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UNIVERSIDADE DO MINDELO

CURSO DE CRIMINOLOGIA E REINSERÇÃO SOCIAL


DISCIPLINA DIREITO PENAL ESPECIAL - AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO
CRIME
DOCENTE: Dr. SIMÃO A. ALVES SANTOS
MESTRE EM DIREITO – CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS
JUIZ DESEMBARGADOR

TÍTULO I
DAS PENAS EM GERAL E EFEITOS DAS PENAS

I- CONSIDERAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL

Com este novo capítulo, falaremos das penas principais, as penas de substituição
e as penas acessórias.
Entretanto, devemos começar por dizer que
Historicamente, os efeitos das penas, os efeitos dos crimes, assim como a própria
conceção tradicional das penas acessórias encontram-se ligados à “infâmia” (afronta) da
legislação medieval e às suas penas da honra; ligados, deste modo, a incapacidades,
inabilitações ou restrições de outra e diversa natureza que, surgindo como consequências
jurídicas da condenação por um certo crime ou numa certa pena, atingiam o delinquente, em
regra necessariamente, após o cumprimento da pena principal.
Com efeito,
Por meio das “sanções adicionais” ou “complementares” se pensava conseguir
uma eficaz intimidação da generalidade das pessoas, afastando-as da prática de crimes.

Assim, o direito das Ordenações estava recheado de efeitos das penas, muitos deles
cruéis e brutais (açoites, corte de mão, braço e pregão, marca de ferro, etc.), para além de outros
que essencialmente se traduziam na perda de direitos.

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Entretanto,
Com o advento da filosofia iluminista e depois da legislação liberal, acabaram-se, em
princípio, as penas e efeitos acessórios ligados ao corpo do delinquente e que se traduziam
em tratamentos desumanos, mas persistiram todos aqueles outros que se traduziam em
perdas ou suspensões de direitos civis, profissionais ou políticos.

Hodiernamente, de forma generalizada, concorda-se que importa retirar aos


instrumentos sancionatórios jurídico-penais qualquer efeito jurídico infamante ou
estigmatizante (inevitavelmente dessocializador e, portanto, criminógeno) que acresça ao efeito
de desqualificação social que já por sua mera existência lhes cabe.
Mas nem por isso os efeitos acessórios têm desaparecido das legislações, mesmo
das mais modernas.
Tudo o que se tem conseguido é evitar que aqueles efeitos acessórios decorram por
necessidade da aplicação de penas de certa natureza; o que se tornou mais fácil partir do
momento em que os vários tipos de penas de prisão desapareceram, e surgiu em sua vez a pena
de prisão única e simples.
No restante, porém, continua a considerar-se que certos efeitos jurídicos da
condenação desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, de que o
sistema penal não pode ou não quer prescindir; e, na verdade, de uma função preventiva que se
não esgota na intimidação da generalidade, mas se dirige também, ao menos em alguma
medida, à perigosidade do delinquente.
Chegado a este ponto,
Pode perguntar-se se a distinção entre penas acessórias e efeito das penas não
perdeu toda a justificação no momento em que estes, tal como aquelas, deixaram de ser de
produção necessária ou hoc sensu, automática.
Uma coisa é certa: se a distinção deve manter-se, isso terá por pressuposto uma
reconformação das penas acessórias, que as torne em verdadeiras penas.

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Historicamente, as chamadas penas acessórias (e não apenas os efeitos das penas)
foram puras providências de conteúdo preventivo estranho à ideia da culpa.
Um tal conteúdo, porém, é de todo insuficiente à inadequado para caracterizar o
instrumento político-criminal a que pertença como uma pena, ainda que acessória.
Para tanto torna-se (até jurídico-constitucionalmente) indispensável que aquele
instrumento (pena acessória) ganhe um específico conteúdo de censura do facto, por aqui
estabelecendo a sua necessária ligação à culpa; também não bastando para tanto, obviamente,
que a pena acessória se traduza num mal para quem a sofre, ou permita a sua individualização
perante aquele fiquem é aplicada.
Atualmente, tal como no direito penal português (Código Penal de 1982) o nosso
Código Penal terminou com o carácter necessário (automático) da produção de efeitos das
penas e passou a chamar aos efeitos não necessários de “penas acessórias”, dando a estas
(penas acessórias) um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas
de defesa contra a perigosidade individual.
Dito por outras palavras,
Hoje em dia, a produção de efeitos das penas deixou de ter carácter automático
(necessário) e, por isso, os efeitos não necessários das penas passaram a ser chamados
“penas acessórias”.
Contudo, resta saber se com tudo isto não acabou por acentuar, no que denominou
“penas” acessórias, o seu carácter tradicional de efeitos (agora não automáticos) da condenação
na pena principal (e, portanto, de providências por inteiro estranhas à ideia da culpa), afastando-
as, apesar da “mudança de etiquetas”, da natureza de verdadeiras penas.

II- PENAS PRINCIPAIS E PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

1. DETERMINAÇÕES CONCETUAIS

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A distinção entre penas principais e penas acessórias não era conhecida no Código
Penal Napoleónico.
Essa distinção viria a ser elaborada pelas doutrinas francesa, alemã e italiana do
século XIX, embora não por forma de todo coincidente.
A partir de então, a distinção entre penas principais e penas acessórias, passaria a ser
vertida em muitos códigos e leis penais, tornando-se hoje corrente.
Assim,
- Penas principais são aquelas que, se encontrando expressamente previstas para
sancionamento dos tipos de crime, podem ser fixadas pelo Juiz na sentença independentemente
de quaisquer outras. Ao invés,
- Penas acessórias são aquelas cujas aplicações pressupõe a fixação na sentença de
uma pena principal, são, portanto, aquelas que são fixadas conjuntamente com as penas
principais.
Assim,
No nosso sistema penal geral, as penas principais são:
- As penas privativas de liberdade (ou penas de prisão); e
- As penas pecuniárias (ou penas de multa).

Tradicionalmente estas são as penas verdadeiramente principais, porém, segundo o


novo pensamento político-criminal,
O novo Código Penal veio consagrar “novas” penas, verdadeiras penas, mas
diferentes das de prisão e das de multa.

As chamadas penas de substituição.


Por exemplo: a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.º 71.º do
Cód. Penal).

Estas outras penas não relevam tanto da divisão entre penas principais e penas
acessórias, mas sim surgem como sendo uma categoria nova, com o seu sentido e a sua
teleologia próprias: ao certo, a categoria das penas de substituição.

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Estas “novas” penas (as penas de substituição) são dotadas, como verdadeiras penas
que são, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de
determinação da pena.

Essas “novas” penas não são, portanto, meros “institutos especiais de execução da
pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”.
E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à conceção vazada no CP,
aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de
uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.
Dito por outras palavras,
A aplicação de uma pena de substituição, ao invés de uma pena principal, consiste,
pois, na aplicação de uma outra pena, por isso é que se chama: “pena de substituição”.

Pergunta-se porque são aplicadas penas de substituição ao invés das penas principais?
As penas de substituição que, podendo substituir qualquer uma das penas principais
concretamente determinadas, radicam, todavia, tanto histórica como teleologicamente, no
movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade,
nomeadamente de penas curtas de prisão. Portanto, as penas de substituição,
Visam combater a aplicação de penas privativas da liberdade, principalmente as
chamadas penas curtas de prisão.

Assim,
As penas de substituição, que não são, em sentido estrito, penas principais (porque o
legislador não as previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas
acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que
nada tem a ver com o das penas de substituição, como porque uma coisa são as penas que só
podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas

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acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena
principal (penas de substituição).

Então penas acessórias não se confundem com penas de substituição, porquanto,


conforme dito acima,
As penas acessórias são aquelas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma
pena principal.
Ao passo que as penas de substituição são aquelas que são aplicadas em substituição
das penas principais.

III- PENAS ACESSÓRIAS E EFEITOS DAS PENAS

1. DETERMINAÇÕES CONCETUAIS
Conforme dito acima, as penas acessórias são aquelas que só podem ser impostas
na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal, ou seja, aquelas que são
fixadas conjuntamente com as penas principais.
Por exemplo: a possibilidade de
- Proibição temporária do exercício de funções (art.º 73.º CP); e
- Proibição temporária de condução (art.º 75.º CP); e
- Incapacidade para eleger titulares de órgãos públicos (art.º 76.º do CP).

Vejamos agora os efeitos das penas,


Do ponto de vista teorético, as penas principais distinguem-se dos chamados “efeitos
das penas”.
Os efeitos das penas são consequências, necessárias ou pendentes de apreciação
judicial, determinadas pela aplicação de uma pena principal ou de uma pena principal e de
uma pena acessória.

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São meras consequências determinadas pela aplicação de penas principais e podem
ser de aplicação automática ou dependentes de apreciação judicial.
Assim sendo,
Os efeitos das penas, pese embora podem possuir “carácter penal”, não assumem a
natureza de verdadeiras penas por lhes faltar o sentido, a justificação, as finalidades e os
limites, próprios das penas.

Exemplos de efeitos das penas: a possibilidade de


- Suspensão temporária do exercício de funções (art.º 72.º CP - apesar de estar logo
no n.º 1 do artigo alusivo às penas acessórias e efeitos das penas, uma vez que a suspensão
ocorre por força da lei e até pela impossibilidade prática de exercício da função, se trata
verdadeiramente de um efeito da pena e não uma pena acessória);
- Incapacidade para ser candidato a titular de órgãos públicos [art.º 77.º, n.º 1, al. a)
do CP].
- Incapacidade para ser eleito titulares de órgãos públicos [art.º 77.º, n.º 1, als. b) e c)
do CP]; e
- Inibição temporária do exercício do poder paternal, tutela ou curatela para quem for
condenado por crime previsto nos art.ºs 142.º a 152.º do CP (art.º 78.º do CP).

IV- PENAS PRINCIPAIS: A PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE


(PENA DE PRISÃO)
1. A PENA DE PRISÃO ÚNICA E SIMPLES E OS SEUS LIMITES
LEGAIS
a) A pena de prisão única e simples: valorização da política criminal
Ao contrário do que vinha da tradição portuguesa anterior ao Código Penal de 1982, em que
houve lugar a espécies diversificadas de penas privativas de liberdade (v.g: a prisão maior entre as
penas maiores e a prisão (tout court) entre as penas correcionais - a partir da reforma do CP de 1954), no

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Código de 82 e isso viria a ter influência no Código Penal Cabo-verdiano, se consagrou uma
pena de prisão única e simples:
- Única, porquanto desapareceram formas diversificadas da prisão; e
- Simples, porquanto à condenação em uma qualquer pena de prisão se não ligam, por força da
sua natureza, efeitos jurídicos necessários ou automáticos que ultrapassem a execução daquela.
A consagração de uma pena de prisão única e simples constitui sem dúvida (como foi, de resto,
geralmente reconhecido e saudado, entre nós e no estrangeiro) uma das mais significativas e
logradas realizações do novo movimento de reforma penal.
Com efeito, a diversidade das formas de prisão (alguns ligados a efeitos jurídicos desonrosos e
estigmatizantes) não se compatibilizava com o propósito político-criminal básico do CP vigente
de admitir a pena privativa de liberdade apenas como último recurso e a ideia de reconformação
da prisão na ótica de uma prevenção especial de socialização.
Assim, deve-se concluir, como conclui o Prof. Figueiredo Dias, que o pronunciamento do
direito vigente a favor de uma pena privativa de liberdade única e simples representa só uma
das mais lídimas e saudáveis consequências dos pressupostos mais profundos do novo
programa político-criminal.

b) Os limites da pena de prisão


Toda a pena privativa de liberdade é pois única e simples e, como atrás dissemos, temporária,
constituindo a ideia de prevenção especial de socialização o denominador comum de todas estas
características.
Deste modo, só dois pontos do regime da pena de prisão competia ao CP regular:
- O da sua duração; e
- O dos critérios de contagem dos prazos de duração da pena (não está previsto no nosso CP).
É o primeiro destes dois pontos que agora se considera.
i- Limites gerais ou normais
Uma vez que a pena privativa de liberdade única substitui agora todas as anteriores formas de
prisão, a sua duração tem de ter limites suficientemente amplos para que dentro deles possam

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ter adequada consideração, relativamente às exigências de culpa e de prevenção, os diferentes
graus de gravidade dos diversos tipos-de-crime previstos.

Similar a outras legislações penais em que há uma norma estabelecendo previamente os limites
mínimos e máximos das penas privativas da liberdade, o nosso CP não foge à regra,
estabelecendo no seu art.º 51.º que a pena de prisão tem a duração mínima de três (3)
meses e máxima de trinta e cinco (35) anos.
Todavia, conforme se infere dos vários crimes previstos no CP, regra geral, a pena máxima de
prisão é de trinta (30) anos, havendo apenas um ou outro caso em que, por força de
agravamento do crime, a pena pode ir a trinta e cinco (35) anos de prisão.
Por outras palavras, atendendo às penas previstas para vários tipos de crimes, de entre eles os
de maior gravidade, como é o cado do homicídio qualificado, extrai-se que o CP determina,
regra geral, trinta (30) anos como limite máximo da pena de prisão (ver, por ex., o art.º 123.º
CP).
Havendo, todavia, exceções à regra dos 30 anos como limite máximo da pena de prisão.
Já em relação ao limite mínimo da pena de prisão, conforme dito, é de três (3) meses (art.º 51.º
CP).

ii- Limites especiais ou excecionais


Conforme dito, os limites máximo e mínimo de prisão, de 30 anos e 03 meses, respetivamente,
constituem os limites gerais ou normais.
Em casos particulares (justificados ou pela particular gravidade do crime e exigências de
punição que dele resultam, ou pela particular necessidade de oferecer campo específico de
atuação aos mecanismos de determinação da pena) aqueles limites podem ser ultrapassados e
serem fixados limites especiais ou excecionais.

No entanto,
Relativamente ao limite máximo dos máximos, dispõe o art.º 51.º que a pena de prisão tem a
duração máxima de trinta e cinco (35) anos.

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Isto significa que, em caso algum, a pena de prisão poderá exceder os 35 anos.

Porém,
Esse limite máximo de 35 anos de prisão aplica-se apenas:
- A casos envolvendo agravantes expressamente previstos no Código Penal, como é o caso dos
crimes previstos no n.º 2 do art.º 268.º-C do CP, ao certo, crimes de guerra contra pessoas
quando estas forem membros de uma instituição humanitária, ou, ainda,
- Para casos em que, por via de punição derivada de concurso de crimes, em sede de cúmulo
jurídico, a pena de prisão pode chegar aos trinta e cinco (35) anos (art.º 31.º, n.º 1, do CP).
Como dissemos já.
Relativamente ao limite mínimo, conforme resulta do art.º 51.º do CP, ele se situa em três
meses, pese embora ainda podemos encontrar legislações extravagantes cujas penas de prisão
mínias podem ser inferiores a três meses.
Para além disso, este limite mínimo da pena de prisão pode ser contrariado por força do
mecanismo da prisão subsidiária, adveniente do não pagamento de uma pena de multa (art.º
70.º, n.ºs 1 e 2), o qual conduz a que a prisão mínima possa ser reduzida a 12 dias, uma vez
que o limite mínimo da multa é de 20 dias (art.º 67.º, n.º 1) e que ao ser convertida em pena de
prisão passa a ser 2/3 de aquela, portanto 12 dia (art.º 70.º, n.ºs 1 e 2).
Mais, a prisão resultante de conversão de uma pena de multa pode ser de 1 dia, por força de um
pagamento parcial da multa.

c) Contagem do tempo de prisão


O nosso Código Penal não contempla nenhuma norma alusiva à forma de contagem dos prazos
das penas de prisão.
Em outras paragens, encontra-se nos Códigos Penais normas alusivas à forma de contagem dos
prazos e que, para tal, remetem para os Códigos de Processo Penal [cfr. art.º 42.º do Código
Penal Port., que remete para o livro X - Das Execuções – execuções das decisões penais
condenatórias (art.º 467.º e ss do CPP), ou para leis específicas sobre a execução das penas.

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Nos modelos em que o cômputo do tempo e o modo de execução das decisões penais
condenatórias se encontram em legislações processuais penais, assume-se que essa matéria tem
natureza processual penal.
O nosso legislador não seguiu esse modelo.
Assim,
No nosso caso, o CP não contempla sequer uma norma de remissão e menos ainda encontramos
essa matéria tratada em sede processual penal.
Porém, encontramos a matéria de execução das decisões penais condenatórias tratada no
Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, que aprova o Código de Execução das Sanções Penais
Condenatórias (CESPC).

O art.º 67.º desse Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, dispõe a forma como é contada a
pena, consoante ela seja fixada em anos, em meses ou em dias, e o art.º 69.º do mesmo Decreto-
legislativo dispõe regras especiais para determinação do momento da libertação.
Assim, segundo o n.º 1 do art.º 67.º desse Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, na
contagem do tempo de prisão contínua observam-se as seguintes regras:
a) A prisão fixada em anos termina no dia correspondente, dentro do último
ano, ao do início da contagem e, se não existir dia correspondente, no último
dia do mês;
b) A prisão fixada em meses é contada, considerando-se cada mês um
período que termina no dia correspondente, do mês seguinte ou, não havendo,
no último dia do mês;
c) A prisão fixada em dias é contada, considerando-se cada dia um
período de vinte e quatro horas, sem prejuízo do disposto no presente Código
(art.º 69.º, n.º 1) sobre o momento da libertação. Isto é, que ocorre durante a
manhã do último dia do cumprimento da pena (art.º 69.º, n.º 1).

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Regra geral, quanto ao momento da libertação, conforme acabado de dizer, a
libertação de reclusos condenados em pena de prisão contínua tem lugar durante a
manhã do último dia do cumprimento da pena (art.º 69.º, n.º 1).
O n.º 2.º do Dito Dec-Legislativo contempla situações em que esse último dia ocorre
em final de semana, dia feriado ou de tolerância de ponto.

2. GRAUS DA PENA DE PRISÃO SEGUNDO A SUA DURAÇÃO

A circunstância de toda a pena privativa de liberdade ser única e temporária, no sentido que
ficou caracterizado, não significa que não tenha interesse (tanto para efeitos doutrinários, como
legais-sistemáticos) distinguir nela graus, consoante a sua mais ou menos longa duração. Bem
pode dizer-se, pelo contrário, que uma tal distinção ganhou ainda maior significado político-
criminal com o desaparecimento das formas diferenciadas de prisão.

Nesta via costuma-se e se devem distinguir as penas de prisão de curta, média e longa
duração:
- As penas de prisão de curta duração são aquelas que não são superiores a 1 ano;
- As penas de prisão de média duração são aquelas que não são superiores a 5 anos;
e
- As penas de prisão de longa duração são aquelas que são superiores a 5 anos.

Uma tal distinção parece estar claramente reconhecida ou pressuposta, para diversos efeitos, no
nosso direito vigente.
Para tal, bastará considerar que ao limite de 1 ano da pena de prisão se ligam o princípio da sua
substituição, em regra, por multa (art.º 52.º, n.º 1).
Por seu turno, com o limite de 5 anos se conexionam a possibilidade da suspensão da execução
da pena (art.º 53.º), bem como, no plano processual, quanto ao limite máximo da moldura penal
para julgamento em processo sumário (art.º 412.º do CPP).

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Em suma, pode-se dizer que a distinção entre penas de curta, média e longa duração é
particularmente relevante na medida em que possui uma clara correspondência às categorias
criminológicas da pequena criminalidade, da criminalidade média e da grande (ou grave)
criminalidade, indicando, também por esta via e de uma maneira mais lata, a necessária
diversificação de estratégias da alternativa à prisão ou da sua substituição.

3. A EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO


a) Generalidades

Já dissemos que o nosso Código Penal não contempla nenhuma norma alusiva à execução das
penas de prisão.
No entanto,
A execução das penas de prisão é regulada por legislação especial, na qual são fixados os
deveres e os direitos dos reclusos.
Salientar que, atualmente uma certa doutrinas considera, como boa razão, que a matéria de
execução das penas de prisão deve constituir disciplina autónoma no universo das ciências
criminais e, consequentemente, dar lugar a um ensino particularizado no conjunto da formação
jurídica.

O Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, constitui uma espécie de lei fundamental em tema
de execução das reações criminais detentivas (penas e medidas de segurança privativas de
liberdade), cujas ideias mestras se casam completamente com as conceções político-criminais
básicas do Cód. Penal de 2004 em matéria de pena de prisão.
A multiplicidade de problemas considerados naquele diploma legal (das finalidades de
execução à posição jurídica do recurso; da regulamentação do decurso da vida diária ao
trabalho prisional; da assistência espiritual à módico-sanitária das visitas e correspondência às
licenças de saída do estabelecimento; da manutenção de segurança e ordem à utilização de
meios coercivos) confirma em absoluto a conveniência de um tratamento a se de toda esta
problemática e a impossibilidade de ele, ainda que per suma capita, ser levado a cabo aqui.

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Nas últimas décadas, de resto, o problema da execução das reações criminais detentivas foi
sentido com tal intensidade na generalidade dos países que, em consequência, se
desenvolveram esforços a nível internacional para codificação das exigências mínimas que de-
veriam ser aceites por todas as legislações em matéria de execução das sanções privativas de
liberdade.
Produto desses esforços foi a elaboração das Standard Minimum Rules for the Treatement of
Prisoners, aceites em 1955 pelo 1.º Congresso da O. N. U. sobre a Prevenção do Crime e o
Tratamento dos Delinquentes e cuja aplicação foi recomendada aos Governos por Resolução do
Conselho Económico-Social da O. N. U.
Em 73 o Comité de Ministros do Conselho da Europa aprovou uma nova redação (em alguns
pontos, sem dúvida, melhorada) daquelas Regras Mínimas.
Uma comparação atenta das disposições do nosso Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, com
essas regras revela que aquelas respondem, praticamente em todos os pontos, às exigências
destas; e que, em alguns outros pontos, notoriamente as ultrapassam.

b) Problemas especiais
Pese embora ao que ficou dito sobre a autonomia do tratamento e do estudo da execução das
penas privativas de liberdade, dois problemas há ali que relevam tão direta e centralmente para
o conjunto de temas próprios do direito das reações criminais que não devem deixar de ser, se
bem que brevemente, considerados neste contexto. São eles:
O problema das finalidades da execução, em particular do eventual conflito que entre elas se
desenha, e a questão da posição jurídica do recluso.

i) Finalidades da execução da pena de prisão


Em relação às finalidades das penas, temos os art.º 47.º do Cód. Penal e o art.º 5.º do CESPC,
ao invés,
Em relação à finalidade/objetivo fundamental da execução das sanções penais temos o art.º
15.º, n.º 1, do Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10.

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Assim,
Segundo o n.º 1 deste artigo, “a execução das sanções penais condenatórias tem como
objetivos fundamentais, além da eficácia da repressão e exemplaridade da condenação
penais, promover a socialização dos reclusos ou internados, de acordo com a correspondente
política nacional e do disposto nos números seguintes”.
E antecipa o n.º 1 do art.º 12.º do Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, que a execução das
sanções penais condenatórias «serve, também, para a defesa da sociedade, prevenindo contra
a prática de novos crimes ou pressupostos de estados de perigosidade».

O art.º 15.º, n.º 2, al. a) do Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10, declara que «na
prossecução da socialização, a execução das penas e medidas de segurança privativas da
liberdade, deve orientar-se no sentido de reinserção social do recluso ou internado,
preparando-o para conduzir sua vida após a reclusão ou o internamento de modo socialmente
responsável, sem cometer novos crimes ou sujeitar-se a pressupostos de estados de
perigosidade».
Da consideração conjunta das duas normas resulta suficientemente fundada a conclusão de que
uma das finalidades cimeira da execução é (ressalvados, porventura, certos casos-limite
concretos em que tal se torne, pela própria natureza das coisas, de todo inútil ou impossível) a
prevenção especial positiva ou de socialização.

Finalidade esta que, por sua vez, se traduz concretamente em oferecer ao recluso as condições
objetivas necessárias não à sua emenda ou «reforma moral, sequer à aceitação ou
reconhecimento por aquele dos critérios de valor da ordem jurídica, mas à «prevenção da
reincidência» por reforço dos standards de comportamento e de interação na vida comunitária
(condução da vida «de forma socialmente responsável».

ii) Posição jurídica do recluso

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A posição jurídica do recluso na execução caracterizar-se-á pelo melhor, dizendo que o recluso
deixou de ser «objeto» para passar a ser sujeito da execução.
Em conformidade com esta ideia, dispõe o art.º 13.º, n.º 2, do Decreto-legislativo n.º 6/2018, de
31/10, que «na execução das sanções condenatórias (…) a autoridade de execução deve (…)
assegurar o respeito pela dignidade da pessoa do detido, recluso ou internado e pelos demais
princípios fundamentais consagrados na Constituição, nos instrumentos de Direito
Internacional e nas leis sobre a dignidade da pessoa humana não afetados pela decisão
condenatória ou cautelar».
Ler as demais alíneas do n.º 2 do art.º 13.º do Decreto-legislativo n.º 6/2018, de 31/10.
Aos preceitos citados já se não encontra subjacente uma visão do recluso - típica, de alguma
forma, do Estado de Direito liberal - como alguém submetido a uma «relação especial de
podem, em nome da qual lhe podiam ser discricionariamente limitados ou negados direitos
fundamentais.
A visão do recluso, promovida de certo modo pela cláusula da estadualidade de direito social, é
agora a de uma pessoa sujeita a um mero «estatuto especial», jurídico-constitucionalmente
credenciado (CRCV, art.º 34.º) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os
direitos fundamentais; à exceção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na
medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-
constitucional credenciou o estatuto especial respetivo.
Estar-se-á então, neste caso, perante um conflito de bens ou de interesses jurídico-
constitucionais que não deve ser resolvido, em princípio, pelo sacrifício integral do reputado
menos importante ao mais importante (princípio da ponderação dos bens ou interesses
conflituantes), mas pela recíproca e proporcional limitação de ambos, em ordem a otimizar a
solução, conservando-os, na situação, em toda a medida possível (princípio da concordância
prática).

V- PENAS PRINCIPAIS: A PENA PECUNIÁRIA (PENA DE MULTA)

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A evolução da pena de multa e o seu significado político-criminal

I. A situação em geral
O alargamento do âmbito de aplicação efetiva da pena pecuniária ou pena de multa,
ligado a uma preferência declarada por ela face à pena privativa de liberdade,
constituiu um dos anseios mais profundos da reforma penal de 2004 (art.º 82.º).
É costume assinalar que a pena de multa mergulha a sua raiz histórica no momento
em que, ultrapassado o período da «faida» e do «talião», o Estado começa a regular a
“compositio”.
Não sem razão: se é verdade que a compositio possuía dimensões que vão para além
da multa como pena, não o é menos que a parte que revertia para o Estado continha já
os elementos essenciais da pena de multa. E esta foi, com efeito, usada liberalmente
no direito da alta Idade Média e, em particular, no Código Visigótico e em múltiplos
forais - como calumnia, como coima e como achada-, bem como nas próprias
Ordenações.

O triunfo da pena de multa como peça essencial da política criminal e do sistema


sancionatório está ligado à crise que, a partir dos fins do séc. XX, atinge as penas
de prisão de curta duração e para a qual contribuíram decisivamente os escritos de
Boneville de Marsangy em França e de v. Liszt na Alemanha.
A atribuição à pena de multa de um papel político-criminal primordial implicava,
porém, na generalidade dos países que a conheciam apenas sob as formas de multa
em quantia certa ou a fixar entre um máximo e um mínimo legais - sistemas que
poderão chamar-se da soma, da soma complexiva ou da multa global - uma extensa e
profunda reconformação.
Reconformação que permitisse, a um tempo, a sua perfeita adequação ao ilícito e à
culpa e, noutra vertente, a sua sensibilidade às condições económico-financeiras
do agente; para que, de outro modo, tal pena se não tornasse injusta pelo peso
insuportavelmente desigual que representaria para os pobres e para os ricos.

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A solução foi encontrada no modelo, dito «escandinavo», dos dias-de-multa,
segundo o qual a fixação da multa se processa fundamentalmente através de duas
operações sucessivas e autonomizadas:
- Uma primeira, através da qual se fixa o número dos dias de multa em função dos
critérios gerais de determinação da pena (culpa e prevenção);
- Uma segunda, através da qual se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função
da capacidade económico-financeira do agente.
Com estas características ficava a pena de multa habilitada a desempenhar o papel,
que dela se esperava, de verdadeira alternativa à pena de prisão no domínio da
pequena e da média criminalidade.

Foi propósito do CP de 2004 abandonar de vez a conceção segundo a qual à pena


pecuniária deve ser atribuído «um papel somente marginal e subsidiário” e dar
expressão prática à convicção da superioridade político-criminal da pena de multa
face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade.
A pena de multa passou, assim, a desempenhar um papel de primacial importância
nos quadros da nova política criminal.

II. Caracterização dogmática e político-criminal geral da pena de multa


1. Essência e finalidades
A pena de multa só pode ser tomada como instrumento privilegiado da política
criminal quando surja não apenas no seu enquadramento legal, mas também no
conceito social formado à luz da sua aplicação, como autêntica pena criminal, antes
que como mero «direito de crédito do Estado» (ainda que de natureza publicista)
contra o condenado. Esta asserção, aparentemente trivial, revela-se, a uma
consideração mais próxima, corno verdadeiramente essencial e prenhe de
consequências práticas.

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A pena de multa deve ser legalmente conformada e concretamente aplicada em
termos que permitam a plena realização, em cada caso concreto, das finalidades
das penas, em particular da de prevenção geral positiva, limitada pela culpa do
agente.
É indispensável, por outras palavras, que a aplicação concreta da pena de multa não
represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou
isenção da pena que se não tem a coragem de proferir. Até porque, então, tornar-se-á
inelutável a tendência para restringir o âmbito de aplicação da pena de multa
unicamente à criminalidade bagatelar e (o que é ainda pior) para ver na multa uma
pena político-criminalmente «subordinada» à pena de prisão.
Impõe-se, pelo contrário, que a aplicação da pena de multa represente, em cada
caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a
comunidade da validade e vigência da norma violada.

2. Valoração político criminal


A intenção do CP vigente de fazer da multa a pena legalmente preferida, face à de
prisão, para sancionamento da pequena e da média criminalidade é, depois de quanto
ficou dito, incondicionalmente de aplaudir.
Na sua base, com efeito, reside a convicção fundada de que todo o sistema
sancionatório (e nomeadamente o sistema penitenciário) pode ser substancialmente
melhorado se diminuírem de forma significativa os casos de aplicação de penas de
prisão efetiva.

i. Vantagens
As vantagens da pena pecuniária sobre a pena de prisão surgem hoje como
indiscutíveis a um são entendimento político-criminal.
A maior dessas vantagens é a de não quebrar a ligação do condenado aos seus
meios familiar e profissional, evitando, por esta forma, um dos mais fortes efeitos

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criminógenos da pena privativa de liberdade e impedindo, até ao limite possível, a
dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam.
A esta vantagem acresce a de a pena pecuniária, para além de ser, pelo menos,
(quando se tenha em vista o sistema dos dias-de-multa), tão perfeitamente graduável
quanto a pena privativa de liberdade, deter a potencialidade de uma execução mais
elástica através do pagamento a prazo ou a prestações.
Ao que seria farisaico não fazer acrescer uma última vantagem para o Estado e, em
definitivo, para a comunidade: se a pena pecuniária não deve obviamente ser utilizada
como instrumento de cobrar receitas, é indiscutível o alívio que provoca nos custos
administrativos e financeiros do sistema formal de controlo, tanto por força da
facilidade (ao menos relativa) da sua execução, como diretamente por mor das
receitas que gera.

ii. Inconvenientes
Face a essas incontroversas vantagens político-criminais da pena pecuniária, o maior
inconveniente que sempre que se assaca à pena de multa é o do peso desigual que
apresenta para os pobres e os ricos; e, na verdade, numa sociedade ainda marcada
por diferenças profundas na condição socioeconómica dos seus membros, bem se
compreende que aquela desigualdade seja inevitável, por ser diversa, naqueles e
nestes, a «sensibilidade» à pena de multa.
Mas, desde logo, a pena privativa de liberdade não se encontra imune (e,
seguramente, em não menor medida) àquela diferenciação de sensibilidade.
Por outro lado, a referida desigualdade não é suficiente para pôr em causa o princípio
jurídico-constitucional da igualdade, tal como se encontra consagrado no art.º 24.º da
CRCV. E ela é, de todo o modo, diminuída até ao extremo possível através do
sistema dos dias-de-multa, com a sua autónoma operação de determinação da pena
visando adequar o quantitativo diário da multa à situação económico-financeira do
condenado.

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Tem-se acentuado, em segundo lugar, que a pena pecuniária pode desencadear
consequências familiares desfavoráveis, pelo reflexo que sobre a família terá, a
deterioração da situação económico-financeira do condenado podendo acabar
mesmo por representar um sofrimento injusto para quem não é responsável pelo
crime. Se também este argumento é, em si mesmo considerado, exato, a verdade é
que se trata ali de efeitos laterais, indesejados, mas inevitáveis, de qualquer pena; e,
de todo o modo, de efeitos incomparavelmente menos desfavoráveis e perniciosos,
também neste contexto, do que aqueles que resultariam de uma pena privativa de
liberdade.
Mais de ter em conta é a possibilidade de, com a aplicação da pena de multa, se
originar (ao colocar o condenado, porventura durante longo tempo, no limiar mínimo
existencial ou próximo dele) um efeito secundário criminógeno e, portanto, político-
criminalmente perverso: o incitamento a que o agente cometa novos crimes que
possam compensar a perda pecuniária sofrida com a multa. E esta é uma
circunstância a que o juiz pode legitimamente atender na determinação da pena,
dentro do que seja imposto pelo respeito devido aos limiares mínimos da prevenção
geral positiva.
Tem-se dito, também, que a pena de multa apresenta, face à pena de prisão, uma
eficácia geral preventiva de grau menor e, em muitos casos, insuficiente.
Pressuposta, porém, uma correta determinação legislativa do âmbito de aplicação da
multa, aquela crítica torna-se improcedente: ponto é só que, a conformação legal
desta pena se aponte limites suficientemente amplos para que, na sua determinação
concreta, possa ser tomada na devida conta a diversidade de situações com que pode
deparar-se.
Mais,
Já se disse que a grave inconveniente da pena de multa residiria na sua indiferença
às exigências de prevenção especial de socialização e com este argumento chegou-se
mesmo ao ponto, em Itália, de pretender inconstitucionalizar a pena pecuniária, face
ao que dispõe a Constituição italiana sobre a finalidade ressocializadora da pena. A

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Corte Costituzionale repudiou, porém, o argumento. E com razão: se considerações
de prevenção especial de socialização não são aqui tão evidentes e decisivas como na
pena privativa de liberdade, elas não deixam, todavia, de jogar o seu papel, seja em
geral quanto ao tipo de pena em causa, seja em particular no ato da sua determinação
concreta.

3. Âmbito de aplicação
É muito amplo o âmbito de aplicação da pena de multa, segundo o nosso direito penal
vigente.
Para uma sua correta explanação importa, porém, distinguir as diversas formas sob as
quais a pena de multa surge no ordenamento jurídico-penal.
Formas sob as quais a pena de multa surge no ordenamento jurídico-penal:
- A multa «autónoma»;
- A multa alternativa; e
- A multa complementar; e
- A multa de substituição.

a) A multa «autónoma»
Em certos casos a pena de multa surge como única espécie de pena prevista para
um certo tipo de crime, falando então aqui correntemente a jurisprudência da multa
como pena «autónoma».
Isto acontece na legislação penal secundária, não fazendo parte da parte
especial do CP.
Esta raridade não deve surpreender, dado que mesmo para a criminalidade mais
pequena, a previsão da multa em alternativa à prisão não deveria ter consequências
indesejáveis, por isso que, nestes casos, a multa deve, salvo contadas exceções ser
aplicada em vez da prisão (art.º 82.º).

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Além de que uma tal previsão em alternativa poderá apresentar vantagens de
praticabilidade e eliminação de dúvidas, nos casos em que a pena efetivamente
cumprida venha a ser a de prisão sucedânea por a multa não haver sido paga.

b) A multa alternativa
A forma por excelência de previsão da pena pecuniária (por ser a que
verdadeiramente realiza as intenções político-criminais mais profundas do
ordenamento jurídico-penal vigente) é como alternativa à pena de prisão; quando,
pois, a lei pune um crime com prisão até x meses (ou anos) ou com multa até y dias.
Isto sucede com uma parte significativa (embora, em todo o caso, insuficiente) dos
crimes punidos na parte especial do nosso CP com prisão superior a 1 anos (v.g.:
art.ºs 126.º, n.º 1, 128.º, 131.º, 135.º etc.).
A circunstância de, no teor literal da lei, a pena de multa vir mencionada em segundo
lugar depois da pena de prisão, não deve em nada prejudicar o reconhecimento de que
a multa é, em todos estes casos, legalmente preferida: é terminante, nesse sentido, o
disposto no art.º 82.º

c) A multa complementar
A legislação penal secundária faz ainda um uso liberal da multa como pena
complementar da pena de prisão; prevendo, em algumas situações, pena de prisão
até x meses e multa até y dias. Trata-se de uma solução político-criminalmente
indefensável e contraditória com os pressupostos, de que parte o legislador de 2004.
Ex: Condução de veículos automóveis na via pública sem carta de condução

d) A multa de substituição
É corrente acentuar que a pena de multa surge ainda, na sua forma de pena de
substituição, nos casos em que, mesmo que a lei a não preveja expressamente para
certo crime, vem a ser concretamente determinada uma pena de prisão não
superior a 1 ano (art.º 52.º, n.º 1, do CP).

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Nestes casos, com efeito, a pena de prisão será substituída pelo número de dias de
multa correspondente, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de
prevenir a prática de futuros crime (art.º 52.º, n.º 1, parte final).
Não é correto, todavia, colocar esta espécie de pena de multa ao lado das
anteriormente mencionadas. E não é correto porque se trata aqui de uma pena
diferente da pena de multa enquanto pena principal, que possui regime próprio e
merece, por isso, consideração doutrinal e sistemática autónoma.

III. O procedimento para determinação da pena de multa

1. Consideração preliminar
Atendendo que a pena de multa é determinada entre um mínimo e um máximo
fixados, essa opção permite individualizar a pena em função da culpa e da
situação económico-financeira do agente.
Persistem contra ela, todavia, objeções político-criminais, dado que a referida
individualização só pode ser alcançada por forma imperfeita, insuficiente e não
racionalizável, mas intuitiva. Efetivamente, a determinação concreta da multa é
aqui levada a cabo em um único ato, no qual o juiz tem simultaneamente de
considerar (todavia segundo critérios profundamente diferentes) o fator da culpa e
o da situação económico-financeira do agente. O resultado é em consequência,
insatisfatório, dado sobretudo o diferente peso que aqueles fatores podem
apresentar para determinação concreta da pena.
Face a estes sistemas de soma global, o sistema dos dias-de-multa é, assim, o
único que permite a integral realização das intenções político-criminais e aos
referentes jurídico-constitucionais que na aplicação da multa convergem.
O sistema dos dias-de-multa permite a realização integral das intenções político-
criminais e as intenções jurídico-constitucionais que na aplicação da multa

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convergem através de um procedimento complexo, integrado basicamente por
dois atos autónomos.
Atos autónomos que permitem a realização integral das intenções político-
criminais e as intenções jurídico-constitucionais:
- A determinação da medida da pena, nos quais se consideram em separado
sucessivamente, os fatores relevantes para a culpa e a prevenção; e
- A situação económico-financeira do condenado. Mas,
A estes dois atos acrescerá, com carácter eventual, um terceiro, através do qual se
determinará o modo concreto de cumprimento da pena.
São esses diversos atos que, em seguida, se estudarão com algum pormenor.

2. A determinação do número de dias de multa


No procedimento para determinação concreta da pena segundo o sistema dos
dias-de-multa, o primeiro ato do Juiz visa fixar, dentro dos limites legais, o
número de dias de multa, em função dos critérios gerais de determinação concreta
(medida) da pena (art.º 67.º, n.º 1, do CP).
O limite mínimo é de 20 dias e o máximo de 500 (art.º 67.º, n.º 1, do CP),
valendo estes limites mesmo para o caso de Concurso de crimes, de acordo com o
estipulado (em todo o caso com duvidosa conveniência político-criminal).
Quanto ao reenvio para os critérios gerais de determinação (medida) da pena nesta
operação, significa ele que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre
em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do art.º
83.º, n.º 1, CP, concretizados pelo n.º 2 do mesmo preceito.
Assim, todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção, geral e
especial, devem exercer unicamente influência nesta fase de determinação da pena e,
portanto, sobre o número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário.
Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico-financeira do
condenado qua tale deve ser expurgado de consideração nesta fase, apenas

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assumindo relevância na fixação do quantitativo diário da multa (salvo quando tal se
mostrar de imediata relevância para determinação da medida da culpa).

3. A determinação do quantitativo diário


O segundo ato do Juiz na determinação concreta da pena segundo o sistema dos
dias-de-multa visa fixar, dentro dos limites legais, o quantitativo de cada dia de
multa em função da situação económico-financeira do condenado e dos seus
encargos pessoais (art.º 67.º, n.º 2).
O limite mínimo diário é de 100$00 e o máximo de 20.000$00 (art.º 67.º, n.º 2).
Deste modo se visa dar realização, também quanto à pena pecuniária, ao princípio da
igualdade de ónus e sacrifícios, só restando considerar que, a esta luz, o aludido
máximo é hoje já inadmissivelmente baixo e deve, no futuro, ser sensivelmente
elevado. No perfazer desta operação de determinação da pena pecuniária suscita-se,
porém, um certo número de dificuldades que exigem consideração.

Dificuldades que se suscitam na determinação da pena pecuniária e que exigem


consideração:
- A situação económico-financeira do condenado;
- Rendimentos e encargos;
- Deveres e obrigações do condenado;
- Carência de rendimentos próprios; e
- Problemas processuais;

a) A situação económico-financeira do condenado


Como se viu, o art.º 67.º, n.º 2, manda atender à «situação económica e financeira do
condenado». Mas não oferece ao Juiz quaisquer critérios que o auxiliem na
determinação daquela situação para o efeito em causa; diversamente do que sucede,
p. ex., com a legislação alemã, que manda que o Juiz parta «em regra do rendimento
bruto que o agente, em média, tem ou poderia ter diariamente».
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