Você está na página 1de 81

ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS

PARA A CRECHE
Ficha Técnica

TÍTULO

Orientações Pedagógicas para a Creche

I – Fundamentos, Finalidades e Objetivos Educativos

II – Práticas Pedagógicas de Qualidade

Autoras

Gabriela Portugal (coordenadora)

Cindy Carvalho

Gabriela Bento

Agradecimentos

Agradece-se os contributos das educadoras de infância que se disponibilizaram para uma leitura crítica do documento nas suas
versões mais iniciais, bem como das educadoras de infância que participaram nas ações de formação, dos docentes da formação
inicial, investigadores e outros especialistas.

EDIÇÃO

Ministério da Educação / Direção-Geral da Educação (DGE)

Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social / Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.)

Diretor-Geral da Educação

José Vítor Pedroso

Data

2016

2
ÍNDICE
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................... 5

PARTE I - FUNDAMENTOS, FINALIDADES E OBJETIVOS EDUCATIVOS

1. A IMPORTÂNCIA DO INVESTIMENTO NOS PRIMEIROS ANOS......................................... 7


a. Desenvolvimento cerebral ............................................................................................................................... 7
b. Vinculação ........................................................................................................................................................... 8
c. Ecologia do desenvolvimento .......................................................................................................................... 8
2. FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS EDUCATIVOS DA PEDAGOGIA PARA A INFÂNCIA 9
3. FINALIDADES E OBJETIVOS EDUCATIVOS .............................................................................. 15
a. Desenvolvimento de um sentido de segurança e autoestima positiva .............................................. 16
b. Desenvolvimento da curiosidade e ímpeto exploratório ........................................................................ 20
c. Desenvolvimento de competências sociais e comunicacionais ............................................................. 25

PARTE II – PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE QUALIDADE

1. DIMENSÕES DE QUALIDADE DO AMBIENTE EDUCATIVO ................................................ 5


2. A ENTRADA NA CRECHE ................................................................................................................ 7
3. ROTINAS E ADULTO DE REFERÊNCIA ...................................................................................... 11
4. TRABALHO COLABORATIVO E PARCERIAS ........................................................................... 13
a. Trabalho colaborativo entre educadores e desenvolvimento profissional ......................................... 13
b. Parceria com as famílias................................................................................................................................ 15
c. Parcerias na comunidade............................................................................................................................... 16
5. BRINCAR............................................................................................................................................... 18
6. ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS ................................................................................................. 22
a. Espaço interior ................................................................................................................................................. 23
ò Segurança e Familiaridade .................................................................................................. 23
ò Desafios e estímulos para o desenvolvimento .............................................................. 24
ò Conforto dos adultos e autonomia das crianças .......................................................... 26
ò Identidade e autoestima positiva ……………………………………………… 27
b. Espaço Exterior ………………………………………………………………………… 27
ò Vivências sensoriais ............................................................................................................. 28
ò Movimento ............................................................................................................................ 29
ò Descoberta do mundo natural ......................................................................................... 30
ò Criatividade e socialização ................................................................................................. 31
ò Recursos da comunidade ................................................................................................... 32
7. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO ....................................................................................... 33

3
a. Finalidades da avaliação ................................................................................................................................ 33
ò A avaliação para a aprendizagem...................................................................................... 34
ò A avaliação para a melhoria das práticas ........................................................................ 34
b. As diferentes dimensões da avaliação ....................................................................................................... 37
c. Observação e Registo ..................................................................................................................................... 37
d. Reflexão e Planeamento ................................................................................................................................ 39
e. Avaliação do contexto..................................................................................................................................... 40
f. Avaliação individual .......................................................................................................................................... 40
g. Despistagem de problemas de desenvolvimento .................................................................................... 41
h. Boas práticas na avaliação e acompanhamento das crianças ............................................................ 45
8. A TRANSIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR ........................................................... 47
SUGESTÕES DE LEITURA..................................................................................................................... 49

4
INTRODUÇÃO

O trabalho em creche é absorvente, exigente, complexo e valioso. O/a educador/a de infância desenvolve
um trabalho crucial que envolve assegurar cuidados adequados e também experiências de socialização
positivas, aprendizagens significativas e desenvolvimento global. Naturalmente, no trabalho junto de crianças
até aos 3 anos de idade, o elemento “cuidar” está subjacente a todas as atividades. Cuidar significa estar
atento ao desenvolvimento e às necessidades de cada criança. Cuidar é certificar-se que a criança se está a
desenvolver bem, física e psicologicamente. Cuidar é perceber se a criança descansa, bebe e come o que
necessita mas é também compreender a forma como se interessa pelo que a circunda, como utiliza os seus
sentidos e desenvolve as suas funções motoras. Cuidar é estar atento ao bem-estar e mostrar interesse,
empatia, afeto, envolver-se na interação com a criança, dando atenção ao que ela comunica e ao que a
fascina. Cuidar é, portanto, uma dimensão indissociável de “educar”. É interessante perceber que a palavra
latina educere, que está na origem da palavra educar, significa trazer para fora, criar, atualizar o potencial de
cada criança, sendo o ato de educar o que alimenta, nutre, apoia e cuida para que esse processo aconteça.
Na organização da sua ação educativa, o/a educador/a confronta-se, permanentemente, com a necessidade
de avaliar situações no aqui e no agora, pensar percursos e formas de avançar (tomar decisões e definir
estratégias de ação que melhor se adequem às características das crianças e do contexto) com vista a
chegar ao seu destino - alcançar finalidades educativas. Neste processo, este referencial oferece
orientações que tornam este caminho mais lúcido e fundamentado, sabendo que um único caminho
(estratégia pedagógica) não se adequará a todos os viajantes (adultos e crianças), importando ponderar os
desafios e benefícios oferecidos em cada trajeto pedagógico.

Estas Orientações Pedagógicas assumem-se como uma base orientadora para o desenvolvimento do
currículo em creches. O termo “currículo” refere-se ao conjunto de atividades, experiências, interações,
rotinas e acontecimentos que ocorrem num determinado contexto, organizado de forma a promover a
aprendizagem e desenvolvimento de cada criança.

Havendo fundamentos e princípios educativos comuns a todos os serviços de educação de


infância, a forma como são concretizados pode diferir de contexto para contexto, em função das suas
próprias particularidades (recursos existentes, características dos educadores/as, da comunidade, famílias1,
culturas ou subculturas, ...) exigindo construções curriculares específicas. Ainda, se o trabalho do/a
educador/a se caracteriza pela atenção ao bem-estar, desenvolvimento e aprendizagem individuais de cada
criança, os seus diversos interesses e características não podem deixar de ser considerados na organização

1 Neste documento referimo-nos a famílias, familiares ou pais de forma indistinta. Estas designações devem ser entendidas como
conceitos genéricos que se aplicam às pessoas que vivem com e cuidam diariamente da criança, estabelecendo com ela laços
afetivos, independentemente das suas relações de parentesco (incluindo, portanto, outros familiares que não os pais, famílias
adotivas, cuidadores em lares de acolhimento, etc.).

5
de cada contexto. Existindo uma larga variação nos ritmos e tempos de aprendizagem e desenvolvimento,
sendo cada criança única e irrepetível, o currículo deverá atender não só às diversidades culturais, mas
também às individuais.

Este referencial pedagógico assume-se como inclusivo, devendo cada contexto incorporar estratégias
específicas que permitam uma boa educação para todas as crianças.

Este documento reconhece a natureza global da aprendizagem e desenvolvimento infantil, o valor do


brincar, de aprendizagens ativas, de experiências significativas e de desafios, a importância do
desenvolvimento da expressão e comunicação, o papel crucial das outras crianças e adultos no
desenvolvimento de cada criança. Estas aprendem e desenvolvem-se bem na interação com pessoas que
cuidam delas, que as amam, que as respeitam e lhes conferem segurança; pessoas atentas e sensíveis às suas
particularidades; pessoas que criam para elas espaços equilibrados de estimulação, desafio, autonomia e
responsabilidade; pessoas de referência na sua vida, como são os familiares próximos, bem como os
educadores/as e outros adultos que com elas partilham espaços, rotinas e atividades.

Cada educador/a procura assegurar o melhor para cada criança, reconhecendo a importância do
estabelecimento de relações positivas próximas com a família, da comunicação e articulação com outros
agentes da comunidade e com os colegas de profissão, e desenvolvendo trabalho colaborativo com vista a
assegurar continuidade educativa, quer na entrada da criança para a creche, quer na transição para a
educação pré-escolar.

Sendo estas as grandes linhas de pensamento apoiadas nos fundamentos e princípios educativos comuns a
toda a educação de infância, este documento pretende fornecer orientações para o trabalho pedagógico em
creche, organizando-se em duas partes - a parte I, dedicada à explicitação da importância do investimento
nos primeiros anos e apontando fundamentos, finalidades e objetivos educativos para a creche; a parte II,
que apresenta temáticas que não podem deixar de ser alvo de reflexão em qualquer contexto de infância
que procure desenvolver práticas pedagógicas de elevada qualidade em creche:

I. Fundamentos, finalidades e objetivos educativos

II. Práticas pedagógicas de qualidade.

6
I – FUNDAMENTOS, FINALIDADES E OBJETIVOS EDUCATIVOS
1. A IMPORTÂNCIA DO INVESTIMENTO NOS PRIMEIROS ANOS

a. Desenvolvimento cerebral

Cada vez que um bebé interage com o ambiente – reagindo a estímulos e processando informações –
vários sinais percorrem e ativam os circuitos neuronais. No momento em que ocorre uma interação (a
mãe que ri e brinca com o seu bebé, que o conforta com uma canção de embalar, que conversa com
ele,…), imediatamente, milhares de células existentes no cérebro da criança são ativadas, muitas das
conexões existentes entre as células cerebrais são fortalecidas e novas sinapses ou conexões neuronais são
estabelecidas, acrescentando mais especificidade e complexidade ao intrincado circuito cerebral que estará
ativo ao longo da vida.

Formar e reforçar conexões neuronais são as principais tarefas do cérebro nos primeiros anos de vida. No
final do primeiro ano de vida, com cuidados e estimulação adequada, o cérebro do bebé ultrapassa
largamente o número de conexões sinápticas de que necessitará. Isto permite-lhe testar biliões de
diferentes conexões ou trajetos neuronais em cada ação realizada. As suas experiências particulares
determinam quais as conexões permanentes a estabelecer e quais as que deixam de ser necessárias. Desta
forma, um importante processo de eliminação de conexões sinápticas não suficientemente utilizadas
acontece por volta do final do primeiro ano de vida, quando no cérebro da criança se inicia um processo de
“poda” que assegura o estabelecimento da estrutura mais eficiente e funcional, de acordo com as exigências
ambientais e culturais do mundo da criança. A “poda” de sinapses que não são estimuladas permite ao
cérebro fortalecer as conexões neuronais que asseguram respostas mais adaptativas, aumentando a
eficiência com que o cérebro faz o que necessita fazer. Contudo, a “poda” excessiva das conexões
neuronais pode ocorrer quando a criança é privada de interações sensíveis e adequadamente estimulantes
nos primeiros anos.

Como o desenvolvimento cerebral resulta de interações com outros, envolvimento em experiências ativas,
exploração e descoberta, quando as crianças praticam e exercitam capacidades, escutam e conversam,
estão a robustecer conexões e trajetos neuronais específicos do cérebro. Cada vez que este trajeto é
retomado, é fortalecido e a rapidez da conexão aumenta. Pelos 3 anos de idade, a maior parte deste
processo estará completo.
Por isso, as experiências mais precoces da criança são cruciais ao desenvolvimento cerebral. A neurociência
tem demonstrado que as experiências vividas pelas crianças nos primeiros tempos de vida têm um impacto
decisivo na arquitetura cerebral e, por conseguinte, na natureza e extensão das suas capacidades atuais e
futuras. A estimulação de que a criança necessita para um desenvolvimento saudável acontece no âmbito

7
das interações diárias com adultos sensíveis e atentos. Todos os bebés e crianças necessitam de muitos
momentos tranquilos em contextos familiares e seguros.

b. Vinculação

As relações precoces têm um impacto decisivo e duradoiro na forma como o ser humano se desenvolve.
Uma das tarefas mais importantes a realizar nos primeiros anos de vida é a construção de uma relação de
vinculação segura. Existe na criança uma força empreendedora para aprender, mexer, explorar e conhecer
a alegria da ação e do sucesso. Mas esta força empreendedora que a leva a deixar o adulto, a correr riscos,
não acontece por oposição a um desejo de proximidade e de segurança. Apenas num clima de segurança a
criança demonstra a sua curiosidade e evidencia o seu ímpeto exploratório. A sua energia, a sua
curiosidade, o seu desejo de aprender, em suma, o seu desenvolvimento sensório-motor, social, linguístico
e do pensamento estão intimamente relacionados com a qualidade das interações e ligações afetivas que
estabelece com as suas figuras de referência. As crianças dependem de adultos atentos e capazes de
estabelecer relações de vinculação positivas, criando um ambiente de exploração convidativo e seguro, a
partir do qual podem aprender ativamente.

É na ausência de ligações seguras que se verifica maior restrição de atividades exploratórias e sociais e um
aumento de perturbações do desenvolvimento.

A curto prazo, o valor de uma vinculação segura é facilmente compreendido pela associação à proximidade
entre adulto e criança, indispensável ao prazer mútuo, à satisfação de alimento, provisão de cuidados e
estabelecimento de uma base segura para exploração. A investigação também tem evidenciado o valor de
uma vinculação segura, a médio e longo prazo, para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional.
Crianças seguras evidenciam um desenvolvimento mais positivo em relação à sua autoestima; maior
independência e autonomia; relações mais positivas com outras crianças, educadores/as, professores/as,
pais, etc.; maior empatia, confiança e capacidade de estabelecer relações mais íntimas; maior sucesso
académico.

c. Ecologia do desenvolvimento

A maior parte das famílias assegura a estimulação e calor necessários ao desenvolvimento e atualização do
potencial de cada criança. Mas, muitas crianças não receberão aquilo que necessitam nos seus primeiros
anos de vida, ao nível do desenvolvimento emocional e crescimento saudável do cérebro. Uma das
influências mais destrutivas do desenvolvimento da criança é a imprevisibilidade, a discórdia, um ambiente
triste, pouco responsivo, pouco estimulante e pouco atento. Quanto mais tempo a criança viver sujeita a
experiências de baixa qualidade, maior a probabilidade de ocorrência de problemas de comportamento, de
expectativas sociais negativas, de fraco desenvolvimento global e de insucesso escolar, sendo mais difícil

8
mudar a natureza negativa do efeito. Se vivências negativas induzem a produção da hormona cortisol2,
tornando o cérebro mais vulnerável a processos que afetam os neurónios e sinapses, percebe-se que
crianças que cronicamente convivem com elevados níveis de tensão, ansiedade ou frustração, segregando
níveis mais elevados de cortisol, apresentem mais problemas de desenvolvimento.

Percebe-se, afinal, que todas as dimensões, designadamente, desenvolvimento cerebral, vinculação segura e
ecologia do desenvolvimento, são indissociáveis: potenciar uma boa organização cerebral envolve assegurar o
estabelecimento de relações positivas com a criança e que, por sua vez, o estabelecimento de relações
positivas está relacionado com a qualidade dos contextos de vida que a criança conhece.

Assim, a melhor forma de ajudar crianças a crescer curiosas, confiantes, aprendizes capazes, é assegurar-
lhes contextos de elevada qualidade, não esquecendo que um contexto só é bom para as crianças se
também o for para os adultos que cuidam delas.

Uma creche de elevada qualidade será mais eficaz na promoção do desenvolvimento e bem-estar das
crianças quando faz parte de uma constelação de redes e relações de suporte existentes na comunidade
que apoiam o adequado funcionamento das famílias. É fundamental investir em vários níveis da ecologia do
desenvolvimento da criança, providenciando serviços de elevada qualidade para as famílias, seja ao nível de
creches, programas de intervenção precoce na infância e/ou supervisão de amas.

2. FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS EDUCATIVOS DA PEDAGOGIA PARA A INFÂNCIA

Os contextos educativos destinados à educação e cuidados de crianças entre os 0 e os 6 anos (entrada na


escolaridade obrigatória) são muito diversos em Portugal. Estabelece-se, tradicionalmente, uma diferença
entre a fase de creche (0-3 anos) e a fase de jardim de infância (3-6 anos), que sendo também adotada na
legislação, justifica propostas específicas para estas duas fases. Considera-se, no entanto, que há uma
unidade em toda a pedagogia para a infância e que o trabalho profissional com crianças dos 0 aos 6 anos
tem fundamentos comuns e deve ser orientado pelos mesmos princípios educativos. Estes fundamentos de
que decorrem princípios orientadores, que adiante se apresentam, estão intimamente articulados e
correspondem a uma determinada perspetiva de como as crianças se desenvolvem e aprendem, sendo de
destacar neste processo, a qualidade do clima relacional em que cuidar e educar estão intimamente
interligados.

2
A hormona cortisol, também conhecida como hormona do stress, é segregada em situações de emergência, ajudando a enfrentar dificuldades ou
problemas. Quando a situação de stress é pontual, uma vez superada a situação de alarme ou de emergência, os níveis hormonais e os processos
fisiológicos voltam à normalidade. Contudo, quando a situação de stress é prolongada, disparam no organismo níveis excessivos de cortisol, a que se
associam problemas de saúde.

9
O desenvolvimento e a aprendizagem como vertentes indissociáveis no processo de evolução da criança

O desenvolvimento motor, social, emocional, cognitivo e linguístico da criança é um processo que decorre
da interação entre a maturação biológica e as experiências proporcionadas pelo meio físico e social.

As relações e interações que a criança estabelece com adultos e outras crianças e as experiências que lhe
são proporcionadas pelos contextos sociais e físicos em que vive constituem formas de aprendizagem, que
vão contribuir para o seu desenvolvimento. Deste modo, a aprendizagem influencia e é influenciada pelo
processo de desenvolvimento físico e psicológico da criança, sobretudo numa fase da vida em que essa
evolução é muito rápida. Por isso, em educação de infância, não se pode dissociar desenvolvimento e
aprendizagem.

Esta interligação das características intrínsecas de cada criança (o seu património genético), do seu
processo de maturação biológica e das experiências de aprendizagem vividas, faz de cada criança um ser
único, com características, capacidades e interesses próprios, com um processo de desenvolvimento
singular e formas próprias de aprender.

Assim, as normas do desenvolvimento estabelecidas ou as aprendizagens esperadas para uma determinada


faixa etária/idade não devem ser encaradas como etapas pré-determinadas e fixas, pelas quais todas as
crianças têm de passar, mas antes como referências que permitem situar um percurso individual e singular
de desenvolvimento e aprendizagem.

Embora muitas das aprendizagens das crianças aconteçam de forma espontânea, nos diversos ambientes
sociais em que vivem, num contexto de educação de infância existe uma intencionalidade educativa, que se
concretiza através da disponibilização de um ambiente culturalmente rico e estimulante e do
desenvolvimento de um processo pedagógico coerente e consistente, em que as diferentes experiências e
oportunidades de aprendizagem têm sentido e ligação entre si. Neste processo, o desenvolvimento de
relações afetivas estáveis, em que a criança é acolhida e respeitada, promove um sentimento de bem-estar
e a vontade de interagir com os outros e com o mundo.

Contudo, cada criança não se desenvolve e aprende apenas no contexto de educação de infância, mas
também noutros em que viveu ou vive, nomeadamente no meio familiar, cujas práticas educativas e cultura
própria influenciam o seu desenvolvimento e aprendizagem. Neste sentido, importa que o/a educador/a
estabeleça relações próximas com esse outro meio educativo, reconhecendo a sua importância para o
desenvolvimento das crianças e o sucesso da sua aprendizagem.

10
Reconhecimento da criança como sujeito e agente do processo educativo

O desenvolvimento e aprendizagem da criança ocorrem num contexto de interação social, em que a


criança desempenha um papel dinâmico. Desde o nascimento, as crianças são detentoras de um enorme
potencial de energia, de uma curiosidade natural para compreender e dar sentido ao mundo que as rodeia,
sendo competentes nas relações e interações com os outros e abertas ao que é novo e diferente.

O reconhecimento da capacidade da criança para construir o seu desenvolvimento e aprendizagem supõe


encará-la como sujeito e agente do processo educativo, o que significa partir das suas experiências e
valorizar os seus saberes e competências únicas, de modo a que possa desenvolver todas as suas
potencialidades.

Esse papel ativo da criança decorre também dos direitos de cidadania, que lhe são reconhecidos pela
Convenção dos Direitos da Criança (1989) o direito de ser consultada e ouvida, de ter acesso à
informação, à liberdade de expressão e de opinião, de tomar decisões em seu benefício e do seu ponto de
vista ser considerado. Garantir à criança o exercício destes direitos tem como consequência considerá-la o
principal agente da sua aprendizagem, dando-lhe oportunidade de ser escutada e de participar nas decisões
relativas ao processo educativo, demonstrando confiança na sua capacidade para orientar a sua
aprendizagem e contribuir para a aprendizagem dos outros.

Cabe ao/à educador/a apoiar e estimular esse desenvolvimento e aprendizagem, tirando partido do meio
social alargado e das interações que os contextos de educação de infância possibilitam, de modo a que,
progressivamente, as escolhas, opiniões e perspetivas de cada criança, sejam explicitadas e debatidas. Deste
modo, cada criança aprende a defender as suas ideias, respeitar as dos outros e, simultaneamente, contribui
para o desenvolvimento e aprendizagem de todos (crianças e educador/a).

Exigência de resposta a todas as crianças

O acesso à educação é também um direito de todas as crianças, especificando-se que essa educação tem
como base uma igualdade de oportunidades (Convenção dos Direitos da Criança, 1989, art.º 28 e 29).

Dada a importância das primeiras aprendizagens, é atribuído à educação de infância um papel relevante na
promoção de uma maior igualdade de oportunidades relativamente às condições de vida e aprendizagens
futuras, sobretudo para as crianças cuja cultura familiar está mais distante da cultura escolar. Porém, os
resultados da investigação indicam que essa contribuição depende muito da qualidade do ambiente
educativo e do modo como este reconhece e valoriza as características individuais de cada criança, respeita
e dá resposta às suas diferenças, de modo a que todas se sintam incluídas no grupo.

11
Assim, todas as crianças, independentemente da sua nacionalidade, língua materna, cultura, religião, etnia,
orientação sexual de membro da família, das suas diferenças a nível cognitivo, motor ou sensorial, etc.
participam na vida do grupo, sendo a diversidade encarada como um meio privilegiado para enriquecer as
experiências e oportunidades de aprendizagem de cada criança.

A inclusão de todas as crianças implica a adoção de práticas pedagógicas diferenciadas, que respondam às
características individuais de cada uma e atendam às suas diferenças, apoiando as suas aprendizagens e
progressos. A interação e cooperação entre crianças permitem que estas aprendam, não só com o/a
educador/a, mas também umas com as outras. Esta perspetiva supõe que o planeamento realizado seja
adaptado e diferenciado, em função do grupo e de acordo com características individuais, de modo a
proporcionar a todas e a cada uma das crianças, condições estimulantes para o seu desenvolvimento e
aprendizagem, promovendo em todas um sentido de segurança e autoestima.

Para a construção de um ambiente inclusivo e valorizador da diversidade, é também fundamental que o


estabelecimento educativo adote uma perspetiva inclusiva, garantindo que: todos (crianças, pais e
profissionais) se sintam acolhidos e respeitados; haja um trabalho colaborativo entre profissionais; os pais
sejam considerados como parceiros; exista uma ligação próxima com a comunidade e uma rentabilização
dos seus recursos. Uma permanente intenção de melhoria dos ambientes inclusivos deve considerar o
planeamento e avaliação destes aspetos, com o contributo de todos os intervenientes.

Construção articulada do saber

O desenvolvimento da criança processa-se como um todo, em que as dimensões cognitivas, sociais,


culturais, físicas e emocionais se interligam e atuam em conjunto. Também a sua aprendizagem se realiza de
forma própria, assumindo uma configuração holística tanto na atribuição de sentidos em relação ao mundo
que a rodeia, como na compreensão das relações que estabelece com os outros e na construção da sua
identidade.

Por isso, a definição de quaisquer áreas de desenvolvimento e aprendizagem representa apenas uma opção
possível de organização da ação pedagógica, constituindo uma referência para facilitar a observação, a
planificação e a avaliação, devendo as diferentes áreas ser abordadas de forma integrada e globalizante. Esta
articulação de áreas de desenvolvimento e aprendizagem implica reconhecer que brincar é a atividade
natural da criança que melhor corresponde à sua forma holística de aprender.

Ter oportunidade de escolher como, com quê e com quem brincar, na creche ou no jardim de infância,
permite à criança desenvolver os seus interesses, tomar decisões, resolver problemas, correr riscos e
tornar-se mais independente. Ao brincar, a criança exprime a sua personalidade e singularidade, desenvolve

12
curiosidade e criatividade, estabelece relações entre aprendizagens, melhora as suas capacidades relacionais
e de iniciativa e assume responsabilidades.

Importa, porém, diferenciar uma visão redutora de brincar, como forma de a criança estar ocupada ou
entretida, de uma perspetiva de brincar, como atividade rica e estimulante que promove o desenvolvimento
e aprendizagem e se carateriza pelo elevado envolvimento da criança, demonstrado através de sinais como
prazer, concentração, persistência e empenhamento, o que a leva muitas vezes a despender grandes
esforços para conseguir realizar o que deseja. A criação de um ambiente educativo em que a criança dispõe
de materiais diversificados que estimulam os seus interesses, e a atenção do/da educador/a às suas
iniciativas, o modo como a encoraja e os desafios que coloca à exploração e à descoberta são fundamentais
para esse envolvimento ou implicação.

Deste modo, brincar torna-se um meio privilegiado para promover a relação entre crianças e entre estas e
o/a educador/a, facilitando o desenvolvimento de competências sociais e comunicacionais e o domínio
progressivo da expressão oral. De igual modo, brincar proporciona outras conquistas, tais como, ter
iniciativas, fazer descobertas, expressar as suas opiniões, resolver problemas, persistir nas tarefas, colaborar
com os outros, desenvolver a criatividade, a curiosidade e o gosto por aprender, que atravessam todas as
áreas de desenvolvimento e aprendizagem na educação de infância, constituindo condições essenciais para
que a criança aprenda com sucesso, isto é, “aprenda a aprender”.

Esta curiosidade e desejo de aprender da criança vão dando lugar a processos intencionais de exploração e
compreensão da realidade, em que várias atividades se interligam com uma finalidade comum, através de
projetos de aprendizagem progressivamente mais complexos, que integram diferentes áreas de
desenvolvimento e aprendizagem e mobilizam diversas formas de saber, de modo a construir os alicerces
de uma aprendizagem ao longo da vida.

A concretização de todos estes fundamentos e princípios educativos no dia a dia da creche e do jardim de
infância exige um profissional que está atento à criança e reflete sobre a sua prática com um interesse
contínuo em melhorar a qualidade da resposta educativa. Neste sentido, a observação e registo permitem
recolher informações para avaliar, questionar e refletir sobre as práticas educativas (nomeadamente, a
gestão das rotinas, a organização do espaço e materiais, a qualidade das relações estabelecidas) sendo ainda
essenciais para conhecer cada criança e a sua evolução. As informações recolhidas permitem fundamentar e
adequar o planeamento da ação pedagógica. A realização da ação irá desencadear um novo ciclo de
Observação/Registo-Planeamento-Avaliação-Reflexão.

No quadro seguinte resumem-se os fundamentos e princípios educativos enunciados e as suas implicações


para a ação do/a educador/a de infância.

13
FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS EDUCATIVOS

Criança Educador/a
Cada criança tem uma identidade Tem em conta as características da
1. única e singular, tendo criança, criando oportunidades que
necessidades, interesses e lhe permitam realizar todas as suas
Desenvolvimento e capacidades próprias. potencialidades.
aprendizagem como
vertentes indissociáveis Vive num meio cultural e familiar Considera a família e sua cultura na
que deve ser reconhecido e sua ação educativa.
valorizado.

A criança é detentora de uma Parte das experiências da criança e


curiosidade natural para valoriza os seus saberes e
compreender e dar sentido ao competências como fundamento de
mundo que a rodeia, sendo novas aprendizagens.
2.
competente nas relações e Escuta e considera as opiniões da
Reconhecimento da criança interações que estabelece.
criança garantindo a sua participação
como sujeito e agente do
Tem direito a ser escutada e as nas decisões relativas ao seu
processo educativo
suas opiniões devem ser tidas em processo educativo.
conta.
Estimula as iniciativas da criança
apoiando o seu desenvolvimento e
aprendizagem.

Todas as crianças têm direito a Aceita e valoriza cada criança,


uma educação de qualidade em reconhecendo os seus progressos.
que as suas necessidades,
Tira partido da diversidade para
interesses e capacidades são
enriquecer as experiências e
atendidos e valorizados. oportunidades de aprendizagem de
3. Todas as crianças participam na todas as crianças.
Exigência de resposta a vida do grupo.
Adota práticas pedagógicas
todas as crianças diferenciadas, que respondam às
características individuais de cada
criança e atendam às suas diferenças.
Promove o desenvolvimento de um
sentido de segurança e autoestima a
todas as crianças.

O desenvolvimento e a Aborda as diferentes áreas de forma


aprendizagem processam-se de globalizante e integrada.
forma holística.
Estimula o brincar, através de
Brincar é um meio privilegiado de materiais diversificados, apoiando as
4. aprendizagem que leva ao escolhas, explorações e descobertas
Construção articulada do desenvolvimento de competências da criança.
transversais a todas as áreas do
saber Estimula a curiosidade da criança
desenvolvimento e aprendizagem.
criando condições para que
“aprenda a aprender”.

14
3. FINALIDADES E OBJETIVOS EDUCATIVOS

A natureza do trabalho educativo em creche pressupõe a clarificação das suas finalidades educativas. Onde
se pretende chegar? Que objetivos educativos? Que cidadão aos 3 anos de idade?

Finalidades Educativas para a creche

- Desenvolvimento de um sentido de segurança e autoestima


- Desenvolvimento da curiosidade e ímpeto exploratório
- Desenvolvimento de competência social e comunicacional

Que atitudes, capacidades e/ou conhecimentos poderão evidenciar o desenvolvimento destas finalidades
educativas? Que objetivos de aprendizagem? Que tipo de experiências ou oportunidades poderão ajudar a
alcançar os objetivos e finalidades educativas?

Se o desenvolvimento dos bebés e crianças acontece de uma forma holística e não de uma forma
espartilhada em conteúdos ou áreas, educar é investir no todo que é a pessoa em desenvolvimento. Nesse
sentido, todas as organizações por áreas do desenvolvimento ou de aprendizagem são, na sua essência,
artificiais. Segurança e autoestima, curiosidade e ímpeto exploratório, competência social e comunicacional
são dimensões presentes em todo o trabalho que se realiza com as crianças.
A opção de apresentar três grandes finalidades educativas para o trabalho em creche prende-se com a
facilitação que essa organização confere ao nível da observação, do acompanhamento, da planificação e da
avaliação do trabalho pedagógico.

Para cada uma das finalidades educativas, apresenta-se:


- uma breve explicitação;
- objetivos educativos que lhes estão associados;
- exemplos de concretização dessas aprendizagens, ou seja, como se podem manifestar e observar;
- exemplos de algumas oportunidades de aprendizagem ou desenvolvimento que podem ser
oferecidas.

Esta forma de apresentação pretende apoiar o/a educador/a no desenvolvimento do currículo, não
pretendendo limitar as opções, práticas e criatividade próprias de cada educador/a.
Os exemplos não esgotam todas as evidências de aprendizagens a realizar nem têm como
intenção diferenciar ou situar níveis de desenvolvimento e aprendizagem, pelo que será
sempre possível acrescentar outras situações decorrentes da experiência de trabalho em
creche. Note-se, ainda, que os exemplos de consecução das finalidades e objetivos educativos

15
que adiante se sugerem, ainda que obedeçam a uma certa organização desenvolvimental,
pressupõem que não se perca o caráter flexível, integrador e transversal, próprio de qualquer
trabalho educativo junto de crianças. Nessa linha de pensamento, muitas manifestações e
oportunidades que são válidas para uma determinada fase poderão ser igualmente
pertinentes noutras fases, ulteriores ou anteriores, sendo que a observação da criança deve
ser sempre global e o seu desenvolvimento encarado como um todo. Assim, o trabalho em
torno das finalidades e objetivos educativos pressupõe que os educadores ofereçam a cada
criança oportunidades integradas de desenvolvimento, resultantes de dinâmicas educativas
transversais e holísticas. Significa que atividades de cuidados e educativas estão
inextricavelmente interligadas, que todas as experiências e oportunidades de aprendizagem
estão entrelaçadas, que aspetos afetivos, cognitivos ou motores são mobilizados de forma
indissociável.

a. Desenvolvimento de um sentido de segurança e autoestima positiva

O desenvolvimento de um sentido de segurança e autoestima positiva envolve um sentimento de


domínio sobre o próprio corpo, comportamento e mundo; sentido de identidade e de pertença;
sentimento de que nas diferentes atividades as probabilidades de sucesso são maiores que as de insucesso e
que os adultos podem ajudar. No fundo, sentido de confiança e competência, bases da autonomia.

São objetivos educativos, no âmbito do desenvolvimento de um sentido de segurança


e autoestima positiva, assegurar que cada cidadão em idade de creche evidencie de
forma crescente:

· conhecimento de si próprio e controlo do seu corpo e respetivas funções;


· autonomia nas situações de alimentação, higiene, vestir e despir, descanso, pequenas realizações
e atividades;
· capacidade para fazer escolhas e tomar decisões de forma autónoma;
· capacidade para expressar as suas necessidades ou medos e confiança nos adultos;
· confiança em si próprio, evidenciada na capacidade para lidar com mudanças ou incertezas e
enfrentar riscos sem ansiedade ou medo desmesurados;
· atitudes e sentimento de ligação ao mundo social e natural, cuidando do ambiente e ajudando os
outros no desempenho das suas tarefas ou rotinas.

16
Estas aprendizagens podem ser observadas, por exemplo, quando a criança…

· Expressa iniciativa, revela autonomia e toma decisões


Segura no biberão quando alimentado? Decide comer ou não comer um alimento? Usa as mãos para
comer? Escolhe o brinquedo com que quer brincar? Decide se quer ou não ir para o exterior? Ajuda ou
tenta vestir algumas peças de roupa? Usa talheres e o copo com competência crescente? Afirma a sua
independência através de expressões como “eu faço!”? Escolhe parceiros preferenciais de brincadeira?
Toma decisões relativamente ao curso da sua atividade?

· Faz uma avaliação das suas capacidades, demonstrando confiança em si própria e nos outros
Persiste ou desiste das atividades de acordo com a avaliação que faz das suas capacidades? Recusa ajuda,
tentando resolver um problema sozinha? Pede ajuda quando percebe que não consegue atingir um
objetivo sozinha? Evidencia orgulho e satisfação na realização de atividades de cuidar, ajudar, assumir
tarefas (ex. pôr a mesa; distribuir babetes)? Compreende conceitos de propriedade (“é meu”, “é a minha
mãe”)? É capaz de lidar com graus moderados de mudança ou incerteza? Enfrenta riscos sem ansiedade ou
medo desmesurados?

· Reconhece-se a si própria e tem vindo a adquirir controlo progressivo do seu corpo


Vira a cabeça para os lados, esbraceja? Alcança, agarra ou pontapeia objetos? Segura um objeto, passa-o de
mão em mão? Rasteja, gatinha? Anda, corre, salta, trepa? Passa bolas com a mão, com o pé? Movimenta-se
com objetos na mão, arrasta, empurra? Anda de triciclo, primeiro sem e depois com pedais? Sobe e desce
escadas (primeiro de gatas, depois com os dois pés em cada degrau e, finalmente, com os pés alternados)?
Movimenta-se ao som da música? Reconhece a sua imagem no espelho? Reconhece-se em fotografias?
Reconhece e nomeia partes do corpo em si e (mais tarde) nos outros?

· Tem vindo a desenvolver uma progressiva autonomia funcional


A criança revela progressiva autonomia funcional ao nível do controlo esfincteriano? Da alimentação? Da
regulação do sono ou higiene?

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

17
O sentido de segurança e autoestima positiva pode ser promovido através de oportunidades
de aprendizagem como, por exemplo:

Nos bebés até cerca de 1 ano


· Os adultos respeitam os ritmos individuais de cada criança, havendo regularidade e previsibilidade,
por exemplo, nas situações, de alimentação e de sono;
· As rotinas alimentares, de sono, de higiene e de mudança de fraldas acontecem num contexto
relaxado e em interação responsiva e afetuosa com um adulto de referência;
· As interações são calmas, atentas e carinhosas, havendo tempo e oportunidade para que o bebé e o
adulto de referência desenvolvam uma relação segura e calorosa;
· Os adultos conversam com os bebés sobre os seus familiares mais significativos, de forma positiva e
construtiva;
· Sempre que adequado, a linguagem, palavras significativas e rotinas a que a criança está habituada em
casa são utilizadas no contexto educativo;
· Os adultos estão atentos e respondem de forma empática aos sinais de perturbação, mudança na
temperatura, fome ou cansaço da criança;
· O bebé não é exposto a demasiadas pessoas novas;
· Os adultos estão atentos para que os bebés não sejam vítimas de empurrões ou pequenos acidentes
com crianças mais crescidas;
· O bebé é estimulado e apoiado na sua competência crescente para lidar com as diferentes tarefas e
desafios do dia a dia;
· Os adultos asseguram espaços e materiais limpos e todas as situações potenciais de contágios são
evitadas.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

Entre 1 e 2 anos
· No treino do controlo dos esfíncteres, a abordagem é calma e positiva;
· As rotinas de sono são flexíveis, calmas e positivas;
· É dada a conhecer às crianças uma larga variedade de alimentos;
· É encorajada a autonomia da criança na higiene e na alimentação;
· Os momentos de refeição são calmos, envolvendo interações positivas;
· Os adultos estão atentos e respeitam os sentimentos de bem-estar ou de desconforto que as
crianças comunicam;

18
· A independência da criança é estimulada, sabendo que o conforto ou segurança emocional
providenciados por adultos próximos estão garantidos;
· As crianças que procuram fazer as coisas por si próprias são encorajadas e apoiadas;
· São dadas oportunidades à criança para fazer escolhas e as suas decisões são respeitadas;
· O adulto apoia a criança na resolução de problemas ou conflitos e estimula-a a perseguir novos
desafios;
· Os adultos estão vigilantes relativamente a tudo aquilo a que a criança tem acesso e que pode ser
demasiado arriscado ou perigoso;
· A criança é encorajada e apoiada mas não superprotegida, por exemplo, quando cai;
· O adulto ajuda a criança a perceber o que é seguro e o que não é, e as consequências prováveis de
certas ações;
· Conversar sobre pessoas próximas da criança ou acerca de brinquedos que a criança traz de casa
são situações que fazem parte das rotinas naturais da creche;
· Regularmente, as crianças saem para pequenos passeios nas redondezas;
· As crianças são encorajadas a mostrar aos pais as coisas que fizeram ou que descobriram.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

Entre 2 e 3 anos
· Existe flexibilidade nas rotinas, nomeadamente nos momentos de descanso;
· De forma crescente são asseguradas oportunidades e tempo para as crianças exercitarem a sua
autonomia, nas situações de alimentação, descanso, higiene, vestir/despir, ….;
· As crianças são assistidas pelos adultos de formas que não suscitam vergonha ou embaraço,
nomeadamente nas situações em que as crianças falham o controlo dos esfíncteres;
· As crianças são encorajadas na expressão adequada das suas emoções;
· O contexto é estimulante e proporciona diferentes desafios em função daquilo que cada criança
necessita para aceder a níveis mais complexos de ação e de pensamento;
· O contexto oferece previsibilidade mas, de forma sensível e atenta, o/a educador/a vai introduzindo
mudanças e surpresa nas rotinas das crianças;
· O contexto procura assegurar espaço para escolha e livre iniciativa, equilibrado com limites claros
e entendíveis pelas crianças;
· Regras sobre o não magoar os outros e cuidar do ambiente são tópicos de conversa e de natural
negociação com os adultos;

19
· São dadas oportunidades à criança para falar de experiências familiares a adultos atentos e
interessados;
· A vinda frequente dos pais à creche é desejada e preparada (ex. lanche, passeio, conversa,
atividades).

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

b. Desenvolvimento da curiosidade e ímpeto exploratório

O desenvolvimento da curiosidade e ímpeto exploratório envolve o sentimento de que descobrir


coisas é positivo e gera prazer, o desejo e capacidade de perceber e ter um efeito nas coisas e de atuar
nesse sentido com persistência.

São objetivos educativos, no âmbito do desenvolvimento de uma atitude curiosa e da


preservação do ímpeto exploratório natural das crianças, assegurar que cada cidadão em
idade de creche evidencie de forma crescente:

· uma atitude para compreender o seu mundo, objetos, pessoas, comportamentos, interagindo com
outros, brincando e explorando ativamente, questionando, desenvolvendo, testando e aperfeiçoando as
suas ideias acerca do mundo, de si próprio e dos outros;
· capacidade para fazer escolhas sobre o tipo de espaços, materiais e objetos que quer explorar,
encontrando os seus próprios desafios e objetivos, e organizando-se no sentido de os alcançar;
· um controlo crescente sobre o seu corpo (locomoção, manipulação, coordenação, equilíbrio) e uma
crescente desenvoltura na sua movimentação no espaço;
· capacidade para mobilizar estratégias de exploração ativas, através de todos os seus sentidos e
movimentos ou utilizando ferramentas, materiais e equipamentos diversos;
· uma confiança na forma como utiliza uma variedade de estratégias para exploração e atribuição de
sentido ao mundo, ao nível da resolução de pequenos problemas, identificação de padrões, classificação
de objetos, experimentando, comparando, questionando, ouvindo e participando em conversas,
observando e escutando histórias, etc.

20
Estas aprendizagens podem ser observadas, por exemplo, quando a criança…

· Evidencia curiosidade em relação ao que o rodeia


Manifesta interesse através de gestos, olhares? Procura objetos fora do seu campo de visão? Faz perguntas
sobre o que a rodeia? Apresenta uma atitude exploradora (ex. abre gavetas e retira o seu conteúdo; tenta
alcançar objetos por baixo da mesa ou por cima dos armários)?

· Explora objetos com diferentes partes do corpo, evidenciando controlo e desenvoltura


crescentes
Explora ativamente através de todos os seus sentidos (ex. observa, escuta, leva à boca)? Alcança, agarra,
bate, dá pontapés, põe na boca? Deixa cair e transporta objetos? Utiliza objetos para completar tarefas (ex.
pá para pôr areia num balde; vassoura para puxar uma bola que está debaixo do armário)?

· Identifica figuras e fotografias familiares


Aponta, gesticula e vocaliza face a imagens familiares nos livros ou fotografias (pessoa, animal ou objeto
familiar)? Nomeia os elementos identificados nas imagens?

· Explora diferentes materiais de construção e expressão


Explora blocos, massa ou plasticina? Explora diversos materiais naturais, de desperdício e de uso
doméstico? Rabisca no papel, desenvolvendo desenhos cada vez mais completos? Atribui um nome a algo
que criou (“é a mamã!”)? Combina diferentes materiais de construção e expressão para desenvolver
construções cada vez mais complexas?

· Envolve-se em jogos simbólicos de complexidade crescente


Imita outras pessoas (ex. bate palmas), atendendo cada vez mais aos pormenores? Finge comer com uma
colher ou beber por um copo vazios? Repete sons ou ações de animais, pessoas e objetos? Envolve-se em
jogos simbólicos com recurso a objetos, (ex. pôr os bebés a dormir, fazer uma corrida de carros)? Usa um
objeto para representar outro (ex. a vassoura é um cavalo)?

· Faz escolhas e procura resolver problemas


Orienta-se para os objetos do seu interesse? Repete uma ação para que algo aconteça? Realiza várias
tentativas de resolução de problemas simples (ex. tenta encaixar peças de tamanhos diferentes; tenta calçar
os sapatos)? Recorre a diferentes estratégias (ex. usa diferentes objetos como caixas e cadeiras para se
elevar e alcançar um brinquedo que está numa prateleira alta)? Resolve pequenos problemas mentalmente
(ex. puzzles, construções)?

21
· Explora noções relativas às propriedades dos objetos
Repara em semelhanças e diferenças nos objetos que a rodeiam (ex. na cor, na forma, no tamanho, na
temperatura...)? Identifica num conjunto de objetos uma determinada propriedade (ex. os bonecos de um
cesto são pequenos ou as bolas de um saco são vermelhas)? Agrupa objetos de acordo com um
determinado critério (ex. com a mesma forma, o mesmo tamanho...)? Percebe se um objeto pertence ou
não a um dado conjunto de objetos (ex. decide onde colocar uma bola muito pequena, se num conjunto de
brinquedos grandes ou num de brinquedos pequenos)? Ordena objetos de acordo com gradações de uma
determinada propriedade (ex. coloca por ordem objetos de acordo com a sua altura, a sua massa...).

· Explora noções de quantidade e número


Experimenta “mais” (ex. coloca uma rocha no balde, depois outra, depois outra…)? Experimenta
correspondências de “um para um” (ex. pôr um copo em cima de cada prato que está na mesa)? Explora o
número de coisas (ex. percebe quando se passa de uma para duas ou de duas para três bolas num jogo)?

· Explora noções espaciais e temporais


Mostra sinais de antecipação para certos acontecimentos familiares ou habituais? Repara no início e no fim
(“Acabou!”; “Já está!”)? Repara na localização das coisas (ex. desloca um objeto para alcançar outro que
está por trás)? Explora diferentes perspetivas (ex. debaixo da mesa, de cima de uma cadeira)? Experimenta
encher e esvaziar, montar e desmontar? Explora as noções de rápido e devagar, causa e efeito? Começa a
compreender algumas noções de passado e futuro (ex. amanhã)?

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

O desenvolvimento de curiosidade e ímpeto exploratório pode ser promovido através de


oportunidades de aprendizagem como, por exemplo:

Bebés até cerca de 1 ano


· O adulto reconhece que a curiosidade da criança é o motor de toda a atividade e estimula os bebés a
realizarem as suas descobertas e a aprenderem ao seu próprio ritmo;
· São disponibilizados objetos seguros que permitam e apoiem a criança nas suas explorações e
desenvolvimento de capacidades (ex. objetos para a criança agarrar e segurar, para baloiçar, para se
agarrar e se erguer, colher para comer...);
· Os brinquedos providenciados estimulam o puxar, o empurrar, o agarrar e a exploração com os
dedos e com a boca;

22
· Os bebés são colocados de modo que tenham um campo de visão alargado e os adultos ajudam-nos
a percecionar os objetos em diferentes posições (de longe, de perto, de frente, de trás…);
· Quando o bebé ainda não se desloca, é fundamental prestar atenção redobrada ao que lhe parece
mais interessante, mudando-o de lugar de forma frequente e em função dos seus interesses;
· Os bebés conhecem diferentes superfícies de exploração (superfícies lisas e rugosas, tapetes, relva,
areia, empedrado, chão macio e chão duro, no interior e no exterior);
· Os bebés têm oportunidade para observar e para se juntarem a outras crianças, para ver e ouvir
novos estímulos, para perceber que as coisas têm um nome;
· Os bebés conhecem uma variedade de experiências sensoriais, incluindo ar fresco, novos cheiros,
cores, temperaturas, sons, luzes, sabores, e podem movimentar-se e explorar livremente diversos
objetos e/ou materiais;
· Frequentemente, o adulto propõe brincadeiras de descoberta do próprio corpo, explorando os pés,
a face, o cabelo, os dedos,… da criança ou de outras pessoas familiares, partilhando e demonstrando
prazer nas descobertas da criança.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

Entre 1 e 2 anos
· Antes de intervir numa situação em que as crianças estão envolvidas, o adulto aguarda, observando
empaticamente, até perceber se as crianças necessitam realmente de ajuda, não assumindo
imediatamente que elas não são capazes;
· São dadas amplas oportunidades para explorações ativas, com o apoio mas não com a interferência
do adulto;
· As crianças têm acesso a equipamentos e recursos diversos que estimulam, quer a motricidade
grossa, quer a motricidade fina;
· As crianças têm oportunidades para escutar, falar, observar, recordar, pensar e decidir;
· As crianças são encorajadas a reconhecer a simetria e padrões, a classificar e a estabelecer
correspondências de um para um;
· As crianças são encorajadas a manipular quantidades, de forma a transformar substâncias contínuas
em quantidades discretas (ex. cortar massa de farinha em pequenos pedaços e voltar a ligá-los,
transferir água ou areia para pequenos recipientes e esvaziá-los de seguida...);

23
· As crianças têm possibilidade de recolher, separar, organizar objetos e materiais de brincar,
desenvolvendo uma noção de ordem (ex. agrupando materiais similares ou arrumando coisas nos
sítios certos/que lhes estão atribuídos);
· As crianças têm oportunidade de cuidar de plantas ou animais, respeitando e descobrindo as suas
necessidades;
· O adulto questiona e responde às questões da criança sobre o porquê das coisas, mostrando
interesse e compreensão.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

Entre 2 e 3 anos
· As crianças encontram no seu dia a dia atividades que estimulam o seu desenvolvimento motor e que
oferecem vários graus de desafio (equilíbrio, utilização de talheres ou de ferramentas, vestir e despir,
atividades de construção, percursos com obstáculos);
· As crianças podem explorar vários livros e histórias sobre temáticas diversas (ex. corpo humano,
animais, objetos, tradições, comportamentos…), bem como cartazes ou imagens interessantes,
sendo encorajadas a dar um nome às coisas, a pensar e a falar sobre elas;
· As crianças podem iniciar e desenvolver pequenas atividades da sua própria iniciativa, identificando e
resolvendo problemas que naturalmente vão ocorrendo, podendo contar com o apoio do adulto
sempre que necessário;
· As crianças são encorajadas a explorar através de ensaio e erro, com vista à procura de soluções ou
novas alternativas, explorando formas e objetos de duas e três dimensões;
· As crianças são encorajadas ao reconhecimento e utilização de símbolos como imagens, desenhos e
sinais, etc.;
· As crianças têm oportunidade de conhecer aspetos relativos à diversidade do mundo natural,
observando plantas, animais, rochas, fenómenos meteorológicos e desenvolvendo atitudes de
cuidado;
· As crianças têm oportunidades de explorar a forma como as coisas se movem ou como podem ser
movidas (ex. soprando, empurrando, puxando, rolando, oscilando, afundando);
· As crianças têm oportunidades de desenvolver a compreensão espacial, juntando e separando
objetos, fazendo construções, organizando e arrumando objetos, observando objetos de diferentes
pontos de vista, utilizando lupas, etc.;
· As crianças têm a oportunidade de vivenciar questões sociais, como regras, deveres e
responsabilidades, alargando o seu conhecimento acerca do mundo social;

24
· As crianças têm oportunidade de conhecer locais de interesse da sua região, contactando com o
património e cultura local.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

c. Desenvolvimento de competências sociais e comunicacionais

A competência social e comunicacional envolve desenvolvimento do autocontrolo (capacidade de


controlar os comportamentos, de formas adequadas à idade), estabelecimento de relações positivas,
sentido de cooperação (a capacidade de conjugar as necessidades e desejos individuais com as de outros
numa situação de grupo), e ainda o desejo e capacidade de partilhar experiências, ideias e sentimentos com
outros, de formas diversas, com confiança e competência crescentes.

São objetivos educativos, no âmbito do desenvolvimento da competência social e


comunicacional, assegurar que cada cidadão em idade de creche evidencie de forma crescente:

· competências de responsividade e reciprocidade, como aguardar a sua vez ou dar e receber;


· um repertório cada vez mais elaborado de gestos, movimentos corporais e vocalizações para comunicar e
expressar desejos, interesses e sentimentos;
· desenvolvimento fonológico (discriminação e articulação dos sons da fala), descoberta de regras da
linguagem verbal e aquisição lexical, em situações do dia a dia, durante os cuidados, no brincar e na
exploração de livros de histórias, etc.;
· capacidade para iniciar, manter e desfrutar de uma relação com outras crianças e adultos, incluindo lidar
com conflitos, negociar, ter em consideração o ponto de vista do outro e ajudar outros, etc.;
· sentido de responsabilidade e respeito por regras e limites comuns.

Estas aprendizagens podem ser observadas, por exemplo, quando a criança…

· Estabelece uma relação de vinculação com um adulto de referência no seu contexto educativo
Estabelece contacto físico e ocular, fica quieto quando o adulto lhe fala? Sorri, balbucia em direção ao
adulto? Procura conforto no colo do adulto? Chama o nome do adulto e partilha o que pensa (“Dói-me a
barriga!”)? Demonstra carinho através de gestos e palavras?

25
· Estabelece relações com outros adultos
Responde aos seus sons e gestos? Envolve-se em brincadeiras? Inicia contacto com o adulto? Traz ao adulto
o seu brinquedo preferido? Inicia uma conversa com o adulto?

· Estabelece relações com os pares


Olha, sorri, troca gestos e sons com os seus pares? Procura a companhia física de outras crianças, toca,
abraça? Traz o seu brinquedo para junto de outra criança? Dirige-se a outra criança pelo nome, fala com
ela? Brinca ao lado de outra criança, numa brincadeira paralela? Espera pela sua vez em jogos e começa a
compreender o conceito de partilha?

· Expressa claramente as suas emoções


Chora, grita? Sorri, agita-se com prazer? Acalma com a voz do adulto? Mostra prazer ou frustração
consoante consegue ou não resolver um problema? Fica tensa, vira as costas a alguém? Abraça ou afasta-se
de alguém? Expressa verbalmente a sua emoção?

· Comunica de forma verbal e não-verbal, expressando os seus desejos, interesses, sentimentos


Utiliza gestos, movimentos corporais, vocalizações? Aponta e mostra objetos, pessoas e animais Balbucia,
utiliza palavras para se referir a pessoas, animais ou objetos? Pronuncia frases simples (“Carro meu!”, “Eu
gosto de maçã”)? Apresenta um vocabulário cada vez mais completo e rico? Fala sobre o que faz e o que
vê? Descreve pequenos episódios? Utiliza pronomes e plurais?

· Compreende aquilo que os outros comunicam, verbal e/ou não verbalmente


Sorri ao ouvir a voz do/a educador/a? Vira-se ao ouvir o seu nome? Acena “adeus”? Dirige-se ao cabide
quando ouve que “vamos lá fora”? Age a pedido (“Vais buscar os teus sapatos, por favor?”)?

· Envolve-se na comunicação dar-e-receber


Fica atento quando lhe falam? Aguarda a sua vez numa troca de sons e gestos? Palra ou utiliza palavras numa
conversa com outra pessoa? Utiliza palavras para fazer pedidos ou perguntas (“Anda!”)?

· Aprecia histórias e canções


Roda a cabeça em direção à música? Balança-se ao som da música? Explora livros de imagens? Bate palmas,
anda e salta ao som da música? Acompanha uma história com interesse, pede mais? Canta uma canção
simples?

· Manifesta empatia pelos outros, pelas suas necessidades e sentimentos


Reage às emoções expressas pelo/a educador/a? Traz um brinquedo a uma criança que está triste? Tenta
ajudar os outros quando percebe que estão em dificuldades ou necessitam de algo? Relaciona a expressão
facial dos outros com os seus estados emocionais? Tem em consideração o ponto de vista do outro (“Ele

26
está triste porque a mamã foi embora”)? Desenvolve estratégias para lidar com conflitos, nomeadamente, a
negociação?

· Desenvolve uma crescente responsabilidade e respeito por regras e limites comuns


Compreende e respeita regras simples? Procura ajudar os outros nas tarefas diárias? Envolve-se em tarefas
de limpeza, arrumação, arranjo, jardinagem, etc.? Revela interesse e respeito pelos animais e plantas?
Demonstra respeito pelo outro e pelo espaço comum?

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

A competência social e comunicacional da criança pode ser promovida através de


oportunidades de aprendizagem como, por exemplo:

Bebés até cerca de 1 ano


· Os adultos percebem a importância de utilizar linguagem corporal expressiva que ajude os bebés a
“ler os sinais”, comunicando através de contacto ocular e corporal e através de gestos, acenando ou
apontando;
· Os adultos respondem de forma empática aos gestos e expressões dos bebés, como virar a cabeça
para não comer, estender as mãos, fazer caretas, etc., e identificam os sinais de cansaço ou de
perturbação da criança, utilizando a linguagem para acalmar e confortar;
· A interação com a criança envolve frequentemente jogos com as mãos e canções, sendo a criança
vista como um participante ativo na comunicação;
· O choro, vocalizações ou gestos da criança são vistos como importantes formas de comunicação;
· Os adultos respondem às tentativas de verbalização das crianças, por exemplo, repetindo e
amplificando a sua comunicação ou oferecendo-lhes sons para imitação;
· Os adultos estimulam a interação entre os bebés;
· Palavras simples são associadas a objetos, pessoas ou situações significativas para a criança;
· O adulto mostra e lê livros para os bebés, conta histórias simples e conversa sobre objetos e
imagens;
· Os bebés têm oportunidades para manipular livros, olhar e fazer movimentar mobiles de imagens
diversificadas;
· Os adultos traduzem por palavras aquilo que a criança faz;
· Os adultos utilizam números nas conversas e interações (dois sapatos, uma boca, quatro rodas, cinco
dedos, …), que também incluem cantigas, rimas ou repetição de sons;

27
· O adulto chama a atenção para conceitos como “mais”, “menos”, “grande”, “pequeno”, “muito”,
“pouco”, etc.;
· O bebé brinca e explora livremente materiais de diferentes cores, texturas, formas e tamanhos;
· O bebé tem oportunidade de experienciar sons da natureza, como o vento nas folhas das árvores ou
o som da chuva e diferentes efeitos da luz, como sombras, luzes em movimento ou luzes com cores.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

Entre 1 e 3 Anos
· Os adultos conhecem e respeitam os sinais de conforto e desconforto das crianças;
· A criança tem oportunidade de interagir em jogos de escuta de sons ou palavras, dançar, usando o
seu corpo como forma de expressão;
· Os adultos expandem as verbalizações das crianças, repetindo, modelando novas palavras e frases,
utilizando frases simples e claras, dando tempo à criança para responder e conversar;
· As crianças têm muitas oportunidades para interagir com outras crianças, observar e imitar, partilhar
brinquedos, brincar em conjunto com palavras e histórias, canções e lengalengas;
· As conversas e perguntas do adulto envolvem referências a quantidades (ex. quantos meninos
querem ir passear ao jardim? Tens dois carros muito giros!);
· As crianças são estimuladas para utilização de conceitos espaciais como “em cima”, “em baixo”,
“dentro”, “fora”, etc.;
· A identificação ou nome da criança está escrito nos seus espaços pessoais, através de símbolos e/ou
letras;
· Estão disponíveis livros variados e a exploração ou o contar de histórias são experiências interativas
frequentes e aprazíveis, geradoras de um clima de intimidade;
· São oferecidas oportunidades e materiais para construção e expressão, como tintas, cola, massa de
farinha, areia, desperdícios, folhas, pedrinhas, etc.;
· O adulto apoia o desenvolvimento de toda a atividade simbólica ou de faz-de-conta da criança;
· As crianças têm oportunidade de explorar vários materiais musicais (ex. tambores, campainhas,
xilofone);
· As crianças são incentivadas a experienciar o potencial comunicativo de todo o corpo através da
dança, mímica e jogo dramático;
· As crianças têm amplas oportunidades de iniciar conversas, contar histórias, colocar questões.

A partir da sua experiência, acrescente os seus próprios exemplos ou sugestões:

28
Sugestões de reflexão:

De que forma as experiências diárias disponibilizadas na creche onde trabalha contribuem para
que as crianças alcancem as finalidades educativas - desenvolvimento de um sentido de segurança e
autoestima; desenvolvimento da curiosidade e ímpeto exploratório; desenvolvimento de
competência social e comunicacional?
Em que aspetos a oferta pedagógica poderá ser melhorada?
Como são as finalidades e objetivos educativos partilhados, comunicados e compreendidos por
todos os envolvidos?
Qual a natureza, relevância e diversidade das experiências que o currículo da creche oferece?
Que oportunidades de interação com outras crianças e adultos são promovidas? Que
oportunidades para atividade livre e espontânea? Que grau de autonomia é oferecido às crianças?
Em que medida as experiências de aprendizagem proporcionadas são inclusivas, refletindo respeito
por todas as crianças?

29
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS
PARA A CRECHE
TÍTULO

Orientações Pedagógicas para a Creche

I – Fundamentos, Finalidades e Objetivos Educativos

II – Práticas Pedagógicas de Qualidade

Autoras

Gabriela Portugal (coordenadora)

Cindy Carvalho

Gabriela Bento

Agradecimentos

Agradece-se os contributos das educadoras de infância que se disponibilizaram para uma leitura crítica do documento nas suas
versões mais iniciais, bem como das educadoras de infância que participaram nas ações de formação, dos docentes da formação
inicial, investigadores e outros especialistas.

EDIÇÃO

Ministério da Educação / Direção-Geral da Educação (DGE)

Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social / Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.)

Diretor-Geral da Educação

José Vítor Pedroso

Data

2016

2
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………………….5

PARTE I - FUNDAMENTOS, FINALIDADES E OBJETIVOS EDUCATIVOS

1. A IMPORTÂNCIA DO INVESTIMENTO NOS PRIMEIROS ANOS..........................................7


a. Desenvolvimento cerebral.....................................................................................................................7
b. Vinculação ..............................................................................................................................................8
c. Ecologia do desenvolvimento ................................................................................................................8
2. FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS EDUCATIVOS DA PEDAGOGIA PARA A INFÂNCIA 9
3. FINALIDADES E OBJETIVOS EDUCATIVOS .............................................................................. 15
a. Desenvolvimento de um sentido de segurança e autoestima positiva .......................................... 16
b. Desenvolvimento da curiosidade e ímpeto exploratório ................................................................. 20
c. Desenvolvimento de competências sociais e comunicacionais ....................................................... 25

PARTE II - PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE QUALIDADE

1. DIMENSÕES DE QUALIDADE DO AMBIENTE EDUCATIVO .................................................5


2. A ENTRADA NA CRECHE .................................................................................................................7
3. ROTINAS E ADULTO DE REFERÊNCIA ...................................................................................... 11
4. TRABALHO COLABORATIVO E PARCERIAS ........................................................................... 13
a. Trabalho colaborativo entre educadores/as e desenvolvimento profissional ................................ 13
b. Parceria com as famílias .................................................................................................................... 15
c. Parcerias na comunidade ................................................................................................................... 16
5. BRINCAR............................................................................................................................................... 18
6. ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS ................................................................................................. 22
a. Espaço interior .................................................................................................................................... 23
· Segurança e Familiaridade .................................................................................................. 23
· Desafios e estímulos para o desenvolvimento .............................................................. 24
· Conforto dos adultos e autonomia das crianças .......................................................... 26
· Identidade e autoestima positiva ...................................................................................... 27
b. Espaço Exterior ................................................................................................................................... 27
· Vivências sensoriais ............................................................................................................. 28

3
· Movimento ............................................................................................................................ 29
· Descoberta do mundo natural ......................................................................................... 30
· Criatividade e socialização ................................................................................................. 31
· Recursos da comunidade ................................................................................................... 32
7. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO ....................................................................................... 33
a. Finalidades da avaliação .................................................................................................................... 33
· A avaliação para a ................................................................................................................ 34
· A avaliação para a melhoria das práticas ........................................................................ 34
b. As diferentes dimensões da avaliação .............................................................................................. 37

c. Observação e Registo ......................................................................................................................... 37


d. Reflexão e Planeamento .................................................................................................................... 39
e. Avaliação do contexto ........................................................................................................................ 40

f. Avaliação individual ............................................................................................................................. 40


g. Despistagem de problemas de desenvolvimento............................................................................. 41
h. Boas práticas na avaliação e acompanhamento das crianças ...................................................... 45
8. A TRANSIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR ........................................................... 47
SUGESTÕES DE LEITURA..................................................................................................................... 50

4
II – PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE QUALIDADE

1. DIMENSÕES DE QUALIDADE DO AMBIENTE EDUCATIVO

A qualidade do ambiente educativo depende de várias dimensões. A importância de assegurar condições de


saúde, higiene e segurança é indiscutível, estando na base da satisfação das necessidades básicas, quer das
crianças, quer dos adultos. Para além desta dimensão, outras se afiguram como cruciais no processo de
promoção do bem-estar e desenvolvimento das crianças. Salientam-se:

· Formação e valorização dos profissionais de educação de infância


Trabalhar com qualidade em educação de infância requer conhecimentos específicos e uma planificação
apropriada, sustentada no conhecimento do desenvolvimento nos primeiros anos de vida e das finalidades
educativas do trabalho com crianças. Requer ainda atitudes de respeito, compreensão, muita flexibilidade
para responder às necessidades de cada criança e família, reflexão crítica e questionamento continuado de
práticas, indispensáveis à resolução de problemas.
Observar, questionar, flexibilizar, inovar são atitudes básicas num atendimento de qualidade, que não se
coaduna com uma abordagem baseada no senso comum, nem com uma abordagem técnica e aplicativa.
Envolve, portanto, profissionais de educação de infância reflexivos e críticos em torno do seu próprio
exercício profissional, respeitando princípios éticos e deontológicos e evidenciando abertura para uma
aprendizagem continuada ao longo da vida.

· Qualidade das relações


Em grupos mais pequenos, os contactos e diálogos entre adultos e crianças são mais próximos,
possibilitando o estabelecimento de uma relação empática, serena e afetuosa. Assim, torna-se mais fácil, não
só ir ao encontro das necessidades e capacidades das crianças, como também conhecer as famílias,
estabelecer relações de confiança e respeitar as diferenças culturais e especificidades de cada uma.

SUGESTÕES
No sentido de possibilitar um acompanhamento mais próximo e individualizado, em cada
contexto poder-se-á identificar as estratégias mais adequadas. Por exemplo, quando existem dois
ou três adultos na sala, uns poderão ficar com parte do grupo no interior enquanto os outros vão
para o exterior; outra possibilidade é, em articulação com o/a educador/a de outra sala, algumas
crianças juntarem-se, em alguns momentos do dia, a esse outro grupo. O sistema de adulto de
referência ou figura chave é também uma forma de facilitar a proximidade e conhecimento da
individualidade de cada criança. Naturalmente, em todas as decisões tomadas, interessa que toda a

5
equipa perceba o seu sentido: porque é que o grupo é dividido? Como? O que é que se planeia
para cada parte do grupo?

· Qualidade e quantidade de materiais, equipamentos, espaços e atividades


A forma como se organiza o espaço, os materiais, os equipamentos e os tempos para atividades e
acontecimentos vários, pode promover ou restringir o brincar, explorações, descobertas da criança,
diversas atividades e interações com os outros, pode facilitar ou não a sua autonomia e as rotinas, os
momentos de conforto e bem-estar. A organização do espaço (interior e exterior) e dos materiais deve
facilitar aprendizagens, criar desafios, provocar a curiosidade, potenciar autonomia e relações interpessoais
positivas.

· Acompanhamento e monitorização da experiência das crianças e suas famílias


Os efeitos significativos e perduráveis de um programa educativo dependem essencialmente da forma como
ele é vivido ou experienciado pelas crianças que dele usufruem. Como é que a criança se sente no
contexto? Importa que a criança se sinta integrada, aceite, compreendida, segura. Importa que a criança
experiencie bem-estar emocional. Mas as crianças necessitam igualmente de se sentir intelectualmente
respeitadas, desafiadas e entusiasmadas. Necessitam de um contexto suscitador de níveis elevados de
implicação/envolvimento.

A avaliação da experiência subjetiva de bebés e crianças muito pequenas requer que sejam feitas inferências
sobre a qualidade dessa mesma experiência. Tais inferências deverão basear-se num contacto e observação
frequentes e na recolha continuada de informação.

Se queremos saber como cada criança se sente num contexto educativo, temos de procurar perceber até
que ponto as crianças se sentem à vontade, agem espontaneamente, mostram vitalidade e autoconfiança. O
grau de bem-estar evidenciado pelas crianças num contexto educativo indicará em que medida a
organização e dinâmica do contexto ajudam as crianças a “sentirem-se em casa”, a estarem à vontade e a
terem as suas necessidades satisfeitas.

Quando as crianças mostram sinais de elevado envolvimento/implicação1, evidenciado através de sinais


como concentração, persistência, interesse, entusiasmo, energia, descoberta, criatividade, etc., podemos
perceber que o contexto está a oferecer boas condições de aprendizagem e desenvolvimento.

1
Sobre a escala de envolvimento/implicação da criança, no âmbito do Projeto Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP), pode consultar a
página: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EInfancia/documentos/manual_dqp.pdf

6
Níveis elevados de bem-estar e de implicação/envolvimento das crianças nas atividades e
rotinas são o melhor indicador da qualidade da oferta educativa.

Porque um contexto educativo direcionado para bebés e crianças, se direciona também, inevitavelmente,
para as suas famílias, o acompanhamento e consideração da experiência da família é uma dimensão de
qualidade inquestionável. Trata-se de perceber até que ponto nas relações que se estabelecem com a
família esta se sente respeitada, conhece proximidade, abertura e aceitação por parte dos profissionais.

A ideia de respeito e aceitação não envolve necessariamente concordância acrítica ou condescendência


absoluta em relação aos desejos ou perspetivas do outro. Salvaguardam-se aqui os conhecimentos e
sabedoria do/a educador/a em prol do interesse e direitos das crianças, o que é distinto de atitudes de
superioridade ou sobranceria, autoritarismo, presunção ou preconceito.

2. A ENTRADA NA CRECHE

Quando entra na creche, a criança não consegue perceber por que razão ali está! De facto, em termos
imediatos, ela poderá experienciar a creche como “abandono” e, caso não seja ajudada a lidar com essa
situação de forma sensível e atenta, poderá conhecer níveis elevados de ansiedade. A existência de alguém
que, de forma consistente, continuada e calorosa acompanhe a criança neste processo é crucial. Nesta
condição, os bebés experienciarão menor quebra nas interações afiliativas.

SITUAÇÃO 1
Um bebé de 15 meses chega à creche, ao colo da mãe, agarra-se a ela e chora quando o/a educador/a se
aproxima. O/a educador/a saúda o bebé e a mãe. “Eu sei que gostas muito da mamã. Se calhar vai custar um
pouco dizer adeus à mãe”... E para a mãe: “Como está? Também se sente um pouco triste?” A mãe e o/a
educador/a conversam um pouco sobre a separação. À medida que falam, observam sinais de que a criança está
a ficar mais relaxada e trocam sinais no sentido de que “chegou a hora”. Uns beijinhos, mais algumas lágrimas,
mas a criança está mais disponível para que o/a educador/a a abrace e para acenar “adeus”.

O que pensa sobre esta situação? Identifica, neste exemplo, elementos presentes na sua própria
prática?

A partir do momento em que um bebé é confiado a alguém que não os pais, experienciando um contexto
diferente e não familiar, perde os seus pontos de referência e daí advém uma certa inquietude, se não
mesmo angústia e sofrimento. É um quadro que se pode traduzir por sinais de agitação ou tensão, choros e

7
recusas, modificação dos ritmos de sono ou alimentares, ou mesmo sintomas somáticos (ex. febre,
diarreia).

Embora algumas crianças pareçam lidar muito bem com situações e pessoas novas, a maior parte delas, tal
como os adultos, experienciam sentimentos de incerteza e ansiedade perante o que é novo e diferente
daquilo a que estão habituadas.

Habitualmente, entre os 8-9 meses de idade e o final do segundo ano de vida, a relutância em deixar a mãe
pode ser maior (mesmo na criança que já frequentava a creche e que até aí ficava sem dificuldade) porque a
força da relação de vinculação é muito significativa. É comum que a criança proteste, chore e se agarre aos
pais ou outras figuras afetivamente mais significativas; além disso, poderá demonstrar um comportamento
de maior dependência em relação ao/à educador/a, medo em relação ao novo e desconhecido; “rabugice” e
dificuldade em ser consolada.

SITUAÇÃO 2
A Ana tinha quase 19 meses quando foi para a creche. Nos momentos de separação, a Ana grita muito, recusa-
se a deixar o colo do pai, que tem imensas dificuldades em se afastar. Na ausência do pai, ela pergunta
constantemente pelo papá e parece ter dificuldade em brincar ou em interessar-se seja pelo que for. A Ana anda
atrás do adulto a maior parte do tempo, sempre agarrada à mesma boneca, raramente brinca com outras
crianças e grita fortemente quando estas tentam tirar-lhe as suas coisas; muito medrosa, perturba-se com
pequenas coisas, como alterações na rotina, sujar as mãos, etc. Embora com o tempo o dramatismo da
separação tenha vindo a esbater-se, alguns destes aspetos comportamentais persistiram durante vários meses.

A partir da sua experiência, reconhece outras situações semelhantes? Como evoluíram?

É importante compreender que a criança reage sobretudo a tensões cognitivo-emocionais e não tanto ao/à
educador/a ou à creche em si. O que está em causa é lidar com o novo e discrepante em relação ao que a
criança conhece bem, e lidar com a separação das figuras de vinculação, os seus principais portos de abrigo
e fontes de segurança.

Uma possibilidade é organizar uma transição gradual da família para a creche. A família pode ser
previamente informada de todas as dimensões relacionadas com a organização e dinâmica da creche,
conhecendo os profissionais, procedimentos e espaços. Durante os primeiros tempos, figuras significativas
(como os pais) poderão permanecer acessíveis à criança na creche, permitindo-se o afastamento e
encontro sempre que desejado. Gradualmente o tempo de permanência da criança na creche aumenta,
consolidando-se a relação com o/a educador/a.

8
Este processo apoia e apoia-se simultaneamente no envolvimento e comunicação entre familiares e
profissionais e facilita a transição/adaptação da criança e da própria creche. A ideia de “adaptação” envolve
não só o modo como a criança experiencia o novo contexto, mas também o modo como a própria creche
se organiza (se adapta) para responder adequadamente às necessidades das crianças e suas famílias.

Por vezes, na hora da despedida, distrai-se a criança (“olha o passarinho”), enquanto o pai ou a mãe se
afastam rapidamente, para evitar o confronto com o drama e o choro da separação. Se a curto prazo a
situação parece ficar resolvida, importa refletir sobre o efeito que terá na criança desconhecer quando é que
a mãe ou o pai irão desaparecer, sentir uma total falta de controlo sobre os acontecimentos, conhecer a
imprevisibilidade, o engano…Não será mais importante que a criança conheça a despedida, seguramente
chore um pouco, mas saiba que o pai ou a mãe vão embora e que voltarão mais tarde?

Mostrar compreensão e explicar com calma e firmeza, com palavras adequadas à idade da criança, a
situação de separação, e dizer adeus será a melhor maneira de ajudar a criança a crescer com segurança e
confiança no adulto. Ao mesmo tempo, a criança descobre-se como alguém capaz de lidar e ultrapassar a
situação de frustração que a separação induz.

Ir fornecendo referências temporais também pode ajudar: “agora a mãe vai trabalhar e o João vai brincar. A
seguir, vai almoçar, dormir um bocadinho, lanchar, brincar... e depois vem a mãe, buscar o João para irem
para casa!”. Se a criança puder confirmar esta sequência várias vezes, vai mais facilmente sentir controlo
sobre a situação, e confiar nos adultos que povoam o seu mundo.

Neste processo, a capacidade da creche se adaptar e responder bem às particularidades de cada criança é
um elemento determinante na forma como a criança experiencia o contexto. A este nível, é claramente
importante a disponibilidade de novas figuras de ligação e a qualidade dos cuidados alternativos que a
criança conhece. Mas, mesmo em contextos educativos de elevada qualidade, a maior parte das crianças
não deixará de sentir dificuldades na separação e adaptação. Contudo, em situações de elevada qualidade,
as suas dificuldades esbater-se-ão mais rapidamente com o decurso do tempo, surgindo claros sinais de
bem-estar, níveis mais elevados de implicação e uma autonomia crescente.

Compreender cada criança atendendo às suas características, circunstâncias, necessidades e interesses é


fundamental para o seu bem-estar e para a sua boa integração. Neste sentido, importa valorizar objetos
significativos para a criança, que podem transitar entre o meio familiar e a creche, dando segurança e
aconchego à criança (ex. brinquedos preferidos, objetos de conforto como almofada ou manta).

9
Importa ainda referir que, quando o comportamento da família na preparação da criança para a separação é
particularmente diferente das práticas habituais, ou pouco natural, será percebido como discrepante pela
criança, aumentando por si só a ansiedade da separação. Preparações claras, que não transparecem a
ansiedade ou preocupação familiar, ajudarão a criança a estruturar e a compreender a separação.

Com as crianças mais crescidas, encontrar uma forma especial e “secreta” de dizer adeus, ajuda as crianças a
manter uma ligação de cumplicidade com os seus familiares queridos – dar um beijinho na palma da mão
para “guardar bem guardadinho” durante todo o dia ou inventar uma canção, lengalenga ou poema “nosso”
para assinalar a despedida, são formas de conforto que podem ajudar a criança a compreender e a lidar com
a separação.

SITUAÇÃO 3
Uma mãe que reinicia o seu trabalho após a licença parental traz a sua bebé de 6 meses à creche.
Anteriormente, a família tinha visitado o centro e conhecido a direção e o/a educador/a responsável. Ficou a
conhecer as finalidades e valores educativos da instituição, as suas práticas e outros aspetos associados à rotina.
Nos primeiros dias, a mãe pôde permanecer na instituição durante todo o dia. Juntas, mãe e filha exploraram a
sala e outros espaços da creche, conheceram as outras crianças, brincaram com alguns brinquedos. A mãe levou
um guizo especial e algumas fotografias da família. Hoje, é o dia em que a mãe retoma o seu trabalho, não
podendo ficar na creche. Quando chega, o/a educador/a saúda-a, conversam sobre as rotinas e atividades
matinais. O/a educador/a comenta, demonstrando compreensão, que deixar a bebé entregue a cuidados de
outros é difícil para a maior parte dos pais e convida a mãe a telefonar, visitar e partilhar preocupações
abertamente. Diz-lhe ainda que o seu envolvimento só poderá ajudar a desenvolver os melhores cuidados à
bebé.

Coloque-se no lugar desta mãe: Como se sentiria?

Porque confiar um bebé à creche não é um processo simples, para a boa adaptação da criança e da própria
mãe/pai, torna-se fundamental o estabelecimento de uma relação colaborativa, de confiança, comunicação
aberta entre pais e educadores/as. Por isso, o/a educador/a deve estar atento às questões da adaptação e
dos sinais de mal-estar da criança e dos pais.

Sugestão de reflexão

Como se prepara a instituição para a chegada de uma nova criança? Que tipo de iniciativas são tomadas para
assegurar uma boa resposta à família?

10
3. ROTINAS E ADULTO DE REFERÊNCIA

Para além do brincar espontâneo e atividades socioeducativas2 propostas pelo adulto, nas rotinas da creche
incluem-se os cuidados, que devem ser vistos como áreas de ação educativa igualmente importantes.
Rotinas consistentes, que acontecem sensivelmente à mesma hora e da mesma maneira em cada dia,
fornecem à criança conforto e um sentimento de controlo e segurança. Seja um momento para brincar,
ouvir uma história, comer uma peça de fruta, lavar as mãos, descansar ou ir embora, saber previamente o
que vai acontecer, fornece aos bebés e crianças confiança e estabilidade. E, quando as crianças se sentem
seguras e confiantes no adulto, elas estarão disponíveis para brincar, explorar e aprender.

Os cuidados diários, chegadas e saídas, muda de fraldas, vestir, dar de comer, dormir ou mesmo limpar um
nariz, oferecem oportunidades ricas para o estreitamento de relações diádicas e securizantes, potenciando
desenvolvimento e aprendizagem diversificados. Em situações de atendimento coletivo como as que se
vivem em creches, estas ocasiões podem representar momentos ótimos para estabelecimento de
interações individualizadas, caracterizadas por maior intimidade e cumplicidade, muitas vezes difíceis de
conseguir em contexto de grupo.

SITUAÇÃO 4
O/a educador/a repara na fralda suja da Matilde: “Matilde, temos de mudar a fralda!” Matilde, 8 meses,
sentada no chão, sorri e galreia qualquer coisa. “Vou pegar-te ao colo e vamos mudar a fralda”. A bebé
responde ao gesto e às palavras com um ligeiro movimento do corpo, continua a sorrir e a palrar. À medida que
atravessam a sala, Matilde tenta alcançar um brinquedo que está numa prateleira. “Tu queres aquele brinquedo
mas agora temos de mudar a fralda! São só uns minutos”. Deitada na mesa de muda de fraldas, a bebé
observa a sala e o/a educador/a fala com ela chamando a atenção de Matilde para o seu rosto. “Olha, Matilde,
vamos tirar a fralda suja, aqui está.”- Mostra-lhe a fralda suja e o sítio onde a põe. “E agora vamos limpar o
rabinho e pôr a fralda lavada.” A bebé tenta agarrar a fralda lavada e o/a educador/a deixa-a mexer-lhe.
Matilde distrai-se com um barulho da sala e o/a educador/a aguarda até voltar a ter a sua atenção. Repete
“limpar o rabinho e pôr a fralda” e atua em consonância. Uma outra criança chama o/a educador/a. O/a
educador/a mantém a sua atenção na Matilde e responde: “Agora não posso ver isso, estou a mudar a Matilde.
Assim que terminar, vou ter contigo”. Matilde começa a contorcer-se e tenta virar-se. “Já estamos a terminar,
vou fazer mais depressa”. Matilde olha e o/a educador/a sorri e diz “Linda menina, que presta muita atenção, já
está! Vamos sentar?”. Agarra-a e puxa-a enquanto Matilde estica os braços fazendo alguns galreios. O/a
educador/a imita os seus sons e ambas riem. O/a educador/a pega nela e dá-lhe um beijo.

2
Todas as atividades oferecidas pelo/a educador/a assumem-se como sendo livres: de forma autónoma, a criança pode escolher aderir, ou não, às
propostas do adulto.

11
Que reflexão esta interação lhe suscita?

Nesta situação, repare-se na reação em cadeia à medida que o/a educador/a e a bebé interagem. Várias
interações deste género, ao longo do dia de uma criança, sempre que possível com o mesmo adulto –
adulto de referência - permitem a construção de uma relação pedagógica caracterizada por proximidade,
no seio da qual uma relação securizante se estabelece. O sentimento de ser alguém que se respeita e se
escuta é vital para todo o desenvolvimento da criança. Nesta situação, o/a educador/a procurou envolver a
criança numa situação que lhe dizia respeito. O/a educador/a e a bebé realizaram juntas uma tarefa. Se o/a
educador/a tivesse dado à Joana um brinquedo para as mãos, mantendo-a ocupada e distraída enquanto lhe
mudava a fralda, todo o tom da interação teria sido diferente. A noção de equipa desapareceria e ter-se-ia
uma criança distraída e um/a educador/a relacionando-se com parte do corpo de uma criança e uma fralda
em vez da criança como um todo. A atenção da Joana estaria focalizada no brinquedo e não na atividade em
curso. O principal objetivo do/a educador/a foi manter a bebé envolvida na interação, no seu próprio corpo
e na tarefa em curso. A muda de fraldas foi uma experiência altamente educativa, em que a bebé
“trabalhou” a focalização da atenção, o conhecimento do corpo, a comunicação e cooperação.
O/a educador/a comunica com a bebé acerca do que vai fazer, através de palavras e de gestos. A bebé
utiliza o seu corpo, sorrisos, expressões faciais e vocalizações para comunicar. O/a educador/a interpreta,
explica, questiona. Não houve grandes discursos. Diz pouco, mas o que diz está carregado de significado e
relaciona-se com a ação em curso. Ela ensinou a bebé a escutar e a focalizar-se. Utilizou uma linguagem
contextualizada e comunicou também com o seu corpo e com sons, respondendo à bebé.

Ninguém conhece melhor o sistema de comunicação de uma criança como aquela pessoa que estabelece
com ela uma ligação próxima e consistente - um adulto/educador/a de referência. Por isso, na creche,
importa envidar esforços para evitar substituições sucessivas de cuidadores e, por consequência, contactos
mais superficiais e impessoais.

Se os tempos de rotinas diárias, incluindo os tempos de acolhimento e de fim do dia, são aproveitados
como tempos de qualidade, permitindo o estabelecimento de relações diádicas próximas e altamente
responsivas, a criança conhecerá no contexto da creche tempos educativos de excelência.

Através das rotinas, como descrito na situação 4, as crianças podem aprender muitas coisas:
comportamentos positivos e sentido de responsabilidade em relação à higiene e segurança (ex. lavar as
mãos antes de comer, dar a mão ao adulto quando se atravessa a rua); desenvolver competências sociais e
comunicacionais (ex. à chegada, saudar, à saída, dizer adeus; conversar à mesa; aprender a esperar e
aguardar a sua vez; ajudar a pôr a mesa; Enfim, a experiência de rotinas agradáveis e significativas oferece
oportunidades para o desenvolvimento de confiança, curiosidade, competências sociais, autocontrolo,

12
comunicação, etc. Em grande parte, porque as rotinas se associam a um ingrediente chave para a
aprendizagem e desenvolvimento: relações interpessoais positivas, frequentes e previsíveis.

A figura de referência significa que o bebé ou a criança têm alguém especial com quem podem estabelecer
uma relação de maior intimidade. Uma creche que assegure a existência de figuras de referência é um
contexto que reconhece seriamente a importância da qualidade da relação pedagógica. Quando a criança
conhece a segurança conferida por uma figura de vinculação, no momento seguinte surge a sua
disponibilidade para explorar e aprender e, logo, chegará o momento em que estaremos perante um
cidadão com um forte sentido de “eu” competente, valorizado e amado.

A existência de um adulto de referência para cada criança significa que os pais, a direção da instituição, e o
responsável técnico e pedagógico sabem quem é a pessoa principal responsável por aquela criança. Ser um
adulto de referência ou figura chave de uma criança (ou várias) não significa que a pessoa se dedica
exclusivamente e durante todo o tempo apenas à(s) “suas” criança(s). O trabalho de equipa é muito
importante. Nem sempre o adulto de referência está disponível para atender a todas as solicitações ou
necessidades de cada criança. Profissionais, que trabalham bem em conjunto, abraçarão as mesmas
finalidades e objetivos, compreendendo a importância da atenção individualizada às crianças e comunicando
adequadamente - partilhando informação sobre as crianças, articulando entre si quem fará uma determinada
tarefa, com quem, quando.

Sugestão de reflexão

No meu grupo, qual o ratio adulto-criança? Que papéis/funções são assumidos pelos adultos? Que tipo de
estratégias poderão ser adotadas para proporcionar momentos mais individualizados a cada criança?

4. TRABALHO COLABORATIVO E PARCERIAS

Nesta secção aborda-se a importância da criação de parcerias e redes de colaboração, sejam elas grandes
ou pequenas, inter ou intra-instituições, tendo sempre como objetivo principal o bem-estar e
desenvolvimento das crianças.

a. Trabalho colaborativo entre educadores/as e desenvolvimento profissional

É importante que, no seio de um contexto educativo, todos os elementos da equipa partilhem os mesmos
princípios e finalidades educativas, participando e assumindo um papel claro na promoção do bem-estar,
desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Neste sentido, o trabalho em equipa desempenha um papel

13
fundamental na construção de uma linguagem comum a todos, desde a liderança, até aos funcionários da
cozinha, passando pelos ajudantes de ação educativa e educadores/as de infância.

Contudo, colaborar vai além de trocas de impressões entre colegas sobre as crianças ou sobre os
acontecimentos, implicando o desenvolvimento de atividades e a troca de materiais e, sobretudo, a
planificação e avaliação conjuntas, num processo de formação/supervisão colaborativas.
Os/as educadores/as beneficiam em participar num trabalho contínuo em equipa. Aprendem a conhecer os
interesses e pontos fortes dos outros e a desenvolver estratégias conjuntas de resolução de problemas. É
importante que cada equipa (referimo-nos aos adultos que trabalham em conjunto com um grupo de
crianças, geralmente, um/a educador/a e um ou dois ajudantes) se reúna com frequência para discutir,
interpretar, planear e avaliar com base nas observações das crianças e nas finalidades educativas. Nestes
momentos, devem refletir sobre as suas práticas, sobre os problemas que vão surgindo e possíveis soluções
para os mesmos. Em conjunto, com base no seu conhecimento das aprendizagens e desenvolvimento das
crianças, cada equipa vai construindo um entendimento comum sobre as crianças do grupo, delineando
estratégias que apoiam os seus pontos fortes, os seus interesses e as suas capacidades. Os/as educadores/as
e dirigentes devem também trabalhar em conjunto para conseguir calendarizar estes momentos de
reflexão, tornando-os parte da rotina. A médio/longo prazo, os membros da equipa passam a ser
educadores/as mais eficazes se estiverem algum tempo por dia juntos a pensar sobre aquilo que estão a
observar nas crianças, no modo como as devem apoiar e resolver os problemas que vão surgindo.

O trabalho em equipa constitui, em si mesmo, uma fonte de crescimento e desenvolvimento profissional e


pessoal. Se o trabalho desenvolvido entre profissionais for acompanhado por um plano de formação
continuada, consistente e com sentido para a equipa, estão criadas as condições para o desenvolvimento de
profissionais cada vez mais competentes e motivados.
A formação continuada dos profissionais deve centrar-se na valorização pessoal e profissional, em estreita
articulação com o seu trabalho. Para além de objetivos pessoais (aperfeiçoamento das competências
profissionais; incentivo à autoformação, investigação e inovação; reconversão profissional e complemento
de habilitações), a formação deve também focalizar-se em vantagens para as creches (estímulo aos
processos de mudança) e para o próprio sistema educativo (melhoria da qualidade do desenvolvimento e
das aprendizagens).
Consistentemente, o/a educador/a deve incorporar a sua formação como elemento constitutivo da prática
profissional, mediante a análise problematizada da sua ação pedagógica, a reflexão fundamentada sobre a
construção da profissão e o recurso aos dados da investigação. Deve ainda, refletir sobre os aspetos éticos
e deontológicos do seu trabalho, perspetivar o trabalho de equipa como fator de enriquecimento,
envolver-se em projetos de investigação e desenvolver competências pessoais, sociais e profissionais, numa
perspetiva de formação ao longo da vida.

14
b. Parceria com as famílias

O bem-estar e aprendizagem das crianças são mais facilmente atingidos quando os/as educadores/as
trabalham em parceria com as famílias. Importa respeitar cada família, reconhecendo as suas semelhanças e
diferenças e valorizando as suas especificidades culturais. Neste sentido, é fundamental que se criem nas
creches climas recetivos, onde todas as crianças e famílias sejam respeitadas e ativamente encorajadas a
colaborar com os/as educadores/as em todo o tipo de decisões. Para que os pais ou cuidadores se
envolvam, é importante criar um ambiente acolhedor, definir um processo de acolhimento centrado na
famílias, partilhar os dados de observação das crianças e encorajá-los a participar. A equipa de
educadores/as, pais e crianças vai-se conhecendo cada vez melhor ao longo do tempo, criando condições
para o crescimento de relações significativas e para o desenvolvimento de projetos conjuntos. As parcerias
também implicam que os/as educadores/as, as famílias e os outros profissionais de apoio trabalhem em
conjunto para explorar o potencial de aprendizagem das atividades, rotinas e brincadeiras diárias. Assim,
podem criar-se oportunidades de partilha e reflexão conjunta, que apoiem a participação e o envolvimento
de todos.

Em parcerias genuínas, famílias e educadores/as:


· valorizam os conhecimentos que cada um tem sobre a criança;
· valorizam os contributos e papéis de cada um na vida da criança;
· confiam uns nos outros;
· comunicam abertamente;
· respeitam-se mutuamente;
· compartilham ideias e perspetivas sobre a criança;
· envolvem-se conjuntamente em tomadas de decisão.

Para que estas parcerias se tornem eficazes e gratificantes, importa que os/as educadores/as, desde o início,
reconheçam o papel da separação, manifestando compreensão e centrando-se nos pontos fortes dos pais e
das crianças. Quando surgem conflitos, é fundamental a utilização de uma abordagem de resolução de
problemas, evitando entrar em confronto com os pais mas mostrando compreensão pelas suas
preocupações e abertura para discutir alternativas possíveis.

Algumas estratégias para promover a participação das famílias: participação em reuniões e encontros
formativos; desenvolvimento de projetos; dinamização de atividades para as crianças; produção de
materiais; acesso a documentos informativos sobre a creche, atividades e aprendizagem das crianças;

15
existência de espaços de partilha oral e escrita (ex. momentos de conversa informal, diários creche-casa). A
criação de redes de suporte mútuo entre pais, que funcionam como espaços de reflexão e partilha de
problemas, dúvidas e inquietações, poderá também ser uma iniciativa interessante.

Mais do que apresentar ideias fechadas aos pais ou famílias, pedindo a sua ajuda para a concretização, é
imprescindível contar com eles também para a produção de ideias, busca de soluções alternativas e
resolução de problemas. Os pais participarão de forma mais entusiasta se sentirem que as suas ideias e
opiniões são valorizadas.

c. Parcerias na comunidade

É importante conhecer os recursos disponíveis na comunidade envolvente, de forma a tirar o melhor


partido possível das suas vantagens. O trabalho conjunto de diferentes agentes e especialistas contribui para
uma visão holística do desenvolvimento e bem-estar da criança e para a concretização de respostas mais
adequadas às necessidades de cada uma.
Quer a direção da creche, quer a sua coordenação técnica e pedagógica, quer os/as seus educadores/as,
devem considerar que os serviços sociais e de saúde devem ser parceiros preferenciais, tanto direta como
indiretamente. Pode pedir-se a um médico, enfermeiro ou técnico de serviço social que dinamize
momentos de formação ou atividades (para pais e/ou profissionais) sobre temas específicos na creche, por
exemplo. Além disso, deve haver mecanismos eficientes de encaminhamento das famílias e crianças, a partir
da creche, caso necessitem de apoio médico ou social. É importante que os profissionais da creche tenham
algum conhecimento dos procedimentos a ter em conta em várias situações, sejam elas mais ou menos
graves (por exemplo, gripe ou outras doenças contagiosas, problemas de desenvolvimento, pobreza,
alcoolismo), de forma a poderem aconselhar as famílias sobre as alternativas possíveis. Um contacto
próximo com o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI)3 é também fundamental, para
acompanhar de perto casos de risco ambiental e/ou biológico - casos de crianças com alterações ou em risco
de apresentar alterações nas estruturas ou funções do corpo, tendo em conta o seu normal desenvolvimento (cf.
Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro).
Do mesmo modo, é importante que responsáveis institucionais e educadores/as estejam disponíveis para o
estabelecimento de parcerias com outras creches, amas, jardins de infância, escolas, instituições de ensino
superior ou instituições de apoio à terceira idade, que podem ser de grande valia no desenvolvimento de
projetos conjuntos. Ainda, o estabelecimento de contactos com o poder local (câmaras municipais e juntas
de freguesia), empresas e comerciantes, espaços culturais e recreativos e todo o tipo de
associações/organizações locais, pode trazer vantagens.

3
Para mais informação, consultar a página do SNIPI: http://www.dgs.pt/sistema-nacional-de-intervencao-precoce-na-infancia.aspx

16
As parcerias com a comunidade são indissociáveis do trabalho colaborativo com as famílias, uma vez que os
pais/tios/irmãos são, também, cidadãos, funcionários, artistas, que podem estabelecer a ponte com os
diferentes organismos existentes na comunidade, evitando-se instituições fechadas sobre si próprias.

Cada instituição deverá explorar as potencialidades da sua comunidade, criando uma rede de parceiros
sólida e única, sendo importante assumir que a própria creche também poderá configurar-se como uma
mais-valia para o meio em que se insere.

Sugestão de reflexão

Na minha instituição, como é incentivada a participação das famílias? Até que ponto a oferta educativa reflete
o ambiente familiar das crianças e o ambiente da comunidade local?
Que relações e articulações existem com outros estabelecimentos de educação? Como perspetiva a
importância de participar em comunidades ou redes de partilha de práticas entre educadores/as? Que
iniciativas poderá tomar para criar ou participar num grupo de discussão?

17
5. BRINCAR

As atividades dirigidas pelo adulto, ainda que muito adequadas, devem ser apenas uma pequena parte
daquilo que é a educação em creche, podendo as crianças, livre e naturalmente, aderir ou não a essas
propostas. As crianças, através do seu ímpeto natural de desenvolvimento, são o melhor indicador daquilo
que vem ao encontro das suas necessidades desenvolvimentais. Bebés e crianças muito pequenas
desenvolvem-se bem em contextos calorosos e atentos às suas características e necessidades individuais, e
não tanto em atividades de grupo, dirigidas por um adulto.
Para além dos tempos de qualidade em que criança e adulto estão envolvidos em tarefas conjuntas, são
também momentos de qualidade aqueles em que o adulto não dirige a atenção ou ação da criança, estando
disponível e responsivo. Num contexto organizado de forma intencional com vista ao desenvolvimento e
aprendizagem de cada criança, estar junto dos bebés enquanto estes exploram e brincam livremente,
respondendo, e não tanto iniciando a interação, confere um maior grau de liberdade e controlo social à
criança e sustenta o desenvolvimento do seu ímpeto exploratório.

Criar oportunidades de exploração interessantes, dar espaço e tempo à criança, estar disponível e ser
responsivo não é algo que surja naturalmente. Observar e controlar o ímpeto para dirigir e “ensinar” não é
fácil. Trabalhar a iniciativa e autonomia da criança envolve uma capacidade do adulto suspender os seus
próprios interesses e objetivos, para se centrar na valorização da ação da criança.

Sugestão de reflexão

Escolha um momento para estar com a criança e apenas observar e responder às suas iniciativas. Verifique
durante quanto tempo consegue manter esse papel recetivo e responsivo. O que conclui?

Brincar é uma atividade valiosa e natural! Se observarmos uma criança que brinca, percebemos que brincar
faz parte dela. Cada ação da criança envolve todo o seu ser (corpo, cognição e emoção). Sendo algo de
profundamente significativo para as crianças, deve ser encorajado. Quando brinca, a criança envolve-se
ativamente num processo de atribuição de sentido, de forma única, individual, à sua medida. A observação
das crianças enquanto brincam permite inferir porque é que o brincar pode ser um meio de aprendizagem
extremamente poderoso. No brincar/atividade livre as crianças estão totalmente implicadas, atuando no
seu próprio nível de desenvolvimento e de desafio, em controlo. A forma entusiástica e concentrada como
as crianças brincam indica o valor altamente desenvolvimental da experiência. Quando as crianças brincam
fazem descobertas, expressam-se, mobilizam conhecimentos, pensam e resolvem problemas em contexto
significativo. Nas suas explorações autónomas, as crianças dão asas à sua curiosidade e imaginação,

18
aprendem por ensaio e erro, sem medo de falhar. Ao brincar, o ímpeto exploratório, natural e intrínseco a
todas as crianças, ganha espaço de ação.

O brincar tem sido descrito segundo diversas tipologias. Neste documento optou-se por considerar a
seguinte organização:

· Brincar físico e motor: envolve desenvolvimento e controlo dos movimentos corporais. Inclui todos
os movimentos corporais, destacando-se os movimentos dos membros superiores e inferiores,
coordenação e equilíbrio.

· Brincar exploratório e manipulativo: envolve a mobilização de capacidades físicas e sensoriais para


descobrir as características dos objetos e materiais, e o que se pode fazer com eles. Primeiro, a criança
explorará o seu próprio corpo e depois as coisas que a circundam. Ao manipular objetos e materiais
diversificados, a criança vai aperfeiçoando os seus movimentos finos, descobrindo e integrando
cognitivamente as propriedades que descobre. São exemplos: encher e esvaziar areia de um balde; agitar
um guizo; explorar o conteúdo de uma caixa; amassar plasticina; explorar o efeito de um mecanismo ou o
movimento de martelar.

· Brincar construtivo e criativo: envolve a manipulação de objetos ou materiais com o objetivo de


construir ou criar algo.
Se no amassar a plasticina houver o intuito de fazer uma bolacha, tratar-se-á de um brincar construtivo,
podendo envolver uma dimensão criativa. Trata-se de um brincar que envolve uma maior elaboração
cognitiva e início de um pensamento cada vez mais abstrato e complexo. Se a criança usa o seu próprio
corpo para se expressar (através de mímica, movimentando-se ou dançando) estamos também perante um
brincar expressivo e criativo.

· Brincar faz-de-conta ou brincar sócio dramático: sempre que a criança “finge” que algo, uma
situação ou ela própria é ou faz uma coisa diferente daquilo que é na realidade, fala-se de faz-de-conta.
A criança vai experimentando diferentes papéis sociais, ocupações e situações. É um brincar que pressupõe
a mobilização da imaginação e complexificação do pensamento da criança. O desenvolvimento crescente da
linguagem e a amplificação da interação com outras crianças sustentam essa complexificação do
pensamento abstrato, bem como a capacidade de perceber e ter em consideração diferentes perspetivas e
consequente melhoria da competência comunicacional.

· Brincar com a linguagem: envolve brincar com sons, palavras ou ritmos, descoberta de novas
palavras, histórias e canções. Trata-se de um tipo de brincar que sustenta o desenvolvimento do
pensamento, da comunicação e de todos os comportamentos literários (ex. iniciação à escrita).

19
· Brincar com regras: gradualmente, as crianças vão integrando no seu brincar regras de interação. O
desenvolvimento da linguagem tem um importante papel na medida em que as crianças necessitam de
explicar, perguntar e negociar regras e formas de brincar (ex. aguardar a sua vez, utilizar um objeto de
forma específica, aceitar a assunção de papéis diferenciados no brincar).

Numa mesma situação podem estar envolvidos vários tipos de brincar. Por exemplo, a criança pode
imaginar-se um construtor (faz-de-conta) quando está a montar uma torre ou a fazer uma estrada (brincar
construtivo); do mesmo modo, os bebés podem iniciar-se num brincar com regras quando brincam ao “cu-
cu”, aguardam a sua vez numa interação, ou exploram um pedaço de tecido (brincar exploratório).

O brincar é uma forma de aprendizagem e os/as educadores/as podem, através da qualidade da sua
presença, do tempo, espaços e materiais que providenciam para as crianças, de interações e intervenções
estimulantes, assegurar desenvolvimento e aprendizagens diversas, ao nível das finalidades e objetivos
educativos. Neste processo, a criança percebe que o seu brincar é valorizado e respeitado, e o seu sentido
de segurança e de autoestima é robustecido.
A observação do brincar fornece informações valiosas sobre o pensamento, a intensidade e qualidade da
experiência, o desenvolvimento e aprendizagem da criança. Devem evitar-se comentários intrusivos
enquanto a criança brinca. Importa que os profissionais se sintonizem com as crianças, pegando nas suas
manifestações de interesse e atuando no seu prolongamento.
É fundamental contrariar a tendência para a valorização do produto final, para atividades estruturadas e
formais, realçando a importância de um brincar livre, espontâneo, isento de qualquer pressão ou
diretividade por parte do adulto.

20
Papel do adulto no brincar

· Providenciar uma base segura a partir da qual os bebés e as crianças exploram e brincam, no
interior e exterior, e alargando progressivamente as suas interações sociais;
· Prestar atenção e responder aos sinais dos bebés, conversar, nomear, descrever objetos ou
situações, bem como os comportamentos e sentimentos dos bebés, nas diversas rotinas e outras
situações, de forma prazerosa;
· Apoiar os bebés nas suas tentativas para realizar novas ações e para praticar e repetir atividades já
dominadas;
· Providenciar materiais e objetos interessantes para exploração, bem como oportunidades para as
crianças mais velhas arriscarem, se movimentarem, manipularem, investirem nos seus objetivos,
criarem, fazerem de conta, transportarem materiais;
· Modificar o ambiente e as oportunidades oferecidas à medida que as crianças crescem e se
desenvolvem (ao nível de equipamentos, materiais, criação de rampas, degraus, curvas, declives);
· Estimular a diversificação do brincar das crianças e assegurar oportunidades para brincadeiras a
pares ou em pequenos grupos;
· Envolver-se ativamente em interações alegres e desafiadoras com as crianças em diversos tipos de
brincar.

Sugestão de reflexão

Observe o brincar da criança e procure estabelecer uma relação com as finalidades e objetivos educativos
para a creche.

21
6. ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS

A forma como os espaços estão organizados revela as preocupações pedagógicas e os princípios educativos
que lhes estão subjacentes, uma vez que estes, em articulação com a ação do adulto, terão um papel
importante na promoção de aprendizagens e experiências significativas.
A criação de espaços interessantes, dinâmicos e acolhedores é um processo que beneficia de uma
observação continuada e atenta do comportamento de cada criança, e de um olhar reflexivo e crítico por
parte do/a educador/a.

Na organização dos espaços, sejam estes a zona de entrada, cabides, sala de atividades, zona de
refeições ou zonas exteriores, é útil estabelecer objetivos para as diferentes áreas,
procurando-se responder à pergunta: O que é que se deseja que cada espaço seja e transmita?
A discussão em equipa poderá ser mais proveitosa, por comparação à reflexão isolada de cada
educador/a, permitindo assim que todos possam participar na definição e melhoramento de algo que
“pertence” a todos.

O que é que se deseja que os espaços da creche, em geral, sejam?

Desejam-se espaços que:

· promovam a segurança e transmitam uma sensação de familiaridade às crianças;


· ofereçam desafios e estímulos para o desenvolvimento;
· potenciem uma diversidade de atividades e atendam aos interesses de cada criança;
· promovam a autonomia e criação de uma identidade positiva;
· potenciem interações positivas e a expressão de cada personalidade;
· garantam o conforto das crianças e dos adultos;
· facilitem a gestão das rotinas e os cuidados do dia a dia;
· envolvam os pais/cuidadores nas experiências da criança na creche;
· aceitem a diversidade cultural e respeitem as visões de cada família.

Na linha destas perspetivas, sintetizam-se algumas dimensões centrais a considerar no planeamento do


espaço interior e exterior da creche, dimensões estas que, devendo ser entendidas como transversais e
relevantes para ambos os espaços, são apresentadas de forma a destacar especificidades e potencialidades
de cada um deles.

22
a. Espaço interior

Segurança e Familiaridade

Os espaços para crianças muito pequenas, que se encontram numa fase de desenvolvimento que exige
valorização das relações próximas, das zonas de aconchego e de familiaridade, e da previsibilidade das
rotinas, devem transmitir um sentimento de “casa”.

A sensação de conforto e segurança começa na zona de entrada e corredores da instituição. Cingir o


planeamento dos espaços às salas de atividades é algo demasiado redutor, que faz com que as zonas de
passagem e espaços comuns assumam um ar institucional, estéril e pouco acolhedor.

Para criar um ambiente mais familiar, por exemplo na zona de entrada pode ser interessante colocar
fotografias da equipa educativa, com uma legenda identificativa de cada pessoa e algumas fotografias das
crianças a brincar. Para os pais ou outras pessoas que frequentam diariamente a instituição, uma zona de
entrada interessante e agradável pode ser um estímulo para um maior interesse e envolvimento nas
atividades da creche. Além disso, pela variedade de pessoas que frequentam esta área, é possível defini-la
como um espaço para a afirmação pública dos valores e princípios da instituição.

Nas salas de atividades é igualmente importante garantir que existem espaços mais calmos e reservados,
propiciadores de momentos de maior intimidade e aconchego, privacidade e isolamento. Uma área com
muitas almofadas, mantas e colchões, que se encontra delimitada por móveis ou paredes pode ser uma
solução para criar um espaço de conforto, onde o adulto pode interagir com uma ou duas crianças ou onde
estas podem descansar. A existência de sofás de tamanho de adulto permite também que o/a educador/a
possa confortar a criança, transmitindo-lhe segurança e suporte ao seu desenvolvimento (cf. ponto
referente a “Conforto dos adultos e autonomia das crianças”). Para criar espaços de maior privacidade, a
criação de esconderijos, cobrindo uma mesa alta ou um caixote de grandes dimensões com lençóis, pode
ser uma estratégia interessante e pouco dispendiosa.

A criação de um ambiente familiar pode também ser potenciada através da existência de álbuns de
fotografias da família/amigos de cada criança, que podem ser consultados sempre que fizer sentido. A
solicitação das fotografias aos pais revela também que existe interesse por parte do/a educador/a, em criar
uma articulação entre a casa e a creche, valorizando-se as rotinas e as atividades familiares. Para as crianças,
a familiaridade e segurança também pode passar pela utilização de elementos de conforto, como a chupeta
ou um boneco especial.

23
A segurança nos espaços de creche envolve também dimensões mais práticas4, como a necessidade de
garantir que os móveis e outros objetos estão bem seguros, uma vez que no início da aquisição da marcha
é muito comum que as crianças se apoiem naquilo que as rodeia para se levantarem e deslocarem. Ainda é
necessário salvaguardar que os materiais que as crianças manipulam não oferecem quaisquer perigos
significativos.

Por último, o conhecimento dos espaços é também um fator que oferece segurança às crianças. Neste
sentido, é importante referir que a reorganização dos contextos deve ser devidamente planeada,
procurando-se perceber o que é pertinente mudar e o que é necessário manter. O/a educador/a deve
compreender que a mudança dos espaços pode causar sensações de desconforto e insegurança nas
crianças, podendo demorar algum tempo até que elas se habituem ao novo espaço. Tanto quanto possível,
as crianças devem ser envolvidas nos processos de mudança, seja através da identificação dos seus
interesses, no diálogo acerca das mudanças e na própria mudança de objetos de uns locais para outros.

Desafios e estímulos para o desenvolvimento

Os interesses e as necessidades das crianças são muito díspares. Por isso, neste documento assume-se a
impossibilidade de se fazer uma descrição exaustiva das inúmeras possibilidades de organização do espaço,
optando-se antes por identificar algumas ideias centrais, que vão ao encontro de interesses e necessidades
das crianças.
Numa etapa da vida em que o mundo é compreendido através dos sentidos e das ações com as quais o
sujeito contacta, importa garantir que as crianças têm oportunidade para interagir com estímulos variados e
versáteis. Objetos que possuem diferentes texturas, cores, sons, formas e tamanhos devem estar acessíveis
às crianças para que estas os possam manipular, explorar, transportar, agitar, etc. Se pensarmos na
diversidade de formas que objetos simples, como uma bola (grande, pequena, de plástico, de ténis, de
futebol, de esponja, etc.) ou uma caixa (grande, pequena, retangular, cilíndrica, triangular, de cartão, de
plástico, etc.) podem assumir, torna-se fácil perceber que essa variedade suscitará curiosidade e incitará a
criança a experimentar diferentes sensações e possibilidades de ação. Na mesma linha de pensamento,
objetos que não têm um fim único, podendo servir diferentes objetivos de brincadeira, estimulam a
imaginação e o pensamento divergente. É ainda de realçar a importância de se fornecerem materiais
naturais (ex. conchas grandes, rolhas, nozes) que suscitem o interesse da criança pela sua proximidade com
a Natureza, desde muito cedo. O toque, o cheiro, o tamanho e a massa dos materiais naturais dificilmente

4
Para mais informações ver normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento da creche: Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto.
Sobre segurança dos brinquedos pode consultar a página:
http://www1.ipq.pt/PT/AssuntosEuropeus/MarcacaoCE/ListaDasDirectivas/Pages/Por%20Diretiva/Seguranca_brinquedos.aspx

24
podem ser reproduzidos em brinquedos comprados. Além disso, a curiosidade suscitada pelos materiais
naturais conduz à colocação de questões e realização de experiências/explorações que potenciam um
contacto precoce com fenómenos de ciência (biologia, física, geologia, etc.), que posteriormente serão
aprofundados noutras etapas do desenvolvimento.

Com crianças que já são capazes de se sentar, a disponibilização de materiais pode ser feita com recurso a
cestos contendo objetos diversos da vida diária (ex. colheres de diferentes tamanhos, chaves, recipientes
diversos, fruta). A disponibilização de uma diversidade de estímulos fará com que a criança explore
livremente, utilizando todo o corpo (ex. as mãos, os pés, a boca) para experienciar a massa, o tamanho, a
textura, a forma e o som dos objetos que vai tirando do cesto. Neste processo, o bebé começa também a
cultivar a sua capacidade de escolha e de concentração, uma vez que escolhe um objeto entre um conjunto
de opções disponíveis e se concentra em perceber todos os seus pormenores.

Quando as crianças começam a andar é crucial garantir que estas têm espaço para se deslocar, sem que
existam demasiados obstáculos no caminho. À medida que a marcha vai estando cada vez mais consolidada,
torna-se pertinente fornecer mais desafios que exijam outro tipo de destreza motora como saltar, subir,
descer, rastejar, chutar, atirar, entre outros.

Os espaços de esconderijo, referidos anteriormente no ponto relacionado com a segurança e familiaridade,


são também importantes estímulos de aprendizagem que importa fornecer. Através destes, a criança vai
desenvolvendo as suas noções de corpo e de espaço. Isto é, quando uma criança tenta entrar em sítios de
tamanhos diferentes, vai progressivamente percebendo, através de experiências de aprendizagem
consecutivas, qual o tamanho e forma do seu corpo e de que forma é que o contexto reage à sua ação.

Ainda, no planeamento dos espaços, é fundamental considerar áreas que promovam a socialização e o
desenvolvimento da linguagem. Espaços com livros, lápis grossos, canetas, papel, imagens, fantoches,
bonecos e outros objetos que possibilitem o faz-de-conta, estimulam a aprendizagem de conceitos e a
interação com os outros. Tanto quanto possível, é importante que nos espaços de faz-de-conta (ex.
casinha, hospital, loja, oficina, etc.), onde habitualmente várias crianças se juntam, se forneçam objetos da
vida real, que sejam familiares e facilmente identificáveis pelas crianças (ex. acessórios ou disfarces
característicos).

As tecnologias de informação e comunicação e demais media, nomeadamente televisão e rádio, fazem parte
da cultura da sociedade, configurando-se como dimensões sobre as quais as crianças aprendem ou com as
quais aprendem. No trabalho educativo com as crianças o potencial educativo das tecnologias não deve ser
ignorado, ainda que seja necessário adotar uma atitude de parcimónia e de reflexão sobre a sua

25
intencionalidade pedagógica, evitando-se períodos de utilização prolongada e sem o acompanhamento dos
adultos.

Por último, a organização e manutenção dos espaços envolve a reflexão em relação à quantidade de
estímulos que são apresentados às crianças. O excesso de estímulos poderá criar “ruído” ambiental, ao
ponto de dificultar que a criança explore e se concentre naquilo que a cativa. Ainda, observar e perceber o
interesse dos materiais para as crianças é fundamental, podendo vir a ser necessário retirar materiais e/ou
introduzir outros, no sentido de manter ou suscitar o seu interesse e implicação.

Conforto dos adultos e autonomia das crianças

Na interação do adulto com a criança, aquilo que é transmitido vai muito além do que é dito ou feito. Os
comportamentos, discursos e olhares transportam uma bagagem emocional que a criança aprende
rapidamente a captar. Desta forma, se o/a educador/a está cansado, stressado, triste ou zangado, é natural
que esses sentimentos afetem a sua forma de estar com o grupo. Assim, torna-se relevante atender, não só
ao conforto da criança no seu dia a dia na creche, mas também ao conforto dos adultos que cuidam dela.
Os comportamentos rotineiros de pegar ao colo, estar agachado no chão, sentar em cadeiras de criança,
transportar materiais (ex. catres, triciclos), entre outros, trazem um maior desgaste ao adulto e prejudicam
a sua saúde.
Neste sentido, o planeamento dos espaços deve considerar a inclusão de materiais que facilitem as tarefas
do adulto. Cadeiras, sofás e mesas de tamanho apropriado, móveis com rodas e carrinhos de transporte de
materiais, são alguns elementos básicos, que podem diminuir o esforço e agilizar as tarefas.

Por sua vez, a progressiva promoção da autonomia das crianças revela-se como uma abordagem pertinente,
que beneficia ambas as partes. Para a criança, o confronto com experiências que lhe permitem adquirir
competências importantes para o seu desenvolvimento possibilita o alargamento do seu campo de ação. Ao
sentir que o adulto confia nela e a considera capaz para executar determinadas tarefas, a autoestima da
criança fortalece-se e esta ganha confiança para novas explorações e aprendizagens. Permitir que a criança
lave as mãos sozinha, sem que o adulto tenha de estar debruçado sobre a torneira, colocar uma escada,
junto da zona de muda de fraldas, pela qual as crianças podem subir sem que o adulto tenha de lhes pegar,
colocar um sofá ou uma cadeira de tamanho normal na sala, onde o adulto possa contar uma história ou
sossegar uma criança de forma confortável, são sugestões que podem melhorar a qualidade da oferta
educativa em creche.
Ainda, para que adultos e crianças possam usufruir dos espaços da melhor forma possível, importa montar
um bom esquema de organização dos materiais que, por um lado, permita que as crianças acedam
facilmente aos objetos e consigam ver o que está à sua disposição e, por outro lado, facilite a arrumação ao

26
longo do dia. Contudo, importa realçar que um bom sistema de organização de materiais não impede que
estes “viajem” para diferentes pontos da sala, pois o transporte/deslocação dos objetos é um interesse
muito comum nas crianças em idade de creche.

Identidade e autoestima positiva

O modo como os espaços estão organizados revela a forma como os/as educadores/as respeitam e
valorizam a identidade de cada criança e família. Assim, é crucial refletir em relação ao modo como o
nome, a imagem e a cultura de cada uma é trabalhada e exposta.
Na sala de atividades será interessante colocar espelhos de diferentes tamanhos, onde a criança possa ver o
seu corpo e expressões refletidas, ganhando progressivamente uma noção mais pormenorizada do seu
corpo. As vivências de cada criança, registadas através de desenhos, fotografias, etc., podem ser afixadas nas
paredes da sala e corredores, ao nível do olhar da criança, permitindo dar visibilidade às suas experiências.
Esta abordagem facilita a comunicação com os pais, partilhando-se aquilo que vai acontecendo. Na decisão
em relação ao que afixar, é importante que exista uma preocupação em relação à forma e conteúdo dos
materiais. Os espaços devem transmitir uma sensação de harmonia, apresentando um equilíbrio entre
aquilo que são as experiências e os interesses das crianças e a visão estética do adulto em relação aos
espaços. Neste sentido, é importante observar e conversar com as crianças, procurando-se perceber o que
é que é mais relevante para elas e o que é que gostariam de ver exposto.
Na interação com as crianças, importa que elas sintam que têm espaço para expressar a sua personalidade
e interesses, sem que sejam repreendidas ou julgadas pelos seus comportamentos. Num contexto de
diversidade cultural, será importante dar espaço para que as diferentes heranças culturais sejam partilhadas
e admiradas. Ouvir música ou disponibilizar roupas ou objetos relacionados com as culturas de origem das
crianças são possíveis iniciativas que enriquecem o ambiente em creche.

b. Espaço Exterior

O espaço exterior oferece diversas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. Ao ar livre, em


contacto com a natureza, as crianças têm a possibilidade de vivenciar um conjunto de experiências
dificilmente reproduzíveis nos espaços interiores, que se revelam importantes para um crescimento
harmonioso e equilibrado. A possibilidade de respirar ar fresco e de brincar sob a luz solar são vantagens
do exterior que trazem verdadeiros benefícios para a saúde infantil. A luz solar facilita a produção de
vitamina D, importante para o desenvolvimento de ossos ricos em cálcio e fósforo e para a prevenção de
várias doenças. O ar constantemente renovado promove a capacidade de atenção, evita a propagação de
vírus, que se reproduzem em espaços fechados, e suscita bem-estar.

27
Nos espaços exteriores, as crianças experienciam uma sensação de liberdade e de autodeterminação muito
importantes para o desenvolvimento de uma identidade positiva. Nas suas atividades, mobilizam todo o
corpo na exploração do meio, dos objetos e das suas próprias competências, efetuando aprendizagens
sólidas, baseadas na experiência pessoal. Fora dos espaços interiores controlados, surgem também novos
desafios e riscos, a partir dos quais a criança pode treinar competências e aprender com os erros.

Para que os espaços exteriores cumpram todas suas potencialidades, é necessário atender ao seguinte:

· O planeamento dos espaços exteriores deve ser feito com o mesmo rigor e dedicação aplicados aos
espaços interiores;
· Os adultos que acompanham as crianças devem valorizar e reconhecer as potencialidades pedagógicas
destes espaços, acompanhando as crianças nas suas descobertas;
· Os espaços exteriores não devem estar organizados do mesmo modo que a sala de atividades,
interessando que se desenvolvam brincadeiras diferentes. No entanto, é importante garantir que os dois
espaços são entendidos como um contínuo, permitindo-se, por exemplo, que alguns objetos circulem nos
dois espaços e que descobertas feitas no exterior possam ser exploradas dentro da sala;
· As crianças devem usufruir do exterior, todos os dias, mais que uma vez ao dia, sempre que possível. A
preocupação dos adultos em manter bebés e crianças pequenas em espaços controlados, seguros e
confortáveis não é incompatível com o usufruto de espaços naturais.

Nesta linha de pensamento, apresentam-se, de seguida, ideias nucleares relacionadas com a criação de
espaços exteriores interessantes para a creche. As ideias apresentadas são apenas sugestões de intervenção
nos espaços exteriores. Considera-se que grande parte dessa tarefa fica à responsabilidade do adulto que
acompanha a criança e deteta o que pode ser necessário introduzir para responder aos seus interesses.

Vivências sensoriais

Os espaços exteriores podem ser vistos como contextos ricos em oportunidades sensoriais, fornecendo
diferentes cheiros, texturas, sons, temperaturas, paisagens, etc. Com o acompanhamento de um adulto
responsivo, a possibilidade de sentir o vento a bater na cara e de ouvir as folhas das árvores a mexer, de
ver os pássaros a voar ou as pessoas que passam na rua, são excelentes momentos de aprendizagem para o
bebé, através dos quais amplifica as interações com o mundo que o rodeia.

SUGESTÕES
Para um bebé que ainda não se consegue sentar poderá ser interessante deitá-lo sobre a relva,
com ou sem manta, e ir alterando a sua posição, para que possa adquirir diferentes perspetivas

28
em relação ao que o rodeia. Bebés de poucos meses, a partir dos seus próprios carrinhos ou de
uma rede, podem contemplar aquilo que os envolve.

Movimento

Ao ar livre, bebés e crianças são estimulados para a ação e para o movimento, aliciados pelas caraterísticas
amplas e dinâmicas dos espaços exteriores.

O movimento contribui para o desenvolvimento de esquemas mentais complexos. As áreas cerebrais


envolvidas na ação motora são as mesmas que se ativam na imaginação, na planificação ou antecipação dessa
ação.

Os múltiplos pormenores que rodeiam um bebé deitado na relva levam-no a esticar os seus músculos para
tentar chegar mais além e, assim, evoluir para novas formas de deslocação. Crianças que começam a
gatinhar ou a caminhar beneficiam da exploração de diferentes pavimentos, com inclinações e
características distintas (ex. piso de relva, empedrado, areia), através das quais podem adquirir diferentes
informações (ex. qual o piso mais difícil/fácil para manter o equilíbrio? Qual a sensação da relva e da areia
nos pés/mãos?) e melhorar as suas estratégias de movimentação.

Tal como já foi referido, as crianças que começam a andar necessitam de espaço e tempo para conseguirem
dominar verdadeiramente esta capacidade. Neste processo todo o corpo é mobilizado, adquirindo-se
progressivamente uma maior capacidade de coordenação e equilíbrio. À medida que a marcha vai ficando
consolidada, o fascínio da criança pelo movimento passa também a envolver a deslocação de objetos,
importando, por isso, fornecer materiais que permitam ações como empurrar, puxar, atirar, levantar,
encher, esvaziar, entre outras. Estes comportamentos são repetidos muitas vezes pelas crianças, que
beneficiam da repetição para compreender cada vez melhor as propriedades dos objetos e do meio
envolvente.

Com a evolução da capacidade de deslocação, outros movimentos como saltar, correr, trepar, deslizar,
baloiçar, começam também a ser procurados pelas crianças. Assim, há que fornecer estruturas que
permitam responder a estas necessidades, como baloiços, escorregas, estruturas de trepar, túneis,
percursos de obstáculos e equilíbrio, entre outras. Para criar este tipo de estímulos nos espaços, nem
sempre é necessário recorrer a estruturas muito dispendiosas. O aproveitamento das características físicas
do terreno (ex. inclinações) e a utilização de objetos como pneus e cordas poderá ser uma forma de suprir
algumas destas necessidades. Nestas atividades, a presença de risco é inevitável; no entanto, é necessário
considerar que estas são experiências importantes para o desenvolvimento da criança, pois permitem

29
treinar capacidades básicas para a superação de desafios futuros (ex. análise das capacidades individuais e
das características dos contextos, gestão do medo, confiança, persistência). Importa que o adulto dê espaço
à criança para experimentar e errar, sem nunca a colocar em situações de perigo.

As possibilidades de ação no espaço exterior não estão isentas de riscos. É impossível eliminar totalmente a
possibilidade de que ocorra algum acidente, ainda que ligeiro (ex. esfolar o joelho). No entanto, o confronto
com desafios é extremamente importante para o desenvolvimento, justificando-se assim a promoção de
situações de brincar arriscado. Estas experiências permitem treinar competências relacionadas com a análise
das capacidades individuais e das características dos contextos (“Será que eu sou capaz de fazer isto? Será
que este muro é demasiado alto para eu saltar?) e promovem a confiança, a persistência e a autoestima da
criança (“Não tenho a certeza se consigo trepar até aquele ponto. Se cair, vou aleijar-me. Talvez seja boa
ideia tentar outra forma de subir”; “Consegui, fui capaz!”).

Nas atividades de brincar arriscado, o acompanhamento do adulto é importante; contudo, este deve dar
espaço à criança para que seja ela a tomar decisões, experimentando situações novas e aprendendo com os
erros.

Descoberta do mundo natural

Nos espaços exteriores, o contacto com água, solo, paus, rochas, folhas, entre outros, é facilitado,
permitindo a sua utilização variadas experiências e aprendizagens. Por exemplo, através das brincadeiras
com água e solo, a criança vai percebendo que a combinação destes dois elementos dá origem à lama, uma
substância mais espessa e fácil de moldar. Ao tentar escavar diferentes tipos de solo, mais ou menos duros,
também se torna possível treinar a força que é necessário empregar, bem como a coordenação e equilíbrio
do corpo. Ao encher e esvaziar baldes de areia, deitando abaixo, posteriormente, os montes que se
formam ao virar o balde, as crianças aprofundam noções de causa-efeito, cheio-vazio e treinam a
motricidade fina.

Também será interessante fornecer materiais naturais como rochas, conchas e paus, que utilizados com a
devida supervisão dos adultos não trazem perigos relevantes e enriquecem as brincadeiras. Com efeito,
este tipo de materiais alarga o conhecimento do mundo, responde ao ímpeto exploratório da criança e
suscita a sua curiosidade.

A exploração do som conjugado com o movimento, por exemplo, pode ser uma atividade cativante, que
será facilitada se vivida no exterior, uma vez que o barulho produzido não se torna tão perturbador como
no interior de uma sala. O chocalhar das rochas dentro de uma garrafa, o som de dois paus a bater um no

30
outro ou o som e vibração de um pau a bater numa panela, são ações que podem ser repetidas várias vezes
pelas crianças e que progressivamente se vão complexificando (ex. introdução de ritmos).

Por volta dos 2 – 3 anos, a possibilidade de brincar com materiais de diferentes tipos, formas, texturas e
tamanhos conduz à realização de categorizações, importantes para a compreensão e atribuição de sentido
ao mundo.

A categorização dos materiais pode ser feita em função de diferentes critérios, permitindo que a criança vá
interiorizando as diferentes relações que existem entre os objetos (ex. cor, tamanho, forma, massa).

Na descoberta do mundo natural, surge também um crescente interesse por animais e plantas. Com o
desenvolvimento da linguagem, é cada vez mais cativante conhecer os diferentes seres vivos que habitam
nos espaços, perceber como sobrevivem, o que fazem, etc. Este tipo de exploração é praticamente
inesgotável, uma vez que o espaço está em permanente alteração, apresentando diferentes estímulos após
um dia de chuva, sol ou neve. Com efeito, os próprios fenómenos atmosféricos podem deslumbrar as
crianças e dar azo a uma variedade de questões. Desde que devidamente agasalhadas e equipadas (ex.
impermeáveis, galochas), pode ser divertido e muito enriquecedor, brincar no exterior, num dia de chuva.
Observam-se e exploram-se as poças de água, conhece-se a sensação dos pingos de chuva no rosto,
admira-se a transformação do solo e das plantas, etc.

Chapinhar nas poças é uma atividade muito divertida, que mobiliza todo o corpo e transmite uma sensação
de bem-estar e liberdade.

SUGESTÕES
Fornecer imagens de animais possíveis de encontrar no espaço exterior poderá ser uma forma de
promover a curiosidade das crianças e de permitir que sejam elas próprias a identificar aquilo que
encontram. As descobertas que são feitas nos espaços exteriores podem também ser exploradas
no interior da sala, criando-se assim uma articulação entre os dois espaços.

Criatividade e socialização

Com o progressivo desenvolvimento da linguagem, o espaço exterior passa a ser, cada vez mais, um
contexto para interagir com os outros e desenvolver iniciativas em conjunto. A imprevisibilidade e os

31
obstáculos naturais do exterior apelam à cooperação e ao diálogo entre pares, começando-se a partilhar
brincadeiras e interesses e a desenvolver comportamentos de empatia e respeito pelo outro.

A crescente vontade de socialização e autonomização da criança espelha-se também no seu desejo de


participar nas atividades da vida quotidiana, como regar as plantas, dar de comer aos animais, apanhar
flores, varrer as folhas, etc. Neste sentido, poderá ser pertinente envolver as crianças na manutenção dos
espaços exteriores, permitindo que lavem os vidros, varram o chão, plantem flores, entre outras atividades.

Apesar do crescente interesse em se relacionar com os outros, continuam a ser necessários locais onde as
crianças possam encontrar tranquilidade, segurança e conforto. Apesar de poderem afastar-se do adulto,
durante as suas explorações, importa que saibam que podem recorrer ao adulto, sempre que for
necessário. Assim, é importante que os espaços exteriores possuam também zonas mais calmas e
reservadas, onde as crianças possam obter a segurança e privacidade que necessitam (ex. zonas de abrigo).

A existência de esconderijos assume-se como um espaço privilegiado de socialização entre pares e de


experiências de autonomia, pela aparente ausência de supervisão do adulto.

SUGESTÕES
Os esconderijos podem ser construídos de formas muito simples, utilizando-se, por exemplo,
caixotes e panos grandes. Nestes espaços surge, muitas vezes, um brincar imaginativo, que vai
sendo cada vez mais complexo, em função da idade da criança.

O exterior permite ainda diferentes formas de expressão da criatividade e imaginação. Atividades como
pintar no chão/parede com giz ou água possibilitam movimentos com características distintas daquelas que
são mobilizadas quando se desenha numa folha de papel. Por sua vez, os vários materiais naturais que estão
à disposição da criança permitem representar ideias de uma forma tridimensional, promovendo-se a
capacidade de representação e imaginação. Além disso, a possível desordem causada por atividades
artísticas mais elaboradas, como desenhar com tintas em papel de cenário ou moldar barro, pode ser
minimizada se decorrer no exterior, pois não existem tantos constrangimentos de espaço, nem são
necessárias tantas precauções para evitar que outros materiais fiquem sujos ou estragados.

Recursos da comunidade

Aceitando-se a possibilidade de que nem sempre os espaços exteriores ligados às creches ou locais
normalmente frequentados pelas crianças possuem estímulos e oportunidades de desenvolvimento ricas,
torna-se necessário enfatizar a importância de se utilizarem os recursos da comunidade envolvente (cf.

32
capítulo 4. Trabalho colaborativo e parcerias). Com um reduzido número de crianças por adulto, poderá
ser interessante passear pelo bairro, interagindo com os comerciantes locais ou usufruir dos parques
públicos mais próximos. Estas iniciativas permitem alargar os horizontes da criança, facilitando o
estabelecimento de vínculos com pessoas e locais da comunidade.

Sugestão de reflexão

Como caracterizo as instalações da creche onde trabalho? Que áreas, materiais e equipamentos? Qual o seu
estado de conservação? Que adequação? Que potencialidades? Como são utilizados?

7. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO

Sugestão de reflexão

O que é para mim avaliar na creche? Para que serve?

a. Finalidades da avaliação

A avaliação em contexto de educação de infância é mais do que recolher informações sobre a


aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. Quando é baseada na observação cuidadosa, permite
descobrir o que as crianças compreendem, o que pensam, o que são capazes de fazer e quais as suas
disposições e interesses. Esta informação possibilita que o/a educador/a reforce positivamente e valorize os
progressos da criança, ofereça experiências desafiadoras e agradáveis, documente e planeie os próximos
passos na promoção da aprendizagem. A observação, enquanto processo principal de recolha de
informação, constitui a base do planeamento e da avaliação, servindo de suporte à intencionalidade do
processo educativo.
As observações contínuas permitem avaliar e tomar decisões sobre a melhor forma de responder às
necessidades das crianças, com base nos seus progressos e nos objetivos do currículo. A avaliação será
autêntica e genuína se ocorrer no ambiente natural da criança, se for conduzida por adultos significativos
para ela e se contar com a colaboração da família (na recolha de informação, na reflexão e no
planeamento).

33
A avaliação para a aprendizagem

Ainda que avaliar envolva recolher informação sobre as aprendizagens realizadas pelas crianças, o processo
de avaliação não se resume a isso, uma vez que avaliar a aprendizagem é diferente de avaliar para a
aprendizagem. A avaliação deve direcionar-se para a promoção da aprendizagem e não para classificação ou
comparação entre crianças. Neste sentido, deve colocar-se a ênfase na comparação da criança consigo
mesma, ao longo do tempo, analisando as suas conquistas e evoluções. Este processo pode assumir
diferentes formas e duração variável mas envolve, habitualmente, quatro ações: a recolha de informação
(sendo a observação/escuta ativa o método privilegiado), a documentação e o registo, a reflexão e a
utilização ou ação. Neste sentido, a avaliação é encarada como um elemento indissociável do processo
educativo, que possibilita a definição de critérios para o planeamento de atividades e a criação de situações
que propiciem a aprendizagem das crianças e o seu desenvolvimento em todas as áreas.

Em síntese, podemos encarar a avaliação como um processo cíclico de observação/recolha, registo,


reflexão, planeamento e utilização de informação para compreender as crianças enquanto aprendizes, de
forma a apoiar e promover as suas aprendizagens.

A avaliação para a melhoria das práticas

A avaliação contribui para a adequação das práticas, para a reflexão sobre os efeitos da ação educativa, para
o envolvimento da criança num processo de análise e construção conjunta e para o conhecimento da
criança e do seu contexto, numa perspetiva holística. Este processo contínuo de observação, reflexão e
registo ajuda o/a educador/a a tomar decisões mais fundamentadas e a estreitar relações com as crianças e
famílias.

A prática diária é fundamental para que os/as educadores/as se tornem progressivamente mais hábeis e
mais confiantes na sua capacidade de observar e registar o desenvolvimento e as aprendizagens de bebés e

34
crianças. No contexto da avaliação, o trabalho em equipa (entre educadores/as, com outros técnicos e com
os ajudantes de ação educativa), alicerçado na partilha e na discussão, também com pais, constitui uma
importante fonte de aperfeiçoamento e de desenvolvimento profissional.

Avaliar para a melhoria das práticas pedagógicas implica recolher informação sobre os níveis de bem-estar e
implicação/envolvimento da/s criança/s5, compreender o que pode estar ou não a afetar o seu bem-estar e
implicação, e utilizar essa informação para melhor apoiar e amplificar as suas experiências de aprendizagem
e de desenvolvimento6.

Níveis elevados de bem-estar e implicação/envolvimento das crianças nas


atividades e rotinas são o melhor indicador da qualidade da oferta educativa.

Para que todo o processo seja bem-sucedido, é fundamental que os profissionais mobilizem competências
de reflexão, autoavaliação, diálogo e escuta, e que tenham um conhecimento sólido sobre as aprendizagens
e o processo de desenvolvimento na infância. É essencial que a avaliação se torne uma componente
principal da sua prática profissional, promovendo os processos reflexivos, valorizando as competências de
observação e análise das práticas, bem como dos seus resultados, e construindo a base de um processo
permanente de inovação e melhoria da qualidade.

No campo da educação de infância têm sido salientadas três dimensões ou categorias do comportamento
do/a educador/a que refletem as características pessoais facilitadoras do desenvolvimento e da
aprendizagem da criança – estimulação, sensibilidade e autonomia. Estas três dimensões são explicitadas no
quadro seguinte.

5
O bem-estar emocional caracteriza-se pela presença de sinais que evidenciam que as crianças se sentem à vontade, agem com alegria e
espontaneidade, mostram vitalidade e autoconfiança. O envolvimento/implicação caracteriza-se pela motivação, concentração, persistência,
interesse, entusiasmo, energia, descoberta, ímpeto exploratório, refletindo a qualidade do contexto ao nível da oferta de boas condições de
aprendizagem e desenvolvimento (cf. capítulo 1, parte II “Dimensões de qualidade do ambiente educativo”).
6
Este documento assume uma perspetiva experiencial sobre a avaliação, atenta aos processos vividos ou experienciados pelas crianças e
valorizando a articulação entre diferentes profissionais/estratégias/perspetivas ou dimensões de análise.

35
Estilo do/a Educador/a

A dimensão Estimulação engloba as categorias do comportamento do/a educador/a que se focalizam na


introdução, apresentação ou oferta de uma atividade às crianças; dar informação; intervir numa atividade
para estimular a ação das crianças, o seu pensamento ou comunicação. Neste campo, há que perceber o
quão interessantes ou apropriadas são as atividades oferecidas, do ponto de vista desenvolvimental ou
cultural; importa perceber se as propostas de atividades são “abertas”, integrando e alargando os
interesses e capacidades das crianças, estimulando-as a usar todos os seus sentidos e conhecimentos; se se
valoriza e se investe devidamente na criação de oportunidades para a criança brincar.

A dimensão Sensibilidade refere-se aos comportamentos do/a educador/a que demonstram


reconhecimento e respeito pelos sentimentos e bem-estar emocional da criança. Assim, esta dimensão
engloba respostas empáticas em relação às necessidades de afeto da criança, oferecendo calor, carinho e
contacto físico ou ocular positivos; ou atitudes que transparecem o reconhecimento da sua necessidade
de atenção, através de comportamentos de escuta, respeito e valorização; ou ainda, comportamentos de
encorajamento, elogio e apoio em resposta à necessidade de valorização e segurança da criança. De
realçar ainda que o sentido de segurança da criança é fortalecido na interação com um adulto assertivo e
autêntico, que confere limites razoáveis e adequados ao seu desenvolvimento.

A dimensão Autonomia engloba as ações do adulto que proporcionam à criança diversas oportunidades de
experimentação, liberdade para escolher e determinar a direção da atividade que pretende realizar,
facilitando a sua auto-organização, “agência”, sentido de competência e de responsabilidade; engloba
comportamentos que demonstram respeito pelo trabalho e ideias da criança e as avaliações que faz da sua
atividade; engloba oportunidades para a criança participar no estabelecimento e manutenção das regras,
resolver problemas e conflitos.

Observando o seu próprio estilo de intervenção, o/a educador/a pode refletir sobre a forma como
manifesta a sua sensibilidade em relação à experiência das crianças; sobre o seu papel na estimulação e na
promoção da autonomia das crianças.

Sugestão de reflexão

Procure recolher intervenções onde a criança tenha sido (ou não) estimulada e/ou compreendida e/ou onde
a sua autonomia tenha sido promovida. Qual o efeito no bem-estar ou implicação da criança? Como é que
isso afetou a relação criança-educador/a?

36
b. As diferentes dimensões da avaliação

Em termos de avaliação da qualidade, podemos identificar três tipos de variáveis: as de contexto (ligadas
ao material, às atividades, às interações, ao clima relacional, à organização, ao espaço para autonomia, etc.),
as de resultado (objetivos e finalidades educativas) e as de processo (implicação e bem-estar
experienciados pelas crianças). Todas estas dimensões ou variáveis são importantes para compreender um
contexto de educação de infância e nenhuma deve ser desvalorizada. Avaliar apenas as capacidades atuais
ou nível de desenvolvimento da criança fornece poucos elementos que permitam planear o ambiente
educativo. É fundamental que o/a educador/a abrace uma perspetiva mais ampla e multidimensional nas suas
avaliações.

A avaliação deve ser conduzida por profissionais próximos da criança, que a conhecem e compreendem as
suas mensagens, fazendo parte das interações e rotinas diárias, em colaboração com as famílias. A avaliação
deve basear-se em situações “autênticas”, em que as crianças estão envolvidas em atividades diárias,
significativas e relevantes, podendo ocorrer nos momentos de cuidado, nas entradas ou saídas, durante os
momentos de higiene ou quando a criança se envolve espontaneamente no jogo, na exploração e na
interação. Devem avaliar-se disposições como a curiosidade, a concentração ou a perseverança,
capacidades como o andar ou o desenhar, atitudes e valores como o respeito por si e pelos outros,
conhecimentos como o significado das palavras ou a classificação de objetos, sentimentos como a tristeza
ou a alegria.

SITUAÇÃO 5
O Pedro, de 18 meses, segura um copo vazio junto a um pequeno curso de água que corre de uma mangueira.
A mangueira está sobre um caminho de rochas, por entre as quais crescem pequenas plantas. O Pedro deita a
água que colocou no copo sobre as rochas e observa enquanto esta desaparece no meio das plantas. O seu
olhar dirige-se para um fio de água que corre numa zona inclinada e escurece o solo seco. Baixa-se para tocar o
solo molhado. Enche o copo novamente. Desta vez, despeja a água sobre o solo, vendo-a a ser absorvida. Enche
de novo o copo e deita a água sobre o solo. Repete três vezes. Cada vez que a água forma uma pequena poça
sobre o solo ele exclama, animado, “oh!”, mas volta a ficar sério quando vê que a água se infiltra no solo.

Atendendo a aspetos do contexto, ao vivido ou experiência interna da criança e a finalidades


educativas, que reflexão lhe suscita esta situação?

c. Observação e Registo

A observação é a estratégia mais importante na avaliação com crianças pequenas, embora se possa recorrer
também a outras, especialmente com as crianças mais velhas, como o diálogo e a análise de produtos
(desenhos, esculturas, projetos…). Existe, neste campo, um conflito permanente entre a utilização de

37
instrumentos que parecem mais fáceis e consomem menos tempo, como checklists, e a utilização de outras
ferramentas, de caráter mais descritivo e narrativo, como os portfólios, que exigem mais tempo. Estas
ferramentas possuem propósitos distintos e não se substituem umas às outras: algumas checklists podem
permitir a obtenção de dados quantificados e concluir sobre a frequência da ocorrência de determinada
situação, mas não se direcionam nem para a determinação das causas e reflexão profunda sobre um
momento ou situação, nem para a comunicação com a família. Neste sentido, podem apoiar a prática do/a
educador/a no contexto de uma avaliação que recorra a diferentes fontes de informação com o objetivo de
construir um conhecimento sólido e fundamentado sobre cada criança, sobre o grupo e sobre o contexto.

Muitas observações não são planeadas e ocorrem espontaneamente durante o dia, oferecendo informações
valiosas que podem ser complementadas com observações planeadas, que dão mais detalhes sobre a forma
como as crianças estão a aprender.

É importante que as observações mais significativas sejam registadas, uma vez que as recordações
facilmente se tornam confusas e podem ser alteradas pelas atitudes e crenças do observador. No entanto,
registar tudo o que se vê e ouve não é possível nem necessário. Neste sentido, o/a educador/a deve decidir
o que é mais relevante para construir um retrato significativo das aprendizagens de cada criança.

Um dos desafios que se colocam ao/à educador/a é ser capaz de observar e registar enquanto interage com
as crianças. Aprender a ultrapassar este desafio exige tempo, treino e colaboração. Porque as crianças não
demonstram as suas capacidades “a pedido”, o adulto tem de estar sempre preparado para realizar e
registar uma observação.

SUGESTÕES
Para facilitar a observação, coloque pequenos blocos de folhas (ou outro qualquer suporte para escrever,
desde que seja prático) espalhados em locais estratégicos no espaço interior e exterior. Isto permite que
tome notas, sempre que tiver alguns minutos disponíveis. Apesar deste comportamento do adulto poder
parecer estranho de início, as crianças vão-se habituando ao facto de os adultos tirarem notas e isso
acaba por incorporar-se na rotina diária. Pode, também, organizar-se com os seus colegas de equipa, de
forma que alguns intervenham mais enquanto outros se dedicam mais à observação e registo.

38
O registo/documentação pode incluir notas escritas, histórias, fotografias, vídeos que exemplifiquem o que
a criança faz e diz7. Os adultos e as crianças utilizam estas evidências para valorizar o progresso e para
planear os próximos passos na aprendizagem. A observação regular fundamenta a escolha de experiências
adequadas a cada criança e ao grupo. A documentação também permite que o/a educador/a e a criança
partilhem informações com a família e vice-versa.

d. Reflexão e Planeamento

Pensar no que fazer, como fazê-lo e porquê, e depois avaliar até que ponto os resultados obtidos se
aproximam dos objetivos predefinidos, faz parte do trabalho de qualquer profissional. O/a educador/a
reflexivo utiliza a informação sobre a aprendizagem e desenvolvimento da criança para pensar sobre a sua
própria prática e ponderar como melhorá-la, num processo de autoavaliação permanente. Isto pode ser
feito em conjunto entre colegas de trabalho, com resultados positivos para todas as partes. Esta reflexão
resulta em mudanças na forma como o adulto interage com as crianças e famílias, na organização da sala, na
mudança de rotinas, na planificação de atividades específicas e na disponibilização de outros objetos ou
materiais.

Uma articulação lógica entre o planeamento contínuo, a observação, a identificação de necessidades,


interesses e capacidades, e a disponibilização de recursos, permite ao/à educador/a uma integração e
utilização mais eficiente da informação proveniente de diferentes fontes.

SITUAÇÃO 5 (continuação)
Ana, a educadora responsável pelo Pedro, observou e registou o seu interesse na absorção da água pelo solo
(permeabilidade). Na semana seguinte, decide disponibilizar, no tempo passado no exterior, metades de
garrafões de água com diferentes conteúdos: água, areia, argila, rochas, etc. Ao lado, coloca um regador com
água e questiona o Pedro sobre o que acontecerá se colocar a água nos diferentes recipientes. O Pedro aceita o
desafio e inicia uma exploração das propriedades dos diferentes materiais, não só colocando a água mas
experimentando as texturas com as mãos e misturando-os entre si. A educadora observa, a alguma distância, e
vai fazendo alguns comentários para estimular as suas descobertas (ex. “Já viste que a água foge tão depressa
por entre as rochas e mais devagarinho por entre os grãos de areia?”)

Como analisa o grau de estimulação evidenciado por esta educadora?

7
O registo/documentação via fotografia ou vídeo requer preocupações éticas, sendo importante assegurar, por exemplo, a obtenção de
consentimento informado dos pais e, quando possível, das próprias crianças.

39
e. Avaliação do contexto

Alguns dos aspetos que influenciam o bem-estar emocional das crianças, a sua implicação e consecução das
finalidades educativas são a oferta educativa, o clima relacional, o espaço para a iniciativa/autonomia, a
organização e o estilo dos adultos.

Infraestruturas, organização do espaço e materiais em função dos interesses e


Oferta
necessidades das crianças, atividades em oferta…

Clima relacional Ambiente seguro e confortável, potenciador de interações positivas entre todos…

Espaço para a Possibilidade de as crianças escolherem as atividades que querem desenvolver e sua
iniciativa/autonomia participação, na medida do possível, na definição de regras, rotinas e convenções…
Rotina adaptada ao ritmo das crianças, poucos “tempos mortos”, boa articulação
Organização
entre os elementos da equipa…
Existência de adultos sensíveis e estimulantes, que dão espaço à iniciativa das
Estilo do adulto
crianças, mas fornecem também afeto, conforto e segurança…

A partir da análise destes aspetos, o/a educador/a tem a possibilidade de perceber quais as alterações mais
importantes a fazer para melhorar a sua prática diária, garantindo um contexto de qualidade para cada
criança do grupo, assim como para a equipa de adultos que o acompanha.

f. Avaliação individual

A par com a avaliação do contexto, é também fundamental avaliar em que medida as necessidades de cada
criança estão a ser respondidas, tendo como ponto de referência as três grandes finalidades educativas
definidas nestas Orientações Pedagógicas: desenvolvimento de um sentido de segurança e autoestima,
curiosidade e ímpeto exploratório e competência social e comunicacional.
O/a educador/a observa a criança ao longo do dia, atendendo às suas interações, atividades e
comportamentos, de modo a procurar compreender como ela aprende, como processa a informação,
como constrói conhecimento ou como resolve problemas. A indissociabilidade das áreas de
desenvolvimento e aprendizagem leva ao seu cruzamento em muitos comportamentos transversais, pelo
que a observação da criança deve ser sempre global e tão holística quanto possível.
Esta avaliação atende às finalidades educativas definidas para as crianças em idade de creche e deve ser
acompanhada por uma análise das características da criança (dados familiares relevantes, relações e

40
atividades preferenciais, principais aprendizagens – com base na avaliação anterior, e opinião da criança,
quando esta já consegue expressá-la).
A partir das informações recolhidas, o/a educador/a esboça um retrato descritivo e narrativo de cada
criança em cada uma das finalidades educativas (cf. parte I, capítulo 3. Finalidades e objetivos educativos),
salientando as suas características, assim como os objetivos e iniciativas possíveis para cada um dos aspetos
a melhorar. Estas questões devem ser discutidas com a família, envolvendo-a não só com o objetivo de
partilhar informação, mas também para definir o seu papel na implementação de medidas concretas.
De forma contínua e sistemática, o/a educador/a traça um retrato completo das suas aprendizagens e
particularidades de desenvolvimento de cada uma das crianças. Esta frequência, no entanto, poderá variar
de acordo com as necessidades, sendo possível que algumas crianças exijam observações mais frequentes.
É importante que o/a educador/a compare os vários momentos de avaliação entre si e verifique o grau de
sucesso na implementação das medidas propostas na avaliação anterior.

g. Despistagem de problemas de desenvolvimento

O trabalho pedagógico em creche visa assegurar um atendimento individual e personalizado em função das
características de cada criança, procurando responder o melhor possível a cada uma delas. Como tal, não
pode ignorar a importância de prevenir e despistar precocemente qualquer problema de desenvolvimento,
ou outro que suscite preocupação, assegurando o encaminhamento mais adequado.
Importa destacar que existe uma grande variação na idade em que diferentes crianças adquirem as mesmas
capacidades e algumas podem até “saltar” etapas como o gatinhar, por exemplo, sem que isso constitua
motivo de preocupação. Neste sentido, as orientações sobre o desenvolvimento devem ser
relativizadas, de forma a evitar julgamentos precipitados e “rótulos” que em nada
contribuem para o crescimento saudável da criança. Todavia, se forem observados sinais
preocupantes, é fundamental que se dê maior atenção e, quando necessário, se recorra a um profissional
especializado, de forma a intervir o mais preventivamente possível em todas as situações, em articulação
com a família.

Para além da observação diária, é importante dialogar com os familiares da criança, uma vez que são eles,
muitas vezes, os primeiros a detetar sinais de alerta. O/a educador/a deve assumir uma atitude empática e
demonstrar grande sensibilidade na partilha de informações com a família, de forma a não provocar
ansiedade nem prejudicar a relação de confiança com esta.

Segue-se uma breve descrição de sinais de alerta a ter em conta nos primeiros anos de vida, Estes sinais
não devem ser vistos de forma isolada, importando que se realize uma análise global e
contextualizada da criança. São sinais que servem apenas para alertar o/a educador/a para a

41
necessidade de acompanhar a criança com mais atenção, abrindo a possibilidade de existir alguma
dificuldade que necessita de ser avaliada com maior profundidade.

SINAIS DE ALERTA AOS TRÊS MESES:


O bebé…
…não faz qualquer controlo da cabeça;
…chora e grita quando é tocado;
…tem os membros rígidos quando está em repouso;
…não fixa nem segue objetos com o olhar;
…tem as mãos sempre fechadas;
…sobressalta-se ao menor ruído ou, pelo contrário, não reage a qualquer som;
…não sorri;
…apresenta um estrabismo significativo e persistente.

SINAIS DE ALERTA AOS SEIS MESES:


O bebé…
…não controla a cabeça, tem os membros inferiores rígidos e passa diretamente à posição de pé quando o
tentam sentar;
…apresenta assimetrias entre as partes do corpo;
…não olha nem pega qualquer objeto;
…mostra desinteresse pelo ambiente e irritabilidade;
…parece não reagir a situações familiares, evidenciando poucos sinais de reconhecimento e antecipação;
…não reage à voz da mãe/pai (ou cuidador principal);
…não reage aos sons, não vocaliza;
…não se expressa através de gritos ou gargalhadas;
…apresenta estrabismo, mesmo que ligeiro ou intermitente.

SINAIS DE ALERTA AOS NOVE MESES:


O bebé…
…não se mantém sentado;
…não procura mudar de posição nem tenta deslocar-se ou erguer-se;
…apresenta assimetrias entre as partes do corpo;
…não demonstra interesse por objetos, e não procura manipulá-los com as mãos;
…não reage aos sons, vocaliza monotonamente ou perde a vocalização;

42
…não mostra iniciativa para agarrar e morder os objetos e os alimentos;
…mostra desinteresse pelo ambiente ou pelos familiares;
…engasga-se com facilidade.

SINAIS DE ALERTA AOS DOZE MESES:


O bebé…
…não suporta o seu peso sobre os membros inferiores;
…não consegue permanecer sentado;
…não procura mudar de posição nem deslocar-se (gatinhar, arrastar-se, caminhar agarrado à mobília…);
…apresenta assimetrias entre as partes do corpo;
…não brinca nem estabelece contacto;
… não manifesta nítida preferência por pessoas significativas, na presença de pessoas estranhas;
…mostra pouco interesse por brinquedos ou livros;
…não responde à voz;
…não mostra indícios de compreender palavras simples como papá, mamã, bola, papa, rua, “anda cá”,
palmas…
…não mastiga, engasga-se com facilidade.

SINAIS DE ALERTA AOS DEZOITO MESES:


A criança…
…não se põe de pé, não suporta o peso sobre os membros inferiores;
…anda sempre na ponta dos pés;
…não consegue puxar e empurrar brinquedos, apanhar objetos do chão sem cair nem sentar-se numa
cadeira pequena;
…não brinca nem se interessa pelo que o rodeia;
…não estabelece contacto ocular, desviando o olhar;
…deita os objetos fora ou leva-os sempre à boca;
…não faz pinça com o polegar e indicador;
…não mostra indícios de compreender palavras familiares ou ordens simples;
…não responde à voz, não vocaliza;
…não utiliza palavras reconhecíveis nem tenta acompanhar rimas e canções;
…não exprime os seus desejos apontando ou vocalizando com insistência;
…não tenta levar a colher ou copo à boca para se alimentar e beber;
…não procura o afeto do adulto;

43
…não imita atividades do dia a dia nem participa nas rotinas (por exemplo, “ajudando” a vestir,
tirando meias e sapatos).

SINAIS DE ALERTA ENTRE OS DOIS E OS TRÊS ANOS:


A criança…
…não anda ou anda sempre na ponta dos pés;
…não brinca nem estabelece contacto, não se interessa pelo que a rodeia;
…deita os objetos fora, não constrói, não procura imitar;
…não se interessa por livros de imagens e não consegue virar as páginas;
…não mostra sinais de reconhecer familiares ou a si própria em fotografias;
…não segura um lápis nem rabisca;
…parece não compreender o que se lhe diz, não pronuncia palavras inteligíveis.
…não come com colher nem bebe por um copo sozinha;
…não imita atividades domésticas nem desenvolve jogos simbólicos;
…não procura o adulto;
…não manifesta qualquer frustração quando contrariada ou, pelo contrário, reage catastrófica
ou desproporcionadamente.

SINAIS DE ALERTA POR VOLTA DOS TRÊS ANOS:


A criança…
…anda com dificuldade;
…tem dificuldade em subir e descer escadas (mesmo com os dois pés em cada degrau);
…não salta com os pés juntos;
…não mostra interesse pelos brinquedos;
…controla o lápis com muita dificuldade e não desenha figuras humanas reconhecíveis;
…não associa cores;
…recorta com muita dificuldade utilizando uma tesoura adequada ao seu tamanho
…não se interessa por histórias, canções ou rimas;
…tem dificuldade em fazer-se entender, especialmente junto de estranhos;
…não consegue construir frases nem contar pequenos episódios;
…não sabe o seu nome e a sua idade;
…não come sozinha nem lava as mãos;
…não demonstra interesse pelas atividades domésticas;
…não veste e despe roupas simples;

44
…não tem qualquer controlo esfincteriano, diurno ou noturno;
…não demonstra afeto pelos familiares ou pessoas mais próximas.

· O que fazer em caso de alerta?

Caso o/a educador/a identifique alguns destes sinais ou tenha dúvidas sobre alguma destas questões, deverá
contactar profissionais especializados nesta área, nomeadamente o Sistema Nacional de Intervenção
Precoce na Infância (SNIPI)8. Para que uma criança e a sua família sejam apoiados pelo SNIPI, existe um
conjunto de critérios de elegibilidade que deve ser tido em conta. As crianças entre os 0 e os 6 anos e
respetivas famílias deverão apresentar condições incluídas num destes dois grupos9:

1 - «Alterações nas funções ou estruturas do corpo10» que limitam o normal desenvolvimento e a


participação nas atividades típicas, tendo em conta os referenciais de desenvolvimento próprios, para a
respetiva idade e contexto social;

2 - «Risco grave de atraso de desenvolvimento11» pela existência de condições biológicas,


psicoafectivas ou ambientais, que implicam uma alta probabilidade de atraso relevante no desenvolvimento
da criança.

Qualquer contacto ou pedido de esclarecimento junto de especialistas não


substitui o diálogo aberto com a família ou cuidadores, que devem ser os
principais parceiros na busca de soluções para quaisquer problemas que possam
existir.

h. Boas práticas na avaliação e acompanhamento das crianças

8
A intervenção precoce na infância (IPI) abrange as crianças entre os 0 e os 6 anos, com alterações nas funções ou estruturas do corpo que
limitam a participação nas atividades típicas para a respetiva idade e contexto social ou com risco grave de atraso de desenvolvimento, bem como as
suas famílias; refere-se ao conjunto de medidas de apoio integrado centrado na criança e na família, incluindo ações de natureza preventiva e
reabilitativa, designadamente no âmbito da educação, da saúde e da ação social - Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro. Mais informações em
http://www.dgs.pt/sistema-nacional-de-intervencao-precoce-na-infancia.aspx
9
De acordo com o Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro.
10
Alterações nas funções ou estruturas do corpo incluem Atraso de Desenvolvimento sem etiologia conhecida e Condições Específicas relacionadas
com situações que se associam a atraso do desenvolvimento (nomeadamente, anomalia cromossómica; perturbação neurológica; malformações
congénitas; doença metabólica; défice sensorial; perturbações relacionadas com exposição pré-natal a agentes teratogénicos ou a narcóticos,
cocaína e outras drogas; perturbações relacionadas com infeções severas congénitas; doença crónica grave; desenvolvimento atípico com alterações
na relação e comunicação; perturbações graves da vinculação e outras perturbações emocionais). Estas alterações devem ser validadas por uma
avaliação fundamentada, feita por um profissional competente para o efeito.
11
Crianças com Risco Grave de Atraso de Desenvolvimento podem estar expostas a fatores de risco biológico (por exemplo, prematuridade ou
complicações pré-natais e perinatais) ou fatores de risco ambiental (parentais, como o consumo de álcool, doenças ou maus-tratos, e contextuais,
como o isolamento ou a desorganização familiar).

45
De um modo geral, as boas práticas de avaliação em contextos de educação para crianças possuem quatro
características principais:

· São benéficas para a criança.


A avaliação deve contribuir para que as crianças se sintam capazes e confiantes, protegendo e incentivando
a sua identidade enquanto aprendizes competentes e com direitos.
Durante a avaliação é também importante ter em conta que as expectativas dos adultos têm uma poderosa
influência na vida das crianças. O adulto que avalia deve reconhecer as suas próprias crenças e atitudes e
atender à influência que têm na criança, procurando, tanto quanto possível, que estas não interfiram de
forma negativa no comportamento e nos sentimentos da criança.

· São significativas.
A avaliação deve, por um lado, ocorrer nos contextos naturais da criança e, por outro lado, englobar as
suas diferentes dimensões numa perspetiva holística, ou seja, encarando-a como um todo. Neste sentido,
deve procurar--se incorporar os momentos de observação nas rotinas diárias, transformando-os em algo
normal e familiar para todos.

· Envolvem a criança e a sua família.


As crianças também têm perceções sobre as suas capacidades, o que gostam de fazer, o que conseguem
fazer sozinhas, e com alguma ajuda, e o que poderão fazer no futuro. É muito importante, portanto, que
elas sejam ouvidas nos processos de avaliação, seja através de conversas ou na própria observação. Com
crianças tão pequenas, o/a educador/a tem a responsabilidade de estar atento às mensagens que elas
procuram transmitir através das suas expressões faciais, movimentos corporais, vocalizações e palavras,
dedicando tempo suficiente à avaliação para apreender o alcance e a profundidade das suas aprendizagens e
desenvolvimento.
A família deve igualmente ser envolvida no processo como um parceiro, numa comunicação bidirecional
onde ambas as partes recebem e dão informações num espírito de partilha e reciprocidade. Os pais devem
estar cientes de que a avaliação é um processo com um propósito formativo, que recorre a diferentes
fontes para permitir o planeamento de experiências mais ricas e estimulantes.
No final do processo, o feedback aos pais e às crianças é fundamental. Pode ser oral, escrito (no caso dos
pais), verbal ou não verbal (no caso das crianças, em especial as mais pequenas) e ocorrer em diferentes
momentos, mas permite a construção de relações de confiança entre todos, numa perspetiva democrática,
aberta ao diálogo e à corresponsabilização.

· Ocorrem ao longo do tempo.

46
A avaliação da aprendizagem e do desenvolvimento é complexa e exige tempo, não se resumindo ao
simples preenchimento de uma checklist. Uma avaliação autêntica exige a utilização de vários métodos,
incluindo a observação, conversas com as crianças e famílias e a análise de documentos. Graças a estes
métodos, o profissional recolhe informação sobre as competências emergentes da criança, conhecimentos,
compreensões, sentimentos e disposições.

Sugestão de reflexão

Como é que eu recolho informação sobre as crianças e o contexto?


Quais as estratégias utilizadas para monitorizar, avaliar e registar a aprendizagem e/ou desenvolvimento das
crianças?
Com que frequência são utilizadas? Quem participa? O que é feito com as informações obtidas?
Como e com que frequência falo com as crianças sobre os seus progressos?
Como e com que frequência partilho informação com as famílias?
Em que medida as avaliações que realizo têm um papel relevante no planeamento da oferta educativa?

8. A TRANSIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR


Momentos importantes na vida da criança acontecem em todos os tempos de transição, para diferentes
espaços, grupos, etc. A preparação da transição para o jardim de infância merece aqui destaque.
Naturalmente, a experiência da creche representa por si própria uma integração no mundo do
atendimento coletivo de crianças e, em muitos contextos, a criança nem chega a sair da instituição que já
conhece, não se afastando das figuras de referência com quem já estabeleceu relações. Noutros casos, a
criança conhece uma mudança mais drástica, que envolve conhecer uma nova instituição e novas figuras de
referência. Em qualquer caso, ler livros ou contar histórias sobre a ida para o jardim de infância,
apresentando o jardim de infância como um local agradável, divertido e onde acontecem aprendizagens
interessantes, ajuda as crianças a lidarem com a situação e a reduzirem a sua ansiedade. Visitar o novo
espaço ou a nova instituição é também sinal de respeito e de valorização dos sentimentos de cada criança,
conferindo-lhe maior conforto e segurança. Estar atento aos sinais verbais e não-verbais da criança, medo
ou ansiedade, comportamentos regressivos (ex. voltar a fazer xixi ou cocó nas calças; querer que lhe deem
a comida na boca, que lhe vistam o casaco, ou querer que façam por ela algo que já fazia autonomamente),
percebendo e aceitando as suas preocupações e incertezas, é importante para que a criança se sinta
acompanhada na nova aventura que é a entrada no jardim de infância.

Esta transição também poderá ser difícil para a família da criança. Para o pai ou mãe que estabeleceu uma
relação de proximidade e confiança com um adulto de referência, que ao longo de muito tempo terá
acompanhado o desenvolvimento da sua criança, o terminar dessa relação pode ser vivido com pesar. Para
o/a educador/a, deixar as suas crianças de referência também não é um processo emocionalmente neutro.

47
A qualidade da comunicação entre profissionais, e entre profissionais e famílias, ressalta aqui como o
melhor recurso no acompanhamento dos processos de separação e transição para uma nova etapa da vida
da criança.

Nestes processos, assegurar a continuidade e sequencialidade do percurso das crianças nos contextos de
educação de infância é importante. A troca de informações entre educadores/as sobre o trabalho realizado
na creche, sobre o desenvolvimento e aprendizagens da criança, atendendo às finalidades e objetivos
educativos, afigura-se relevante. Do mesmo modo, apoiar e informar a família sobre o processo de
transição é indispensável.

Existe articulação e correspondência entre as finalidades educativas definidas para a creche e as áreas de
conteúdo das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, bem como com as componentes do
currículo do 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), possibilitando a continuidade de todo o processo educativo.

Áreas de conteúdo das Orientações


Finalidades educativas Componentes do Currículo
Curriculares para a Educação Pré-
para a creche 1.º CEB
Escolar
Oferta Complementar (inclui Educação
Desenvolvimento de um sentido de
Formação Pessoal e Social para a Cidadania)
segurança e autoestima positiva
Educação Moral e Religiosa (facultativo)

Desenvolvimento da curiosidade e Estudo do Meio


Conhecimento do Mundo
ímpeto exploratório

Português;

Expressão e Comunicação Matemática;


Competência social e comunicacional Expressões artísticas e físico-motoras

As finalidades educativas definidas para a creche podem ser consideradas como relevantes ao longo de toda
a escolaridade. É desejável que no final do seu percurso académico, qualquer indivíduo mantenha um
sentido de segurança e uma autoestima que lhe permita estar bem consigo próprio e com os outros; que a
sua curiosidade e ímpeto exploratório permaneçam ativos e visíveis na paixão de continuar a aprender e de
desenvolver projetos; que seja alguém capaz de manifestar capacidades relacionais e de comunicação, de
modo claro e adequado aos diferentes interlocutores, disponível para respeitar e lidar com a diversidade
social.

48
Sugestão de reflexão

O que é que na creche onde trabalho costuma ser feito para trabalhar o processo de transição para a
educação pré-escolar? O que poderá ser melhorado?

49
SUGESTÕES DE LEITURA

Fundamentos teóricos e estudos realizados sobre creche

Bagnato, S. (2009). Authentic Assessment for Early Childhood Intervention. New York: The Guilford Press
Conselho Nacional de Educação (2011). A educação das crianças dos 0 aos 3 anos [atas do seminário realizado no
CNE em 18 de novembro de 2010], Coleção Estudos e Seminários, Lisboa: Conselho Nacional de Educação.
Craveiro, C. (2011). Escutando educadoras de infância de creche. In Conselho Nacional de Educação. Educação da
criança dos 0 aos 3 anos (pp. 93-106). Lisboa: CNE.
Dalli, C., White, E.J., Rockel, J. Duhn, I, Buchanan, E., Davidson, S. Ganly, S., Kus, L. & Wang, B. (2011). Quality early
childhood education for under-two-year-olds: what should it look like? A literature review. Ministry of Education, New
Zeland.
Fuertes, M. (2011). Intervenção precoce: em que perspetiva? In Conselho Nacional de Educação. Educação da criança
dos 0 aos 3 anos (pp. 117-120). Lisboa: CNE.
Goldschmied, E. & Jackson, S. (1993) People under three, Young children in day care, Routledge, London.
Gonzalez-Mena, J. & Eyer, D.W. (1989.) Infants, toddlers and caregivers. Mountain View, California: Mayfield Publishing
Company.
Lally, R. et al. (1995). Caring for infants and toddlers in groups. Developmentally appropriate practice, Zero to Three.
Washington, DC: Zero to three.
OECD (2006). Starting Strong II: Early childhood education and care. OECD Publishing.
OECD (2012). Starting Strong III: A Quality Toolbox for Early Childhood Education and Care. OECD Publishing. Retirado de
http://dx.doi.org/10.1787/9789264123564-en
Oliveira-Formosinho, J. (2011). Educação das crianças até aos 3 anos – algumas lições da investigação. In Conselho
Nacional de Educação. Educação da criança dos 0 aos 3 anos (pp. 61-91). Lisboa: CNE.
Oliveira-Formosinho, J. & Araújo, S. (2011). Early diversity education: Beginning from birth. European Early Childhood
Education Research Journal. 19(2):223-235 June 2011
Oliveira-Formosinho, J. & Azevedo, A. (2011). Pedagogia em creche: Qualidade, documentação, diversidades. Porto: Porto
Editora.
Pimentel, J.S. (2011). Atendimento e intervenção precoce a crianças em risco dos 0 aos 3 anos: em busca da qualidade.
In Conselho Nacional de Educação. Educação da criança dos 0 aos 3 anos (pp. 121-140). Lisboa: CNE.
Portugal, G. (1998). Crianças, famílias e creches, uma abordagem ecológica da adaptação do bebé à creche. Col. CIDInE,
Porto: Porto Editora.
Portugal, G. (2000). Educação de Bebés em Creche - Perspectivas de Formação Teóricas e Práticas. In Infância e
Educação. Investigação e Práticas / Revista do GEDEI, nº 1 (pp. 85-106). Porto: Porto Editora.
Portugal, G. (2002). Dos primeiros anos à entrada para a escola – transições e continuidades nas fundações
emocionais da maturidade escolar. Aprender, Revista da Escola Superior de Educação de Portalegre, 26, 9-16.
Portugal, G. (2009). Desenvolvimento e aprendizagem na infância. In Conselho Nacional de Educação, Estudos e
Relatórios. A educação das crianças dos 0 aos 12 anos (pp. 33-67). Lisboa: Conselho Nacional de Educação.
Portugal, G. (2011). No âmago da educação em creche – o primado das relações e a importância dos espaços. In
Conselho Nacional de Educação. Educação da criança dos 0 aos 3 anos (pp. 47-60). Lisboa: CNE.

50
Portugal, G. (2012). Finalidades e práticas educativas em creche – das relações, atividades e organização dos espaços ao
currículo na creche. Porto: CNIS. Disponível em: http://novo.cnis.pt/index.php?ToDo=read_news&id=325
Sheridan, M. D. (2005). From Birth to Five Years - Children's Developmental Progress. London: Routledge.
Shonkoff, J.P. & Phillips, D.A. (eds) (2000). From Neurons to Neighbourhoods, the Science of Early Childhood Development.
National Research Council, Institute of Medicine, Washington, D.C.: National Academy Press.
Shore, R. (1997). Rethinking the brain. New insights into early development. New York: Families and Work Institute.
Taguma, M., Litjens, I., Makowiecki, K. (2012). Quality Matters in Early Childhood Education and Care – Portugal. OECD
Publishing.
Tomás, C. (2011). Uma gramática de reflexão sobre a educação das crianças dos 0-3 anos a partir dos direitos da
criança. In Conselho Nacional de Educação. Educação da criança dos 0 aos 3 anos (pp. 147-152). Lisboa: CNE.
Vasconcelos, T. (2011). Conselho Nacional de Educação - Recomendação n.º 3/2011 – A educação dos 0 aos 3 anos.
Diário da República, 2.ª série — N.º 79 — 21 de Abril de 2011.
Zero to Three (1992). Heart Start: the emotional foundations of school readiness. Washington, D.C.: Author.

Documentos curriculares/pedagógicos

Australian Government Department of Education, Employment and Workplace (2009). Belonging, Being and Becoming –
The Early Years Learning Framework for Australia. Commonwealth of Australia.
California Department of Education (2012). California Infant/Toddler Curriculum Framework. USA, Sacramento: California
Department of Education.
Kind & Gezin (2015). A pedagogical framework for childcare for babies and toddlers. Brussels: Author.
Ministério da Educação (ed.) (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: ME.
Ministry of Education (1996). Te Wariki – Early Childhood Curriculum. New Zealand, Wellington: Learning Media.
National Council for Curriculum and Assessment (2009). Aistear – The early childhood curriculum framework. Ireland,
Dublin: NCCA.
National Curriculum Guidelines on Early Childhood Education and Care in Finland (2003). Finland, Helsinki: Stakes.
Post, J., & Hohmann, M. (2011). Educação de bebés em infantários – cuidados e primeiras aprendizagens (4ª edição).
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Skolverket (2011). Curriculum for the Preschool Lfpö 98 Revised 2010. Sweden, Stockholm: Skolverket.
Smarter Scotland - Scottish Government (2010). Pre-birth to three – National Guidance. Scotland: Learning and Teaching
Scotland.
Squires, J. & Bricker, D. (2007). An activity-based approach to developing young children’s social emotional competence.
Baltimore, Maryland: Paul H. Brookes Publishing.

Documentos de apoio à prática


Bertram, T. & Pascal, C. (2009). Manual DQP – Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias. Lisboa : Ministério da Educação.
Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (adaptação portuguesa coordenada por Oliveira-
Formosinho). Disponível em http://www.dgidc.min-edu.pt/educacaoinfancia/index.php?s=directorio&pid=17
Bertram, T. & Pascal, C. (2006). The Baby Effective Early Learning Programme. Birmingham: Centre for Research in Early
Childhood, Amber Publishing.

51
Carvalho, L., Almeida, I., Felgueiras, I., Leitão, S., Boavida, J., Santos, P., Serrano, A., Brito, A., Lança, C., Pimentel, J.,
Pinto, A., Grande, C., Brandão, T., & Franco, V. (2016). Práticas recomendadas em Intervenção Precoce na infância.
Um guia para profissionais (1ª ed). Coimbra: ANIP.
ISS (2005). Manual de Processo-chave: creche. Lisboa: ISS/MTSS.
ISS (2005). Modelo de Avaliação da Qualidade: creche. Lisboa: ISS/MTSS.
ISS (2008). Recomendações técnicas para equipamentos sociais - Creche. Lisboa: ISS/MTSS.
Laevers, F. (ed.) (2005). Sics [Ziko] Well-being and involvement in care – a process-oriented self-evaluation instrument for
care settings. Kind & Gezin and Research - Centre for Experiential Education, Leuven University. Retirado de
http://www.kindengezin.be/img/sics-ziko-manual.pdf
Laevers, F. (ed.) et al. (2012). MyProfile – Sharing observations with parents in the early years - Manual. Leuven: CEGO
Publishers.
Laevers, F. (1994). Adult Style Observation Schedule for Early Childhood Education (ASOS-ECE). Leuven: Research Centre
for Experiential Education, Leuven University.
Laevers, F., Moons, J., & Declercq, B. (2012). A process-oriented monitoring system for the early years [POMS]. Leuven:
CEGO.
Laevers, F., et al. (2005). Observation of well being and involvement in babies and toddlers. A video training pack - Manual.
Leuven: CEGO Publishers.
National Infant & Toddler Child Care Initiative (2010). Infant/Toddler - Development, Screening, and Assessment. Chapel
Hill, NC: National Training Institute for Child Care Health Consultants.
Portugal, G. & Laevers, F. (2010, 2ª impressão 2011). Avaliação em Educação Pré-Escolar. Sistema de Acompanhamento das
Crianças. Porto: Porto Editora.

Legislação
Decreto-Lei n.º 281/2009 de 6 de outubro - Cria o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI)
Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto - Estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e
funcionamento das creches.
Portaria n.º 411/2012, de 14 de dezembro - Altera a Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto.

52

Você também pode gostar