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Iluminismo e Maçonaria

Ambrósio Peters

Introdução
A Maçonaria é caracteristicamente universalista, por ser uma sociedade que aceita a
afiliação de todos os cidadãos que se enquadrarem na qualificação “livres e de bons
costumes”, qualquer que seja a sua raça, a sua nacionalidade, o seu credo, a sua
tendência política ou filosófica, exceptuados os adeptos do comunismo teorético, porque
os seus princípios filosóficos fundamentais negam ao homem o direito à liberdade
individual da autodeterminação.

Embora assim caracterizada, esta universalidade não implica a Maçonaria em ter um


poder administrativo soberano centralizado, nem mundial nem supranacional, e nem
significa que tenha princípios doutrinários ou filosóficos universais de aceitação
obrigatória por parte dos seus membros. Os únicos princípios filosóficos ou
doutrinários, se é que assim se pode denominá-los, são a crença num Ser Supremo e a
crença na sobrevivência do espírito, sem nenhuma definição que identifique estes
conceitos ou estas crenças, em relação à determinada filosofia ou a determinada
religião.

A definição destes dois postulados é deixada ao livre arbítrio de cada Maçon, de forma a
não interferir nas suas convicções ou tendências pessoais. Esclareça-se que na filosofia
actual a expressão Ser Supremo tem o significado convencional de Deus Único.
O Ser Supremo é habitualmente referido na Maçonaria como o Grande Arquitecto do
Universo, uma expressão que, apesar de conter os atributos físicos Grande e Arquitecto,
não privilegia nenhuma concepção de Deus em particular. Grande Arquitecto do
Universo tem para os Maçons apenas um significado simbólico, o da unificação sob um
só conceito, da geração de todos os seres pela contínua actuação das leis que governam
o Universo. Dar-lhe uma interpretação diversa ou menos ampla, seria prestigiar uma ou
outra corrente filosófica, contrariando o princípio de neutralidade maçónica.

Desta forma, não tem a Maçonaria um centro ou um órgão administrador supranacional


ou mundial, apesar de ter órgãos administrativos regionais, com jurisdições
geograficamente definidas, chamados potências. A sua atribuição exclusiva é manter a
unidade das lojas, regulando a sua organização administrativa, definindo as regras dos
relacionamentos delas entre si e com os seus membros e destes entre si. Todas estas
potências maçónicas são também absolutamente independentes entre si, e todas têm os
seus próprios estatutos e os seus próprios regulamentos.

Potências e Lojas são autónomas, somente em sentido administrativo, mas nem os Grão-
Mestres e nem os (Veneráveis) Mestres das Lojas se podem pronunciar em nome da
Maçonaria Universal. Mas, desde que para isso estejam oficialmente autorizados pelas
suas Assembleias, podem pronunciar-se oficialmente sobre desenvolvimento dos seus
trabalhos, na escolha da forma e do direccionar das suas actividades sociais e culturais.
Isto equivale a dizer que os Grão-Mestrados e os Mestres das Lojas sempre seguem a
tendência da maioria das suas assembleias. Esta autonomia impede que as decisões
particulares se transfiram a outros Grão-Mestrados e a Mestres de outras Lojas.

Esta definição de Maçonaria permitiu, que em tempos passados algumas lojas, ou


grupos de lojas, se pronunciassem a favor da república e outras lojas ou grupos de Lojas
a favor de reinos constitucionais como, por exemplo, aconteceu no Brasil durante o
segundo Império. Mas estas posições, aparentemente divergentes, atendem às aspirações
da liberdade maçónica, porque ambos os mencionados sistemas políticos, limitam os
poderes dos seus governantes máximos, o presidente ou o rei.

Portanto, não tem sentido a hipótese de que uma recíproca influência


Iluminismo/Maçonaria, tantas vezes alegada por igrejas cristãs para condenar a
Maçonaria, possa tê-la levado a ser anticristã. Mesmo que a maioria dos membros de
determinada loja possa ser de iluministas não cristãos, devem eles respeitar a minoria
quanto ao direito à sua própria convicção filosófica ou religiosa.

Na verdade, pode ter acontecido no correr da História da Maçonaria Moderna, que uma
ou outra loja tenha sido formada por uma maioria iluminista dominando a administração
e impondo o seu ponto de vista. Mas são excepções raríssimas que habitualmente se
corrigem, tanto pela alternância anual das administrações das Lojas, como pela
constante mudança das concepções filosóficas, uma das características do livre uso da
razão.

Algumas igrejas cristãs insistem nesta ligação como algo condenável, por concluírem
afinal que a Maçonaria teria absorvido do Iluminismo, a ideia central de submeter ao
crivo da razão todos os aspectos do conhecimento, o que demonstraria a oposição
Maçonaria/Religião, por considerarem que o livre pensamento é o inimigo da fé, por
excelência. Mas isto não acontecerá, porque os livres pensadores jamais predominarão
na humanidade.
Um apoio espúrio a este ponto de vista, recebem essas igrejas em afirmações
historicamente incorrectas, como a contida na Enciclopédia Mirador internacional sob o
verbete “Iluminismo”, onde diz: “Entre os sucessores do Iluminismo está a Maçonaria”
(v. 11, p. 5.982). Evidentemente, o redactor do texto explicativo do verbete não
procurou instruir-se em fontes fidedignas, pois as origens da Maçonaria são anteriores
aos primeiros movimentos Iluministas. Na verdade, pode a Maçonaria ter sofrido
influência dos Iluministas, mas esta influência foi temporária, pois no mundo actual a
maioria absoluta dos Maçons é de cristãos.

Contrariando esta afirmação enciclopédica, afirma-se que foram os Iluministas que se


filiaram às Lojas Maçónicas, como um lugar seguro e intelectualmente livre e neutro,
apropriado para a discussão das suas ideias, principalmente no século XVIII, quando os
ideais libertários ainda sofriam sérias restrições por parte dos governos absolutistas na
Europa. Por isto não se pode negar, que certamente a Maçonaria pode ter contribuído
para a difusão do Iluminismo e que este por sua vez, possa ter contribuído para a
difusão das lojas maçónicas.

A Maçonaria, contudo, não adoptou e nem incorporou teses de origem iluminista aos
seus dois princípios básicos anteriormente referidos, e nem o poderia ter feito, pois isso
comprometeria o seu postulado de universalidade. Assim, a Maçonaria pode ter
contribuído apenas indirectamente para o crescimento dos movimentos iluministas, por
congregar os seus seguidores e pô-los em contacto directo entre si, na mesma forma do
acontecido com os constitucionalistas, com os republicanos ou com os liberais. Nem por
isto, a Maçonaria se tomou iluminista, constitucionalista, republicana ou liberal, por
princípio.

Mas esta preocupação das Igrejas é uma perda desnecessária de energias, pois menos de
um por cento das pessoas de fé, teriam a necessária cultura filosófica para racionalizar
os seus princípios de fé. E ainda mais, das pessoas que teriam esta capacidade, talvez
menos de um por cento, teria a necessária coragem para fazê-lo. Restaria uma ínfima
percentagem de pessoas, talvez menos de 0,01%, a colocar eventualmente a sua fé em
perigo, se é que essa percentagem, mesmo tão ínfima, chegue a tanto.

Não se definirá aqui o que é Maçonaria, porque o assunto foi exaustivamente tratado na
obra MAÇONARIA HISTÓRIA E FILOSOFIA. Discorrer-se-á somente sobre o
Iluminismo, cuja essência é frequentemente mal compreendida e cujos movimentos nem
sempre são percebidos, e lamentavelmente, porque é um movimento intelectual que
todo o Maçon deveria conhecer. Foi o Iluminismo que despertou a humanidade para o
uso da razão, em todos os campos do conhecimento.

Isto, contudo, não o torna um inimigo das religiões, porque devido ao seu diminuto
número, os homens pensantes jamais destruirão qualquer religião. Poderão, quando
muito influenciar um ou outro membro isoladamente. São muito raros os homens em
condições de discutir temas filosóficos.

Iluminismo
O Iluminismo não é uma corrente filosófica, é um sistema de pensamento conduzido
pela razão, o maior avanço cultural que liberou o homem para as grandes aventuras do
conhecimento. Com ele, o homem tornou-se apto a escolher o ponto de partida dos seus
pensamentos, dentro dos limites da sua própria liberdade intelectual.
As grandes aventuras materiais, tais como a de Moisés, conduzindo os seus hebreus
durante quarenta anos através do deserto, como as conquistas militares de Alexandre, o
Grande, como as grandes viagens internacionais de Marco Pólo, como as grandes
batalhas de Napoleão, como a teoria gravitacional de Sir Isaac Newton e tantas outras
de que está plena a História, são sobejamente conhecidas de todos os estudantes, porque
elas transmitem sensações de poder e sonhos de vitórias. Mas poucos são os que
conhecem os reflexos das aventuras dos grandes heróis e dos avanços culturais da
humanidade.

Quão poucos conhecem o verdadeiro sentido da aventura de Moisés, que captando o


verdadeiro sentido da fracassada aventura monoteísta do Faraó Aquenaton, concebeu o
seu próprio projecto, conseguiu fazer dos hebreus um povo, criou uma nação e fundou
uma religião monoteísta, no seio de um mundo que era todo politeísta. Foi sem dúvida,
uma grande aventura intelectual, que ainda influencia a humanidade três mil anos
depois. Somente os estudantes iluministas reconhecem isto.

Quão poucos sabem, que Alexandre, o Grande, foi discípulo do grande filósofo grego
Aristóteles e que a sua maior conquista não foram as suas grandes vitórias militares,
mas sim ter sido o grande difusor da cultura helénica, o fundador da cidade de
Alexandria, a capital cultural que dominou o mundo antigo, com a sua biblioteca de
seiscentos mil volumes.

Quão poucos sabem, que a grande aventura de Marco Pólo, trouxe como resultado a
notícia de outros grandes povos, com grandes religiões a produzir homens tão ou mais
virtuosos que os das religiões ocidentais, e assim proporcionou pela primeira vez na
história, estudos comparativos de religiões e civilizações.

Quão poucos sabem, que as teorias revolucionárias de Sir Isaac Newton e de Albert
Einstein mostraram ao mundo pela primeira vez, que o Universo pode funcionar e
evoluir pelas suas próprias leis e que não há necessidade de uma permanente
intervenção de um Poder Supremo, abalando com isto uma teoria teísta de séculos.
Apesar dessas descobertas, as leis continuam a ser de origem divina para os teístas. Para
os iluministas, contudo, por considerarem que o conhecimento de Deus não é acessível
ao homem, este assunto não está em discussão.

Quão poucos sabem, que existiu um Giordano Bruno, considerado o fundador do


pensamento crítico moderno? Quantos conhecem as consequências da influência das
teorias de Galileu Galilei sobre o pensamento do seu tempo?

Assim foi também com o Iluminismo, a grande aventura intelectual que revolveu as
tradições medievais relativas à religião, à economia e à política e as submeteu ao
tribunal da razão, perante o qual quase todas foram condenadas por causa da sua
fragilidade científica e da sua fragilidade lógica. Por isto, deveria o Iluminismo, estar
escrito com letras destacadas entre as grandes aventuras da história da humanidade.

Ainda não o foi, porque como toda a aventura do campo metafísico, o Iluminismo é um
fenómeno que se restringe ao diminuto universo dos homens que pensam, isto é, o
universo dos que não aceitam verdades impostas ou sugeridas, mas usam a razão para
buscar a sua própria verdade, O conceito de Ser Supremo não representa para a
Maçonaria, mais que um nome sugerido para a força universal, que é a origem do
Universo.
Os rastos culturais deixados por estes homens pensantes, tanto no passado como ainda
no presente momento histórico, são extremamente ténues. Também os leitores desses
pensadores, constituem um campo cultural excessivamente restrito.

Quem sabe correctamente, mesmo os que o condenam, o que foi e o que significou o
Iluminismo, para o avanço do pensamento na Idade Moderna e Idade Contemporânea?

luminismo um sistema de conhecimento


O Iluminismo caracteriza-se pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à
tradição e à autoridade no âmbito da filosofia e pelo incentivo à liberdade de
pensamento. O Iluminismo distingue-se particularmente por um optimismo quase
utópico ante o progresso da ciência, por uma quase veneração pelo uso irrestrito da
razão e por um antitradicionalismo radical.

Este fascínio pelo uso da razão, tem o mesmo sentido do fascínio pelas aventuras
materiais das grandes viagens, dos grandes descobrimentos, como o progresso da
ciência e os constantes avanços em desvendar os segredos do Universo. O Iluminismo é
o fascínio pelo desconhecido que sempre levou os homens, cada vez um pouco mais
adiante. E este mesmo fascínio que incentiva os iluministas, ou os iluminados, porque
os avanços do pensamento, sempre descobrem novas teorias e novas concepções
filosóficas, e nunca o pensador, tal como os aventureiros do mundo material, saberá
exactamente onde o levará o seu raciocínio.

Não se definirá, portanto, correctamente o Iluminismo, dizendo-o um sistema de


conhecimento, porque ele não compreende o estudo de um determinado tema filosófico.
Seria mais correcto denominá-lo um movimento intelectual, voltado para a busca da
verdade pela razão sem a revelação, verdade em todos os campos do conhecimento, o
religioso, o político, o económico, o científico, o social, o filosófico. Tem algo estranho
nesta frase?

Citando René Descartes (1596 – 1650), possivelmente um dos pioneiros iluministas,


que já no início do século XVII, colocou na base do seu cartesianismo o carácter
universal e absoluto da razão, que partindo do cogito (eu penso), pode pelas suas
próprias forças, chegar à descoberta de todas as verdades possíveis, subordinando as
conclusões às experiências reais, somente quando necessário para dirimir dúvidas no
caso de evidências equivalentes. Por causa das suas ideias avançadas, Descartes teve de
se transferir para a Suécia, para evitar perseguições.

Emmanuel Kant (1724 – 1804) escreveu a respeito do Iluminismo: “O Iluminismo é a


evasão do estado de menoridade que o homem costuma atribuir a si próprio.
Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio intelecto sem o guia de outrem. A
cada um é atribuível esta menoridade, se a causa não for um defeito do intelecto mas a
falta de decisão e coragem para servir-se dele como guia. ‘Savere aude‘ (ouse saber)!
Tenha a coragem de servir-se do seu Próprio intelecto.” Este é o mote do Iluminismo.”
(Ia: Nicola Abbagnano – Dicionário de Filosofia).
Na História Moderna, houve necessidade de acontecimentos traumáticos, para acordar o
homem à percepção de que algo estava errado com as tradições antigas e medievais.
Este despertar para o Iluminismo começou lentamente e de forma vagamente
perceptível entre os pensadores do final do século XVI.

Os primeiros iluministas foram de início extremamente cautelosos ao emitir os seus


pensamentos, pois entravam em conflito com todo o conjunto das teorias e teses que
dominava o mundo ocidental cristão, desde a Idade Média.

Possivelmente, alguns acontecimentos históricos do século XVI foram os grandes


impulsionadores deste despertar, como por exemplo, os grandes descobrimentos
marítimos do século XVI, que mostraram ser a nossa Terra muito mais complexa e
ampla do que aquela descrita na Bíblia; ou a insubordinação de Henrique VIII de
Inglaterra, que mostrou que cada país pode ter a sua própria religião oficial sem
depender de Roma; ou a Reforma de Martinho Lutero, que trouxe a público as fraquezas
da Igreja Romana; ou o Édito de Nantes de 1596, que mostrou ser possível a liberdade
religiosa em França; ou as viagens de Giordano Bruno pela Europa, pregando os seus
novos conceitos de liberdade de pensamento e mostrando pela primeira vez, que havia
um público ávido por novas e revolucionárias ideias.

Por isto, o Iluminismo veio ganhando terreno lentamente a partir do início do século
XVII, na Inglaterra, para chegar à sua idade áurea em França, no final do século XVIII,
conhecido como o século das luzes.

Os Deístas ingleses mais influentes foram, por ordem de ano de nascimento:

 Thomas Hobbes (1588 – 1679);


 Lord Herbert of Cherbury (1593 – 1648);
 Sir Robert Boyle (1627 – 1691);
 Charles Blount (1629 – 1693);
 John Locke (1632 – 1704);
 Sir lsaac Newton (1642- 1727);
 Mathew Tindal (1653- 1733);
 John Toland (1670 – 1722);
 Bernard Mandeville (1670 – 1733);
 Terceiro Conde de Shaftesbury (1671 – 1713);
 Anthony Collins (1676 – 1729);
 Henry Vise, de Bolingbroke (1678 – 1751);
 Conyers Middleton (1683 – 1750);
 David Hume (1711 – 1776); Joseph Priestley (1733 – 1804);
 Thomas Woolston (+1733).
Lord Cherbury faleceu em 1648, ano em que Oliver Cromwell derrotava o Rei Carlos I,
assumia o poder e conduziria a Inglaterra a republica, numa revolução civil
caracterizada por desentendimentos e lutas religiosas entre presbiterianos puritanos e
exaltados, anglicanos e católicos. Impressionado com esses desentendimentos, Lord
Cherbury, paralelamente à sua careira militar e diplomática no continente, dedicou os
seus últimos anos de vida ao estudo das razões dessa inconsequente disputa religiosa, na
tentativa de estabelecer os motivos básicos, causadores desses permanentes conflitos
entre credos e sistemas religiosos.

Na sua primeira obra, De Veritate (Paris, 1624), Lord Cherbury propôs uma teoria do
conhecimento baseada num padrão universal e inato da percepção da realidade,
rigidamente oposta aos conhecimentos de origem sobrenatural como o conhecimento de
Deus, conhecimentos sobrenaturais estes, que por serem inteiramente subjectivos,
seriam a causa dos conflitos.

Na sua obra, De Religionis Gentilium Errorum que apud eos Causas (Londres 1645),
Lord Cherbury apresentou cinco pontos que constituiriam o núcleo dos
desentendimentos entre todas as religiões:
1. Fé na existência de uma deidade;
2. Obrigação de adorar esta deidade;
3. Demonstrar adoração com a prática da moralidade;
4. Arrependimento dos pecados e propósito de não reincidir neles;
5. Crença em recompensas ou castigos divinos, nesta ou numa outra vida.
A influência inicial das teses de Lord Cherbury dissipou-se no roldão da revolução
puritana de Cromwell, mas o Deísmo encontrou um reforço especial entre os
eclesiásticos, que na reminiscência da Renascença, inclinaram-se para uma contraditória
teologia racional. Nos desentendimentos entre puritanos, católicos romanos, anglicanos
e protestantes, frequentemente se invocava a razão como árbitro.

Os neoplatonistas de Cambridge, invocavam a intuição moral inata, contra o


sensualismo de Hobbes. A revolução republicana evidenciou a necessidade da busca de
uma unidade no campo da moralidade, que somente poderia ser alcançada pelo livre uso
da razão. Em relação ao uso da razão como árbitro, deve-se considerar que muitos
homens religiosos costumam limitar o uso da razão, apenas aos casos que não são
fundamentais para as suas crenças, isto é, são pensadores apenas quando lhes convém.

Uma característica da filosofia de Hobbes, baseada nos novos conhecimentos


matemáticos e científicos, era a rejeição de uma teologia baseada no sobrenatural.
Hobbes explicou a diversidade das religiões, como resultado do temor do homem ante o
poder dos fenómenos naturais, ou como resultado das reflexões do homem ante a
universalidade das relações de causa e efeito em todos os acontecimentos. Dizia Hobbes
ainda, que os milagres e a revelação eram altamente improváveis e certamente produto
da ignorância e da imaginação. Dizia também Hobbes, que a criação de uma religião
positiva por um Estado forte, cujo soberano tivesse o poder necessário para impor as
leis e as prescrições oficiais, seria a única alternativa para evitar as brigas entre as
religiões. Para amainar estes desentendimentos, propunha Hobbes o caminho da
interpretação racional dos milagres e uma crítica histórica dos textos bíblicos. Nas teses
de Hobbes nota-se um evidente domínio do racionalismo sensualista, isto é, provindo da
percepção da realidade pelos sentidos.

Este racionalismo de Hobbes, ficou limitado na sua aplicação ao homem e o seu


comportamento moral, e não se estendeu aos conceitos de Deus. Foram Spinoza e Bayle
que deram ao Deísmo, a característica da sua aplicação universal a todos os campos do
conhecimento, inclusive ao conhecimento de Deus.

Viajantes que voltavam da China, da Índia, da Arábia, do Egipto, da Pérsia, trouxeram


notícias de outros povos com outras religiões e outras filosofias, tornando inevitável à
comparação dessas filosofias e dessas religiões, com a religião dos povos do
cristianismo. Estas comparações foram exaltadas por Locke e reforçadas pela ciência
natural de Isaac Newton.

Newton e Bayle, partiram para a reconciliação dos credos com a metafísica mecanicista,
da auto-suficiência de um Universo desenvolvendo-se pelas suas próprias leis e pelas
suas próprias forças. Tem-se aí uma mescla da teoria do conhecimento sensualista de
Locke com uma teologia mecanicista, um criticismo histórico da revelação e uma Ética
apriorística inata.

Em outras palavras, o Deísmo inglês é uma mescla do conhecimento da realidade


através dos sentidos, com uma metafísica baseada na auto-suficiência do Universo no
seu desenvolvimento, reforçada por uma crítica histórica dos textos bíblicos e regras de
moral preestabelecidas pela natureza. Esta impossível concordância, permaneceu como
característica do Deísmo Inglês, até quase o final do século XVIII.

Em 1688, sob a intervenção de Guilherme de Orange, apoiada pelo Parlamento, houve a


segunda Revolução Inglesa, ou a Revolução Gloriosa, que até 1694 produziu a
Declaração dos Direitos, a limitação do poder real, a consolidação das liberdades
tradicionais e a liberdade de imprensa. A tolerância resultou na diversificação das
tendências políticas, no abrandar da ortodoxia dos dogmas religiosos e na definição de
um padrão de demonstrações favoráveis ao conteúdo da revelação.

Locke, e também John Toland, defenderam a tese de que o conteúdo da revelação e os


princípios religiosos, nada poderiam conter que contrariasse a razão, mas que a religião
seria necessária para instruir o conhecimento humano, quanto à sua relação com o
sobrenatural.

Foi Mathew Thindal quem estabeleceu o texto básico do deísmo inglês, segundo a
proposição de Locke, e quem buscou uma identificação da revelação com a razão,
aduzindo uma nova ordem de argumentos em defesa dessa posição.

Dizia Thindal, que a bondade de Deus, a grande extensão da Terra e a longa vida do
homem, mostrariam como improvável que somente os judeus e os cristãos poderiam ser
favorecidos com a graça de receber a fé, ficando o restante da humanidade, sem direito
a ela.

Citou como exemplo, os milhões de chineses, que não obstante seguirem preceitos
morais rígidos, não teriam direito a fé, simplesmente porque os princípios práticos do
seu confucionismo, contrariavam pontos da lei mosaica; por outras palavras, não teriam
direito a fé por terem nascido na China.

Para Thindal, pode-se encontrar em todas as religiões o substrato da fé, por ser ele tão
antigo quanto à criação. A doutrina do pecado original, por exemplo, não pode ser
exclusiva das religiões bíblicas, pois a não ser que seja irracional, deveria ser
encontrada em todas as religiões de todos os povos.

Porém mostra-se ortodoxo, quando concorda que Judaísmo e Cristianismo conheceram


a revelação directamente, apesar de confirmar que a crê identificada com a lei natural. A
primitiva e incorruptível fé, é a prática da moral em obediência à vontade de Deus,
expressa pela lei natural, e que esta foi a doutrina que Jesus ensinou.

Mas de todos os deístas ingleses, David Hume, foi sem dúvida, o mais influente. Ele
condensou o criticismo deísta e o emancipou de uma concepção racional de Deus e da
sua característica de interpretação histórica. Ele livrou a teoria do conhecimento de
Locke, da teologia mecanicista e confinou o pensamento humano aos limites da
percepção dos sentidos, partindo dos simples factos da experiência e não de normas
ético-religiosas.
Fazendo a distinção entre o problema metafísico, do conhecimento da ideia de Deus
pela razão e o problema histórico da origem das religiões, afastou a hipótese de se poder
chegar ao conhecimento de Deus através da razão. Atribuiu a origem das religiões, a
uma má interpretação da experiência. Na sua conhecida crítica aos milagres, opôs à
possibilidade da sua ocorrência a possibilidade de erro, por parte do observador ou dos
historiadores.

Para Hume, as experiências humanas são sempre afectadas pela ignorância, pela
fantasia, pela presença da esperança e do medo, e isto explicaria suficientemente as
religiões. Estas fundamentais correcções na tese deísta, feitas por Hume, não foram
percebidas pelos seus contemporâneos ingleses. Os princípios deístas adquiriram
importância no século XIX, com o cepticismo, o pessimismo ou o panteísmo, ainda que
a concepção de uma religião natural tenha continuado com as suas velhas características
inglesas.

Vê-se assim, que o Deísmo inglês praticamente voltou a ser ortodoxo, por não ter
ousado estender o uso da razão a todos os sectores do conhecimento humano, tendo por
isto estagnado ao findar o século XVIII. Para os deístas ingleses, a religião natural, a
existência de Deus e a imortalidade da alma humana, continuaram sendo conceitos
universais.

O Deísmo chegou a França no início do século XVIII, sob influência dos pensadores
ingleses, mas sem mais aquela ligação com a religiosidade destes. O deísmo francês,
deixou de lado a teologia, que sempre se constituía no maior obstáculo ao progresso do
deísmo na Inglaterra. Dos deístas ingleses, os que deixaram maior influência no
pensamento dos franceses foram Hobbes, Locke, Shaftesbury, Pope, Bolingbroke e
Hume.

Os Deístas franceses foram por ordem de ano de nascimento:

 Charles Montesquieu (1689 – 1755);


 François Marie Arouet (Voltaire) (1694 – 1778);
 Chevalier de Jaucourt (1704 – 1779);
 Jean Jacques Rousseau (1712 – 1788);
 Denis Diderot (1713 – 1784);
 Claude Helvetius (1715 – 1771);
 Etienne Bonnot de Condillac (1715 – 1780);
 Jean D’Alembert (1717 – 1783);
 Robert Turgot (1721 – 1781);
 Paul Flenri Holbach (1723 – 1789);
 Marie Jean Condorcet (1743 – 1794).
O deísmo em França, apesar destas influências, assumiu uma característica materialista
e revolucionária, ao deixar de lado o seu aspecto religioso, e no seu estudo merecem
especial referência Voltaire, Rousseau, o Círculo de Holbach e o grupo dos
Enciclopedistas.

Voltaire abraçou com entusiasmo a tese da religião natural e logo entrou em polémica
com a Igreja que ele condenava, tanto pela sua intolerância e pela sua ligação espúria
com o Estado, quanto por causa da sua filosofia e pelo seu falso cartesianismo religioso.
Ele derivou a sua filosofia natural, dos pensamentos de Newton e de Samuel Clarke
(1675 – 1729), a sua teoria do conhecimento e as suas ideias de tolerância, de Locke, os
seus princípios éticos, de Shaftesbury, o seu método crítico e a sua concepção da
religião natural, dos Deístas. Pode-se dizer que a sua filosofia é totalmente de origem
inglesa.

Dizia Voltaire, que todos os fenómenos históricos podem ser explicados pela interacção
do homem com o seu meio ambiente e pela intervenção indirecta de Deus através das
leis naturais. A moralidade e a religião natural não seriam inteiramente inatas, mas sem
dúvida simples e universais condições do desenvolvimento, seguindo o seu curso
através de erros e acertos, da ignorância e do medo. Dizia mais, que por isto o deísmo
ficara repleto de conteúdos religiosos, por se restringir ao campo da moralidade e da
racionalidade restrita ao mundo físico.

Para Voltaire, tudo o que caracteriza a natureza humana é o mesmo em qualquer parte,
dependendo a sua variação apenas da variação dos costumes e das condições de vida. O
que principalmente influencia o pensamento, são o clima, o governo e a religião, sendo
que a submissão inconsciente a estes factores costuma produzir um modelo padrão de
princípios doutrinários e de comportamento, que acaba levando ao fanatismo, que é a
causa primeira de desentendimentos entre as religiões. Os dogmas incorporam aquele
modelo padrão e por isso são a principal causa do fanatismo. Só uma moralidade
consciente pode inspirar a harmonia.

O surgimento de uma religião positiva, pode ser estudado psicologicamente nas crianças
e nos selvagens, e este estudo mostrará que o medo e a ignorância das leis da natureza
estão sempre entre as primeiras causas. Paralelamente, surgem os grupos sociais que,
gerando a necessidade de uma autoridade, são a causa subsequente. Somente na China,
a religião escapou desse pernicioso desenvolvimento. Foi a Índia que se tornou a sede
da especulação teológica e com isso influenciou as religiões do ocidente. Entre as mais
importantes, estão o Judaísmo e os seus parentes próximos, o Cristianismo e o
Islamismo.

Moisés foi o sagaz líder religioso e político que levou os Israelitas para uma vida difícil
no deserto e lhes impôs um Deus que proveria todas as suas necessidades se o
obedecessem e os castigaria se não o fizessem. Este temor de Deus foi transmitido ao
Islamismo e ao Cristianismo. Os profetas judeus foram tão entusiastas da sua religião,
quanto foram os dervixes muçulmanos e os primeiros líderes do cristianismo. Jesus foi
um visionário, tanto quanto o foi o fundador dos Quackers, e a sua religião cresceu
graças à sua união com o platonismo.

Os conceitos de Voltaire, a respeito da evolução da história, penetraram profundamente


na cultura europeia. Com relação ao meio ambiente e ao bom senso, dos quais Voltaire
é o mais representativo defensor, nasceu uma escola que levou a doutrina do
mecanicismo (evolução do Universo pelas suas próprias leis e forças) e do sensualismo
(percepção da realidade através dos sentidos) às suas últimas consequências, evoluindo
para a filosofia do materialismo.

Os enciclopedistas removeram radicalmente do Deísmo, o grande factor da religião


natural, conservando somente o seu método critico em relação à história das religiões e
ao conteúdo da revelação. O idealizador desta escola foi Denis Diderot, que reuniu em
torno do seu projecto, um elenco de destacados iluministas e foi em razão disto que a
Enciclopédia se tornou o grande instrumento de expressão do Iluminismo.

A censura do Estado e da Igreja, obrigou os idealizadores da obra a aceitar


contribuições literárias de autores conservadores, de modo a tentar estabelecer um
equilíbrio entre as duas forças. Esta colaboração forçada, tomou a projectada visão
céptica e racional da obra dos enciclopedistas, compromissada com a defesa da
revelação. Diderot providenciou para os tópicos conservadores mais importantes, a
subtil inclusão de referências cruzadas, que os ligaram a artigos fundamentados no
espírito de Bayle, reduzindo o seu impacto conservador sobre os leitores. Diderot foi
bem sucedido na aplicação dessas correcções.

Foi o círculo de Holbach que ousou aplicar até às suas últimas consequências, o
materialismo às questões religiosas. Helvetius expôs os princípios de uma psicologia
materialista e ética, tomando as suas teses um arsenal de instrumentos contra todas as
religiões e as suas consequências, a intolerância e a corrupção moral.

Holbach foi sem dúvida, o autor do Sistema da Natureza, mas a sua tese não é original
na descrição da origem das religiões e da sua relação com o medo, com a esperança e
com a ignorância das leis da natureza. Fraude, ambição e entusiasmo doentio já tinham
sido usados por outros pensadores, como ingredientes de influências políticas e sociais
que sempre acabariam cristalizados como credos, com tendências animistas geradoras
de sistemas metafísicos e teológicos, origem da intolerância irracional.

Dos círculos de Holbach e do grupo dos enciclopedistas, nasceu a assim chamada escola
ideológica, cujo problema filosófico principal foi a análise das concepções mentais
originadas das sensações vindas do mundo material. A partir dessas escolas, mas à parte
delas, desenvolveu-se o positivismo de Comte.

Rousseau deu uma tendência diferente ao Deísmo, aceitando como essenciais, o


sensualismo de Locke (todo conhecimento provém, e só provém das sensações), os
princípios da filosofia natural de Newton e de Clarke e à maneira de Shaftesbury e de
Diderot, a crença em instintos morais inatos definidos como percepções distintas de
meras ideias adquiridas.

Rousseau manteve-se fiel à posição deísta de ligar esta moral da percepção à crença
num Deus, e colocou-se contrário a separação entre estas ideias inclusas no cepticismo
de Diderot (o homem não pode chegar a qualquer conhecimento indubitável). Rousseau
deixou-se influenciar por Richardson, tanto quanto por Locke, e para ele a percepção
moral, tornou-se a base de um sistema metafísico construído a partir dos dados da
experiência sob a influência da filosofia deísta, mas livre de constantes referências ao
formalismo sentimental e emocional como origem das religiões. A origem das religiões
não é dogmática.

Por isto, Rousseau e Voltaire não acham a religião produto de cultura intelectual, mas
da ingenuidade e da indiferença dos incultos. O consciente e o progresso racional da
civilização resultam no declínio, quando a opção pelo progresso intelectual se confunde
com o simples bem-estar. Com Rousseau, a religião natural toma um novo sentido. A
natureza não é mais universalidade ou racionalidade na ordem cósmica como contraste
entre o sobrenatural e os fenómenos positivos, mas sim é a sinceridade e a simplicidade
primitivas em comparação com artificialidade da estudada reflexão.

No seu projecto do surgimento das religiões. Rousseau saiu do entendimento comum


das discrepâncias e das contradições entre os credos históricos. Até então, a religião
positiva não era tanto o produto da ignorância e do medo, quanto da corrupção do
instinto original pelo egoísmo do homem, erigindo credos rígidos que lhe garantissem
injustificados privilégios ou escape da moralidade natural.
Para Rousseau algo da verdadeira fé encontra-se em todas as religiões, e de todos os
credos, o Cristianismo seria o que reteve o melhor da fé original e a moralidade mais
pura. Foi desta maneira tão simples e sublime que interpretou o evangelho e ele mesmo
quase não o pode crer como obra humana.

Atribui os elementos irracionais da doutrina de Jesus, à má compreensão dos seus


seguidores, mais especialmente Paulo que não esteve pessoalmente com ele, Seria
natural que entre os adeptos desta visão e os materialistas houvesse desentendimentos.

A religião de Rousseau teve pouca repercussão em França, mas foi grande a sua
influência no surgir do idealismo de Moses Mendelsohn (1729 – 1796), na Alemanha,
onde o Iluminismo se transformou no pietismo um movimento da Igreja Luterana pela
intensificação da pura e verdadeira fé.

Na Itália, aparece Giovanni Battista Vico (1668 – 1744), que procurou formular uma
filosofia em bases históricas e científicas, chegando a esboçar a primeira Filosofia da
História. Tomou como modelo de toda evolução da história a história ideal dos gregos e
dos romanos. Dizia Vico, que a história das nações e das civilizações começa com uma
idade divina, passa para uma idade heróica e depois retorna à barbárie como tinha
acontecido com gregos e romanos.

Em outros países europeus não houve flagrante evolução do Iluminismo.

Iluminismo e a Maçonaria
O propósito deste capítulo é fazer uma análise crítica da frequente afirmação, de que a
Maçonaria Moderna teria sofrido uma influência negativa do Iluminismo, e que esta
influência a teria desviado para um suposto lado anticristão, causando o abandono das
primitivas raízes cristãs dos Maçons Medievais.

É preciso repetir, que a Maçonaria Moderna não é de forma alguma uma sociedade
sucessora dos Maçons Medievais, apesar de ter herdado deles alguns usos e costumes,
de significado doutrinário neutro e de ter absorvido deles o espírito de assistência
mútua. Mas isto não equivale a uma comparação entre as suas essências.

Segundo os capítulos iniciais deste livro, pode-se situar o surgimento da Maçonaria


Moderna entre os anos de 1534 e 1561, podendo-se dizer que é o fruto indirecto da
intranquilidade social, provocada pela disputa religiosa entre o Catolicismo e o
Anglicanismo, pelo domínio religioso de Inglaterra. Foi esta intranquilidade que levou
muitos homens cultos ingleses, não alinhados com o anglicanismo, a se aproximar dos
Maçons Medievais, como já visto no capítulo “Maçonaria Moderna”. Os novos Maçons
Modernos, que se chamam francomaçons-aceitos, eram homens de uma classe social
mais culta, ao passo que os Maçons Medievais, continuaram a ser profissionais da
construção.

Encarando desta forma, deve-se considerar todos aqueles itens herdados e esse
envolvimento religioso directo ou indirecto, apenas como a estrutura palpável ou o
sustentáculo perceptível da Maçonaria Moderna. A sua essência contudo, nada tem a ver
com isto, pois ela sempre foi desde o seu início, um centro de formação de fraternidade
universal entre os seus membros e da defesa da liberdade política e religiosa, isto é, da
liberdade individual de cada um, de procurar com a consciência tranquila e sem
oposições, o seu próprio destino numa fraternidade universal.

Esta é a parte mais importante da Maçonaria Moderna, pois é o que faz a diferença com
as guildas da Maçonaria Medieval, que não passavam de meras organizações
assistenciais. Estas guildas não eram fraternidades, devido à sua finalidade material,
pois destinavam-se à defesa de interesses trabalhistas e à assistência mútua.

A Maçonaria Medieval era Cristã? Evidentemente que era, pois na Idade Média da
Europa Ocidental, tempo em que se formaram e floresceram as guildas, havia apenas
uma Igreja, e alguém ou alguma associação que não lhe pertencesse, tornar-se-ia
socialmente marginalizado, isto é, excomungado.

A defesa de direitos trabalhistas e comerciais nunca foram o objectivo da Maçonaria


Moderna, o que evidencia claramente que ela não é a sucessora da Maçonaria Medieval.
A forma exacta como a Maçonaria Moderna herdou dos Medievais aquela estrutura
palpável, ainda não foi inteiramente desvendada, porque não há documentos que
comprovem qualquer das teorias já aventadas.

A primeira notícia que se tem da Maçonaria Moderna, diz que a Rainha Elizabete lhe
deu apoio porque era uma sociedade que se mostrava alheia a motivos políticos ou
religiosos, sendo já então uma entidade neutra, religiosa e politicamente. E muito
natural que assim fosse, pois o período entre o cisma de Henrique VIII em 1534 e a
primeira notícia de 1561, foi pleno de perturbações políticas em que se debatiam não só
o anglicanismo e o catolicismo, mas também as novas religiões que se criavam na
Europa com a Reforma de Lutero.
É por isto, que o “Os Deveres do Maçon” e o “Regulamento Geral” no Livro das
Constituições da Grande Loja de Londres, de 1723, não fazem nem uma única
referência a um Ser Supremo, referindo-se no artigo 1, “De Deus e da Religião”
superficialmente a um vago ateísmo estúpido. O adjectivo estúpido, refere-se a um
ateísmo por decepção ante os males do mundo, que um Deus Todo Poderoso podia
evitar e não evitava.

O termo “ateísta estúpido” ali empregado, não se refere obviamente ao racionalismo em


relação à existência de Deus, que nunca chegou a ser defendido pelos deístas ingleses.
Ateísmo estúpido é portanto uma expressão deísta, pois o deísmo inglês nunca negou a
existência de Deus, já que apenas afirmava que o conhecimento dele não estaria ao
alcance do homem. O ateísmo racionalista somente viria com os iluministas franceses,
depois de 1723.

Assim como a Maçonaria inglesa não contemplou uma crença num Ser Supremo na sua
primeira Constituição, assim também O Grande Oriente de França eliminou da sua
Constituição, a obrigatoriedade da crença num Deus Supremo, no ano de 1877, pelos
mesmos motivos, isto é, para preservar a neutralidade religiosa.

Nesta atitude, o Grande Oriente de França igualou-se à Grande Loja de Londres, que até
a formação da Grande Loja Unida de Inglaterra, em 1813, também não exigia
oficialmente essa obrigatoriedade, tanto que um dos motivos principais da grande loja
opositora, chamada Grande Loja dos Antigos, foi a acusação de que a Grande Loja de
Londres permitia a admissão de não-cristãos. O certo é que, tanto a Maçonaria Inglesa
da Grande Loja de Londres surgiu e cresceu par a par, com o Iluminismo Inglês, quanto
a Maçonaria francesa, do Grande Oriente de França, surgiu e cresceu par a par, com o
Iluminismo Francês. Quem influenciou quem? Difícil decidir historicamente, porque
essas interacções não deixam registos claros.

A modificação feita pela Grande Loja Unida de Inglaterra, introduzindo em 1813 a


obrigatoriedade da crença num “Supremo Arquitecto do Céu e da Terra”, não modificou
fundamentalmente o Livro das Constituições de 1723, porque a expressão “Supremo
Arquitecto do Céu e da Terra”, não se adapta a nenhuma religião em particular, mas
serve para todas, cristãs ou não cristãs. A expressão não passa para os maçons
pensadores, de um mero símbolo da Ordem Universal. A própria expressão “crença num
Ser Supremo”, contida nos Landmarks, pode ser interpretada como uma simples
expressão deísta.

Portanto, analisado esse conjunto de considerações, pode-se dizer que o deísmo inglês
não modificou a Maçonaria, pois provavelmente a maioria dos fundadores da Grande
Loja de Londres era composta de deístas. Não há indícios claros disso nos documentos
históricos, mas todo o conjunto do texto da Constituição de 1723, o indica desde que
seja analisado globalmente.

Seria mais apropriado dizer que a Grande Loja de Londres nasceu deísta, e esta é a
definição do artigo primeiro dos “Deveres de um Maçon” do Livro das Constituições de
1723, mantido no Novo Livro de 1723.

De outra parte, também os Deístas Franceses, ou os Iluministas Franceses, deram


suporte à formação da Maçonaria em França, que acabou optando pela não
obrigatoriedade da crença num Deus para os seus iniciandos, o que não torna o Grande
Oriente de França ateu.
Na verdade, o Iluminismo Francês não modificou a orientação quanto à religião dos
Maçons ingleses, que continuaram acreditando em Deus, nem dos Maçons brasileiros
que sempre foram todos cristãos liberalistas mas não iluministas, nem dos Maçons das
colónias inglesas que continuaram cristãos, logo predominantemente teístas.

Na verdade, a convivência com o Iluminismo nada mudou na Maçonaria, porque todos


os regulamentos do ano de 1723, ainda estão presentes na Maçonaria actual.

Conclusão
O facto de a Maçonaria Moderna ter começado a surgir concomitantemente com o
Iluminismo, pode ou não ser mera coincidência histórica.

O deísmo inglês começou a surgir, como vimos anteriormente, com Lord Herbert of
Cherbury, ainda ao final da primeira metade do século XVII, momento em que a
Maçonaria Moderna já tinha quase cem anos e mostrava um desenvolvimento
esplendoroso com o grande Arquitecto Inigo Jones.

Mas esta é a primeira manifestação pública de Lord Cherbury em Londres, que já tinha
sido precedida pelo aparecimento de Giordano Bruno no ano de 1583, o qual tinha
obtido o apoio da Universidade de Cambridge, onde fez diversas palestras.

Assim, pode-se alongar o surgimento do Iluminismo na Inglaterra para um tempo


anterior, e aproximar-se do nascimento da Maçonaria Moderna, em meados do século
XVI. Mas esta também foi a época do nascimento do Anglicanismo e a época do
surgimento da Reforma religiosa na Europa.

Mas quando se coloca este facto lado a lado com o nascimento da Maçonaria em
França, com raízes na Grande Loja de Londres e considera-se que o seu
desenvolvimento se deu passo a passo com o Iluminismo Francês, parece que a ideia de
mera coincidência histórica perde o sentido.

Relacionaram-se os deístas ingleses separadamente dos deístas franceses, e por ano de


nascimento, para poder mais facilmente relacioná-los com dois períodos históricos da
Maçonaria Moderna, o período inglês seguido do período francês.

Feita a comparação, viu-se que os deístas ingleses tiveram a parte intelectual mais
produtiva das suas vidas entre os anos de 1640 e 1770, exactamente o período em que a
Maçonaria Moderna na Inglaterra deu os seus primeiros passos e atingiu o seu auge.
Nota-se que na fundação da Grande Loja de Londres, no ano de 1721, a julgar pelo
status social dos seus Grão-Mestres, devia haver uma presença dominante de pessoas da
alta burguesia e da classe média alta. Anthony Sayer e George Payne eram gentis-
homens, Jean Desaguliers era pastor religioso e pesquisador cientifico. Se assim não
fosse, nenhum nobre se teria filiado, porque os nobres nunca se filiariam a uma
associação frequentada por pessoas não socialmente bem qualificadas.

As novas Lojas Especulativas, que se fundaram nas Américas, perderam o carácter


eminentemente iluminista, para assumirem um carácter predominantemente liberalista,
principalmente nas disputas políticas que precederam a sua independência ou as suas
mudanças de sistema de governo.
Actualmente, em quase todo o Mundo, as Lojas Maçónicas tornaram-se novamente
teístas, porque os seus membros, vindos da classe média e não sendo intelectuais,
tornaram-se predominantemente teístas e ausentes nas disputas filosófico-religiosas.

Deve-se concluir assim, que as características de Liberalismo, Iluminismo e Teísmo


estão presentes nas Lojas individualmente, e não na Maçonaria como um todo. Se uma
determinada Loja é Iluminista, ela o é porque a maioria dos seus membros é iluminista,
e deixar de sê-lo, quando a maioria dos seus membros o deixar de ser.

Assim, pode-se concluir que nem o deísmo, nem o Iluminismo, nem o teísmo ou o
liberalismo, nem qualquer outro “ismo”, influenciaram a Maçonaria como um todo, mas
actuaram exclusivamente nas Lojas em que os membros dessas correntes filosófico-
religiosas eram a maioria.

Assim, pode-se concluir que o deísmo inglês, até entrar em declínio ao final do século
XVIII, contribuiu para o crescimento das actividades da Grande Loja de Londres e que
a partir deste declínio, passaram a dominar as Lojas, os maçons conservadores,
provocando mudanças constitucionais da Grande Loja Unida de Inglaterra, de 1813.
Igualmente, o deísmo francês, contribuiu para as actividades das Lojas do Grande
Oriente de França durante o século XVIII, até que a maioria dos seus membros foi
dispersa ou morreu na guilhotina, por pertencer às classes perseguidas pelos
revolucionários de 1789.

A situação actual das Lojas da Maçonaria Moderna, predominantemente de orientação


teísta, evidenciam que influências de correntes filosófico-religiosas são passageiras e
jamais deixam uma influência durável sobre a Maçonaria como um todo.

Ambrósio Peters

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