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A FEUDALIDADE COMO TIPO SOCIAL E A SUA AÇÃO

— MARC BLOCH —

● “As feudalidade exóticas, de que a história universal aparece hoje recamada, serão
como dizia Guérard? Ou como pretendia Flach?”
○ Benjamin Guérard → A base da sociedade feudal é a terra.
○ Jacques Flach → A base da sociedade feudal é o grupo pessoal.
● Sociedades diferentes receberam a designação de feudais por conta de semelhanças
com a feudalidade europeia.
● Feudalidade ≠ Estado Centralizado.
● A palavra “feudalidade” também invoca a ideia de uma invasão dos poderes
econômicos na vida pública → confusão da riqueza com a autoridade como um
traço marcante da feudalidade medieval.
● Feudalidade se confunde com o senhorio feudal, mas são “noções claramente
distintas”.
● Os laços feudais não eram baseados inteiramente na linhagem e no sangue →
“Mia concretamente, os laços propriamente feudais só tinham razão de ser
porque os do sangue não bastavam.”
● Feudalidade coincide com um profundo enfraquecimento do Estado,
principalmente da sua função protetora.
● “A feudalidade europeia apresenta-se, contudo, como sendo o resultado da brutal
dissolução de sociedades mais antigas”. (p. 6) → “A feudalidade europeia
constituiu-se definitivamente na atmosfera das últimas investidas bárbaras. Ele
supunha um profundo abrandamento da vida de relação, uma circulação monetária
que, demasiado atrofiada, não permitia um funcionalismo assalariado, uma
mentalidade ligada ao sensível e ao próximo. Quando estas condições começaram a
modificar-se, começou a passar a sua hora.” (p. 7)
● O regime feudal herdou a villa senhorial romana e as circunscrições rurais germânicas,
alargando e consolidando esses modos de exploração, somando o direito à renda do
solo e o direito ao mando → senhorio.
● Coincidência entre a classe dos chefes e a classe de guerreiros profissionais.
● Vínculos feudais → elo entre o subordinado e o chefe mais próximo → cadeias
infinitamente ramificadas.
● “A própria terra só pareceria ser uma riqueza tão preciosa por permitir obter ‘homens’,
remunerando-os.” (p. 8)
● “Faltava criar uma modalidade de direitos da terra, adequada à recompensa dos
serviços e cuja duração se modelasse pela duração da dedicação. A feudalidade
ocidental tirou uma das suas características mais originais da solução que encontrou
para este problema. Enquanto as pessoas de serviço, agrupadas em torno dos príncipes
eslavos continuavam a receber do príncipe os seus domínios, como doação pura, o
vassalo franco, depois de algumas tentativas, não obteve mais do que feudos, em
princípio, vitalícios. Pois, nas classes mais elevadas, distinguidas pelo honroso dever
das armas, as relações de dependência tinham revestido, na origem, a forma de
contratos livremente consentidos, entre duas pessoas vivas, colocadas frente a frente.
Da necessidade deste contacto pessoal, elas retiraram sempre o melhor do seu valor
moral.” (p.8)
● A Europa feudal não fora feudalizada por inteiro, nem no mesmo grau e nem no
mesmo ritmo. → Em nenhuma região a população rural inteira foi submetida a
uma dependência pessoal e hereditária; subsistiram terras alodiais; a noção de
Estado nunca desapareceu totalmente; homens ainda se chamam de “livres” no
sentido antigo da palavra por depender apenas do chefe do povo ou dos seus
representantes.
● Traços fundamentais da feudalidade europeia → sujeição rústica; largo uso da
tenure-serviço, que é o feudo; predomínio de uma classe de guerreiros
especializados; vínculos de obediência e de proteção (vassalagem); fragmentação
dos poderes; no meio disso tudo, a sobrevivência de outros modos de
agrupamento, de parentela e Estado.
● Japão → século XI → início do período feudal japonês → aparecimento coincide com
o abrandamento das trocas econômicas.
● Vassalagem japonesa → hierarquização, tal como na Europa, porém foi muito mais
um ato de sujeição do que um contrato, além de ser mais rigorosa por não admitir
pluralidade de senhores; a fim de manter os guerreiros também eram distribuídos
tenures, que eram parecidos com os feudos europeus; a massa era muito mais
numerosa do que na Europa.
● “A feudalidade não foi «um acontecimento que teve lugar uma só vez no mundo».
Tal como a Europa - ainda que com as inevitáveis e profundas diferenças - o
Japão atravessou esta fase. Se outras sociedades passaram também por ela, e, se
assim foi, sob a acção de que causas, talvez comuns, é o segredo que será
desvendado por futuros trabalhos.” (p. 12)
● A partir de meados do século XII, as sociedades europeias passam a se afastar do
tipo feudal, mas um sistema social não desaparece simplesmente, tendo os seus
prolongamentos. → A servidão é uma das formas de dependência mais
características do mundo feudal, era mais ligada à terra do que às pessoas e, na
França, por exemplo, sobreviveu até as vésperas da Revolução Francesa.
● Características do feudo que permaneceram → encargos pecuniários e as regras de
sucessão → como não havia mais vassalos domésticos, a homenagem estava ligada à
posse da terra.
● O regime senhorial só desaparece sob muita resistência e perturba gravemente a
repartição das fortunas.
● Criação das ordens de cavalaria → séculos XIV e XV → desejo dos príncipes de
ligarem a si um grupo de fiéis altamente colocados.
● “Numa palavra, a autêntica vassalagem podia sobreviver apenas como um
conjunto de gestos inutilmente cerimoniais e de instituições jurídicas
definitivamente esclerosadas, mas o espírito que a tinha animado renascia
constantemente das cinzas. (...) Mas eram apenas práticas esporádicas, peculiares
a certos meios, proscritas, aliás, pelo Estado, logo que pareciam ameaçá-lo,
incapazes, no total, de se unirem num sistema coeso e de imporem a sua
tonalidade a toda a estrutura social.” (p. 16)
● As sociedades que seguiram a cavalaria fizeram com que mais tarde a classe
dominante conservasse o orgulho dessa vocação militar, simbolizada pelo direito ao
uso da espada. No Antigo Regime, a nobreza continuava a referir-se como “de
espada”. Até mesmo nos dias de hoje, nos quais o poder bélico deixou de ser
pertencente a uma classe ou profissão, há um sentimento de superioridade ligado a ser
um “guerreiro profissional”. → Resquícios feudais.
● A homenagem vassálica fora transposta para o domínio político, no qual os súditos
principais do rei eram seus vassalos, e unida às representações antigas de que o chefe
do povo era responsável pelo bem-estar de seus súditos e, caso não cumprisse com tal,
era dever público destituí-lo. → “Direito universalmente reconhecido ao vassalo de
abandonar o mau senhor.” (p. 17) → “Direito de resistência”.
● “Não foi por acaso, certamente, que o regime representativo, sob a forma, muito
aristocrática, do Parlamento inglês, dos «Estados» franceses, dos Stände da Alemanha
e das Cortes espanholas, nasceu nos Estados que dificilmente se libertavam do estádio
feudal, e sofriam ainda a sua influência; que, noutro lado, no Japão, onde a submissão
vassálica era muito mais unilateral e que, de resto, deixava o divino poder do
Imperador fora do edifício das homenagens, nada de semelhante saiu dum regime, no
entanto, tão vizinho da nossa feudalidade, sob tantos pontos de vista. Nesta insistência,
dedicada à ideia duma convenção, capaz de unir os poderes, reside a originalidade da
nossa feudalidade peculiar.” (p. 18)

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