor Agrupamento de
Intervenção ou
E1 Igual Igual Intervenção ou Diretor Escolas (comunicado ao
Diretor
Agrupamento de Diretor de Turma)
Agrupamento de
Escolas
Escolas
Assistente Operacional,
Professor, Diretor de Professor, Diretor Diretor de Turma,
Diretor
E2 Turma/Professor Titular, Agrupamento de Diretor Agrupamento Igual
Agrupamento
Diretor Agrupamento de Escolas de Escolas
Escolas
Conselho de Turma
E3 Igual Igual Não referido Não referido
Disciplinar propõe

Nas escolas considera-se um número de responsáveis pela aplicação de medidas


corretivas mais alargado do que o previsto pelo normativo, particularmente no que diz
respeito à ordem de saída da sala de aula, às tarefas de integração e ao
condicionamento no acesso a espaços escolares ou na utilização de certos materiais e
equipamentos. Além do Diretor de Agrupamento, a na escola E1 delega-se na Direção
de Turma e na Equipa do Gabinete de Intervenção Disciplinar a aplicação das
medidas corretivas de realização de tarefas de integração e de condicionamento a
espaços e recursos escolares. Já na escola E2 diferenciam os responsáveis por medida
especificando quem são no caso da advertência. A ordem de saída de aula é também
considerada da responsabilidade do Diretor de Agrupamento e o condicionamento da
Direção de Turma. A escola E3, por sua vez, diferencia-se das restantes na medida em
que no que diz respeito à realização de tarefas de integração, deixam a sua aplicação
ao critério do Conselho de Turma Disciplinar. Estas especificidades evidenciam o
modo como em cada uma destas escolas os normativos gerais são adaptados às
características particulares dos seus corpos docentes e discentes.

Quadro 8 - Medidas disciplinares sancionatórias - Regulamentação da tutela e das


direções das escolas

Repreensão Registada Suspensão Transferência de escola


Estatuto do Professor quando se encontra em sala de Diretor Agrupamento de Escolas
Diretor Regional (após conclusão do
Aluno (39/2010, aula e Diretor Agrupamento de Escolas (pode consultar Conselho de
procedimento disciplinar)
artigo 26º) restantes situações Turma)
E1 Igual Igual Igual
E2 Igual Diretor Agrupamento de Escolas Igual
E3 Igual Igual Igual

59
No caso das medidas disciplinares sancionatórias não se verificam tantas variações.
Com efeito, a suspensão é a única medida que surge relativamente diferenciada do
que está estabelecido no Estatuto do Aluno e apenas no caso da escola E2. Nesta
escola a responsabilidade de aplicar a medida de suspensão é exclusiva do Diretor de
Agrupamento, sem a possibilidade de consulta ao Conselho de Turma. O Estatuto do
aluno regulamenta que nos casos de aplicação da medida disciplinar sancionatória de
suspensão compete ao diretor decidir se deverão, ou não, ser estabelecidas parcerias
para o acompanhamento/integração do aluno durante o período de cumprimento da
pena, isto é:

Compete ao director da escola, ouvidos os pais ou o encarregado de educação do


aluno, quando menor de idade, fixar os termos e condições em que a aplicação da
medida disciplinar sancionatória referida no número anterior é executada,
garantindo ao aluno um plano de actividades pedagógicas a realizar, co-
responsabilizando-os pela sua execução e acompanhamento, podendo igualmente, se
assim o entender, estabelecer eventuais parcerias ou celebrar protocolos ou acordos
com entidades públicas ou privadas. [Estatuto do Aluno, alínea 6, artigo 27º]

Para além das medidas disciplinares encontram-se diversas estratégias nestas escolas
definidas para prevenir e intervir sobre os comportamentos desviantes dos alunos. O
encaminhamento e os apoios individualizados ou dirigidos a grupos específicos são
comuns às três escolas. A supervisão de alunos sinalizados, a procura de integração na
abertura do ano letivo e a preocupação com a transição de ciclo são outras das
medidas preventivas.

Quadro 9 - Medidas preventivas – Regulamentação das direções das escolas

Encaminhamento para outras vias de ensino (interno ou externo); Intervenção direta da Psicóloga: acompanhamento
semanal das turmas PCA, apoio individualizado a alunos identificados. Sensibilização e tarefas na Formação Cívica
E1
no 5º ano; Acolhimento no início do ano letivo (a Assistentes Operacionais e a alunos novos – alunos do 9º ano
apadrinham alunos de 5º ano).
Tutorias; Encaminhamento de alunos para CEF, PIEF e PCA (interno); Reconhecimento de maior articulação entre 1º
E2
e 2º Ciclos do Ensino Básico
Alunos reincidentes são sinalizados, vigiados e acompanhados por técnicos que os encaminham/ orientam para vias
E3
alternativas (interno ou externo); Tutorias.

Organizacionalmente revelaram-se também pertinentes para a análise outros


elementos como a articulação entre ciclos, a constituição de turmas e a
implementação/ coordenação de outras estruturas internas orientadas para a prevenção
e intervenção da violência e segurança em meio escolar. Estes indicadores permitem-
nos olhar para outros mecanismos de coordenação e mobilização que são acionados
pelas escolas, em resposta ao problema, por um lado, e como estratégia de adaptação
ao que consideram ser os desafios colocados pela diversidade sociocultural e
vulnerabilidade socioeconómica de parte dos seus alunos, por outro.

Por exemplo, o processo de transição entre ciclos de ensino ganha particular


pertinência na medida em que pode comportar uma mudança de escola e/ou de turma
(mesmo que os alunos se mantenham no mesmo agrupamento de escolas) com a

60
necessidade de integração dos alunos num novo quadro de relações e sistema de
regras, constituindo-se assim como um momento particularmente sensível no campo
da regulação de atitudes e comportamentos. De acordo com as Avaliações Externas da
IGE, em matéria de transição e sequencialidade entre ciclos de ensino, verificámos
que em todas as escolas é assinalada a procura de articulação e preparação destes
processos, nomeadamente pela existência de mecanismos e/ou práticas de orientação
vocacional. Em complemento, nos Projetos Educativos de Agrupamento e de
Intervenção da Diretora das escolas E3 e E2, há também um especial enfoque no
trabalho cooperativo e colaborativo entre os docentes que potencie a articulação
disciplinar e interdisciplinar. Numa perspetiva de coesão e fortalecimento do
agrupamento, na escola E3 encara-se a integração e articulação entre os diferentes
níveis de ensino como veículo para o estabelecimento de um clima escolar bem
sucedido, na promoção de uma atmosfera de cooperação e convívio. Enquanto na
escola E2 um dos principais objetivos prende-se com o incentivo à articulação entre
ciclos, em que o princípio da continuidade pedagógica na constituição de turmas se
afigura como uma solução para uma resposta concertada e adequada.

Efetivamente, de acordo com o estipulado pelo Despacho n.º 5328 de 28 de Março de


2011:
(…) devem ser constituídas equipas pedagógicas que integrem os docentes das
diferentes disciplinas do ano de escolaridade e assegurem o acompanhamento das
turmas ao longo do ciclo de ensino. [alínea 1 do Artigo 3º, Despacho n.º 5328 de 28
de Março de 2011].

1) — As equipas pedagógicas referidas no artigo 3.º (…) desenvolvendo o trabalho


de constituição das turmas, bem como a análise do percurso escolar dos alunos. 2) —
Cabe ao conselho de turma (…) efectuar o diagnóstico, identificar as características
e dificuldades de aprendizagem dos alunos da turma, assim como a elaboração do
plano curricular da turma, concretizando planos e estratégias para colmatar as
dificuldades e necessidades diagnosticadas. [alíneas 1 e 2 do Artigo 14º, Despacho
n.º 5328 de 28 de Março de 2011]

A escola tem, assim, autonomia para adotar orientações próprias sobre a constituição
de turmas que se pretendem criteriosas e ponderadas, devendo para isso ser
acompanhadas por um processo de diagnóstico e análise das características e percurso
escolar dos alunos.

A constituição de turmas representa, portanto, um indicador relevante na análise das


dinâmicas organizacionais dos estabelecimentos escolares para a regulação da
violência e a construção de um clima de convivência escolar. O estabelecimento de
turmas equilibradas (tendo em conta a continuidade dos alunos, dos professores e a
dos diretores de turma em cada ciclo) é apontada nos Relatórios de Avaliação Externa
da IGE como um dos fatores potenciadores da resolução dos problemas. Segundo esta
fonte, todas as escolas em estudo “seguem o critério de continuidade pedagógica”.

Está também regulamentado que compete ao Diretor superintender na constituição de


turmas (alínea 4 do Artigo 20º, Decreto de Lei n.º 137 de 2 de Julho 2012). E, para
além disso, é igualmente da competência do Conselho de Turma, entre outras
responsabilidades, definir critérios a adotar perante situações idênticas de indisciplina
e tratar de assuntos de ordem disciplinar, podendo o Diretor convocar reuniões

61
extraordinárias do Conselho de Turma (por iniciativa ou proposta), sempre que
quaisquer assuntos de natureza pedagógica ou disciplinar o justifiquem. Finalmente,
as escolas podem ainda designar professores tutores para acompanhamento em
particular do processo educativo de um grupo de alunos. As escolas E2 e a E3
promovem e implementam Sistemas de Tutorias, com o intuito de orientar e
acompanhar alunos sinalizados com problemas de aprendizagem e/ou integração na
escola e na turma.

1.3 ESTRATÉGIAS E MECANISMOS DE PREVENÇÃO

As diferentes circunstâncias em que se encontram as escolas têm um peso


considerável na definição e desenvolvimento de estratégias e mecanismos de
prevenção e intervenção face ao problema da violência e segurança escolar. A falta de
recursos, como a inexistência de vigilantes do Ministério da Educação associada à
sobrelotação das escolas são exemplos ilustrativos das dificuldades de gestão da
prevenção de situações de conflito. Estes exemplos são apontados em alguns dos
documentos de orientação das escolas, como os Projetos Educativos e estão presentes
também nos discursos dos responsáveis escolares. É marcante a reflexão em torno do
que consideram ser a inadequação e dissociação entre as exigências da tutela e a
capacidade de resposta das escolas às metas e objetivos definidos. Os responsáveis
escolares alegam que a pressão da rede escolar coloca dificuldades significativas à
gestão e organização da escola. Por um lado, o problema do excesso de procura e da
sobrelotação das escolas. O número de alunos por turma nestas escolas ultrapassa
frequentemente os limites estabelecidos e o rácio de funcionários por aluno encontra-
se abaixo do estipulado, o que, associado às taxas de absentismo dos Assistentes
Operacionais geralmente elevadas, agrava fortemente a construção e manutenção de
um ambiente escolar seguro e estável. Por outro lado, a capacidade de adequação e
acolhimento da população escolar que atendem por via da promoção da diversificação
e enriquecimento da oferta educativa encontra-se, igualmente condicionada, na
medida em que carecem de disponibilidade de recursos humanos para afetar à
supervisão e acompanhamento dos alunos, assim como de espaços e horários para a
realização de atividades transversais e/ou complementares de sensibilização,
prevenção e mobilização dos alunos e outros elementos da comunidade escolar no
âmbito da problemática da violência e segurança na escola.

Apesar das dificuldades identificadas, a análise destas escolas revela que estas se
encontram munidas de competências que lhes permitem desenvolver estratégias
alternativas, facilitadoras e potenciadoras de um ambiente escolar pacífico e seguro.
Na análise identificaram-se diferentes estratégias previstas pelos responsáveis
escolares das escolas em estudo, e que se podem agrupar nos seguintes domínios de
ações:

- Sensibilização e debate sobre as normas e segurança: as três escolas prevêem a


reflexão em torno das normas com a comunidade educativa. Nos seus diagnósticos
identificam a necessidade de formação orientada especificamente para a gestão de
conflitos, planeando para esse efeito um conjunto de ações formativas para os
professores e funcionários.

62
- Articulação e coordenação da escola no âmbito da segurança e da regulação da
violência: nas escolas E1 e E3 os responsáveis escolares planificam diversas ações a
este nível. Na Escola E3 a direção escolar prioriza a uniformização e coerência de
regras e procedimentos com vista à promoção da articulação entre as diferentes
instâncias e órgãos da escola; nas escolas E1 e E3 há por parte dos responsáveis a
previsão da implementação de sistemas de vigilância (como o cartão magnético) e a
manutenção dos espaços escolares.

- Acompanhamento e supervisão de espaços e atividades educativas: em todas as


escolas são identificados pelos seus responsáveis um conjunto de ações dirigidas à
prevenção e intervenção sobre os comportamentos violentos e atitudes inadequadas,
que são diversas: a aposta na supervisão e controlo dos espaços, sobretudo nas
escolas E2 e E3, no sentido de reforçar a vigilância e controlar determinadas áreas
consideradas propensas à conflitualidade (como por exemplo a portaria); a animação
e/ou supervisão de atividades como é o caso das escolas E1 e E2, que em certos
espaços ou momentos, nomeadamente nos pátios/recreios, salas de convívio,
intervalos, etc, promove a convivência e o trabalho cooperativo/colectivo com vista à
melhoria dos ambientes escolares; a promoção de sistemas de tutorias, na escolas E2
e E3, enquanto estratégia efetiva de acompanhamento de alunos com maiores
dificuldades de integração e com condutas desviantes.

- Mobilização e Envolvimento da Comunidade: na escola E2 está previsto o


envolvimento e apoio de pais/EE, orientando-se para uma atuação mais interventiva/
formativa, que permita direcionar estes elementos para práticas tendentes a uma
participação ativa e colaborativa. Já a escola E3 aponta-se para a cooperação com os
agentes locais e o reforço/ estabelecimento de parcerias e protocolos com instituições
orientadas para a resolução dos problemas de violência e insegurança. Na escola E1
não se encontram referências discursivas a esta dimensão.

- Criação e Dinamização de Projetos e/ou Iniciativas: os responsáveis das escolas


entrevistados referiram a necessidade de desenvolvimento de um conjunto de
mecanismos para controlar a conflitualidade. Afirmaram ainda que se podem
considerar tanto as iniciativas que se focam especificamente na problemática, como
outras que contribuem indiretamente para a atenuação dos problemas de violência e
indisciplina, como a promoção da saúde, o desporto, a cidadania, entre outros
exemplos. Parte destas iniciativas são organizadas quer ao nível das estruturas e dos
projetos escolares, como os gabinetes de mediação, clubes, núcleos, assim como no
âmbito de eventos como workshops, comemorações, exposições, entre outros.

Em síntese, as escolas acionam um leque muito diferenciado de estratégias e


mecanismos de prevenção, o que mostra que são capazes de agir face à violência de
modo diversificado, mesmo em contextos desafiantes. Os modos de definição e
apropriação interna da regulação dos comportamentos é outro domínio relevante para
a compreensão dessa capacidade.

1.4 REGULAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS E ATITUDES

A diversidade de estratégias de intervenção sobre o problema da violência na escola


resulta em grande parte, como temos vindo a demonstrar, das orientações das

63
lideranças, do envolvimento dos atores nos processos de tomada de decisão, dos
fatores organizacionais e das condições para a sua implementação. Tendo gabinetes
de apoio para a mediação e intervenção em situações de conflito, as escolas do estudo
dispõem igualmente de informação sistematizada sobre as ocorrências participadas e
que medidas foram atribuídas em cada ocorrência. A monitorização do fenómeno
parece representar para os responsáveis escolares destas escolas uma primeira etapa
de regulação do problema na medida em que no âmbito do trabalho desenvolvido por
esses gabinetes usam instrumentos de diagnóstico e de avaliação sobre a intervenção
no combate à violência na escola. Os processos de monitorização e organização da
informação distinguem-se por escola, particularmente em termos de registo e
apresentação.

Na escola E2 a equipa do gabinete tem como função a recolha de informação sobre o


número de ocorrências e respetivas consequências disciplinares. A análise da
evolução do registo de ocorrências traduz uma evolução positiva, particularmente no
que às nas sanções aplicadas diz respeito.

Quadro 10 - Ocorrências, procedimentos e medidas disciplinares registadas no Gabinete


Gestão de Conflitos da Escola E2

2010/2011 2011/2012
Ocorrências 433 354
Procedimentos disciplinares 89 23
Medidas Disciplinares
65 9
Sancionatórias
Fonte: Direção da Escola E2

De modo mais detalhado, a distribuição das ocorrências por ano de escolaridade e por
ciclo de ensino apresenta oscilações significativas ao longo do ano letivo 2011/2012.
No 2º ciclo EB há maior número de ocorrências, sobretudo no 5º ano de escolaridade,
com um aumento progressivo de situações entre o primeiro e o segundo período
escolar. No 3º ciclo EB o número de ocorrências registadas é substantivamente
menor, havendo um ligeiro acréscimo no segundo período escolar, especialmente no
8º ano, com 36 ocorrências registadas pela equipa do gabinete. Destas, 22 são apenas
numa turma de ensino regular, na qual apenas 2 alunos em 7 identificados, não
reincidiram no seu comportamento ao longo do segundo período. A reincidência
reforça o a posição do 2º ciclo EB como ciclo que reúne o maior número de
ocorrências na escola. Do total de alunos a frequentar a escola neste ano letivo
verificaram-se 12 situações com mais de 6 reincidências, distribuindo-se do seguinte
modo por anos de escolaridade: 6 no 5º ano; 4 no 6º ano; 1 no 8º ano e 1 no 9º ano.

64
Quadro 11 - Ocorrências por período e ano escolar no ano letivo de 2011/2012 registadas
no Gabinete de Gestão de Conflitos da Escola E2

5º ano 6º ano 2º Ciclo 7º ano 8º ano 9º ano 3º Ciclo Total



36 18 54 4 13 7 24 78
Período

72 41 113 13 36 5 54 167
Período

48 39 87 3 19 0 22 109
Período
Total 156 98 254 20 68 12 100 354
Fonte: Direção da Escola E2

A escola E1 apresenta apenas dados para o 3º Período de 2011/2012. Do total de


situações ocorridas cerca de 40% (22) são com alunos que reincidem no seu
comportamento. Outro aspeto a salientar é a existência de maior número de medidas
corretivas do que sancionatórias, situação que não se verificava nesta escola em anos
anteriores.31

Quadro 12 - Ocorrências e medidas no 3º Período do ano letivo de 2011/2012 registadas


pelo Gabinete de Intervenção Disciplinar da Escola E1
Total de
Total de Total de Alunos medidas
Total de Alunos
Ocorrências reincidentes
MC MDS
3º Período 96 58 22 6 5
Fonte: Direção da Escola E1

Também no caso da escola E1 foi possível organizar a informação sobre a frequência


no gabinete ao detalhe da turma e ano de escolaridade para o período considerado. À
semelhança do que sucede na escola E2 há um maior número de alunos no 2º ciclo
EB; os 8 alunos com maior número de reincidências encontram-se todos a frequentar
esse nível de ensino. Constata-se ainda que a frequência de incidentes tende a
diminuir à medida que o ano de escolaridade aumenta32.

31
Por exemplo, em 2008/2009 foram aplicadas 119 medidas disciplinares sancionatórias, que incluíam
o condicionamento no acesso aos espaços escolares e suspensões, estas últimas eram particularmente
usadas com alunos reincidentes e com frequência aplicadas de forma sucessiva.
32
Ainda que estas variações necessitem de um maior aprofundamento quanto à gravidade e tipo de
ocorrências registadas, destaca-se que há um número de turmas significativamente menor no terceiro
ciclo nesta escola.

65
Quadro 13 - Ocorrências por turma e ano escolar no 3º período do ano letivo de
2011/2012registadas pelo Gabinete Intervenção Disciplinar da Escola E1


5º ano 6º ano 7º ano 8º ano
ano
A 5 0 4 2 1
B 0 2 12 0 0
C 4 1 9 0 1
D 3 0 0 0 0
E 3 0 0 2 3
F 2 1 0 1 -
G 7 7 - - -
H 1 7 - - -
I 6 1 - - -
J 4 1 - - -
L - 6 - - -
Total 35 26 25 5 5
Fonte: Direção da Escola E1

A direção da escola E3 facultou uma apresentação de informação recolhida pelo


respetivo gabinete, de modo distinto das anteriores, fornecendo a informação tratada
no formato de gráficos, organizados por ano de escolaridade, mês, dia da semana e
período do dia. De uma forma sucinta, registou-se maior número de incidentes nos
meses de Janeiro e Maio, mais frequentemente no turno da tarde e nos 6º e 7º anos de
escolaridade. Sobre esta escola dispomos ainda de alguma informação qualitativa,
designadamente que o 2º ciclo EB tem maior número de idas ao Gabinete de
Acolhimento e Intervenção, e embora tenha sido registado um ligeiro aumento
comparativamente ao ano letivo transato (2010/2011), este deveu-se ao aumento de
reincidências nos comportamentos disruptivos e não a um acréscimo no número de
alunos a recorrer ao gabinete. Neste sentido, constata-se que, à semelhança das outras
escolas, o número de situações na escola E3 também tende a concentrar-se nos níveis
de escolaridade mais baixos.

Entre os dados relativos a incidentes de violência recolhidos internamente pelos


gabinetes destas escolas há significativa continuidade com as tendências registadas ao
nível de recolha nacional pelo ME. Em termos globais, as escolas portuguesas de 2º e
3º Ciclos do Ensino Básico, com especial incidência nos anos de transição (5º e 7º
anos de escolaridade), são as que reportam maior número de casos. O pico de
incidentes reportados também coincide, com o 1º Período a concentrar mais
incidentes e uma diminuição gradual ao longo do ano letivo. Outro aspeto que
coincide com os padrões de registo de ocorrências a nível nacional é a existência de
focos localizados de emergência da violência. A reincidência dos alunos provoca
analiticamente um efeito numerosa ponderar na medida em que, se constata, que não
se trata de um fenómeno extensível a toda a escola ou a todos os alunos.

Ao nível da regulação e do controlo disciplinar uma análise detalhada dos


Regulamentos Internos permite-nos concluir que escolas seguem genericamente as

66
orientações presentes no diploma relativo ao Estatuto do Aluno. O RI das três escolas
apresentam uma organização similar :
1) Secção introdutória – em que se apresentam as finalidades, determinação e
qualificação das infrações e medidas disciplinares;
2) Secção sobre medidas corretivas – em que que, além dos critérios de aplicação,
orientações e procedimentos, se definem e listam o tipo de medidas (5 no total:
advertência oral 33 , ordem de saída, tarefas/ atividades de integração escolar,
condicionamento no acesso ou utilização de materiais e equipamentos e mudança de
turma);
3) Secção sobre medidas sancionatórias – tal como na anterior, nesta parte apresenta-
se a definição das medidas (que são três: repreensão registada, suspensão (de 1 até 10
dias), transferência de escola), as orientações e procedimentos, assim como os
critérios de cumulação de medidas disciplinares.

Tal como está explanado no Estatuto do Aluno, as escolas têm autonomia para
regulamentar outras medidas corretivas, tendo-se verificado na análise aos
documentos escolares algumas variações a este nível. A escola E3 define a
permanência do aluno nos seus gabinetes de apoio na sequência de uma ordem de
saída, já a escola E2 acrescenta o impedimento de participar em visitas de estudo e
atividades festivas ou de atividades de representação da escola. As três escolas
estipulam um conjunto de tarefas a desempenhar pelos alunos orientadas para
trabalhos e ações de manutenção, apoio e organização dos espaços interiores e
exteriores da escola ou das atividades não letivas. No caso das escolas E3 e a E2 o
desenvolvimento de um trabalho autónomo ao nível das diferentes áreas curriculares,
disciplinares e não disciplinares apresenta-se como uma atividade de integração.
Nos Regulamentos Internos destas escolas encontra-se ainda a apresentação de
tipologias de medidas disciplinares a aplicar. Na escola E1 para as situações de faltas
justificadas e/ou injustificadas dos alunos há uma tipificação dos procedimentos, e na
da escola E3 há para as situações de ordem de saída de aula para os alunos que
cometem infrações. Ambas as escolas têm documentos autónomos sobre as normas de
conduta dos alunos. Nos Regulamentos Internos das escolas E2 e E3 a informação
sobre os procedimentos disciplinares tal como se encontra no Estatuto do Aluno, não
está incluída nos respetivos regulamentos; no documento da escola E1 remete-se para
os artigos do referido estatuto.

Igualmente relevantes para a análise dos mecanismos de definição normativa são as


dimensões relativas aos direitos e deveres constituídos e de participação dos alunos e
do seu envolvimento nos processos de tomada de decisão. Nesse sentido, verificou-se
uma regulamentação das escolas que ultrapassa os direitos que estão consagrados no
Estatuto do Aluno. O direito ao apoio, participação e esclarecimentos no processo de
ensino-aprendizagem e o direito a utilizar as instalações e recursos da escola de

33
As alterações ao estatuto do aluno, introduzidas pela lei nº 39/2010 de 2 de Setembro, mais
concretamente no artigo 26º, incluíram pela primeira vez a Advertência no conjunto de medidas
corretivas. O carácter recente destas mudanças explica porque razão a escola E1 não consideram esta
medida nos seus RI (aprovados em 2009). Ressalva-se ainda que as mudanças normativas mais
recentes, constantes no novo estatuto do aluno (Decreto Lei n.º 51/2012 de 5 de Setembro), não foram
consideradas porque os documentos em vigor nas escolas no momento da análise correspondiam a um
período anterior a estas (mandatos de 2009 a 2012).

67
acordo com os horários e normas previstas estão regulamentados nos documentos
orientadores das três escolas. Os restantes direitos são específicos de cada escola,
estando a possibilidade de reunir, se associar e ter acesso a informação presente em
duas escolas (E2, E3).

Quadro 14 - Direitos dos alunos definidos por escola

Direitos E1 E2 E3
Direito à diferença, bem como a consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas x
Processo de ensino-aprendizagem e avaliação: apoio, participação, esclarecimento x x x
Exercer livremente o seu direito de reunião, associação e informação x x
Utilizar as instalações da escola bem como os seus recursos nos termos regulamentares x x x
Participação em atividades lúdico-culturais (dispensa das atividades letivas) x
Ser assistido em caso de acidente ou doença súbita no decorrer de atividades escolares x
Fonte: Regulamentos Internos e Códigos de Conduta das escolas

À semelhança dos direitos, as escolas regulamentam mais deveres do que os que estão
previstos no Estatuto do Aluno. Em particular aqueles que remetem para normas de
conduta e de convivência, designadamente para as situações vividas em sala de aula.
As responsabilidades sobre os bens e equipamentos escolares são outro aspeto focado,
prevendo-se com detalhe, nos documentos orientadores, os cuidados a ter na
utilização e manutenção dos materiais. O cumprimento dos deveres escolares e a
informação ou apoio junto dos adultos da escola não são obrigações previstas nas três
escolas, possivelmente por abrangerem dimensões que já estão largamente
regulamentadas nos deveres gerais do aluno.

Quadro 15 - Deveres dos alunos definidos por escola

E1 E2 E3
Dever de manter, utilizar e responsabilizar-se pelos bens e equipamentos x x x
Atuar segundo princípios cívicos: ter uma conduta ordeira, assídua, pontual, obediente… x x x
Evitar riscos, perturbações, atos ilícitos ou proibitivos x x x
Cumprir com as responsabilidades escolares (justificação de faltas, plano de recuperação,
x x
desempenho de funções atribuídas, etc.)
Informar e/ou solicitar apoio de um agente educativo, caso surja algum problema (não
x
solucionável localmente)
Fonte: Regulamentos Internos e Códigos de Conduta das escolas

O livre exercício da participação e o cumprimento/obrigatoriedade dos alunos


relativamente às suas responsabilidades escolares são princípios transversais aos
direitos e deveres. A análise dos diversos tipos de envolvimento e representação
destes atores nos processos de tomada de decisão é por isso relevante.

Tendo como ponto de partida as Avaliações Externas da IGE, ao nível do


envolvimento dos alunos nos processos de tomada de decisão, verificámos que, em
geral, são abordadas com os alunos as temáticas relativas aos direitos e deveres/
cidadania e comportamento, especialmente ao nível das turmas. Contudo, esta
participação circunscreve-se às ações de divulgação dos documentos estruturantes,

68
não estando prevista qualquer participação na elaboração dos mesmos. Na
programação de atividades a escola E3 apresenta uma fraca colaboração e
envolvimento dos alunos, ao contrário das escolas E2 e E1, que os incluem na
construção dos planos de atividades, conhecimento e definição de regras, dos critérios
de avaliação, dos temas a abordar e das atividades a desenvolver – podendo ser
propostas e executadas pelos próprios discentes.

Apesar de não estar previsto o envolvimento dos alunos nos órgãos de decisão, em
termos gerais, constatámos nos Regulamentos Internos a indicação de diferentes
formas de organização das atividades escolares com vista à promoção da participação
dos alunos na vida escolar. Situando-se entre as secções de direitos e deveres do
aluno, os documentos das três escolas integram, de maneira mais sumária (E1, E2) ou
mais detalhada (E3), um ponto relativo à representação dos alunos. Nas três escolas,
as responsabilidades dos delegados e subdelegados estão relacionadas com os seus
deveres de representação da turma, que implicam: a solicitação e integração de
reuniões, promoção da articulação e cooperação entre os alunos e os professores e a
Direção de Turma; e a coordenação dos processos de consulta, informando, e
conhecendo a opinião da turma. Por sua vez, a escola E3 estipula as competências e
perfis dos representantes dos alunos, de acordo com os valores e princípios
promovidos pela escola – nomeadamente a assiduidade, pontualidade, o sentido de
responsabilidade, de justiça e de entreajuda e solidariedade – além de boas
capacidades de relacionamento e de intervenção nos conflitos. Ser um elemento de
coesão da turma e de ligação entre a turma e o diretor de turma também correspondem
às características indicadas, e integram o conjunto de competências relativas à
representação, participação e comunicação estabelecida entre os alunos e os órgãos
deliberativos e consultivos da escola.

Por último, os modos de valorização de comportamentos meritórios são igualmente


considerados nas três escolas, que dispõem de quadros de Valor/ Mérito Educativo,
com o objetivo de reconhecer os alunos pelas suas ações de desenvolvimento cívico,
de correção e de esforço no cumprimento das suas obrigações. Contudo, segundo as
Avaliações Externas da IGE, apesar das escolas regulamentarem quadros meritórios,
nem todas têm a prática de premiar os progressos dos alunos ao nível das atitudes e
dos valores como é o caso da escola E234.

Aliada à maior definição de direitos e deveres dos alunos, a criação de quadros de


mérito demonstra a importância que a responsabilização dos alunos e a promoção das
condutas positivas tem no quadro organizacional escolar. Estas formas alternativas de
regulamentação apontam assim para a possibilidade das organizações escolares
atuarem além do quadro normativo geral da tutela.

1.5 PARCEIROS E PARCERIAS DAS ESCOLAS

Ao nível dos documentos procurámos ainda saber se a comunidade e os agentes locais


se envolvem e participam nos processos da vida escolar e se constituem um recurso

34Salvaguarda-se que a avaliação externa na escola E2 foi realizada em 2007, estando a decorrer uma nova
avaliação no ano letivo 2012/2013.

69
(alternativo) para a resolução dos problemas de violência e agressividade nos espaços
educativos.

As três escolas definem-se nos documentos orientadores como mediadoras e


promotoras do envolvimento e participação dos pais e encarregados de educação, as
instituições e outros agentes locais, definindo como estratégia a sensibilização para a
construção de um clima de convivência e respeito, assente quer no reforço e
valorização da escola, quer numa educação para valores e princípios cívicos. Por
outro lado, nos documentos das três escolas afirma-se que procuram dinamizar e
participar em atividades direcionadas para a comunidade, manifestando
disponibilidade e abertura para envolver os agentes com o intuito de estimular a
participação e o interesse destes. As escolas E2 e E3 planificam também estratégias
de acompanhamento e apoio e um conjunto diversificado de ações de intervenção,
como por exemplo o alargamento das ofertas formativas/ extracurriculares, planos de
acompanhamento a famílias economicamente carenciadas,, iniciativas direcionadas
para a ocupação dos tempos livres dos alunos, designadamente nas interrupções
letivas.

Por outro lado, nos documentos orientadores destas escolas os parceiros da


comunidade são referidos enquanto recurso usado para solucionar os desafios que vão
sendo colocados na operacionalização de ações concretas, como por exemplo pela
necessidade de rentabilização de recursos humanos ou materiais. A articulação entre
as escolas e as instituições e atores locais faz-se através de uma colaboração que
consideram ativa e partilhada, e que tem vindo a contribuir para a consolidação ou
estabelecimento de protocolos e/ou parcerias efetivas com diversas entidades da
comunidade. Esta articulação desenvolve-se também como estratégia para mobilizar e
ampliar as possibilidades disponíveis na comunidade.

Tomando por referência os parceiros identificados pelas escolas nos seus documentos
orientadores, distribuímos as entidades respetivas pela tipologia institucional
anteriormente adotada35. A escola E2 é aquela que apresenta um leque de relações
mais abrangente, relacionando-se com todos os tipos de instituição, seguida pela
escola E3. Tais resultados reforçam o que na análise de redes apresentada
anteriormente se concluiu relativamente a cada território. Por um lado pela
diversidade e maior consistência das relações entre parceiros do mesmo território, por
outro, pela assunção da escola E2 como elemento aglutinador e promotor da rede do
seu território.

35
Explicitada na análise de redes dos agentes locais, ponto 1 do capítulo III. Territórios.

70
Quadro 16 - Parceiros identificados nos documentos orientadores das escolas

T1 T2 T3
Tipo institucional Entidades parceiras
E1 E2 E3
Autarquia x x x
Autárquica ou Oficial
Instituições Públicas (Sociais) x x
não judiciária
Institutos Técnicos (Formação/ Emprego) x
Programas Comunitários x x x
Associação, Projeto ou IPSS/ ONG x x x
Programa Associações Culturais/ Desportivas x x
Associações de Pais e EE x x
Saúde Centro de Saúde x x x
Policial ou Judicial Forças de Segurança x x

O aprofundamento das orientações escolares e do peso atribuído às situações de


conflito e agressividade, conjugado com a análise das dinâmicas organizacionais e
territoriais permitiu-nos retratar as escolas relativamente à definição das suas
estratégias e ações face ao problema da violência. Para a prossecução dos objetivos
que se prendem com a pacificação das escolas, sejam de caráter preventivo e/ou
interventivo revelaram-se elementos particularmente relevantes, o modo de
funcionamento das escolas enquanto organização e as suas relações com as outras
entidades da comunidade. Igualmente, a definição e implementação de estratégias,
regras e distribuição de responsabilidades assumem particular centralidade na gestão e
prevenção da violência e conflitualidade nas escolas.

2. A PERSPETIVA DOS EEMENTOS DAS DIREÇÕES ESCOLARES

A análise das perspetivas dos dirigentes escolares 36 permitiu que se recolhesse em


profundidade informação relativa às orientações e estratégias desenvolvidas em cada
escola para responder à conflitualidade e violência. Os elementos das direções das
escolas constituíram no processo de desenvolvimento da pesquisa peças fundamentais
para a mesma. Embora com estilos de liderança diferenciados, as direções das escolas
pautaram-se pela disponibilidade no fornecimento de informação solicitada pela
equipa de pesquisa, pela promoção da participação dos restantes elementos da escola
no estudo, e ainda, pela oportunidade de em continuidade acompanharem o processo.

2.1 ALUNOS VIOLENTOS

A partir da análise às entrevistas aos responsáveis escolares das três escolas foi
possível compreender uma significativa uniformidade das representações sobre a
violência na escola. Nos discursos dos entrevistados há referências explícitas às
diferentes dimensões do fenómeno, seja a física, a psicológica ou a verbal. O aluno
violento é entendido pelos entrevistados como uma fonte de preocupação e de elevado

36
Os seis elementos entrevistados residem no concelho em estudo. Na sua maioria têm uma vasta
experiência de desempenho de funções em cargos de liderança escolar, embora com formações iniciais
muito diferenciadas.

71
desafio para a gestão da escola, considerando como problema prioritário e de extrema
importância, seja para a escola em geral, seja para os alunos em particular.

(...) é aquele que, sem nós darmos por ela, está “molestar” os outros é mais difícil de
detetar – é a maior preocupação! [Diretora Escola E2]

Um aluno violento é aquele que não se respeita nem a si nem aos colegas e
constantemente! Porque a partir do momento que ele agride, seja verbalmente, seja
fisicamente um colega também... Ele também não está... E só vem basicamente para a escola
com essa intenção... Além de estar a prejudicar os outros colegas, está a estragar o seu
futuro. Por isso é que eu digo que ele não tem respeito por si próprio. Porque, o que é que ele
vais ser? É isso sempre que eu os questiono: "O que é que tu vais ser? Como as coisas como
estão no país, tu não vês?" [Delegado Segurança Escola E1]

Para os elementos das direções aos comportamentos dos alunos violentos,


comummente designados como problemáticos, estão associadas causas potenciadoras
de conflito de diferentes tipos. Nos seus discursos referem-se às características
individuais dos alunos, identificando dificuldades relacionais, intolerância face aos
outros, desconforto e revolta face às suas condições de vida e vivências pessoais, a
falta de autocontrolo e atitudes agressivas. Por outro lado, consideram outros
elementos de natureza contextual, como a residência em bairros considerados difíceis
e a pertença a famílias desintegradas. Sobre estas famílias vincam a importância que
tem a reprodução de modelos de socialização familiar que são distintos dos da escola,
o que traz acrescidas dificuldades de regulação dos comportamentos dos alunos. Por
outro lado, assinalam que grande parte dessas famílias vive com parcos recursos
económicos e escolares, o que condiciona a capacidade de ocupações dos tempos
livres dos alunos refletindo-se numa fraca presença e supervisão parental. Grosso
modo, estas observações são convergentes com a análise diagnóstica dos territórios
em estudo. Na análise das discussões tidas no âmbito dos grupos focais foi comum a
afirmação da incapacidade de grande parte das famílias, pelos horários de trabalho
que têm, em acompanhar os filhos no dias de semana, sobretudo no final e início do
dia, e durante as interrupções letivas. No que respeita às trajetórias escolares dos
alunos considerados violentos os entrevistados referem-se à etapa de transição entre
ciclos do Ensino Básico, concretamente entre o 2º e o 3º como as mais problemática;
aos percursos escolares marcados por retenções ou pela frequência de vias alternativas
de ensino; e ainda, pelas dificuldades de aprendizagem (que associam sobretudo à
desmotivação ou fracas expectativas face à aprendizagem) e de cumprimento das
regras escolares:

Eu acho que é um pouco de tudo, na minha opinião, não é? Ora um aluno que, realmente,
não tenha objetivos em termos de aprendizagem, se é obrigado pelo EE ou por um regime
qualquer a vir para um local – que é a escola – onde ele está sujeito a regras e neste
momento ele não tem objetivo nenhum, eu acho que uma coisa leva à outra, não é? Para
alguns alunos pode ser efetivamente o fator: não tem vontade nenhuma de aprender, nem de
estudar e então vai chatear; ou o contrário – porque há problemas exteriores que traz para a
escola: uma família desintegrada ou alguém que... Efetivamente, se são miúdos com
problemas de personalidade, porque há fatores familiares que aí são bastante evidenciados e,
efetivamente, a aprendizagem já aí está. [Diretora Escola E1]

Relativamente à ocorrência de situações de violência na escola, referem-se às


circunstâncias associadas a uma maior frequência. O momento do dia é apontado
como um dos elementos mais marcantes, com particular destaque para o turno da

72
tarde. Em grande medida, porque para os entrevistados se trata de um momento mais
propenso para que haja mais comportamentos agitados. Outra justificação prende-se
com a exiguidade dos espaços escolares destinadas à prática de jogos ou brincadeiras
nos intervalos (por vezes usam as salas de aulas ou outros espaços de aprendizagem).
Nas descrições e explicações sobre os incidentes no recreio na sua maioria os
entrevistados enquadram estes incidentes no que consideram ser um processo de
crescimento e adaptação das crianças à escola. Há nos seus discursos uma
naturalização relativamente ao comportamento violento dos alunos, referindo-se às
caraterísticas das faixas etárias e etapas de desenvolvimento em que se encontram os
alunos. Na sua totalidade os entrevistados declararam que a violência está a diminuir
progressivamente nos seus espaços escolares, associando de forma significativa a
ocorrência de incidentes às características da população escolar e da localidade.

2.2 ORIENTAÇÕES PARA A REGULAÇÃO E INTERVENÇÃO

Os dirigentes entrevistados procuraram nos seus discursos situar as suas orientações


em geral, e a elaboração das regras escolares, em particular, no quadro dos
documentos orientadores emanados pela tutela. Tal como se demonstrou na secção
anterior relativa à análise documental, verificam-se variações entre as orientações
gerais da tutela e as definições de regras e de procedimentos em cada escola. Tais
variações ilustram as diferentes modalidades de apropriação local da regulamentação
geral traçando as especificidades de cada organização escolar.

Relativamente aos princípios estratégicos para a intervenção, as direções apresentam


essencialmente três tipos de orientações. Uma primeira que se prende com a
preocupação com o cumprimento das regras definidas, tanto por alunos como
professores e outros técnicos da escola. Uma segunda que procura garantir a
proximidade no acompanhamento aos alunos que não cumprem as normas e regras
escolares, e respetivas famílias. Uma de terceira, relativa à importância que atribuem
à monitorização e (re)planeamento das estratégias seguidas. Embora coincidam nas
orientações gerais, há especificidades no modo como operacionalizam essas
orientações No caso da escola E1 a direção optou pela definição de um Código de
Conduta que procura estabelecer o conjunto de orientações estruturadas e organizadas
como rotinas da organização escolar, procurando articular todos os agentes
educativos. Por outro lado, apostam numa equipa de professores com competências
no âmbito da mediação, que se dedicam ao acompanhamento e monitorização do
fenómeno da violência e indisciplina na escola, sendo em grande medida coincidentes
com os elementos do Gabinete de Intervenção Disciplinar da escola.

Na escola E2 o cumprimento do Regulamento Interno assume centralidade,


constituindo-se como documento de orientação para a intervenção, para a totalidade
da escola. As orientações definidas enfatizam uma atuação por via do diálogo com os
alunos, procurando que a totalidade dos intervenientes na comunidade educativa
atuem no mesmo sentido. Entendem que a Escola dever ter um papel interventivo
forte e de referência, apostando numa abertura à comunidade local, mantendo as suas
regras que procuram que sejam respeitadas por todos. Por fim, direção da a escola E3
que aposta na criação de ambiente confortável e de confiança (especialmente para os
alunos mais novos). Consideram a escola como um local de trabalho e com um
conjunto de regras cujo cumprimento é fundamental. A maior preocupação

73
relativamente à orientação para a intervenção prende-se com as principais
dificuldades, nomeadamente, o controlo do cumprimento de regras nos pátios.
Organizacionalmente orientam a intervenção a partir de um modelo por etapas, que
define os procedimentos de diagnóstico, o plano de ação, as modalidades de
participação, a divulgação dos resultados, a reflexão e (re)adequação dos
procedimentos.

Responsáveis pela intervenção em situação de conflito


A autoridade e capacidade dos professores em gerir conflitos foi um assunto
recorrente nas entrevistas aos responsáveis escolares, em concreto os da direção das
escolas. A definição de papéis e sua articulação com a coordenação organizacional
proposta pelas direções das escolas em matéria de regulação da violência na escola,
ocupa em grande parte as ilustrações que foram dando na apresentação da escola e a
sua gestão. Os Diretores de Turma e os Técnicos em articulação com as Direções são
considerados como elementos chave nessa coordenação, mas para situações mais
específicas.

Concretamente, na escola E1 os elementos da direção consideram que a autoridade do


professor depende sobretudo do seu perfil, prestando apoio nas situações em que
verificam incapacidade dos professores na regulação dos comportamentos dos alunos.
Gerem a distribuição das funções de acordo com o momento e espaço em que
decorrem as atividades escolares, assim aos professores compete gerir a sala de aula e
aos Assistentes Operacionais o pátio da escola nos momentos de intervalo, cabendo a
vigilância do recreio nos tempos letivos a outros para além dos Assistentes,
designadamente à Direção, aos animadores socioculturais que se encontram na escola
e aos seguranças da escola.

Na escola E2 a direção aposta na valorização da figura e função dos Professores,


reforçando a sua autoridade e autonomia, como explicam, o modelo deve vir de cima.
Mais concretamente, reforçam a autoridade dos Diretores de Turma por considerarem
e lhes atribuírem um papel fundamental na regulação dos comportamentos violentos
dos alunos, assim como a mediação em caso de conflito entre alunos, entre alunos e
professores ou outros elementos da comunidade educativa. Também a direção da
escola E3 aposta no reforço da figura dos Diretores de Turma, com a sua
responsabilização em diversos domínios de intervenção. É ainda preocupação dos
elementos desta direção a transmissão das linhas orientadoras de atuação através de
diferentes vias e modalidades de sensibilização, como por exemplo a realização de
reuniões periódicas e dinamização de workshops em torno da problemática.

No âmbito das orientações para a intervenção definidas pelas direções das três escolas
as equipas dos gabinetes de intervenção ocupam uma posição central. A estas equipas
cabe o desempenho de uma função de mediação, fundamental na operacionalização
dos procedimentos definidos pelas escolas. Pela sua constituição essas equipas
usufruem de um elevado grau de influência junto dos vários níveis hierárquicos da
organização escolar, seja na liderança de topo, seja nas intermédias, seja ainda junto
dos restantes professores e funcionários das escolas. O encaminhamento para os
gabinetes de intervenção disciplinar depende do local das ocorrências e da gravidade
da situação. Em cada escola a definição dos procedimentos é específica e depende, em
grande medida, das modalidades de distribuição da autoridade, por um lado, e da
definição de gravidade das ocorrências, por outro.

74
Na escola E1 a uniformização dos procedimentos de atuação apoia-se na organização
do Gabinete de Intervenção disciplinar. O gabinete tem uma equipa e espaço próprios,
e procede ao atendimento direto dos alunos em conflito, cabendo-lhes a função de
registo das ocorrências e consequente transmissão das informações para os órgãos e
entidades respetivas. Nesta escola o gabinete produziu Fichas de relato, onde se
inscrevem a participação e encaminhamento das ocorrências. Por outro lado, são
distribuídas as instruções de atuação a toda a comunidade educativa, nomeadamente
na sala de aula na mesa dos professores ou anexado aos livros de ponto. Em casos
considerados graves cabe à direção atuar.

Na escola E2 em situações consideradas graves ou que ocorrem no pátio, os alunos


são encaminhados para as Direções de Turma. Se as situações ocorrem em sala de
aula os alunos são encaminhados para o gabinete de intervenção disciplinar ou para
outro espaço da escola, que se encontre supervisionado por um adulto.

Já na escola E3, à semelhança das anteriores, a atuação depende da gravidade e do


local em que ocorre o conflito. Habitualmente há um encaminhamento para o gabinete
de intervenção disciplinar, mas nos casos graves ou ocorrências no pátio há um
encaminhamento para a direção da escola.

Quadro 17 - Responsáveis pela intervenção, por local das ocorrências e gravidade, por
escola

Ocorrências nos pátios Ocorrências em sala de aula Casos graves

E1 Gabinete de Intervenção Gabinete de Intervenção Direção da Escola


Disciplinar Disciplinar
E2 Direções de Turma Gabinete de Intervenção Direções de Turma
Disciplinar
E3 Direção da Escola Gabinete de Intervenção Direção da Escola
Disciplinar

A tomada de decisão sobre a gravidade das ocorrências e consequente aplicação de


medidas disciplinares compreende uma grande variedade de critérios. A análise dos
discursos dos responsáveis escolares, complementadas pela análise da informação dos
gabinetes e dos documentos orientadores, permite concluir que em grande medida a
decisão depende das circunstâncias do ato praticado. Os critérios definidos para a
tomada de decisão são atravessados pelo que os responsáveis escolares consideram
ser os fatores atenuantes ou agravantes, por um lado, e a intencionalidade da medida
a aplicar, por outro.

Na escola E1 a eficácia da intervenção e das medidas depende sobretudo dos alunos


envolvidos, ou seja, para uns a intencionalidade da medida a aplicar prende-se com a
dissuasão, para outros prende-se com sobretudo com a reincidência dos
comportamentos. A gravidade depende do tipo de situação, da reincidência do
comportamento, da atitude dos alunos e da assunção de culpa face ao praticado. Na
escola E2 os critérios de definição de gravidade de um incidente ou conflito prende-se

75
essencialmente com a atitude dos autores e do contexto em que ocorre o ato. A justiça
na operacionalização dos critérios e aplicação das medidas disciplinares constitui uma
das preocupações expressas pelos responsáveis desta escola.

Na escola E3 os critérios definidos para a tomada de decisão são: reincidência, grau


de resistência, desobediência, força com que se agride, existência de ferimentos
físicos, forma como se insulta. A aplicação das medidas procura ser gradativa,
dependendo do tipo de intervenção em curso. Compreende-se que os critérios
definidos para a tomada de decisão pautam-se sobretudo pela reincidência e
genericamente do que podemos designar como atitude dos alunos face ao ato
cometido. Há uma preocupação efetiva com o sentido e finalidade da regulação e
intervenção em situações de conflito e violência. Dito de outro modo, os responsáveis
escolares reconhecem a importância do tipo e modo de ação como instrumento de
modelação dos comportamentos dos alunos. A justiça das medidas e as suas
consequências constituem o pano de fundo das tomadas de decisão face às medidas a
aplicar, contudo mais expressa nos discursos de parte dos responsáveis.

Outro tipo de orientação que visa contribuir para a regulação do fenómeno da


violência e indisciplina na escola prende-se com estratégias de prevenção, com a
dinamização de atividades e projetos dedicados a temáticas mais abrangentes, como a
cidadania, o desporto, a cultura, etc. A participação em atividades desta natureza é
entendida pelos dirigentes como uma forma indireta de regular os comportamentos,
na medida em que, segundo afirmam, os alunos que participam nestas iniciativas são
mais obedientes e disciplinados. A pertença ao Programa TEIP tem neste sentido
constituído uma mais valia na medida em que fornece complementarmente recursos
humanos e materiais que permitem a aposta neste tipo de iniciativas. Em todas as
escolas as direções procuram uma otimização dos recursos gerindo o que é
disponibilizado no âmbito de programas diversos, distinguindo-se contudo o TEIP.
Relativamente ao modo de gestão dos recursos dão conta da importância da
identificação das carências e necessidades para que haja uma distribuição eficaz dos
mesmos.

Quadro 18 - Orientações para a gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros

Canalização de recursos para a regulação da violência: disponibilização de um espaço para mediação de conflitos e
E1 acompanhamento das ocorrências;
Carências de RH em parte superadas pelos técnicos colocados ao abrigo do Programa TEIP
Canalização de recursos para a regulação da violência: conjunto alargado de projetos direcionados para a diminuição da
E2 violência na escola (nomeadamente, treino de competências sociais)
Carências de RH em parte superadas pelos técnicos colocados ao abrigo do Programa TEIP
Canalização de recursos para a regulação da violência: Oferta variada de clubes e atividades (frequência diferenciada
segundo o perfil do aluno);
E3
Carências de RH: Gestão estratégica de RH, a escola dispõe de 2 mediadores, 1 técnica de serviço social e 1 vigilante
GCSE.

76
2.3 RELAÇÕES DA ESCOLA COM O EXTERIOR: FAMÍLIAS, ENTIDADES LOCAIS E
FORÇAS DA SEGURANÇA

As famílias
As famílias dos alunos são atores distintos quanto à natureza das relações e vínculos
estabelecidos com as escola. O contacto com os Encarregados de Educação é
entendido pelos responsáveis das escolas tanto como obrigação e como necessidade.
Por esse motivo as direções têm uma postura generalizada que privilegia a promoção
da comunicação e colaboração com estes. No entanto, apontam para níveis
contrastantes de envolvimento quando caracterizam a relação que se estabelece entre
a escola e as famílias dos alunos. Associam de forma significativa um maior
dinamismo e elevada participação nos assuntos escolares às famílias que designam
como “estruturadas” e o oposto para as famílias que consideram “desestruturadas”, e
que reúnem um conjunto de condições que consideram explicativas para a falta de
investimento e acompanhamento escolar dos seus filhos, como parcos recursos
económicos e escolares, serem imigrantes ou encontrarem-se em condição de
exclusão social. Relativamente à colaboração e participação na vida da escola
distinguem entre os pais colaborantes com a escola, os pais que responsabilizam a
escola e os pais que se demitem das funções parentais, criando obstáculos e resistindo
à intervenção da escola. Para este último tipo várias ilustrações foram dadas,
explicando que nestas situações é acionado, imediatamente, um processo de
sinalização e participação às entidades competentes, como a CPCJ.

O que exigem à escola não é muito diferente, a maneira de exigir é que é [Delegada
de Segurança Escola E2]

As responsabilidades dos Encarregados de Educação na disciplinação dos alunos é


outro aspeto vincado por alguns dos responsáveis escolares, que alegam a falta de
legislação nesta matéria, com consequências acrescidas para a escola. Os elementos
das direções das três escolas consideram que a escola faz frequentemente mais do que
pode e do que deve pelos seus alunos, substituindo deste modo os pais em parte das
suas funções parentais. Contudo consideram que se trata de uma necessidade dada a
condição de vida de muitas das famílias dos seus alunos. Como numa seção anterior
referimos, é reconhecido pelos responsáveis das entidades locais, escolas incluídas, o
problema dos horários de trabalho dos pais face aos horários escolares dos filhos, por
exemplo. As táticas de controlo disciplinar tidas como mais eficazes passam pelo
envolvimento dos pais dos alunos que não cumpriram as normas e regras escolares.
No caso da escola E3 consideram o contacto imediato do próprio aluno com os pais
uma medida infalível. Na escola E1 a direção tem como estratégia reunir com os pais
do aluno, e com o próprio chamando-o de surpresa. Os elementos da direção afirmam
que por vezes apenas um telefonema para os pais/EE é suficiente para a melhoria de
comportamento dos alunos.

Há alunos que se nós telefonarmos aos pais, o aluno vem "direito" no outro dia,
pronto! [Risos] Percebe o que eu quero dizer? Que basta isso para resolver a situação.
Porque muitas das vezes é desconhecimento do EE. E de vez em quando não é por mal, é
porque entra às oito e sai às oito da noite e não consegue. Não consegue, pronto! [Delegado
Segurança Escola E1]

77
As relações com as entidades locais são estabelecidas através de protocolos de
parceria. Em grande parte essas parcerias passam pela cedência de recursos escolares.
As escolas E3 e E2 têm protocolos de parcerias de concessão de alguns espaços nos
seus estabelecimentos escolares a outras entidades locais dirigidos para a realização
de atividades desportivas (com usufruto ou não dos seus alunos) ou recreativas (como
eventos de congregações religiosas ou atividades da associações de pais e de diversas
instituições locais). Além do pavilhão gimnodesportivo da escola, na E3 referem
também a cedência do refeitório e outros espaços escolares. Neste âmbito as direções
das três escolas salientam a promoção e/ou o desenvolvimento de projetos/ planos de
formação, como por exemplo: cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA,
níveis B1, B2 e B3), Português Para Todos (PPT) e cursos de Alfabetização (EFCB).
A escola E3, além de realizar cursos de PPT e de Alfabetização (EFCB), promove
ainda o desenvolvimento de cursos extra escolares (mediante uma parceria
estabelecida com a Comissão Social de Freguesia, o Programa K’Cidade e a
Associação Islâmica da localidade, e formações de curta duração (através de um
protocolo com a escola profissional do concelho vizinho):
Uma escola inserida numa comunidade destas é uma escola da qual se exige muito –
temos investido nas parcerias porque nos permite movimentar numa série de situações. A
escola não se pode fechar sobre si própria. Isto é um porto seguro, os alunos sentem isso e
queremos que os pais também o sintam. [Diretora Escola E3]

Por outro lado, as escolas E2 e E3 recorrem às instituições locais na procura de


colaboração e participação em iniciativas e estabelecem protocolos ou parcerias
efetivas tanto para a prevenção como para a regulação da violência. Na primeira
salientam-se as parcerias estabelecidas com uma Associação de defesa dos direitos
humanos no acompanhamento de alunos em situação ilegail, as ações de
sensibilização promovidas pelo Programa Escola Segura e as parcerias com oficinas,
comércio local ou outras instituições para a realização de formação vocacional de
alunos que frequentam o PIEF. Já a escola E3 conta com um técnico de uma
Associação local representativa de um grupo étnico na equipa multidisciplinar da
escola, além da intervenção dessa associação e da Associação religiosa da localidade
T3 na mediação de situações de indisciplina, quando necessário. Fazem também um
acompanhamento dos alunos através do Programa Escolhas, especialmente aqueles
que frequentam vias de ensino não regulares, tendo como objetivo o desenvolvimento
de competências pessoais.

No caso da escola E1 a direção considera não haver uma comunicação regular ou de


colaboração com as entidades locais para a resolução do problema da violência, com
exceção do Programa Escola Segura. Justificam-se com dois motivos: o
desconhecimento sobre as entidades e respetivos recursos e da predisposição para
colaborar por um lado. Por outro lado, não consideram haver necessidade em recorrer
ao apoio de outras entidades na , medida em que os casos de reincidência encontram-
se já identificados e são acompanhados pela rede local:
E neste momento a escola acaba por ser apenas mais um local de controlo e não...
(...) Evidentemente que poderá haver uma ou outra situação que deveríamos ter solicitado
apoio, não só na área de reintegração do aluno porque está com problemas ou tentar
perceber junto de... Na Junta de Freguesia ou uma outra entidade que a família ou o aluno
tem este comportamento porque a família está, direta ou indiretamente, desestruturada. Mas,
lá está, estes casos – se realmente são, se são realidade – já estão identificados na rede
social. E como temos uma representação lá, na escola, que é a Psicóloga que, direta ou

78
indiretamente, também em alguns casos está a par ou leva alguns casos de situações...
[Diretora Escola E1]

No que diz respeito à relação com as forças da segurança, segundo os responsáveis


das três escolas, o relacionamento desenvolvido no âmbito Programa Escola Segura é
entendido como estreito e vantajoso. Havendo contudo diferenças quanto aos critérios
de solicitação e participação feitas às Forças de Segurança. A decisão sobre a
comunicação ou queixa de ocorrências aos agentes depende, sobretudo, da gravidade
e tipo de ocorrência, sendo mais frequente nos casos em que os conflitos se dão no
exterior da escola, quando envolvem as famílias do alunos ou ainda, quando há
necessidade de apresentar queixas formais. São as ações de sensibilização e o
policiamento esporádico os motivos de contacto mais frequentes por parte dos agentes
da polícia.

Posicionamento face às medidas da tutela


Ainda no que se prende com a relação mantida com a tutela e as representações sobre
as medidas políticas e o que os responsáveis das escolas consideram ser a (sua)
autonomia para atuar e prevenir as situações de conflito foram aspetos questionados.
As respostas foram diferenciadas verificando-se algumas variações inter e intra
escolas, nomeadamente com variações de posicionamento entre as diretoras e os
delegados de segurança.

Em comum todos os responsáveis das escolas, diretoras e delegados de segurança,


consideram haver autonomia para regular sobre a matéria em referência. Os
representantes das escolas E2 e E3, embora sublinhem a ausência de recursos e apoios
necessários para a prevenção e intervenção, manifestam concordância com as medidas
e programas desenvolvidos pela tutela. As direções das escolas E1 e E3 indicam como
problema a instabilidade normativa que tem pautado a definição da política educativa
no país. A discrepância entre posicionamentos ilustra-se pelos posicionamentos
assumidos, enquanto a direção da escola E3 considera a regulamentação central como
um impedimento para o desenvolvimento de uma resposta capaz ao problema da
violência, a direção da escola E2 afirma uma relação positiva com a tutela.

Quadro 19 - Representações dos dirigentes sobre a Tutela

E1 E2 E3
Consideram haver autonomia para regular X X X
Manifestam concordância com as medidas e programas desenvolvidos pela
X X
tutela
Estabelecem um relacionamento com Positivo (diálogo, entreajuda) X
a tutela Negativos (conflituoso)
Consideram haver ausência de recursos/ apoios X X
Consideram que há uma imposição legislativa, desadequada às condições e
X X
características da escola
Consideram haver instabilidade na regulamentação do enquadramento legal X X
Consideram que os normativos impedem uma boa resposta de atuação X

79
De uma forma geral, os responsáveis das três escolas consideram haver autonomia
para a regulação das situações de conflito, considerando haver uma maior inibição na
prevenção do que na intervenção, devido à carência de recursos:

Nós é que temos de resolver as situações de conflito. À exceção da legislação e das medidas
de transferência, em que estamos dependentes da tutela, somos nós que resolvemos. Em
termos de prevenção, dependemos dos recursos da tutela... Para ter mais recursos humanos,
por exemplo mais um vigilante, só com a ajuda da tutela. Câmaras de vigilância também não
temos... [Diretora Escola E3]

Neste momento, eu já me sinto um bocadinho como um colete de forças no sentido de


não ter mais condições físicas e também recursos humanos – quando nós em termos de falta
de pessoal não é substituído… – porque por muito boa intenção que a gente tenha: não tendo
a supervisão de funcionários para vigiar os recreios, esta intenção não é operacionalizável.
[Diretora Escola E2]

Só que nós tivemos um grande – estamos a ter um grande problema, muitas baixas, o
Ministério demora muito tempo a substituir. Porque para uma pessoa que mete baixa nós
demoramos quase cerca de um mês para ter cá alguém. Porque o Ministério demora cerca de
15 dias para nos dar resposta se não tem ninguém de quadro de zona, que esteja com horário
zero e que possa vir para cá [Delegado Segurança Escola E1]

Apesar de afirmarem a sua autonomia, a regulamentação em torno das medidas


disciplinares sancionatórias disponíveis no quadro legal são um motivo de queixa das
direções das três escolas, assim como a morosidade no tratamento dos casos de alunos
reincidentes. A suspensão e a transferência de escola são entendidas como medidas de
fim de linha, por considerarem que não trazem benefícios para os alunos,
nomeadamente melhorias no seu comportamento. A diretora da Escola E3 defende
que outras estruturas da comunidade se poderiam ocupar especificamente da
intervenção nestes casos mais difíceis com maior apoio da tutela, uma vez que a
considera que a escola é "impotente", e que não pode, em alguns casos, fazer mais
nada. Outro obstáculo apontado prende-se com o que consideram ser o excesso de
reformas do sistema educativo português e a pressão para a escola agir de acordo com
parâmetros definidos mas alterados em intervalos de tempo demasiado curtos e por
vezes pouco adequados ao contexto e às condições das escolas.

Ainda que sejam apontadas dificuldades e obstáculos, as direções encaram-nos como


desafios e manifestam o desejo e interesse na continuidade do trabalho de regulação
do problema da violência que estão a desenvolver. O recurso à avaliação (diagnóstico
e monitorização) como instrumento de adequação e melhoria é referido pelos
representantes das direções das escolas E3 e E2, que apresentam também outras
propostas pensadas para o futuro, relacionadas sobretudo com o acompanhamento dos
alunos, a sua responsabilização e a diversificação das ofertas formativas.

80
3. A PERSPETIVA DOS PROFESSORES

3.1. PERCURSO METODOLÓGICO E AMOSTRAGEM

O inquérito por questionário foi o instrumento metodológico considerado mais


adequado para se proceder à recolha da informação sobre as concepções e práticas
profissionais dos professores quanto à violência e ao desempenho da função docente,
na medida em que se optou por inquirir a totalidade dos docentes. Analiticamente o
guião de inquirição procurou abarcar diversas dimensões de análise.

Quadro 20 - Guião do Inquérito por Questionários aos Professores

Eixos de análise Dimensões Indicadores


Caracterização Pessoal Sexo / Idade
I.
Escola onde leciona / Número de anos na profissão/
Caracterização Caracterização Profissional
Número de anos na escola / Desempenho de Cargos
Conceções sobre o desempenho
Práticas Profissionais
de funções
Participação nos processos de
II. Escola e Participa/ Não participa nos processos de decisão
decisão da escola
função docente
Frequência de comunicação interna / Participação ou
Articulação organizacional
queixa a outras entidades
Recurso a elementos da escola / Avaliação das
Recursos e apoios disponíveis
necessidades para atuar
Resolução de situações de
indisciplina e conflitos em sala de Práticas de regulação de conflitos e indisciplina
aula
III. Relação Castigos aplicados Seleção das medidas mais graves
Pedagógica Tomada de decisão Fatores importantes para a resolução / Critérios de
(atenuantes/agravantes) decisão
Comportamentos reincidentes Intervenção sobre os comportamentos reincidentes
Caracterização do ambiente da
Representações sobre a escola
escola
IV. Evolução das ocorrências na
Representações sobre o fenómeno na escola
Representações escola e da sua frequência
Principais razões para a
Causas da violência na sala de aula
ocorrência de situações

A opção pela aplicação dos inquéritos numa plataforma online em software


especializado permitiu alargar o alcance e amplitude de uso da técnica, com vantagens
anteriormente comprovadas em eficiência e eficácia do processo de inquirição,

81
permitindo aos professores responder através da internet. O desenvolvimento desta
estratégia de inquirição teve boa aceitação por parte dos responsáveis escolares, que
nos encontros presenciais colaboraram no processo de divulgação e solicitação de
preenchimento do questionário. Foi realizado um pré-teste (entre 8 e 12 de Outubro),
cujos resultados permitiram avaliar e validar as questões definidas. Assim, em
colaboração com as direções das escolas, estabeleceu-se como período de
preenchimento dos questionários o período entre 15 de outubro e 4 de novembro,
prazo que se previa alargado para que todos respondessem. No entanto, apesar da
mobilização dos docentes, o número total de respostas na data prevista não se revelou
satisfatório. De modo a garantir o volume de respondentes planeado, as direções
desenvolveram conjuntamente com a equipa de pesquisa estratégias alternativas de
mobilização dos professores. Apesar disso, em apenas uma escola o número de
respostas aumentaram mais significativamente face às solicitações das direções,
prolongando-se por essa razão o prazo de aplicação do inquérito até 15 de Dezembro.
Apesar dos obstáculos encontrados na aplicação, foi possível recolher um conjunto
significativo de resposta.

Quadro 21 - Universo e amostra do inquérito por questionário aos docentes

Total de % de
Total de Professores
Respostas inquiridos
Escola E1 100 34 34%
Escola E2 75 34 45%
Escola E3 87 57 65%
Total 262 125 48%

3.2. CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO INQUIRIDA

O conjunto de docentes inquiridos distribui-se de modo relativamente regular no que


diz respeito ao sexo e à idade. A amostra é constituída maioritariamente por
professoras, sendo na escola E1 que se verifica menor número de professores do sexo
masculino. Tendencialmente, os inquiridos situam-se na faixa etária dos 41 aos 50
anos, seguida dos 29 aos 40 anos, com exceção da escola E2 que tem um grupo de
inquiridos mais jovem, com menor proporção de professores acima dos 51 anos.

82
Quadro 22 - Sexo e idade dos docentes inquiridos (%)

Escola E1 Escola E2 Escola E3 Total


Feminino 85,3% 73,5% 71,9% 76,0%
Sexo
Masculino 14,7% 26,5% 28,1% 24,0%
29-40 20,6% 55,9% 31,6% 35,2%
Idade 41-50 50,0% 32,4% 40,4% 40,8%
>51 29,4% 11,8% 28,1% 24,0%

Ser professor é para a maioria dos inquiridos a profissão que desempenham há pelo
menos 10 anos. Este indicador converge com a idade na análise por escola,
verificando-se maior antiguidade na profissão para os docentes da escola E1. Se
considerarmos o número de anos na escola como indicador de estabilidade do corpo
docente, constata-se que em geral estas escolas são estáveis, na medida em que têm
cerca de 84% dos seus professores há pelo menos 3 anos na escola. Estes valores
alteram-se ligeiramente na análise por escola, com menor número de professores
recentes (0 a 2 anos) na escola E1.

Quadro 23 - Antiguidade dos docentes inquiridos na profissão e na escola (%)

Escola E1 Escola E2 Escola E3 Total


0 a 9 anos 5,9 20,6 7,0 10,4
Anos na 10 a 19
29,4 47,1 42,1 40,0
profissão anos
> 20 anos 64,7 32,4 50,9 49,6
0 a 2 anos 5,9 20,6 19,3 16,0
Anos na escola 3 a 5 anos 35,3 32,4 15,8 25,6
> 5 anos 58,8 47,1 64,9 58,4

A maior parte dos professores inquiridos leciona e desempenha outro cargo ou função
na escola, especialmente na escola E1 em que 85,3% dos docentes se encontra nesta
situação. Entre os cargos ou funções ocupadas, as mais comuns relacionam-se com a
direção de turma ou responsabilidades de liderança intermédia (como coordenação
dos diretores de turma de ciclo ou coordenação de departamento). As tarefas de
coordenação ou apoio a atividades estão mais presentes na escola E2, neste caso,
acima dos cargos de liderança intermédia – o que aponta possivelmente para uma
coordenação organizacional mais apoiada em projetos/ iniciativas do que em
estruturas formais de articulação. Por sua vez, na escola E3 há a mesma proporção de
professores com funções não letivas, além das letivas, e de professores com cargos de
liderança intermédia.

83
Quadro 24 - Situação na escola e cargos ocupados pelos docentes inquiridos (%)

Escola E1 Escola E2 Escola E3 Total


Leciona 14,7 38,2 40,4 32,8
Situação Leciona e ocupa outras
85,3 61,8 57,9 66,4
na escola funções/ cargos
Ocupa outras funções/ cargos 0,0 0,0 1,8 0,8
DT 38,2 35,3 26,3 32,0
Liderança intermédia 35,3 14,7 17,5 21,6
Cargos/
funções Funções não letivas 14,7 11,8 17,5 15,2
Coordenação/ apoio 11,8 29,4 10,5 16,0
Outro 14,7 8,8 15,8 13,6

Neste breve retrato verifica-se que os inquiridos são na sua maioria do sexo feminino
e têm entre os 41 e os 50 anos, estão há pelo menos 10 anos na profissão e na escola
respetiva há mais de 3 anos, na qual lecionam e ocupam outro cargo ou função,
tendencialmente enquanto diretores de turma. Hipoteticamente os não respondentes
serão docentes mais novos, há menos tempo na profissão e/ou na escola, ou pelo
contrário, m