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Evang el h o s Apócrifos

O Test a m e n t o de Abraã o

Capít ulo 1
ABRAÃO VIVEU a medid a de sua vida, novec e n t o s e
noven t a e cinco anos, e tendo vivido todos este s anos em
quiet u d e , gentilez a, e justiça, sendo o único justo era
extre m a m e n t e hospit al ei r o; porq u e , ergu e n d o sua tend a
no cruza m e n t o dos camin h o s no carvalho de Mam r e , ele
rece b e u a todos, fosse m ricos fosse m pobr e s, reis e
gover n a n t e s , abas t a d o ou aba n d o n a d o s , amigos e
estr a n h o s , vizinhos e viajant e s , a todos trat o u igual m e n t e
de modo piedoso, santo, justo e hospit al ei r o. E até mes m o
sobr e ele veio a comu m , inexor áv el e ama r g a pres e n ç a da
mort e, isto é, o incer t o fim da vida. No ent a n t o, o Senho r
Deus, convoc a n d o seu arca njo Migu el, disse- lhe: Desça,
Príncip e Migu el, a Abraão e diga- lhe a resp eit o de sua
mort e, par a que ele poss a coloca r suas tar ef a s em orde m ,
pois eu o abe n ç o ei como o núm e r o das estr el a s do céu, e
como o da areia da praia, e ele poss ui abu n d â n c i a de
longa vida e muit a s posse s, e tem se torn a d o
extre m a m e n t e rico. Além de todos os hom e n s , tam b é m ,
ele é justo em cada ato, bom, hospit al ei ro, amáv el até o
fim de sua vida; mas tu, arca njo Miguel, vá até Abraã o,
meu amigo ama d o, e anu n ci a- lhe sua mort e e asse g u r e - o
disto: Tu deves agor a parti r dest e mun d o vão, e deves
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deixar este corpo, e ir par a junto de teu Senho r entr e os


bons.
E o príncip e parti u de diant e da face de Deus, e desc e u
par a até Abraão ao carval ho de Mam r e , e encon t r o u o
justo Abraão no cam p o e se aproxim o u, asse n t a n d o- se ao
lado da junta de bois na lavour a, junt a m e n t e com os filhos
de Masek e outros servos, que perfazia m o núm e r o de
doze. E ent ã o o príncip e chego u- se a ele, e Abra ão, vendo
o príncip e Miguel que vinha ao longe, sem el h a n t e a um
guer r e i r o, erg u e u- se e o enco n t r o u como era seu cost u m e ,
de encon t r a r e acolhe r todos os estr a n g e i r o s . E o príncip e
o saudo u e disse: Salve, honr a dí s si m o pai, alma justa e
eleita. Mas acont e c e , que o dia da mort e de Abra ão est av a
próximo, e o Senho r disse a Migu el: Levan t e- se e vá ter
com Abraão, meu servo, e diga- lhe, que ele deve partir
dest a vida, agor a! Pois os dias de tua vida ter r e n a se
cum p ri r a m : de man ei r a que ele pode arr u m a r a sua casa
ante s de morr e r .
E Miguel foi e aproxi mo u- se de Abraão, e o encon t r o u
ass e n t a d o diant e de sua junta de bois, e ele era
muitíssi m o velho ria apa r ê n ci a e tinha seu filho em seus
braços, Abra ão, ent ão, vendo o arca njo Miguel, levant o u-
se do chão e o saudo u, sem sabe r que m ele era, e disse-
lhe: O Senho r te pres e r v e . Que tua viage m seja prós p e r a .
E Miguel lhe respo n d e u : Tu és amigáv el, bom pai. E
Abraão respo n d e n d o disse- lhe: Venha, aproxi m e- se,
irmão, e sent e- se um pouco, enqu a n t o traze m uma mula
par a que possa m o s ir par a minh a casa, e tu poss a s
desc a n s a r comigo, pois está tar d e, e pela man h ã te
levant e s e vás com Deus, verd a d e i r o filho do único que
est á nos céus. E Abraã o contin u o u a dizer ao príncip e:
Salve, honr a dí s si m o guer r ei r o, que brilha como o sol e de
beleza bem acim a da dos hom e n s : tu és bem vindo; por
isso rogu ei por tua pres e n ç a , diga- me de onde o jovem
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provê m ; ensin a- me, te suplico, de onde e de qual exército


e de onde vem est a beleza. O príncip e disse: Eu, ó justo
Abraão, venho da gran d e cidad e. Fui enviado pelo gra n d e
rei par a tom a r o lugar de um gran d e amigo seu, por que o
rei o convoco u. E Abraã o disse, Venha, meu Senho r ,
acom p a n h e - me até o cam po. O príncip e disse: Eu vim; e
sairei ao cam po da lavour a. Eles se asse n t a r a m ao lado da
comp a n h i a. E Abraão disse aos seus servos, os filhos de
Mas ek: Ide à man a d a de cavalos e trazei dois cavalos
mans o s, gentis e dom a d o s , de man ei r a que eu e este
estr a n h o poss a m o s mont á- los. Cont u d o o príncip e disse,
na verd a d e , meu Senho r, Abraão, não é nece s s á r i o que
trag a m os cavalos, pois eu não me per mi to asse n t a r- me
sobr e qualq u e r best a qua d r ú p e d e . Acaso meu rei não é
rico, e não tem pode r tanto sobr e hom e n s como sobr e
todo tipo de gado? Vamos, ent ão, ó alma justa, and a n d o
suave- men t e até tua casa. E Abraão disse, Amém, que
assim seja.
Capít ulo 2
E enqu a n t o eles iam do cam po par a a casa, ao lado
dest e camin h o havia um cipre s t e , e pela vonta d e do
Senh o r a árvor e clamo u com voz hum a n a , dizen d o, Santo,
santo, santo é o Senho r Deus que cha m a par a si aquel e
que o ama; mas Abraão ocultou o misté rio, ach a n d o que o
príncip e não tinh a ouvido a voz da árvor e. E cheg a n d o à
casa eles se asse n t a r a m na vara n d a , e Isaac vendo a face
do anjo disse à Sar a sua mãe, Minh a senho r a mãe, vede, o
home m que se asse n t a com meu pai Abraã o não pert e n c e
à raça dos que habit a m a terr a. E Isaac corr e u, e o
saudo u, e caiu diant e dos pés do incor p ó r e o, e o
incor pó r e o o abe n ç o o u e disse, O Senho r Deus cum p ri r á
em ti a prom e s s a que fez a seu pai Abraã o e à sua
sem e n t e , e tam b é m conce d e r- te- á a precios a oraç ã o de
teu pai e de tua mãe. Abraão disse a Isaac seu filho, meu
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filho Isaac, retir e águ a do poço e tra g a- me em um pote,


par a que eu poss a lavar os pés dest e estr a n h o , pois ele
est á cans a d o de ter vindo de uma longa viage m . E Isaac
corr e u ao poço e retiro u águ a e lhes trouxe em um pote, e
Abraão abaixou- se e lavou os pés do estr a n h o par a que
por onde ele and a s s e nen h u m a fera má o encon t r a s s e e o
feriss e. E Miguel quis sabe r de Abraão, dizen d o: Diga- me
teu nom e, ant e s que eu ent r e em tua casa, par a que eu
não seja ofensivo a ti. Abraão respo n d e u e disse, meu s
pais me cha m a r a m Abraão, e o Senho r mudo u meu nom e
par a Abraã o, dizen d o: Levant a e sai de tua casa, e da tua
par e n t el a , e vá par a um lugar ao qual eu te most r a r e i a ti.
E qua n d o eu sai par a a terr a que o Senho r me most r o u ,
ele me disse: Teu nom e não mais ser á Abrão, mas teu
nome ser á Abraã o. Miguel respo n d e u e lhe disse: Per do e-
me, meu pai, hom e m expe ri m e n t a d o por Deus, porq u e eu
sou estr a n h o , e tenho ouvido de ti que and a s t e muito e
trouxe s t e bodes e os mat a s t e , acolhe n d o anjos em tua
casa, par a que eles pud e s s e m desc a n s a r ali. E enq u a n t o
falava levant o u- se e foi par a a casa. E Abraão cha m o u um
de teus servos, e disse- lhe: Vá, trag a- me uma mula par a
que o estr a n h o poss a se asse n t a r nele, pois ele est á
cans a d o de sua viage m . E Miguel disse: Não ator m e n t e o
jovem, mas vamos lent a m e n t e até tua casa, porq u e eu
gosto de tua comp a n h i a.
Capít ulo 3
E levant a n d o- se saíra m , e enq u a n t o se dirigia m par a a
cidad e, cerc a de seisce n t o s met r o s dali, enco n t r a r a m uma
gra n d e árvor e que tinh a uns treze n t o s ramo s, par e ci d a
com uma tam a r e i r a . E eles ouvira m uma voz que vinha
dos seus ram o s, "Sant o és tu, pois tu gua r d a s t e o
propósito par a o qual foste enviado." E Abraã o ouviu a
voz, e ocultou o mist é rio em seu coraç ã o, dizen do consigo,
que mist é rio é este que tenho ouvido? Quan d o ele chego u
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em casa, Abraão disse a seus servos, levant e m- se, ide ao


reb a n h o de ovelha s e trazei- me umas delas, e mat ai- as
rapid a m e n t e , e apro n t ai- as par a que eu poss a com e r delas
e beb e r, porq u e este é um dia de festa par a nós. E os
servos trouxe r a m as ovelha s, e Abraã o cha m o u a seu filho
Isaac, e disse- lhe, meu filho Isaac, levant e- se e ponh a
águ a num pote par a que possa m o s lavar os pés dest e
estr a n g e i r o . E ele fez como seu pai lhe pedir a, e Abraão
disse, eu vejo, e assim ser á, que nest a bacia eu jamais
volta r e a lavar os pés de qualq u e r hom e m que venh a aqui
se hosp e d a r . E Isaac ouvindo o que sei. pai disse choro u,
e lhe disse meu pai o que tu est ás dizen d o, esta é acaso a
últim a vez que lavas aos pés de um estr a n h o . E Abraão
olha n d o par a seu filho que chor av a, tam b é m choro s aos
pés do príncip e Miguel, ficou comovido em seu coraç ã o e
choro u diant e do estr a n h o . Isaac, vendo a seu pai que
chor av a, voltou a chor a r junt a m e n t e com o príncip e que
agor a chor av a com eles, e as lágrim a s do príncip e caír a m
no vaso e na águ a da bacia e se torn a r a m pedr a s
precios a s . E Abraã o vendo o milag r e ficou espa n t a d o , e
tomou secr e t a m e n t e as pedr a s e ocultou o mist é rio,
gua r d a n d o- o par a si em seu coraç ã o.
Capít ulo 4
E Abraã o disse a Isaac seu filho: Vá, meu ama d o filho,
ent r e no qua r t o e o deixe bonito. Dispon h a- nos ali dois
ass e n t o s, um par a mim e outro par a este hom e m que é
meu convida d o nest e dia. Prep a r e- nos uma mes a com
tudo que há de bom. Embel ez e o qua r t o, meu filho, e
arr u m e- o com linho fino e púr p u r a . Queim e todo incen s o
precioso e excele n t e , trag a ervas aro m á ti c a s do jardim e
ench a noss a casa com elas. Acend a sete lâmp a d a s cheias
de óleo, de man ei r a que possa m o s nos alegr a r , por que
este hom e m é nosso convida d o nest e dia que é mais
glorioso do que um dia de rei, e a apa r ê n ci a dest e hom e m
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é melho r que de todos os filhos dos hom e n s . E Isaac


pre p a r o u toda s as coisas, e Abraão tomo u o arca njo
Miguel e foi par a a câm a r a , e ambo s com e r a m e se
ass e n t a r a m sobr e os divãs, e entr e eles foi post a uma
mes a cheia de todas as coisas boas. Em segui d a o
príncip e se ergu e u e saiu, como que const r a n g i d o por sua
bar ri g a a fazer sair águ a, e asce n d e u ao céu num pisca r
de olhos, e ficou diant e do Senho r , e disse- lhe: Senho r e
Mest r e , que o teu pode r saiba que sou incap a z de fazer
lemb r a r a este justo sobr e sua mort e, pois jamais vi sobr e
a terr a hom e m como este, que seja piedos o, hospit al ei r o,
justo, fiel, devoto, que se det é m de fazer o mal. E agor a
saiba Senho r, que não posso avisar- lhe sobr e sua mort e. E
o Senho r disse: Desça, príncip e Miguel, ao meu amigo
Abraão, e tudo o que ele lhe disse r faça, e tudo o que ele
come r coma com ele. E eu enviar ei meu santo espírito
sobr e seu filho Isaac, e coloca r ei a lemb r a n ç a de sua
mort e no coraç ã o de Isaac, de man ei r a que ele poss a ver
a mort e de seu pai em um sonho, e Isaac cont a r- lhe- á o
sonho, e tu o inter p r e t a r á , e assim ele sabe r á de seu fim.
E o príncip e disse, Senho r , todos os espíritos celesti ais
são incor pó r e o s , e não com e m nem bebe m , e este hom e m
pôs diant e de mim uma mes a com tudo que há de bom
dent r e as coisas terr e n a s e corr u p tíveis. E agor a, Senho r,
o que eu devo fazer? De que man ei r a me esquiva r ei dele...
Capít ulo 5
Quan d o Sar a, ent ro u em sua casa, ouviu- os chor a r , ela
saiu e disse a Abraão, Senho r, por que est á s chor a n d o ?
Abraão respo n d e u , e a consolou dizen d o que não é nad a
de mal. Vá par a tua casa e faça o teu trab al h o par a que
não sejas inopor t u n a ao visitan t e . E Sar a saiu, indo
pre p a r a r o jant a r. E o sol est av a quas e se pondo, e Miguel
saiu da casa, e foi tom a d o par a o céu par a ador a r diant e
de Deus, porq u e ao pôr do sol todos os anjos ador a m a
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Deus e Miguel é o prim ei r o dent r e os anjos. E eles todos o


ador a r a m , e fora m cada um par a o seu luga r, mas Miguel
apr e s e n t o u- se diant e do Senho r e disse, Senho r, eis me
diant e de tua sant a glória! E o Senho r disse a Miguel,
anu n ci e tudo o que quise r e s ! E o Arcanjo respo n d e u e
disse, Senho r, tu me envias t e a Abraã o par a dizer- lhe,
deixar á s o teu corpo e este mun d o; o Senho r te cha m a ; e
eu não ouso, Senho r, revela r- me a ele, por que ele é teu
amigo, e um hom e m justo, e algué m que rece b e
estr a n h o s . Mas eu rogo- te, Senho r, faça com que a notícia
da mort e de Abraão entr e em seu coraç ã o, e não deixe
com que eu lhe cont e isto, por que é gra n d e desco r t e si a
dizer, deixe o mun do, e princip al m e n t e deixe seu próp rio
corpo, porq u e tu o crias t e desd e o início par a ter pieda d e
pelas almas de todos os hom e n s. Então o Senho r disse a
Miguel, levant e- se e vá ter com Abraão, e fique com ele, e
tudo o que vires ele come r, como tu tam b é m , e onde quer
que ele dur m a , dur m a tu tam b é m . Porq u e eu porei o
pens a m e n t o da mort e de Abra ão no coraç ã o de Isaac Seu
filho dur a n t e um sonho o Senho r disse: Vá até ele, e não
pens e nisto, porq u e quan d o tu te asse n t a r e s com ele, eu
enviar ei a um espírito cons u m i d o r , e ele consu m i r á o teu
temo r e pass a r á por tua boca tudo o que estive r sobr e a
mes a. Alegr e- si com ele em tudo, e tu deves inter p r e t a r
ape n a s as coisas da visão, par a que Abraão possa sabe r
que vem a foice da mort e e cheg a o incer t o fim da vida,
possa assim se despoja r de toda s as suas posse s, pois eu
dei bênç ã o s maior e s que o núm e r o da areia do mar e do
que o núm e r o das estr el a s do céu.
Capít ulo 6
Então o príncip e desc e u a casa de Abraão, e asse n t o u- se
com ele à mes a, e Isaac os serviu. E qua n d o a ceia
ter mi no u Abraão orou segu n d o seu costu m e , e o príncip e
orou junta m e n t e com ele, e cada se deitou par a dormi r
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em seu divã. Isaac disse a seu pai, Pai, e tam b é m gost a ri a


de dormi convosco nest a câm a r a , par a que eu tam b é m
ouça seu discu r s o, porq u e estou gost a n d o muito de ouvir
a excele n t e dest e hom e m . Abra ão disse, sim meu filho,
mas agor a vá par a teu próp rio qua r t o e dur m a lá par a que
sejas impor t u n o a este que nos visita. Então Isaac, tendo
rece bi do de seu pai uma oraç ã o, e tendo os abe n ç o a d o , foi
par a o seu próp rio quar t o e deitou- se sobr e sua cam a. O
Senh o r, poré m , colocou o pens a m e n t o da mort e em seu
coraç ã o atr av é s de um sonho, e na terc ei r a hora da noite
Isaac desp e r t o u e se levant o u de sua cam a, e corr e u par a
o qua r t o onde dor mi a m seu pai e o arca njo. Isaac, entã o,
ao cheg a r à port a gritou, dizen d o, meu pai Abraão,
levant e- se e abr a par a que eu ent r e, par a que eu poss a
tocá- lo ant e s que se vá. E se remo e n d o pela ansie d a d e
ape r t a v a seu próp rio pescoço. Abraã o em segui d a
come ço u a chor a r levanto u- se a abriu a port a e Isaac
ent ro u e o segu r o u forte m e n t e e com eç o u a chor a r em voz
alta. Abra ão, comovido, tam b é m chor av a em voz alta, e o
príncip e dos anjos, ao vê- los chor a n d o , tam b é m se
comove u. Sar a esta n d o em seu qua r t o, ouviu que eles
chor av a m , e foi até lá, e os enco n t r o u abr a ç a d o s e
chor a n d o . E Sar a disse comovid a, Meu Senho r Abraã o,
qual é o motivo dest e pra n t o? Diga- me, meu Senh o r,
acaso este irmão que por nós foi acolhido trouxe algu m a
notícia de Ló, teu sobrin h o, de que est á morto? E porq u e
est ás tão angu s ti a d o ? O príncip e respo n d e u e lhe disse,
na verd a d e , minh a irmã Sar a, não é como tu dizes, mas
teu filho Isaac, teve um sonho e nos veio desp e r t a r , e o
vimos comovido e chor a n d o .
Capít ulo 7
Então Sar a, ouvindo a excelê n ci a da conve r s a do
príncip e, comp r e e n d e u que ele era um anjo do Senho r
que falava. Sar a no ent a n t o avisou a Abra ão par a sair e
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lhe disse, Meu Senho r Abraã o, sabe s que m é este hom e m ?


Abraão disse, não sei. Sar a disse, sabe s, meu Senho r, os
três hom e n s do céu que nós acolhe m o s em noss a tend a ao
lado do carvalho de Mam r e , qua n d o mat a s t e um cabrito
sem mácul a, e puse s t e uma mes a diant e deles. Depois que
a carn e havia sido comid a, o cabrito se levanto u
nova m e n t e , e ma m o u em sua mão com gra n d e aleg ri a. E
eles prom e t e r a m a ti, meu Senho r Abraão, de que nos
daria Isaac como fruto do meu vent r e ? Daqu el e s três
home n s santos este é um deles. Abraão disse, ó Sar a, há
verd a d e nest e teu dizer. Glória e louvor seja m a nosso
Deus e Pai. Por que à tard e qua n d o lavei seus pés na
bacia eu disse em meu coraç ã o eu já lavei os pés dest e
home m uma vez. Em segui d a suas lágri m a s caír a m na
bacia e se torn a r a m pedr a s precios a s . E retir a n d o- as de
seu alforje deu- as a Sara, dizen d o, se tu crês em mim olhe
par a est a s pedr a s . E Sar a rece b e n d o- as curvou- se e
saud a n d o- o disse, Glória a Deus que nos most r a coisas
mar avilho s a s . E saiba agor a, meu Senh o r Abra ão, que
ent r e nós est á a revelaç ã o de algu m a coisa que r boa quer
má!
Capít ulo 8
E Abraã o deixou Sar a, e entro u na câm a r a , e disse a
Isaac, venh a par a cá, meu ama d o filho, diga- me a verd a d e
do que tu viste, e o que acont e c e u par a que tu vieste tão
rapid a m e n t e a nós. E Isaac res po n d e n d o com eç o u a dizer,
eu vi, meu Senho r , nest a noite a lua e o sol acima de
minh a cabe ç a , rode a n d o- me com seus raios e dand o- me
luz. Enqu a n t o eu os obse rv av a e ma aleg r av a, vi o céu se
abrin d o, e a hom e m que descia trazia uma luz, que
brilhav a mais do que sete sóis. E este hom e m que se
par e ci a com o sol tomou o sol que estav a acim a de minh a
cabe ç a , e subiu par a os céus de onde viera, mas eu fiquei
muito angu s ti a d o por ele ter tom a d o o sol acim a de mim.
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Pouco depois, enqu a n t o eu aind a est av a trist e e


preoc u p a d o , eu vi este hom e m vindo do céu uma segu n d a
vez, e tomo u- me a lua tam b é m , e eu chor ei copios a m e n t e
e clam ei ao hom e m da luz e disse, Não, meu Senho r , não
tome minh a glória de mim; tend e pied a d e de mim e ouça-
me, e se tu já toma s t e o meu sol deixe- me ao menos a lua.
Ele, no ent a n t o, disse, tu sofre r á s tua perd a, pois o rei
que est á acim a os quer par a si. E ele os tomou de mim, e
em deixou. Então Sar a disse a Abraão, como pode s tu
dormi r quan d o um hom e m de Deus vem a ti, e porq u e
teus olhos est ão cheios de lágri m a s se hoje é um dia de
gra n d e aleg ri a? Abraão lhe disse, como sabe s tu que este
é um hom e m de Deus? Sar a respo n d e u e disse, porq u e eu
te disse e afirm ei que este é um dos três que nós
acolhe m o s junto ao carvalho de Mam r e , qua n d o um dos
servos veio e trouxe um cabrito e tu o mat a s t e , e me
disse s t e , levant a e apro n t e este cabrito par a que eu poss a
come r com este s hom e n s em noss a casa. Abraão
res po n d e u e disse, perc e b e s t e bem, mulhe r , porq u e eu
tam b é m , quan d o lavei seus pés soub e em meu coraç ã o
que eu ia havia lavado este s pés lá junto ao carval ho de
Mam r e , qua n d o com ec ei a per g u n t a sobr e sua jorna d a ,
ele me disse: eu vou pres e r v a r Ló teu irmão que está em
Sodo m a , em seguid a comp r e e n d i o misté rio.
Capít ulo 9
E Abraã o disse a Migu el diga- me, hom e m de Deus,
most r e- me por que viest e par a cá. E Migu el disse. Teu
filho Isaac te most r a r á . E Abraão disse a seu filho, meu
ama d o filho, diga- me o que viste no teu sonho hoje, e
retir e de nós esta angú s ti a. Cont a- nos. E Isaac res po n d e u
a seu pai, em meu sonho eu vi o sol e a lua, e havia uma
coroa sobr e a minh a cabe ç a , e do céu veio um hom e m de
gra n d e est at u r a , e ele brilhav a como gra n d e luz. Ele
tomou o sol de cima de minh a cabe ç a , e deixou seus raios
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comigo. E chor ei e disse, rogo- te meu Senh o r, não leves a


glória de minh a cabe ç a , e a luz de minh a casa, e toda
minh a glória. E o sol e a lua e as estr el a s lame n t a r a m ,
dizen d o, não retir e s a glória de nosso pode r aquel e
home m que brilhav a respo n d e u- me dizen d o, não chor e s
por que eu tomo a luz de tua casa, pois ela é tom a d a das
aflições par a o desc a n s o, de um est a d o inferior par a um
supe rio r; eles ser ão toma d o s e levados de um luga r
estr ei to par a um luga r mais amplo; da escu ri d ã o par a a
luz. E eu lhe disse rogo- te, Senho r , tom e tam b é m os raios
que estão acim a de mim. E o príncip e disse, ouça, ó justo
Abraão; o sol ao qual teu filho viu és tu, pai dele, e a lua
igual m e n t e é Sar a sua mão. O hom e m que traz a luz e que
desc e do céu, este é um enviado de Deus que tom a r á tua
alma justa de ti. E saiba agor a, honr a d o Abraão, que nest e
tem p o tu deves deixar este mun do, e ir par a Deus. Abraã o
disse ao príncip e õ espa n t o s a s mar avilh a s! E agor a tu
vens par a toma r minh a alma de mim? E o príncip e lhe
disse, eu sou o príncip e Miguel, que est á na pres e n ç a do
Senh o r, e fui enviado a ti par a fazê- lo sabe r de tua mort e.
E em segui d a devo parti par a ele como me foi orde n a d o .
Abraão disse, agor a eu sei que tu és o anjo do Senh o r, e
que foste enviado par a levar minh a alma, cont u d o não irei
contigo; mas faça tudo que te foi orde n a d o .
Capít ulo 10
O príncip e ouvindo esta s palavr a s imedia t a m e n t e
desa p a r e c e u e asce n d e u aos céus par a a pres e n ç a de
Deus, e conto u- lhe tudo o que tinha visto na casa de
Abraão; e o príncip e disse tam b é m ao Senho r , assim diz
teu amigo Abraão, eu não irei contigo, mas faças tudo que
te foi orde n a d o; e agor a , ó Senho r Onipot e n t e , que
conce d e teu reino e tua glória, que orde n a s ? Deus disse
ao príncip e Miguel, vá a meu amigo Abraão mais uma vez,
e diga- lhe, assim diz o Senho r teu Deus, aqu el e que te
12

trouxe à prom e s s a de vida, par a que tivess e s mais


bênç ã o s que o núm e r o da areia do mar e acim a das
estr el a s do céu, e que abriu o útero da este rilid a d e de
Sar a, e conce d e u- te Isaac como fruto de seu vent r e já em
idad e avanç a d a , na verd a d e vos digo que contin u a r e i te
abe n ç o a n d o e multiplica n d o tua sem e n t e , e conce d e r e i
tudo que me pedir e s , por que eu sou o Senho r teu Deus, e
não há outro além de mim. Agora digas porq u e te
reb el a s t e cont r a mim, e porq u e está s pesa r o s o, e porq u e
te rebel a s t e cont r a o meu arca njo Miguel? Não sabe s tu
que todos que viera m de Adão e Eva já morr e r a m , e que
nem os profet a s esca p a r a m da mort e? Nenh u m daq u el e s
que gover n a m como reis esca p a r a m da mort e. Todos
mor r e r a m , todos partir a m par a o Had e s, fora m todos
cort a d o s pela foice da mort e. Mas sobr e ti eu não enviei a
mort e, não per mi ti que sofres s e ou que tivess e doen ç a
mort al, nem que a foice da mort e o encon t r a s s e , nem que
as red e s do Had e s te engolfas s e m , jamais quis fazer
algu m mal. No ent a n t o, par a o teu consolo enviei meu s
raios a ti. E ele me disse, aind a há doze hora s do dia e
após isso eu toma r ei seus raios. Enqu a n t o o hom e m que
brilhav a dizia isto o sol da minh a casa subia par a o céu, e
a coroa eu não mais a via, e o sol era sem el h a n t e a ti, meu
pai. E Miguel disse a Abra ão, teu filho Isaac falou a
verd a d e , porq u e tu deves ir, e ser toma d o aos céus, mas
teu corpo per m a n e c e r á na terr a, até que sete eras se
cum p r a m , quan d o enfim toda car n e dever á se levant a r .
Sendo assim, Abraã o, ponh a tua casa em orde m , pois o
que ouviste é que deve acont e c e r a ti. O príncip e Miguel
veio a ti, par a que pude s s e s sabe r acer c a de tua partid a,
par a que pude s s e s arr u m a r a tua casa e todos os teus
pert e n c e s , e abe n ç o a r a Isaac teu filho ama d o. E agor a
saiba que eu não fiz nad a disso com a inten ç ã o de deixar-
te aflito. E agor a que sabe s o teu destino diga se quer e s
13

ou não parti r?
Capít ulo 11
E o príncip e rece b e n d o as exort a ç õ e s do Senho r desc e u
par a junto de Abraão, e vendo que o justo est av a caído
com sua face ao chão como se estives s e morto, conto u- lhe
tudo o que ouvira do Altíssimo. Então o santo e justo
Abraão levant a n d o- se com muita s lágri m a s caiu
nova m e n t e aos pés do incorp ó r e o , e rogou- lhe, dizen d o,
rogo- te, príncip e das host e s celesti ais, visto que tu tens te
dign a d o a vir a mim que sou um peca d o r e em tudo teu
servo indigno. Rogo- te agor a mes m o, ó príncip e, par a que
leves a minh a palavr a nova m e n t e ao Altíssimo, e digas,
assim diz Abraã o teu servo, leve minh a palavr a
nova m e n t e ao Altíssimo, e deves dizer- lhe, Assim diz
Abraão teu servo, Senh o r, Senh o r, em cad a obra e palavr a
nas quais tenho te pedido tu me ouvist e, e tens cum p ri d o
todo o meu cons el ho. Agora, Senh o r, eu não resisto ao teu
pode r, porq u e eu tam b é m sei que não sou imort al mas
mort al. Visto que por ti fora m criad a s todas as coisas, eu
tam b é m temo e tre m o diant e da face de teu pode r, e
agor a, Senho r e Mest r e , ouça minh a oraç ã o, porq u e
enqu a n t o estou aind a nest e corpo deseja ri a ver toda a
terr a habit a d a e todas as suas criat u r a s que fizest e com a
palavr a, e quan d o e as vir, ent ã o deixar ei este corpo sem
trist ez a. Assim o príncip e foi nova m e n t e esta r diant e de
Deus, e dizer- lhe tudo que Abraã o lhe tinh a dito, dizen d o,
desejo cont e m pl a r toda a terr a enqu a n t o aind a estou vivo.
E o Altíssimo ouvindo isto disse, cha m a n d o ao príncip e
Miguel, tom e uma nuve m de luz e anjos que tem o pode r
sobr e as car r u a g e n s e desç a, e tome o justo Abraão em
uma carr u a g e m de quer u bi n s e o eleve aos ares dos céus
par a que ele poss a cont e m pl a r a terr a.
Capít ulo 12
E o arca njo Migu el desc e u e tomo u Abraão em uma
14

carr u a g e m de quer u bi n s e o elevou aos ares dos céus e o


colocou sobr e uma nuve m com seis anjos, e Abraão
asce n d e u num a carr u a g e m sobr e uma nuve m e viajou
sobr e toda a terr a. E Abraã o viu o mun do como ele era
naq u el e s dias, algu m a s lavour a s , uma s car ro ç a s , e em um
luga r um reb a n h o , e em outro Abraão per g u n t o u e disse a
Miguel, rogo- te, Senho r, que se eu devo deixar o meu
corpo, gost a ri a de ser toma d o aind a vivo par a ver as
criat u r a s que o Senho r meu Deus criou no céu e na terr a.
Miguel respo n d e u e disse, isto não comp e t e a mim, mas
irei e direi ao Senh o r sobr e isto, se me for per miti do
most r a r- te- ei toda s est a s coisa s.
Capít ulo 13
E Miguel subiu aos céus e falou diant e do Senho r com
relaç ã o a Abraã o, e o Senh o r respo n d e u a Migu el, vá e
tome Abraão em seu corpo, e most r e- lhe toda s as coisas e
tudo o que ele te disse r faça pois ele é meu amigo. Dess e
modo, Miguel foi e tomo u Abraão em seu corpo sobr e uma
nuve m, e o levou ao ocea n o. Saindo à noite viu que os
home n s danç av a m e tocava m har p a s , em outro lugar
home n s dispu t a v a m e lutava m pela lei, mais além
chor av a m e se lemb r a v a m dos ante p a s s a d o s . Tamb é m viu
recé m casa d o s rece bi do s com honr a s , e em uma palavr a,
ele viu toda s as coisas que se fazem no mun d o, boas e
más. Abraão port a n t o passo u sobr e eles e viu hom e n s com
espa d a s , emp u n h a n d o- as em suas mãos, e Abra ão
per g u n t o u ao príncip e, que m são este s? O príncip e disse,
este s são ladrõ e s, que procu r a m com e t e r homicídio e
roub a r e queim a r e dest r ui r. Abraão disse, Senho r,
Senh o r, ouça minh a voz, e faça com que feras selvag e n s
saia m da flores t a e os devor e m . E assim que ele falou
saíra m feras da florest a e devor a r a m aqu el e s hom e n s . E
ele viu em um outro lugar um hom e m fornica n d o com
uma mulh e r e disse, Senho r , Senho r , faça com que ate r r a
15

possa se abrir e engoli- los, e imediat a m e n t e a terr a


fende u- se e os engoliu. E viu em outro lugar hom e n s que
forçav a m uma casa, e levava m as posse s de outro s
home n s , e disse, Senho r, Senh o r, faça com que desç a fogo
dos céus e os cons u m a . E assim que falou, fogo desc e u
dos céus e os cons u m i u. E imedia t a m e n t e veio uma voz
dos céus aos príncip e s, dizen d o, ó príncip e Miguel,
det e n h a a car r u a g e m , e volte com Abraão par a que ele
não veja mais a ter r a , porq u e se ele cont e m pl a r tudo que
existe de impied a d e , ele dest r ui r á toda a criaç ã o. Porq u e
Abraão não tem peca d o, e não tem pied a d e dos
peca d o r e s , mas eu criei o mun do, e não que ro dest r uí-
lo, cont u d o, espe r o pela mort e do peca d o r, até que ele se
conve r t a e viva. No enta n t o, tom e Abraão e o leve ao
port ã o do céu, par a que ele possa ver os juízos e as
reco m p e n s a s , e se arr e p e n d a pelas alma s dos peca d o r e s
aos quais ele dest r ui u.
Capít ulo 14
Assim Miguel virou a carr u a g e m par a outr a direç ã o e
levou Abra ão par a o leste, par a o prim ei r o port ã o do céu;
e Abra ão viu dois camin h o s, um mais estr ei to e acan h a d o
e outro mais largo e esp a ço s o, e ali ele viu dois portõ e s,
um largo no camin h o largo e outro estr eito no camin h o
estr ei to. E fora dos dois portõ e s avistou um hom e m
ass e n t a d o num trono dour a d o , e a apa r ê n ci a daq u el e
home m era ter rível, como a do Senho r. E eles vira m
muita s almas cond uzid a s pelos anjos que pass av a m pelo
port ã o mais largo, e outr a s alma s, pouc a s em núm e r o,
que era m tom a d a s pelos anjos pelo port ã o estr ei to.
Capít ulo 15
E depois de Abra ão ter visto o luga r do julga m e n t o , a
nuve m o tomou e o levou par a baixo, e Abraã o, olhan d o
par a a ter r a , viu um hom e m que come ti a adult é rio com
uma mulhe r casa d a . E Abraão se voltan d o a Miguel disse:
16

vês esta impied a d e ? Senho r, envie fogo do céu par a os


consu m i r . E imedia t a m e n t e desc e u o fogo e os cons u mi u,
porq u e o Senho r disse a Miguel, tudo o que Abraão te
pedir faça. Abraão olhou nova m e n t e , e viu outro s hom e n s
s queixa n d o de seus comp a n h e i r o s , e disse, que a terr a se
abr a e os eng ul a, e enq u a n t o ele falava a ter r a os engoliu
vivos. Nova m e n t e a nuve m o levou par a um outro luga r, e
Abraão viu algun s hom e n s indo par a um lugar dese r t o
par a com e t e r e m um homicídio, e ele disse a Miguel, vês
est a impied a d e ? Que feras selvag e n s saia m do dese r t o e
os desp e d a c e m , e naq u el a mes m a hora as feras saír a m do
dese r t o e os devor a r a m . Então o Senho r Deus falou a
Miguel dizen d o, leve de volta Abraão par a sua casa, e que
ele não circule mais pela criaç ã o que fiz, pois ele não tem
comp aix ão dos peca d o r e s , mas eu tenho par a que eles
vivam e sela m salvos.
Capít ulo 16
E Abraão olhou e viu dois portõ e s, um pequ e n o e outro
gra n d e , e entr e os dois portõ e s asse n t a v a- se um hom e m
sobr e um trono de gra n d e glória, e uma multid ã o de anjos
o rode av a, e ele estav a chor a n d o , e depois sorrin d o, mas
seu choro excedi a seu riso sete vezes. E Abraão disse a
Miguel, que m é este que se asse n t a entr e os dois portõ e s
em gra n d e glória; às vezes ri e às vezes chor a, e seu
choro exced e seu riso sete vezes? E Miguel disse a
Abraão, não sabe s tu que ele é? E ele disse, não, Senho r.
E Miguel disse a Abraã o, vês este s dois portõ e s, o meno r
e o maior? Esta s pouc a s pesso a s são as que aqu el e
home m admi r áv el que se asse n t a no trono dour a d o vê
ent r a r pelo port ã o estr eito, e aqu el e s muito são os que
ent r a m pelo port ã o largo, imediat a m e n t e ao ver estes
aqu el e hom e m admir áv el puxa os cabelos de sua cabe ç a e
arr a n c a sua bar b a e se lança ao chão, chor a n d o e
lame n t a n d o . Mas qua n d o ele vê muita s almas ent r a n d o
17

pelo port ã o estr ei to, ent ão ele se levant a e se asse n t a em


seu trono com gra n d e aleg ri a, regozijo e exult aç ã o. E
Abraão per g u n t o u ao príncip e, Meu Senho r , que m é este
home m admi r a bilíssi m o, ador n a d o com tal glória, e que às
vezes chor a e lame n t a e que outr a s se regozija e exult a? O
incor pó r e o disse: Este é o prim ei r o criado Adão que está
em tal glória, e ele olha par a o mun d o porq u e todos
nasc e r a m dele, e qua n d o ele vê muit a s almas indo par a o
port ã o estr ei t o ent ã o ele se levant a e se ass e n t a em seu
trono regozijan d o e exult a n d o em alegri a, porq u e este
port ã o estr eit o é o do justo, que cond uz à vida, e aqu el e s
que ent r a m por ele vão par a o Paraíso. Por isso, ele, o
prim ei r o criado, Adão, se regozija, porq u e ele vê as alma s
sendo salvas. Mas quan d o ele vê muit a s alma s entr a n d o
pelo port ã o largo, ent ão ele puxa seus cabelos e se lanç a
ao chão chor a n d o e lame n t a n d o ama r g a- ment e, porq u e o
port ã o largo é o dos peca d o r e s , que leva à dest r ui ç ã o e
castigo eter n o. E por isso ele cai de seu trono chor a n d o e
lame n t a n d o pela dest r ui ç ã o dos peca d o r e s , pois são
muitos os que se per d e m , e poucos os que se salva m, visto
que dent r e sete ape n a s um se salva, sendo justo e
imacul a d o.
Capít ulo 17
Enqu a n t o ele dizia est a s coisas par a mim, eis que dois
anjos, com aspe c t o de fogo, impiedo s o s na inten ç ã o, e
severo s na apa r ê n ci a , levava m aquela s alma s,
impiedo s a m e n t e chicot e a n d o- as com língu a s de fogo. O
anjo retiro u uma alma e lançou todas as dem ai s no port ã o
largo par a a dest r ui ç ã o. Assim nós tam b é m fomos com os
anjos, e entr a m o s com eles pelo port ã o largo, e ent r e os
dois portõ e s ficava um trono de terrível asp e c t o, feito de
crist al, flameja n t e como fogo, e sobr e ele asse n t a v a- se um
home m admir áv el que brilhav a como o sol, como o Filho
de Deus diant e dele estav a uma mes a de crist al, toda de
18

ouro e forra d a com linho fino, e sobr e a mes a havia um


livro, sua espe s s u r a era de seis cúbitos, e a larg u r a de
dez, e à sua direit a e à sua esqu e r d a ficava m dois anjos
sust e n t a n d o papel, tinta e pen a. Diant e da mes a
ass e n t a v a- se um anjo de luz, segu r a n d o uma balanç a , e à
esqu e r d a do hom e m ass e n t a v a- se um anjo de fogo,
impiedo s o e seve ro, sust e n t a n d o uma trom b e t a que levava
à vida e à dest r ui ç ã o. O hom e m que se asse n t a entr e eles
é Adão, o prim ei r o hom e m que o Senh o r criou, e o colocou
nest e luga r par a ver cad a alma que deixa o seu corpo,
par a ver que todos dele nasc e r a m . Quan d o, port a n t o, o
vires a chor a r , saiba que ele viu muit a s almas sendo
levad a s à dest r ui ç ã o, mas quan d o tu o vires sorrin d o, é
porq u e viu muita s almas sendo cond uzi d a s par a a vida. Vê
como seu choro exced e seu riso? Visto que ele vê um
núm e r o muito maior do mun do sendo levado par a o
port ã o largo que leva à dest r ui ç ã o, por isso seu choro
exced e seu riso sete vezes.
Capít ulo 18
E Abraã o per g u n t o u : e aqu el e que não pud e r entr a r pelo
port ã o estr ei t o, não pode r á ent r a r na vida? Então Abraão
choro u, dizen d o, ai de mim, que farei? Pois sou um
home m de corpo gra n d e , e como ser ei capaz de ent r a r
pelo port ã o estr ei to pelo qual nem mes m o um garoto de
quinz e anos pode ent r a r ? Miguel respo n d e u e disse a
Abraão, não tem a s, pai, nem se preoc u p e , pois tu deves
ent r a r sem impedi m e n t o , e tam b é m todo aqu el e que é
como a ti. E quan d o Abraão paro u e se mar avilho u, eis
que viu um anjo do Senho r cond uzi n d o seis mil almas à
dest r ui ç ã o. E Abraão disse a Miguel, vão todos estes par a
a dest r ui ç ã o ? E Migu el lhe disse, sim, mas vamos
proc u r a r dent r e elas se há uma justa e ret a. E quan d o
fora m, encon t r a r a m um anjo sust e n t a n d o em suas mãos a
alma de uma mulhe r , e seus peca d o s se ach a r a m em
19

iguald a d e de peso com suas justiça s, e eles nem a


emp u r r a r a m nem a pre n d e r a m , mas ficou num est a d o
inte r m e d i á r i o; e as outr a s alma s fora m levad a s à
dest r ui ç ã o. Abraão disse a Miguel, Senho r , este é o anjo
que rem ov e as alma s de seus corpos ou não? Migu el
res po n d e u e disse, esta é a mort e, e ela as leva par a o
luga r do julga m e n t o , par a que o juiz poss a prová- los.
Capít ulo 19
E Abraã o disse, Meu Senho r , rogo- te que me leves ao
luga r do julga m e n t o par a que eu veja o fogo que a tudo
conso m e e que prova os pec a d o r e s . O juiz é o hom e m
admi r áv el que se asse n t a no trono e julga e sent e n ci a as
almas, e os dois anjos à sua direit a e à sua esqu e r d a
escr ev e m , um as justiça s e o outro as iniqüid a d e s . Aquele
diant e da mes a, que sust e n t a a balan ç a , pesav a a: alma s,
e o anjo de fogo, que sust e n t a v a o fogo, provav a as almas.
E Abraã o per g u n t o u ac príncip e Miguel, o que são es tas
coisas que vemos?
E o príncip e disse, isto que tu vês, santo Abraão, são o
julga m e n t o e as reco m p e n s a s . É entã o o anjo que
sust e n t a v a alma consigo a trouxe diant e do juiz, e o juiz
disse a um dos anjos que o servia, abr a m este livro, e
enco n t r e m os peca d o; dest a alma. E abrin d o o livro
enco n t r o u seus peca d o s e suas justiça s em igual medid a
de peso, e não a ent r e g o u nem aos ator m e n t a d o r e s nem
aos que fora m salvos, mas coloqu e- a no meio.
Capít ulo 20
E Abraão disse, meu Senho r príncip e, que m é este juiz
admi r áv el? E que m são os anjos que escr ev e m ? E que m é
o anjo sem el h a n t e ao sol, que sust e n t a a balan ç a ? E que m
o anjo de fogo que sust e n t a fogo? O príncip e disse, vês
santíssi m o Abra ão, o hom e m terrível asse n t a d o no trono.
Este é o filho do prim ei ro criado, Adão, que se cha m a Abel
que o ímpio Caim assa s si no u e que se ass e n t a assim par a
20

julga r toda a criaç ã o, e exami n a os justos e os peca d o r e s


Pois Deus disse, eu não julgar ei, mas todo hom e m deve se
julgado. Port a n t o, ent r e g o u- lhe o juízo, par a julga r o
mun d o a sua gra n d e e glorios a vinda, ent ão, o justo
Abraão, este é juízo e a reco m p e n s a perfeit a que ningu é m
pode alter a r . Porq u e todo hom e m provê m do primei ro
criado, e port a n t o são julga do s prim ei r a m e n t e aqui por
seu filho, e na segu n d a vinda eles ser ão julga do s pelas
doze tribos de Isra el, par a que eu tam b é m poss a ver como
eles são julgado s. Então Miguel tomou Abraão em uma
nuve m, e o levou par a o Par aíso, e qua n d o chego u a um
luga r onde est av a o juiz, um anjo chego u e ent r e g o u
aqu el a alma aos juiz. E a alma disse, Senho r tenh a
pied a d e de mim. E o juiz respo n d e u , com terei
mise ricó r di a de ti qua n d o não tivest e de tua filha, o fruto
de teu vent r e ? E a mat a s t e ? Ela respo n d e u , na verd a d e ,
Senh o r, não fui eu que m a mato u, pois minh a filha men ti u
acer c a de mim. Mas o juiz orde n o u que trouxe s s e m os
livros onde estav a m os relato s, e sur gi u um que r u bi m com
dois livros. E havia com ele um hom e m de gran d e
est a t u r a , que tinh a em suas mão três coroa s, e uma delas
era maior que as outr a s duas. Esta s se cha m a m coroa s do
test e m u n h o . E o hom e m tinh a consigo uma pen a dour a d a ,
e o juiz lhe disse, apr e s e n t a i os peca d o s dest a alma. E
aqu el e hom e m ao abrir um dos livros do que r u bi m ,
proc u r o u pelos peca d o s daq u el a mulh e r e os encon t r o u . E
o juiz disse, ó alma maldit a, porq u e disses t e que não eras
a ass a s si n a ? Após a mort e de teu marido foste e
come t e s t e adult é rio com o marido de tua filha, e a
mat a s t e ? E ele a cond e n o u por todos os outros peca d o s ao
quais ela tinh a come ti do dest e sua juvent u d e . Ao ouvir
isto a mulhe r clamo u, dizen d o, ai de mim, todos os meus
peca d o s que eu come t e r a no mun d o eu esqu e ci, mas eles
não fora m esqu e ci d o s. Então eles a toma r a m e a levar a m
21

par a que fosse ent r e g u e aos ator m e n t a d o r e s .


Capít ulo 21
E Abraã o disse a Migu el, Senh o r, que m é este juiz, e
que m é o outro, que cond e n a os peca d o s ? E Miguel disse
a Abraão, vês aqu el e juiz? Este é Abel, que testifica
prim ei r o, e Deus o trouxe par a o juiz, e aqu el e que dá
test e m u n h o aqui é o mest r e do céu e da terr a , e que
escr ev e as justiça s, Enoqu e, porq u e o Senho r os envia
par a lá par a escr ev e r os pec a d o s e justiça s de cada um.
Abraão disse, e como pode Enoqu e dar test e m u n h o do
peso das almas, não tendo visto a mort e ? Ou como pode
sent e n ç a s a toda s as almas? Miguel disse, não lhe é
per mi tido sent e n ci a r as alma s; cont u d o Enoqu e não
sent e n ci a, mas o Senho r é que m o faz, e ele não faz mais
do que escr ev e r . Porq u e Enoqu e orou ao Senho r dizen d o,
eu não tenho esse desejo, Senho r , o de sent e n ci a r às
almas, par a que não seja pesa d o à uma delas; e o Senh o r
disse a Enoq u e , quer o que tu escr ev a s os peca d o s daq u el a
alma que faz expiaç ã o e cada criat u r a . Mas na terc ei r a
vez ela ser á julgad a pelo Senh o r Deus de todos, e ent ã o,
na verd a d e , o fim dest e julga m e n t o está próximo, e a
terrível sent e n ç a , e não há como esca p a r . E agor a pelos
três tribu n ai s o julga m e n t o do mun do e a reco m p e n s a são
feitos, e por esta razão uma ques t ã o não é finalm e n t e
confir m a d a por uma ou duas test e m u n h a s , mas por três é
que deve m ser est a b e l e ci d a s . Os dois anjos da direit a e da
esqu e r d a , são aquel e s que escr ev e m os peca d o s e as
justiça s, o da direit a escr ev e as justiç a s e o da esqu e r d a
os peca d o s. O anjo sem el h a n t e ao sol, que sust e n t a a
balanç a é o arca njo, Dokiel o que pesa justa m e n t e as
justiça s e os peca d o s com a justiça de Deus. O anjo de
fogo e impiedo s o, que sust e n t a o fogo consigo, é o arca njo
Puru el, que em pode r sobr e o fogo, e prova as obra s dos
home n s atr av é s do fogo, e se o fogo conso m e a obra de
22

algu m home m , o anjo do julga m e n t o imediat a m e n t e o


pre n d e e o leva ao luga r dos peca d o r e s , um lugar de
puniç ão ama rí s si m o. Cont u d o, se o fogo aprov a r a obra e
algué m , e não o pren d e r e m , este hom e m está justifica do e
o anjo da justiça o tom a e o leva par a ser salvo com a
sort e do justo. E assim, justíssi m o Abraão, toda s as coisas
em todos os hom e n s são prova d a s pelo fogo e pela
balanç a .
Capít ulo 22
E Abraã o disse ao príncip e, meu Senh o r, a alma que o
anjo mant é m consigo, porq u e se decidiu que ela ficass e
no meio? O príncip e respo n d e u , ouça, justo Abraão. O juiz
enco n t r o u iguald a d e entr e seus peca d o s suas justiça s, e
ele nem a cond e n o u nem a salvou, até que juiz supr e m o
apa r e ç a . Abraã o disse ao príncip e, e o que se espe r a par a
que est a alma seja salva? O príncip e disse, se ele tiver
uma justiça a mais que seus peca d o s, ela ent r a r á na
salvaç ã o. Abraão disse ao príncip e, venh a cá, príncip e
Miguel faça m o s uma oraç ã o par a est a alma, e vejam o s se
Deus na ouvirá. O príncip e disse, Amém seja assim; e eles
fizera m uma oraç ã o pela ent r a d a da alma no Paraíso, e
Deus os ouviu, e qua n d o se levant a r a m de sua oraç ã o não
viram mais a alma no lugar onde est av a e Abraão disse ao
anjo, onde est á a alma que tu tinha s em suas mãos'. E o
anjo res po n d e u , ela foi salva por tu oraç ã o, e um anjo de
luz a tomo u e a levou par a Par aíso. Abra ão disse, graç a
dou ao nom e de Deus, o Altíssimo, e sua incom e n s u r á v el
mise ricó r di a. E Abraã o disse a, príncip e, rogo- te, arca njo,
ouça minh a petição, e invoqu e m o s a Senh o r, e
supliqu e m o s sua comp aixã o, e implor e m o s sua
mise ricó r di a pelas almas dos peca d o r e s que eu há pouco,
em minh a fúria, amaldiço ei e dest r uí, e que a terr a
devoro u, que as feras selvag e n s desp e d a ç a r a m , e o fogo
consu m i u atr av é s de minh a s palavr a s Agora sei que
23

pequ ei diant e do Senho r nosso Deus. Venha port a n t o , ó


Miguel, príncip e de exércitos o céu, venh a, invoqu e m o s a
Deus com lágri m a s par a que ele poss a per do a r meu s
peca d o s, e me conc e d a o que peço. E o príncip e o ouviu, e
eles fizera m súplica s diant e do Senho r , e quan d o e
quan d o invoca r a m por um longo tem p o, surgiu uma voz
do céu dizen do, Abraã o, Abraã o, eu tenho ouvido tua voz
e tua oraç ã o, e per dôo o teu peca d o, e aqu el e s a que m tu
pens a s t e ter dest r uí d o e os cha m ei e os trouxe par a a vida
por minh a extr e m a bond a d e , por esta razão eu os
reco m p e n s e i no juízo, e àqu el e s a que m eu dest r uí na
terr a , eu não reco m p e n s a r e i a mort e.
Capít ulo 23
E a voz do Senho r disse tam b é m ao príncip e Miguel,
Miguel, meu servo, leve Abraão de volta par a sua casa,
porq u e eis que seu fim est á próximo, e a medid a de sua
vida se deu, e par a que ele poss a pôr todas as suas coisa s
em orde m , e assim o tom e e o trag a até mim. Assim o
príncip e, fazen d o a conve r s ã o da carr u a g e m e da nuve m ,
levou Abra ão par a sua casa, e ao ent r a r em sua casa
ass e n t o u- se em sua cam a. E Sar a, sua espos a, veio e
abr a ç o u aos pés do Incor p ó r e o , e falou humilde m e n t e ,
dizen d o, graç a s te dou, meu Senh o r, pois trouxe s t e de
volta ao meu Senho r Abraão, pois que pesáv a m o s tê- lo
toma d o de nós. E seu filho Isaac tam b é m veio e o
abr a ç o u , e do mes m o modo fizera m tam b é m todos os
servos e servas que estav a m ao redo r de Abraã o
abr a ç a n d o- o e glorifica n d o a Deus. E o Incor p ó r e o lhe
disse, ouça, justo Abraão. Conte m pl e tua espos a Sar a,
cont e m pl e tam b é m teu ama d o filho Isaac, cont e m pl e
todos os teus servos e serva s ao redo r de ti. Dispon h a- se
de tudo que tu tens, pois o dia no qual tu deves deixar
este corpo e irdes par a o Senho r de uma vez por toda s
chego u. Mas Abraão disse, o Senho r o disse, ou dizes de ti
24

mes m o ? O príncip e res po n d e u , ouça, justo Abraã o, o


Senh o r foi que m orde n o u , e eu pão a ti. E Abraão disse,
eu não irei contigo. O príncip e, ao ouvir est as palavr a s ,
imedia t a m e n t e saiu da pres e n ç a de Abra ão, e foi par a os
céus, fican do diant e do Deus Altíssimo, e disse, Senho r
Onipot e n t e , eis que dei ouvidos a teu amigo Abraã o em
tudo o que ele disse, e cum p ri seus des ejos. Most r ei- lhe
teu pode r, e toda a ter r a e o mar que estão debaixo do
céu. Mostr ei- lhe o juízo e a reco m p e n s a levan d o- o atr av é s
de uma carr u a g e m e num a nuve m, e nova m e n t e ele diz,
não irei contigo. E o Altíssimo disse ao anjo, meu amigo
Abraão diz nova m e n t e , eu não irei contigo? E o arc a njo
disse, Senho r Onipot e n t e , assim ele diz, e eu não quis
tocá- lo, pois desd e o início ele é eu amigo, e tem feito
tudo o que Te é agr a d á v el à vista. E que não há hom e m
como ele sobr e a terr a , nem mes m o o admi r áv el Jó, e
port a n t o eu não quis tocá- lo. Port a n t o , ó Rei Imort al, que
devo fazer.
Capít ulo 24
Então o Altíssimo disse, cha m ai- me a Mort e que é
cha m a d a a de aspe c t o desav e r g o n h a d o e de olhar
impiedo s o. E Migu el o Incor p ó r e o foi e disse à Mort e,
venh a cá; o Senho r da criaç ão, o rei imort al, cha m a- te. E
a Mort e, ouvindo isto, tem e u e tre m e u , fican do poss uíd a
de gra n d e terro r , e vindo com gra n d e medo ficou diant e
do pai invisível, tre m e n d o , gem e n d o e se arr e pi a n d o ,
agu a r d a v a a orde m do Senho r . Entr e t a n t o o Deus invisível
lhe disse, venh a cá, ama r g o e feroz nom e do mun d o,
oculte tua ferocid a d e , cubr a tua corr u p ç ã o , despoja- te de
tua ama r g u r a , e ponh a tua beleza e toda tua glória, e
desç a a Abraão meu amigo, e o tome e o trag a a mim.
Contu d o, não o ame d r o n t e , mas trag a- o com palavr a s
suave s, porq u e é meu amigo. Ao ouvir esta s coisas, a
Mort e saiu da pres e n ç a do Altíssimo, e vestiu- se de uma
25

roup a muito brilha n t e , e fez sua apa riç ã o como a o sol, e


torno u- se mais formos a e bela que os filhos dos hom e n s,
assu mi n d o a form a de um arca njo, tendo sua face
res pl a n d e c e n t e como o fogo, e foi até Abraão. O justo
Abraão saiu de seu qua r t o e asse n t o u- se sob as árvor e s de
Mam r e , segu r a n d o seu cajado em sua mão, e agua r d a n d o
a vinda do arca njo Miguel. E entã o, sentiu um suave
aro m a, e viu raio de luz, e Abraão virou- se e viu a Mort e
vindo em sua direç ã o em gra n d e glória e beleza, e Abra ão
se levanto u e foi ao seu encon t r o , imagin a n d o que fosse o
príncip e de Deus, e a Mort e o vendo o saudo u, dizen d o,
Regozijai, precioso Abraã o, alma justa, verd a d ei r o amigo
do Deus Altíssimo, e comp a n h e i r o dos santo s anjos.
Capít ulo 25
Mas enqu a n t o o dia da Mort e de Abraão se aproxi m av a ,
o Senho r Deus disse a Miguel, a Mort e não ousa r á se
aproxi m a r e tom a r a alma de meu servo, pois ele é meu
amigo, ent ão vá e ador n o u a Mort e com gra n d e beleza, e
a envie a Abraã o, par a que ele possa vê- la com seus
próp rios olhos. E Miguel imedia t a m e n t e , após ser
comission a d o, ador n o u a Mort e com gran d e beleza, e a
enviou a Abraão par a que ele a pud e s s e ver. E ela
ass e n t o u- se próximo a Abraão, e Abraão vendo- a próximo
de si teve extr e m o rec eio. E a Mort e lhe disse, Salve, alma
sant a! salve, amigo do Senho r Deus! salve, consola ç ã o e
acolhim e n t o dos viajant e s ! E Abraã o disse, és bem- vindo,
servo do Deus Altíssimo. Rogo- te, diga- me que m és; e
ent r e em minh a casa par a particip a r da comid a e da
bebid a até partir e s , pois desd e que o vi asse n t a d o pert o
de mim minh a alma ficou pert u r b a d a . Pois eu não sou
digno de virde s a mim, pois tu és um espírito exalt a d o e
eu sou car n e e sang u e , e port a n t o não posso sust e n t a r a a
tua glória, pois vejo bem que tua beleza não é dest e
mun d o. E a Mort e disse a Abraão, digo- te que em toda
26

criaç ã o que Deus fez, não há que m se enco n t r e como a ti,


pois até mes m o o próp rio Senho r ao procu r a r não
enco n t r o u um assim sobr e toda a terr a. E Abraão disse à
Mort e, como pode s men ti r? Pois eu vejo que tua
apa r ê n c i a e form a são como as do sol, gloriosíssi m o
ajuda n t e , port a d o r da luz, hom e m admir áv el, de onde
provê m tua glória, e que m és tu, e de onde vens? Então a
Mort e disse, justíssi m o Abraã o, eis que te digo a verd a d e .
Eu sou a ama r g a sort e da Mort e. Abraão lhe disse, sim,
mas tu és a graciosid a d e do mun d o, és a glória e a beleza
dos anjos e hom e n s , és mais formos o na form a que
qualq u e r outro, e dizes, sou a ama r g a sort e da Mort e, e
não, sou a mais formos a de toda s as coisas. A Mort e disse,
eu te direi a verd a d e . Ao que o Senho r me nom eo u , isto
tam b é m e direi. Abraão disse, por que motivo tu vens par a
cá? E a Mort e disse, vim por tua sant a alma. Então
Abraão disse, sei o que que r e s dizer, mas não irei contigo;
e a Mort e ficou em silêncio.
Capít ulo 26
Então Abraão se levanto u, e foi par a sua casa, e a Mort e
o acom p a n h o u par a lá. E Abraão foi par a seu qua r t o, e
Mort e o seguiu. E Abra ão deitou- se em sua cam a, e a
Mort e foi e asse n t o u- se a seus pés. Então Abraão disse, vá
daq ui, deixe- me, pois quer o desc a n s a r em minh a cam a.
Mas a Mort e disse, não irei até que tenh a toma d o teu
espírito de ti. E Abraão lhe disse, eu orde n o- te pelo Deus
imort al a me dizer e s a verd a d e . Es tu a Mort e? A Mort e
lhe disse, sim. Sou o dest r ui d o r do mun do. E Abraão
disse, rogo- te, já que és a Mort e, diga- me se tu apa r e c e s
assim a todos com tam a n h a formos u r a e beleza? E a
Mort e disse, na verd a d e , meu Senho r Abraão, por caus a
de tua justiça, ilimitad a hospit alid a d e e pela gra n d e z a de
teu amor par a com Deus te torn a s t e uma coroa sobr e
minh a cabeç a , e em beleza, gra n d e paz e gentilez a me
27

aproxi m ei do justo, mas dos peca d o r e s me aproxi mo com


gra n d e corr u p ç ã o e ferocid a d e e ama r g u r a com apa r ê n ci a
feroz e impiedo s a . E Abraã o disse, rogo- te, dê- me ouvidos,
e most r e- me tua ferocid a d e e toda a tua corr u p ç ã o e
ama r g u r a . E a Mort e disse, não pode s cont e m p l a r minh a
ferocid a d e , justíssi m o Abraão. E Abraão disse, sim, ser ei
cap az de cont e m p l a r tua ferocid a d e atr av é s do nom e do
Deus vivo, porq u e o pode r do meu Deus que está no céu
est á comigo. Então a Mort e retiro u toda sua graciosid a d e
e beleza, e toda a sua glória e a form a sem el h a n t e ao sol
com a qual se reves ti r a , e pôs sobr e si a vestim e n t a de um
tira no, e fez sua apa riç ã o de modo mais feroz que
qualq u e r tipo de fera selvag e m , e mais impu r a do que
qualq u e r impur e z a . E most r o u a Abraão que a sua beleza
não era dest e mun d o. E a Mort e disse a Abraã o, não
pens e s , Abra ão, que est a beleza é minh a, ou que venho
assim a todo home m . Na verd a d e , se algué m é justo como
a ti, tomo a coroa e vou até ele, mas se é um peca d o r vou
com gra n d e corr u p ç ã o , e do seu peca d o faço par a mim
uma coroa par a minh a cabe ç a , e o estr e m e ç o com gra n d e
terr o r, de man ei r a que eles des m ai a m . Abraão no ent a n t o
lhe disse, e de onde vem tua beleza? E a Mort e disse, não
há outro mais cheio de corr u p ç ã o do que eu. E Abraão lhe
disse, verd a d ei r a m e n t e és aquel e que é cha m a d o Mort e?
E ele lhe respo n d e u dizen d o, eu sou o nom e ama r g o ...
Capít ulo 27
E Abraão disse à Mort e, most r e- me tua corr u p ç ã o . E a
Mort e manifes t o u uma corr u p ç ã o ; e ele tinha duas
cabe ç a s , uma como de serp e n t e e por ela algu n s morr e m
como por áspid e s, e a outr a era como uma espa d a ; por
elas algu n s morr e m como pela esp a d a . Depois apa r e c e u
com uma serp e n t e de quato r z e cabe ç a s , uma de fogo e
gra n d e m e n t e feroz, uma outr a face de escu ri d ã o, outr a de
víbor a, uma de terrível precipício, uma mais feroz que
28

uma áspid e, uma de um ter rível leão, uma de basilisco.


Ele tam b é m most ro u uma face de uma feroz cimita r r a ,
outr a de uma esp a d a afiad a, uma de raio que rela m p ej a
terrivel m e n t e e provoc a um trovão estr e m e c e d o r . Ele
most r o u- lhe tam b é m uma face de um mar em fúria e de
um rio de gran d e corr e n t e z a , e uma terrível serp e n t e de
três cabe ç a s , e um copo com uma mist u r a vene n o s a , e em
res u m o ele most r o u- lhe gra n d e ferocid a d e e ama r g u r a
intoler á v el, e toda doen ç a mort al que tem o odor da
Mort e. E pela caus a da gran d e ama r g u r a ferocid a d e
mor r e r a m sete mil servos, e o justo Abra ão sentiu a
indifer e n ç a da Mort e de man ei r a que seu espírito
desfalec e u .
Capít ulo 28
E o santo Abra ão, vendo esta s coisas dess e modo, disse
à Mort e, rogo- te, ó Mort e que tudo dest r ói, oculte tua
ferocid a d e , e revist a- se de tua beleza e da form a com a
qual est av a ante s. E imedia t a m e n t e a Mort e ocultou sua
ferocid a d e , e reves ti u- se de sua beleza ante rio r. E Abra ão
disse à Mort e porq u e fizest e isto, par a que mat a s t e meus
servos e servas ? Acaso Deus te enviou de lá com est a
finalida d e ? E a Mort e disse, na verd a d e , meu Senh o r
Abraão, não é como tu dizes mas por tua caus a é que fui
enviado par a cá. Abra ão disse à Mort e, porq u e ent ã o
este s morr e r a m ? O Senh o r não falou E a Mort e disse,
crês, justíssi m o Abraão, que isto tam b é m é mar avilho so,
que tu não foste toma d o com eles cont u d o, digo te a
verd a d e , porq u e se aqu el e que est á à direit a de Deus não
fosse contigo tu teria s ido naq u el a vez, tu tam b é m teria
parti do dest a vida. O justo Abraão disse, agor a
comp r e e n d o a indifer e n ç a da Mort e, da man ei r a que meu
espírito desfale ç a, mas rogo- te, ó Mort e que a tudo
dest r óis, visto que meu s servos morr e r a m ante s do tem p o,
ore m o s ao Senh o r nosso Deus par a que ele nos ouça e
29

ress u s ci t e aquel e s que mor r e r a m por tua ferocid a d e ante s


do tem p o det e r m i n a d o . E Mort e disse, Amém, assim seja.
Então Abraão caiu com a face no chão e a oraç ã o, e a
Mort e junta m e n t e com ele, e o Senho r enviou um espírito
de vida sobr e aqu el e s que est av a m morto s e eles
reviver a m nova m e n t e . Então o justo Abraão deu glória a
Deus.
Capít ulo 29
Naq u el e dia os servos de Abraã o morr e r a m por caus a do
terr o r da Mort e, e Abraã o vendo- os orou ao Senho r , e os
ress u s ci t o u. E Abraão foi par a seu qua r t o e a Mort e o
segui u, e ele disse: vá, sai daq ui pois que r o desc a n s a r ,
porq u e tinh a visto a indifer e n ç a da mort e. E a Mort e
disse, não irei até que tom e tua alma. E Abraão com
aspe c t o seve ro e olha r furioso lhe disse, que m te deu est a
orde m ? Tu dizes est a s palavr a s por seu próp rio orgulho, e
não irei contigo até que o príncip e Miguel reto r n e , e eu
irei com ele. Contu d o, se tu desej a s que eu te acom p a n h e ,
expliqu e- me toda s esta s tuas mud a n ç a s , as sete cabe ç a s
ferozes, serp e n t e s e o que significa a face de precipício, e
a espa d a e o rio caud alo s o, e o que significa a tem p e s t a d e
marin h a que se arroja ferozm e n t e . Ensin e- me tam b é m
sobr e o trovão intoler á v el, e sobr e o raio terrível, e mau
cheiro do copo de vene n o. Ensine- me sobr e todas esta s
coisas. E a Mort e respo n d e u , ouça, justo Abraão. Por sete
eras eu dest r uí o mun do e levei todos par a o Had e s , reis e
reg e n t e s , ricos e pobr e s, escr avo s e livres, os levei ao
profun d o Had e s, e por isso most r ei- te sete cabe ç a s de
ser p e n t e s . A face de fogo most r ei- te por caus a dos muitos
que são cons u m i d o s pelo fogo. A face do precipício, é por
caus a dos muitos hom e n s que morr e r a m ao desc e r dos
topos das árvor e s ou que caíra m em ter ríveis precipícios e
per d e r a m suas vidas, e vira m a Mort e na form a e um
terrível precipício. A face da espa d a é pelos muitos que
30

mor r e r a m em gue r r a s atr av é s da espa d a , e vêem a Mort e


como uma esp a d a . A face do gra n d e rio furioso é pelos
que pere c e r a m ao cruza r as águ a s e fora m levado s por
elas, e vira m a Mort e ant e s de seu tem po. A face de mar
furioso é pelo que caír a m no mar e se torn a r a m náufr a g o s
e fora m engolidos por ele e viram a Mort e como o mar. O
trovão intoler áv el e o terrível raio é pelos que no
mom e n t o de ira encon t r a r a m - se com o trovão e com o raio
par a pre n d e r aos hom e n s , e assim vêem a Mort e. Mostr ei-
te tam b é m os vene n o s o s anim ai s selvag e n s , áspid e s e
basiliscos, leopa r d o s e leões, ursos e víbor a s, em res u m o
a face de toda fera selvag e m que eu te most r ei, ó justo, é
pelos muitos que são dest r uí d o s por feras selvag e n s , e
outro s por cobr a s vene no s a s que retir a m a vida e fazem
mor r e r . Tamb é m te most r ei os dest r ui d o r e s copos de
vene n o porq u e muitos hom e n s são enve n e n a d o s por outro
e deixa m est a vida inesp e r a d a m e n t e .
Capít ulo 30
Abraão disse, rogo- te, existe uma mort e inesp e r a d a ?
Diga- me. E a Mort e disse, verd a d ei r a m e n t e digo- te que
existe sete n t a e dois tipos e mort e. Uma é a mort e justa,
pag a no tem p o det e r m i n a d o , e muitos hom e n s em uma
hora ent r a m na Mort e sendo lança d o s no túm ulo. E agor a
cont ei- te tudo que me per g u n t a s t e , e digo- te, justo
Abraão, desist e de todo cons el ho, e par e de per g u n t a r
sobr e tudo, e venh a comigo, como o Deus e juiz de toda s
as coisas me orde n o u . Abraã o disse à Mort e, saia daq ui
um pouco par a que eu desc a n s e em minh a cam a, pois
estou muito aflito no coraç ã o, pois desd e que eu e vi meu s
olhos e minh a força se desva n e c e r a m , e todo o meu corpo
par e c e ter ficado pesa d o a mim, e meu espírito est á
extre m a m e n t e angu s ti a d o . Deixe- me um pouco; pois já
disse não pode r supor t a r tua form a. Então Isaac seu filho
veio chor a n d o e caiu sobr e seu peito, e sua espos a Sara
31

veio e abr a ç o u a seus pés, lame n t a n d o ama r g a m e n t e .


Tamb é m seus servos e serva s se aproxim a r a m e rode a r a m
sua cam a e lame n t a v a m gra n d e m e n t e . E Abra ão caiu na
indifer e n ç a da Mort e, e a Mort e disse a Abraão, venh a
tome, minh a mão, par a que a força volte a ti. Então a
Mort e eng a n o u Abraã o, e he tomou sua mão, e
imedia t a m e n t e sua alma se pre n d e u à ela. E
imedia t a m e n t e o arca njo Miguel veio com uma multid ão
de anjo se tom a r a m sua precios a alma e a reves ti r a m com
linho, e emb al s a m a r a m o corpo do justo Abra ão óleos e
perfu m e s divinos até o terc ei r o dia após sua mort e, e o
ent e r r a r a m no luga r da prom e s s a junto o carval ho de
Mam r e , mas os anjos rece b e r a m sua precios a alma, e
subiu ao céu, cant a n d o o hino do "três vezes santo" ao
Senh o r Deus de tudo, e eles o coloca r a m par a ador a r ao
Deus e Pai. E depois de gran e louvor e glória foi dado ao
Senh o r, e Abraão abaixou- se par a ador a r , e surgiu a
imacul a d a voz do Deus e Pai dizen do assim, levem meu
amigo Abraão par a o Par aíso, onde est ão o tabe r n á c u l o s
de meus justos, e as mor a d a s dos meus santos Isaac e
Jacó, onde não há preoc u p a ç õ e s , nem angú s ti a, nem
suspir o s, mas paz e regozijo e vida sem fim. (E que meus
ama d o s irmão s, imite m a hospit alid a d e do patri a r c a
Abraão, e alca nc e a sua virtuos a man ei r a de viver, par a
que poss a m ser ach a d o s dignos da vida eter n a ,
glorifica n d o o Pai, o Filho e o Espírito Santo; a que m seja
a glória e pode r par a sem p r e . Amém.) Mas Deus reto r n o u
e rem ov e u a alma de Abraão como em um sonho, e o
arca njo Miguel o tomo u e o levou par a os céus. E Isaac
ent e r r o u seu pai ao lado de sua mãe Sar a, glorifica n d o e
louva n d o Deus, porq u e a ele é devido a glória a honr a e a
ador a ç ã o , do Pai, do Filho e do Espírito Sant o, agor a e
sem p r e e por toda e a eter ni d a d e . Amém. Fim

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