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NEOCONSTITUCIONALISMO – O ATIVISMO JUDICIAL E A

INFLAÇÃO DO ESTADO-JUIZ

TEORIA DA CONSTITUIÇÃO (NOITE)

ANDRÉ DIAS FERNANDES

João Guilherme Marinho Machado¹

1. Introdução

O trabalho tem por objetivo trazer reflexões acerca do modelo contemporâneo


em que funcionam as relações jurídicas, e para isso faz-se necessário que, além do
conteúdo jurídico a ser analisado, haja uma fundamentação histórica e filosófica para
explicar as mudanças no modelo hegemônico de se pensar como deve ser o Direito
enquanto Norma, Ordenamento e Decisão.

Cada tópico tratará de um tema específico, que devem se alinhar até a


conclusão do trabalho, trazendo uma visão crítica ao neoconstitucionalismo, para
expor pensamentos de pouca divulgação no meio convencional acadêmico brasileiro.

Haverá uma digressão acerca da origem do constitucionalismo e do


neoconstitucionalismo, e os contextos que trouxeram estas mudanças hermenêuticas,
em especial as revoluções, guerras e o marco do pós-positivismo, visando a
demonstrar que, apesar das benesses, tais mudanças e sistemas também trazem
consigo perigos à noção de democracia, com base em uma análise jurisprudencial.

2. Constitucionalismo x Neoconstitucionalismo

O constitucionalismo traz consigo a ideia do Estado de Direito, que tem sua


fundação por meio da Lei. Para Rousseau, é uma manifestação da vontade social
formada pelos indivíduos, que sacrificam sua liberdade para que todos tenham uma
liberdade garantida e regulada, pois uma das definições argumenta que o Direito é
também uma ferramenta de regulação da convivência social (BOBBIO, 2001).

Em boa parte do período medieval as instituições que possuíam força


normativa não eram soberanas, e nem sempre competiam entre si, mas podiam

______________
¹João Guilherme Marinho Machado, graduando do Curso de Direito do Centro do
Universitário 7 de Setembro (UNI7), E-mail: gmarinho74@gmail.com
buscar estar em harmonia quanto à produção da norma jurídica, não havendo um
Estado Soberano (GROSSI, 2019), que só viria a surgir com a modernidade, como
previra Hegel, afirmando que o Estado se tornaria um deus terreno, que seria
soberano sobre as demais formas de poder.

Como dito anteriormente, a noção de um Estado soberano necessitava de uma


Lei que o fundamentasse, e neste contexto surgiu a Constituição escrita, um
documento normativo que deveria prever as normas fundamentais de um Estado, de
forma a prever direitos fundamentais aos indivíduos e limitar o próprio poder de
atuação do Estado, o que se chama de Rule of Law.

De uma transição de períodos conflituosos no século XX, nasce o pós-


positivismo, não uma escola de pensamento, mas sim um período histórico do
pensamento jurídico (assim como o pré-modernismo para a literatura), surge, então,
como uma nova forma de entender o constitucionalismo clássico, especialmente pós-
Segunda Guerra.

Os atentados aos direitos humanos cometidos por regimes totalitários fizeram


com os juristas tivessem que pensar além da perspectiva positivista de Kelsen, esta
entendia que o Ordenamento Jurídico se funda em uma Norma Hipotética
Fundamental, hipotética por não fazer parte de uma tipificação, e fundamental por dar
origem. A Constituição em si não é a Norma Hipotética Fundamental em que fala
Kelsen, mas sim sua consequência, pois esta é o ato político que faz nascer a
Constituição.

De acordo com Bernardo Gonçalves (2020), todo o contexto histórico dos


conflitos e do pós-positivismo foram atingidos por um marco teórico para formar o
neoconstitucionalismo.

Diferindo da doutrina constitucional clássica alemã e americana, o


neoconstitucionalismo aponta três principais características, a saber: que as leis
constitucionais agora devem ter o status de norma, e não apenas um status político
como em outrora (força normativa da constituição), que as decisões judiciais não se
limitem totalmente ao conteúdo puro da norma (como proposto pela Escola Dogmática
de Hermenêutica) e levassem em conta também os princípios, como também uma
aceitação que toda produção normativa tem como base a constituição, como condição
sine qua non deste estado neoconstitucional, surgindo os órgãos de Controle de
Constitucionalidade (todos estes fatores consagrando a expansão da jurisdição
constitucional e uma nova forma de interpretação constitucional).

Com uma analogia, pode-se explicar que a norma jurídica é a célula de um


corpo, o ordenamento jurídico. Desta forma, então, seria a Constituição o DNA, aquilo
que define as características de como tudo dever ser e se desenvolver, e as decisões
prolatadas definem o funcionamento deste corpo na prática. Pode-se dizer, portanto,
que a preocupação máxima do neoconstitucionalismo é a eficácia dos direitos
fundamentais, que eles irradiem da Constituição para todo o Ordenamento Jurídico.

3. Ativismo Judicial
Para que fosse possível o neoconstitucionalismo, foi necessário conferir mais
liberdade aos juízes de interpretar a lei para tomar decisões e, consequentemente, ter
que valorar, fundamentar.
Apesar de termos avanços jurídicos, políticos e sociais visíveis no que se trata
da justiça e equidade, a linha da história não é linear para uma máxima evolução –
como, erroneamente, diria Hegel. A história é um compilado de avanços e retrocessos,
em períodos com benesses e males, corolários da ação humana.
É bem verdade, então, que a liberdade conferida aos juízes possibilitou uma
inovação para interpretações em casos que trouxessem uma maior proximidade a um
valor abstrato de justiça, e não apenas uma adequação normativa ultra rígida. Um
belo exemplo se dá na vedação ao nepotismo no Poder Judiciário, que completou 15
anos em 2021, consagrada por meio da ADC 12.
Entretanto, há que se falar que a liberdade conferida aos juízes de interpretar
não traz apenas as benesses, mas também ameaças, e para expor os exemplos é
necessário antes definir o ativismo judicial, que seria atitude proativa do Estado-Juiz,
característica integrante do neoconstitucionalismo, mas aqui está proatividade do
ativismo judicial poderia ter mácula ao ultrapassar o equilíbrio entre os três poderes.
Ora, é o que também já aconteceu e têm acontecido nas decisões da nossa
Suprema Corte. É possível uma análise se eximindo de juízos valorativos acerca das
decisões, mas se propondo a juízos técnicos. A título de exemplo temos a ADO 26,
que criminalizou a homofobia e a transfobia, mesmo a constituição (Art. 5°, XXXIX c/c
Art. 22, CF/88), deixando claro que compete privativamente à União legislar sobre
matéria penal, consagrando o princípio da estrita legalidade.
Em outro exemplo, e mais recente, temos as medidas que assacam contra o
Estado Democrático de Direito, ao usurpar a competência no Ministério Público,
instaurando inquérito, investigando e julgando cidadãos que ousam tecer críticas à
Corte Suprema. Ora, onde se encontra a liberdade de expressão defendida na Carta
Magna? Suprimida pelo ativismo judicial?
Diz-se que é prerrogativa do Supremo embasado no Regimento Interno do
Tribunal:
Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do
Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou
pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro
Ministro.
Acontece que a promulgação da referida norma se deu 1980, anterior e
incompatível com a Constituição de 1988, não simplesmente por ser anterior, mas
pelo fato de colidir com regras e princípios da Lex Mater:

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;"

Mesmo levando-se em conta a presumida legalidade da lei, os juízes decidiram


por estender a interpretação de “dependências do Tribunal” como o terreno pátrio,
deixando nítido um tremendo abuso jurídico.

Esse tipo de prática atenta diretamente contra a principiologia adotada no


direito brasileiro. No devido processo legal, o Juiz Natural deve ser alheio aos
interesses das partes, o terceiro imparcial do litígio. Sob a égide da a Constituição e
das atuais normas processuais que tanto valorizam este caráter principiológico, como
conceber que aquele que julga é o mesmo que supostamente foi lesado e o mesmo
que investiga?

4. Conclusões
Vivenciamos, sem dúvidas, uma época sombria e complicada, onde as forças
políticas de cada lado cometem os mais absurdos atos de tirania, irresponsabilidade
e corrupção, mas apesar disso ainda se deve buscar o justo por ser justo, e não
apenas pela sua utilidade e possibilidade de concretização.

Dito isso, não há que se fechar os olhos para os abusos cometidos pelos juízes
ativistas, por um Estado-Juiz inflado no mais alto escalão, pois além do problema
procedimental, ignorar o devido processo legal gera insegurança jurídica, um dos
fatores pelos quais investidores e empresas fogem do Brasil, gerando também um
problema econômico.

O alto escalão jurídico é altamente suscetível à corrupção e ao abuso de poder


por parte dos que os representam, pois, estes mesmos que cometem os abusos
seriam os principais responsáveis, por exemplo, por declarar a inconstitucionalidade
da lei que atualmente lhes dá prerrogativa para estes atos. Bem como os responsáveis
por eventualmente lhes levarem a juízo fazem parte do Senado Federal do Brasil, com
certos políticos envolvidos em esquemas de corrupção que são constantemente
livrados pelos Ministros do STF da devida punição.

Sem sombra de dúvidas, é necessária uma melhor forma de pensar como


devem agir nossos juízes, e como devem influenciar a democracia, visando o
equilíbrio entre os poderes e a estabilidade jurídica e social.

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica, São Paulo, Edipro, 2001, p. 25.

GROSSI, Paolo. Um Direito sem Estado: a noção de autonomia como


fundamento da constituição jurídica medieval. Revista Jurídica da Presidência
Brasília v. 21 n. 123 fevereiro/maio 2019 p. 20-41. http://dx.doi.org/10.20499/2236-
3645.RJP2019v21e123-1902.

FERNANDES, B.G. Curso de Direito Constitucional, Salvador, Editora Juspodivm,


12 ed., 2020, p.

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