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Ambrósio Peters
Introdução
A Maçonaria é caracteristicamente universalista, por ser uma sociedade que aceita a
afiliação de todos os cidadãos que se enquadrarem na qualificação “livres e de bons
costumes”, qualquer que seja a sua raça, a sua nacionalidade, o seu credo, a sua
tendência política ou filosófica, exceptuados os adeptos do comunismo teorético, porque
os seus princípios filosóficos fundamentais negam ao homem o direito à liberdade
individual da autodeterminação.
A definição destes dois postulados é deixada ao livre arbítrio de cada Maçon, de forma a
não interferir nas suas convicções ou tendências pessoais. Esclareça-se que na filosofia
actual a expressão Ser Supremo tem o significado convencional de Deus Único.
O Ser Supremo é habitualmente referido na Maçonaria como o Grande Arquitecto do
Universo, uma expressão que, apesar de conter os atributos físicos Grande e Arquitecto,
não privilegia nenhuma concepção de Deus em particular. Grande Arquitecto do
Universo tem para os Maçons apenas um significado simbólico, o da unificação sob um
só conceito, da geração de todos os seres pela contínua actuação das leis que governam
o Universo. Dar-lhe uma interpretação diversa ou menos ampla, seria prestigiar uma ou
outra corrente filosófica, contrariando o princípio de neutralidade maçónica.
Potências e Lojas são autónomas, somente em sentido administrativo, mas nem os Grão-
Mestres e nem os (Veneráveis) Mestres das Lojas se podem pronunciar em nome da
Maçonaria Universal. Mas, desde que para isso estejam oficialmente autorizados pelas
suas Assembleias, podem pronunciar-se oficialmente sobre desenvolvimento dos seus
trabalhos, na escolha da forma e do direccionar das suas actividades sociais e culturais.
Isto equivale a dizer que os Grão-Mestrados e os Mestres das Lojas sempre seguem a
tendência da maioria das suas assembleias. Esta autonomia impede que as decisões
particulares se transfiram a outros Grão-Mestrados e a Mestres de outras Lojas.
Na verdade, pode ter acontecido no correr da História da Maçonaria Moderna, que uma
ou outra loja tenha sido formada por uma maioria iluminista dominando a administração
e impondo o seu ponto de vista. Mas são excepções raríssimas que habitualmente se
corrigem, tanto pela alternância anual das administrações das Lojas, como pela
constante mudança das concepções filosóficas, uma das características do livre uso da
razão.
Algumas igrejas cristãs insistem nesta ligação como algo condenável, por concluírem
afinal que a Maçonaria teria absorvido do Iluminismo, a ideia central de submeter ao
crivo da razão todos os aspectos do conhecimento, o que demonstraria a oposição
Maçonaria/Religião, por considerarem que o livre pensamento é o inimigo da fé, por
excelência. Mas isto não acontecerá, porque os livres pensadores jamais predominarão
na humanidade.
Um apoio espúrio a este ponto de vista, recebem essas igrejas em afirmações
historicamente incorrectas, como a contida na Enciclopédia Mirador internacional sob o
verbete “Iluminismo”, onde diz: “Entre os sucessores do Iluminismo está a Maçonaria”
(v. 11, p. 5.982). Evidentemente, o redactor do texto explicativo do verbete não
procurou instruir-se em fontes fidedignas, pois as origens da Maçonaria são anteriores
aos primeiros movimentos Iluministas. Na verdade, pode a Maçonaria ter sofrido
influência dos Iluministas, mas esta influência foi temporária, pois no mundo actual a
maioria absoluta dos Maçons é de cristãos.
A Maçonaria, contudo, não adoptou e nem incorporou teses de origem iluminista aos
seus dois princípios básicos anteriormente referidos, e nem o poderia ter feito, pois isso
comprometeria o seu postulado de universalidade. Assim, a Maçonaria pode ter
contribuído apenas indirectamente para o crescimento dos movimentos iluministas, por
congregar os seus seguidores e pô-los em contacto directo entre si, na mesma forma do
acontecido com os constitucionalistas, com os republicanos ou com os liberais. Nem por
isto, a Maçonaria se tomou iluminista, constitucionalista, republicana ou liberal, por
princípio.
Mas esta preocupação das Igrejas é uma perda desnecessária de energias, pois menos de
um por cento das pessoas de fé, teriam a necessária cultura filosófica para racionalizar
os seus princípios de fé. E ainda mais, das pessoas que teriam esta capacidade, talvez
menos de um por cento, teria a necessária coragem para fazê-lo. Restaria uma ínfima
percentagem de pessoas, talvez menos de 0,01%, a colocar eventualmente a sua fé em
perigo, se é que essa percentagem, mesmo tão ínfima, chegue a tanto.
Não se definirá aqui o que é Maçonaria, porque o assunto foi exaustivamente tratado na
obra MAÇONARIA HISTÓRIA E FILOSOFIA. Discorrer-se-á somente sobre o
Iluminismo, cuja essência é frequentemente mal compreendida e cujos movimentos nem
sempre são percebidos, e lamentavelmente, porque é um movimento intelectual que
todo o Maçon deveria conhecer. Foi o Iluminismo que despertou a humanidade para o
uso da razão, em todos os campos do conhecimento.
Isto, contudo, não o torna um inimigo das religiões, porque devido ao seu diminuto
número, os homens pensantes jamais destruirão qualquer religião. Poderão, quando
muito influenciar um ou outro membro isoladamente. São muito raros os homens em
condições de discutir temas filosóficos.
Iluminismo
O Iluminismo não é uma corrente filosófica, é um sistema de pensamento conduzido
pela razão, o maior avanço cultural que liberou o homem para as grandes aventuras do
conhecimento. Com ele, o homem tornou-se apto a escolher o ponto de partida dos seus
pensamentos, dentro dos limites da sua própria liberdade intelectual.
As grandes aventuras materiais, tais como a de Moisés, conduzindo os seus hebreus
durante quarenta anos através do deserto, como as conquistas militares de Alexandre, o
Grande, como as grandes viagens internacionais de Marco Pólo, como as grandes
batalhas de Napoleão, como a teoria gravitacional de Sir Isaac Newton e tantas outras
de que está plena a História, são sobejamente conhecidas de todos os estudantes, porque
elas transmitem sensações de poder e sonhos de vitórias. Mas poucos são os que
conhecem os reflexos das aventuras dos grandes heróis e dos avanços culturais da
humanidade.
Quão poucos sabem, que Alexandre, o Grande, foi discípulo do grande filósofo grego
Aristóteles e que a sua maior conquista não foram as suas grandes vitórias militares,
mas sim ter sido o grande difusor da cultura helénica, o fundador da cidade de
Alexandria, a capital cultural que dominou o mundo antigo, com a sua biblioteca de
seiscentos mil volumes.
Quão poucos sabem, que a grande aventura de Marco Pólo, trouxe como resultado a
notícia de outros grandes povos, com grandes religiões a produzir homens tão ou mais
virtuosos que os das religiões ocidentais, e assim proporcionou pela primeira vez na
história, estudos comparativos de religiões e civilizações.
Quão poucos sabem, que as teorias revolucionárias de Sir Isaac Newton e de Albert
Einstein mostraram ao mundo pela primeira vez, que o Universo pode funcionar e
evoluir pelas suas próprias leis e que não há necessidade de uma permanente
intervenção de um Poder Supremo, abalando com isto uma teoria teísta de séculos.
Apesar dessas descobertas, as leis continuam a ser de origem divina para os teístas. Para
os iluministas, contudo, por considerarem que o conhecimento de Deus não é acessível
ao homem, este assunto não está em discussão.
Assim foi também com o Iluminismo, a grande aventura intelectual que revolveu as
tradições medievais relativas à religião, à economia e à política e as submeteu ao
tribunal da razão, perante o qual quase todas foram condenadas por causa da sua
fragilidade científica e da sua fragilidade lógica. Por isto, deveria o Iluminismo, estar
escrito com letras destacadas entre as grandes aventuras da história da humanidade.
Ainda não o foi, porque como toda a aventura do campo metafísico, o Iluminismo é um
fenómeno que se restringe ao diminuto universo dos homens que pensam, isto é, o
universo dos que não aceitam verdades impostas ou sugeridas, mas usam a razão para
buscar a sua própria verdade, O conceito de Ser Supremo não representa para a
Maçonaria, mais que um nome sugerido para a força universal, que é a origem do
Universo.
Os rastos culturais deixados por estes homens pensantes, tanto no passado como ainda
no presente momento histórico, são extremamente ténues. Também os leitores desses
pensadores, constituem um campo cultural excessivamente restrito.
Quem sabe correctamente, mesmo os que o condenam, o que foi e o que significou o
Iluminismo, para o avanço do pensamento na Idade Moderna e Idade Contemporânea?
Este fascínio pelo uso da razão, tem o mesmo sentido do fascínio pelas aventuras
materiais das grandes viagens, dos grandes descobrimentos, como o progresso da
ciência e os constantes avanços em desvendar os segredos do Universo. O Iluminismo é
o fascínio pelo desconhecido que sempre levou os homens, cada vez um pouco mais
adiante. E este mesmo fascínio que incentiva os iluministas, ou os iluminados, porque
os avanços do pensamento, sempre descobrem novas teorias e novas concepções
filosóficas, e nunca o pensador, tal como os aventureiros do mundo material, saberá
exactamente onde o levará o seu raciocínio.
Por isto, o Iluminismo veio ganhando terreno lentamente a partir do início do século
XVII, na Inglaterra, para chegar à sua idade áurea em França, no final do século XVIII,
conhecido como o século das luzes.
Na sua primeira obra, De Veritate (Paris, 1624), Lord Cherbury propôs uma teoria do
conhecimento baseada num padrão universal e inato da percepção da realidade,
rigidamente oposta aos conhecimentos de origem sobrenatural como o conhecimento de
Deus, conhecimentos sobrenaturais estes, que por serem inteiramente subjectivos,
seriam a causa dos conflitos.
Na sua obra, De Religionis Gentilium Errorum que apud eos Causas (Londres 1645),
Lord Cherbury apresentou cinco pontos que constituiriam o núcleo dos
desentendimentos entre todas as religiões:
1. Fé na existência de uma deidade;
2. Obrigação de adorar esta deidade;
3. Demonstrar adoração com a prática da moralidade;
4. Arrependimento dos pecados e propósito de não reincidir neles;
5. Crença em recompensas ou castigos divinos, nesta ou numa outra vida.
A influência inicial das teses de Lord Cherbury dissipou-se no roldão da revolução
puritana de Cromwell, mas o Deísmo encontrou um reforço especial entre os
eclesiásticos, que na reminiscência da Renascença, inclinaram-se para uma contraditória
teologia racional. Nos desentendimentos entre puritanos, católicos romanos, anglicanos
e protestantes, frequentemente se invocava a razão como árbitro.
Newton e Bayle, partiram para a reconciliação dos credos com a metafísica mecanicista,
da auto-suficiência de um Universo desenvolvendo-se pelas suas próprias leis e pelas
suas próprias forças. Tem-se aí uma mescla da teoria do conhecimento sensualista de
Locke com uma teologia mecanicista, um criticismo histórico da revelação e uma Ética
apriorística inata.
Foi Mathew Thindal quem estabeleceu o texto básico do deísmo inglês, segundo a
proposição de Locke, e quem buscou uma identificação da revelação com a razão,
aduzindo uma nova ordem de argumentos em defesa dessa posição.
Dizia Thindal, que a bondade de Deus, a grande extensão da Terra e a longa vida do
homem, mostrariam como improvável que somente os judeus e os cristãos poderiam ser
favorecidos com a graça de receber a fé, ficando o restante da humanidade, sem direito
a ela.
Citou como exemplo, os milhões de chineses, que não obstante seguirem preceitos
morais rígidos, não teriam direito a fé, simplesmente porque os princípios práticos do
seu confucionismo, contrariavam pontos da lei mosaica; por outras palavras, não teriam
direito a fé por terem nascido na China.
Para Thindal, pode-se encontrar em todas as religiões o substrato da fé, por ser ele tão
antigo quanto à criação. A doutrina do pecado original, por exemplo, não pode ser
exclusiva das religiões bíblicas, pois a não ser que seja irracional, deveria ser
encontrada em todas as religiões de todos os povos.
Mas de todos os deístas ingleses, David Hume, foi sem dúvida, o mais influente. Ele
condensou o criticismo deísta e o emancipou de uma concepção racional de Deus e da
sua característica de interpretação histórica. Ele livrou a teoria do conhecimento de
Locke, da teologia mecanicista e confinou o pensamento humano aos limites da
percepção dos sentidos, partindo dos simples factos da experiência e não de normas
ético-religiosas.
Fazendo a distinção entre o problema metafísico, do conhecimento da ideia de Deus
pela razão e o problema histórico da origem das religiões, afastou a hipótese de se poder
chegar ao conhecimento de Deus através da razão. Atribuiu a origem das religiões, a
uma má interpretação da experiência. Na sua conhecida crítica aos milagres, opôs à
possibilidade da sua ocorrência a possibilidade de erro, por parte do observador ou dos
historiadores.
Para Hume, as experiências humanas são sempre afectadas pela ignorância, pela
fantasia, pela presença da esperança e do medo, e isto explicaria suficientemente as
religiões. Estas fundamentais correcções na tese deísta, feitas por Hume, não foram
percebidas pelos seus contemporâneos ingleses. Os princípios deístas adquiriram
importância no século XIX, com o cepticismo, o pessimismo ou o panteísmo, ainda que
a concepção de uma religião natural tenha continuado com as suas velhas características
inglesas.
Vê-se assim, que o Deísmo inglês praticamente voltou a ser ortodoxo, por não ter
ousado estender o uso da razão a todos os sectores do conhecimento humano, tendo por
isto estagnado ao findar o século XVIII. Para os deístas ingleses, a religião natural, a
existência de Deus e a imortalidade da alma humana, continuaram sendo conceitos
universais.
O Deísmo chegou a França no início do século XVIII, sob influência dos pensadores
ingleses, mas sem mais aquela ligação com a religiosidade destes. O deísmo francês,
deixou de lado a teologia, que sempre se constituía no maior obstáculo ao progresso do
deísmo na Inglaterra. Dos deístas ingleses, os que deixaram maior influência no
pensamento dos franceses foram Hobbes, Locke, Shaftesbury, Pope, Bolingbroke e
Hume.
Voltaire abraçou com entusiasmo a tese da religião natural e logo entrou em polémica
com a Igreja que ele condenava, tanto pela sua intolerância e pela sua ligação espúria
com o Estado, quanto por causa da sua filosofia e pelo seu falso cartesianismo religioso.
Ele derivou a sua filosofia natural, dos pensamentos de Newton e de Samuel Clarke
(1675 – 1729), a sua teoria do conhecimento e as suas ideias de tolerância, de Locke, os
seus princípios éticos, de Shaftesbury, o seu método crítico e a sua concepção da
religião natural, dos Deístas. Pode-se dizer que a sua filosofia é totalmente de origem
inglesa.
Dizia Voltaire, que todos os fenómenos históricos podem ser explicados pela interacção
do homem com o seu meio ambiente e pela intervenção indirecta de Deus através das
leis naturais. A moralidade e a religião natural não seriam inteiramente inatas, mas sem
dúvida simples e universais condições do desenvolvimento, seguindo o seu curso
através de erros e acertos, da ignorância e do medo. Dizia mais, que por isto o deísmo
ficara repleto de conteúdos religiosos, por se restringir ao campo da moralidade e da
racionalidade restrita ao mundo físico.
Para Voltaire, tudo o que caracteriza a natureza humana é o mesmo em qualquer parte,
dependendo a sua variação apenas da variação dos costumes e das condições de vida. O
que principalmente influencia o pensamento, são o clima, o governo e a religião, sendo
que a submissão inconsciente a estes factores costuma produzir um modelo padrão de
princípios doutrinários e de comportamento, que acaba levando ao fanatismo, que é a
causa primeira de desentendimentos entre as religiões. Os dogmas incorporam aquele
modelo padrão e por isso são a principal causa do fanatismo. Só uma moralidade
consciente pode inspirar a harmonia.
O surgimento de uma religião positiva, pode ser estudado psicologicamente nas crianças
e nos selvagens, e este estudo mostrará que o medo e a ignorância das leis da natureza
estão sempre entre as primeiras causas. Paralelamente, surgem os grupos sociais que,
gerando a necessidade de uma autoridade, são a causa subsequente. Somente na China,
a religião escapou desse pernicioso desenvolvimento. Foi a Índia que se tornou a sede
da especulação teológica e com isso influenciou as religiões do ocidente. Entre as mais
importantes, estão o Judaísmo e os seus parentes próximos, o Cristianismo e o
Islamismo.
Moisés foi o sagaz líder religioso e político que levou os Israelitas para uma vida difícil
no deserto e lhes impôs um Deus que proveria todas as suas necessidades se o
obedecessem e os castigaria se não o fizessem. Este temor de Deus foi transmitido ao
Islamismo e ao Cristianismo. Os profetas judeus foram tão entusiastas da sua religião,
quanto foram os dervixes muçulmanos e os primeiros líderes do cristianismo. Jesus foi
um visionário, tanto quanto o foi o fundador dos Quackers, e a sua religião cresceu
graças à sua união com o platonismo.
Foi o círculo de Holbach que ousou aplicar até às suas últimas consequências, o
materialismo às questões religiosas. Helvetius expôs os princípios de uma psicologia
materialista e ética, tomando as suas teses um arsenal de instrumentos contra todas as
religiões e as suas consequências, a intolerância e a corrupção moral.
Holbach foi sem dúvida, o autor do Sistema da Natureza, mas a sua tese não é original
na descrição da origem das religiões e da sua relação com o medo, com a esperança e
com a ignorância das leis da natureza. Fraude, ambição e entusiasmo doentio já tinham
sido usados por outros pensadores, como ingredientes de influências políticas e sociais
que sempre acabariam cristalizados como credos, com tendências animistas geradoras
de sistemas metafísicos e teológicos, origem da intolerância irracional.
Dos círculos de Holbach e do grupo dos enciclopedistas, nasceu a assim chamada escola
ideológica, cujo problema filosófico principal foi a análise das concepções mentais
originadas das sensações vindas do mundo material. A partir dessas escolas, mas à parte
delas, desenvolveu-se o positivismo de Comte.
Rousseau manteve-se fiel à posição deísta de ligar esta moral da percepção à crença
num Deus, e colocou-se contrário a separação entre estas ideias inclusas no cepticismo
de Diderot (o homem não pode chegar a qualquer conhecimento indubitável). Rousseau
deixou-se influenciar por Richardson, tanto quanto por Locke, e para ele a percepção
moral, tornou-se a base de um sistema metafísico construído a partir dos dados da
experiência sob a influência da filosofia deísta, mas livre de constantes referências ao
formalismo sentimental e emocional como origem das religiões. A origem das religiões
não é dogmática.
Por isto, Rousseau e Voltaire não acham a religião produto de cultura intelectual, mas
da ingenuidade e da indiferença dos incultos. O consciente e o progresso racional da
civilização resultam no declínio, quando a opção pelo progresso intelectual se confunde
com o simples bem-estar. Com Rousseau, a religião natural toma um novo sentido. A
natureza não é mais universalidade ou racionalidade na ordem cósmica como contraste
entre o sobrenatural e os fenómenos positivos, mas sim é a sinceridade e a simplicidade
primitivas em comparação com artificialidade da estudada reflexão.
A religião de Rousseau teve pouca repercussão em França, mas foi grande a sua
influência no surgir do idealismo de Moses Mendelsohn (1729 – 1796), na Alemanha,
onde o Iluminismo se transformou no pietismo um movimento da Igreja Luterana pela
intensificação da pura e verdadeira fé.
Na Itália, aparece Giovanni Battista Vico (1668 – 1744), que procurou formular uma
filosofia em bases históricas e científicas, chegando a esboçar a primeira Filosofia da
História. Tomou como modelo de toda evolução da história a história ideal dos gregos e
dos romanos. Dizia Vico, que a história das nações e das civilizações começa com uma
idade divina, passa para uma idade heróica e depois retorna à barbárie como tinha
acontecido com gregos e romanos.
Iluminismo e a Maçonaria
O propósito deste capítulo é fazer uma análise crítica da frequente afirmação, de que a
Maçonaria Moderna teria sofrido uma influência negativa do Iluminismo, e que esta
influência a teria desviado para um suposto lado anticristão, causando o abandono das
primitivas raízes cristãs dos Maçons Medievais.
É preciso repetir, que a Maçonaria Moderna não é de forma alguma uma sociedade
sucessora dos Maçons Medievais, apesar de ter herdado deles alguns usos e costumes,
de significado doutrinário neutro e de ter absorvido deles o espírito de assistência
mútua. Mas isto não equivale a uma comparação entre as suas essências.
Encarando desta forma, deve-se considerar todos aqueles itens herdados e esse
envolvimento religioso directo ou indirecto, apenas como a estrutura palpável ou o
sustentáculo perceptível da Maçonaria Moderna. A sua essência contudo, nada tem a ver
com isto, pois ela sempre foi desde o seu início, um centro de formação de fraternidade
universal entre os seus membros e da defesa da liberdade política e religiosa, isto é, da
liberdade individual de cada um, de procurar com a consciência tranquila e sem
oposições, o seu próprio destino numa fraternidade universal.
Esta é a parte mais importante da Maçonaria Moderna, pois é o que faz a diferença com
as guildas da Maçonaria Medieval, que não passavam de meras organizações
assistenciais. Estas guildas não eram fraternidades, devido à sua finalidade material,
pois destinavam-se à defesa de interesses trabalhistas e à assistência mútua.
A Maçonaria Medieval era Cristã? Evidentemente que era, pois na Idade Média da
Europa Ocidental, tempo em que se formaram e floresceram as guildas, havia apenas
uma Igreja, e alguém ou alguma associação que não lhe pertencesse, tornar-se-ia
socialmente marginalizado, isto é, excomungado.
A primeira notícia que se tem da Maçonaria Moderna, diz que a Rainha Elizabete lhe
deu apoio porque era uma sociedade que se mostrava alheia a motivos políticos ou
religiosos, sendo já então uma entidade neutra, religiosa e politicamente. E muito
natural que assim fosse, pois o período entre o cisma de Henrique VIII em 1534 e a
primeira notícia de 1561, foi pleno de perturbações políticas em que se debatiam não só
o anglicanismo e o catolicismo, mas também as novas religiões que se criavam na
Europa com a Reforma de Lutero.
É por isto, que o “Os Deveres do Maçon” e o “Regulamento Geral” no Livro das
Constituições da Grande Loja de Londres, de 1723, não fazem nem uma única
referência a um Ser Supremo, referindo-se no artigo 1, “De Deus e da Religião”
superficialmente a um vago ateísmo estúpido. O adjectivo estúpido, refere-se a um
ateísmo por decepção ante os males do mundo, que um Deus Todo Poderoso podia
evitar e não evitava.
Assim como a Maçonaria inglesa não contemplou uma crença num Ser Supremo na sua
primeira Constituição, assim também O Grande Oriente de França eliminou da sua
Constituição, a obrigatoriedade da crença num Deus Supremo, no ano de 1877, pelos
mesmos motivos, isto é, para preservar a neutralidade religiosa.
Nesta atitude, o Grande Oriente de França igualou-se à Grande Loja de Londres, que até
a formação da Grande Loja Unida de Inglaterra, em 1813, também não exigia
oficialmente essa obrigatoriedade, tanto que um dos motivos principais da grande loja
opositora, chamada Grande Loja dos Antigos, foi a acusação de que a Grande Loja de
Londres permitia a admissão de não-cristãos. O certo é que, tanto a Maçonaria Inglesa
da Grande Loja de Londres surgiu e cresceu par a par, com o Iluminismo Inglês, quanto
a Maçonaria francesa, do Grande Oriente de França, surgiu e cresceu par a par, com o
Iluminismo Francês. Quem influenciou quem? Difícil decidir historicamente, porque
essas interacções não deixam registos claros.
Portanto, analisado esse conjunto de considerações, pode-se dizer que o deísmo inglês
não modificou a Maçonaria, pois provavelmente a maioria dos fundadores da Grande
Loja de Londres era composta de deístas. Não há indícios claros disso nos documentos
históricos, mas todo o conjunto do texto da Constituição de 1723, o indica desde que
seja analisado globalmente.
Seria mais apropriado dizer que a Grande Loja de Londres nasceu deísta, e esta é a
definição do artigo primeiro dos “Deveres de um Maçon” do Livro das Constituições de
1723, mantido no Novo Livro de 1723.
Conclusão
O facto de a Maçonaria Moderna ter começado a surgir concomitantemente com o
Iluminismo, pode ou não ser mera coincidência histórica.
O deísmo inglês começou a surgir, como vimos anteriormente, com Lord Herbert of
Cherbury, ainda ao final da primeira metade do século XVII, momento em que a
Maçonaria Moderna já tinha quase cem anos e mostrava um desenvolvimento
esplendoroso com o grande Arquitecto Inigo Jones.
Mas esta é a primeira manifestação pública de Lord Cherbury em Londres, que já tinha
sido precedida pelo aparecimento de Giordano Bruno no ano de 1583, o qual tinha
obtido o apoio da Universidade de Cambridge, onde fez diversas palestras.
Mas quando se coloca este facto lado a lado com o nascimento da Maçonaria em
França, com raízes na Grande Loja de Londres e considera-se que o seu
desenvolvimento se deu passo a passo com o Iluminismo Francês, parece que a ideia de
mera coincidência histórica perde o sentido.
Feita a comparação, viu-se que os deístas ingleses tiveram a parte intelectual mais
produtiva das suas vidas entre os anos de 1640 e 1770, exactamente o período em que a
Maçonaria Moderna na Inglaterra deu os seus primeiros passos e atingiu o seu auge.
Nota-se que na fundação da Grande Loja de Londres, no ano de 1721, a julgar pelo
status social dos seus Grão-Mestres, devia haver uma presença dominante de pessoas da
alta burguesia e da classe média alta. Anthony Sayer e George Payne eram gentis-
homens, Jean Desaguliers era pastor religioso e pesquisador cientifico. Se assim não
fosse, nenhum nobre se teria filiado, porque os nobres nunca se filiariam a uma
associação frequentada por pessoas não socialmente bem qualificadas.
Assim, pode-se concluir que nem o deísmo, nem o Iluminismo, nem o teísmo ou o
liberalismo, nem qualquer outro “ismo”, influenciaram a Maçonaria como um todo, mas
actuaram exclusivamente nas Lojas em que os membros dessas correntes filosófico-
religiosas eram a maioria.
Assim, pode-se concluir que o deísmo inglês, até entrar em declínio ao final do século
XVIII, contribuiu para o crescimento das actividades da Grande Loja de Londres e que
a partir deste declínio, passaram a dominar as Lojas, os maçons conservadores,
provocando mudanças constitucionais da Grande Loja Unida de Inglaterra, de 1813.
Igualmente, o deísmo francês, contribuiu para as actividades das Lojas do Grande
Oriente de França durante o século XVIII, até que a maioria dos seus membros foi
dispersa ou morreu na guilhotina, por pertencer às classes perseguidas pelos
revolucionários de 1789.
Ambrósio Peters