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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE

ARTIGO E PÓS-MODERNIDADE
ESPECIAL

ADOLES CÊNCIA: MODERNID


DOLESCÊNCIA ADE
MODERNIDADE E
PÓS - MODERNID ADE
MODERNIDADE
José Outeiral

NÃO SOU NENHUM SPINOZA abrangente: estará a modernidade em si, como


PARA FAZER PIRUETAS NO AR uma entidade sociocultural, desintegrando-se e
Tchekhov levando consigo todo o suntuoso edifício da
cosmovisão iluminista?”
Outro título possível... David Lyon
A METAMORFOSE AMBULANTE
DE PEDRINHO SKYWALKER Metamorfose ambulante
EM GOTHAM CITY Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do
que ter aquela velha opinião formada sobre
ENUNCIADO... tudo.
O enunciado básico desta bricollage, escrita Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor
em um style um tanto pós-moderno, é que lhe tenho horror
vivemos um período onde a sociedade e a cultu- lhe faço amor.
ra sofrem intensas mudanças e transformações
de paradigmas e valores que incidem podero- Raul Seixas, Metamorfose ambulante
samente na existência dos adolescentes, criando
um gap generacional, entre eles e os adultos. -I-
Este período é denominado por alguns autores A clínica do cotidiano nos permite constatar
como pós-modernidade. que, efetivamente, uma série de paradigmas e
valores de nossa Sociedade, circunstâncias
DEFINIÇÃO que se mantiveram relativamente estáveis
“A pós-modernidade é um conceito multi- no decurso de várias gerações que nos ante-
facetado que chama a nossa atenção para um cederam, estão sendo contestados, modificados
conjunto de mudanças sociais e culturais e, mesmo, substituídos por outros muito dife-
profundas que estão acontecendo neste final do rentes. Esta observação pode ser descrita
século XX em muitas sociedades “avançadas“. como o “advento” da condição pós-moderna
Tudo está englobado: uma mudança tecnológica (ou “...a lógica cultural do capitalismo tardio”,
acelerada, envolvendo as telecomunicações e o como descreve F. Jameson), ou seja, a etapa
poder da informática, alterações nas relações intermediária entre o “esgotamento” da moder-
políticas e o surgimento de movimentos sociais, nidade e o período que a irá suceder e que não
especialmente os relacionados com aspectos sabemos, exatamente, como será.
étnicos e raciais, ecológicos e de competição Na sociedade humana (escrevem vários
entre os sexos. Mas a questão é ainda mais autores, como Bertrand Russel), desde os seus

José Outeiral – Psiquiatra e Psicanalista. Membro Correspondência


Titular e Didata da Associação Psicanalítica Inter- Rua 24 de outubro, 838/302 – Porto Alegre – RS
nacional. Ex-professor da Faculdade de Medicina 90510-000
da PUC-RS.

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primórdios, sempre foi assim: durante um certo conhecimento científico sobre a interpretação
espaço de tempo, às vezes, abrangendo alguns teológica do mundo, o desenvolvimento das
séculos, uma série de elementos sociais, cidades e do comércio (surgem os “burgos”, as
econômicos e culturais permanecem, aparen- cidades, muitas vezes cidades-estado, e os
temente, estáveis até que em um determinado “burgueses”, uma nova classe social), a inven-
momento, que poderá ocupar algumas gerações, ção da imprensa (a descoberta de J. Gutemberg
ocorre uma “ruptura”, surgindo momentos de – 1397/1468 - colocou o conhecimento obtido
instabilidade, incertezas e mudanças bruscas, e através dos livros e da Bíblia - a primeira Bíblia
após, uma nova etapa se estabelece. Foi assim, foi impressa em 1454, em especial, ao alcance
por exemplo, ao final do medievo, em torno dos de muitos, o que antes era restrito ao trabalho
séculos XV e XVI, quando a modernidade dos monges copistas e que permanecia na posse
começou a se estruturar. da Igreja, originando mudanças, as quais o livro
Uma metáfora que costumo utilizar para dar de Humberto Eco, O nome da rosa, nos relata
uma maior nitidez ao que escrevo (valendo magnificamente), na esteira desse processo
sempre lembrar, com Goethe, que “...a nitidez é surge a Reforma Protestante e a Contra-reforma,
uma conveniente distribuição de luz e sombra...”, enfim, um sem número de fatores sociais, eco-
ou seja, que não pretendo “explicar tudo”) é o nômicos e culturais se modificaram. Houve um
movimento das placas tectônicas. Estas placas, esvaziamento do medievo nos séculos XV, XVI
que compõem a superfície terrestre, durante e XVII e o nascimento e o desenvolvimento da
longos espaços de tempo, aparentemente (embora modernidade. A modernidade, que é repre-
estejam, na verdade, em constante movimento e sentada, por exemplo, pelo ideário da Revo-
produzindo um acúmulo de energia), parecem lução Francesa de 1779 - liberdade, igual-
estar em repouso, até que o acúmulo de energia dade e fraternidade – propiciou o surgimento
produz movimentos perceptíveis a que da revolução industrial, a noção de Estado
denominamos terremotos e novas acomodações Nacional, o respeito pelo cidadão e pelas
surgem então. Não esqueçamos que nosso leis constitucionais, uma ênfase sobre a “razão”
continente sul-americano era unido à África... e no conhecimento científico, o estabelecimento
Estas novas acomodações darão lugar a novos da “família burguesa”, configurando uma
terremotos e assim sucessivamente, num visão de mundo (explicitada por filósofos como
movimento contínuo. Com o desenvolvimento da Spinoza, Descartes, Kant e Comte, entre outros)
sociedade humana acontece algo parecido: a considerada como o Iluminismo, período das
Idade Média, como comentei antes, foi “estável” luzes, em oposição à, agora chamada, idade
durante alguns séculos, ocorreu um “terremoto” das trevas, a Idade Média.
durante algumas gerações, e se estabeleceu, A Revolução Industrial, por exemplo, conso-
então, a Idade Moderna. lidou a modernidade e artistas a descreveram
É possível, pensam alguns autores, que com clareza. No plano religioso, a Reforma
estejamos vivendo um “terremoto” – a condição desencadeada por Martim Lutero (não esque-
pós-moderna, período de transição entre a çamos que foi ele quem traduzindo e assim
modernidade e o que a irá suceder... logo surge difundindo a Bíblia, com a possibilidade
a pergunta sobre que fatores provocam essas oferecida pela invenção de Gutemberg, unificou
“mudanças”? Voltemos, por breves momentos o idioma Alemão) representou uma trans-
e com uma lente de maior aumento, até à Idade formação ao atingir a hegemonia da Igreja
Média, caracterizada, especialmente, pela Católica e do papado romano, criando o cená-
estrutura feudal e por uma visão de mundo rio para o tema que Max Weber explora em
teológica. O desenvolvimento do comércio seu livro A ética protestante e o espírito do
trazido pelas grandes navegações, o avanço do capitalismo.

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Neste período, um novo conceito de família, a – II –


família burguesa, surge, como tão bem descreve W. Bion, psicanalista inglês, escreve sobre
Ph. Ariés. A própria arquitetura doméstica se estes fenômenos sociais ao desenvolver os
modifica, surgindo a idéia de privacidade e, por conceitos de mudança catastrófica (que se
exemplo, os quartos de dormir, o que não existia, superpõe ao que denominei de “ terremoto “
praticamente, até então: todos dormiam numa na metáfora geológica) e do papel do místico.
mesma peça, adultos, crianças e visitantes Como médico e psicanalista, meu vértice de
ocasionais, próximos ao local de preparo das observação dos fatos é, naturalmente, limitado: a
refeições, espaço aquecido. O crescimento das complexidade destas questões exige, na verdade,
cidades criou, também, a necessidade dos nomes- o concurso de várias áreas do conhecimento. Até
de-família, pois se nas pequenas aldeias todos agora me aventurei de maneira arrogante, entre
se conheciam e a genealogia era sabida pela outros, na sociologia e na filosofia, elementos fora
coletividade, na cidade era necessário nomear a de meu cotidiano médico, mas buscava preparar
família para dar identidade: o pescador passou a o caminho para poder escrever sobre minha
ter um nome de família e a se chamar Johan prática, articulando conceitos e buscando, se tiver
Fisherman... ou o emigrante português, vindo engenho e sorte para tanto, fazer uma razoável
para o Brasil no século XVIII, chamado Manuel tessitura destes campos.
e habitante da pequena Vila dos Outeiros, região L. Grimberg (Grimberg, 1973) tece consi-
de outeiros – morros - no norte de Portugal, quase derações sobre a mudança catastrófica, se
na Galícia, passou a ser chamado de Manuel referindo ao campo psicanalítico, mas expres-
Outeiral... O “al” acrescido pela influência moura sando idéias que se aplicam à sociedade como
de quase 900 anos de domínio na península um todo:
ibérica. Mudança catastrófica é uma expressão
A passagem da Idade Média para a Idade escolhida por Bion para assinalar uma conjunção
Moderna não se realizou sem “traumas”, mas sim constante de fatos, cuja realização pode
através de uma “turbulência”, às vezes fraturas encontrar-se em diversos campos; entre eles, a
bruscas e outras uma suave découpage, que mente, o grupo, a sessão psicanalítica e a
envolveu, muitíssimas vezes, a violência: Nicolau sociedade. Os fatos a que se refere a conjunção
Copérnico e Galileu Galilei são exemplos desses constante podem ser observados quando aparece
tempos de mudança, quando ao afirmarem a teoria uma idéia nova (...) a idéia nova contém, para
heliocêntrica, com os astros girando ao redor do Bion, uma força potencialmente disruptiva, que
sol, em oposição à crença da época de que todos violenta, em maior ou menor grau, a estrutura
os astros giravam ao redor da terra, foram do campo em que se manifesta. Assim, um novo
execrados por determinação do status quo ou do descobrimento violenta a estrutura de uma teoria
establishment vigente (uso expressões em idiomas preexistente (...) Referindo-se a fatos em
diferentes para marcar o texto, um hipertexto, particular, tal como acontecem nos pequenos
pois, como sabemos ou não, o latim foi o idioma grupos terapêuticos, a idéia nova expressa numa
da Idade Média, o francês da Idade Moderna e interpretação ou representada pela pessoa de
o inglês é o da Pós-modernidade...). As idéias um novo integrante promove uma mudança
destes matemáticos e astrônomos colocavam em na estrutura do grupo. Uma estrutura se
risco os paradigmas e os valores da época e eles transforma em outra através de momentos de
foram punidos, na verdade, na busca do poder desorganização, sofrimento e frustração; o
em banir as novas idéias laicas e o espírito crescimento estará em função dessas
científico que eles representavam e que colidiam vicissitudes...
com um modelo de interpretação teológico da vida Pelo exposto, pensando com W. Bion, teremos
e do mundo (Gleiser, 1997). que, quando um conhecimento ou um fato novo

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surge, altera e transforma a estrutura de uma rivalidade resultante da reedição edípica nesta
Sociedade, que não consegue mais exercer uma etapa) e/ou externos (sentido crítico social
função continente adequada para o que era aguçado ao alcançar níveis abstratos de pen-
considerado um conjunto de verdades samento, ausência de compromissos sociais
(paradigmas, valores, etc...); nesse momento como adultos, pais ou profissionais, etc.) é,
ocorre uma mudança catastrófica e uma nova historicamente, um dos principais agentes de
estrutura se estabelece. Uma outra concepção transformação social...
importante que nos oferece W. Bion diz respeito
ao que ele denomina o místico e a relação deste – III –
com o grupo. O místico como o representante Embora utilize, obviamente, referenciais
grupal de uma nova idéia ou concepção. teóricos, quero dirigir minhas idéias pela clínica
Vejamos, novamente, o que escreve L. e pelo cotidiano de minha prática, que representa
Grimberg. mais de três décadas de atividade psiquiátrica e
O indivíduo excepcional pode ser descrito de clínica com crianças, adolescentes e suas famílias.
diferentes maneiras; pode-se chamá-lo de gênio, Não tenho o intento de estar construindo um paper
místico ou messias. Bion utiliza, de preferência, ou ser um scholar, mas sim o de estar buscando
o termo místico para referir-se aos indivíduos interlocutores para discutir minhas idéias,
excepcionais em qualquer campo, seja o ou a síntese de um conjunto de idéias que sou
científico, o religioso, o artístico ou outro (...) O capaz de realizar hoje. Procuro também uma
místico ou o gênio, portador de uma idéia nova linguagem, tanto quanto possível, que seja
é sempre disruptivo para o grupo (...) de fato, comum, distante do jargão técnico habitual: se
todo gênio, místico ou messias será criativo e for possível, com esta linguagem com a qual nos
niilista, ambas as coisas seguramente (...) desde relacionamos no dia-a-dia e tão ao gosto de
que a origem de suas contribuições será Donald Winnicott, pediatra e psicanalista
seguramente destrutiva de certas leis, britânico. Vale citar, a propósito, um filósofo
convenções, cultura ou coerência de algum fundamental para a cultura contemporânea e,
grupo... particularmente, para a pós-modernidade que foi
Sugiro, seguindo essa linha de pensamento, F. Nietzsche (Apud Souza, 1989):
que os adolescentes exercem ao longo de muitos ”Quem sabe o que é profundo busca a clareza;
momentos históricos o papel do místico, quem deseja parecer profundo para a multidão
promovendo mudanças catastróficas e fazendo, procura ser obscuro, pois a multidão toma
assim, andar o carrossel da saga humana, a por profundo aquilo que não vê: ela é medrosa,
evolução de nossa sociedade. W. Bion, inclusive, hesita em entrar na água.”
postulou em uma palestra que adolescência é um Retomemos alguns conceitos que nos serão
exemplo de turbulência emocional, que ocorre úteis, embora referidos mais profundamente nos
quando uma criança que parecia calma, capítulos iniciais. É bem conhecido que a
tranqüila, comportada e dócil se torna agitada, adolescência é um período evolutivo onde
contestadora e perturbadora. Em um dos transformações biopsicossociais acontecem,
capítulos descrevi como os adolescentes, tanto determinando um momento de passagem do
por motivos internos (buscando, por exemplo, conhecido mundo da infância ao tão dese-
externalizar ativamente na transformação social jado e temido mundo adulto. A adolescência é
os processos internos de transformação corporal caracterizada por inúmeros elementos, dos
que sofrem passivamente, realizando a quais quero referir alguns: (1) a perda do corpo
transformação do passivo em ativo, como sugere infantil, dos pais da infância e da identidade
S. Freud ao descrever o par antitético passividade- infantil; (2) da passagem do mundo endogâmico
atividade, ou na externalização social da ao universo exogâmico; (3) da construção de

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novas identificações assim como de desiden- de maneira intensa na cultura contemporâ-


tificações; (4) da resignificação das “narrativas” nea. O Caderno Mais, da Folha de São Paulo
de self; (5) da reelaboração do narcisismo; (6) da (24 de julho de 1994), apresenta ensaios neste
reorganização de novas estruturas e estados de sentido e o editor escreveu o seguinte:
mente; (7) da aquisição de novos níveis opera- “O reino encantado chega ao fim. A criança
cionais de pensamento (do concreto ao abstrato) vira paródia dos devaneios adultos na era
e de novos níveis de comunicação (do não verbal pós-industrial. A infância talvez tenha sido a
ao verbal); (8) da apropriação do novo corpo; (9) mais duradoura das utopias concebidas pela
do recrudescimento das fantasias edípicas; (10) modernidade. Como tantos outros ideais
vivência de uma nova etapa do processo de imaginados nos últimos 200 anos, o do mundo
separação-individualização; (11) da construção maravilhoso das crianças também entra em
de novos vínculos com os pais, caracterizados por crise na era pós-industrial e pós-moderna. O
menor dependência e idealização; (12) da aumento da violência contra crianças e o da
primazia da zona erótica genital; (13) da busca criminalidade infantil, o abandono e o sacrifício
de um objeto amoroso; (14) da definição da a que estão sujeitas no centro e na periferia do
escolha profissional; (15) do predomínio do ideal capitalismo, o excesso de produtos tecnológicos
de ego sobre o ego ideal; enfim, de muitos outros destinados ao seu consumo não fazem hoje
aspectos que seria possível seguir citando, mas, mais do que explicitar o outro lado deste sonho:
em síntese, da organização da identidade em seus uma criatura perversa do próprio mundo
aspectos sociais, temporais e espaciais adulto.”
(Aberastury & Knobel, 1971; Grimberg, 1971;
Outeiral, 1982; 1992; 2000). Em vários trabalhos Neste mesmo Caderno Mais, Alfredo
anteriores, enfoquei diferentes aspectos deste Jerusalinski e Eda Tavares dão o significativo
momento evolutivo. As transformações da título a seu artigo: Era uma vez... já não é mais.
adolescência ocasionam flutuações que se Entre uma mãe dispersiva e um pai desqua-
caracterizam por momentos progressivos – lificado, a criança vai se introduzindo no mundo
onde predomina, entre outros aspectos, o pro- virtual.
cesso secundário, o pensamento abstrato e a A observação clínica me permite conjecturar
comunicação verbal – e momentos regressivos – que o período de latência, essencial ao
com a emergência do processo primário, da desenvolvimento e tal como descrito por Sigmund
concretização defensiva do pensamento e a Freud, se abrevia, invadido por uma adolescência
retomada de níveis não verbais de comunicação. cada vez mais precoce. Este período de latência
É necessário, também, considerar que, da corresponde, de certa maneira, nas teorias do
mesma forma com que o conceito de criança desenvolvimento, à idade escolar. Laplanche e
como indivíduo em desenvolvimento e com Pontalis, em seu clássico Vocabulário da
necessidades específicas surge em torno do Psicanálise, descrevem este período de latência
século XVIII (Ariés, 1975), o conceito de adoles- nos relembrando de sua importância no
cência como período evolutivo se organiza no desenvolvimento psíquico. Período que vai do
século XX, entre as duas grandes guerras declínio da sexualidade infantil (aos cinco ou
mundiais (1914-18 e 1939-45). Assim, adoles- seis anos ) até o início da puberdade e que
cência é um fenômeno bastante recente e que marca uma pausa na evolução da sexua-
requer, ainda, muitas teorizações. Em capítulos lidade. Observa-se nele, desse ponto de vista,
anteriores, este aspecto foi desenvolvido com uma diminuição das atividades sexuais,
mais detalhes. a dessexualização das relações de objeto e
Alguns autores têm desenvolvido teses dos sentimentos (e, especialmente, a predomi-
referindo que o conceito de criança se modifica nância da ternura sobre os desejos sexuais), o

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aparecimento de sentimentos como o pudor ou a – IV –


repugnância e de aspirações morais e estéticas. Quero, agora, convidar o leitor a compartir
Segundo a teoria psicanalítica, o período de algumas observações, resultantes de três décadas
latência tem sua origem no declínio do complexo de trabalho clínico e de observações do cotidiano.
de Édipo; corresponde a uma intensificação do Estas observações se dirigem a transformações
recalque – que tem como efeito uma amnésia sofridas pela família e pelos adolescentes, nestes
sobre os primeiros anos, a uma transformação trinta últimos anos. Recordemos a hipótese da
dos investimentos de objeto em identificações com metáfora geológica, a de que estamos vivendo o
os pais e a um desenvolvimento das sublimações. “terremoto” e que este acontecimento envolve,
Considerando que minha conjectura anterior habitualmente, duas ou três gerações, para
tenha algum sentido, poderemos imaginar o que desenvolvermos nossas idéias...
representa a excessiva exposição à sexualidade Vejamos as transformações sofridas pela
e ao erotismo genital a que são submetidas as família, depois de muitas gerações com poucas
crianças, numa forma que configura um abuso, mudanças e uma longa (talvez alguns séculos)
através da cultura; me refiro, por exemplo, aos estabilidade.
meios de comunicação e a responsabilidade da a) na década de setenta, as questões familiares
família e da sociedade neste processo. A nos conduziam a refletir sobre a passagem da
abreviação do período de latência resulta família patriarcal para a família nuclear.
em dificuldades que repercutirão, é evidente, Devemos considerar nesta mudança múltiplos
em vários aspectos da estruturação do elementos, dos quais quero referir dois: (1) o
psiquismo, interferindo no desenvolvimento crescimento rápido e desordenado dos centros
normal, tanto na área da conduta, como nos urbanos às custas de um intenso fluxo
processos afetivos e cognitivos. Num contraponto migratório vindo das zonas rurais (na década
à “invenção” da infância pela modernidade de quarenta, no século XX, o Censo
temos, hoje, a “desinvenção” da infância pela Demográfico do IBGE revelava que cerca de
pós-modernidade. 30% da população vivia nas grandes cidades,
Não encontramos mais, com a mesma enquanto 70% habitava as zonas rurais e
incidência, na clínica contemporânea, como pequenas cidades, situação que se inverte na
escrevem diversos autores (Outeiral, 2000), as passagem para o século XXI, quando 80% da
clássicas histerias estudadas por S. Freud mas, população habita nos centros urbanos maiores
em seu lugar, detectamos quadros correlatos da e apenas 20% nas zonas rurais) e (2) o ingres-
“pós-modernidade”, como os transtornos so da mulher, a partir dos anos sessenta
narcísicos, síndromes borderline (que Ch. Bollas, especialmente (legalmente até 1962 a mulher
em seu livro Hysteria, define como a expressão necessitava da aprovação do marido para ter
atual das “antigas” histerias...), tendências anti- atividades fora do lar), no mercado de trabalho.
sociais, fobias, transtorno de pânico, etc.... Se A família patriarcal, constituída por grupos
considerarmos os transtornos pela “abreviação” familiares de vários graus de parentesco (avós,
da infância como “acontecimentos clínicos pós- tios, primos, etc), habitando espaços próximos
modernos”, poderemos pensar que a velocidade e, às vezes, participantes de uma mesma
e a fragmentação, junto com outros elementos atividade produtiva, oferecia à criança e ao
etiológicos, é verdade, configurariam como uma adolescente uma rede familiar de proteção,
síndrome do zapping (a dificuldade de no caso de dificuldades por parte dos pais,
concentração e a necessidade de ficar passando assim como um número maior de modelos para
de um canal ao outro de televisão), alguns dos identificação (mais uniformes, coerentes e
transtornos vinculados ao déficit de atenção e à estáveis e pertencentes a uma mesma cultura).
hiperatividade... Este grupo familiar é próprio das zonas rurais

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e dos pequenos vilarejos do interior. Com a a família não tem acesso a esses recursos. A
rápida migração para os grandes centros função paterna é cada vez mais inexistente nos
urbanos, passamos a encontrar a família grandes centros urbanos. É interessante ler o que
nuclear, constituída por um casal (ou somente Zuenir Ventura escreve em seu livro Cidade
pela mãe, em pelo menos um terço das Partida sobre esta questão. O autor descreve o
famílias, segundo o IBGE) e um ou dois filhos, Rio de Janeiro de hoje e suas dificuldades e
longe do grupo familiar de origem, anônimos, comenta o que segue, a propósito de um baile
isolados e solitários na multidão das grandes funk, onde duas “galeras” começavam a brigar...
cidades e desenraizados de suas culturas. Ari da Ilha, que estava presente, é um homem
Exatamente nesta década, observamos que velho e doente, mas um respeitado líder da
crianças e adolescentes passam a chamar de comunidade, e intervém da seguinte maneira
tios os adultos, em geral, e os professores, em para “acalmar” os ânimos ...
particular. Estes novos tios penso que são Ari da Ilha pegou o microfone, mandou parar
assim denominados por uma nostalgia pelo o som e começou a falar. O discurso a princípio
grupo familiar mais amplo e protetor: crianças foi todo de persuasão.
e adolescentes (e seus pais) em busca da - Nós estamos aqui para nos divertir. É um
família perdida. Paulo Freire não concordava baile de paz. Vocês têm que dar um bom exemplo.
com esta denominação, mas penso que, se nos Esse baile não pode ter tumulto.
anos setenta, os alunos chamavam professores Como um pai enérgico daqueles 2 mil jovens,
de tios, hoje, os professores são convocados foi aos poucos engrossando a mensagem, mas
inclusive a exercer funções maternas e mantendo o bom humor.
paternas. - Vocês conhecem nosso regulamento, não
b) na década de oitenta, as questões diziam conhecem? Quem fizer coisa errada leva palmada
respeito às novas configurações familiares: na bunda.
famílias reconstituídas, com filhos de Ficou claro até para mim que ele estava
casamentos anteriores e do novo casamento, usando um eufemismo. Sem dúvida, palmada
tendo este fato social o reconhecimento com a queria dizer palmatória, um castigo muito usado
lei do divórcio. Numa sala de aula, nos anos em Lucas e que poderia até quebrar mãos.
cinqüenta, poucas crianças tinham os pais A ordem definitiva veio no final da fala:
separados, enquanto hoje um grande número - E vamos acabar com esse negócio de
vive esta situação. trenzinho. Isso dá confusão.
c) na última década, temos a possibilidade de
uma mulher ter um filho sem relações genitais O que aconteceu?
com um homem, através da fertilização Ari da Ilha, velho e doente, mas respeitado,
assistida: o desenvolvimento tecnológico nos exerceu uma função paterna e restabeleceu a
aporta novas estruturas familiares... Não uma ordem na festa!
“produção independente”, mas uma gestação Agora vejamos as mudanças que observo na
e um bebê sem ter acontecido uma relação adolescência, período que a Organização
genital e “o pai” apenas um “desconhecido Mundial da Saúde situa entre dez e vinte anos.
doador de esperma”... Revisando os conceitos teremos que puberdade
A mulher obtém uma definitiva inserção no corresponde aos processos biológicos e
mercado de trabalho e o tempo com os filhos se adolescência a fenômenos psicossociais. Nos
torna menor do que nas gerações anteriores. anos setenta, a criança se tornava púbere e após,
Creches, berçários e as escolas infantis se tornam adolescente; nos anos oitenta, puberdade e
necessários para compensar a ausência materna, adolescência ocorrendo concomitantemente e na
e nem sempre são locais adequados e, às vezes, última década, observo conduta adolescente

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(namoro, contestação, etc.) em indivíduos ainda desenvolvimento capitalista avançado em


não púberes, antes dos dez anos, com sete ou crianças e adolescentes de um país que,
oito anos. Penso, inclusive, que o conceito de como o nosso, nem ingressou plenamente na
infância, como momento evolutivo e com modernidade? Como, então, nós, adultos
necessidades específicas, conceito estabelecido “antigos”, posto que “modernos”, poderemos
com o Iluminismo, sofre o risco de sofrer entender e nos comunicar com adolescentes
profundas transformações: alguém terá escrito, (inclusive os de periferia) que, por hipótese,
em algum lugar, sobre o risco de termos o fim da querem um tênis de marca norte-americana e um
infância na cultura contemporânea. boné do The Lakers, usados por adolescentes de
Existem, é necessário ressaltar, ainda classe média alta de Boston e Chicago?
outros diferenciais, como o ambiente socioeco- É difícil encontrarmos, nos adolescentes de
nômico e cultural onde o adolescente se desen- hoje, uma continuidade com as experiências
volve. Nas classes sociais menos favorecidas, o adolescentes dos pais: por exemplo, o Pedrinho
processo adolescente começa e termina mais do Sítio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato,
cedo, enquanto que, nas classes sociais mais típico adolescente da modernidade, honesto,
favorecidas, acontece também mais cedo, mas respeitoso com os mais velhos, nacionalista,
termina bem mais tarde. integrado na família, reflexivo e preocupado com
Em décadas anteriores, a criança (como nas os fatos sociais e da natureza, etc. O que
sociedades primitivas), após breves rituais de encontramos, brinco, é um Pedrinho Skywalker,
iniciação se tornava um adulto (Outeiral, 1998). mistura complexa e confusa do Pedrinho do
Hoje, a adolescência se alonga cada vez mais, Monteiro Lobato e Luke Skywalker, o adolescente
ocorrendo, inclusive, a adultescência, termo, do seriado Guerra nas Estrelas, de G. Lucas.
veremos adiante, que designa o ideal de ser São muitas as perguntas e eu não tenho
adolescente para sempre, com adultos tendo respostas: primeiro porque, é obvio, não tenho
condutas adolescentes e faltando padrões as respostas e se, por acaso, as tivesse, não
adultos para os “verdadeiros” adolescentes se mataria uma boa pergunta com uma resposta,
identificarem. como o filósofo Blanchot ensinou (A resposta é a
Concluindo, após várias gerações onde desgraça da pergunta). Procuro, pois, produzir
paradigmas e valores permaneciam estáveis, inquietação e dúvida, reflexão e pensamento.
temos, hoje, uma sociedade em mudança, com Novamente quero buscar a ajuda de duas citações
rápidas transformações, numa alteração, por de F. Nietzsche:
vezes, frenética ou maníaca, onde a incerteza e a
dúvida, nas famílias e nas escolas, são evidentes. ”O que enlouquece é a certeza, não a dúvida.”

–V– ”É do caos que nasce uma estrela.”


Considerando que este conjunto de idéias seja
verdadeiro, quais serão os paradigmas ou valores Como bons “modernos” e “iluministas”,
que estão sendo contestados, modificados ou nascidos em um país que tem como dístico do
substituídos por outros ? pavilhão nacional a expressão Ordem e Progresso,
Como adultos “modernos” (pais, profes- vinda do positivismo do século XIX e das
sores, etc.) e adolescentes “pós-modernos” se primeiras décadas do século XX, obra de Augusto
relacionam? Comte, acreditamos que a dúvida e o caos são
Como lidar com, por exemplo, a circunstância indesejáveis e com isto perdemos a chance de
de que a globalização, pela facilidade e rapidez descobrir que é também na ausência, na falta, na
dos meios de comunicação, cria desejos e uma dúvida e no caos, que surge o pensamento e a
lógica cultural própria dos países com um razão e não só na ordem e na estabilidade.

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– VI – moderno./ Se você devolve ao bombeiro


É necessário conceituar, o que não é tarefa hidráulico pensando que é uma ferramenta
fácil, modernidade e pós-modernidade. Para esquecida, e depois descobre que é um presente
tornar a tarefa menos insípida, vamos recorrer a do seu gatão – é escultura pós-moderna./ Se
alguns autores. chove dentro – é arquitetura pós-moderna. / Se
Dois filósofos, um brasileiro e outro francês, você fracassa porque procurava exatamente a
tentam dar conta da questão e escrevem: antivitória – é filosofia pós-moderna./ Se você
“A época em que vivemos deve ser pratica homossexualismo não por formação ou
considerada uma época de transição entre os destinação biológica, mas por experimentalismo
paradigmas da ciência moderna e um novo sadomasoco-niilista – você é uma boneca pós-
paradigma, de cuja emergência vão se moderna e muito da louca, bicho (a)!”
acumulando os sinais. E que, na falta de uma Millor Fernandes (Fernandes, 1994)
melhor designação, chamo de ciência pós-
moderna” Millor Fernades, como eu e muitos outros, é
B. Santos (Santos, 1989) “apenas” um moderno e, talvez, por isso tome
esse viés, digamos, “pouco deslumbrado” para
“A que chamamos pós-modernidade? (...) definir a pós-modernidade: ao contrário do que
Devo dizer que tenho uma certa dificuldade em talvez escreveriam alguns autores franceses .
responder a esta questão (...) porque nunca O materialismo histórico nos ensina que as
compreendi completamente o que se queria dizer transformações que se operam nas sociedades e
quando se empregava o termo modernidade.” nas culturas se dão através de um continuum
M. Foucault (Apud Smart,1993) progressivo, e somente após um certo grau de
acumulação quantitativa teremos uma alteração
O nosso humorista maior, Millor Fernandes, qualitativa, como pude expor com mais detalhes
também se aventura no tema. antes. Este acúmulo de experiências, que
“Afinal, o que é pós-modernismo? O determinam as alterações qualitativas, é
modernismo um pouco depois? Não, acho eu, mas observado periodicamente na história da
o próprio modernismo, apenas já velho e humanidade, ocasionando mudança nos valores
precisando mudar de nome. E o que é éticos e morais, na estética e na produção cultural,
modernismo? Arte conceitual, criações na estrutura e na dinâmica das organizações
minimalistas, música decididamente anti- sociais, assim como na política, na concepção da
musical, algaravias. Sinônimo daquilo que em família e nas relações entre os homens. Como
tecnologia se chama progresso. Ambos, vimos, estas transformações que ocorrem na
modernismo e progresso, já sendo, isto é, já eram sociedade costumam acontecer após alguns
...” séculos de estabilidade.
Millor Fernandes (Fernandes, 1994) Feathstone (Feathstone, 1995) considera, com
razão, que o termo modernité foi introduzido por
“Como reconhecer o pós-moderno: se de Charles Baudelaire (1821-1867) para quem
algum modo você consegue definir se o quadro moderno significava um “senso de novidade“.
está de cabeça para baixo ou não – é pintura As sociedades modernas, para este “poeta mal-
pós-moderna./ Se você entende tão bem como dito“, produziriam um desfile incessante de
quando lê uma bula de hidropitiasinolfoteína – mercadorias, edificações, modas, tipos sociais e
é literatura pós-moderna./ Se você vê, vira e movimentos culturais, todos destinados a uma
revira, e o sentido está no revirar e no não dito – rápida substituição por outros, reforçando um
é poesia pós-moderna./ Se você tem de segurar sentido de transitoriedade ao momento presente.
a tampa enquanto faz xixi no vaso, é design pós- O flâneur, nos espaços públicos das grandes

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cidades, era capaz de vivenciar aquelas imagens lanças. Soa, então, um apito e todos param de
e fragmentos caleidoscópicos, cuja novidade, lutar e começam a pintar. Um deles explica
imediatez e vividez, juntamente com a sua que começou o Renascimento. Lógico que as
natureza efêmera e justaposição, freqüentemente transformações não se dão desta maneira, mas,
parecia estranha”. repito, ocupam muitas gerações.
O texto seminal de Charles Baudelaire Jean-François Lyotard (Smart, 1993) polemiza,
(Baudelaire, 1869) sobre a modernidade e que como é necessário, sobre a expressão pós-
marca a incorporação do termo e de seus conceitos modernidade, ao escrever:
ao pensamento ocidental é o ensaio intitulado
Sobre a modernidade (publicado postumamente, “... ou será a pós-modernidade o passatempo de
em 1869, na revista L’Art Romantique), onde ele um velhote que espiona o monte de lixo à procura
se revela o precursor da estética moderna e se de restos, que fala de inconsciências, lapsos, limites,
torna um ponto de referência para a compreensão fronteiras, gulags, parataxes, absurdos ou
da modernidade hoje. Sua écriture baseia-se paradoxos, transformando-os na glória de sua
numa crítica a Constantin Guiz, desenhista, novidade, na sua promessa de mudança ?“
gravador e aquarelista, e ele conclui suas
Comparto com alguns autores, especialmente
observações da seguinte maneira:
Sérgio Rouanet (Rouanet & Mafessoli, 1994), a
necessidade de discutirmos se o Brasil, com suas
“A modernidade é o transitório, o fugidio, o
particularidades, passa da modernidade à pós-
contingente; é uma metade da arte, sendo a outra
modernidade, pois é evidente que a modernidade
o eterno, o imutável... (...) Constantin Guys
não se “instalou” efetivamente entre nós e, conse-
buscou por toda a parte a beleza passageira e
qüentemente, não podemos falar de um esgo-
fugaz da vida presente, o caráter daquilo que o
tamento da modernidade em nosso país. Mas,
leitor nos permitiu chamar de modernidade.“
como nos trópicos as possibilidades nunca se
esgotam e a globalização é uma realidade, não
O termo pós-modernidade, por sua vez,
só econômica mas também cultural, a pós-
aparece também através da pena de Charles
modernidade poderá estar entre nós...
Baudelaire e Th. Gautier, em 1864, quando estes
É interessante, agora, explicitar algumas das
poetas escreveram “pós-modernidade” ao
características da pós-modernidade: velocidade,
fazerem uma crítica da “sociedade moderna e
banalização, cultura do descartável, fragmen-
burguesa da época” (Gardner, 1993; Christo,
tação, globalização, mundo de imagens, virtua-
1997). É, entretanto, somente em 1947, que
lidade, simulacro, des-subjetivação, des-histori-
Arnold Toynbee, matemático, historiador e filósofo
cização, des-territorialização, etc. Não se trata, é
inglês sistematiza a observação de que uma série evidente, de tomar a pós-modernidade como a
de paradigmas da modernidade estavam sendo encarnação do mal, ela é um momento de
contestada e transformada pela, assim chamada, passagem e como tal de inevitável turbulência.
pós-modernidade. Não sei, ao certo, se ela existe realmente como
O escritor inglês, Charles Jencks, entretanto, momento histórico e cultural, ou se é apenas uma
retira dos franceses a introdução da expressão criação intelectual, mas é interessante e útil que
“pós-moderno” e a credita ao poeta John Watkins façamos, a partir dessas idéias um exercício de
Chapman, seu conterrâneo, que a teria usado em compreensão deste mal estar na cultura,
1870 (Appignanesi & Garrat, 1995). parodiando o criador da psicanálise.
Ricardo Goldemberg (Chahlub, 1994) cita Luc
Ferry, situando o pós-modernismo entre 1975 e – VII –
1976, e lembra de um filme de Mel Brooks. Nesse Ao comentar os aspectos que envolvem o
filme, dezenas de homens lutam com espadas e processo adolescente, estrutura e dinâmica que

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

abarca tanto o adolescente como sua família e a “Desde o ponto de vista da conduta
sociedade, quero considerar novamente que esta observável, é possível dizer que o adolescente
experiência evolutiva se realiza em um momento vive com uma certa desconexão temporal:
em que a sociedade sofre intensas e rápidas converte o tempo presente e ativo como uma
transformações (talvez, melhor dito, um conjunto maneira de manejá-lo. No tocante à sua
de rupturas) de uma série de paradigmas expressão de conduta, o adolescente parece viver
(idéias, valores morais e estéticos, processos de em processo primário com respeito ao temporal.
pensamento, etc) que podem ser considerados As urgências são enormes e, às vezes, as
dentro do conflito “modernidade versus pós- postergações são aparentemente irracionais.”
modernidade”. Assim, vou abordar uma
série de elementos paradigmáticos que serão A afirmativa de Maurício Knobel nos remete
comentados cada um por sua vez, embora queira ao fato de que é próprio desse momento
deixar bem claro que cada um deles é um fio de evolutivo a utilização do tempo dentro de
uma trama tecidual, elementos entremeados, critérios do processo primário, tal como descrito
partícipes de uma interação dialética, que estarão por S. Freud, quando o tempo é vivido predo-
isolados apenas por uma questão didática e minantemente em função das demandas
metodológica. Fica ao leitor a sugestão para que internas, inconscientes, tempo interno, tempo de
estabeleça a ligação entre eles, organizando este elaboração. Os adolescentes vivem, então, em
puzzle complexo e fragmentado que é o quadro função de suas transformações psíquicas, este
de nossa sociedade atual e, inclusive, aumente a afastamento do tempo cronológico. Esta situação
lista dos paradigmas abordados. é mais intensa quando a Sociedade sofre, como
vimos, ela própria, intensas e rápidas transfor-
1. O tempo rápido ou A geração fast. O mundo mações em sua concepção de tempo. A globa-
delivery lização fez, através das comunicações rápidas e
A rapidez das transformações globais torna mais fáceis, um tempo fast... Como exemplo
obsoletos os costumes, a política e a ciência. posso lembrar que, quando Abraão Lincoln foi
(Antonio Negri, A desmedida do mundo, assassinado, os americanos mandaram avisar os
Caderno Mais. Folha de São Paulo. 20 de ingleses, através de um barco muito veloz, do
setembro de 1998) acontecido: a viagem levou treze dias. Hoje,
qualquer acontecimento na Casa Branca estará
O enunciado básico é de que o tempo das em nossas casas em tempo real, ou à noite
crianças e adolescentes hoje é muito mais rápido teremos todos os fatos nos noticiários de televisão
do que o tempo dos adultos: refiro-me, eviden- e informações adicionais pela Internet.
temente, ao tempo interno, tempo de elabo- Sugiro que continuemos um pouco mais com
ração das experiências, e não apenas ao tempo Maurício Knobel (Knobel, 1974):
cronológico, tempo do movimento dos astros, das
estações, das colheitas ou dos relógios. Eles são “O transcorrer do tempo se vai fazendo mais
fast kids, mas nós não somos fast parents... objetivo (conceitual), sendo adquiridas noções
Sabemos que é difícil conceituar o tempo ou falar de lapsos cronologicamente orientados. Por isso,
dele. Santo Agostinho, filósofo da Idade Média creio que se poderia falar de um tempo
(século V), procurou dar conta dessa dificuldade existencial, que seria um tempo em si, um tempo
ao comentar que “... não se pode vê-lo, nem vivencial ou experiencial, e um tempo
sentir, nem escutar, nem cheirar e provar...” conceitual.“
Maurício Knobel (Knobel, 1974) considera que
o adolescente tem uma característica muito Como havíamos comentado antes, o autor
especial em sua relação ao tempo. Ele escreve: aborda a distinção que os gregos faziam de

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chronos, o tempo conceitual, e tempus, o tempo por energia luminosa... É difícil, com essa
interno, da subjetividade do ser. Essa distinção “prótese”, explicar a importância do desenvol-
entre esses dois tempos é essencial ao sentido vimento do pensamento matemático...
de self (ou ao going on being, de Donald O campo da literatura também me permite
Winnicott) e a organização da personalidade, comentar essa “fratura”. A leitura de um livro
realizações estreitamente ligadas ao processo contrasta muito com a utilização de um texto
adolescente. Nessa etapa, a noção de tempo multimídia. O livro é uma longa seqüência de uns
assume, basicamente, características corporais e poucos sinais, não muito mais que duas dezenas,
rítmicas; tempo de dormir, tempo de comer, tempo que revelam uma narrativa que convida,
de estudar, etc. Progressivamente, acompa- progressivamente, através do tempo, à utilização
nhando o lento desenvolver do processo, o da imaginação: a leitura de Gabriela, cravo e
adolescente vai adquirindo uma noção de tempo canela, de Jorge Amado, permite que cada leitor,
conceitualizada, que implica na discriminação por exemplo, “construa” sua Gabriela, lentamente
entre passado-presente-futuro, interno e externo e de tal forma que a imaginação de quem lê não
e a aceitação da perda do corpo infantil, da corresponde à Gabriela, nem do escritor e nem do
identidade infantil e dos pais da infância ilustrador, Carybé. Há, na literatura, com seu
(Aberastury, 1973; Outeiral, 1983). Surge, então, convite à criação e à imaginação, uma interação
a capacidade de espera, da elaboração do escritor-leitor, uma experiência compartida, de
presente e do estabelecimento de um projeto para mutualidade, de um espaço estético a ser
o futuro a partir das memórias do passado. Como preenchido pelo leitor e que leva a uma vivência
posso perceber, ajudado também pela observação ativa de quem se aventura nesta viagem que é
clínica, o processo adolescente no que respeita “ler”... Nos meios de comunicação multimídia,
aos paradigmas vinculados ao tempo são várias dessas funções estão preenchidas e são
complexos e difíceis de serem elaborados, situação oferecidas “prontas”, para a geração delivery, por
que se problematiza ainda mais quando nos um software e um hardware cada vez mais rápidos
defrontamos (além de uma velocidade maior) com (embora também rapidamente se tornem
transformações e rupturas no conceito de obsoletos), imediatamente, como é próprio de uma
temporalidade. cultura “fast food”, para serem consumidas por
Penso que será interessante prosseguir em um “espectador” que assiste... “Assiste” caracteriza
nossa discussão, comentando a experiência com bem a questão, pois sugere algo passivo: ninguém
o tempo vivenciada pelos pais, assim como “assiste” um livro, nós “lemos” um livro! Meus
pelos adultos em geral, em contraste com a dos filhos me mostraram, há pouco, um CD-ROM com
adolescentes. Nós, adultos, vivemos um tempo a obra do Jorge Amado: lá pelas tantas, surge na
onde, por exemplo, o aprendizado da tela uma prateleira com a lombada de cada um
“tabuada”, as quatro operações básicas da dos livros do autor e clicando o “mouse” sobre um
matemática, era um processo demorado que deles surge uma síntese da obra (“não há tempo a
ocupava alguns anos da infância. Lembro dos perder...”) e clicando sobre o nome de um dos
professores dividirem as turmas de alunos e personagens surge uma breve biografia e logo
promoverem acirradas competições sobre a depois um trecho de um filme sobre o livro ou de
“tabuada”. Os adolescentes hoje, talvez, não uma telenovela e logo depois, um novo “clique”,
saibam hoje nem o significado da palavra um fragmento de uma música cantada por um
“tabuada” e são capazes de realizar as popular cantor baiano sobre o texto e logo depois
operações matemáticas básicas e algumas alguns críticos fazendo comentários de poucos
complexas, instantaneamente, com uma minutos e logo depois um comentário sobre o
pequena calculadora simples de operar, de pensamento político do escritor e logo depois...
custo baixo, com formato de cartão e movida enfim, tudo muito rápido e pronto, percebido por

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

mim na forma com que tento transmitir ao leitor 2. A cultura do descartável ou o permanente
através da “estrutura gramatical pós-moderna”. versus o efêmero
Não é necessário imaginar e criar, pois tudo está Encontramos dois paradigmas generacionais
criado e imediatamente pronto para o “input”. que se chocam: a modernidade busca a per-
A velocidade “das coisas” é, então, muito manência e a pós-modernidade, o descartável.
distinta entre duas gerações, entre pais e filhos. Charles Baudelaire descreveu em seus versos
O advento da cibernética possibilita ao essa transição ao falar do amor do flâneur pela
adolescente uma experiência vital de extrema mulher fugidia, aquela que passa e que não será
velocidade: operações matemáticas, contatos mais encontrada.
imediatos com todo o mundo através da Internet, O descartável surge, pensam alguns, como F.
acesso a uma quantidade de informações quase Jameson, com o “fordismo” e com o advento da
inesgotável, etc. É difícil para um adulto (e cibernética. Quando Henri Ford, em Detroit, na
imagine para os adolescentes) pensar como nos década de vinte, criou a linha de montagem para
anos sessenta funcionavam os bancos sem os produzir em maior número e a custo mais baixo
computadores (e funcionavam...). Este contraste seu “modelo T”, criou o problema de que não eram
entre a referência velocidade/tempo entre a mais necessários tantos empregados (imaginem
geração dos adultos e a dos adolescentes me leva hoje, em uma montadora de automóveis, com a
a inferir que um dos vetores que nos levam a robótica). A questão do desemprego ficou posta.
encontrar “hoje”, mais do que “ontem”, O que fazer? Criar bens de duração curta para
adolescentes “atuadores” se deve a esta quebra que novos empregos sejam criados, particu-
de paradigma: a tradicional, ou moderna, cadeia larmente no setor terciário (de serviços).
impulso-pensamento-ação cede lugar a um Essa condição se revela quando, por exemplo,
modelo novo, caracterizado pela supressão do o currículo de algumas Escolas de Engenharia
pensamento que demanda elaboração e, por possui uma disciplina sobre “durabilidade de
conseguinte, tempo e que se configura “pós- materiais”. Não apenas o estudo da fadiga dos
modernamente” como impulso-ação, baixa componentes da asa de um avião, mas também
tolerância à frustração, dificuldades em postergar determinar quanto tempo deverá “durar” certo
a realização dos desejos e busca de descarga material, que comporá um eletrodoméstico ou um
imediata dos impulsos. Há um frenético não paro, automóvel, ou qualquer outro produto, para que
se paro penso, se penso dói. B. Brecht escreveu, após certo tempo esse material se deteriore e
a propósito, que quando o homem atinge a produza a necessidade do consumidor “descartá-
verdade descobre também o sofrimento. Acre- lo” e adquirir um novo produto. Os automóveis
dito, inclusive, que uma ampla faixa de nossa são feitos para durar muito menos do que os
clínica é hoje constituída por pacientes com construídos na década passada: a explicação é
sintomatologia na área da conduta e na orga- de que assim se manterá a cadeia produtiva e,
nização do pensamento: um número maior de em conseqüência, os empregos... numa lógica
Hamlets do que Édipos, no que muitos autores perversa, um tanto perversa, sob o ponto de vista
concordam (Outeiral; 1993; Outeiral, 2000). de um antigo, isto é, um homem moderno. Em
Estas colocações são, evidentemente, apenas nossas casas acontece o mesmo: as avós dos
um esquema e na verdade um esquema insufi- adolescentes de hoje não colocarão fora um copo
ciente; mas todos concordamos que, embora se de vidro, vazio, de geléia: é um objeto duradouro,
constituam um elemento comum ao processo com uma utilidade e poderá ser necessário em
adolescente em qualquer período, na sociedade algum momento. Preservarão o copo seguindo
atual há uma exacerbação destes aspectos. um padrão de sua cultura. Os adolescentes,
Cybelle Weimberg chama estes adolescentes de entretanto, convivem e lidam com um sem-
“geração delivery”... número de objetos descartáveis em seu cotidiano.

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Considerando que entre algumas das Banalizada a situação, havia apenas frag-
características da pós-modernidade encontra- mentação, des-subjetivação e des-historicização,
mos a des-subjetivação e a des-historicização, não um sujeito, mas uma coisa.
as relações entre as pessoas também poderão Acontece algo semelhante ao descrito antes
ter características descartáveis; caricata- com a violência e a sexualidade. Quando alguém
mente, o sujeito será tomado como um gadget é exposto a uma situação continuada de violência,
descartável. a tendência é que para conseguir sobreviver o
indivíduo banalize a situação. Bruno Bettelheim
3. A banalização (Bettelheim, 1973;1989), conhecido psicanalista
Christopher Bollas, escrevendo o capítulo que esteve preso durante a Segunda Guerra
Estado de mente fascista de seu livro Sendo um Mundial, nos campos de concentração nazistas
personagem (Bollas, 1992), desenvolve idéias de Dachau e Buchenwald, nos descreve com
sobre os vários estratagemas que o estado de clareza a operação desse mecanismo – a
mente fascista, em seu aspecto individual ou banalização – cuja raiz está no mecanismo de
social, utiliza, citando entre mecanismos a negação, um dos mecanismos básicos da defesa
“banalização”. A “banalização” é um mecanismo do ego. Podemos imaginar o que ocorre na mente
mental que se desenvolve insidiosamente e, de crianças e adolescentes expostas, por exemplo,
dessa maneira (de uma forma sutil e silenciosa), através da mídia a uma noção banalizada da
modifica um paradigma. Novamente é útil violência. David Levisky (Levisky, 1997) escreve,
recorrer à clínica, observando o cotidiano. assim como Raquel Soifer, sobre os efeitos da
Quando ingressei na Faculdade de Medicina, mídia na estruturação psíquica de indivíduos em
aos dezessete anos, nunca havia tido contato real desenvolvimento: uma criança ou um adolescente
com um morto. Ao iniciarem as aulas, recebi um assistindo a vários assassinatos, diariamente, pela
cadáver com o qual eu deveria estar em contato, televisão, modificará sua maneira de perceber a
estudando a anatomia e fazendo dissecações, violência da mesma forma que modificará sua
durante todo um ano, nas aulas de anatomia. Eu erótica se constantemente exposto a uma
o retirava da cuba de formol todas as manhãs e sexualidade, em todas as suas formas e matizes,
esta vivência me mobilizava intensamente: me desde quando assiste a um filme, uma novela ou
perguntava se aquele homem havia tido uma uma propaganda. O Ministério da Justiça
mulher e filhos, como havia sido seu “fardo” de divulgou uma pesquisa que constatou que as
acabar como meu objeto de estudo, teria tido uma crianças brasileiras assistiam cerca de duas a três
profissão? Dávamos um nome, inclusive, ao horas de televisão por dia...
cadáver. Ele era subjetivado e historicizado, algo
ao estilo “moderno”. Era comum não comermos 4. A ordem da narrativa
carne porque o cadáver nos vinha à mente,
usávamos luvas preocupados com alguma “Vivemos hoje na época dos objetos parciais,
possibilidade de infecção e uma máscara porque tijolos estilhaçados em fragmentos e resíduos.”
o formol irritava as mucosas. Nesse meio tempo Deleuze e Guatari (Jameson, 1994)
íamos fazendo as dissecações e o cadáver, homem
morto e possuidor de um nome e de uma história, “Historicizar sempre.”
ao final do semestre, era apenas “peças F. Jameson (Jameson, 1994)
anatômicas”: ossos, músculos, vísceras, etc... Não A maneira que encontro para começar a
era necessário mais usar luvas, pois o formol apresentar essa questão é através da narrativa
“esterilizava” e tampouco máscara, porque nos literária, O romance, expressão literária da
acostumamos ao formol e fazíamos um intervalo modernidade, é introduzido na cultura ocidental
para lanchar na própria sala de anatomia. através, principalmente, de W. Goethe (1749-

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

1832). Georg Lukács, ao comentar Os anos de questão do “ficar ”. Na adolescência inicial, é


formação de Wilhelm Meister, lembra que esta comum “ficar” com vários parceiros numa mesma
estrutura narrativa, que coloca o homem real e festa e quem os observa poderá ter a impressão
seu desenvolvimento como elemento central, de um “grande enamoramento” (que durará,
domina a literatura européia desde o Renas- entretanto, apenas alguns minutos) e, no dia
cimento e é o ponto nodal da literatura do seguinte, não será de bom tom cumprimentar o
Iluminismo, atinge seu ápice com W. Goethe. O parceiro, devendo-se, inclusive, ignorá-lo e não
romance de formação, o buildingroman, cujos fazer menção ao acontecido. É evidente que os
exemplos clássicos poderão ser, para meu gosto, pais dos adolescentes também vivenciaram
o Os sofrimentos do jovem Wherter (1774 ) e o Os estas experiências. A diferença é que “roman-
anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1793- ticamente” (ou de uma forma moderna) davam
1795) trazem, na pena de W. Goethe, não apenas ao fato um nome “elegante”, como “saída à
a consolidação de um modelo narrativo literário, francesa” e, o mais importante, buscava-se
mas a racional narrativa que pressupõe “um início, não encontrar o parceiro, ou a parceira, nos dias
um meio e um fim”: a descrição do ambiente e a seguintes por um certo sentimento de cons-
construção dos personagens, a trama e seu trangimento ou culpa de ter criado uma
desenvolvimento e, finalmente, a esperada expectativa no outro; tal consideração hoje é
terminação da história que cativa e leva o leitor praticamente inexistente.
até este momento. Este modelo de início-meio- Poderá ser interessante lembrar (a moder-
fim é alterado na pós-modernidade: é possível nidade busca historicizar, insisto...) que os pais
se iniciar pelo meio, ir daí para o fim (ou para o dos adolescentes pertenceram ao que,
início) e voltar ao meio. Há um andamento repleto prosaicamente, podemos chamar, seguindo a
de “idas-e-vindas”, “flashbacks” (voltas ao Woody Allen, “a era do rádio”. As famílias se
passado), “flash-forwards” (antecipações), reuniam à noite, e ouviam os capítulos diários de
fragmentações, simbologias e metáforas, uma novela no rádio, sempre com alguma
elementos segmentados, etc. O cinema nos dá dramaticidade, e todos – em especial, é claro,
exemplos importantes dessa nova narrativa com os adolescentes - iam construindo em seu
filmes como American graffiti, Star Wars, imaginário os personagens: processo lento,
Chinatown, Body Heat, Raiders of the lost ark, progressivo. Hoje, em uma novela de televisão,
Blade Runner, Kiss of the spider woman e tantos som e imagem reunidos, os personagens são
outros, como nos relata Steven Connor (Connor, apresentados, já na vinheta de abertura,
1989) em seu artigo TV, vídeo e pós-modernos. completamente despidos: somos privados do
Esta estrutura narrativa abrange não só as estímulo de “desnudar” erótica e criativamente,
produções culturais, como também as narrativas aos poucos, à medida que a intimidade vai se
de self, que cada indivíduo apresenta como estabelecendo, progressivamente, descoberta
parte de sua personalidade (Bollas, 1998; após descoberta, o personagem que nos desperta
Outeiral, 2000). o desejo, a sensualidade... A situação atual cria
uma erótica que, de certa forma, adquire
5. Uma nova erótica, o “ ficar” na adolescência autonomia em relação ao desejo, ou seja, o objeto
Os adultos se defrontam hoje com uma erótica está “pronto e oferecido”, antes mesmo de ser
dos adolescentes diferente em muitos aspectos desejado. Não existe mais, então, “este obscuro
daquela que eles vivenciaram quando jovens, objeto do desejo” tão ao gosto dos modernos...
digamos nos anos sessenta ou setenta... A literatura, por exemplo, incita uma
Reunindo os quatro itens anteriores – (1) rapidez, participação ativa e progressiva na construção
(2) banalização, (3) elementos descartáveis e do objeto erótico: a leitura de um livro de Jorge
(4) alteração na ordem da narrativa - é a Amado, por exemplo, nos convida a criar,

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digamos, uma figura feminina, bastante ela volte a Paris se não ama o marido e deveria,
diferente das ilustrações de Carybé, uma é óbvio, ficar em Casablanca com seu
personagem só nossa. “verdadeiro” amor. A estética dos adolescentes,
A banalização que envolve a sexualidade impregnados pela estética da pós-modernidade,
determina a necessidade da criação de estímulos é o videoclipe: breve, curto, fragmentado,
mais intensos e diferentes: a simples imagem desfocado, às vezes, sem início-meio-fim, não
despida não é suficiente. É necessário, nos conta, em termos da modernidade, uma história
aproximando de uma cultura ao agrado do verdadeira. Mas tem uma estética e transmite um
Marquês de Sade, ou gótica (lembram-se de que conteúdo . Levando estas questões para a escola,
estamos em Gotham City), ou perversa como penso que há uma fratura entre a fala da escola
diriam alguns psicanalistas, criar fetiches, como – moderna, tipo Casablanca – e a escuta dos
a tiazinha ou a feiticeira. alunos – pós-modernos, tipo videoclipe.
Posso também abrir a questão, já referida por
6. A estética da pós-modernidade muitos autores, da estética do corpo na cultura
A estética é, num sentido amplo, uma forma, contemporânea, particularmente no tocante aos
que através da beleza, busca cativar e interessar jovens. Arriscaria dizer que os transtornos
– por meio do prazer estético e, assim, transmitir alimentares (anorexia nervosa, obesidade e
um conteúdo a alguém. Um pintor renascentista, bulimia) poderão fazer parte do que Henri-Pierre
por exemplo, buscava através de novos elementos Jeudy (Jeudy, 2000) chamou de doenças pós-
estéticos da pintura religiosa, interessar o modernas, ao referir-se ao pânico e à fobia social.
espectador e transmitir-lhe a idéia de Deus. Um Na sociedade contemporânea, a estética pós-
professor busca, através de seu plano de aula e moderna do corpo, profundamente narcísica, cria
por meio de sua maneira de expor este plano, um sujeito onde a redução da subjetividade e a
transmitir conteúdos aos alunos: ele é, em ênfase na materialidade transforma o homem/
essência, um esteta. sujeito em homem/objeto. Não havia visto, na
A dificuldade é que a estética da modernidade clínica, tantos destes transtornos de alimentação
e da pós-modernidade são diferentes. O como na última década. Jacques Lacan, referido
professor, que utilizei como exemplo, é um esteta por alguns como um psicanalista da pós-
de modernidade e seus alunos estão vivenciando modernidade (Appignanesi & Garrat, 1995), no
a estética da pós-modernidade; cria-se um gap seu Seminário XVII, trata deste homem, na
entre uns e outros... mas é necessário explicitar verdade um objeto-sintoma, quase um gadget
mais. Eu diria que a estética do adulto pode ser (objetos tecnológicos da ciência contemporânea),
referida com o filme Casablanca. O filme, em através de seu conceito de letosas (neologismo
síntese, tem o seu ápice na cena final do criado por ele a partir dos termos gregos
aeroporto, quando o casal se despede e a “alétheia” e “ousia”, para referir-se, numa
mocinha volta para Paris e o mocinho permanece simplificação que faço, aos “seres-objetos da
na África. Ela o ama, mas volta para seu marido tecnologia”).
em Paris, pois eles têm uma “história de vida” e
um “respeito mútuo”, além dela considerá-lo um 7. A ética
homem de valor, íntegro e que luta ao lado do This above all: to thine own self be true
“bem”, isto é, na resistência francesa contra os And it must follow, as the night the day
nazistas . Os “modernos” choram com o filme Thou canst not then be false to any man
emocionados pelos “paradigmas e os valores” Shakespeare, Hamlet (Apud Winnicott, 1994)
que conseguem, através da razão, sobrepujar a Todos nós sabemos o que é ética, mas se somos
paixão. Os adolescentes não se emocionam da solicitados a conceituá-la a tarefa não é tão
mesma forma pelo filme: para eles é absurdo que simples. Fábio Herrmann (Herrmann, 1995; 2000)

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

considera que há uma relação clássica entre ética ego – simbólico, menos narcísico e reconhecendo
e ser verdadeiro, referindo-se ao compromisso o outro como externo. A passagem de um ao outro
do indivíduo com ele mesmo e com os outros. é possibilitada por identificações boas e
Ele escreve: adequadas. Quando essas identificações – a
“Que significa ética? No começo do livro II cultura do mundo adulto – falham em seu papel
da Ética a Nicômano”, Aristóteles ensina: teremos dificuldades na estruturação do super-
“A virtude moral é adquirida em virtude do ego. Meu enunciado é de que na sociedade atual
hábito, donde ter-se formado seu nome (étik) por não são oferecidas identificações suficiente-
uma pequena modificação da palavra étos mente boas às crianças e aos adolescentes. Este
(hábito) “... A ética vale como uma forma de enunciado, se verdadeiro, significa o risco de
reflexão sobre nós mesmos muito mais como fonte termos uma geração de adolescentes presa ao
de conclusões normativas. Ético é pensar.” ego-ideal – excessivamente narcísica, atuadora,
com dificuldades no reconhecimento do outro
Como psicanalista, tenho um vértice de como um sujeito externo e com dificuldades na
observação em relação à ética e é a partir deste simbolização e, conseqüentemente, com o
ponto que quero fazer algumas considerações. pensamento. Ao clássico aforisma de Sigmund
Temos, então, algumas sendas a percorrer: (1) Freud – onde há id deve haver ego – eu colocaria
Fábio Herrmann comenta que ético é pensar; (2) um outro: onde há ego-ideal deveria haver ideal
Jacques Lacan, por sua vez, lança o aforisma de ego ...
de que ético é não ser o desejo do outro; (3) Devemos pensar nos modelos e identificações
Humberto Eco expressa a opinião de que a ética que a sociedade contemporânea oferece: a família
surge quando o outro entra em cena . em rápida mudança de valores e perplexa, por
Estas três idéias me estimulam a seguir um lado, e a sociedade, de outro, revelando e
adiante, buscando especificar mais. Vejamos ... transmitindo - através da mídia, da política, etc
A ética se constitui na relação do indivíduo - uma cultura, em alguns aspectos, perversa.
com seu ambiente, através de mecanismos de Sigamos adiante, abrindo nosso leque.
identificação: inicialmente com os pais, a família,
e, posteriormente, com os modelos identificatórios Adultescência, um novo termo, foi criado e,
que a Sociedade oportuniza às suas crianças e inclusive, incluído no conhecido dicionário New
adolescentes: pais de amigos, professores, Oxford Dictionary (Cadermo Mais. Folha de São
artistas, desportistas, políticos, etc. Que padrões Paulo. 20 de setembro de 1998), mistura, em
constituem estes modelos para identificação e, por inglês, das palavras “adult” (adulto) e
conseguinte, para a constituição da estrutura “adolescent“ (adolescente).
ética e moral da personalidade das crianças e Adultescente – pessoa imbuída de cultura
adolescentes que a família e a Sociedade oferece? jovem, mas com idade suficiente para não o ser.
Sigmund Freud descreveu o super-ego Geralmente entre os 35 e 45 anos, os adul-
como a instância psíquica que, através das tescentes não conseguem aceitar o fato de estarem
identificações, possibilita a internalização das deixando de ser jovens (David Rowan, Um
leis e normas de conduta, da ética e da moral, de glossário para os anos 90).
uma determinada cultura. Nesse processo de
constituição do super-ego, encontramos dois Como ficam os adolescentes tendo de lidar com
momentos anteriores, o ego-ideal – predo- modelos identificatórios inadequados e/ou com
minantemente narcísico, incapaz de reconhecer adultos que querem ser adolescentes ? Onde
o outro como algo externo a si mesmo, carac- encontrar modelos adultos suficientemente bons?
terizado também pela concretitude e onde a ação A pergunta, sem resposta, é um convite para
predomina sobre o pensamento – e o ideal de pensarmos juntos.

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8. Os espaços da modernidade e o espaço na lixeira do computador e, atônito, “puxou todas


virtual da pós-modernidade as conversas” da esposa e do homem virtual.
Os modernos vivenciaram dois espaços: o Ficou apavorado, pois convivia com a esposa há
espaço da realidade externa e o espaço interno, mais de vinte anos e nunca imaginara que ela
das fantasias, das emoções e dos sonhos. Muitos quisesse ouvir tais coisas e, muito menos,
filósofos da modernidade estudaram o quanto a escrever o que ele lia... os filhos colocaram-se
realidade externa é possível de ser “objetiva- contra a mãe, que de Mãe Santa, passou a
mente” percebida, sem a influência de categorias mulher “adúltera”... e o mais impressionante, a
do espaço interno. Os adolescentes, entretanto, própria mulher não reconhecia o que lia como
convivem com um terceiro espaço: o espaço algo “seu”, que tudo aquilo fosse uma expressão
virtual. Este é um novo espaço, com características de seu self!
especiais, surgido há pouco mais de cinqüenta O que aconteceu ...
anos, muito recente portanto: ele é capaz, dizem, A modernidade, como escrevi antes,
de interagir. A pós-modernidade tem, inclusive, enfatizou a existência de dois espaços (sob, por
muito a ver com a relação e com o próprio início exemplo, a influência do romantismo, pois
deste período do ciberespaço (Levy). estamos falando de uma história de amor,
Vejamos um exemplo da clínica do cotidiano. quando esta corrente literária estabelecida por
Once upon a time... imaginemos uma família de W. Goethe, colocou o homem e suas emoções no
classe média, um casal e três filhos. O pai compra centro do universo): (1) o espaço interno, das
um computador e instala a Internet, para que os emoções e dos desejos, das pulsões, da alma e
filhos façam suas pesquisas para os trabalhos do mundo dos sonhos, topos psíquico tão nosso
escolares. O pai trabalha o dia todo, os filhos conhecido, e (2) o espaço externo, dos
estudam pela manhã e pela tarde e a mulher é acontecimentos reais. A modernidade coloca as
professora pela manhã e à tarde tem os afazeres coisas nos seus devidos lugares, no lugar certo,
domésticos... uma vida comum e, até certo ponto, cada coisa em seu lugar, buscando a certeza e
monótona e sem emoções... Um dia a mulher seguindo a Descartes, Kant e a Comte... A pós-
“entra” na Internet e num determinado “chat” modernidade criou um novo espaço, o
encontra um homem “do outro lado do mundo”. ciberespaço, do qual nos fala, entre outros tantos,
Começam a conversar; era um homem “gentil Pierre Levy e Jean Baudrillard: o espaço virtual...
que dizia coisas muito interessantes” e a que a o espaço desta nova máquina, que é interativa
“compreendia”. No dia de seu aniversário, que e que denominamos computador. Descons-
o marido e os filhos “quase” esqueceram, o truindo (ou dando foco) à história clínica dessa
homem mandou-lhe um cartão de “feliz esposa e de sua família... essa mulher, cuja
aniversário, musicado e com um coração narrativa de self, como escreve Ch. Bollas, se
vermelho palpitante” ... ela se sentiu emocionada relaciona ao “moderno”, de certa maneira ao
como há muitos anos não se sentia... Começou, antigo e ao passado, só reconhecia dois espaços,
então, uma conversa mais sensual, mais erótica o interno e o externo, e o espaço virtual, espaço
e, por fim, um diálogo que, soube depois, faria da cultura contemporânea, espaço high-tec, lhe
inveja a Antonio Bocage. A mulher, antiga, pois é estranho e “desconstrói” sua estrutura de self.
era apenas moderna e não pós-moderna, Pierre Levy (Levy, 1995), pensador ligado à
apertava uma tecla no computador – delete – e pós-modernidade e ao conceito de ciberespaço,
acreditava que tudo ficava apagado. Num escreve a propósito:
domingo à tarde, toda a família na sala, onde “A força e a velocidade da virtualização
ficava a televisão e o computador, e o marido, contemporânea são tão grandes que exilam as
que entendia um pouco mais que ela desta pessoas dos seus próprios saberes, expulsam-nas
fascinante máquina, foi procurar alguns E-mails de sua identidade.”

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

Este autor, em seu livro Qu´est-ce que le com qualquer coisa, resta entrar, em tempo
virtuel ? (Levy, 1995), partindo de algumas idéias real, em interação com o “vazio...“
de Gilles Deleuze, afirma que o virtual não se Articulando estas idéias poderemos ser
opõe ao real, mas sim ao atual e desenvolve a levados a pensar que quando alguém “brinca”
tese de que o conceito de “virtual” se opõe ao com um jogo eletrônico no computador não está
conceito de dasein de M. Heidegger do ser-um- verdadeiramente “brincando”, mas sim “sendo
ser-humano ou, literalmente, ser-aí. O virtual se brincado pela máquina”.
relaciona ao ser-lá, a “não-presença”, diferente
do ser-aí. 9. O predomínio do externo, da forma e da
Vejamos algumas outras idéias deste autor, parte sobre o interno, o conteúdo e o todo
buscando compreender melhor os paradigmas A modernidade sempre buscou a valorização
que constituem o conceito de virtual e o choque do “conteúdo” sobre a forma e o externo (a
com os paradigmas da modernidade: aparência física) e do conjunto sobre as partes
“Quando uma pessoa, uma coletividade, um (subordinação das pessoas ao estado nacional),
ato, uma informação se virtualizam, eles se buscando no campo do indivíduo a “pessoa total”.
tornam não presentes, se desterritorializam... a A pós-modernidade, em oposição, valoriza a
virtualização submete a narrativa clássica a uma aparência, a superfície e a fragmentação. O
prova rude: unidade de tempo sem unidade de número de cirurgias plásticas e os transtornos de
lugar.“ alimentação nos levam a pensar como a cultura
O ciberespaço intervém também no conceito pós-moderna, narcisista, incide sobre os
de identidade, o que nos é dado pelo conceito de adolescentes.
“hipercorpo”.
A virtualização do corpo incita a viagens e a 10.O mito do herói
todas as trocas. Os transplantes criam uma Otto Rank (Rank, 1961) escreveu sobre o
grande circulação de órgãos entre corpos mito do nascimento do herói, onde a partir de
humanos. De um indivíduo ao outro e também vários relatos míticos, da literatura e das
entre os mortos e os vivos ... cada corpo torna-se religiões, encontra elementos comuns na “vida”
parte integrante de um imenso hipercorpo híbrido dos heróis e faz um conjunto de observações
e mundializado ... psicanalíticas sobre o tema. O herói da
Jean Baudrillard (Baudrillard, 1997) é outro modernidade, espelhado na cultura grega
autor que nos ajuda nesta collage: antiga, tem como uma referência, por exemplo,
“As máquinas só produzem máquinas. Isto Don Quixote de la Mancha de Miguel de
é cada vez mais verdadeiro na medida do Cervantes, romance de cavalaria dos qui-
aperfeiçoamento das tecnologias virtuais. Num nhentos. Don Quixote enlouquece e dedica
nível maquinal, de imersão na maquinaria, a sua vida a uma causa, o amor. Os heróis
não há mais distinção homem-máquina: modernos têm sempre uma causa “justa,
a máquina se localiza nos dois lados da solidária e coletiva”: um amor, uma religião,
interface. Talvez não sejamos mais que espaços uma ideologia, etc, pela qual dedicam ou
pertencentes a ela – o homem transformado sacrificam sua vida. O herói pós-moderno, em
em realidade virtual da máquina, seu opera- oposição, tem uma causa estritamente pessoal,
dor, o que corresponde à essência da tela. Há da qual deve obter o máximo de proveito, não
um para além do espelho, mas não para além solidária, egoísta; nunca deve se sacrificar ou
da tela. As dimensões do próprio tempo con- oferecer a vida por ela. Deve, isto sim, desfrutar
fundem-se no tempo real. E a característica de das benesses! O novo herói, o herói pós-
todo e qualquer espaço virtual sendo de estar moderno, é um super-herói narcísico, maníaco
aí, vazio e logo suscetível de ser preenchido e predador.

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11.O conhecimento da horizontalidade versus trabalho mais de seus assistentes de que dele
o conhecimento vertical mesmo, “produzindo” (seu studio se chamava
A passagem da Idade Média, com sua visão The factory, a fábrica) quadros disputados por
teológica do mundo e suas explicações mágicas museus e colecionadores. Este pós-moderno
e místicas para os fatos do mundo, deu lugar na personagem, algo gótico, com sua peruca
Idade Moderna à busca da explicação científica, platinada, óculos escuros e uma pálida
da raiz do conhecimento em determinada área, maquiagem, através de suas obras transmitia a
do genoma para compreender melhor o homem, idéia da perda da identidade na sociedade
é próprio da modernidade: a busca da profun- industrial (refiro-me à segunda revolução
didade confere um estatuto baseado na razão e industrial). Ele escreveu frases como: pinto isso
na ciência. A pós-modernidade, entretanto, busca porque queria ser uma máquina... Acho que
o conhecimento horizontal: um adolescente que seria sensacional se todo o mundo fosse
assiste a um vídeo de ciências naturais sobre os idêntico... Quero que o mundo pense da mesma
animais da savana africana poderá ser capaz de maneira, como uma máquina... Se querem
realizar uma “conferência” sobre o tema: ele fala conhecer Andy Warhol, olhem para a superfície
do clima, das espécies que vivem neste habitat e de meus quadros, dos meus filmes e isso sou eu.
de seus hábitos alimentares e reprodutivos. Mas Não há nada por trás disso. Fez, também, mais
ele não pesquisou, nunca esteve lá, não leu nada de sessenta filmes que suplantaram as fronteiras
sobre o assunto, assistiu imagens e poucas possíveis da banalidade: um de seus filmes,
explicações, que ele simplesmente reproduz com mudo, intitulado Sleep, tem seis horas de
habilidade. O resumo, a síntese, é o que é duração, registrando apenas um homem
buscado, principalmente através de imagens, dormindo. Sobre esse filme ele comentou que
elemento fundamental desta condição pós- gosto de coisas chatas... Atingido por um tiro
moderna. desferido por um dos figurantes de seus filmes,
na Unidade de Tratamento Intensivo, buscava se
12.O falso versus o verdadeiro. A pós-moder- informar das notícias publicadas na mídia sobre
nidade como a cultura do simulacro seu estado clínico e tratava de fotografar seus
A invenção da fotografia no século XIX ferimentos. Sua arte, entretanto, não pode ser
possibilitou a reprodução bastante perfeita da restrita a uma análise que a julgue repetitiva,
realidade, liberando o artista para se aventurar banalizada e despersonalizada. Julian Schnabel,
mais além, chegando ao impressionismo e às pintor contemporâneo, talvez exagerando,
outras formas modernas de representação. A registrou com alguma pertinência que Andy
utilização dos negativos fotográficos propiciou mostrou o horror do nosso tempo tanto quanto
uma série de reproduções e, hoje, com uma Goya o fez em sua época. Ele é um personagem
máquina xerox teremos um grande número de exemplo da pós-modernidade, da cultura do
cópias, bastante reais. simulacro.
Um dos representantes mais significativos Donald Winnicott, pediatra e psicanalista
deste momento é Andy Warhol (1930-87). Tornou- inglês, desenvolveu o conceito de verdadeiro e
se famoso por suas imagens em série de produtos falso self, definindo o falso self como uma defesa
para consumo, pessoas transformadas em objetos altamente organizada, que frente a um ambiente
(Marylin Monroe, Mao-Tse-Tung, etc.) ou mesmo que não exerce adequadamente suas funções
simples objetos como latas de sopa Campbell. (maternas) busca proteger o verdadeiro self do
Freqüentando os ambientes mais variados de aniquilamento. Júlio de Mello Filho (Mello, 1997)
New York, munido de uma máquina Polaroid (fotos escreveu a propósito deste falso self, adaptativo,
instantâneas) clicava imagens e as reproduzia um artigo intitulado Vivendo num país de falsos
seriadas em silk-screen ou em tinta acrílica, selves.

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

13.A importância da história para a cada um de nós, e que a literatura, e mesmo a


modernidade e o fim da história na pós- vida, nos revelam é essencial. A utopia leva o
modernidade humano mais ao alto.
A modernidade tratou de historicizar o homem A pós-modernidade, com o fim-da-história e
e sua cultura, na busca de estabelecer sua seus heróis pós-modernos, expulsa a utopia. Não
identidade. As grandes pesquisas arqueológicas há o que desejar, senão consumir o que está
e de paleontologia, na busca da construção produzido, simulacros, simulações do real, ser
da história, foram um frisson no século XIX. feliz é ter uma calça Lee velha e desbotada … O
S. Freud, como sabemos, pensador exemplar último herói da modernidade para a geração de
da modernidade, utilizou freqüentemente a me- 68, Ernesto Guevara, não se pretende que seja
táfora arqueológica para descrever sua criação, a um ideal utópico para os jovens, mas uma
psicanálise, e tinha uma grande coleção de estampa numa t-shirt da Fórum, de Tufik Dusek.
objetos antigos.
A pós-modernidade, inversamente, “decre- 15.No lugar do simbólico o mundo de imagens
tou” o fim da história. O historiador americano da pós-modernidade
Francis Fukuyama, em seu livro The end of Jacques Lacan desenvolveu seus conceitos
history and the last man, lançado em 1992, num sobre o desenvolvimento humano enfatizando o
tom evangélico, profetizou o fim da história estágio do espelho. Com seus estudos, ele revelou
como uma New Gospel (do inglês antigo, a importância da passagem do imaginário mundo
godspel, good news) do fim do milênio. Numa psíquico dependente da imagem, para o
mixórdia, que foi prontamente aceita por alguns simbólico. A pós-modernidade é um mundo preso
pós-modernos, F. Fukuyama liga seu tom à imagem, onde a visualização e a concretude
evangélico da new gospel ao pensamento resultante são fundamentais. Nada existe senão
de K. Marx e de G. F. Hegel e, num exercício como imagem: uma pessoa é a sua imagem visual,
que mais lembra uma impostura intelectual não simbólica. O imaginário é um momento
(Sokal, 1955), “celebra” o triunfo de um novo predominantemente narcísico, onde, como no
capitalismo neoliberal e o final da história. Este mito, o indivíduo está preso, profundamente
autor, funcionário do departamento de estado enamorado, de sua própria imagem e não
norte-americano, escreve que nunca mais reconhece o outro. Há falha na capacidade
acontecerá grandes transformações histó- simbólica, com tudo o que resulta disso. O mesmo
ricas: o capitalismo em suas novas formas é a Jacques Lacan, psicanalista ligado aos grupos de
sociedade final. Devemos abandonar as vanguarda, como os surrealistas e, de certa forma,
utopias, pois o admirável mundo novo aí está: aos pensadores da pós-modernidade, vincula esta
devemos esquecer as lutas políticas, os debates perda da função simbólica ao declínio do pai e
filosóficos e as realizações artísticas de da função paterna, pois é o pai o sustentador do
vanguarda. simbólico.

14.A modernidade e suas utopias e o fim das 16.Globalização


utopias na pós-modernidade Albert Dunlap definiu da seguinte forma para
A modernidade acredita, como os jovens de o Times Book a posição das grandes corporações
1968, que quando muitos sonham juntos os econômicas, as “multinacionais”: “A companhia
sonhos se tornam realidade. É a necessidade das pertence às pessoas que nela investem – não aos
utopias, algo que mesmo não sendo factível em seus empregados, fornecedores ou à localidade
sua totalidade move o gênero humano em direção em que se situa”.
ao progresso, ao respeito pelo humano, sua vida A geopolítica e a noção de Nação e Estado,
e seus sonhos. O herói, este aspecto utópico de práticas da modernidade, foram substituídas pela

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geoeconomia e pela globalização, determinada no Ocidente rumo a uma nova forma de


principalmente pelas grandes corporações capitalismo – o mundo efêmero e descentralizado
supranacionais, símbolos da pós-modernidade. da tecnologia, do consumismo e da indústria
A velocidade e a facilidade das comunicações e o cultural, no qual as indústrias de serviço,
ciberespaço, progresso fantástico e inevitável, fica finanças e informações triunfam sobre a produção
a serviço do capital e não do social, onde ao tradicional, e a política de classes cede terreno
mesmo tempo que aproxima, exclui do progresso a uma série difusa de “políticas de identidade”.
social grandes parcelas populacionais (Bauman Pós-modernismo é, portanto, um estilo de cultura
Z, 1998). que obscurece as fronteiras entre cultura “elitista”
A globalização não deve terminar com as e cultura “popular”, bem como entre arte e
diferenças, preservando as identidades. O avanço experiência cotidiana.“
tecnológico que possui é fundamental para o
progresso da cultura humana. A Internet, por 18.O adolescente e a ocupação dos espaços
exemplo, pela facilidade de comunicação que “A prova primeira da existência é ocupar o
oferece e pelas informações que disponibiliza, espaço.”
inevitavelmente se colocará a serviço do pro- Le Corbusier, arquiteto
gresso social e humano.
“A PM lá em cima como se estivesse numa
torre tomando conta de um campo de
17.O fim das certezas
concentração, os traficantes ali ao lado do
A pós-modernidade é definida, por vários
orelhão, armados, os aviões passando tão baixo
autores (Prigogine, 1996) como o período do fim
e os trens tão perto que os ruídos se confundem,
das certezas. A física newtoniana, por exemplo,
o funk fazendo a trilha sonora – tudo isso lembra
marco da modernidade, é confrontada pela teoria
uma montagem pós-moderna feita com pedaços
quântica e suas novas formulações e pelas teorias
incongruentes de vários mundos e épocas.”
do caos. O que temos hoje é uma descrição que
Zuenir Ventura, Cidade Partida (Rio de
se articula, com um instável equilíbrio, entre duas
Janeiro,1994)
representações alienantes, a de um mundo
submetido ao determinismo (matemático) e a de A ocupação do espaço, doméstico ou público,
um mundo arbitrário submetido apenas ao acaso. pelos adolescentes é uma das formas que eles
Os adolescentes estão neste mundo, que os utilizam para lidar com as transformações físicas,
convida a ser uma metamorfose ambulante. psicológicas e sociais e as fantasias e ansiedades
Terry Eagleton, em seu livro As ilusões do que esse processo acarreta. Sabemos que a
pós-modernismo (Eagleton, 1996), parte de seis identidade se articula em três pontos – espacial,
tópicos – primórdios, ambivalências, histórias, temporal e social – e a relação destas mudanças,
sujeitos, falácias e contradições – mostra como a especialmente as corporais, com a ocupação dos
condição pós-moderna “conseguiu derrubar ” espaços é bem evidente.
certezas supostamente inabaláveis. Ele escreve: Arminda Aberastury (Aberastury, 1971) nos
“A cultura pós-moderna produziu em sua auxilia, nessa linha especulativa, quando escreve
breve existência um conjunto de obras ricas, em seu livro El niño y sus dibujos:
ousadas e divertidas, em todos os campos da arte.
Ela também gerou um excesso de material kitsch “Reproduzir o próprio corpo, o dos pais e após
execrável. Derrubou um bom número de certezas tratar de desenhar casas é a cronologia do
complacentes, contaminou purezas protegidas desenho no desenvolvimento normal. Como a
com desvelo e transgrediu normas opressoras. casa é um símbolo do esquema corporal se
Tal maneira de ver baseia-se em circunstâncias compreende que seja o primeiro objeto inanimado
concretas: emerge da mudança histórica ocorrida que aparece nos desenhos.”

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

A arrumação do quarto de um adolescente (ou do espaço vem a ser uma expressão do “interior”
a forma com que “recheia” sua mochila escolar) da personalidade. A “identidade” está, pois,
nos dá uma dimensão, bastante aproximada, de intimamente associada com a experiência de
seu mundo interno... lugar, especialmente nos anos de formação da
A ocupação do espaço público (escola, bares, personalidade.”
shopping, praças, etc.) também é significativa. Estes comentários foram feitos por um
Eles necessitam, por exemplo, “migrar” de um arquiteto, que embora não seja um psicanalista,
espaço para outro a cada intervalo de tempo, compreende perfeitamente as questões
revelando o que Françoise Dolto chama o envolvidas na relação espaço arquitetônico e o
“Complexo de Lagosta”, se referindo a este espaço existencial.
animal que ao transformar periodicamente o corpo Onde habita, hoje, o adolescente? Provoca-
perde a “casca” que o envolve (Dolto, 1989). tivamente respondo: em Gotham city !
Durante alguns meses, todos freqüentam um Gotham City, cidade de Batman e Robin, New
mesmo local e depois “migram” para outro... é York ou Los Angeles, lá e aqui, é a apresentação
como o corpo infantil que tem de ser abandonado conceitual e estética do espaço pós-moderno. A
(ansiedade depressiva e confusional frente à representação seqüencial dos estilos – clássico,
perda do conhecido) e o outro corpo, o adulto, gótico e moderno – é mixada e surge a
encontrado e habitado (ansiedade paranóide figurabilidade pós-moderna: Gotham City é esta
frente ao desconhecido). collage. Lembremos que gótico foi um termo
Mats Lieberg (Lieberg, 1994), em um estudo cunhado pelos teóricos renascentistas italianos
da Universidade de Manchester sobre a ocupação para caracterizar uma estética vinculada ao estilo
do espaço público pelos teenagers, realiza uma bárbaro germânico, que se impunha frente a
pesquisa que nos mostra a “migração” através antica e buona maniera moderna – o velho e
da cidade como correlata com as transfor- bom estilo moderno (Appignanesi & Garrat,
mações da identidade. Aliás, Mário Quintana, o 1995)... O gótico também evoca um tipo de
poeta maior dos gaúchos, significativamente, romance noir, onde o Marquês de Sade fez
correlacionando a geografia com a anatomia, desfilar seus personagens e suas vigorosas
escreve em seus versos... experiências. Reparando em alguns prédios
bastante conhecidos de New York, veremos o
“Olho o mapa da cidade como quem gótico e também o clássico e o moderno numa
examinasse a anatomia de um corpo clara composição pós-moderna: aliás foi esta
É que nem fosse meu corpo !” cidade que inspirou o autor de Gotham City.
O arquiteto Norberg-Schulz, em seu livro É Los Angeles, entretanto, para vários teóricos,
Novos caminhos da arquitetura: existência, a cidade exemplo do espaço pós-moderno. J.
espaço e arquitetura (Norberg-Schulz, 1975), Baudrillard, em seu livro América (Baudrillard,
descreve a relação espaço-persona da seguinte 1988), comenta que LA está livre de toda a
maneira: profundidade ... um hiperespaço exterior, sem
“Lugares, caminhos e regiões são os origem e sem pontos de referência. Para este
esquemas básicos de orientação, isto é, os autor, LA é uma visão do humano pós-moderno
elementos constituintes do espaço existencial. patético. J. Baudrillart e tout court consideram
Quando se combinam, o espaço se converte em que o pós-moderno se separa do moderno, entre
uma dimensão real da existência humana... outros aspectos, quando a produção de demanda
somente se define interior e exterior quando se – dos consumidores – se torna central: a produção
pode dizer que se “habita” ou se reside”... em de necessidades e desejos, a mobilização do
função dessa conexão, as experiências e as desejo e da fantasia, da política de distração
memórias do homem se localizam e o “interior” (Lyon, 1998). Há um olhar diferente na cidade

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pós-moderna: é o olhar do turista ou do zapping. sem mencionar o de continuidade, no mundo de


Não mais o olhar dos flâneurs, olhares de escolha do consumidor; de mídia múltipla e de
passantes sem pressa, nos boulevares de Paris, pós-modernidade globalizada.
típico olhar moderno. Não pretendo privar o leitor de buscar ele
David Lyon (Lyon, 1998) escreve LA: próprio o esclarecedor livro de David Lyon e por
“Vários comentadores consideram Los isso abrevio a citação. É a distopia, embora não
Angeles a primeira cidade realmente pós- tenhamos chegado ainda em 2019, de Blade
moderna do mundo. A beira do mar, a grande Runner e seus andróides. Reconhecemos este
metrópole comporta um número elevado de lugar: Gotham City é aqui!
profissões de alta tecnologia, serviços a preços
baixos e trabalhos de manufatura. Mas ela – VIII –
passou por uma desindustrialização e uma Penso que seria interessante fazer alguns
reconstituição tão rápidas (seletivas) que Edward breves comentários sobre uma escola que possa
Soja a chamou de “a janela paradigmática pela enfrentar estes desafios, tendo a certeza de estar
qual se pode ver a última metade do século fazendo comentários nada originais e que,
vinte”. Todavia é difícil focalizar esse fluxo certamente, alguém fez melhor antes. Mas que
urbano fragmentário, constantemente em escola seria esta? Aquela que preservando valo-
movimento, que está em toda a parte, global.” res essenciais da modernidade esteja aberta ao
progresso e ao novo. Minhas observações se
Os habitantes de LA estão entre o local e o derivam mais de uma prática com crianças,
global, mini-cidades étnicas, convivendo um adolescentes e escolas do que de idéias que eu
grande avanço tecnológico com favelas imundas tenha tido a oportunidade de desenvolver uma
e arredores meio-modernos. Bairros chamados teorização sobre elas. Obtenho respaldo,
Veneza, Manhattan Beach, Ontário, Westminster, entretanto, de um importante pensador que
etc, convivem simultaneamente, interconectados. escreveu, no século IXX, que a prática é o critério
Uma babel de línguas, onde yuppies e imigrantes da verdade.
ilegais se diferenciam e se confundem. David Julgo que três pontos seriam essenciais: olhar
Lyon (Lyon, 1998) comenta que, nestes espaços, a criança com (1) um novo olhar e educar para
o projeto do eu se traduz num projeto de posses (2) brincar e (3) pensar.
de bens desejados e na busca de estilos de vida
artificialmente modelados... O consumismo não Olhar a criança com um novo olhar
conhece limites... uma vez estabelecida,uma Enfatizo com este destaque a importância de
cultura do consumo dessa espécie é não- oferecer à criança este novo olhar, que significa
discriminadora e tudo se transforma num item propiciar a ela subjetivação e historicização.
de consumo, até o significado, a verdade e o Compreender as diferenças entre ensinar (colocar
conhecimento... A imagem, o estilo e o desenho signos para dentro) e educar (criar condições
do produto transpõem as metanarrativas ambientais para que a criança e o adolescente
modernas e assumem a tarefa de conferir desenvolvam, a seu ritmo, seu potencial),
significado. “As coisas se fragmentam disse W.B. recusando o papel de impor um fordismo na
Yeats, precedentemente”, “o centro não consegue escola, uma linha de montagem onde os gadgets
se sustentar”. Assim, a falta de centro, simbólica crianças são produzidos para o gozo de uma
de LA, se torna uma metáfora para a cultura de sociedade consumista. Faço referência a um novo
consumo pós-moderna em geral: tudo está olhar que confira à criança um narcisismo de
fragmentado, heterogêneo, disperso, plural – vida, como explica André Green, distante do
sujeito às escolhas do consumidor... Valores e narcisismo de morte ao qual ela está condenada
crenças perdem qualquer sentido de coerência, por uma sociedade que estabelece com seus filhos

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

uma relação perversa, do abandono à violência, da violência, do ódio – de todos os problemas


da exploração sexual à transformação em seres mais insolúveis derivados da exclusão social.
para o consumo rápido. Como outros tantos domínios, a infância e a
adolescência convertem-se hoje em espaço
Educar para brincar destinado por seu abandono à deriva e à
Minha hipótese é que a escola poderá ajudar delinqüência”.
a criança e o adolescente a descobrir o brincar, J. Baudrillard, Tela Total
experiência perdida em um mundo de concreto,
de objetos prontos para o consumo e um uso não J. Baudrillard (Baudrillard, 1997), pensador
criativo, recuperando a perda da tradição do sobre a condição pós-moderna, nos recomenda
brincar e de criar o brinquedo. As grandes calma, crianças sempre haverá. Mas como?
corporações levam seus gerentes com MBA para Objeto de curiosidade ou de perversão sexual,
seminários onde eles são ensinados a brincar: ou de compaixão ou de manipulação e de
num reconhecimento explícito da importância do experimentação pedagógica ou simplesmente
brincar para o desenvolvimento da criatividade e como vestígio de uma genealogia do vivo ?
de que o brincar está esquecido. A modernidade tem ainda, com todas as suas
crises, valores e paradigmas necessários ao
Educar para pensar
humano e sua cultura, embora haja um mal-
Em muitos momentos, ao longo do texto, referi
estar nesta cultura… Mesmo um político
como o pensar está problematizado na condição
conservador, como Francisco Welffott, reconhece
pós-moderna. A escola tem a função de resgatar
a relação entre a globalização e a criação de
este aspecto fundamental do desenvolvimento da
conjuntos humanos descartáveis, quando
criança e do adolescente.
escreve (Wellfortt, 2000):
Esta nova escola terá, desde meu ponto de
“Um dos problemas mais graves do
vista como médico, uma função fundamental de
capitalismo na época da globalização é a criação
promoção da saúde e prevenção da doença. Seu
de grandes conjuntos humanos considerados
currículo não se dirigirá apenas a matérias
“desnecessários” (descartáveis) do ponto de vista
dissociadas entre si, às vezes, sem nenhum
econômico.”
entrelaçamento, um currículo fragmentado,
voltada no sentido de fornecer elementos e um
A violência, desta maneira, está presente
sentido prático para a vida. Será também uma
nesta globalização que se torna cada vez mais
escola para pais, incluindo a família nos seus
excludente sob o ponto de vista social, pois o
objetivos principais. Enfim, uma escola para a
avanço tecnológico não significa, necessaria-
vida, onde o progresso tecnológico estará a
mente, um avanço de condições mais humanas
serviço da pessoa.
para as populações.
The last but not the least Temos hoje mais de 30 guerras regionais, em
A escola deve se constituir também em uma todos os continentes, onde as vítimas fatais são
“escola para os pais”, onde estes possam discutir principalmente as populações civis com
todas estas questões e muitas outras que surgem aproximadamente 90% de todas as baixas: na I
a cada momento. Grande Guerra (1914-18 ) morreram cerca de 15%
de civis e na II Grande Guerra (1939-45 ) foram
– IX – 45%. Estes dados representam principalmente
Epílogo crianças, mulheres e idosos.
“Há, doravante, no que se refere à ordem Em nosso país, desde há alguns anos, as três
social e política, um problema específico da primeiras causas de óbito entre os jovens são
infância, a exemplo da sexualidade, da droga, relacionadas à violência. Vejamos alguns dados

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OUTEIRAL J

publicados no editorial da Folha de São Paulo da informação, sustenta aspectos eróticos e


(A2, 13 de abril de 2001), sob o título Juventude tanáticos. Entre os primeiros, está a possibili-
Assassinada: dade de um acesso mais rápido e completo do
conhecimento global e uma conscientização
“... segundo a recém-divulgada Síntese dos cada vez maior da inexistência de verdades
Indicadores Sociais do IBGE, homicídios, definitivas e completas, o que contribui para
suicídios e acidentes de trânsito (as chamadas destruir dogmatismos estéreis e facilita o res-
mortes por causa violenta) foram responsáveis, peito pelo novo e pelo diferente. São fatores taná-
no ano de 1998, por 68% dos óbitos entre os ticos, a violência, a superficialidade, a pouca
homens na faixa entre 15 e 19 anos. Em 1992, qualificação dos valores transcendentes e a
essa proporção era de 62%. Mas essa é a média excessiva importância que se outorga às pos-
para todo o território nacional. No sudeste, ela sessões visíveis. O sujeito-ideal (termo com o
aumenta para 73%. No Estado de São Paulo, 77 qual Piera Aulangier denomina a parte do
em cada 100 jovens mortos no ano de 1998 superego que dá conta da incorporação dos va-
tombaram por causas violentas.” lores predominantes no contexto sociocultural).
É, em nosso tempo, um ser perfeito, complexo e
Os inegáveis avanços tecnológicos da exitoso, o que supõe uma negação do limite e da
globalização devem ser disponibilizados para o castração. Ideal de completude narcisista, que
progresso das condições humanas. O desenvol- permite qualificar a cultura atual de falo-
vimento necessita ser avaliado a partir de cêntrica ou fálico-narcisista. Sabemos, como
indicadores sociais e não exclusivamente em psicanalistas, que não aceder à castração
função dos aspectos econômicos. Não se trata de conduz, real ou metaforicamente, à morte
negar o avanço tecnológico da globalização, psíquica e/ou física. Se a Freud coube lutar contra
repito, pois é necessário, mas sim de colocá-lo o excesso de repressão, a nós hoje cabe – como
para disposição de todos e não apenas a serviço testemunham as novas patologias – combater a
de uns poucos. violência que implica a proposta onipotente da
Existe hoje, como escreveu Sigmund Freud, cultura atual, que tende a dificultar nossa tarefa,
no final da década de 20 (Freud, 1930), um mal- porque potencializa o atrativo demoníaco da
estar na civilização. É certo que ele levantava completude, sempre à espreita em algum canto
questões relativas ao estatuto do sujeito na do psiquismo. Dois aspectos da sociedade pós-
modernidade, pois a psicanálise é uma leitura moderna requerem atenção particular. São eles:
da subjetividade e de seus impasses na o ataque ao processo de pensamento que supõem
modernidade (Birman, 1998), mal-estar este a intensidade e a rapidez excessiva dos estímulos
que, entretanto, podemos estender para a pós- que dificultam as representações claras e o
modernidade e seus intentos de des-subjetivação. acesso ao pensamento, gerando vivências de
Um conjunto significativo de autores tem escrito caos e vazio; nulificação da história, à exigência
sob o tema, desde o ponto de vista psicanalítico de viver no imediatismo do presente que, somada
(Rouanet, 1987; Rouanet, 1993; Costa & Katz 1996; às profecias de previsões catastróficas para a
Bierman, 1998; Rocca, 2000; Cukier, 2000), sobrevivência da espécie humana, incrementa a
enfatizando as alterações psíquicas que se culpa patológica e diminui a possibilidade
observa relacionadas, diretamente ou reparatória e as esperanças de projetar-se no
indiretamente, com as questões levantadas neste futuro. O ataque ao pensamento e à desvalo-
texto. Elisabetta de Rocca (Rocca, 2000) considera rização da história são realidades fáticas que
o seguinte: exigem uma atenção particular e uma reflexão
“A cultura pós-moderna, caracterizada pelo mancomunada, porque constituem verdadeiros
domínio da imagem e velocidade e massificação desafios para o desempenho de nosso trabalho.”

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ADOLESCÊNCIA: MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

A autora desenvolve seus comentários da psicanálise neste momento, espaço da


muito próximos às observações que faço ao experiência humana, experiência compar-
longo do texto. Na verdade, estes são temas tida, de subjetivação e historicização, como
bastante discutidos em diversas áreas do instrumento de levar ao futuro, ao homem do
conhecimento humanístico. Não tenho novo século, alguns dos valores fundamentais
nenhuma dúvida da validade e da vitalidade da modernidade.

REFERÊNCIAS 15. Bettelheim B. Psychanalyse des contes de


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Trabalho realizado no CEAPIA (Centro de Estudos, Artigo recebido: 02/08/2004


Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência). Aprovado: 30/06/2005

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