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Luís Vaz de Camões (1525?

- 1580)

Informações sobre a BIOGRAFIA relativamente escassas e pouco seguras (número


limitado de documentos, breves referências dos contemporâneos).

É difícil distinguir aquilo que é realidade, daquilo que é mito, criado em torno da sua
vida:

→ Data de nascimento, local, deduzidos a partir de uma Carta de Perdão real de


1553.

→ Família teria ascendência galega, embora se tenha fixado em Portugal séculos


antes.

→ Pensa-se que estudara em Coimbra.

→ 1549-51: Serviu como soldado em Ceuta, aí perdendo um olho.

→ 1552: De regresso a Lisboa, preso durante oito meses por ter ferido, numa
rixa, Gonçalo Borges, um funcionário da corte, seguindo depois para a Índia.

→ Serviu no Oriente, ora como soldado, ora como funcionário, pensando-se que
esteve mesmo em território chinês (Provedor dos Defuntos e Ausentes, a partir
de 1558?).

→ 1560: Estava de novo em Goa, convivendo com algumas das figuras


importantes do tempo (vice-rei D. Francisco Coutinho ou Garcia de Orta).

→ 1569: Iniciou o regresso a Lisboa.

→ 1570: O historiador Diogo do Couto, amigo do poeta, encontrou-o em


Moçambique, onde vivia na penúria. Com outros antigos companheiros,
conseguiu o seu regresso a Portugal.

→ 1572: D. Sebastião concedeu-lhe uma tença, recompensando os seus serviços


no Oriente e o poema épico que entretanto publicara, Os Lusíadas.

→ Camões morreu a 10 de Junho de 1580, ao que se diz, na miséria.


Obra publicada em vida do poeta:

→ 3 poemas líricos;

→ 1 ode ao Conde de Redondo;

→ 1 soneto a D. Leonis Pereira, capitão de Malaca;

→ o poema épico Os Lusíadas.

Foram ainda representadas as peças teatrais:

→ Comédia dos Anfitriões (publ. 1587),

→ Comédia de Filodemo (publ. 1587),

→ Comédia de El-Rei Seleuco (publ. 1645)

Um volume que o poeta preparou, intitulado Parnaso, foi-lhe roubado.

Poesia lírica:

→ Redondilhas, sonetos, canções, odes, oitavas, tercetos, sextinas, elegias e


éclogas.

→ Conciliou tradição renascentista (forte influência de Petrarca, no soneto) com


aspectos maneiristas.

→ Noutras composições, aproveitou elementos da tradição lírica


nacional/popular, numa linha que vinha já dos trovadores e da poesia palaciana,
como p. ex. nas redondilhas

«Descalça vai para a fonte» (dedicadas a Lianor),

«Perdigão perdeu a pena», ou

«Aquela cativa» (que dedicou a uma sua escrava negra).

→ Tom pessoal que conferiu às tendências de inspiração italiana.

→ Renovação da lírica mais tradicional.


Poemas de temática amorosa:

→ Solução para as muitas lacunas em relação à vida e personalidade do poeta?

∙ Cf. a relação amorosa com Dinamene, uma amada chinesa que surge em
alguns dos seus poemas, nomeadamente no soneto «Alma minha gentil
que te partiste».

∙ Cf. a sua experiência de guerra e do Oriente, como a ilustra a canção


«Junto dum seco, duro, estéril monte».

→ Tratamento dado ao tema do amor:

Adopção do conceito platónico do amor (herdado da tradição cristã e da


tradição e influência petrarquista); princípios básicos:

∙ identificação do sujeito com o objecto de amor («Transforma-se


o amador na cousa amada»);

∙ anulação do desejo físico («Pede o desejo, Dama, que vos veja /


Não entende o que pede; está enganado.») e

∙ ausência como forma de apurar o amor.

Conflito com a vivência sensual desse mesmo amor. À maneira


petrarquista, o amor é visto como fonte de contradições.

Cf. «Amor é um fogo que arde sem se ver»:

contradição entre vida - morte,

água - fogo,

esperança - desengano.

Amor é inefável, mas, assim mesmo, fundamental à vida humana.

CONCEPÇÃO DA MULHER:

→ Em ligação com a temática amorosa e com o tratamento dado à


natureza. Natureza, classicamente vista como harmoniosa e amena,
associa-se a ela:

∙ como fonte de imagens e metáforas,

∙ como termo comparativo de superlativação da beleza da mulher,


∙ à maneira das cantigas de amigo, como cenário e/ou confidente
do drama amoroso.

→ Oscila igualmente entre

∙ o pólo platónico (ideal de beleza física, espelho da beleza


interior), representado pelo modelo de Laura, que é predominante
(cf. «Ondados fios de ouro reluzente» e «Um mover d'olhos, ...)

∙ o modelo renascentista de Vénus.

Outros temas tratados nos poemas:

→ O desconcerto do mundo (expresso no soneto «Verdade, Amor, Razão,


Merecimento» ou na esparsa «Os bons vi sempre passar / no mundo graves
tormentos»).

→ A passagem inexorável do tempo com todas as mudanças implicadas, sempre


negativas do ponto de vista pessoal (como no soneto «Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades»).

→ As considerações de ordem autobiográfica (como nos sonetos «Erros meus,


má fortuna, amor ardente» ou «O dia em que eu nasci, moura e pereça», que
transmitem a concepção desesperançada, pessimista, da vida própria).

Poesia épica, Os Lusíadas:

→ Poema épico (seguindo os modelos clássicos e renascentistas) em 10 cantos,


escrito entre 1553 1570 na Ásia, publicado em 1572.

→ Pretende fixar para a posteridade os grandes feitos dos portugueses no


Oriente. Veio a ser considerado o grande poema épico nacional.

→ Relata a viagem de Vasco da Gama à Índia, tomando-a como pretexto para a


narração da história de Portugal, intercalando episódios narrativos com outros de
cariz mais lírico, como é o caso do da «Linda Inês».

→ Trata de emular as obras dos antigos (Homero, Vergílio), aproveitando a


mitologia greco-romana, fundindo-a com elementos cristãos, o que, na época, e
mesmo mais tarde, gerou alguma controvérsia.

→ Ao contrário do que acontece na Eneida, não se cantam as façanhas de um


único herói, mas sim as de um povo inteiro.
→ Não se canta somente a descoberta do caminho marítimo à Índia, mas
também toda a história portuguesa desde um pai mitológico "Lusus" até aos dias
de Camões.

→ Como na Ilíada há uma discórdia entre os deuses sobre a valorização das


façanhas portuguesas, estando Vénus e Marte no lado dos portugueses.

→ Vénus compara os portugueses com os romanos.

Múltiples contradições:

→ O humanista Camões mostra-se adepto de valores feudais, que o humanismo


tinha questionado.

→ Condena os descobrimentos, que são o tema principal da obra, para propagar


a guerra contra os infiéis na África do Norte.

→ Elogio do povo português apenas através dos reis (enquanto Fernão Lopes já
falara do povo como actor principal da história, cf. Crónica del Rei D. João I).

→ Tratamento do tema mais retórico do que épico.

→ Verdadeiro dramatismo e plasticidade só nas partes mitológicas.

Ilha dos Amores, significado alegórico:

→ Glorificação pela memória da história, as honras que imortalizam a vida.

→ Prémio que os navegantes receberão pelos altos feitos realizados.

Influência e recepção

→ Toda a obra de Camões influenciou a posterior literatura portuguesa, de


forma particular durante o Romantismo.

→ Séc. XIX: realistas colaboraram na preparação das comemorações do


terceiro centenário da morte, para que a figura de Camões permitisse uma
renovação política e espiritual de Portugal.

→ Jorge de Sena rescata a obra de Camões da sua instrumentalização pelo


Estado Novo.
Camões e a realidade cultural

Silva Dias, Camões no Portugal de Quinhentos:

“[Camões foi], de certo modo, um exilado da realidade cultural e política da nação a que
pertencia. [...] Tem interesse notar-se que um acontecimento maior da expansão
portuguesa, o descobrimento do Brasil, quase não encontrou eco na obra camoniana. O
Génio não se apercebeu de que esse facto (juntamente com as descobertas dos espanhóis
e a viagem de Magalhães) deram o último empurrão para o túmulo a toda uma ciência,
uma cultura, uma epistemologia milenárias. Não era só um Novo Mundo que acrescia
ao Velho Mundo - era, verdadeiramente, um mundo novo que nascia.”

“Nem na épica, nem na lírica, nem no teatro de Camões se nos depara uma consciência
clara e distinta do salto epistemológico que os Descorbrimentos desencadearam na
cultura europeia.”

[Camões desconhecia De revolutionibus orbium coelestium (1543) de Copérnico.]


(Lisboa: Biblioteca Breve, ICLP 1981, 87)

António José Saraiva, Luís de Camões – Estudo e Antologia, Lisboa Bertrand 1980:

[Ideologia de Camões não vai além da doutrina social e política mais corrente nos
humanistas. Neste sentido, Sá de Miuranda foi mais atrevido do que ele. Na época de
Quinhentos concebe-se um bem público que ao rei cabe garantir, subordinando-se-lhe.
Camões censura os que antepõem a esse bem público o interesse particular (cf.
Lusíadas, Cantos VI-X).]

Eduardo Lourenço, Poesia e Metafísica, Lisboa: Sá da Costa 1983:

“[O sentido mais profundo d’Os Lusíadas é] a maneira como a aventura portuguesa
toma consciência de si, ao mesmo tempo como aventura real e aventura inacessível” [ou
seja, como uma procura da verdade]. [É] “a consciência aguda do seu tempo histórico
como tempo de agonia dos próprios valores históricos”.
BIBLIOGRAFIA CAMÕES

Algumas Edições

Os Lusíadas. Ed. comentad por A. Epifânio da Silva Dias. Porto 1910.

Os Lusíadas. Ed., com introd. e notas de António José Saraiva. Porto: Figueirinhas 1979.

Obras Completas. Pref. e notas de Hernâni Cidade. Lisboa: Sá da Costa 1946, 31962.

Lírica. 3 vols. Texto estabelecido por Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra: Atlântida 1973.

Os Lusíadas de Luís de Camões. Ed. org. por Emanuel Paulo Ramos. Porto. Porto Editora.

Versos e alguma prosa de Luís de Camões. Pref. e sel. de textos de Eugénio de Andrade.
Lisboa: Moraes 41978.

Selecção de Estudos

Benedito, Silvério 1997. Para uma Leitura de Os Lusíadas de Luís de Camões. Lisboa:
Presença.

Borges, Jorge Luís 1993. Destino e Obra de Camões. Trad. de Miguel Viqueira. Amarante:
Tâmega.

Braga, Teófilo 1891. Camões e o Sentimento Nacional. Porto: Chardron.

Camlong, André 1985. La poetique de Camões dans le chant VI des Lusiades ou l'art
consomme de l'epopae et du raisonnement ou le discours poetique et politique humaniste.
Lisboa: Gulbenkian.

Cidade, Hernâni 1957. O Conceito de Poesia como Expressão de Cultura. Coimbra: Amado.

------ 31967. Luís de Camões, o lírico. Lisboa: Bertrand.

------ 31968. Luís de Camões, o épico. Lisboa: Bertrand.

Coelho, Jacinto do Prado 1983. Camões e Pessoa - Poetas da Utopia. Lisboa: Europa-América.

Cunha, A. Geraldo da 1966. Índice Analítico ao Vocabulário de Os Lusíadas. Rio do Janeiro:


Instituto Nacional do Livro / MEC.

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Breve.

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Lausberg, Heinrich 31982. Elementos de Retórica Literária. Trad., pref. e adit. de R. M.


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Lourenço, Eduardo 1983. Poesia e Metafísica - Camões, Antero, Pessoa. Lisboa: Sá da Costa.

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