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O ESPELHO

Peça baseada no conto “O Espelho”, da


obra “Primeiras Estórias”, de
Guimarães Rosa.

Autores: JV Batista e Elenco


Diretor: JV Batista
Florianópolis, 2018
ATO I

CENA I

- Entra pú blico;
- Sobe mú sica. (TASH SULTANA – JUNGLE)
- Entra atores;

- Atores ficam fazendo jogo de ocupar espaços no corpo do colega;


- Até que um decide nã o ocupar nenhum espaço e fica por conta pró pria. Outro também
desconecta com o colega e assim por diante;
- Em algum momento caem, um por um, no chã o.

ANA: “A cortina se abre lentamente


E aos poucos vão aparecendo
Cada um com a sua cara e vestes
Guiados pelos olhos que seguem vendo.”

(Som de campainha)

LUANA: “Você sabe o que você é?”

NATHÁLIA: “Não sei...”

(Som de campainha)

LUANA: “Não tem nem ideia?”

NATHÁLIA: “Não...”

(Som de campainha)

LUANA: “Será que as coisas simples hoje são recebidas de maneira complicada?”

NATHÁLIA: “Talvez...”

(Silêncio)

TACI: “A verdade é que tem coisas que eu digo que eu nem pensei ainda, e passo a pensar
justamente porque disse.”

VAGNER: “Me disseram: todo mundo tem seu próprio tempo.


Entendo...
Mas qual tempo é esse que eu não sinto?”

CLAUDIA: “Tristeza não tem fim, Felicidade sim”

ALEX: “Se meu filho nem nasceu


Eu ainda sou o filho
Se hoje canto essa canção
O que cantarei depois?”
BIA: “Até hoje vemos repulsas de seres em seus próprios mundos hipócritas, escondidos e sem
saber onde estão presos. alienados ou protegidos seria a questão ?”

ALUNA: “Não sei se vou conseguir, tenho medo de me repudiarem, será que serei capaz de
conseguir ir a diante? “

LUANA: “continuei imóvel, tão imóvel quanto a lua que reluzia no céu.”

ANA: “O que quero é aparecer e agradar


Com a minha máscara o esconderijo,
Que com certeza o povo não descobrirá.
Vamos! O drama é o meu estilo!”

TACI: “Sequer percebem que entre aquele amontoado de orações subordinadas estava o meu
coração.”

VAGNER: “Acho que de tanto falarem, se esqueceram de me ensinar como eu faço pra aceitar
o meu próprio tempo.”
CLAUDIA: “ A felicidade é como a noite, passando, passando... Em busca da madrugada”
ALEX: “Se sou eu ainda jovem
Passando por cima de tudo
Se hoje canto essa canção
O que cantarei depois?...”

BIA: “Na realidade nós aceitamos a realidade que achamos merecer ter. “

NATHÁLIA: (Rindo) “Achamos merecer ter...”

ALUNA: “Nos afundamos em belezas que não existem. Como uma roupa pode ser mais bela
que o detalhe do seu nariz?”

LUANA: “Mais parecia que eu nunca estive ali, respirei fundo desviei os olhos, que fixados
estavam no nada, e percebi que talvez fosse tarde demais”

ANA: “O público alvo está aqui, está lá,


Pode ser um ou até milhares
O que importa? Ouvirão a fala.
Talvez não haja fortes olhares
Mas ouvirão a fala...”

TACI: “E de tanto que eu falei, minhas palavras voltaram-se contra mim.”

VAGNER: “E o que foi prometido


Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens.”

CLAUDIA: “Falem baixo, por favor


Pra que ela acorde alegre com o dia”

ALEX: “Quando se sabe ouvir


Não precisam muitas palavras
Muito tempo eu levei
Pra entender que nada sei
Que nada sei!...”
LUANA: “Eu estava lá, como estou aqui agora, escrevendo tão rápido em meus pensamentos
que estava a ponto de gritar comigo mesma e dizer : Chega!”

- (Entra mú sica: Die with a Smile)


- Os atores se levantam e entregam um espelho para cada um da plateia.
- Ficam andando pelo espaço, passando pelo pú blico e interagindo com eles. Fazendo eles
se olharem no espelho, trocando-os de lugar, trocando o espelho das pessoas, fazendo com
que quem ainda nã o se viu, veja.
- OBJETIVO: Fazer todos se olharem no espelho. Até o diretor.
- Apó s esta movimentaçã o, cada ator pega um espelho para si e fica olhando seu reflexo.

CENA II

TACI: “Se quer seguir-me, narro-lhe.”

ANA: “Não uma aventura, mas uma experiência.”

VAGNER: “A que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições.”

LUANA: “Tomou-me tempo, desânimos, esforços.”

NATHÁLIA: “Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento


que os outros ainda ignoram.”

LUANA: “O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na
verdade — um espelho...”

CLAUDIA: “Tudo é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles...”

ALEX: “Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.”

BIA: “Se quer seguir-me, narro-lhe.”

ANA: “Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.”

TACI: “Fixemo-nos no concreto. Os espelhos, são muitos, captam as feições.”

NATHÁLIA: “Há-os «bons» e «maus», os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas
honestos.”

CLAUDIA: “E onde situar o nível dessa honestidade?”

ALEX: “Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível?”

VAGNER: “O senhor dirá: as fotografias o comprovam”

(JV passa pela plateia mostrando fotografias dos atores.)

ANA: “Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas as ilusões, seus
resultados apoiam antes que desmintam a minha tese. Revelam aos nossos olhos, os índices do
misterioso.”
TACI: “Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito
diferentes.”

LUANA: “Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas
mais importantes.”

CLAUDIA: “E as máscaras, moldadas nos rostos?”

TODOS: “As máscaras.” (Atores interagem com o público mandando eles falarem “máscaras”
também.)

BIA: “Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.”

ALUNA: “Fenômenos considerados perigosos na mão de pessoas despreparadas...


principalmente as pobres... e não estou falando de dinheiro...

ALEX: “Sou do interior, na nossa terra, dizem que nunca se deve olhar em espelho às horas
mortas da noite, estando-se sozinho. Porque, neles, às vezes, em lugar de nossa imagem,
assombra-nos alguma outra e medonha visão.”

NATHÁLIA: ”Os espelhos são coisas para termos medo.”

VAGNER: “Não sejamos enganados pelos olhos... eles são as portas para o engano.”

TACI: “Sou, porém, positiva, racional. Satisfazer-me com fantasias não explicadas? — jamais.
Que amedrontadora visão seria então aquela? Um monstro?”

LUANA: “A alma do espelho...”

VAGNER: “Que esplêndida metáfora.”

ALUNA: “Que metáfora esplêndida.”

NATHÁLIA: “Porém... numa manhã de sábado... Eu era moça, contente, vaidosa. E descuidada,
avistei… Explico-lhe: um espelho. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil
humano, desagradável a um certo grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele ser,
causava-me uma mistura de ódio, susto e pavor. E era — logo descobri… era eu mesma.”

- (Entra mú sica: Mercy – Jacob Banks). *Fazer movimentos/coreografia com base na


mú sica. * Até 1:05.

 1 – Atores abaixam a cabeça quando a mú sica começa.


 2 – Andando até a arquibancada eles vã o puxando a respiraçã o e solto de forma
exagerada;
 3 – Sentam-se em fila, um no lado do outro, na arquibancada;
 4 – levanta a cabeça, joga fora pro lado direito, esquerdo, frente. 1 vezes.
 5 – levanta cabeça, passa mãe direita, mã o esquerda, baixa cabeça, levanta e puxa
do pescoço.
 6 – gira cabeça para direita, para esquerda, joga corpo pra frente; 2 vezes.
CENA III

Os atores estã o agora, sentados na arquibancada, com o corpo caído.

TACI – “Desde aí, comecei a procurar-me — eu por detrás de mim. Me sentia insuficiente,
comecei a me apaixonar pelo silêncio. Com o passar de horas e horas comigo mesma, comecei
a me observar mais... Olhava nos espelho dos meus próprios olhos e um vazio o preenchia... “

LUANA – “ Eu não deveria ter nascido. (todos levantam a cabeça e abaixam novamente). Quem
me ouviria? Nem eu mesma me ouvia. Por que me ouviriam? Eu não havia nada a dizer. Passei
a ser o que mais temia, aquele tipo de menina que se importa com o que os outros pensam
dela.
No fundo, eu era uma menina solitária, invisível. E pra ser bem sincera: era o que eu realmente
queria ser. (Todos levantam a cabeça e abaixam novamente). Mas aquela máscara servia
como refúgio para os meus problemas...”

ALEX: “ Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta a sua imagem, o ódio reflui e
recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si
mesmo.”

VAGNER: “Por que as coisas são sempre assim? Será que nada irá mudar? (Todos levantam a
cabeça e abaixam novamente) Eu espeto agulhas em minha pele e firo-me por fora tentando
matar o que está dentro de mim, e as minhas torturas parecem que não querem ir embora, e
eu não consigo parar de ir atrás delas.
Se eles percebessem o que está oculto por trás de cada sorriso meu, eles chorariam junto de
mim...”

CLAUDIA: “A felicidade é como a gota


De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira”

NATHÁLIA: “Ao terminar este sentido poema


Onde vazei a minha dor suprema
Tenho a alma em lágrimas imersas...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos."

BIA: “Nós sempre iremos tontear a debater de frente com a verdade, ela é cruel demais para
seres tão fracos. “

ALUNA: “Somos considerados seres fracos mas somos tão fortes para encarar esta hipocrisia
que nos rodeia... esta mesma hipocrisia que nós mesmos colocamos em ação... olha que
ironia... Somos seres irônicos, e ironicamente adoramos isso. Pois desde que o mundo é mundo,
sempre foi assim... Mas vale a pergunta: quando deixará de ser?”

ANA: “Um teatro, o mundo é um teatro


Com suas cortinas dividindo suas classes.
Do pecador ao sacerdote a troca de hábito,
Da alta sociedade a plebe o cheiro do enlace.

O primeiro ato termina e meus olhos atentos


Buscam nas páginas a nova mentira acolhedora.
A cortina traz aos fracos e bajuladores o alento,
Para que aos perfumes e sedas viva a alma sonhadora.”

(Entra mú sica “Haute - Shut Me Down”)

 Os atores ficam se olhando nos espelhos, de forma assustada e curiosa.


 Apó s o fim da mú sica, cada ator escolhe um lugar no espaço e paralisa.

CENA IV

LUANA: “Após eu tirar todas camadas da máscara que em meu rosto estava, olhei-me ao
espelho novamente... e para minha surpresa: Não via absolutamente nada! E a terrível
conclusão surgiu: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu
um… desalmado? (todos os atores fazem o varal e com a continuidade do texto, vão subindo,
lentamente)
E, seria assim, com todos?”

BIA: Quando eu retirei aquilo, nada mais fez sentido, parece que eu era um ser de outro
planeta. Mas, a questão é: quando eu sou de outro planeta, quando sou eu? Ou quando sou
quem querem que eu seja?

TACI: “Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo
me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça: por um certo tempo, nada
enxerguei. Só então, só depois: uma leve criatura. Era homem, mulher? Não sei! Sua imagem
estava de forma nublada me deixando dúvidas... Que luzinha era aquela?

VANGER: “Era uma criança.”

ANA: “Era uma criança! E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças
em nossa essência?

ALEX: “Você chegou a existir?”

TACI: “Sim? Mas, então, está destruída a ideia de vivermos em agradável acaso, sem razão
nenhuma, num vale de bobagens?”

ALUNA: “Esse espelho reflete mentiras, estamos presos à ele, como se estivéssemos na torre
de um castelo...”

NATHÁLIA: “Livrando-me de todas aquelas malditas traças penetradas em meu rosto,


roubando-me meu verdadeiro eu... livrando-me daqueles padrões... livrando-me daquela
máscara moldada pela sociedade, serei eu uma criança? O mais puro e inocente dos seres?”
LUANA: Terei eu recebido uma segunda chance?

VAGNER: Segunda chance de quê?

(Silêncio)
(Toca uma campainha)

VAGNER: Segunda chance de quê?

(Silêncio)
(Toca uma campainha)

VAGNER: “Segunda chance de quê?”

LUANA: “De ser o que eu quiser!”

VAGNER: “Então por que demorou tanto para responder?”

LUANA: “Talvez porque eu não esteja pronta...”

NATHÁLIA: “Talvez ninguém aqui esteja pronto...”

(Silêncio, todos se olham).

TACI “Se me permite, espero, agora, sua opinião, sobre este assunto. O que você foi? O que
você é? O que você vai ser? E o mais importante: o que você quer ser?”

NATHÁLIA: “Repare que há uma grande diferença entre o que você vai ser e o que você quer
ser!”

ALEX: “Eu vou ser...”

CLAUDIA “Eu quero ser!”

ANA: “Ser ou não ser... eis a questão.” (olha para alguém da plateia e pisca um olho, com um
leve sorriso de canto de boca.)

- Sobe mú sica. (Perfect Ilusion – Lady Gaga)


- Atores começam vestir roupas, uma em cima da outra, a passar maquiagem e se olhar no
espelho, passar perfume, arrumar cabelo.
- Todas essas açõ es pedindo a opiniã o (com o olhar) do pú blico.

NATHÁLIA: “Eu nem sou tão boa assim


E se eu fosse
Também não seria tudo isso...
Nem isso, nem aquilo.
Segundo Fernando Pessoa,
Eu não seria, nem sou, nada.
Mas se eu sou nada, eu sou algo.
Afinal
Eu digo o verbo ser em primeira pessoa na frase
"Sou"
Se eu não sou nada
Tu és também.
Se é pra ser igual em tudo
Que sejamos nisso também.

(Silêncio)

Não, obrigado.
Pode ser nada sozinho.
Prefiro ser tudo.
De tudo um pouco,
Um pouco de tudo.
Esse sou eu
Não sei o que quero
Não sei o que sou
Não sei o que é a vida e a morte
Mesmo estando em uma das duas
E daqui a pouco em duas das duas
Daqui a pouco
Ou nem tão pouco
Ou pouco
Horas
Dias
Meses
Anos
Prefiro anos
Da pra fazer mais algumas besteiras,
conhecer as pessoas certas nas horas erradas novamente
As erradas, nas horas certas infelizmente
Esquece-las
Lembra-las
Vê-las
Esquece-las novamente
Viu...
Se eu fosse nada
Não poderia fazer nada disso
E nada disso eu poderia fazer
Nem repetir como eu repito a palavra nada
Pois eu não tenho nada à dizer.”

BLACK

FIM

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