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O Compasso e o Esquadro por

traz da História

A origem da Maçonaria, sua história e seu papel


na Europa do século das luzes e na
Independência do Brasil

Fernanda Barbosa e Vitor Augusto Costa Neto


Proclamação da Independência - Quadro de François-René Moreaux, 1844

“(...) Há mais de trinta anos que esta mesma seita principiou a


espalhar a semente das revoluções, para separar as Colônias das
suas Metrópoles, principalmente as de Portugal e Espanha, as mais
ricas do mundo. Alguns deles, ou menos sanguinários ou mais
horrorizados à vista dos frutos que tinham produzido a sua árvore da
liberdade passaram a traçar planos para que a separação, que eles
chamavam emancipação necessária para o bem da humanidade fosse
menos dolorosa e menos violenta”. (1)

Quando surgiu a Maçonaria – Sociedade Secreta que mais desperta curiosidades


em todo o mundo–, como que se desenvolveu ao longo dos séculos e qual a relação
entre maçons e acontecimentos decisivos do século XIX, como o processo de
Independência brasileira? De que forma a Ordem penetrou no nosso país e como
delineou os caminhos para os históricos episódios do “FICO” e do Grito do Ipiranga?
Apesar de pouco abordado e mesmo desconhecido por muitos estudantes e profissionais
da área de Historia, o tema “Maçonaria” pode ser encarado como os “bastidores” de
inúmeros episódios históricos ao longo dos séculos, no mundo e no Brasil.

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O surgimento da Ordem é incerto. Os próprios maçons divergem quanto às
explicações para sua origem defendendo quatro grandes teorias: a Megalítica, a
Iniciática, a Medieval, Templária e a Egípcia, sendo as três primeiras de debates mais
relevantes, o que não significa que tenham um embasamento histórico necessariamente
mais coerente.

A Teoria Megalítica sustenta que as raízes da Maçonaria estariam nos clãs da


pré-história (7100 e 1500 a.C.). Estes clãs teriam conhecimentos de arquitetura e
astronomia, o que os teria permitido construir misteriosas estruturas arquitetônicas,
como as do Newgrange (tumba neolítica) na Irlanda e a famosa Stonehenge, ao sul da
Inglaterra, que despertam a curiosidade de turistas do mundo inteiro e intrigam
estudiosos até hoje.

. A famosa Stonehenge, ao sul da Inglaterra

. O Newgrange, próximo ao Rio Boyle, na Irlanda

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Já a Teoria Iniciática, defendida, dentre outros maçons, por Thomas Paine -
político e revolucionário britânico, que participou das Revoluções Americana e
Francesa e é considerado um dos Pais dos Estados Unidos da América -, afirma ser a
Maçonaria um culto solar de origem em um conjunto de religiões pagãs e cultos
esotéricos. A Ordem teria nascido na Antiguidade e se difundido pelo mundo, entre os
Babilônios, os Egípcios e chegado à Europa, primeiramente, na Grécia de Pitágoras. Em
1030 a.C., finalmente, teria penetrado na Inglaterra.

. Detalhe da nota de um dólar, em que se observa símbolos maçônicos: a


Pirâmide do lado esquerdo, símbolo dos Illuminati, grupo maçônico do período
do Iluminismo europeu e, à direita, a estrela de seis pontas formada,
originalmente, pelo compasso e o esquadro do escudo maçônico mundial

Quanto à Teoria Medieval, esta analisa o termo “maçonaria”, ou “franco-


maçonaria”, que deriva da expressão “franc-maçonnerie”, do francês arcaico, “pedreiros
livres”. Sua origem está nas corporações de ofício dos pedreiros templários da Idade
Média, no final do século XIV. Nesse tempo, devido à falta de escolas para o ensino de
técnicas de construção em pedra, utilizadas principalmente em catedrais, esses
trabalhadores livres se organizavam em grupos, chamados de guildas ou grêmios, onde
mestres compartilhavam e ensinavam a “ciência do talhe” aos iniciantes, além de

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debaterem sobre as chamadas “Old Charges”, que fixavam lucros máximos pelo
trabalho de construção.

Para essas reuniões eram levados os instrumentos de trabalho de composição de


projetos arquitetônicos dentre os quais estavam o esquadro e o compasso, que se
tornaram símbolos da Ordem, mais tarde.

. O símbolo mais difundido da Maçonaria no mundo: o esquadro


representa Equidade, Justiça e Retidão; o compasso o Macrocosmo; e a letra
“G” alude a “Geômetra”, que significa “Deus”; “Divino Geômetra”. Para os
maçons, Deus é o “Grande Arquiteto do Universo” e, assim, “Geômetra” =
“Grande Arquiteto” = “Deus”. Além disso, a letra “G” em diversos idiomas
inicia a palavra “Deus”: God (inglês), Gott (alemão), Gud (sueco), entre
outras.

Com o passar do tempo, já no século XVII, quando nasce o Iluminismo na


Europa, a Ordem passa a se envolver, diretamente, em questões políticas e sociais em
diversos países fora da Europa ao admitir estudiosos e filósofos em suas reuniões.
Nessas reuniões os integrantes da ordem voltavam-se para a prática de alquimia e
estudos de astronomia.

Mais tarde, no século XVIII, as primeiras lojas Maçônicas (nome que se dá aos
centros de discussão da Ordem) são fundadas na Inglaterra, formadas por artesãos,
burgueses e membros da aristocracia:

“(...) tanto os irmãos de origem humilde quanto os aristocratas passavam a ter, na teoria, a
possibilidade de acesso a um conhecimento supostamente oculto e secreto. Finalmente, o
conhecimento estabelecido no seio da loja propiciava a criação de relações privilegiadas em
terrenos tão atraentes quanto os negócios, a política ou a influência social”. (2)

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Esses elementos atrativos permitiram a rápida expansão das lojas maçônicas ao
longo da Europa: Estados alemães, França, Holanda e Império Austríaco. Na Prússia,
seu Rei, Frederico, ingressou na Maçonaria em 1733. Intelectual e gênio militar,
Frederico se tornou referência para os maçons da sua época, apesar de suas manobras de
governo de “esquartejamento” das nações vizinhas – levando em consideração o caráter
filantrópico (benéfico) da Ordem. Seu exemplo incentivou, na França de Luís XV, a
criação de uma política de tolerância, em resposta à bula papal de 1739, que condenava
a Maçonaria, o que estimulou o crescimento da Ordem no país.

No período entre 1789 e 1848, correspondente à ‘Era das Revoluções’(3), é


possível identificar o surgimento de espaços de divulgação de ideias da ‘Ilustração’,
advindas do movimento Iluminista do século XVII. Em Portugal, por exemplo, onde se
funda a primeira loja maçônica em 1802 (Grande Oriente Lusitano), a Universidade de
Coimbra adota um projeto de ensino baseado no empirismo e nos princípios da razão,
modificando a tradição escolástica da Instituição em finais do século XVIII.

. Escudo do Grande Oriente Lusitano. Acima, os termos advindos da Revolução


Francesa – ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade -, evidenciam a
origem francesa da Ordem, berço mais provável e aceitável de seu surgimento

Enquanto isso, aos olhos da Igreja Católica, os novos valores morais e mentais
sobre o indivíduo e a natureza humana surgidos na época, especialmente os
relacionados aos preceitos maçônicos, eram expressão de irreligiosidade, imoralidade e
libertinagem - libertinos eram todos aqueles que ameaçassem o trono e criticassem o
estado absolutista com as idéias políticas revolucionárias francesas.

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Isto porque, para se tornar um maçom, não é necessário seguir uma religião, mas
acreditar, contudo, em dois “artigos de fé”: a Existência de Deus e a Imortalidade da
Alma. Isto é, a Maçonaria nada tem de religioso, mas de filosófico, educativo,
progressista e filantrópico:

“(...) É fundada no Amor Fraternal e na esperança de quem, com amor a Deus, à pátria, à
família e ao próximo, com tolerância e sabedoria, com a Constante e livre investigação da
Verdade, com a evolução do conhecimento humano pela filosofia, as ciências e as artes, sob
a tríade da Liberdade, Igualdade e Fraternidade e dentro dos Princípios da Moral, da Razão
e da Justiça, o mundo alcance a felicidade geral e a paz universal”. (4)

Além disso, apesar de a maioria dos iniciados ser, desde os primórdios da Ordem
até hoje, composta por homens, as mulheres nunca foram expressamente proibidas de
ingressar na sociedade. A chamada Maçonaria Mista, assim, era, naturalmente, mal vista
pelos setores sociais conservadores, especialmente pela Igreja.

. Ilustração de um ritual de Iniciação Maçônico

Essa oposição entre Maçonaria e Igreja Católica é claramente ilustrada no caso


francês, no pós Revolução Francesa. Considerando a relevante participação da Ordem
no processo revolucionário francês, Napoleão almeja, após o episódio, o controle das
lojas maçônicas no país:

“Dificilmente pode-se dizer que Napoleão fosse defensor da liberdade, mas ele era, sim,
consciente da utilidade da Maçonaria. Esta lhe permitia – como manifestaria no seu
Memorial de Santa Elena – contar com um exército que lutava “contra o papa”, manter,
com vigor, as forças armadas sob controle e a política em suas mãos, além de proporcionar-
lhe um instrumento de captação e propaganda favorável ao domínio francês da Europa”. (5)

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. Escultura e escudo do GDOF – Grande Oriente Francês, na cidade de Lyon

Mais tarde, no Brasil, ainda no século XVIII, estudantes brasileiros da elite


colonial enviados para estudar em faculdades européias, como a Universidade de
Coimbra, entram em contato com a atmosfera iluminista e com a sociedade da
Maçonaria e procuram ser iniciados na Ordem.

No retorno à colônia, esses estudantes iniciam novos membros e, reunidos,


fundam na província do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco lojas
(centros de discussão maçônica) como a “Reunião”, no Rio de Janeiro. Antes, porém,
lojas supostamente clandestinas já teriam se instalado no Brasil e influenciado os
movimentos das Conjurações Mineira e Bahiana, respectivamente de 1789 e 1798.

. Loja “Comércio e Artes” n° 001, fundada em 1815, berço da


Independência do Brasil. Templo histórico sediado no Palácio do Lavradio,
especificamente na Rua do Lavradio – Centro (RJ)

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. Monumento à Maçonaria em Florianópolis

. Escudo da Grande Loja Maçônica do RJ, situada na Rua Prf. Gabizo,


129 – Maracanã

Nesse início do século XIX, D. Pedro I assumiu papel crucial para os rumos da
política nacional, agindo como uma verdadeira peça ‘rei’ de um tabuleiro de xadrez. Era
em torno da figura dele que se desenrolou toda a questão política do país até a
Independência. Mesmo a imprensa nacional da época evitava criticar o Príncipe, apesar
de suas atitudes arbitrárias. Isso porque, a partir de 1821, havia uma mobilização dentro
da colônia contra as Cortes Portuguesas, devido a um quadro político nacional frágil e
instável que sofria com a falta de uma liderança e de um programa político bem
definido. Era ele mais uma bandeira a ser conquistada que um “foco de autoridade”. (6)

E tão decisivo para a política nacional quanto o Príncipe eram as duas vertentes da
Maçonaria no país, atuando ambas em prol da Independência – a vertente “Azul”,
favorável à instituição de uma Independência com Monarquia Constitucional e a outra,
“Vermelha”, em harmonia com as Cortes de Lisboa e a favor da República. Pretendiam
as Cortes, com uma orientação republicana, anular mais um elemento da Casa de
Bragança, na colônia - D. Pedro. Contudo, o Príncipe, naturalmente, se declara ao lado
da primeira ala, forçando sua permanência no território no DIA DO “FICO”, em 9 de

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Janeiro. Assim, apesar da Independência, seria possível manter o Reino do Brasil unido
ao de Portugal, justamente o que objetivava a Maçonaria “Azul”.

Apesar das divisões dentro do território entre Vermelhos e Azuis, D. Pedro


consegue, ao lado de José Bonifácio - Grão Mestre da Ordem, quem iniciou D. Pedro-
garantir a vitória do lado “Azul”, Monarquista. Depois de longos embates e jogos
políticos, a 23 de Julho, no navio Três Corações, três decretos são enviados de Portugal
para o Brasil: duas cartas, uma das Cortes e outra da Princesa Leopoldina. A das Cortes
exigia o regresso imediato do Príncipe e a prisão e processo de José Bonifácio; a da
Princesa recomendava prudência e pedia que o Príncipe ouvisse os conselhos de seu
Ministro.

Uma terceira carta foi enviada, por D. João VI ao Príncipe, em que o Rei
aconselhava seu filho a ter cautela nesse complicado jogo político. Ao Príncipe
restavam duas opções: entregar-se para as Cortes de Lisboa, voltando para Portugal, ou
permanecer no Brasil e proclamar a Independência. Escolhendo a segunda opção, é
dado o Grito do Ipiranga e consolidada a independência em 12 de Outubro de 1822,
com a aclamação do príncipe regente como Imperador do Brasil.

Em conclusão, a exposição acima teve por objetivo trazer à luz a história e as


atuações da Maçonaria até o século XIX, no mundo e no Brasil, em uma perspectiva
pouco comum da história da humanidade, que não integra as pautas tradicionais de
estudos escolares e Universitários da área de História. O que, no entanto, encontra
explicação evidente, tratando-se de comandos de uma Ordem que se propõe secreta e
deve, assim, conservar-se.

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Notas bibliográficas:

(1) Citação de D. Azeredo Coutinho, Bispo de Elvas, 1794 em Portugal no livro


“A Maçonaria na Independência Brasileira”; FERREIRA, Manoel Rodrigues
e FERREIRA, Tito Lívio; Vol. 1; [São Paulo]: Biblos, [1962], p. 65

(2) “Os Maçons: A Sociedade Secreta mais influente da História”; VIDAL, Cesar;
Rio de Janeiro: Relume Dumará; [2006], p. 35

(3) HOBSBAWM, Eric J; [1962]

(4) “Sociedades Secretas – Maçonaria”; COUTO, Sérgio Pereira; [2008], p.12

(5) “Os Maçons: A Sociedade Secreta mais influente da História”; VIDAL, Cesar;
Rio de Janeiro: Relume Dumará; [2006], p. 80

“Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, 1821-1823”;


(6)
LUSTOSA, Isabel; São Paulo: Companhia das Letras, [2000], p.65

Bibliografia:

- “Os Maçons: A Sociedade Secreta mais influente da História”; VIDAL, Cesar;


Rio de Janeiro: Relume Dumará; [2006]

- “A Maçonaria na Independência Brasileira”; FERREIRA, Manoel Rodrigues e


FERREIRA, Tito Lívio; Vol. 1; [São Paulo]: Biblos, [1962]

- “Sociedades Secretas – Maçonaria”; COUTO, Sérgio Pereira; [2008]

- “Maçonaria, sociabilidade ilustrada & independência do Brasil, 1790-1822”;


BARATA, Alexandre Mansur; Annablume; [2006]

- “A Ordem e o Império” – Revista Nossa História, junho/2005, v2, nº20;


MOREL, Marco

- “Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, 1821-1823”;


LUSTOSA, Isabel; São Paulo: Companhia das Letras, [2000]

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Filmografia:

- INDEPENDÊNCIA OU MORTE, (Brasil, 1972)

Informações Técnicas:

Título no Brasil: Independência ou Morte


Título Original: Independência ou Morte
País de Origem: Brasil
Gênero: Épico
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento: 1972
Direção: Carlos Coimbra

 Tendo como ponto de partida o dia da abdicação de D. Pedro I, é


traçado um perfil do monarca, desde quando ainda menino veio da
Europa, quando sua família fugia das tropas napoleônicas e sua
ascensão a Príncipe Regente, quando D. João VI retornou para
Portugal. Em pouco tempo a situação política torna-se insustentável
e o regente proclama a independência, mas seu envolvimento
extraconjugal com a futura Marquesa de Santos provoca oposição
em diversos setores e José Bonifácio de Andrada e Silva pede
demissão do Ministério, mas este não seria o único caso, que
ministros e nobres entrariam em choque com o imperador por causa
da marquesa, que permanentemente influenciava as decisões do
soberano, mas tudo isto causava um inevitável desgaste político.

- MAUÁ: O BARÃO E O REI (Brasil, 1999)

Informações Técnicas:

Título do Filme no Brasil: Mauá, o Imperador e o Rei


Título Original: Mauá, o Imperador e o Rei
País de Origem: Brasil
Gênero: Drama / Biografia
Duração: 132 minutos

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Ano: 1999
Direção: Sérgio Resende

 O filme mostra a infância, o enriquecimento e a falência de Irineu


Evangelista de Souza (1813-1889), o empreendedor gaúcho mais
conhecido como barão de Mauá, considerado o primeiro grande
empresário brasileiro, responsável por uma série de iniciativas
modernizadoras para economia nacional, ao longo do século XlX.
Mauá, um vanguardista em sua época, arrojado em sua luta pela
industrialização do Brasil, tanto era recebido com tapete vermelho, como
chutado pela porta dos fundos por D. Pedro II.

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