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Giovana del Prette 53-71

www.revistaperspectivas.com.br
ISSN 2177-3548

Treino didático de análise de contingências e previsão de


intervenções sobre as consequências do responder
Didactic training of contingency analysis and prediction of
interventions on the consequences of responding
Giovana Del Prette1
[1] Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento e Universidade de São Paulo (USP), Brasil | Título abreviado: Análise e intervenção: O controle pelas con
sequências | Endereço para correspondência: Giovana Del Prette. Rua Wanderley, 611. CEP: 05013-000. São Paulo, SP. | E-mail: gdprette@gmail.com

Resumo: O objetivo deste artigo é ensinar o passo a passo da construção de quadros de


tríplice contingência, a partir da elaboração de hipóteses funcionais a respeito das relações
entre respostas, seus antecedentes e suas consequências. O texto contém diversas pergun
tas grifadas, sinalizando que o leitor deve respondê-las antes de prosseguir. Inicialmente, a
partir de exemplos simples, são discutidas as questões necessárias à elaboração de análises
de contingências e, aos poucos, são colocados exemplos mais complexos. Estes requerem
a compreensão de que, em situações não controladas, as respostas usualmente produzem
múltiplas consequências, sobrepondo ou alternando reforçamento, punição e extinção. Em
uma segunda etapa, apresenta-se também um exercício de previsão dos efeitos de interven
ções sobre as consequências do responder. São enfocadas a modelagem e o reforçamento
diferencial a partir do relato do cliente e dos seus comportamentos na própria interação
terapêutica. Ressaltando a importância do reforçamento natural, o trabalho se encerra com
a apresentação das prováveis mudanças do cliente no exemplo hipotético, a partir das inter
venções levantadas.
Palavras-chave: análise de contingências, hipótese funcional, intervenção, modelagem, re
forçamento natural

Abstract: The aim of this article is to teach how to develop triple contingencies tables, ba
sed on functional hypotheses about the relationships between responses, its antecedents and
consequences. The text has a number of highlighted questions that should be answered by
the reader. Beginning with simple examples, the issues necessary for the development of
contingency analysis are discussed and gradually more complex examples are presented. The
last requires an understanding that, in uncontrollable situations, responses usually produ
ce multiple effects, overlapping or alternating reinforcement, punishment and extinction.
Afterwards, an exercise about predicting the effects of interventions over the consequences
of responding is presented. Focus on modeling and differential reinforcement, based on the
client’s relates and his behavior in the very therapeutic interaction, are provided. Emphasizing
the importance of natural reinforcement, the work is concluded presenting the likely changes
of the client in the hypothetical example, based on the interventions gathered.
Keywords: contingency analysis, functional hypothesis, intervention, modeling, natural
reinforcement

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71
O objetivo deste artigo é ensinar ao analista hospital (Psicologia Hospitalar), as em presas
do comportamento em formação, de modo (Psicologia Organizacional) e assim por dian te.
didático, a construir quadros de tríplice A clínica também especifica um setting –
contingência, cole tando de forma precisa e cultu ralmente determinado – que ocorre por
suficiente as informações necessárias e meio de
elaborando hipóteses funcionais a respeito
das relações entre respostas, seus ante
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cedentes e suas consequências. A partir de
exem plos simples, o texto pretende conduzir uma interação face a face, individual e de
o leitor a formular contingências cada vez gabinete, embora tenha suas variações,
mais complexas, especialmente no campo como o acompanha mento terapêutico e a
das consequências. Este, como se sabe, em terapia em grupo. Essa intera ção especial é
situações não controladas expe composta de um indivíduo (o pacien te) que
rimentalmente, costuma incluir diferentes procura ajuda para um problema e outro (o
esque mas de reforçamento, com terapeuta) que deve prover condições para
componentes de extin ção, punição, reforços aliviar seu sofrimento e melhorar seu
positivo e negativo, que se sobrepõem e funcionamento co tidiano (Garfield, 1980).
formam a singularidade da ontoge nia de Além disso, embora haja variações no
cada ser humano. Em uma segunda etapa, método e na interpretação dos fenô menos
apresenta-se também um exercício de psicológicos, os objetivos da clínica são, em
geral, alcançados primariamente por meio de
previsão de intervenções sobre as
conta to interpessoal, via interação verbal
consequências do respon der, com foco na
entre terapeuta
modelagem e no reforçamento diferencial a
partir do relato do cliente e dos seus e cliente (Kazdin, 1988; Kazdin & Weisz,
comportamentos na própria interação 2003). Posto isso, entende-se que esta
terapêutica. prática se am para em um modo de
Ao longo do texto, são formuladas perguntas ao compreender o mundo – a filosofia do
leitor (destacadas em itálico), com o intuito de behaviorismo radical – e em um corpo de
que ele mesmo elabore suas respostas conhecimentos cientificamente produzidos - a
(pensando, discu tindo com colegas ou análise do comportamento -, coerente com
escrevendo em folha à parte) antes de dar esta fi losofia (a esse respeito, ver, por
continuidade à leitura. Assim, a orga nização exemplo, Carrara [2005] e Tourinho [1999]).
deste material pretende, adicionalmente, Segundo Lattal (2005), um dos objetivos da
favorecer um treino das habilidades de análise do comportamen to, enquanto
raciocínio do analista em formação, ciência, é “desenvolver princípios
condizente com os pres supostos teóricos comportamentais gerais que podem ser
brevemente explicitados a seguir. aplicados igualmente a humanos e a não
Somos terapeutas analítico- humanos” (p. 16). Tais conhecimentos são
comportamentais à medida que temos uma produzidos por meio de pesquisas básica e
prática profissional clínica guiada por uma aplicada. Na pesquisa básica, os
filosofia denominada behaviorismo radical e comportamentos do pesquisador estão sob
pela ciência da análise do comportamen contro le da produção final de novos
to (Meyer, Del Prette, Zamignani, Banaco, conhecimentos e do desenvolvimento de
métodos e técnicas para análi se, previsão e
Neno & Tourinho, 2010; Sturmey, 1996).
controle do comportamento. Na pes quisa
Dessa afirmativa, deriva-se muito do que
aplicada, o pesquisador também se comporta
precisamos saber e apren
sob controle da produção de conhecimento,
der para a nossa formação enquanto mas com um foco mais direto em questões
profissionais. Enquanto prática profissional práticas. Um dos resultados das primeiras
clínica, queremos especificar um campo que pesquisas básicas, conduzidas por Skinner e
possui certas caracterís ticas e para o qual o sua equipe de pesquisadores, foi a
terapeuta analítico-comporta mental possui constatação de relações entre as respostas
as ferramentas necessárias. A clínica, dos organismos e suas consequências (e.g.,
portanto, delimita uma das diversas Sidman, 2001; Skinner, 1938). Estas pesquisas
possibilidades de prestação de serviços, são ditas empíricas. O empirismo se refere à
como a escola (Psicologia Escolar), o uti lização de métodos científicos tradicionais
(aque les originários do empirismo filosófico), sob a forma esquemática da tríplice contin
de modo que as teorias científicas gência. Usualmente, interações são
produzidas se baseiam na observação do compostas de longas cadeias de respostas,
mundo, e não na intuição ou na fé. Em em que a resposta de um indivíduo é
outras palavras, a relação entre respostas e antecedente ou consequência para a do
suas consequências é oriunda de outro. Para fins de análise (decomposição em
observação sistemáti ca (com controle de fatores), a tríplice contingência corresponde a
variáveis), de modo que esta relação é um um
fato, e não uma suposição ou elabo ração.
Consequências de uma resposta operante
Análise de Contingências
www.revistaperspectivas.com.br Pense como você selecionaria e descreveria
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os com portamentos a seguir:
- Um gato em uma caixa experimental,
puxan do uma corda com sua pata.
retroagem sobre ela, aumentando ou
- Um bebê chorando porque “gosta de
diminuindo a sua probabilidade, o que
fazer ma nha”.
caracteriza o compor tamento operante. O
- Um menino birrento de sete anos, com
comportamento operante é didaticamente
descrito em termos de uma tríplice auto estima baixa.
contingência, composta de antecedentes Perceba que os exemplos acima não
(estímulos discriminativos e operações necessa riamente incluem todos os termos da
estabelecedoras, quan tríplice con tingência, nem mesmo estão
do houver), respostas e consequências. Dos descritos da melhor maneira para que o
muitos atributos do comportamento ope terapeuta em formação possa prosseguir em
rante dos organismos, alguns são de sua análise. Foram assim colocados de
especial inte resse neste artigo, a saber: modo proposital, pois muitas vezes, devido
- A capacidade das respostas serem ao repertório (ainda incipiente) de descrição
afetadas pelas consequências é de even tos, os clientes podem trazer
determinada filogeneti camente. também informações incompletas, análogas
- As relações específicas que são a estes exemplos. Nesses ca sos, o
estabelecidas entre resposta e terapeuta tem duas opções básicas, atuando
consequência são determinadas simultaneamente sobre ambas na maior parte
ontogeneticamente. das vezes. A primeira é preencher as “lacunas”
Tais relações podem ser classificadas da trípli ce contingência com hipóteses
funcionais. Para isso, pode lançar mão de
como re forçamento (positivo ou negativo),
tantas hipóteses quantas forem necessárias
punição (posi tiva ou negativa) e extinção
e plausíveis, levando em conta todas as
operante.
informações de que dispuser. A segunda,
O empirismo não apenas especifica o método
de produção do conhecimento, como também
comple mentar, é organizar-se para coletar, de
algum modo, as informações omissas - o que
uma posição filosófica, segundo a qual este
conheci mento vem do mundo observável, e o leva a fortalecer ou a refutar algumas das
não das ideias (ou mente, consciência, hipóteses já aventadas, a criar novas
psiquê, alma e afins). Este aspecto é, pois, hipóteses ou a complexificá-las. Vamos
verificar como isso se dá a partir do primeiro
coerente com outros atributos do
exem plo, mais simples: “Um gato em uma
behaviorismo radical, como o monismo (em
gaiola expe rimental, puxando uma corda
opo sição ao dualismo mente-corpo). Sendo
com sua pata”. Qual seria a organização
assim, na clínica, o método de coleta de
didática desta informação? Observe:
dados do analista (prestador de serviços)
também deve ser, primor dialmente, a
observação do comportamento, orga nizado Antecedente Resposta Consequência
recorte da menor treino de observação analítico- de uma corda
unidade funcional deve fazer parte da comportamental. Puxar uma corda
dessas cadeias. O formação do terapeuta Gaiola experimental Presença ?
Ele inclui algumas habilidades, a começar No campo da resposta, preenchemos a ação
pela ha bilidade de selecionar um do gato, puxar uma corda. Sabemos também
comportamento-alvo (incluindo respostas e onde o gato se encontra, um contexto mais
estímulos) e de descrever acuradamente amplo ou a gaio la experimental, descrita em
este comportamento. O analista em termos de antecedente, em que também
treinamento pode iniciar este treino a partir de acrescentamos outros estímulos re levantes, ou
comportamentos simples, de organismos o contexto mais específico, a presença de
humanos ou não, conforme será uma corda que possa ser puxada. Note que,
apresentado a seguir. muitas vezes, não é necessário que o
antecedente seja algo

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“acontecendo” no mundo, mas somente algo se assemelha à “esquiva sem sinais de aviso”,
“pre sente” no mundo. Lembrar-se disso descri ta por Sidman (2001):
facilita a identi ficação das informações Uma vez que tenham aprendido [a pospor
necessárias para este campo. cho ques], eles pressionam a barra com
Quanto às consequências, não temos frequência suficiente para receber
qualquer informação a preencher (isto é muito choques apenas ocasio nalmente.
comum; clien tes raramente descrevem as Macacos ficarão dias sem um choque,
consequências de com portamentos !). Então
1 raramente diminuindo o suficiente a
lançamos mão de hipóteses. Uma vez que velocidade para receber um lembrete da
puxar uma corda dificilmente seria um contingência. Eles comportam-se com
comportamento respondente, nossa primeira uma persistência e uma compulsividade
per gunta pode ser: o que mantém a que se assemelha ao compor tamento
resposta? Será um reforço positivo (o gato patologicamente rígido e inflexível que
ganha algo) ou negativo (o gato elimina frequentemente vemos ao nosso redor –
algo)? Em seguida, podemos observar o algu mas vezes em pessoas que, quanto
gato ou perguntar ao experimentador (e ao resto, são normais. Com esquiva não
confiar na precisão de seu relato). Talvez sinalizada, o que o sujeito faz parece
notemos que pu xar a corda não acrescenta completamente não relacio nado a
nada ao ambiente do gato que possa ser qualquer coisa mais. (pp. 144-145)
detectável pelo observador, mas não puxá-la Passemos ao segundo exemplo, ligeiramente
sistematicamente leva à ocorrência de um mais complexo - “Um bebê chorando porque
choque pelas grades do chão da gaiola. ‘gosta de fazer manha’” -, outra descrição
Como você operacionalizaria esta não apenas in completa, mas com atribuições
contingência, agora completa? Veja: causais mentalistas: diz-se que o bebê chora
porque gosta de fazer ma nha e que faz
Antecedente Resposta Consequência manha quando está chorando; neste
Gaiola experimental Presença Pospor choque (Sr-)1 variáveis am bientais. pode levar o analista
de uma corda
Puxar a corda com a pata círculo vicioso, Além de ser uma pouco experiente a
perdemos de vista as explicação equivocada, supor que
Agora temos uma contingência retirada de estímulo reforçador
razoavelmente completa, em uma situação negativo). Como você descreveria o quadro
experimental simples. Em resumo, acima? Observe:
buscamos características do contexto Em uma gaiola experimental, a presença de
(antecedente), verbos indicativos das ações uma corda é ocasião para que o gato puxe esta
do su corda com a pata e, como consequência,
jeito (resposta) e alterações ambientais posponha um choque (Sr-), programado
resultantes de tais ações (consequência), experimentalmente para ser libe
especificando sua fun ção (no caso, Sr-, rado a cada x intervalo de tempo e adiado por
meio desta resposta. cuidadores: “Para quem o bebê faz manha?”
Exemplos de reforçamento negativo do tipo Assim, obtemos a resposta de que
es quiva podem parecer mais difíceis de precisávamos. Mas ainda não é uma
serem anali sados, uma vez que não se garantia de que esta verbalização esteja bem
observa a ocorrência da estimulação formulada, como em: “Ah, ele faz manha para
aversiva. O exemplo aqui apresentado todo mundo”. Essa descrição dos pais sobre
o comporta
1 Nossa cultura costuma referir sentimentos como causa mento do bebê pode ser uma regra 2
dos comportamentos e um dos efeitos desta prática é
o obscure cimento dos termos ambientais da
corresponden te, se a manha é bastante
contingência. generalizada. No entanto, é (mais
provavelmente) não correspondente, se os
cuidadores não são bons observadores (no
Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 56 caso, a generalização é deles) ou se eles
“gostar de fazer manha” seria uma não têm acesso a todas as interações
consequência do chorar. Com estas poucas possíveis do bebê para chega rem a esta
informações, como pode ríamos preencher conclusão categórica. Como você testaria a
corretamente o quadro da tríplice veracidade do dado de que o bebê faz manha
contingência? “para todo mundo”? Que perguntas poderiam
Observe: ser feitas aos pais?
Antecedente Resposta Consequência Seguem algumas opções:
- O bebê faz mais manha com algum dos
? Bebê chorando pais? (Funções da pergunta: (a) obter
?
(“manha”) dados e, pela

Note que toda a frase só indica a resposta do suas regras sobre o bebê e atentarem
bebê. A manha, aqui, não passa de uma mais para ele nessas situações.)
maneira alternativa (e ainda menos - Quando o bebê faz manha, qual é a sua
descritiva) de se afir mar que o bebê chora. condi ção em relação aos eventos
Precisamos nos perguntar a respeito do ambientais não so ciais? (Por exemplo, o
antecedente, ou seja: quando e em que bebê está mais agasalha do ou menos do
contextos o bebê chora? Neste caso, temos que o supostamente necessário
uma pis ta, derivada de algumas em relação à temperatura ambiente? Ou
características socialmente atribuídas à há in dícios de privação alimentar,
palavra manha: este termo é usualmen te considerando a passagem do tempo
referido a certas ações que produzem entre sua última refeição e o início do
impacto sobre outra pessoa de um modo choro?)
específico. Não se pode fazer manha para Veja uma possível descrição de
ninguém ver; isso não se ria manha, mas contingências que podemos obter a partir
alguma outra coisa. Logo, pode-se supor a destas perguntas, su pondo que as manhas
presença de alguém no contexto em que ocorram mais com a mãe do que com o pai e
não com a educadora. A título de ilustração,
vamos supor também que nossas per guntas
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resposta do bebê: balbuciar/brincar.

essa resposta ocorre. Perguntamos aos Antecedente Resposta Consequência


comparação, (b) alterar a descrição de que as pergunta: (a) obtenção de dados sobre o
manhas são iguais e indiscriminadas.) - Com acesso dos pais a ou
quem o bebê passa os dias, além dos pais
Presença da mãe Bebê chorando
(e.g., babá, educadora, tios e avós)? Por ?
quanto tempo os pais já observaram o bebê (“manha”) muitas
interagin do com essas pessoas? Em quanto vezes
Bebê balbuciando,
deste tempo ocorreram birras? (Funções da brincando
Presença do pai Bebê chorando Bebê balbuciando,
? brincando
(“manha”) pouco
tras interações; quanto questionamento, - Quando o bebê não Presença da educadora
menor o acesso, maior também colocar a faz manha? O que Bebê chorando (“manha”) rara
mente
a chance de a descrição em mais ele faz em vez Bebê balbuciando, brincando
descrição ser cheque.3) disso? (Funções da ?
imprecisa; (b) pelo pergunta: (a)

obtenção de dados sobre contingências Agora já temos mais informações do que


de “não manha”; (b) levar os pais a no início, mas ainda podemos levantar outras
lembrarem-se de tais contingências para, bastante importantes, como, por exemplo,
eventualmente, mudarem horários em que a manha ocorre e outros
aspectos que a tornam mais prováveis, como
fome, sede, frio, desconforto, ba
2 Note que as descrições verbais aqui estão sendo
rulho, sujeira, sono ou isolamento social. Por
tratadas como regras no sentido Skinneriano, ou seja,
são descrições de contingências (Skinner, que a presença da mãe faria o bebê emitir o
1957/1992). Nesse sentido, essas descrições choro “do tipo manha” em maior frequência
fornecem estimulação suplementar às contingên do que a presença do pai e, mais ainda, da
cias e, no exemplo, os pais podem se comportar em educadora? Esta pergunta é muito
relação ao bebê, em parte, sob controle das regras
interessante pois, embora não saibamos as
que têm sobre seu comportamento. Para saber mais,
recomenda-se a leitura de Meyer (2000). consequências dessas respostas em cada
contexto, a variação da frequência nos diz que
3 Neste caso, percebemos o quanto a coleta de dados
já é, em certa medida, uma intervenção. Isto também
provavelmente a mãe reforça mais a manha
significa que devemos ter cautela e planejar o método do que o pai - o qual, por sua vez, reforça
de coleta, para não levar a intervenções precipitadas. mais do que a educadora. Mas

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qual seria a consequência reforçadora por que o bebê faria mais manha com a mãe
liberada por cada um? Lembre-se da mesma do que com o pai? Esta seria a próxima
pergunta feita no exemplo do gato: haveria pergunta essencial. Podem existir outras
reforçadores positivos? E negativos? inúmeras variáveis na raiz desta explicação.
Quem já atendeu, observou ou cuidou de Uma delas inclui a magnitude do reforço, a
um bebê terá relativa facilidade em obter partir da topografia do “pegar no colo”. Em
dados sobre as consequências por meio de outras palavras, a mãe pega no colo, aperta,
observação. O bebê suja a fralda, chora, a faz carinho, canta, conversa e embala o bebê.
mãe se aproxima, checa e troca a sua fralda. Enquanto
Mas, neste caso, não estaríamos falando de isso, o pai pega no colo e somente espera,
manha e sim de um início de comunica conver sando pouco. Outra variável pode ser
ção (e.g., “Estou sujo, me troque”), dentro de o tempo de contato do bebê com a mãe em
suas capacidades para a idade. Para se relação ao pai. Mas, para fins didáticos,
caracterizar ma nha ou birra, tipicamente (a) enfatizaremos a diferença entre o reforço
o reforço social deve estar presente e ser o dado para a manha e para outras respos tas
principal reforço, ainda que não sozinho e/ou (no caso, balbuciar e brincar). Novamente,
(b) o reforço negativo se relaciona à via observação, devemos ir atrás não
fuga/esquiva de algum tipo de demanda apenas das con tingências relacionadas ao
também social. problema, mas das con tingências de
Observe: comportamentos alternativos:
Antecedente Resposta Consequência

Antecedente Resposta Consequência 1.Bebê chorando (“manha”) 1.Mãe pega no colo, aperta,
Presença da mãe muitas faz
Presença da mãe educadora
Bebê no berço Bebê no berço
vezes
2.Bebê balbuciando,
brincando
Presença do pai
Bebê no berço

1.Bebê chorando
(“manha”) pouco
2.Bebê balbuciando,
Presença da
brincando
educadora
Bebê no berço
Bebê chorando
(“manha”) muitas
vezes
Bebê balbuciando,
brincando
1.Bebê chorando
(“manha”) raramente
Bebê chorando
2.Bebê balbuciando,
(“manha”) pouco
brincando
Bebê balbuciando,
carinho, can ta,
brincando
conversa e embala
o bebê (Sr+)
2.Mãe vai fazer
Bebê chorando suas coisas (Ext)
(“manha”) rara
mente 1.Pai pega no colo
Bebê balbuciando, e conversa pouco
brincando com o bebê (Sr+)
Mãe pega o bebê 2.Pai conversa com
no colo (Sr+) bebê (Sr+)
?

Pai pega o bebê no 1.Educadora


colo (Sr+) mantém o bebê no
? berço (Ext)
2.Educadora

Educadora man tém


o bebê no berço
(Ext)
?
Bebê no berço

Presença do pai
Bebê no berço

Presença da
Temos, agora, uma diferença evidente Como resultado, o bebê faz alguma manha,
entre as consequências dadas pelos pais e mas em menor frequência/intensidade
pela educadora, fortalecendo a hipótese da (comparado à situação com a mãe), uma vez
atenção social, dada de uma determinada que outras respostas também produzem o
forma (i.e., colo), como uma variável mesmo reforço.
importante na manutenção da manha do Por fim, quando o bebê está com a
bebê. O bebê, eventualmente, pode fazer educadora, ela o mantém no berço quando
manha para a educadora (reforçamento ele faz manha, caracte rizando uma relação
levando a uma ge neralização de estímulos), de extinção e, ainda, conversa e interage
mas logo aprende que, com esta pessoa, com ele quando balbucia ou brinca no berço,
manha não leva a colo (extinção levando a caracterizando uma relação de reforçamento
uma discriminação de estímulos). Mas positivo. Como resultado, o bebê raramente faz
ma nha com a educadora.
Quanto mais operacionalizada a
descrição, mais as informações são
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conversa com compreendidas, o que se torna pré-requisito
bebê (Sr+) para o planejamento da inter venção,
conforme veremos mais adiante. Algumas
dessas informações poderiam ser ainda mais
pre cisas, como, por exemplo, o significado
Agora temos as informações completas e de “muita manha” (e.g., a cada meia hora, em
pode mos descrever a tríplice contingência. média). Quanto tempo caracteriza um
Como você descreveria o quadro anterior? episódio de manha? Tem a ver com a
Faça sua tentativa, escrevendo em um papel intensidade do choro (estridente, contí nuo,
e depois leia atentamente uma forma de sem lágrimas, etc.)? Por ora, é importante des
descrevê-lo, de maneira completa e tacar que a descrição inclui: (a) os três
operacionalizada: termos da contingência, ainda que alguns
elementos possam ser descritos como
hipóteses ainda não testadas; (b) a relação
entre os termos; (c) a função das conse
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adicionais como, no caso, as contingências
associadas ao com portamento alternativo.
Quando o bebê está no berço e a mãe está por As manhas e as birras do bebê
perto, ele chora frequentemente e a mãe o dificilmente tra riam problemas para ele, do
pega no colo enquanto aperta, faz carinho, modo como foram des
canta, conversa e o embala, o que
provavelmente reforça positivamente a
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resposta de chorar, caracterizada como manha
por sua topografia e por ter como principal
consequên
cia a atenção social. Nas mesmas condições, critas neste quadro. Então, por que deveriam
quando o bebê balbucia ou brinca no berço, a ser alvo de intervenção do terapeuta? Na
mãe continua fazendo suas atividades, não análise do compor tamento, não consideramos
havendo consequên cia social para estas as respostas dos clientes como “adequadas”
respostas, o que caracterizaria extinção. ou “inadequadas”; elas simples mente
Como resultado, o bebê faz muita manha, existem e podem ser explicadas por contin
especialmente com a mãe. gências passadas (que as instalaram) e atuais
Quando o bebê está no berço e o pai está por (que as mantêm). Contudo, algumas
perto, ele também chora e o pai também o consequências das res postas podem incluir
pega no colo en quanto conversa somente um punição para si ou para o ou tro, a curto,
pouco (reforçamento positivo), mas o pai dá médio ou longo prazo. Por esse motivo, uma
atenção social a outras res postas, como resposta ou, usualmente, uma ou mais
quando conversa com o bebê balbu ciando ou classes de respostas tornam-se alvo de
brincando no berço (reforçamento po sitivo). intervenção do ana lista. A identificação das
contingências controlado ras de uma possa imaginar, uma vez que não descreve
resposta serve, em última análise, para nenhuma resposta aberta e nenhum
melhor controlá-las, ou seja, para manipular sentimento es pecífico (no máximo, sabemos
variá veis de modo a aumentar a probabilidade que deve se referir a algum tipo de sensação
de reforço positivo e a reduzir a probabilidade ruim). Quando o repertório dos analistas
de punição (am bos imediatos ou atrasados). começa a ser modelado em cursos de
Skinner (1953/1970) é categórico ao afirmar formação, contudo, não raro a “autoestima
que o controle existe, quer gostemos quer baixa” surge como descrição de algum termo
não gostemos. O objetivo da ciência do da contin gência, seja antecedente, resposta
comportamento é trazer este controle para ou consequência. Dessa forma, que
nós mesmos, da maneira menos coercitiva perguntas seriam necessárias no campo das
possível, em respostas? O que você espera obter? Sem
vez de deixá-lo ao acaso ou nas mãos de lançar mão de nenhuma hipótese incipiente,
tiranos. Posto isso, agora avançaremos mais a pri
um passo na análise, supondo que o padrão
de manha do bebê foi cada vez mais
modelado pelos pais ou por outros cuidadores, 4 Embora manha e birra sejam semelhantes,
coloquialmente parece mais provável que bebês
até que se tornou uma “criança birren ta4”, o
sejam descritos como “ma nhosos” e crianças como
que nos leva ao terceiro exemplo apresenta “birrentas”. O texto faz tal diferen ciação, passando a
do no início do texto: “Um menino birrento de partir desse ponto a utilizar o termo birra para analisar
sete anos, com autoestima baixa”. A a criança.
autoestima baixa é um termo genérico muito
utilizado em nossa cul tura, podendo se
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referir a tantos comportamentos quanto se
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meira missão do analista neste caso deveria probabilidade numa dada direção. A
ser a obtenção de dados objetivos sobre pergunta “Ele fica triste?” pode levar o
respostas aber tas (ações observáveis) e interlocutor a não considerar outras
encobertas (sentimentos e pensamentos) do propriedades para relatar (ficando sob
menino. Algumas perguntas que controle somente do triste), ou mes mo a
poderiam ser formuladas aos cuidadores responder aquilo que seria mais correto, pre
incluem: - Como é essa autoestima sumindo a opinião de quem fez a pergunta.
baixa? Fale-me mais sobre essa Com estas perguntas, vamos agora supor
autoestima baixa. um grupo de informações alocadas no
- Como ele se sente e o que ele pensa? Ele quadro a seguir:
chega a relatar isso (e para quem)? Ou é
você que per cebe, mas ele não fala?
Antecedentes Respostas Consequências
- Como ele fica quando está com As respostas do menino, agora aos sete
autoestima baixa? O que ele fica anos, possuem maior complexidade em
fazendo? relação ao cho rar na época em que era
- Quanto tempo dura esse período em que
bebê. Dadas as respostas, agora mais
você o percebe com autoestima baixa? descritivas, como você faria para inves tigar
Há momentos em que ele parece melhor os antecedentes contextuais das mesmas?
ou, ao menos, não tão pior? Como ele fica Pelo conteúdo das respostas, podemos
nesses momentos? Observe que, acima de inferir que há – no mínimo – algum tipo de
tudo, nenhuma das per guntas contém em si aversividade nes ta contingência (o que seria
algum tipo de resposta. São as chamadas uma hipótese forte). Algumas situações
perguntas abertas, que induzem o in aversivas relativamente comuns poderiam ser:
terlocutor a discorrer amplamente e sem (a) frustrações de modo geral, como receber o
direcio namento sobre determinado tema (cf. doce menor na sobremesa, dificuldades na
Hill, 1999). A diferença entre perguntar tarefa de casa ou não ser escolhido para o
“Como ele se sente?” e “Ele fica triste?” é time de futebol na aula de Educação Física;
que a pergunta aberta, como antecedente da (b) deman das de modo geral, como ser
resposta, trará menor risco de al terar a sua
solicitado a retirar os pratos da mesa após o no quarto, come
almoço, a guardar os brin quedos ou a ler sua demasiadamente,
provoca a irmã, cho
tarefa em voz alta para a classe e (c) ra e reclama sobre
demandas por relações socialmente habilido o quanto é infeliz
sas, desde interações amistosas a Encobertas: Pensa
que é infeliz e que
provocações que requereriam desenvoltura, ninguém gosta dele;
colocação de limites ou tolerância a sente raiva, tristeza
chacotas. Podemos imaginar também uma e irritação
generalização destas respostas (aliada à falta sociais mantenedoras (reforço social e/ou
de repertório, de reforço ou de oportunidade esquiva de demanda). Mas nem todas as
para respostas alternativas), levando a respostas listadas no quadro anterior
criança a emiti- -las não apenas em situações precisam se encaixar na classe de birra.
aversivas, mas tam bém nas neutras ou Talvez estejamos tratando de uma classe
amistosas, produzindo reforça mento positivo, maior ou de algumas classes diferentes,
mas também punição ou extinção de conforme o quadro se agrava. A partir do
maneira intermitente, conforme será demons exposto, como você preencheria a célula dos
trado no próximo quadro de tríplice antecedentes?
contingência. Assim, a simples presença do
outro pode ser um antecedente para
respostas de aproximação agres sivas, que
incitam uma discussão (e.g., provocar a
irmã). Além disso, como ilustrado no exemplo
do bebê, para se caracterizar uma resposta
da classe da birra, é necessária a existência
de consequências
? Abertas: Fica Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 60
? www.revistaperspectivas.com.br
quieto, tranca-se
Giovana del Prette 53-71

Observe:

Antecedentes Respostas Consequências


Receber o doce menor na Reclamar, choramingar Pensar que ninguém gosta dele
sobremesa Pais dão bronca (Sr+/Sr-)

Tarefa de casa difícil Quebrar o lápis, gritar, choramingar Mãe auxilia ou faz a tarefa por ele (Sr+/Sr-)

É preterido na escolha dos membros do Reclamar, choramingar, empurrar colega, pejorativos (Sr-), professor o retira do
time de futebol na aula de Educação isolar-se Sentir-se envergonhado time (Sr+)
Física Colegas riem dele e colocam apelidos

Frustrações Classe de birra Atenção social (Sr+) Elimina ou adia evento frustrador (Sr-)
Punição (Sr-, Sr+)

Mãe solicita que retire os pra tos da Reclamar, choramingar, emburrar e se Mãe dá sermão (Sr+/Sr-) e/ou retira os
mesa recusar a fazer pratos por ele (Sr-)

Pai manda guardar os brinque dos (Sr+/Sr-) e/ou deixa de insistir (Sr-) e empregada guarda os
Reclamar e falar que só vai guardar mais tarde Pai dá sermão brinquedos (Sr-)
Professora o escolhe para ler a lição em de lágrimas negativo” (Sr-) e/ou o libera da tarefa
voz alta na frente dos colegas Professora mantém o pedido (Ext), o (Sr-)
Choramingar, emudecer Encher os olhos ridiculariza para a sala (Sr-), dá “ponto

Demandas gerais Classe de birra e/ou oposição Elimina ou adia a demanda (Sr-); Atenção social (Sr+);
Punição (Sr-) e extinção (Ext)

Colega o chama para jogar um jogo no Aceita, mas impõe condições desiguais Colega o chama de chato (Sr-), briga
recreio que o favorecem (Sr-) e/ou o expulsa do jogo (Sr-)

Irmã usando o computador Aproxima-se e fala que é a sua vez de usar Irmã diz que não vai liberar o compu tador (Ext)

Irmã chora (Sr+) e libera computador


Irmã diz que não vai liberar o choramingando e acusando a irmã (Sr+), mãe dá bronca nele (Sr+/Sr-), ele
computador Pensa que é sempre injustiçado ganha o computador (Sr+) ou fica de
Empurra a irmã e procura a mãe castigo (Sr+)

Demandas por respostas socialmente habilidosas Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 61
Classe de birra, oposição e/ou agressão Atenção social (Sr+) / www.revistaperspectivas.com.br
ganhos especí ficos (Sr+)

Punição mais severa (Sr-/Sr+)


Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

O quadro acima traz duas novidades, em despendida pelos pais à criança enquanto
ter mos de forma de organização e dão a bronca –, as sinaladas,
representação das informações. A primeira respectivamente, como Sr- e Sr+. Deste
delas é a especificação de exemplos de modo, compreendemos mais facilmente
contingências, culminando nas clas ses como cer tas consequências aparentemente
gerais correspondentes (células em cinza). A “ruins” podem manter o responder, ou seja,
segunda delas, no último exemplo (i.e., reforçá-lo.
interação com irmã para usar o computador), Com relação à compreensão do caso, é
é um modo de mostrar cadeias maiores de neces sário fazer algumas considerações, a
resposta, quando uma consequência para partir de uma pergunta muito importante, a
determinada resposta torna-se antecedente que você pode tentar responder: Como você
para a próxima. compararia as contingências descritas
Em termos de complexificação da quando o indivíduo era um bebê e agora,
contingên cia, traz também duas condições aos sete anos? Para responder a esta
importantes. A primeira delas é que uma pergunta, você pode iniciar simplesmente
dada resposta pode pro duzir várias listando (descrevendo) as diferenças
consequências, simultaneamente ou de observadas e, em seguida, procurar as
forma alternada (especificadas pela explicações funcionais para elas. Algumas
expressão e/ou). Outra é que uma única diferen
consequência pode ter mais de uma função ças poderiam ser listadas da seguinte
(especificada nas sinaliza ções Sr+/Sr-, maneira: - Quando bebê, as
Sr-/Sr+ ou qualquer outra combina ção possibilidades de interação são menores
possível). Isso significa que tais estímulos (mãe, pai e educadora) do que aos sete
têm múltiplas propriedades, podendo haver anos (mãe, pai, professores e colegas),
funções di ferentes para cada uma delas. A bem como a diversidade de ambientes aos
consequência “Pais dão bronca”, por quais pode ter acesso o bebê (grande
exemplo, pode ter não apenas propriedades parte do tempo no berço ou no colo) e a
aversivas – o conteúdo da ação dos pais, criança (todos os espa ços da casa, sala
caracterizado como bronca –, mas também de aula, quadra, etc.).
propriedades reforçadoras – a atenção - Quando bebê, as possibilidades de
respostas birra/oposição/agressão, há alguns termos
Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 62
da contingência em que a consequência
principal é a punição ou, no mínimo, a
são mais restritas (chorar, balbuciar, extinção. Demonstra se, assim, que aquela
brincar) e as da criança são mais classe de comportamentos já detectada
variadas e complexas (conversar, fazer quando ele era bebê seria (e ainda é), sim,
lição, usar computador, jogar, praticar
esportes, etc.).
- Ainda nesse sentido, os comportamentos- www.revistaperspectivas.com.br
Giovana del Prette 53-71
alvo do indivíduo também se
complexificam: ini cialmente, pertenciam à
classe de “fazer manha” e incluíam alvo de intervenção por produzir sofrimento a
basicamente o chorar; aos sete anos, são lon go prazo.
tão variados (choramingar, gritar, reclamar, A partir desta análise, o que você acha
quebrar coisas, empurrar, negar-se, que pode acontecer com o padrão
discutir, acusar, pedir, impor) que podem comportamental do menino daqui para
pertencer não apenas à manha ou birra, frente? Uma boa maneira de se levantar
mas à oposição e à agressão. alternativas para a resposta é analisar suas
- Conforme já exposto, as consequências intera
dadas às respostas do bebê são mais ções atuais a partir das próprias definições de
simples (pegar no colo) do que para as da re forçamento, punição e extinção, as três
criança (ser ajudado, ser liberado da consequên cias de suas respostas. O que o
tarefa, zombarem dele, receber castigo, reforço desse padrão poderá produzir? A
sermão ou bronca, ganhar ponto nega resposta reforçada se mantém, ou seja, o
tivo, etc.). menino continua emitindo respostas de birra,
Assim, em linhas gerais, podemos dizer oposição e agressão nos mais diversos con
que a vida da criança ficou mais complexa, o textos em que há algum tipo de reforço. O
que tem uma correlação positiva com o que a extinção desse padrão poderá
aumento de suas possibilidades de produzir? Neste caso, mais complicado,
responder, de agir no mundo. Contudo, se os devemos lembrar que as consequ ências de
padrões de interação continuaram os uma relação de extinção são inicialmente o
mesmos de quando era um bebê, é provável aumento da frequência e da diversidade da
que passe a ter mais problemas, sobretudo topo grafia da resposta, ocorrendo
porque mui tas pessoas (e até mesmo os decréscimo apenas se a extinção mantiver-
pais) não mais refor se em todo o processo. Caso contrário, o
çam como outrora aquelas respostas que menino fará mais birras, tornar-se-á mais
inicial mente eram reforçadas, ou alternam agressivo e em algum momento será reforçado
reforço com punição/extinção. A avaliação novamente, piorando o quadro. Dizemos que,
considera, pois, que as contingências nes sas situações, o ambiente acaba
responsáveis pela instalação de um modelando a piora da criança, o que
comportamento nem sempre são as mesmas provavelmente já teria acontecido antes,
res ponsáveis por sua manutenção no explicando a evolução de sua piora até o mo
presente. Ainda em termos da avaliação mento em que ele se encontra. O que a
funcional de tais mudan ças, diz-se que punição para esse padrão poderá produzir?
houve principalmente um processo de Um dos efeitos seria a supressão temporária
generalização: aquela classe de respostas, da resposta (Catania, 1999), mas também
antes emitida somente diante dos pais e vários efeitos colaterais, como contra controle,
raramente da educadora, agora é emitida em reações emocionais, fuga/esquiva do agen te
outros contextos e diante das mais diversas punidor e desamparo (Sidman, 2001). O
pessoas – em parte por que a criança não maior problema dos três tipos de
aprendeu respostas alternativas e este era consequências pode ser, na verdade, a falta
seu principal repertório de interação. Outro de alternativas, quando a criança não tem
ponto da análise é que, como nem todas as oportunidade, nem repertório, nem reforço
pessoas com quem o menino se relaciona suficiente para a emissão de respostas de
reforçam o pa drão de outras clas ses mais apropriadas. Ao final
desta avaliação, como você descreveria esse respostas semelhantes, como um convite de
quadro de tríplice contingências? colega para jogar no recreio e a necessidade
Observe, agora, uma versão simplificada de negociar o uso do computador com a
desta descrição: irmã. No primeiro caso, a criança, sem re
Diante de antecedentes de frustração (como pertório alternativo bem desenvolvido, pode
uma tarefa de casa difícil ou ser preterido na impor ao colega condições desiguais que o
escolha dos membros do time de futebol na favorecem no jogo, produzindo punições
aula de Educação Física), a criança emite (colega o chama de cha to [Sr-], briga [Sr-]
respostas da classe de birra (e.g,, e/ou o expulsa do jogo [Sr+]). No exemplo de
choramingar e isolar-se) e obtém diversos tipos interação com a irmã, é provável que ocorra
de consequências, algumas reforçadoras uma cadeia de respostas em que, diante da
(mãe faz a tarefa por ele [Sr+/Sr-]) e outras recusa da irmã às suas primeiras tentativas de
punitivas (colegas riem dele [Sr]). obter o computador, ele pensa que ninguém
Usualmente, a maior proporção de punição gosta dele, enquanto parte para respostas de
parece ser no contexto escolar, como tam topografia mais agressiva (empurrá-la) ou de
“birra” (choramingar para a mãe, acusando a
irmã), produzindo diferen tes tipos de
Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 63 consequências, algumas reforçadoras (irmã
chora e libera o computador), outras mistas
(mãe dá bronca [Sr+/Sr-]) e outras com
bém se pode perceber no caso de situações intermi tência entre reforço (obter o
de de manda, como em: pai manda guardar os computador [Sr+]) e punição (ficar de castigo
brinquedos e professora o escolhe para ler a [Sr+]). Em suma, embora produzindo várias
lição em voz alta na frente dos colegas. No punições, o padrão do responder se mantém
primeiro caso, o menino sente muita por também produzir reforçamento e, como
vergonha e suas tentativas de se esqui var da hipótese, pode-se inferir que se fortaleça de
demanda (reclamar, choramingar, emudecer) vido ao esquema intermitente desses reforços.
produzem diferentes consequências, como a Neste ponto, podemos afirmar que a nossa
efetiva esquiva (pai deixa de insistir e avaliação do caso está bastante completa,
empregada guarda os brinquedos [Sr-]) e a podendo, é claro, ser ainda mais aprimorada
atenção social (Sr+) com com ponentes conforme se obtenham mais dados que
aversivos (Sr-) quando o pai “dá sermão”. No confirmem, refutem ou detalhem as
segundo exemplo, em contexto escolar, há hipóteses funcionais já estabelecidas. Agora,
algu ma esquiva da tarefa de leitura (Sr-), passaremos a um breve exercício de
mas, muitas vezes, a professora mantém o previsão de intervenções, supondo que a
pedido (Ext) ou aplica punições, ao criança em questão tenha sido encaminhada
ridicularizar a criança diante da sala (Sr-) ou à terapia
dar ponto negativo (Sr). Por fim, situações de
demanda por respostas socialmente
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habilidosas também parecem ocasionar
Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

analítico-comportamental. Este exercício não


intervenções podem ser utilizadas em geral e
será apresentado em função de
qual o foco de cada uma delas. Podemos
especificidades da intervenção com crianças,
classificar os procedimentos possíveis de
mas sim dos diversos procedimentos e
acordo com seu foco sobre a modificação do
técnicas disponíveis e passíveis de uso pelo
anteceden
analista para diferentes casos,
te ou da consequência da resposta 5. Neste
independentemente da faixa etária. artigo, serão enfocadas as intervenções
sobre as consequ ências da resposta,
Planejamento da Intervenção esclarecendo, contudo, de que maneira elas
Antes de iniciarmos nossa previsão de também levam a uma modificação de sua
intervenção sobre os comportamentos do relação com o antecedente.
menino, devemos compilar quais Quais procedimentos sobre as
consequências você conhece? Neste artigo,
serão abordados os procedi mentos de alter nativas ou DRA (Differencial
reforçamento diferencial (e seus subti pos) e reinforcement of alternatives): reforçam-
modelagem, discutindo-se suas variações se somente as respostas alternativas
em termos de reforçamento natural e (com igual função, a despeito da to
arbitrário (Ferster, 1967). Outras pografia) e as respostas-queixa recebem
intervenções, com foco em extinção e o me nor reforçamento possível.
punição, não pertencem à nossa análise 3. Reforçamento diferencial de respostas
neste momento, por um motivo especial: por incom patíveis ou DRI (Differencial
defi nição, elas não ensinam diretamente a reinforcement of in compatibles): reforçam-
emissão de novos comportamentos. se respostas fisicamente incompatíveis
O reforçamento diferencial (DR ) consiste 6 de serem emitidas simultane amente às
na apresentação de consequências respostas-queixa - as quais, por sua
reforçadoras, a depender de qual resposta é vez, recebem o menor reforçamento possível.
emitida pelo cliente (Vollmer & Iwata, 1992). Del Prette e Almeida (2011) citam o exemplo
Tradicionalmente, diz- da intervenção sobre tricotilomania (i.e.,
-se que o DR seria composto do compul são por arrancar cabelos) na
reforçamento das respostas que se pretende distinção entre DRO, DRA e DRI. O DRO
aumentar de frequência, combinado ao não seria o reforçamento de todas as outras
reforçamento (extinção) das res postas que se respostas, exceto a de arrancar cabelos. O
pretende diminuir. Na prática clínica, contudo, DRA seria o reforçamento de respostas que
o DR não ocorre de modo tão dicotômico pois, pro duzam função igual à de arrancar
em uma interação social natural, é difícil não cabelos, o que requer uma análise de
haver nenhum tipo de reforço para uma contingências cuidadosa. Supondo que a
resposta. função seja de autoestimulação tátil, por
exemplo, uma resposta como a de apertar
5 Para informações detalhadas sobre esta classificação e uma bolinha macia poderia ter a mesma
sobre cada uma das principais técnicas sobre função. O DRI seria o reforçamento de
antecedentes e conse quências, recomendo a leitura de
Del Prette e Almeida (2011).
respostas fisicamente in compatíveis às de
arrancar os cabelos, ou seja, qual quer coisa
6 Do inglês, differencial reinforcement. Utiliza-se a sigla que ocupe ambas as mãos do indivíduo. Já a
referente à terminologia em inglês, uma vez que a comuni
dade brasileira de analistas do comportamento usualmente respeito da modelagem, pode-se dizer que
mantém as siglas originais para os diferentes reforços dife ela envolve um reforçamento diferencial de
renciais, como DRA, DRO e DRI, citados mais adiante. respos

7 Respostas-queixa são aquelas que o indivíduo emite


Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 64
A mera presença do interlocutor pode ser, em que deve ter sua frequência diminuída, passando a ser
e
este um dos objetivos da terapia, a partir de uma análise
algu ma medida, reforçadora. Dito de outro de contingências.
modo, não há como o clínico não reforçar,
em absoluto, uma dada resposta. Assim, é
preferível falar em termos de diferentes www.revistaperspectivas.com.br
magnitudes de reforço: um reforço em maior Giovana del Prette 53-71
magnitude para algumas respostas e em
menor para outras (Catania, 1999). A escolha tas. No entanto, esse procedimento é
de quais são as outras respostas (que realizado ao longo de um continuum a partir
recebem reforço em menor magnitude) leva das respostas que o indivíduo já emite,
a alguns subtipos de DR, cujos mais gradualmente se aproximando da resposta
conhecidos e úteis ao clínico são (Catania, final. Leia atentamente a definição de
1999): Catania (1999):
1. Reforçamento diferencial de outras
Modificação gradual [ênfase adicionada]
respostas ou DRO (Differencial de alguma propriedade do responder
reinforcement of others): reforçam-se (frequente mente, mas não
todas as outras respostas do indi víduo e necessariamente, a topografia) pelo
as respostas-queixa7 recebem o menor reforço diferencial [ênfase adicionada] de
reforçamento possível. aproximações sucessivas a uma classe
2. Reforçamento diferencial de respostas
operante alvo. A modelagem é significado de reforçamento natural e
empregada para produ zir respostas que, arbitrário. De modo geral (embora haja
devido a um nível operante baixo e/ou exceções, como na economia de fi chas,
devido à complexidade, não seriam conforme Ayllon & Azrin, 1968), é desejável
emitidas ou seriam emitidas somente que o reforço liberado pelo terapeuta se
depois de um tempo considerável. A aproxime mais do natural e menos do
variabilidade [ênfase adicionada] do arbitrário. O reforço natural, em contingências
responder que segue o reforço sociais, é aquele que mais se assemelha ao
geralmente provê as oportunidades para o modo como a sociedade (e, espe cificamente,
re forço de outras respostas que se o subgrupo em que o cliente se insere)
aproximem mais de perto do critério naturalmente reforçaria determinadas
[ênfase adicionada] que define a classe respostas. Falar sobre um assunto com
operante alvo. A modelagem clareza, por exemplo, costuma fazer com
é uma variedade de seleção operante. (p. 411) A que o interlocutor se mantenha atento e
modelagem é, certamente, o principal interessado (reforço natural), e não elo gios
procedimento do terapeuta analítico sobre esta fala (reforço artificial ou arbitrário).
comportamental para manipular as Analogamente, ser gentil aumenta a
consequências do responder. Seja por meio probabilidade de agradecimentos ou
de DRO, DRA, DRI ou qualquer outro tipo ou gentileza recíproca; defen der seus direitos
combinação, modelar respostas requer de modo assertivo reduz a pro babilidade de
habilidades refinadas de observação, que abusem de sua boa vontade (ou
análise, timing para intervir no momento inassertividade) e também reduz a
exato, sutileza para fazê-lo do modo mais probabilidade de brigas mais graves, caso a
natural possível, atenção para os efeitos defesa fosse agressiva.
desta intervenção e ajustes e reajustes O terapeuta analítico-comportamental em
constantes para efetuar a progressão de suas início de formação, muitas vezes, sucumbe à
etapas. A possibilidade de as respostas tentação de utilizar elogios ou exclamações
serem modeladas pode ser um trunfo ou um artificialmente entusiasmadas, como meio de
perigo, a depender de como isso é realizado, (supostamente) reforçar as respostas de seus
com qual finalidade e com que nível de clientes e, às vezes, realmente acredita ser
consciência daquele que manipula as este o modo de intervenção na abordagem. A
contingências. Relatos verbais, por exemplo, importância do reforço natural (ver Horcones,
podem ser modelados dando a falsa 1992; Santos & de Rose, 1999), contudo,
impressão ao clínico de que seu cliente vem da própria análise de contingências:
melhorou quando, na verdade, somente quanto mais naturais as reações do
parou de se queixar em sessão e passou a terapeuta, maior a probabilidade de
contar mais frequentemente aquilo que o generalização do novo repertório do cliente
terapeuta queria ouvir (e reforçava). para o ambiente de seu dia a dia. De todo
Habilidades interpessoais podem ser modo, há um tipo especial de consequência
modeladas na própria interação terapêutica, que terapeutas analítico comportamentais
produzindo modos de se relacionar jamais provêm aos seus clientes: a interpretação de
experimentados anteriormente pelo cliente. seus comportamentos. Em certo sentido, a
Quanto maior a consciência do terapeuta sobre interpretação pode ser considerada menos
este processo, mais poderá aproveitar as natural, por ter menos semelhança com as
oportunidades do período da sessão para interações fora do setting terapêutico.
produzir mudanças Terapeutas interpretam (ou levam o cliente a
interpretar) comportamentos emitidos em
sessão, ou o relato de sua ocorrência fora
Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 65
desta, como modo de aumentar o controle
verbal do cliente sobre os mesmos,
conforme descrito por Skinner (1957/1992).
graduais, mas significativas. Descrições verbais de contingências são o
Antes de aplicarmos estas considerações ao que
caso do “menino com autoestima baixa”, um
últi mo ponto merece ser destacado: o
www.revistaperspectivas.com.br
Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

denominamos de variáveis de suas próprias Comportamentos


autoconhecimento e, em últimaações. Tais descrições podem queixa
instância, auxiliam no participar das contingências
autocontrole e na autonomia do futuras como suplementações
cliente para controlar as verbais
Comportamentos de melhora
Observe:
(Meyer, 2000; Skinner, valiosa e mais útil que o uso Classes de ordem superior
Classes de birra,
1957/1992), no campo do de elogios. Consequências ?
antecedente. Por ora, é naturais (ou intrínsecas) da oposição e agressão: choramingar,
importante lembrar somente interação e uso de descrição e reclamar, procrastinar, gritar, que brar
coisas, recusar-se, impor e empurrar
que descrever, parafrasear, interpretação das
interpretar ou levar o cliente a contingências são dois modos
interpretar é uma de intervir característicos da Classes
?
de ordem
consequência para as psicoterapia analítica funcional superior: forte controle das
respostas do cliente típica do (funcional analytic consequências
contexto terapêutico; portanto, psychotherapy [FAP]), propostaimediatas, atribuição ao outro como
responsá vel por solucionar seus
pouco semelhante a seu de Kohlenberg e Tsai (2001), problemas
ambiente do dia a dia. que enfatiza
Contudo, é uma intervenção Classes de ordem inferior

a relação terapêutica como o principal Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 66

instrumento de mudança. A proposta da FAP O quadro lista os comportamentos-queixa


salienta também o papel do feedback genuíno já identificados anteriormente, mas traz uma
e profundo do terapeuta a respeito de como se novi dade importante para o processo de
sente durante a interação com seu cliente, modelagem: a identificação de classes de
contingente aos seus avanços em termos de ordem superior. A classe de ordem superior é
comportamentos que denotam aproximação e definida por Catania (1999) como
intimidade na relação (Tsai, Kohlenberg, a classe operante que inclui, dentro dela,
Kanter, Kohlenberg, Follette & Callaghan, outras classes que podem, por sua vez,
2009). funcionar como operantes, por exemplo,
A partir desta breve análise da modelagem quando a imitação ge neralizada inclui
e do reforçamento diferencial, passamos todas as imitações componen tes que
agora à previ são de algumas possíveis poderiam ser separadamente reforçadas.
intervenções sobre as con sequências do As classes de ordem superior podem ser
responder no atendimento do meni no uma fonte de comportamentos novos
anteriormente analisado. Como você (como na imi tação de um comportamento
planejaria tais intervenções? Uma vez que que o imitador nunca viu antes). As
temos uma análise de contingências bem contingências operam di ferentemente
detalhada, esta etapa se torna um pouco mais para a classe de ordem superior e para as
fácil. Para planejar as intervenções, classes que a compõem. Por exemplo, se
primeiramente esquematizaremos quais todas as instâncias de Imitação são
compor tamentos necessitam ter sua reforçadas, exceto as de uma classe
frequência reduzida (comportamentos- componente . . . aquela classe pode
queixa) e quais precisam ser fortalecidos mudar com a classe de ordem supe rior, e
(comportamentos de melhora). não com as contingências planejadas para
ela . . . O controle pelas contingências
progra madas para a classe de ordem
superior define a pertinência à classe; as
classes componentes são consideradas,
às vezes, como insensíveis às
contingências de ordem inferior
programadas para elas. Uma classe de alternativas. Como você preencheria os
ordem superior pode ser chamada de campos so bre comportamentos de melhora?
uma classe generalizada, no sentido de
que as contingências programadas
A maior vantagem da identificação prévia
dos comportamentos de melhora e das
www.revistaperspectivas.com.br classes de or dem superior é a possibilidade
Giovana del Prette 53-71
de se reforçar (do modo como foi discutido),
respectivamente, qual quer resposta
incipiente que se aproxime do com
para alguns de seus componentes se
portamento final e qualquer comportamento
genera lizam para todos os outros.
que pertença à classe de ordem superior,
Emparelhamento com o modelo
ainda que não diretamente relacionado à
generalizado e o comportamento
queixa. Você consegue pensar em alguns
verbalmente controlado são exemplos de
exemplos de situações na intera ção
classes de ordem superior. (p. 389)
terapêutica que poderiam evocar respostas a
Todas as subclasses birra, oposição e
se rem reforçadas? Este seria outro passo
agressão guardam propriedades comuns às
importante, pois, com este tipo de previsão,
classes de ordem superior, descritas em
podemos inclusive planejar os contextos mais
termos de “forte controle das consequências
propícios para a emissão das respostas.
imediatas” e “atribuição ao outro como
Seguem alguns exemplos de contex tos e de
responsável por solucionar seus problemas”.
respostas a serem modeladas nos mesmos.
Seguindo-se o exposto por Catania (1999),
Perceba que muitas das respostas
as res postas dessas classes inferiores
exemplificadas têm correspondência
podem se manter devido ao controle das
primordialmente com as clas ses superiores
classes superiores. Assim, sem uma
identificadas:
mudança das classes superiores, torna-se
1. Conversas sobre o dia a dia são
mais difícil que as birras, a oposição e a
contextos em que o menino pode relatar
agressão cessem. É necessário planejar não
e/ou analisar aspec tos importantes de
apenas quais seriam especificamente os
sua vida e, nesse sentido, algumas
repertórios mais efeti vos para as situações
respostas que podem ser modeladas
em que a criança vive, mas também quais
incluiriam: (a) descrições de contingências
seriam as classes de ordem superior
de

Classes de ordem inferior consequências imedia tas, monstrando melhoras emocionais


atribuição ao outro como
responsável por solucionar em sua capacidade de relacionadas à sua
seus proble mas observação do capacidade de colocar-
Comportamentos de ambiente e auto- se no lugar do ou tro
melhora observação; (b) (empatia); (e)
descrições de descrições de
Classes de tolerân cia,
concordância e assertividade: contingências “sucessos” do menino
Classes de ordem superior con versar, concordar, envolvendo conse em interações sociais,
Comportamentos queixa convidar, negociar, esperar, quências a longo prazo mas também (f)
expressar sentimentos, dentre
outros (de autocontrole); (c) descrições de
Classes de birra, descrições de
oposição e agressão:
“fracassos” e dos
choramingar, reclamar, tentativas do menino sentimentos as
procrastinar, gritar, que brar de “parar para pensar” sociados, que
coisas, recusar-se, impor e Controle verbal em geral,
autocontrole, tolerância à antes de reagir às permitiriam à criança
empurrar
aversi vidade de situações e situações (auto entrar em contato com
sentimentos, controle), os mesmos e aceitar
imitação generali zada, papel
ativo como responsável na
independente de seu que nem sem pre as
resolução de seus problemas êxito; (d) des crições e coisas dão certo.
Forte controle das
e empatia expressões 2. Conversas sobre o
dia a dia são também terage na sessão: (a) conteúdo de sua fala e rapeuta e demonstra
contextos em que o fala com clareza, tom os sentimentos interesse por ele; (d)
terapeuta pode de voz e postura demonstrados faz perguntas, pedidos,
modelar respostas corporal adequadas; (tristeza, alegria, raiva, propostas, toma
relativas ao modo (b) há cor medo, etc.); (c) ouve iniciativas,
como o cliente in respondência entre o atentamente o te

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

mas também (e) aceita ingressar em temas respostas de melhora, emitidas também
mais desconfortáveis, ainda que pelo relato ou demonstração da
demonstre esse des conforto. imaginação.
3. Treinos do tipo role-play, estruturados Em suma, estas e outras intervenções
ou propostos no meio de conversas, são sobre as consequências do responder do
ocasiões para o terapeuta modelar (e cliente são essenciais para instalar e/ou
também apresentar modelo de) respostas fortalecer um novo repertório que, espera-se,
mais parecidas com aque produza mais reforçamento e menos punição
las que precisam ser emitidas fora da em seu ambiente do dia a dia. Isso
sessão, o que é especialmente vantajoso corresponde à melhora do cliente, que merece
para auto-obser vação e aperfeiçoamento uma última análise a ser conduzida. Como
de nuances na topo grafia das respostas: você sabe que o cliente “melhorou”? Uma
(a) terapeuta propõe inter pretar o papel de
alguém significativo (mãe, pai, irmã,
professor ou colega) e o cliente reage da Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 68

maneira que precisaria fazer fora da boa maneira de detectar melhoras ao longo
sessão; (b) terapeuta troca de papel, do tratamento é pela combinação dos relatos
ficando no papel do cliente e levando-o a de melhora e dos comportamentos de
interpretar alguém signifi cativo. Nos dois melhora emitidos na própria interação
casos, o terapeuta pode liberar terapêutica (correspondentes aos
consequências voltando esporadicamente a comportamentos clinicamente relevantes 2 ou
“in terpretar a si mesmo” ou então a reagir CRB2, de Kohlemberg & Tsai [2001]). E,
ainda no papel da outra pessoa, da forma dessa forma, uma das maneiras de se
que se imagina que esta reagiria. organizar tríplices contingências sobre estas
4. Atividades em sessão: mais comuns mudanças é pela exposição dos dois tipos
em te rapia infantil (Del Prette, 2011), mas de indicadores supracitados. Observe alguns
também muito úteis na intervenção com exemplos de tríplices contingências de
adultos, as ati vidades em sessão são melhora, obtidas por meio do relato do cliente
oportunidades de mode lar respostas do e que incluem interação na escola, com os
cliente com menor viés do rela to verbal e pais e com a irmã.
menor semelhança entre este tipo de
interação e as interações baseadas em
conversas que ele usualmente tem fora
da sessão. Alguns exemplos são: (a)
jogos e brincadeiras, em que o menino
consiga interagir negociando, pro pondo,
ganhando por mérito e perdendo sem
fazer birras; (b) exercícios escolares
trazidos para a sessão, em que respostas
de autocontrole, resolução de problemas e
assertividade podem ser modeladas; (c)
exercícios de imaginação ou brincadeiras
de fantasia, que tragam, de modo
encoberto, estímulos que evoquem as
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Giovana del Prette 53-71

Antecedente Resposta Consequência Colega por perto no recreio Chamar colega


para jogar um jogo Colega aceita (Sr+)

Colega aceitou jogarem um jogo Pedir para comprar o sorvete que ele já Pai fala que não vai comprar nada
havia prometido porque a irmã está com dor de garganta
e vai passar vontade (Ext)

Pai e menino fazendo compras no Falar, com controle do choro, que o Pai mantém a explicação sobre a irmã
supermercado sorvete já era uma promessa (Ext) e orde na, ríspido, que ele pare de
insistir (Sr-)

Pai fala que não vai comprar nada


porque a irmã está com dor de garganta Calar-se
Ficar triste Interação aversiva é encerrada (Sr-)
Pensar que vai ser forte e não irá chorar A longo prazo: faz o mesmo pedido em
outros momentos, eventualmente
Pai mantém a explicação sobre a irmã e Imediata: diversão intrínseca ao jogo e à
interação (Sr+) obtendo o que se pediu (Sr+)
ordena, ríspido, que ele pare de insistir
Jogar o jogo sem impor condições Futura: aproximação do colega em outras
desiguais, aceitando quando perde oportuni dades; novas amizades (Sr+)

Mãe solicita que ele guarde a louça ajuda na tarefa (Sr+)

Mãe de bom humor e satisfeita com ele

Mãe por perto ajudando na tarefa


Obedecer e guardar a louça Mãe fica de bom humor e

satisfeita com ele (Sr+) Pedir ajuda na tarefa de casa Mãe o


Faz a tarefa até o fim Imediata: tem a tarefa completada, mãe
o parabeni za, sobra mais tempo para brincar (Sr+)
Futura: notas melhores, maior aprendizado (Sr+)

Irmã vendo televisão há mais de uma Fala, enfaticamente, que ela já viu Irmã diz que seu programa não acabou
hora bastante tempo e é a sua vez (Ext)

Irmã se recusa a mudar o canal de


Pergunta o horário do término e avi sa,
televisão
em tom firme, que nesse horário ela Imediata: irmã cumpre o combinado (Sr+)
deverá mudar o canal e ele ob tém a mudança de canal pouco
Irmã se recusa (Ext) tempo depois (Sr+) A longo prazo:
maiores possibilidades de realizar
Irmã diz que seu programa não acabou
acordos com a irmã, com menos brigas
Pede para a irmã para mudar para o
(Sr+)
canal que ele quer
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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

Pela análise de contingências de melhora, o que teria aconteci do com o menino se não
per cebe-se que as novas respostas do houvesse mudança no seu padrão de
menino passa ram a produzir diversos reforços interação social? Como ele seria, quando
positivos (atenção, ajuda, ganhos específicos, adulto? E como ele poderá ser, com a
aprendizado), redução da punição ou extinção continuidade das mudanças alcançadas? Ao
e também benefícios a longo prazo, que responder estas per
também manteriam a continuidade des se
padrão de interação. Assim como o ambiente
outrora modelou equivocadamente as Revista Perspectivas 2011 vol.02 n°01 pp. 53-71 70

respostas- -queixa, agora se espera que as guntas, não podemos ser deterministas e
mudanças sejam sustentadas pelas pessoas incorrer no erro de supor que somente a
significativas de sua vida, auxiliando na terapia seria capaz de alterar o curso da
manutenção e no refinamento das história dos indivíduos, ou que uma criança
habilidades aprendidas. A mudança nas com tais problemas estaria auto
consequ ências também modifica, maticamente fadada a ser um adulto com
indiretamente, a fun ção do contexto questões ainda mais graves. É exatamente
antecedente que, agora, sinaliza a ocasião pela sensibilidade às consequências e pela
para outras respostas e para mais reforço plasticidade do comporta mento que
positivo do que punição. Quando os alterações podem ocorrer em diversas
antecedentes deixam de funcionar como pré- direções ao longo da vida. Por outro lado, é
aversivos e passam a ser sinalizadores de impor tante considerar que a terapia é uma
reforço, mais e mais torna-se possível a maneira de se alterar contingências de modo
aprendizagem de comportamentos no vos. O planejado e a partir de ferramentas que o
menino ativamente mudou as contingências de analista possui, advindas de uma
sua vida e esse é um dos principais aspectos compreensão científica do comportamento.
que, eventualmente, alguém poderia
descrever como “autoestima alta”: uma Referências
complexa rede de contin gências sociais Ayllon, T., & Azrin, N. H. (1968). The token
positivamente reforçadoras! economy: A motivational system for therapy
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Este artigo procurou focar o ensino da Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical:
seleção de comportamentos-alvo, a qual Crítica e metacrítica (2a ed.). São Paulo:
contempla essencial mente as habilidades de UNESP. Catania, A. C. (1999).
observar, descrever e siste matizar a tríplice Aprendizagem: Comportamento, linguagem e
contingência e sua interpretação, assim cognição (4ª ed.; D. G. Souza et al., Trads.).
como de efetuar a previsão de intervenções Porto Alegre: Artmed. Del Prette, G., &
sobre as consequências, a despeito da Almeida, T. A. C. (2011). O uso de técnicas na
escolha por técnicas específicas. Outras clínica analítico-comportamental. Em: N. B.
questões não aborda das, principalmente Borges & F. A. Cassas (Orgs), Clínica
quanto ao foco nos antece dentes, também analítico-comportamental: Aspectos teóricos
merecem a atenção do analista em formação. e práticos (pp. 147-160). Porto Alegre:
É importante que elas sejam analisadas e Artmed. Del Prette, G. (2011). Objetivos
descritas na forma de material didático, analítico-compor tamentais e estratégias de
auxiliando o treinamento do analista em intervenção nas inte rações com a criança
formação. Estas ques tões incluem aspectos em sessões de duas reno madas terapeutas
como o controle de estímu los, o manejo do infantis (Tese de doutorado). Universidade
comportamento verbal e o papel das de São Paulo, São Paulo, SP. Ferster, C. B.
operações estabelecedoras. Caso você (1967). Arbitrary and natural reinfor cement.
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Universidade de Brasília. (Trabalho ori ginal
publicado em 1953)
Informações do artigo

História do artigo
Data de submissão em: 10/08/2011
Primeira decisão editorial em:
30/08/2011 Aceito para publicação em:
19/10/2011

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