Você está na página 1de 12

A RELAÇÃO DE MÚTUA INFLUÊNCIA ENTRE A PUBLICIDADE E O

JORNALISMO.

Profa. Adriana Omena dos Santos - Univale - Mestre pela ECA/USP

Sinopse

O texto apresenta algumas reflexões sobre as mudanças ocorridas na sociedade


como conseqüência da modernização da comunicação e, por fim, sobre a relações que
ocorrem entre os vários discursos comunicativos das profissões relacionadas com a
comunicação. São reflexões que vêm orientando o trabalho de pesquisa acadêmica da
autora. Após um panorama geral do conceito de intertextualidade e da influência desse
conceito nas atividades de comunicação, sucede-se uma análise da proximidade entre a
atividade publicitária e o discurso jornalístico, o papel e a influência da publicidade no
fazer jornalístico e ou vice-versa, especialmente acerca da relação dessas profissões com
a lógica voltada para o mercado, a predominante na sociedade atual.

Introdução

Em qualquer leitura que se faça hoje em dia sobre a sociedade encontram-se


dados que evidenciam as transformações pela quais vem passando nos últimos anos.
Essas transformações ainda que tenham origem econômica influenciam diretamente a
cultura, a política e todos os pilares da sociedade, entre eles a comunicação.
Como a comunicação, devido às suas transformações, vem sendo alvo de muitas
investigações, em meio a um tanto de novos descobrimentos se percebeu que relações
intertextuais que até pouco tempo eram estudadas somente em áreas próximas à
literatura também podem estar presentes na comunicação.
A possibilidade da existência de relações intertextuais na comunicação acaba por
levar a questionamentos de ordem prática como a possiblidade de inter-relações entre os
meios de comunicação ou entre os seus profissionais. Em meio a tudo isso também se
deve levar em consideração o grande papel desempenhado pela economia na sociedade
moderna, na qual a ideologia neoliberal vem contribuindo para o afastamento
progressivo do Estado-Nação do centro da vida política e da esfera de regulação dos
interesses econômico-sociais, transferindo essas funções para o mercado. Esse
fenômeno de mercadização não tem escapado aos analistas do novo espaço público e
tem afetado diretamente a comunicação e as suas profissões.
Em outras palavras, ao afetar o profissional de comunicação e colocá-lo sob as
regras de funcionamento do mercado, as transformações acabam por gerar pequenas
crises entre eles, uma vez que hoje, para alguns, a comunicação está se
descaracterizando e se tranformando também em uma função eminentemente
econômica.
Dessa forma, tais profissionais devem estar atentos a todas as alterações pelas
quais está passando a comunicação. Devem pensar e trabalhar de maneira globalizada,
de modo a não serem abatidos por crises de identidade profissional, ou seja, a
publicidade tem de descer de seu pedestal e estar aberta ao jornalismo e o jornalismo
deve se enxergar parceiro da publicidade, uma vez que em essência ambos são
comunicação. Os profissionais devem lembrar que o regime comunicacional tem uma
função específica na sociedade e deve ter papel decisivo no surgimento da legitimidade
e na sustentação dos novos ideais democráticos.
Nestas condições, a comunicação não aparece mais como uma ideologia, um
modo de organização. É um fato estrutural e os profissionais nela envolvidos devem
conscientizar-se da necessidade de se aceitarem, se relacionarem, inclusive serem um
pouco do outro, em suma, estarem globalizados.
Em outras palavras, os profissionais de comunicação estão diante de dois
fenômenos, a industrialização crescente dos setores de comunicação e a ligação estreita
em escala internacional das redes econômicas e financeiras do sistema de televisão, de
telecomunicação e informática e, para assegurar a junção entre os dois processos, estão
presentes a lógica do mercado e os megacircuitos publicitários.
Desse modo, o profissional deve repensar sua auto-imagem de profissional de
comunicação. Em particular no jornalismo e na publicidade, seus profissionais
necessariamente têm de aprender a conviver e a aceitar a relação de mútua influência de
suas profissões.

1. Conceitos de Intertextualidade
Ao se buscar uma primeira conceituação de intertextualidade, encontra-se
alguma divergência no que diz respeito a quem estudou o conceito num primeiro
momento. No entanto, existe uma relativa concordância com PAULINO (1995) de que,
enquanto conceito operacional de teoria e crítica literária, a intertextualidade foi
estudada primeiramente pelo pensador russo Mikhail Bakhtin, que caracteriza o
romance moderno como dialógico, como um tipo de texto em que diversas vozes da
sociedade estão presentes e se entrecruzam, relativizando o poder de uma única voz
condutora.
De acordo com NASCIMENTO (1997), o termo intertextualidade foi
introduzido por Kristeva em 1974, ao fazer uma leitura da obra de Bakhtin, que
estabeleceu na teoria literária as bases para se entender o texto numa perspectiva em que
se considera que todo texto se constrói como um mosaico de citações, em que todo texto
é a absorção de outro texto, é a retomada de outros textos.

Depois de colocado em circulação por KRISTEVA (1974), o termo


intertextualidade tornou-se bastante amplo e pode ser explorado de diferentes maneiras.
No entanto, temos intenção de trabalhar com a noção de intertextualidade como parte da
idéia básica de texto, ou seja, o interesse maior estará focado nas relações entre um
texto e outro.
Acerca desse assunto, PAULINO (1995) explica que a apropriação intertextual
de um texto sobre outro pode se dar a partir de um simples vínculo a um gênero literário
até a retomada explícita de um texto, como a publicidade costuma fazer às vezes com
músicas e outras manifestações culturais. Essa apropriação pode ser às vezes inevitável
e de difícil limitação, principalmente na literatura que normalmente se alimenta de
outros textos para se manifestar.
No entanto, para GARCIA-TALAVERA (1992), a intertextualidade não é só o
que ela chama de entrecruzamento de textos e a referência a outros discursos, de
maneira evidente como citado no exemplo da publicidade usado acima, mas pode
ocorrer de maneira também indireta, quando um texto serve de idéia ou influencia as
diretrizes de outro texto, mesmo que em profissões distintas.
Em outras palavras, a intertextualidade contém todos os elementos textuais que
servem de criadores-produtores para elaboração de outros textos. Essa atividade
criadora e produtora, acaba nos conduzindo aos meios de comunicação ou às profissões
de comunicação nas quais se dão os aspectos de intertextualidade e dialogismo como
réplica conversacional e como referência aos múltiplos enunciados repetíveis e
repetidos.

2. Intertextualidade nos meios e nas profissões de comunicação

NASCIMENTO (1997), em sua tese de doutorado, resgata o conceito de


intertextualidade, mas ao encaminhar o termo para uma verificação empírica afasta esse
conceito dos meios e profissões de comunicação focalizando seu objeto de estudo em
obras de artes ou literárias. Do mesmo modo, alguns outros ensaios encontrados limitam
a intertextualidade nos meios de comunicação a peças literárias ou movimentos
cinematográficos.
Mesmo os autores citados como os precursores do uso do termo
intertextualidade como KRISTEVA (1974) e BAKHTIN (1993) limitam seu uso à
linguagem, à produção de textos e suas próprias características intertextuais.
A obra de PAULINO (1995), apesar de direcionada a professores e alunos de
literatura do ensino médio, é a que mais se aproxima de uma elucidação quanto à
possibilidades intertextuais nos meios de comunicação. Ao tratar a cultura como um
jogo intertextual, os autores possibilitam uma leitura da comunicação intertextual, tendo
em vista a estreita relação de cultura e comunicação.
De acordo com PAULINO (1995), toda e qualquer produção humana pode ser
considerada como texto a ser lido, a sociedade como um todo pode ser vista como uma
grande rede intertextual, uma vez que o homem interage nessa sociedade, marcando-a
com suas intervenções. Ou seja, a intertextualidade envolve objetos, atitudes, valores e
processos culturais como textos.
Ainda segundo informações de PAULINO (1995:14), "a intertextualidade terá
como objeto as produções verbais, orais ou escritas". Assim sendo, os meios de
comunicação de massa também estão inseridos nessa rede intertextual, entre os "objetos
da intertextualidade". Tal fato acontece porque as produções verbais, orais ou escritas
dos meios de comunicação são usadas numerosas vezes e acabam por se juntar, se
fundir, em uma só produção. Se damos continuidade ao raciocínio da autora, pelo qual
os meios vivem relações intertextuais, as profissões da comunicação relacionadas com
os meios também podem viver estas inter-relações
Por outro lado, THOMPSON (1998:100) também consegue explanar de
maneira clara essa inter-relação encontrada nos meios nos meios de comunicação, e que
ele chama de mediação estendida: "num mundo caracterizado por múltiplas formas de
transmissão da mídia é também comum que as mensagens da mídia sejam recebidas por
outras organizações e incorporadas em novas mensagens, num processo que pode ser
descrito como 'mediação estendida'. Há um grau relativamente alto de auto-
referenciamento dentro da mídia, no sentido de que as mensagens da mídia comumente
se referem a outras mensagens ou eventos por ela transmitidos".
SANTAELLA (1996) aponta esse processo de complementação entre as
mídias, processo intertextual, como "redes intercomplementares", afirmando que a partir
dessa intercomplementaridade das mídias o interesse despertado pelas informações nos
meios pode levar o indivíduo envolvido no processo a buscar aprofundamento das
informações em outro veículo.
O processo interacional entre os meios se dá de forma tão freqüente, tão
rotineira em nossa sociedade, que quase passa despercebido. Por exemplo, um jornal
impresso pode relatar com tranqüilidade o que alguém disse numa entrevista dada ao
rádio ou à televisão em um momento anterior. Um outro exemplo pode ser a adaptação
de alguma obra literária para televisão ou cinema, ou ainda quando as artes plásticas se
aproveitam de mensagens publicitárias ou recortes de jornal para se utilizarem dos
meios de comunicação.
Uma outra exemplificação de intertextualidade nos meios de comunicação é
dado por QUEIRÓZ (1993:26), que afirma ser de ADORNO (1987:287) o conceito de
que "assim como mal podemos dar um passo fora do período de trabalho sem tropeçar
em uma manifestação da indústria cultural, os seus veículos se articulam de tal forma
que não há espaço entre eles para qualquer reflexão que possa tomar e perceber que o
seu mundo não é mundo".
Através de análises dos discursos de grandes jornais brasileiros no período de
1985, QUEIRÓZ (1993) torna-se convicto da legitimação e da intertextualidade entre os
meios e afirma que jornal, revista ou qualquer publicação cumpre uma função
referenciadora e subsidiária à TV, uma vez que reforça os argumentos de poder
utilizados pela linguagem da televisão.
Após a exposição acima, deve-se evidenciar no entanto que os autores mais
direcionados à área específica da comunicação como THOMPSON (1998) e
SANTAELLA (1996) quando discutem uma possível relação entre os diferentes meios
de comunicação, normalmente contribuem com uma conceituação própria sobre o
fenômeno, ou seja, não se referem a ele como intertextualidade em seu sentido primeiro
sugerido por KRISTEVA (1974), que o concebe como um mosaico de citações em que
se encontra no texto a presença de outros textos.
Antes de finalizar este tópico, é necessário afirmar que seguindo o raciocínio
que foi exposto até momento, em que os meios se inter-relacionam e podem se
influenciar mutuamente, é possível afirmar a existência também de uma relação de
mútua influência entre as diferentes profissões da comunicação, entre elas a publicidade
e o jornalismo.

3. Jornalismo versus Publicidade ou Jornalismo & Publicidade?

Como visto anteriormente são evidentes os exemplos de inter-relação entre os


meios de comunicação. No entanto, o cerne deste artigo é estender a visão dessa relação
para as profissões da comunicação, especificamente a publicidade e o papel que ela vem
desempenhando hoje na profissão jornalística.
Atualmente, é público e notório que um jornal seja impresso ou eletrônico não
se mantém apenas com a comercialização da informação. É o que ocorre, por exemplo,
com a venda de exemplares do jornal impresso. Praticamente, existe um consenso nos
dias de hoje de que a mola propulsora da maioria dos veículos de comunicação é a
publicidade. O poder comercial da publicidade é admitido sem maiores problemas pela
maioria dos veículos, no entanto, a relação do jornalismo com a publicidade é desde
muito tempo paradoxal e tensa.
O jornalista e pesquisador CHAPARRO (1999) defende a idéia de que
atualmente o “fazer jornalismo” como era visto até relativamente pouco tempo está
vivendo período de grande crise, sendo que um dos complicadores dessa crise é a
transformação pela qual grandes jornais impressos passaram e estão passando a fim de
adequarem-se às exigências de mercado1.
Segundo o autor, é fato freqüente nos dias de hoje encontrar uma peça
publicitária na primeira página do jornal, o que até pouco tempo era considerado
inconcebível perante os olhos de qualquer grande jornalista. Isto porque, o jornal era
1
CHAPARRO, Manuel C. Anotações de aula ministradas na disciplina Categorias do Jornalismo, no
curso de pós-graduação em Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,
ECA/USP, no ano de 1999.
tratado como o fornecedor de informações e o jornalista como aquele que transformava
acontecimentos nessas informações. Por isso, o jornalista e conseqüentemente o jornal
trabalhavam com os acontecimentos como que acima da esfera mercadológica da
publicidade.
O que pode passar despercebido, no entanto, mas que pode ser verificado sem
muita dificuldade, é que os acontecimentos, os fatos, muitas vezes estão relacionados e
podem estar influenciando ou sendo influenciados pela publicidade, seja na relação de
influência da publicidade sobre o jornalismo ou em uma relação de mútua influência.
Não é dificil exemplificar a afirmação acima. Imagine uma pessoa caminhando
por uma conhecida avenida em um dos grandes centros do mundo globalizado. Tal
pessoa vê à sua frente um outdoor que, usando das melhores técnicas publicitárias
disponíveis no mercado, anuncia o lançamento da coleção de moda de alguma marca ou
algum estilista muito conhecido por esse mesmo mundo globalizado. Passados alguns
dias a mesma pessoa está próxima de outra avenida, do mesmo grande centro, toda
preparada para um grande acontecimento: muitas luzes, ornamentos, público, etc, para
receber o citado lançamento da coleção de moda.
É evidente que os grandes jornais, as empresas ou profissionais que trabalham
com informação deverão estar presentes ou serem representados neste acontecimento.
Jornalistas deverão ser enviados para fazer a cobertura ou colher impressões do
acontecimento, é provável que saia algo nos jornais, seja uma nota, uma notícia, um
artigo ou um editorial. É muito difícil não existir a influência; é um acontecimento, é
um fato: se banal ou relevante, quem no final das contas deverá fazer sua avaliação será
o leitor ou telespectador.
Não se trata simplesmente de produzir ou selecionar o que o indivíduo deve
receber, os veiculos que trabalham com informação deveriam informar o máximo
possível, e o receptor faria sua própria seleção. É necessário, no entanto, que se acredite
na capacidade do indivíduo de conviver com a comunicação, com a informação, sem ser
dominado por ela. Existem inclusive autores como WOLTON (2000) que defendem a
capacidade do indivíduo de não ser completamente massificado pela comunicação, de
uma interação e uma seleção mesmo que inconsciente daquilo que o controla e o
influencia ou não.
Outro bom exemplo é o que aconteceu por várias vezes com as campanhas
irreverentes e questionadoras da Benetton. Normalmente, era lançada a campanha
publicitária e causava um grande alvoroço na sociedade, pois Oliviero Toscani, o
fotógrafo responsável pelas imagens, sempre buscava trabalhar com temas polêmicos. O
resultado era que dentro de alguns dias a imprensa, os meios de informação
necessariamente tinham de veicular algo a respeito. Eram fatos, coisas que estavam
acontecendo e que deveriam ser informados aos leitores, ouvintes, telespectadores, ou
seja, a publicidade conseguia influenciar o jornalismo, se intencionalmente por parte da
Benetton ou não, isto não está em abordagem neste exato momento, o cerne das
preocupações por hora é a capacidade de mútua influência entre o jornalismo e a
publicidade.
Se existe realmente como se pensa uma dificuldade em aceitar essa relação de
influência do mercado na profissão, ela se encontra mais no jornalismo. A publicidade
basicamente já aceitou mesmo que com ressalvas há um bom tempo. Ela hoje é muito
consciente de que depende do mercado e trabalha com os valores nele inseridos. A
aceitação de estar inserido nas regras mercadológicas não impede no entanto que o
profissional (publicitário) tenha um mínimo de compromisso com as preocupações
sociais.
É evidente que não existe a necessidade de serem todos tão polêmicos como
Oliviero Toscani. No entanto, existem vários profissionais extremamente competentes,
criativos e que se mostram coerentes com as necessidades mínimas de dignidade,
trabalham com uma certa “ética”, mas não se pode esquecer também dos muitos
profissionais também criativos e competentes que são completamente
descomprometidos com qualquer coisa que não seja o produto.
Ao aceitar que de certa forma, é regida pelo mercado, a publicidade
amadureceu o suficiente para aceitar também a mútua influência entre ela e o
jornalismo, entre ela e os acontecimentos. Uma vez que essa influência pode acontecer
de maneira inversa, a informação é veiculada e a publicidade se apodera da informação
e com as técnicas necessárias a transforma em uma bela peça publicitária.
Como exemplo se pode citar novamente a Benetton, seu fotógrafo Toscani e
como a guerra no leste europeu se transformou em peça publicitária. Em uma entrevista
à revista E P [S]2 o fotógrafo afirma que na fase da preparação de uma das campanhas
recebeu um traje que havia sido usado por um jovem morto na citada guerra. Esse
acontecimento (a guerra) já vinha sendo noticiado pelos jornais impressos e televisivos.
O fotógrafo, de posse das informações (sobre o acontecimento) já veiculadas e
do conhecimento mesmo que mínimo da sociedade acerca do mesmo, usa o traje
2
Revista El Páis Semanal, suplemento de domingo do jornal El País.
(somente o traje, sem nenhum texto) como peça publicitária, ou seja, transforma o
acontecimento (a guerra, a morte do jovem) em uma polêmica campanha publicitária
que veio consolidar ainda mais a marca Benetton.
Seguindo a explanação podemos continuar citando Toscani na mesma
entrevista à EP [S] para evidenciar essa mútua influência e a realidade de que os
veículos e os profissionais de comunicação estão, queiram ou não, cada vez mais
submetidos às regras mercadológicas.
Ao ser questionado acerca de seu desligamento da Benetton, Toscani confirma
o que todos imaginavam: o motivo havia sido realmente sua última campanha
publicitária para a Benetton que abordava a questão da pena de morte. Em sua primeira
peça publicitária para a campanha, o fotógrafo usa a imagem de um negro à espera da
execução no chamado corredor da morte.
Para que se possa entender mais claramente o rompimento de Toscani com a
Benetton, deve-se resgatar alguns fatos. O primeiro é que o tema abordado na campanha
é extremamente polêmico e delicado, principalmente nos Estados Unidos, onde em
alguns estados a pena de morte é permitida e utilizada e em outros estados, não. Outro
tema também polêmico é o racismo, sendo delicado também na Europa, o racismo é
ainda hoje assunto mal resolvido em todo o mundo. Somemos a isso tudo o complicador
de que acontecia naquele momento nos EUA a campanha eleitoral para presidente, na
qual um dos candidatos era explicitamente à favor da pena de morte, tudo evidenciava
que haveria complicações.
E de fato ocorreram as complicações. Segundo Toscani aconteceu como nas
outras vezes, com muita turbulência em torno da campanha e foi iniciado processo
contra o responsável pelas peças publicitárias. Normalmente, quando acontecia isto
Luciano Benetton (ou seja, a empresa) sempre ficava ao lado do profissional e as
batalhas judiciais tinham segmento até que chegassem a alguma conclusão.
No entanto, desta vez os complicadores mercadológicos, morais, sociais eram
extremamente impactantes e a empresa preferiu ficar à margem dos processos, o que
acarretou no desligamento do fotógrafo da empresa conforme pode ser verificado
abaixo:
“Al contrário que en las anteriores ocasiones, en ésta Benetton no
salió en su ayuda. Al contrário. El gran capo, Luciano Benetton, pidió
perdon a los ciudadanos norteamericanos ofendidos, y Toscani se fue
por donde había venido.”
Toda a situação foi usada para ilustrar que essas são as situações do mercado.
Hoje se vive num mundo globalizado, com aldeias locais, mas onde o que acontece nas
aldeias afeta sem dúvida o todo. Não há como negar o fato de que é evidente a
globalização na moda, na informação e na economia e que, atualmente, inclusive os
veículos e as profissões de comunicação têm de se enxergar de maneira globalizada.
O impacto dessa globalização é muito grande, principalmente nas profissões
relacionadas com a comunicação. Isto exige do publicitário de hoje ter um pouco de
jornalista, estar atento aos fatos, aos acontecimentos, ser meio jornalista na essência da
palavra. O jornalista por sua vez deve estar atento ao mercado, à economia, às variações
mercadológicas, à cultura, à política, ou seja às coisas que podem influenciar ou
determinar os acontecimentos, ou seja, o jornalista deve também ter um pouco do
publicitário em sua essência.
Seguramente muitos discordarão do ponto de vista apresentado, pois a
profissão de jornalista é tida como aquela que tem o privilégio de colocar o profissional
à parte de tudo, para que com “olhos impessoais” informe à sociedade o que acontece.
O publicitário por sua vez é o ser que tem o dom de criar peças maravilhosas, é aquele
dotado de “extrema criatividade”, brilhante, com habilidades acima das normais, que
transforma em arte tudo aquilo que toca.
Lamento dizer, mas isso é mero engano! Tanto um como outro são
profissionais que, com raríssimas exceções, trabalham em meios de comunicação que,
como visto anteriormente, vivem relações intertextuais, relações intercomplementares.
São meios de comunicação que também são empresas e estão submetidas, queiram ou
não, à lógica do mercado. Meios de comunicação que são partidários, têm sua própria
ideologia econômica, política e cultural que, em algumas vezes, pode não ser a mesma
que a do profissional.

Conclusão

Nos últimos anos toda a sociedade vem sofrendo profundas transformações,


que influenciam a comunicação e a informação ou são determinadas diretamente por
elas. Com essas mudanças, a comunicação passa cada vez mais a ser objeto de
numerosos estudos dentre os quais aqueles que verificam a possibilidade de relações de
intertextualidade entre os meios de comunicação e, deste modo, de sua relação de mútua
influência.
Ao procurar abordar a relação de mútua influência entre os meios não se pode
pretender ser conclusivo, mesmo porque para indícios de quaisquer conclusões seriam
necessárias mais detalhadas investigações.
O que se pretende é levantar questionamentos, é tocar no que se presume
intocável, é mostrar que não há mais como colocar em patamares distintos a
“publicidade” e “jornalismo”, uma vez que se os meios de comunicação vivem de
maneira intercomplementar, os profissionais por sua vez também estão sujeitos a essas
relações intertextuais em que se influenciam mutuamente.
O maior problema, no entanto, começa na raiz do problema, em outras
palavras, o mundo passa por transformações diárias e as escolas que formam os
profissionais ainda não pensam a comunicação de maneira global, não pensam a
comunicação, pensam a publicidade, o jornalismo, o cinema, a editoração, etc e estão
cada vez mais trabalhando e ensinando apenas técnicas de reportagem, técnicas de
criação, iluminação, roteirização, fotografia etc.
É evidente que o profissonal tem de receber dados, conhecimentos das
ferramentas necessárias para desenvolver um trabalho de qualidade, mas ele tem
também que receber informações que façam que ele se enxergue, se situe neste mundo
globalizado e mercadológico, e tem também de receber informações que trabalhem
questões morais, éticas, sociais, humanas, para que entre no mercado enxergando a
comunicação de maneira globalizada e nem por isso se torne a prostituta profissional do
momento.
Alguns meios e profissionais sentiram já o impacto dessas transformações e
estão lentamente tentando se adaptar. Vários jornais, revistas e programas televisivos
mudaram seu formato e continuaram mudando em busca de conseguir trabalhar em um
mesmo espaço todas as ramificações da comunicação, seja publicidade, jornalismo ou
outra qualquer.
O que está acontecendo, no entanto, é que alguns veículos que trabalham com
informação ao se adapatarem estão aceitando com naturalidade que são (apenas)
empresas de informação, empresas em sua essência e deste modo também regidas pela
lógica do mercado, assim como a publicidade.
O grande problema vem sendo como transmitir aos futuros jornalistas que eles
têm realmente a função social de tratar, de transmitir a informação. No entanto, ele terá
em sua profissão de conviver diariamente com conceitos e dificuldades mercadológicos,
terá de aceitar, mesmo que aos poucos, que tem em si um pouco de publicitário quando
noticia acontecimentos criados pela publicidade. Terá também de aceitar que a
publicidade que aparece ao lado de sua exaustivamente trabalhada (as vezes sob
pressão) notícia e às vezes com espaço muito maior do que a informação faz parte
também de um trabalho muitas vezes também exaustivo e que ao lado de outras peças
publicitárias é o que ajuda a manter o jornal. Por último, ambos os profissionais devem
se recordar de que tudo isso acontece embasado em acordos comerciais e com muito
dinheiro envolvido.

Bibliografia

ADORNO, T. W. A indústria Cultural. In: COHN, Gabriel, org. Comunicação e


indústria cultural. São Paulo, T. A. Queiróz, 1987, p. 287-296.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética ( A teoria do romance). São
Paulo, Hucitec/UNESP, 1993.
GALAN, Lola. Provocar con anuncios. El País semanal. Madrid, nº 1257, 35 – 39,
29/10/2000.
KRISTEVA, Julia. Introdução a semanálise. São Paulo, Perspectiva, 1974.
NASCIMENTO, Geraldo Carlos do. A intertextualidade em atos de comunicação. Tese
de Doutorado. São Paulo, ECA-USP, 1997.
PAULINO, et alii . Intertextualidades. Belo Horizonte, Ed. Lê, 1995.
QUEIRÓZ, Adolpho C.F. TV de papel, a imprensa como instrumento de legitimação
da televisão. 2a. ed. Piracicaba, Editora Unimep, 1993.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo, Experimento, 1996.
THOMPSON, John B.. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia.
Petrópolis, Vozes, 1998.
VELÁZQUEZ Garcia-Talavera, Teresa. Los políticos y la televisión: aportaciones de
la teoria del discurso al diálogo televisivo. Barcelona, Editorial Ariel, 1992 p. 30-
43.
WOLTON, Dominique. Sobrevivir a internet. Barcelona, Gedisa Editorial, 2000.

Você também pode gostar