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ISSN 2359-1773

Anais do
Congresso Nacional de Ensino Religioso

7ª Edição

FONAPER
Florianópolis/SC
2014

VII Congresso de Ensino Religioso,


realizado entre os dias 03 a 05 de outubro de 2013,
na Universidade Federal de Juiz de Fora, em Juiz de Fora/MG.
© 2014 FONAPER – Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso
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Organização dos Anais: Janaina Hübner; Iuri Andréas Reblin; Francisco Sales Palheta.

Produção dos Anais do VII Congresso Nacional do Ensino Religioso

Dados Técnicos:
Título: Anais do VII Congresso Nacional do Ensino Religioso
Organização: Janaina Hübner; Iuri Andréas Reblin e Francisco Sales Palheta
Editora/Autor corporativo: FONAPER Cidade: Florianópolis Ano: 2014 Volume: 7
Páginas: 1004
ISSN: 2359-1773

Revisão: Esther do Amaral


Editoração Eletrônica: Iuri Andréas Reblin

Como citar um texto nos Anais do VII CONERE:


SOBRENOME, Nome. Título da Comunicação. In: Congresso Nacional do Ensino Religioso, 7., 2013,
Juiz de Fora/MG. Anais do Congresso Nacional do Ensino Religioso. Organizado por Janaina
Hübner, Iuri Andréas Reblin e Francisco Sales Palheta. Florianópolis: FONAPER, v. 7, 2014. página
inicial - página final.
(Online) ISSN: 2359-1773

A correta menção às fontes, em termos de honestidade intelectual, e a coerência às normas da ABNT


são de de responsabilidade dos autores e das autoras dos textos.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................13
PROGRAMAÇÃO ....................................................................................................17
COMUNICAÇÕES ...................................................................................................19

GT1: FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ENSINO RELIGIOSO ..............................21

A PRÁTICA REFLEXIVA NO CONTEXTO DE AÇÃO DO PROFESSOR


PESQUISADOR ...................................................................................... 23
Gleyds Silva Domingues .................................................................................23

FORMAÇÃO DOCENTE E DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA:


LICENCIATURA EM ENSINO RELIGIOSO DA FURB ................................. 33
Vanderlei Kulkamp ..........................................................................................33
Gysselly Buzzi Puff ..........................................................................................33
Adecir Pozzer ..................................................................................................33

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DO ENSINO RELIGIOSO NUMA


PERSPECTIVA INCLUSIVA ..................................................................... 49
Ana Cristina de Almeida Cavalcante Bastos ...................................................49

A MEMÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ENSINO RELIGIOSO -


CONTRIBUIÇÕES PARA AS PRÁTICAS COM O ENSINO RELIGIOSO
PLURALISTA .......................................................................................... 63
Araceli Sobreira Benevides .............................................................................63

O LUGAR DO ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: A


POSTURA DO EDUCADOR ENTRE O CUIDAR E O EDUCAR NA
DIVERSIDADE DE PERTENÇA ................................................................ 81
Celeide Agapito Valadares Nogueira ..............................................................81

FORMAÇÃO ACADÊMICA/PROFISSIONAL PARA A DOCÊNCIA DO ENSINO


RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS ............................. 93
Edalza Helena Bosetti Santiago ......................................................................93
FONAPER

OS (DES)PROPÓSITOS DO ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO INFANTIL


........................................................................................................... 109
Renata de Souza Leão ................................................................................. 109

A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO DOCENTE DE ENSINO


RELIGIOSO .......................................................................................... 125
José Carlos do Nascimento Santos ............................................................. 125

NO JARDIM DAS ERVAS – SUBPROJETO INTERCULTURAL INDÍGENA


FURB/SC ............................................................................................. 137
Eldrita Hausmann de Paula .......................................................................... 137
Sandra Andréia Müller Schroeder ................................................................ 137

O CAMINHO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DOCENTE DO ENSINO


RELIGIOSO EM PERNAMBUCO ............................................................ 151
Wellcherline Miranda Lima ........................................................................... 151
Rosalia Soares de Sousa ............................................................................. 151

ENSINO RELIGIOSO ESCOLAR NO CONTEXTO DA DIVERSIDADE


RELIGIOSA: UMA EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ... 163
Iolanda Rodrigues da Costa ......................................................................... 163
Maria de Lourdes Santos Melo ..................................................................... 163
Rosilene Pacheco Quaresma ....................................................................... 163

QUE PESQUISADORES/EDUCADORES DE ENSINO RELIGIOSO


BUSCAMOS? UM DEBATE A PARTIR DA DISCIPLINA PESQUISA EM
ENSINO RELIGIOSO – PARFOR BLUMENAU E RIO DO SUL/SC ............. 177
Josué de Souza ............................................................................................ 177

O ENSINO RELIGIOSO EM GOIÁS: O PROBLEMA DA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES ................................................................................... 189
Raimundo Márcio Mota de Castro ................................................................ 189
José Maria Baldino ....................................................................................... 189

A ABORDAGEM DA FINITUDE NO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DE


PROFESSORES DE ENSINO RELIGIOSO/PA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
........................................................................................................... 203
Rodrigo Oliveira dos Santos ......................................................................... 203

4
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL HABILITADO EM CIÊNCIAS DA


RELIGIÃO PARA ATUAR COMO DOCENTE DO ENSINO RELIGIOSO NA
EDUCAÇÃO BÁSICA ............................................................................ 221
Ediana Maria Mascarello Finatto ...................................................................221
Leonel Piovezana ..........................................................................................221

FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO RELIGIOSO NO MUNICÍPIO


DE CARIACICA - ES ............................................................................. 235
Eliane Maura Littig Milhomem de Freitas ......................................................235

O ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL,


EM MINAS GERAIS: A FORMAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE .................. 251
Felippe Nunes Werneck ................................................................................251

GT2: CURRÍCULO DO ENSINO RELIGIOSO ......................................................269

ENSINO RELIGIOSO PARA ALUNOS/AS DO ENSINO FUNDAMENTAL I:


ESTUDO SOBRE PROPOSTA CURRICULAR UNIFICADA ....................... 271
Aldenir Teotonio Claudio ...............................................................................271
Marinilson Barbosa da Silva ..........................................................................271

LIMITES E AVANÇOS DA ESTRUTURA CURRICULAR DO ENSINO


RELIGIOSO NO COLÉGIO MARISTA DE BELÉM .................................... 291
Alex Coimbra Sales .......................................................................................291

O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS: UMA


ANÁLISE A PARTIR DAS LEGISLAÇÕES EDUCACIONAIS ...................... 309
Claudia Berdague ..........................................................................................309

O ENSINO RELIGIOSO NO CURRÍCULO ESCOLAR ............................... 319


Elisângela Madeira Coelho............................................................................319

O LUGAR DO ENSINO RELIGIOSO NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO


ADVENTISTA ....................................................................................... 331
Francisco Luiz Gomes de Carvalho ..............................................................331

5
FONAPER

O ENSINO RELIGIOSO TRANSVERSALIZANDO OUTRAS ÁREAS DE


CONHECIMENTO ................................................................................. 343
Iêda de Oliveira Caminha ............................................................................. 343
Maria José Torres Holmes............................................................................ 343

DANÇAS CIRCULARES SAGRADAS: UM RELATO DE UMA PROPOSTA


METODOLÓGICA NO CURSO DE LICENCIATURA NO ER- PARFOR/
BLUMENAU.......................................................................................... 357
Laudicéia Lene de Freitas Barbosa .............................................................. 357

O ENSINO RELIGIOSO NA REDE MUNICIPAL DE CURITIBA: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES ............................................................................... 369
Luís Fernando Lopes .................................................................................... 369
Renata Adriana Garbossa ........................................................................... 369

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO RELIGIOSO: EXPERIÊNCIAS,


DESAFIOS E PERSPECTIVAS ............................................................... 385
Josiane Crusaro ............................................................................................ 385
Lindamir Teresinha Bianchi Crusaro ............................................................ 385
Adecir Pozzer................................................................................................ 385

GT3: CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS DO ENSINO RELIGIOSO ................ 397

O FENÔMENO RELIGIOSO NO ENSINO RELIGIOSO: DESAFIOS


EPISTEMOLÓGICOS PARA DOCENTES NO ENSINO FUNDAMENTAL .... 399
Anderson Ferreira Costa ............................................................................. 399
Edile Maria Fracaro Rodrigues ..................................................................... 399

ENSINO DO FATO RELIGIOSO: CONHECIMENTO PARA A ACEITAÇÃO DO


DIFERENTE ......................................................................................... 417
José Antonio Lages ...................................................................................... 417

POR UM ENSINO RELIGIOSO NÃO RELIGIOSO: DESAFIOS NO CONTEXTO


ESCOLAR ............................................................................................ 433
Daniela Crusaro ............................................................................................ 433
Josiane Crusaro ............................................................................................ 433
Lindamir Teresinha Bianchi Crusaro ............................................................ 433

6
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

ALTERIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA: REFLEXÕES


SOBRE O SER HUMANO ...................................................................... 447
Marcely Carnieletto Gazoni ...........................................................................447
Leonel Piovezana ..........................................................................................447

A QUESTÃO ATUAL DO ENSINO RELIGIOSO COMO CAMPO DISCIPLINAR:


UMA PROPOSTA DE CONSCIENTIZAÇÃO PARA A COMUNIDADE ESCOLAR
........................................................................................................... 465
Terezinha de Souza Pacheco .......................................................................465
Neusa Maria de Souza Trindade ...................................................................465

O ATEÍSMO NAS AULAS DO ENSINO RELIGIOSO ................................. 471


Narjara Lins de Araújo ...................................................................................471

POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS PARA O ENSINO RELIGIOSO NO


ENSINO MÉDIO EM SANTA CATARINA ................................................. 489
Eliston Terci Panzenhagen............................................................................489

MORTE E VIDA: DIFERENTES CONCEPÇÕES....................................... 503


Janete Ulrich Bachendorf ..............................................................................503
Marléte Arens ................................................................................................503

O ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: UM DESAFIO DIÁRIO


........................................................................................................... 515
Janete Ulrich Bachendorf ..............................................................................515

GT4: IMAGINÁRIO SIMBÓLICO E ENSINO RELIGIOSO ....................................531

A DIALÉTICA DO SAGRADO NA RESOLUÇÃO DA TENSÃO DE


CONHECIMENTO ................................................................................. 533
Marco Antônio Teles da Costa ......................................................................533

PROJETO CORPO SINCRÉTICO: INSTALAÇÃO PERFORMATIVA COMO


PERCURSO EDUCATIVO EM AMBIENTES NÃO ESCOLARES ................ 549
Wallace Wagner Rodrigues Pantoja .............................................................549

7
FONAPER

SAMHAIN, HERANÇAS DE UM IMAGINÁRIO SIMBÓLICO APLICADO AO


ENSINO RELIGIOSO............................................................................. 565
Silas Roberto Rocha Lima ............................................................................ 565

GT5: DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS ............................... 577

ENSINO RELIGIOSO: DIREITO RECONHECIDO OU DIREITO NEGADO .. 579


Maria Lina Rodrigues de Jesus .................................................................... 579

DISCURSOS E PRÁTICAS: A (IN)TOLERÂNCIA RELIGIOSA NO AMBIENTE


ESCOLAR ............................................................................................ 597
Sueli Martins ................................................................................................. 597

DIVERSIDADE RELIGIOSA E INTERCULTURALIDADE: APORTES PARA


UMA DECOLONIZAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO ............................. 615
Georgia Carneiro da Fontoura ...................................................................... 615
Lilian Blanck de Oliveira ............................................................................... 615

MEMÓRIA, TOLERÂNCIA E RESISTÊNCIAS: DISCUSSÕES SOBRE


RELIGIÃO E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL ...................................... 635
Kathlen Luana de Oliveira ............................................................................ 635

GT6: EDUCAÇÃO E INTERCULTURALIDADE ................................................... 655

O ENSINO RELIGIOSO E A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA NA


EDUCAÇÃO ......................................................................................... 657
Edina Fialho Machado .................................................................................. 657
Rodrigo Oliveira dos Santos ......................................................................... 657

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE E DA


DIFERENÇA NO AMBIENTE ESCOLAR .................................................. 673
Eliel Ribeiro da Silva .................................................................................... 673

ETNOJOGO UMA PROPOSTA CRIATIVA ............................................... 689


Claudilene Christina de Oliveira ................................................................... 689
Rosana Castro de Luna Rezende ................................................................ 689

8
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

GT7: A RELIGIÃO E O ETHOS CONTEMPORÂNEO NA PERSPECTIVA DA


EDUCAÇÃO E DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL ........................................709

ORA PRO NOBIS: MEMÓRIA E RELIGIOSIDADE DOS CANTADORES DE


LADAINHA EM MOCAJUBA PARÁ ........................................................ 711
Guilherme Luís Mendes Martins ...................................................................711

DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS E LAICIDADE DO ESTADO ...... 725


Myriam Aldana ...............................................................................................725
Leonel Piovezana ..........................................................................................725

A CONTRIBUIÇÃO DE JOHN LOCKE PARA A TOLERÂNCIA ................... 739


Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek ................................................................739

GT8: ENSINO RELIGIOSO E VALORES DO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO ...753

RELIGIÃO E ESTADO SECULAR EM DIÁLOGO: UMA NOVA PROPOSTA DE


ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O ENSINO RELIGIOSO ..................... 755
Elenilson Delmiro dos Santos .......................................................................755

ENSINO RELIGIOSO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NAS ESCOLAS


PÚBLICAS: UM DESAFIO A SER ENFRENTADO .................................... 767
Elivaldo Serrão Custódio ...............................................................................767

A PLURALIDADE EM DIÁLOGO E O ENSINO RELIGIOSO NO SÉCULO XXI


........................................................................................................... 785
Suely Ribeiro Barra .......................................................................................785

GT9: A ESPIRITUALIDADE E A FORMAÇÃO DO EDUCADOR .........................801

A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE DO EDUCADOR NA


CONSTRUÇÃO DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO EDUCATIVO .... 803
Ana D‘arc Vieira Cândido ..............................................................................803
Sidney Allessandro da Cunha Damasceno ...................................................803

ESPIRITUALIDADE: UM CAMINHO DE BUSCA E DESCOBERTAS PARA O


EDUCADOR ......................................................................................... 821
Daiane da Silva Barbosa ...............................................................................821
Laugrinei P. B. da Anunciação - UCB ...........................................................821
9
FONAPER

A ESPIRITUALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO DOCENTE ....................... 833


Monica Pinz Alves ........................................................................................ 833

PROFESSOR COMO MEDIADOR DE APRENDIZAGEM NO ENSINO


RELIGIOSO .......................................................................................... 847
Nancy Pereira da Silva ................................................................................. 847

GT10: CONHECIMENTOS E RELIGIOSIDADES INDÍGENAS E O ENSINO


RELIGIOSO .......................................................................................................... 861

RITUAL DO KIKI: UMA CELEBRAÇÃO DE VIDAS .................................... 863


Avalcir Rita Ferrari ........................................................................................ 863
Rosinei Pedrotti Ferrari ................................................................................. 863
Leonel Piovezana ......................................................................................... 863

INOVAÇÃO PEDAGÓGICA PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM CULTURAS


INDÍGENAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ......................................... 877
Leonel Piovezana ......................................................................................... 877
Luciano Jaeger ............................................................................................. 877
Ediana M. M. Finatto ..................................................................................... 877

RELIGIOSIDADE INDÍGENA: REFLEXÕES SOBRE OS POVOS KAINGANG


........................................................................................................... 893
Gilberto Oliari ................................................................................................ 893

RELIGIOSIDADES MACUXI E A PERSPECTIVA PARA O ENSINO


RELIGIOSO .......................................................................................... 905
Manoel Gomes Rabelo Filho ........................................................................ 905

GT 11: CONHECIMENTOS E RELIGIOSIDADES AFRICANAS E AFRO-


BRASILEIRAS E O ENSINO RELIGIOSO ........................................................... 923

ESTÁGIO DE DOCÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA ENVOLVENDO


ELEMENTOS ESSENCIAIS E INDIVIDUAIS DA UMBANDA ...................... 925
Adenize Vieira de Jesus ............................................................................... 925
Daiane Waltrick ............................................................................................. 925
Ediana M. M. Finatto ..................................................................................... 925

10
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

BEBÊS ABAYOMIS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO


RELIGIOSO NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ........... 947
Dina Carla da Costa Bandeira .......................................................................947
Elane Queiroz Carneiro Ribeiro ....................................................................947

ENSINO RELIGIOSO E RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS: CONFLITOS


E DESAFIOS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO AMAPÁ ............................... 959
Elivaldo Serrão Custódio ...............................................................................959
Eugenia da Luz Silva Foster .........................................................................959

DESAFIOS DO ENSINO DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ............... 977


Fabiano Aparecido Costa Leite .....................................................................977

RELIGIOSIDADE AFROBRASILEIRA E O TRATO PEDAGÓGICO NO ENSINO


RELIGIOSO .......................................................................................... 989
Alysson Brabo Antero ....................................................................................989

11
APRESENTAÇÃO

Em âmbito nacional, a educação básica tem ocupado lugar de


destaque nos últimos anos, principalmente após a promulgação da
Resolução CNE/CEB n° 4/2010, que institui novas Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNGEB)1 e da Resolução
CNE/CEB nº 7/2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos2 (DCNEF).
As diretrizes apresentam a organização curricular por áreas de
conhecimento. O art. 13, explica que os conteúdos escolares são
constituídos por componentes curriculares que, por sua vez, se articulam
com as áreas de conhecimento, as quais favorecem a comunicação entre
diferentes conhecimentos sistematizados entre estes e outros
saberes, mas permitem que os referenciais próprios de cada
componente curricular sejam preservados.
No art. 15, os componentes curriculares obrigatórios do ensino
fundamental são assim organizados em relação às áreas de
conhecimento:
I – Linguagens:
a) Língua Portuguesa;
b) Língua Materna, para populações indígenas;
c) Língua Estrangeira moderna;
d) Arte; e
e) Educação Física;
II – Matemática;
III – Ciências da Natureza;
IV – Ciências Humanas:
a) História;
b) Geografia;
V – Ensino Religioso.

Neste contexto de consolidação da educação básica, do processo de


reorganização curricular, de redefinição da base nacional comum e da

1
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB nº 4/2010. Define
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília, DF, 2010.
2
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB nº 7/2010. Fixa as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove (9) Anos. Brasília,
DF, 2010.
FONAPER

parte diversificada, da nova relação entre área de conhecimento e


componente curricular, que se insere o Ensino Religioso.
Atentos às mudanças da sociedade brasileira e frente aos desafios
contemporâneos surgidos após a Constituição Federal de 1988, diferentes
sujeitos vêm propondo e construindo novos paradigmas para o ensino
religioso. Legitimado pelo Art. 33 da LDB nº. 9.394/96 (redação alterada
pela Lei nº. 9.475/1997)3, é considerado disciplina escolar, parte integrante
da formação básica do cidadão, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
Desde então, o Ensino Religioso objetiva disponibilizar
conhecimentos construídos historicamente pelas culturas e tradições
religiosas, a fim de possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença,
valorizando a diversidade cultural religiosa presente na sociedade, como
uma das formas de promover e exercitar a liberdade de concepções e a
construção da autonomia e da cidadania, prerrogativas de um Estado laico
e democrático.
Todo conhecimento humano, inclusive o religioso, independente da
forma como foi construído, quando elaborado, torna-se patrimônio da
humanidade. Sendo patrimônio da humanidade, deve estar disponível à
escola a fim de possibilitar ao educando uma compreensão mais acurada
da realidade em que está inserido, possibilitando o desenvolvimento de
ações conscientes e seguras no mundo imediato, além de ampliar o seu
universo cultural. (MOREIRA; CANDAU, 2008)4.
A fim de atender as necessidades e garantir os direitos de
aprendizagem dos educandos, o conhecimento que transita o cotidiano
escolar apresenta certas características próprias para serem tratados na
escola, por isso denominados de conhecimentos escolares.

[...] Concebemos o conhecimento escolar como uma construção


específica da esfera educativa, não como uma mera simplificação de
conhecimentos produzidos fora da escola. Consideramos, ainda, que
o conhecimento escolar tem características próprias que o distinguem

3
O Art. 33, o primeiro a ser modificado da LDBEN nº. 9.394/1996, procede de uma
grande mobilização da sociedade brasileira, envolvendo educadores, representantes de
entidades civis, religiosas, educacionais, governamentais e não governamentais, de
diferentes setores de atuação, sensibilizados e comprometidos com a causa do Ensino
Religioso na escola pública, em nível da Educação Básica.
4
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e
cultura. In: BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.
Indagações sobre o currículo. Brasília, 2008.
14
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de outras formas de conhecimento. (MOREIRA; CANDAU, 2008, p.


22).

Essas características se tornam evidentes em diferentes momentos,


sendo um deles o tratamento dado aos conhecimentos no processo de
ensino-aprendizagem. Quando ensinados na escola, não podem ser
tratados como ―cópias exatas de conhecimentos socialmente construídos‖
(MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 23). Significa dizer que não se trata de
uma simples mudança de posição ou de lugar. Se assim fosse, a função
da escola e do professor estariam comprometidas, pois não podem ser
reduzidos a simples receptores de conhecimentos elaborados pelas
instituições produtoras do conhecimento científico e das demais áreas da
atividade humana, como o mundo do trabalho, das tecnologias, dos
movimentos sociais, da produção artística, do campo da saúde, das
atividades desportivas e corporais e outras. A escola também pode ser um
espaço de produção de conhecimentos no processo de ensino-
aprendizagem.
Neste sentido, é de fundamental importância compreender que:

Para se tornarem conhecimentos escolares, os conhecimentos de


referência sofrem uma descontextualização e, a seguir, um processo
de recontextualização. A atividade escolar, portanto, supõe uma certa
ruptura com as atividades próprias dos campos de referência.
(MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 23).

É nesta perspectiva que a formação específica para cada área do


conhecimento da educação básica tem seu fundamento. É o professor
licenciado para determinado componente curricular que poderá reunir as
condições necessárias para ler, interpretar e realizar o processo de
descontextualização e a posterior recontextualização com seus educandos
em um determinado contexto histórico-cultural, tornando assim os
conhecimentos significativos para aqueles sujeitos.
Isso posto e, diante das DCNGEB, das DCNEF e do art. 33 da LDB,
cabe perguntar: como os conhecimentos são construídos nas culturas e
tradições religiosas? Como esses conhecimentos elaborados e
sistematizados pelas ciências chegam até a escola? Quais são os desafios
e possibilidades inerentes ao processo de descontextualização e
recontextualização dos conhecimentos no Ensino Religioso? Quais são os

15
FONAPER

desafios e perspectivas para a formação de professores na área do ensino


religioso?
Discutir e socializar estudos e pesquisas relacionadas aos processos
de construção de conhecimentos nas culturas e tradições religiosas e suas
interfaces com o Ensino Religioso enquanto área de conhecimento da
educação básica, bem como oportunizar a comunicação de pesquisas e
práticas pedagógicas que dizem respeito a essa temática, foram as
intenções do VII CONERE.
Ao todo, 64 trabalhos foram aprovados pela Comissão Científica
para a publicação, os quais integram o presente volume dos Anais do VII
CONERE.
O FONAPER agradece as instituições copromotoras e apoiadoras do
evento, os membros da Comissão Organizadora e da Comissão Científica,
acadêmicos, pesquisadores e docentes de Educação Básica que
gentilmente submeteram seus trabalhos, bem como a todos os
participantes do VII CONERE, os quais, em conjunto, contribuíram para a
realização de mais um evento científico em prol da consolidação do Ensino
Religioso como área de conhecimento na Educação Básica.

Coordenação FONAPER
(Gestão 2012-2014)

16
PROGRAMAÇÃO

DATA HORA ATIVIDADE C-H


16h00 Credenciamento
03/10 18h30 Solenidade de Abertura
5ª feira
19h00 Mesa I: A construção dos conhecimentos nas culturas
às - tradições religiosas e não-religiosas 4h/a
21h30
8h00 Comunicações de trabalhos – GTs 5h/a
às
12h00
14h00 Minicursos
às
16h00
17h00 Mesa II – Os conhecimentos religiosos e não- 6h/a
04/10
às religiosos na produção do conhecimento científico.
6ª feira
19h30
Plenária
19h30 Assembleia Ordinária do FONAPER

20h30 Noite Cultural

Mesa III: A (re)construção dos conhecimentos


05/10 08h30 religiosos e não- religiosos no Ensino Religioso.
Sábado Plenária 5h/a
12h30 Solenidade Encerramento
COMUNICAÇÕES
GT1: FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ENSINO RELIGIOSO

Coordenação:
Dra. Lílian Blank de Oliveira (RELER/FURB);
Me. Simone Riske-Koch (FURB/FONAPER)
Dra. Elisa Rodrigues (UFJF)

Ementa: Ao longo da história da educação brasileira, diferentes ações foram


implementadas visando garantir a oferta de formação inicial e continuada aos
professores de Ensino Religioso. Entretanto, a partir da promulgação da Lei n.
9.475/97, a formação de docentes para esta área do conhecimento tem sido alvo
de crescente interesse, discussão e pesquisa em âmbito nacional, envolvendo a
comunidade acadêmica, sistemas de ensino e organizações da sociedade civil,
tendo em vista a necessidade de assegurar o respeito à diversidade cultural-
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Este GT busca
problematizar, discutir e socializar referenciais, políticas e práticas relativas à
formação inicial e continuada na área de conhecimento de Ensino Religioso na
atualidade brasileira.

Palavras-chave: Formação Docente; Ensino Religioso; Diversidade Cultural


Religiosa; Brasil.
A PRÁTICA REFLEXIVA NO CONTEXTO DE AÇÃO DO
PROFESSOR PESQUISADOR

Gleyds Silva Domingues1 - FACULDADES EST

Resumo:
A prática reflexiva torna-se o ponto chave para que o docente repense a sua ação
pedagógica, a qual não deve estar limitada ao ato de transmissão de um conhecimento
sistematizado. Antes, faz-se necessário revisitar a sua forma de pensar, agir e decidir
diante de uma situação ou processo educativo. Sendo assim, questiona-se: como a prática
reflexiva pode contribuir de forma significativa com a ação do professor-pesquisador? E
ainda, como formar o professor para o exercício de uma prática reflexiva? Diante da
questão levantada, esta pesquisa visa apontar a relevância da prática reflexiva na formação
do professor pesquisador situado no campo do ensino religioso. A intenção volta-se para
tecer uma discussão sobre a formação profissional, uma vez que tanto o processo de
ensino como de aprendizagem são demarcados por diferentes significações. A proposta,
então, apresenta como direção o desenvolvimento da formação profissional reflexiva e
como esta deve ser considerada pelo docente, no que se refere a sua ação educativa. Esse
é o desafio ou a trama a ser construída nesta investigação.

Palavras-chave: prática reflexiva; professor pesquisador; formação profissional.

Introdução
O contexto do trabalho docente torna-se referente de uma prática
profissional, a qual é revestida de códigos e linguagens que lhe dão
sentido e significação, isso porque no seu interior ocorrem representações
que são parte do fazer docente, as quais revelam concepções e saberes
oriundos, quer da experiência, quer da sistematização de conhecimentos
de natureza teórico-prática.
O fazer docente, então, é marcado por saberes que tem sua origem
nos conhecimentos tácitos e científicos, os quais foram e continuam sendo
adquiridos no processo de formação quer seja inicial ou continuada, sendo
alvos diretos da ação reflexiva, e por isso são fundamentais no ato de
repensar e ressignificar a prática educativa.

1
Doutoranda em Teologia (Faculdades EST); Bolsista da CAPES, Mestre em Educação.
Integrante do Grupo de Pesquisa Currículo, identidade religiosa e práxis educativa e
pesquisadora do Núcleo Paranaense de Pesquisas em Religião (NUPER). E-mail:
gsdomingues@ig.com.br
FONAPER

Esses saberes, ainda, são expressos no trabalho educativo e


possibilitam ao professor tecer diálogos com a realidade em que está
inserido. Isso se torna mais evidente quando os saberes são percebidos no
interior de uma prática reflexiva, a qual se apresenta na tríade relacional
ação-reflexão-tomada de decisão.
A prática reflexiva torna-se, então, o objeto eleito neste trabalho, cujo
objetivo volta-se para compreender o seu sentido no contexto do trabalho
docente, uma vez que a mesma requer do profissional professor(a) o
desenvolvimento de uma escuta atenta capaz de perceber os detalhes
envolvidos na trama relacional, em que este profissional encontra-se
inserido: a práxis educativa.
Diante disto, surge a questão problematizadora a ser investigada:
como a prática reflexiva pode contribuir de forma significativa com a ação
do professor pesquisador? E ainda, como formar o professor para o
exercício de uma prática reflexiva?
A finalidade do trabalho não é apresentar respostas pontuais sobre a
problemática levantada, antes objetiva-se discutir a questão, a fim de
contribuir com o campo de pesquisa sobre formação de professores, no
sentido de pontuar possibilidades a serem consideradas, no que diz
respeito ao fazer docente em relação à prática reflexiva.
Eis um caminho a ser trilhado. A busca começou.

Saberes, formação e identidade docente

Ao falar em formação docente faz-se necessário tecer relações entre


os saberes e a prática profissional a ser exercida, isso porque não há
prática esvaziada de sentidos, antes ela partilha de certos saberes que dão
forma e representatividade à ação educativa. Entende-se que os sentidos
incorporados ao fazer docente são construídos numa trajetória de
formação e profissionalização, visto que envolve um processo marcado por
experiências, significações e conhecimentos que comporão a identidade
profissional docente.
―A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não
é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de
construção de maneiras de ser e estar na profissão‖. (NÓVOA, 1995, p.
34). A identidade, ainda:

24
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

[...] nos permite aprender a ser o que somos, nos distanciando do que
não somos, ajuda a compreender a complexidade do nosso trabalho e
a importância do mesmo, imprime em nós um caráter, uma marca,
uma especificidade que distingue pessoas e produz conhecimento
(CUNHA, 2005, p.167).

A identidade docente, então, constitui-se de digitais que são


atinentes ao exercício de uma profissionalidade, a qual é revestida de
saberes que se tornam próprios de uma profissão. Isso porque, a
profissionalidade é ―caracterizada por um conjunto de competências,
habilidades e valores instituídos pela sociedade‖. (DOMINGUES, 2007, p.
22).
No caso brasileiro da formação profissional de professores, este
conjunto - de competências, habilidades e valores - pode ser encontrado
nas Diretrizes Curriculares de Formação de Professores, as quais são
utilizadas pelas diferentes instituições de ensino superior na organização e
construção de seus projetos pedagógicos voltados à formação docente.
Para Nóvoa (1992, p. 26):

Os professores têm de afirmar a sua profissionalidade em um universo


complexo de poderes e relações sociais, não abdicando de uma
definição ética – e, num certo sentido, militante – da sai profissão, mas
não alimentando utopias excessivas, que se viram contra eles,
obrigando-os a carregar aos ombros o peso das injustiças sociais. A
causa do mal estar dos professores prende-se, sem dúvida, à
defasagem que existe nos dias de hoje entre uma imagem idílica da
profissão docente e as realidades concretas com que os professores
se deparam no seu dia a dia.

Ainda sobre a profissionalidade docente é perceptível que a mesma


expresse de fato uma identidade real, ou seja, aquela que está
consubstanciada na realidade e não distanciada da mesma, o que torna
um grande desafio no processo de formação e profissionalização, pois
parte-se da ideia de uma prática fundamentada numa teoria e de uma
teoria fundamentada numa prática.
Afinal, ―os professores e as professoras também têm teorias que
embasam a sua prática e práticas que embasam suas teorias, e esses
conhecimentos podem ser sistematizados‖. (GERALDI et al., 1998, p. 264)
A relação teoria e prática torna-se o ponto de equilíbrio a ser
buscado no processo de formação docente, visto que é nesta busca que
os saberes serão situados e constituídos. Os saberes, então, podem ser
considerados como a expressão fundante do trabalho docente, pois
25
FONAPER

revelam posicionamentos, concepções e fazeres que foram se


consolidando no decorrer de um tempo histórico. ―A apropriação desses
saberes pelo educador pode contribuir para que sua prática seja reflexiva,
consciente e politizada‖ (BENASSULY, 2002, p. 185).
Não é à toa que os saberes são apresentados pelos estudiosos da
formação docente em categorias. Essas categorias expressam, de fato, as
significações que são representadas no fazer docente e que influenciam,
sobremaneira, a forma como este docente pensa, age e sente sobre o
exercício de sua profissão.
Weisser (1998, p. 95) sinaliza que os saberes da prática ―não são
fruto de uma transmissão, mas de uma apropriação e de uma produção;
eles estão ligados ao ator profissional, mas também à sua pessoa‖.
Os saberes imprimem o jeito de ser do docente, ou seja, eles
refletem a forma com que cada docente se afirma diante do conteúdo do
seu trabalho e também da vida. Ainda sobre os saberes, Tardif (2002)
afirma que são eles plurais, pois compreendem os conhecimentos ligados
à disciplina, ao currículo, à experiência e à formação profissional.
Na visão, ainda, de Tardif o saber tem natureza social e por isso
revela a presença de uma intencionalidade na ação do professor,
requerendo dele uma postura profissional política e ética. Isto porque, ―O
professor é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu
programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da
educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua
experiência‖ (TARDIF, 2002, p. 39).
Para Gauthier (1998, p.27), a prática educativa é pautada na
―mobilização de vários saberes que formam uma espécie de reservatório
no qual o professor se abastece para responder a exigências de sua
situação concreta de ensino‖.
Assim, na tentativa de encontrar respostas para as questões
enfrentadas no cotidiano de sua ação educativa, surge a necessidade de
os professores autorrefletirem sobre suas práticas. Essa reflexão requer
posicionamento crítico diante da realidade, como também bases teóricas,
epistemológicas e práticas que substanciam seu trabalho docente.
A prática reflexiva
A reflexão é um ato que envolve escuta sensível dos sujeitos quanto
à leitura da realidade presente. Esta realidade é marcada por significações

26
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

que dão vida ao trabalho efetivado, principalmente quando este envolve o


processo de ensinar e aprender.
Afinal, ―o ensino não é um meio para conseguir certos objetivos fixos,
previamente estabelecidos, mas o espaço no qual se realizam os valores
que orientam a intencionalidade educativa (SACRISTÁN e PÉREZ
GÓMEZ, 2007, p.86)‖.
O ato do ensinar e do aprender constitui um processo relacional a ser
mediado, o que retira dele o caráter puramente técnico e transmissivo, pois
à medida que há interação o ato educativo se apresenta como uma
possibilidade aberta para o diálogo e para o enfrentamento da realidade
social, pois a partir das questões levantadas, os sujeitos autorrefletem e se
posicionam criticamente diante das problemáticas advindas de um
contexto, no sentido de buscar sentidos para o seu pensar e agir no
mundo.
A condição basilar do ensino é ―transformar a informação numa
ponte luminosa entre a realidade do aluno e a realidade da cultura, entre o
mundo do aluno e o mundo da gramática, entre a vida do aluno e a vida
das palavras (PERISSÉ, 2012, p. 14)‖.
Frente a esta realidade interacional, entende-se que o agir reflexivo
torna-se uma prática emancipatória que requer do professor uma visão
comprometida com a reconstrução social. Isso porque, ele se torna um
protagonista de sua ação, pois assume o processo de autoria que permite
a construção de novos saberes, os quais se farão presentes no processo
ensino e aprendizagem.
Desta forma, ao transpor a concepção do professor reflexivo para o
Ensino Religioso percebe-se que seu papel requer abertura para o diálogo
e, acima de tudo, a aceitação do outro. Esse outro é percebido e sentido
com toda a gama de discursos construídos, aceitos e representados na
esfera social.
A ação reflexiva do professor frente ao seu trabalho docente, ainda,
remete à prática da autonomia legitimada e consolidada, que busca nos
discursos produzidos a representação dos papeis que entram em jogo no
ato de fazer e acontecer a educação.

A ação reflexiva é um processo que implica mais do que a busca de


soluções lógicas e racionais para os problemas; envolve intuição,
emoção; não é um conjunto de técnicas que possa ser empacotado e
ensinado aos professores. A busca do professor reflexivo é a busca do

27
FONAPER

equilíbrio entre a reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento.


(GERALDI et al, 1998, p.248)

A reflexividade, então, não é um ato simples da prática docente, isso


porque o próprio ato revela o modo como o pensamento é projetado e
concretizado no trabalho educativo. Quando se pensa em ação reflexiva,
deve-se fazer a correlação possível entre os sujeitos em cena, a partir de
suas leituras e percepções sobre a vida e, principalmente, como esses
apreendem os objetos e os sentidos atribuídos no ato de significação e
desvelamento do desconhecido.

A reflexão não é apenas um processo psicológico individual, passível


de ser estudado a partir de esquemas formais, independentes do
conteúdo, do contexto e das interações. A reflexão implica a imersão
consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo
carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos,
correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos. O
conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico só pode ser
considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado
significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica,
mas em esquemas de pensamento mais genéricos ativados pelo
indivíduo quando interpreta a realidade concreta em que vive e
quando organiza a sua própria experiência (PÉREZ GÓMEZ, 1992,
p.103).

Ao se posicionar política e historicamente, o professor reflexivo


confere novos jeitos de trabalhar o Ensino Religioso, à medida que permite
o ato de se descobrir diante do inusitado, do inesperado, do impensável e
do não crido. Nesse gesto de abertura para o diferente há a proposição da
autonomia, que confere voz e vez aos sujeitos que estão diretamente
envolvidos nas práticas cotidianas, pois o que se fala é de vida e não de
outra coisa.
A prática reflexiva no fazer docente torna-se o ponto de partida para
o exercício da alteridade, capaz de posicionamento e enfrentamento, cuja
finalidade não é o distanciamento, mas a busca pelo outro. Mais uma vez
este outro que desequilibra e torna a vida um grande desafio, assim como
o trabalho educativo a ser construído num tempo e num espaço
demarcado na história.
Ao praticar a reflexão no Ensino Religioso o que se tem em mente é
a diversidade de ideias, de ações e leituras sobre a vida. Vida significada,
experimentada e compartilhada, quer seja por um conjunto de crenças,

28
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

tradições e visões de mundo. A prática reflexiva coloca em confronto as


certezas que fundamentam o sentido de ser, estar e viver neste mundo.

A reflexão na e sobre a ação evidencia o momento entre o ato


pensado, concretizado e o que poderá ser reelaborado, que requer
registro do professor e suas ações. Esse registro não se limita a
práticas, mas são formulações e reformulações de possíveis ações,
como respostas às reflexões sobre o problema encontrado na
realidade escolar (DOMINGUES, 2007, p. 29).

Tem-se na prática reflexiva uma visão que projeta para o


desconhecido. É um ato de desvelamento, de descoberta e de aventura,
pois de fato não se busca por respostas prontas, mas por perguntas que
desafiam as certezas, o que torna esta prática um ato do sujeito, envolto
em suas percepções e subjetividades.

À guisa de conclusão
Falar da prática reflexiva na formação e prática docente requer um
olhar atento para o processo educativo em que estão imersos os
professores e as professoras, isso porque este processo não pode ser
limitado apenas ao momento de sistematização do conhecimento, pois sua
amplitude abarca as experiências e os saberes teórico-práticos que são
construídos ao longo de uma trajetória profissional.
Os saberes delineiam a identidade docente e o modo como cada
professor e professora orientam seu trabalho educativo, o que requer do
profissional uma postura comprometida com as questões éticas, políticas e
sociais em que se encontram imersos.
Pensar a reflexividade na prática docente é assumir que a mesma
possibilita tecer leituras sobre o vivido, o experenciado e o construído, quer
seja de forma subjetiva ou em conjunto com seus pares. O desafio a ser
perseguido é que o ato da reflexão se faça presente no contexto do
trabalho docente, a fim de significar o seu trabalho educativo.
Nesta direção, a reflexividade no contexto do Ensino Religioso torna-
se referente de uma prática que busca tecer linhas de confronto com o
estabelecido na realidade social. Assim, não há que se falar numa prática
religiosa, mas de uma multiplicidade de cosmovisões que significam a vida.
A busca pelo sentido da reflexão começa quando se toma
consciência das possibilidades a serem construídas no âmbito da prática

29
FONAPER

docente, a qual demanda novas leituras e interpretações daquele que


observa, sente, age e vive a educação. Essa é a grande diferença.

Referências

BENASSULY, J. S. A formação do professor reflexivo e inventivo. In:


LINHARES, C.; LEAL, M.C. (Orgs.). Formação de Professores: uma crítica
à razão e à política hegemônicas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

CUNHA, Kátia Silva. A Formação Continuada Stricto Sensu: sentidos


construídos pelos docentes do ensino superior privado face às exigências
legais. Dissertação (Mestrado em Educação). Recife: CE/UFPE, 2005.

DOMINGUES, G. S. Concepções de investigação-ação na formação inicial


deprofessores. 2007, 135 p. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós
Graduação (strictosensu) em Educação, Universidade Metodista de
Piracicaba - SP, 2007.

GAUTHIER, C. et al.Por uma teoria da pedagogia: pesquisas


contemporâneas sobre o saber docente - Coleção Fronteiras da Educação.
Ijui: Ed.UNIJUÍ, 1998.

GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D. e PEREIRA, E. M. DE. A.


(orgs).Cartografia do trabalho docente: professor(a) pesquisador(a). SP:
Mercado das Letras, 1998.

NÓVOA, A. (org). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote,


1992.

______. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In:


FAZENDA, I. (org.) A Pesquisa em Educação e as transformações do
conhecimento. Campinas: Papirus,1995, p.29-41.

PÉREZ GOMÉZ, A. O pensamento prático do professor – a formação do


professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org). Os professores
e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

PERISSÉ, Gabriel. A arte de ensinar. Brasília: Editora UNB, 2008.

SACRISTÁN, Juan Gimeno; PÈREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e


transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 2007.

30
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 2a edição.


Petrópolis: Vozes, 2002.

WEISSER, M.Lesavoir de la pratique: I‟Existence precede I‟Essence.


Recherceetformation, Lessavoirs de la pratique: um enjeupourlarecherche
et laformation.INRP, n.27, p. 93-102, 1998.

31
FORMAÇÃO DOCENTE E DIVERSIDADE CULTURAL
RELIGIOSA: LICENCIATURA EM ENSINO RELIGIOSO DA FURB

Vanderlei Kulkamp (PARFOR/FURB)1

Gysselly Buzzi Puff (PARFOR/FURB)2

Adecir Pozzer (GPEAD/FURB)3

Resumo:
O presente artigo trata da formação docente do profissional de Ensino Religioso na
Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) que, com base no artigo 33 da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), visa assegurar o respeito à
diversidade cultural religiosa brasileira, em uma perspectiva de direitos humanos. Ao se
constatar grande carência de profissionais habilitados em Ensino Religioso para atuarem
nesta área do conhecimento da educação básica que, acaba sendo suprida por
profissionais com formação em pedagogia, filosofia, história e/ou outras áreas, verificamos
a relevância da licenciatura em Ensino Religioso para o estudo das diferentes
manifestações do fenômeno religioso presentes no cotidiano escolar e na sociedade de
modo a contextualizá-lo, a partir de pressupostos científicos e em perspectivas de direitos
humanos. Consideramos o Ensino Religioso, enquanto área de conhecimento e
componente curricular, um espaço privilegiado para o acesso aos conhecimentos
produzidos pelas culturas – tradições religiosas e não-religiosas, contribuindo
significativamente na construção de relações alteritárias na diversidade cultural religiosa.

Palavras-chave: Formação docente; Licenciatura em Ensino Religioso na FURB;


Diversidade Cultural Religiosa; Direitos Humanos.

1
Acadêmico da 8ª fase do Curso de Ciências da Religião: Licenciatura em Ensino
Religioso (PARFOR – Rio do Sul), da Universidade Regional de Blumenau (FURB).
Licenciado em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
Professor de Ensino Religioso na Rede Municipal de Agronômica/SC e de Filosofia na
Rede Estadual de Educação de Santa Catarina, Ensino Médio, na cidade de Rio do
Sul/SC. E-mail: vanderleikulkamp@ibest.com.br
2
Acadêmica da 8ª fase do Curso de Ciências da Religião: Licenciatura em Ensino
Religioso (PARFOR – Rio do Sul), da Universidade Regional de Blumenau (FURB).
Licenciada em Química pela FURB. Professora de Química e Ensino Religioso na Rede
Estadual de Educação de Santa Catarina, Ensino Fundamental e Médio, na cidade de
Lontras/SC. E-mail: shelly15@Yahoo.com.br
3
Mestrado em Educação pela UFSC; Graduação em Ciências da Religião - Licenciatura
em Ensino Religioso pela FURB (2010); Especialização em Formação de Professores
para o Ensino Religioso pela PUCPR (2006). Bacharel em Ciências Religiosas pela
PUCPR (2002). Membro dos grupos de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento
(GPEAD/FURB) e Arte e Educação da linha Filosofia da Educação (GRAFIA/UFSC).
Coordenador do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER 2012-
2014). Professor de Ensino Religioso Rede Pública do Estado Santa Catarina, da
Associação Franciscana Senhor Bom Jesus e no Curso de Ciências da Religião –
Licenciatura em Ensino Religioso na FURB/PARFOR. Atua na área da Educação, com
ênfase nos seguintes temas: diversidade cultural religiosa, ensino religioso, formação de
professores e direitos humanos. E-mail: pozzeradecir@hotmail.com
FONAPER

Introdução
Pensar a formação docente no Brasil requer uma ampliação de
olhares para além dos momentos formais pelos quais os formandos são
submetidos nos inúmeros processos formativos. Significa dizer que é
necessário compreender o conceito de formação no intuito de identificar os
pressupostos, princípios e valores que orientaram e orientam os processos
de formação presentes na atualidade.
Não nos deteremos na realização de uma análise histórica do
conceito e dos processos de formação de modo geral, apenas nos
propomos puxar um ―fio‖ da grande ―teia‖ que, de certa forma, incide
diretamente com a formação docente para o Ensino Religioso. Este ―fio‖
que nos dispomos refletir se refere à relação entre a diversidade cultural
religiosa e a formação docente para o Ensino Religioso no Brasil, com
especial atenção a licenciatura de Ensino Religioso da FURB.
É sabido, pois, que uma das marcas da sociedade brasileira é a
presença de inúmeras identidades culturais que, cada qual, trouxe crenças
e formas diversificadas de manifestá-las. Esta marca estava/está presente
nos diferentes grupos indígenas, ampliada e ao mesmo tempo negada com
a vinda dos colonizadores, seguida com o tráfico de africanos tornados
escravos, com os processos de imigração e mais recentemente com o
processo de mundianização.
Estes encontros entre culturas e crenças religiosas e não-religiosas
geraram sincretismos e despertaram a consciência de muitos para a
importância do respeito à diferença e a dignidade4 do outro5, porém,

4
Todo ser humano é portador de dignidade por ser diferente. O outro interpela o eu por
reconhecimento. O eu não poderá anular o outro ou simplesmente reduzi-lo ao mesmo.
Emerge daí a diferença que constitui cada pessoa, sob a qual se constroem as
identidades humanas. ―[...] A dignidade humana não provém do Estado e nem é criada
pela ordem jurídica ou simplesmente atribuída ao ser humano. A dignidade humana
fundamenta-se no ser sujeito e pessoa, do ―ser humano‖ como tal. Ela implica numa
existência anterior ao princípio da ordem jurídica do Estado. Ela interpela eticamente
pelo reconhecimento da alteridade absoluta. Ela é conquista, afirma uma nova
consciência histórica para ser humanamente no mundo social e político. É anterior a
qualquer direito estabelecido pelo Estado‖ (SIDEKUM, 2011, p. 40).
5
Para Levinas, o ―Outro‖ existe independentemente da intencionalidade do ―eu‖. É
totalmente diferente do ―eu‖. Totalmente livre diante do ―eu‖. ―O Outro metafísico é outro
de uma alteridade que não é formal, de uma alteridade que não é simples inverso da
identidade nem de uma alteridade feita de resistência ao Mesmo, mas de uma
alteridade anterior a toda a iniciativa, a todo imperialismo do mesmo; outro de uma
alteridade que constitui o próprio conteúdo do Outro; outro de uma alteridade que não
limita o mesmo, porque nesse caso o Outro não seria rigorosamente Outro: pela
34
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

possibilitou também a construção de preconceitos em relação à diferença


cultural e religiosa, gerando discriminação, invisibilização e estigmatização
do outro, sendo colonizado e não reconhecido em sua alteridade.
Na esteira deste contexto marcado pela diversidade cultural religiosa
é que diferentes conceitos e encaminhamentos na área da formação foram
se construindo e, em grande parte da história, reforçando certos
preconceitos referentes às crenças religiosas. No tocante ao Ensino
Religioso, a formação docente para as conhecidas ‗aulas de religião‘, de
‗educação religiosa‘ até na década de 1990 estava centrada nas
instituições religiosas cristãs. Segundo Caron (1997), esses professores
tinham formação em cursos de Teologia, Ciências Religiosas, Catequese,
Educação Cristã ou outras formações similares.
Deste modo, o Ensino Religioso tinha caráter confessional cristão.
Neste período ainda não existiam cursos de graduação com o objetivo de
formar profissionais habilitados para o Ensino Religioso, sendo capazes de
compreender o fenômeno religioso em suas diferentes manifestações
culturais religiosas, bem como as inúmeras linguagens religiosas ou não, a
partir de pressupostos científicos.
De acordo com Figueiredo (1994), as primeiras iniciativas para a
formação docente em Ensino Religioso de caráter não confessional,
surgiram no Sul do Brasil, especificamente no Estado de Santa Catarina.
Essas iniciativas são decorrentes das amplas discussões e estudos
iniciados nos anos 1970, principalmente a partir da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 5.692/1971, mas, surgem
também para atender ao art. 33, da Lei nº 9.394/1996, cuja redação fora
alterada pela Lei nº 9.475/19976.
Após algumas tentativas sem êxito de criar cursos de licenciatura em
Ensino Religioso no Estado de Santa Catarina7, a FURB, tendo recebido a
coordenação do Conselho Interconfessional para a Educação Religiosa

comunidade da fronteira, seria, dentro do sistema, ainda o Mesmo‖ (LEVINAS, 1980, p.


26).
6
―O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo‖ (BRASIL, 1997).
7
De acordo com Oliveira (2003), já em 1972 foi elaborado o primeiro projeto de curso de
licenciatura de Ensino Religioso. Outros dois projetos foram elaborados em 1973 e entre
1985 a 1990, de forma articulada com a Secretaria Estadual da Educação. Porém,
nenhum obteve êxito na sua implementação.
35
FONAPER

(CIER) e de representantes da Secretaria da Educação e do Desporto de


Santa Catarina (SED), em outubro de 1995, avaliou e acolheu a proposta
de ofertar licenciatura em Ensino Religioso. Para esta área do
conhecimento da educação básica, criava-se aí a primeira licenciatura do
país, exigindo e desafiando para uma nova perspectiva de formação
docente.
Neste sentido, pretendemos refletir alguns aspectos que, com base
na experiência de estarmos envolvidos com esta formação, reconhecemos
como diferenciais para o exercício da docência na atualidade, no intuito de
afirmar o quanto é relevante uma formação fundamentada em uma
perspectiva interreligiosa e intercultural em vista de uma educação
emancipadora.

Diversidade cultural religiosa brasileira: invisibilizações e reconhecimento

Tratar da diversidade religiosa presente na sociedade brasileira


implica compreender como a pluralidade de culturas está imbricada aos
processos históricos, políticos e sociais que, de uma forma ou de outra,
perpassam os processos formativos, tanto acadêmicos quanto escolares.
Antes de qualquer coisa, é preciso lembrar que a diversidade
religiosa foi (e continua) se constituindo nos encontros e/ou desencontros
entre as culturas, em que a dimensão transcendental foi sendo
representada e tomando forma de crenças fundadas em mitos, vivenciada
e representada em rituais e símbolos específicos.
Por cultura, concordamos que é o arcabouço para a sobrevivência e
o desenvolvimento do ser humano, por possibilitar aprendizagens, sentidos
e significados (SIDEKUM, 2009). O mesmo autor complementa tal
definição afirmando que ela é:

[...] todo o ato de aprender a viver e o processo de humanizar-se.


Cultura passa a ser o processo de humanização. Assim, podemos
definir a cultura como o modo de viver do ser humano. Pela cultura o
homem supera o que lhe é dado pela natureza. Portanto, a cultura é
todo o processo com o qual ele se transforma: a sociedade e o mundo
material. [...] A cultura compreende-se a partir da criatividade humana.
Essa criatividade é sua característica fundamental. O caráter
antropológico é a divisa que se estabelece com um mundo dado. [...] A
cultura expressa o desenvolvimento das habilidades cognitivas e
espirituais do ser humano. Além da ideação do mundo, o ser humano
é impulsionado para a transformação do mundo (SIDEKUM, 2009, p.
58-60).

36
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Todas as culturas produziram crenças religiosas frente aos


processos de compreensão e explicação dos fenômenos naturais e
humanos que incidiam sobre os corpos humanos e influenciavam o
ambiente que viviam. De acordo com Martini (1995), na raiz de toda
criação cultural reside uma possibilidade de transcendência. A capacidade
de transcender é uma dimensão inerente ao ser humano e esta integra
tudo o que está em seu envolto. Por isso, o ser humano foi deixando
marcas ao longo da história que o caracteriza como homo religiosu que, de
acordo com Eliade (2001), é a abertura às manifestações inteiramente
diferentes das realidades consideradas ―naturais‖.
O religioso, expresso em diferentes religiosidades e tradições
religiosas, passa a ser entendido como parte de uma totalidade,
corresponsável pela vida. Para Eliade, buscar conhecer o universo
transcendental e as situações assumidas pelo ser humano religioso é fazer
avançar seu conhecimento como um todo, embora se saiba que,

[...] a maior parte das situações assumidas pelo homem religioso das
sociedades primitivas e das civilizações arcaicas há muito tempo
foram ultrapassadas pela história. Mas não desapareceram sem
deixar vestígios: contribuíram para que nos tornássemos aquilo que
somos hoje; fazem parte, portanto, da nossa própria história (ELIADE,
2001, p. 164).

No Brasil, as crenças religiosas dos povos ancestrais indígenas e


africanos foram relegadas, negadas e invisibilizadas pelos colonizadores,
os quais impuseram outra crença, a cristã. Aos que se negavam à
conversão, à perseguição e ao não reconhecimento social e político. Além
dos povos ancestrais indígenas, passaram pelas mesmas restrições e
perseguições integrantes das religiões afro-brasileiras, judaicas e
protestantes, até a Proclamação da República. A diversidade cultural
religiosa era tida como uma ameaça ao fundamento em que a sociedade
brasileira estava organizada (FONAPER, 2000).
A concepção etnocêntrica, monocultural e colonialista não
permitia/permite ver/aceitar/acolher a diversidade cultural e religiosa que
constitui a sociedade brasileira. Com o processo de imigração iniciado no
século XIX e intensificado no século seguinte, juntamente com as lutas de
movimentos étnicos, sociais e religiosos ocorreu um processo de
ampliação e percepção da diversidade cultural religiosa. Mesmo assim, tal

37
FONAPER

processo se mostrou insuficiente e lento enquanto reconhecimento social e


político de inúmeras identidades culturais/religiosas.
É perceptível que, mesmo após as reformas educacionais, o modelo
etnocêntrico e monocultural permanece em propostas pedagógicas, em
currículos de formação docente, produções de materiais didáticos,
paradidáticos e outros, manifestando que, em certa medida, a própria
educação e demais processos formativos têm se mostrado
corresponsáveis na reprodução do pensamento monocultural. Pode-se
dizer que, ora ela assume oficialmente, ora oficiosamente valores da
cultura religiosa eurocêntrica, judaico-cristã, masculina, branca, negando
e/ou desconsiderando o religioso presente no substrato das diferentes
culturas.
Na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO,
publicada em 2002, a diversidade cultural é reconhecida como um
patrimônio da humanidade. Do conjunto de elementos que constituem as
culturas, não é possível excluir a dimensão das crenças religiosas, pois
são parte da cultura e, de uma forma ou de outra, exercem influência na
formação das identidades dos sujeitos.
Mesmo que, aparentemente, as diferenças culturais e religiosas
―convivam bem‖ no Brasil, é preciso afirmar que o contexto é complexo e
(re)produtor de exclusões, desafiando fundamentalmente os processos
formativos para que ampliem suas reflexões, estudos e práticas a fim de
superar processos que invisibilizam, discriminam e colonizam o outro em
sua alteridade.
Neste sentido, cabe destacar que a perspectiva intercultural e
interreligiosa tem despertado o interesse de educadores que,
comprometidos em assegurar o respeito e o (re)conhecimento da
diversidade religiosa no campo educacional, têm procurado refletir e
encaminhar práticas de caráter intercultural.

A formação da identidade do docente em ensino religioso

O reconhecimento do perfil do profissional de Ensino Religioso


possibilita o exercício da cidadania e a construção de uma relação
respeitosa com o diferente. O fato de acolher e aceitar o diferente e suas
diferenças permite conhecer o outro em mim mesmo. A partir desta atitude

38
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

compreendemos que cada pessoa é única e irrepetível, digna de


reconhecimento e respeito.
Deste modo, não é possível tornar o outro igual ao mesmo, pois,
acarretaria anulação total do outro, mas o que pode ocorrer são tentativas
de redução, causadas pela pouca liberdade e responsabilidade em
assumir a própria vida diante daquele/daquilo que a ameaça e,
principalmente diante de processos subalternos e colonizantes que
discretamente se desenvolvem na sociedade.
No decorrer da história, o professor da Educação Básica conviveu
com a desvalorização profissional.

A desvalorização do professor de educação básica (antigo primário e


ginásio e, depois, Ensino Fundamental; ensino secundário e, hoje,
Ensino Médio) é continuação do longo processo histórico da educação
no Brasil desde os tempos dos jesuítas, passando pela era pombalina,
que a República não conseguiu superar (CORDEIRO, 2010, p. 128).

Nas relações que o ser humano desenvolve, o uso das linguagens


tem de favorecer a construção de uma ética da comunicação capaz de
proporcionar transformações no convívio entre educandos e educadores.
Mas, a alteridade do outro não pode ser compreendida na sua totalidade,
pois acessamos o outro por meio da linguagem, e esta tem se
demonstrado limitada e falível, especialmente quando se trata do
entendimento do outro na sua infinitude.

A linguagem é a maneira mais complexa que o ser humano criou para


se relacionar com o mundo; ele faz a humanidade ser. Desde a
fecundação, a fala do grupo familiar já integra o indivíduo no nível
sociocultural da existência, transmitindo expectativas, escolhendo
nomes, relatando a experiência e progressos no seu crescimento. A
linguagem é a possibilidade concreta de os dados brutos da realidade
tornem objeto de conhecimento. A fala permite às gerações transmitir
o processo de interação com a natureza e elaborar a compreensão
sobre elas (ANDRADE,1993, p.22).

O ser humano nunca está pronto e, por ser inacabado, sempre


permanece buscando o conhecimento de si mesmo e do outro que, de
uma forma ou de outra, dá sentido a sua existência. Por isso, o espaço
escolar tem maior relevância quando compreendido como espaço de
construção de identidades individuais e coletivas, sendo a identidade e
alteridade do outro o imperativo ético para continuar pensando e agindo

39
FONAPER

não a partir de uma ―egologia‖, mas sim, a partir do outro, proposta


filosófica de Emmanuel Levinas8.
O reconhecimento da identidade e da alteridade do outro e do outro
em mim nos processos de formação docente encontra-se desafiada pela
globalização, o que tem trazido sérias consequências à educação. Os
elementos norteadores desta ideologia tentam inculturar nos formandos a
prática do consumismo, do individualismo, em que o ‗ter‘ tem muito mais
importância que o ‗ser‘. Assim sendo, pode-se cair no risco de formar
analfabetos funcionais.

Formação docente e a licenciatura em Ensino Religioso na FURB

Na atualidade, a formação do professor de Ensino Religioso


apresenta-se cercada por inúmeros desafios. De um modo geral, no Brasil,
é possível encontrar correntes que defendem a exclusão deste
componente curricular. Outras correntes defendem a permanência do
Ensino Religioso, mas de caráter confessional. Outra corrente defende a
permanência do Ensino Religioso laico, independente de qualquer
confissão religiosa e sem qualquer tipo de proselitismo. Mas, se há uma
legislação (Art. 210 da Constituição Federal; Art. 33 da LDB) e esta indica
uma concepção (assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, sem
proselitismo), por que tantas dificuldades para efetivamente pensar a oferta
de formação docente, bem como sua oferta por parte dos sistemas de
ensino, nesta perspectiva?
Com a promulgação da Lei nº 9.475/1997, que alterou a redação do
art. 339 da Lei nº 9.394/1996, inaugurou-se uma nova identidade deste
componente. O Ensino Religioso perde seu caráter confessional e/ou
interconfessional e adquire status de estudo do fenômeno religioso na
diversidade cultural religiosa do Brasil. A partir disso, surgem novas
demandas, especialmente voltadas à formação docente para esta área do

8
Para aprofundamentos, ver Tese de Doutoramento de Marcos Alexandre Alves, UFPEL,
2011, intitulada ―Pedagogia da Alteridade: O Ensino como Acolhimento Ético do Outro e
condição crítica do saber em Levinas‖.
9
O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do
cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino
fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo (BRASIL, 1997).
40
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

conhecimento (Cf. Resolução CNE/CEB nº 2 e Resolução CNE/CEB nº


4/2010).
O Ensino Religioso, enquanto área de conhecimento e componente
curricular tem de proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que
compõem o fenômeno religioso partindo das experiências religiosas e não
religiosas percebidas e vivenciadas no contexto dos educandos. Os
conteúdos do Ensino Religioso presentes no currículo visam garantir o
direito à diferença, promovendo a construção de relações interpessoais,
interculturais e interreligiosas, efetivando assim os princípios da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Para alcançar estes objetivos, faz-se mister formar docentes que
sejam capazes de desempenhar este papel na educação básica,
confrontando processos que reduzem o ser humano a lógica instrumental e
monocultural. Os docentes precisam ter consciência da complexidade
sociocultural da questão religiosa no ambiente escolar, estando abertos e
sensíveis à diversidade cultural religiosa, mediando diálogos, conflitos a
fim de garantir aprendizagens e o direito à expressão do pensar, crer, ser e
viver.
Como em todas as áreas de conhecimento, exige-se também do
profissional de Ensino Religioso, sensibilidade e responsabilidade frente às
pessoas que são parte dos processos formativos. Justifica-se com isso a
necessidade de profissionais que estejam devidamente preparados para o
exercício da docência no ambiente escolar.
Configuram algumas exigências para o profissional de Ensino
Religioso:

Compreenda o fenômeno religioso, contextualizando-o espacial e


temporalmente; Configure o fenômeno religioso através das ciências
da religião; Conheça a sistematização do fenômeno religioso pelas
tradições religiosas e suas teologias; Analise o papel das Tradições
religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e
manifestações sócio-culturais; Faça a exegese dos Textos Sagrados
orais e escritos das diferentes matrizes religiosas (africanas,
indígenas, ocidentais e orientais); Relacione o sentido da atitude
moral, como consequência do fenômeno religioso sistematizado pelas
Tradições Religiosas e como expressão da consciência e da resposta
pessoal e comunitária das pessoas (FONAPER, 1998, p. 11).

A formação acadêmica deste profissional deve auxiliar no estudo e


desenvolvimento de suas habilidades e competências. Uma das
dificuldades encontradas na atualidade é o número de profissionais
41
FONAPER

devidamente preparados e qualificados para a prática docente deste


componente. Por isso, encontramos situações onde professores
habilitados em outras áreas de conhecimento estão assumindo aulas de
Ensino Religioso com o intuito de complementar sua carga horária, sem
formação alguma.
As habilidades e competências que o profissional de Ensino
Religioso precisa adquirir durante a sua formação acadêmica são
múltiplas. Entre elas convém destacar a relação entre teoria e prática
através de uma formação sólida na área das ciências humanas, onde
conhecimentos religiosos de matriz indígena, africana, oriental e semita se
articulam em diferentes áreas como a Antropologia, Sociologia, Filosofia,
História, Geografia, Psicologia, Teologia, Ética e outras.
Com base no histórico de 18 anos - desde a instalação do Fórum
Nacional Permanente do Ensino Religioso – FONAPER, ele propõe que a
formação específica para o professor de Ensino Religioso em nível
superior, deve se dar por meio de licenciatura, precisa estar alicerçada em
dois pressupostos curriculares: o epistemológico, que tem suas bases nas
Ciências Sociais, especificamente nas Ciências da Religião e o
pedagógico, que se fundamenta nas Ciências da Educação. Estes
pressupostos necessitam estar articulados, sem que um se sobreponha ao
outro, mas que se complementem visando à formação docente
(FONAPER, 2008).
Na proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
graduação em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso,
elaborada a partir dos debates realizados no X Seminário Nacional de
Formação de Professores para o Ensino Religioso pelo FONAPER e,
encaminhado à presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE),
Professora Clélia Brandão Alvarenga Craveiro, em 4 de dezembro de
2008, assim propôs a contemplação dos dois pressupostos acima citados
no art. 7º:

O curso de Graduação em Ciências da Religião – Licenciatura em


Ensino Religioso terá a carga máxima de 2.800 horas de efetivo
trabalho acadêmico, assim distribuído:
I – 1.800 horas de conteúdos curriculares de natureza científico-
culturais específicos no campo das Ciências da Religião e da
Educação, incluindo atividades formativas como assistências às aulas,
realização de seminários e participação na realização de pesquisas;

42
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

II – 400 horas de prática como componente curricular, realizadas


articuladamente às questões metodológicas dos conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural;
III – 400 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado em todos os
níveis da Educação Básica, caracterizadas por um trabalho prático-
reflexivo devidamente acompanhado pelos docentes do curso, no qual
os graduandos desenvolverão atividades pedagógicas rigorosamente
planejadas;
IV – 200 horas de atividades complementares de cunho acadêmico-
científico-cultural em áreas específicas de interesse dos licenciados,
articulados ao campo das Ciências da Religião e da Educação
(FONAPER, 2008).

Outros aspectos fundamentais à formação docente para o Ensino


Religioso devem ser considerados, como: ter consciência crítica com
espírito investigativo, visão ampla da realidade/mundo/cosmo,
conhecimento do ser humano como um ser inacabado em contínuo
desenvolvimento, capacidade de discernimento e maturidade no exercício
de sua profissão, domínio dos conteúdos a serem estudados neste
componente, abertura à diversidade cultural e religiosa, senso de
responsabilidade perante o Outro, estímulo à pesquisa de campo.
Um professor de Ensino Religioso não pode reduzir sua formação ao
domínio dos saberes de diferentes culturas e tradições religiosas, mas,
para além destes conhecimentos necessários, precisa ter sensibilidade e
responsabilidade referente às questões que dizem respeito ao ser humano
em sua dignidade e alteridade, identificando e erradicando práticas
prosélitas na escola e na sociedade que depõem contra os direitos
humanos.
Nesta perspectiva e atendendo os imperativos legais no que se
refere à formação docente e às necessidades regionais, o Curso Ciências
da Religião: Licenciatura em Ensino Religioso da FURB reelaborou sua
proposta curricular no ano de 2011.
O objetivo do curso consiste em:

Auxiliar o acadêmico na construção de um referencial teórico-


metodológico que viabilize uma leitura e compreensão crítica dos
fenômenos religiosos na diversidade cultural, permitindo a construção
de uma sociedade justa, solidária e livre, capaz de reconhecer na
alteridade a dignidade de todas as formas e expressões de vida
(OLIVEIRA; RISKE-KOCH, 2012, p. 473).

43
FONAPER

De acordo com as mesmas autoras, espera-se que com essa


proposta curricular se atinja os seguintes objetivos enquanto curso de
graduação:

a) Habilitar o acadêmico para o exercício pedagógico em Ensino


Religioso na Educação Básica; b) Investigar e compreender a
dimensão educativa da escola e sua interação com a família,
comunidade e sociedade em suas diversidades; c) Situar o estudo dos
fenômenos religiosos no âmbito das ciências humanas; d)
Sistematizar categorias, conceitos e práticas que expressem
diferentes ideologias e relações com o que transcende as vivências
humanas; e) Estudar os fenômenos religiosos na complexidade das
relações sociais, culturais, políticas e pedagógicas, compreendendo-
os a partir de perspectivas inter e transdisciplinares; f) Analisar o papel
das tradições religiosas e não religiosas na organização e
estruturação das realidades sociais, históricas, políticas e culturais; g)
Reconhecer e respeitar as diversidades e complexidades das
diferentes manifestações e experiências religiosas nas sociedades e
culturas, combatendo a discriminação e quaisquer formas de
proselitismo no contexto escolar e social; h) Atuar com sensibilidade
ética, responsabilidade e compromisso, na perspectiva da constituição
de uma sociedade justa, solidária e humana, que indaga e busca
intervir nas fontes geradoras do sofrimento, da ignorância e da
injustiça; i) Conhecer as disposições previstas nas legislações do
magistério e específicas para os profissionais de Ensino Religioso
(OLIVEIRA; RISKE KOCH, 2012, p. 473-474).

Atingir estes objetivos significa formar professores para o Ensino


Religioso conscientes do compromisso enquanto gestores do
conhecimento, prática que deve ter como pano de fundo a criticidade.
Princípios éticos devem orientar a construção e/ou contextualização dos
saberes que transitam o cotidiano escolar, a fim de conviver com as
diversidades em uma perspectiva democrática e emancipatória, superando
práticas de invisibilização, discriminação e colonização do Outro.
Nesta perspectiva que o Curso Ciências da Religião com licenciatura
em Ensino Religioso da FURB reorganizou sua proposta curricular,
definindo em sua matriz curricular um total de 3.474 horas. Estas estão
distribuídas em 2.322 horas para componentes de caráter científico-
culturais e pedagógicas; 414 horas eixo articulador das licenciaturas; 486
horas destinadas à realização de estágios curriculares supervisionados na
educação básica e 252 horas para atividades acadêmicas científico-
culturais de cunho extracurricular (FURB, 2011).

44
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A organização curricular se distribui em áreas temáticas que, se


desdobram em um Eixo Geral que inclui componentes de outras áreas, e
um Eixo Específico que caracteriza a identidade de cada curso.
No Eixo Geral das licenciaturas, encontram-se os seguintes
componentes: Currículo e Didática; Psicologia da Educação; Humanidade,
Educação e Cidadania; Libras; Pesquisa em Educação; Políticas Públicas
e História e Legislação de Ensino e Produção de Texto I e II; Disciplina
Optativa I (FURB, 2011).
Já no Eixo Específico do Curso Ciências da Religião com licenciatura
em Ensino Religioso, os componentes são: Arte, Cultura e Religião;
Cosmovisão das Religiões e dos Movimentos Religiosos; Culturas e
Fenômenos Religiosos; Desenvolvimento Humano e Religiosidade;
Diálogos Interculturais e Diversidade Religiosa; Direitos Humanos e
Educação; Educação e Interculturalidade; Educação Inclusiva; Ensino
Religioso no Brasil I, II; Epistemologias e Fenômenos Religiosos; Estágio
em Ensino Religioso I, II, II, IV, V; Estética, Ética e Formação Docente;
Éticas; Fenômenos Religiosos e Desafios Contemporâneos; Filosofia e
Humanidade, Gestão, Planejamento e Avaliação Educacional; Histórias
Religiosas da América Latina; Introdução aos Textos e Narrativas
Sagradas; Linguagens e Fenômenos Religiosos; Meio Ambiente,
Sociedades e Tradições Religiosas; Metodologia do Ensino Religioso I, II;
Movimentos Sociais e Espiritualidades; Pesquisa em Ensino Religioso;
Religião, Ciência e Tecnologia; Sociedades, Religiões e Territórios;
Planejamento e Avaliação Educacional; Textos e Narrativas Sagradas
Indígenas; Textos e Narrativas Sagradas Africanas; Textos e Narrativas
Sagradas Orientais e Textos e Narrativas Sagradas Semitas (FURB,
2011).
Enquanto egresso e acadêmicos do Curso, ressaltamos a
significativa contribuição desta licenciatura na formação docente, pois, por
meio de sua proposta inovadora busca articular o ensino, a pesquisa e a
extensão, levando a um comprometimento acadêmico e social do
formando com as realidades que requerem outras práticas educacionais e
sociais, a fim de superar e combater situações desumanas de
desigualdades, invisibilizações e discriminações, que impedem o
(re)conhecimento da alteridade dos diferentes sujeitos históricos que estão
ou não em processos formativos.

45
FONAPER

Considerações finais

Se o Ensino Religioso é uma possibilidade real para o estudo das


diferenças culturais e religiosas na educação básica assegurando o direito
a ter uma ou outra religião, ou inclusive de não ter nenhuma; se, enquanto
área de conhecimento e componente curricular, o Ensino Religioso deve
disponibilizar e proporcionar o acesso ao conjunto de conhecimentos
religiosos produzidos pela humanidade e; se legalmente o Ensino
Religioso deve ser ofertado pela escola, em que medida uma formação
docente nesta perspectiva que tratamos, poderá contribuir para novos e
outros encaminhamentos relativos a oferta do Ensino Religioso nas
escolas, bem como a ampliação da formação para atender as demandas
educacionais e sociais?
A formação docente para o Ensino Religioso é fundamental que se
dê por meio de licenciatura em uma perspectiva interreligiosa e
intercultural, identificando e estudando as diferentes linguagens religiosas
e outras que o ser humano utiliza na construção e manutenção de
respostas e significados para sua existência. Formar para a sensibilidade e
responsabilidade em relação ao Outro, enquanto um sujeito histórico
constituído por subjetividade e singularidades, requer outros olhares,
encaminhamentos e práticas, capazes de subsidiar os docentes para o
desenvolvimento de processos democráticos e emancipatórios.
Neste sentido, ressaltamos a contribuição desta licenciatura à
formação humana e acadêmica para a prática docente do Ensino
Religioso. Não reduz a formação a aplicabilidade de uma dada ciência.
Forma para um olhar crítico do conhecimento seja religioso ou não, tendo
em vista uma docência que de fato garanta o direito à aprendizagem e ao
desenvolvimento dos formandos, necessários para construir mundos
possíveis, sustentáveis e justos.

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46
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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______. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 2/1998. Institui as


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de abril de 1998.

CARON, Lurdes. Entre Conquistas e Concessões: uma experiência


ecumênica em educação religiosa escolar. São Leopoldo, Sinodal, 1997.

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2002.

48
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DO ENSINO RELIGIOSO NUMA
PERSPECTIVA INCLUSIVA

Ana Cristina de Almeida Cavalcante Bastos1 – UFPB

Resumo:
O Ensino Religioso, numa visão epistemológica e pedagógica, é o lócus privilegiado para
promoção do reconhecimento e assunção cultural (FREIRE, 1996) das pessoas
pertencentes às minorias, dentre elas, as pessoas com deficiência. Essa pesquisa busca
analisar a formação continuada dos professores de Ensino Religioso nas escolas da Rede
Municipal de João Pessoa em educação especial/inclusiva. Pretende-se perceber como os
conceitos de inclusão/exclusão e diversidade se aplicam no resultado, responder a
indagação sobre a contribuição do Ensino Religioso para a inclusão do aluno com
deficiência no ambiente escolar, de forma a perceber se os professores se sentem
subsidiados com conhecimentos teóricos e práticos nesta área específica, para promover a
formação integral de seus alunos.

Palavras-Chave: Formação continuada; Pessoa com deficiência; Educação inclusiva;


Ensino religioso;

Introdução

O Ensino Religioso (ER), normatizado pela Lei 9.475 de 22/07/97,


caminha na transformação de uma hegemonia monocultural, resquício de
um ensino religioso confessional e interconfessional para uma concepção
focada no reconhecimento das diferenças, no respeito à diversidade
cultural/religiosa e no combate ao preconceito e intolerância.
O ER tem seus Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNERs
alicerçados nos princípios de cidadania, respeito à diversidade, tolerância
no entendimento do outro e na relação do ser humano em sua busca pelo
transcendente.
No texto ―Concepção de ensino religioso no FONAPER: Trajetórias
de um conceito em construção‖, o autor faz uma análise da importância do
Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso – FONAPER em seus 15
anos de existência, para a busca da ―ampliação, aprofundamento e

1
Professora da Rede Estadual à disposição da Fundação Centro Integrado de Apoio ao
Portador de Deficiência – FUNAD/Paraíba, atuando como reabilitadora na Assessoria de
Educação Especial – Professora da Educação de Jovens e Adultos da Rede Municipal
de João Pessoa – PMJP/PB – Graduada em Estudos Sociais – UEPB/PB e Pedagogia –
UVA/CE – Especialista em Psicopedagogia Institucional – CINTEP/PB – Mestranda em
Ciências da Religiões UFPB. E-mail: anacristinabastos2008@hotmail.com
FONAPER

efetivação de uma concepção de ER enquanto parte integrante da


formação básica do cidadão‖ (POZZER, 2010, p. 84). O mesmo autor
afirma que:

Esse entendimento levou o FONAPER a propor um objeto de estudo,


objetivos, encaminhamentos didáticos e metodológicos, eixos de
conteúdos e pressupostos para avaliação, buscando sustentação
epistemológica e pedagógica para o ER, o qual constantemente é
desafiado a mostrar sua importância na superação de preconceitos,
no tratamento adequado às culturas e grupos religiosos silenciados,
invisibilizados, negados e/ou exotizados, ao propor o
(re)conhecimento do diferente e suas diferenças a partir de, com e em
relações alteritárias.

Dessa forma, o ER torna-se um componente curricular apropriado


para trazer à tona as questões pertinentes à busca da construção de uma
educação inclusiva, voltada para garantir não somente o acesso de todos
os alunos, mas sua permanência com sucesso num ambiente escolar
acolhedor.

Desenvolvimento

A educação inclusiva, entendida como um processo em construção


de cunho mundial2, que implica no acesso e permanência de todos os
alunos na escola, conjuga igualdade e diferença como valores
indissociáveis (Brasil, 2008). Para tanto, requer adoção de práticas
pedagógicas que valorizem as potencialidades e a produção de
conhecimentos, segundo o ritmo e possibilidades de cada aluno,
independente de sua condição social, etnia ou deficiência que possua.
Uma série de documentos filosóficos e normativos de âmbito
internacional e nacional oferece subsídios e diretrizes para cada vez mais
erradicar a exclusão e favorecer o fortalecimento da Política Nacional da
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva em todo o
território brasileiro. A própria Constituição Brasileira, nossa Carta Magna
em seu Art. 3, diz que se deve ―promover o bem de todos, sem

2
O compromisso com a construção de sistemas educacionais inclusivos possui a
orientação de documentos de âmbito internacional, a partir da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), seguido da Declaração de Jontiem (1990), Declaração de
Salamanca (1994), Declaração de Guatemala (1998) e Convenção da ONU (2008), que
em seu artigo 24, garante, que nenhuma pessoa com deficiência seja excluída do
sistema educacional geral sob alegação de deficiência‖.
50
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas


de discriminação‖; Já o Art. 5º diz que ―Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza‖ e o Art. 206. Diz que um dos princípios
para ministrar o ensino é ―Igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola‖
O conjunto de Decretos, Leis, Portarias e Resoluções existentes,
além de Notas técnicas emanadas do Ministério da Educação e Cultura –
MEC através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), normatizam a garantia não somente a
oferta, mas a permanência com sucesso dos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação,
público-alvo da educação especial em ambiente escolar em iguais
condições que os demais alunos.
Apesar de todo o cabedal de marcos normativos que o Brasil dispõe,
observa-se que ainda existe um distanciamento entre a Lei e sua
aplicabilidade efetiva. Um exemplo disso é a Lei 7.853/89 que em seu
Artigo 8º diz o seguinte:

Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e


multa:
I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem
justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de
qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da
deficiência que porta.

Porém existe um longo caminho ainda a se percorrer para que essa


lei seja cumprida em sua totalidade e dessa forma, ainda acontecem
situações de preconceito e discriminação sofridas pelas pessoas público-
alvo da educação especial, que são as pessoas com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Muitas destas situações são oriundas do desconhecimento sobre os
direitos dessas pessoas em participar em situação de igualdade de todo e
qualquer espaço social, principalmente o espaço escolar, elemento meio
entre família e sociedade, que tem função vital para o desenvolvimento da
formação básica do cidadão.
A luta pela educação inclusiva vai muito além da garantia da
matrícula, pois o que se almeja é uma escola que não somente matricule,
mas ofereça oportunidades de desenvolvimento das potencialidades das
pessoas com deficiência, numa igualdade de oportunidades. É o que

51
FONAPER

Santos (2002, p.75) afirma em sua pauta transidentitária e transcultural:


―temos o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza e a ser
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza‖.
A educação inclusiva é um fenômeno muito complexo e de grande
envergadura e como tal, para que realmente se efetive depende de muitos
fatores, sendo a formação de professores, de capital importância para a
implantação/implementação dessa política pública.
O Decreto nº 5626 de 22 de dezembro de 2005, que trata da Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS e que também regulamentou o art. 18 da Lei
nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000, determinou em seu artigo 3º:

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória


nos cursos de formação de professores para o exercício do
magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de
Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do
sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do
conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal
superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são
considerados cursos de formação de professores e profissionais da
educação para o exercício do magistério.
§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos
demais cursos de educação superior e na educação profissional, a
partir de um ano da publicação deste Decreto.

No corpo do referido Decreto estão estabelecidos os prazos máximos


para a sua execução:
o
Art. 9 A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino
médio que oferecem cursos de formação para o magistério na
modalidade normal e as instituições de educação superior que
oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de professores
devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes prazos e
percentuais mínimos:
I - até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;
II - até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;
III - até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e
IV - dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.

Isso significa dizer que até o ano de 2015, todos os cursos de


Licenciatura, inclusive a graduação em Ciências das Religiões, têm de se
moldar à lei e ofertar a Libras como disciplina curricular obrigatória.
Espera-se, portanto, que o Decreto seja cumprido, muito embora que
alguns dos prazos nele existentes já foram exauridos e não se sabe se o

52
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

percentual estipulado para o seu cumprimento foi concretizado. Mas o


importante é que esta é uma grande vitória para a pessoa surda que cada
vez mais conquista o direito de ser entendido em sua língua materna que
já esta é oficializada no Brasil pela Lei 10.436, de 24 de abril de 2002.
Considerando que na Resolução nº 1/2012, do Conselho Nacional de
Educação, que trata da Educação em Direitos Humanos, ao evidenciar a
formação inicial e continuada dos profissionais da educação em seus
Artigos 8º e 9º, e tendo em seu Art. 3º, III, o ―reconhecimento e valorização
das diferenças e das diversidades‖, justifica-se trazer para a escola,
enquanto lócus dessa investigação, os conceitos de inclusão, exclusão e
diversidade, para que esta possa sair de uma cultura heterogênea e
assuma a condição de ser o melhor espaço de formação de valores
voltados à construção de um ser ético, solidário, fraterno e sensível aos
seus pares. Como afirma Freire (1996, p. 17):

A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação


discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética
inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com
crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar. E a melhor
maneira de por ela lutar, é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la,
vivaz, aos educandos em nossas relações com eles.

Para tanto, torna-se importante uma formação voltada à


complexidade e à transdisciplinaridade em educação, que se baseia
segundo Moraes e Navas (2010, p.15) ―no desenvolvimento integral da
pessoa humana e na realização plena de todas as suas capacidades e
possibilidades‖. Segundo Caetano (2007, p. 228) esta é uma visão
holística de perceber o ser humano enquanto ―sujeito epistêmico, ético-
social, afetivo, psicológico e sexual‖ que dá ao Ensino Religioso as
condições necessárias para trazer o foco da Educação Inclusiva para
dentro do contexto da escola.
O estudo do fenômeno religioso e suas manifestações em todos os
tempos, lugares e povos, alicerçados nos princípios de cidadania e na
busca pelo respeito à diversidade, deve favorecer a construção de uma
cultura de paz, com a abolição do preconceito e da discriminação. Daí a
relevância dessa pesquisa, que permitirá uma análise crítica e reflexiva
sobre o que o professor do ensino religioso entende por inclusão, exclusão
e diversidade; e de como esses conceitos são aplicados em sua prática
pedagógica, mais especificamente, na educação inclusiva enquanto

53
FONAPER

construção de um ambiente acolhedor para o recebimento e manutenção


dos alunos público-alvo da educação especial no ambiente escolar.
No decorrer da História, a pessoa com deficiência vem sofrendo um
processo de exclusão em seus aspectos sócio-econômicos, religiosos e
educacionais desde os primórdios das civilizações antigas até agora na
contemporaneidade (SANTIAGO, 2011). De um lado, a exclusão e por
outro, a luta por uma inclusão que vem ao longo do tempo, também
mostrando avanços capazes de fazer com que a história se modifique e
surjam políticas públicas voltadas para esse segmento populacional3.
A inclusão e a exclusão estão ao longo do tempo, lado a lado como
faces de uma mesma moeda, uma vez que só existe uma porque a outra
se evidencia. Tomando como exemplo o período da Antiguidade nas
sociedades Greco-romanas, muitas vezes quando nascia uma criança com
deficiência esta era sacrificada. Entretanto, nestas mesmas civilizações
alguns de seus cidadãos já pensavam de forma diferente, tanto é que
essas situações que já haviam se incorporado à sociedade vigente,
enquanto regra social, foram ao longo do tempo modificadas por um
pensamento de preservação da vida. E isso foi acontecendo em toda uma
cronologia sócio-histórica até chegar a nossa atualidade, na qual, apesar
dos avanços tecnológicos e de todas as conquistas legais, situações de
inclusão e exclusão ainda são vivenciadas.
A sociedade inclusiva passa necessariamente por uma escola
inclusiva que tem no perfil mediador do professor, o diferencial capaz de
suscitar a construção desse processo. (TEBAR, 2011, p. 19) afirma que ―o
papel dos docentes é fundamental no que se refere à qualidade e a
pertinência da educação e ainda diz que:

Mediar também é transmitir valores, é conectar vivências e elementos


culturais, é superar a ignorância e a privação cultural, abrindo ao outro
um mundo novo de significados. Ao mediar vamos além das
necessidades imediatas, transcendemos o presente, buscamos um
mundo de relações que antecipam o futuro ou apresentam outras
situações inesperadas. A mediação é um fenômeno vital; não
acontece somente na escola, é uma realidade em toda a vida
(TEBAR, 2011. p, 115).

3
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Marcos Político-
Legais da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva/Secrearia da
Educação Especial. – Brasília: Secretaria de Educação Especial, - 2010. 72 p. Este guia
contém uma série de Decretos, leis, resoluções e outros marcos normativos que
referendam a educação especial/inclusiva.

54
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Se o professor do ER busca mediar a formação de uma cultura de


paz, de respeito à diversidade cultural e religiosa, então nada mais viável
do que este profissional trabalhar com seus educandos o respeito à
condição de diferença de ―ser gente‖. Portanto, esta pesquisa busca
analisar o processo de formação continuada dos professores de Ensino
Religioso nas escolas da Rede Municipal de João Pessoa, objetivando
identificar se estes docentes possuem formação continuada em educação
especial/ inclusiva. Pretende também analisar como o conhecimento
teórico sobre educação inclusiva se aplica na prática pedagógica do
professor do ensino religioso.
Segundo Holmes (2010) o Ensino Religioso foi normatizado na
Paraíba através da Resolução 119/94 do Conselho Estadual de Educação
– CEE e ficou sob a responsabilidade da Secretaria Estadual da Educação
e Arquidiocese da Paraíba. Em 1986, foi implantado em todas as escolas
estaduais, da 5ª a 6ª série (atualmente, do 6º ao 9º ano).
Também em 1996, aconteceu a ―I Capacitação de Professores do
ER‖, com carga horária de 80h. Em 2000, houve o Curso à Distância
Capacitação para a Formação Docente Novo Milênio FONAPER, no qual
dos 100 (cem) educadores escritos, cinquenta e seis concluíram o curso
(ibidem, p.93). Em 2005, foi implantada através da Universidade Federal
da Paraíba, a primeira turma de especialização em Ciências das Religiões.
Em 2007, foi implantado o Mestrado e em 2008, o curso de
Licenciatura/Bacharelado nesta mesma área de ensino.
Isso nos leva a crer que os professores do ER do estado da Paraíba
têm possibilidades cada vez mais emergentes de formação inicial e
continuada na área específica em Ciências das Religiões, a exemplo do
Mestrado (ibidem, p.94), que é o primeiro Mestrado em Ciências das
Religiões no Nordeste e o 2º em uma Universidade Federal no Brasil.
Por isso, mais uma vez professamos a importância de contemplar
nestes espaços de formação, conteúdos inerentes ao contexto da inclusão
dos alunos público-alvo da educação especial em ambiente escolar, para
que a partir do momento em que os professores absorvam conhecimentos
teóricos e práticos, possam se sentir subsidiados a fazer com que essa
concepção sobre educação inclusiva, chegue à sua prática pedagógica na
escola, sendo um interlocutor da busca da formação integral de todos os
alunos na escola.

55
FONAPER

Metodologia

Segundo Damasceno e Sales (2005), a pesquisa qualitativa é um


tipo de abordagem que permite a aferição de aspectos qualitativos de
questões relevantes no campo socioeducacional, como por exemplo,
atitudes, expressões culturais, motivações, percepção, representações
sociais e saberes gerados nas práticas socioeducativas. A análise dos
dados ocorre de forma indutiva; sem a preocupação primeira, portanto, de
confirmar hipóteses, as quais não são constituídas previamente, mas vão
constituindo-se na medida em que os dados são descobertos e se inter-
relacionam.
Tendo em vista a complexidade e abrangência do tema, utilizaremos
a observação direta - nas análises que faremos do ambiente escolar dos
professores que fazem parte do universo pesquisado, e a observação
indireta, na pesquisa bibliográfica tendo como fonte de pesquisa, livros,
artigos de periódicos e materiais disponibilizados na Internet. Na pesquisa
documental, faremos uma análise dos documentos filosóficos e normativos
em âmbito internacional e nacional que ratificam a Educação Inclusiva e o
Ensino Religioso. Utilizaremos também a aplicação de questionários, a
elaboração de quadros e tabelas e a análise de todas as informações para
traçar um perfil do professor do ensino religioso numa perspectiva
inclusiva.
Por fim, além de oferecermos propostas de ressignificação desse
componente curricular, ainda faremos a análise, interpretação e
cruzamento de todos os dados obtidos na pesquisa, junto às fontes
teóricas estudadas, objetivando auferir subsídios que possam comprovar a
importância do Ensino Religioso para uma educação de qualidade,
inclusiva.

Resultados

O Ensino Religioso, enquanto componente curricular que trabalha


para a formação de um ser crítico e pensante no exercício de sua
cidadania precisa fomentar a Educação Inclusiva, como forma de promover
a visibilidade de uma minoria que não é tão minoria assim, já que segundo

56
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

os dados do Censo 2010,4 24% da população brasileira, disse ter algum


tipo de deficiência, o que corresponde a cifra de 45 milhões de pessoas. A
Paraíba é o 3ª Estado5 brasileiro com o maior número de pessoas com
deficiência num total de 1.045.962, totalizando um percentual de 27,7% de
sua população.
Almejamos como resultado dessa pesquisa responder às seguintes
indagações: Em sua formação inicial o professor é preparado com
conhecimentos teóricos para trabalhar com a diversidade dos alunos com
deficiência em suas necessidades? O professor do Ensino Religioso
participa de cursos de formação continuada que contemple esse
conhecimento específico? Nas escolas onde esses professores exercem
sua docência, conseguem trazer à tona as discussões sobre inclusão,
exclusão, preconceito, limites e possibilidades frente às diferenças? Até
que ponto o professor do ER é o interlocutor das minorias na escola?
É o professor um mediador da aprendizagem e da formação de
valores de aceitação e respeito às diferenças? O professor organiza os
conteúdos a serem trabalhados em sala com esse fim? Ao se deparar com
um aluno com deficiência em sua sala de aula, o professor se preocupa
em criar estratégias metodológicas para ensinar a turma toda, incluindo-o
na mesma proporção que os demais?
Existe algum material didático de suporte que possa fazer com que a
aprendizagem aconteça de forma mais significativa? E os recursos de
tecnologia e mídias digitais são utilizados?
Qual o papel concreto que o professor pode desempenhar para
disseminar a educação inclusiva e a inclusão de alunos com deficiência
nas escolas?
Como lidar com situações de preconceito rótulos e estigmas diante
dos alunos com deficiência? Quais as propostas de se minimizar ou
solucionar essa questão?
O professor se sente parte integrante da escola em que trabalha ou
ele próprio se sente vítima de alguma situação de exclusão e preconceito?

4
GLOBO.COM. 23,9% DOS BRASILEIROS DECLARAM TER ALGUMA DEFICIÊNCIA, DIZ IBGE.
DISPONÍVEL EM < HTTP://G1.GLOBO.COM/BRASIL/NOTICIA/2012/04/239-DOS-
BRASILEIROS-DECLARAM-TER-ALGUMA-DEFICIENCIA-DIZ-IBGE.HTML> ACESSO
EM 20/05/2012
5
REDE SACI. 27,7% da população paraibana tem algum tipo de deficiência, diz IBGE.
Disponível em <http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=34235 >
Acesso em 20/05/2012
57
FONAPER

Por fim, além de oferecermos propostas de ressignificação desse


componente curricular, ainda faremos a análise, interpretação e
cruzamento de todos os dados obtidos na pesquisa, junto às fontes
teóricas estudadas, objetivando auferir subsídios que possam comprovar a
importância do Ensino Religioso para uma educação de qualidade,
inclusiva.
Concluímos que se faz necessário repensar a formação inicial e
continuada do Ensino Religioso com vistas a contemplar essa temática a
fim de que o exercício da cidadania desse segmento populacional possa
se tornar cada vez mais concreto.

Conclusão
Segundo Machado (2008, p. 77),

A formação do professor supõe a mobilização de práticas pedagógicas


solidárias, democráticas e reflexivas sobre a realidade social, capazes
de gerar inovação completando a diversidade presente no contexto
brasileiro, entre elas, a diversidade religiosa. Criando uma nova
cultura a partir do entendimento de que todo e qualquer indivíduo é
portador de direitos e deveres, e que estes devem tornar-se algo á ser
buscado e conquistado de forma coletiva e não interpretado como
uma mera concessão, pois, o exercício da cidadania é ser cidadão no
gozo seus direitos e deveres, sendo capaz de interferir na ordem
social em que vive, constituindo-se em uma luta pela inclusão.

É importante que o professor conheça seu alunado e tente construir


uma cultura de paz em sala de aula. Assim o respeito á diversidade
humana precede qualquer outra forma de diversidade. A partir do momento
em que as pessoas se aceitam como são, reconhecendo as diferenças e a
diversidade humana, fica mais fácil se aceitar a diversidade social,
econômica e religiosa que o outro possa ter.
O Professor do Ensino Religioso deve possuir saberes que
favoreçam a promoção da autonomia do educando (FREIRE, 1996).
Assim, saindo de uma curiosidade ingênua para uma curiosidade
epistemológica e rejeitando todo o tipo de discriminação, com bom senso,
criatividade, estética e ética, este profissional, pautará sua prática
pedagógica na assunção cultural de cada um de seus alunos,
independente que tenham ou não deficiência, já que o ser humano é
inconcluso, condicionado, mas não determinado.

58
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Por isso, mais uma vez professamos a importância de contemplar


nestes espaços de formação, conteúdos inerentes ao contexto da inclusão
dos alunos com deficiência em ambiente escolar, para que a partir do
momento em que os professores apreendam conhecimentos teóricos e
práticos, possam se sentir subsidiados a fazer com que essa concepção
sobre educação inclusiva, chegue à prática pedagógica na escola, sendo
um interlocutor da busca da formação integral de todos os alunos no
ambiente escolar.

Referências

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Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. 292 p.

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providências. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm> Acesso em
15/07/2013

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.- Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm> Acesso
em 15/07/2013

BRASIL. Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às


pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou
59
FONAPER

difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define


crimes, e dá outras providências. Disponível em<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm> Acesso em
18/07/2013

BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997 - Dá nova redação ao art.


33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm> Acesso em
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HOLMES, M. J. T. Ensino religioso: problemas e desafios. 2010.186 f,


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60
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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SANTIAGO, S.A.S. A história da exclusão das pessoas com


deficiência: aspectos sócio-econômicos, religiosos e educacionais.
João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011.284 p.

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Sousa Santos (org.). 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

TÉBAR, Lorenzo. O perfil do professor mediador: pedagogia da


mediação. Tradução de Prisicla Pereira Mota. São Paulo: Editora Senac
São Paulo, 2011.

61
A MEMÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ENSINO
RELIGIOSO - CONTRIBUIÇÕES PARA AS PRÁTICAS COM O
ENSINO RELIGIOSO PLURALISTA

Araceli Sobreira Benevides - UERN1

Resumo:
Este trabalho discute a constituição das identidades de docentes de Ensino Religioso de
Natal/RN, compreendendo como as trajetórias de professores contribuíram para uma teoria
da formação na área, assim, destacamos as transformações mais significativas que
aconteceram nas práticas com o ER. As análises indicam caminhos que professores/as
percorrem para compreender o significado da memória da docência de professores que
vivenciaram a prática com o ensino de Religião (denominação do passado) e o Ensino
Religioso Pluralista (denominação atual). Consideramos que os resultados apresentam
reflexões para a realidade da formação e da atuação docente, além de estabelecer um
diálogo com as teorias que compreendem as imagens e os processos embutidos ao longo
das experiências pedagógicas modificadas pelas transformações sociais das duas últimas
décadas.

Palavras-chave: Memórias de Docentes de Ensino Religioso; Identidades de Docentes de


Ensino Religioso; Ensino Religioso Pluralista.

Introdução
Ao varrer o sagrado desvão
Denominado Memória,
Escolhe uma vassoura reverente
E faz em silêncio o teu trabalho.
Será um labor de surpresas –
além da própria identidade,
outros interlocutores
são uma possibilidade.
Nesses domínios é nobre a poeira,
Deixa que repouse intocada –
Não tens como removê-la,
Mas ela pode silenciar-te.

Emily Dickinson

No domínio das pesquisas interdisciplinares em Linguística Aplicada,


os estudos da constituição de processos identitários dos/as professores/as

1
Doutora em Educação. Professora do Curso de Ciências da Religião e do Programa de
Pós-Graduação em Educação – POSEDUC/UERN. Pesquisadora da Linha de Pesquisa
Formação e Atuação do Docente das Ciências da Religião e da Educação. Líder do
Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Fenômeno Religioso/UERN. E-mail:
aracelisobreira@yahoo.com.br
FONAPER

têm sido motivo de permanente investigação nos últimos anos.


Paralelamente, pesquisas sobre os saberes docentes também mostram a
necessidade de se olhar atentamente para a formação de professores/as
na área das Ciências da Educação. Discutindo sobre essas duas questões,
interpretamos o que professores e professoras de Ensino Religioso da
região metropolitana de Natal/RN enunciam sobre seus saberes e
experiências formativas. Com o intuito de observar as vivências e os
saberes dos docentes que atuam desde antes da legislação de 1997
(BRASIL, 9.475/97), em comparação com os daqueles que estão
desempenhando esse papel a partir da nova modalidade de Ensino
Religioso: pluralista, não catequista, não dogmático, não evangelizador.
Esse modelo2 contemporâneo está sendo estabelecido desde as
transformações da última década quando se firmaram que para se
lecionar, em salas de aula dessa disciplina, era necessária a formação
específica, isso ocasionou a criação de cursos de Graduação e Pós-
Graduação, no Brasil, que garantissem os conhecimentos/saberes da
docência de professores de ER. Assim, para quem escolhe essa área para
atuar no Ensino Fundamental, o curso a ser feito é a Licenciatura em
Ciências da Religião, área de conhecimento das Ciências Humanas e
Sociais que tem se expandido (CORTELLA, 2007) e se fortalecido nesses
anos iniciais do novo milênio.
Dessa forma, neste trabalho, trazemos reflexões construídas em
relação à memória das práticas docentes retiradas do corpus discursivo da
pesquisa coordenada por nós – Saberes das práticas docentes no contexto
do Ensino Religioso – diálogo multidisciplinar entre as práticas de leitura,
memórias docentes, experiências e a construção de identidades (FASE II –
UERN- 2013-2014) que revelam quem são e o que sabem os professores
de ER da capital potiguar. Neste estudo, interpretamos o quanto as
imagens construídas pelos professores/as sobre si próprios revelam as
experiências, as relações, as dificuldades com a prática desde o início da
atuação e os saberes mobilizados na prática com a disciplina.
Analisaremos dados de uma entrevista coletiva realizada com dois
professores que vivenciaram momentos diferentes com o ER no RN que

2
Esse novo modelo apresenta-se legalizado pelo artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional nº 9394/96, modificada, posteriormente, pela lei nº 9475/97, que
estabelece o Ensino Religioso como área de conhecimento do Ensino Fundamental. Em
decorrência, a religiosidade deixa de ser o ponto central da docência que passa a ter o
fenômeno religioso como objeto de estudo.
64
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

discutem exatamente a questão da formação específica para a atuação


docente na disciplina e como esses/as profissionais se inserem no
contexto de atuação ao narrar sobre suas experiências pessoais ou sua
trajetória como professor/a de ER.
Para analisarmos o que os/as professores dizem sobre suas
identidades e sobre seus saberes, tomamos como base o modelo sócio-
histórico de linguagem, compreendendo linguagem como uma prática
discursiva, que constitui identidades e subjetividades, relacionada a todas
as esferas da atividade humana (BAKHTIN, 2003).
Quando o/a graduando/a do curso de Ciências da Religião passa
para a fase de estágio e precisa desenvolver as atividades inerentes dessa
fase, percebemos a discrepância entre o conhecimento construído em
relação às práticas passadas e às práticas atuais que indicam um
preconceito muito grande em relação aos modelos de Ensino Religioso
existentes em cada fase. Para traçarmos um caminho historiográfico para
as mudanças acontecidas no plano epistemológico e no plano
metodológico dessa disciplina, iniciamos, no contexto da pesquisa em
formação docente, o resgate de narrativas biográficas de professores de
diferentes épocas e modelos de ensino. Acreditamos que essas
informações pudessem indicar aos estudantes da Licenciatura em Ciências
da Religião que as transformações com o ER não foram aleatórias nem
desconectadas das discussões maiores realizadas no âmbito da formação
de professores. Além disso, também quisemos mostrar que, inclusive, no
âmbito da prática em modelos anteriores à LDB (1996), os próprios
professores iniciaram as alterações de um ensino de/da Religião para um
ensino com base na compreensão do fenômeno religioso e na apropriação
de um método didático apropriado para a mediação pedagógica desse
componente do Ensino Fundamental.

Os caminhos para um labor de surpresas

Em pesquisas anteriores, quando discutimos as identidades e os


saberes de professores de Ensino Religioso (BENEVIDES, 2011),
construímos um olhar para as diferenças de saberes existentes nas
práticas de professores dessa disciplina ainda entendida como ensino
confessional para muitos dos sujeitos participantes pelo fato de, na
construção do percurso profissional, não haver a obrigatoriedade de
65
FONAPER

formação específica em nível de licenciatura. Em nossos estudos iniciais,


indicamos que os docentes, os quais não possuem formação específica na
área, utilizam-se de metodologias variadas (BENEVIDES, 2011), sem um
escopo teórico que fundamente suas práticas, levando em conta o
fenômeno religioso, enquanto objeto de estudo dessa disciplina. No
entanto, o Estado do Rio Grande do Norte registra a presença de docentes
que contribuíram significativamente com a mudança de paradigma que
conduz ao Ensino Religioso atual. Esses docentes elaboraram documentos
importantes, como a Cartilha de Deus (década de 70) e as Propostas
Curriculares do Ensino Religioso (década de 80 e 90), além de
organizarem encontros de planejamento e organização curricular da
disciplina, mesmo em uma época em que o ensino baseava-se na
proposta confessional, entendemos que essa fase pode ser compreendida
como introdutória das ações pedagógicas que criam a Licenciatura em
Ciências da Religião no Estado as quais ainda são desconhecidas pelos
estudantes que ingressam nesse curso na UERN. Com isso, registramos a
necessidade de se ampliar as ações da formação docente, recuperando
uma memória da docência de professores de um passado recente. Assim,
a linha de pesquisa Formação e Atuação do Docente da Educação e das
Ciências da Religião começa a se fortalecer, através dessas investigações,
ao conseguir mapear ações de docentes do Ensino Religioso na região da
Grande Natal (BENEVIDES, 2011) e, ao indicar novas compreensões para
o longo percurso que se instaurou em termos de organização dos saberes
curriculares do Ensino Religioso (ER), conforme as transformações sócio-
históricas que estabelecem um ensino plural, não-proselitista nem
confessional, diferente do que havia, desde o período colonial brasileiro,
até fins do século XX, quando existia a predominância do ensino católico
nas práticas escolares. Essa mudança significativa não foi aleatória nem
ocorreu de repente. Seguiu as transformações ocorridas no espaço escolar
e no campo das discussões sobre modernidade, pós-modernidade,
ideologias, discursos, poder e diversidade cultural, entre outras, postas
pelas Ciências Humanas e Sociais nos últimos anos. Entretanto, pela falta
de conhecimento de docentes e de gestores, pela distância ou ausência de
curso específico, ou pela tradição já estabelecida, o ER ainda necessita de
ampliação dos conceitos (que, na sua nova versão, ainda estão em
processo de construção, segundo os discursos de seus agentes) e da

66
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

inserção de ações pedagógicas sob a orientação do multiculturalismo e do


respeito à diversidade religiosa.
Por essas razões, percebemos a necessidade de ampliação das
questões postas em nossas investigações que têm gerado algumas
produções acadêmicas em congressos, no âmbito dos trabalhos de
conclusão de curso de graduação e interesse por parte daqueles que
ingressam na Especialização em Ciências da Religião, além dos grupos
que estão envolvidos com a formação continuada tanto das Secretarias de
Educação do Estado do RN quanto do município de Natal. Estes têm
buscado alterar essa realidade que demonstra ser também uma posição
política de gestão escolar, já que os discursos dos sujeitos revelam que só
assumem a disciplina, sem a devida formação, porque diretores e outros
gestores assim o permitem.
Tudo isso retira o caráter disciplinar e pedagógico (CORDEIRO,
2004) envolvidos nas práticas educativas e impede um trabalho planejado
na perspectiva pluralista, não-proselitista e multicultural. Dessa forma,
pretendemos nos deter mais precisamente em dois aspectos gerados
pelas inquietações que as pesquisas provocaram: o resgate das
experiências vivenciadas pelos sujeitos que construíram práticas
transformadoras do ER, a partir da análise do discurso das narrativas
pessoais e do registro do cotidiano escolar, relacionando a construção
identitária à construção das novas práticas construídas nas vivências de
professores recém-formados pela Licenciatura em Ciências da
Religião/UERN e que tenham sido aprovados em concursos públicos para
atuar na escola pública.
Ao debruçarmos sobre essas questões, acreditando que merecem
tratamento científico, dada a relevância de pesquisas que acompanham as
transformações/reflexões que ocorrem no espaço escolar, buscamos, a
partir das construções discursivas, uma relação interdisciplinar (MOITA
LOPES, 2006), trazendo as vozes das teorias sobre práticas de ensino,
entre outros encaminhamentos pedagógicos apreendidos naquele curso,
nas/pelas disciplinas, que estarão presentes no campo de atuação dos
sujeitos participantes cuja construção identitária indica a posição de
educadores/as e não de agentes religiosos/as.

67
FONAPER

A identidade pela narrativa biográfica

Justapondo a essa compreensão de construção de identidades ao


trabalho de compor narrativas sobre as trajetórias pessoais de professores,
apoiamo-nos, neste artigo, na perspectiva das pesquisas sobre as
biografias educativas para discutir sobre quem são/foram os/as
professores/as de Ensino Religioso. Nessa perspectiva, o trabalho de auto-
narrar-se evoca uma dimensão de compreensão do Eu e do Outro. Isso
significa o desenvolvimento de uma atitude reflexiva diante do olhar para
nós mesmos, da compreensão (parcial) de nós mesmos, ao mesmo tempo
em que esse olhar se dirige para o outro, no sentido de compreendê-lo,
―[...] de olhar para fora, contrastar com outros pontos de vista e com outras
sensibilidades, como forma de compreender, de captar nossas dimensões
não-exploradas‖ (CONTRERAS, 2002, p. 211).
Com isso, as subjetividades, as complexidades, as diferenças e as
novas percepções dos sujeitos emergem através das práticas discursivas,
ou seja, de seus enunciados (tanto orais quanto escritos), que, no dizer
bakhtiniano (BAKHTIN, 2003), significam unidades da interação verbal e
que partem daquilo que um sujeito disse (ou escreveu) em um momento
dado e em condições precisas.
Nóvoa (1995) propõe a compreensão da realidade do professor a
partir do que é dito pelo próprio professor. De acordo com esse autor,
os/as professores ―possuem um conhecimento vivido (prático), que cada
um é capaz de transferir de uma situação para outra, mas que é
dificilmente transmissível a outrem‖ (NÓVOA, 1995, p.36). Dessa forma, é
necessário que seja dada a palavra ao professor, no intuito inclusive de se
valorizar os conhecimentos dos quais os professores são portadores, do
ponto de vista social e científico. Além desses autores, Ferrarotti (1988)
aponta para a necessidade de uma renovação metodológica no campo da
formação docente, apostando no método biográfico no âmbito da pesquisa
em educação. Nesse método, tanto a subjetividade dos sujeitos que se
manifestam através de sua historicidade, quanto a compreensão desse
sujeito a respeito do mundo ao seu redor são explicitadas a partir de sua
autobiografia educativa. Mais: olhando-o como o outro, o que está no outro
lugar – o lugar da prática – por parte de quem o vê – do lugar da formação
– elaboramos novos conhecimentos. Conhecimentos estes produzidos
pela reflexão sobre os dois lugares – o da prática e da teoria.

68
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Assim, diante dessas colocações, começamos a debater no curso de


Ciências da Religião qual o papel da memória para a construção das
identidades docentes. A seguir, estabelecemos o percurso metodológico
para a instauração de possibilidades de interlocução com os
conhecimentos da formação e os da prática, pela experiência vivida em
diferentes épocas do Ensino Religioso em Natal e no Brasil.

A abordagem metodológica

Adotamos como direcionamento metodológico de nosso estudo o


enfoque qualitativo, com ênfase na abordagem interpretativista (MOITA
LOPES, 1994) relacionada ao contexto sócio-histórico (FREITAS, 2002)
dos sujeitos participantes. Essa perspectiva permite a (re) interpretação do
mundo, tendo em vista as significações das diferentes vozes do mundo
social pela linguagem, entendida como sistema aberto. A segunda
abordagem corrobora no entendimento das perspectivas sociais e
históricas que se constroem e são construídas pela linguagem e que
permitem uma compreensão dos processos mediante os quais os próprios
sujeitos investigados foram constituindo modos de ser e de fazer
específicos de sua pessoa/profissional.
Desse modo, o corpus discursivo foi construído a partir de uma
entrevista realizada com uma professora que representa as várias
gerações com a prática pedagógica do Ensino Religioso no RN. Optamos
por trabalhar com a entrevista coletiva, porque, conforme Kramer (2004), a
proposta desse instrumento de pesquisa é que os participantes dela
dialoguem e o que é dito, transforme-se em situações dialógicas
(BAKHTIN, 2003).
A entrevista foi realizada em uma seção, no final do ano de 2012, e
procuramos dar voz aos participantes, observando as informações
pessoais e profissionais, com características biográficas. No momento da
entrevista, estavam presentes duas estudantes do curso de Ciências da
Religião e um bolsista de iniciação científica, cada um participou de algum
modo, perguntando ou comentando. Porém, o objetivo maior voltou-se
para a trajetória pessoal da professora, aqui denominada P1. Essa
professora foi convidada a participar como sujeito de pesquisa porque
possui quarenta anos de experiência com o ER no Estado do RN, já foi
Coordenadora Pedagógica do Curso de Ciências da Religião da
69
FONAPER

Universidade de Estado do Rio Grande do Norte (UERN), além de ter


trabalhado como coordenadora da formação continuada em Ensino
Religioso na Secretaria de Educação, Cultura e Desportos do RN de onde
se aposentou como professora de Ensino Religioso. Ainda possui uma
trajetória pessoal bastante envolvida com a evolução do ER no estado do
RN e no Brasil, por ter participado de situações históricas definidoras das
transformações mais recentes com as práticas formativas do ER e a
criação do Fórum Nacional do Ensino Religioso, representando o RN.
A transcrição da entrevista foi feita de modo que os trechos
selecionados também não sofressem qualquer modificação no que é dito.
Existem alguns trechos destacados entre chaves com informações
explicitadas por nós, para melhor compreensão do leitor. Interpretamos
que a professora traz inúmeras contribuições sobre a evolução que
acontece nas práticas pedagógicas do ER.
Dessa maneira, interpretamos as posições assumidas pela
informante do ponto de vista daquilo que é ex-posto (LARROSA, 2002),
enquanto experiências formativas, no contexto da entrevista coletiva.
Em outras palavras, essa escolha oportuniza o pesquisador a
entender os enunciados a partir dos posicionamentos dos entrevistados
que refletem o contexto social e histórico que vivenciaram, mostram as
marcas do seu tempo, trazem as dimensões em que estavam/estão
inseridas, privilegiando os fragmentos de vida trazem diferentes situações,
sentidos e vozes que se articulam como possibilidade de interlocução.
Freitas (2002, p.29) destaca ainda que, ―[...] na entrevista é o sujeito que
se expressa, mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a
realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e social‖.
Assim, as narrativas proporcionam um gama de contextos investigativos,
que, na análise, demonstram como as identidades são produtos históricos
e sociais.
Considerando essas ideias, analisamos as rememorações, com base
na significação das vivências de uma professora de Ensino Religioso que
revela suas experiências com a atuação na área desde o antigo modelo de
Ensino Religioso – o modelo de ensino da Religião – ao modelo mais atual
– o das práticas pluralistas. Inserida no campo da subjetividade, as
entrevistas implicam dimensões do sujeito e o modo como os seres
humanos entendem suas histórias pessoais, sociais, coletivas. Além disso,
observamos e tentamos compreender como a professora participante

70
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

pensa e sente as diferentes situações de seu processo formativo,


principalmente ao destacar essa ou aquela situação em detrimento de
outras.
Seguindo essa lógica, a entrevista torna-se um espaço para o
diálogo e para o destaque dos papeis subjetivos que são produzidos no
momento da rememoração. Desse modo, salientamos que para a
construção dos dados, participamos desse momento juntamente com mais
três alunos do curso de Ciências da Religião que fazem parte do grupo de
estudos organizados pela linha de Pesquisa da qual todos participam. Em
alguns momentos, cada participante teve voz e fez perguntas e/ou
comentários. Neste artigo, porém, destacaremos apenas os enunciados
selecionados da transcrição que indicam a escolha de professores de
Ensino Religioso nas décadas de 70 e 80 e o modelo que orientava a
prática dos professores desse período.
Os dados contidos nas filmagens foram transcritos e estão
organizados da seguinte maneira: [...] Corte pelo analista, ( ) Pausas,
hesitações no fluxo das enunciações, [ Falas sobrepostas, / Interrupção na
fala em curso.
Na análise e construção dos dados, procuramos interpretar os
discursos da participante com o intento de entender os valores tomados
como fundamentais para uma melhor educação da época, ou seja,
priorizamos o conhecimento que essa profissional construiu ao invés de
julgarmos suas atitudes de proselitistas ou não.

A experiência como professora-formadora – além da própria identidade

Formada em Letras e com especialização e Mestrado em Ciências


da Religião, desde a formação inicial leciona ou trabalha diretamente com
a formação de professores de Ensino Religioso. A seguir, transcrevemos
um trecho da entrevista no qual a pesquisadora (identificada na
transcrição3 como E1 – Entrevistadora 1) indaga à participante sobre as
experiências profissionais durante os anos de 1970.

3
Elementos que estão na transcrição: Pq pesquisador; ( ) algo inaudível; ... algo foi
editado; / pausa curta; // pausa longa; [ fala sobreposta; [...] Trecho retirado.
Trabalhamos com modelo existente em Moita Lopes (2002).
71
FONAPER

E1: [...] E a gente quer ver mais ou menos as práticas. / Como eram
as práticas? / então, a gente vai fazer dois blocos. Hoje a gente vai ver
um pouquinho sobre a formação. O que você puder contar pra gente
quem eram, quem é que dava o Ensino Religioso? Como você
começou sua carreira? Como você entrou na carreira docente? E
como era a formação naquele tempo, né?! /

P1: É! / Então! / em 1973, com a LDB 5.692/71, é, / é a exigência


através do artigo / já na reformulação de 1969, através do artigo que
eu num tô lembrada agora, mas vocês pesquisem que acham...

E1: Hum...hum...

P1: O Ensino Religioso começou a fazer parte / porque na LDB, ela


sai, ele, na CNBB, ele sai sem ônus, e sem ônus num funciona, em
canto nenhum, nem com ônus funciona, imagine sem ônus! / Mas
logo, na Emenda Constitucional de 1969, que é fruto do regime militar,
entra o Ensino Religioso, nas escolas de primeiro e segundo grau, /
obrigatório para o aluno. / Obrigatório para a escola oferecer, e
facultativo para o aluno, que isso é História que.. que... tá na história
do Ensino Religioso desde 1931, né?! / então / aí va, vamos, vamos
nos organizar para esse ensino, pra, pra, sistematizar este ensino. / O
Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, através do
parecer 03/76, / [lembrando-se]... isso antes a gente se reúne, a gente
vai a NUREB‘s, nessa época era a NUREB‘s. / Acho que era Núcleo
de Educação e Supletivo, que só havia três no Rio Grande do Norte!
Era um Natal, um Mossoró e outra em Caicó. / E a chefe do, da
4
NUREB‘s na época era XX , chama Monsenhor WW, para trabalhar
com o Ensino Religioso / como eu não sabia / nessa época eu
trabalhava no Manoel Dantas, que era uma experiência da, da / em
1972 / uma experiência inovadora, exitosa que era um colégio, eram
três colégios chamados Complexos Escolar de Natal. Era o Sebastião
Dantas, // o Sebastião Fernandes, o Manoel Dantas e o Jerônimo
Gueiros. Eram escolas de primeiríssima... /

E1: [Jerônimo o que? /

P1: Jerônimos, Jerônimo Gueiros, que hoje praticamente não


funcionam. São escolas... / Sebastião Dantas tá até com problemas
num tem mais aula à noite por causa disso. Mas era uma experiência
inovadora! // E aí começa / a gente vai convidar a chefe do NUREBS
pra trabalhar o Ensino Religioso aqui no Rio Grande do Norte. / Na /
No primeiro NURE, no primeiro NUREB, e no Rio Grande do Norte,
posteriormente o NUREB passa a ser NURE, que é Núcleo Regional
de Ensino, de, ensino... de ensino! /

E1: Hum..hum!

4
Alguns nomes foram substituídos por XX, YY, WW, para se preservas as identidades de
pessoas citadas.
72
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

P1: Então, quando ele chega no NUREB é muito interessante. Elas


entregam três, sete professoras, todas velhas e a gente perguntou: ―e
por que essas professoras?‖. ―Por que elas não prestam mais‖. O
termo usado foi esse! ―elas não prestam mais para a sala de aula. /
Mas elas têm afinidade com o Ensino Religioso‖. E elas faziam
catequese de sobra. Mas essas criaturas foram maravilhosas! / Eram
sete pessoas idosas que começamos um trabalho excelente com
essas criaturas...que... acho que a última morreu há pouco tempo, que
era Irmã WW. Que era uma memória viva, que a gente num registrou
nada. Então, que que elas faziam? / Elas faziam catequeses nas
escolas, e elas estavam liberadas pelo Estado, para isso. Pra fazer
isso! Porque nós fazíamos preparação para a eucaristia, preparação
para crisma, faziam catequese, preparação de missa. / E, chegamos
nós, né?! Também com esta, / esta preocupação, a gente começou
esse trabalho fazendo catequese mesmo. / Que era um / a gente fazia
catequese, mas a gente tinha uma preocupação, já na época, de
respeitar a religiosidade presente na sala de aula. Aí, a gente já tinha
essa preocupação. / Aí a gente começou a perceber que havia
muito boa vontade, mas não havia preparação adequada. Então, a
gente começou a fazer viagem. / Aqui, a gente fazia reunião com os
professores e, e, e fazia viagens pelo interior/ do Rio Grande do Norte,
para trabalhar o Ensino Religioso. / Nessa época existia um método, /
chamado.. é, realizado na igreja, é, chamado Ver, Julgar e Agir. O que
era esse método? / Esse método a gente analisava a realidade
presente na sala de aula, que, na mesma época, que era usada na
catequese, depois essa realidade era iluminada por um texto bíblico,
ou outro texto, que pudesse iluminar, dar respostas a essa realidade.
Depois esses / a gente trabalhava com os alunos, / é, / ações
transformadoras daquela realidade. / E celebrávamos também.
Celebrávamos aquela realidade. / Foi uma experiência riquíssima. E
nessa época 5.692 [referindo à lei], / a gente trabalhava exatamente
isso: a religiosidade. / Respeitando os credos, só que, que, nas
escolas, a lei dizia / posteriormente em 1996, quando o Conselho
Estadual de Educação regulamenta o Ensino Religioso, / que os
professores são indicados pela autoridade religiosa, / então, a gente
tinha o poder de indicar o professor para a sala de aula. /

A narrativa produzida pela professora, mediada por nossas


intervenções, deixa marcas de cada uma de nós, pois revela
historicamente o que acontecia em uma época não tão distante de hoje,
indicando uma prática muito comum em tempos passados: as pessoas que
lidavam com o Ensino Religioso não precisavam de nenhuma formação
especial a não ser possuir uma fé. Esta última informação confere com o
que Passos (2007 p. 32) explica sobre o ensino religioso dessa época: ―[...]
há um vínculo direto entre as confissões religiosas e o ER [...]‖.
Para completar a imagem construída pela participante, se as/os
professoras/es fossem mais velhas/os ou perto de se aposentar,
enquadravam-se na representação mais comum de quem lidava com essa
disciplina, caso não fosse freira ou padre. São elementos constitutivos da
73
FONAPER

identidade de docente do Ensino Religioso e que, por total


desconhecimento das agências de formação, dos gestores da educação
(diretores, coordenadores e professores, além dos próprios estudantes e
familiares) sobre as mudanças legais e epistemológicas do atual modelo
de ER, ainda hoje continuam a se perpetuar.
A professora ainda considera normal o fato de as professoras
indicadas para a prática com o Ensino Religioso da época serem
enquadradas no modelo confessional. Tanto é que percebemos a
naturalidade como ela se expressa durante a filmagem, olhando para cada
interlocutor e achando graça da situação rememorada. No entanto,
notamos uma pequena fissura na avaliação que a professora introduz no
diálogo: ela marca o momento em que o grupo que trabalhava com o ER
no Estado do RN começa a perceber que há algo mais a ser feito no
contexto da prática educativa. A primeira reação que motiva um olhar
diferenciado para as novas práticas a serem introduzidas ao longo dos
próximos vinte anos, começa a ser construída da percepção de que se
necessitava respeitar a religiosidade dos estudantes e professores e, em
seguida, de que não poderia haver qualquer conhecimento no contexto da
sala de aula.
Na condição de formadora, a professora evoca o período em que
começa a viajar pelo estado e o período em que usa a mesma metodologia
da catequese com o material intitulado Ver, Julgar e Agir que orientava as
práticas de ensino na época. Mesmo sem a possibilidade de uma mudança
radical, a professora destaca a importância de se analisar a realidade da
sala de aula, de se ter um tema norteador e de se ler um texto. Essa
prática fica condizente aos momentos históricos pelos quais a educação
brasileira atravessa, quando vislumbramos uma rotina muito parecida com
o ensino em geral: o trabalho com os temas geradores, a leitura que
inspira e ilumina o conhecimento e a compreensão que é feita pela
reflexão e discussão. Esse modelo, muito comum à época, decorre do
sistema didático adotado no país.
O respeito à religiosidade não era desvinculado das práticas
celebrativas, como a realização da primeira eucaristia e da crisma, porém,
o olhar do/a professor/a daquela época é atravessado pelo respeito à
diversidade, ainda que de modo não muito organizado nem sistemático,
em termos pedagógicos, como podemos ver, no trecho selecionado.

74
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Percebemos ainda que P1 ainda revela conhecer profundamente a


legislação que altera o status de disciplina sem ônus, ou seja, de disciplina
que não precisa de agentes externos ou agentes religiosos, vindos de uma
instituição religiosa quem mantinha o ensino de catequese para o status de
disciplina com ônus, significando que os estados e municípios assumiriam
a seleção e manutenção dos docentes de Ensino Religioso, ficando
responsáveis pelos salários desses docentes. Essa alteração aconteceu,
de fato, a partir dos anos finais do século passado, a partir de uma grande
mobilização no Brasil, conforme relembra a própria professora:

P1: [...] e isso foi muito bom, porque na calada da noite, a LDB é
apro... apro...(titubeando) aprovado em 20 de dezembro, onde escola
não funciona mais, onde tinha com ônus para os cofres públicos,
Sarney, tirou com ônus e botou sem ônus! / foi Sarney que fez isso!
[...] é quando // a gente se movimenta! / há um movimento, o Fórum
toma a frente, a CNBB toma a frente, aí a gente foi buscar ajuda de
todas as entidades! / as superiores, as... tudo! / os institutos formados,
as universidades, a AEC, e aí vamos juntar! / vamos juntar! / era, era a
confecção do MEC dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso! / nós não fomos contemplados com os Parâmetros
Curriculares,[...].

Uma transformação radical nesse tipo de prática de ensino foi a


superação do ER catequético para o respeito às práticas religiosas tanto
de alunos/as quanto de professores/as. Ainda há contradições na
construção das transformações no contexto escolar. Nem sempre os
agentes religiosos conseguem interferir na escolha/seleção dos docentes
do Ensino Religioso, porque também, nem sempre, os professores da
disciplina são agentes religiosos, ao contrário, são professores que
trabalham numa linha pedagógica e que assumem a disciplina por vários
fatores. A entrada de professores que não atuavam como agentes
religiosos introduz as pequenas alterações que ainda levarão quase uma
década para alterar o modelo de Ensino Religioso predominantes. Essa
contradição reforça os embates que irão acontecer tanto na área da
atuação quanto na formação docente. Percebemos, em nossos estudos
iniciados em 2007, que esse embate ficará registrado até a criação do
curso de Ciências da Religião da UERN. Nessa linha de pensamento, a
resistência acontece porque

Tal ensino estaria, portanto, fundado na factualidade e na relevância


do preceito religioso para a vida social, fazendo parte de um projeto
mais amplo que não coloca a priori a religiosidade dos sujeitos como
75
FONAPER

algo a ser educado, mas, antes, os próprios sujeitos,


independentemente de suas adesões de fé. (PASSOS, 2007, p.33).

Para que houvesse a percepção indicada nas palavras de Passos,


muito foi realizado em termos de discussões e posicionamentos. As
referências indicam que para na história recente, o Ensino Religioso
passou a ser entendido mais como ―[...] parte integrante da formação do
cidadão‖ (GIUMBELLI; CARNEIRO, 2004a, 2004b). No entanto, a partir
dessa concepção, várias mudanças começam a se destacar na rotina das
práticas com o ER. Quem assume que qualquer professor/a pode lecionar
a disciplina Ensino Religioso, sem o devido preparo inicial, está se
posicionando como alguém que desconhece as leis e parâmetros
orientadores das ações com essa disciplina e, mais ainda, demonstra
desconhecer totalmente que Ensino Religioso não é mais sinônimo de
ensino de uma religião, como podemos registrar ao longo da História da
Educação Brasileira.
P1 revela que durante a sua trajetória pessoal, o Ensino Religioso
funcionava em detrimento da religião católica e mostra que hoje, isso não é
mais concebido. Para ela:

P1: Ele [o professor] não pode fazer proselitismo nem da sua [religião]
nem de nenhuma. Ele tem de trabalhar as Ciências da Religião
oportunizando a esse aluno a se encontrar com ele mesmo, a se
encontrar com os outros, numa atitude de respeito à natureza, de
cuidado com a natureza, de cuidado com as pessoas, como todos,
com velhos, com crianças, com adultos, com todo mundo. (Trecho da
entrevista)

Como professora formadora, P1 mostra o que tem feito em sua


prática. Como podemos ver, a trajetória pessoal da professora-formadora
resgata particularidades de um período marcado por transformações
diversificadas no campo do Ensino Religioso. Essas transformações, para
ela, que estava totalmente envolvida com a prática nessa área de atuação
em diversas áreas, como a de elaboração de materiais didáticos; cursos
que hoje são compreendidos como formação continuada (há poucos anos,
esses cursos eram chamados de treinamentos, cursos de reciclagem,
capacitação profissional); além de participar de ações que traziam para a
realidade do Ensino Religioso a compreensão de área de conhecimento
constituída historicamente e que possui saberes epistemológicos, não
dissociados de um conhecimento sobre didática, filosofia, antropologia,

76
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sociologia, teologia e outras áreas afins. Assim, quando P1 rememora


diferentes fases de sua experiência profissional, também traz consigo,
através de suas palavras, sua compreensão própria sobre os reflexos das
últimas mudanças sobre as práticas de ensino nessa área de
conhecimento. Para o/a aluno/a de um curso de Formação de Professores,
como o é a Licenciatura em Ciências da Religião, essas palavras se
tornam conhecimentos que reconstroem o percurso pessoal e coletivo do
fazer docente de uma época muito significativa para os que se envolveram
com as Ciências da Religião.

Observações finais

Podemos perceber como o conhecimento da trajetória pessoal de


professores/as que fazem a memória do Ensino Religioso no RN, mais
especificamente na capital potiguar, conforme sublinhamos neste artigo,
serve para que estudantes em formação possam ter conhecimentos sobre
o que acontece e acontecia em períodos variados da história da educação
mais recente. Além disso, podemos entender a percepção do sujeito que
conta os conhecimentos, as mudanças, as ações, as perspectivas da
educação pelo seu ponto de vista, pela sua compreensão, ou seja, pelos
desdobramentos de sua subjetividade. No dizer de Bueno (2002, p.24):

[...] aqueles que visam unicamente favorecer o processo de formação


do professor utilizando- se do recurso às histórias de vida como
instrumento de educação continuada; aqueles que se exprimem por
uma preocupação essencialmente investigativa, quer seja como forma
de obter conhecimento sobre aspectos da formação dos docentes,
quer seja sobre as práticas pedagógicas; e aqueles que visam
simultaneamente favorecer práticas de formação contínua e a
investigação de processos aí envolvidos.

Na interface entre a individualidade que rememora e as questões


relativas às transformações das práticas de professores é necessário
considerar a natureza social das práticas educativas, percebendo que as
transformações ocorrem em contextos situados e se configuram como
complexos e dinâmicos, quando olhamos – do ponto de vista do sujeito
que atua no campo educacional. As reflexões que ora realizamos, neste
trabalho, não são determinantes nem acabadas, pois que ainda estão em
fase de apropriação pelos sujeitos pesquisadores. Entretanto, podemos
afirmar que a memória – como produto social – pode ter um significado
77
FONAPER

formativo para aqueles que buscam construir e reconstruir os caminhos


percorridos para a instalação no novo modelo de Ensino Religioso.

Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Tradução Paulo Bezerra.
4ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

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79
O LUGAR DO ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
NO BRASIL: A POSTURA DO EDUCADOR ENTRE O CUIDAR E
O EDUCAR NA DIVERSIDADE DE PERTENÇA

Celeide Agapito Valadares Nogueira (UFJF)1

Resumo:
O intuito desta comunicação é discorrer sobre a educação infantil e o lugar do ensino
religioso entre o Educar e o Cuidar na diversidade religiosa de um país laico. A delicada
tarefa no processo de desenvolvimento da criança abrange diversas dimensões e requer
uma postura multilateral de múltiplas perspectivas do que é o ser humano e suas
potencialidades evolutivas de forma global: a antropológica, a fisiológica, a sociológica, a
epistemológica, a lúdica, a artística, a afetiva, a religiosa, a espiritual, etc. Lançar-se-á mão
como aporte teórico-metodológico autores como Jean Piaget (2009); Luiz Antônio Cunha
(2013); Jordanna, Castelo Branco e Patrícia Corsino.

Palavras-chaves: Ensino Religioso; Educação Infantil; Diversidade.

Introdução
A educação infantil requer e necessita de um olhar para o ser a qual
se destina o processo educativo em suas múltiplas dimensões:
antropológica, a fisiológica, a sociológica, a epistemológica, a lúdica, a
artística, a afetiva, a religiosa e a espiritual. Não é tarefa fácil englobar
tantas dimensões necessárias ao desenvolvimento cognitivo e afetivo-
espiritual do ser que são o arcabouço e sustentáculo da criança para um
equilíbrio deste ser humano em pleno desabrochar das suas
multifacetadas necessidades intrínsecas. No entanto, existem pontos
básicos ao qual o feito educativo não pode negligenciar o cuidado e, por
lado, o cuidado não pode abster da esfera educativa do ser humano em
evolução com suas potencialidades. De maneira que, historicamente,
vemos uma ênfase em determinado aspecto do processo global educativo
em detrimento do outro.
Houve, em princípio, um ideário assistencialista preconizando a
fase da educação infantil como um momento apenas de cuidados que se

1
Mestrado em Ciência da Religião PPCIR-UFJF (2012). Licenciada em Filosofia pela
UFJF (2007) com Especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea pela UFJF
(2008) e Especialização em Ciência da Religião PPCIR-UFJF (2010). Atualmente
cursando Especialização em Religiões e Religiosidades Afro-brasileiras NEAB-UFJF e
Licenciatura em Pedagogia pela UFJF.
FONAPER

restringiam aos cuidados elementares e básicos para o desenvolvimento


físico-biológico. Esta visão da educação infantil no percurso da história da
educação brasileira foi se ampliando, de maneira que na realidade da
educação infantil atual é inconcebível não abarcar as duas dimensões, a
do cuidar e do educar.

O educar e o cuidar
É polissêmica a semântica das palavras educar e cuidar, por isto
merece a nossa delicada atenção para compreendermos seus vários
significados, e assim apontarmos sobre o quê se está falando quando nos
referirmos a estas.
Cuidar segundo o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa é
―velar; zelar, ter os olhos sobre alguém‖ e cuidado é ―solicitude,
pensamento, desvelo, zelo, atenção, empenho, interesse‖.2
Educação de acordo com o Dicionário de Filosofia: ―Daí o imperativo
a que pode ser reduzida a E. contemporânea: o de ‗aprender a ser‘,
‗aprender a aprender‘: tarefa que dura toda a vida e envolve indivíduos e
instituições.‖ 3 Os indivíduos são objeto a qual se dirige a educação, as
instituições têm que garantir os direitos e a base logística para o
desenvolvimento destes indivíduos para viverem a plena cidadania.
Indivíduo que se torna um cidadão do mundo, comprometido com a casa
comum, que é o planeta. E, ainda, segundo a concepção de Educação de
Abbagnano:

A exigência da universalização do direito à E. traz à luz o nexo entre


E. e democracia que não poucos pensadores do século XX
evidenciaram ( tais como J. Dewey, J. Maritain, S. Hessen, e R.
Dottrens), e que constitui outra peculiaridade do discurso
contemporâneo sobre a E., que se configura, assim, em termos
decididamente pessoais e idiográficos: na base da E. atual existe a
preocupação de respeitar o homem em sua dignidade (universal) e em
sua especificidade (individual), e a E. configura-se essencialmente
como um processo de remoção dos obstáculos que impedem o

2
AZEVEDO, Francisco Ferreira Dos Santos. Dicionário Analógico da Língua
Portuguesa. 2ª Ed. Atual. E revista. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010, p.459.
3
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. SãoPaulo, Martins Fontes, 2007,
p. 358.
82
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

desenvolvimento, bem como de promoção das potencialidades


4
próprias de cada pessoa.

Se a educação é promover o desenvolvimento das potencialidades


de cada ser em si, não se pode excluir da educação infantil o apanágio da
dimensão da religiosidade ou espiritualidade do ser humano. Não
desconsiderando que as crianças trazem de suas famílias socializações
primárias referenciais de religião que irão se imiscuir com uma diversidade
na sala de aula. Desde a infância o ser humano vai desenvolver suas
potencialidades, sobressaltando que o conceito de infância é um construto
social que cada tempo histórico tende a colocar em uma estrutura
específica de cada contexto social.
Num primeiro momento, elencaremos algumas concepções de
Piaget sobre uma proposta educativa que leva em conta as necessidades
do ser humano para se desenvolver intelectualmente e afetivamente. E,
num segundo momento far-se-á a explanação com o arcabouço teórico
escolhido para abordar a temática a educação infantil e o lugar do ensino
religioso entre o Educar o Cuidar na diversidade religiosa de um país laico.

Piaget: O desenvolvimento do pensamento não é indissociável do


afetivo-emocional.

Segundo Piaget (2009) o pensamento da criança não é uma


mentalidade pré-lógica no sentido que não há uma lógica, mas no sentido
que há uma lógica diferente da fase adulta:

Comecemos pelas diferenças entre a criança e o adulto. Sustentei em


meus primeiros livros que a criança começava sendo ‗pré-lógica‘, não
no sentido de uma diferenciação fundamental entre a criança e o
adulto, e, sim, no da necessidade de uma construção progressiva das
5
estruturas lógicas.

Partindo desse pressuposto, inferimos que esta construção


progressiva do pensamento inicia-se antes mesmo das etapas sucessivas:
―concreto‖ entre 7 e 11 anos, e ―formal‖ ou proposicional após os 11-12
anos. O que queremos chamar a atenção aqui sobre a construção

4
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. SãoPaulo, Martins Fontes, 2007,
p. 358.
5
PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães
D‘Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. 24ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2009, p.69-70.
83
FONAPER

progressiva do pensamento é a respeito da mentalidade lógica da criança


como preponderante para o desenvolvimento da criança não somente ao
que tange a uma epistemologia genética. Entre e para além está todo o
dimensionamento do que é este ser humano que se quer progredir. Ainda
na etapa da primeira infância como já supracitado, há inúmeras nuances
da criança e do humano como tal que precisam ser consideradas.
Englobando a criança num ser físico, que pensa, mas também num ser
afetivo que sente antes de tudo. Este sentimento se revela no corpo físico
na ação como primeira linguagem, por isto, no jogo e no brincar
ludicamente revela sua face mais genuína. Assim também, a posteriori no
desenho livre, na linguagem escrita vai progressivamente construindo sua
visão de mundo a partir da sua própria descoberta.
De acordo com Piaget esta construção da realidade centrada nos
dois primeiros anos no eu, dá lugar a um eu em relação com o mundo, as
pessoas, os objetos.

A evolução da afetividade durante os dois primeiros anos dá lugar a


um quadro que, no conjunto, corresponde, exatamente, àquele
estabelecido através do estudo das funções motoras e cognitivas.
Existe, com efeito, um paralelo constante entre a vida afetiva e a
intelectual. Temos aí apenas um exemplo, mas veremos que esse
paralelismo se seguirá no curso de todo desenvolvimento da infância e
adolescência. Tal constatação só surpreende quando se reparte, de
acordo com o senso comum, a vida do espírito em dois
compartimentos estanques: o dos sentimentos e dos pensamentos.
6
Mas, nada é mais falso e superficial.

No veio da reflexão de Piaget entrevemos ser indissociável o


sentimento do pensamento e vice-versa. O desenvolvimento do
pensamento não é indissociável do afetivo-emocional. Isto nos leva a
pensar que a criança é um todo complexo, um misto de sentimento e
pensamento dialéticos em eterno devir, pois que nunca pronta e acabada.
Mas, um ser em construção, e isto não é próprio da criança, mas da
existencialidade humana.
Diante de tais conjecturas, como são levados em conta estas
premissas pelas políticas públicas para agraciarem este ser em
construção, tanto na sua necessidade fisiológica, afetiva e intelectual e

6
PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães
D‘Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. 24ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2009, p. 22.
84
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religiosa? Será que estas políticas no Brasil consideram esta criança em


construção em suas diversas dimensões em progressão?

A legislação do Ensino Religioso e as politicas públicas para a


educação infantil no Brasil

Em um artigo intitulado O ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO


INFANTIL DE DUAS ESCOLAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE
JANEIRO: o que as práticas revelam? As autoras Jordanna Castelo
Branco (Licenciada em Pedagogia pela UFRJ) e Patrícia Corsino
(Professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ) fazem uma
reflexão sobre o Ensino Religioso no Rio de Janeiro no ensino fundamental
e relatam que nas duas escolas pesquisadas encontraram práticas de um
ensino confessional. Em suas palavras:

Colocando o foco no município do Rio de Janeiro, temos cerca de


18% das crianças de zero a três anos de idade atendidas em creches
e 95% 3, das de quatro a seis anos, freqüentando escolas. As
crianças de seis anos, desde 2000, já foram incluídas no Ensino
Fundamental, e as de quatro e cinco anos freqüentam pré-escolas
públicas e privadas. Quanto ao ensino religioso, antes da lei municipal
no 3.228, de 26 de abril de 2001, que estabelece o Ensino Religioso
Confessional nas escolas da rede pública de ensino do Município do
Rio de Janeiro, em algumas escolas municipais, já havia aulas de
religião lecionadas por voluntários, fora da grade curricular, sob a
justificativa de ensinar valores éticos e morais às crianças. O ensino
religioso, como parte integrante do currículo do Ensino Fundamental e
da Educação Infantil das escolas da redemunicipal de ensino, está
contemplado no Núcleo Curricular Básico - Multi-educação, de 1996,
como ―enfoque religioso na pluralidade cultural sob a justificativa de
que a potencialidade transformadora do sagrado se manifesta e
mostra o quanto é importante, hoje, a busca de uma ética para o ser
7
humano‖ (p.188).

Adiante acrescenta:

Cabe a ressalva de que, com a lei no 9.475, de 22 de julho de 1997, o


ensino religioso nas escolas públicas passou a ser ―de matrícula
facultativa, parte integrante da formação básica do cidadão e constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino

7
CASTELO BRANCO, Jordanna e CORSINO,Patrícia. O ENSINO RELIGIOSO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL DE DUAS ESCOLASPÚBLICAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE
JANEIRO: o que as práticas revelam?, In:
http://www.revistacontemporanea.fe.ufrj.br/index.php/contemporanea/article/download/2
1/15 Acessado em 18/06/2013.
85
FONAPER

fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa


8
do Brasil, vedadas de qualquer forma deproselitismo‖ (artigo 33).

Nesse veio sobre o ensino religioso como facultativo (Cordeiro, 2010,


p.133) aponta que a formação básica do cidadão não se completa no
ensino fundamental. Ressalva sobre a formação de professores a
importância da postura de um professor que transmita o Ensino Religioso
de maneira científica, como fazem a Ciência da Religião, e não como
Teologia advogando qualquer causa confessional. Sem proselitismo o
Ensino Religioso há que respeitar a diversidade multicultural, multirracial e
a pluralidade religiosa na qual se configura o cenário da realidade
contextual brasileira.
O cenário no qual estamos inseridos no Brasil desde a Constituição
de 1988 Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, segundo Barreto
(2003):

Nota-se que grandes avanços no âmbito jurídico-legal vêm ocorrendo,


especialmente após a Constituição de 1988, no que tange aos direitos
da criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, a Lei
Orgânica da Assistência Social, de 1993, e a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, de 1996, consagram tais avanços. Destacam-
se, entre estes, o direito à educação da criança de 0 a 6 anos de
idade, em creches e pré-escolas. Essas instituições passam a
9
constituir a educação infantil, primeira etapa da educação básica.

E, Kramer (2006) assinala que:

Do debate sobre a educação de crianças de 0 a 6 anos nasceu à


necessidade de formular políticas de formação de profissionais e de
estabelecer alternativas curriculares para a educação infantil.
Diferentes concepções de infância, currículo e atendimento; diversas
alternativas práticas, diferentes matizes da educação infantil. Direitos
de crianças consideradas cidadãs foram conquistados legalmente sem
que exista, no entanto, dotação orçamentária que viabilize a
consolidação desses direitos na prática; exigências de formação de

8
CASTELOBRANCO,Jordanna e CORSINO,Patrícia. O ENSINO RELIGIOSO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL DE DUAS ESCOLASPÚBLICAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE
JANEIRO: o que as práticas revelam?,
In:http://www.revistacontemporanea.fe.ufrj.br/index.php/contemporanea/article/download
/21/15 Acessado em 18/06/2013.
9
A educação infantil no contexto das políticas públicas Angela Maria Rabelo Ferreira
Barreto, p.58. In: http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbedu/n24/n24a05.pdf
86
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

profissionais da educação infantil e reconhecimento de sua condição


10
de professores.

Os direitos estão garantidos legalmente, no entanto, faltam, na


prática, verbas orçamentárias para efetuarem eficazmente a aplicação da
lei. O reconhecimento não garante efetivamente a contemplação dos
direitos que em debates são levados à tona na realidade de um cenário
multiforme com diferenças que emergem da diversidade do país. Tanto no
que se refere às diferentes concepções de infância, quanto da elaboração
de currículos diferenciados para atenderem a demanda de um país
geograficamente e culturalmente diverso. Para além do pano de fundo que
é circunscrever numa esfera conceitual a qual ser se quer educar, há
novas implicações de cunho social, curricular, orçamentário, etc. Com as
quais o desenvolvimento dos dois aspectos educar e cuidar são uma
problemática.
O lugar das políticas públicas para as crianças menores de sete anos
no Brasil até as pesquisas do ano de 2003 ainda é tímido, como assinala
Barreto (2003):

Observa-se que ainda é tímido o lugar ocupado pela criança menor de


sete anos nas políticas públicas, apesar de ser esse o segmento
populacional mais afetado pelas condições de pobreza e
desigualdade. O percentual de crianças dessa faixa etária em famílias
com renda inferior a 1/2 salário mínimo per capita chega a 42,2%, bem
superior àquele da população em geral. (Dados da PNAD/IBGE de
11
1999).

Percebe-se que são escassas pesquisas da área de pedagogia


recentes que abordem a evolução dos programas e metas traçando um
paralelo a partir de 2006 para cá. Nas buscas e mapeamentos de
levantamento bibliográfico pela Internet não conseguimos dissertações ou
teses recentes sobre esta temática. Ainda que haja muitos referenciais de
análises quantitativas. Há uma sobrepujança de dados numéricos sobre a
Educação infantil em detrimento de pesquisas que retratem com zelo em
termos qualitativos o encaminhamento progressivo das crianças de 0 a 6
anos. O campo das pesquisas também requer uma atenção e um olhar
10
KRAMER, Sônia. AS CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
NO BRASIL: EDUCAÇÃO INFANTIL E/É FUNDAMENTAL In:
http://www.scielo.br/pdf/%0D/es/v27n96/a09v2796.pdf Acessado em 13/10/2012.
11
A educação infantil no contexto das políticas públicas - Angela Maria Rabelo Ferreira
Barreto In: http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbedu/n24/n24a05.pdf
87
FONAPER

voltado para este público alvo investigando em termos qualitativos o perfil


das crianças de 0 a 6 anos em seu aspecto global. Nas observações de
Rosemberg (2001),

Dentro desta ótica, o design dos projetos de diagnóstico/avaliação são


orientados para avaliar cobertura, custo e impacto, este último
geralmente medidos através de aferição do estado nutricional, da
inteligência, de habilidades cognitivas, mas, raramente, do
desenvolvimento social (Myers, 1992). O indicador chave deste
modelo é a avaliação custo–benefício, incluindo nos benefícios
principalmente as taxas de retorno. Este é o modelo particularmente
presente nos estudos realizados, encomendados ou publicados pelo
12
Banco Mundial (CORAGGIO, 1996; LAUGLO, 1997).

A ótica da política de resultados é o imperativo como nos diz


Rosemberg, em face desta realidade pouco se conhece sobre os efeitos
sociais e os reflexos na individualidade do sujeito a qual se destina os
programas que visam geralmente resultados na ordem da aprendizagem
no âmbito do mérito conceitual e intelectual. Não abordando as outras
possibilidades de evolução como no campo afetivo, social, familiar,
estético, e por que não para avaliar se estas crianças que recebem tais
programas estão felizes. Afinal, os programas são elaborados para quê?
Para desenvolver o país em termos de taxas numa educação que zela por
resultados técnicos, ou para permitir a educação de crianças e adultos
felizes e plenos no desenvolvimento das suas potencialidades globais,
dentre elas a espiritual?

A educação brasileira face ao princípio da laicidade

A laicidade é um dos princípios do Estado Moderno que promove a


igualdade de todos perante a lei e a liberdade de crença de cada indivíduo
como um direito individual desde que não fira a liberdade de outrem.
Sendo o conceito de Laicidade com semânticas diferenciadas: ora designa
a separação dos poderes da Igreja e do Estado, ora designa uma profícua
liberdade individual (privada) com respeito à pluralidade no âmbito do
coletivo (pública). Neste trabalho buscar-se-á, por vezes, nas entrelinhas
nas referências bibliográficas fazer um exercício hermenêutico buscando

12
ROSEMBERG, Fúlvia. Avaliação de programas, indicadores e projetos em educação
infantil. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2001 Nº 16, p.23. In:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n16/n16a02.pdf
88
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

os dois sentidos explicitados, e suas inter-relações na configuração do


processo de laicidade desencadeando políticas públicas em prol de um
feito educativo laico. Pensando o conceito de laicidade entendido
filosoficamente como princípio de abertura ao acolhimento das múltiplas
pertenças religiosas em um mesmo espaço – no caso aqui a ambiência
escolar – é a condição de possibilidade de um convívio pacífico com
respeito às diferentes pertenças religiosas.
Segundo Botto (2010) a secularização foi a propulsora da laicidade
fundamentada nas ideias iluministas contrapondo-se ao modelo absolutista
da supremacia da aristocracia e do clero: ―Fenômeno europeu no século
XVIII, a secularização integra o movimento que separa a moralidade da
religião, que marca os limites entre Estado e Igreja;‖(BOTTO, 2010, p.111-
112). Adiante BOTTO (2010) faz referência a compreensão sobre o
estatuto do homem secularizado ―[...] que determinará o mundo e o modo-
de-ser-no-mundo moderno. Por isso, uma interpretação do iluminismo é,
por essência, uma leitura da secularização‖ (PEREIRA apud BOTTO,
2010, p.112). Tal constatação traz em seu bojo uma nova cosmovisão
humana, e na diferenciação de status desse homem não mais cavalheiro
(súdito da vontade do Rei) representante de Deus, mas um homem com o
uso da razão que conduz a sua vontade e os ditames de sua liberdade
com seus direitos civis salvaguardados em igualdade de direitos. Uma
liberdade ancorada na subjetividade humana com o direito natural, agora o
detentor das suas escolhas sociais, morais, intelectuais, espirituais, etc. O
livre-arbítrio doravante é o condutor das ações humanas, desde que, em
consonância com o bem geral de toda a sociedade civil. Fundamentado
nos imperativos kantianos a ética humana doravante com uso da liberdade
dá condições de discernir e escolher com o uso da razão uma lei interna, e
não mais uma lei coercitiva externa. A justiça depende da capacidade
humana de discernimento, o homem como projeto humano consciente da
sua liberdade então, passa a ser sujeito da história.
Luiz Antônio Cunha em sua mais recente obra Educação e Religiões:
A descolonização religiosa da Escola Pública faz uma análise da laicidade
no Brasil dividindo o eixo temporal histórico em dois momentos: uma
―primeira onda laica‖ no Período Imperial (1870-1870) seus protagonistas
são homens da elite; na ―segunda onda laica‖ que Cunha refere-se aos
últimos anos, que tem como fundamento mudanças profundas no campo
religioso brasileiro e os protagonistas além da parte intelectual da elite ―tem

89
FONAPER

um componente antes inexistente: os movimentos de massa,


especialmente os que lutam pelos direitos sexuais e reprodutivos, tão
marcados por proibições de caráter religioso‖ (CUNHA, 2013, p. 99). O
ensino religioso na escola pública, na sua compreensão trata-se de
colonização. Aponta que o Ensino Religioso no Brasil deveria ser banido
da Constituição Brasileira:

Deverá ser expurgado da Constituição Brasileira o dispositivo que


inseriu o Ensino Religioso nas escolas públicas, de modo que o
currículo seja efetivamente secularizado, sem prejuízo algum para as
13
crenças dos alunos e suas famílias.

Tal compreensão não leva em conta a perspectiva de Piaget com


relação à educação do ser de forma global, bem como a Constituição
Federal de 1988 em seu art. 205:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
14
cidadania e sua qualificação para o trabalho.

E mais, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


nº 9.394/96:

A educação dever do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e


nos ideais da solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
15
cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A educação infantil está mais voltada para política de resultados


conforme as exigências do Banco Mundial, ou seja, elevação em termos
de qualificação tecno-científica para o trabalho e rendimentos que
contemplem as avaliações de verificação de aprendizagem conceitual,

13
CUNHA, Luiz Antônio Cunha. Educação e Religiões: A descolonização religiosa da
Escola Pública. Belo Horizonte, Mazza, 2013, p.102.
14
POZZER, Adecir; et al (Organizador). Diversidade religiosa e ensino religioso no
Brasil: memórias, propostas e desafios – Obra comemorativa aos 15 anos do
FONAPER. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2010, p. 70.
15
POZZER, Adecir; et al (Organizador). Diversidade religiosa e ensino religioso no
Brasil: memórias, propostas e desafios – Obra comemorativa aos 15 anos do
FONAPER. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2010, p.70.

90
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

renegando para o segundo plano a felicidade deste sujeito em construção


pelo feito educativo.

Considerações finais

O que revelam os dados aqui analisados? Ainda no momento atual a


Educação Infantil no Brasil e as políticas públicas não conseguem agraciar
de forma satisfatória as necessidades da pessoa em evolução com as
suas potencialidades de forma global. Há uma lacuna entre o ideal e o real
a ser preenchida no que tange a concretização da legislação. A legislação
existe de forma a contemplar o campo da Educação Infantil, no entanto na
práxis não se efetiva ou concretiza-se às projeções das leis. As políticas
públicas ficam mais no âmbito das ideais e utopias, posto que
concretamente não tenham tanta demonstrabilidade de eficácia tal quais
os discursos políticos anunciam.
Há muito que caminhar e avançar para conseguirmos no Brasil uma
efetivação das propostas que vislumbram um Ensino Religioso laico sem
proselitismo e consequentemente que consiga abranger as necessidades
globais do educando de 0 a 6 anos eficazmente, segundo os dados em
análise por este trabalho.
Prenuncia-se uma esperança em andamento pelos meios
pedagógicos, mas os recursos oriundos dos poderes púbicos são
escassos. Apesar da dedicação do magistério em lutar por ensino de
qualidade para a Educação Infantil faltam os recursos numéricos para tal
feito. Além, da falta de qualificação dos professores da Educação Infantil,
as verbas para as escolas públicas também são ínfimas. Em decorrência
de tal realidade ainda deixa a desejar o ensino do Ensino Religioso no
Brasil com professores com uma visão do que seja o feito da educação
religiosa vislumbrando uma perspectiva científica como é feito pela Ciência
da Religião.
Ainda que se perceba conquistas e avanços desde 1990 para cá, há
muito o que se realizar para nos orgulharmos da qualidade da Educação e
do Cuidado com as crianças de 0 a 6 anos no nosso país de forma a
agraciar e de maneira a contemplar as necessidades globais da criança,
dentre elas a espiritualidade da pessoa em evolução nas suas
potencialidades.

91
FONAPER

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. São Paulo, Martins


Fontes, 2007.
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CASTELO BRANCO, Jordanna e CORSINO,Patrícia. O ENSINO


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In:http://www.revistacontemporanea.fe.ufrj.br/index.php/contemporan
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POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/cp/n115/a02n115.pdf

92
FORMAÇÃO ACADÊMICA/PROFISSIONAL PARA A DOCÊNCIA
DO ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS
BRASILEIRAS

Edalza Helena Bosetti Santiago1

Resumo:
O presente artigo traz uma discussão acerca da formação docente para o profissional da
disciplina Ensino Religioso do Ensino Fundamental das Escolas da rede pública. Conforme
LDB 9394/1996 esta disciplina é parte do núcleo comum da estrutura curricular das escolas
públicas do país. No entanto, a mesma legislação educacional deixa claro que a formação
dos docentes deve ser em curso de licenciatura para as séries finais do ensino
fundamental. Como não ficou definido em lei nacional qual seria a formação docente para
tal disciplina, o Conselho Nacional de Educação – CNE - através do Parecer 97/99 dá
autonomia aos Sistemas de Ensino para deliberarem e definirem sobre o tema. Portanto, o
objetivo desta comunicação é trazer à tona, algumas Resoluções já estabelecidas por
alguns Conselhos Estaduais de Educação do país.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Formação Docente.

Introdução

A disciplina Ensino Religioso é componente curricular da Educação


básica, mais especificamente, do Ensino Fundamental, cujo objetivo é
entender a natureza da religiosidade nas culturas presentes no dia a dia
dos discentes, bem como o respeito às diferentes formas de conceber os
credos, evitando quaisquer formas de proselitismo.
Assim, a Lei de Diretrizes e Bases nº 9394 de 20 de dezembro de
1996 (LDB nº 9394/96) ao versar sobre a oferta desta disciplina nas
escolas públicas de ensino fundamental do Brasil, delegou autonomia aos
sistemas de ensino, seja através dos Conselhos Estaduais de Educação
(CEE) ou Conselhos Municipais de Educação (CME), para decidirem
juntamente com a entidade civil, constituída pelas diferentes

1
Especialista em Docência do Ensino Superior, Literatura Brasileira e Gestão Escolar.
Mestranda do Curso de Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória (ES).
Docente da rede pública em Eunápolis e Porto Seguro (BA). E-mail:
edalzahelena@hotmail.com
FONAPER

denominações religiosas a regulamentação acerca dos conteúdos e


normas para a habilitação e admissão dos professores para a disciplina.
Portanto esta pesquisa cujo objetivo é trazer à tona as deliberações
sobre a formação acadêmica/profissional para a docência da disciplina
Ensino religioso nas escolas públicas do país, se justifica mediante a
importância do legado cultural de crenças que permeiam os espaços
escolares e que deve ser mediados por um profissional capacitado para
tal, com imparcialidade, para tratar dos diversos credos e costumes que
constituem o homem.

Um breve relato sobre como foi introduzido o Ensino Religioso no


Brasil

A condição humana, antropológica2, torna-o acessível às questões


transcendentais e religiosas, com aptidões a reproduzir suas crenças e
valores através do seu convívio em sociedade. Portanto, estas questões
sempre estarão permeadas no convívio escolar, por não ser possível
dissociar o ser humano de suas crenças e valores neste espaço. A escola
por sua vez, através da disciplina Ensino Religioso3, deve estar preparada
para lidar com a diversidade de credos ou religiões4, como explicita
Sérgio Junqueira (2008, p. 133):

[...] o Ensino Religioso deverá ser concebido a partir do contexto


escolar, com o objetivo de conhecimento próprio e com objetivos
específicos, enfatizando a formação cidadã a partir das contribuições
que as tradições religiosas oferecem para o processo de civilização e
humanização do homem.

2
Adj. Relativo à antropologia.De antropo- + -log(o) - + ia. S. f. Ciência que reúne várias
disciplinas cujas finalidades comuns são descrever o homem e analisá-lo com base nas
características biológicas (antropologia física) e culturais (antropologia cultural) dos
grupos em que se distribui, dando ênfase, através das épocas, às diferenças e
variações entre esses grupos. Antropologia cultural. Ramo da antropologia que trata
das características culturais do homem (costumes, crenças, comportamentos,
organização social) e que se relaciona, portanto com várias outras ciências, tais como
etnologia, arqueologia, linguística, sociologia, economia, história, geografia humana (...).
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986, p. 134.
3
Art. 33. O ensino religioso, (...) constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas do ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa
do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475,
de 22.7.1997). p. 26
4
Grifo nosso.
94
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Para entendermos a inserção desta disciplina como componente


curricular nas escolas públicas de ensino fundamental faz-se necessário
retornarmos ao período colonial. Porque naquele momento da história a
disciplina foi formalizada com a aquiescência do Estado e da Igreja
Católica. Cujo objetivo era catequizar os povos indígenas e colonizar os
africanos, sem considerar suas culturas, com o fim específico de tirar
proveito dos tesouros deste país e ao mesmo tempo impor aos habitantes
aqui encontrados o seu credo, o catolicismo, como também, explorar sua
força para o trabalho.
E, em 1549, os jesuítas, foram os primeiros professores do Brasil,
que tinham função evangelizadora. Em 1550 são criadas as primeiras
escolas jesuítas, e assim se dá o marco inicial da introdução do ensino
religioso na educação brasileira.
Severino (1986, p.71) ressalta que:

[...] os princípios de uma ética individualista e social fundada na


suprema prioridade da pessoa sobre a sociedade. A qualidade moral
dos indivíduos repercutirá necessariamente sobre a qualidade moral
da sociedade. Todo o investimento da evangelização, em sentido
estrito, como da educação, sob inspiração cristã, se deu
historicamente nesta linha. Foi por isso mesmo que o Cristianismo e a
Igreja conviveram pacificamente com situações sociais de extrema
opressão, com a escravidão, a exploração no trabalho etc. É como se
estas situações independessem da vontade do homem, bastando que
as consciências individuais se sentissem em paz, nada se podendo
fazer contra estas situações objetivas.

Neste contexto de passividade e submissão do evangelizado, sua


condição antropológica foi negligenciada por muitos anos. Ou seja, toda a
diversidade de riqueza cultural destes colonizados foram sufocadas. Só
após 488 anos, após a promulgação várias Constituições que tratavam o
ensino religioso com proselitismo, o povo brasileiro, teve promulgada em
1988 a Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88). Carta
Magna que garante os direitos e deveres do cidadão desta nação.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
95
FONAPER

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta
Constituição.

Na CF/88, em seu Capítulo III, nos artigos 205 e 210 versão que a
educação é um direito de todos e dever do Estado e da família e que, o
ensino religioso, constitui disciplina das escolas públicas de Ensino
Fundamental.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,


será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino


fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá


disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino
fundamental. BRASIL, 1988, grifo nosso).

Porém na contemporaneidade, o professor de Ensino Religioso,


talvez por falta de habilitação específica para tratar da diversidade religiosa
poderá agir com proselitismo e preconceitos com seus alunos. Fatos que
poderão desencadear controvérsias e desentendimentos não só com seus
alunos, mas também com toda a comunidade escolar, que se sentir ferida
nos direitos adquiridos através da Carta Magna e Lei de Diretrizes e Bases
nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996 (LDB nº 9394/96). Portanto, faz-se
necessário refletir sobre a formação docente desta área.

Qual a formação específica para a docência do Ensino Religioso?

Ao questionarmos qual a formação específica para a docência do


Ensino Religioso, fomos buscar respostas nas Resoluções de alguns
CEE‘s através de suas publicações na internet e solicitações via e-mail aos
Conselhos de Educação. Visto que a LDB (9394/96) devido às várias
vertentes religiosas existentes no Brasil, associada aos direitos do cidadão
que constam na Carta Magna (CF/88) aprovou o seguinte sobre o tema:

96
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Art. 33 O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de
22.7.1997)

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos


para a definição dos conteúdos do ensino religioso e
estabelecerão normas para a habilitação e admissão dos
professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas


diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso. (LDB nº 9394/96, grifo nosso)

Tais decisões acerca de dar autonomia aos sistemas de ensino para


deliberarem e decidirem quanto à habilitação do docente para a tal
disciplina estão discutidas no Parecer do Conselho Pleno (CP) nº CP
97/995. Este Parecer teve como relatora, a conselheira, Sra. Eunice R.
Durham. Ela se refere ao art. 33 da Lei nº 9.475/97 da seguinte forma: ―(...) A
Lei nos parece clara, reafirmando o caráter leigo do Estado e a
necessidade de formação religiosa aos cuidados dos representantes
reconhecidos pelas próprias igrejas (...)‖.
Mais adiante declara que como a lei deixa a cargo dos sistemas
decidirem sobre o § 1º e § 2º do Art. 33, para o CP ―(...) é impossível prever a
diversidade das orientações estaduais e municipais e, assim, estabelecer
uma diretriz curricular uniforme para uma licenciatura em ensino religioso
que cubra as diferentes opções (...)‖. Enfatizando que a Lei nº 9475/97 não
se refere a cursos de licenciatura específica para esta docência, mas, que
os sistemas de ensino estabeleçam normas para habilitação e admissão
de professores.

(...) é preciso evitar que o Estado interfira na vida religiosa da


população e na autonomia dos sistemas de ensino. Devemos
considerar que, se o Governo Federal determinar o tipo de formação
que devem receber os futuros professores responsáveis pelo ensino
religioso, ou estabelecer diretrizes curriculares para curso específico
de licenciatura em ensino religioso, estará determinando, em grande

5
Parecer CP da Câmara de Educação Superior nº CP 97/99, que tem como interessado
o Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o assunto ―Formação de professores
para o Ensino Religioso nas escolas públicas de ensino fundamental‖, através do
processo nº 23001.000110/99-06.

97
FONAPER

parte, o conteúdo do ensino religioso a ser ministrado. (PARECER Nº:


CP 097/99)

Portanto, o CP se coloca da seguinte forma quanto à licenciatura


para ministrar aulas de ensino religioso:

(...) - Não cabendo a União, determinar, direta ou indiretamente,


conteúdos curriculares que orientam a formação religiosa dos
professores, o que interferiria tanto na liberdade de crença como nas
decisões de Estados e municípios referentes à organização dos
cursos em seus sistemas de ensino, não lhe compete autorizar, nem
reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino religioso,
cujos diplomas tenham validade nacional; (idem, PARECER Nº: CP
097/99)

Então, além do que está posto na Lei nº 9.475/97, o CP com este


pronunciamento deixa clara a autonomia dos Conselhos Estaduais e
Municipais de Educação para deliberarem e resolverem sobre o tema em
questão.
A partir de então, discorremos sobre a questão a ser analisada a luz
dos Sistemas de ensino quanto à formação acadêmica para o ensino
religioso. Ora, se a Constituição da República declara o princípio da
laicidade do Estado (Art. 19, Inciso I) no que concerne ao ensino religioso.
Não cabe a escola pública o ensino confessional ou interconfessional
como foi colocado por Debora Diniz e Tatiana Lionço6 que ressaltam:

Há, entretanto uma ambigüidade conceitual na fronteira entre essas


duas modalidades de ensino religioso, pois todo ensino
interconfessional é também confessional em seus fundamentos. A
diferença entre os dois tipos de ensino estaria na abrangência da
confessionalidade: o ensino confessional estaria circunscrito a uma

6
Débora Diniz e Tatiana Lionço. ―Educação e Laicidade‖. In: Debora Diniz, Tatiana Linço
e Vanessa Carrião. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Unesco/Letras
Livres/Unb, 2010, p. 14/15.
a) Ensino confessional: objetivo do ensino religioso é a promoção de uma ou mais
confissões religiosas. O ensino religioso é clerical e, de preferência, ministrado por um
representante de comunidades religiosas. É o caso do Acre, Bahia, Ceará e Rio de
Janeiro;
b) ensino interconfessional: o objetivo do ensino religioso é a promoção de valores e
práticas religiosas em um consenso sobreposto em torno de algumas religiões
hegemônicas à sociedade brasileira. É passível de ser ministrado por representantes de
comunidades religiosas ou por professores sem filiação religiosa declarada. É o caso de
Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande
do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

98
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

comunidade religiosa específica, ao passo que o interconfessional


partiria de consensos entre as religiões, uma estratégia educacional
mais facilmente posta em prática pelas religiões cristãs por exemplo.
(DINIZ e LIONÇO, 2010, p. 14/15)

Portanto se for usado um modelo confessional nas escolas, estará


descaracterizado o caráter laico. Acredita-se que o modelo não
confessional poderá trabalhar com conteúdos diversos como: fazer um
estudo das doutrinas existentes no Brasil e sua dimensão social,
considerando também as posições ateístas e agnósticas procurando evitar
o preconceito, enfatizando o respeito à diversidade. E, para ministrar tal
disciplina, e evitar quaisquer formas de proselitismo, deve-se considerar o
professor da própria rede pública, visto que existem os critérios para
admissão de professores (através de concurso público) e que estes
profissionais sejam habilitados à prática pedagógica desta ciência com
imparcialidade.
No entanto, é necessária muita habilidade no trato das políticas para
a formação de professores, porque de acordo com Caron:

É urgente repensar políticas para a formação de professores, pois a


transformação da escola frente às exigências impostas pela
globalização, pela reestruturação produtiva, pelas políticas
educacionais a sociedade depende em grande parte da habilitação,
qualificação e competência dos professores. Para que os profissionais
da educação sejam dotados de competência mínima ao exercício da
profissão, o preparo se dá com a formação inicial, continua, com a
7
licenciatura ou cursos de magistério. (CARON, 2007, p. 62)

E alguns Estados da Federação, como o Paraná, por exemplo,


definiu o seguinte sobre a disciplina Ensino Religioso, mesmo sem ter a
graduação específica:

(...) 4. nos anos iniciais será ministrada pelo professor regente


conforme encaminhamentos específicos pedagógicos para esta fase
de escolarização.

(...) 10.1. Para o exercício da docência no ensino religioso, exigir-se-á,


em ordem de prioridade:

7
CARON, Lurdes. Políticas e Práticas Curriculares: Formação de Professores do Ensino
Religioso. Tese (Doutorado em Educação: Currículo). Pontifícia Universidade Católica
de são Paulo – PUC-SP, 2007.
99
FONAPER

10.1.1 nos anos iniciais


. graduação em Curso de Pedagogia, com habilitação para o
magistério dos anos iniciais;
. graduação em Curso Normal superior;
. habilitação em curso de nível médio – modalidade Normal, ou
equivalente.
10.1.2 nos anos finais
. QPM, nomeados em Ensino religioso, para a rede pública estadual
de ensino;
. formação em cursos de licenciatura na área das Ciências Humanas,
preferencialmente em Filosofia, História, Ciências Sociais e
Pedagogia, com especialização em Ensino Religioso;(...) (Instrução nº
8
013/2006 SUED/SEEB)

Já o CEE e Secretaria de Estado da Educação de Alagoas através


da Res. Nº 003/20029 definiram o seguinte no Art. 9º quanto à habilitação
de professores para a docência do ensino religioso:

―(...) Consideram-se habilitados para o exercício do magistério do


Ensino Religioso em quaisquer séries dos anos do Ensino
Fundamental:
Os portadores de diploma de licenciatura plena em História, Filosofia,
Ciências Sociais, Psicologia;
Os portadores de diplomas em cursos de licenciatura plena para
formação de Professores para o Ensino Religioso;
Os docentes licenciados portadores de Curso de Especialização lato-
sensu em Ensino religioso ou pós-graduação stricto-sensu na área.
§ 1º - Os portadores de diploma de bacharel em História, filosofia,
Ciências sociais, Psicologia e Teologia poderão também ser
considerados habilitados ao exercício do magistério do Ensino
religioso desde que venham a concluir curso de preparação
pedagógica em instituição devidamente credenciada, nos termos da
Resolução 02/97, do plenário do CNE.( Res. Nº 003/2002)

E, nas nossas pesquisas foi constatado que existem cursos de


Licenciatura e Pós-graduação (lato e stricto sensu) em várias
Universidades e Faculdades do Brasil. Destacamos algumas e
evidenciamos a proposta dos cursos ofertados:
Na Universidade Regional de Blumenau (FURB), o Curso de
Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino (CR-ER):

8
Secretaria de Estado da Educação – Superintendência da Educação - Instrução nº
013/2006 SUED/SEED. Assunto: Orienta a oferta do ensino religioso na rede estadual
de ensino do Paraná. Curitiba, 07/11/2006.
9
Secretaria de Estado da Educação e do Esporte – Conselho de Estadual de Educação
de Alagoas – Resolução nº 003/2002 – CEE/AL. 21/05/2002
100
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Criado há quinze anos, o Curso CR-ER da FURB é pioneiro no Brasil


com Licenciatura em Ensino Religioso, habilita profissionais para o
exercício docente em Ensino Religioso na Educação Básica. No
decorrer destes anos o curso tem integrado de forma significativa a
luta pelos Direitos Humanos em relação à Diversidade Cultural
Religiosa, que transita no cotidiano social, acadêmico e escolar,
buscando contribuir na formação de docentes e pesquisadores e
comunidades comprometidas com a erradicação de discriminações e
violências de caráter religioso.

O curso de Ciências da Religião - Licenciatura em Ensino Religioso


(CR-ER) da FURB tem como foco desenvolver atividades de ensino,
pesquisa e extensão, que possibilite uma leitura e compreensão
críticas dos fenômenos religiosos na diversidade cultural, contribuindo
para a construção de uma sociedade justa, solidária e livre, que
reconheça na alteridade a dignidade de todas as formas e expressões
de vida.

É um curso voltado ao estudo das ciências da religião que são


disciplinas empíricas que investigam sistematicamente a religião em
todas as suas manifestações. Um elemento chave é o compromisso
de seus representantes com o ideal da neutralidade frente aos objetos
de estudo (FURB, 2011. Disponível em: http:/www.furb.
br/web/1771/cursos/.../cursos/ciencias-da-religiao/apresentaca.)

A Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG)

Não se questiona a "verdade" ou a "qualidade" de uma religião. Do


ponto de vista metodológico, religiões são "sistemas de sentido
formalmente idênticos". É especificamente este princípio metateórico
que distingue a Ciência da Religião da Teologia. O licenciado em
Ciências da Religião estará apto a atuar como docente em Ensino
Religioso na Educação básica, Fundamental e Médio. Conforme a
legislação vigente poderá avançar seus estudos em cursos de Pós-
Graduação em Ciências da Religião ou áreas afins e atuar na
Educação Superior. (http://www.unimontes.br/index.php/.../4761-
ciencias-da-religiao-montes-claros)

A Faculdade de Educação Tecnológica do Pará (FACET) – Oferta a


Licenciatura Plena em Ciências da Religião.

(...) é o estudo e a análise das religiões num contexto histórico


específico e sua influência sobre os processos antropológicos e
sociológicos. O curso tem por objetivo formar profissionais com
Habilitação em Licenciatura Plena em Ciências da Religião para
exercerem a docência e a pesquisa em face da realidade do
fenômeno religioso e suas múltiplas relações econômicas, políticas
sociais e culturais. (www.facet.com.br)

101
FONAPER

Na Faculdade Teológica de Ciências Humanas e Sociais Logos –


Unidade Passo Fundo – RS.

O curso de Licenciatura em Ciências da Religião (Formação de


Professores em Educação Religiosa – Parecer 296/99 CNE)
proporciona conhecimento e treinamento às pessoas vocacionadas
para o ensino religioso. No seu conteúdo o curso debruça-se sobre
amplos fundamentos bíblicos, tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento sobre a educação religiosa. Ênfases são dadas aos
ensinos de Moisés, dos profetas, de Jesus Cristo e dos apóstolos,
especialmente Paulo. Além dos fundamentos bíblicos, o curso valoriza
ainda os fundamentos teológicos e históricos da educação religiosa,
sempre numa abordagem cristã. (www.faetelpassofundo.
com/2011/05/licenciatura-plena-em-teologia.html)

A Universidade do Contestado (UnC) oferece no Campus


Universitário Canoinhas – Marcílio Dias e Campus Universitário
Curitibanos em Santa Catarina o curso Licenciatura em Ciências da
Religião através da Plataforma Freire (PARFOR).

O Curso de Licenciatura em Ciência da Religião tem como finalidade


proporcionar aos docentes conhecimentos necessários para trabalhar
com o Ensino Religioso para o ensino fundamental e médio com uma
sólida fundamentação teológica, tradições orais/simbólicas e
pedagógicas, com ênfase para os estudos do fenômeno religioso,
valorizando o pluralismo e a diversidade cultural, proporcionando a
vivência dos valores éticos, morais e espirituais na perspectiva do
exercício pleno da cidadania. No Campus Universitário Canoinhas -
Marcílio Dias e Campus Universitário Curitibanos em santa Catarina.
(http://www.unc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10
87&Itemid=28)

O Centro Universitário Municipal de São José (USJ) oferece o Curso


de Licenciatura em Ciências da Religião reconhecido pelo CEE de Santa
Catarina através do Parecer 171 e Resolução 050/CEE/SC de 14/09/2010.

O Curso de Licenciatura em Ciências da Religião tem a finalidade de


formar docentes qualificados para atuarem no ensino religioso
entendido como componente curricular, bem como, formar
profissionais qualificados para atuarem na pesquisa e na produção
científica no campo religioso. Visa ainda, propiciar estudos do campo
religioso, numa perspectiva científica, com uma abordagem crítica,
dialógica, criativa e respeitosa. Abordar os estudos das práticas
religiosas dos povos ao longo da história da humanidade por um
conjunto de disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, tendo como
foco principal o campo religioso com vistas a habilitar o acadêmico
para trabalhar pedagogicamente as questões religiosas.
O egresso do curso de Ciências da Religião está habilitado para atuar

102
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

na educação básica e nos espaços educacionais onde a temática da


religião e/ou Ensino Religioso se faz presente para assessorar grupos
religiosos de caráter inter-religioso; em projetos e movimentos sociais,
visando à leitura e à interação crítica do fenômeno religioso na
pluralidade cultural.(www.usj.edu.br/templates/.../conteudo_visualizar_
dinamico.jsp?...)

A Universidade Metodista de São Paulo oferece através do Programa


de Pós-graduação em Ciências da Religião está autorizada pelo MEC e foi
muito bem avaliada pela CAPES/MEC 2007-2009, a sua ementa
contempla:

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião estuda as


religiões em suas formas de expressão e articulação próprias e nas
relações com seus contextos histórico, social e cultural. Desenvolve a
interdisciplinaridade no campo extenso das ciências da religião,
recorrendo ao instrumental teórico fornecido sobretudo pelas ciências
humanas: teorias literárias e da linguagem, da cultura, de gênero,
historiográficas, das ciências sociais, da teologia, da exegese, da
filosofia, da psicologia e da pedagogia.
(http://www.metodista.br/posreligiao)

A Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP)

A Ciência da Religião é um campo do saber que tem como realidade o


fenômeno religioso investigando-o sistematicamente em todas as suas
manifestações sem que se questione sua validade teológica, ou seja,
nesta área do conhecimento não se questiona a "verdade" ou a
"qualidade" de uma religião, pois todas se apresentam igualmente
como objeto de estudo e investigação. Seu princípio metodológico é o
vislumbramento das religiões como sistemas de sentido formalmente
idênticos apresentando, portanto, pontos comuns que as tornam
passíveis de serem investigadas. Universos culturais, as religiões
representam os sentidos e os significados criados pelo homem nas
relações que estabelece com o mundo, com os outros e com si
mesmo. Sua compreensão, portanto, do universo cultural religioso
torna possível a compreensão do homem nele inserido.
(www.pucsp.br/pos-graduacao/mestrado-e.../ciencias-da-religiao)

A Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro (FSBRJ)

O curso de pós-graduação lato sensu em Ciências da Religião busca


dar sustentação ao campo da pesquisa e da docência. A partir de uma
pluralidade metodológica este estudo investiga as distintas áreas do
saber possibilitando uma visão atualizada, diversa e ao mesmo tempo
profunda sobre o tema em questão. O fenômeno religioso não é
abordado a partir de uma tradição em especial. Os fundamentos e as
manifestações do religioso serão analisados em distintas culturas,
numa reflexão sobre a essência do religioso e sua presença na

103
FONAPER

história.(www.faculdadesaobento.org.br/pos-graduacao/cincias-da-
religio)

A Universidade Presbiteriana Mackenzie

Criado em 2002, o Programa de Pós Graduação em Ciências da


Religião (PPG/CR) da Universidade Presbiteriana Mackenzie busca
contribuir para: compreender a religião em suas relações com a
sociedade na interface das ciências sociais e humanas; formar
pesquisadores e capacitar lideranças sociais, culturais, educacionais e
políticas em sintonia com as demandas científico-culturais e histórico-
sociais contemporâneas de compreensão do campo religioso;
desenvolver a pesquisa e a produção científica na área das Ciências
da Religião e nas áreas relacionadas ao fenômeno do campo religioso
em geral; formar docentes altamente qualificados para atuar no campo
do estudo do fenômeno religioso em suas relações com a sociedade
brasileira. O público alvo do programa consiste em profissionais de
todas as áreas que pretendam aprofundar seus conhecimentos quanto
à influência da religião na sociedade e trabalhar com o ensino e a
pesquisa. (http://www .mackenzie.br/stricto_ciencias_religiao.html)

Na Faculdade Unida de Vitória-ES é ofertado Mestrado Profissional


em Ciências das religiões.

O Programa do Mestrado Profissional em Ciências das Religiões da


Faculdade Unida de Vitória tem como objetos principais de suas
pesquisas: (a) a compreensão das relações entre religiões e a
sociedade democrática nas suas diversas dimensões, com ênfase no
incremento crítico da participação religiosa na vida social; e (b) a
análise dos discursos religiosos canônicos e não-canônicos, com
vistas à compreensão crítica dos modos de produção, interpretação,
circulação e difusão do discurso religioso no âmbito sócio-cultural.
Nosso Programa é o único de natureza ―profissional‖ na área de
Teologia e Ciências da Religião e desenvolve suas atividades em
sintonia com a história e desafios do campo, sendo membro da
ANPTECRE desde seu credenciamento pela CAPES.

A Área de Concentração do programa é Religião e sociedade e suas


linhas de Pesquisa são:

Religião e Esfera pública: cujo foco recai sobre o lugar da religião na


sociedade em geral e na esfera público-política em particular,
incluindo pesquisa e discussão sobre temas tais como: Ensino
Religioso escolar, crenças religiosas e legislação; a participação
política das religiões; pluralismo e diálogo inter-religioso etc.

Análise do Discurso Religioso: cujo foco recai sobre a análise crítica


dos vários tipos de discurso religioso, tais como: discurso em textos
canônicos das religiões; testemunho pessoal dos adeptos; religião na
mídia; hermenêutica e filosofia da linguagem etc.

104
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

(http://www.faculdadeunida.com.br/site/cursos/mestrado/)

A Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) também oferece o


curso de Pós-graduação em Ciências da Religião.
Vimos então, que em diversos Estados brasileiros, podemos
encontrar Universidades ou Faculdades que estão ofertando cursos em
níveis de graduação e/ou pós-graduação em Ciência(s) da(s) Religião(ões)
com vistas ao Ensino Religioso, objetivando habilitar o profissional para a
docência deste componente curricular da Educação Básica. Portanto, fica
evidenciada a importância da formação docente para o exercício da função
nesta área específica.

Considerações

Através deste estudo conclui-se que, existem ainda várias


divergências entre o CNE e os CEE e CME do país quanto à formação
específica para o docente da disciplina Ensino Religioso. Alguns estados
ou municípios já estabeleceram uma licenciatura específica: Licenciatura
ou Bacharelado em Ensino Religioso, em Ciências da Religião,
Especialização na área para esta docência, e no caso de não haver
demanda de professores da área específica, abrem vagas para a docência
da disciplina, para os professores portadores de diplomas de licenciatura
plena em História, Filosofia, Ciências Sociais, Psicologia. Porém, foi
diagnosticado que existem municípios no estado da Bahia que não
deliberaram sobre a questão, e, nem mesmo ofertam a disciplina aos
alunos do ensino fundamental.
Por outro lado, percebemos que os centros de pesquisa e extensão
―As Universidades e Faculdades‖ já estão se preparando para tal demanda
que possivelmente está por vir.
Mas, se faz mister ressaltar que os diálogos continuam acerca do
assunto, e, que eles não se encerram em si mesmo. Porque, já que
estamos em um estado democrático de direitos, o ser humano em sua
condição antropológica deve ser respeitado e respeitar a condição do
outro, e, o ensino religioso, na fase escolar do ensino fundamental poderá
através do estudo das crenças e costumes religiosos observados dentro e
fora do contexto escolar, promover a autonomia do educando, evitando o

105
FONAPER

preconceito e a discriminação, preparando-o para o respeito mútuo,


garantindo a todos os seus direitos fundamentais.

Referências

BRASIL, Constituição Federal de 1998. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 de ago. 2013.

______. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nº 4024 de 1961. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm. Acesso em: 17 de
ago. 2013.

______. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nº 5692 de 1971. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm. Acesso em: 20 de
mai. 2011.

______. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases –


LDB - nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – Parecer CNE/CEB nº
17/2001. Brasília, 2007.

______. Ministério da Educação e Cultura. Lei Nº 9475 de 1997.


Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/lindice.htm. Acesso
em: 20 de mai. 2011.

______. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Parecer nº


97, de 06 de abril de 1999. Formação de professores para o Ensino
religioso nas escolas públicas de ensino fundamental. Disponível em:
www.pen.uem.br/diretrizes/Parecer_CNE-CP_1999_97.doc Acesso em:
19 ago. 2013.

FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua


Portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986.

JUNQUEIRA, Sérgio. História, legislação e fundamentos do Ensino


religioso. Curitiba: Ed. IBPEX, 2008.

PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO


RELIGIOSO. Fórum Nacional permanente do Ensino Religioso. São Paulo:
Mundo Mirim, 2009.

106
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, Ideologia e Contra-ideologia.


São Paulo: EPU, 1986.

107
OS (DES)PROPÓSITOS DO ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

Renata de Souza Leão1

Resumo:
Este artigo objetiva defender a necessidade de formação para professores de Educação
Infantil nas práticas pedagógicas de ensino religioso nas escolas públicas. As instituições
de ensino provocam induções partidárias de conhecimento de mundo, ou seja,
professores seguidores de uma determinada religião fazem divulgação de suas crenças
religiosas, no entanto, este proselitismo na infância ascende à desigualdade, apontando a
supremacia de catequização de um conceito sobre o outro. Utiliza-se como metodologia o
estudo teórico subsidiado por referência bibliográfica relevantes ao tema. Considerando que
a discussão se faz necessária para a educação, pois conduzirá a práticas pedagógicas de
respeito às diferenças religiosas e culturais, o que caracteriza a constituição de um povo
pertencente a um Estado Laico, e detentores de direitos nas escolas públicas de qualidade
com a possibilidade de saber pensar e produzir intervenções por meio de interações de
conhecimento.

Palavras-Chave: Formação. Educação Infantil. Intervir.

Introdução

A proposta deste artigo é aprofundar a temática da formação do


professor de educação infantil direcionada ao ensino religioso no processo
de desenvolvimento e no acesso a direitos fundamentais como igualdade e
liberdade.
O problema do texto se situa na prática realizada pelo professor de
educação infantil em pregar sua religiosidade promovendo proselitismo
dentro da escola, provocando preconceitos e discriminações sem a
ampliação de direitos humanos e constitucionais.
Este texto provoca um pensar autônomo, numa discussão
eticamente direcionada por uma prática educacional, como fazer valer
direitos sociais básicos num momento de descoberta, de prazer e de
conhecimento na educação infantil. O objetivo é garantir na formação do
professor de educação infantil a essencial prática pedagógica igualitária e

1
Graduada em Filosofia pela UFAL e Especialista em Gestão Escolar pela UNOPAR.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação pela UNASUR.
Professora efetiva da rede pública, Estadual e Municipal, de Maceió/AL.
FONAPER

justa, mediante a aliança do ensino religioso como práxis de


desenvolvimento humano na educação infantil.
O Trabalho provoca uma reflexão baseado em estudos, publicações,
textos acadêmicos e documentação do MEC, relativas à educação infantil,
primeiramente o texto discutirá os pontos do ensino religioso e da
educação infantil e em seguida debatendo sobre práticas pedagógicas e
formação continuada do professor de educação infantil em ensino
religioso.
Ao acompanharmos o histórico da educação no Brasil, podemos
destacar a evolução da Educação Infantil que revigorou suas reais funções
em relação às crianças ganhando um novo horizonte, valorizando-se cada
vez mais a educação das crianças entre 0 e 5 anos de idade. Contudo,
observa-se também que este trajeto foi estabelecido com o incentivo e
empenho de educadores, através de discussões e movimentos sociais em
prol da qualidade na educação infantil.
A visão em relação às crianças também foi valorizada, visto que
estas passaram a ser consideradas como sujeitos de direitos que se
encontram em processo de desenvolvimento, necessitando assim de
investimentos especiais para uma educação de qualidade que atenda as
peculiaridades de sua faixa etária.

Os (des)propósitos do Ensino Religioso


A legislação brasileira, Constituição Federal (1988) garante educação
básica de qualidade para todos, que possibilita ao cidadão o seu
desenvolvimento pleno. A LDB (1996) apresenta uma estrutura curricular
de aprendizagem, organizando a educação por etapas e modalidades,
utilizando como parâmetro a faixa etária, ou seja, períodos determinados
para aprender um conhecimento fixado.
Pois bem, a compreensão da legislação possibilita o entendimento
de uma série de atividades que aparecem como conteúdo social, incluindo
a organização humana como uma conexão histórica, política e social
fortalecido, nos propósitos da constituição educacional.
A divisão do saber como propostas de aprendizagem apresentam
unicamente o ensino religioso como facultativo e laico, na etapa de ensino
fundamental. O conhecimento fatiado abre espaço para aberrações
educacionais que acometem as outras modalidades, no qual o ensino

110
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religioso passa pelo processo de mutação de conceitos para o proselitismo


escolar visto assim, a discussão em prol do conhecimento, sofre
metamorfose religiosa dilaceradoras do ser humano, promovendo
desigualdade, movida de preconceitos e ignorância, coisa que não pode
ser permitida dentro dos muros de uma escola pública, abrindo o
descredenciamento do Estado em discutir educação de qualidade
(JUNIOR, 2012).
No entanto, quando discorremos sobre determinações curriculares
sabemos que a escola é sujeito de um objeto específico de contexto
personificado socialmente. Mészáros (2008), afirma que a crescente
preocupação de resolver a ―crise de valores‖, mostra que o Estado
caminha a passos largos e definidos para uma sociedade delinqüente,
projetada pelo Ministério da Educação e assegurada pelos professores.
Entretanto, parece radical a discussão de que o poder público é o
maior e único culpado do fracasso social, mas quando estamos falando em
direcionamento educacional, de teorias pedagógicas, de estruturas de
aprendizagem, não existe outro a culpar, ou pelo menos não existem
outros para começar a debater, quais são as intenções sociais proferidas
de uma década até agora? No qual a criança hoje de 10 anos, que se
encontra no ensino fundamental, é a mesma criança que pratica roubos,
mata e passa pela educação infantil, possuidora da bolsa-escola e
numerada no Brasil carinhoso, viés que tenta apaziguar os desníveis
sociais, mas que ainda é o maior detector de negligência do Estado para
com o seu povo.
Entenda melhor, o ensino religioso não é o salvador social, não é isto
que está sendo defendido, o que está sendo questionado é: por qual
motivo o ensino religioso é preso a uma etapa de ensino, transformando
uma área de conhecimento em um contexto limitado e aprisionado, como
se na educação infantil as crianças não conseguissem refletir e no ensino
médio são tão avançados intelectualmente que outras disciplinas supririam
as competências necessárias do conhecimento como a filosofia e/ou a
sociologia? A escola influi e forma pensamentos proferido pelo professor,
desencadeado pelo conhecimento, como proposta de aprendizagem entre
pares pensantes e dispostos a significar ou reinventar os conceitos
propostos.
Isto demonstra que o ensino religioso deve ser contemplado em
todas as áreas e modalidades para discutir a cultura dentro da sociedade,

111
FONAPER

Morin (2000), coloca que a condição humana está ligada com o cosmo,
como ser único no posicionamento do individuo no mundo, não
determinando idade e momento para aprender.
Então, o que se entende por ensino religioso não é um simples
levantamento histórico de culturas religiosas passadas pelo mundo, mas
de uma aprendizagem significativa voltada para o interesse de aprender e
transcender a metafísica, que necessita de ser repensados quais são os
objetivos da exclusividade no Ensino Fundamental como proposta de
aprendizagem e quais são suas competências vinculadas as suas
habilidades. Como apresenta a LDB 9304/96 art.33:

Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de
22.7.1997)

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a


definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas


diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso."

Cury (2004) afirma que a multiculturalidade do Brasil é o primeiro


processo polêmico de debate, entretanto o que se compreende são a
limitação e o direcionamento que incorpora a legislação relacionada ao
ensino religioso.
Posto que, a exclusividade do ensino fundamental relacionada ao
ensino religioso tem deixado aberto o que vem sendo feito como prática
pedagógica nas salas de educação infantil e nas salas do ensino médio,
não esquecendo que o ser humano é o mesmo que passa por todas as
etapas escolares, então, quais as discussões e os encaminhamentos
quando temas e atitudes relacionados ao ensino religioso é abordado
nestas salas, qual é o norteador que compreende que a resposta dada
anos depois, não responde a pergunta de hoje, ou que já passou a
pergunta e a resposta não é satisfatória, nisto a angústia do saber

112
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

determinado deve ou não ser apreciado e tratado como proposta de


aprendizagem, ou como elaborar respostas para estes itens se a própria
legislação atribui áreas a serem abordadas no tempo e no espaço
determinado.
O problema não é o período da aprendizagem, o problema é
limitarem o pensamento humano e negligenciarem a astúcia humana que
direciona, influencia e até determina o caminho da salvação da
humanidade.
Nessa situação o ensino religioso necessita de uma elaboração
epistemológica de intenções, e uma proposta de diálogo derivado do
pensar, visto que a credibilidade do aprender é fundamentada no
empirismo da razão.

A educação infantil e o ensino religioso

Desde a LDB de 1996, a educação infantil é uma etapa da educação


básica que profere características próprias e legislação específica. O CNE
através da Resolução das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil 20/2009 apresenta eixos determinados e teorias
detalhadas de aprendizagem com a publicação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil.
Assim, a Lei define que a criança é um sujeito de direito e de acesso
irrestrito a educação, com progressão contínua através de uma rotina que
possibilita a interação e a brincadeira, pelo menos são estes os eixos
determinados no currículo e que o cuidar e educar são propostas
elementares do ensino na educação infantil. Valendo lembrar inicialmente
que o preâmbulo da constituição afirmam direitos irrevogáveis do cidadão:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia


Nacional Constituinte para instituir em Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceito, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte constituição da
república federativa do brasil.(BRASIL, 2004)

Não é necessário agora discutir o proselitismo encontrado no


preâmbulo da Magna Carta, pois é um ponto extenso a ser estudado; o

113
FONAPER

importante é compreender que promover o pleno desenvolvimento do


cidadão depende do ‗exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça‘ em uma sociedade ‗pluralista e sem preconceito‘ com contexto
social e educacional.
Entendendo que o ensino religioso como área, abrange todo o
contexto, modalidades e etapas da educação básica como acontece com a
matemática, e a linguagem, entre outros, estando presente na educação
infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, rompendo a barreira da
etapa e ampliando o desenvolvimento pleno como proposta de
aprendizagem na educação, política e cidadã, lembrando que a educação
infantil erroneamente está vulnerável a teorias eurocêntrica, criacionista e
classista, por entender que a criança não reflete e é um ser propenso a
modelagem, contribuindo para a desigualdade e fomentando e
discriminação.
A problemática sobre as concepções de currículo tem sido discutida
dentro da sociedade, pois os movimentos tecnológicos têm ultrapassado a
estrutura da grade curricular, e credenciado pela humanidade no caráter
atualizador de conhecimento pela mídia, a criança vive neste cenário e é
protagonista desta história de tecnologia, Warschauer (2002). Então, a
criança não espera mais a informação vinda do professor, ela dialoga
mediante o panorama discutido na atualidade dentro do espaço educativo,
Barbosa e Richter (2012) afirmam que os bebês já organizam seus
pensamentos mediantes as propostas de atividades oferecidas pelos
estímulos.
A criança é incentivada o tempo todo e interage entre muitas
linguagens no decorrer do dia. Na educação infantil, o professor é o elo
entre o estímulo e a aprendizagem; visto que, é através desta relação que
a criança participa das atividades propostas, e muitas vezes este professor
é o formador de opinião e possuidor de uma credibilidade inabalável diante
do olhar curioso e perceptivo da criança, Warschauer (2002). Podendo
sujeitá-la ao domínio negligente da educação pública que não discute o
ensino religioso na Educação Infantil e permite a religiosidade,
transmissora da omissão em teorias provocadoras de aberrações sociais.
Então, qual é a conseqüência do não cumprimento de vários direitos
relacionados à educação infantil que prejudica o desenvolvimento da
sociedade? A resposta é simples: o não cumprimento gera um povo

114
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

omisso, ignorante e que não sabem que o Estado é o maior vilão da


história social ou a maior vítima já que a sociedade é composta por
cidadãos criados pelo Estado. A radicalização das ações educacionais é o
suporte de mudanças, talvez pelo menos seja o início de alguma mudança,
visto que a sociedade é reflexo dos seus direitos e deveres cumpridos pelo
Estado.
No entanto, é do Estado que fomenta uma sociedade refletida em um
povo, como relata Marx e Engels (2009, p. 43):

Todas as sociedades anteriores, como vimos repousaram no


antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas para
oprimir uma classe, é necessário pelo menos lhe garantir condições
de existência que lhe permitam viver na servidão.

Visto que, a educação brasileira é fruto de um Estado opressor e do


não diálogo dentro da educação, na existência de um processo melhor ou
da ideia de um campo conceitual superior provocando e garantindo as
‗condições de existência que lhe permitam viver na servidão‘. Então,
esbarramos num contexto histórico desastroso como a colonização,
escravidão, o capitalismo (usineira, cafezais e outros) e o neoliberalismo
refletido ainda hoje num Estado afogado em desvios, subornos, roubos e
cobranças alarmantes de impostos, qual seria a versão contrária nesta
peça democrática, a consciência de um povo baseado na educação, isto é
fato, mas como se dá esta consciência, já que Marx e Engels (2009, p. 56)
afirmam:

Será necessária uma grande perspicácia para compreender que as


idéias, os conceitos, e as noções dos homens, numa palavra, sua
consciência, se modificam com toda modificação sobrevinda em suas
condições de vida, em suas relações sociais em sua existência social?

Em uma palavra a mudança entrelaça-se na ‗consciência‘, sendo a


porta fundamental da radicalização dita em parágrafos anteriores, mas
como gerar um povo consciente, como retirar da história a inércia de uma
nação, como solicitar a soberania da igualdade e justiça, como mobilizar a
massa? As inquietações são rebatidas mediante o óbvio que proporciona a
outra palavra, talvez salvadora da pátria que é a educação, ou seja, é o
cumprimento legal, é garante a um povo a possibilidade da mudança.

115
FONAPER

O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos


homens não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados.
A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma
coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca,
mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens
sobre o mundo para transformá-lo (FREIRE, 2005, p. 132).

Separados por etapas e diferenciado por área a educação infantil


não consegue dialogar com o ensino religioso, andam lado a lado
sorrateiramente, permitindo que as crianças sejam sujeitadas a pregações
e catequizações que diabolizam o saber com seus proselitismos causais,
distintos e discriminatórios com contexto étnico, racial e cultural. É
necessário a ‗libertação do homem‘, na práxis de transformação.

Os momentos ingênuos da roda na educação infantil


É dito que dentro da educação infantil os momentos inocentes
podem acontecer, mas estes momentos utilizados pelo adulto nunca são
inocentes, sempre tem intencionalidades, sempre estão cobertos de
interesses, sempre estão sujeitos ao poder burocrático da salvação.
Discutir o ensino religioso como proposta de ciência na educação pública
laica e de qualidade é debater porque a aceitação calada de proselitismo
dentro das rotinas de atividades apresentadas para as crianças.
A organização do trabalho pedagógico é dividida no cuidar e educar
dito como associado, atividades contínuas e inseparáveis, pelo CNE
20/2009. Na palavra educar, estão as atividades cotidianas, sendo
divididas em roda de conversa, lanche, atividade direcionada, brincadeiras,
pinturas, contação de história até a espera do responsável para o regresso
a casa.
O que acontece na roda da conversa ou hora de atividade é o
momento de sucessivo abuso de direitos humanos infringidos; explicando
melhor, e sabendo que este momento pode ter a nomenclatura regional de
diferentes formas, cabe detalhamento do que seja a roda da conversa, é o
instante da primeira atividade proposta, as crianças são colocadas em
roda, ou seja, cadeiras alinhadas em círculo, no qual as crianças fazem a
chamada diária e cantam como forma de iniciar os preparativos da
aprendizagem. Nisto temos músicas repetidas como comandos ditatoriais
diariamente, Fonterrada (2005), é neste momento de abertura do dia, que

116
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

as professoras cometem a arbitrariedade de orarem, rezarem e proferem


sua fé.
É neste instante de tempo na educação infantil que o professor deixa
de ser professor e passa a agir como doutrinador de dogmas, proferidores
de verdades absolutistas, e de singularidades preconceituosas e
discriminatórias.
Junior (2012) aborda que a negligência política educacional provoca
a desigualdade e é sujeito à penalidade judicial ou pelo menos é
necessário estar atento aos conceitos culturais abordados com valores
negativos apreendidos socialmente iniciando com a criança entrando na
creche, violando os direitos do cidadão.
Esta discussão é pertinente e muito necessária mediante a
consequência que provoca dentro da qualidade educacional, levando a
discriminação étnico-racial criando num vínculo cultural de superioridade
em determinadas crenças, subjugando culturas milenares praticadas por
nossas crianças em suas comunidades.
Para garantir igualdade de direito e para efetivar uma sociedade justa
é necessário abrir espaço para discutir o ensino religioso como forma de
assegurar o espaço de aprender dentro da instituição educacional, não
prevalecendo a religiosidade do professor, mas abrindo temas para
aprendizagem na educação infantil sobre o ensino religioso.
Provocando no professor o diálogo no momento que inicia as
atividades com as crianças na roda de conversa e não propondo
proselitismo, e sim, um espaço de diálogo, interação e respeito à
diversidade humana, e isto, estão suas crenças, seus rituais, suas
oferendas e seus deuses e demônios.
É importantíssimo salientar que o conhecimento é fundamental para
mudança, pois, só através dele iremos conseguir uma transformação,
tendo o poder de pensar e agir com consciência. Vigotski (2002) afirma
que a construção do conhecimento é entendida como resultado de
adaptações da criança ao meio, envolvendo dois mecanismos reguladores:
a assimilação, através da qual a criança exercita os esquemas já
construídos e a acomodação pela qual se apropria desses dados. Valorizar
o conhecimento, ouvir atentamente as opiniões, estimular as participações,
possibilitar as escolhas e divertir-se na aprendizagem, são os objetivos de
uma proposta de educação infantil. Trabalhar às diferentes necessidades
educacionais, aos interesses e estilos de aprendizagem da cada criança,

117
FONAPER

exigem uma avaliação contínua do profissional diante suas ações e


deliberações nas estratégias ao ensino e a aprendizagem.

A formação como proposta de ampliação do Ensino Religioso na


educação infantil

O que requer muita atenção é quando acontece proselitismo nas


escolas públicas e este detalhe está passando despercebido por nossos
conceitos, mas vivenciado pelas crianças da educação infantil como
práticas discriminatórias, a religiosidade de matriz africana ou a indígena
demonstrada como crença não cristã e isto provoca a supremacia de uma
colonização determinante de classes.
Goes, Barbosa e Junior (2012) discutem que na matriz africana a
religiosidade concebe ao humano com um ser integrado ao meio, parte
importante da harmonização do humano com seu habitat, com respeito aos
mais velhos, com transmissão de conhecimento pela oralidade e que todos
estão detidos em uma roda de dança, bailando para o engrandecimento
individual e coletivo, as escolas precisam oferecer uma aprendizagem que
produza liberdade, igualdade e conhecimento.
A formação do professor é essencial para discutir que os espaços
educativos não são lugares de pregação ou direcionamentos religiosos,
que a roda de conversa é exclusivamente o espaço voltado para o diálogo
aberto e discursivo.
Promover a formação do profissional de educação infantil é
importantíssimo, pois o intercâmbio intencional de conhecimento através
de diálogos nos encontros promovidos pela formação é estimulador no que
se refere a planejar a rotina, o tempo e o espaço das práticas pedagógicas
da educação infantil.
Kramer (2008) propõe uma ação contínua de formação atendendo ao
aspecto cultural e social das crianças, compreendendo a infância como
conectivos de ações únicas e sujeitas de propriedades singulares de
aprendizagem.
A qualidade é inerente à educação ou deveria ser, pois é financiada
para proporcionar o pleno ‗desenvolvimento do cidadão‘, retomando uma
relação indivíduo e educação na proporção qualitativa, ou seja, a qualidade
da educação é dever do Estado, e passa pela formação do professor, pois

118
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

o povo sendo o fornecedor de subsídios por meio de imposto à devolução


de um serviço de qualidade é o mínimo esperado.

A divulgação de resultados de avaliações (SAEB, IDEB, PISA, ENEM,


ENADE) tem trazido dados preocupantes sobre a qualidade do ensino
no país. Comumente, quando são divulgados estes índices, há
algumas reações, mais ou menos inflamadas, mas são apenas
espasmos: logo depois, tudo parece voltar ao ―normal‖. Aos poucos,
no entanto, parcelas cada vez maiores da sociedade vão tomando
consciência de que não deve ser assim: a preocupação com a
qualidade da educação deve ser uma constante (VASCONCELLOS,
2013, p.02).

Então a gratuidade e a qualidade é exigência inerente da educação,


nisto por ser um investimento que é retirado do povo para o povo, e pelo
povo, num governo democrático, não discutindo aqui o sentido de valor e
de custo, só esboçando uma estrutura da efetivação do direito social.
Visto que, a propriedade da discussão volta ao teor educacional de
propor inicialmente o conhecimento dos fatos como evidência de
proselitismo e ao mesmo tempo como proposta de formação direcionada
para aprendizagem do professor, no qual utiliza o ambiente laico para uma
prática pluralista e democrática.

Considerações finais
A efetivação dos direitos sociais depende de sua capacidade de
autorreconstrução teórica e, ao mesmo tempo, da atividade da educação
como o trabalho crítico do conceito que buscar a elaboração de teorias
com intenções práticas construindo hipóteses plausíveis orientadoras do
sujeito autônomo – de vontade livre, capaz do exercício constante da auto
– reflexão. É essa capacidade de auto-reconstrução o que torna a
educação eficaz, dando-lhe condições de pemanecer fiel à praxis que a
idealiza.
A formação do professor é uma proposta relevante quando aponta
uma discussão entre a teoria e prática, buscando uma educação de
qualidade e aliando a educação infantil com o ensino religioso desde os
primeiros passos linguísticos do ser humano.
A lógica desse exercício de liberdade e de prática é o diálogo. O
diálogo é peculiar ao indivíduo, pois a prática individual é essencialmente

119
FONAPER

dialética e a dialética é a lógica da ação, tanto quanto a ação é processo


inteligível da educação.
Essa conversão só é possível no diálogo entre o ensino religioso e
suas ações na educação infantil como propulsora de equidade equivalente
a proliferação dos direitos sociais num contexto justo de direitos, e para
isso é necessário garantir estes direitos de forma clara e acessível.
Isto é claro quando no decorrer do artigo faz um levante da formação
do professor mediante as atitudes que estão sendo vistas dentro da
educação infantil e ao mesmo tempo propõe um debate esclarecedor que
as práticas sejam ações includentes e possibilitadoras do exercício da
cidadania.

Referências

BARBOSA, Maria Carmen Silveira; RICHTER, Sandra Regina Simonis.


Desenvolvimento de crianças de 0 a 3 anos: qual currículo para bebês e
crianças bem pequenas? 2012. Disponível em
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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123
A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO DOCENTE DE
ENSINO RELIGIOSO

José Carlos do Nascimento Santos1

Resumo:
Este artigo objetiva apresentar a importância da formação inicial e continuada do docente
de Ensino Religioso, uma vez que se faz necessário uma formação de caráter inicial como
também de forma continuada para que o docente possa transmitir de forma eficaz e coesa
o objeto de estudo que é o fenômeno religioso. O artigo objetiva ainda à práxis pedagógica
utilizadas pelos docentes, proporcionando uma ação-reflexão-ação. Pretende-se com esta
reflexão contribuir para com um Ensino Religioso voltado ao respeito à diversidade religiosa
presente nas escolas públicas, como também fazer um resgate do perfil do docente para
atuar nesta área de conhecimento que é o Ensino Religioso. Para a conceituação teórica
utilizarei autores que abordam a temática da formação docente em Ensino Religioso.

Palavras-chave: Formação docente; Ensino Religioso; Práxis pedagógica; Fenômeno


religioso.

Introdução
A formação docente para o Ensino Religioso – ER sempre foi um
grande desafio na realidade brasileira. Esta problemática remete ao
período da colonização e se arrasta até os dias atuais.
O professor tem muito pra contribuir na formação do alunado, no
tocante as questões relacionadas à religiosidade de cada um para que
assim sejam orientados nas expressões religiosas. É fundamental que o
profissional tenha no mínimo uma formação específica nesta área de
conhecimento.
O mediador da construção do conhecimento deve preparar-se para
assim saber dialogar com as múltiplas religiões. O educador deve levar em
consideração a metodologia que melhor possibilite o desenvolvimento da
aprendizagem, sem excluir nenhum dos alunos e seus saberes.
É bom ressaltar o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso -
FONAPER como um espaço específico de formação continuada para
todos aqueles que atuam ou buscam informações no tocante o fenômeno
religioso como também as práticas pedagógicas do Ensino Religioso. O
1
Graduado em Licenciatura plena em Letras (UEPB), Pós-graduado em Língua,
linguagem e Ensino (CINTEP), Bacharel em Teologia (FJC), Mestrando em Filosofia da
Docência Teológica (CAEEC), Professor dos municípios: Cuitegi e Pilões. E-mail:
josecarloscuitegi@yahoo.com.br
FONAPER

mesmo busca informar, formar e capacitar o docente para atuar de forma


segura sobre o Ensino Religioso na sala de aula.
Para que tenhamos uma formação docente significativa faz-se
necessário uma formação de caráter sequencial aonde venha atender
todos os anseios do profissional de Ensino Religioso. A relação entre
professor e aluno deve haver uma liberdade. É o que afirma Freire (1999),
―No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre
autoridade e liberdade, entre pais, mães, filhos e filhas é reinvenção do ser
humano no aprendizado de sua autonomia‖.

Aspectos teóricos
I - Formação do docente de Ensino Religioso

A formação do docente em Ensino Religioso é um grande desafio,


pois a demanda é muito grande para atender aos profissionais desta área
de conhecimento.
Faz-se necessário uma formação inicial de forma sistemática dos
conteúdos que são abordados nas aulas de Ensino Religioso. O
profissional deve estar apto para ministrar os conteúdos, pois os mesmos
requerem conhecimento na área, dentre eles podemos elencar como:
Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas; Teologias
Comparadas; Ritos e Ethos, garantindo-lhe a formação adequada ao
desempenho de sua ação educativa.
O docente de Ensino Religioso deve estar disponível ao diálogo
como também a compreensão do fenômeno religioso enquanto objeto de
estudo do ensino religioso. É bom salientar a importância de despertar em
sala de aula a alteridade entre o alunado para que assim entendam a
importância da transcendência na sua vida pessoal e social.
Os cursos de Licenciatura em Ensino religioso e Ciências da
Religião têm um papel importante na formação dos profissionais de Ensino
Religioso para que aprofundem o conhecimento sobre o fenômeno
religioso. A partir daí o professor terá a capacidade de analisar e realizar
pesquisas no campo religioso. Já os cursos de teologia, são confessionais,
desencontrando com a religião como afirma Oliveira et al. (2006, p.92):

126
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

É preciso considerar que não há teologia a-confessional ou supra


confessional, isto porque a teologia sistematiza experiências religiosas
e afirma que os adeptos de uma denominação religiosa devem crer e
como devem agir na organização de sua vida para então, serem
considerados membros daquele grupo religioso. A sistematização da
fé normaliza o odo de vida de um grupo religioso.

Para alcançar os objetivos propostos ao Ensino Religioso, os


Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso (PCNERs)
apresentam cinco (5) eixos organizadores, que indicam os conteúdos
programáticos de cada ciclo ou série do Ensino Fundamental:

1.Culturas e Tradições Religiosas (filosofia da tradição religiosa;


história e tradição religiosa; sociologia e tradição religiosa; psicologia e
tradição religiosa);
2. Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais (revelação; história das
narrativas sagradas; contexto cultural; exegese);
3. Teologias (divindades; verdades de fé; vida além da morte);
4. Ritos (rituais; símbolos; espiritualidades);
5. Ethos (alteridade; valores; limites) (FONAPER, 1997, p. 33-39).

O professor de ER tem os seus lugares e no tempo decorrido desde


a promulgação da LDB 9.394/96 tem sido desafiado a pensar e repensar a
sua práxis como sujeita do conhecimento religioso. Nesse sentido, no que
refere ao professor, Tardif (2002, p.238) alerta que:

Se pare de ver os professores de profissão como objetos de pesquisa


e que eles passem a ser considerados como sujeitos de
conhecimento. Isso significa, noutras palavras, que a produção dos
saberes sobre o ensino não pode ser mais privilégio exclusivo dos
pesquisadores, os quais devem reconhecer que os professores
também possuem saberes esses que são diferentes dos
conhecimentos universitários e obedecem a outras lógicas de ação.

Um órgão que não podemos deixar de enfatizar é o Fórum Nacional


Permanente do Ensino Religioso - FONAPER, pois o mesmo tem
contribuído significativamente na formação continuada do docente de
Ensino Religioso, realizando seminários (anos pares) como também
congressos (anos impares). Nesses espaços o professor tem a
oportunidade de apresentar suas pesquisas como também aprofundar
seus conhecimentos. O fórum é dinâmico, uma vez que o mesmo realiza
sessões, congressos e seminários de forma itinerantes em todo o recanto
do nosso país.

127
FONAPER

Com a presença do FONAPER no meio educacional o


professor/educador do Ensino Religioso passou a ter um lugar ideal e
específico para buscar informações pertinentes sobre a práxis do ER em
sala de aula, como também o acesso ao conhecimento sobre o fenômeno
religioso. O papel do Fórum é muito pertinente e merece todo
reconhecimento e valorização dos professores, educadores,
pesquisadores, enfim, de todos que buscam diretamente ou indiretamente
formação.

II - Perfil do docente de ensino religioso


O mediador do conhecimento, no caso o professore, deve se
preparar para melhor dialogar com as diversas culturas e religiões. O
educador deve levar em consideração a metodologia ideal para ser
aplicada, sem que não exclua nenhum dos alunos, pois é importante que
haja uma sintonia entre o transmissor e o receptor.
Freire (1999, p.94) nos afirma no tocante a relação professor e aluno.
―No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre
autoridade e liberdade, entre pais, mães, filhos e filhas é reinvenção do ser
humano no aprendizado de sua autonomia.‖
A comunidade escolar deve caminhar sempre em sintonia com a
sociedade, pois duas realidades se completam.
Um desafio é não realizarmos proselitismo, pois vivemos em um
contexto marcado pela diversidade. E, portanto, o respeito às diferenças
deve ser o diferencial do Ensino Religioso no campo educacional.
É importante que todos educadores independente de ser professor
de ER ou não, despertem no alunado a importância da disciplina ER no
currículo escolar e na vida de cada aluno, pois o ser humano é um ser que
sente a necessidade de relacionar com o transcendente.
No ER como diz Roque Zimmermann (1998, p. 09), não se trata de
transmissão de normas de conduta e sim:

Trata-se de proporcionar, na educação escolar, oportunidade para que


o educando descubra o sentido mais profundo da existência; encontre
caminhos e objetos adequados para sua realização e valores que lhe
norteiam o sentido pleno da própria vida.

O professor de Ensino Religioso precisa colocar seu conhecimento e


sua experiência pessoal a serviço da liberdade do educando, subsidiando-
128
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

o no entendimento do fenômeno religioso. Portanto, a competência deste


profissional exige que:
1. Compreenda o fenômeno religioso, contextualizando-o no
espaço e no tempo;
2. Configure o fenômeno religioso através das ciências da
religião;
3. Conheça a sistematização do fenômeno religioso pelas
Tradições Religiosas e suas teologias;
4. Analise o papel das Tradições Religiosas na estruturação,
manutenção das diferentes culturas e manifestações
socioculturais;
5. Compreenda os fundamentos éticos, políticos e culturais dos
Textos Sagrados orais e escritos das diferentes matrizes
religiosas;
6. Relacione o sentido da atitude moral, como consequência do
fenômeno religioso sistematizado pelas Tradições Religiosas
e como expressão da consciência e da resposta pessoal e
comunitária das pessoas.
O profissional do Ensino Religioso faz sua síntese do fenômeno
religioso a partir da experiência pessoal, mas necessita, continuamente,
apropriar-se da sistematização de outros saberes e experiências que
permeiam a diversidade cultural.

III - Características do professor de Ensino Religioso

Considerando a Escola como lugar de saber (conhecimento), lugar


de saber fazer (habilidade), lugar de ser (ética), o Professor de Ensino
Religioso deverá apresentar as seguintes características.
 Sólida formação no campo das ciências, com ênfase nas
ciências humanas;
 Fundamentação teórica voltada à reflexão e ação no campo
pedagógico;
 Consciência crítica;
 Visão e ação criativa, contextualizada com vistas à totalidade
na perspectiva interdisciplinar;
 Conhecimento do ser humano na sua integralidade e contexto
no qual está situado;
129
FONAPER

 Sensibilidade, discernimento e equilíbrio nas relações com o


fato religioso e suas diversas manifestações.

IV - A práxis pedagógica do Ensino Religioso

A prática pedagógica é de suma importância no desenvolvimento


educacional no campo religioso, uma vez que é um tema que merece
muita atenção e valorização, pois é algo de muita importância na formação
integral do cidadão (ã).
O objetivo do componente, hoje, é de levar ao educando como
proposta de cunho interreligioso e intercultural, não fundada no
proselitismo. Vivemos num mundo plural onde cabe a cada um de nós
respeitas as diversidades. Os conteúdos programáticos são conteúdos
voltados à interação entre o homem e o sagrado nas diversas expressões
religiosas. Os conteúdos não são temas transversais e sim temas
vinculados ao sagrado de cada um de forma particular.
A metodologia que os educadores utilizam de formas diversas. O
método por sua vez deve proporcionar: PARTICIPAÇÃO, INTERAÇÃO E
CAPACIDADE DE PENSAR.
Cabe ao educador proporcionar uma aula dinâmica e de participação
ativa nas aulas de ER, deixando assim a flexibilidade para o educando
expor as suas percepções sobre os temas abordados em sala de aula e
não o educador impor o seu pensamento de ver o mundo e o sagrado.
A Lei que dá suporte e respalda ao ER é muito ampla e flexível, uma
vez que, deixa a critérios das Secretarias Estaduais de Educação e os
Conselhos de Educação sua regulamentação. Deixa também a
possibilidade do projeto Político Pedagógico de que cada unidade escolar
adapte tal legislação à sua realidade universal.
Houve um grande avanço quanto ao direcionamento pedagógico no
ER desde as reflexões e lutas garantidas na Constituição Federal, em
1987/1988.

O Ensino Religioso Ocupava-se com a educação integral do ser


humano, com os valores e suas aspirações mais profundas quer
cultivar no ser humano as razões mais íntimas e transcendentes
fortalecendo nele o caráter de cidadão, desenvolvendo seu espírito de
participação, oferecendo critérios para a segurança de seus juízos e
aprofundando as motivações para a autêntica cidadania.

130
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Não se pretende na sala de aula fazer uma comunidade de fé, mas


um espaço de reflexões sobre limites e superações. Diante disto necessita-
se construir uma pedagogia que atende a estas reflexões. Entretanto, faz-
se necessário interferir a teoria e a prática pedagógica.
Na escola, diante da diversidade cultural religiosa em que os
educandos estão inseridos, segundo o FONAPER (2000, p. 18), o Ensino
Religioso:

Pelo estudo do fenômeno religioso desencadeia o diálogo e a


reverência. Pode - se dizer que estas são as grandes finalidades
dessa disciplina na escola: diálogo e reverência.
Diálogo a partir do entendimento da palavra: diálogo.
Dia: prefixo grego= diferentes, opostos
Logos: sufixo grego = palavra, discurso articulado.
Portanto, diálogo e a realidade que se estabelece a partir de palavra
de diferentes de opostos. Na homogeneidade não há diálogo, somente
repetição. O diálogo como meta do ER é possível pela diversidade
cultural-religiosa do Brasil, presente no convívio social. Diálogo como
processo de construção do conhecimento, de modo que possa
contribuir para a formação de indenidades afirmativas, persistentes e
capazes de protagonizar ações solidárias e autônomas de constituição
de valores indispensáveis à vida cidadã. (Cf. parecer nº 04/98 da
CEB/Conselho Nacional de Educação).
Reverência - significa acatamento às coisas sagradas, ao que é digno
de respeito veneração, mesura, cortesia, genuflexão.
Quando se usa o termo reverência (ao Transcendente no outro) no
Ensino Religioso quer-se ir mais longe, além do simples entendimento
encontrado no senso comum, vai do respeito à tolerância para com o
diferente.

Tanto o diálogo como a reverência são de uma importância ímpar


para o ER. Como afirma Freire (1998, p. 134) em Pedagogia do Oprimido:

O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito


menos uma tática a ser usada, como a sloganização o é, para
dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a ―pronúncia― do
mundo é uma condição fundamental para a sua real humanização.

O fenômeno religioso é algo que está presente muito antes de


vivenciado em sala de aula. Humanamente falando, temos a necessidade
de transcender e ao mesmo tempo esperamos que algo ou alguém
preencha as nossas vidas.
Nós educadores temos uma tarefa de levar ao alunado a importância
do ser na sociedade plural e global que estamos inserindo. Estamos
vivendo uma cultura de contra valores muito fortes, uma vez que o ser

131
FONAPER

enquanto personalidade está adormecido na grande maioria; enquanto que


o ter, poder aquisitivo, está muito em evidência. Em outras palavras
estamos cultivando uma frase muito pronunciada ―só vale quem tem‖.
Devemos como mediadores de conhecimento despertar nos nossos
ambientes educacionais meios através dos quais o aluno se sinta amado e
acolhido pelo ser superior, independente da tradição, movimento religioso
ou não religioso ao qual pertença, ou da terminologia da palavra: Deus,
Jeová, Alorum, Tupã... que utilize.
O ER deve despertar no alunado, por meio do acesso ao
conhecimento, o querer relacionar-se e reconhecer a transcendência. É o
que o afirma Zimmermann (1998): tem como objeto a compreensão da
busca do transcendente e do sentido da vida, que dão critérios e
segurança ao exercício responsável de valores universais base da
cidadania.
Desta forma, o Ensino Religioso assim previsto, se torna possível e
necessário para:
 estrutura a partir da Escola, lugar privilegiado para o exercício
de construção das bases da cidadania.
 desenvolve-se na perspectiva de construção do
conhecimento religioso e não mais na do modelo
ultrapassado de repasse de conteúdos.
 alicerça-se na certeza de que as tradições Religiosas
(Religiões) conferem critérios de segurança para o exercício
da cidadania.
Segundo Delors (1999, p. 90-99) a educação durante toda a vida
baseia - se em quatro pilares:
1. Aprender a conhecer
2. Aprender a fazer
3. Aprender a viver junto, conviver.
4. Aprender a ser
É importante desenvolver no ER possíveis relações com as
diferenças espirituais e culturais, como afirma:

Devemos cultivar, com utopia orientadora, o propósito de encaminhar


o mundo para uma maior compreensão mútua, mais sentido de
responsabilidade e mais solidariedade, na aceitação das nossas
diferenças espirituais e culturais. A educação permitindo o acesso de
todos ao conhecimento tem um papel bem concreto a desempenhar o

132
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mundo e o outro a fim de melhor se compreender. (DELORS, 1999, p.


50).

De acordo com a citação acima se faz necessário um Ensino


Religioso onde deve cativar a todos sem distinção de cor, raça e religião,
pois o objeto de estudo é justamente o fenômeno religioso e não religião.
O difícil está sendo trabalhar com o diferente, o outro. Alteridade é algo
que deveríamos resgatar, pois a partir do momento que há uma aceitação
um respeito para com o meu próximo. Deve-se levar em consideração na
prática de ensino religioso, um ensino que não desenvolva práticas
prosélitas e sim ecumênica que contemple todas as religiões, conforme
rege o artigo 33 da LDB.

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso." (BRASIL,1997).

Considerações finais
Faz-se necessário uma reflexão diante de tudo que foi apresentado
anteriormente sobre a formação específica da profissional de ensino
religioso área de conhecimento que requer um olhar todo especial, uma
vez que se trata da relação do ser humano com o transcendente.
A formação do docente nesta área de conhecimento perpassa por
inúmeras dificuldades, pois o mesmo trabalha com diversos credos na rede
pública de ensino. Mediante a tudo o que foi apresentado como
fundamentação teórica e prática o profissional deve receber uma atenção
diferencial, um olhar com atenção, articulação e respeito à diversidade
religiosa presente nas escolas que lecionam.
O professor de Ensino Religioso deve ser aquele profissional que
na sua comunidade e na sala de aula desempenhe o papel de mediador do
conhecimento das diversas religiosidades e espiritualidades, sem perder a
sua missão de promotor do diálogo inter-religioso e intercultural como

133
FONAPER

também da busca constante da ética e da promoção da paz entre todos os


credos, crenças e religiões presentes no contexto social e escolar.
Nota-se a grande importância que tem o professor de Ensino
Religioso, uma vez que o mesmo torna-se um grande elo entre a realidade
social e a realidade pedagógica da escola e da comunidade na qual está
inserido.
Percebe-se ainda que a formação docente diante de pesquisas e
sistematizações são mais complexas. Diante desta complexidade o
docente de ER deve ter domínio dos conteúdos e conhecimentos que
perpassam os eixos que constam dos PCNER, a saber: ethos, ritos, textos
orais e sagrados e teologias.
Não podemos esquecer-nos da importância do FONAPER na
formação dos docentes de Ensino Religioso, pois o mesmo é um ―espaço-
político-pedagógico‖. Nesse sentido, continua exercendo o papel de
acompanhar as discussões relevantes sobre o Ensino Religioso de todo o
Brasil, como também estabeleceu como prioridade a formação do docente
para este componente curricular, sempre atualizado para os desafios
decorrentes.

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135
NO JARDIM DAS ERVAS– SUBPROJETO INTERCULTURAL
INDÍGENA FURB/SC

Eldrita Hausmann de Paula – FURB/PIBID1

Sandra Andréia Müller Schroeder – FURB/PIBID2

Resumo:
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID criado pela CAPES
(2007) objetiva incentivar licenciandos a aproximação da realidade escolar, valorização,
aperfeiçoamento, capacitação e prática formadora via construção de reflexão e qualificação
docente. Desde agosto de 2012 o Curso de Ciências da Religião – Licenciatura em ER
integra o PIBID da FURB/SC com o Subprojeto Intercultural Indígena. Radicado na EEB
Hercílio Deeke (Blumenau/SC) busca contribuir com a prática formadora dos licenciandos
em consonância com a Lei nº 11.645/08. Conhecimentos, práticas pedagógicas e produção
de materiais didáticos pedagógicos envolvendo o saber tradicional sobre ervas e árvores
medicinais relacionados a historia e cultura do Povo Indígena Xokleng Laklanõ (Vale do
Itajaí) são alguns dos resultados se articularam na construção coletiva do Jardim das Ervas.

Palavras-chave: História; Cultura; Povo Xokleng Laklanõ; Ervas; Árvores.

Introdução
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência é um
Programa –(PIBID) do Ministério da Educação (MEC), gerenciado pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES,
que desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-
graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados do
Brasil. Em 2007, passou também a atuar na formação de professores da
educação básica ampliando o alcance de suas ações na formação de
professores qualificados no Brasil e no exterior, como objetivo maior.

1
Acadêmica da IV Fase do Curso Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino
Religioso, da Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB/SC, Bolsista do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, Subprojeto
Intercultural Indígena. E-mail: eldritahp@hotmail.com
2
Acadêmica da IV Fase do Curso Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino
Religioso, da Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB/SC, Bolsista do
Programa Institucional de Bolsa a Iniciação à Docência – PIBID, Subprojeto Intercultural
Indígena. E-mail: sandra_schroeder@globo.com
FONAPER

É um programa de Iniciação à docência, os bolsistas são acadêmicos


dos cursos de Licenciatura que, inseridos no cotidiano de escolas da rede
pública, planejam e participam de experiências metodológicas e práticas
docentes de caráter inovador, disciplinar e interdisciplinar, e que buscam a
superação de problemas identificados no processo de ensino
aprendizagem. O objetivo do programa é incentivar licenciandos a
aproximação da realidade escolar, valorização, aperfeiçoamento,
capacitação e prática formadora via construção de reflexão e qualificação
docente.
O PIBID se organiza com projetos Institucionais inserindo vários
subprojetos nas diferentes áreas de conhecimento da Educação Básica e
são formados por: acadêmicos de graduação (licenciandos), professores
das escolas públicas conveniadas (supervisoras) e coordenadores de área
(professores da IES). A participação no programa garante a cada bolsista
uma bolsa mensal. Atualmente, no Brasil, o PIBID é aplicado em 196
Instituições de Ensino Superior - IES e oferece 49.321 bolsas. Em Santa
Catarina, sexto lugar no ranking brasileiro, é oferecido 2.460 bolsas.
No contexto de SC, a FURB integra o PIBID com dois projetos
institucionais. Em 2012, o Curso de Ciências da Religião – Licenciatura em
Ensino Religioso passou a integrar o PIBID da FURB/SC com o Subprojeto
Intercultural Indígena. O Curso de Ciências da Religião – Licenciatura em
Ensino Religioso (CR-ER), uma das iniciativas de formação pioneira nesta
área do conhecimento no Brasil. Busca habilitar profissionais para o
exercício docente em Ensino Religioso abordando a diversidade cultural
religiosa em sua relação direta com os Direitos Humanos, que contempla
em sua matriz curricular o estudo dos fenômenos religiosos de matriz
oriental, semita, africana e indígena. Nesse sentido, tem contribuído com a
construção de reflexão e ações comprometidas com a erradicação de
discriminações e violências de caráter religioso no cotidiano escolar,
acadêmico e social.
O Curso CR-ER busca constantemente ampliar e subsidiar sua
prática formadora, e um dos espaços/lugares é no Subprojeto Intercultural
Indígena, iniciado em agosto de 2012, na Escola de Educação Básica
Hercílio Deeke, Blumenau, SC. Objetiva desenvolver uma parceria entre a
Universidade e a Educação Básica, colaborar com os estudantes,
professores em exercício e a escola na promoção de uma aprendizagem
significativa nos diferentes processos de reflexão, discussão,

138
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

conhecimento, construção de outros olhares acerca do povo indígena


Laklanõ Xokleng que são correspondentes à História e Cultura Indígena no
Vale do Itajaí, na execução da Lei nº 11.645/08.Vale que historicamente foi
habitado por este povo e hoje se restringe apenas às cidades de Doutor
Pedrinho, José Boiteux, Vitor Meireles e Itaiópolis (SC).
O referencial teórico que sustenta esta iniciação à docência são
pesquisas, estudos e leituras do povo indígena Laklanõ Xokleng sob os
títulos: História e cultura indígena e educação básica no Alto Vale do Itajaí:
desafios e perspectivas a partir da Lei n. 11.645/08; A semana dos povos
indígenas de 2005: um exercício de interlocução e O povo indígena
Laklanõ Xokleng: aproximações sobre cultura e religiosidade, Botocudo:
uma história de contacto,respectivamente, foi possível realizar um trabalho
minucioso sobre o povo indígena Laklanõ Xokleng registrou-se o
conhecimento parcial sobre este povo. Outras leituras feitas e não menos
importante foram realizadas.
O povo Laklanõ Xokleng com seus saberes tradicionais sobre ervas
medicinais e através das experiências, conhecimentos e olhares na Mata
Atlântica, desenvolveu práticas e formas de utilizar essas ervas medicinais,
árvores nativas, frutos e raízes silvestres. O recorte que realizamos no
desenvolvimento das atividades de aprendizagem na EEB Hercílio Deeke,
com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental, foi justamente a
partir dos saberes sobre as ervas.
Na primeira fase do subprojeto desenvolvemos atividades com
estudantes dos sétimos e oitavos anos. Onde realizamos a elaboração e a
confecção de material didático pedagógico acerca dos conhecimentos do
povo indígena e da sociedade atual para tratamento, cura e prevenção de
doenças. Com estes saberes, foram realizadas pesquisas e coletas das
ervas. Além é claro, do Jardim das Ervas, atividade desenvolvida com
estudantes dos sétimos anos realizada no contra turno da escola.
Este texto está organizado em algumas partes, à primeira faz uma
introdução ao subprojeto, à segunda traz um recorte do nosso aporte
teórico, a terceira relata uma prática pedagógica e seus desdobramentos
com o Jardim das Ervas.
Jardim das ervas: relatando as práticas
Pesquisar e sistematizar a história do povo Laklanõ Xokleng é um
desafio, pois esse povo foi violentado em seus direitos e sua cultura sofreu

139
FONAPER

perdas significativas a partir do contato com a sociedade não indígena em


especial, no que tange o aspecto religioso. Desse modo, buscamos na
primeira parte deste capítulo trazer um pouco desta história de contacto
até os dias atuais.
Na segunda parte relatamos a utilização de plantas com fins
medicinais, para tratamento, cura e prevenção de doenças, que são uma
das mais antigas formas de prática medicinal da humanidade e dos povos
indígenas. Por fim, relatamos algumas práticas didáticas pedagógicas
desenvolvidas na escola, e que são resultados de estudos, pesquisas e
confecção de materiais pedagógicos que contemplam e integram a História
e Cultura do povo indígena Laklanõ Xokleng, com seus possíveis
resultados.

Conhecendo um pouco da cultura e história do povo Laklanõ Xokleng

A religiosidade é uma forma de expressar seus específicos


sentimentos pela vida, o ser humano e a natureza (FLORES, 2003).
Segundo Lopes (apud FLORES, 2003, p. 14) ―[...] é sumamente concreta
[...] gosta de contemplar a vida, saboreá-la, banhar-se nos seus
mistérios...‖. Os povos indígenas respeitam, valorizam e acima de tudo
amam a terra que é sagrada e estes povos pretendem conviver em
harmonia. Flores (2003, p. 14) complementa afirmando: ―religiosidade
indígena é portanto a experiência do mergulho sagrado sem estar
sobrecarregado de culpas ou enfrentando o olhar ameaçador de Deus‖. A
ideia de religioso está estritamente vinculada a tudo que dá vida e a
sustenta, constituindo outras maneiras de compreender a própria
transcendência. No povo indígena Laklanõ Xokleng não há divindade
ocupando a centralidade na vida da comunidade.

A dimensão religiosa representa parte constitutiva e está inter-


relacionada com o todo de sua cultura. Esta visão é perceptível nas
diversas concepções, nos mitos, nos ritos, nos símbolos, nas práticas
cotidianas, na organização do tempo, do espaço e das atividades, nas
relações e interações (MARKUS; OLIVEIRA, 2005, p.376).

O cotidiano, o nascimento, a morte os acontecimentos na vida e a


cosmovisão com o sagrado, a terra, a natureza, os seres vivos e humanos,
estão repletos de sentimentos específicos com a cultura e a religião.
Sendo assim, a religiosidade está presente em todos os momentos da
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

história e da vida da comunidade indígena. Os rituais, as práticas e a


crença religiosa na natureza estão nos valores e normas do povo indígena.
O respeito, a cultura, as práticas e modos de conviver com a natureza são
a principal fonte da religiosidade do povo indígena Laklanõ Xokleng.
Portanto, não há uma divindade com nome específico e sim, a veneração e
o respeito à natureza, os animais, os seres humanos, isto é divino. A
língua materna também é um dos elementos da cultura que mantém a
família e o grupo unidos, segundo Markus e Oliveira (2005).

Vocês adoram a lua, o sol? Que Deus vocês adoram: as pedras, os


animais, os rios, a floresta? É verdade que os índios não entendem o
cristianismo? Então eu me dou conta do tamanho da desinformação,
da distorção e das dificuldades de diálogo e compreensão entre índios
e não índios em pleno século XXI. (FLORES, 2003, p.11).

Os indígenas não entendem o cristianismo, mas amam as pedras, os


animais, os rios, as florestas, adoram a lua, o sol e as estrelas. Então, o
que é o cristianismo? Estamos desinformados, somos distorcidos e temos
dificuldade de diálogo. Amor e respeito por todos e tudo é o que o indígena
prega. São com lutas e através da identidade de um grupo, que se forma a
denominação de um povo, com medidas de reviver sua língua, seus
artefatos, os seus mitos, os seus símbolos, enfim, sua cultura. O povo
Laklanõ Xokleng vem conquistando espaço e território político em terras
que lhes foram tomadas, inclusive com o nome de seu povo.

A denominação Laklanõ Xokleng traz significados importantes para o


povo. O termo Xokleng, na língua do grupo designa ―a aranha que vive
nas taipas de pedra‖ e foi popularizado pelo trabalho do antropólogo
Silvio Coelho dos Santos (1987). O nome foi incorporado pelo grupo
enquanto denominador de uma identidade externa e usada em suas
lutas públicas. No entanto, o grupo se autodenomina ―Laklanõ‖, isto é,
―o Povo do Sol‖ (PEREIRA, 1998). Este termo vem ganhando espaço
político através de um forte movimento de afirmação da identidade do
grupo, com estudos e revitalização de sua língua, mitos, artefatos,
medicina e território tradicional. A língua é um dos elementos fortes da
cultura deste povo e tem tido zelo e a persistência em sua
transmissão. (MARKUS; OLIVEIRA, 2005, p.376)

O povo Laklanõ Xokleng habitava boa parte do estado de SC. Mas, o


contato com os colonizadores deflagrou uma verdadeira guerra os
habitantes que aqui viviam e os colonizadores que recém chegaram.
Segundo Namem (1994), visando proteger esse povo da violência dos

141
FONAPER

bugreiros3, foi criado pelo chefe do governo catarinense, Adolfo Konder,


em 1926a Terra Indígena (TI) inicialmente denominada Posto Indígena
Duque de Caxias, para aldear os indígenas. Ao povo Laklanõ Xokleng, que
era nômade, foi destinado uma área de 14.156,58 hectares. Em 1965 foi
oficialmente demarcada e em 1975 recebeu o nome de TI Ibirama, situada
ao longo dos rios Hercílio e Plate, que moldam a bacia do rio Itajaí-açu.
Localizada em quatro municípios cerca de 70% da área está dentro dos
limites dos municípios José Boiteux, Doutor Pedrinho, Vitor Meireles e
Itaiópolis.
Com o plano de colonização do alto Vale do Itajaí em conjunto com
representantes do governo, o povo Laklanõ Xokleng, sofreu ataques com
violência para o seu extermínio e foram impedidos de conviver na estrutura
cultural, territorial e social do grupo e desta forma o Serviço de Proteção ao
Índio (SPI) deveria garantir a não exploração e a integridade física,
transformando indígenas em agricultores sofridos.

Antes de 1914, os Botocudos viram suas terras serem ocupados pelos


brancos, ao tempo em que foram violentamente caçados pelos
bugreiros [...] Segundo RIBEIRO (1979:127-48), contrariando
interesses dos governantes locais e estaduais, a criação do SPI visava
garantir aos índios a posse de suas terras, controlar as relações
desses com a sociedade nacional, não permitindo que fossem
oprimidos e explorados, e promover a punição de crimes cometidos
contra os índios. Entretanto, além desse protecionismo declarado,
conforme LIMA (IN OLIVEIRA FILHO, 1989), os objetivos eram,
também, de sedentarizar índios, transformando-os em reserva de
mão-de-obra. [...] praticassem a agricultura, a fim de manterem a
sobrevivência e o Posto Indígena, e procurava evitar um contacto mais
direto entre esses e os brancos (SANTOS, 1973) [...] (NAMEM, 1994,
p. 28).

Ao serem confinados em uma área restrita e com precárias


condições de desenvolvimento. Esse grupo viu seu povo sendo reduzido,
além de sua cultura e religião. Afinal para o povo indígena cultura e
religião não se separam. A ancestralidade está presente, é para manter
viva a memória dos seus ancestrais através de orações, refeições e
oferendas especiais; os indígenas estão convictos de que os ancestrais
estão incumbidos de cuidar da vida de seus descendentes, crença de que

3
Bugreiros nomenclatura designada aos contratados pelos colonizadores imigrantes e
muitas vezes pelo governo provincial de Santa Catarina, para capturar e exterminar os
indígenas. O termo deriva da palavra bugre, como era conhecido o povo indígena
desta região.
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

os mortos, especialmente os espíritos, continuam vivos e influenciam o


destino dos vivos, dando proteção.
Nas décadas de 50 a 70, a atuação de igrejas na TI logrou a adesão
de indígenas à Igreja Católica; quanto à Igreja Evangélica Assembleia de
Deus e a incidência de adesão do grupo ao pentecostalismo estão muito
presente na representação do Botocudo. Na adesão à religião católica e ao
pentecostalismo que o povo indígena se prende a outros grupos sociais.

Quanto à assistência religiosa na área indígena, SANTOS (1973:270:


6) relatou as constantes mudanças de orientação ao longo dos anos
1950, 60 e 70. Entre 1935 e 1968, a orientação foi dada pela Igreja
Assembleia de Deus, de orientação protestante. [...], para preservar a
integridade da sociedade e da cultura dos pioneiros, que veem nos
cultos religiosos um substituto das suas cerimônias tradicionais
(NAMEM, 1994, p.96).

Atualmente, constata-se que a Igreja Assembleia de Deus


consolidada entre grande parte da população da área indígena se identifica
como crentes e cristãos, a igreja Pentecostal tem introduzido novos
valores, servindo para preservar a integridade da sociedade e da cultura.
As plantas e ervas na cultura do Povo Laklanõ Xokleng

A utilização de plantas com fins medicinais, para tratamento, cura e


prevenção de doenças, é uma das mais antigas formas de prática
medicinal da humanidade e dos povos indígenas. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) , responsável por desempenhar um papel de liderança
em questões de saúde globais, a definição da agenda de pesquisa em
saúde, estabelecendo padrões, articulando opções políticas baseadas em
evidências, fornecendo apoio técnico aos países e monitorar e avaliar as
tendências da saúde - define planta medicinal como sendo ―todo e
qualquer vegetal que possui, em um ou mais órgãos, substâncias que
podem ser utilizadas com fins terapêuticos ou que sejam precursores de
fármacos semissintéticos‖.
A humanidade utiliza plantas, primeiro numa relação de consumidor
e mais tarde para a cura de suas enfermidades. Iniciada antes da medicina
moderna, a medicina tradicional definida pela OMS como sendo:

A soma de todos os conhecimentos teóricos e práticos, explicáveis ou


não, utilizados para diagnóstico, prevenção e tratamentos físicos,
mentais ou sociais, baseados exclusivamente na experiência e

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FONAPER

observação e transmitidos oralmente ou por escrito de geração em


geração. (MORODIN; BAPTISTA, 2001).

Essa medicina tradicional permanece até os dias de hoje, com base


e práticas mantidas há milhares de anos, vem oferecendo contribuição ao
desenvolvimento da ciência, a partir de conhecimentos e práticas de
saúde. Considerando que a medicina tradicional representa um importante
papel social, por meio de seus elementos compartilhados por toda a
sociedade, é importante avaliar se o uso de plantas medicinais decorre de
um conhecimento tradicional, embasado na experiência direta dos
membros das comunidades ou resulta de contatos com fontes externas à
cultura local, como migrantes ou veículos de comunicação (livros, rádio,
televisão) e caráter empírico, influenciadas pelo contexto sociocultural,
econômico e físico, no qual se encontram inseridos.
Segundo Neves (2001), observa-se a predominância da utilização de
folhas, frequentemente a partir da combinação de plantas bem como a
utilização de outros componentes no preparo, como mel e leite. A maioria
da sociedade atual faz uso das ervas medicinais por indicação dos
parentes e amigos, um número reduzido busca informações em livros ou
através da televisão e rádio. Mais da metade desta sociedade
recomendam o uso de alguma erva medicinal para outras pessoas.
Grande parte da sociedade cultiva espécies de ervas consumidas,
em hortas ou pequenos vasos. Embora seu potencial nem sempre seja
bem explorado. É possível reduzir o consumo de medicamentos fazendo
uso correto das ervas medicinais. O mais importante é que por um custo
muito baixo pode-se manter um bom número de ervas em residências,
mesmo dispondo de pouco espaço para o cultivo. O uso de ervas requer
cuidados, em se tratando de preparações caseiras e tais cuidados
permitem segurança e eficácia na utilização, garantindo que seus efeitos
sejam aqueles desejados, para tanto, devem ser levados em conta a parte
e tipo da erva, o grupo de princípio ativo e a finalidade.
Foram os povos indígenas que descobriram a capacidade medicinal
das ervas. Os europeus, quando chegaram ao Brasil, aprenderam muito
com os indígenas e recorreram às ervas para tratar doenças e amenizar
dores e incômodos e esta mesma erva empregada pelos povos indígenas
continuaram a ser valorizados através dos tempos. Os pajés ou xamãs dos
povos indígenas são os grandes conhecedores das ervas e plantas
medicinais.
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O uso de ervas entre o povo Laklanõ Xokleng era basicamente


restrito a dois vegetais: ―o ―uiôlo-nhãtâi‖ e o ―tutôlo‖, espécies até hoje
nunca identificadas (SENS, 2002)‖, sendo indicadas para os mais variados
distúrbios. No entanto, ―o emprego mais significativo destes vegetais era
profilático e ritualístico uma vez que a etiologia das doenças tinha um
caráter essencialmente espiritual (Henry, 1941; Mussolini, 1946, apud
SENS, 2002)‖. Porém, quando as grandes epidemias se alastraram após o
contato com os brancos, as práticas tradicionais de cura deixaram de ter
efeito e foram abandonados, os Laklanõ Xokleng passaram a fazer uso de
muitas plantas indicadas e ou introduzidas pelos brancos, para tratar
doenças infecciosas. As duas principais plantas originais perderam o seu
valor profilático e ritualístico e passaram a ser utilizadas de acordo com as
regras da medicina popular brasileira.

É provável que o próprio Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, o


―pacificador‖, tenha sido um dos importantes agentes na introdução de
tantas espécies vegetais, uma vez que dispunha de pouquíssimos
recursos para o tratamento dos indígenas e a utilização de plantas se
convertia em uma modalidade de terapia de baixo custo e razoável
eficácia (SENS, 2002).

Diante dessa nova realidade os indígenas passaram a fazer uso de


muitas plantas indicadas e ou introduzidas para tratar doenças infecciosas
e outras até então, desconhecidas e para as quais eles não tinham
tratamento.

O jardim das ervas na escola: exercícios de iniciação a docência

De posse dos referenciais teóricos, realizamos observação


participante, acompanhando a professora supervisora em suas aulas de
Ensino Religioso, com os anos finais do Ensino Fundamental. Esse
período nos permitiu conhecer o chão da escola com suas rotinas, suas
dificuldades, necessidades, avanços e desafios. Também realizamos uma
visita à Aldeia Bugio, na terra indígena Laklanõ Xokleng situada em Dr.
Pedrinho, SC - para aproximação com o modo de vida; seus hábitos,
cultura, religiosidade e vida social.
Na Terra Indígena de Ibirama, vivem alguns povos indígenas:
Laklanõ Xokleng, Guarani e Kaingang. Estão organizados em oito aldeias,
a saber - Bugio, Palmeira, Barragem, Figueira, Sede, Coqueiro, Toldo e

145
FONAPER

Pavão. Nossos estudos focam-se no povo Laklanõ Xokleng, por dois


motivos: é o único logo, o último grupo existente no planeta; segundo pelas
atrocidades feitas com sua cultura e religião, ao longo da história do estado
de SC.
Na Aldeia Bugio, participamos de uma Trilha da Sapopema e
identificamos uma quantidade significativa de ervas medicinais como:
tanchagem, erva cidreira, camomila, etc. Na etapa das ervas, nos auxiliou
teoricamente artigo Alternativas para a auto sustentabilidade dos
Kokleng da terra indígena Ibirama - publicado por Sávio Luiz Sens, em
2002.
Elaboramos e aplicamos um instrumento de diagnóstico para
mapeamento de saberes dos educandos e dos professores em exercício
sobre saberes das ervas medicinais, conhecimentos e práticas
pedagógicas. Realizamos o registro, sistematização e análise dos dados
recolhidos após encontro dos/as bolsistas que subsidiaram a elaboração
das práticas pedagógicas.
A escolha pela temática das ervas "Jardim das Ervas" se deu
primeiro pela observação realizada na Aldeia Bugio; segundo porque a
Escola cedeu um canteiro para o plantio das ervas coletadas, que se
articularam na construção coletiva do livro ―Jardim das Ervas". E a partir do
Jardim das Ervas, foram desenvolvidas atividades de aprendizagem
envolvendo a produção de material didático pedagógico relacionado à
História e Cultura dos Povos Indígenas no Vale do Itajaí, em consonância
com a Lei nº 11.645/08.
Dentre as diferentes atividades desenvolvidas no decorrer do
primeiro semestre de 2013 no Subprojeto, socializaremos somente a
experiência do Jardim das Ervas. Esta atividade era realizada com
estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental, através de encontros
sistematizadosdas15h50mim até 17h20mim, no contra turno da escola
com os estudantes dos 7º.
Utilizamos aulas dialogadas e vídeos, a partir de uma atividade
diagnóstica e de uma apresentação em Power point que abordou a história
do povo indígena Laklanõ Xokleng, apresentamos a definição de ervas,
conhecendo as ervas Alecrim, Alfavaca, Amargosa, Canela de Sassafrás,
Marcela do Campo, Picão, Quebra Pedras, Tanchagem e Urtiga Miúda,
ensinando e aprendendo como preparar um canteiro para posteriormente
plantá-las.

146
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

No canteiro das ervas, espaço disponibilizado dentro da área escolar,


foi desenvolvida a prática do plantio das ervas, o cultivo e conhecimento
dos métodos de utilização, a conservação e os benefícios das ervas; foram
realizadas visitas periódicas ao jardim das ervas, na sala de informática
desenvolvemos pesquisas; na prática explicativa das ervas medicinais
estudamos os nomes científicos e famílias, a indicação terapêutica, a
conservação, parte utilizada da erva, posologia, contra indicação e modo
de usar, tanto da cultura indígena quanto na cultura não indígena,
conhecendo as diversas formas de manipular as ervas e as plantas
medicinais; preparamos alguns chás com auxílio de água, chaleira e o
modo correto da infusão destas ervas, degustando-os, percebendo os
gostos, os cheiros, fotografando as plantas no jardim das ervas e por
último iniciando a produção de um livro das ervas estudadas, com
imagens, nome científico, indicação terapêutica, modo de preparo e o
modo de uso na cultura indígena e não indígena.Nele é possível encontrar
fotos e ilustrações criadas pelos educandos e informações sobre os usos
de cada erva em particular.Não se trata de uma obra completa.

Aprendizados e desafios: um convite (ainda tímido) a outras leituras e


olhares para as relações e práticas

No Subprojeto Intercultural Indígena do PIBID/FURB, destacamos


sua contribuição na nossa formação como futuros professores, porque é a
oportunidade de experimentar e realizar, na prática, o conhecimento
teórico adquirido no decorrer da formação acadêmica dentro do Curso
Ciências da Religião - Licenciatura em Ensino Religioso, em especial aqui
sobre a História e Cultura Indígena no Vale do Itajaí, em consonância com
a Lei nº 11.645/08.
Muitos foram os aprendizados e os desafios identificados pelo
Subprojeto Intercultural Indígena, somou-se a reflexão, através de debates
e diálogos sobre a temática analisando de forma coletiva e crítica,
desafiando a construção de outros olhares e leituras dos educandos
acerca do povo indígena Laklanõ Xokleng, em pesquisas, estudos,
socialização e discussões com o grupo sobre a importância, a utilização
das ervas e árvores medicinais para tratamento, cura e prevenção de

147
FONAPER

doenças, sendo uma das mais antigas formas de prática medicinal da


humanidade, e deste povo.
Como resultado final a confecção do livro, sistematizado em forma de
produção textual coletiva com os conhecimentos adquiridos sobre as ervas
medicinais do saber tradicional indígena e os conhecimentos da sociedade
atual.
O subprojeto como experiência foi uma oportunidade de aprofundar
os conhecimentos e a capacidade criativa na resolução dos impasses
encontrados durante esse período. Reflexão de que educadores da
sociedade escolar têm a tarefa importante de pesquisar, estudar, conhecer
e principalmente respeitar e valorizar a diversidade cultural dos povos
indígenas. Que toda a sociedade escolar deverá passar pelo exercício do
diálogo, criar lastro e competências para a superação de diferenças
discriminatórias e preconceituosas, conhecer para respeitar e conviver
para a construção de diálogos na busca pela erradicação de violências de
caráter religioso e cultural, é no desarmamento de leituras e olhares que se
tornam possíveis percepções diferenciadas movidas pelo respeito em
alteridade no cotidiano social, cultural e escolar através do ensino e da
docência.

Considerações finais

A Interculturalidade realizada entre o povo indígena Laklanõ Xokleng


e a Escola de Educação Básica Hercílio Deeke mostrou a importância do
reconhecimento da diversidade cultural, onde não se considera uma
cultura superior à outra. Nesse sentido, se incentiva o respeito e o
entendimento entre os seres humanos de diferentes etnias e culturas,
ainda que se saiba que relações de desigualdades existem. Sabemos que
perante a humanidade somos todos iguais pertencentes à espécie humana
e, diferentes quanto à cultura.
Sabemos que geralmente é nas diferentes culturas que os grupos se
dividem, achando a sua própria cultura como predominante e a mais
correta. Mas reconhecer que o outro pode utilizar a sua língua materna e o
seu processo de aprendizagem na educação escolar instituindo-se como
parte de um processo de afirmação étnica e cultural é um desafio e um
caminho árduo a se concretizar.

148
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Neste sentido, um pequeno passo foi dado pelos bolsistas,


coordenadores e supervisores do Projeto PIBID, para uma aproximação
entre o povo indígena Laklanõ Xokleng com um grupo de estudantes de
uma escola, mas que muitas outras possam seguir o mesmo caminho.
Diminuindo assim, a distância entre os povos indígenas e não indígenas. E
quem sabe, com isso o reconhecimento e respeito às diversidades de
culturas e religiosidades ultrapassem os muros das escolas.

Referências

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aromáticas: descrição e cultivo. Guaíba: Agropecuária, 1995.

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exercício de interlocução; Curitiba: Champagnat, 2005, p.375-384.

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indígena e educação básica no Alto Vale do Itajaí: desafios e
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medicinais no município de Dom Pedro de Alcântara, Rio Grande do
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Florianópolis: Editora da UFSC; Blumenau: Editora da FURB, 1994, p. 112.

NEVES, M. C. M. Plantas medicinais: diagnóstico e gestão. Brasília.


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Viçosa, MG: UFV, 2008.

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uma saúde perfeita. Rio de Janeiro (RJ): Campus; 2001.

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Laklanõ Xokleng: Aproximações sobre cultura e religiosidade, Blumenau:
FURB, 2007(mimeo).

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http://www.cotianet.com.br/eco/HERB/fichas.htm
http://www.jardineiro.net/classe/arvores
http://www.plantamed.com.br/
http://www.plantasquecuram.com.br/
www.proxy.furb/tede/tde_busca/arquivo?...150 - Entre o Sol e a
Sombra. Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB.

150
O CAMINHO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DOCENTE DO
ENSINO RELIGIOSO EM PERNAMBUCO

Wellcherline Miranda Lima SEE/PE 1

Rosalia Soares de Sousa SEE/PE 2

Resumo:
Neste artigo mostram-se dados da pesquisa em desenvolvimento sobre a formação
docente de Ensino Religioso da Rede Estadual de Pernambuco cujo objetivo é buscar
reflexão da função social do Ensino Religioso (ER), considerado como elemento de
formação cidadã, na educação brasileira, em especial na sociedade pernambucana; e
também, apresentar dados da investigação sobre a formação docente ER na qual ainda
continua o desafio para os Sistemas de Ensino. A metodologia da pesquisa qualitativa foi
revisão bibliográfica com os estudos de Junqueira (2001; 2007) sobre o Ensino Religioso na
educação brasileira; a formação docente do ER com Sena (2007) e Oliveira; Junqueira;
Alves; Keim (2007). Dessa forma, teremos um olhar mais ampliado sobre o docente do ER
para a promoção ao diálogo interreligioso.

Palavras-chave: Ensino Religioso; Formação de Docente; Pernambuco; Escola Pública.

Os Princípios Básicos do Ensino Religioso para a função social


O Ensino Religioso é componente curricular de oferta obrigatória
para o Ensino Infantil e Fundamental como os demais componentes. A
matrícula só é efetivada se o responsável legal do estudante fizer a opção.
Essa condição é determinada pela Constituição da República Federativa
do Brasil em seu artigo 210. Apesar de não ser obrigatório, esse
componente procura atender à função social da escola de conformidade
com a legislação vigente.
Por outro lado, o Ensino remete à instrução, à educação, enquanto o
religioso deve ser entendido como religiosidade, ou seja, a dimensão
humana de abertura ao transcendente que se almeja educar no ambiente
escolar com base no respeito à diversidade dos sujeitos existentes nesse
espaço educacional.

1
Mestre em Ciências da Religião (UNICAP). Secretaria de Educação de Pernambuco
(SEE/PE). Email: wellcherline@yahoo.com.br
2
Mestranda em Ciências da Religião (UNICAP). Secretaria de Educação de Pernambuco
(SEE/PE). Email: rosageoceano@bol.com.br
FONAPER

O ordenamento jurídico do Brasil está baseado em princípios que


expressam a conduta e os valores do povo brasileiro. De acordo com
Sundfeld (1995, p. 18) os princípios devem ser entendidos como as "ideias
centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional,
permitindo a compreensão de seu modo de se organizar". Assim, os
princípios do Ensino Religioso (e demais componentes curriculares)
deverão estar fundamentados nos princípios constitucionais e a partir dele
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96,
incluindo a Lei 9475/97 que dá nova redação ao art. 33.
São considerados princípios do Ensino Religioso: A igualdade de
condições para o acesso ao conhecimento das tradições culturais
religiosas em todas as escolas da rede pública do ensino fundamental.
Esse princípio não pode ser efetivado para todos os estudantes pelo fato
óbvio de a matrícula para esse componente curricular ser opcional.
Outro princípio constitucional é o pluralismo religioso. Reconhecer a
diversidade religiosa dos sujeitos que fazem parte do universo escolar é
dever de todos. Esse princípio faz jus à condição de país de riquíssima
diversidade cultural como o Brasil, notável em vários povos que deram sua
contribuição no processo de formação desse espaço geográfico.
Os povos indígenas, Tapuias, Jês, Fulni-ô e tantos outros, já
ocupavam esse território quando da chegada dos portugueses. A migração
forçada dos negros africanos, além de outros povos europeus e asiáticos
que vieram para cá contribuindo com o processo de miscigenação fez
surgir essa diversidade cultural que precisa ser considerada na escola,
valorizando a experiência que os estudantes trazem sobre sua
religiosidade, mas abordar também a religiosidade regional e brasileira.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de
09 (nove) anos3 apresentam em seus fundamentos que as escolas devem:

Assegurar a cada um e a todos o acesso ao conhecimento e aos


elementos da cultura imprescindíveis para o seu desenvolvimento
pessoal e para a vida em sociedade, assim como os benefícios de
uma formação comum, independentemente da grande diversidade da
população escolar e das demandas sociais. (BRASIL, 2010, p.01)

Para que o Ensino Religioso Escolar cumpra sua função social é


importante considerar os princípios éticos, políticos e estéticos
3
Em seu artigo 5º afirma que o direito à educação é inalienável, ou seja, aqueles
pertencentes à pessoa pela sua condição humana.
152
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

determinados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino


Fundamental de 09 (nove) anos.
No primeiro, espera-se que esse componente possa contribuir para a
eliminação dos preconceitos religiosos combatendo a discriminação
expressas nas abordagens orientadas pelo professor, pelas opções dos
estudantes em professar religiões consideradas minorias em relação
àquelas predominantes. Liberdade, autonomia, justiça e solidariedade,
portanto, são expressas nesse princípio ético.
Considerando o segundo princípio (políticos), espera-se que o
Ensino Religioso possa contribuir para o reconhecimento dos direitos dos
estudantes em expressar sua religiosidade e deveres quanto ao respeito
do outro também poder expressar-se livremente a sua opção religiosa, à
preservação dos templos religiosos evitando depredações nos símbolos de
outras religiões. O reconhecimento da igualdade de direitos entre os
sujeitos escolares que apresentam diferentes necessidades também fazem
parte desse segundo princípio.
Quanto ao terceiro princípio (Estéticos), faz-se necessário o estímulo
e desenvolvimento da sensibilidade, da racionalidade, da criatividade e
valorização das diferentes expressões da cultura (local, regional e
nacional) do reconhecimento do pluralismo religioso, característico da
sociedade brasileira.
Portanto, o Ensino Religioso é direito de todos os estudantes, sem
exceções, pois desenvolverá o potencial da transcendência humana, além
de oportunizar o pleno exercício dos mais variados direitos cumprindo,
assim, a função social da escola.
O Estado de Pernambuco através do Conselho Estadual de
Educação publicou no ano de 2006 a Resolução nº 05 cujo dispõe sobre o
Ensino Religioso (ER) nas escolas da rede pública de ensino constando na
formação básica dos estudantes do ensino fundamental. O fenômeno
religioso é o seu objeto de estudo sendo expresso nas manifestações
religiosas.
O proselitismo também está presente nessa resolução e assim como
na Lei nº 9.394/1997 fica expressamente proibido, bem como os conteúdos
direcionados para esse ou aquele credo religioso. Os mesmos deverão
constar no projeto-político-pedagógico de cada unidade de ensino desde
que estejam em consonância com os pressupostos das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

153
FONAPER

Os pressupostos referem-se à interdisciplinaridade e


contextualização como estruturadores da organização do currículo; o
reconhecimento ―do transcendente e do sagrado através de fontes escritas
e orais, ritos, símbolos e outras formas de expressão, identificadas e
organizadas pelas tradições religiosas‖. Reconhece também os valores
(éticos/morais) que cada tradição religiosa traz e a garantia da dignidade
do ser humano; a cultura de paz; justiça e solidariedade entre os diversos
povos; o reconhecimento do pluralismo religioso presente na escolas que
deverá ser respeitado como direito inerente a cada indivíduo; a busca pelo
diálogo entre as diversas religiões.
O objetivo das Orientações Curriculares de Educação em Direitos
Humanos (PERNAMBUCO, 2012, p.16), ―é contribuir para a qualidade da
educação de Pernambuco, proporcionando a todos os pernambucanos
uma formação de qualidade, pautada na Educação em Direitos Humanos
em prol da valorização da diversidade4 e do respeito pelo diferente, que
garanta a sistematização dos conhecimentos desenvolvidos na sociedade
e o desenvolvimento integral do ser humano.‖ Portanto, para a função
social da escola.

Formação dos docentes do Ensino Religioso


A formação dos docentes esteve e continua com desafios inerentes à
história da educação brasileira, visto que a partir da década de 1990,
devido às exigências estabelecidas pelos órgãos internacionais,5 como
também o processo da globalização que envolveu o Brasil, várias ações
políticas e reformas educacionais que se propagaram nas esferas federal,
estadual e municipal, juntaram esforços no sentido de buscar definir e
concretizar políticas públicas para a formação técnica e tecnológica de
docentes (CARON, 2008, p. 62-66).
Caron diz que ―[...] há necessidade de efetivas políticas públicas. E
para que novas políticas públicas sejam implementadas é preciso que o
professor no exercício de sua função política, de sua cidadania, participe
das discussões e atividades de formação [...]‖ (CARON, 2005, p.12).

4
Entende-se também sobre a inclusão da cultura religiosa.
5
FMI - Fundo Monetário Internacional e a UNESCO - Organização das Nações Unidas
para a educação, à ciência e a cultura.
154
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Com isso, percebemos a necessidade de políticas públicas que


envolvam os participantes, incluindo integralmente as suas vivências
culturais e religiosas também. Fazendo uma análise do artigo 62 da
LDBEN, fica clara a necessidade de atenção à política de formação
docente para atendimento na educação básica das áreas de conhecimento
previstas na Lei nº 9.394/1996 que:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em


nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidade e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio, na modalidade normal (BRASIL, 1996, grifo nosso).

Está previsto na lei federal que a formação inicial e continuada


docente do Ensino Religioso deve ser realizada nos espaços das
Instituições Superiores. Segundo os comentários de Meneghetti (2007),
essa formação deve acontecer em Instituições Superiores, por elas
existirem em função dos saberes universais, ou melhor, no ensino,
pesquisa e extensão sobre as diversas ciências e tradições de sabedoria,
tendo assim o melhor ―domínio da área do conhecimento e das
metodologias de trabalho apropriadas a esse saber‖. (MENEGHETTI,
2007, p. 141)
Em Pernambuco, a Região Metropolitana do Recife dispõe de
faculdades particulares e as três grandes Instituições Superiores com
cursos voltados para a docência, tais como: as públicas - Universidade
Federal de Pernambuco, Universidade Federal Rural de Pernambuco -
ambas não dispõem de curso de Ciências da Religião e Teologia; e de
natureza comunitária a Universidade Católica de Pernambuco, a qual
dispõe do curso de Teologia e o mestrado em Ciências da Religião.6
Outro ponto levantado sobre a formação docente do Ensino
Religioso, em Pernambuco, é a Resolução nº 05 do Conselho Estadual de
Educação que orienta no artigo 5º que a ―formação dos docentes para o
magistério de ER dar-se-á em curso superior de licenciatura em Ciências
da Religião ou correspondente‖ (CEE/PE, 2006, p.02). A palavra
―corresponde‖ inserida no texto informa mais adiante que é o curso de

6
O panorama apresentado mostra-se a deficiência na formação inicial do docente para o
Ensino Religioso
155
FONAPER

Teologia que melhor atende e, na ausência desses, deve-se ao curso de


Pedagogia ou outro na área de Humanas.
Nota-se que há urgência da formação de maneira adequada dos
docentes do Ensino Religioso, que deve ser inserida no plano de formação
de licenciados e, no caso da Resolução pernambucana, especificando o
curso de Ciências da Religião. Logo, esse curso fornecerá a capacidade
para o docente saber como desenvolver e enfocar, na pluralidade do
fenômeno religioso, o olhar para a diversidade cultural para a formação
cidadã em valores humanizantes (MENEGHETTI, 2007, p.141).
Diante disso, pode-se afirmar que a formação do docente de Ensino
Religioso requer a compreensão do docente como mediador do saber no
conjunto de saberes/ciências de que se compõe o currículo escolar,
lembrando que a disciplina ainda conta com obstáculos de ordem política,
legal e epistemológica, relativos à laicidade do Estado e à presença do
religioso em espaço público no Brasil. Parte-se do princípio de que a
formação docente se articula com o contexto social em que está inserida e
que o Ensino Religioso tem diante de si a perspectiva da diversidade
cultural e religiosa verificada na sociedade brasileira atual.
A esse respeito, cabe citar a obrigatoriedade, dada pela redação do
artigo nº 33 da LDBEN 9.394/1996, de que os sistemas de ensino ouçam
entidades civis com representação religiosa. Pois existem também
dificuldades dos docentes quanto à demora da efetivação das mudanças
do sistema de ensino nessa direção. Verifica-se que muitos docentes ainda
não conseguem estabelecer necessária distância entre sua formação
inicial e familiar de base religiosa-confessional e a elaboração de uma
visão plural e inclusiva do componente curricular de Ensino Religioso.
Caron nos conduz para a reflexão de Perround a esse respeito:

[...] Para o professor adquirir competências profissionais, um conjunto


de conhecimentos é necessário. Essas competências são, ao mesmo
tempo, de ordem cognitiva, afetiva, conotativa e prática. Entende-se
como um conjunto diversificado de conhecimentos da profissão, de
esquemas de ação e de posturas que são mobilizados no exercício do
ofício (PERROUND apud CARON, 1999, p.12)

Nesse estudo, objetiva-se, a partir da apresentação de dados


coletados, por amostragem, através da aplicação de 06 (seis)
questionários e 02 (duas) entrevistas semi-estruturadas com o universo de

156
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

06 (seis) docentes para ilustrar os desafios referentes à formação docente,


discutidos neste tópico.
A pesquisa de campo foi realizada entre maio a junho de 2013 na
capital pernambucana, a partir de vivências de 06 (seis) escolas da Rede
Estadual relativas ao Ensino Religioso, que essas detêm de uma
diversidade cultural e religiosa notável, é que se colocaram as
provocações e o desejo de aprofundamento, que se traduzem no esforço
realizado desta pesquisa.
Observamos nos gráficos 01 e 02 que uma boa parte das
participantes7 ainda continua no patamar da Graduação, sendo
concentrada na área das Ciências Humanas, por razões inerentes ao
contexto docente tradicional.

Gráfico 01- FORMAÇÃO ACADÊMICA


Graduação
17%

Especialização
83%

A maior parte das docentes que responderam ao questionário tem


Especialização, em área normalmente correspondente à da sua graduação
em licenciatura plena, distribuída como mostra o gráfico 02.

7
As pessoas que responderam o questionário estruturado foram do sexo feminino.

157
FONAPER

Gráfico 02 - HABILITAÇÃO EM LICENCIATURA


Ciências da
Religião
0%

Biologia Teologia
20% 10%
Letras
Filosofia 20%
10%

Geografia
10% Pedagogia
História 20%
10%

A rede estadual de ensino dispõe, na prática, de critérios de lotação8


dos docentes para assumir a disciplina do Ensino Religioso, dando
prioridade aos cursos de Pedagogia, Letras e Teologia.
A escolha desse primeiro curso vem pelo motivo do Sistema de
Ensino aproveitar os docentes de Pedagogia que perderam carga-horária
ao longo dos anos, desde o fim do Magistério (hoje chamado Normal
Médio), atendendo às exigências da LDBEN Lei nº 9.394/1996; como
também o docente de Letras, que contém uma carga-horária superior às
demais, exceto Matemática, sendo como complemento de carga horária9.
As aparições dos formados em cursos de História e Geografia
ocorrem no caso da vacância na unidade escolar e da disponibilidade de
carga-horária do docente. Percebemos a ausência nas respostas dos
questionários das docentes da habilitação no curso de Ciências da
Religião: na entrevista semi-estruturada apenas duas professoras
conheciam a existência do curso oferecido na capital em nível de mestrado
conforme a disposição do gráfico 03.
Para a formação específica do Ensino Religioso houve ainda, na
pesquisa, a posição de duas docentes que responderam ter cursado uma

8
Informações cedidas pelas Gerências Regionais de Educação.
9
Essas situações eram muito comuns até o ano de 2010.
158
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Extensão em Ensino Religioso, mas não informaram à instituição que


ofertou.

Gráfico 03 - FORMAÇÃO ESPECÍFICA NA


ÁREA DO
ENSINO RELIGIOSO

Sim
33%
Não
67%

Para Meneghetti, a disponibilidade dos cursos apresentados nos


registros das entrevistas mostra os entraves para a garantia do respeito à
diversidade cultural religiosa presente no contexto sociocultural da
sociedade. Logo, a política pública de formação, no caso, em Pernambuco,
onde não há cursos destinados para essa modalidade e nem à disposição
do Estado, precisa ser incrementada com vistas, inicialmente, à oferta de
curso de especialização e/ou extensão na linha das Ciências da Religião10.
Outro ponto em destaque é a formação continuada sendo promovida
pelo Sistema de Ensino estabelecido pelo 1º parágrafo do artigo 62 da
LDBEN que, em se tratando da rede estadual, ―em regime de colaboração,
deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos
profissionais de magistério‖ (BRASIL, 1996).

10
Nas Instituições do Ensino Superior em Pernambuco não dispõe do curso em
Licenciatura em Ciências da Religião. No campo da pós-graduação existe desde 2005 o
curso em nível de mestrado pela Universidade Católica de Pernambuco que ainda
ofereceu em 2012 o curso de Especialização em Ciências da Religião. Em 2008 foi
aberto o Edital no Diário Oficial de Pernambuco, publicado em 17 jun. 2008 de cursos
de Especialização e Atualização patrocinados pelo Governo do Estado que nesta área
de conhecimento não foi contemplada.
159
FONAPER

A formação continuada promovida na rede estadual de ensino e em


suas respectivas Gerências Regionais de Educação - GRE, localizadas no
Recife (Norte e Sul), aproxima-se do proposto pelas Ciências da Religião.
O primeiro entendimento é a ação vinculada com as Ciências da
Religião, a qual se dá pela formação das técnicas das GRE, que possuem
cursos de Especialização e Mestrado em Ciências da Religião. O segundo
é a interação promovida pela GRE com a sociedade civil, sendo
convidados variados segmentos religiosos em vários momentos das
formações de docentes, para conhecimento das suas cosmovisões11.
Para Caron a formação adequada para o docente ―terá condições
de análise e crescimento, assim como para inovar em seu fazer
pedagógico‖ (CARON, 2008, p.67).
Ao docente de Ensino Religioso, que se insere no espaço escolar
com pluralidade religiosa, espera-se uma constante busca de
conhecimento do fenômeno religioso contextualizado no espaço
sociocultural e de formações permanentes que possibilitem o
aprimoramento de sua interação pedagógica. Portanto, Junqueira (2002,
p. 112) reforça que a formação do docente de ER não se deve:

[...] limitar ao estudo acadêmico dos conteúdos específicos. Após esta


apropriação do ‗discurso religioso‘, é preciso fazer a ‗tradução
pedagógica‘ da linguagem religiosa, adaptando-a ao nível do
desenvolvimento dos alunos, em seus aspectos psicogenéticos e
socioculturais.

Considerações Finais
O contexto histórico do docente do ER nos remente ao longo
percurso de desafios entre elas à formação para o exercício do cargo e na
dinâmica pedagógica para promover o respeito e a valorização das
diversidades cultural e religiosa presentes no espaço social.
O Ensino Religioso apresenta diversos vértices e elementos de
enorme perspectiva de interação social, como também a sua função social
mediante a totalidade de inserir estudos no campo do sagrado.

11
Esses momentos foram registrados em vídeos e fotografias realizadas pelas duas
técnicas das GRE e apresentados durante a entrevista. Nas entrevistas semi-
estruturadas com as docentes foi levantado esse último ponto, que as formações
promoveram a oportunidade de conhecer outros saberes e a minimização do
preconceito dessas religiões.

160
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A Secretaria de Educação de Pernambuco publicou em 2012 os


Parâmetros Curriculares do Estado, com cadernos12 específicos para cada
componente curricular (alguns em processo de construção e outros já
publicados). O caderno de Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso,
em Pernambuco, não foi elaborado e acreditamos que não deverá ser pelo
menos em curto prazo.

Referências

BRASIL. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº


9.394/1996. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>
Acesso em: 27. abr 2012.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental


de 9(nove) anos Disponível em:
<portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/noveanorienger.pdf> Acesso
em: 23 jun. 2013.

CARON, Lurdes (Org.). O ensino religioso na nova LDB. 2. ed.


Petrópolis: Vozes,1999.

JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. O Processo de escolarização do


Ensino Religioso no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002.

_____ ; WAGNER, Raul (org.). O Ensino Religioso no Brasil. Porto


Alegre: Champagnat, 2007.

OLIVEIRA, Lilian Blanck; RISKE-KOCH, Simone; WICKERT, Tarcísio


Alfonso (orgs.). Formação de docentes e Ensino Religioso no Brasil:
tempos, espaços, lugares. Blumenau: Edifurb, 2008.

PERNAMBUCO. Conselho Estadual de Educação. Resolução nº 05, de


09 de maio de 2006.

SENA, Luiza (Org.). Ensino Religioso e a formação docente: Ciências


da Religião em diálogo. São Paulo: Paulinas, 2007.

12
A elaboração desses cadernos teve a participação de professores da rede estadual e de
universidades públicas. As diretrizes e princípios educacionais estão presentes nesses
parâmetros bem como a organização curricular.

161
FONAPER

SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São


Paulo: Malheiros, 1995.

162
ENSINO RELIGIOSO ESCOLAR NO CONTEXTO DA
DIVERSIDADE RELIGIOSA: UMA EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES

Iolanda Rodrigues da Costa (UEPA)1

Maria de Lourdes Santos Melo (UEPA)2

Rosilene Pacheco Quaresma (UEPA)3

Resumo:
O artigo aborda a experiência desenvolvida no processo de formação de professores no
Curso de Licenciatura em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará,
objetivando socializar práticas significativas realizadas junto aos alunos do PARFOR (Plano
Nacional de Formação de Professores). O texto apresenta reflexões acerca dos paradigmas
educacionais contemporâneos, onde a questão do multiculturalismo emerge como um
desafio para o currículo escolar e para a formação de professores. Discute ainda a questão
do Ensino Religioso como área de conhecimentos no currículo da Educação Básica e seus
desafios para a formação de professores para essa disciplina. Em seguida, relata a
experiência que vem sendo desenvolvida na disciplina Prática de Ensino, do Curso de
Licenciatura em Ciências da Religião da Universidade Estadual do Pará, onde os alunos
são levados a elaborar propostas de conteúdos programáticos para o Ensino Fundamental,
tendo em vista a diversidade cultural religiosa da sociedade e a importância do cultivo do
diálogo inter-religioso e do respeito às diferenças de crenças, bem como, realizam palestras
sobre a Identidade do Ensino Religioso na Escola, envolvendo os educadores e gestores
escolares dos municípios do interior do Estado.

Palavras-chave: Paradigmas educacionais; Multiculturalismo; Diversidade Religiosa;


Ensino Religioso; Formação de Professores.

1
Pedagoga, Mestre em Educação (UNIMEP/SP), professora do Curso de Licenciatura em
Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará- UEPA, Membro da Equipe
Técnica de Pesquisa da Secretaria Municipal de Educação de Belém/PA. E-mail:
iolanda.dacosta@hotmail.com
2
Pedagoga, Doutora em Educação (UFRJ/RJ), coordenadora do Curso de Licenciatura
em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará-UEPA, Membro do grupo
de pesquisa internacional sobre avaliação- Brasil/Portugal. E-mail:
2011malu.melo@gmail.com
3
Pedagoga, Especialista em Educação, professora do Curso de Licenciatura em Ciências
da Religião da Universidade do Estado do Pará-UEPA. Sub-Coordenadora de Extensão
da COAD/CCSE/UEPA. E-mail: ro.qua@hotmail.com
FONAPER

Introdução
A sociedade contemporânea vivencia um processo de mudanças
paradigmáticas em todos os campos: sociopolítico, cultural, econômico,
epistemológico, científico, tecnológico, enfim, em todos os setores. Tais
mudanças se intensificaram a partir da década de 90, com os avanços
científicos e tecnológicos que marcaram esse período, expandindo as
telecomunicações e os sistemas de informação, favorecendo o intercâmbio
entre os povos do mundo inteiro, onde as distâncias físicas e espaciais não
são mais empecilho para o contato humano e o aprendizado mútuo.
Ao mesmo tempo em que a globalização rompe as fronteiras entre
pessoas e países, traz consigo a intensificação do processo de exclusão
social, acirrada pela competitividade internacional, como alerta Moreira
(2001, p. 66):

Há que se atentar para as desigualdades econômicas e se distribuir os


frutos da globalização com mais justiça. Há também que se
reconhecer a pluralidade cultural que cada vez mais se expressa no
mundo de riscos globais em que vivemos, tanto nos setores
beneficiados pela globalização como nos que ela tem ajudado a
marginalizar.

Nesse contexto, emergem inúmeros desafios para a educação, no


sentido de repensar o currículo escolar e a formação de professores, de
modo a responder às novas exigências da sociedade.
Um desses desafios se refere à educação multicultural, uma vez que
esta é a marca fundamental das sociedades contemporâneas, cujas
diferenças se expressam em várias dimensões da vida social: gênero,
etnia, orientação sexual, cultura e religião. Nesse sentido, o
multiculturalismo representa uma condição inescapável do mundo
ocidental, à qual se pode responder de diferentes formas, mas não se
pode ignorar. (MOREIRA, 2011, p. 66).
A educação multicultural representa uma resposta dada pela escola
às diferenças existentes na sociedade, enquanto um desafio que envolve a
garantia dos direitos humanos, uma vez que as pessoas têm direito a ser
iguais sempre que a diferença as tornar inferiores; contudo, têm também
direito a ser diferentes sempre que a igualdade colocar em risco suas
identidades. (SANTOS, 1997, apud MOREIRA, 2001, p. 67).
Dentre as diferenças a serem trabalhadas pela educação
multicultural, situamos a diversidade religiosa. Sendo o ser humano
164
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

possuidor de uma religiosidade intrínseca, este sente necessidade de


transcender à realidade imanente, em direção ao transcendente, em busca
de respostas para o sentido da vida. A religiosidade se expressa de
diversas formas em diferentes culturas humanas, por meio de símbolos,
gestos, ritos, mitos, festividades, textos sagrados, monumentos,
edificações, ethos, religiões e outras formas de expressão.
A esse respeito, Oliveira et al. (2007, p. 65) assim se reporta:

Quando o ser humano se pôs a perguntar sobre a origem da vida, seu


sentido e finalidade, ativou um movimento extremamente dinâmico,
responsável por seu afastamento dos limites biológicos e pelo início
do processo de humanização, entendido como a busca de algo mais,
que extrapole as necessidades básicas de sobrevivência.

Por se constituírem em saberes e práticas sociais, as expressões


religiosas fazem parte da cultura humana em sua diversidade, sendo,
portanto conhecimentos a serem incorporados pelo currículo escolar, no
contexto de uma educação multicultural. Ao perceber a religião como uma
forma de expressão do fenômeno religioso que ocorre em uma cultura ou
culturas, compreende-se também o ambiente social como um agente que
contribui e interfere na avaliação do mundo e das pessoas na dimensão da
expressão religiosa.
Essa diversidade se faz reconhecer pela Secretaria Nacional de
Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da criação e
instalação do Comitê Nacional de Diversidade Religiosa, em cooperação
com a Secretaria de Direitos Humanos no dia 30 de novembro de 2011,
tendo como um de seus objetivos a elaboração de políticas de afirmação
do direito à diversidade religiosa e a implementação das ações
programáticas previstas no PNDH-3.
Mais do que nunca se ampliam os horizontes da Educação Básica,
no sentido de promover uma ampla revisão tanto no currículo quanto nas
práticas pedagógicas dos professores, de forma a incorporar a diversidade
religiosa como área de conhecimentos, como forma de desenvolver uma
formação cidadã, onde os alunos possam aprender a conviver com as
diferenças de credo de forma respeitosa e dialógica.
Nesse sentido, os novos paradigmas da disciplina Ensino Religioso
Escolar, apontam para o respeito à diversidade cultural religiosa, quando a
lei nº 9.475/97 (Art. 33) estabelece:

165
FONAPER

O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da


formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais
das escolas públicas de Educação Básica assegurada o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo.

Como se pode observar, a referida lei integra essa disciplina no


conjunto da formação básica do cidadão e garante o tratamento igualitário
de sua oferta no horário escolar, bem como, a liberta das amarras do
proselitismo, afirmando a sua identidade como área de conhecimentos, tal
como as demais disciplinas que compõem o currículo da educação básica.
Nesta nova abordagem, o Ensino Religioso assume como objeto de
estudos o fenômeno religioso em suas diversas formas de expressão entre
os diferentes povos do planeta, de acordo com a sua história e cultura.
Esta abordagem representa um avanço significativo em relação ao
caráter e à abordagem dessa disciplina no currículo escolar, uma vez que
rompe com o modelo tradicional pautado numa perspectiva catequética,
que se confunde com o papel da igreja.
É nessa perspectiva que a formação de professores para o Ensino
Religioso Escolar se coloca enquanto um importante desafio para os
formadores no âmbito do Ensino Superior, uma vez que exige o
estabelecimento de um referencial teórico-metodológico fundamentado
numa práxis inovadora, aberta à pluralidade de concepções de mundo e de
crenças, apoiada no espírito crítico e investigativo, bem como no senso de
alteridade e respeito às diferenças.
Até a década de 90 a formação de professores nessa área estava
restrita às denominações religiosas cristãs, algumas poucas experiências
eram realizadas em parceria com as Secretarias de Educação.
No caso do Estado do Pará, houve uma experiência na década de 80
de parceria, por meio de um convênio entre a Arquidiocese de Belém e a
Universidade Federal do Pará, quando foi ofertado um curso Livre de
Educação Religiosa, voltado para a formação de professores de Ensino
Religioso Escolar. O referido curso apresentava um desenho curricular
amplo, contemplando matérias pedagógicas, teológicas, sociológica,
filosóficas, psicológicas e científicas, totalizando 2.700 horas. A
abordagem curricular estava centrada numa proposta de formação
ecumênica para o Ensino Religioso Escolar. Este curso foi extinto ainda na
década de 80.
Segundo Oliveira (2007, p. 121-122):
166
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

É preciso mencionar que esse tipo de formação, apesar de envolver


empenho e qualidade, não graduava os professores, diferentemente
do que ocorria com os profissionais da educação de outras disciplinas,
o que gerava impasses e dificuldades em sua vida funcional. [...] Os
professores das outras disciplinas tinham as graduações reconhecidas
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), fator que lhes dava
direito de prestar concurso público e, consequentemente, seguir plano
de carreira funcional. Os professores de ensino religioso, embora
muitas vezes formados por cursos de caráter teológico, não eram
reconhecidos pelo MEC. Por imperativos da legislação, eram-lhes
negados os acessos funcionais na área do magistério, sendo
permitida a contratação de seus serviços apenas em caráter
temporário.

O cenário apresentado exige o desenvolvimento de iniciativas no


sentido de atender às demandas para a formação inicial de professores
nessa área de conhecimentos. Conforme determina a Lei 9.475/97, os
sistemas de ensino devem regulamentar os procedimentos para a
definição dos conteúdos do Ensino religioso e as normas para a habilitação
e admissão de professores, atendendo à prerrogativa da LDB (Lei nº
9.394/96), que exige habilitação específica do professor em nível de
Licenciatura na área que leciona.
Dessa forma, em 1999 a Universidade do Estado do Pará cria o
Curso de Licenciatura em Ciências da Religião, tendo como referência o
curso da Arquidiocese, porém ofertado em nível de Licenciatura Plena e
com um desenho curricular mais abrangente, focado em 4 eixos básicos:
Dialogo Inter-religioso, Diálogo Inter saberes, Produção de Conhecimentos
e Práxis Pedagógica, totalizando 3.200 horas.
De acordo com o Projeto Político-Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Ciências da Religião (UEPA, 2003, p. 25), as diretrizes
filosóficas que permeiam a formação docente no Curso consideram:

a) a compreensão do ser humano como reflexivo, crítico, dialógico,


investigador, problematizador, aberto ao transcendente e sujeito do
conhecimento e da história;
b) a compreensão da práxis educativa como formadora integral do ser
humano, uma produção cultural humana, ética e política;
c) a compreensão do fenômeno religioso como processo de formação
existencial do ser humano.

O curso assume uma perspectiva multiculturalista e científica das


religiões, tomando o fenômeno religioso que se expressa nas diversas
culturas e tradições religiosas como objeto de estudos. É o primeiro curso

167
FONAPER

de graduação, em universidade pública, no Brasil voltado especialmente


para a formação de professores para a disciplina Ensino Religioso Escolar,
dentro de uma concepção pluralista das religiões, de modo a fomentar o
diálogo inter-religioso e o respeito à diversidade religiosa na Educação
Básica.
Pode-se dizer que a proposta curricular do Curso de Licenciatura em
Ciências da Religião da UEPA articula-se com os critérios definidos pelo
Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso - FONAPER (2000) para
a avaliação da formação do professor de Ensino Religioso, quais sejam:

a) Honestidade científica do profissional, que exige a constante busca


do conhecimento religioso, o entendimento da complexidade do
conhecimento do fenômeno religioso, a capacidade de viver a
reverência à alteridade; o reconhecimento da família e da comunidade
religiosa como espaços privilegiados para a vivência religiosa e para a
opção de fé; o propósito de estar a serviço da liberdade do estudante;
o aperfeiçoamento nas cinco áreas temáticas do estudo do fenômeno
religioso (fundamentos epistemológicos do Ensino Religioso, Culturas
e Tradições Religiosas, Textos Sagrados, Teologias e Ethos).

b) Competência profissional, que exige do professor: a compreensão


do fenômeno Religioso, contextualizando- espacial e temporalmente; a
configuração do fenômeno religioso por meio das ciências da tradição
religiosa (religião); o conhecimento da sistematização do fenômeno
religioso pelas tradições religiosas e suas teologias; a análise do papel
das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes
culturas e manifestações socioculturais; a exegese dos textos
sagrados orais e escritos das diferentes matrizes religiosas (africanas,
indígenas, ocidental e oriental); a compreensão do sentido da atitude
moral como consequência do fenômeno religioso sistematizado pelas
tradições religiosas e como expressão da consciência e da resposta
pessoal e comunitária das pessoas.

Pelo exposto, percebe-se que são muitos os desafios para a


formação de professores de Ensino Religioso, o que requer o empenho e o
compromisso da Universidade e dos docentes do Curso de Licenciatura
em Ciências da Religião, no sentido de aproximar-se cada vez mais desse
ideário formativo proposto pelo FONAPER, bem como, pelas orientações
emanadas do Conselho Nacional de Educação- CNE, no que se refere ao
parecer sobre a formação de professores para o Ensino Religioso nas
Escolas Públicas de Ensino Fundamental (1999).
Nesse sentido, há que se louvar o esforço empreendido por algumas
universidades, por educadores, pelo FONAPER e por alguns grupos
religiosos e entidades não governamentais, comprometidos com uma

168
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

educação democrática e de qualidade, que têm lutado pela efetivação das


condições necessárias para a garantia da qualidade do ensino em todos os
níveis, e no caso do Ensino Religioso escolar, que este seja oferecido de
forma laica, respeitando a diversidade cultural religiosa e que conte com
professores devidamente capacitados para oferecer um ensino isento de
proselitismo.

O Estágio Supervisionado na Formação de Professores para o Ensino


Religioso

O estágio supervisionado, como componente curricular, constitui-se


disciplina fundamental na formação de professores, na medida em que se
efetiva espaço de reflexão-ação, como possibilidade de campo de
pesquisa onde emerge questões norteadoras que possibilitam a
construção da práxis.
Nesse sentido, a prática docente exige do profissional uma
concepção educacional que determine a compreensão dos papéis de
professor e estudante, da metodologia, da função social da escola e dos
conteúdos a serem trabalhados. A discussão dessas questões é
importante, para que se explicitem os pressupostos pedagógicos
subjacentes à atividade de ensino, na busca de coerência entre o que se
pensa estar fazendo e o que realmente se faz (OLIVEIRA et al., 2007).
Como professoras da disciplina Prática de Ensino (Estágio
Supervisionado) no Curso de Licenciatura em Ciências da Religião, temos
clareza de que o estágio deve proporcionar aos futuros profissionais
experiências significativas, onde possam materializar os conhecimentos
adquiridos ao longo do curso, bem como, produzir novos conhecimentos a
partir do enfrentamento da realidade educacional.
Nesse contexto, nossas preocupações voltaram-se para a
compreensão dessa realidade, bem como, para a elaboração de propostas
curriculares que pudessem contribuir para o avanço das práticas
educativas no âmbito do Ensino Religioso escolar, tanto na rede pública
quanto da rede privada de ensino.
Desta forma, queremos compartilhar com o leitor a experiência que
vem sendo desenvolvida com discentes do Estágio Supervisionado no
Curso de Licenciatura em Ciências da Religião, especificando aqui
atividades junto aos acadêmicos do PARFOR – Plano Nacional de

169
FONAPER

Formação de Professores da Educação Básica, experiência que reúne o


tripé de sustentação das Universidades, ou seja, Ensino, Pesquisa e
Extensão.
Este estágio supervisionado compreende uma carga horária de 400
horas, sendo 200 horas no 3º ano do curso e200 horas no 4º ano do curso,
sendo dividido didaticamente em 3 etapas, a saber: Observação,
Participação e Regência.

Etapa de Observação:
Essa etapa caracteriza-se como um momento fundamental de
investigação acerca da realidade escolar. Nela, o estagiário tem a
oportunidade de compreender os desafios postos para a área, a partir de
um olhar crítico e ao mesmo tempo solidário em relação ao contexto de
trabalho docente, observando as condições de ensino, as práticas
pedagógicas, a cultura organizacional da escola, as
percepções/importância da disciplina, enfim, uma série de aspectos que
envolvem a realidade educacional/escolar do professor. Nessa etapa é
realizada uma observação participante, eles/elas atuam como monitores,
auxiliando professores em suas tarefas em sala de aula.
Foi com base nas observações realizadas, que os estudantes
descobriram que a maioria dos professores que ministram a disciplina
Ensino Religioso não possuem habilitação específica na área, como exige
a LDB (Lei 9394/96), sendo oriundos da área da Pedagogia
(majoritariamente), além de profissionais da Matemática, Letras, História,
alguns possuem somente o Magistério de nível Médio, dentre outras
formações estranhas à licenciatura, como podemos observar no gráfico 1.

170
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Fonte: Secretaria Estadual de Educação do Pará, Setor de Lotação, 2011.

A falta de formação específica desses professores, considerando a


observação dos acadêmicos, resulta em práticas pedagógicas
ultrapassadas, dentro do modelo catequético, acreditando que esse
modelo de Ensino Religioso é o que ainda corresponde aos propósitos da
educação escolar. Em suas observações, os estagiários perceberam que
muitos professores foram lotados sem critérios profissionais, obedecendo
apenas à necessidade de complementação de carga horária ou
preenchimento de horário na jornada escolar.
Apesar de haverem profissionais já habilitados na área, formados
pelo Curso de Licenciatura em Ciências da Religião, a partir de 2009é que
iniciou concursos públicos para a referida disciplina nas escolas públicas
municipais e em quantidade insuficiente, o que exigiu uma ação do
Ministério Público do Estado do Pará, para que o Estado regularizasse
essa situação, efetuando concurso no ano de 2012.
Outra realidade observada pelos estagiários foi a total desvalorização
da disciplina e do profissional de Ensino Religioso no contexto escolar,
sendo colocada sempre nos horários que ninguém quer. Isso sem falar nas

171
FONAPER

―piadinhas‖ às quais professores são submetidos, fruto da imagem


equivocada e que os demais professores possuem em relação a essa
disciplina na escola.
Essas e outras questões são foco de reflexões em sala de aula,
incentivo para criação de atividades e produção de artigos pelos
acadêmicos durante a fase inicial do estágio.
Por outro lado, nessa etapa os estagiários têm ainda oportunidade de
conhecer experiências pedagógicas significativas no âmbito do Ensino
Religioso Escolar, por meio da realização do Painel de Relatos de
Experiências no Ensino Religioso escolar, promovido pela Coordenação de
Estágio e Coordenação do Curso de Licenciatura em Ciências da Religião,
evento em que participam professores com larga experiência de atuação
na disciplina, docentes que possuem práticas pedagógicas inovadoras,
levando-se em consideração a abordagem da diversidade cultural
religiosa. O referido painel permite um intercâmbio entre as escolas de
Educação Básica e a Universidade, viabilizando a relação teoria e prática
na formação de professores. Outro aspecto importante nessa atividade é a
possibilidade de obtermos um feedback dos egressos do curso, no sentido
de avaliarmos o êxito da formação adquirida no curso.

2- Etapa de Participação:
Essa etapa do Estágio Supervisionado caracteriza-se como um
momento em que o estagiário tem a oportunidade de analisar o plano de
ensino elaborado pelo professor de Ensino Religioso, bem como o livro
didático utilizado em sala de aula, tendo como referência os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso Escolar, elaborado pelo
FONAPER (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso). Tais
parâmetros situam-se no contexto da pluralidade cultural religiosa da
sociedade, fomentando o respeito à diversidade e o diálogo inter-religioso.
Com base nas observações e nas análises, os estudantes são
desafiados a elaborar uma proposta de planejamento de ensino para as
séries/ciclos finais do Ensino Fundamental, bem como, um projeto didático
para as séries/ciclos iniciais, tendo em vista as observações feitas no
planejamento docente e suas concepções acerca da identidade do Ensino
Religioso na escola.

172
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Tal elaboração constitui-se num exercício crítico-reflexivo


fundamental de produção de conhecimentos pedagógicos, buscando
contribuir para o desenvolvimento do currículo escolar. Essa elaboração
exige dos estagiários a sistematização dos conhecimentos específicos e
pedagógicos adquiridos ao longo do curso.

3 - Etapa de Regência
Esta etapa está dividida em dois momentos importantes. No primeiro
momento os acadêmicos são orientados a realizar palestras nas
Secretarias de Educação tanto da capital quanto do interior do Estado do
Pará, voltadas para os educadores que atuam na Educação Básica, bem
como, para a equipe gestora das escolas e das Secretarias de Educação,
com o tema: ―A identidade do Ensino Religioso na Escola e a Formação de
Professores‖. O objetivo desta atividade é discutir acerca dos novos
paradigmas do Ensino Religioso Escolar, bem como, esclarecer acerca da
legislação concernente à disciplina e os critérios de lotação docente.
Os discentes são organizados em equipes e distribuídos pelos
municípios para a realização das palestras, sendo acompanhados pelas
professoras responsáveis pela disciplina. É uma atividade que tem contado
com a parceria das Prefeituras Municipais, sendo elogiado, pela maioria
dos professores participantes como a primeira formação continuada na
área. Durante a programação os estagiários apresentam a proposta de
planejamento para a disciplina, elaborada na etapa de participação,
constituindo-se como uma contribuição ao trabalho dos professores na
disciplina.
Além dessa atividade, os estagiários ministram aulas, nas turmas de
Ensino Religioso onde realizam o estágio, tendo em vista o respeito à
diversidade cultural religiosa da sociedade, participam de seminários e
atividades na UEPA e elaboram um relatório, ao final do período de
estágio, contendo as reflexões e o registro de todas as etapas aqui
mencionadas.

Considerações Finais
A experiência na formação de professores, no contexto da
diversidade cultural religiosa da sociedade, tem representado um grande

173
FONAPER

desafio para nós educadores, no sentido de empreendermos uma luta pela


construção de um projeto de formação que articule o Ensino, a Pesquisa e
a Extensão, ao mesmo tempo em que possibilita o intercâmbio entre a
universidade e as escolas de educação básica, numa dinâmica de trocas
significativas.
O resultado deste trabalho tem sido bastante gratificante e produtivo,
tanto para nós docentes da Universidade, como para os acadêmicos
estagiários, bem como para os professores da rede municipal e, em
consequência, para o trabalho desenvolvido com os estudantes do Ensino
Fundamental, que têm a chance de ampliar o seu olhar sobre a
diversidade religiosa e experimentar uma verdadeira formação para a
cidadania.
Há que se considerar nesse processo o que afirma Oliveira (2007, p.
128):

Os professores e a disciplina de Ensino Religioso vivem na atualidade,


numa constante encruzilhada entre o velho e o novo, o estabelecido e
o desafiador. A sabedoria talvez resida em retirar tanto do velho
quanto do novo o que permanece válido: princípios que, no encontro
dos tempos, desnudos de suas roupagens contextuais e históricas,
detêm o poder de denunciar, enunciar e desafiar outras perspectivas;
ir ao encontro e promover vivências pedagógico-didáticas inovadoras;
valorizar e respeitar o diferente e as diferenças.

Acreditamos que experiências como esta são cada vez mais


urgentes na formação de professores no âmbito do Ensino Superior, pela
inovação curricular que proporciona tanto para os cursos de Licenciatura,
mas principalmente, pelo retorno positivo que apresenta para o currículo
da educação básica e formação continuada dos educadores.

Referências

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer sobre a


formação de professores para o Ensino religioso nas Escolas
Públicas de Ensino Fundamental. Brasília: CNE, 1999.

_____. Lei nº 9394/96. Brasília/DF, 1996.

______.Lei nº 9.475/97. Brasília/DF, 1997.

174
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

FONAPER, Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros


Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. São Paulo/SP: Ave Maria,
1997.

MOREIRA, AntonioFlávio. A recente produção científica sobre currículo


e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões.
Revista Brasileira de Educação- Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18.

OLIVEIRA, Lilian Blank de. etal. O Ensino Religioso no Ensino


Fundamental. São Paulo /SP: Cortez, 2007. (Coleção docência em
Formação. Série Ensino Fundamental).

SOUSA SANTOS, Boaventura, (1997). Toward a multicultural


conception of human rights.ZeitschriftfürRechtssoziologie,nº 18, p.1-14.

UEPA, UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ, Projeto Político


Pedagógico do Curso de licenciatura em Ciências da Religião.
Belém/Pa, 2003.

175
QUE PESQUISADORES/EDUCADORES DE ENSINO RELIGIOSO
BUSCAMOS? UM DEBATE A PARTIR DA DISCIPLINA
PESQUISA EM ENSINO RELIGIOSO – PARFOR BLUMENAU E
RIO DO SUL/SC

Josué de Souza1(PARFOR/FURB)

Resumo:
A presença do Ensino Religioso no currículo escolar é motivo de debate e controvérsia.
Muito desta resistência é por conta da prática de proselitismo religioso. Prática legalmente
superada pela Lei nº 9.475/97. Resta a discussão do perfil de pesquisadores/educadores
da área. Com base em Weber e Bourdieu pretendemos debater particularidades do campo
de pesquisa das Ciências da Religião, bem como o perfil dos pesquisadores/educadores.
Weber defende que a produção científica deve buscar os significados atribuídos pelos
atores sociais para a realidade, que por sua vez, é construída por múltiplas
individualidades, possibilitando diversas leituras. Isso não quer dizer que a produção
científica deva buscar subjetividade, pelo contrário, busca características singulares do
objeto. Já Bourdieu defende que a característica do campo é a presença de pesquisadores
pertencentes ao próprio campo social.

Palavras-chaves: Formação docente; Ciências da Religião; Diversidade Cultural Religiosa;


Brasil

Introdução
A história da disciplina de Ensino Religioso nas escolas de ensino
fundamental está diretamente ligada ao processo de construção nacional,
que tem como base a forte presença da fé católica através do processo de
homogeneização cultural religiosa promovido por ela ao longo da história
do Brasil. O Ensino Religioso, como forma de catequização, foi utilizado
por muitos atores sociais como forma de domínio e construção de
docilidades pelo colonizador europeu. Assim, a presença de uma
disciplina, que tenha como objeto de estudo o saber religioso no currículo
escolar é motivo de debates e controvérsias. Muito desta resistência, dá-se
1
Cientista Social e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional – PPGDR da FURB. Docente no Curso de Ciências da Religião – Licenciatura
em Ensino Religioso da FURB – Programa PARFOR. Docente efetivo da disciplina de
Sociologia na Rede Estadual de Educação de SC, atuando na Escola de Educação
Básica Alexandre Guilherme Figueiredo no Município de Picarras/SC; Integra o Grupo
de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento (GPEAD) do PPGDR – FURB.
FONAPER

por conta da prática do proselitismo religioso e pelo papel histórico, que


historicamente esta disciplina serviu ao longo do tempo.
Porém, a partir da Constituição Federal de 1988, em seu art. 210, a
disciplina de Ensino Religioso passa a ser garantida em todo o território
nacional. Isto se dá na forma facultativa e na Lei nº 9.475/97, que
reconhece que o Ensino Religioso, enquanto disciplina do currículo
escolar. Traz em seu art. 1º que: ―é parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa,
vedadas quaisquer formas de proselitismo‖.
O novo ordenamento jurídico coloca novas luzes sobre a disciplina e
segundo Riske-Koch (2007), a partir de agora, busca resolver questões
como a promoção e a integração sociocultural. Dito de outra forma, se
historicamente a disciplina buscava construir homogeneização
cultural/religiosa, agora busca gerar alteridade e valorização de
convivência dos educandos com o outro e com a diferença,
proporcionando o diálogo das diferenças cultural, social e religiosa.
Neste cenário o perfil do educador/pesquisador de Ensino Religioso
deve ser problematizado, para assim, sua postura romper com históricas
práticas de catequização e privilégios à apenas determinadas formas de
expressão de religiosidades. Sobretudo, em um cenário sociorreligioso
como o brasileiro marcado pela diversidade religiosa, étnica e cultural
(MARKUS; OLIVEIRA, 2010).
Neste sentido, pretendemos neste artigo problematizar do campo de
pesquisa da ciência da religião, o perfil para um docente na disciplina em
Ensino Religioso. Defendemos que a prática docente deve unir não só a
transmissão de conhecimento, mas a prática docente com a base em um
conhecimento construído na prática de cultura de pesquisa na educação.
Como base de reflexão vamos utilizar os ensinamentos do sociólogo
alemão Max Weber, especificamente em sua obra: ―Ciência e política:
duas vocações‖ e do sociólogo Francês Pierre Bourdieu no texto:
―Sociólogos da crença e crença de sociólogo‖.

Max Weber, a ciência e a docência


Dos autores clássicos do pensamento social, Max Weber talvez seja
o mais lembrado pelo tratamento do fenômeno religioso em sua obra. A

178
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mais conhecida delas é ―A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo‖


(2005), onde busca mostrar a relação existente entre as ideias religiosas e
as suas consequências sobre o processo de mudança social. Porém, ele
inicia seus estudos sobre religião em um artigo anterior chamado
―Rejeições religiosas do mundo e suas direções‖ onde apresenta as
tensões existentes entre as religiões e outras esferas sociais. No texto, o
autor mostra como se deu o percurso histórico na construção das
racionalidades religiosas, sejam elas de caráter místico, ascese ou mesmo
as universalistas. Todas estas correntes surgiram segundo Weber, de
pressupostos mágicos que a partir de atuação de um profeta ou salvador,
se legitimaram a partir da construção de um carisma.
Nas palavras do autor:

Em geral, o profeta e salvador legitimaram-se através de um carisma


mágico. Para eles, porém isso foi apenas um meio de garantir o
reconhecimento e conseguir adeptos para a significação exemplar, a
missão, da qualidade de salvador de suas personalidades (WEBER,
1997, p. 161).

Assim, segundo Weber, o objetivo das religiões é garantir ao fiel um


estado sagrado, livre do sofrimento terreno. Para isso prega a ele um
comportamento que garante a salvação. O status de salvo é dado ao fiel
de forma transitória através de rituais, orgias, ascetismo ou contemplação.
Na busca da salvação o religioso age com regularidade, tendo agora sua
conduta controlada pelos sucessores do profeta, ou seja, a hierarquia do
grupo religioso (WEBER, 1997).
Porém será na obra ―Ciência e valores: duas vocações‖, que o autor
irá trabalhar a relação entre ciências sociais e valores do pesquisador,
especificamente a relação existente entre conhecimento e valores.
Debaterá sobre a distinção entre conhecer e valorar. Para
compreendermos o autor alemão é preciso partir da premissa que a
sociologia weberiana ―filia-se‖ na escola neokantiana, defendendo que o
método das ciências sociais deveria ser ―singularizante‖. Portanto, é
necessário compreender o significado cultural do objeto. Weber nasceu e
viveu durante a sua formação intelectual no período em que as primeiras
disputas e discussões sobre metodologia das ciências sociais estava
sendo travado, o que torna os escritos de Max Weber importantes para a
compreensão de como se dá o processo de construção do conhecimento
científico nas Ciências Sociais (TRAGTENBER, 1980).
179
FONAPER

I - A esfera da ciência
Em ―Ciência e Política: Duas vocações‖, o sociólogo alemão aponta
as características da comunidade científica. A primeira afirmativa de Weber
é que o cientista só consegue sucesso na carreira quando se coloca pura e
simplesmente a serviço de sua causa. Assim, ele se põe a desvelar o
interior da esfera da ciência, comparando a organização da ciência nos
Estados Unidos e na Alemanha. Mostra que as relações de poder no
interior desta esfera, em nada se diferem das relações capitalistas
existentes em outras áreas de atuação profissional.
O autor alemão valoriza a intuição dos pesquisadores neófitos e
afirma que a intuição deste pode ter um significado e resultado maior que
de um especialista. Isto não significa afirmar que Weber despreze o
método e a dedicação do pesquisador ao seu objeto de estudo, pelo
contrário, o autor afirma que ―a inspiração não substitui o trabalho, mas
este por seu turno não pode substituir nem forçar o nascimento de uma
intuição‖ (WEBER, 2009, p. 34).
Assim, o autor dês-romantiza o papel social do cientista mostrando
que na ciência a intuição tem a mesma função que qualquer outro campo
da vida sendo a sua importância, tanto quanto a intuição de um
empreendedor ou de um artista. Porém, diferente deste último, em que a
produção artística fixa-se em seu tempo, na ciência a produção é
concebida para ser ultrapassada. O sentido do conhecimento científico não
é outro do que fazer surgir novas indagações. Neste sentido a vocação
científica pressupõe paixão, rigor, e, sobretudo, aceitação da precondição
fundamental de que o conhecimento científico existe para ser superado.
Weber aceita a ideia que a pesquisa científica sempre é parcial e
provisória, pois opera uma seleção da realidade diretamente influenciada
pelo momento histórico e cultural vivido pelo cientista. Assim, na
sociologia weberiana não é possível conhecer toda a realidade e a ciência
não possui a palavra final na compreensão da realidade. Segundo Mattedi
(2006), esta afirmação não se dá apenas às ciências sociais, mas em toda
modalidade de ciência empírica (MATTEDI, 2006 p. 54).
Sobre os cientistas veteranos ou professores, Weber os compara aos
artesões, pois estes são o seu próprio patrão, possuem a liberdade de
produzirem sua própria agenda de pesquisa. São proprietários da sua
biblioteca que é seu meio de trabalho. Reconhece, porém, que as
transformações capitalistas se processavam na sociedade e então, que em

180
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

breve atingiriam também esta esfera social. Assim a atuação na ciência


depende muito mais de dedicação do que vocação profissional.
Weber chama a atenção que o sucesso na carreira passa também
pela inspiração;

Sempre que se objetiva atingir um resultado, não se pode


impunemente fazer com que o trabalho seja executado por meios
mecânicos – ainda que esse resultado seja, muitas vezes, de reduzida
significação. No entanto, se não vier ao espírito uma ‗idéia‘ precisa
que a oriente a formulação de hipótese, e se, no tempo em que nos
entregamos a nossas conjecturas, não nos ocorra uma ―idéia‖ relativa
ao alcance dos resultados parciais obtidos, não lograremos a alcançar
nem mesmo aquele mínimo (WEBER, 2006 p. 33).

Outra característica do pensamento Weberiano é a impossibilidade


de apresentar uma visão da totalidade ou uma ―cosmovisão‖, sobretudo
porque esta linha de pensamento, diferente de Comte, Durkheim e Marx,
não é normativa, pois não possui uma visão finalista do desenvolvimento
da sociedade. Dito de outra forma, a sociologia de Weber não serve de
―caminho para a felicidade‖, pois para ele, os valores supremos que dão
sentido a vida humana não são construídos ou escolhidos de forma
racional, mas movidos por convicções de superioridade (MATTEDI, 2006;
LAZARTE, 1996).
Rolando Lazarte, no livro ―Max Weber: ciência e valores‖, propõe que
interpretamos o sociólogo alemão a partir de uma perspectiva humanista e
que possibilite a interpretação da sociedade contemporânea. Sobretudo
quando em um período que segundo ele, vivenciamos uma crise
civilizacional e por consequência, uma crise na ciência que nasceu
assentada na modernidade.
O autor procura ―domesticar‖ o pensamento de Max Weber,
afirmando que para o sociólogo alemão era impossível fundamentar
qualquer norma moral, ou valor supremo. Qualquer caminho escolhido,
mesmo que seja uma escolha racional, não nos inocentaríamos como
seres de cultura.
O importante aqui é observar que toda ação humana é realizada de
forma ―racional‖, ou seja, com algum sentido, mesmo que para o
observador isso não fique aparente. Um exemplo disto é o principal tema
de estudo de Weber, a Religião. O mecanismo que a religião puritana
opera na economia, é na verdade, instrumentalizar o trabalho a fim de
conhecer a vontade positiva de Deus.
181
FONAPER

No texto ―Religião e Racionalidade Econômica‖ o autor aponta como


funciona o mecanismo operado pela fé calvinista:

Os homens eram por natureza todos igualmente pecaminosos, mas as


chances religiosas eram desiguais no mais alto grau, não só
temporariamente mas de modo definitivo [...] Mas sempre reinava
nessas diferenças a providencia e a graça injustificada e imerecida,
―livre‖ de um Deus supramundano. Por isso a crença na
predestinação, ainda que não a única, era de longe a formulação
dogmática, mas consequente dessa religiosidade de virtuosos [...] tudo
se orientava, portanto, para a livre graça de Deus e para o destino do
além, e a vida terrena era apenas um vale de lagrimas ou então
somente uma passagem. Por isso mesmo uma ênfase extraordinária
era posta sobre o esse diminuto lapso de tempo. Não porque fosse
possível conquistar a salvação eterna pelo puro desempenho próprio.
Isso era impossível. Mas porque a própria vocação para a salvação só
era concedida ao individuo e, sobretudo, só podia ser conhecida
através da consciência de uma ralação nuclear unitária dessa sua
curta vida com Deus ultramundano e sua vontade: na ―santificação‖.
Esta, por sua vez como em toda a ascese ativa, apenas podia ser
comprovada na atividade cara a Deus, portanto numa ação ética sobre
a qual repousava a benção divina, dando assim ao indivíduo a certeza
da salvação na segurança de que era instrumento de Deus. Com isso
ficava reservado o prêmio íntimo mais forte de que pudesse conceber
para uma vida moral metodicamente racional. [...] O empenho ―na obra
daquele que me mandou enquanto é dia‖ tornava-se aqui um dever, e
essa tarefa não eram de natureza ritual mas ético-racional (WEBER
1999, p. 155).

Mesmo aceitando a impossibilidade de que o conhecimento científico


é portador do conhecimento da totalidade dos fatos, Weber defende que
na prática da docência, assim como na pesquisa, a objetividade e
neutralidade devem ser buscadas. Assim, a função do professor reduz-se
a de apresentar os dados científicos a seus estudantes. O autor reprova
que o professor busque reproduzir nos estudantes suas próprias
concepções ideológicas ou políticas, afirmando que ao fazer isto, o
professor perde a compreensão real dos fatos. O papel do professor é
mostrar fatos científicos, que produzam desconforto nas opiniões dos
estudantes, encorajando-os a reflexão.
Nas palavras do autor:

A tarefa primeira de um competente professor é a de levar seus


discípulos a reconhecerem que há fatos que geram desconforto, assim
entendidos aqueles que desagradam a opinião pessoal de um
indivíduo. Positivamente existem fatos extremamente desagradáveis
para cada opinião, inclusive a minha (WEBER, 2009 p. 48).

182
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Weber afirma que o professor que possui o desejo de participar de


lutas políticas e de concepções de mundo, nas palavras do autor,
―conselheiro da juventude‖, deve fazer fora de sala de aula, em lugar
público através da imprensa, em reuniões ou associações.
Por sua vez, a visão de mundo produzida pela ciência, sobretudo na
sociologia, é de desencantamento e de desconstrução de qualquer tipo de
―significação‖. Neste sentido, Weber não crê que o conhecimento científico
em algum momento pode ser ferramenta de construção de verdades ou de
produção de felicidades. Neste ponto, afirma que, na tentativa de
diferenciar o discurso científico do religioso, apontando que as respostas
produzidas pela ciência dizem respeito apenas a questionamentos feitos
por quem o faz, mediante a sua própria especialização.
Assim, o sociólogo alemão prega que a função do professor é o de
ensinar um método de pensamento que possa servir de instrumento para a
compreensão da realidade, capacitando o estudante de compreender
diante de um problema ou valor qual prática ou opção possível e as
consequências de suas ações. Nas palavras do autor:

O professor pode mostrar apenas a necessidade da escolha, mas não


pode ir além, caso se limite a seu papel de professor e não queira
transformar-se em demagogo... os cientistas podem e – devem –
mostrar que tal ou qual posição adotada deriva, logicamente e com
toda certeza, quanto ao ―significado‖ de tal ou qual visão última e
básica do mundo. Uma tomada de posição pode derivar de uma visão
única do mundo ou de varias (WEBER, 2009, p. 52).

Assim, para Weber, o papel da ciência é o de mostrar que


dependendo da posição que adotar, a pessoa estará a serviço de um deus
e ofendendo o outro. Ou seja, a tarefa do pesquisador é compreender o
porquê das ações humanas, seu desenvolvimento e suas consequências.
Neste sentido, o texto científico não é e nem deve pretender ser uma cópia
do real, mas é a reprodução da realidade que deve ser entendida como
parcial, e provisória que irá sucumbir diante de um conhecimento novo.

183
FONAPER

Bourdieu, o sociólogo da crença e os campos


Em uma conferência apresentada no congresso da associação
francesa de sociologia da religião em 19822, o sociólogo francês
apresentou algumas observações sobre o campo da sociologia da crença,
que julgamos ser importante para utilizarmos na análise e debate do tema
em tela.
O autor francês inicia seu texto perguntando se a sociologia da
religião tal como é praticada hoje é de fato científica. A pergunta se dá pelo
fato de que segundo Bourdieu, boa parte dos pesquisadores faz parte do
mesmo campo social que pesquisam. Assim, para compreensão do
tratamento ao fenômeno religioso, neste texto e na obra de Pierre
Bourdieu, partimos da compreensão de um dos principais conceitos da sua
obra que é o conceito de campo social.
O campo social pode ser compreendido como um microcosmo no
espaço social com regras específicas. Sua atuação dá-se como um
―sistema‖ ou um ―espaço‖ estruturado de posições entre os diferentes
agentes que ocupam as diversas posições dentro dos microssomos. Estes
agentes atuam em disputas (lutas) em torno da apropriação de um capital
específico, do que por sua vez, é desigualmente distribuído dentro do
campo. Esta disputa desigual faz coexistir no seu interior duas classes de
indivíduos, os dominantes e os dominados. Será esta distribuição desigual
do capital que irá determinar as estrutura do campo.
As estratégias dos (agentes, instituições) são compreendidas a
partir de suas posições no campo. Cada agente do campo é caracterizado
por sua trajetória social, seu habitus3 e sua posição no campo. Um campo
possui uma autonomia relativa: as lutas que nele ocorrem têm uma lógica
interna, mas o seu resultado nas lutas (econômicas, sociais, políticas...)
externa ao campo, pesa fortemente sobre a questão das relações de força
internas. Por sua vez, este campo encontra-se em disputa com outros
campos constitutivos da sociedade (OLIVEIRA, 2003).

2
Texto publicado no Brasil com o título ―Sociólogos da crença e crença de sociólogo‖ no
livro: BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. P. 108-113.
3
Em Bourdieu, Habitus é o produtor de ações e produto do condicionamento histórico e
social, configura um universo de classificações e possibilidades que o agente
internalizou como aprisionamento prático e mental. Embora o autor recuse a aceitar que
seja um determinismo social rígido, uma vez que aceita uma margem de manobra para
a ação do indivíduo. (PINTO, 2000)
184
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

No que se refere ao fenômeno religioso, as disputas se concentram


em um campo próprio, o campo religioso e foi analisado pelo sociólogo
francês em um texto intitulado: ―A gênese e estrutura do campo religioso‖.
Bourdieu (2005) propõe uma teoria do fenômeno religioso que engloba as
contribuições das principais correntes da teoria sociológica e procura
sistematizar a distribuição do poder, ou ocupação dos espaços dentro do
campo religioso, que para ele, divide-se entre especialistas e leigos.
No campo da sociologia da crença4 os pesquisadores se dividem em
dois grupos: os que fazem parte do campo religioso, (religiosos, ou ex-
religiosos que praticam ciência) e os cientistas que não fazem parte do
campo (chamados pelo autor de pesquisadores não autocnes). A diferença
dos dois grupos, segundo o autor, não será pelo fato de o pesquisador ter
fé ou não, mas pelo grau de comprometimento que este mantém com as
estruturas do campo pesquisado.
E nisto, segundo Bourdieu, reside à dificuldade de transposição, ou
rompimento, de um campo para outro. O autor problematiza se este
rompimento, não pode influenciar na produção da pesquisa:

Ele se preocupa demais, e o leigo não se deixa enganar: a raiva, a


indignação e a revolta são sinais de interesse. Por sua própria luta, ele
testemunha que continua fazendo parte dela. Esse interesse negativo,
critico, pode orientar toda a pesquisa e ser vivido como interesse
científico puro, graças à confusão entre atitude científica e a atitude
critica (de esquerda) afirmada no próprio campo religioso
(BOURDIEU, 1990 p. 109).

Porém o pesquisador, religioso, ou ex-religioso possui a vantagem de


possuir um conhecimento prático sobre o campo, característica e
vantagem que o pesquisador não-autocne possui dificuldade. Por outro
lado, este saber de detalhes, pode confundir o pesquisador religioso sobre
o que é o saber científico em relação à objetividade do seu conhecimento.
Neste sentido, o corte etimológico, consiste no corte social, das
vinculações com as estruturas do campo, que segundo ele, é uma ameaça
aos especialistas das grandes religiões universais, pois, correm o risco de
produzir uma ciência de edificação. Bourdieu chama a atenção para
raridade de pesquisa na área da ciência e da religião que sejam
produzidos cientistas que fazem parte de outra tradição religiosa, ou ate
mesmo, estudos comparativo (BOURDIEU, 1990).

4
Termo utilizado pelo autor.
185
FONAPER

Ensaiando uma (in)conclusão: desafio à prática do


educador/pesquisador em ensino religioso
A dificuldade de produção de pesquisas, que sejam produzidas por
autores de formação pessoal em outras tradições religiosas está
diretamente ligada às dificuldades e desafios da formação do docente em
Ensino Religioso. Segundo Markus e Oliveira (2010), o processo de
formação docente é herdeiro não somente do processo de
homogeneização cultural-religioso, como também, deve enfrentar o desafio
de produzir um educador/pesquisador, que possua capacidade de
compreensão, intervenção e construção de novas realidades.
Neste sentido, cremos que a sociologia weberiana possibilita ao
pesquisador o olhar para si, na tentativa de compreender e explicar os
caminhos da construção do discurso científico. Porém, é da natureza desta
corrente sociológica não pretender ser o discurso final ou a verdade sobre
a matéria, mas apenas ser a compreensão possível a partir de uma
determinada metodologia de uma determinada disciplina científica, a
sociologia.
Outra característica desta corrente é aceitar que a ciência é uma
produção cultural, que por sua vez é fruto de um determinado tempo
histórico, a modernidade e sendo assim, carrega no seu interior, valores,
características culturais e ideológicas deste tempo histórico. Pelo seu
caráter universal, a ciência e o cientista como seu operador, devem buscar
despirem-se destes valores para ser aceito e possuir legitimidade.
Porém a principal característica da contribuição de Weber para a
formação de um educador/pesquisador de Ensino Religioso é conceber
uma teoria que não seja finalista ou que seja detentora de uma
cosmovisão, ou uma ―mensagem escatológica‖, apesar de não abrir mão
de elementos históricos na análise sociológica.
Características que em nosso juízo de valor, estão na gênese da
disciplina de Ensino Religioso, que tem como um dos seus objetivos
compreender que ―o ser humano é multifacetado, e possui capacidade de
intervir, criar e recriar as suas relações e os saberes inerentes a elas‖
(FONAPER, 1997; MARKUS;OLIVEIRA).
Da mesma forma que a construção de uma prática docente esteja
comprometida com uma produção científica esta deve desafiar o
educador/pesquisador a fazer de sua prática docente um constante
exercício de pesquisa/docência. Assim, conforme Bourdieu, buscar

186
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

construir um campo de pesquisa, que rompa com práticas de catequização


e proselitismo, esteja comprometido com práticas de e em alteridades na
construção de um saber que não se reduza a uma ciência edificante, mas
conforme o autor francês, rompa com o jogo duplo.

Referências

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Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. p.108-113.

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187
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188
O ENSINO RELIGIOSO EM GOIÁS: O PROBLEMA DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Raimundo Márcio Mota de Castro – UEG1

José Maria Baldino – PUC/Goiás2

Resumo:
Com a promulgação da Lei nº. 9.475/97 que modificou o art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, a formação (habilitação) para o professor de Ensino Religioso
tornou-se responsabilidade dos sistemas de ensino. O objetivo deste trabalho é analisar os
desdobramentos da ausência de políticas de formação de professores em Goiás. O aporte
teórico-metodológico sustenta-se em Castro (2009); Cury (1993); Dallabrida (2005); Souza
(2006) entre outros. Por meio da pesquisa narrativa, professoras/es de escolas públicas
relatam a ausência de sua formação e os dedobramentos em suas práticas educativas.
Percebe-se a prática do proselitismo religioso na escola pública o que fere o principio
básico da laicidade do estado e tem possibilitado certa aversão a esse componente
curriicular, inclusive por parte dos alunos.

Palavras-chave: Ensino religioso; Narrativas; Formação de professores.

Introdução
Com a redemocratização do Brasil na década de 1980, inicia-se
amplo debate em torno das questões educacionais. Quase 10 anos após a
promulgação da Carta Constitucional de 1988, a educação era reformada
em toda sua estrutura e organização, pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que definiu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No que
se refere à formação de professores, a nova lei determinava que o
professor, para atuar na docência, mesmo da educação básica, deveria ter
formação obtida em instituições de ensino superior. Apesar de Oliveira
(2005, p. 247) atestar que, ―as discussões desenvolvidas assim como a
emissão do dispositivo legal atingiram de modo substancial o processo de
formação de docentes para todas as áreas do conhecimento na educação

1
Mestre em Educação. Doutorando em Educação. Professor efetivo da Universidade
Estadual de Goiás. E-mail: prof.marciocastro.posgrad@hotmail.com
2
Doutor em Educação. Professor Titular de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica
de Goiás. E-mail: jmbaldino@uol.com.br
FONAPER

brasileira‖, nada foi feito em relação à formação de professores para o


ensino religioso.
Não somente a formação dos professores para o ensino religioso,
como também a forma de se pensar essa disciplina na escola (estrutura,
conteúdo, organização etc.), demandou da sociedade civil a exigência da
alteração do art. 33 da LDB, que passou a vigorar com nova redação por
meio da Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Apesar de uma nova
configuração legal, o novo dispositivo também não apresentou solução
para inúmeras questões que permeiam essa disciplina e permanecem
abertas, tornado-se ―foco de interesse, discussão e pesquisa em âmbito
nacional; envolvendo lideranças de diferentes denominações religiosas, a
comunidade acadêmica e os sistemas de ensino, todos diretamente
atingidos pelo dispositivo legal‖ (OLIVEIRA, 2005, p. 247).
O texto apresentado é parte dos resultados da pesquisa
―FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ENSINO RELIGIOSO: textos legais
e contextos vividos‖, desenvolvido na Universidade Estadual de Goiás,
Unidade Universitária de Itaberaí, realizada no biênio 2011-2012, e tem por
objetivo analisar a formação dos professores para o ensino religioso no
Estado de Goiás a partir do dispositivo presente na LDB de 1996, tendo
por referência o relato de professoras que atuam nessa disciplina em
diversos municípios de Estado.
Para o alcance do objetivo, privilegiou-se a pesquisa qualitativa que
possibilitou uma maior aproximação e aprofundamento do tema em
evidência. Por meio da pesquisa narrativa, coletou-se os relatos de
professoras/es que atuam em escolas públicas em municípios da região
noroeste do estado de Goiás (Itaberaí, Goiás, Itapuranga, Itauçu e
Inhumas). A escolha dos sujeitos e locais da pesquisa deu-se por três
motivações: a primeira por ser necessário compreender a complexidade
vivida na docência dessa disciplina visto que não há uma formação
específica para atuar na área; a segunda por se observar, em visitas feitas
a priori, que há uma prática, na maioria das escolas públicas dessas
cidades de uma oração (de cunho cristão) no início das atividades
escolares, situação que fere o princípio da laicidade do estado; e por fim,
por ser nessa região que se localiza a cidade de Itaberaí que sedia uma
unidade universitária da Universidade Estadual de Goiás, possuindo como
um de seus encargos a formação dos professores por meio do curso de
pedagogia.

190
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Assim, busca-se entender a prática desses docentes situando-os no


contexto da legislação educacional vigente, que preconiza o ensino
religioso como parte integrante da formação do cidadão, apresentando-o
como obrigatório na escola, mas de caráter facultativo ao aluno. Neste
sentido, o texto apresenta-se dividido em duas partes: na primeira se traça
todo o aspecto metodológico da pesquisa e em seguida, discute-se a
temática partindo de uma breve trajetória da inclusão do ensino religioso
na escola brasileira; depois, reflete-se sobre as ambiguidades legais
presentes na legislação em vigor; e por fim, analisa a fala das/os
professoras/es numa tentativa de desvelar os problemas causados no
espaço da escola pública pela ausência de formação desses professores.

A construção da pesquisa
A pesquisa nasce da necessidade de se buscar uma resposta a uma
indagação, mas a forma de atingir tal resposta, longe de possuir um
padrão único, está de certa forma condicionada a ―crença‖ do pesquisador,
ou melhor, ao entendimento teórico e metodológico apreendido no
percurso da pesquisa.

Pesquisar tem muito de desafio e aventura. É uma luta por saber e


para demonstrar o que se sabe. É sempre uma decisão árdua
desentranhar o conhecimento para, com a discrição e o equilíbrio
devidos, pô-lo em circulação e torná-lo acessível aos demais. São
esses, pelo menos esses, que devem ser, de um ponto de vista
deontológico, a meta, o destino e a finalidade: contribuir com nosso
esforço e nossa vontade perscrutadora par ampliar os limites do
conhecimento racionalizado (PERUJO SERRANO, 2011, p. 13).

Se durante muitos anos a pesquisa debruçou-se apenas sobre o


modelo positivista, que primava pela exatidão e, em muitos casos, a
dogmatização dos resultados, contempla-se nas últimas décadas inúmeros
debates sobre a permanência de outros modelos como o método histórico
dialético e o método fenomenológico. A utilização desses métodos
produziu alterações substanciais, na forma de se pensar pesquisa em
Ciências Sociais, haja vista a complexidade do homem enquanto Ser
produtor de si e de história.
Enquanto Ser, o homem busca estabelecer-se no mundo mediante a
apreensão do mesmo. Essa apreensão vai acontecendo por meio das
indagações que o ser humano faz de si e do mundo que o cerca. Nem

191
FONAPER

sempre as indagações são respondidas no todo ou no tempo em que se


destinou a buscar soluções para tal problemática. Assim também ocorre
com a pesquisa.
Inicialmente pensava-se que no prazo de um ano daríamos conta de
responder a questão norteadora dessa pesquisa, mas logo percebemos
que o primeiro ano seria apenas para efetuarmos o levantamento
bibliográfico sobre a temática, assim a pesquisa prolongou-se por dois
anos (2011-2012).
Dada a complexidade de nosso objeto, optamos por realizar uma
pesquisa de natureza qualitativa. De acordo com Lüdke; André (1986, p.
11-13), as características básicas de uma pesquisa qualitativa são:

1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural com sua fonte direta


de dados e o pesquisador com seu principal instrumento. [...]
2. Os dados coletados são descritivos [...].
3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o
produto [...].
4. O significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos
de atenção especial pelo pesquisador [...]
5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo. Os
pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que
comprovem hipóteses definidas antes do início dos estudos. As
abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da
inspeção dos dados num processo de baixo para cima.

Bicudo (2011, p. 17) amplia essa caracterização afirmando que a


pesquisa qualitativa, como o nome já indica, trabalha com a qualidade.
Tendo presente a necessidade de ouvir os relatos e deste modo dar
voz aos professores/as, optou-se pela pesquisa narrativa, por entender
que se trata de uma perspectiva que permite não somente a investigação,
mas também a formação. Para esclarecer a dupla dimensão da pesquisa
narrativa, Souza (2006, p. 26) infere que essa perspectiva de trabalho,

[...] configura-se como investigação porque se vincula à produção de


conhecimentos experienciais dos sujeitos adultos em formação. Por
outro lado, é formação porque parte do princípio de que o sujeito toma
consciência de si e de suas aprendizagens experienciais quando vive,
simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria
história.

192
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Para Catani et al (1997, p. 20),

[...] o que se convencionou chamar de pesquisa narrativa, no campo


educacional, enfatiza a variedade de práticas de investigação e
formação assim agrupadas, como iniciativas que vêm se firmando no
campo desde a década de 80, principalmente na Europa, e que deve
muito às tentativas de recolocação do sujeito no centro das
interpretações das ciências humanas.

Pela pesquisa narrativa é possível compreender as experiências


vividas, lembradas pelos/as narradores/as, tornado-se forma de
comunicação e troca de experiências, haja vista que não se tem apenas
uma informação repassada do narrador ao ouvinte, mas principalmente
uma troca, onde narrador e ouvinte unem-se em uma simbiose de trocas
mutuas.
A escolha de narrativas como instrumento de coleta de dados deu-se
ao fato de que entender que as mesmas constituem-se de acordo com
Chizzotti (2003, p.17). ―testemunho oral das pessoas presentes em
eventos, suas percepções e análises‖ e isso pode ―esclarecer muitos
aspectos ignorados e indicar fatos inexplorados do problema‖. Ainda sobre
as narrativas, Bosi (1994, p. 88) afirma que ―a narração é uma forma
artesanal de comunicação. Ela não visa a transmitir o ‗em si‘ do
acontecido, ela o tece até atingir uma forma boa. Investe sobre o objeto e o
transforma‖.
As narrativas foram produzidas de próprio punho por professores da
rede municipal e estadual de ensino que ministram aulas de Ensino
Religioso, depois digitalizadas e arquivadas em mídia eletrônica. Para a
produção dos mesmas, os/as sujeitos receberam um roteiro com 4 (quatro)
itens que deveriam se fazer presente em seus relatos. Tais narrativas ao
serem escritas e digitalizadas, passaram a compor como fonte e
documento da pesquisa. A participação dos sujeitos foi voluntária, e a
utilização de suas falas foi possível graças à autorização dos mesmos
sujeitos que, por meio de termo de consentimento livre e esclarecido,
tomaram conhecimento dos objetivos da pesquisa e decidiram contribuir
com a pesquisa. Delineado o percurso da pesquisa, apresenta-se a seguir,
breve apontamentos sobre a trajetória do ensino religioso no Brasil.

193
FONAPER

Ensino religioso no Brasil: apontamentos de uma trajetória


Durante o período colonial, visto que a formação educacional no país
fora majoritariamente feita pelos jesuítas e por outros religiosos, sempre
vigorou na escola o ensino da religião. No entanto, as reformas de cunho
iluminista empreendidas por Sebastião José de Carvalho e Melo – o
Marquês de Pombal, influente ministro do rei de Portugal, Dom José I, que
possibilitou a expulsão dos padres jesuítas do Brasil em 1759 e a posterior
extinção da Companhia de Jesus em 1760, não conseguiu quebrar a ideia
de permanência da religião cristã no ensino ministrado nas escolas.
Durante o período imperial, a religião católica continuou sendo
oficialmente a fé professada pelo imperador Dom Pedro I e pela maioria da
corte, apesar do reconhecimento de que outras denominações religiosas já
tivessem se instalado nas terras brasileiras. Fato evidente ao se ler o art.
5º, do Título I, da Constituição Política do Império do Brasil. O texto
menciona: ―A Religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a
religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu
culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma
alguma exterior de templo‖ (BRASIL, 1824). Mas se por um lado há o
reconhecimento de outras crenças, percebe-se fortemente a ―confirmação
e a legitimidade do poder da Igreja Católica‖ (CASTRO, 2009, p. 39).
Com a proclamação da república, em 15 de novembro de 1889,
religião e estado deixam de ser sinônimos e se inicia um processo
complexo e lento de separação entre o poder religioso e o poder temporal,
ou seja, entre a igreja e o estado. A educação deixa de ser dever apenas
da família e da Igreja, tornando-se uma das prerrogativas do estado.
Comentando esse período Castro (2009, p. 44) afirma:

Com a latente separação, a educação passa a ser de


responsabilidade do Estado, assim, surge a tendência de eliminar o
ensino da religião das escolas públicas, uma vez que este era gerador
de grande polêmica. Em 22 de fevereiro de 1890, o governo provisório
decidiu suprimir o ensino de religião dos estabelecimentos públicos do
Distrito Federal, por proposta de Benjamim Constant, então ministro
da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, alegando que ser de
responsabilidade do Estado incentivar qualquer sentimento religioso,
bastando, para isso, no lar, a ação da mãe de família, e nos templos
de cada religião a ação do sacerdote.

Notamos que, mesmo com a decisão de suprimir o ensino de religião


da escola pública, alguns professores fiéis aos princípios da fé e dos bons

194
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

costumes permaneceram com a prática das orações ao início das aulas e


tomando ainda por base um ou outro texto da doutrina cristã para o ensino.
A Igreja não tardou em reagir. Nesse período abriram-se inúmeras escolas
católicas onde o ensino da religião era amplamente divulgado.

[...] A entrada de ordens e congregações religiosas intensificou-se


após a promulgação da Constituição de 1891, que contornou o
anticlericalismo radical dos primeiros meses do regime republicano,
permitindo maior liberdade à Igreja Católica. Os membros destas
ordens e congregações que imigravam para o Brasil vinham imbuídos
de forte ardor missionário e acreditavam que eram enviados com o
dever de ensinar a verdadeira doutrina cristã, contribuindo para
reconstruir o colonialismo cultural europeu. Algumas congregações
imigraram com o intuito de atender espiritualmente colônias de
imigrantes europeus, como os salesianos e lazaristas entre italianos;
outras visavam à catequização dos indígenas e a maioria delas atuou
na reconversão dos brasileiros à fé católica romanizada
(DALLABRIDA, 2005, p. 79).

No entanto, a primeira Constituição Republicana, de 1891, garantiu a


liberdade de culto público e com isso possibilitou que outros credos
gozassem dos mesmos privilégios que os católicos e logo essas novas
denominações também abriram escolas confessionais, possibilitando uma
abertura a novas tendências, a novas formas de pensar o ensino,
diferentemente daquele ministrado unicamente pelos cristãos católicos.
Segundo Cury (1993), a crise sócio-econômico-político ocorrida no
final dos anos de 1920, possibilitou o retorno da Igreja ao cenário nacional.
As reformas empreendidas a partir da década de 1930, entre as quais a
ascensão de Vargas ao poder, a criação do Ministério dos Negócios da
Educação e Saúde Pública, sendo empossado no cargo Francisco
Campos e a elaboração da Constituição de 1934, consolidou no campo
educacional, o retorno da Igreja para dentro da escola.
Aliada e apoiando o Governo Vargas, como guardiã da ordem e dos
bons costumes, a Igreja consegue que o ensino de religião volte para a
escola, agora, porém com um diferencial: a nomenclatura passa a
denominar-se de ensino religioso, apesar da prática continuar proselitista e
catequética. Analisando a conjuntura desse período, Cury (1993, p. 28),
infere:

E apesar da pressão dos deputados defensores da laicidade no


ensino público, a redação final ficou assim: ―Art. 153 – O ensino
religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os

195
FONAPER

princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou


responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas
primárias, secundárias, profissionais e normais‖.

Daí em diante o ensino religioso perpassou todos os textos


constitucionais, inclusive estando presente na Constituição Federal de
1988, e posteriormente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, sendo que esta lei
sofreu, alguns meses depois, sua primeira alteração por meio da Lei nº
9.475, de 22 de julho de 1997, justamente no dispositivo referente ao
ensino religioso.

Ambiguidades na legislação
A polêmica recorrente que envolve o ensino religioso na escola e ao
pequeno interesse pela produção de uma reflexão sistematizada por parte
da academia, tem tornado o espaço desse ensino um lugar de todos e de
qualquer um, se apresentado até mesmo de forma irresponsável quanto à
formação do cidadão. Quando os debates tem se instalado no meio
acadêmico, aparecem duas categorias que ocupam posições antagônicas
em extremos – os defensores e os contrários a esse ensino. Muitos
debates não saem disso e longe de se ter uma solução impossibilitam uma
reflexão amadurecida que proponha formação para os professores, modelo
a ser seguido e base epistemológica dessa disciplina.
A nova redação dada ao Art. 33 da LDB, pela Lei nº 9.475, de 22 de
julho de 1997, em nada contribuiu para dirimir os conflitos presentes em
torno dessa questão. Pelo contrário, tem permitido que a efetivação do que
fora pensado não se concretize devido às ambiguidades presentes na
própria redação legal. Basta uma leitura atenta de tal artigo para que as
indagações pululem a mente e instiguem a busca de respostas.
Uma primeira ambiguidade está no caput do artigo 33, da LDB, ao
mencionar que:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da


formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais
das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo (BRASIL, 1996).

196
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Como se pode observar, ao mesmo tempo em que esse ensino é


entendido como ―parte integrante da formação básica do cidadão‖ o
mesmo é de ―matrícula facultativa‖ cabendo ao aluno optar por participar
do mesmo ou não. Cabe perguntarmos de que maneira um ensino
reconhecidamente fundamental para a promoção da cidadania do sujeito
pode ser facultativo? Outro problema advém em seguida, pois se esse
ensino deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
sendo vedada qualquer forma de proselitismo, não se teria aqui um ensino
de doutrinação de um determinado credo, mas sim, um espaço para que o
aluno entendesse as diferenças que culturalmente são construídas e que
constitui os diversos credos. Reconhecer o ensino religioso como
facultativo é reconhecer a dimensão proselitista, catequética e doutrinal de
um ensino que não é capaz de educar para as diferenças, mas reproduz
modelos oriundos de práticas culturais religiosas majoritárias.
Como se já não bastasse à polêmica ambiguidade na redação do
caput do artigo, os parágrafos que o compõem prolongam tal situação.
Vejamos a redação:

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a


definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso (BRASIL, 1996).

Referente ao texto do parágrafo primeiro atribui-se aos sistemas de


ensino (estadual e municipal) a responsabilidade de legislar sobre os
conteúdos e as normas para habilitação e admissão dos professores para
ministrarem tal ensino, devido à ausência de uma sistematização por parte
desses sistemas; e tendo presente que na maioria dos casos há uma
omissão na organização e definição do lugar dessa disciplina no currículo,
verifica-se que este espaço torna-se apropriação de qualquer um, pois
encontramos professores, inclusive de química, matemática e física
ministrando tal aula, simplesmente para complementar carga horária de
suas modulações.
No que diz respeito ao parágrafo segundo, quando da elaboração
dos parâmetros curriculares nacionais e tendo em vista que não havia um
para o ensino religioso, o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso
(FONAPER) – instituição civil desvinculada de credos religiosos e formada
197
FONAPER

por diversos professores de ensino religioso; articulou-se no sentido de


enviar ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) um parâmetro curricular
que contemplasse tal ensino. Tal documento fora rejeitado pela comissão
responsável pela elaboração dos PCNs, pois segundo parecer da relatora,
não cabia ao estado legislar sobre questões religiosas como amplamente
propagado na Constituição Federal. Ao tratar o ensino religioso como
―coisa de religião‖ e não ―tema de responsabilidade do Estado‖ (laico,
como é o Brasil) significa dizer que esse ensino serve para que as
denominações utilizem do espaço público como adendo ou complemento
de suas fronteiras catequéticas e doutrinais.
Ainda no parágrafo segundo da lei, ao dizer que ―os sistemas de
ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações
religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso‖ isso não
significa dizer que será dessas denominações à palavra final sobre o tema.
Para isso, se faz necessário que tenhamos no interior do estado, como
seus representantes, pessoas preparadas e entendidas de que ensino
religioso não é o mesmo que ensino de religião.
Posto os diversos problemas apresentados por conta de uma lei
ambígua e às vezes pela omissão das reflexões acadêmicas sobre o tema,
tem-se o espaço do ensino religioso existe na escola, tomando as mais
diversas conotações e tons que acinzentam o chão da escola, permitindo
que, em vez de formar pessoas para o entendimento do fenômeno
religioso esse ensino sirva para reproduzir modelos dogmáticos que
reforçam o preconceito e a demonização da religião das minorias.
Como o Estado até o presente momento não cumpriu o parágrafo
segundo, inúmeros livros didáticos de ensino religioso circulam no
mercado, servindo de subsídio, inclusive para o MEC, que os adquire e os
coloca no ensino público. Tais livros, no entanto, muitas vezes de autoria
de pessoas vinculadas a alguns seguimentos religiosos (na maioria cristã)
têm reforçado as ideias de preconceito e intolerância como comprovado na
pesquisa realizada, em 2010, pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos
e Gênero da Universidade de Brasília, sob a responsabilidade das
professoras Débora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião; e, publicado
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO).
Toda essa problemática, longe de ser resolvida, tem seus reflexos
ampliados no espaço escolar, como veremos a seguir.

198
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A formação de professores de ensino religioso: relatos


Como relatado anteriormente, as narrativas foram desmembradas
em unidades de significado constituindo recortes que desvelam e
descortinam uma realidade vivida, experienciada pelo narrador. Tal
realidade precisa ser descortinada e trazida à tona. Neste trabalho,
apresentaremos a unidade relativa à problemática da formação do
professor de ensino religioso.
Observando a preservação da identidade das respondentes, tendo
em vista o princípio ético da pesquisa, utilizamos a identificação das letras
do alfabeto de nossa língua, haja vista que o número de participantes é
exatamente proporcional ao número de letras que o compõe.
A primeira unidade de significado diz respeito à formação desses
professores: Vejamos os relatos:

Professora A: Como já disse minha formação é História, na área do


ensino religioso eu não tenho nenhuma formação.
Professora B: Sou licenciada em pedagogia pela Universidade
Estadual de Goiás, pós-graduada em psicopedagogia clinica [...] Com
relação ao ensino religioso eu nunca fiz nenhum curso na área, mas
ministro a disciplina há quatro anos.
Professora C: Fiz pedagogia. Antes de começar a dar aula de
ensino religioso fiz um curso em Goiânia [...] um curso de missões mesmo,
que tem tudo a ver com essa área.
Professora X: Sou geógrafa e advogada, especialista em direito
agrário [...] Na área de ensino religioso não fiz nenhum curso específico,
estudei no curso de direito a disciplina teologia que estuda as questões
pertinentes ao conhecimento da divindade, suas atribuições e relações
com os homens e o mundo que os cerca, ela, porém, toma partido a favor
de revindicações e verdade de determinada religião.
Professora V: Sou formada em matemática. Eu já trabalho ensino
religioso há bastante tempo [...]

Como se pode notar no relato das narradoras, nenhuma possui uma


formação específica para o ensino religioso, em todos os casos no
seguimento da narrativa percebe-se que as mesmas são colocadas em

199
FONAPER

sala de aula com o intuito de complementar carga horária de atividade


docente. A exceção é a professor V que apesar de ter formação em
matemática, hoje só leciona ensino religioso por ter tido um problema de
saúde e ter solicitado que gostaria de trabalhar apenas essa disciplina.
A ausência de uma formação específica influirá direto na prática
desses/as docentes em sala de aula. Em seus relatos fica patente a
utilização de um único seguimento religioso como referencial de tal ensino:
o cristão. Tal prática tem produzido proselitismo cristão uma vez que
todos/as participantes da pesquisa declaram-se cristãos católicos ou
evangélicos e na unidade de significado referente ao como trabalha a
disciplina em sala temos:

Professora V: [...] às vezes os alunos não tem conhecimento do pai-


nosso, que tem família [...] tem família que não senta, não abre a bíblia,
não discute uma palavra de Deus [...] o primeiro texto que trabalhei com
eles esse ano foi ―a família, presente de Deus‖.
Professora M: Mas eu gosto muito aprofundar dentro da palavra de
Deus que é muito importante.
Professor J: Eu sou pastor [...] trabalhar o ensino religioso é
aproximar as crianças de Deus.

Como se pode observar nas narrativas o ensino é proselitista uma


vez que o conteúdo volta-se à única possibilidade de entendimento do
sagrado (perspectiva cristã – ainda que entendamos o multifacetamento do
cristianismo). Há como se pode notar a tomada do espaço público como
prolongamento do espaço privado, e podemos atribuir tal situação a dois
motivos que se desvelam no decorrer da pesquisa: o primeiro refere-se à
ausência de formação que forme e habilite o professor a ministrar tal
conteúdo, o segundo diz respeito ao entendimento reinante que ensino
religioso é espaço de ensino de catequese doutrinal e das verdades
relativas à fé.

Considerações finais
Os desafios postos para o entendimento do ensino religioso como
disciplina presente na escola pública são inúmeros e complexos. A
discussão sobre a laicidade do estado tem sentido à medida que não

200
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

houve, dada a omissão do poder público, a formulação que um modelo que


rompesse com a catequese e a doutrina do credo que toma posse desse
espaço, transformando o público numa extensão do privado.
Nas pesquisas mencionadas nesse texto tem-se evidenciado que o
espaço escolar tem sido usurpado pela confissão religiosa de professores
despreparados para lecionarem a disciplina de ensino religioso, isso por
ausência de uma política educacional que garanta o pleno cumprimento do
que se encontra previsto no ordenamento jurídico constitucional e da Lei
de Diretrizes e Bases. No entanto, não podemos culpabilizar os
professores que tem se empenhado em atender e ministrar tal ensino, pois
ao chegarem em sala, não levam consigo nenhum preparo como vimos
nas narrativas analisadas. Fazem o que entendem ser o mais correto. E
como são resultado de um processo educativo, também, confessional
(ainda que no espaço público) replicam e reproduzem o que receberam;
fato que fica evidente, quando a professora menciona na análise anterior
diz que utiliza dos conhecimentos recebidos na disciplina de teologia,
cursada na universidade, durante sua formação.
Para longe de ser um espaço para a propagação da fé, nossos
estudos tem-nos conduzido a pensar o ensino religioso como espaço de
formação cidadã para a diversidade num país de cultura multifacetada
como o nosso. Assim, entende-se que haja lugar para o ensino religioso na
escola desde que por religioso entenda-se o fenômeno social e cultural de
todas e de cada religião, que possui seus ritos próprios, suas crenças,
seus costumes, sua cultura de re-ligação ao seu criador, ou que seja
inclusive capaz de negar tal possibilidade como é o caso dos ateus.
Temos entendido que a única possibilidade de aceitar o ensino
religioso na escola seja na perspectiva entendida por Oliveira et al (2007)
que ao falar dos objetivos desse componente infere que deve ser impresso
nesse ensino o religioso não como religação do sujeito ao transcendente,
mas como releitura do fenômeno religioso.
Diante dessas inúmeras provocações, fica o alerta para que os
programas e os diversos cursos de formação de professores possam
levantar esse debate, também despido de preconceitos, e que busquem
solicitar do poder público uma resolução sobre o tema no intuito de
amenizar o dano que tem sido produzido na vida e na formação social e
cidadã dos principais sujeitos da educação que são os alunos.

201
FONAPER

Referências

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Companhia das Letras, 1994.

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SOUZA, E.C.de (Org.). Autobiografias, História de Vida e Formação:


pesquisa e ensino. Salvador/Bahia: EDUNEB - EDIPUCRS, 2006.

202
A ABORDAGEM DA FINITUDE NO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DE ENSINO RELIGIOSO/PA:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Rodrigo Oliveira dos Santos (UFPA)1

Resumo:
Este estudo pretende destacar, por meio da pesquisa qualitativa e do paradigma
hermenêutico-fenomenológico, algumas considerações acerca da abordagem da finitude no
currículo de formação de professores para o Ensino Religioso no Pará, haja vista que, para
esse componente curricular, a temática em torno desta se apresenta como central, a ponto
de nortear toda a sua prática educativa na Educação Básica, conforme orienta os PCNER.
A partir do diálogo metodológico com o currículo do curso de formação desses professores,
percebe-se certo distanciamento e articulação entre a área tomada para essa formação, no
caso, as Ciências da Religião, assim como a sua prática, o Ensino Religioso, implicando, de
certa forma, na formação desses professores.

Palavras-chave: Finitude. Currículo. Hermenêutica. Formação de Professores. Ensino


Religioso.

Introdução
Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, a Lei nº 9.394/1996, busca-se desenvolver uma política para
Formação de Professores de Ensino Religioso (ER) no Brasil nos mesmos
moldes das demais formações para as áreas do conhecimento que
compõem o currículo da Educação Básica (EB).
O cerne da questão é política e aponta para a responsabilidade do
Ministério da Educação (MEC) que até hoje não emitiu Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação desses professores, muito menos
Parâmetros Curriculares Nacionais para a disciplina, deixando a critério
dos Sistemas de Ensino Básico (SEB) e Instituições de Ensino Superior
(IES) tal responsabilidade.
Os Conselhos de Educação Municipais, Estaduais e Federais que
autorizam/reconhecem essa formação no país apontam para as Ciências

1
Mestrando em Educação (PPGED/UFPA) na Linha de Pesquisa Educação: Currículo,
Epistemologia e História. Bolsista da CAPES. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação
e Religião na Amazônia (GPERA). Bolsista da CAPES. Membro do grupo de pesquisa
em Filosofia, Ética e Educação (GPFEE/UFPA) e Hermenêutica, Antropologia e
Educação (GPHAE/UFPA). Professor de Ensino Religioso da rede estadual do Pará e
municipal de Belém. E-mail: naumamos@yahoo.com.br
FONAPER

da Religião (CR) como área do conhecimento capaz de assegurar o


caráter epistemológico e pedagógico do ER, também defendida entre
vários pesquisadores que se dedicam a referida área e sua relação com a
educação (PASSOS, 2007; SOARES, 2010, JUNQUEIRA, 2008, 2010,
2011).
Nesse contexto, destaca-se o Fórum Nacional Permanente do
Ensino Religioso (FONAPER), criado em 1995, com a finalidade de
assumir essa pasta, acabando por ficar responsável pela leitura
pedagógico-didática e metodológica do ER, congregando, formando e
apoiando os profissionais que ministram esse componente curricular em
todo território nacional.
Após a sua criação, o FONAPER logo organizou os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER) em 1996 e
publicados em 1997 e, posteriormente as Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Licenciatura Plena em Ciências da Religião/Ensino Religioso,
encaminhados ao MEC, por duas vezes, em 1998 e 2009 (JUNQUEIRA,
2010, 2011), mas sem nenhum avanço nessas questões fundamentais
para operacionalização da disciplina, restando a operacionalização e sua
implementação por meio dos SEB e IES, a saber, dos procedimentos para
a definição dos conteúdos, assim como as normas para a habilitação e
admissão dos professores, em conformidade com a Lei 9.475/1997 e o
Parecer CNE/CP 097/1999.
Nesse sentido, várias instituições de ensino organizaram seus cursos
para habilitação de professores de ER, desde 1996, sob as mais diferentes
concepções e aporte teórico-metodológicos, a luz da legislação
educacional, estando presentes em quase todas as regiões do país.
A trajetória de implantação, organização e funcionamento desses
cursos de graduação é um percurso motivador que nos surpreende a cada
parada, seja esta no âmbito das instituições privadas, públicas municipais,
estaduais e federais, são objetos de conhecimentos e análises de vários
pesquisadores da área, com destaque para OLIVEIRA (2003), CARON
(2007), PASSOS (2007), JUNQUEIRA (2010, 2011) e SOARES (2010).

O currículo de formação de professores de ensino religioso no


contexto brasileiro: pós-graduação e graduação
As Ciências da Religião, nomenclatura mais utilizada para nomear a
área de conhecimento adotada para a formação de professores de ER no

204
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

país, localiza-se na Grande Área Ciências Humanas – Área Teologia –


Subárea Filosofia/Teologia, segundo tabela de áreas do conhecimento da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).
Atualmente, existem com recomendação e/ou reconhecimento da
CAPES vários programas de pós-graduação em Ciência da Religião,
Ciências da Religião ou ainda Ciências das Religiões e Teologia, sendo
esses presentes em todas as regiões do país (Ciências da Religião), como
discriminados na tabela abaixo:
Tabela 01: Relação de cursos Recomendados e Reconhecidos de Ciência da Religião,
Ciências da Religião ou Ciências das Religiões e Teologia constante na web página
2
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) .

Grande Área: Ciências Humanas


Área: Teologia
Nomenclatura/ NOTA
Ord. Programa IES UF
Programas M D F
1 Ciência da Religião Ciência da Religião: 01 UFJF MG 5 5 -
2 Ciências da Religião PUC/GO GO 4 4 -
3 Ciências da Religião PUC/MG MG 3 - -
4 Ciências da Religião UEPA PA 3 - -
5 Ciências da Religião Ciências da Religião: 07 UNICAP PE 3 - -
6 Ciências da Religião PUC/SP SP 5 5 -
7 Ciências da Religião UMESP SP 5 5 -
8 Ciências da Religião UPM SP 3 - -
9 Ciências das Religiões Ciências das Religiões: 02 FUV ES - - 3
10 Ciências das Religiões UFPB PB 3
11 Teologia FAJE MG 6 6 -
12 Teologia PUC/PR PR 3 - -
13 Teologia FTBP PR 3 - -
14 Teologia PUC/RJ RJ 5 5 -
Teologia: 08
15 Teologia PUC/RS RS 4 - -
16 Teologia EST RS 6 6 -
17 Teologia EST RS - - 4
18 Teologia PUC/SP SP 3 - -
Legenda:
M (mestrado acadêmico);
D (doutorado acadêmico);
F (mestrado profissional).

Considerando os dados tabulados acima, percebemos que, três dos


programas em CR estão presentes em instituições públicas (mestrado:
2
Disponível em:
<http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pe
squisarIes&codigoArea=71000003&descricaoArea=CI%CANCIAS+HUMANAS+&descric
aoAreaConhecimento=TEOLOGIA&descricaoAreaAvaliacao=FILOSOFIA%2FTEOLOGI
A%3ASUBCOMISS%C3O+TEOLOGIA, acesso em 30/05/2013.
205
FONAPER

Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Ciências da Religião; mestrado:


Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Ciências das Religiões;
mestrado e doutorado: Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) –
Ciência da Religião) e seis confessionais, sendo quatro católicas
(mestrado: Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO) – Ciências
da Religião; mestrado: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC/MG) – Ciências da Religião; mestrado: Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP) – Ciências da Religião; mestrado e doutorado:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) – Ciências da
Religião), uma metodista (mestrado e doutorado: Universidade Metodista
de São Paulo (UMESP) – Ciências da Religião) e duas presbiteriana
(mestrado: Universidade Mackenzie (UPM); mestrado profissional:
Faculdade Unida de Vitória (FUV) – Ciências das Religiões).
Dos dez cursos apresentados e/ou recomendados pela CAPES, a
maioria não apresenta em suas áreas de concentração ocupação com o
ER, muito menos com a formação desses professores a partir das CR, a
não ser no programa da PUC/SP que, na área Fundamentos das Ciências
da Religião, possui a linha de pesquisa Fundamentos do ER, como consta
no site do programa3:

Busca-se recolher diferentes experiências de Ensino Religioso, em


nível de primeiro e segundo grau, em vários estados brasileiros.
Aplicam-se recortes históricos e geográficos para a configuração das
propostas aí contidas, que são confrontadas com teorias consagradas
na ciência da religião, assim como estudos no campo de ensino em
vários países. Objetiva-se prestar uma contribuição a um tema atual
no campo educacional brasileiro, especialmente na escola pública,
oferecendo reflexos de fundo que possam subsidiar práticas
específicas, de profissionais diretamente vinculados a esta atividade.

Outro programa que merece destaque, embora com singularidades,


é o Programa de Pós-Graduação em Teologia, com mestrado e doutorado
acadêmico da Escola Superior de Teologia (EST/RS), das Faculdades
EST, que possui, entre as suas áreas de concentrações, a área Religião e
Educação, sendo nesta uma das linhas de pesquisa Fenômeno Religioso e
Práxis Educativa na América Latina, como consta no site do programa4:

3
Disponível em: http://pos.pucsp.br/cienciasreligiao, acesso em 20/06/2012.
4
Disponível em: http://www.est.edu.br/pos-graduacao/, acesso em 20/06/2012.
206
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Área de Concentração: Religião e Educação

A área desenvolve a pesquisa interdisciplinar sobre a relação entre


religião e educação no contexto latino-americano com ênfase na
formação continuada de educadores e na formação de pesquisadores.
Focaliza a relação entre as diferentes manifestações do fenômeno
religioso e a práxis educativa escolar, eclesial e dos movimentos
sociais.

Linha de Pesquisa

Fenômeno Religioso e Práxis Educativa na América Latina

Nesta linha realizam-se pesquisas sobre a relação entre o fenômeno


religioso e a educação em suas múltiplas formas e interfaces,
compreendendo a análise das políticas, processos e práticas
educativas, num enfoque interdisciplinar, na perspectiva da Teologia e
da Educação com atenção para a práxis educativa das denominações
religiosas, das instituições escolares e dos movimentos sociais na
América Latina.

Esses programas têm contribuído com o ER em diversos aspectos,


principalmente nos últimos citados, com a produção de pesquisas
essências no campo epistemológico e pedagógico da disciplina e na
formação desses professores, mais que ainda são escassos, diante da
necessidade, adequação e defesa como área referencial para esse
componente curricular.
Dos programas em Ciência da Religião, Ciências da Religião ou
Ciências das Religiões listadas, apenas três deles convivem com a
graduação: os da UEPA, UFPB e UFJF, ampliando, dessa forma, a
integração e a área que forma e a sua aplicação na EB.
Nesse sentido, a formação de professores para o ER vai se
constituindo em quase todas as regiões do país, a partir do modelo teórico-
metodológico e pedagógico das Ciências da Religião, no espaço
acadêmico-científico, em paridade com as demais áreas do conhecimento,
ampliando e conquistando seu espaço, seja na pós-graduação ou na
graduação, como abaixo especificado, listamos os cursos de graduação,
nos graus de licenciados, bacharelados; na modalidade presencial ou à
distância; com os cursos ativos ou extintos, assim como as três
nomenclaturas possíveis, enfatizando a perspectiva da singularidade e
multiplicidade desse campo de estudos que vem se configurando no Brasil
a partir da década de 70, do século passado.

207
FONAPER

Tabela 02: Cursos de graduação em Ciência da Religião ou Ciências da Religião ou


5
Ciências das Religiões que constam no site do MEC em 2013

Ord. Curso Instituição Grau Modalidade Situação Total


01 UFS
02 UEPA
03 USJ
04 UERN
05 UEL
06 FURB Licenciatura Presencial Ativo 11
07 UNOESC
08 Ciências UNIMONTES
09 da Religião UNISUL
10 UNOCHAPECÓ
11 UNEC Extinto 01
12 UEMA Licenciatura Distância Ativo 01
13 IESPES
14 IESMA Presencial 03
Bacharelado Ativo
15 FSB/RJ
16 CEUCLAR Distância 01
17 Ciência da Licenciatura
UFJF Presencial Ativo 02
18 Religião Bacharelado
19 Ciências das Licenciatura
UFPB Presencial Ativo 02
20 Religiões Bacharelado

Fonte: MEC: disponível em: http://emec.mec.gov.br/, acesso em 15/02/2013.

Como podemos observar na tabela acima, dos vinte cursos listados


no site do MEC, dezoito estão ativos e presentes em todas as regiões do
país (dois no norte, seis no nordeste, quatro no sudeste, seis no sul), onde
treze são licenciaturas, sendo um extinto (UNEC), logo onze são
presenciais e um a distância; e seis bacharelados onde, um deles está
com suas atividades encerradas (CEUCLAR), apesar de ter sido o primeiro
curso de bacharelado a ser reconhecido no país.
Entre os dezoito cursos em atividades, onze estão em instituições
públicas (cinco federais, cinco estaduais e uma municipal) e o restante em
instituições privadas.
Esses dados disponíveis no site do MEC demonstram que, em quase
todas as regiões do país a formação docente para o ER já é uma realidade
que vem ocorrendo desde a segunda metade da década de 90, sendo

5
Dados disponíveis no e-MEC que informa as Instituições de Ensino Superior e Cursos
Cadastrados no país. O e-MEC foi criado para fazer a tramitação eletrônica dos
processos de regulamentação. Pela internet, as instituições de educação superior fazem
o credenciamento e o recredenciamento, buscam autorização, reconhecimento e
renovação de reconhecimento de cursos. Em funcionamento desde janeiro de 2007, o
sistema permite a abertura e o acompanhamento dos processos pelas instituições de
forma simplificada e transparente.
208
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

predominante, segundo a tabela, a nomenclatura Ciências da Religião,


defendido como área do conhecimento referencial para formação de
professores de ER, e a sua aplicação didática, os conteúdos ministrados
nesse componente curricular (PASSOS, 2007; SOARES, 2010).
Nesse sentido,

As Ciências da Religião podem oferecer base teórica e metodológica


para a abordagem da dimensão religiosa em seus diversos aspectos e
manifestações, articulando-a de forma integrada com a discussão
sobre a educação. A educação geral, fundada em conhecimentos
científicos e em valores, assume o preceito religioso como um
elemento comum às demais áreas que fazem parte do currículo e
como um dado histórico-cultural fundamental para as finalidades
éticas inerentes à ação educacional. Portanto, nesse modelo não se
afirma o ensino da religião como uma atividade cientificamente neutra,
mas com clara intencionalidade educativa, postula-se a importância do
conhecimento da religião para a vida ética e social do educandos [...].
Nesse sentido, trata-se de uma visão transreligiosa que pode
sintonizar-se com a visão epistemológica atual, sendo que busca
superar a fragmentação do conhecimento posta pelas diversas
ciências com suas especializações e alcançar horizontes de visão
mais amplos sobre o ser humano. (PASSOS, 2007, p. 65-66).

Considerando os pressupostos teórico-metodológicos e legais


apresentados, percebemos o quanto as Ciências da Religião tem muito a
contribuir para leitura e decodificação do fenômeno religioso na sociedade
brasileira e na escola em atendimento aos pressupostos do Estado laico
com a formação educacional e humana do cidadão.

O lugar da finitude no currículo e no ensino religioso


Dando continuidade a discussão e apontando para os aspectos
pertinentes a legislação educacional que se restringe a formação cidadã e
o mundo do trabalho, destaca-se o ER, no currículo da escola da EB como
espaço de diálogo e interseção entre Educação e Tanatologia.
Segundo a legislação educacional, o ER está assegurado no art.
210, § 1°, da Constituição Federal (1988) e na LDB/1996, no art. 33,
alterado pela Lei nº 9.475/1997, como parte integrante da formação básica
do cidadão, constituindo-se disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, sendo assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do país e vedadas quaisquer formas de
proselitismo.

209
FONAPER

O ER assume a compreensão de área do conhecimento, de acordo


com as Diretrizes Nacionais para o Ensino Fundamental (RESOLUÇÃO
CNE/CEB Nº 02/1998).
De acordo com as Diretrizes Nacionais para Educação Básica, esse
componente curricular integra à base nacional comum, segundo o art. 14
da Resolução CNE/CEB nº 04/2010, assegurando, nesses termos já
citados, o currículo para a formação comum.
Embora exista diversos dispositivos legais que assegurem seu
espaço no currículo e sua natureza pedagógica, esse componente
curricular tem ainda sido alvo de polêmicas:

Estamos diante de um tema polêmico. Não por acaso, esta foi a


primeira emenda à LDB. A república Federativa do Brasil é laica,
significa dizer que, de um lado, inexiste religião oficial face a
separação total entre Estado e Igreja; de outro, não pode haver
relações de dependência, ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público. É preciso compreender que a
previsão constitucional de algumas vedações dirigidas aos entes
federativos objetiva garantir o equilíbrio federativo, a harmonia e a
coesão sociais e, evidentemente, no caso da opção religiosa, o
respeito à escolha de cada um.

Mas é preciso compreender, também que, ao ser formalmente


constituído como uma federação leiga, o Brasil não é um Estado ateu.
Tanto é assim que, no preâmbulo da Constituição, os representantes
do povo brasileiro proclamam: ―[...] promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil‖
(CARNEIRO, 2011, p. 39).

A não compreensão do ER como área de conhecimento e como


componente curricular é assistida por muitas questões de natureza
pedagógica, epistemológica e política, envolvendo diretamente o Estado e
os SEB e IES na regulamentação dos procedimentos para a definição dos
conteúdos e estabelecimento das normas para habilitação e admissão dos
professores, uma vez que as igrejas saem de cena, como segue abaixo:

De fato, desde a nova LDB, o Ministério da Educação não conseguiu


implantar uma política de ER que superasse a clássica questão da
separação Igreja-Estado, o que significou não conseguir sustentar
uma proposta consistente desse ensino: do ponto de vista
antropológico, como uma dimensão humana a ser educada; do ponto
de vista epistemológico, como uma área de conhecimento com
estatuto próprio, conforme indica a Resolução n. 2/98, da Câmara da
Educação Básica; e, do ponto de vista político, como uma tarefa

210
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

primordial dos sistemas de ensino e não das confissões religiosas


(PASSOS, 2007, p.14).

Essa responsabilidade, até então deixada de lado pelo MEC, mesmo


estando prevista na legislação educacional, implicou na organização do
Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), em 1995,
congregando pesquisadores desse componente curricular que
posteriormente se debruçaram na elaboração dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER), em 1996, haja vista que na
elaboração/publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) pelo
MEC, o ER não foi contemplado.
Para o MEC, os PCN publicados por ele representam

O conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade


de referenciais a partir dos quais o sistema educacional do País se
organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais,
regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma
sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar,
decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo como
meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os
cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade
implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos,
entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes.
(PCN, 1997, p. 13).

Nesses termos, os PCNER (2009) têm sido até então, o principal


documento na orientação acadêmico-científica do ER e da sua prática
educativa no país, respaldado no modelo das Ciências da Religião, mesmo
que esse modelo não seja o mais praticado, coexistindo com outros, que a
nosso ver, contrariam os pressupostos da legislação educacional.
É por meio da orientação desse documento que fazemos a leitura
pedagógico-didática e metodológica do ER, e que por onde podemos
estabelecer relações diretas com a Tanatologia6, pois,

O Ensino Religioso, valorizando o pluralismo e a diversidade cultural


presente na sociedade brasileira, facilita a compreensão das formas
que exprimem o Transcendente na superação da finitude humana e

6
A Tanatologia poderia ser definida como a ciência que estuda a morte e o processo de
morrer em todos os seus aspectos: forense, antropológico, social, psicológico, biológico,
educacional, filosófico, religioso e estético. Seu nome deriva do no nome do deus grego
Tânatos. Na mitologia grega, Tânatos era irmão de Hipnos, o Sono e filho de Nix, a
Noite e Érebro, as trevas. Era representado como uma nuvem prateada ou um homem
de olhos e cabelos prateados (SANTOS, 2009, p. 292).
211
FONAPER

que determinam, subjacentemente, o processo histórico da


humanidade. Por isso necessita:
 proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que
compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas
percebidas, o contexto do educando;
 subsidiar o educando na formulação do questionamento
existencial, em profundidade, para dar sua resposta devidamente
informado;
 analisar o papel das tradições religiosas em estruturação e
manutenção das diferentes culturas e manifestações
socioculturais;
 facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades
de fé das tradições religiosas;
 refletir o sentido da atitude moral, como consequência do
fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta
pessoal e comunitária do ser humano;
 possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na
construção de estruturas religiosas que tem na liberdade o seu
valor inalienável (PCNER, 2009, p 46-47).

Ao propor a leitura e decodificação do fenômeno religioso como uma


construção sociocultural, apontando para o estudo do sagrado
transcendente/imanente na superação da finitude humana e na busca do
sentido existencial, reconhecemos nossa individualidade e nossa
dificuldade em nos compreender como sujeitos do conhecimento que
estamos sempre a nos perguntar: Quem sou? De onde vim? Para onde
vou?
Essas questões não eliminam e nem colocam determinados
conhecimentos sobre outros, uma vez que todos os conhecimentos são
produções humanas que buscam fundamentar, (re)significar e melhorar
nossas condições, logo todos precisam estar disponíveis e isso não exclui
o conhecimento religioso.
Essa compreensão não consiste mais na codificação desse
conhecimento (conhecimento adquirido como produto por meio de
doutrinas, leis, ensinamentos, ritos, história etc.), algo próprio das tradições
culturais religiosas e já superado na legislação educacional, mas o
educando é desafiado a (re)leitura, ou seja, a decodificação (interpretar,
analisar, entender como, por que, para que em que se deu esta
codificação) do fenômeno religioso na diversidade cultural religiosa da
sociedade, tendo em vista a compreensão da finitude humana, na
formulação do questionamento existencial, em profundidade.
Esse questionamento vem sendo trabalhado de diversas formas nos
diferentes tempos e espaços, unificando-se a vida coletiva e prática, em
212
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sua orientação frente a essa dimensão do ser, como podemos observar


nos critérios para organização e seleção dos conteúdos e seus
pressupostos didáticos de caracterização geral do ER:
Hoje, o fenômeno religioso é a busca do Ser frente à ameaça do Não
Ser. Basicamente, a humanidade ensaiou quatro respostas possíveis
como norteadoras do sentido da vida além da morte:
 a Ressurreição;
 a Reencarnação;
 o Ancestral;
 o Nada.
Cada uma dessas respostas organiza-se num sistema de pensamento
próprio, obedecendo uma estrutura comum. E é desta estrutura
comum que são retirados os critérios para organização e seleção dos
conteúdos e objetivos do Ensino Religioso. Assim, na pluralidade da
Escola brasileira esses critérios para os blocos de conteúdos são:
Culturas e Tradições Religiosas;
Escrituras Sagradas;
Teologias;
Ritos;
Ethos (PCNER, 2009, p. 49-50).

A busca do ser frente à ameaça do não ser evidencia o


conhecimento de que o ser humano tem acerca da sua finitude, ou seja,
que ele é um ser-para-a-morte, tão presente na codificação do
conhecimento racional e inerente ao conhecimento religioso.
Esse conhecimento, inerente ao ser humano, desde sempre, é
marcado pelo mistério, fazendo com que este recorresse, na maioria das
vezes, a Transcendência, não muito diferente dos dias atuais, embora o
tratamento dado a finitude a partir do final do século XIX seja outro.
Nesses termos, a humanidade vem ensaiando diversas respostas,
sendo as mais recorrentes a ressurreição, a reencarnação e a
ancestralidade. Sendo que, essas concepções defendem a continuidade
da vida, dotando-a de sentido e significação variados, na busca da tão
sonhada felicidade.
A concepção do nada, ou seja, da morte física como cessação da
existência que atribuí à vida, na maioria das vezes, a sua dimensão
imanente e material, tem sido objeto de estudo do fazer filosófico e de
certa forma, o científico, há mais de dois milênios, mesmo coexistindo
divergência entre alguns filósofos que se atém a transcendência. Essa
concepção passa a ser bem mais difundida a partir do século XVIII até os
dias atuais.

213
FONAPER

Nesses termos, cada uma dessas respostas, segundo os PCNER,


organiza-se num sistema de pensamento próprio, obedecendo a uma
estrutura comum, de onde são retirados os critérios para organização,
seleção dos conteúdos e objetivos do ER, outrora já citados, na
diversidade cultural religiosa da sociedade e escola, em cinco eixos
temáticos: cultura e tradições religiosas, escrituras sagradas escritas e
orais, teologias, ritos e ethos.

O curso da UEPA/PA e a finitude


Dentre os cursos de formação específica para o ER no Brasil, para
atender os anos finais do ensino fundamental e médio, conforme o art. 33,
§ 1º (Lei 9.475/1997) e o art. 62 da LDBEN/1996, o Projeto Político do
Curso de Licenciatura Plena em Ciências da Religião (PPCLPCR) da
Universidade do Estado do Pará (UEPA) foi o primeiro a ocupar o espaço
de uma (IES) pública.
Esse processo teve sua origem no curso livre de Educação Religiosa
(PALHETA, 2007; NASCIMENTO, 2009), ministrado pela Arquidiocese de
Belém em parceria com a Universidade do Federal do Pará (UFPA) entre
as décadas de 80 e 90 do século passado, sendo o curso reconhecido
pelas Resoluções nº 1.351/1986, 1.954/1991 e 2.127/1993 do Conselho
Superior de Ensino e Pesquisa (CONSEP), da UFPA.
A base metodológica do curso livre de Educação Religiosa
encontrava na proposta da interconfessionalidade os pressupostos para
seu desenvolvimento no espaço escolar, conforme a Lei nº 5.692/1971.
O PPCLPCR/UEPA foi criado pela Resolução nº 361/1999, do
Conselho Universitário (CONSUN/UEPA), tendo seu funcionamento
autorizado pelo Parecer nº 372/2001 e a Resolução nº 403/2001, do
Conselho Estadual de Educação do Pará (CEE/PA), de acordo o
PPCLPCR/UEPA (2003).
As atividades do referido curso iniciaram em 2000, na modalidade
regular anual e atualmente conta com mais seis turmas do Plano Nacional
de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) em
atividade.
Diante do exposto, e da documentação analisada, pudemos perceber
a evolução na mudança de paradigma e na concepção para a formação

214
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

desses professores que vai se constituindo no país, assim como do próprio


ER, uma vez que isso não exclui o Pará.
Dessa forma, o estudo da religião, bem mais coerente do que seu
ensino nas escolas, nas suas mais diversas manifestações, experiências e
complexidade tem sido algo localizado no PPCLPCR/UEPA, a partir dos
aportes teórico-metodológicos das Ciências da Religião, traduzidos para
sua aplicação na EB.
Esse aspecto, no que consiste a tradução para sua aplicação na
escola, tem sido algo que vem nos chamando atenção e aponta para uma
problemática pertinente a toda e qualquer formação profissional, em nosso
caso, a formação de professores.
O estudo das diversas ciências e as suas aplicações nas escolas,
tem posto em evidência a preocupação de caráter pedagógico-didático e
metodológico na efetivação das aprendizagens, uma espécie de
adaptação/tradução para se tornar acessível aos alunos e aos seus limites
cognitivos.
Com os estudos da religião, traduzidos para o ER, não tem sido
diferente e o que temos percebido, a partir da análise do PPCLPCR/UEPA,
evidencia certo distanciamento e articulação na sua organização curricular
para o ER, refletindo na integração entre as disciplinas específicas e
pedagógicas, assim como uma reflexão mais apurada do seu caráter
nuclear assentado na finitude, de onde se pensa a sua organização e
desenvolvimento no currículo da escola.
Mas essas reflexões, embora sejam iniciais, nos fazem pensar na
maior proximidade que deveria ocorrer entre as IES e a EB, algo também
que deveria ser pensado no momento de organização dos currículos dos
cursos de formação de professores.
A finitude humana, segundo os PCNER (2009), pode ser algo que
aponte para a reflexão da nossa própria morte e morrer, a partir do
momento em que localizamos nas diversas culturas e tradições religiosas
vários elementos que as compõem, como os mitos, ritos, valores, textos
escritos e orais que, às vezes, remetem-nos a continuidade da vida,
apontando limites, maneiras de ser e fazer no cosmo; assim são ensaiadas
as respostas elaboradas pela humanidade: ressurreição, reencarnação e a
ancestralidade.
Também, nos abre espaço para reflexão de que a morte delimita
nossa finitude, como a perspectiva do nada, permitindo outras analíticas

215
FONAPER

existenciais, advindas da perspectiva filosófico-científica, como nesse


caso, na maioria das vezes.
Para encerrar, sabemos que na organização do PPCLPCR/UEPA,
não somente, vários fatores estão envolvidos e que neste texto e em
outros não teremos como encerrar. Por isso, trata-se de considerações
iniciais, apreendidas in loco, assim como da análise do referido
documento.

Considerações finais
A morte, o morrer e a finitude, nesses termos, é algo nuclear e
pertinente para a organização e seleção dos conteúdos e objetivos do ER,
como previsto nos PCNER (2009).
Nessa perspectiva, a partir do estudo da religião, na diversidade
cultural religiosa do país e nas respostas elaboradas pela humanidade, o
ER pode ―[...] subsidiar o educando na formulação do questionamento
existencial, em profundidade, para dar sua resposta, devidamente
informado‖ (PCNER, 2009, p. 47).
Esse compromisso desenvolve-se na sua prática pedagógico-
didática, a partir dos pressupostos traduzidos das Ciências da Religião
para o ER, para a formação humana do cidadão, de forma integral e
solidária.
Nesse processo, devem-se abordar todas as respostas possíveis, no
que se refere aos conhecimentos socioculturais e filosófico-científicos,
construídos nos variados tempos e espaços, onde nem sempre a
interdição da reflexão e discussão da nossa mortalidade fosse uma
constante.
Nesse sentido, o ER é um componente curricular que situa numa
perspectiva de uma educação para vida e para a morte, quando se
assenta na perspectiva da finitude humana.

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219
A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL HABILITADO EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PARA ATUAR COMO DOCENTE DO
ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Ediana Maria Mascarello Finatto

Leonel Piovezana**

Resumo
Este trabalho busca caracterizar e questionar a realidade do ensino mediante as novas
discussões que emergem na sociedade. Procura demonstrar a importância do profissional
habilitado em Ciências da Religião para atuar como docente do Ensino Religioso na
Educação Básica. A formação de profissionais em Ciências da Religião, com estudos da
implantação desse curso no estado de Santa Catarina e mais especificamente no oeste
catarinense, tem possibilitado discussões e alternativas metodológicas e pedagógicas que
incluem todas as pessoas no processo ensino-aprendizagem, gerando mais inclusão e
humanização. Contribui-se assim para a introdução de novos paradigmas nos debates
relacionados a essa área do conhecimento e a superação de teorias padronizadas e ou
teologia específica.

Palavras-chave: Ensino; Ciência; Religião.

Introdução
Como habitantes do planeta Terra, acompanhamos nessa primeira e
segunda décadas do século XXI mudanças rápidas, principalmente no
campo econômico, e consequentemente no social. Essas mudanças
implicam transformações, atitudes e posições; acreditamos que seja o
conhecimento o carro-chefe para filtrar o que é bom ou pode ser bom para
as pessoas. Nesse vai e vem de mudanças e discussões, contempla-se


Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó –
Unochapecó (SC). Graduada em História pela Universidade Comunitária da Região de
Chapecó – Unochapecó (SC). Acadêmica do sétimo período do Curso de Ciências da
Religião da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó (SC),
Professora de Teoria e Metodologia de História III na Unochapecó e professora efetiva
da rede estadual de Santa Catarina. E-mail: ediana@unochapeco.edu.br
**
Doutor em Desenvolvimento Regional – Área Interdisciplinar – pela UNISC.
Coordenador dos cursos de Ciências da Religião e das Licenciaturas Interculturais
Indígena e Professor dos Programas de Mestrado em Educação e Políticas Sociais e
Dinâmicas Regionais da Unochapecó. E-mail: leonel@unochapeco.edu.br
FONAPER

em âmbito escolar e social uma ebulição de ideias, que trazem no seu bojo
o desejo de problematizar e/ou desconstruir visões dominantes. Essa
desconstrução vem atrelada aos desafios que a sociedade impõe:
convivência entre diferentes grupos étnicos em um mesmo espaço,
presença de diversos grupos religiosos em uma mesma localidade e
encontro das diferenças no espaço escolar.
Nesse terreno de desafios, faz-se necessário estarmos receptivos às
reivindicações feitas pelos diversos grupos étnicos; cabe também
buscarmos constantemente conhecimentos que possibilitem ampliar novas
discussões. Essas reivindicações que no iniciar do século XXI ganham
corpo têm o intuito de favorecer novas reflexões, as quais consolidam
discussões que até o findar do século XX não se fizeram tão presentes,
principalmente na comunidade escolar.
Nas representações desses grupos, percebe-se que o interesse está
na reformulação de valores instituídos, que durante muitos anos
naturalizaram-se como verdadeiros. Diante deste cenário, intensifica-se o
desejo de oportunizar aos diversos grupos étnicos reflexões significativas,
as quais propiciem a deslegitimação de paradigmas hegemônicos
enraizados na mente das pessoas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) é um elemento
de grande visibilidade no amparo às emergências desses movimentos, que
buscam constantemente introduzir nas discussões marcas identitárias
como meio de viabilizar a convivência de diferentes elementos culturais.
No conjunto de artigos que compõem a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, encontramos, no artigo I, princípios que garantem uma
convivência pautada no respeito à diversidade, justamente o que os grupos
minoritários reivindicam para assegurar sua identidade e sobrevivência.
―Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras
com espírito de fraternidade.‖ (UNESCO, 2008, p. 202). Por essa razão, é
imprescindível suscitar nos indivíduos um olhar aguçado para as
especificidades no tratamento aos mais diversos grupos sociais, o que
perpassa os valores culturais. Esses valores, quando incorporados,
fornecem subsídios que possibilitam um reconhecimento da identidade e
da alteridade, elementos presentes em cada grupo étnico, que propiciam a
identificação do outro como contribuinte das relações sociais.

222
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Esses movimentos se mesclam na intencionalidade de ampliar os


espaços de debates e introduzir uma visão que contribua para uma nova
estruturação do conhecimento, que seja capaz de reconhecer o diferente e
permitir a adesão às constantes transformações sociais e culturais, em que
a coexistência se intensifique e garanta novos sentidos ao viver.
O que se propaga na educação, principalmente no ambiente escolar,
na grande maioria das vezes, é a reprodução de conhecimentos já
elaborados. Esta reprodução torna-se evidente quando, nas metodologias
teórico-pedagógicas, contemplamos uma fragmentação de determinados
temas e a imposição de padrões homogeneizantes que ao longo da
história da educação legitimaram-se como meios de atingir os objetivos
traçados para o desenvolvimento social e do ensino.
Envolvendo essa linha de raciocínio, salienta-se como exemplo de
conhecimento instituído por interesses a teoria geocêntrica, segundo a
qual se acreditava que a Terra era o centro do universo. Transmitiu-se e
defendeu-se essa teoria por muitos séculos.
Porém, quando Galileu Galilei, através de estudos realizados
anteriormente e ampliados por ele, contestou essa teoria afirmando que
não era a Terra o centro do universo, mas sim o Sol, muitos se revoltaram
contra o seu discurso e passaram a persegui-lo – isto, porque essa nova
teoria estabelecia um rompimento entre o pensamento dogmático religioso
e o pensamento científico, o que se evidencia nas palavras de Lopes
(2010, p. 49): ―A teologia cristã estava intrinsecamente ligada à concepção
de universo fechado, estático, geocêntrico, ao modelo aristotélico-
ptolomaico‖.
Devido à formulação de uma nova teoria, a qual viria a desestruturar
um conhecimento instituído pela igreja, Galileu Galilei foi condenado pela
inquisição. Apesar de todo o constrangimento, ele manteve-se firme em
seu discurso, e neste iniciar do século XXI o que vigora como teoria é de
fato aquilo que, com ousadia, ele defendeu.
A implementação de um novo modelo considerava a superação de
uma teoria basicamente religiosa, transmitida como verdadeira durante
muitos séculos, por outra que estabelecia o contrário, baseada em
transformações decorrentes de inúmeras pesquisas e estudos.
Essa nova teoria possibilitou avanços na compreensão da formação
do universo, estabelecendo assim uma dinâmica de substituição de
conhecimentos incutidos na mente e no pensamento humano.

223
FONAPER

Nesta perspectiva, buscamos historicizar como o processo educativo


pode contribuir para desconstruir ideias naturalizadas que dificultam a
entrada de novos olhares compostos por diferentes reflexões. Encontrar no
terreno da educação o favorecimento de novas reflexões tem sido um
processo lento, mas fundamental para lançar novas perguntas e
desconstruir modelos clássicos, estandardizados na educação.
Meio a essa multiplicidade de fatores que podem exercer influências
no processo de introdução de novos objetivos na educação, deparamo-nos
com o que Cortella (2012, p. 11) compreende como limite durante o
desenvolvimento de novos conhecimentos: ―[...] a condição humana perde
substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável
com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do
repouso e mobilizando-se na acomodação‖.
Ao nos enquadrarmos numa determinada zona de conforto, ficamos
impossibilitados de estranhar o objeto, o novo, de problematizá-lo e
avançar na compreensão de novos conhecimentos. Agindo assim,
assumimos um entendimento generalizado dos fatos. Nesse sentido,
quando internalizamos um conhecimento difundido há muito tempo,
acabamos propagando-o, dificultando assim o desvencilhamento dele de
nossa estrutura intelectual.
Sob essa ótica, acabamos moldando seres condicionados a aceitar
apenas uma verdade, desconsiderando a existência de outras
possibilidades de construir novos conhecimentos. Diante disso, constata-
se que há

[...] a necessidade de descobrirmos, respeitarmos e orientarmos nossa


prática pedagógica pela ―diferença‖, ―categoria essencial para
compreender a função da escola‖, e, por fim, a necessidade de se
tratar a questão étnica na sala de aula, retrabalhando nosso
imaginário social [...] (DAYRELL, 1996, p.18).

Esse imaginário é inundado por estereótipos que impossibilitam a


manifestação da sensibilidade em perceber o outro, dificultando a
convivência cultural e religiosa e a atuação profissional no espaço escolar
como meio de introduzir novas maneiras de articular as relações humanas.
Nesse sentido, é de fundamental importância compreender que as
mudanças necessárias não ocorrem sem turbulências no ambiente
escolar. No entanto, emerge um desafio aos educadores, principalmente
aos licenciados em Ciências da Religião, que durante a formação
224
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

continuada têm possibilitada a apropriação de conhecimentos e discussões


que contribuem para a desconstrução e desestruturação de conhecimentos
padronizados e incorporados, os quais ocasionam ocultamento de muitos
outros que o mundo rejeitou por inúmeros motivos.
O conhecimento se faz num processo de vida da humanidade e vai
se somando aos feitos culturais e mesmo às necessidades para a
sobrevivência ou para sanar as dúvidas, as curiosidades, que juntos
resultam nas práticas e ações socioculturais, econômicas, ambientais e
religiosas das pessoas. Ele não se constrói sozinho, depende do outro, de
olhares múltiplos. Smolka (1996, p. 9) refere:

Isto significa dizer que é através de outros que o sujeito estabelece


relações com objetos de conhecimento, ou seja, que a elaboração
cognitiva se funda na relação com o outro. Assim, a constituição do
sujeito, com seus conhecimentos e formas de ação, deve ser
entendida na sua relação com outros, no espaço da intersubjetividade.

Com a interação estabelecida entre sujeitos, as trocas de


conhecimentos vão acontecendo naturalmente. Através disso, há a
possibilidade de construção de novos conhecimentos como também a
efetivação de conhecimentos já elaborados e estigmatizados pela
sociedade, como aponta Smolka (1996, p. 37):

[...] os modos sociais de interação, incluindo a função comunicativa da


fala e a coordenação das relações sociais, são internalizadas pelo
indivíduo que passa a usar esses mesmos modos para organizar e
atuar sobre a sua própria atividade. Nesse processo de interação de
signos e práticas sociais, os seres humanos desenvolvem a fala
interior, o pensamento verbalizado, preservando a função social das
interações na sua atividade individual.

Essa reflexão está pautada no objetivo deste artigo, que consiste em


compreender o seguinte: como, através de uma formação acadêmica,
pode-se apreender novos conhecimentos e reelaborá-los de acordo com a
realidade em que o profissional da educação vai atuar, sem que fique
alienado ao que está dado como conhecimento pronto e acabado?
Nesta perspectiva, referimo-nos especificamente ao Ensino
Religioso, componente curricular que tem permanecido com estruturas
sólidas emergidas de conhecimentos fundamentados e difundidos pela
visão dominante de políticos religiosos. Não é nossa intenção buscar uma
compreensão que justifique tal permanência, mas, diante da

225
FONAPER

reconfiguração dessas estruturas, vale ressaltar que a falta de profissionais


habilitados nesta área do conhecimento impossibilita introduzir novos
olhares nos espaços escolares. Assim, em muitos ambientes escolares,
percebe-se que o Ensino Religioso continua bebendo da fonte dominadora
que se instituiu desde a chegada dos Portugueses ao Brasil.
A diferença proporcionada pelo novo olhar sobre a Religião na
Europa, difundido através da Reforma Protestante, fez com que a Religião
Católica, forte e dominadora até então, aos poucos fosse perdendo fiéis.
No intuito de buscar saídas para tal situação instalada nos reinos,
Católicos Ibéricos (Portugal e Espanha) são motivados pela Igreja para a
busca e conquista de novas terras, novas colônias e, juntamente a essas
conquistas, a efetivação do convencimento de novos adeptos,
catequizando-os nos seus princípios religiosos.
O modelo de pensamento ligado à religião como única e universal
ainda é muito forte e resistente em muitas regiões do Brasil. Uma atenção
mais minuciosa sobre essa dimensão leva-nos a perceber a dificuldade da
atuação dos profissionais do Ensino Religioso nas comunidades escolares,
onde, ao lançar perguntas para descontextualizar dilemas que advêm
dessa situação, encontram grande resistência na discussão e
desconstrução de ideias normatizadas. Essa situação se agrava mais
quando da atuação de docentes proselitista que apregoam a teologia de
suas religiões e de seus interesses, para o que propomos: todo educador
do componente de Ensino Religioso deve ser um profissional habilitado em
Ciências da Religião, contemplando as pessoas sem distinção de credo,
etnia e função social, com respeito à diferença, cultura e posição social,
cujo objetivo seja humanizar o humano e ver nas pessoas ‗alteridade‘ e, na
vida da terra, a vida sendo respeitada, sem exceção.

O conhecimento humaniza o humano à vida


No âmbito escolar, é comum ouvirmos e vermos a prática e o
discurso de teorias alienantes. Para muitos profissionais da educação, elas
continuam vivas pelo fato de não incorporarem, em seu dia a dia, novos
elementos que destituam padrões e normas estabelecidas por interesses
econômicos, políticos e religiosos. Diante dessa realidade, percebe-se
como os elos dessas teorias permanecem resistentes e perpetuam-se

226
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

através da educação, dificultando aos profissionais da educação


perceberem novos conhecimentos, como aborda Adorno (1995, p. 34):

Apagar a memória seria mais um resultado da consciência vigilante do


que resultado da fraqueza da consciência frente à superioridade de
processos inconscientes. Junto ao esquecimento do que mal acabou
de acontecer ressoa a raiva pelo fato de que, como todos sabem,
antes de convencer os outros é preciso convencer a si próprio.

No processo da educação, evidencia-se essa afirmação ao efetivar-


se a instituição do Ensino Religioso com um novo viés, sem as bases de
uma doutrina religiosa, evidenciado nos PCNER (FONAPER, 2009, p. 5):
―[...] o ano de 1997 foi um marco na história do Ensino Religioso no Brasil,
o ano em que, pela Lei nº 9475/97, foi dada nova redação ao artigo 33 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9394/96
[...]‖, ficando assim contemplada a nova redação: ―[...] assegurando o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.‖ (POZZER, 2010, p. 51).
Mesmo com essa nova abordagem acerca do Ensino Religioso,
percebe-se que a prática de efetivação da aula de Ensino Religioso
continua na mesma linha do século XX, com mudanças quase que
insignificativas, tanto no discurso como na prática. Nesse sentido,
compreende-se que, para ocorrer uma mudança no discurso, é necessário,
como diz Adorno (1995, p. 34), ―convencer-se a si próprio‖ de que a
mudança ocorreu.
Assim como convencer-se de que a mudança ocorreu é importante,
talvez seja mais importante contar com um profissional habilitado para
atuar nessa área de conhecimento. Teixeira (2011, p. 910) discorre:

[...] estudos em ciências da religião hoje no Brasil vem [...] favorecer


uma importante ampliação de visada do fenômeno religioso, de
capacitação de profissionais instrumentados para essa reflexão
específica e de contribuição efetiva para o enriquecimento pedagógico
nesta delicada e fundamental área.

Porém, passadas duas décadas e meia da elaboração da última


Constituição, na qual o Ensino Religioso também é tratado em trâmite
legal, encontramos muitos profissionais da área da educação
despreparados para ministrar as aulas de Ensino Religioso. Percebemos
no dia a dia que nos discursos da maioria de docentes evidenciam-se falas
de um ensino proselitista.
227
FONAPER

Cabe aqui justificar a importância da atuação do profissional


habilitado em Ciências da Religião, que, após frequentar esse curso, tem
como sustentação nas discussões relacionadas ao Ensino Religioso
abordar os conhecimentos específicos para essa área, retirando dos
PCNER (FONAPER, 2009, p. 49) ―[...] os critérios para organização e
seleção dos conteúdos e objetivos do Ensino Religioso. [...] Culturas e
Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas; Teologias; Ritos e Ethos [...]‖ e,
ainda, dialogar com pessoas que não têm nenhuma religião ou crença.
De posse desses conhecimentos, o profissional habilitado contará
também com uma multiplicidade de fatores que exercerão influências em
seu discurso, utilizando-se assim de uma linguagem apropriada para
abordar os conteúdos específicos desta área do conhecimento, a qual,
segundo Oleniki e Daldegan (2003, p. 10-11), ―[...] torna-se responsável
em proporcionar o conhecimento do patrimônio cultural de diferentes
tradições religiosas para que o educando compreenda o pluralismo e a
diversidade cultural presentes na dinâmica social‖. Com a atuação desse
profissional, é possível fomentar a mudança que a educação deste novo
milênio aspira principalmente no que tange ao Ensino Religioso Escolar.
A permanência do discurso proselitista é percebida no espaço
escolar nas conversas paralelas do dia a dia dos profissionais. É percebida
também nas reuniões pedagógicas quando gestores e demais profissionais
ainda se referem ao Ensino Religioso como ―aula de Religião‖ ou
direcionam-se a ele utilizando-se da sigla ERE (Educação Religiosa
Escolar), evidenciando que as mudanças no tratamento desse componente
curricular ainda não foram absorvidas, tampouco a mudança nos próprios
conteúdos.
Pudemos constatar em nossos estudos que a manutenção desse
discurso enquadra-se nos moldes de três características perceptíveis.
Porém, em adiantamento a essas três características, é preciso clarificar
que tal situação não é presenciada em todas as escolas das redes de
ensino, não estamos generalizando, mas enfatizando a ocorrência dessa
prática em alguns espaços com os quais temos tido contato, como
estagiária, profissional da educação ou através de cadernos de alunos de
outras instituições escolares.
Primeira característica: a forma de gestão escolar. Tanto no nível
micro como no macro, ministrar as aulas de Ensino Religioso, na maioria
das vezes, é tarefa atribuída a alguém que está na escola e não possui

228
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

carga horária suficiente em sua habilitação; não se abrem vagas,


dificultando a outros profissionais, no caso, os que estão cursando ou que
são licenciados na área, ministrarem essas aulas. Dito de outro modo
possibilita-se a regência das aulas a quem interessa à gestão.
Segunda característica: a formação para essa área. Como
professora da rede estadual há mais de dez anos e, especificamente de
Ensino Religioso há seis anos, durante os cursos de formação continuada
que foram oferecidos pela Secretaria Estadual da Educação, não me
lembro de ter recebido formação específica para esta área. O que ocorre
quando da oferta dos cursos é uma junção de áreas afins. Provavelmente
isso tem ocorrido pela falta de profissionais habilitados e disponíveis para
atender tal demanda, ou talvez pelo descrédito que se tem em relação a
esse componente curricular.
Essas características ficam mais evidentes quando se propaga que
qualquer profissional de outras áreas pode ministrar essas aulas de ensino
religioso, demonstrando que ainda não foram incorporadas as mudanças
garantidas legalmente para o Ensino Religioso. Em razão dessas
tendências, percebe-se no início de cada ano letivo as divergências em
relação à distribuição das aulas. Como graduandos ou habilitados em
Ensino Religioso, precisamos no ato da escolha das aulas nos impor para
conseguirmos a garantia de ministrar as aulas desse componente
curricular, pois em muitas escolas as aulas são distribuídas a profissionais
de outras áreas antes mesmo do momento oficial de escolha.
A terceira característica mais limitante e que traz à tona discursos
arcaicos: a dificuldade encontrada pelo profissional habilitado para
modificar estruturas cimentadas, petrificadas no intelecto de cada
profissional integrante das unidades escolares. Essa característica tem
traços marcantes, pois dificulta a instituição de novos debates e a
construção de novos conhecimentos. A resistência para a desconstrução
desses conhecimentos legitimados evidencia-se na gestão escolar, assim
como em outros segmentos da sociedade.
A maior dificuldade perceptível é justamente a que acontece em
datas comemorativas, quando, nas paredes da escola, encontra-se
nitidamente estampada a preferência pela mesma religião que outrora era
tida como única, ou, muito mais grave, quando são expostos modelos de
―Mães‖ com gravuras de profissionais de passarela ou de ―Mãe Maria‖ em

229
FONAPER

comemoração ao dia das mães, jogando-se por terra os Direitos Humanos,


os quais referem que temos por direito sermos humanos.
Diante dessas práticas comuns em muitas escolas, percebe-se a
tendência pela manutenção dos mesmos discursos. Portanto, através do
Ensino Religioso, faz-se

[...] necessário subsidiar práticas educativas que eduquem para o


acolhimento da diversidade, que modifiquem estereótipos e
preconceitos por meio do conhecimento de todas as culturas, em
mesmo grau e valor, promovendo atitudes e relações sociais que
evitem a discriminação e favoreçam interações positivas,
possibilitando o desenvolvimento das culturas, em especial, a dos
grupos em desvantagem social. (POZZER, 2010, p. 275).

A partir dessa abordagem e possuídos por esses conhecimentos que


afloram socialmente, o que mais tem nos inquietado é a falta de
criatividade de alguns segmentos escolares para substituir essas práticas
por outras. As críticas que sofremos como profissionais habilitados em
Ciências da Religião ao tentar incluir novos olhares no âmbito escolar são
tão frequentes que muitas vezes acabamos compactuando com esses
olhares, contribuindo assim para a permanência da visão dominante.
Novamente, reporto-me a aquilo que Adorno (1995, p. 34) cita:
―Apagar a memória seria mais um resultado da consciência vigilante do
que resultado da fraqueza da consciência frente à superioridade de
processos inconscientes [...]‖. Apesar da urgência em absorvermos essas
novas tendências, ainda paira a dúvida acerca de como podemos nos
desvencilhar desses conhecimentos arcaicos e substituí-los por novos
conhecimentos se a comunidade escolar, assim como a sociedade, ainda
resiste ao que propomos nos moldes desse novo viés?
Cabe, então, formar profissionais capazes de dialogar com as
pessoas, com a vida envolta às questões sociais colocadas por interesses
individuais ou de grupos que desqualificam qualquer ação humanitária,
fraterna, mais igual e de liberdade, que dignificam e fortalecem a
alteridade.
A sobrevivência desses elementos em nosso conhecimento deve-se
à persistência dos pressupostos sociais de alimentar e manter vivas em
nosso dia a dia, mesmo que por meio do ocultamento, ideias e afirmações
instituídas com o objetivo de manutenção do poder.

230
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Possibilitar novos olhares no âmbito escolar através da efetivação de


um profissional habilitado em Ensino Religioso só será possível quando
conseguirmos compreender aquilo que Adorno (1995, p. 45) defende:

Nem nós somos meros espectadores da história do mundo transitando


mais ou menos imunes em seu âmbito, e nem a própria história do
mundo, cujo ritmo frequentemente assemelha-se ao catastrófico,
parece possibilitar aos seus sujeitos o tempo necessário para que tudo
melhore por si mesmo.

Percebemos, nessa abordagem, uma multiplicidade de fatores que


nos levam a refletir sobre a importância de mudarmos e definirmos os
rumos de nossa história. Não é concebível continuarmos difundindo um
ensino estruturado em torno dos conhecimentos selecionados.
Precisamos, como profissionais habilitados em Ciências da Religião,
possibilitar ao Ensino Religioso efetivar as PCNER (FONAPER, 2009, p.
8): ―[...] o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno
religioso‖, isto é, precisamos dar voz a esse componente curricular que,
durante toda a História do Brasil, vem lutando para se efetivar como área
do conhecimento. O conhecimento das coisas e de como elas realmente
acontecem ou aconteceram, principalmente quando nos referirmos às
religiões ou crenças, é a saída e entrada para um novo mundo, que já
iniciamos.

Saberes e Interculturalidade
Nenhum saber, por mais puro e estruturado que seja, está isento de
ser refutado. Numa cadeia de significações, os saberes ao propor
discussões possibilitam a formulação de perguntas que contextualizem as
informações e direcionem para outras áreas de conhecimento. Como
consequência, outros saberes colocam-se no campo das discussões e vão
tomando consistência, contribuindo para a estruturação de novos
elementos, os quais emergem para dar sentido e presença à pluralidade
de saberes.
Nas Ciências da Religião, incontestavelmente, presenciam-se
grandes discussões. Essas discussões surgem relacionadas a uma
infinidade de saberes que por muito tempo estiveram sob o controle de
grupos hegemônicos, dificultando o debate em espaços coletivos. Entre os
saberes que na atualidade passam por uma aguçada observação e

231
FONAPER

estimulam a reflexão sobre a coexistência, encontramos a pluralidade


cultural.
Desfrutando das reflexões proporcionadas por essa temática,
percebe-se que através das questões que dela emergem há a
possibilidade de uma convivência mais harmoniosa entre todos,
superando-se assim o modo linear e causal de entendimento da
constituição da sociedade.
Sem dúvida, se através das aulas de Ensino Religioso conseguirmos
deslocar o ângulo estratificado social e superar conhecimentos arcaicos,
reformulando-os de acordo com uma nova consciência recheada de
olhares destituídos de preconceitos, a partir da qual o ser humano possa
compreender que tudo o que vive tem sua sensibilidade, estaremos
rompendo com os enquadramentos impostos há séculos e possibilitando
novas maneiras de articular relações, refutando assim a ideia de um
homem ideal.
São muitos e complexos os caminhos para a efetivação desse
pensamento. Mas, nesse arcabouço de possibilidades emergentes,
compreendemos o que diz Pozzer et. al. (2010, p. 9) quando salienta que

[...] o Ensino Religioso constitui-se um direito de todo cidadão, uma


vez que o conhecimento religioso é parte dos conhecimentos
historicamente produzidos e elaborados por inúmeros povos/culturas
e, como tal, necessita estar disponível e acessível a educandos e
educandas na escola.

Compreendendo a importância que esse componente representa no


exercício de absorver ideias de pluralidade, afirmamos que o Ensino
Religioso, presente nas escolas públicas e com profissionais licenciados
em Ciências da Religião atuando, conseguirá ressignificar essa realidade
permeada por ideologias que contêm os germes da dominação e projetar
novas interpretações capazes de degenerar a história da individualidade.
O Ensino Religioso foi até recentemente uma área pulverizada por
outros campos de saberes, começando a ser garantidos nos PCNER
(FONAPER, 2009, p. 7) os ―[...] fundamentos históricos, epistemológicos e
didáticos desse componente curricular‖. Esses fundamentos direcionam
para um aprofundamento de novos saberes e uma aplicação daquilo que
está garantido legalmente pelos PCNER (FONAPER, 2009, p. 49): os
―critérios para a organização e seleção de conteúdos e seus pressupostos
didáticos‖. Diante dessa argumentação, constatamos que devemos dar
232
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

novos sentidos e direções para o trabalho escolar, adequando-o aos


princípios que se apresentam neste século XXI como pressuposto de uma
educação que promova a diversidade cultural.
Para isso, devemos, como educadores que somos, especialmente
como habilitados em Ciências da Religião, proporcionar no âmbito escolar
reflexões acerca das mudanças ocorridas na ―concepção da abordagem
pedagógica do Ensino Religioso‖ (FONAPER, 2009, p. 7). Devemos
introduzir nas discussões do dia a dia, mesmo encontrando muitas
resistências, os saberes adquiridos durante a graduação e através das
constantes leituras, os quais contribuirão para uma nova compreensão da
realidade e possibilitarão, também, ampliar os horizontes da humanização
das pessoas, ainda na contemporaneidade.

Referências

ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução Wolfgang


Leo Maar. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

CORTELLA, Mario Sergio. Não nascemos prontos!: Provocações


filosóficas. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre a educação e cultura.


Belo Horizonte: UFMG, 1996.

FONAPER, Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros


Curriculares Nacionais - Ensino Religioso. 9ª. edição. São Paulo: Mundo
Mirim, 2009.

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2010. Disponível em:
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OLENIKI, Marilca Loraine R.; DALDEGAN, Viviane Mayer. Encantar: uma


prática pedagógica no ensino religioso. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

POZZER, Adecir et al. (Org.). Diversidade religiosa e ensino religioso


no Brasil: memórias, propostas e desafios. Obra comemorativa aos 15
anos do FONAPER. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2010.

233
FONAPER

POZZER, Adecir; CECHETTI, Elcio; RISKE-KOCH, Simone. Ensino


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intercultural. In: OLIVEIRA, Lilian Blank (Org.). Culturas e diversidade
religiosa na América Latina: pesquisa e perspectivas. 2. ed. Blumenau:
Edifurb; São Leopoldo: Nova Harmonia, 2010.

SMOLKA, Ana Luiza; GÓES, Maria Cecília Rafael de. A linguagem e o


outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. 5.
ed. Campinas, SP: Papirus, 1996.

TEIXEIRA, Faustino. O ―ensino religioso‖ e as Ciências da Religião.


Horizonte, Belo Horizonte, v. 9. n. 23, p. 909-931, out./dez. 2011.

UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e


proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948. Psic. Clin, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2,
p. 201-207, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/pc/v20n2/a15v20n2.pdf>. Acesso em: 9 abr.
2013.

234
FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO RELIGIOSO NO
MUNICÍPIO DE CARIACICA - ES

Eliane Maura Littig Milhomem de Freitas1 – PMC/FSG

Resumo:
A presente comunicação objetiva apresentar o processo de formação continuada dos
professores do Ensino Religioso do município de Cariacica – ES: como esse sistema de
ensino tem pensado e organizado tal formação e como se tem privilegiado a metodologia
das sequências didáticas. O texto esclarece sobre a legislação estadual que ampara e
normatiza a oferta dessa área do conhecimento e também aborda as formações iniciais
oferecidas na grande Vitória – ES. Destaca as tensões que podem ocorrer na prática de
sala de aula por falta do estabelecimento de critérios claros para formação dessa área do
conhecimento. Tem como intenção discutir sobre a importância da formação continuada,
uma vez que os Sistemas de Ensino precisam compreender a dinâmica da disciplina do
ensino religioso escolar, seus pressupostos epistemológicos, objetivos, tratamento didático,
avaliação da disciplina entre outros, que especifica um trabalho didático diferenciado e que
atenda ao prescritivo legal do oferecimento da mesma.

Palavras-chaves: Ensino Religioso; Formação Continuada; Sequências Didáticas.

Introdução

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,


1996) orienta que sistemas de ensino organizem suas Diretrizes
Curriculares, e estas devem representar no seu documento as
peculiaridades do município.
Este texto tem a pretensão de apresentar como tem se dado o
processo de formação continuada dos professores do Ensino Religioso do
município de Cariacica – ES. Relata sobre a legislação estadual que
ampara e normatiza a oferta dessa área do conhecimento e também
aborda sobre as formações iniciais oferecidas para essa disciplina na
grande Vitória – ES.
Em se tratando da disciplina em questão, é necessário considerar
sobre a fragilidade da formação do professor de Ensino Religioso, uma vez
que paira sobre essa disciplina um entendimento de que ela tenha pouca
contribuição específica para a formação dos alunos, além é claro da

1
Mestre em Educação. Universidade São Marcos/SP. Coordenadora da formação de
professores do Ensino Religioso no município de Cariacica – ES. Professora do Curso
de Pedagogia da FSG. E-mail: elianelittig@hotmail.com
FONAPER

argumentação de que em um Estado laico, o Ensino Religioso foge a esse


prescritivo legal. Cabe então a escola, aos professores e a comunidade em
geral compreenderem que, embora o país seja laico a nova legislação, a
partir da Lei nº 9.475/97 garante um direito humano primordial conforme o
artigo 5º inciso VI da Constituição: ―É inviolável a liberdade de consciência
e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias‖. A
liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais da humanidade, como
afirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), da qual
somos signatários.
Assim, as escolas devem organizar seus currículos considerando os
princípios norteadores da disciplina como prescreve a legislação tomando
como base o diálogo e a tolerância religiosa conforme a cartilha sobre
―Diversidade Religiosa e Direitos Humanos‖ (2004), produzida pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Formação Continuada dos Professores do Município de Cariacica-


ES: Privilegiando as Sequências Didáticas

No ano de 2013, em virtude das eleições, o município de Cariacica –


ES recebeu uma nova gestão política. A Secretaria Municipal de Educação
deixou como herança para a nova administração, um currículo que fora
produzido no final da gestão anterior. Tal currículo fora produzido a muitas
mãos contando com assessores, especialistas e professores dessa rede
de ensino.
Dentre as ações da política educacional vigente dessa nova gestão,
considera-se como relevante a execução das Diretrizes Curriculares
produzidas anteriormente. Assim, para garantir a implantação e
materialização do currículo em âmbito escolar, tem se agregado muitos
esforços; pois além de um movimento político da secretaria municipal de
educação para que o currículo se processe no seio da escola, é importante
considerar que os teóricos praticantes do mesmo, ou seja, os professores,
participem, compreendam e acreditem na importância do currículo para
que este se materialize no dia a dia da escola e para tanto esse movimento
deve contar incondicionalmente com os professores atuantes no sistema
de ensino.

236
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Esse movimento de formação tem ocorrido periodicamente e a cada


encontro a formação vem tomando corpo e aperfeiçoando a metodologia
de trabalho que tem permeado tal formação isto é, As Sequências
Didáticas.
De acordo com as Diretrizes Curriculares do Município de Cariacica
para o Ensino Religioso (2012, p. 158):

[...] enfatiza-se a importância de uma metodologia que busque a


utilização dos eixos apresentados e o desenvolvimento do conteúdo a
partir das sequências didáticas. Essas, por sua vez, se constituem
num conjunto de atividades ligadas entre si e planejadas para
trabalhar um determinado conhecimento, etapa por etapa, numa
perspectiva dinâmica, intencional, contextualizada visando atingir os
aspectos da aprendizagem de conteúdos conceituais, procedimentais
e atitudinais. As sequências devem na sua estrutura metodológica
privilegiar a problematização inicial, que consiste em motivar e
coordenar as discussões, a organização no qual diferentes atividades
poderão ser empregadas para auxiliar no desenvolvimento dos
conceitos em que se articula o conhecimento com as atividades
cotidianas.

Observa-se que o trabalho desenvolvido a partir das Sequências


Didáticas mobiliza o aluno, pois o torna um sujeito mais participativo nas
aulas e os conteúdos tanto mais significativos. Assim a aprendizagem se
torna também significativa. De acordo com Pelizzari (2002) a teoria da
aprendizagem de Ausubel propõe que os conhecimentos prévios dos
alunos sejam valorizados, para que possam construir estruturas mentais
utilizando, como meio, mapas conceituais que permitem descobrir outros
conhecimentos, caracterizando, assim, uma aprendizagem prazerosa e
eficaz.
Delizoivov, Angotti e Pernanbuco apud Mendes (2010) sugerem uma
nova abordagem de conteúdos, visando a superar as concepções, muito
presentes em sala de aula. Essa metodologia tem início com a
problematização inicial, na qual se faz a introdução do conteúdo,
valorizando a participação dos alunos. Nesse momento devem colocar
seus conhecimentos e experiências em relação ao tema. Num segundo
momento segue a organização do conhecimento, sistematizando e
estudando o tema visando à sua compreensão, com a orientação do
professor. A metodologia é finalizada com a aplicação do conhecimento,
na qual o aluno deverá articular o conhecimento com situações cotidianas
e significativas.

237
FONAPER

Ausubel apud Pelizzari (2002, p. 38) assim se expressa:

Para haver aprendizagem significativa são necessárias duas


condições. Em primeiro lugar, o aluno precisa ter uma disposição para
aprender: se o indivíduo quiser memorizar o conteúdo arbitrária e
literalmente, então a aprendizagem será mecânica. Em segundo, o
conteúdo escolar a ser aprendido tem que ser potencialmente
significativo, ou seja, ele tem que ser lógica e psicologicamente
significativo: o significado lógico depende somente da natureza do
conteúdo, e o significado psicológico é uma experiência que cada
indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma filtragem dos conteúdos que
têm significado ou não para si próprio.

Se esta metodologia for amplamente trabalhada por nossos


professores, então teremos um aprendizado potente, pois o que a escola
pode oferecer de melhor é um ensino que faça sentido para o alunado;
pois infelizmente muitos deles enxergam o conhecimento como algo muito
fora da sua realidade.
Na docência do Ensino Religioso é necessário considerar que os
conteúdos se tornam interessantes ao conhecimento do/a aluno/a se ele/a
compreender que os temas ali problematizados e discutidos em sala de
aula fazem parte de um contexto que abrange uma complexidade, mas
que essa complexidade precisa ser identificada e reconhecida pelo/a
próprio aluno/a.
Toma-se como referência Figueiredo (1995) quando diz que a busca
da identidade pessoal é fundamental no processo que visa a tal realização.
Assim, no dizer da autora a escola por ser uma instituição qualificada de
educação, abre perspectivas para a evolução diferencial do eu, isto é,
possibilita ao aluno reconhecer-se como ser humano que é, colabora no
sentido de ampliar os horizontes, identificar outras concepções de valores
e de sua determinação subjetiva na relação interativa global do nós,
compreender-se como ser integrante de algo muito maior. ―A pessoa não é
ainda uma plenitude experimentada, é um ―vir-a-ser‖; a única maneira de
alcançá-la é fazê-la ser‖ (RICOUER apud FIGUEIREDO, 1995, p. 34).

A Legislação Estadual e os cursos de Formação de professores do


Ensino Religioso na Grande Vitória – ES

No Estado do Espírito Santo temos como legislação que rege a


disciplina do Ensino Religioso os decretos do governador nº 1735 – R que

238
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

dispõe sobre o reconhecimento e credenciamento do CONERES


(Conselho do Ensino Religioso no Estado do ES), o Decreto nº 1736 – R
que dispõe sobre a oferta da disciplina do Ensino Religioso nas escolas
públicas estaduais do ES e a Resolução nº 1900/2009, que explica e
normatiza sobre a oferta da disciplina Ensino Religioso no Ensino
Fundamental das escolas públicas do Estado do Espírito Santo.
Esses textos apresentam como perfil docente para o Ensino
Religioso preferencialmente professores do quadro efetivo do magistério
com curso de licenciatura e com pós-graduação em Ensino Religioso; ou
com licenciatura, acrescida de curso de formação específica em Ensino
Religioso, com carga horária mínima de 180 (cento e oitenta) horas; para
atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental ou ainda com formação
em Ciências da Religião acrescida de complementação pedagógica. Para
suprir eventual falta de professores do quadro efetivo, a Resolução nº
1900/2009 diz que será permitida uma concessão de autorização
temporária para o exercício do magistério da disciplina Ensino Religioso,
considerando os mesmos prescritivos anteriormente colocados.
O Art. 7º da Resolução citada afirma que nos dois primeiros anos
contados a partir de sua publicação, as secretarias de educação deveriam
promover em caráter emergencial, curso de formação específica em
Ensino Religioso, com carga horária mínima de 180 horas, elaborado por
comissão designada para esse fim, com a participação do CONERES,
destinada a docentes da respectiva rede pública, com licenciatura em
qualquer área do conhecimento ou habilitados em curso de nível médio,
modalidade Normal que tenham interesse em ministrar Ensino Religioso.
O Art. 9º afirma que as secretarias de educação promoveriam para
os professores com formação em nível superiora oferta de cursos de pós-
graduação lato sensu em Ensino Religioso, elaborado com a assessoria do
CONERES. Embora já tenhamos por parte das secretarias de educação
um esforço no sentido de garantir pelo menos a oferta do Ensino Religioso
nas escolas e da formação continuada, não temos, por outro lado, atingido
a meta da formação de professores com a participação e envolvimento dos
sistemas de ensino, como prescreve a resolução, salvo raríssimas
exceções. Assim cabe a iniciativa privada ofertar o curso de formação de
professores em Ensino Religioso para sua atuação em escolas públicas
municipais e estaduais.

239
FONAPER

Infelizmente, no Estado do Espírito Santo, não temos ainda um


curso de formação de professores em nível de graduação que possa
atender a todas as demandas colocadas para o desenvolvimento da
disciplina em âmbito escolar.
Na grande Vitória, são oferecidos cursos da iniciativa privada em
nível de pós-graduação e aqueles que têm seus projetos de curso em
concordância com a lei, têm obtido o referendo do CONERES conforme
adverte a Resolução citada anteriormente. No entanto consideram-se tais
cursos incipientes no sentido de oferecer maior aprofundamento para
atender à dinâmica que envolve a disciplina tanto no que diz respeito aos
conhecimentos de aprofundamento teórico como de aprofundamento
prático.
Observa-se que nesses cursos de formação muitos dos formandos
são pessoas que fizeram o bacharelado em Teologia e então buscam uma
complementação pedagógica e um curso de pós em Ensino Religioso para
que possam adquirir a formação requerida para a docência nessa
disciplina.
Resulta daí alguns percalços que contribuem para uma docência
que às vezes se torna problemática, pois, na maioria das vezes, falta a
esse docente uma maior compreensão metodológica e didática para o
desenvolvimento do processo educativo, pois é preciso compreender que
mesmo o/a professor/a de Ensino Religioso deve desenvolver saberes
necessários à prática educativa, segundo Freire (2002).
Tomando por base o autor citado considera-se como marco
fundamental para a formação do professor a máxima de Freire que afirma
que ―ensinar exige reflexão crítica sobre a prática. [...] É pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a
próxima prática‖ (FREIRE, 2002 p. 44).
Para esse autor, a prática educativa-crítica pauta-se numa ética
pedagógica e numa visão de mundo alicerçadas em rigorosidade,
pesquisa, criticidade, risco, humildade, bom senso, tolerância, alegria,
curiosidade, esperança, competência, generosidade, disponibilidade dentre
outros que transforma um/a professor/anum docente crítico e
comprometido com uma educação que prima pela aprendizagem dos
alunos.
Placco e Silva, citadas por Freitas (2013), alertam que é preciso
considerar que a formação se dá em diferentes dimensões. Assim temos: a

240
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

dimensão técnica científica – esta dimensão consiste na formação de uma


área específica e na busca de um conhecimento técnico-científico inter e
transdisciplinar; a dimensão da formação continuada – a qual motiva,
estimula a busca de outros saberes, possibilitando a dialética como o novo;
a dimensão do trabalho coletivo e da construção coletiva do trabalho
pedagógico – essa dimensão possibilita a construção do grupo,
trabalhando em cooperação com vistas à melhoria da aprendizagem dos
alunos; a dimensão dos saberes para ensinar – essa dimensão abrange os
aspectos afetivo-emocionais, proporciona o conhecimento sobre os
objetivos educacionais e seus compromissos como cidadão e profissional
(visão de educação, objetivos da educação, formação de determinado tipo
de homem que se pretende formar); a dimensão crítico reflexiva – tal
dimensão exige compromisso e disponibilidade para reflexão e avaliação
da própria prática; e finaliza com a dimensão avaliativa – tal dimensão
colabora no sentido de informar sobre as especificidades de uma avaliação
mais justa e destituída de autoritarismo. Tais dimensões podem e devem
ser desenvolvidas simultaneamente a fim de melhorar a prática dos
professores e para que estas sejam assimiladas pelos/as professore/as é
necessário que haja uma boa formação inicial complementada pela
formação continuada.
Apontamos ainda Tardif (2002) que em seu livro ―Saberes Docentes
e Formação Profissional‖ apresenta aos professores dois pontos de
convergência; ele diz que a formação deve considerar o saber dos
professores em seu trabalho e o saber dos professores em sua formação.
No texto o autor procura discutir sobre os saberes que servem de base
para desenvolver um bom trabalho, sobre os fundamentos sociocognitivos
do ensino entre outros que darão suporte teórico para entendimento do
trabalho docente no contexto escolar, colaborando assim com os textos
sobre formação discutidos anteriormente.

Tensões Pedagógicas e os Desafios da Compreensão da Disciplina


do Ensino Religioso para a Formação do Professor

De conformidade com Oliveira (2007) a prática docente pressupõe


uma concepção educacional que determine a compreensão dos papéis do
professor e do estudante, da metodologia, da função social da escola e
dos conteúdos a serem trabalhados.

241
FONAPER

Educar não é tarefa fácil e a cada dia as tensões pedagógicas se


confundem no seio da escola. Para além dessa normativa a disciplina do
Ensino Religioso sempre esteve ―marcada por conflitos políticos e
ideológicos em decorrência da dificuldade de definir com clareza a
identidade pedagógica da disciplina‖ (OLIVEIRA, 2007, p. 120).
A religiosidade se faz presente na modernidade em que vivemos e
nesse contexto Sandrini (2009) nos esclarece que estamos vivendo uma
mudança de época. Novos paradigmas estão surgindo e trazendo consigo
novos valores. Para o autor o grande desafio que se coloca é odo diálogo
com todas as culturas, todas as religiões e etnias. Assim o autor destaca
três realidades que se entrecruzam. São elas: a religiosidade, a educação
e a pós-modernidade. Ele alerta que se a modernidade não soube
dialogar com a religião, por outro lado a religião não soube dialogar com a
modernidade.
No contexto atual em que vivemos não há espaço para exclusões e
muito menos para anátemas. Todos querem ser incluídos e de maneira
geral recebem por parte dos seus constitutivos políticos e jurídicos tais
condições.
O próprio autor reconhece que a cultura ocidental sempre teve
grande dificuldade em incluir o outro e o diferente em sua reflexão e em
sua ação. Infelizmente os conhecimentos que adquirimos em nossa vida
acadêmica foi pensado a partir da cultura eurocêntrica, mesmo que os
povos em que se manifestassem esses sentidos fossem das mais diversas
etnias.
No Brasil em particular vivemos muitas tensões políticas que
perpassam pelo viés religioso. Não são poucas as tentativas de também
por conta disso suprimir o Ensino Religioso da escola, desconhece, no
entanto tais predicativos que quanto maior for o entendimento do
conhecimento religioso tanto mais se abreviará as tensões pelo imperativo
da tolerância e do respeito ao outro.
Sandrini (2009) propõe uma análise que no seu entender se constitui
na revitalização da religiosidade. No dizer do autor, se por um lado houve
um adormecimento da espiritualidade, por outro ele destaca cinco pontos
fundamentais pelas quais apresentam os motivos de tal revitalização. Em
primeiro lugar, destaca a queda do colonialismo, determinando também o
fim do eurocentrismo, ou pelo menos seu enfraquecimento, podemos
constatar que nossa legislação educacional já determina a inserção das

242
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Leis nº 10.639/03 e da Lei 11.645/08 que torna obrigatória o ensino da


história e cultura afro-brasileira e africana, e indígena nas redes públicas e
particulares da educação, pela qual, anteriormente, nem se pensava em
estudar tais conhecimentos e quando apareciam eram destacados como
inferiores, primitivos e folclóricos e tantos outros adjetivos que o livro
didático procurou apresentar; assim como outras culturas que receberam
valor e consideração a partir de um olhar plural; em segundo lugar, o
consequente desenvolvimento de uma sociedade multiétnica, que se
mostra e se empodera como sujeitos de direitos e culturas diferenciadas; e
em terceiro, as culturas que tomaram a palavra nas sociedades ocidentais
e trouxeram consigo suas próprias teologias e crenças religiosas com o
consequente retorno à tradição religiosa local nas sociedades industriais;
como ponto quarto, a gravidade dos novos problemas que advém da
modernidade com o desenvolvimento das ciências da vida e que
simplesmente a razão é incapaz de solucionar; e ainda um quinto ponto
que o autor coloca como a popularidade que um personagem como o papa
romano adquiriu ao contribuir poderosamente para a queda das ditaduras
comunistas.
Diante de todo esse contexto depreende-se que ―mesmo com suas
contradições e acusações de alienação, manipulação, distorções,
regressões, a religião continua sendo potencial de esperança para o
mundo‖ (SANDRINI, 2009, p. 133).
Há que se entender, no entanto que todo esse conhecimento não é
incorporado imediatamente pelo universo escolar ou mesmo pela
sociedade. Fazem-se necessárias políticas públicas que fomentem tal
entendimento criando possibilidades de formação e de compreensão por
parte dos indivíduos.
Continuando com o autor citado ele adverte que a religião são
tesouros éticos e que tem muito a ensinar a modernidade; assim como a
modernidade tem a ensinar a religiosidade.
Boff citado por Sandrini (2009), destaca que as grandes ameaças da
humanidade são o desequilíbrio ecológico e as injustiças sociais. Para o
autor a solução para esses males não se encontra na técnica e nem na
economia isoladas e sozinhas. Para ele o encaminhamento pode ser dado
a partir da confluência de três grandes realidades: a ética, a educação e a
espiritualidade. Fazendo um recorte de todas as questões aqui colocadas,
compreende-se a escola como uma agente também de responsabilidade

243
FONAPER

social e nesse sentido não somente a disciplina do Ensino Religioso deve


imbuir-se desse papel como todas as demais disciplinas.
Para tanto cabe aos sistemas de ensino e as escolas reconhecerem
qual de fato é a roupagem para essa disciplina tão rica para promover
conexões e interações com o vasto e globalizado mundo em que vivemos.

Dinâmica da disciplina do ensino religioso escolar: seus


pressupostos epistemológicos, objetivos, tratamento didático e
avaliação.

A Resolução nº 4 de 13 de julho de 2010 que define as Diretrizes


Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica no capítulo II, artigo
14 relaciona as disciplinas da Educação Básica e dentre elas cita o Ensino
Religioso como parte integrante da base nacional comum e como área do
conhecimento de acordo com o parágrafo 2º.
Assim a mesma enquadra-se no padrão comum das demais
disciplinas, pois apresenta: objeto de estudo – o fenômeno religioso;
conteúdo próprio – conhecimento religioso; tratamento didático – didática
do fenômeno religioso; e ainda, objetivos definidos, metodologia própria,
sistema de avaliação e inserção no sistema de ensino prescrito nos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso - PCNER
(FONAPER, 2006).
Para Oliveira et al. (2007) o desafio de discutir a identidade
pedagógica do Ensino Religioso encontra-se no fato de que, no decurso de
sua história, ele não foi concebido como integrante de uma área maior com
a educação. Propor e discutir características pedagógicas para esse
componente curricular significa analisá-lo e compreendê-lo segundo o
conjunto de teorias e doutrinas da educação. A mesma autora relata que
historicamente em grande parte das investigações efetuadas pelos
estudiosos do Ensino Religioso brasileiro, a fonte mais utilizada era a
legislação, e não as linhas educacionais.
A autora adverte sobre dois enfoques significativos na articulação
da formatação dos componentes curriculares; o primeiro é o enfoque social
sobre os processos de ensino e aprendizagem. Entende-se desse sentido
as relações entre desenvolvimento e aprendizagem, a importância da
relação interpessoal e a relação entre a cultura e educação e o papel da
ação educativa ajustada às situações de aprendizagem e às

244
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

características da atividade mental construtiva do aluno em cada momento


da escolaridade; o segundo é a compreensão do processo de
desenvolvimento na construção do conhecimento. Compreender os
mecanismos pelos quais o indivíduo constrói suas representações.
De conformidade com a autora citada, o componente curricular do
Ensino Religioso, articulado com as demais disciplinas, contribui para a
construção de outra visão de mundo, de ser humano e de sociedade.
Depreende-se que o objeto do Ensino Religioso é o fenômeno
religioso, assumindo a conceituação de religião que tem o significado de
―reler‖, ―religar‖ o ser humano a Deus.
Figueiredo (1995) adverte que o termo ―religioso‖ deriva do latim
―religio‖, que designa, de certa forma, a relação da pessoa humana com o
sagrado; e a paIavra ―Religião‖, segundo Lactâncio, vem de ―religare‖, no
sentido de relação com a entidade divina.
No entanto é importante considerar de acordo com a autora citada
que o Ensino Religioso não está a serviço dessa ou daquela religião, mas
sim identificar o substrato religioso presente na formação do povo
brasileiro e ainda o fenômeno religioso, que adentra as nossas vidas,
sejam pelos símbolos, costumes, feriados, movimentos sociais, mídia e
etc.
Segundo os PCNER (FONAPER, 2006), o tratamento didático do
Ensino Religioso deve considerar, como em outras áreas, os
conhecimentos anteriores do educando, interesses e possibilidades, a
garantia de participação dos alunos numa perspectiva de gerar respeito à
diferença, vivência da própria cultura e tradição religiosa, abertura para a
aprendizagem e autonomia, recursos adequados, estabelecimento de
relações, interações, conexões entre os conhecimentos do universo
religioso pessoal e com os conhecimentos religiosos dos colegas e os
apresentados no ambiente escolar.
Oliveira et al. (2007) apresenta alguns aspectos estruturais da
disciplina, já regulamentadas em nível nacional. São elas: é parte
integrante da formação básica do cidadão; é disciplina dos horários
normais, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa sem
proselitismo; é componente curricular; veicula um conjunto de
conhecimentos e conteúdos que subsidiam o entendimento do fenômeno
religioso à luz da relação entre culturas e tradições religiosas; orienta para
a sensibilidade ao mistério; encaminha processos de aprendizagem

245
FONAPER

processual, progressista e permanente; desenvolve práticas pedagógico-


didáticas contextualizadas e organizadas, que se concretizam nas relações
de ensino-aprendizagem; percebe a avaliação como um processo não
servindo para fins de promoção e retenção, mas para aferir se os objetivos
foram atingidos e as metas alcançadas.

O Ensino Religioso utiliza-se da avaliação como um elemento


integrador da aprendizagem dos estudantes à atuação dos
professores na construção coletiva dos conhecimentos. Na forma de
avaliação processual, o objetivo maior será sempre desenvolver o
diálogo, oferecendo a uns e outros, oportunidades para que cresçam
mediante percepções diferenciadas sobre um mesmo dado social,
num constante processo de construção e reconstrução dos
conhecimentos (OLIVEIRA et al., 2007, p. 116).

Em relação aos conteúdos e metodologia compreende-se que o


Ensino Religioso constitui um dos elementos para a formação integral do
ser humano. Assim como as outras disciplinas tal componente assume o
compromisso de pensar, discutir, analisar e proporcionar os elementos que
transitam numa ética, alteridade e respeito à diferença. É importante levar
em conta a vivência do alunado, observando os elementos dos contextos,
a singularidade, situações e sentimentos que permeiam suas vidas e como
estas mobilizam seu desenvolvimento humano.
Além desse imperativo, Oliveira et al. (2007) considera proposital a
perspectiva cultural para que estas possam também ser privilegiadas na
elaboração das propostas curriculares. Assim também é importante
apreciar as condições positivas, a cooperação ativa; as relações
interpessoais e outros elementos que no contexto das escolas são
consideradas de fundamental relevância.
Como parte da orientação dos PCNER (FONAPER, 2006), Oliveira et
al. (2007) destaca cinco invariantes propostas para o conhecimento
religioso. São eles: Cultura e Tradições Religiosas, que analisa questões
como função e valores da tradição religiosa, relação entre ética e outros;
Textos Sagrados (orais e escritos) apresentam os textos que transmitem,
conforme a fé dos seguidores, uma mensagem do transcendente,
mediante a qual, pela revelação, cada forma de afirmá-lo faz conhecer aos
seres humanos seus mistérios e sua vontade, dando origem às tradições.
De acordo com a autora, estão presentes neste eixo a pregação, a
exortação e os estudos eruditos; Teologias, esse eixo contempla o
conjunto de afirmações e conhecimentos elaborados pela religião sobre o
246
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

transcendente e repassados aos fiéis de um modo organizado ou


sistematizado; os Ritos identificam uma série de práticas celebrativas das
tradições religiosas, formando um conjunto de rituais, símbolos e
espiritualidades; e o Ethos, que apresenta a forma interior da moral
humana em que se realiza o próprio sentido do ser.
A autora considera a importância de exercícios que favoreçam a
sensibilidade diante de qualquer discriminação religiosa no trato do
cotidiano. Assim professores/as e alunos/as precisam embrenhar-se nos
mistérios da fé. Devem formar o senso crítico, a fim de possibilitar aos
estudantes leitura e interpretação das narrações e dos fatos históricos
religiosos relacionados como fenômeno religioso de caráter plural.

Conclusões
A formação de professores permeada pelas Sequências Didáticas
está em andamento. Embora tenhamos muito que avançar, o município de
Cariacica já deu conta de oferecer aos seus professores um documento
escrito, como também tem mobilizado e possibilitado a formação.
No desenvolvimento dessa formação contamos com atentos novos
olhares, curiosos, mas interessados em oferecer um Ensino Religioso com
qualidade e comprometimento.
A metodologia ora pensada é uma novidade na formação. É preciso
acreditar que tem consistência e que pode mobilizar o educando para a
aprendizagem. Os conteúdos apresentados pelos professores devem
chegar para os alunos com efeitos de sentidos e significados.
A modernidade se expressa de forma a tomar o seu lugar também no
contexto da religiosidade e o diálogo é fundamental para possibilitar a
aproximação dos sujeitos, diferentes em concepções, mas iguais em
direitos. Assim, cabe também ao docente o entendimento da revitalização
do ser humano que tem modos de vida diferentes, porém que precisa ser
respeitado e acolhido pelos agentes educativos. Se tivermos bons
professores de Ensino Religioso teremos em boa medida bons alunos e
bons cidadãos também cientes não só dos seus deveres, como também
dos seus direitos.
Para dar conta da docência do Ensino Religioso é preciso levar em
conta seus pressupostos epistemológicos, objetivos, tratamento didático e
avaliação; pois assim cada vez mais se produzirá novos conceitos. E

247
FONAPER

assim, os/as alunos/as, professores/as e quem sabe os cidadãos/ãs


brasileiros/as poderão conhecer a dinâmica dessa disciplina que envolve o
ser humano naquilo que ele tem de mais precioso que é a sua
espiritualidade.
Cabe então à escola ofertar com responsabilidade e zelo o Ensino
Religioso compreendendo que a educação para a religiosidade fará a
diferença na vida do alunado trazendo-lhes mais segurança, conhecimento
e respeito.

Referências

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Brasil – Brasil, DF: Senado Federal, 1998.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 201. Define as


Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.
Disponível em http//portal.mec.gov.br. Acesso em 04 de agosto de 2013.

BRASIL. Resolução do CEE/ ES nº 1900/2009. Vitória: ES. Diário Oficial


dos Poderes do Estado, de 26 de novembro de 2009.

DECRETO nº 1735-R de 26 de Setembro de 2006. Dispõe sobre o


reconhecimento e credenciamento do CONERES (Conselho do Ensino
Religioso no Estado do ES).

DECRETO nº 1736-R de 26 de Setembro de 2006. Dispõe sobre a oferta


da disciplina do Ensino Religioso nas escolas públicas Estaduais do ES.

Diretrizes Curriculares do Município de Cariacica (Ensino Fundamental


de 6º ao 9º ano)/ Prefeitura Municipal de Cariacica, ES: Secretaria
Municipal de Educação: ES, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários a


Prática Educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREITAS, Eliane Maura Littig Milhomem de. O Ensino Religioso no


município de Cariacica – ES: O processo de construção das diretrizes
curriculares e o desafio de sua implementação em âmbito escolar.
Comunicação apresentada no I Simpósio Internacional de Teologia e
Ciências das Religiões no período de 10 a13 de junho de 2013 em
Vitória/ES.

248
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino religioso: perspectivas


pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. (Colégio Ensino religioso
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MENDES, Francisco Carlos Pierin. Fundamentos e Metodologia de


Ciências. Curitiba: Editora Fael, 2010.

OLIVEIRA, Lilian Blanck (et al). Ensino Religioso: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2007. (Coleção docência em formação. Série
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Maria: São Paulo, 2006.

PELIZZARE, Adriana (et al). Teoria da aprendizagem significativa


segundo Ausubel. Rev. PEC, Curitiba, v.2, n. 1, p. 37, jul. 2001 – jul. 2002

SANDRINI, Marcos. Religiosidade no contexto da pós-modernidade.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional.


Petrópolis. RJ: Vozes, 2002.

249
O ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL, EM MINAS GERAIS: A FORMAÇÃO E A
PRÁTICA DOCENTE

Felippe Nunes Werneck1 (PUC Minas)

Resumo:
Ao se pensar sobre o Ensino Religioso (ER) nas escolas públicas estaduais, em Minas
Gerais, depara-se com o aspecto legal, no que se refere à docência: a Resolução SEE nº
2.253/2013, estabelece, no art. 4º, que as disciplinas ER e Educação Física (EF) devem ser
ministradas pelo professor regente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esta
comunicação, considerando o currículo do curso de Pedagogia de três universidades
mineiras e a proposta, defendida por Cortella (2006), Passos (2006), Caron (2011) e
Junqueira (2011), de formatação dos cursos de Ciências da Religião para a formação de
professores de ER, objetiva discutir o seguinte: É necessário o docente especialista para o
ER, nos anos iniciais do Ensino Fundamental? O curso de Pedagogia prepara o professor
regente para abordar, sistematizada e cientificamente, o conteúdo do ER?

Palavras-chave: Ensino Religioso. Ensino Fundamental. Anos Iniciais. Formação Docente.


Prática Docente.

Introdução
No Estado de Minas Gerais, foi publicada, pela Secretaria de Estado
de Educação, a Resolução nº 2.253, de 09 de janeiro de 2013,
estabelecendo, no artigo 4º, que as disciplinas Educação Religiosa e
Educação Física (EF) devem ser ministradas pelo professor regente da
turma, nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Art.4º Nos anos iniciais do Ensino Fundamental os componentes


curriculares de Educação Física e Educação Religiosa serão
ministrados pelo próprio regente da turma, exceto quando na escola já
houver professor efetivo ou efetivado pela Lei Complementar nº 100,
de 2007, nesses componentes curriculares. (MINAS GERAIS, 2013).

Esse ato normativo causou um desconforto muito grande entre os


professores de Educação Religiosa e EF. No início do ano de 2013,

1
Mestrando em Ciências da Religião, sob orientação do Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira,
no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião – PUC Minas, Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e integrante
dos Grupos de Pesquisa (CNPQ): Educação, Ética e Religião e Rede Ibero-Americana
de Estudos sobre Educação Profissional e Evasão Escolar (RIMEPES). E-mail:
felippewerneck@hotmail.com
FONAPER

seguindo as determinações da Resolução SEE nº 2.253/2013, os


professores designados que tinham assumido uma das duas disciplinas,
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, foram desligados das escolas
estaduais e, de acordo com relatos de alguns docentes, os profissionais
efetivos ou efetivados, que lecionavam a Educação Religiosa ou a
Educação Física, no referido nível de ensino, foram lotados em outras
séries e, até, em outras disciplinas diferentes daquelas para as quais
fizeram concurso e se formaram.
Diante disso, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de
Minas Gerais (Sind-UTE/MG) e o Conselho Regional de Educação Física –
6ª Região, através de seus representantes, organizou-se e solicitou ajuda
aos representantes políticos para intermediar o diálogo entre os
professores, as organizações civis de representação e a Secretaria de
Estado de Educação, para discutirem o conteúdo da Resolução SEE nº
2.253/2013.
No dia 30 de abril de 2013, a partir do requerimento assinado pelos
deputados estaduais Ulysses Gomes de Oliveira Neto, Rogério Correia de
Moura Baptista e Luiz Tadeu Martins Leite, ocorreu uma Audiência Pública,
promovida pelas Comissões de Educação, Ciência e Tecnologia e de
Esporte, Lazer e Juventude, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
(ALMG), com o objetivo de debater o artigo 4º, da Resolução SEE nº
2.253/2013. Em todas as declarações dos trabalhadores em educação,
dos representantes sindicais, dos licenciandos e de alguns deputados,
pronunciadas na Audiência, afirmou-se a reivindicação da revogação do
referido artigo, assegurando, assim, que as disciplinas Ensino Religioso
(ER)2 e Educação Física fossem lecionadas, nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, por profissionais com habilitação específica.
No que tange ao ER, para demonstrar a especificidade do conteúdo
e, consequentemente, do trabalho da referida disciplina, que acaba
requerendo um professor habilitado nessa área, os docentes e demais
debatedores, ao longo da Audiência Pública, explicitaram, através de
cartazes e de seus pronunciamentos, algumas expressões referentes aos

2
Neste trabalho, a nomenclatura utilizada é Ensino Religioso para se referir à disciplina
que se configura no tema deste texto. Dessa forma, apesar desse trecho se referir ao
artigo 4º, da Resolução SEE nº 2.253/2013, que faz o uso da designação Educação
Religiosa, utiliza-se o termo Ensino Religioso, recorrendo àquela nomenclatura, apenas,
quando se referir ao texto do instrumento normativo, em questão.
252
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

assuntos abordados nas aulas de ER, no intuito de defender a importância


da matéria na formação dos alunos.
A seguir, evidenciam-se as palavras e expressões expostas em
cartazes afixados no auditório, onde ocorreu a Audiência:
1. Relacionamentos Saudáveis, Harmoniosos e Equilibrados;
2. Cultura de Paz, Compreensão, Diálogo, Respeito e
Tolerância;
3. O Ser Humano como Projeto Infinito;
4. Valores em Primeiro Lugar;
5. Propiciando Escolhas Saudáveis.
Com base nas palavras e expressões expostas nos cartazes, como
Relacionamentos, Ser humano, Valores, Escolhas, Cultura de Paz,
Compreensão, Diálogo, Respeito e Tolerância, pode-se demarcar a base
epistemológica do Ensino Religioso, do currículo das escolas estaduais, a
partir da visão e da prática dos professores. No entanto, ressalta-se que,
neste trabalho, não se fará a análise do conteúdo dos cartazes
apresentados acima, assim como, da epistemologia do ER, focando na
discussão sobre o docente, que leciona nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, a sua formação e a sua habilitação para trabalhar com os
conteúdos do Ensino Religioso, no referido nível de ensino.
Na Audiência Pública, vários expositores puderam manifestar as
suas opiniões acerca da Resolução SEE nº 2.253/2013 ou o
posicionamento dos órgãos que se fizeram presentes, e, a partir de
algumas falas, pôde se chegar à questão sobre a formação e a atuação do
professor de Ensino Religioso, ou seja, do docente especialista da área, e
do profissional generalista que leciona nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental.
A coordenadora-geral do Sind-UTE/MG, prof.ª Beatriz da Silva
Cerqueira, defendendo a presença, nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, dos professores habilitados ou especialistas para lecionarem
as disciplinas Ensino Religioso e Educação Física, afirmou que ―[...] é um
desrespeito ao direito das crianças de ter um profissional habilitado nas
áreas de Educação Física e Ensino Religioso nos Anos Iniciais.‖
(IMPASSES..., 2013).
No sentido contrário à requisição da prof.ª Beatriz Cerqueira, a
subsecretária de Educação Básica, da Secretaria de Estado de Educação,
prof.ª Raquel Elizabeth de Souza Santos, reiterou que o professor,

253
FONAPER

licenciado em Pedagogia ou em Normal Superior, é o profissional


habilitado, legalmente, para atuar nos Anos Iniciais, devendo, assim,
lecionar todos os conteúdos que compõem a matriz curricular, do referido
nível de ensino.

O profissional, para trabalhar nos Anos Iniciais, não é o especialista de


conteúdo, é o habilitado pelo curso Normal, de nível superior, ou o
habilitado pelo curso de Pedagogia. Em todas as estruturas destes
cursos, lá dá plena autonomia a ele, que esses profissionais vão
lecionar: Português, Matemática, Geografia, História, Ciências,
Educação Física, Artes e Ensino Religioso. (IMPASSES..., 2013).

Ressalta-se que o argumento, apresentado acima, valida a decisão


do Estado mineiro em reafirmar que os componentes curriculares de
Educação Física e de Ensino Religioso devem ser ministrados pelo próprio
regente da turma, ou seja, o professor, cuja formação obrigatória se
consubstancia na posse do título de graduado em Pedagogia ou em
Normal Superior.
Uma aluna do curso de Pedagogia, de uma Instituição de Ensino
Superior (IES) particular, localizada em Belo Horizonte, e que estava
presente na Audiência Pública, realizada na ALMG, manifestou a sua
preocupação em lecionar os conteúdos de Educação Física e de Ensino
Religioso, pois ela não se sentia capacitada, por meio de sua graduação,
para ministrar os componentes citados, nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (SIND-UTE., 2013). Ainda, ao encontro da fala dessa
expositora, um aluno do curso de Ciências da Religião, de uma IES
pública, situada na cidade de Montes Claros, indagou a prof.ª Raquel
Santos sobre o porquê das escolas estaduais não continuar seguindo a
orientação já praticada quanto à disponibilização dos professores de ER
para os Anos Iniciais, visto que, no próprio Estado, é ofertada, na
modalidade licenciatura, a graduação em Ciências da Religião,
responsável pela formação do docente em ER, o qual poderá atuar na
Educação Básica, ou seja, nos Ensinos Fundamental e Médio.
Diante desses argumentos e opiniões, questiona-se, especificamente
sobre a disciplina Ensino Religioso, o seguinte: o curso de Pedagogia
prepara o professor regente para abordar, sistematizada e cientificamente,
o conteúdo do ER? É necessário o docente especialista para o ER, nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental?

254
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Na tentativa de se encontrar alguma resposta aos questionamentos


acima, recorrer-se-á à legislação que normatiza, atualmente, a formação
dos professores para o Ensino Fundamental, especificamente, para os
seus cinco primeiros anos, às matrizes curriculares de três cursos de
Pedagogia, de diferentes IES, localizadas em Belo Horizonte, e, também,
às proposições de Cortella (2006), Passos (2006), Caron (2011) e
Junqueira (2011), as quais se referem à habilitação dos cursos de
licenciaturas em Ciências da Religião para a formação de professores de
ER.

Formação Docente para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental:


alguns aspectos das legislações nacional e estadual

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBen), a de nº


9.394, de 20 de dezembro de 1996, é previsto, após a alteração do artigo
62 através da Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013, que a formação de
professores, para a Educação Básica, deve ser realizada em cursos de
licenciatura, de nível superior, admitindo-se, para o exercício da docência
na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a
formação mínima oferecida em cursos normais de nível médio.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-


se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio na modalidade normal. (BRASIL, 1996).

Ainda sobre isso, tem-se o Parecer CNE/CP nº 5, de 13 de dezembro


de 20053, que, ao tratar sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
curso de Pedagogia, defini o exercício profissional daqueles que se
formarem na referida graduação, enfatizando, como base da formação
ofertada, a docência, cuja atuação professoral se efetiva na Educação
Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e em disciplinas
pedagógicas dos cursos de nível médio, na modalidade Normal, e de
Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar.

3
Ressalta-se que este Parecer foi reexaminado pelo o de nº 3, de 21 de fevereiro de
2006, entretanto as mudanças propostas não alteraram os trechos utilizados neste
trabalho.
255
FONAPER

Diante disso, a Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006,


estabelece, em seu artigo 5º, inciso VI, que o egresso da graduação em
Pedagogia, na modalidade licenciatura, deve estar apto a: ―VI - ensinar
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes,
Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases
do desenvolvimento humano;‖ (BRASIL, 2006).
É possível destacar, neste instante, que, de acordo com o
instrumento normativo acima, não é determinado o Ensino Religioso como
um conteúdo obrigatório a ser lecionado pelo professor habilitado no curso
de Pedagogia, demonstrando, assim, o avocamento de uma postura de
indefinição quanto ao componente curricular em questão.
Essa posição já tinha sido adotada, anteriormente, pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), que, ao versar, por exemplo, sobre a
formação de professores para o Ensino Religioso nas escolas públicas de
Ensino Fundamental, reforçou, através de o Parecer CNE/CP nº 97, de 06
de abril de 1999, a postura de que à União não cabe legislar sobre os
conteúdos curriculares dos cursos de ―formação religiosa‖ dos professores,
ficando o assunto sob a competência dos Estados e dos Municípios, os
quais devem respeitar ―as determinações legais para o exercício do
magistério, a saber: diploma de habilitação para o magistério em nível
médio, como condição mínima para a docência nas séries iniciais do
ensino fundamental;‖ (BRASIL, 1999).
Mediante a essa deliberação de definição da situação do ER aos
Estados, em Minas Gerais, foi promulgada a Lei nº 15.434, de 05 de
janeiro de 2005, que dispôs sobre o Ensino Religioso na rede pública
estadual de ensino. Em cinco artigos, a referida legislação determinou o
seguinte: a) o ER, de caráter facultativo, é definido como componente
curricular no Ensino Fundamental e deve respeitar a diversidade cultural e
religiosa; b) o ER deve seguir o modelo fenomenológico, buscando incluir
aspectos da religiosidade, da antropologia cultural e filosófica e da
formação ética; c) o ER deve ser ofertado no horário normal das escolas e,
caso o aluno opte por não cursar a referida disciplina, o estabelecimento
oferecerá outros conteúdos e atividades de formação para a cidadania; d)
seguindo a orientação dada na LDBen, o Estado normatizou, no artigo 5º,
a habilitação e a admissão dos professores de ER:

256
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Art. 5º O exercício da docência do ensino religioso na rede pública


estadual de ensino fica reservado a profissional que atenda a um dos
seguintes requisitos:
I -conclusão de curso superior de licenciatura plena em ensino
religioso, ciências da religião ou educação religiosa;
II -conclusão de curso superior de licenciatura plena ou de licenciatura
curta autorizado e reconhecido pelo órgão competente, em qualquer
área do conhecimento, cuja grade curricular inclua conteúdo relativo a
ciências da religião, metodologia e filosofia do ensino religioso ou
educação religiosa, com carga horária mínima de quinhentas horas;
III -conclusão de curso superior de licenciatura plena ou de
licenciatura curta, em qualquer área de conhecimento, acrescido de
curso de pós-graduação lato sensu em ensino religioso ou ciências da
religião, com carga horária mínima de trezentas e sessenta horas,
oferecido até a data de publicação desta Lei;
IV -conclusão de curso superior de licenciatura plena ou de
licenciatura curta, em qualquer área de conhecimento, acrescido de
curso de metodologia e filosofia do ensino religioso oferecido até a
data de publicação desta Lei por entidade credenciada e reconhecida
pela Secretaria de Estado da Educação.
§ 1ºFica assegurada isonomia de tratamento entre os professores de
ensino religioso e os demais professores da rede pública estadual de
ensino.
§ 2ºÉ garantido ao profissional que satisfizer requisito definido em
inciso do caput deste artigo o direito de participar de concurso público
para docência de ensino religioso na rede pública estadual de ensino.
(MINAS GERAIS, 2005).

Ao analisar a lei estadual, citada anteriormente, é importante


destacar a exigência posta para que um profissional possa lecionar o
Ensino Religioso, em uma escola da rede pública estadual. Para isso, é
necessário que o docente possua um curso superior de licenciatura plena
em Ensino Religioso, Ciências da Religião ou Educação Religiosa, ou
qualquer curso superior de licenciatura plena ou de licenciatura curta, que
tenha, em seu currículo, o conteúdo, com no mínimo 500 horas, relativo às
Ciências da Religião, à metodologia e filosofia do Ensino Religioso ou
Educação Religiosa, ou, ainda, um curso superior de licenciatura plena ou
curta, em qualquer área de conhecimento, acrescido de curso, com no
mínimo 360 horas, de Pós-graduação Lato Sensu em Ensino Religioso ou
em Ciências da Religião, ou de curso de metodologia e filosofia do Ensino
Religioso.

257
FONAPER

Ressalta-se, também, que, na Lei nº 15.434/2005, não há uma


delimitação explícita sobre a partir de qual nível de ensino é necessária a
presença do docente de Ensino Religioso com uma formação específica, o
que pode gerar a interpretação de que as orientações dadas, no artigo 5º,
podem ser adotadas para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
indicando, assim, a possibilidade da atuação, no referido nível, do
professor especialista para o conteúdo de ER.

Ensino Religioso e as Ciências da Religião: a formação docente


Ao tratar sobre a questão da formação do professor de Ensino
Religioso, Cortella (2006) reitera, primeiramente, que o ER deve ser visto
como um componente curricular obrigatório, revestido de seriedade, de
valor acadêmico e de rigor científico quanto qualquer outro componente
pedagógico, necessitando, assim, da ordenação intencional do seu
conteúdo no ambiente escolar, em instituições privadas ou públicas, pois
―[...] o estudo científico das religiões é tão laico quanto qualquer outro
inscrito na esfera das ciências que são ensinadas nas escolas, [...].‖
(PASSOS, 2006, p. 23).
Após a identificação dos três modelos que norteiam as tendências
predominantes nas práticas de Ensino Religioso, Passos (2006) afirma que
o modelo das Ciências da Religião, ao conferir à disciplina escolar a
autonomia epistemológica e pedagógica, permite a superação dos outros
dois modelos, a saber: o Catequético e o Teológico, os quais possuem um
caráter confessional que fere o princípio da laicidade dos currículos
escolares.
Dessa forma, para se buscar a afirmação do Ensino Religioso como
área de conhecimento, é importante fundamentar a sua competência em
ser um componente regular, nos currículos do Ensino Fundamental,
objetivando o ensino da religião com o pressuposto pedagógico. E, para
isso, há a requisição de uma formação específica que recorra ―[...] aos
fundamentos das Ciências da Religião, com todo o aporte que nos oferece
ao investigar as manifestações do religioso na história e nas sociedades
(de antes e de agora), seus campos simbólicos, as relações com o poder
político, sempre com a colaboração multidisciplinar de vários ramos do
saber.‖ (CORTELLA, 2006, p. 20).

258
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Essa formação específica fundamentada nas Ciências da Religião,


as quais concedem ao ER a base teórica e metodológica para a
abordagem da dimensão religiosa em seus diversos aspectos e
manifestações, objetivam, mediante as propostas de licenciatura das
Ciências das Religiões, ―[...] capacitar o profissional a exercer a docência
na disciplina atualmente denominada ER na rede pública e privada,
tratando o fenômeno religioso como característica cultural dos povos e
patrimônio da humanidade, passível de ser estudado e pesquisado.‖
(JUNQUEIRA, 2011, p. 185).
No intuito de defender a formação de professores de ER como o
meio fundamental para garantir a continuidade da disciplina escolar que
busca respeitar a liberdade religiosa, favorecer o exercício da cidadania e
contribuir no processo de formação integral dos estudantes, Caron (2011)
apresenta a matriz curricular do curso de Ciências da Religião –
Licenciatura Plena em Ensino Religioso, ofertado em três IES, no Estado
de Santa Catarina.
Para elucidar a estrutura da referida matriz, relacionar-se-ão todas as
disciplinas ofertadas no curso ofertado nas instituições citadas, que são:
Ações Comunitárias; Ações Comunitárias I e II; Atividades Acadêmico-
Científicas; Antropologia Religiosa; Cosmovisão das Religiões e dos
Movimentos Religiosos I e II; Cosmovisão das Religiões e Movimentos
Religiosos; Cultura e Tradições Religiosas; Didática; Didática Geral;
Ecumenismo e Diálogo Interreligioso; Educação Física I e II; Educação
Física – Prática Desportiva; Ensino Religioso no Brasil; Escrituras
Sagradas e Reencarnação; Escrituras Sagradas e Ressurreição I, II e III;
Estágio Curricular Supervisionado (Prática de Ensino); Estrutura e
Funcionamento de Ensino de 1º e 2º Graus; Estrutura e Funcionamento do
Ensino; Exegese I e II; Ética em Ciência da Religião; Ética em Ciências da
Religião I e II; Filosofia I e Filosofia da Educação; Filosofia da Religião;
Filosofia Geral; Filosofia Religiosa; História da Educação; História
Religiosa na América Latina; Informática Básica; Introdução aos Textos
Sagrados; Introdução às Escrituras Sagradas; Língua Portuguesa;
Metodologia de Ensino de 1º e 2º Graus; Metodologia de Pesquisa;
Metodologia do Ensino Religioso; Metodologia do Ensino Religioso I e II;
Metodologia do Trabalho Acadêmico; Mística e Fé; Prática de Ensino em
Ensino Religioso I - II Prática de Ensino – Estágio; Projetos de Pesquisa
em Ciências da Religião; Psicologia Geral; Psicologia da Aprendizagem;

259
FONAPER

Psicologia da Educação; Psicologia do Desenvolvimento; Psicologia do


Desenvolvimento e da Aprendizagem; Psicologia Religiosa;
Psicopedagogia Religiosa; Religiosidade Popular na América Latina;
Religiosidade Popular; Seminário de Formação Humanística; Sociologia;
Sociologia da Educação; Sociologia Geral; Sociologia Religiosa; Técnica
de Redação; Teologia nas Tradições Religiosas; Textos Sagrados I e II;
Textos Sagrados I, II e III; Tópicos Especiais em Ensino Religioso;
Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC.
O nível da Educação Básica, em que o licenciado em Ciências da
Religião deve atuar, é o Ensino Fundamental. Contudo, apesar da tradição,
em alguns estabelecimentos públicos e em quase todos os particulares, de
se ter, nos Anos Iniciais, a presença do professor especialista para lecionar
o Ensino Religioso, a normatização brasileira não exige a presença do
referido profissional nos cinco primeiros anos, pois, como já dito
anteriormente neste estudo, o professor regente é o responsável por
lecionar todos os componentes curriculares integrantes dos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental.

Professor Regente e o Ensino Religioso: a matriz curricular dos


cursos de graduação em Pedagogia

Retornando à LDBen e à Resolução CNE/CP nº 1/2006, reitera-se


que a graduação em Pedagogia é o curso de nível superior responsável
pela formação dos professores que devem lecionar nos Anos Iniciais, do
Ensino Fundamental. E, com o objetivo de verificar se os egressos da
referida graduação estão habilitados para lecionarem o componente
curricular Ensino Religioso, nos primeiros cinco anos do nível em questão,
apresentar-se-á, abaixo, a matriz curricular de três licenciaturas em
Pedagogia, ofertadas em três distintas IES, localizadas em Belo Horizonte,
sem, contudo, entrar no mérito de análise das matrizes, focando, assim, na
identificação de alguma disciplina que, notadamente, busque abordar o
conteúdo do Ensino Religioso.
A matriz curricular da primeira instituição, aqui designada como IES
A, possui a seguinte estrutura:

260
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

TABELA 1 - Matriz Curricular do curso de Pedagogia, da IES A

(continua)
DISCIPLINA CARGA
HORÁRIA
1º Período Alfabetização e Letramento I 60h
Política Educacional 60h
Metodologia de Pesquisa em Educação I 60h
Sociologia da Educação I 60h
Filosofia da Educação I 60h
2º Período Alfabetização e Letramento II 60h
Arte no Ensino Fundamental 60h
Psicologia da Educação I 60h
Filosofia da Educação II 30h
Sociologia da Educação II 30h
Atividades Teórico-Práticas I 30h
História da Educação I 30h
Política e Administração dos Sistemas Educacionais 30h
3º Período Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática I 60h
Antropologia e Educação 60h
Psicologia da Educação II 60h
História da Educação II 60h
Estágio Curricular de Introdução ao Campo Educacional 60h
Atividades Teórico-Práticas II 60h
4º Período Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática II 60h
Corpo e Educação 60h
Estudos sobre a Infância 60h
Teorias de Currículo 60h
Processos Educativos nas Ações Coletivas 30h
Escola e Diversidade: Interfaces Políticas e Sociais 30h
Atividades Teórico-Práticas III 120h

5º Período Fundamentos e Metodologia do Ensino de Língua 60h


Portuguesa
Fundamentos e Metodologia do Ensino da Geografia 60h
Didática 60h
Fundamentos da Educação Inclusiva 60h
Organização da Educação Infantil 30h
Organização do Ensino Fundamental 30h
Formação Livre 60h

6º Período Dificuldades no Ensino-Aprendizagem da Leitura e da 60h


Escrita
Fundamentos e Metodologia do Ensino da História 60h
Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 60h
Físicas
Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências 60h
Biológicas
Estágio Curricular em docência no Ensino Fundamental 60h

261
FONAPER

(conclusão)
7º Período Sistemas de Avaliação Educacional 60h
Libras Não definido
Arte na Educação Infantil 60h
Didática da Educação Infantil 60h
Estágio Curricular em Educação Infantil 120h
Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Cidadania 60h
Metodologia de Pesquisa em Educação II 60h
8º Período Economia e Política de Financiamento da Educação Básica 60h
Observatório de Currículo: Educação Infantil 30h
Observatório de Currículo: Ensino Fundamental 30h
Optativa (3) 60h
Estágio Curricular em Gestão da Escola e Coordenação 120h
Pedagógica
Fundamentos Teórico-Metodológicos da Educação Popular 60h
9º Período Trabalho Docente e Relações de Trabalho nos Sistemas de 60h
Ensino
Educação Social 60h
Tópicos em Educação Social ou Tópicos Especiais em 60h
Sociologia da Educação
Prática em Educação Social 60h
Organização da Educação de Jovens e Adultos 60h
Metodologia da Alfabetização de Jovens e Adultos 60h
Prática em Educação de Jovens e Adultos 60h
Monografia na área de Ciências da Educação 60h
Optativa (4) 60h
Formação Livre 60h
Fonte: Elaborada pelo autor

A matriz curricular da segunda instituição, aqui designada como IES


B, possui a seguinte estrutura:

TABELA 2 - Matriz Curricular do curso de Pedagogia, da IES B

(continua)
DISCIPLINA CARGA
HORÁRIA
1º Período Pedagogia e sua Multidimensionalidade 54h
História da Educação: Educação na Formação Social Moderna 54h
Estudos Filosóficos: Sociedade e Educação 54h
Psicologia da Educação: Teorias Psicológicas e Práticas 54h
Educativas
Sociologia: Sociedade e Educação 54h
Didática: Pensamento Educacional e Processo de Ensino- 72h
Aprendizagem na Educação

Língua Portuguesa 36h

Pesquisa em Educação 36h

Prática Pedagógica de Formação: - Atividade de Integração 36h


Pedagógica

262
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

(continua)
2º Período História da Educação: Educação na Formação Social Moderna e 72h
na Sociedade Brasileira
Estudos Filosóficos: Epistemologias da Educação 72h
Sociologia: Sociedade e Educação 54h
Psicologia da Educação para a Educação Infantil 72h
Antropologia: Cultura, Sociedade e Educação 54h
Didática: Processos de Aprendizagem na Educação Infantil e 54h
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Educação e Tecnologia: Sociedade da Informação e do 36h
Conhecimento
Pesquisa em Educação 36h
Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 81h
Pedagógica, Estágio Supervisionado e Práticas Pedagógicas
3º Período História da Educação: Bases Sociais, Políticas do Pensamento 54h
Educacional Brasileiro
Antropologia: Cultura Brasileira 54h
Psicologia da Educação para os Anos Iniciais do Ensino 54h
Fundamental
Estudos do Conteúdos – Ciências da Natureza: 54h
Desenvolvimento da Criança na Educação infantil e Anos Iniciais
do Ensino Fundamental
Didática: Planejamento e Avaliação no Processo Pedagógico 72h
Organização Curricular da Educação Básica 72h
Estudos sobre Estatística Aplicada à Educação 54h
Pesquisa em Educação 36
Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 92h
Pedagógica, Estágio Supervisionado e Práticas Pedagógicas
4º Período Psicologia da Educação para a Educação de Jovens e Adultos 54h
Língua Portuguesa: Conteúdos e Metodologias na Educação 72h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Matemática: Conteúdos e Metodologias na Educação Infantil e 72h
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Geografia e História: Conteúdos e Metodologias na Educação 72h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Ciências da Natureza: Conteúdos e Metodologias na Educação 72h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Educação Física: Conteúdos e Metodologias na Educação 72h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Pesquisa em Educação 36h
Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 92h
Pedagógica, Estágio Supervisionado e Práticas Pedagógicas
5º Período Pedagogia e sua Multidimensionalidade 54h
Organização Curricular da Educação Básica 72h
Língua Portuguesa: Conteúdos e Metodologias na Educação 72h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Matemática: Conteúdos e Metodologias na Educação Infantil e 72h
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Organização e Funcionamento do Sistema Educacional – 54h
Educação Básica

Gestão da Escola na Educação Básica 72h

Pesquisa em Educação 54h

Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 117h


Pedagógica, Estágio Supervisionado, Práticas Pedagógicas e
Práticas de Pesquisa

263
FONAPER

(conclusão)
6º Período Estudos Sobre Necessidades Educacionais Especiais 72h
Arte na Educação: Conteúdos e Metodologias na Educação 54h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Língua Portuguesa: Conteúdos e Metodologias na Educação 72h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Matemática: Conteúdos e Metodologias na Educação Infantil e 72h
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Geografia e História: Conteúdos e Metodologias na Educação 54h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Ciências da Natureza: Conteúdos e Metodologias na Educação 54h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Educação e Tecnologia: Mediação Tecnológica 36h
Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 196h
Pedagógica, Estágio Supervisionado, Práticas Pedagógicas,
Práticas de Pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso:
Elaboração de Monografia
7º Período Estudos Filosóficos: Ética na Formação do Educador 54h
Organização Social e Técnica do Trabalho Capitalista: Profissão 54h
Docente
Arte: Conteúdos e Metodologias na Educação Infantil e nos 54h
Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Matemática: Conteúdos e Metodologias na Educação Infantil e 54h
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Sala de aula: Espaço Social, Cultural e Histórico 54h
Educação Física: Conteúdos e Metodologias na Educação 54h
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Introdução à Língua Brasileira de Sinais 54h
Educação e Tecnologia: Mídias e Educação 36h
Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 196h
Pedagógica, Estágio Supervisionado, Práticas Pedagógicas,
Práticas de Pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso:
Elaboração de Monografia
8º Período Organização e Funcionamento do Sistema Educacional: 72h
Educação Básica
Geografia e História: Conteúdos e Metodologias na Educação 54h
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Gestão da escola na Educação Básica 72h
Língua Portuguesa: Conteúdos e Metodologias na Educação 54h
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Avaliação Educacional – Sistemas e Instituições 54h
Políticas Públicas para Educação Básica 72h
Educação e Tecnologia: Informática Educativa 36h
Práticas Pedagógicas de Formação: Atividade de Integração 166h
Pedagógica, Estágio Supervisionado, Práticas Pedagógicas,
Práticas de Pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso:
Elaboração de Monografia
Fonte: Elaborada pelo autor

Ao comparar as matrizes curriculares da licenciatura em Ciências da


Religião e dos dois cursos de Pedagogia, percebe-se que, nas duas
últimas matrizes não há nenhuma disciplina que faz referência aos
conteúdos e às disciplinas que compõem as bases e os fundamentos das
Ciências da Religião, assim como, nenhuma matriz contempla a
especificidade do trabalho do professor com os conteúdos do Ensino

264
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Religioso, evidenciando, assim, a negligência quanto ao ensino desse


componente curricular, que, por meio do artigo 210, parágrafo 1º, da
Constituição Federal de 1988, e do artigo 33, da Lei nº 9.394/1996, se faz
obrigatória a sua oferta, em todo o Ensino Fundamental.
Segue, abaixo, a matriz curricular da terceira instituição, aqui
designada como IES C. Ela possui a seguinte estrutura:
TABELA 3 - Matriz Curricular do curso de Pedagogia, da IES C
(continua)
DISCIPLINA CARGA
HORÁRIA
1º Período Pedagogia: Identidade, Teorias e Práticas 64h
Sociologia 64h
Filosofia I 64h
Laboratório de Pesquisa e Prática Educacionais I 64h
Metodologia do Trabalho Científico 64h
Leitura e Escrita 64h
2º Período Sociologia da Educação 64h
Didática I 64h
Filosofia II 64h
Fundamentos e História da Educação 64h
Filosofia da Educação 64h
Seminário de Integração I 34h
Pedagogia da Educação Não Escolar 32h
3º Período Metodologia da Alfabetização e Letramento I 64h
Metodologia do Ensino da Matemática I 64h
Pesquisa Pedagógica I 104h
Antropologia Cultural e Educação 64h
Cultura Religiosa I 64h
Psicologia da Educação 64h
Laboratório de Pesquisa e Práticas Educacionais II 68h
Língua Brasileira de Sinais 64h
4º Período Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 64h
Cultura Religiosa II 32h
Seminário de Integração II 34h
Didática II 64h
Metodologia do Ensino da Matemática II 32h
Metodologia do Ensino da Geografia 64h
Metodologia do Ensino da História 64h
5º Período Políticas Públicas de Educação 64h
Educação de Jovens e Adultos 64h
Metodologia do Ensino das Ciências Naturais 64h
Avaliação Escolar 64h
Laboratório de Pesquisa e Práticas Educacionais III 68h
Teorias do Currículo 64h
Estágio Curricular Supervisionado I 140h
6º Período Seminário de Integração III 34h
Princípios Epistemológicos da Educação Infantil 64h
Metodologia da Escrita e Letramento na Educação Infantil 64h
A Criança, a Natureza e a Sociedade: Aspectos Metodológicos 64h
Metodologia do ensino da Matemática na Educação Infantil 64h
Estágio Curricular Supervisionado II: Docência nos Anos Iniciais 140h
do Ensino Fundamental
Pesquisa Pedagógica II 104h

265
FONAPER

(conclusão)
7º Período A Família e a Escola na Educação Infantil 32h
Literatura na Educação Infantil 64h
Gestão e Trabalho Docente 64h
Trabalho de Conclusão de Curso I 104h
Estágio Curricular Supervisionado III: Docência na Educação 116h
Infantil
Arte e Educação 32h
Tecnologias e Práticas Educativas 68h
8º Período Seminário de Integração IV 34h
Fundamentos Legais e Organização da Educação Infantil 64h
Corporeidade e Movimento 32h
Estágio Curricular Supervisionado IV: Gestão Pedagógica 116h
Trabalho de Conclusão de Curso II 140h
Informática Aplicada à Educação Infantil 64h
Fonte: Elaborada pelo autor

Diferentemente das instituições A e B, a IES C, através da oferta das


disciplinas Cultura Religiosa I e Cultura Religiosa II, demarca, em sua
matriz curricular do curso de Pedagogia, a presença de algum conteúdo
que se relaciona com o objeto do Ensino Religioso, ou seja, o fenômeno
religioso. Entretanto, ressalte-se que não há referência quanto às
especificidades do trabalho docente, no ER, especificamente, no que diz
respeito à questão didático-metodológica.

Considerações Finais
Quanto à formação do professor para os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, a legislação brasileira deixa claro que ela se dá por meio dos
cursos de graduação em Pedagogia, na modalidade licenciatura,
admitindo-se, para o exercício da docência na Educação Infantil e nos
Anos Iniciais do citado nível de ensino, a formação mínima oferecida em
cursos Normais de nível médio.
Diante disso, há o respaldo legal para a decisão da Secretaria de
Estado de Educação de Minas Gerais, disposta na Resolução nº 2.253, de
09 de janeiro de 2013, em restringir a docência, nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, e, especificamente, dos componentes de Ensino
Religioso e de Educação Física, ao regente da turma, considerando o fato
do referido profissional ser habilitado, pelos cursos de graduação em
Pedagogia ou Normal, de nível médio ou superior, para lecionar todos os
conteúdos dos cinco primeiros anos.
Entretanto, através das matrizes curriculares dos cursos de
Pedagogia, de três Instituições de Ensino Superior, localizadas em Belo

266
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Horizonte, pode-se constatar, em duas IES, a ausência de disciplinas que


abordem os conteúdos básicos do Ensino Religioso, e, nas três
instituições, a falta de abordagem das especificidades do trabalho docente,
no ER, especificamente, quanto à questão didático-metodológica,
evidenciando, assim, o despreparo dos licenciados, formados nos referidos
cursos, para lecionar, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de forma
científica e sistematizada, os conteúdos da disciplina ER. Dessa forma,
sugere-se a reflexão mais aprofundada sobre a necessidade de inclusão
da discussão sobre os conteúdos e os aspectos didático-metodológicos do
Ensino Religioso, no âmbito da formação dos licenciados em Pedagogia.

Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília,
20 dez. 1996. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1996/lei-9394-20-dezembro-1996-
362578-normaatualizada-pl.html>. Acesso em: 12 ago. 2013.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


Parecer CNE/CP nº 97, de 06 de abril de 1999. Formação de professores
para o Ensino Religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PNCP097.pdf>.
Acesso em: 12 maio 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura. Diário Oficial da União, Brasília, 16 maio 2006. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em:
12 ago. 2013.

CORTELLA, Mário Sérgio. Educação, ensino religioso e formação docente.


In: SENA, Luzia (Org.). Ensino religioso e formação docente: ciências
da religião e ensino religioso em diálogo. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 11-
20.

CARON, Lurdes. Cursos de ciências da religião – licenciatura plena – e a


formação de professores de ensino religioso. In: OLIVEIRA, Pedro A.
Ribeiro; MORI, Geraldo de (Orgs.). Religião e educação para a
cidadania. São Paulo: Paulinas, 2011. p. 189-228.

267
FONAPER

IMPASSE marca audiência sobre aulas de educação física: professores


pedem revogação de artigo e SEE defende proposição, em reunião
conjunta de comissões da ALMG. 30 abr. 2013. Disponível em:
<http://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2013/04/30_comissa
o_aula_educacao_fisica.html>. Acesso em: 15 maio 2013.

JUNQUEIRA, Sérgio. A construção histórica entre o ensino religioso e as


ciências da religião no cenário brasileiro. In: OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro;
MORI, Geraldo de (Orgs.). Religião e educação para a cidadania. São
Paulo: Paulinas, 2011. p. 169-188.

MINAS GERAIS. Lei nº 15.434, de 05 de janeiro de 2005. Dispõe sobre o


Ensino Religioso na rede pública estadual de ensino. Minas Gerais Diário
do Executivo, 06 jan. 2005. Disponível em:
<http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/banco_objetos_crv/%7B6F9E0
65A-E628-41FE-8AD6-B43642CFA204%7D_Lei15434_2005.pdf>. Acesso
em: 17 maio 2013.

MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação. Resolução nº 2.253,


de 09 de janeiro de 2013. Estabelece normas para a organização do
Quadro de Pessoal das Escolas Estaduais e a designação para o exercício
de função pública na rede estadual de educação básica. Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais, jan. 2013. Disponível em:
<http://crv.educacao.mg.gov.br/SISTEMA_CRV/banco_objetos_crv/8AF44
F7006BE4E7FBB4E35C2F0CAE7402412013165242_RESOLU%C3%87%
C3%83O%20SEE%20N%C2%BA%202253,%20DE%209%20DE%20JAN
EIRO%20DE%202013..pdf>. Acesso em: 13 fev. 2013.

PASSOS, João Décio. Ensino religioso: mediações epistemológicas e


finalidades pedagógicas. In: SENA, Luzia (Org.). Ensino religioso e
formação docente: ciências da religião e ensino religioso em diálogo. São
Paulo: Paulinas, 2006. p. 21-45.

SIND-UTE/MG cobra revogação do artigo 4º da Resolução 2.553/13.


Disponível em: <
http://www.sindutemg.org.br/novosite/conteudo.php?MENU=1&LISTA=deta
lhe&ID=4743>. Acesso em: 15 maio 2013.

268
GT2: CURRÍCULO DO ENSINO RELIGIOSO

Coordenação:
Drando. Elcio Cecchetti (UFSC)
Me. Maria José Holmes Torres (SEMED João Pessoa/PB)

Ementa: Reconhecendo o Ensino Religioso como área do conhecimento este GT


objetiva aprofundar as discussões relacionadas às concepções, objetivos,
conteúdos, metodologias e procedimentos avaliativos concernentes aos processos
de ensino-aprendizagem em Ensino Religioso na Educação Básica; socializar
atividades de aprendizagem e práticas pedagógicas em Ensino Religioso e;
estabelecer relações entre currículo, conhecimento religioso e diversidade cultural
religiosa.

Palavras-chave: Currículo; Ensino Religioso; Conhecimento Religioso;


Diversidade Cultural Religiosa.
ENSINO RELIGIOSO PARA ALUNOS/AS DO ENSINO
FUNDAMENTAL I: ESTUDO SOBRE PROPOSTA CURRICULAR
UNIFICADA

Aldenir Teotonio Claudio (UFPB)1

Marinilson Barbosa da Silva (UFPB)2

Resumo:
O objetivo central desse estudo consistiu na discussão e aprofundamento sobre a proposta
de currículo unificado para o Ensino Religioso, a partir dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER). Desenvolveu-se assim uma pesquisa de
cunho bibliográfico, utilizando-se de livros, artigos científicos, revistas e LDB realizando
assim um recorte do currículo trabalhado atualmente. Percebemos que Ensino Religioso é
um marco estruturado de leitura e interpretação da realidade, essencial para garantir a
possibilidade de participação do cidadão na sociedade de forma autônoma, para tal possui
uma linguagem própria, favorecendo a compreensão do fenômeno religioso, valorizando o
pluralismo e a diversidade cultural e religiosa, no cotidiano, e na sociedade, possibilitando a
compreensão do Sagrado no âmbito geral das diferentes culturas e manifestações
socioculturais.

Palavras-chave: Ensino Religioso; Diversidade Religiosa; Sagrado; PCNER.

Introdução
Ao longo dos anos, o Ensino Religioso vem sofrendo várias
modificações de acordo com a forma de conceber dos legisladores no
decorrer da história. Essas mudanças de concepção estão pautadas nas
Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: na Lei 4024/ 61, o
Ensino Religioso era concebido como ―aula de religião‖, em que a
doutrinação, a catequese tinha um lugar privilegiado na sala de aula, cuja
finalidade era "fazer seguidores‖; na Lei 5692/71 era "resgate de valores",
"aula de ética‖, tendo como propósito ―tornar as pessoas mais religiosas".
Com o advento da Lei 9394/96, aconteceu uma grande movimentação
nacional por parte dos profissionais da educação, Igrejas e vários

1
Professora de Ensino Religioso na Prefeitura Municipal de João Pessoa-PB. Mestranda
do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões - UFPB. E-mail:
aldy_2006@hotmail.com
2
Pesquisador do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências das
Religiões. Professor Adjunto e Vice-chefe do Departamento de Habilitações
Pedagógicas (DHP - CE - UFPB). E-mail: marinilson_rs@ig.com.br.
FONAPER

organismos da sociedade no que concerne da mudança na redação do Art.


33, onde constava a expressão: ―sem ônus para os cofres públicos‖. Essa
mobilização possibilitou uma grande manifestação que motivou a
proposição de vários projetos para mudança na referida redação.
Desenvolveremos neste trabalho pesquisa bibliográfica, com uma
abordagem qualitativa que dará respaldo e amparo indispensáveis para
seu desenvolvimento, pois o homem está sempre a procura de respostas
das perguntas ―de onde vim?‖ e ―para onde vou?‖. E a busca para essas
inquietações se dá na busca do transcendente. Essas questões são bem
presentes no universo dos educandos, com isso uma proposta de um
currículo unificado proporcionará a todos os educandos a possibilidade de
ter o mesmo currículo sem quaisquer adaptações ou improvisações
respeitando os que têm alguma confissão de fé ou aqueles que não têm; a
discussão em sala de aula não é acreditar ou não acreditar em um ―Deus
ou em deuses‖, mais sim ter o respeito, pois estamos em um País Laico e
esse respeito deve ser independe de religião.
Como em qualquer área, o Ensino Religioso veicula um
conhecimento específico e um objetivo a ser perseguido. E esse
conhecimento, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso, não é uma mera informação de conteúdos religiosos, um saber
em si. É um conhecimento que, numa nova visão pedagógica, oportuniza o
saber de si: ―o educando conhecerá ao longo do Ensino Fundamental, os
elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, para que possa
entender melhor a busca do transcendente‖ (PCNER, 2010, p.47).

Procedimentos Metodológicos
Um dos fundamentos para a realização deste trabalho surgiu a partir
de alguns questionamentos levantados no grupo de pesquisa Formação,
Identidade, Desenvolvimento e Liderança de Professores de Ensino
Religioso (FIDELID) ao qual faço parte, no debate constante com meu
orientador e em minha pratica docente, devido há não existência de uma
grade curricular unificada para o Ensino Religioso, uma vez que, quando
recebo alunos transferidos de escolas do mesmo município, vejo que os
conteúdos ministrados diferem do que estou trabalhando naquele
momento, estes muitas vezes distorcendo totalmente do currículo
trabalhado segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

272
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Religioso (PCNER), cuja orientação se fundamenta na proposta dos cinco


eixos temáticos: Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras sagradas e/ ou
Tradições Orais; Teologias; Ritos e Ethos. Realizaremos uma pesquisa
exploratória, com base na análise bibliográfica e qualitativa. Mesmo os
PCNER não sendo um documento oficial elaborado pelo Ministério da
Educação (MEC), contribuem efetivamente na ação educativa e no
processo de ensino e aprendizagem em sala de aula. O ensino religioso de
matrícula facultativa é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil, vedadas, quaisquer formas de proselitismo (art. 33 da Lei nº 9394
de 20 de dezembro de 1996). Assim o currículo do ensino Religioso deve
ser fundamentado na diversidade cultural e no diálogo e comunicação
entre grupos sociais diversos, inclusive das culturas minoritárias do país,
atuando de forma Multicultural.
Diante disto, pretendemos adentrar na questão curricular com o
intuito de provocar reflexões e inquietações nos educadores para a
estruturação da unificação do currículo de Ensino Religioso,
proporcionando ao educando a possibilidade de estudar o mesmo
conteúdo referente à sua série independente da escola que esteja inserido
no mesmo município.
Esperamos que esse artigo contribua para as discussões sobre o
Ensino Religioso, sua estruturação enquanto disciplina, seu currículo, seus
conteúdos, independente de sua nomenclatura e que os futuros cientistas
das religiões sintam-se provocados a pensar nessa temática.

Educação e Religião
A dimensão teórico-prática da Educação e Religião é um processo
altamente complexo, e, portanto, uma necessidade que se impõe, tendo
em vista que a religiosidade está arraigada na tradição cultural e
profundamente incorporada na experiência pessoal do ser humano,
repercutindo diretamente no espaço escolar. Muitas vezes esta relação é
elaborada de forma conformista, burocrática e confessional pelos docentes
do ensino religioso.
No sentido mais amplo, educação é um processo de atuação de uma
comunidade sobre o desenvolvimento do indivíduo a fim de que ele possa

273
FONAPER

atuar em uma sociedade pronta para a busca da aceitação dos objetivos


coletivos, à medida que o homem se educa não passa somente a aceitar-
se, mas busca uma transformação dele e do mundo onde está inserido,
pois a função social da educação hoje não é só transmitir conhecimento
formal, mas educar para a vida, para o respeito e para a coletividade. Para
tal educação, devemos considerar o homem no plano sociocultural,
intelectual e espiritual consciente das possibilidades e limitações, capaz de
compreender e refletir sobre a realidade do mundo que o cerca. Segundo
Aurélio (2002), educação é o processo de desenvolvimento da capacidade
física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando a
sua melhor integração individual e social.
Consideramos que a educação tem caráter permanente. Não há
seres educados e não educados, estamos todos nos educando. Existem
graus de educação, mas estes não são absolutos. Esta afirmação tão
coerente nos faz refletir sobre o processo educativo contínuo, como base
de uma constante busca pela melhoria da qualidade da formação docente
e discente. A ação educativa, portanto, implica um conceito de homem e
de mundo concomitantes, é preciso não apenas estar no mundo e sim
estar aberto ao mundo (FREIRE, 1996).
Esta perspectiva nos faz entender a educação enquanto
desenvolvimento integral do indivíduo: corpo mente espírito, saúde,
emoções, pensamentos, conhecimento, expressão, etc. Tudo em benefício
da própria pessoa, e a serviço de seu protagonismo, autonomia, bem
como, sua integração construtiva com toda a sociedade. Neste sentido,
compreendemos que a educação do cidadão é um processo complexo que
inclui múltiplos aspectos, inclusive o religioso enquanto dado antropológico
e sócio cultural presente na história da humanidade. O conhecimento é
assimilação crítica e responsável de conteúdos e métodos acumulados
pelas ciências no decorrer da história, e a universidade apresenta-se como
facilitadora dessa, ao ensinar a aprender, ao oferecer aos educandos
posturas e estratégias cognitivas e éticas (PASSOS, 2007).
Este pensamento nos leva a interpretar que o Curso de Ciências das
Religiões participa desse processo complexo de ensinar a conhecer com
autonomia e responsabilidade que é creditado à universidade, pois, a
Religião compõe o conjunto dos demais conhecimentos, tanto como fonte
de informação sobre o ser humano, a sociedade e a história, quanto como
fonte de valor para a vida dos educandos.

274
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

De acordo com Alves (2003), a religião está mais próxima de nossa


experiência pessoal do que desejamos admitir, é como um espelho no qual
nos vemos, ela não se liquida com a abstinência dos atos lamentais e a
ausência dos lugares sagrados, ela permanece e frequentemente exibe
uma vitalidade que se julgava extinta. Basta depararmos com uma
situação de dor, na qual todos os recursos técnicos tenham se esgotado
para acordarmos um pouco videntes, profetas, benzedores, mágicos,
curadores, etc., aquele que reza e suplica sem saber ao certo a quem deve
pedir ou entregar-se.
É fácil, portanto, identificar, isolar e estudar a religião como
comportamento exótico de grupos sociais restritos e distantes, sendo
necessário reconhecê-la como presença invisível, sutil e disfarçada, pois,
ela se constitui em um dos fios que se tece o acontecer do nosso cotidiano
(ALVES, 2003). Então, por mais que determinados grupos pareçam
exóticos estes devem ser visto, com respeito, como os demais grupos
religiosos. A cada dia cresce fervorosamente o numero de religiões,
comunidades, seitas, ou grupos alternativos que não querem fazer parte
de grupos que tenham ritos, dogmas ou praticas religiosas, então o desafio
de ser professor de ensino religioso cresce, pois esse componente
curricular deve ser estruturado dentro de uma base epistemológica
pautada no fenômeno religioso e não ensinar o que surge rapidamente ou
o que se ouvi falar, levar para sala de aula apresentar como verdade
absoluta, e pronta, é um risco, isso, porque o artigo 33 (PCNER) em sua
redação, mais atual deixa a cargo dos estados e municípios decidirem o
que ensinar com isso enfrenta-se esquemas políticos, tudo vai depender
de quem está ―assinando‖ que esse tenha uma conduta ética e não
tendenciosa.
Sabemos que o Ensino Religioso vem de uma discussão histórica em
nosso país com mais, de 500 anos sem alcançar a legalidade efetiva,
única disciplina inserida na Constituição Federal Brasileira, mais a coisa
não anda, historicamente falando, houve avanços e retrocessos, quando
falamos em uma unificação curricular, não pretendemos, alçar voo tão
altos e dizer agora será assim, até porque, quando se implanta no
currículo, uma disciplina obrigatória para a escola e facultativa para o
aluno, por si só a disciplina fica com viés de ―coisa fácil‖, com isso permite
a não eficácia da sua efetivação, pensando no que temos hoje veremos
que a sociedade civil, o Fonaper, os professores, os leigos trabalham em

275
FONAPER

função desse componente, mais quem de fato e de direito deveria


organizar e estruturar a disciplina como qualquer outro componente.
Acreditamos que com a possibilidade dos municípios ou estados,
estruturarem um currículo de Ensino Religioso Unificado, iniciariam uma só
linguagem, dentro da não confessionalidade, e independente do gestor, do
diretor, do partido politico, da religião, esse ensino não seria da
conveniência de um grupo, mais sim de culturas diversas contidas no
mesmo País.

Ensino Religioso
Não há como falar de Ensino Religioso sem falar do FONAPER, que
é a própria vivência do Ensino Religioso, e é o instrumento responsável por
toda a evolução desse componente nas escolas do Brasil. Então na
assembleia dos 25 anos do CIER - Conselho das Igrejas para o Ensino
Religioso, realizada em Florianópolis nos dias 25 e 26 de setembro de
1995, aconteceu à organização do Fórum Nacional do Ensino Religioso,
onde foi instalado em 26 de setembro de 1995 e depois transformado em
FONAPER - Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, sendo
formado por educadores, organismos e entidades interessadas e/ou
envolvidas com o Ensino Religioso.
O FONAPER tem como objetivos consultar, refletir, propor, deliberar
e encaminhar assuntos relacionados ao Ensino Religioso cujas finalidades
são: exigir que a escola, de qualquer natureza, ofereça esta disciplina em
todos os níveis de escolaridade, respeitando a diversidade e as diferentes
opções religiosas; contribuir para que o espaço pedagógico atenda o
entendimento a busca do Transcendente; subsidiar o Estado na definição
do conteúdo programático; pessoas jurídicas e físicas podem se filiar ao
Fórum desde que sejam identificadas com o Ensino Religioso
(www.fonaper.com.br).
O Ensino religioso é um componente curricular que visa discutir a
diversidade e a complexidade do ser humano como pessoa aberta às
diversas perspectivas do sagrado presentes nos tempos e espaços
histórico-culturais. Esse ensino deve estar atento para essa questão, pelo
fato de haver, nas escolas, diferentes opções e dimensões de fé. Saber
respeitar o diferente e as diferenças e com eles interagir, para esse
componente é um marco referencial. Em um mundo culturalmente

276
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

diversificado nos aspectos educacionais, culturais, religiosos, sociais,


étnicos, tecnológicos, nos vemos frente a um grande desafio que é
repensar a educação, a prática pedagógica, o processo de ensino-
aprendizagem e o currículo, que começou a ser pensado a partir da
industrialização.
Deparamo-nos com um desafio maior ainda, que ocorreu com a
implantação do Ensino Religioso nas Escolas públicas como componente
curricular de matrícula facultativa para os educandos e obrigatória para
escola. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) aponta
para o respeito à diversidade religiosa brasileira, daí a importância da
abordagem do fenômeno Religioso, mesmo sabendo que esse ensino não
aborda apenas a dimensão religiosa do ser humano, consideramos que há
uma confusão, com a disciplina ensino religioso por parte de alguns
educadores, mesmo nos reunindo sistematicamente, há não existência de
uma grade curricular que seja comum para professores da disciplina, deixa
os professores autônomos e sem direcionamento, lembrando que o
documento (PCNER- FONAPER) que orienta a disciplina ainda não é
oficial, ele sugere uma gama de conteúdos, mas o que percebemos é que
o conteúdo é aplicado de maneira individual, por mais que o grupo de
professores planeje junto, na prática no dia-dia depende do
comprometimento do profissional.
Esse componente curricular, não está estruturado como as demais
disciplinas do currículo, como os conteúdos definidos e selecionados para
os quatros bimestres, ainda falta formação e capacitação para professores,
uma epistemologia específica respeitando a imparcialidade da disciplina, a
ética na não propagação de um proselitismo para determinado confissão
de fé, a formação acadêmica para os profissionais que atuam na disciplina.
O Ensino Religioso, como as demais disciplinas do currículo escolar,
prevê também a organização social das atividades, a organização do
tempo e do espaço, assim como a seleção e os critérios de uso dos
materiais e recursos, sendo por isso, necessário assumir um referencial
metodológico na perspectiva de totalidade. A disciplina do Ensino Religioso
insere-se na escola como um exercício de ciência a ser feito com os
alunos sobre a religião em suas expressões simbólicas e valorativas.
Participa do processo complexo de ensinar a conhecer com autonomia e
responsabilidade o que é creditada a escola, lembrando que a religião
compõe o conjunto dos demais conhecimentos.

277
FONAPER

De acordo com Gilz (2009), é preciso zelar pelo respeito às


diversidades culturais e religiosas dos alunos ao lidar com o Ensino
Religioso, ou seja, chama a atenção para o tratamento que deve ser dado
na pluralidade e diversidade em sala de aula. Nesta concepção o Ensino
Religioso, valorizando a diversidade cultural-religiosa em sala de aula e
consciente da função social da educação no atual contexto histórico-
cultural busca auxiliar na compreensão das diferentes formas de exprimir o
transcendente, inclusive, contribuir para o respeito àqueles que não
pertencem a nenhuma religião e os que dizem não professar crença
alguma.
O Ensino Religioso na escola propõe analisar o fenômeno religioso
com base na convivência social dos alunos, configurando-o objeto de
estudo e conhecimento na diversidade cultural-religiosa. Favorece na
construção de respostas aos questionamentos existenciais dos estudantes,
no entendimento da identidade religiosa e no convívio com as diferenças
(OLIVEIRA et. al, 2007).
Com relação aos conteúdos curriculares do ER estes são orientados
pelos eixos temáticos das culturas e tradições religiosas; teologias; textos
sagrados e tradições orais; ritos e ethos. O currículo é o instrumento que
aciona as possibilidades de aprendizagem e a educação integral latentes
na sala de aula não só no que se refere aos conteúdos, como também ao
planejamento de atividades.
O FONAPER, ao organizar a primeira Capacitação para o novo
milênio, preparando os professores de Ensino Religioso à distância, na
introdução aos Cadernos de Estudo, fez um verdadeiro manifesto a favor
de um novo Ensino Religioso.
Segundo as orientações de Carniato (2010), é possível de forma
pedagógica, organizar a diversidade de informações e de possíveis
abordagens do conteúdo em cinco eixos temáticos, partindo-se do visível,
isto é, do conhecimento o qual os estudantes têm acesso fora da escola,
por meio da cultura, da comunicação, da observação do meio ambiente ou
da experiência familiar, conforme abaixo:
• Ritos, festas, locais sagrados, símbolos - Centros religiosos,
templos, igrejas, sinagogas, mesquitas, terreiros, casas de reza;
cerimônias, oferendas, cultos, liturgias, rituais etc.;
• Tradições Religiosas – Indígenas, Africanas e Afro-brasileiras,
Judaísmo, Xintoísmo, Hinduísmo, Budismo, Islamismo Fé Bahá‘i,

278
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Protestantismo, Catolicismo, Pentecostalismo, novos movimentos


religiosos ecléticos e sincréticos, religião cigana e outras;
• Teologias das Tradições Religiosas - Diferentes nomes e atributo
do ser transcendente, diferenças e semelhanças doutrinas entre
as tradições religiosas; mitos de origem; crenças na imortalidade:
ancestralidade, reencarnação, ressurreição;
• Textos Sagrados – Orais: mitos e cosmo visões das tradições
indígenas, ciganas, africanas; Escritos: livros sagrados das
antigas civilizações e das tradições religiosas atuais;
• Ethos dos Povos e das Culturas – Costumes e valores dos povos
e de suas religiões.
Considerando os eixos temáticos acima relacionados sob os moldes
do FONAPER, consideramos que o Ensino Religioso é essencialmente
interdisciplinar, com isso, ele requer atividades interativas que
proporcionem não só a pesquisa rigorosa, a reelaboração de dados, mas
também a produção de formas literárias e artísticas do conhecimento
adquirido e reflexão. Juntamente com experiências significativas na
educação integral, pois, nenhuma disciplina como o Ensino Religioso lida
com as questões humanas universais. Assim, torna-se imprescindível o
uso de debate em classe, diálogo em grupo, mutirão de ideias, entre
outros.

Sobre Currículo
Em um mundo culturalmente diversificado nos aspectos
educacionais, culturais, religiosos, sociais, étnicos, tecnológicos, nos
vemos frente a um grande desafio que é repensar a educação: a prática
pedagógica, o processo de ensino- aprendizagem e o currículo.
É importante situarmos que os estudos sobre currículo nasceram a
partir das teorias tradicionais nos Estados Unidos como um campo
profissional especializado, as quais se organizavam em: ensino,
aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização,
planejamento, eficiência e objetivos. Já as Teorias Críticas de Currículo
possuem como palavras-chave ideologia, reprodução cultural e social,
poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção,
conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência e,
as Teorias Pós-Críticas: identidade, alteridade, diferença, subjetividade,

279
FONAPER

significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça,


etnia, sexualidade e multiculturalismo.
A década de 60 foi marcada por grandes agitações e
transformações, as teorias críticas do currículo efetuam uma completa
inversão nos fundamentos das teorias tradicionais, onde o currículo estava
baseado na cultura dominante. Na perspectiva fenomenológica o currículo
era visto como experiência e como local de interrogação e questionamento
da experiência, não podendo ser compreendido e transformado se não
fizermos questionamentos fundamentais com as relações de poder.
Henry Giroux foi um dos grandes amigos de Paulo Freire, inclusive,
escreveram alguns textos a quatro mãos. O teórico crítico da cultura e da
educação, Henry Giroux, foi um dos fundadores da pedagogia crítica nos
Estados Unidos, além disso, foi pioneiro nos estudos voltados para a
cultura, os jovens, o ensino superior e público, os meios de comunicação e
teoria crítica. Como crítico, propôs reflexões sobre as teorias educacionais,
escola e mais ainda, sobre os professores e seu papel no processo ensino-
aprendizagem, bem como a influência dos mesmos nos alunos.
Segundo Giroux (1997) a escola é um local onde a cultura da
sociedade dominante é aprendida e inculcada nos alunos, à mesma
prepara os estudantes, não somente para ingressarem no mercado de
trabalho, mas no meio social.
Contudo a escola para Giroux (1997) pode se tornar um veículo para
ajudar cada estudante a desenvolver todo o seu potencial como pensador
crítico e participante responsável no processo democrático simplesmente
alterando-se a metodologia e o currículo oficial nos estudos sociais.

O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do


ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito,
contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes
(...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente
atitudes, comportamentos, valores e orientações... (SILVA, 2001, p.
78).

É notório que todos os profissionais comprometidos com a educação


se angustiam em: ―o que ensinar?‖ e ―como ensinar?‖, em princípio as
teorias do currículo tentaram responder as perspectivas tradicionais como
uma questão simplesmente técnica, ela se tornaria mais complexa na
medida em que as teorias críticas e pós-críticas passavam a conceber o

280
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

currículo como um campo ético e moral, ―teorizar‖ o currículo resumia-se


em discutir as melhores e mais eficientes formas de organizá-lo.
A primeira vez que se utilizou a palavra currículo foi em 1918 (Bobbitt
– The curriculum - Currículo é organização, é mecânica, é economia). A
sua inspiração teórica foi à administração científica de Taylor.
Especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a
obtenção de resultados passíveis de serem mensurados.
A necessidade de pensar no currículo surge devido à
industrialização. Nessa altura o modelo institucional da concepção de um
currículo era a fábrica. O currículo seria sempre o resultado de uma
seleção, parar, observar o público, selecionar o que é pertinente para
aquele grupo.
Para elaborar um currículo deve-se selecionar o que pretendemos
com base nas seguintes questões: que tipo de ser humano se quer? (uma
vez que o currículo pretende alterar pessoas). O que queremos que ele
saiba?
O currículo é sempre o resultado de uma seleção, então nos
perguntamos o que queremos que nossos alunos saibam. Para Giroux
(1997), o currículo está ligado diretamente às relações sociais de poder e a
desigualdade, pois ele envolve as construções dos significados e valores
culturais, não estando simplesmente envolvido com a transmissão de
―fatos‖ e conhecimentos ―objetivos‖.
Deparamo-nos com um desafio maior ainda, que ocorreu com a
implantação do Ensino Religioso nas Escolas Públicas como componente
curricular de matrícula facultativa para os alunos e obrigatório para escola,
pois inicialmente o pensamento era que o grande desafio seria quebrar
preconceitos em relação às religiões e trabalhar o respeito, o resgate de
valores, à etnia, gênero e sexualidade, mas à medida que, fomos nos
apropriando do conhecimento vimos que teríamos que focar nosso
trabalho no respeito e conhecimento à diversidade cultural e religiosa e
não na religião A, B, ou C.

O conhecimento não é exterior ao poder, o conhecimento não se opõe


ao poder. O conhecimento não é aquilo que põe em xeque o poder: o
conhecimento é parte inerente do poder (...), o mapa do poder é
ampliado para incluir os processos de dominação centrados na raça,
na etnia, no gênero e na sexualidade (SILVA, 2001, p.148-1149).

281
FONAPER

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) aponta para


o respeito à diversidade religiosa brasileira, daí a importância da
abordagem do Fenômeno Religioso, mesmo sabendo que esse ensino não
aborda apenas a dimensão religiosa do ser humano, pois muitas das vezes
é na aula do Ensino Religioso que o educando tem a oportunidade de
expressar-se, não só sobre sua religião, a religião do outro, mais o que a
sociedade apresenta como o fenômeno religioso.

O currículo aparece, assim, como o conjunto de objetivos de


aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de
experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis,
de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante,
para que nele se operem as oportunas reacomodações (SACRISTÁN,
2000, p. 46).

Um currículo escolar é primeiramente, no vocabulário pedagógico,


um percurso educacional, um conjunto contínuo de situações de
aprendizagem às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado
período, no contexto de uma instituição de educação formal.
O currículo está irremediavelmente envolvido nos processos de
formação pelos quais nós nos tornamos o que somos e é uma questão de
identidade e poder. O currículo é lugar, espaço, território, é relação de
poder, é trajetória, viagem, percurso, é autobiografia, nossa vida,
curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade, é texto, discurso,
documento, é documento de identidade (SILVA, 2003).

Contribuições para unificação do Currículo


A mudança do enfoque da disciplina de Ensino Religioso, para as
escolas brasileiras, a partir da Lei 9475/97 e os atuais Parâmetros
Curriculares Nacionais de Ensino Religioso são os eixos norteadores da
nova proposta curricular para o Ensino Religioso. Tal proposta considera a
disciplina como:
• Uma disciplina escolar concebida na diversidade cultural religiosa
do Brasil.
• Uma disciplina centrada na antropologia religiosa e não na
catequese ou exposição de doutrina.

282
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

• Uma disciplina organizada para possibilitar o acesso ao


conhecimento religioso - patrimônio da humanidade, a partir da
pluralidade cultural religiosa da sala de aula.
• Uma disciplina curricular do Ensino Fundamental, que a partir de
sua especificidade, o religioso, contribui de forma significativa,
juntamente com as demais disciplinas escolares, na formação
básica do cidadão, conforme o disposto no artigo 33 da Lei e
Diretrizes Básicas da Educação, n. 9394 de 20 de dezembro de
1996.
Os PCNER ao centrarem a disciplina de Ensino Religioso na
antropologia religiosa pressupõem que o ser humano é um ser dotado de
múltiplas capacidades: que pensa, sente, se relaciona e age. Estas
capacidades possibilitam o homem ―ser humano‖ a viver no seu cotidiano,
em seu mundo impregnado de diferentes nuanças, compostos pela sua
própria essência, e pelo outro, pelo mundo e pela sociedade na qual está
inserido, o homem é produto do meio, porem ele é capaz de fazer suas
próprias escolhas a partir do conhecimento adquirido.
Na tentativa de expressar e nomear o vivenciado o homem e a
mulher utilizam de metáforas, imagens, nomes e títulos inscritos em uma
cultura. Os PCNER, procurando respeitar de forma igual às diversas
tradições religiosas, usam para refletir e dialogar sobre a temática em
questão, a expressão "o Transcendente", que significa "muito elevado,
superior, sublime, excelso; que transcende os limites da experiência
possível, metafísico". (PCNER, p.4)
O Transcendente nos PCNER é estudado através do fenômeno
religioso. Fenômeno este, que surge da relação ou experiência entre o ser
humano e o Transcendente.
Dessa forma, o objeto de estudo, na disciplina de Ensino Religioso,
não é a causa e sim, o efeito ou consequência. O objeto de estudo não é o
Transcendente em si mesmo, centra-se no produto humano que se dá do
encontro da pessoa com essa realidade, o fenômeno religioso. Produto
que ao ser organizado, dá origem aos sistemas religiosos que alimentam
cada cultura e as diversas tradições religiosas.
Não se propõe desinteresse frente ao Transcendente, mas, a busca
por uma maior compreensão, que transparece nas diversas tradições
religiosas e que, na sociedade brasileira, tem suas raízes: africanas,
indígenas, ocidentais e orientais.

283
FONAPER

O objetivo central da disciplina é facilitar a compreensão das formas


que exprimem o Transcendente na superação da finitude humana e que
determinam subjacentemente, o processo histórico da humanidade,
valorizando o pluralismo e a diversidade cultural presentes na sociedade
brasileira.
Dentre todos os objetivos destacamos: proporcionar o conhecimento
dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das
experiências religiosas percebidas no contexto do educando. Subsidiar o
educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade,
para dar sua resposta, devidamente informado. Analisar o papel das
tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas
e manifestações socioculturais. Facilitar a compreensão do significado das
afirmações e verdades de fé das tradições religiosas. Refletir o sentido da
atitude moral, como consequência do fenômeno religioso, expressão da
consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano.
Possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de
estruturas religiosas que têm na liberdade o ser valor inalienável. Promover
o diálogo como um dos elementos construtores da cidadania, reverência e
alteridade. Favorecer ao aluno o conhecimento sobre os elementos
básicos que compõem os fenômenos religiosos, a partir do seu contexto
sociocultural. Conceder ao educando a oportunidade de refletir sobre a
história e origem dos textos sagrados, relacionando-os com as práticas
religiosas nos diferentes grupos (PCNER, 1997).
Compreender que a ideia do Transcendente em cada tradição
religiosa se constitui no valor supremo de uma cultura, e que é de suma
importância que o educando exteriorize suas ideias religiosas,
reverenciando as diferenças do outro. Compreender que em quase toda
estrutura religiosa o objeto de estudo é o Transcendente. Analisar a
estrutura religiosa como um todo se colocando como parte integrante dela,
se posicionando de forma lógica diante dos questionamentos, relacionando
o conhecimento religioso adquirido com o seu próprio contexto. Destacar
os valores morais como subsídios importantes para o crescimento pessoal
e social de cada indivíduo. Analisar as mudanças e permanências na
religião, articulando as perspectivas que contemplem a singularidade das
diferentes tradições religiosas. Conhecer as possíveis respostas dadas
perante o fato morte, orientadoras das verdades de fé, da valorização em

284
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

atitudes éticas e expressas em diferentes métodos de relacionar-se com o


Transcendente, consigo mesmo, com o outro e com o mundo.

Considerações Finais
A Transcendência é a companheira da ação humana em todas as
etapas da aventura da pessoa e origem de seus projetos enquanto desejo
e utopia. O senso religioso é o substrato da cultura e, portanto, buscar os
fundamentos para o Ensino Religioso remete à questão do fundamento da
vida humana. Entende-se, dessa forma, a religiosidade como parte
fundamental integrante do conhecimento humano, nessa compreensão de
ser humano como finito se fundamenta o fenômeno religioso, que lhe
possibilita construir-se na liberdade e plenitude humana. No
Transcendente a pessoa procura respostas para as situações-limites: o
nascimento, a morte, a doença, as catástrofes, o amor, o altruísmo e as
grandes opções. A pessoa defronta-se com essas situações, questiona-se
quanto ao por que delas, buscando o real sentido da vida. Ela indaga-se,
procurando respostas às perguntas clássicas: Quem sou? De onde vim? O
que acontece depois da morte? Por que isto acontece comigo? Ao
questionar-se, a pessoa estabelece tensões entre a realidade vivida e a
realidade do inexplicável, que transcende o tempo, a consciência e o
mundo palpável.
Conhecer as tradições religiosas significa entrar em contato com um
mundo pluricultural no qual estamos inseridos. As sociedades e os
indivíduos, apesar dos níveis variados, todos, entram em relação com o
mundo religioso que é inerente ao homem. Assim esse Transcendente, o
sagrado e o luminoso, permanecem atraindo e fascinando o homem no
contexto pós-moderno. Apesar do avanço da ciência, da tecnologia, da
robótica e da informática, desse mundo globalizado continuamos a nos
questionar, e esses questionamentos nos levam a questionar que no ser
humano há algo misterioso, indecifrável e insondável que o faz sentir-se
criatura, limitado, dependente, e, paradoxalmente aberto ao infinito, com
desejo de imortalidade e isso desperta, temor e veneração provoca
alegrias, esperanças e faz nascerem angústias e tristezas.
Com isso o Ensino Religioso como área do conhecimento visa todos
os aspectos do desenvolvimento do ser humano, conduzido pela sua
dimensão de Transcendência, aberto aos outros, sem discriminação a

285
FONAPER

nenhum credo religioso, etnia, cultura, condição social, ou mesmo aqueles


que si dizem não ter nenhum tipo de religião. A essa disciplina se confia,
um ensino leigo e pluralista e com caráter de disciplina curricular.
Concluímos ressaltando a importância de um estudo integrado por
parte de todos que fazem o Ensino Religioso para dá o real significado há
esse fenômeno, assim organizando um currículo que seja único para todas
as escolas, a linguagem será a mesma, os recursos pedagógicos, a
metodologia, o plano de trabalho a dinâmica em sala de aula, fica a critério
do educador, mas ele deve ter um norte do que ensinar? Como ensinar? E
em qual bimestre ensinar?

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289
LIMITES E AVANÇOS DA ESTRUTURA CURRICULAR DO
ENSINO RELIGIOSO NO COLÉGIO MARISTA DE BELÉM

Alex Coimbra Sales1

Resumo:
Esta pesquisa pretende fazer uma reflexão acerca dos limites e avanços da estrutura
curricular do Ensino Religioso no Colégio Marista de Belém a partir do seu Plano Trienal de
Evangelização (2009), seguindo as atribuições da rede de ensino Marista.

Palavras-chave: Educação. Ensino Religioso. Currículo. Colégio Marista de Belém. Rede


de Ensino.

Introdução
Nos últimos anos, o Ensino Religioso no Brasil tem sido alvo de
debates na busca de compreender sua natureza e o seu lugar na escola
como disciplina regular do currículo. Se por muitas décadas o Ensino
Religioso foi considerado um elemento eclesial na escola, hoje o esforço
tem sido envidado no sentido de assegurá-lo como área de conhecimento
visando à produção do conhecimento religioso (CNBB, 2000).
A partir de 1997, com a revisão do artigo 33 da LDB, estabeleceu-se
uma nova concepção para o Ensino Religioso. Seu foco deixou de ser
catequético para assumir um perfil pedagógico e,

Como componente curricular, seu foco é a educação da dimensão


religiosa dos estudantes, incluindo a produção do conhecimento
religioso, a abertura às diferenças e o reconhecimento e respeito à
pluralidade religiosa, a partir do confronto com diferentes modelos de
pensamento, prática social e construção de sentidos (PLANO
CURRICULAR DE ENSINO RELIGIOSO PARA O BRASIL MARISTA,
2007, p.35).

Nessa perspectiva o Colégio Marista Nossa Senhora de Nazaré em


conformidade com o Plano Curricular de Ensino Religioso para o Brasil
Marista, apresenta sua matriz curricular, assumindo o Ensino Religioso
como área do conhecimento, cujo objeto de estudo é o Fenômeno
Religioso/Religiosidade. A disciplina é um componente curricular de todas

1
Especialista em Ciências da Religião pelo Instituto Esperança de Ensino Superior de
Santarém. Graduado em Ciências da Religião – UEPA. E-
mail:alexchristu@yahoo.com.br.
FONAPER

as séries da Educação Básica, tendo uma hora/aula por semana na


primeira fase do Ensino Fundamental, duas horas/aulas por semana na
segunda fase do Ensino Fundamental e uma hora/aula por semana no
Ensino Médio.

O Ensino Religioso no Currículo da Rede Marista de Ensino


O objetivo do Ensino Religioso é promover a compreensão,
interpretação e (re)significação da Religiosidade e do Fenômeno Religioso
em suas diferentes manifestações, linguagens e paisagens religiosas
presentes nas culturas e nas sociedades.
O objeto de estudo é delimitação de um saber a ser desvendado,
descoberto, pesquisado, apreendido, desconstruído e construído no
universo das aprendizagens. Estabeleceu-se o objeto de Ensino Religioso
a partir de uma perspectiva contemporânea e das experiências de outras
áreas de conhecimento que historicamente se constituíram como ciência.
O Ensino Religioso é uma área de conhecimento incipiente no
conjunto que compõe o quadro das ciências humanas na educação básica.
Tal fato exige uma postura investigativa que não se encerra com a
produção de um plano curricular. As possibilidades de buscas continuam
abertas. Contudo não é possível que o ER se constitua como componente
curricular sem a definição de um objeto de estudo que direcione a seleção
de objetivos e conteúdos significativos que contemplem a especificidade
dessa área.
Dessa forma, dentre as tantas possibilidades de abordagens e
recortes no campo das ciências, constitui-se como objeto de estudo do ER:
o Fenômeno Religioso/Religiosidade. A opção por esse objeto quer
garantir o tratamento do fato religioso que advém das experiências
humanas com o ser Transcendente e da dimensão religiosa considerada
inerente ao ser humano.
O ser humano é essencialmente um ser religioso. Todas as culturas
humanas registram práticas religiosas, mesmo que estas não estejam
ligadas a uma instituição religiosa. Esta disposição primeira do ser humano
para se relacionar com o Transcendente é chamada de religiosidade. A
religiosidade é uma atitude dinâmica de abertura efetiva da pessoa em
relação ao mundo que ela integra e, nesse sentido, apresenta-se como a

292
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

dimensão mais profunda da vida, inter-relacionada com todas as


dimensões humanas.
A religiosidade muitas vezes é exteriorizada dentro de sistemas
formais: ritos, mitos, doutrinas, mistérios, celebrações, reuniões,
comunidades, tradições etc. Estes sistemas se inserem em um espaço
cultural próprio, que define as maneiras de se viver a religiosidade.
O fenômeno religioso é a manifestação cultural das opções religiosas
individuais e coletivas e, por isso, é antes de tudo um fenômeno humano.
Todo ser humano, considerado em sua totalidade ou tomado em cada uma
de suas dimensões, só se desenvolve quando se expressa e relaciona
com outros entes. Da mesma forma, a religiosidade torna-se efetiva e se
desenvolve pela expressividade, comunicabilidade e linguagem. O
dinamismo religioso ganha forma, ritmo e intensidade no fenômeno
religioso.
Compreender o Fenômeno Religioso/Religiosidade como objeto de
estudo pressupõe alguns elementos de disposição e abertura
epistemológica. Torna-se necessário estudar o sentido das experiências
religiosas no seu contexto específico e na sua estruturação e coerência, o
que exige também a investigação e compreensão da diversidade religiosa,
da significação do processo religioso, das atitudes, do campo simbólico e
dos textos sagrados, entre outros.
O fenômeno é gerado também nas diferentes maneiras pelas quais o
ser humano busca compreender as questões existenciais (de onde vim?
Para onde vou?); tem, portanto, uma origem pessoal e individual, que se
manifesta na vivência grupal. É no processo comunitário que as respostas
são sistematizadas e produzem formas de relações com o outro e com o
Transcendente, novas narrativas e manifestações religiosas. Esta
pluralidade constituída desafia o processo ensino-aprendizagem e, ao
mesmo tempo, traz grandes possibilidades de construção do conhecimento
a partir da ressignificação da dimensão religiosa na contemporaneidade.
Sendo o Ensino Religioso um componente curricular, fundamentar-se-á
nos seguintes princípios (Plano Curricular de Ensino Religioso para o
Brasil Marista, 2010):

a) Abordagem metodológica que favoreça a compreensão,


interpretação, significação e ressignificação;

293
FONAPER

b) Abertura a todas as situações de aprendizagem que favorecem a


produção do conhecimento religioso;
c) Leitura crítica e contextualizada da realidade na busca e na
construção do sentido da vida;
d) Respeito às diferenças culturais e religiosas;
e) Flexibilidade curricular frente à alteridade sociocultural;
f) Investigação e problematização do fato religioso para qualificar
conceitos, valores e atitudes; e
g) Prática pedagógica baseada na interdisciplinaridade.
A partir das definições contidas no Plano Curricular de Ensino
Religioso para o Brasil Marista quanto às competências e aprendizagens
fundamentais do Ensino Religioso e quanto às competências a partir dos
eixos estruturantes, demarcamos treze competências básicas para a
disciplina de Ensino Religioso no Colégio Marista Nossa Senhora de
Nazaré. Dessa forma, ao final da educação básica, no que diz respeito à
disciplina de Ensino Religioso, o aluno deverá ter adquirido a capacidade
de:
1) Reler e interpretar o fenômeno religioso;
2) Ler e interpretar textos e símbolos sagrados;
3) Compreender o conhecimento religioso para a busca de
respostas às questões existenciais do ser humano e para a
busca do sentido da vida;
4) Compreender-se como corresponsável pelo equilíbrio dinâmico
na relação consigo mesmo, com o outro, com o meio e com o
Transcendente;
5) Compreender as tradições e culturas religiosas como construção
sócio-histórica;
6) Reconhecer e valorizar o papel das comunidades humanas
como lugar de manifestações interculturais e de ampliação dos
pertencimentos;
7) Decodificar a linguagem religiosa e os elementos que a
constituem;
8) Ter domínio da linguagem religiosa para compreender os
fenômenos, as manifestações religiosas e os textos sagrados;
9) Compreender as linguagens religiosas como instância de poder;
10) Compreender e problematizar as situações sócio-religiosas
contemporâneas, abrindo-se ao diálogo inter-religioso;

294
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

11) Compreender as relações religiosas nos processos sociais,


políticos, éticos e culturais;
12) Estabelecer uma relação de alteridade nos grupos religiosos,
sociais e culturais;
13) Conviver com as diferenças, dialogando de maneira respeitosa
com as múltiplas expressões de espiritualidade.
A disciplina de Ensino Religioso se estrutura a partir dos seguintes
eixos: fundamentos, linguagem religiosa e relações religiosas. Estes eixos
estruturantes devem perpassar os conteúdos da disciplina garantindo a
unidade desse componente curricular ―que visa discutir a diversidade e a
complexidade do ser humano como pessoa aberta às diversas
perspectivas do sagrado presentes nos tempos e espaços histórico-
culturais‖ (OLIVEIRA et al, 2007, p. 33).
Os fundamentos referem-se aos elementos teórico-práticos que
compõem o Fenômeno Religioso/Religiosidade. Neste eixo são
contemplados as teologias, as culturas, as tradições religiosas e os textos
sagrados.
O eixo linguagem religiosa circunscreve-se no contexto da
interpretação, compreensão e decodificação do fato religioso não apenas
para decifrar as mensagens presentes na sociedade, mas também para
rever posicionamentos, posturas e condutas frente a esses fatos.
A compreensão da linguagem religiosa está intimamente ligada à
experiência do sagrado que a própria linguagem quer comunicar.
Compreender a linguagem religiosa a partir da experiência do sagrado é
condição para ir-se além do conceito e se aproximar da vida real, do
contexto histórico e cultural onde a experiência é vivida e partilhada.
O ser humano delineia as suas características históricas e culturais
nas relações sociais e interpessoais que estabelece e que geram novos
tipos de relação: compromisso social e transformação da realidade; apelo
à solidariedade; testemunho de vida religiosa, pessoal e social; apreensão
de uma ética a partir de valores religiosos, e, também, a alteridade e os
limites éticos que sustentam as relações.
A análise e observação dos procedimentos e das várias formas de
manifestação ajudarão a compreender e reconhecer processos que
incluem o cuidado e a solidariedade como jeito de ser-estar no mundo. O
acolhimento e a inclusão das diferenças enriquecem e evidenciam uma
postura ética e crítica, necessária frente às relações de poder presentes

295
FONAPER

também no campo religioso, visto que, essas relações de poder podem ser
geradoras de lutas infindáveis em nome de um ser transcendental.
A moral, os costumes e até mesmo os princípios éticos são
delineados a partir de uma caracterização social, histórica e cultural. Nesse
sentido as relações religiosas evidenciam a diversidade e as possibilidades
de respostas religiosas para os tempos atuais. Essa visão ampliada auxilia
na busca de novas significações para a própria existência, desenvolvendo
as mais variadas formas de relacionamento com a diferença religiosa, na
tentativa de superação dos preconceitos e a favor da alteridade, da
ampliação dos pertencimentos e da consciência planetária.
A metodologia e a didática do Ensino Religioso se direcionam a duas
vertentes que se inter-relacionam. A primeira diz respeito aos aspectos
filosóficos, culturais e sociais na abordagem do saber religioso. A segunda
refere-se aos aspectos de ordem didático-pedagógica que envolvem as
relações professor/ estudante.
É importante que se tenha presente que a metodologia que assegura
ao ER à validade de componente curricular, está ancorada nas ciências
humanas. É o ser humano o sujeito desse processo com todas as suas
circunstâncias e em todos os seus contextos. Para dar conta desse objeto
no ER pode-se lançar mão de uma metodologia interdisciplinar que permita
a interpretação, a compreensão e ressignificação do fenômeno religioso.
Desde a fenomenologia e a hermenêutica até a semiologia e a genealogia,
há uma gama enorme de possibilidades de olhares.
Esse tratamento plural do objeto é uma demanda que advém do
próprio objeto de estudo (Fenômeno Religioso/Religiosidade) e também
dos eixos estruturantes (Fundamentos, Linguagem Religiosa, Relações
Religiosas), pois abrem um leque de possibilidades metodológicas no
sentido da aproximação dos aspectos tangíveis do fenômeno e daqueles
que o precedem.
Em Ciências Humanas é fundamental que se tenha essa variedade
de olhares, de perspectivas, de óticas e de explicações para atender da
melhor forma possível a complexidade do objeto. Por isso, ao se propor
uma análise multirreferencial do Fenômeno Religioso, propõe-se
multiplicidade de leituras, sob diferentes ângulos e a partir de muitas
referências que ajudarão na produção de novos conceitos, dispositivos,
metodologias, terminologias, etc.

296
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Esse procedimento amplia o tratamento do fato religioso, da


manifestação religiosa, da experiência religiosa a partir de uma abordagem
sociológica e antropológica. Nesse sentido, pode-se levar em conta não só
as narrativas e as experiências coletivas e individuais, mas também outros
aprofundamentos como o da interioridade, da espiritualidade, da mística,
do mistério, do sagrado, de tudo que está à raiz dos questionamentos da
existência humana, da busca de sentido, assim como, atentar-se para a
dimensão dos significados, da interpretação e da compreensão da
linguagem, dos signos e símbolos religiosos.
Dessa forma o ER se ocupará não somente em estudar o fenômeno
religioso, mas a sua essência, buscando seus significados e sua
compreensão. Procura-se, então, não somente garantir o estudo do objeto,
assim como ele se apresenta à experiência humana, mas deixam-se
espaços para a descrição das experiências, compreendendo-as a partir
das inter-relações.
O descrever as próprias experiências, fazendo emergir as memórias,
acoplando essas memórias aos conhecimentos religiosos, facilitará a
produção de uma genealogia das experiências e vivências religiosas.
Além de tudo o que foi dito acima, há o aspecto didático-pedagógico
que exige igual atenção e aprofundamento.
A especificidade e a natureza pedagógica do ER requerem clareza e
objetividade na escolha dos instrumentos que favorecerão a relação entre
as variáveis da relação didática – professor, estudante e conhecimento.
Considera-se, para tanto, os princípios definidos e a natureza do objeto de
estudo. A prática pedagógica do Ensino Religioso deve estar imbuída pela
disposição metodológica de contribuir com o processo de busca pelo
sentido da vida. No mundo contemporâneo, encontram-se possibilidades
de diálogo, de socialização, de análise das diferentes relações entre
sujeitos que favorecem a construção do conhecimento religioso. Essa
construção solicita do sujeito aprendente, disposição para a interação
sociocultural para a interpretação, a compreensão num processo de
significação.
O processo de significação é aquele que visa à busca do sentido da
linguagem, e a relação entre significante e significado geradora de signos,
enunciados e discursos. O signo é composto de um significante
(corresponde ao conceito ou à noção plana da expressão) e de um
significado (corresponde à forma, é o plano do conteúdo). A significação

297
FONAPER

não é o objeto em si, mas a relação entre o objeto e sua representação


psíquica (conceito), por exemplo, a relação entre o som cruz e o objeto
cruz produz uma associação que é a significação. Neste contexto do ER,
entretanto, partir-se-á da semiologia para compreender os sistemas de
signos que dizem respeito ao campo religioso. A semiologia acrescenta
outro elemento na relação significado/significantes, que é o ‗dizível‘, isto é,
o significado será não a representação psíquica e nem a coisa real, mas o
que se pode dizer da coisa real, das imagens e dos gestos. Voltando ao
exemplo da cruz, o cristão ao ouvir o som cruz, imediatamente remete-se à
imagem de Jesus morto que é o ‗dizível‘ de sua experiência. A semiologia
ocupa-se da significação do objeto (seja gestos, imagens, símbolos, sons,
ritos, etc.) e os interroga sob a relação de sentido que detêm, pois seu
lugar está situado no sistema de sentido.
A semiologia pode se constituir em análise religiosa, no caso do ER,
dos diferentes sistemas de signos religiosos, colocando-os em relação, por
exemplo, os sistemas simbólicos das diversas tradições religiosas.
Pode-se dizer ainda que a significação é também caracterizada por
alguns conceitos-síntese: poeticidade, reflexividade, alteridade e
reciprocidade. A poeticidade diz respeito ao valor criativo da linguagem, às
formas de expressão da atividade subjetiva que forma um objeto no
pensamento; a reflexividade trata da capacidade específica da linguagem
de voltar-se sobre si mesma e para outros sistemas de signos não-verbais;
a alteridade, que está voltada para a presença do outro, e a reciprocidade,
que diz respeito ao diálogo. Nesse sentido, quando se fala em significação,
tenta-se responder à pergunta: por quais meios ou processos um
enunciado é produzido como possuidor de sentido?
No ER os processos de significação e ressignificação são permeados
de desconstrução e construção de novos sentidos. Nesse campo, a
compreensão e a interpretação, ajudam a extrair todas as possibilidades
de sentido do objeto, e a interpretação, principalmente, ajuda a projetar
para mais longe a significação.
Outro aspecto, que vale salientar, no que diz respeito aos elementos
didático-pedagógicos, é a relação dos princípios contextualização e
interdisciplinaridade e a relevância da problematização.
Nesse processo a problematização dá abertura para novas
narrativas, respeitando as diferenças individuais, permitindo um
distanciamento do problema e ajudando a questionar as várias maneiras

298
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de agir e de reagir, assim como, o sentido das coisas, das vicissitudes, dos
objetivos em relação ao próprio problema. Só é capaz de problematizar
aquele que se dispõe a pensar. Dessa forma, o Ensino Religioso, além de
assumir o papel de problematizador, amplia as capacidades de diálogo,
debate, pesquisa, qualificando a síntese pessoal e coletiva.
Para o Ensino Religioso é fundamental que a contextualização
ultrapasse os exemplos encontrados nos livros ou narrados pelos
professores e alcance também a vivência extramuros, ampliando e
diversificando o currículo.
O ER é uma área de conhecimento interdisciplinar por natureza, por
isso é importante compreender bem a interdisciplinaridade como uma
metodologia, e não como uma forma de atividade.
Interdisciplinaridade vem do latim da junção de inter, que quer dizer
em relação, reciprocidade ou interação, e disciplina, que significa a forma
de organizar e de concentrar as pesquisas e as experiências dentro de
uma perspectiva. Cada disciplina oferece uma imagem particular da
realidade, pois delimita um aspecto da mesma. Desde o início do século
XIX, vê-se surgir o conceito de disciplina como a se entende hoje, isto é,
possuidora de objeto de estudo, marcos conceituais, métodos e
procedimentos específicos. Tais características acabaram produzindo uma
visão rígida na compreensão das diferentes disciplinas. A
interdisciplinaridade surge para quebrar esta rigidez, trazendo flexibilidade
aos estudos e pesquisas. A interdisciplinaridade, portanto, permite a
reciprocidade e a aproximação de diferentes áreas na busca de algo novo.
Para melhor compreender a interdisciplinaridade é preciso diferenciá-
la de seus correlatos: multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.
A multidisciplinaridade é o nível mais restrito de integração. Ela se dá
quando se busca ajuda em diversas disciplinas para solucionar algum tipo
de problema, sem que esta ação contribua para a transformação ou
enriquecimento das disciplinas envolvidas. Nesse nível não há tanta
cooperação, pelo fato de haver apenas justaposição de disciplinas. A
multidisciplinaridade é essencialmente aditiva, e não integrativa. Uma
característica marcante da multidisciplinaridade é que cada área de
conhecimento se preocupa em manter e proteger seus próprios modelos.
A transdisciplinaridade é o nível de interação em que a rede está
estabelecida de forma que não haja mais fronteiras entre as disciplinas.

299
FONAPER

Este é o nível ideal para o qual concorre toda ação interdisciplinar, ou seja,
quando realmente se trabalhará sem os limites impostos pelas disciplinas.
No nível da interdisciplinaridade, a interação enriquece, e o
intercâmbio é de verdadeira reciprocidade.
A interdisciplinaridade reúne estudos de diversas disciplinas num
contexto mais coletivo no tratamento dos fenômenos a serem estudados
ou das situações-problema em destaque. Tal procedimento exige um
compromisso maior ao elaborar, de modo mais geral, os projetos de
pesquisa que resultarão em intercomunicação e enriquecimento, e,
também, em transformação de metodologias de pesquisa, modificação de
conceitos e de terminologias.
A definição original de interdisciplinaridade é comunicar ideias para
integrar e organizar conceitos, metodologia, procedimentos, epistemologia,
terminologia, informações. Nesse sentido, a interdisciplinaridade surge
para corrigir o equívoco da compartimentação e da não comunicação entre
as disciplinas. Ela é ao mesmo tempo processo, uma filosofia de trabalho
que facilita ações para resolução de problemas. Embora não haja apenas
um processo, e nem mesmo um conjunto rígido de ações, existem alguns
passos que podem estar presentes na intervenção interdisciplinar, desde
que se respeite o princípio da flexibilidade: delimitar os problemas de
acordo com os questionamentos iniciais; determinar os conhecimentos
necessários; desenvolver um marco integrador e as questões a serem
pesquisadas, etc.
Nas ciências humanas é frequente a integração entre disciplinas
próximas, como história, sociologia, filosofia, Ensino Religioso, entre
outras. A pesquisa interdisciplinar nesse campo parte dessa integração
com o objetivo de organizar conceitos, metodologias, dispositivos,
epistemologias para se chegar a uma nova abordagem como
consequência da construção de seus próprios objetos de investigação,
conceitos fundantes, premissas e paradigmas.
A avaliação é um instrumento de aprendizagem, que envolve
pressupostos epistemológicos (construção do conhecimento), ontológicos
(o ser) e axiológicos (valores) que não são separados. A ação
transformadora implica pensar, planejar, replanejar, agir, avaliar o que se
conhece, o que se está conhecendo e o que se necessita conhecer. A
avaliação é um exercício de reflexão, única e exclusiva do ser humano, de
pensar os seus atos, de analisá-los, de interagir com o mundo e com os

300
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

seres, de influenciar na tomada de decisões e transformação da realidade.


Avaliar exige a definição de onde se quer chegar. Precisam-se estabelecer
critérios e escolher procedimentos adequados. Na avaliação está implícita
a concepção de homem que se quer formar, o modelo de sociedade que
se quer construir.
Essa avaliação não se refere apenas ao domínio de conteúdos
específicos, mas também, ao desenvolvimento das competências,
habilidades e atitudes. Significa avaliar o estudante como um todo, nas
diversas situações que envolvem a aprendizagem.
A avaliação processual promove o crescimento, a análise da
situação, a busca de alternativas e momento privilegiado de aprendizagem,
promovendo um conjunto de ações com o objetivo de aprofundar os
conhecimentos, esclarecer, opinar, discernir, participar e decidir. É ação de
acompanhamento, de conhecimento de onde se encontra o estudante e
das aprendizagens que se deseja construir.
Uma avaliação significativa no Ensino Religioso torna-se excelente
instrumento de aprendizagem, e exige que o educador saiba trabalhar com
objetivos; exige que saiba, ainda, identificar elementos que determinem o
aprimoramento do saber e da postura cidadã; e que saiba, também,
reconhecer o estudante em sua totalidade.
A avaliação no ER contempla o conhecimento, a participação, a
atitude de vida e as inter-relações, como também implica na abertura e na
criação de espaços para a análise das experiências religiosas.
A avaliação nestes termos decorre da postura do educador em
relação ao estudante e dos instrumentos utilizados durante o
desenvolvimento das aulas para obtenção da aprendizagem destes.
Portanto, a dimensão vivencial do Ensino Religioso não pode ser medida,
mas pode ser avaliada na perspectiva do crescimento pessoal, e pode ser
observada, para ser retomada e redimensionada pelos envolvidos no
processo. É um espaço para crescer no conhecimento, na consciência e
na religiosidade.
Torna-se necessário buscar critérios que correspondam a esta
proposta e às expectativas que daí são geradas, colocando a avaliação a
serviço da promoção e da melhoria da aprendizagem, buscando
estratégias que possam concretizar a qualidade educacional.
A avaliação é uma parte do processo ensino-aprendizagem. É por
meio dela que o professor consegue verificar aquilo que foi apreendido

301
FONAPER

pelos alunos. No ensino formal, geralmente ela é feita de forma escrita,


mas não deve ser a única forma de verificação de aprendizagem.
O acompanhamento dos alunos, através da observação e dos
registros do professor é importante para verificar a participação e a
produtividade dos alunos ao longo do ano.
Neste sentido, as provas escritas não devem ter um caráter apenas
classificatório dos educandos, mas questões que estejam de acordo com o
objetivo do conteúdo trabalhado e a faixa etária dos alunos. Devem ter
uma linguagem clara, que não induza a erros, nem contenham caráter de
dubiedade, e não devem ter um fim em si mesmo, mas orientar a tomada
de decisões por parte da equipe docente sobre aqueles conteúdos que
precisam ser revistos e /ou aprofundados.
A realização de atividades em grupos e a execução de exercícios
permitem a socialização dos educandos, a tomada de decisões e
favorecem também a capacidade de interpretação e análise do grupo, ao
ter que contrastar suas informações com as de outras pessoas que
compõem o coletivo.
As pesquisas que visam ampliar o conhecimento sobre determinado
tema, precisam ser conduzidas de forma a propor a solução de problemas
e a investigação do meio, permitindo uma visão crítica da realidade em
diferentes escalas: seja ela local, regional, nacional ou internacional.

Resultados
Através da pesquisa realizada pode-se perceber que a escola citada,
apesar de pertencer a um carisma e uma filosofia confessional católica, há
uma distinção organizada e sistematizada, acerca do Ensino Religioso
como disciplina da área do conhecimento das ciências humanas,
contrapondo os tipos de Ensino Religioso do passado, tendo os modelos
catequéticos e teológicos segundo (PASSOS, 2007). Os resultados dessa
sessão serão realizados através das análises documentais, tendo como
maior referência o Plano Trienal de Evangelização 2007-2009. Serão
observados os métodos, modelos, aspectos avaliativos neste estudo.

a) Quanto à concepção de Ensino Religioso


A Província Marista nos seus constantes estudos em busca de uma
educação de qualidade, não esqueceu o componente curricular Ensino

302
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Religioso. De uma disciplina pautada a partir de um currículo catequético,


a Província Marista acompanhou o percurso histórico-político por que
passou o Ensino Religioso.
As novas abordagens pedagógicas e consequentemente uma nova
concepção de educação, com vistas à construção de um ser humano
pensante e crítico, foi acompanhada pela elaboração de leis voltadas à
educação brasileira. Os Maristas deram um passo significativo, quando em
2007, atenderam as exigências da Lei de Diretrizes e Bases (LDB –
9394/96), sobretudo, a partir da Lei 9.475/97.
A Província, através do seu Plano Trienal de Evangelização, 2007-
2009 (UMBEC. PNE.) organizou seu setor de evangelização, orientando
que, entre as mudanças, o Ensino Religioso passasse a ter sua Matriz
Curricular própria, seguindo as exigências da LDB.
Com as mudanças ocorridas não menos, em princípio, confusas e
resistentes por parte de alguns, a primeira ação foi separar o Ensino
Religioso da gerência do Serviço de Orientação Religiosa - SOR. Essa
gerência ficou a cargo do Núcleo de Apoio Pedagógico - NAP, das séries
de Maternal ao Ensino Médio. Essa mudança fez com que, o ER passasse
a ter um tratamento pedagógico semelhante aos das outras disciplinas,
como por exemplo, instrumentos avaliativos, plano de aula, livro didático,
material didático, entre outros. É verdade que muito já se avançou nesse
processo, contudo, nem toda a comunidade escolar, ainda absorveu o
novo paradigma do Ensino Religioso. Porém, à medida que novas dúvidas
e discussões vão surgindo, é preciso mergulhar em novos estudos,
reformulações e formulações de outras respostas a fim de amadurecer
cada vez mais a concepção da disciplina.

b) Quanto ao processo de avaliação da aprendizagem no Ensino


Religioso
Na pesquisa, até 2008, não foi encontrado nenhum registro de
documentos e textos relacionados à avaliações quantitativas (provas e
testes); de forma informal, foi perguntado a professores que trabalhavam
nesse período, e as respostas foram as mesmas, que até o ano
mencionado, as avaliações eram realizadas através da participação e
frequência dos alunos; ressaltaram que nesse período, a disciplina não
tinha obrigatoriedade na aplicação de testes avaliativos. A partir de 2009,

303
FONAPER

pode-se verificar a presença de alguns registros de provas, aplicadas pelos


educadores de ER.
Dentro da nova proposta do ER como área do conhecimento, esse
mecanismo passa a ser uma ferramenta indispensável na rotina
educacional da rede Marista, podendo se verificar que muito já evoluiu
nesse sentido, mas ainda existem muitos percalços nessa trajetória, um
deles é escassez de materiais didáticos específicos, baseados no modelo
das Ciências da Religião; outro a falta de banco de questões para os
conteúdos da disciplina.

c) Quanto à metodologia de ensino do Ensino Religioso


Segundo Passos (2007) percebeu-se que os planos de Curso de
Ensino Religioso de 2002 a 2005 utilizaram uma metodologia voltada para
o modelo teológico reforçando os aspectos ético-valorativos, tendo como
ferramentas as dinâmicas de grupos, assim como, a presença do aspecto
catequético através do momento reservado à oração. Com um modelo de
plano mais estruturado, em 2006, os métodos ainda acompanham os
modelos teológicos, trabalhando temas geradores como: a pessoa, a
família, o mundo e a religião, percebe-se que os aspectos da religiosidade
são trabalhados de maneira segmentada e com pouca proximidade do
modelo das Ciências da Religião.
No ano de 2008, com a reestruturação da Catequese e do Ensino
Religioso (UMBEC. PNE), em passos pequenos foi se construindo novos
métodos, se aproximando cada vez mais do modelo das Ciências da
Religião. Ainda em 2010, sem ter um referencial estruturado e
fundamentado no Fenômeno Religioso, percebeu-se que conteúdos
metodologias e avaliações acabavam-se repetindo em alguns momentos.
A equipe de professores de Ensino Religioso foi convidada, pela gestão da
escola, para suprir, principalmente, os desnivelamentos de conteúdos das
séries.
No início de 2011, foi construído um documento, do Maternal II ao 2º
ano do Ensino Médio, verticalizando os conteúdos da disciplina ER que
serviria de base para a construção do Plano de Curso do ano referido.
Sem imaginar que um ano depois a mantenedora, através de um grupo de
educadores da rede, iria construir uma Matriz Curricular do Ensino
Religioso fundamentada nas leis, PCNs de ER.

304
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

d) O Ensino Religioso na escola Marista de Belém em 2013


Quanto à organização nos níveis de ensino, existe uma peculiaridade
quanto à nomenclatura da disciplina, como a escola tem dentro de sua
grade curricular a partir da Educação Infantil – Maternal II – esse segmento
recebe um nome próprio Sentido Religioso, estabelecido pela rede. A
nomenclatura é Ensino Religioso, e a outra novidade, é a presença da
disciplina no Ensino Médio com o nome de Culturas Religiosas.
Hoje, no seu quadro de professores a escola conta com cinco
profissionais para ministrar as aulas de Ensino Religioso, distribuídos nos
segmentos de ensino sinalizados, todos com a habilitação legal para
exercer a função. É importante ressaltar que o critério seletivo para o cargo
é realizado da mesma forma que qualquer outra disciplina e com requisito
essencial, a graduação em Ciências da Religião ou Licenciatura em Ensino
Religioso.
A carga horária da disciplina, do 6º ao 3º Ano do Ensino Médio
obedece-se uma hora/aula por turma semanalmente, enquanto as turmas
da Educação Infantil ao 5º Ano/09 tem o acréscimo de mais uma hora/aula,
sendo 2 horas aulas semanais para cada turma.
Sabe-se da dificuldade e escassez de materiais didáticos
compatíveis a nova realidade do Ensino Religioso. A escola desde 2012
adotou livros didáticos de duas editoras diferentes, a primeira coleção da
Editora Vozes, Redescobrindo o Universo Religioso, para as turmas do 2º
Ano/09 até o 5º Ano/09; já a segunda da Editora Moderna, reservada para
o Ensino Fundamental II.
O livro didático, mais que uma ferramenta no auxílio do ensino-
aprendizagem tem contribuído bastante para o desenvolvimento da
disciplina dentro da instituição, suprindo possíveis lacunas encontradas
nessa ferramenta pedagógica os educadores do ER, produzem seus
próprios materiais didáticos para poder complementar as necessidades
acadêmicas de cada série.
As avaliações são realizadas de acordo com a proposta pedagógica
da escola atual; a cada trimestre os alunos a partir do 3º ano /09 fazem as
seguintes aplicações avaliativas: 1. Avaliação Trimestral - AVT; 2.
Avaliação de Área - AVA.
Dentro da proposta Marista, a formação é continuada; é visto e
trabalhado como prioridade para todos os educadores da rede, e não é
diferente para os profissionais do ER, no ano de 2012. Foram realizadas

305
FONAPER

pelas mantenedoras dos cursos EAD, Fenômeno Religioso e O Ensino


Religioso e o Currículo com carga horária de 80h, além da Quarta de
formação, que são formações em conjuntos com os outros profissionais
da escola, reservados à discussão dos diversos assuntos guiados pela
proposta educacional Marista. O ano de 2013, no mês de maio, teve um
grande encontro do Ensino Religioso em Brasília, onde foi um momento
ímpar para os estudos do Fenômeno Religioso, troca de experiências entre
as unidades da rede Marista, assim como, fazer um levantamento de quais
avanços foram obtidos pelo ER enquanto rede Marista e quais são os
desafios e dificuldades encontradas pela disciplina nesse percurso.
A escola Marista de Belém foi bem representada por três
profissionais da área, como também, uma coordenadora pedagógica, uma
agente pastoral e a coordenadora de área das ciências humanas. No
retorno do grupo, no momento da socialização, foi detectado que pela nova
estrutura da matriz curricular, o livro didático utilizado na educação
fundamental I pouco atende os anseios da matriz atual e que
provavelmente não será adotado no ano de 2014, já o livro do ensino
Fundamental II, ainda está sendo feito uma analise pela equipe.

Considerações Finais
Ao longo da história do Ensino Religioso neste país, é notória a
influência cristã nas práxis desenvolvidas em sala o que dificulta o
processo de mudança a um novo e moderno conceito acerca da disciplina.
Ainda é muito comum o conflito entre ensino laico versus o confessional,
onde se visualiza um enfraquecimento do Ensino Religioso, principalmente
pelo descaso de alguns gestores e comodismo de muitos educadores.
Já não se vive mais no período colonial, onde os métodos
educacionais eram devocionais. Vive-se em um mundo onde o respeito e a
reverência devem ser buscados a todo o momento, individualmente ou em
grupos, e a escola não pode ficar de fora desse processo e o Ensino
religioso precisa e deve mostrar a sua ―cara‖ ou a ―nova cara‖ que é
representada pelo estudo do fenômeno religioso, dando ênfase na
diversidade e da pluralidade cultural religiosa, porque lhe cabe esta função.
Ao término da pesquisa, fica minha convicção de que a Escola
Marista de Belém mesmo pertencendo a uma confessionalidade religiosa,
vem alcançando diversos avanços na busca de um ensino-aprendizagem

306
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

coerente para disciplina estudada fundamentada na pluralidade cultural e


religiosa. Acredito também, que para aprimorar e crescer ainda mais é
necessário que a instituição invista em profissionais especializados da área
da Ciência das Religiões no intuito de gerenciar o Ensino Religioso da
Rede Marista.
Este trabalho não esgota a discussão, mas constitui-se em um
elemento que provoca a reflexão crítica e um olhar atualizado sobre nova
ótica da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas e privadas do
Brasil e tem a pretensão de mostrar, ao leitor, em especial, aos
acadêmicos das Ciências da Religião e aos professores de Ensino
Religiosos, que uma escola de carisma e filosofia confessional pode
trabalhar o Ensino Religioso de forma a obedecer à laicidade legalizada no
Brasil.

Referências

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BRASIL. LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei


9394/96. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>.
Acesso em: 25 mar. 2013.

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Setor de Ensino


Religioso. Ensino Religioso, Situação e Perspectivas. Subsídio
divulgado a 36ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, Itaici, Indaiatuba – São Paulo, abril de 1998.

FERNANDES, Maria Madalena S. Afinal o que é o Ensino Religioso?


São Paulo: Paulus, 2000.

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pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

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OLIVEIRA, Lilian Blanck de. et al. Ensino Religioso: fundamentos e


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307
FONAPER

PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta.


Coleção Temas do Ensino Religioso. São Paulo: Paulinas, 2007.

UMBRASIL - União Marista do Brasil. Projeto Educativo Brasil Marista:


Nosso jeito de conceber a Educação Básica. Brasília: UMBRASIL,
2010.

______. Plano Trienal de Evangelização 2007-2009. UMBRASIL,


Brasília, 2007.

______. Matriz Curricular Marista. Área das ciências humanas e suas


tecnologias. Brasília: UMBRASIL, 2012.

308
O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS
BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS LEGISLAÇÕES
EDUCACIONAIS

Claudia Berdague1

Resumo:
Este artigo trata da permanência do Ensino Religioso no currículo das escolas públicas
brasileiras. A disciplina foi inserida nas escolas no período colonial quando o Estado
assumia a Igreja Católica como sua religião oficial. No período republicano acontece a
separação entre Estado e Igreja, entretanto as Constituições e leis da educação
normatizam sobre o tema, mantendo a disciplina no currículo. O objetivo desta discussão é
analisar as legislações emanadas pelo Conselho Nacional de Educação, após a
promulgação da LDB 9394/1996, objetivando compreender como a disciplina vem se
mantendo nos currículos escolares.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Legislação Educacional. Currículo Escolar.

Introdução
A religiosidade nas suas diversas formas de expressão é uma das
dimensões constitutivas do ser humano. Na escola, o estudo do tema tem
a função de embasar o entendimento do fenômeno religioso, através do
conhecimento das culturas e tradições religiosas presentes no convívio
social dos educandos, buscando educar para o diálogo e a reverência ao
transcendente.
Entretanto, os sistemas de ensino demonstram certa dificuldade em
trabalhar com este componente curricular, necessitando que os órgãos
regulamentadores da educação brasileira, os conselhos de educação,
deliberem sobre sua aplicabilidade nas escolas públicas. A lei torna a
disciplina facultativa para o aluno, mas obrigatória para a escola. E, no
entendimento de algumas redes de ensino, o ―facultativo‖ desobriga a
oferta da disciplina, visto que não há um entendimento da contribuição da
mesma para a formação dos sujeitos. Além disso, muitos não sabem como
se fará a formação de professores para a disciplina.

1
Pedagoga Especialista em Planejamento e Gestão Escolar. Mestranda do Curso de
Ciências das Religiões na Faculdade Unida de Vitória. Docente das Faculdades
Integradas do Extremo Sul da Bahia. E-mail: claudia@unece.br
FONAPER

Desta forma, o estudo deste tema se justifica pela busca de um novo


paradigma para a disciplina Ensino Religioso, capaz de sustentar uma
prática pedagógica significativa para a formação das novas gerações
inseridas nas escolas públicas e, à luz das legislações emanadas pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE), compreender os conflitos que
interferem no tratamento dado à disciplina nos dias atuais, visto que o
Ensino Religioso tem sido alvo de debate quanto à compreensão de sua
natureza e papel na escola.

O Ensino Religioso nas leis brasileiras: da colonização à década de 1980

O Ensino religioso, enquanto uma área de conhecimento, sempre


esteve presente nos currículos escolares. A disciplina insere-se na
trajetória da educação brasileira, desde o período da colonização (1500 a
1800), quando Estado e Igreja apresentavam-se integrados numa relação
de interdependência. Neste período, por delegação pontifícia e
reafirmando o poder exercido sobre o Estado, a Igreja Católica
desenvolveu um modelo de ensino voltado para a evangelização dos
gentios e catequese para os índios e negros.
Num segundo momento, de 1800 a 1964, a educação passa a ser
referendada pelo Estado, tendo como objetivo a escola pública, gratuita e
laica para todos. Nesse contexto, o Estado assume seu papel e a
burguesia toma o lugar da hierarquia religiosa na gestão das escolas. Este
período, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso2 (FONAPER, 2009), compreende épocas distintas, a saber:

Monarquia Constitucional (1823 a 1889): O ensino Religioso é


submetido ao esquema de protecionismo da Metrópole. O fio
condutor é o texto da Carta Magna de 1824, que mantém a Religião
Católica Apostólica Romana, a Religião oficial do Império em seu
artigo 5º. A religião passa a ser um dos principais aparelhos
ideológicos do Estado. O que se faz na Escola é o Ensino da Religião
Católica,
Regime Republicano (1890 – 1930): Acontece a separação entre
Estado e Igreja pelo viés dos ideais positivistas. Na primeira
Constituição Republicana aparece a expressão ―Será leigo o ensino
ministrado nos estabelecimentos de ensino‖. Mesmo havendo a
laicidade o Ensino da Religião nesse período esteve presente pelo

2
Embora tenham sido publicados pelo FONAPER desde 1997, os Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Religioso ainda não foram aprovados pelo CNE.
310
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

zelo de fidelidade dos princípios estabelecidos sob a orientação da


Igreja Católica.
Período de transição (1930 – 1937): O Ensino Religioso é inicialmente
admitido em caráter facultativo, através do Decreto de 30 de abril de
1931. Assim diz a constituição de 1934 no artigo 153: ―O Ensino
Religioso será de matrícula facultativa ministrado de acordo com os
princípios da confissão religiosa do aluno (...) e constituirá matéria dos
horários das Escolas Públicas primárias, secundárias, profissionais e
normais‖.
Estado Novo (1937 – 1945): O Ensino Religioso perde o seu caráter
de obrigatoriedade.
Terceiro período republicano (1946 – 1964): O Ensino Religioso é
contemplado como dever do Estado para com a liberdade religiosa do
cidadão que frequenta a Escola.
Quarto período republicano (1964 – 1984): Os avanços democráticos
alcançados pela sociedade brasileira são interrompidos. Nesse
contexto o Ensino Religioso é obrigatório para a Escola, concedendo
ao aluno o direito de optar pela frequência ou não no ato da matricula.

No sentido de regulamentar o tratamento da disciplina no âmbito


escolar, no período republicano foram homologadas duas Leis de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A primeira LDB, de Nº 4.024,
publicada em 1961, após amplo debate iniciado em 1948, estabelece,
através de seu Artigo 97, que:

Art. 97 O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários normais


das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem
ônus para os cofres públicos, de acordo com a confissão religiosa do
aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante
legal ou responsável.
1º parágrafo – A formação de classe para o ensino religioso
independe de número mínimo de alunos.
2º parágrafo – O registro dos professores de ensino religioso será
realizado perante a autoridade religiosa respectiva.

A segunda LDB, de Nº 5.692, homologada em 1971, fundamentada


na necessidade de uma escola tecnicista e voltada para a preparação para
o trabalho, disciplinou o tratamento a ser dado ao tema, da seguinte forma:

Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,


Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado
quanto à primeira o disposto no Decreto-lei no 869, de 12 de setembro
de 1969.
311
FONAPER

Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa constituirá


disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e
2º graus.

Por influência da Igreja Católica e compreendendo a religião como


parte integrante da formação do sujeito, ambas as leis mantiveram em seu
texto a disciplina, embora não se apresentasse uma proposta coerente e
que atendesse à Constituição quanto à laicidade da escola. Na prática
cotidiana das escolas, predominava o ensino da religião, em detrimento da
discussão acerca da religiosidade.
Tal fato se deu, primeiro, em função do Estado não assumir o ônus
com os docentes, permitindo que outros agentes assumissem a função
dentro das escolas. Segundo, quando o Estado passa a assumir o ônus,
permite que a disciplina seja ministrada por docentes do quadro efetivo do
magistério que precisavam de complemento da carga horária, os quais
nem sempre estavam preparados para ministrá-la, passando doutrinas da
religião por eles escolhida.
Na década de 1980, foi promulgada a Constituição Federal (CF) de
1988, que em seu Artigo 210 estabelece que ―O Ensino Religioso de
matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental‖ (Art. 210, parágrafo 1º do capítulo
II).
No contexto da CF, o Ensino Religioso garante seu espaço no
currículo básico do Ensino Fundamental, garantindo, posteriormente,
espaço real nas leis da educação. Desta forma, com a promulgação da
terceira LDB, Lei Nº 9394 de 1996, a disciplina é inserida no contexto
global da educação, preconizando o respeito à diversidade cultural
religiosa existente no Brasil.

O Ensino Religioso na LDB Nº 9.394/1996


Analisando o texto original da LDB Nº 9.394/1996, constatou-se que
esta cometia o mesmo equívoco da primeira (4.024/1961), pois defendia a
posição de que a disciplina não deveria ter ônus para o Estado. Tal fato
provocou protestos no setor educacional, e assim, em 1997, foi publicada a
Lei 9.475, que altera o artigo 33 da referida LDB, retirando de seu texto o
termo ―sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos‖ e dando outros
dispositivos, conforme abaixo:

312
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Art. 33 O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentam os procedimentos para a
definição do conteúdo do ensino religioso e estabelecerão as normas
para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso.

Com esta lei, o Ensino Religioso passa a garantir o direito à


diversidade cultural e religiosa do Brasil, sem quaisquer formas de
proselitismo. Porém, a forma como a disciplina está posta na lei ainda não
atende às necessidades do setor educacional, visto que, sendo uma
disciplina facultativa para o aluno, não deve constar no cômputo das 800
horas anuais, devendo cada sistema de ensino deliberar sobre a melhor
forma de atender a esta prescrição da lei.
Para os sistemas de ensino esse tema ainda apresenta dúvidas
quanto à aplicação das leis educacionais. Percebe-se uma falta de clareza
nos textos legais, pois não definem como a disciplina deve ser tratada, se
como uma área de conhecimento, ou como um tema.
Entre os anos de 1997 a 1999 foram feitas várias consultas ao
Conselho Nacional de Educação no sentido de compreender os
dispositivos da LDB Nº 9.394/1996, quanto às diretrizes para inserir a
disciplina no Ensino Fundamental, sua carga horária e a formação de
professores.
No mês de março de 1997, o CNE publica o Parecer Nº 05/97,
aprovado pelo Conselho Pleno em 11/03/1997. Os relatores, Conselheiros
João Antonio Cabral de Monlevade e José Arthur Giannotti, apresentam
duas formas de entendimento para o Ensino Religioso: a primeira é o
ensino da matéria ―religião‖ o que, neste caso, permite que qualquer
profissional que tenha a formação acadêmica adequada, seja concursado
ou contratado para a docência pode ministrar a disciplina; a segunda,
defendida pelos conselheiros, compreende por Ensino Religioso ―o espaço
que a escola pública abre para que estudantes facultativamente, se iniciem

313
FONAPER

ou se aperfeiçoem numa determinada religião‖. Neste caso, somente os


representantes das igrejas poderiam ministrar a disciplina, preservando o
caráter leigo do Estado, uma vez que o Art. 19 da CF veda a subvenção a
cultos religiosos e as igrejas.
Neste contexto, a escola apenas deve garantir a matrícula facultativa
dos alunos e disponibilizar horário e espaço físico para os encontros/aulas
da disciplina Ensino Religioso, conforme a opção dos discentes e/ou
responsáveis pelos mesmos. Os conselheiros finalizam o parecer
afirmando que:

[...] para a oferta do ensino religioso nas escolas públicas de ensino


fundamental, da parte do Estado, e, portanto dos sistemas de ensino e
das escolas, cabe-lhes, antes do período letivo, oferecer horário
apropriado e acolher as propostas confessionais e interconfessionais
das diversas religiões para, respeitado o prazo do artigo 88 da lei
9394/96, ser incluída no Projeto Pedagógico da escola e transmitida
aos alunos e pais, de forma a assegurar a matricula facultativa no
ensino religioso e optativa segundo a consciência dos alunos ou
responsáveis, sem nenhuma forma de indução de obrigatoriedade ou
de preferência por uma ou outra religião.

Este parecer esclarece alguns pontos acerca do tratamento a ser


dado à disciplina. Porém, com a publicação da Lei 9.475, em julho de
1997, o artigo 33 é alterado, e na nova redação assegura o ―respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo‖. Em seu artigo primeiro, delega aos sistemas de ensino a
tarefa de regulamentar os conteúdos, habilitação e admissão dos
professores. Entende-se que o Estado deve arcar com o pagamento desse
profissional, visto que, na nova redação, o termo ―sem ônus para os cofres
públicos‖ foi retirado do texto.
Outra questão posta por essa Lei, em seu artigo segundo, é que os
conteúdos devem ser definidos pelos sistemas de ensino, com a
participação da sociedade civil constituída pelas diferentes denominações
religiosas. Desta forma, não há compatibilidade de acolhimento às
propostas confessionais ou interconfessionais, conforme estabelecia o
texto original da LDB Nº 9.394/96.
Desta forma, com a alteração do Artigo 33 tornou-se necessário novo
pronunciamento do CNE. Assim, em janeiro de 1998, foi publicado o
Parecer Nº 04/98, que define diretrizes nacionais para o Ensino
Fundamental. Em sua introdução, a relatora, Conselheira Regina Alcântara

314
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de Assis, afirma que: ―A magnitude da importância da Educação é assim


reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus,
o civis, o socius, ou seja, a pessoa em suas relações individuais, civis e
sociais‖.
A conselheira não menciona o aspecto religioso como dimensão
constituinte do ser, apenas reafirma que a ―Educação Religiosa, nos
termos da lei, é uma disciplina obrigatória de matrícula facultativa no
sistema público‖.
Em junho de 1998, o CNE publica novo parecer sobre o Ensino
Religioso. Trata-se de resposta à consulta feita pela Secretaria de Estado
da Educação de Santa Catarina. O referido Parecer, de Nº 16/98, vem
esclarecer o prescrito na lei 9.475/97, e teve como relator o Conselheiro
Kuno Paulo Rhoden, que inicia seu texto enfatizando a função social do
Ensino religioso e sua oferta na escola, em seguida faz uma ―exegese‖ da
Lei 9.475/1997, explicitando que a disciplina deve fazer parte dos horários
normais do Ensino Fundamental, e que cabe a cada sistema de ensino a
elaboração da Proposta Pedagógica que irá determinar as normas e
procedimentos para o cumprimento das disposições legais e operacionais
das escolas.
Quanto à formação de professores para a disciplina Ensino
Religioso, ainda não se tem uma orientação concreta de como os sistemas
de ensino devem proceder para a contratação de docentes. Numa tentativa
de nortear os sistemas de ensino, em 06/04/1999 o CNE publica o Parecer
Nº CP 97/99, que trata da formação de professores para o Ensino
Religioso nas escolas públicas de Ensino Fundamental. Este parecer teve
como relatora a Conselheira Eunice R. Durham, que aborda as demais
legislações que tratam do tema e dá uma resposta às solicitações de
autorização de cursos de licenciatura em Ensino Religioso. De acordo com
a conselheira, em virtude da diversidade de manifestações religiosas
existentes no Brasil, não é possível que o Estado autorize um curso desta
natureza sem ferir a autonomia dos sistemas de ensino tão enfatizada nas
demais legislações. Assim, de acordo com a referida conselheira, não cabe
à União,

[...] determinar, direta ou indiretamente, conteúdos curriculares que


orientam a formação religiosa dos professores, o que interferira tanto
na liberdade de crença como nas decisões de Estados e municípios
referentes à organização dos cursos em seus sistemas de ensino, não
lhe compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de
315
FONAPER

licenciatura em ensino religioso, cujos diplomas tenham validade


nacional.

Ainda sobre a formação de professores, em 19/04/1999 é publicada


a Resolução do CNE Nº 02/1999, que estabelece diretrizes para a
formação de docentes para a Educação Básica. Apenas o Artigo 2º, Inciso
III, faz menção à questão, ao estabelecer que os sistemas de ensino
devam preparar professores capazes de:

III – desenvolver práticas educativas que contemplem o modo singular


de inserção dos alunos futuros professores e dos estudantes da
escola campo de estudo no mundo social, considerando abordagens
condizentes com as suas identidades e o exercício da cidadania
plena, ou seja, as especificidades do progresso de pensamento, da
3
realidade socioeconômica, da diversidade cultural, ética, de religião
e de gênero, nas situações de aprendizagem;

Desta forma, espera-se que cada sistema de ensino elabore sua


proposta pedagógica, determinada por um projeto de educação que atenda
aos anseios da comunidade para a qual se destina. Uma vez definida a
proposta, deve-se priorizar a formação de docentes capazes de dar vida
ao proposto, imprimindo em suas práticas pedagógicas ações capazes de
transformar a realidade, ora esvaziada de valores próprios à boa
convivência social.

Considerações Finais
O estudo aqui apresentado mostra que as normas regulamentadoras
do setor educacional definem que a disciplina Ensino Religioso deve fazer
parte do currículo normal do sistema escolar. O tema não deve ser
entendido como ensino de uma religião ou das religiões na escola, mas
sim uma disciplina centrada em pressupostos antropológicos, teológicos e
pedagógicos.
Alguns setores ainda a consideram como elemento eclesiástico e
não como disciplina regular integrante do currículo escolar. Assim, ainda
se faz presente nas salas de aula práticas confessionais, ou então, diante
da carência de docentes para a disciplina, a mesma é tratada de forma
superficial e às vezes como tema transversal, usando a metodologia da
pedagogia de projetos.

3
Grifo nosso.
316
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

As diversas legislações que tratam do tema demonstram as


incertezas quanto a sua oferta. Isto faz com que os sistemas de ensino não
a valorizem, não invistam na formação de professores ou elaborem uma
proposta pedagógica que responda aos anseios da sociedade para a
formação das novas gerações que vêm demonstrando comportamentos
caracterizados pela violência e intolerância.
No contexto atual, a disciplina Ensino Religioso deve se constituir
num espaço para a discussão e debate de questões como cultura,
tradições, valores, ética e fé. Faz-se urgente repensar a disciplina Ensino
Religioso nas escolas públicas, visto que a mesma é um dos caminhos
para combater os preconceitos e discriminações ligados à raça, ao gênero,
às diferenças, à religião e à cultura, proporcionando a construção de uma
nova ideologia para uma sociedade como a nossa, que é composta por
diversas etnias, caracterizada por marcas identitárias, que precisam ser
educadas para a justiça e a paz.

Referências

BRASIL. Constituição Federal de 1998. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de mai 2011.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 4.024 de


1961. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm>. Acesso em 20 de
mai. 2011.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 5.692 de 1971.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm>.
Acesso em: 20 de mai. 2011.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 9.394 de 1996.


Disponível em:
<http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf?
sequence=1>. Acesso em: 20 de mai. 2011.

_____. Lei Nº 9475 de 1997. Disponível em:


<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/lindice.htm>. Acesso em: 20 de mai.
2011.

317
FONAPER

______. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Parecer nº


05, de 11 de março de 1997. Interpretação do artigo 33 da Lei nº
9.394/96. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PNCP0597.pdf>. Acesso em 25
jun. 2012.

______. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.


Parecer nº 04, de 29 de janeiro de 1998. Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB04_1998.pdf>. Acesso em:
25 jun. 2012.

______. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.


Parecer nº 16, de 01 de junho de 1998. Consulta a carga horária do
ensino religioso no Ensino Fundamental. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb 16_98.pdf>. Acesso em: 25
jun. 2012.

______. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.


Resolução Nº 02 de 1998. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/20483294/Resolucao-CEB-02-98-Institui-as-
Diretrizes-Curriculares-Nacionais-para-o-Ensino-Fundamental>. Acesso
em: 20 de mai. 2011.

______. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.


Resolução nº 02 de 19 de abril de 1999. Institui diretrizes curriculares
nacionais para a formação de docentes da educação infantil e dos anos
iniciais do ensino fundamental, em nível médio na modalidade normal.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/doc/rceb02_99.doc>.
Acesso em 02 mai.2006

______. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Parecer nº


97, de 06 de abril de 1999. Formação de professores para o Ensino
Fundamental nas escolas públicas de ensino fundamental. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PNCP0597.pdf>. Acesso em 25
jun. 2012.

FONAPER. Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros


curriculares nacionais - Ensino Religioso. São Paulo: Mundo Mirim,
2009.

318
O ENSINO RELIGIOSO NO CURRÍCULO ESCOLAR1

Elisângela Madeira Coelho2

Resumo:
O artigo aborda a necessidade de discutir e socializar estudos relacionadas aos processos
de construção de conhecimentos nas culturas – tradições religiosas e não-religiosas e suas
interfaces com o Ensino Religioso enquanto área de conhecimento da educação básica. A
partir dessa perspectiva, destacamos que um dos grandes desafios para a educação é
promover o respeito pelo outro como legítimo outro, sem o intento de homogeneizar as
culturas. Outro aspecto relevante é levar em consideração o perfil docente que possa
atender a proposta do Ensino Religioso. Espera-se desse profissional, uma metodologia
dialógica e contextual e o grande desafio, porém, é efetivar um Ensino Religioso voltado
para a superação do preconceito religioso, alicerçado no conhecimento e respeito à
diversidade cultural e religiosa.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Currículo. Formação de professores.

Introdução
A esfera da religiosidade é uma dimensão constitutiva da realidade
humana. Desde que o ser humano começou a ter consciência das coisas,
ele já percebeu a existência de algo superior a ele, que foge da sua
compreensão. Esta interpretação foi feita por vários povos e culturas
diferentes, do qual resultaram distintas crenças em seres ou espíritos
divinos, também chamados de transcendentes. Segundo o dicionário
Aurélio (2002), o sentido da palavra transcendente possui muitos
significados como: algo muito elevado, superior, sublime, excelso, que
transcende aos limites da experiência possível, que supõe a intervenção
de um princípio que lhe é superior.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso (FONAPER, 2009), o transcendente é uma das manifestações do
fenômeno religioso, entendido como o processo de busca que o ser
humano realiza na procura pela transcendência, o que perpassa desde sua
experiência pessoal até a sua experiência religiosa em grupo, comunidade
ou tradições religiosa.

1
Este artigo é resultado parcial da dissertação do Mestrado em Ciências da Religião.
2
Elisângela Madeira Coelho, Pedagoga-Supervisora Escolar no Instituto Federal do
Espírito Santo – Campus Itapina, Mestranda em Ciências da Religião na Faculdade
Unida de Vitória - ES, e-mail: elismadeira@yahoo.com.br
FONAPER

Como a sociedade brasileira é caracterizada pela diversidade


cultural, coexistem inúmeras expressões religiosas no contexto social, bem
como nas escolas e salas de aula, o que implica diretamente nas relações
estabelecidas entre os diversos personagens que constituem o ambiente
escolar. Pensar estas relações na escola supõe desafios e possibilidades.
Desafios enquanto as dificuldades de aceitar o diferente e as diferenças e
possibilidades enquanto espaço de contato com o diferente e as diferenças
para então (re)significá-las na perspectiva da alteridade.
Por isso, evidencia-se a importância de oportunizar acesso ao
conhecimento das diferentes tradições e movimentos religiosos que se
apresentam na atualidade, considerando que a intolerância religiosa
promove diversos tipos de discriminação, que em muitas ocasiões podem
levar a graves conflitos. Para viver democraticamente em uma sociedade
multicultural é preciso conhecer e respeitar as diferentes culturas que a
constituem. E o ambiente escolar é o espaço privilegiado para promover o
conhecimento e a valorização da trajetória dos diferentes grupos sociais,
pois só assim será possível superar atitudes de intolerância em relação às
diferenças culturais.
A fim de promovermos significativas mudanças na vida das pessoas,
com o intuito de elas repensarem a forma de agir e interagir em sociedade,
devemos utilizar meios para que sejam impulsionadas a desfazer posturas
avarentas e coercivas. Nesse contexto, evidenciamos a grande
contribuição do Ensino Religioso no processo formativo e educacional.
O grande desafio, porém, é efetivar um Ensino Religioso voltado para
a superação do preconceito religioso, alicerçado no conhecimento e
respeito à diversidade cultural e religiosa. Tal componente deve oferecer
subsídios para que os estudantes entendam como os grupos sociais se
constituem culturalmente e como se relacionam com o sagrado. Estudar o
fenômeno religioso requer, por sua própria natureza, uma metodologia
dialógica e contextual.
Neste trabalho, propomos trazer elementos teóricos que auxiliem na
reflexão e compreensão dessas implicações na disciplina do Ensino
Religioso, apontando para alguns aspectos práticos que propiciem a
construção de espaços democráticos onde as diversas culturas e religiões
possam estar representadas e principalmente a formação do profissional
de Ensino Religioso que necessita de uma leitura crítica das realidades

320
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sociais para organização e direcionamento do seu trabalho em sala de


aula.
Por fim, reiteramos a importância do Ensino Religioso em abordar o
conhecimento das diferentes culturas e religiões presentes na sociedade,
uma vez que o ambiente escolar é o espaço privilegiado para promover o
reconhecimento e a valorização da trajetória dos diferentes grupos sociais.
Consideramos que os saberes abordados pela disciplina precisam ser
pesquisados e contextualizados histórica e socialmente. A partir dessa
perspectiva, destacamos que um dos grandes desafios para a educação é
promover o respeito pelo outro como legítimo outro, sem o intento de
homogeneizar as culturas.

Diversidade Religiosa e Ensino Religioso


A nova redação do art. 33 da Lei n° 9394, de 20 de dezembro de
1996, determina que o Ensino Religioso, de matrícula facultativa, seja
parte integrante da formação básica do cidadão, constituindo disciplina nos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado
o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.
Neste sentido, para Junqueira (1995, p.14) não é ―função do Ensino
Religioso escolar promover conversões, mas oportunizar ambiente
favorável para a experiência do Transcendente, em vista de uma educação
integral, atingindo as diversas dimensões da pessoa‖. Tornar essa
concepção possível no currículo escolar implica considerar professores e
alunos sujeitos produtores e disseminadores de conhecimento,
conscientes de sua cidadania, em formação permanente. Assim, o Ensino
Religioso nos permite andar pelos caminhos da cultura e da diversidade,
resgatando valores que podem influenciar na construção de uma
sociedade mais justa e humana.
Na escola, diante da diversidade cultural e das tradições religiosas
em que o educando se insere, o Ensino Religioso, por meio do estudo do
fenômeno religioso, desencadeia o respeito à tolerância para com o
diferente, implicando ao professor compreender os movimentos
específicos das diversas culturas, cujo substantivo religioso colabora com
a constituição de cidadãos multiculturalistas, e também valorizar a
diversidade daquilo que distingue os diferentes componentes culturais,

321
FONAPER

com a finalidade de adotar na sua prática, políticas educacionais e sociais


de valorização da diversidade.
A literatura sobre o Ensino Religioso disponível não tem nenhuma
dúvida sobre as possibilidades concretas deste apresentar alguma
contribuição para a formação do cidadão. Citamos trechos paradigmáticos
de duas autoras:

Esta disciplina, trabalhada de forma interdisciplinar, colabora para que


educandos e educadores estejam comprometidos com a qualidade de
vida, em que a justiça, a fraternidade, o diálogo e o respeito pelo
diferente, pela história, pelas tradições e culturas favoreçam a paz, a
unidade, a esperança e a solidariedade. Admitido como parte
integrante da formação global o educando, favorece a humanização e
a personalização de educandos e educadores, como sujeitos de seu
desenvolvimento e protagonistas na construção de um mundo novo,
humano e solidário (CARON, 1998, p. 286-287).

Muitas vezes é pelo vazio desta disciplina que no relacionamento


humano o direito se tornou a lei do mais forte e a vida social termina
no egoísmo que semeia as injustiças mais gritantes. Eis a finalidade
da religião na vida da pessoa: tentar orientá-la para o sobrenatural;
ligá-la novamente com o sobrenatural... No entanto, esta ligação deve
ser orientada numa dimensão libertadora e não alienante, pois já
vimos que a religião pode ser usada para libertar o homem e levá-lo a
uma ação transformadora, condizente com o projeto de Deus, ou pode
levá-lo a uma atitude totalmente contrária como é o caso da opressão,
da exploração, da dominação e da discriminação, tão presentes em
nosso continente Latino-americano (FERNANDES, 2000, p. 30-31).

Uma das funções sociocultural-histórico da educação básica é


desenvolver fundamentos para a formação do cidadão e que o currículo
deste ensino contribua para uma aprendizagem significativa de releitura e
interpretação da realidade, possibilitando assim a participação do cidadão
na sociedade de forma autônoma, livre e feliz.
O Ensino Religioso, área de conhecimento, tem um referencial
próprio de leitura e de interpretação da realidade e o objetivo de contribuir
com a formação integral do indivíduo, inserindo-o no processo de
participação cidadã na sociedade, de forma autônoma e solidária.
Enquanto campo de conhecimento, o Ensino Religioso se
fundamenta na matriz teórica das ciências das religiões e
metodologicamente trabalha com eixos estruturantes, que tem por objetivo
desenvolver a compreensão do fenômeno religioso e a compreensão das
experiências e expressões da religiosidade no ser humano. Os eixos que
sustentam o componente curricular se organizam em torno da leitura e
322
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

compreensão das Tradições e Culturas, Teologias, Textos Sagrados Orais


e Escritos, Ritos e Ethos (FONAPER, 2009).
É a ação pedagógica realizada a partir de conteúdos programáticos
que possibilita ao educando apropriar-se de uma metodologia de leitura e
compreensão da realidade, quando se desenvolvida numa ação de:
• Observação: ou seja, de olhar e perceber o fenômeno religioso em
suas múltiplas dimensões e de fazer a análise do contexto para
apropriar-se de conceitos básicos do componente curricular
Ensino Religioso.
• Informação: ou seja, da aproximação do conhecimento, na
perspectiva de que o educando amplie seus conhecimentos, para
construir instrumentos e referenciais de interpretação e análise,
possibilitando recolocar e ressignificar conceitos.
• Reflexão: ou seja, oportunizar o confronto pedagógico do
conhecimento teórico com a prática, exercitando e organizando
observações, e gerenciando informações necessárias à
construção do conhecimento.
• Ação: ou seja, mobilizar o educando para apropriar-se de
linguagens, compreender fenômenos, construir argumentações e
elaborar propostas para a convivência fraterna, respeitosa e de
dignidade.
Assim se constitui a área de conhecimento Ensino Religioso, na
compreensão do seu objeto de estudo e possibilidade de a abertura de um
campo de leitura e de relações multi e transdisciplinar, integrando diversos
saberes e dialogando com outras ciências com a finalidade de contribuir
para a construção de novas práticas, que auxilie para a formação integral
do educando e que tenha uma perspectiva sempre aberta para o novo.
Que se expande para novos e desconhecidos horizontes do saber.

A Formação do Professor de Ensino Religioso


Freire (1996) nos ensina que o diálogo não é mero bate-papo, não é
tática para fazer amigos, não é um vaivém de informações, não é um
método, não é uma técnica para obter resultados ―não existe num vácuo
político. Não é um espaço livre onde se possa fazer o que se quiser.‖ O
diálogo implica uma troca de saberes, mas não se esgota nela. É condição
para a construção de conhecimento, porque na situação dialógica a

323
FONAPER

comunicação entre os sujeitos que estão dialogando problematiza o objeto


de conhecimento, questionando, criticando, avaliando, trazendo novos
aportes de informação, enfim, ampliando as dimensões do que é possível
saber sobre o objeto a ser conhecido/reconhecido. Nas palavras de Paulo
Freire (1986, p.123),

O diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os


seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente
comunicativos. O diálogo é o momento em que os seres humanos se
encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e a
refazem.

A relação é presença e construção. Portanto, a educação é


construída na base de uma compreensão pluridimensional da pessoa e vai
acontecer nos espaços de aprendizagem como exercício de reflexão e
ação críticas. A educação no Ensino Religioso deve apresentar-se como
uma pedagogia que promova a construção de uma participação, incentive
a compreensão dos dissensos e conflitos, leve a uma abertura para o
mundo como compromisso concreto com os contextos nos quais se dão os
processos educativos.
A investigação sobre o currículo e a formação do professor de Ensino
Religioso encontra-se intimamente atrelada ao processo histórico e social
da educação brasileira. A promulgação da LDB/96 se deu em meio a uma
época marcada por significativos avanços científicos tecnológicos,
reestruturações no mundo do trabalho, ampliação dos meios de acesso à
informação e instauração de políticas públicas voltadas às demandas das
classes menos favorecidas. Crescia, porém, a consciência da necessidade
de um fortalecimento de iniciativas em prol da valorização das diferentes
culturas, preservação ecológica, respeito à ética e à dignidade humana,
entre outros.
O Ensino Religioso na sua articulação prescinde de alguns aspectos
fundamentais para a sua concretização, como por exemplo: as
contribuições das áreas afins, a busca permanente pelo sentido da vida, a
superação da fragmentação das experiências e da realidade, o pluralismo
religioso, a compreensão do campo simbólico e a necessidade de evitar o
proselitismo. Através dos eixos temáticos e da concepção de que a
atuação do ser humano não se limita às relações com o meio ambiente e
às relações sociais, mas sim está sempre em busca de algo que
transcende essas realidades.
324
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Nesse sentido, como os professores de Ensino Religioso estariam


trabalhando /vivenciando sua prática no dia-a-dia escolar? Não se faz
Ensino Religioso sem pensar em organização da educação como um todo,
em projeto de escola e em concepções que se têm do conhecimento
religioso. As ideias de Morin (2003) em suas produções individuais ou
como relator da UNESCO, têm se mostrado significativas para a pesquisa
na área do Ensino Religioso. Suas contribuições estão centralizadas no
conceito de multidimensionalidade do ser humano e da sociedade. Entre
essas dimensões encontra-se a religiosa. Ao mesmo tempo em que Morin
(2003, p. 116) ressalta as partes, as diferentes dimensões, para mostrar
que elas existem, também destaca que há ―uma interretroação‖ entre elas
para que se gere o ―conhecimento pertinente‖.
O conhecimento religioso torna-se, a partir desse argumento, um
conhecimento pertinente porque faz parte da multidimensionalidade do ser
humano e da sociedade, ou seja, proporcionará o entendimento das ideias
em contribuir para o incremento do estudo das concepções
epistemológicas do Ensino Religioso, conhecer as concepções
epistemológicas que norteiam a intencionalidade e a prática dessa área de
conhecimento.
As religiões fazem parte da cultura humana, e, portanto, cada religião
é peculiar, por expressar diferentes linguagens, diferentes formas de
acreditar, de celebrar, de rezar, e de relacionarem-se com alteridade e de
simbolizar de formas diferentes esses fenômenos religiosos vivenciados
pelos membros de cada cultura.
A educação precisa ajudar a interpretar a nossa história, a refletir
sobre atitudes, a perceber como se constrói uma vida melhor. Os
professores de Ensino Religioso tem grande dificuldade em manter um
clima agradável em sala de aula, uma vez que os alunos e a comunidade
escolar de um modo geral ―ainda não estão conscientizados‖ da
importância da disciplina, causando tumulto no ambiente escolar. Desta
forma os professores de Ensino Religioso precisam de instrumentos que
os façam interessarem e com isso possam transmitir seu conteúdo de
forma dinâmica e prazerosa.
Lurdes Caron e equipe do GRERE, no livro O Ensino Religioso na
nova LDB, relatam que a escola, ao introduzir o Ensino Religioso na sua
matriz curricular, busca refletir e integrar o fenômeno religioso como um

325
FONAPER

saber fundamental para a formação integral do ser humano. Mas, a partir


disso, emerge uma questão: quem educará os educadores?
Morin (2005) remete-nos a uma resposta quase que imediata:
precisamos adequar a nossa formação para que ela possa atender a este
―Novo Mundo‖ no qual vivemos hoje, onde a cada dia, novas ferramentas
tecnológicas estão à nossa porta. É preciso pensar que muito mais do que
a própria ideologia neoliberal que aponta a exigência da formação para
que se tiverem títulos – necessitamos de uma formação e auto-formação
que possam avançar na ciência, no estudo do objeto e de suas relações.
Surge então a ideia de perfil docente que possa atender a proposta
de Ensino Religioso. Espera-se do professor um envolvimento que inicia e
culmina no projeto político-pedagógico da escola, referindo-se à
competência pedagógica de trabalhar com situações novas em que a
pessoa docente demonstre coerência entre preceitos teóricos e sua
prática. Freire (2005, p. 90) enfatiza que ―não é no silêncio que os homens
se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão‖.
A capacidade de interagir com pessoas de diferentes etnias,
gêneros, situação sociocultural, confissões religiosas supõe conhecimento
das características da identidade nacional, regional e local. Colocar-se em
diálogo com diferentes pensamentos e formas de ser requer humildade e
sabedoria ao mesmo tempo.
Para Freire (1980, p. 83), ―o diálogo não pode existir sem um
profundo amor pelo mundo e pelos homens. Designar o mundo, que é ato
de criação e de recriação, não é possível sem estar impregnado de amor.
O amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo‖.
Dada tal importância ao diálogo, é possível dizer que, no prisma
educacional, dialogar não é ―catequizar‖, mas socializar para uma reflexão-
ação. Dialogar vai além de intercambiar ideias, mas é uma conversa que
gera uma reflexão coletiva visando criar ou aprimorar ações
emancipadoras dos oprimidos.
Ao assumir o Ensino Religioso na perspectiva da formação, da busca
de um significado de vida, do desenvolvimento da personalidade com
critérios seguros, do compromisso com a plena realização, tem
implicações com os conteúdos e as metodologias veiculadas, isto é,
Junqueira (2004, p.35) relata que se exige a coerência e a consistência
entre teoria e prática, intenções e ações, o que perpassa pela
transformação de seu articulador, de seu interlocutor, de seu mediador que

326
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

é a pessoa do educador, o professor de Ensino Religioso como catalisador


pela sua sensibilidade, perspicácia e criatividade.
Ao docente se faz necessário que transite com segurança e equilíbrio
entre o saber religioso e a adesão religiosa do corpo discente e a sua
própria. O perfil docente se constrói de modo contextualizado. A figura
professoral se faz em consonância com o seu espaço de atuação, em
conjunto com outras pessoas docentes, em conjunto com seu corpo
discente e em sintonia com a sua formação.
Nesta perspectiva, percebemos que a identidade do Ensino
Religioso pretende contribuir para que os educandos tenham: esperança e
utopia, para buscar uma sociedade justa, humana e solidária; capacidade
de dialogar com os diferentes num contexto de uma sociedade ao mesmo
tempo plural e desigual; condições de buscar o Transcendente sem perder
de vista o compromisso ético com o ser humano; senso crítico e
discernimento tanto para fazerem a leitura do mundo à sua volta quanto
para fazer a distinção entre o certo e o errado com base em valores
religiosos e humanistas; engajamento e militância nas causas que
envolvem o enfrentamento de toda forma de opressão, exploração,
exclusão, dominação e discriminação.

Considerações Finais
Com este trabalho verificamos a necessidade dos profissionais de
Ensino Religioso terem formação para colocar em prática os objetivos da
disciplina, a qual tem suas especificidades e os professores precisam
buscar referenciais para a organização e o redirecionamento do seu
trabalho em sala de aula, ampliando-se as vivências no trato com o outro,
para aprender a ser e conviver. Morin (2003) salienta a necessidade da
formação do professor para ajudar a contextualizar, a ampliar o universo
alcançado pelos estudantes, a problematizar, a descobrir novos
significados no conjunto das informações trazidas, ou seja, de
conhecimentos prévios.
Para Pedro Demo (2002), a pesquisa deve ser compreendida como
atividade cotidiana onde o educando é desafiado e estimulado a buscar
ajuda na literatura e, com os professores, a acessar recursos tecnológicos,
a montar um mosaico das informações, a discuti-las e criticá-las, e com
isso, a construir seu próprio conhecimento.

327
FONAPER

Dessa forma há uma interação entre educando (sujeito), fenômeno


religioso (objeto) e conhecimento (objetivo); o fenômeno religioso se
estrutura na bipolarização: cultura e tradição religiosa, visto que toda
cultura tem em seu substrato a presença do religioso e que toda tradição
religiosa constitui-se no bojo de uma cultura, num processo simultâneo,
interativo.
As possibilidades de uso de novos recursos são imensas. O mais
importante, porém, seria abrir os olhos dos nossos adolescentes para
analisar tudo o que acontece à sua volta, tornando-os capazes de entender
a vida para ter liberdade de escolher, construir e modificar sua prática.

Referências

BRASIL. Lei n. 9.394 - Diretrizes e bases da educação nacional:


promulgada em 20/12/1996. Brasília, Editora do Brasil, 1996.

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2000.

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JUNQUEIRA. Sérgio Rogério Azevedo. O processo de escolarização do


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328
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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da educação. Curitiba: Champagnat, 2004, p. 35

MORIN, Edgard. A cabeça bem-feita. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand


Brasil, 2003.

329
O LUGAR DO ENSINO RELIGIOSO NO CURRÍCULO DA
EDUCAÇÃO ADVENTISTA

Francisco Luiz Gomes de Carvalho (PPCIR/UFJF)1

Resumo:
Assim como caracterizar o modelo de Ensino Religioso (ER) ofertado no sistema
educacional adventista é fundamental para compreender a lógica inerente aplicada pela
denominação em sua missão veiculada na efetividade do projeto educacional, de igual
importância é entender a estruturação e operacionalização curricular no nível escolar para
observamos o lugar reservado ao ER. Os dados aqui apresentados advêm de análise
documental balizada por uma abordagem crítica que se afirma como crivo reflexivo. É
conveniente indicar que este texto apresenta uma fundamentação teórica devedora à área
de estudos curriculares e da sociologia da educação, especialmente das teorias analíticas
de Apple (2006), Bourdieu (1989), Foucault (1979), Goodson (2008) e Silva (2004).

Palavras-chave: Ensino Religioso; Currículo; Educação Adventista;

Introdução
A história da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) apresenta em
seus primórdios um desinteresse pela educação, porque a membresia
aguardava o segundo advento de Jesus em sua geração. Assim ―[...] para
muitos pais adventistas a iminência do advento tornava uma educação
comum e básica até mesmo relativamente sem importância‖ (SCHWARZ;
GREENLEAF, 2009, p. 116). Por isso, o sistema educacional adventista
foi o último empreendimento denominacional.
Nesta direção, Knight (1982, p. 1) afirma que:

A educação formal foi o último segmento institucional a ser


estabelecido dentro da denominação. Ela foi precedida pelo
estabelecimento da obra de publicações em 1849, da organização
eclesiástica centralizada em 1863 e da obra médica em 1866. Em
contraste, a Igreja Adventista estabeleceu sua primeira escola em
1872 e não chegou a possuir um amplo sistema de escolas
fundamentais até cerca de 1900.

1
Doutorando em Ciência da Religião (UFJF / Bolsista FAPEMIG). Mestre em Ciência da
Religião (PUC-SP/ Bolsista CNPq), graduado em Teologia (UNASP-SP) e graduando
em Pedagogia (UNIP). Participante do NEPROTES – Núcleo de Estudos em
Protestantismos e Teologias. E-mail: fluizg@yahoo.com.br.
FONAPER

Desta forma, a primeira escola patrocinada pela denominação surgiu


em Battle Creek (EUA), em 1872. Dois anos após, a Sociedade
Educacional Adventista do Sétimo Dia torna-se entidade legal nos Estados
Unidos da América.
Por ocasião da inauguração da primeira escola oficial da
denominação, Uriah Smith apresenta o propósito que a educação
adventista deveria representar: ―[...] Como a semente de mostarda entre as
plantas, esperamos que esta escola ocupe um lugar importante entre as
instituições em funcionamento para o avanço da verdade‖ (SMITH, 1872,
p. 204).
É fato que o início da história da educação brasileira deu-se no berço
da confessionalidade, tendo ao longo de seu percurso recebido influências
significativas do catolicismo e protestantismo. Certamente que as missões
norte-americanas ligadas ao protestantismo prestaram importante
contribuição à educação brasileira ao ampliar a oferta educacional para a
população não contemplada pelo sistema de ensino vigorante, bem como
―[...] pela inovação do sistema pedagógico, que veio preencher as lacunas
existentes‖ (HACK, 2000, p.12).
Nesta direção, Silva (2002) aponta possíveis contribuições do
sistema educacional adventista para a educação brasileira, são elas: a) a
instalação de escolas em áreas rurais favoreceu a difusão da educação no
Brasil; b) a oferta de bolsas de estudos para estudantes oriundos das
camadas mais pobres contribuiu para que a educação proporcione a
mobilidade social ascendente.
Queremos, neste trabalho, apresentar o lugar que o Ensino Religioso
(ER) ocupa na educação adventista, analisando-o a partir da perspectiva
da sociologia da educação e dos estudos de currículo. Tal análise funda-se
numa apropriação tópica (CATANI; CATANI; PEREIRA, 2001) das teorias
analíticas de Apple (2006), Bourdieu (1989), Foucault (1979), Goodson
(2008) e Silva (2004).
É imprescindível neste texto apresentar que os delineamentos a
serem expostos acerca do ER na educação adventista tem a compreensão
maximizada à luz de dois documentos que são balizadores para tal
sistema educacional confessional, a saber: Pedagogia Adventista
(DSAIASD, 2009) e Declaração da Filosofia Educacional Adventista do
Sétimo Dia (RASI, 2001).

332
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A educação adventista
A educação adventista é um empreendimento denominacional que
foi precedido pela organização denominacional da obra de publicações em
1849, e pelo vigoroso programa de saúde de 1866 (KNIGHT, 1982). Este
empreendimento encontrou nos escritos advindos de Ellen G. White2 as
diretrizes a serem seguidas na implantação e desenvolvimento de uma
educação cristã, centrada na preocupação com o currículo, tendo a Bíblia
como referencial para todos os níveis de educação (CADAWALLADER,
1949).
De algum modo, Ellen G. White apenas refletiu as mudanças que
estavam acontecendo na sociedade de sua época (GREENLEAF, 2010),
pois o ânimo e interesse denominacional pela educação deve ser
entendido numa dialética que considere o espírito de reforma que
reanimava a sociedade norte-americana pelo progresso da educação.
Nesta conjuntura maior entende-se que no meio adventista

[...] os princípios educacionais foram desenvolvidos, por um lado,


dentro do contexto das tentativas do século dezenove de reformar a
educação e, por outro lado, dentro do contexto denominacional de
comparativa indiferença para com a reforma educacional (DOUGLAS,
2001, p. 344).

Certamente que o desenvolvimento do sistema educacional


adventista caminhou concomitantemente às orientações da profetisa,
todavia, seus princípios, alvos e objetivos educacionais encontram-se
pulverizados em uma ampla e variada coleção de cartas, panfletos e
artigos publicados ao longo de sua vida, e posteriormente sistematizados
pela liderança eclesiástica.
É perceptível nos escritos denominacionais de White, que a
educação deve ser vista a partir da perspectiva da cosmovisão bíblico-
cristã, a fim de que a Bíblia tenha centralidade no processo educativo, para
que o aluno seja desenvolvido nas múltiplas dimensões, tornando-se uma
pessoa preparada para atuar como obreiro ou como alguém que, mesmo
não estando nas fileiras dos servidores denominacionais ao escolher sua
profissão apoie a missão da igreja. Para tanto, o ideário educacional que

2
Ellen G. White recebeu em janeiro de 1872 sua primeira visão sobre princípios
educacionais e escreveu 30 páginas sobre o que havia visto, por título a Devida
Educação.
333
FONAPER

permeia o sistema educacional adventista, bem como compõe o imaginário


denominacional refere-se a uma proposta educacional de ―restauração‖ do
indivíduo.
Segundo Suárez (2010), desde que se criou um consenso acerca da
missão educacional da IASD, a partir daí buscou-se a formulação de um
currículo educacional que fosse condizente com os ideais propostos. Em
sua obra, Hilde (1980) dentre as reflexões realizadas acerca da
presentividade da educação adventista, ressalta que a preocupação com o
currículo deve estar permeada pelos apontamentos da mensagem da
IASD.
A questão curricular na educação adventista tem sempre ocupado a
pauta das preocupações institucionais da IASD, pois é neste campo onde
se assentam as bases para a integração fé e ensino pretendida por este
sistema educacional. Com a prerrogativa de que um currículo equilibrado é
aquele que fomenta o desenvolvimento integral da vida espiritual,
intelectual, física, social, emocional e vocacional, na educação adventista o
currículo além de promover a excelência acadêmica, deve contar com ―[...]
cursos de formação espiritual que guiarão o viver cristão [...] A formação
do cidadão inclui apreço por sua herança cristã [...]‖ (RASI, 2001, p. 08). É
notória a preocupação com a implantação de um currículo ―plenamente
adventista‖, no qual a Bíblia constitua a base de todo o currículo e os
escritos de Ellen G. White sejam permanente fonte de leitura e orientação,
de modo que o ―modo de vida adventista‖ seja ensinado (AZEVEDO,
2003).
É imprescindível apresentar as bases para a oferta da disciplina de
ER na educação adventista de nível básico, fundamentado no pressuposto
de que o ser humano é marcadamente caracterizado pela necessidade
humana pelo transcendente, de modo que a religião e a religiosidade são
componentes fundamentais da identidade humana.

O lugar do Ensino Religioso na Educação Adventista


Como ponto de partida convém aqui explicitar que a concepção de
integração fé e ensino é o espectro que permeia a educação adventista
nos mais diversos níveis escolares. Em suma, entende-se que é

[...] um processo contínuo e sistemático mediante o qual se enfocam


todas as atividades educativas de uma perspectiva bíblico-cristã, a fim

334
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de que os alunos, ao completarem seus estudos, tenham internalizado


voluntariamente uma visão de vida, do conhecimento e seu destino.
Essa visão se centraliza em Cristo, orienta-se para o serviço e projeta-
se até o reino do Céu (STENCEL, 2005, p. 27).

Na declaração de missão3 da educação adventista diz que o alvo


primordial é prover ―[...] oportunidade para os estudantes aceitarem a
Cristo como seu Salvador pessoal, permitir ao Espírito Santo transformar
suas vidas e cumprir a missão de pregar o Evangelho ao mundo‖
(AZEVEDO, 1997, p. 61).
Por sua vez, a justificativa e objetivo das aulas de ER, a disposição
da disciplina no currículo, como também o propósito e a intencionalidade
última de tal projeto revelam-se pautado pelo binômio
educação/evangelização. Neste sistema educacional confessional, o
professor é entendido como ―[...] astro de primeira grandeza no firmamento
educacional [...]‖ (DSAIASD, 2009, p. 63). Assim, o professor adquire a
função de catalisar o processo de integração fé e ensino na sua prática
pedagógica em seu ambiente privilegiado, a sala de aula. Isto se dá
porque quando o ―professor entra na sala e fecha a porta, ele é o currículo,
por que o aprendizado é grandemente comunicado através da sua visão
de mundo e da vida‖ (STENCEL, 2004, p. 31).
Como exposto até aqui, percebe-se que o professor é peça chave na
integração fé e ensino, pois é o docente que no ambiente escolar e na
relação com os estudantes operacionalizará na prática o que a teoria rege.
Orientado pela perspectiva educacional cristã, balizado pela filosofia
educacional adventista, o educador para alcançar os propósitos da
educação adventista deve manifestar e buscar continuamente algumas
posturas. Destacam-se, as seguintes: ―a) ser um imitador de Jesus; b) ter
senso da presença divina; c) conhecer e estar sintonizado com a filosofia e
a proposta da educação adventista [...]‖ (DSAIASD, 2009, p. 63-64).
Neste sentido, no magistério, o docente pode incrementar o cotidiano
da sala de aula com algumas atividades de cunho espiritual, tais como:

[...] realizar oração intercessória por alunos, familiares, professores e


funcionários; planejar e executar semanas especiais com temas
espirituais; compartilhar textos bíblicos com as famílias e pessoas da
comunidade que estejam necessitando de auxílio especial; dar
estudos bíblicos e distribuir folhetos com mensagens bíblicas de

3
Para maiores informações o texto está disponível em
<http://educacao.adventistas.org.pt/paginas/missao.php>. Acesso em: 11 ago. 2011.
335
FONAPER

saúde que promovam a qualidade de vida; promover campanhas de


cunho social e espiritual; fazer uma maratona de leitura da Bíblia com
a turma; estimular a criação de uma agenda pessoal e coletiva de
oração (DSAIASD, 2009, p. 74).

A disposição e sequência da disciplina de ER apontam para um


ordenamento prévio, no qual prevalece uma intencionalidade para a
construção do currículo, visto que na educação adventista o currículo tem
―[...] caráter contextual no qual se considera a inter-relação entre as
agencias educativas: família, igreja e escola, tendo como alvo o
cumprimento da missão e visão‖ (DSAIASD, 2009, p. 52).
Evidentemente que não nos propusemos inventariar a gênese dos
conteúdos programáticos, nem mesmo assinalar o seu progressivo
desenvolvimento, todavia, é indispensável mencionar que os mesmos
apresentam-se intrinsecamente relacionados e embasados com as
doutrinas da mantenedora. De maneira que:

Doutrinas, fatos bíblicos, descobertas arqueológicas, correlações do


pensamento bíblico com a filosofia grega, as implicações dos distintos
pontos de linguagem, e assim por diante, certamente fazem parte da
―substância‖ do ensino religioso (KNIGHT, 2010, p. 174).

Os conteúdos programáticos selecionados devem enfatizar os


objetivos específicos de cada área de conhecimento, mas sem perder de
vista os ―[...] valores e ideologias, [...] conceitos, procedimentos e atitudes
que se deseja ver no desenvolvimento integral do educando‖ (DSAIASD,
2009, p. 68). Assim, fica nítido o comprometimento da seleção dos
conteúdos com a cosmovisão pregada e defendida pela instituição
educacional.
A nomenclatura que abarca a disciplina confessional apresenta-se de
forma confusa nos documentos que balizam a educação adventista, de
modo que em alguns momentos é tida por ―aula de Bíblia‖, ―aula de
religião‖, ―ensino da Bíblia‖ ou mesmo ―ensino religioso‖. Todavia, o que se
espera mesmo é a integração de outros tópicos do currículo com a
cosmovisão cristã com contornos de marcas denominacionais pregadas e
defendidas pela mantenedora, de maneira que especialmente a disciplina
confessional possa ―[...] preparar o caminho para essa integração na
mente dos estudantes enfatizando a cosmovisão cristã e o que esta
perspectiva significa para o restante de sua educação‖ (KNIGHT, 2010, p.
176).
336
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Sendo que a Bíblia, a natureza e a racionalidade humana constituem


as principais fontes de conhecimento consideradas pela filosofia
educacional adventista é preciso compreender que alguns conhecimentos
são privilegiados na organização e seleção do programa de estudos da
educação adventista, o que implica em saber que também neste nível
educacional o ―[...] currículo escolar está relacionado diretamente às
questões do conhecimento, provocando desse modo a seleção,
organização, institucionalização e dinamização das atividades, valores,
competências [...]‖ (DSAIASD, 2009, p. 67).
É adequado indicar que neste sistema de ensino confessional, as
orientações referentes ao currículo das instituições educacionais buscam
incluir uma perspectiva teórica de abordagem e tratamento da realidade,
entretanto, é importante

[...] lembrar que no currículo integral-restaurador o estudo das


ciências, dos problemas contemporâneos e dos contextos culturais
globais e locais tem espaço e é tratado à luz da cosmovisão bíblica
(DSAIASD, 2009, p. 69).

Considerações Finais
As atividades proselitistas que atravessam o cotidiano das
instituições educacionais protestantes podem ser percebidas
principalmente nas práticas educativas, pois é sempre difícil a delimitação
clara entre a prática educativa e a prática religiosa. Basta relembrar que
―[...] o programa educativo é uma das primeiras e mais importantes
expressões da obra missionária‖ (RAMALHO, 1976, p. 69).
De certa forma, o que subjaz nestas práticas catequéticas é uma
elaborada estratégia proselitista que, além compor o núcleo evangelizador
intenciona difundir por meio dos conteúdos a serem transmitidos os
elementos distintivos da identidade confessional da instituição. Assim, a
concepção de ER colocada em prática é baseada primordialmente nos
princípios eclesiásticos, mesmo que contenha princípios educacionais.
Desse modo, ―a intencionalidade proselitista, ainda que disfarçada sob os
princípios humanistas, é que de fato efetiva essas práticas [...]‖ (PASSOS,
2007, p. 57).
A compreensão das relações de poder no contexto educacional é
cada vez mais importante na composição dos sistemas interpretativos,
337
FONAPER

devido à enorme contribuição para a leitura da realidade, pois ao mesmo


tempo em que se apresentam de forma oculta demarcam e fornecem os
padrões de conduta dos educadores, os princípios seletivos dos
conteúdos, além de patentear as próprias matrizes paradigmáticas
educacionais. Estar atento à detecção das relações de poder na escola é
considerar

[...] o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá


onde ele se torna capilar; captar o poder nas suas formas e
instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que,
ultrapassando as regras do direito que o organizam e delimitam, ele se
prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas e se
mune de instrumentos de intervenção material [...] (FOUCAULT, 1979,
p. 182).

Ficou evidenciado neste texto o fato de que o currículo não é


componente neutro e desinteressado no amplo processo educacional, pois
no processo de organização e seleção de conteúdos programáticos
recorre-se às fontes da filosofia institucional, a fim de que os valores,
crenças e ideologia sejam difundidos de forma consensuais. Sobre esta
realidade, Silva (2004, p. 46) afirma que ―a seleção que constitui o
currículo é resultado de um processo que reflete os interesses particulares
das classes e grupos‖.
As relações de poder não se apresentam como protagonistas no
enfrentamento da resistência e oposição advinda de algum movimento
discente, mas certamente elas se subterfugiam nos bastidores da
confecção curricular. Todavia, não podemos deixar de indicar que no
currículo estão envolvidas as questões de poder, pois:

Selecionar é uma operação de poder. Privilegiar um tipo de


conhecimento é uma operação de poder. Destacar, entre as múltiplas
possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é
uma operação de poder (SILVA, 2004, p. 16).

Os caracteres da operacionalização do ER na educação adventista


possibilita-nos entender que este modelo educacional confessional contém
uma propriedade simbólica, de maneira que suas instituições educacionais
de uma forma ou outra preservam e distribuem o seu próprio capital
cultural contribuindo assim para a criação e recriação de formas de
consciência que vinculadas aos princípios da filosofia educacional

338
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

adventista pretendem atuar de maneira subjacente na vida dos estudantes


(APPLE, 2006).
Compreendemos que, especialmente no sistema escolar
confessional, por meio da disciplina de ER, a ideologia e experiência
escolar são regularidades básicas de comprometimentos subjacentemente
assumidos no currículo explícito. Desta maneira, é seguro afirmar que
também ―a escola atua ideologicamente através de seu currículo, [...] de
uma forma mais direta, através das matérias mais suscetíveis ao
transporte de crenças explicitas [...]‖ (SILVA, 2004, p. 31).
Muitas pesquisas curriculares consideram o currículo como uma
construção social, e o fazem por meio do apontamento de padrões de
mudança, desvelamento dos processos de seleção de conteúdos, além de
indicar que muitos saberes são considerados legítimos em detrimento de
outros. Nesta esteira interpretativa, Goodson (2008) faz-nos entender que
a criação de um currículo possibilita visualizar as metas e estruturas
prévias como mapas ilustrativos que condicionam as práticas
educacionais, especialmente no contexto institucionalizado. Assim que,
para este autor, a confecção curricular acontece balizada pelo nível pré-
ativo, que por sua vez oferece elementos para a execução interativa
efetivada por meio das práticas escolares. Este entendimento nos
possibilita afirmar que os parâmetros que orientam as ações pedagógicas
em sala de aula e sua consequente negociação interativa são permeados
por valores e objetivos patenteados na escolarização (GOODSON, 2008).
Tendo entendido as conjunturas institucionais nas quais se efetiva o
ER confessional no currículo escolar, percebe-se cada vez mais
transparente a instauração de relações de domínio subjacente de poder
simbólico. O poder simbólico apresenta-se como pedra fundamental na
construção de uma dominação simbólica, pois transporta violência de
forma dissimulada e transfigurada (BOURDIEU, 1989).
Diante disso, é importante manifestar a preocupação sobre os
conhecimentos que compõem o ER na educação adventista, tendo em
vista o grande número de estudantes não-adventistas. Tal preocupação,

[...] não é com a validade epistemológica do conhecimento


corporificado no currículo. A questão não é saber qual conhecimento é
verdadeiro, mas qual conhecimento é considerado verdadeiro. A
preocupação é com as formas pelas quais certos conhecimentos são
considerados como legítimos, em detrimento de outros, visto como
ilegítimos (SILVA, 2004, p. 46).

339
FONAPER

Em um sistema de ensino confessional, cuja racionalidade se


apresenta como meio de efetivação das demandas identitárias da
mantenedora, o ER na educação básica adventista além de explicitar uma
hierarquização dos conhecimentos em um contexto de assimetria nas
relações pedagógicas, concede aos estudantes apenas a possibilidade de
uma contestação puramente simbólica, que por sua vez não debate os
princípios fundamentais, nem mesmo as relações de poder.
Foi somente por meio de uma abordagem crítica fundamentada nas
análises teóricas de Apple (2006), Goodson (2008) e Silva (2004) que, ao
analisarmos o lugar do ER no currículo da educação adventista, foi
possível indicar que a seleção dos conteúdos, a hierarquização dos
saberes e a uniformização do conhecimento contribuem para a
caracterização de um poder simbólico (BOURDIEU, 1989) dissimulado e
transfigurado em relações pedagógicas assimétricas.

Referências

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342
O ENSINO RELIGIOSO TRANSVERSALIZANDO OUTRAS ÁREAS
DE CONHECIMENTO

Iêda de Oliveira Caminha (SEDEC)1

Maria José Torres Holmes (SEDEC)2

Resumo:
Apresentamos neste artigo a relação do Ensino religioso com outras áreas de
conhecimento, no decorrer de um processo de formação continuada envolvendo os cinco
eixos organizadores dos conteúdos propostos pelos PCNER (FONAPER, 2009), no qual
construímos com os educadores uma dinâmica metodológica que focaliza o processo de
ensino e aprendizagem do fenômeno religioso.

Palavras chave: Currículo; Ensino Religioso; formação continuada;

Introdução
Pensar o Ensino Religioso (ER) no contexto escolar é um desafio
muito grande quando se pretende articulá-lo com outras disciplinas do
currículo escolar. Durante séculos, esse componente curricular foi visto
nas escolas como um elemento com características religiosas de propósito
proselitista. Entretanto graças às mudanças na legislação de ensino,
atualmente há um novo olhar sobre o ER que proporcionou grandes
discussões focalizando a parte pedagógica no processo de ensino e
aprendizagem dentro do contexto escolar.
Por isso, nesse momento, a grande preocupação do FONAPER3 é
sistematizar um currículo que venha oferecer ao educador(a) mais
segurança quanto à transmissão dos conteúdos no processo de ensino e
aprendizagem. Segundo (ANDRADE 2003, p. 11):

[...] o currículo escolar é o elo entre a teoria educacional e a prática


escolar (o que realmente ocorre nas salas de aula), o instrumento que
articula possibilidades, necessidades, interesses, pretensões e

1
Pedagoga (UFPB). Especialista em Gestão Educacional (FIP). Teológa (IBBB) e Mestre
em Ciências das Religiões (UFPB). Profª. Secretaria de Educação e Cultura de João
Pessoa-PB. E-mail iedaosc@gmail.com
2
Pedagoga. Especialização e Mestrado em Ciências das Religiões (UFPB). Secretaria de
Educação e Cultura de João Pessoa-PB. E-mail: mjtholmes@yahoo.com.br.
3
Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso. Fundado em 26 de setembro de
1995, é um espaço de discussão e ponto aglutinador de ideias, propostas e ideais na
construção de propostas concretas para a operacionalização do Ensino Religioso na
escola.
FONAPER

perspectivas da escola, em um conjunto de escolhas, ações, ênfases


e omissões.

Para isso, vale salientar que a formação docente é uma necessidade


básica para o(a) docente de todas as áreas de conhecimento,
principalmente para os de Ensino Religioso, tendo em vista existir uma
rotatividade muito grande no quadro desses(as) professores(as). Essa é
uma questão a ser enfrentada por esse(a) profissional o que reforça a
necessidade da sistematização desse processo, principalmente diante da
demanda de qualificação para assumir as classes e ministrar essas aulas,
mesmo porque, muitos ainda não possuem habilitação nessa área de
conhecimento.
Para isso é preciso um estudo aberto e criativo, com muito diálogo
sobre o fenômeno religioso das diversas culturas religiosas e suas
manifestações na nossa sociedade, já que este é considerado o objeto de
estudo desse componente curricular. A proposta intenta promover um
espaço onde o diálogo, o respeito e a aceitação dos educandos, sejam
quais forem suas convicções, se deem no sentido de um amadurecimento
sobre o conhecimento religioso das tradições religiosas, os quais possam
minimizar ou até mesmo eliminar as diversas formas de preconceitos
existentes no espaço escolar e na sociedade. Com isto esta se educando
as novas gerações, apresentando-lhes alternativas e precavendo-os contra
fundamentalismos e manipulações ideológicas de discursos religiosos.
Tais considerações são importantes para os educadores do Ensino
Religioso, já que precisam se fundamentar a esse respeito para que
possam desenvolver na escola, de forma organizada em sua ―linguagem
específica‖, a releitura do fenômeno religioso, conforme preconiza a Lei
9475/97.
Neste sentido, de acordo com Holmes (2010, p. 53),

Todas as culturas religiosas têm o seu modo especial de expressar o


seu encontro com o sagrado. Por isso a religião para cada ser humano
se expressa com uma dimensão existencial de grande profundidade,
marcando assim os seus elementos culturais dentro de uma realidade
histórica, onde a religiosidade torna-se efetiva para o ser humano,
denominada em cada cultura como fenômeno religioso.

O currículo do ER articulado com as demais áreas de conhecimento


Compreendendo a importância da linguagem específica do Ensino
Religioso, enquanto componente curricular entre as demais áreas de
344
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

conhecimento, propusemos o uso simbólico da imagem da árvore em um


processo de formação continuada para professores deste componente
curricular. Atrelamos o saber que o símbolo transmite e desperta com os
saberes dos cinco eixos organizadores dos conteúdos proposto pelos
PCNER (FONAPER, 2009).
Ao nosso redor, no mundo que vivemos a televisão, o vídeo e outras
tecnologias constantemente nos envolvem com enxurradas de imagens
que permeiam o nosso pensamento. As imagens nos chamam atenção.
Ficamos perplexos com a fotografia de momentos especiais, além da
internet que nos proporciona o contato com inúmeras imagens. Entretanto,
qual é o papel das imagens para a educação? E, especificamente, como
usar a imagem a favor da aprendizagem? Tendo em vista o fato de ser tão
usada na construção de novos conhecimentos, pensamos em utilizar a
imagem como recurso para nossa proposta formativa:

A imagem torna-se, portanto, um objeto a ser analisado, investigado e


debatido, sobretudo quando se entende que ela é um texto portador
de valores, de atitudes, de comportamentos e de saberes que
produzem efeitos significativos sobre a formação da consciência e a
conduta dos indivíduos em suas diferentes fases da infância,
adolescência, juventude e adulta (SILVA, 2008, p. 8).

Portanto, a imagem possui seu papel no processo didático


pedagógico imprescindível nesse momento que buscamos novas técnicas
e metodologias para o momento de ensino aprendizagem. Todavia, a
imagem que apresentamos é a ‗imagem viva‘, imagem de um elemento
presente na humanidade desde seus primórdios. A árvore é um dos
símbolos que merece atenção por sua presença em todos os cantos da
terra, além de apresentar semelhança com o ser humano, pois nas
locuções metafóricas, a madeira muitas vezes representa o próprio homem
(GIRARD, 1988, p.436).
Desde os seus elementos constitutivos como a raiz, o tronco, galhos,
folhas, flores e frutos, bem como suas necessidades para manter-se firme,
em pé, a árvore simboliza vida:

As árvores se contextualizam. Espalhadas por todas as partes em


diversas culturas sabem como viver e crescer; independentemente do
mundo ao seu redor, elas cumprem seu papel. Assim percebemos que
apontam caminhos essenciais para a vida, e sua simbologia de mestre
nos ensina. Quem deseja aprender com elas pela sua ontologia pode

345
FONAPER

tirar lições, é só sentar a sombra de uma delas [...] (SILVA, 2010,


p.19).

A árvore é um símbolo cuja semântica abrange diversos sentidos. A


imagem da árvore nas narrativas míticas representa a ―árvore cósmica que
se encontra no meio do universo e que sustenta como um eixo os três
mundos‖ (ELIADE, 1991, p. 40). A árvore cósmica é um simbolismo do
centro e é também um dos mais propagados que existe. A árvore cósmica
é encontrada nas mitologias hindus, mesopotâmica e entre os maias e
astecas.
Para fazer uso dessa imagem viva é necessário exercer
sensibilidade. ―Que nos deem o jardim e o prado, a campina e a floresta, e
nós reviveremos nossas primeiras felicidades‖ (GIRARD, 1988, p.437). A
árvore é uma ‗imagem viva‘, um símbolo4, um arquétipo para a
humanidade, podendo ser utilizada para facilitar a aprendizagem em todas
as áreas do conhecimento.

A árvore é um símbolo de linguagem universal, ele quebra as barreiras


da incompreensão de um indivíduo ou de uma cultura, pois o homem
é simbólico em todo viver, criando e recriando sentidos. Os símbolos
podem passar anos, décadas, séculos ou milênios e eles estarão lá;
impregnados a cultura e para conhecê-las corramos atrás do seu
sentido, pois o símbolo é um código que revela e desvela uma cultura
[...] (SILVA; GOMES, 2010, p. 217).

No percurso da nossa caminhada de formação continuada, tivemos a


ideia de trabalhar com os eixos temáticos numa dinâmica de
transversalizar o ER fazendo pontes com a área de Ciências e Língua
Portuguesa, comparando as cinco partes de uma árvore com os cinco
organizadores dos conteúdos do ER e, por meio disso, produzir um texto
para melhor compreensão da proposta formativa.
Como recursos metodológicos, apresentamos um estudo sobre os
cinco eixos organizadores dos conteúdos através de slides com
discussões e debates. Em seguida elaboramos uma oficina com cinco
grupos, cada qual representado uma parte de uma árvore. Isto aconteceu
em dois turnos de trabalho, tendo em vista a formação estar dividida em
dois grandes grupos. Esta dinâmica proporcionou um estudo reflexivo

4
No dizer de Girard (1997, p.26), ―Símbolo‘ provém do termo grego symbolon, derivado
do verbo sym-ballein, que em seu sentido primeiro significa ‗lançar com, pôr junto com,
juntar‖.
346
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

envolvendo todos os educadores. Foi uma forma que encontramos para


aperfeiçoar a formação continuada e logicamente facilitar o processo de
ensino e aprendizagem do fenômeno religioso. De acordo com os PCNER
(FONAPER, 2009, p. 57),

O tratamento didático subsidia o conhecimento. Assim, o Ensino


Religioso, pelos eixos de conteúdos de Culturas e Tradições
Religiosas, Escrituras Sagradas, Teologias, Ritos e Ethos, vão
sensibilizando para o mistério, capacitando para a leitura da
linguagem mítico-simbólica e diagnosticando a passagem do
psicossocial para a metafísica/Transcendente.

Assim, relacionamos os cinco eixos organizadores dos conteúdos do


ER com as cinco partes de uma árvore, destacando cada uma através da
interpretação do texto proposto, onde cada grupo trabalhou com questões
específicas, conforme apresentado abaixo:
a) Raiz: parte responsável pela sustentação da planta ao solo,
alimentando-a e nutrindo-a com seus sais minerais. Compreendemos que
essa parte representa o eixo Culturas e Tradições Religiosas, o que
remete ―a árvore que é o eixo do mundo, a Axis mundi, um arquétipo do
Universo que recebe seu alimento do transcendente‖ (PONTES, 1998, p.
203). Também foi possível vincular o papel das tradições religiosas na
sustentabilidade do Planeta Terra: a) Como o grupo se vê diante do
preconceito religioso de uma cultura em relação à outra? b) Em suas
escolas isso acontece? De que maneira você enfrentaria essa situação?
Aqui temos um caminho para trabalhar a diversidade religiosa do
mundo e do povo brasileiro. ―Compreendemos que as raízes podem indicar
uma comunicação com outras árvores pela terra que a todas alimenta e de
onde as árvores tiram seu sustento. Isso repercute na necessidade do ser
humano relacionar-se com o outro‖ (SILVA, 2011, p.34). Ou seja: mesmo
que eu faça parte de um grupo religioso isso não significa que eu não
possa me relacionar com o outro diferente enquanto pertencente à outra
tradição religiosa.
b) Caule: parte que sustenta a planta transportando a seiva retirada
da raiz levando até seus galhos, folhas e frutos. Esta pode ser comparada
com os textos sagrados orais e escritos, pois estes são responsáveis
pela transmissão da comunicação através do tempo-história, as verdades
de fé de uma cultura religiosa, o mistério do transcendente.

347
FONAPER

Podemos observar que o tronco das árvores está no espaço humano,


aquele que é mais visível, que faz a ligação com o céu e embaixo da
terra. A humanidade na procura por sentido de vida e também por
querer respostas para as perguntas ante as faces do tempo e da
morte busca o transcendente. As árvores convivem, mesmo com sua
diversidade, com as raízes na terra, os troncos entre nós [...] (SILVA,
2011, p.61).

Entendemos que a busca pelo transcendente é uma ação da


humanidade dentro da diversidade religiosa que existe. Desta forma
podemos trabalhar as diferenças no que se refere às tradições escritas e
orais. Assim levantamos as seguintes perguntas: a) qual a importância dos
textos sagrados orais e escritos? b) Qual a diferença entre um texto
sagrado oral e um texto sagrado escrito?
c) Folhas: são as responsáveis pela fotossíntese, respiração e
transpiração, funções primordiais de um ser vivo do reino vegetal. Essa
parte da planta simboliza o eixo temático Teologias, que representa o
oxigênio das culturas religiosas que sistematiza as afirmações, os
conhecimentos das religiões sobre o sagrado, suas crenças e doutrinas
sobre o tempo, a vida e a morte. Com essa perspectiva perguntamos:
quais são as possíveis respostas para a vida além da morte nas tradições
religiosas?
d) Flores: quando uma flor desabrocha significa que está pronta para
reproduzir-se. Quando uma planta "dá flor", está em sua fase mais crítica,
pois direciona toda a energia a esta atividade. Compreendemos que as
flores são os saberes que ensinamos e mediamos aos alunos, utilizando
nossa criatividade e metodologia, através do diálogo.
Assim são os Ritos religiosos na vida das pessoas. Existe uma
infinidade de ritos, práticas celebrativas, símbolos e espiritualidades nas
culturas e tradições religiosas. São ações que fortalecem o mundo mítico
da tradição em que o rito é celebrado.

O rito, portanto, é uma vivência que tem fundamentalmente duas faces


correlacionadas: por um lado, é uma ação não instrumental com
caráter expressivo, e isso liga-se bem com o seu movimento para um
mundo ‗místico‘, tendendo a levar para uma compreensão ‗mística‘ de
toda a existência; por outro lado, é um fato concreto que vive na
opacidade como qualquer outro fato comunicativo social (TERRIN,
2004, p.30).

A vivência do rito leva a uma compreensão de uma existência


mística, ou seja, ―o rito parece um elemento de estruturação e organização
348
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

do mundo‖ (TERRIN, 2004, p.192). Logo, no rito vivido, podemos ver a


tradição religiosa ser estabelecida em que a busca pelo sagrado faz-nos
perceber a grandeza da transcendência da humanidade.

A busca pelo sagrado compreende o fenômeno religioso e na religião


procura-se tanto o encontro, como a capacidade para transcender nas
relações, o ser humano necessita aprender a conviver como humano,
observando no humano as singularidades, bem como as diferenças e
estabelecer diálogo (SILVA, 2011, p. 95).

As relações entre as tradições e as relações pessoais da


humanidade entre os seus iguais ou diferentes nos permitem perguntar: a)
Qual a importância dos ritos nas tradições religiosas? b) Como você vê
essa questão em relação ao preconceito religioso? É possível um diálogo?
e) Frutos: é o ovário fecundado que se incumbe de proteger a maior
riqueza de uma planta, a semente, guardando-a em seu interior para dar
origem a outro vegetal da mesma espécie. Tanto os frutos, como a árvore
em si são arquétipos da imagem feminina:

A árvore é um símbolo feminino por excelência, e representam os


instintos da maternidade, da gestação, da fecundidade, pois cria a
vida, alimenta e protege. Portanto, é um símbolo que conta com as
emoções mais profundas do ser humano. A associação da natureza
com a mulher é imediata, a copa da árvore, por exemplo, lembra a
cabeleira da mulher, e de dentro da árvore sai à seiva que tira o
alimento da terra, faz a ligação com o céu; mediando os dois reinos,
da terra e o celeste, além de servir de abrigo. De forma geral
encontramos nas religiões mais tradicionais ritos, mitos e cultos
consagrados à árvore, pois são tidas como sagradas (SILVA, 2011,
p.34).

Assim também o eixo Ethos representa o próprio sentido do ser, é


formado na percepção de valores de que nasce o dever como expressão
da consciência como resposta do próprio ―eu‖ pessoal. Ética e religião são
temas centrais no processo de humanização das pessoas. É do Ethos que
os educadores devem tirar os frutos do seu trabalho.

A religião é experiência do encontro com o sagrado. Quando estamos


ante um texto sagrado no sentido re-liga (re-ligare) o texto revela o
que está em nossas entranhas e movimenta nossas lembranças mais
ancestrais, memória humana (FERREIRA–SANTOS, 2010).

Portanto, o Ethos não pode ficar de fora do processo educacional,


pois é um valor essencial no exercício da cidadania, onde se situa o
349
FONAPER

princípio de alteridade. É por isso que o Ensino Religioso nas escolas se


torna um espaço importante. Nesse sentido, elaboramos a seguinte
questão: quais princípios integram a ética educacional do Ensino
Religioso?
A escola é o espaço aberto, amplo e muito rico para se trabalhar com
as culturas e tradições religiosas. Não só no aspecto de construção do
conhecimento, mas, pela riqueza de sua diversidade. Faz parte de uma de
suas tarefas o desenvolvimento do ser humano nos aspectos: sensorial,
intuitivo, afetivo, racional e religioso-antropológico, porém, não é função da
escola mostrar a vivência desses valores, enquanto conduta religiosa de
fé, mas possibilitar esse conhecimento através do componente curricular
do Ensino Religioso que não privilegia esta ou aquela religião. Esta é uma
questão de respeito às diferenças existentes no contexto escolar.
Com embasamento nestes cinco eixos é que os conteúdos do Ensino
Religioso, segundo o FONAPER, devem ser dialogados com os
educadores. Para que estes levem para sala de aula essa mesma relação
estabelecendo vínculos de uma aprendizagem prazerosa e humanizada
com afetividade. Estudar as culturas de outros povos com suas crenças e
valores deve ser aplicado e refletido no cotidiano escolar e isto tem muita
importância para estabelecer a construção do currículo do Ensino religioso.
Segundo SACRISTÁN (2008, p. 94),

Na escola, normalmente, não se pode aprender qualquer coisa em


qualquer momento, embora tenha relevância e interesse indubitável
para os alunos. Inclusive, a partir de determinados esquemas
pedagógicos e modelos ou formatos de aprendizagem, se define uma
alta estruturação de processos e conteúdos didáticos para
desenvolver o currículo. [...]

Em se tratando deste componente curricular, também precisamos


estabelecer seus conteúdos. Ensino Religioso não é qualquer coisa! Não é
trabalhar religião! Não é também imaginar que este professor é bonzinho.
Nem tão pouco, uma oportunidade do professor complementar a sua carga
horária. Então, ensinar o quê?
Foram-se os tempos em que o ER era visto como um ensino
confessional. Hoje a LDB já não permite mais que isto aconteça. Por outro
lado não é ensinar somente valores, como se passa no imaginário popular,
mesmo porque valores é um tema transversal inserido em qualquer

350
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

componente curricular. E nem tão pouco esta área de conhecimento serve


para complementação de carga horária, como se apresenta nas escolas.
Para Oliveira et al. (2007, p. 110)

A presença de diversas culturas, com suas diferentes expressões de


ordem linguística, artística, religiosa, etc., num sistema educacional
requer indubitavelmente uma tomada de consciência, uma reflexão
sobre os encaminhamentos e a elaboração de suas propostas
curriculares.

Esta é uma das grandes preocupações do FONAPER em construir


uma proposta curricular para o Ensino religioso, sistematizando seus
conteúdos para todo o território nacional, além da luta pelos cursos de
licenciatura nesta área de conhecimento.

Da Teoria à Práxis
Segundo Olenik e Daldegan (2003, p.14),

No processo de ensino-aprendizagem do Ensino Religioso o


encantamento será a mola motivadora que favorece o educador e
educando, a reconhecer, pelo prisma do conhecimento e do respeito,
o seu universo religioso e o do outro. Este aprendizado pode se tornar
o ponto-chave para construir uma cultura de paz em diferentes
ambientes e consequentemente entre povos. Assim, podemos dizer
que nesse processo ambos, professor e educando, podem ocupar o
lugar da borboleta, que em seu voo descobre a diversidade, no
entanto sem deixar de ser borboleta.

De acordo com essas autoras, percebemos que estes são


exemplos para os docentes de Ensino Religioso seguirem. É onde podem
alçar os voos das borboletas a quem elas se referem, onde se confundem
entre o ensinar e o aprender, isto é, uma troca de saberes, em que a partir
daí poderão alçar voos mais distantes sem perderem de vista que são
educadores compromissados cujos desafios, fazem parte do seu cotidiano,
não só na condição de ensinar, mas de aprender. Uma troca de saberes.
O processo de formação ora descrito possibilitou aos educadores um
estudo reflexivo a respeito dos eixos que conduzem aos conteúdos do
Ensino Religioso. Veremos a seguir os relatos do que os professores
vivenciaram com a metodologia das partes da árvore e a oficina da
produção do texto para trabalhar em sala de aula.

351
FONAPER

A oficina de produção de texto foi um momento significativo da


formação, pois não só despertou o interesse pelo trabalho, mas motivou
para outras experiências. Vejamos os resultados dos trabalhos das
equipes:
Equipes Raízes: Preconceito/Respeito; Imposição/Compreensão;
Diversidade Religiosa/Diálogo Inter-religioso; Intermediar com
naturalidade; Globalização/Pós Modernidade. Esses são temas para
serem debatidos em sala de aula. Segundo os relatos das duas equipes
que trabalharam Culturas Religiosas nos encontramos em meio a um
grande desafio,

[...] uma vez que o etnocentrismo religioso suplanta os valores


religiosos de outras culturas. É necessário um preparo sócio
antropológico por parte dos docentes para tratar em sala de aula
essas questões, de maneira que não ignore os valores e as
particularidades de cada tradição cultural, como também uma
consciência pautada pela ética religiosa capaz de nos levar a enxergar
cada cultura como igual.

O preconceito religioso existe dentro das escolas e se apresenta


fortemente nas aulas do ER visto ser um espaço de construção e
reflexão do conhecimento. É comum a imposição por parte dos
adeptos de várias tradições religiosas, todavia cada professor de ER
deve nesse momento, mediar o conhecimento da diversidade cultural
religiosa, levando o aluno a perceber a necessidade de compreensão
e diálogo interreligioso para convivência pacífica entre os alunos e
entre as pessoas.

Equipes Caules:

A tradição oral tem sua grande importância por ter o compromisso em


passar de geração em geração todo o seu conhecimento cultural
religioso. Portanto seus rituais são vivenciados e rememorados
constantemente. Na tradição escrita todos os conhecimentos
religiosos são registrados para contribuir para a reflexão e prática de
sua religiosidade. Embora que dependendo das tradições feitas,
podem correr o risco de interpretações do texto sagrado, assim como
a tradição oral depende da influência de outras tradições religiosas
podem trazer outros elementos agregadores para seus rituais. Ambas
as tradições possuem importância fundamental para a compreensão
da prática, conhecimento, experiência, visão de mundo, de fé e
religiosidade, de conhecimento cultural religioso e o fenômeno
religioso presente em diversas culturas religiosas.

352
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A diferença de um texto sagrado oral e de um texto sagrado escrito


é pelo fato de que o texto oral passa o conhecimento cultural e
religioso envolvendo os mitos, lendas, rituais a história de pais para
filhos de geração em geração (ancestralidade). E o texto escrito é a
forma fundamentada da crença religiosa onde esses registros
sagrados tornam-se leis e estatutos para serem cumpridos. Todos os
textos sagrados (orais e escritos) são relevantes, cada um com sua
importância sagrada.

Ambos representam as cores do arco-íris, são lindos exuberantes,


participantes e fundamentais na natureza. Para o conhecimento
dessas tradições por outros segmentos religiosos ou estudiosos na
área a tradição escrita torna-se mais fácil o entendimento porque a
palavra escrita comprova, fundamentaliza e consegue ultrapassar o
tempo.

Equipes Folhas:

O mundo transcendente do ser humano, o que há além da morte,


tanto as tradições religiosas orais e escritas interpretam de várias
formas o mundo além morte. Na tradição cristã se ensina a ideia de
um céu como premiação por uma vida obediente a Deus. E uma ideia
de inferno como punição por desobediência e acreditam na
ressurreição.

Na tradição budista existe a ideia de vidas sucessivas assim como no


espiritismo (reencarnação) como forma de evolução espiritual.
Ancestralidade para outras culturas e o nada, porque existem aqueles
que acreditam que após a morte tudo se acaba. Na condição de
professor acreditamos que devemos transmitir informações sobre essa
temática de forma que contemple a visão das várias crenças, através
do debate, diálogo, vídeos, pesquisas entre outros.

Equipes Flores: A tradição e o conhecimento, a criatividade e a


interatividade para vencer preconceitos.

Os ritos são essenciais nas tradições religiosas. Tudo começa e


termina com um ritual no percurso das celebrações. É uma forma de
perpetuar o conhecimento, transmitir a comunicação entre as
tradições, responder perguntas, interagir e celebrar a história e a
memória.

A cultura religiosa por si só traz consigo preconceitos e obstáculos. E


cabe a nós educadores utilizar da criatividade na metodologia para
desmistificar essas barreiras do preconceito. É possível sim o diálogo!
Se as pessoas tomarem consciência da importância do respeito e do
diálogo religioso, essas barreiras do preconceito serão amenizadas.

353
FONAPER

Equipes Frutos: pensar uma ética educacional para trabalhar as culturas


religiosas é "praticar o não proselitismo em sala de aula, saber respeitar as
escolhas de cada um, demonstrando para os alunos o quanto é importante
respeitar as religiões dos colegas".

O respeito a tudo e a todos que fazem parte desse mundo é


fundamental. A diversidade cultural religiosa, diferença de raças,
gênero limitações e deficiências, nos fazem repensar que poderemos
trabalhar em nossas aulas através da conscientização, da informação,
do não preconceito junto às demais culturas diferentes das suas.

Os frutos é o que deixaremos para as gerações que virão, para que


delas possam se alimentar e se fortalecer para a vida.

Enquanto princípios para uma ética educacional para o Ensino


Religioso, os professores indicaram: o não proselitismo; o diálogo inter-
religioso; respeitar a tolerância e a laicidade do nosso País; entender o
direito que todas as culturas religiosas têm; respeitar as pessoas que
dizem não professar nenhuma crença religiosa; respeitar a individualidade
de cada um; cumprir o que preconiza o Artigo 33 da LDB; participar da
formação continuada; e do planejamento da escola; seguir os preceitos
das diretrizes que regem o Ensino Religioso; ter compromisso e
responsabilidade não só com as escolas, mas com os alunos e toda
comunidade escolar; não ser complemento de carga horária; elaborar um
currículo próprio para ser seguido. Com bases nesses princípios as
pessoas poderão vivenciar a humildade, caridade e demais virtudes; afeto,
amor, respeito e fé; prudência, tolerância e atitudes responsáveis.

Considerações Finais
Neste processo formativo tivemos a oportunidade de interagir com
dois grandes grupos e seus subgrupos e verificamos que foram momentos
de muita riqueza e dinamismo segundo depoimentos e avaliação dos(as)
educadores. Dessa forma percebermos que esta é uma grande
oportunidade de conhecermos a importância do trabalho interdisciplinar no
cotidiano escolar. Isto faz a grande diferença.
As árvores são como escolas que nos remetem a aprendizagem
através da ontologia própria da imagem que se uni a ontologia do humano.

354
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Dessa forma pensamos a escola que de forma bela trata o Rubem Alves
(2011)5:

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.


Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam
a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle.
Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros
engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de serem pássaros.
Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não
amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo.
Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso
elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O
voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Na contemplação do símbolo podemos aprender com ele, onde os


pássaros podem ir e vir; fazerem os ninhos, buscando proteção e
aconchego na natureza. Que façam suas escolhas de forma livre nossos
pássaros, nossos alunos. Que nas nossas escolas os professores
intermedeiem o conhecimento de forma que os alunos sejam como
pássaros livres para ir e vir, que façam seus ninhos com liberdade, onde
encontrem símbolos de proteção e aconchego, e através destes possam
construir conhecimentos e a sua história, através do diálogo e da
afetividade. E com isto, aos poucos vão eliminando formas prosélitas de
preconceitos e logicamente, transformar a convivência, não só no espaço
escolar, mas para fora dos muros da escola e serem mediadores de
conflitos, na construção de uma sociedade mais humana e mais justa, para
um mundo melhor, além de ser também um construtor de pontes, para
uma cultura de paz.

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DANÇAS CIRCULARES SAGRADAS: UM RELATO DE UMA
PROPOSTA METODOLÓGICA NO CURSO DE LICENCIATURA
NO ER- PARFOR/ BLUMENAU

Laudicéia Lene de Freitas Barbosa (PARFOR/FURB)1

Resumo:
Toda prática educativa necessita de um nível de reflexão, pois qualquer proposta de
atividades possui uma história que a precede e a justifica, sendo decorrente de escolhas.
Porém, os educadores escolhem sempre ideias, finalidades e alternativas concretas em que
seus atos de escolhas estão relacionados com a sua atitude valorativa geral. Decisões que
dependem da intencionalidade, e o objetivo aqui a ser destacado é a aprendizagem, a
interação cognitiva e a construção de conhecimentos. Neste intuito há que se reconhecer
na prática a Dança Circular Sagrada na importância dos indivíduos como parte de um todo,
objetivando desenvolver nos alunos a capacidade de convivência em sociedade de maneira
harmoniosa. O trabalho ora apresentado é parte da atividade realizada nas aulas de Ensino
Religioso com uma proposta de renovação nas práticas educativas. Uma vez que, é de
mãos dadas e em círculo, que os alunos colocam-se em contato com seu corpo em
movimento, seu ser em expressão com o outro, estabelecendo e transformando suas
relações. A educação na perspectiva libertadora tem como ponto de partida para a
formação, a construção das identidades e a percepção do ambiente escolar como forma de
interação e compartilhamento de experiências.

Palavras chave: Ensino Religioso; Danças Circulares Sagradas; Diversidade Cultura.

Introdução
Este trabalho foi desenvolvido dentro de um procedimento
metodológico inserido no currículo escolar e que proporcionou maior
conhecimento para a elaboração do planejamento de aulas para a
docência despertando cada vez mais o encantamento pelo Ensino
Religioso. Refere-se às descobertas ou redescobertas no processo da
própria espiritualidade, da diversidade religiosa, assim concebida:

O Ensino Religioso, como disciplina, trata do conhecimento dos


elementos essenciais que compõem o fenômeno religioso [...] [e o
professor] necessita ter presente na aprendizagem os conhecimentos
anteriores do educando e possibilitar uma continuidade progressiva no
entendimento do fenômeno religioso, sem comparações, confrontos
ou preconceitos de qualquer espécie (SED/SC, 2001, p. 21).

1
Possui Graduação em Matemática pela UFPE; Graduanda na Ciências da Religião pelo
PARFOR/FURB; Trabalha na EEB Santos Dumont/Blumenau-SC; Coordenadora do
Programa COOPER JOVEM/SISCCOP na escola que atua.
eebsantosdumont@sed.sc.gov.br.
FONAPER

Acreditamos que, conhecemos e construímos cultura, também


resgatamos os valores, mas não apenas via educação formal, do que é
trabalhado nas escolas, mas em tantos momentos e processos
vivenciados informalmente. Podemos citar: família, amigos, ou seja, a
educação compreendida como um processo de vida podendo contribuir
para a reflexão das culturas de outros povos.
Neste sentido refletimos o que nos afirma Santos (1983, p. 19),

[...] é importante considerar a diversidade cultural interna à nossa


sociedade, isso é de fato essencial para compreendermos melhor o
país em que vivemos. Essa diversidade não é feita só de ideias, ela
está também relacionada com as maneiras de atuar na vida social, é
um elemento que faz parte das relações sociais do país. A diversidade
também se constitui de maneira diferente de viver, cujas razões
podem ser estudadas, contribuindo dessa forma para eliminar
preconceitos e perseguições de que são vítimas grupos e categorias
de pessoas (SANTOS,1983, p.19).

Pensamos dessa forma, a aprendizagem escolar como uma prática


pedagógica fundamentada no equilíbrio entre a teoria e a prática. Nesse
sentido, a disciplina de Estágio em Ensino Religioso busca proporcionar e
promover atividades pedagógicas integradas para a contribuição da
formação docente.
Conhecer o ambiente escolar, bem como o contexto em que a
escola e seus atores estão inseridos é fundamental para pensar e repensar
o fazer pedagógico. De modo especial, nesse estudo, destaca-se com
ênfase a prática docente do(a) professor(a) de Ensino Religioso. Em suma,
foi possível perceber, que o Estágio permitiu analisar e compreender o
ensino e a aprendizagem escolar como um processo múltiplo, onde cada
criança aprende com diversas estratégias e de acordo com a etapa do seu
desenvolvimento, sem desconsiderar o contexto e a trajetória de vida da
qual o educando está inserido.
É o contato com o ambiente escolar, que proporciona ainda mais ao
estagiário assimilar tudo que vem aprendendo e que ainda vai aprender
teoricamente na formação docente no estágio curricular. Ou seja, é no
momento da formação, que concretamente colocamos em prática a busca
de uma possível ponte que une o discurso e a prática docente,
proporcionando uma melhor compreensão das práticas institucionais e das
ações praticadas pelos profissionais, como maneira de prepará-los, uma
vez que a teoria, ao longo do curso, proporciona vários pontos de vista

358
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

para uma ação contextualizada, bem como, mecanismos para análise


histórica, social, cultural e organizacional de si mesmo e demais
profissionais da educação.

As Danças na metodologia escolar no ER


O professor é o grande responsável, em tantos momentos, para guiar
e mediar o processo na construção do conhecimento do aluno. Com
responsabilidade de sua ação e aproveitando suas expectativas em torno
de sua atuação, como docente deflagra o processo de questionamentos
com os alunos, a didática para o ensino-aprendizagem, ou seja, os
recursos didáticos precisam ir além do quadro e giz. Portanto, é preciso
usar dinâmicas que incentivem o aluno a aprender com prazer e não por
mera obrigação. Desta forma, fica estabelecido um canal aberto entre
docente e discente, tornando assim, uma ação motivada por atividades
participativas exigindo planejamento para as respectivas realizações.
Para isso, a construção teórica Piagetiana nos propõe uma escola
voltada para o pensamento, uma vez que o propósito da docência é o de
preparar o educando(a) para o desenvolvimento do seu completo
potencial. Como seres humanos dotados de racionalidade, isto é, como
indivíduos únicos que pensam e desejam continuar a pensar eternamente
devido a sua natureza.
Lê-se em Cellerier (1980, p. 43) que,

A pedagogia que se desprende da teoria de Piaget gera uma


aprendizagem libertadora, participante, vivenciada, com os olhos
escancarados para a realidade e para a vida prática: orientadas, as
crianças discutem entre si e com os professores, para assessorar-se
de valores que serão os seus futuramente. É preciso limpar a velha
escola das atividades que não contribuem para a saúde mental, social
e afetiva do educando. Importante é fortalecer o pensamento e a
criança poderá expressar-se inteligentemente por meio da linguagem.
Essa inteligência cresce concomitantemente com o desenvolvimento
da afetividade (CELLERIER, 1980, p. 43).

Desta forma, o discurso da prática com todos seus erros e acertos


são características peculiares da ação do homem, devendo ser
preocupação constante da ação pedagógica. E, agindo assim, estaremos
vivenciando a ação escolar e a interação entre os alunos para a
construção dos saberes, abrindo espaço para a vida na sala de aula.

359
FONAPER

Percebemos que a educação é mais que ensino, não se constituindo


em instrumento solucionador de problemas, mas altamente revelador de
valores implícitos na relação entre professor e aluno remetendo-nos às
reflexões e inferências no processo de construção do conhecimento. Essa
construção democrática envolve ensino e pesquisa em que os envolvidos
precisam ser mediadores e transformadores trabalhando com a concepção
de um currículo que estimule todos os envolvidos na aprendizagem, pois
ela se funda num processo que necessita da relação dialógica entre
professor e aluno, e como tal, na sua prática, tem início as derrubadas de
diversos paradigmas. Contudo, isto só será efetivamente compreendido
quando o docente ajudar os alunos no seu processo educativo via diálogo,
onde exista no processo de aprendizagem, espaço para a inteligência e
afetividade. Para isto, temos que romper com qualquer tipo de relação
imposta, sendo assim, se faz necessário romper paradigmas, que ao longo
do processo educacional os alunos possam construir conceitos sobre os
conteúdos do Ensino religioso, que em sua maior parte são, de fato,
criações culturais a diversidade.
Neste sentido, a Resolução a seguir é altamente elucidadora:

I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; II - o acolhimento e o


trato da diversidade; III - o exercício de atividades de enriquecimento
cultural; IV - o aprimoramento em práticas investigativas; V - a
elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos
conteúdos curriculares; VI - o uso de tecnologias da informação e da
comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio
inovadores; VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de
trabalho em equipe (Art. 2º da Resolução CNE/CP 01/2002).

Desta forma, a escolha do roteiro de aprendizagem elaborada foi as


―Danças Circulares Sagradas‖. Com a finalidade de trabalhar
conhecimentos de valores éticos, de cooperação, diversidade social diante
do cotidiano escolar, conduzindo a um processo de reflexão e
possibilidades do educando criar sua autonomia para eleger seus valores,
tomar suas decisões e ampliar seus conhecimentos epistêmicos. Segundo
Garaudy "a dança é um modo total de viver o mundo: é, a um só tempo,
conhecimento, arte e religião" (GARAUDY, 1998, p. 15).
O principal intuito foi reconhecer na ―Dança Circular Sagrada‖ a
importância dos indivíduos como parte de um todo, a fim de desenvolver
nos alunos a capacidade de convivência em sociedade, de maneira
harmoniosa e civilizada. É de mãos dadas e em círculo, que os alunos se
360
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

colocam em contato com seu corpo em movimento, seu ser em expressão


e com o outro, estabelecendo e transformando suas relações. ―A dança
possibilita o conhecimento para despertar e leva ao encantamento pelo
Ensino Religioso no que se refere à descoberta ou redescoberta da sua
espiritualidade, da sua dimensão religiosa.‖ (OLENIKI; DALDEGAN, 2003,
p. 41).
Oleniki e Daldegan (2003, p.42), afirmam sobre o futuro professor de
Ensino Religioso:

Deverá estar sempre atento à linguagem, pois o proselitismo é vetado.


[...] Para favorecer de linguagem adequada é significativo que o
professor de Ensino Religioso organize um quadro ou pesquisa das
tradições religiosas, em sua classe, para evitar a exclusão de algumas
delas e possibilitar aos educandos manifestarem-se (OLENIKI;
DALDEGAN, 2003, p.42).

E trazendo a nossa discussão para o campo da pesquisa, apoiamo-


nos em Dyniewicz (2007), para destacá-la no aspecto quantitativo, que
prevê a mensuração de variáveis preestabelecidas para verificar e explicar
sua influência, mediante análise de frequência de incidência, correlações e
estatísticas. O método quantitativo é baseado na medida, geralmente
numérica, de um grande conjunto de dados, dando ênfase à comparação
de resultados e ao uso intensivo de técnicas estatísticas.
Todo este processo também requer dimensões acerca da efetivação
de uma metodologia participativa. Minayo (1992, p. 10) assim a conceitua,

A metodologia qualitativa é aquela que incorpora a questão do


significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações
e às estruturas sociais. O estudo qualitativo pretende aprender a
totalidade coletada visando, em última instância, atingir o
conhecimento de um do fenômeno histórico que é significativo em sua
singularidade (MINAYO, 1992, p. 10).

Considerando o exposto, percebemos que a necessidade de


trabalhar a dança circular na sua dimensão avaliativa do próprio ensino, na
forma quanti-qualitativa, por ser considerada a mais adequada para
dimensionamento e compreensão do aprendizado.

361
FONAPER

A Dança Circular Sagrada no Ensino Religioso


A prática das danças no meio educacional traz uma proposta
pedagógica a fim de que, o trabalho em conjunto possibilite ao educando a
sua adaptação, integração com ele e o outro. Ocorrendo desta forma o
equilíbrio e a libertação e oferecendo um plano com o intuito de possibilitar
o acesso à multiplicidade da educação. Tal formação harmônica, também
traz para a comunidade uma ação positiva. Ou seja, a dança oferece um
meio pedagógico que busca a idealidade para trabalhar às pré-condições
do jovem educando tornar-se potencialmente capaz de viver em harmonia
com a comunidade ou grupo a qual pertencem.
Baseado nos Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso, em que o
ambiente escolar é responsável pela socialização de conhecimentos, à
medida que os conteúdos estão inseridos na disciplina do Ensino
Religioso. Isto possibilita melhor compreensão do fenômeno religioso, do
transcendente, da diversidade cultural. A dança, bem aplicada
pedagogicamente, desenvolve nos educandos um movimento de execução
de ritmo, ordem, da referência espacial, a aceitação do seu eu com o outro
e com a comunidade, a atenção e a concentração, favorecendo a
autoestima e exercitando o respeito às diversidades.

No ambiente escolar, a presença da criança é uma experiência social,


na qual o cuidar e o educar desenvolvem-se de forma programada,
planejada, pensada previamente dentro de um sistema que atende, na
coletividade, à individualidade e à diversidade de realidades dos
educandos (OLENIKI; DALDEGAN. 2003, p. 58).

Tornando assim, as pessoas criativas e participativas, com a


aceitação de errar, acertar e aprender ―a dança é uma oferta desta ordem.
Onde pessoas dançam umas com as outras, elas se educam e se formam
a si mesmas‖ (WOSIEN, 2000, p 66). Dançar em círculo significa delimitar
um centro; e este é a ―manifestação do divino que existe em cada um.
Representa a força maior, pela qual somos guiados‖ (BISCONSIN;
MIZUMOTO, 2008, p.9), algo que favorece o ser humano a entrar em
contato com a linguagem simbólica, metafórica e transcendental.
Neste contexto, as danças possibilitam a integração das diversas
áreas do conhecimento e em qualquer nível de aprendizagem da educação

362
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

seja infantil, juvenil e adulta, em que a dança proporciona os sete saberes,


que:

1-Cegueiras do conhecimento: considerar os vários pontos de vista e


que cada um traz em si múltiplas realidades. 2- Princípios do
conhecimento pertinente: dançando no círculo, símbolo da totalidade,
é possível experienciar ser Todo em Si e Parte de Algo Maior:
qualquer ação local reverbera no todo e o todo nas partes –
complexidade/interdependência. 3- ensinar a condição humana - As
danças nos conectam com a teia cósmica da Vida. Os gestos,
carregados de significados, abrem portais de acesso arquivo
energético da humanidade. Do infinitamente pequeno, ao infinitamente
grande, tudo dança. O universo está em permanente movimento. Nós,
seres humanos, somos dançantes. Renascemos e reinterpretamos
cotidianamente a dança cósmica da criação. 4- Ensinar a identidade
terrena; 5- Ensinar a compreensão – Dançar/ corpar outros povos é
espelhá-los, é aprender com o que há na memória da matéria
profunda e permite reconhecer, legitimar, respeitar, e harmonizar as
diferenças. 6 - Enfrentar as incertezas – experimentar a
construção/desconstrução de gestos. A cada dança, uma aventura ao
desconhecido mundo das culturas, das ideias, dos movimentos, das
crenças. Novas formas corporais surgem e trazem novos conceitos
sobre as possibilidades de si mesmo. 7- Certeza-risco-incertezas.
Ética do gênero humano – as danças, por todos os pontos descritos
até então, contribuem para a humanização da humanidade, alcançar a
unidade planetária na diversidade, desenvolver a ética da
solidariedade, da compreensão, da cooperação (RAMOS, 2008, p.1-
2).

O que faz a diferença são as pessoas de mãos dadas e unidas a


colocarem-se em movimentos. Existindo o encontro de aceitação do eu
com o outro e a entrega de todos na roda, temos como resultado a
essência do transcendental no encontro com o sagrado. ―No momento
desse contato temos a união de espírito e matéria e a possibilidade da
criação. O ser humano se torna um ser íntegro quando se torna criativo. A
partir daí ele tem a trindade dentro de si‖ (RAMOS, 2008, p.3).
No entanto, dançar em círculo é um processo de transformação e um
princípio de mudança, símbolo universal da unidade e da totalidade. Ela é
sagrada não por ser religiosa, mas por expressar em si a espiritualidade.

A mão direita é, neste caso, a que recebe, com a palma da mão


voltada para cima, e a esquerda, a mão doada, com as costas
voltadas para cima. Ela dá a luz adiante, garantindo ao mesmo tempo
a retro-ligação [...]. Desta forma o presente e o passado estão
misteriosamente interligados. Só nós humanos separamos o hoje e o
amanhã. O eterno, sub spezia e aeternitatis, está além do tempo.
Acorrente circular, uma imagem sensorial da eternidade (WOSIEN,
2000, p.43).
363
FONAPER

Com a finalidade de promover uma organização de tempo e espaço


no ensino aprendizagem e a relação do ser humano.
Entretanto, faz-se interessante destacar a necessidade de conhecer
e valorizar cada grupo na sua aprendizagem, a fim de levar o diálogo para
o educando de forma que o mesmo possa vivenciar sua própria cultura e a
construção do seu convívio social respeitando as diversidades culturais.

Conhecendo as Danças Circulares Sagradas


As Danças Circulares Sagradas têm início na década de 60, com
Alemão bailarino e coreógrafo Bernhard Wosien. A descoberta dessas
danças teve como ponto de partida as danças folclóricas tradicionais e
com o principal objetivo o de analisar como evoluíam as formas, símbolos
e o que iria além dos passos desta dança. Muitas foram pesquisadas em
aldeias e campos daquela época, a fim de que, com tais danças, fosse
possível buscar em pessoas simples da comunidade, a alegria e a
comunhão entre o grupo cultural a qual cada grupo pertencia.

Em todas as culturas o conhecimento está subordinado à um contexto


natural, social e de valores. Indivíduos e povos criam, ao longo da
história, instrumentos teóricos de reflexão e observação. Associados a
estes, desenvolvem técnicas e habilidades para explicar, entender,
conhecer e aprender, visando saber e fazer. Assim, teorias e práticas
são respostas a questões e situações diversas geradas pela
necessidade de sobrevivência e transcendência. A
transdisciplinariedade é uma postura transcultural de respeito pelas
diferenças, de solidariedade na satisfação das necessidades
fundamentais, e de busca de uma convivência harmoniosa com a
natureza (D‘AMBRÓSIO, 1997, p.10).

Em 1977, Wosien com todo o conhecimento que havia tido através


das diversas comunidades que passou conhecendo as danças,
transformou a ―Dança Circular‖ em diversas coreografias, levando-a
posteriormente para a comunidade escocesa, Findhorn. Lá ensinou a um
grupo de pessoas e se tornou, desde então, responsável pela divulgação
das ―Danças Circulares Sagradas‖ espalhadas por todo o mundo. No
Brasil, ela chegou por volta de 1980, no Estado de São Paulo, na cidade
de Nazaré Paulista.
Todo esse processo de efetiva pesquisa, no entanto, transformou-se
para o bailarino num encantamento e, com a necessidade de manter viva a
raiz desta dança, que não havia excluídos, porque todos participavam
364
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

percebendo nela a força da comunhão ali contida, em gestos simples,


muito mais que apenas uma coreografia ou danças em círculo, ―a ideia da
dança como caminhada para dentro do silêncio e de uma meditação em
movimento‖ (WOSIEN, apud BICONSIN; MIZUMATO, 2008, p. 6).
A ‗Dança Circular Sagrada‘ envolve o ritualístico em conexão com o
divino, proporcionando a interação humana. Porém, nem todas as danças
são realizadas em círculos podendo ser em labirintos ou espiral, mas sem
perder as ―metáforas perfeitas da circulação da vida na terra e da
totalidade do ser humano, inspirando nos dançarinos o desejo de
transformação e evolução‖ (RODRIGUES, 2008, p. 2).

O homem e a mulher antigos, na medida em que desvendavam as leis


e os princípios de organização da realidade circundante, registrava-os
no corpo através de movimentos rítmicos e significativos [...] A dança
é uma das raras atividades humanas em que o ser humano está
totalmente engajado: corpo, espírito e coração. Por isso, a arte de
imitar a natureza através de movimentos rítmicos e repetitivos é uma
virtude que torna o conhecimento definitivo, inesquecível
(RODRIGUES, 2008 p.3).

Sendo assim, a dança poderá levar a um conhecimento para


formação da linguagem e da manifestação cultural, de forma que, as
―Danças Circulares Sagradas‖ estão relacionadas às danças populares de
todas as regiões do mundo; assim, como os cantos tradicionais e junto
com eles, elas têm o poder dos costumes, que se transmitem de geração
para geração. Neste sentido, todos somos dançarinos. Considera-se que
o verbo dançar em grego orce-omai (orque-omai) é derivado de or-numi
(ornumi), cujo significado é fazer levantar, despertar, fazer nascer
(LORTHIOIS, 1998).

Considerações Finais
O trabalho desenvolvido para o presente artigo teve como objetivo o
envolvimento com a prática e o estudo das ―Danças Circulares Sagradas‖
e foi então que, entramos na roda para dançar! O desafio não foi dar aulas
de dança, mas criar um espaço no qual a dança se tornasse uma
experiência em círculo para um reencontro com o eu e o outro, ou seja,
não era apenas falar sobre ou se tornar uma mera apresentação, mas de
fato, falar de si mesmo e o que a dança poderia mobilizar. Que todos de
mão dadas, voltados para um centro comum em passos ritmados na

365
FONAPER

crescente harmonia, aceitando as diferenças, poderiam afirmar ao mesmo


tempo a individualidade.
Gerando através das ―Danças Circulares Sagradas‖ uma conexão
com o todo e a integração com os envolvidos, dentro do currículo da
disciplina de Ensino Religioso, as reflexões teóricas e próprias
experiências obtidas como uma forma metodológica um grande
aprendizado.

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368
O ENSINO RELIGIOSO NA REDE MUNICIPAL DE CURITIBA:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Luís Fernando Lopes1

Renata Adriana Garbossa 2

Resumo:
Esta comunicação é um estudo bibliográfico que tem como objetivo demonstrar como
historicamente a disciplina de Ensino Religioso (ER) vem sendo trabalhada na Rede
Municipal de Ensino de Curitiba/PR. Os referenciais bibliográficos apoiam-se principalmente
nas considerações de Junqueira (2008), Oliveira e Koch (2008), Paraná (2008), Fonaper
(2001) e Assintec (2010). Incialmente faz-se um histórico sobre o Ensino Religioso no
mundo e especificamente no contexto brasileiro e paranaense. Em seguida, focaliza-se a
atenção em descrever como o ER é trabalhado no estado do Paraná e mais
especificamente na rede municipal de ensino de Curitiba. O processo histórico de ingresso
e consolidação dessa disciplina na Rede Municipal Ensino de Curitiba, resguardadas as
suas singularidades, acompanhou o processo nacional que é marcado por contradições,
avanços e retrocessos. Com este estudo objetiva-se oferecer elementos para uma reflexão
mais aprofundada sobre o ER no Brasil e o seu reconhecimento como disciplina integrante
do currículo da educação básica.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Curitiba. História.

Introdução
A análise e, consequentemente, a busca pela compreensão do
fenômeno religioso em um diálogo inter-religioso constitui uma tarefa
importante na sociedade contemporânea. O conteúdo dos programas que
assistimos na televisão, ouvimos no rádio, acessamos na internet estão
repletos de conteúdo religioso, embora na maioria das vezes isso passe
despercebido.
Contudo, o voltar-se para o universo religioso e procurar analisá-lo e
compreendê-lo não pode ser considerado uma aventura que se faz sem
nenhum critério ou fundamentação histórica e epistemológica. A falta de
tais critérios conduz a posições extremistas de desprezo ou
fundamentalismo em relação ao fenômeno religioso. Nesta perspectiva o

1
Mestre e Doutorando em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Coordenador
do Curso de Especialização em Metodologia do Ensino Religioso do Centro
Universitário Internacional UNINTER.
2
Mestre em Geologia ambiental pela UFPR. Tutora do Curso de Especialização em
Metodologia do Ensino Religioso do Centro Universitário Internacional UNINTER.
FONAPER

trabalho com a disciplina de Ensino Religioso requer uma formação


coerente dos professores, com as implicações que dele decorrem.
A compreensão do Ensino Religioso e sua presença no currículo da
educação básica requer atenção ao processo histórico de sua constituição
e desenvolvimento no decorrer dos tempos. Assim o intuito desse trabalho
é analisar como a disciplina de Ensino Religioso (ER) vem sendo
trabalhada na Rede Municipal de Ensino de Curitiba/PR.
Conforme a legislação vigente no Brasil, o Ensino Religioso, ainda
que de matrícula facultativa, é considerado uma disciplina que integra os
saberes necessários para a formação do cidadão. Nesse sentido, é
fundamental aprofundar a pesquisa no que diz respeito ao seu
reconhecimento como um campo do conhecimento, o que implica
necessariamente uma fundamentação epistemológica e pedagógica.
Não se trata de impor mais um elemento para o currículo das
escolas, mas de fato reconhecer a importância de um elemento que é
essencial para proporcionar uma formação integral, com vistas à
superação de todo tipo de preconceito e formas de proselitismo.

O processo histórico do Ensino Religioso no Mundo e no Brasil


Abrolhadas na Alemanha por inspiração da Reforma, as escolas
tinham como escopo universalizar o ensino elementar com vistas à
divulgação religiosa. Lutero (1483-1546) reivindicava que o Estado
assumisse essa tarefa, já que por meio da alfabetização e o estudo de
outros elementos seria possível ler a Bíblia e interpretá-la. Assim, a
motivação religiosa implica uma organização no processo educacional.
Apesar da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e todas as consequências
que ela acarretou, os alemães obtiveram melhores resultados no que diz
respeito à educação na Europa (JUNQUEIRA, 2009).
No século XVIII, temos o Movimento Iluminista representando o
poder da razão humana de interpretar e reorganizar o mundo. Assistimos,
também, ao desenvolvimento das ciências experimentais com Bacon,
Galileu e Newton, o empirismo com Locke e o racionalismo cartesiano.
Com a introdução da máquina a vapor em 1750 e o início da Revolução
Industrial o panorama socioeconômico altera-se definitivamente.
Conforme Junqueira (2008, p. 147), ―o marco histórico da origem do
Ensino Religioso no Ocidente é o estabelecimento do Império Austro-

370
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Húngaro no século XIX‖. Nesse sentido é importante destacar a atuação


da imperatriz Maria Teresa da Áustria que criou uma comissão da corte
para os Estados, a qual ressaltava que a instrução é e sempre foi em cada
época um fato político.

O abade Felbiger foi chamado pela rainha e, sob sua influência, a


educação na Áustria tomou um novo rumo. Esse pedagogo ensaiou,
com a melhor sorte, interessantes ideias educativas. (...). Todo esse
processo foi importante para que, na criação das escolas do império
austro-húngaro, fosse finalmente criada, pela primeira vez na história
da educação ocidental, a disciplina Ensino da Religião que originaria o
Ensino Religioso (JUNQUEIRA, 2009, p. 149-150).

Dessa maneira, para compreensão atual do Ensino Religioso é


importante retomar as influências pedagógicas, que também sofrem
interferências políticas na concepção e divulgação de propostas de ensino
aprendizagem (JUNQUEIRA, 2008). Em 1794, o imperador Frederico, o
Grande, mesmo sofrendo oposição do clero e do povo, publicou no império
austro-húngaro uma lei declarando que todas as instituições educativas,
públicas ou não, eram instituições do Estado e deviam estar sob seu
controle.
Percebe-se assim que progressivamente a compreensão de
educação e a forma de organizá-la vão se modificando. Com Kant a
pedagogia toma contornos de ciência teórico-prática que une arte e saber
para promover a moralidade e a felicidade dos sujeitos.
Racionalizar e laicizar constitui-se como estratégias da escola para
promover uma educação para a formação do cidadão honesto, paciente,
equilibrado e generoso, fiel a Deus e ao Imperador. Também a religião é
ensinada como forma de educar. O catecismo era o instrumento que ao
mesmo tempo era utilizado como meio para a instrução religiosa e cartilha
para alfabetizar.

Nesse contexto histórico, as aulas de religião, assim como a


alfabetização em língua materna, dava-se por meio do ensino do
catecismo e das histórias bíblicas, o que colaborou para a unidade
desse império. Tal experiência influenciou outros países nos quais a
relação entre Igreja e Estado era muito próxima, inclusive no Brasil,
como verificamos anteriormente. Este pressuposto é importante para
compreendermos o Ensino Religioso no contexto internacional e
verificarmos os caminhos construídos com a criatividade e
sensibilidade dos professores e pesquisadores brasileiros
(JUNQUEIRA, 2008, p. 147).

371
FONAPER

Como é possível notar, o Ensino Religioso é uma disciplina que tem


suas raízes em um contexto no qual o Estado se responsabiliza pela
educação no século XVI, quando se desencadeia o processo da Reforma
Protestante. Trata-se de um momento muito importante na história, pois:

Era a primeira vez que se falava de educação universal e ao mesmo


tempo, Lutero solicitava às autoridades oficiais que assumissem essa
tarefa, considerando que a educação para todos devia ser de
competência do Estado, pois, por meio da alfabetização e do estudo
de outros elementos, haveria a possibilidade de ler a Bíblia e sua
interpretação; portanto, a motivação religiosa demandaria uma
organização no processo de ensino-aprendizagem (BRAIDO, 1991
apud JUNQUEIRA, 2008, p. 148).

Convêm salientar que esta preocupação com a formação elementar


para todos está também relacionada com as necessidades da época, as
mudanças no processo produtivo. Além de dar instrução religiosa, tratava-
se preparar trabalhadores para o comércio e para a indústria. O Estado
progressivamente descobre o papel da escola como instrumento de
domínio político e social e cada vez mais toma medidas para organizar e
controlar a educação. Entre outras consequências, isso provoca
desencontros com a Igreja, que percebe sua perda de domínio do sistema
educacional.
Conforme Junqueira (2008), assistimos progressivamente uma
pedagogização da sociedade, que com o nascimento do Estado moderno e
da sociedade burguesa, articula-se, de fato, a instituição escolar e um
projeto social em torno de uma preocupação com a cultura e com as
ciências. Ao longo desse processo, assistimos as resistências da Igreja
Católica, progressivamente excluída de seus tradicionais domínios
geográficos e ideais.
Tal caminho histórico interfere na discussão atual da questão
religiosa no continente europeu. Evidencia-se que todas as pessoas têm
direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, o que
acarreta implicações fundamentais no horizonte educacional.
Como se pode notar o Ensino Religioso paulatinamente passou a
fazer parte do espaço da escola, articulando-se a partir da estrutura
escolarizada da sociedade.

O Ensino Religioso, criado no século XVIII, entra no contexto da


escola que passa a ser orientada pelo Estado. Inicialmente essa
disciplina possui um perfil relacionado à religião hegemônica do país.
372
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Mas ao longo dos séculos, e como as conquistas do povo e os novos


direitos alcançados, a questão religiosa nas escolas assumiu um
caráter polêmico. Nos países da comunidade europeia as fortes
tradições ainda se fazem presentes nas decisões que orientam essa
área. Na América Latina, a força da Igreja Católica ainda persiste na
influência de uma confessionalidade determinante, enquanto no
Canadá existe uma discussão que busca a leitura de uma cultura
religiosa como a proposta brasileira, mas ainda será um tema de
longas reflexões a presença dos temas religiosos no espaço escolar
(JUNQUEIRA, 2008, p. 170).

Com relação ao contexto latino-americano convém ressaltar o projeto


político-religioso implantado pelos colonizadores ibéricos, que fará da
confessionalidade a marca dominante do Ensino Religioso proporcionado.
Tal consideração é fundamental para a compreensão do processo histórico
do ER no contexto brasileiro, onde a disciplina de Ensino Religioso integra
os currículos escolares há muito tempo, assumindo diferentes
características pedagógicas e legais em cada período histórico.

Muito embora no contexto do Brasil Colônia não seja possível falar em


políticas públicas para a educação e também numa disciplina
denominada de Ensino Religioso, a primeira forma de inclusão dos
temas religiosos na educação brasileira, que se perpetuou até a
Constituição da República em 1891, pode ser identificada nas
atividades de evangelização promovidas pela Companhia de Jesus e
outras instituições religiosas de confissão católica (PARANÁ, 2008, p.
38).

No Brasil Império a religião oficial era a Católica Apostólica Romana


conforme determinava a Constituição de 1824. Uma nova concepção da
educação escolar de caráter laico foi manifestada com os princípios
estabelecidos pelos republicanos e explicitados desde o início do regime
com a criação, em 1889, do Ministério de Instrução, Correios e Telégrafos.
Porém, temos um contexto de disputas, em que estão presentes
demandas republicanas e confessionais, no qual a Igreja Católica tenta
recuperar seu domínio. Entre os pontos polêmicos no campo da educação
estava o Ensino Religioso.
Nesse sentido as pesquisas realizadas por Romanelli (2000, p.14)
levaram-na a certas constatações, tais como:

A primeira delas é a de que a forma como evolui a economia interfere


na evolução da organização do ensino, já que o sistema econômico
pode ou não criar a demanda de recursos humanos que devem ser
preparados pela escola. A segunda constatação relaciona-se com a

373
FONAPER

evolução da cultura, sobretudo da cultura letrada. [...] A terceira


constatação tem implicações com o sistema político a forma como se
organiza o poder também se relaciona diretamente com a organização
do ensino, em princípio porque o legislador é sempre o representante
dos interesses políticos da camada ou facção responsável por sua
eleição ou nomeação e atua, naquela organização, segundo esses
interesses ou segundo os valores da camada que ele representa.

Uma intensa campanha foi desenvolvida ao longo da Primeira


República com o objetivo de minorar os efeitos práticos da laicidade do
Estado exarado na constituição. Na década de 1930 colocam-se em
defesa da Igreja Augusto de Lima e depois Leonel Franca que, em Minas
Gerais, teve seu texto sobre o Ensino Religioso incorporado à Constituição
de 1934, sendo facultativo para o aluno e obrigatório para Escola. Tratava-
se de uma tentativa de colocar fim as disputas atendendo tanto às
demandas confessionais quanto republicanas. Em 1937, ele passa a ser
facultativo para ambos (PARANÁ, 2008).
As incoerências dessa introdução do Ensino Religioso na
Constituição de 1934 são questões que ainda demandam muitas
pesquisas para possibilitar uma compreensão adequada, o que não é o
foco desse artigo. Desde os anos de 1930 se tornaram constantes as
disputas sobre a manutenção ou retirada o Ensino Religioso do currículo
do ensino brasileiro.
Na constituinte da década de 1980 os argumentos contrários e a
favor do Ensino Religioso foram discutidos e a polêmica continuou mesmo
depois da aprovação da LDBEN 9.394.96, que no tocante ao Ensino
Religioso exigiu uma nova formulação aprovada no ano seguinte com Lei
nº 9.475/19973:

O art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar


com a seguinte redação: Art. 33. O ensino religioso, de matrícula
facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os

3
Ao então deputado Pe. Roque Zimermann (PT-PR), como membro da Comissão de
Educação, Cultura e Desporto, coube assumir a relatoria do processo de revisão do art.
33 da LDBEN. A proposta apresentada pelo deputado foi na realidade, uma colaboração
do FONAPER, resultado de diversos estudos, em um retorno aos projetos anteriores,
sobretudo porque aproveitava o viés conceitual que dificultou a discussão anterior em
relação ao que seria, de fato, o inter-religioso, já que tal termo estava mal colocado.
Sem utilizar novas terminologias, o substitutivo respeitava o espírito de todas as
discussões, ou seja, o pluralismo religioso (JUNQUEIRA, 2008, p. 37).
374
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição


dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a
habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino
ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações
religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso‖.

O Art. 33 foi o primeiro da LDBEN 9.394/96 a ser alterado. Em 1998


com a Resolução nº 02/1998 o Conselho Nacional de Educação (CNE)
reconheceu o Ensino Religioso como área de conhecimento a ser
organizado não a partir de religiões, mas da escola (JUNQUEIRA, 2008).

O Ensino Religioso no Estado do Paraná

A altercação sobre o Ensino Religioso no Estado do Paraná não é


recente. Documentos apontam que uma das fases mais marcantes sobre o
mesmo ocorreu entre 1922 até 1930, em meio às ações e os discursos dos
intelectuais católicos em defesa do ensino religioso, privilegiando suas
intervenções na imprensa católica e no Congresso Legislativo Paranaense
(CAMPOS, 2011).
Nos pressupostos de Campos (2011) em 1922, foi apresentado pelo
deputado Padre Alcidino Pereira o Projeto n. 40, que visava estabelecer o
ensino religioso facultativo nas escolas públicas e nas instituições de
ensino privadas subvencionadas pelo poder estatal paranaense. A
proposição desse projeto provocou forte debate entre os parlamentares. O
mesmo autor pondera que em 1926, o grupo católico estabeleceu a revista
A Cruzada, com circulação até 1931. Neste mesmo ano (1931), através do
decreto n. 19.941 Francisco Campos, Ministro da Educação, instituiu o
ensino religioso como disciplina facultativa para compor o currículo das
escolas públicas brasileiras. A imprensa católica paranaense divulgou um
conjunto de artigos em tom comemorativo pelo alcance dessa matéria no
ordenamento jurídico brasileiro.
Conforme apresentado pela Secretaria de Educação do Estado do
Paraná com o objetivo de viabilizar a proposta de Ensino Religioso no
Estado, a Assintec4, formada por um grupo de caráter ecumênico, cuidou
da elaboração de material pedagógico e também, com cursos de formação
continuada. Como resultado desse trabalho foi elaborado em 1972 o

4
Associação Interconfessional de Curitiba
375
FONAPER

(Prontel)5, que propôs a instituição do Ensino Religioso radiofonizado nas


escolas municipais, com parecer favorável do Conselho Estadual de
Educação. Havendo o consentimento de abrigar o Prontel da SEED
juntamente com a Prefeitura Municipal de Curitiba.
Como relata a Secretaria de Educação do Estado do Paraná em
suas diretrizes curriculares:

O conteúdo veiculado pelo sistema radiofônico teve como foco


curricular as aulas de ensino moral-religioso nas escolas oficiais de
primeiro grau. Em 1973, foi firmado um convênio entre a SEED e a
Assintec, com a proposta de implementar um Ensino Religioso
interconfessional nas escolas públicas de Curitiba. No mesmo ano, a
SEED designou a entidade como intermediária entre a Secretaria e os
Núcleos Regionais de Educação, nos quais foi instituído o Serviço de
Ensino Religioso para orientar a proposta curricular da disciplina
(PARANÁ, 2008 p. 41).

Em 1976, pela Resolução n. 754/76, foram autorizados cursos de


atualização religiosa em quatorze municípios do Estado, com o apoio da
Associação das Escolas Católicas (AEC). Em 1981, nasceu um novo
programa de rádio dirigido aos professores, como meio para ampliar as
possibilidades de uma formação continuada, bem como favorecer a
preparação dos temas a serem tratados nas aulas de Ensino Religioso.
Além disso, realizou-se o Primeiro Simpósio de Educação Religiosa.
Seis anos depois (1987) teve inicio o curso de Especialização em
Pedagogia Religiosa, numa parceria da SEED, Assintec e PUC/PR,
voltado à formação de professores interessados em ministrar aulas de
Ensino Religioso. Nos pressupostos da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná (2008) durante o transcorrer do curso, ficou demonstrada a
inquietação com a formação do professor para a pluralidade religiosa,
ainda que, por conta da concepção de Ensino Religioso que vigorava na
época, prevalecessem atividades marcadas por celebrações e vivências de
valores.
Durante o período da Constituinte as discussões iniciadas foram
intensificadas com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, por
meio da organização de um movimento nacional, que buscou garantir o
Ensino Religioso como disciplina escolar.
Inicialmente, o entendimento das orientações oriundas dos textos
legais, do Congresso Nacional (art. 210, § 1º da Constituição Federal de
5
Programa Nacional de Tele-educação
376
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

1988 e art. 33 da LDBEN 9.394/96) e dos pareceres do Conselho Nacional


de Educação (CNE), foi fundamental para o posicionamento de cada um
dos Estados da Federação em relação ao Ensino Religioso (JUNQUEIRA,
2007).
Na mesma década (1980), com o processo de redemocratização do
país, as tradições religiosas asseguraram o direito à liberdade de culto e
de expressão religiosa. Nessa conjuntura, no ano de 1990, o Estado do
Paraná elaborou o Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná. O
Ensino Religioso não foi apresentado como as demais disciplinas na
primeira edição do documento. Sob a responsabilidade da Assintec com a
SEED dois anos mais tarde, foi publicado um caderno para o Ensino
Religioso, conforme os moldes do Currículo Básico.
Houve um esvaziamento do papel do Estado em relação ao Ensino
Religioso, retomando-se na prática, a compreensão de que a definição do
currículo da disciplina é responsabilidade das tradições religiosas. Diante
do exposto evidenciou-se, ainda, o distanciamento do Ensino Religioso das
demais disciplinas escolares. Conforme explicitado pela SEED

No âmbito legal, o Ensino Religioso ofertado na Rede Pública


Estadual atendia às orientações da Resolução SEED n. 6.856/93, que,
além de reiterar o estabelecido anteriormente entre a SEED e a
Assintec, definia orientações para oferta do Ensino Religioso nas
escolas. No entanto, esse documento perdeu validade nas gestões
que se sucederam, especialmente a partir da promulgação da nova
LDBEN 9.394/96 (PARANÁ, 2008, p.43).

O Ensino Religioso passou a ser compreendido como disciplina


escolar, com a discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional ― LDBEN 9.394/96, incentivadas pela sociedade civil
organizada. Em decorrência desse processo, sua instituição nas escolas
públicas do país foi regulamentada.
O enfraquecimento da disciplina de Ensino Religioso na Rede
Pública Estadual do Paraná ocorreu no período entre 1995 a 2002,
acentuando-se a partir de 1998, uma vez que nesse período não havia
sido regulamentado pelo Conselho Estadual de Educação, ficando restrito
somente às escolas onde havia professor efetivo na disciplina. Na
reorganização das matrizes curriculares do Ensino Fundamental, realizada
nesse período, o Ensino Religioso foi praticamente extinto, mesmo diante
da exigência legal de sua oferta pela LDBEN 9.394/96.

377
FONAPER

O Ensino Religioso não foi contemplado na elaboração dos


Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) coordenado pelo Ministério da
Educação (MEC). Tornou-se então tema de debate pelo FONAPER. Nesse
contexto é que se elaborou uma proposta educacional com educadores de
diversas tradições religiosas. No ano de 1997 foi publicado o PCN de
Ensino Religioso.

O Conselho Estadual de Educação do Paraná, em 2002, aprovou a


Deliberação 03/02, que regulamentou o Ensino Religioso nas Escolas
Públicas do Sistema Estadual de Ensino do Paraná. Com a aprovação
dessa deliberação, a SEED elaborou a Instrução Conjunta n. 001/02
do DEF/SEED, que estabeleceu as normas para esta disciplina na
Rede Pública Estadual. No inicio da gestão 2003-2006, o Estado
retomou a responsabilidade sobre a oferta e organização curricular da
disciplina no que se refere à composição do corpo docente dos
conteúdos da metodologia, da avaliação e da formação continuada de
professores (PARANÁ, 2008, p. 41).

Dessa forma os professores que ministravam aulas de Ensino


Religioso foram abarcados em um processo de formação continuada que
tinha como objetivo a legitimação da Rede Pública Estadual. Tal processo
ocorreu entre os anos de 2004 a 2008 por meio de Simpósios, grupos de
Estudos, e resultou na fundamentação das Diretrizes Curriculares do
Ensino Religioso. Como explicita a SEED:

No final de 2005, a SEED encaminhou os questionamentos oriundos


desse processo de discussão com os Núcleos Regionais de Educação
e com os professores ao Conselho Estadual de Educação (CEE). Em
10 de fevereiro de 2006, o mesmo Conselho aprovou a Deliberação n.
01/06, que instituiu novas normas para o Ensino Religioso no Sistema
Estadual de Ensino do Paraná (PARANÁ, 2008, p.44).

Portanto, no ano de 2006, após um longo processo de discussão, a


SEED lançou a primeira versão para das Diretrizes Curriculares do Ensino
Religioso para a Educação Básica. Após inúmeras discussões entre os
diversos setores envolvidos o resultado final, mas não conclusivo, deste
processo surgiu a proposta de implementação de um Ensino Religioso
laico e de forte caráter escolar.

378
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O Ensino Religioso na Rede Municipal de Curitiba

Como vimos, a discussão acerca da presença do Ensino Religioso


nos espaços escolares oficiais do Paraná remonta longa data. Conforme
Campos (2011), em 1922, o parlamentar Pe. Alcídio Pereira apresentou ao
Congresso Legislativo Paranaense, o Projeto nº 406 que objetivava instituir
o ensino religioso facultativo nas escolas públicas e subvencionadas pelo
estado do Paraná. Tal proposição provocou um forte debate entre os
parlamentares. ―A imprensa curitibana, particularmente aquela alinhada
aos anticlericais (Comércio do Paraná, Diário da Tarde, Gazeta do Povo),
endereçou muitas críticas à iniciativa do representante do clero‖
(CAMPOS, 2011, p. 66-67).
De acordo com Hernandes, Nizer e Correa (2012) a Secretaria
Municipal da Educação de Curitiba conta, atualmente, com 181 unidades
educacionais que ofertam Ensino Fundamental. Elas estão distribuídas em
nove Núcleos Regionais da Educação.
Em todas as escolas da Rede Municipal de Ensino de Curitiba o ER
é ofertado. Do total de 144 escolas, 141 contam com um professor
específico para esta disciplina. Nas outras escolas o professor regente
assume esse componente curricular. Nas escolas em que se ofertam os
anos finais do Ensino Fundamental a responsabilidade pelas aulas de ER
na maioria das vezes fica com os professores de História. Ao todo são
onze escolas que possuem essa oferta (HERNANDES; NIZER; CORREA,
2012).
No que diz respeito à formação continuada dos professores de
Ensino Religioso, eles participam anualmente, na área de vários encontros
e eventos. São oferecidos também cursos7 de introdução e de
aprofundamento de conteúdos em parceria com a equipe pedagógica da
Associação Inter-religiosa de Educação (ASSINTEC).
6
No contexto dessa discussão convém mencionar o Decreto nº. 119a de 7 de janeiro de
1890, cuja vigência foi reestabelecida pelo Decreto nº 4.496 de 2002: É proibido à
autoridade federal, como a dos Estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos
administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a a criar diferenças entre os
habitantes do país ou nos serviços sustentados a custa do orçamento, por motivo de
crença ou opiniões filosóficas ou religiosas. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d119-a.htm>. Acesso em: 01
Ago. 2013.
7
Entre os já ofertados pode-se citar: Textos Sagrados (2010), Respostas norteadoras
para o sentido da vida além-morte (2011) e Espaços Sagrados (2012) (HERNANDES;
NIZER; CORREA, 2012).
379
FONAPER

Conforme argumenta Valdir Cândido de Deus (2010), a constituição


da ASSINTEC remonta ao Movimento Ecumênico de Curitiba. A origem
oficial da entidade ocorreu no ano de 1973, quando se realizou um
convênio com Secretaria Estadual de Educação, sob a condição de que
dentro de seis meses fosse criada uma associação responsável pelo
projeto de implementação do Ensino Religioso nas escolas públicas do
Paraná. Além da Secretaria Estadual de Educação, firmou-se um convênio
com a Secretaria Municipal de Curitiba.
Se considerarmos estas três últimas décadas, a Assintec passou por
diferentes fases. Primeiramente surgiu como entidade ecumênica, que
tinha como objetivo fomentar o Ensino Religioso que superasse a
catequese cristã na escola pública. Em seguida, a ênfase era o ensino de
valores humanos. Contudo, com a LDBEN 9.394/96, sob novos alicerces, a
Asssintec passou a trabalhar com o conhecimento religioso historicamente
acumulado e vivido no contexto das tradições religiosas, místicas e
filosóficas.
A presença do Ensino Religioso na escola tem gerado inúmeros
debates. Isso se deve, por um lado devido a crescentes resistências, e por
outro lado, aceitações, sendo levantadas diferentes concepções com
relação a sua metodologia, sua importância e também para que fins a sua
contribuição no ambiente escolar.
Nos pressupostos de Valdir Cândido de Deus (2010), alguns autores,
e até mesmo organismos, estão aventando e conjeturando sobre este
assunto, de modo que se desenvolva um currículo multicultural, que
propicie ao aluno o pleno exercício da cidadania. O mesmo esforço tem
partido do FONAPER8 para contemplar um currículo que seja também
multicultural. Sob essa perspectiva, o conhecimento religioso é:

Um patrimônio da humanidade e necessita estar à disposição da


escola, contribuindo para que os educandos se tornem capazes de
entender os movimentos no âmbito das diversas culturas, colaborando
para que o autêntico cidadão multiculturalista se aprofunde (DEUS,
2010, p. 49).

No município de Curitiba, com base na Lei 9.475/97, que dá uma


nova redação ao Art. 33 da Lei da LDB n. 9.394/96, redimensionando o
Ensino Religioso no contexto escolar, lançou-se um Caderno Pedagógico

8
Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso.
380
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

com o título ―Caderno Pedagógico: Ensino Religioso‖, onde estabelece e


determina como deverá ser o Ensino Religioso nas escolas públicas de
Curitiba. Neste, como área de conhecimento, o Ensino Religioso deve
trabalhar os seus conteúdos buscando fazer a articulação com as demais
áreas.
Uma parceria entre a Rede Municipal de Educação de Curitiba e a
ASSINTEC gerou a proposta de Ensino Religioso no município. Em 2005,
ambas as entidades citadas coordenaram um processo de revisão das
diretrizes curriculares municipais. Ocasionando também mesma data a
discussão da proposta com os profissionais da Educação de Ensino
Fundamental, onde se apontou possibilidades de trabalho efetivo com os
alunos.
A discussão da proposta foi pensada na atual legislação, a partir do
Art. 33 da LDBEN n. 9394/96, sendo alterado pela Lei n. 9.475/97,
contando com a Resolução n. 2/1998, da Câmara de Educação Básica do
CNE:

O Ensino Religioso, mediante isto, passa a ser considerado área do


conhecimento e parte integrante da Base Nacional Comum, sendo
trabalhado de modo sistemático, em articulação com as demais áreas,
em horário normal das escolas. A legislação determina o respeito à
diversidade cultural religiosa existente na realidade brasileira.
Considerando que o trabalho com o Ensino Religioso na escola não é
uma doutrinação, evangelização, catequese ou imposição de
quaisquer práticas religiosas, fica proibido o proselitismo (DEUS, 2010
p. 50).

A ASSINTEC, juntamente com a RME, desenvolve planos anuais de


formação continuada dos professores, visando conhecer e analisar as
diversas tradições religiosas, místicas e filosóficas, ao lado de condutas
que reforçam os valores em comum.

A realidade do estudante deve ser o ponto de partida e o ponto de


chegada no processo ensino-aprendizagem. Nessa concepção,
consideram-se as peculiaridades ou particularidades da comunidade
na qual se insere a escola, para que o estudante chegue ao
entendimento da diversidade das manifestações do sagrado e
construa um referencial de respeito às diferenças (RIBEIRO
HOLANDA, apud DAUDT DA COSTA; SCHLÖGEL, 2006, p. 24).

Com alusão ao desenvolvimento em seu trabalho pedagógico, de


caráter especial o Ensino Religioso, os professores precisam de modo

381
FONAPER

constante de instrumentos de apoio que lhes permitam uma


fundamentação segura. Com o objetivo de dar apoio para os professores
das escolas municipais, dois cadernos de Ensino Religioso foram
construídos nos anos 2003 e 2004. O primeiro Caderno teorizava sobre os
aspectos legais a que área estava ligado. Já o segundo Caderno tinha
como base uma complementação do anterior, trazendo exemplos de
planejamentos de aulas para os ciclos I e II.
Outros materiais foram produzidos três anos mais tarde (no ano de
2006) para os professores dos Ciclos I e II (do 1º ao 5º ano do Ensino
Fundamental), categorizados como Cadernos Pedagógicos.
Nos demais encontros que foram realizados, pedagogos, professores
e outros interessados realizaram avaliações sobre a importância do objeto
de estudo, aos conteúdos e à metodologia que o Ensino Religioso se
propôs.

Considerações Finais
Neste estudo procurou-se apresentar uma abordagem histórica sobre
a disciplina de Ensino Religioso no contexto nacional, estadual e
particularmente no contexto da rede municipal de ensino de Curitiba/PR.
Considerou-se como pressuposto que a realidade singular ― o Ensino
Religioso na Rede municipal de Curitiba ― é um elemento do universal ―
o Ensino Religioso no contexto histórico nacional e mesmo internacional.
No entanto, tal realidade particular não pode ser vista apenas como um
reflexo da realidade geral, pois, ela possui características próprias que lhe
conferem uma identidade particular.
Pela exposição do processo histórico de introdução e
desenvolvimento do Ensino Religioso na realidade mundial e brasileira
nota-se uma situação constante de disputas pelo controle do sistema
educacional como um dos meios para alcançar e garantir o controle
político, econômico e social.
Com relação aos esforços para a promoção de um Ensino Religioso,
enquanto área de conhecimento e a consequente valorização dos
professores que com ele trabalham, na realidade brasileira desde 1995, é
preciso destacar o trabalho do FONAPER, que em sua carta de princípios
estabelece, entre outros, ―A garantia que a Escola, seja qual for sua
natureza, ofereça Ensino Religioso ao educando, em todos os níveis de

382
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

escolaridade, respeitando as diversidades de pensamento e opção


religiosa e cultural do educando‖.9
Também no contexto paranaense esse cenário se reproduz à sua
maneira, bem como na capital do Estado. Uma das particularidades a
serem destacadas dessa realidade singular é o trabalho da Associação
Inter-religiosa de Educação (Assintec), que procura também atuar no
sentido de superar disputas e promover um Ensino Religioso que
realmente colabore para formação integral do ser humano.
Na capital paranaense como em todo território nacional está presente
o desafio de superar visões sectárias para a promoção de um Ensino
Religioso, enquanto área de conhecimento pautado no respeito à
diversidade religiosa com vistas à formação integral do ser humano frente
aos desafios da sociedade hodierna.

Referências

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União, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1890. Disponível em:
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9
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384
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO RELIGIOSO:
EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Josiane Crusaro (ASPERSC)1

Lindamir Teresinha Bianchi Crusaro (UNIGRAN)2

Adecir Pozzer (GPEAD/FURB)3

Resumo:
O espaço escolar é lócus de acolhida, integração, mediações, socializações, aprendizagens
e reconhecimento do(s) outro(s) e, ao mesmo tempo, palco de exclusões, conflitos,
intolerância e desentendimentos gerados pela incapacidade de um diálogo autêntico e
vivencial, legitimado pela escuta ativa e pelo respeito às diferenças na convivência entre as
diversidades. Repensar o currículo de forma contextualizada perpassando as concepções,
planejamentos, metodologias e avaliações, atendendo aos anseios de uma educação
significativa para o educando, capaz de promover, além do conhecimento, uma formação
cidadã pautada em princípios éticos de convivência e práticas alteritárias é tarefa constante
que perpassa as diferentes áreas do conhecimento da Educação Básica. Por isso,
objetivamos socializar atividades de aprendizagem desenvolvidas no componente curricular
Ensino Religioso que, enquanto área do conhecimento da Educação Básica tem por meta
assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil.

Palavras-chave: Ensino Religioso; espaço escolar; diversidade cultural religiosa.

Palavras iniciais
A escola possui diversos significados e compreensões. Pode ser
entendida como espaço de acolhida, encontros, reencontros, amizades,

1
Graduação no Curso Ciências da Religião - licenciatura em Ensino Religioso pela
Unochapecó (2012) e História pela UNOESC - ;Xanxerê. Professora de Ensino
Religioso da Rede Pública Estadual de Santa Catarina e vice-secretária da Associação
dos Professores de Ensino Religioso do Estado de Santa Catarina - ASPERSC, Gestão
2011/2013. E-mail: josicrusaro@yahoo.com.br
2
Acadêmica do Curso de Pedagogia - UNIGRAN. Professora do Ensino
Fundamental/Séries Iniciais da Rede Municipal de Ensino de Faxinal dos Guedes/SC. E-
mail: lindamircrusaro@hotmail.com.
3
Mestrado em Educação pela UFSC; Graduação em Ciências da Religião - Licenciatura
em Ensino Religioso pela FURB (2010); Especialização em Formação de Professores
para o Ensino Religioso pela PUCPR (2006). Bacharel em Ciências Religiosas pela
PUCPR (2002). Membro dos grupos de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento
(GPEAD/FURB) e Arte e Educação da linha Filosofia da Educação (GRAFIA/UFSC).
Coordenador do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER 2012-
2014). Professor de Ensino Religioso da Rede Pública do Estado Santa Catarina, da
Associação Franciscana Senhor Bom Jesus na região da Grande Florianópolis e da
FURB/PARFOR. Atua na área da Educação, com ênfase nos seguintes temas:
diversidade cultural religiosa, ensino religioso, formação de formadores e direitos
humanos. E-mail: pozzeradecir@hotmail.com
FONAPER

diálogos, construção de saberes e aprendizados, que contribuirão na


formação da identidade, ou também como espaço de legitimação,
opressão, regras, imposições, exclusão e intolerância.
Estando incumbida, enquanto instituição social, de ser
espaço/local/ambiente de aprendizagens e, ao mesmo tempo, de
convivência entre as diversidades, sabe-se que o cuidado para com o
outro, não raras as vezes, tem estado em segundo plano porque ainda há
uma formação visando atender as demandas do sistema capitalista, ou
seja, para um mercado de trabalho centrada na geração de capital e no
incentivo ao consumismo exacerbado, cujo fundamento é uma
racionalidade reduzida à instrumentalização.
Avaliações servem como indicativos ou métodos para averiguar e
classificar os níveis de aprendizagens que, socializados em gráficos, não
passam de meros resultados para verificar se atenderam ou não às metas
estabelecidas. São importantes para quem detém o controle e que precisa
demonstrar os índices dos quais depende inclusive a sua sobrevivência.
Com o objetivo de refletir este contexto em que a escola está fortemente
envolvida, faz-se necessário recuperar o desejo e o sabor do aprender e
do ensinar, para além de uma capacitação técnica para o exercício de uma
profissão.
E, na construção do saber aliado ao sabor do aprender, do
compreender e do ensinar, o diálogo é base/fator preponderante, porque
estudantes e professores precisam discutir, refletir e trabalhar
conjuntamente atuando como protagonistas no processo
ensino/aprendizagem, utilizando constantemente do encontro, para ouvir,
dialogar e interagir no espaço escolar.
Diante dessa perspectiva, Silva (2007, p. 250) afirma que:

um dos grandes desafios da escola hoje é contribuir para a construção


da alteridade e do conhecimento do eu e o outro, oportunizando
espaços de diálogo para o pleno desenvolvimento dos educandos, a
partir de processo de ressignificação da linguagem utilizada por eles.

Acrescenta a autora (2007, p. 251) que há uma ―[...] necessidade de


criar um ambiente de diálogo na sala de aula, de troca de experiências,
oportunizando assim a valorização de todos‖ implementando outras lógicas
onde todos/as se sintam integrados, acolhidos e ao mesmo tempo tenham

386
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

assegurado o reconhecimento da alteridade, agindo assim com


responsabilidade diante do outro.
Fontanive, Daneliczen e Kravice (2009) afirmam que uma educação
capaz de atender aos pressupostos da alteridade é tarefa desafiadora, pois
rompe com a postura tradicional a qual estamos habituados e nos provoca
a (re)flexão sobre a necessidade do respeito perante às diferenças que
estão presentes nos diversos espaços.
Para Pozzer, Cecchetti e Riske-Koch (2009, p. 271) ―a alteridade é
negada, esquecida [...]‖ forjando-se identidades, moldando, marcando e
etiquetando estudantes de acordo com os ideais de um sistema que
oprime o ser humano e nega a beleza e riqueza da diversidade,
principalmente, nos ambientes escolares.
Diante dessa perspectiva, concordamos que ―[...] na sociedade
excludente, o diferente é visto como alguém inferior e não digno do círculo
das nossas relações sociais‖ (WITT; PONICK, 2008, p. 09), possibilitando
o surgimento de tipificações, exclusões, (pré)conceitos, discriminações,
intolerâncias em relação ao outro, enquanto sujeito histórico singular,
diferente e único.
Daí a necessidade constante da escola refletir seu papel no contexto
atual, atuando como promotora de uma conscientização que parta do
outro, de caráter alteritário, humano e respeitoso para com os diferentes
indivíduos que constituem a sociedade, contribuindo com uma formação de
sujeitos de direitos, emancipados e críticos frente às injustiças e a negação
do direito de aprender e se desenvolver.

As flores e o jardineiro: aprendendo e convivendo com a diversidade


Vamos imaginar uma sala de aula? Um espaço da diversidade,
constituído por diferentes corpos, saberes, experiências, etnias, cores,
crenças religiosas ou não, gêneros, gostos, desejos, ideias,
entendimentos, significados e sentidos. A sala de aula comparada a um
jardim demonstra que cada qual na sua maneira de ser, ver, agir e viver, é
especial e requer atenção, compreensão, cuidado, acolhimento e
responsabilidade.
Recordamos com isso, que ―[...] o homem se constitui como ser
humano na relação com o outro, ou seja, por meio de sua inserção sócia
histórica‖ (MARTINS FILHO, 2011, p.60), por isso, é preciso a inter-relação
com o outro/diferente, o convívio e respeito ao que não existimos sozinhos.

387
FONAPER

O ―jardineiro‖ necessita cuidar, cultivar suas ―flores‖ para que


cresçam e juntas constituam o jardim. Da mesma forma, o professor tem
de cuidar, ensinar e educar os educandos para que reconheçam e
aprendam a conviver respeitosamente na diversidade, pois ―[...] conhecer o
que é do outro permite a construção do respeito mútuo [...]‖ (OLENIKI;
DALDEGAN, 2003, p. 21). Geralmente, os (pré)conceitos são originários
da falta de (re)conhecimento e entendimento.
De acordo com Rubem Alves (1994, p. 6) ―a alegria está no jardim
que se planta, na criança que ensina, no livrinho que se escreve‖. Por isso,
o professor assume uma tarefa primordial no processo de
ensino/aprendizagem, pois, tem de assegurar as possibilidades para que
aconteça aprendizagem e (con)vivência.
Para Giroux (1997), o professor precisa criar oportunidades para que
os estudantes tornem-se cidadãos e que a partir do conhecimento
adquirido e/ou produzido sejam críticos e autônomos, o que de fato, pode
corroborar na importância do educador ser mediador.
Nesta perspectiva, ―a docência é uma profissão que exige muito mais
do que a transmissão dos conteúdos teórico-práticos, aprendidos nos
cursos de formação inicial e continuada‖ (SOUZA, 2008, p.92), porque
exige comprometimento e qualificação constante do profissional,
sensibilidade e responsabilidade ética frente às interpelações expressas no
rosto do outro.
Reafirmando a relevância do professor enquanto educador, exige-se
que este,

[...] prepare o aluno para enfrentar as contradições sociais da


conjuntura atual, que, por meio de práticas inovadoras e atraentes,
ofereça e provoque no aluno o desejo de adquirir e construir o
conhecimento para responder aos desafios da sociedade (VEIGA;
VIANA, 2010, p. 32).

Para Delors (2001, p. 54) ―o respeito pela diversidade e pela


especificidade dos indivíduos constitui, de fato, um princípio fundamental
[...]‖, o que implica em ensinar aos sujeitos/estudantes desde cedo à
necessidade de respeitar o outro como ele é considerando suas escolhas e
diferenças, principalmente, no que se refere às questões religiosas que
são de foro individual ou familiar.
Por isso, é preciso que a escola como um todo esteja comprometida
com a oferta:
388
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

[...] de uma educação de qualidade, que, ao mesmo tempo, seja


universal na garantia de acesso e atenda também as necessidades
educativas de crianças, adolescentes e jovens [...] que nela estão
inseridos (KUENH, 2007, p.196).

É preciso demonstrar aos estudantes que enquanto pessoas, eles


são únicos, diferentes e especiais, porém, iguais em direitos, dignidade e
deveres. Ensinar e aprender esta perspectiva não são responsabilidade
somente do componente Ensino Religioso, mas dos demais componentes
e áreas do conhecimento que compõem o currículo escolar e possuem por
incumbência contribuir na formação cidadã de cada estudante.

Ensino Religioso: concepções e compreensões acerca do


componente em Santa Catarina
O componente Ensino Religioso no decorrer do processo histórico
brasileiro foi marcado por diversos entendimentos, ideias, compreensões e
análises. Aceito, ignorado, com avanços e retrocessos, foi trabalhado,
ensinado e/ou abordado em diferentes perspectivas.
Destacamos que a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB nº 4024/61 - abordava o termo Ensino Religioso, mas na
prática pedagógica o mesmo era concebido como ensino catequético e/ou
doutrinal de caráter confessional, através do qual eram ensinados os
princípios do cristianismo católico.
Para Santos (2011), a concepção exposta na Lei nº 5.692/71 é
marcada por um discurso pluriteológico e embasado nos aspectos morais
da tradição cristã, em que o componente recebeu caráter
interconfessional/ecumênico, continuando a privilegiar/priorizar uma
pequena parcela da população.
Para o FONAPER4 (2000, p. 7) ―o novo para o Ensino Religioso
começa a ser vislumbrado a partir dos anos 90 [...]‖ quando passou a ser
concebido como parte integrante da formação básica do cidadão, ao
assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, sendo vedadas
quaisquer formas de proselitismo, conforme art. 33 da LDB de 1996.
De acordo com FONAPER (2000, p. 16), ―o Ensino Religioso
pluralista deve apresentar uma visão positiva da diversidade religiosa,
situando-a como parte de um contexto democrático, no qual a liberdade de
pensamento e de credo pode se expressar‖. Por isso, a escola tem de

4
Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso.
389
FONAPER

promover o acolhimento de todos/as e tratar a diversidade religiosa


envolvendo e integrando as diferenças existentes, em uma perspectiva
inter-religiosa e intercultural.
Destacamos que o Ensino Religioso no contexto atual, concebido
como área do conhecimento e componente a integrar a educação básica
(Cf. Resolução CNE/CEB nº 4/2010 e Parecer CNE/CEB nº 7/2010), tem
por objeto estudar o fenômeno religioso, isto é, aquilo que se mostra,
revela ou manifesta na existência humana.
Desta forma, o Ensino Religioso contribui na vivência pessoal do
estudante. Daí a necessidade das unidades escolares se constituírem
enquanto espaços de construção, produção e socialização de
conhecimentos, pois, a escola tem ―a função de ajudar o educando a se
libertar de estruturas opressoras que o impedem de progredir e avançar‖
(FONAPER, 2009, p. 41).
No Estado de Santa Catarina, o Ensino Religioso:

[...] apresenta um histórico construído pela participação de inúmeros


homens, mulheres, jovens e crianças, que edificaram nesta disciplina
um dos espaços no currículo escolar a contribuir significativamente
com reflexões e encaminhamentos pedagógicos na construção de
cidadãos catarinenses comprometidos com um mundo melhor e
possível (CECCHETTI; THOMÉ, 2007, p. 150).

Dentre os avanços significativos, é preciso destacar que em muitos


Municípios, por meio de suas redes de ensino, o componente Ensino
Religioso faz parte da matriz curricular, sendo que alguns oportunizam
profissional específico nos nove anos do Ensino Fundamental o que vem
corroborar com o debate referente ao Ensino Religioso estar ou não
inserido nos currículos escolares, com professor específico.
Destacamos que as discussões do Ensino Religioso, enquanto área
do conhecimento, estão presentes em diferentes espaços, tanto nas
unidades escolares, como nas instituições formadoras. Verificamos
também que houve um número maior de universidades que
ofertaram/ofertam cursos de licenciatura na área, bem como o constante
apoio na organização de eventos, congressos, seminários e cursos de
formação continuada que buscam ter em pauta o tema Ensino Religioso na
perspectiva da diversidade cultural religiosa.

390
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Semeando esperança, despertando para a responsabilidade –


relato de práticas pedagógicas

A Escola de Educação Básica Romildo Czepanhik, da qual


relataremos a prática pedagógica, foi fundada no ano de 1985 e está
situada no Bairro Veneza, na cidade de Xanxerê/Santa Catarina. Conta
com aproximadamente 900 estudantes matriculados no Ensino
Fundamental e Médio.
A grande maioria dos estudantes reside naquele bairro, porém, há
um número expressivo oriundos de bairros vizinhos e também
provenientes do campo. Em comum, possuem o desejo de aprender. É
significativa a diversidade nos aspectos físicos, cognitivos, econômicos,
culturais, religiosos e sociais.
Referente ao componente Ensino Religioso identificamos que os
estudantes gostam muito da disciplina e apresentam um bom
relacionamento com a professora desta área. É de se destacar que em
anos anteriores, havia na unidade escolar um profissional habilitado, fato
que contribui com a concepção de Ensino Religioso que os estudantes
possuem.
Diante disso, Krieck e Pacheco (2007, p. 295) afirmam que:

não se aprende a participar teorizando sobre os processos


participativos, aprende-se a participar participando. Ensina-se a
participar abrindo espaços para que os educandos participem. Uma
prática social participativa ensina a cidadania e amplia os limites da
qualidade de vida e proporciona o exercício dos princípios definidos
para o ser humano no que se pretende formar.

E é nessa perspectiva que analisamos o desenvolvimento desta


unidade escolar no decorrer de sua história em relação ao Ensino
Religioso, pois é perceptível que os estudantes se sentem protagonistas
do processo de ensino-aprendizagem atuando como integrantes e
participantes nas aulas de Ensino Religioso.
De acordo com o FONAPER (2009, p. 34-35), a escola é local onde
se constroem conhecimentos, se socializam os saberes historicamente
produzidos e acumulados pela humanidade, sendo um deles o
conhecimento religioso que também precisa ser disponibilizado aos
estudantes. Daí decorre a necessidade do diálogo entre todos enquanto
promotores e mediadores de aprendizagens.

391
FONAPER

Neste sentido, ―precisamos compartilhar uma visão de escola como


ambiente que pode ser de felicidade, de satisfação, de diálogo, onde
possamos de fato desejar estar‖ (ROCHA; TRINDADE, 2006, p. 55), onde
saber e sabor, diálogo e silêncio, fala e escuta, ensino-aprendizagem e
convivência estejam integrados num processo contínuo.
Assim, no início do semestre letivo, procuramos desenvolver um
projeto voltado à convivência e respeito à diversidade cultural religiosa
para ser socializado em diferentes momentos que a escola
proporcionasse, como eventos ou feiras interdisciplinares. O objetivo foi
demonstrar à comunidade as atividades de aprendizagem desenvolvidas
pelos estudantes.
Primeiramente buscamos compreender/conhecer a composição das
famílias dos estudantes; para isso, todos foram convidados a fazer a
dobradura de uma casa, ilustrar as pessoas que compunham sua família e
registrar qual tradição ou denominação religiosa seus familiares
frequentavam, ou se não tinham nenhuma. Na sequência, propomos uma
socialização onde todos puderam expor a sua realidade familiar.
Posterior a isso, realizamos uma pesquisa na unidade escolar
envolvendo todas as pessoas - estudantes, professores, orientação
pedagógica, merendeiras e agentes de serviços gerais – com o objetivo de
conhecer a diversidade religiosa presente na escola. Os estudantes
estiveram na cozinha, nas salas de orientação pedagógica, nos corredores
para realizar as entrevistas.
Outra atividade proposta levou a reflexões em torno da vida
enquanto presente e/ou dádiva, pois ninguém pagou para nascer e ser o
que é. Simplesmente nascemos e o mundo nos acolheu, as pessoas nos
cuidaram. Fomos e estamos nos constituindo enquanto sujeitos históricos,
sempre nos transformando, melhorando ou não. Para chegar a esta
reflexão, cada estudante registrou numa tarja de papel o que para ele
significava viver; posteriormente confeccionamos um mural no qual
expomos as tarjas sobre um círculo representando o sol, que significa o
nascer do dia, uma nova oportunidade para viver.
Dialogando sobre o sentido da vida identificamos que há em nós um
desejo de ser eterno, por isso buscamos a todo o momento prolongar a
vida. Assim, pensamos em práticas que podem contribuir para uma vida
saudável (a alimentação, o exercício físico, etc.) evitando atitudes que

392
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

conduzem a morte – seja ela lenta ou rápida - (uso de bebidas alcoólicas,


drogas, dirigir embriagado, etc.).
Destacamos que em cada tarefa objetivamos dialogar e ao mesmo
tempo ouvir, pois precisamos aprender ―[...] a olhar o outro com um olhar
de compreensão, aceitação, respeito e interesse de aprender com este
outro [...]‖ (KRIECH; PACHECO 2007, p. 299). Para isso, os estudantes
foram convidados a contornar sua mão em uma folha de ofício e registrar
os sonhos, desejos e perspectivas para o futuro.
As atividades visaram propiciar aos estudantes o entendimento da
importância do eu e o outro, do sentido da vida, da necessidade da
convivência numa lógica de acolhimento, integração, responsabilidade e
ajuda para com as pessoas que habitam este mundo.
Neste sentido, não se pode esquecer que:

o grande líder da não-violência, Mahatma Gandhi, nos deixou grande


exemplo [...], pois não demorou em perceber que só nos construímos
no encontro com o diferente, e que todo ser torna-se humano na
medida em que se confronta e dialoga com aquilo que é desconhecido
(CECCHETTI; THOMÉ, 2007, p. 141).

Também no decorrer desse semestre letivo destacamos as inúmeras


atividades de integração, acolhimento, conhecimento e desenvolvimento
de aprendizagens envolvendo todos que fazem parte da comunidade
escolar, pois ―[...] sentimos que ressurge forte em nosso intimo e na
sociedade em geral um anseio de comunhão, de comunicação e de
relacionamento fraterno‖ (Idem, p. 297).
Percebemos assim, que diante da construção de aprendizados e
aproximação das pessoas, avanços significativos foram sendo alcançados
no decorrer do processo, pois, é impossível aprender e conviver sozinho;
sempre precisaremos do outro, do diferente, da coletividade para
podermos (sobre)viver e nos educar. Este é um dos grandes legados da
pedagogia freiriana: ―Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si
mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo‖
(FREIRE, 1987, p. 68).
Para concluir o trabalho desenvolvido, realizamos uma feira
multidisciplinar apresentando à comunidade a perspectiva que o
FONAPER propõe e defende em relação ao componente Ensino Religioso,
conforme prevê o art. 33 da LDB, pois, ao mesmo tempo em que assegura
o respeito à diversidade cultural religiosa no contexto escolar, (re) ensina a
393
FONAPER

convivência com as diferenças enquanto processo de formação em e para


a alteridade.

(In)concluindo
Quantos passos precisam ser dados em direção a uma educação
diferenciada, capaz de possibilitar diferentes olhares, concepções,
entendimentos e compreensões em torno de um ensino e uma
aprendizagem que humanize o homem para a convivência com os demais.
Adentrar na sala de aula, poder dialogar, interagir, ouvir e crescer em
sabedoria com as pessoas que constituem aquele ambiente; tantos
desejos que são possíveis quando desafiamos a nós mesmos e
acreditamos que a mudança se inicia nos pequenos gestos e ações.
Essas atitudes e práticas não são tarefa apenas do
professores/educadores do Ensino Religioso, porque a escola enquanto
espaço/ambiente/local de conhecimentos e aprendizagens deve
proporcionar e exigir que cada área ou componente curricular atente para
a prática da acolhida do outro, desenvolvendo processos centrados nos
direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes.
Por isso, seguimos guerreiros, aprendizes, educadores porque a
cada dia que passa continuamos lutando pela possibilidade de dias e
mundos melhores para todos/as. Assim, juntos, diferentes, unidos...
continuamos nessa caminhada entendendo que enquanto
professores/educadores/amigos do Ensino Religioso uma significativa
história estamos tecendo.

Referências

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Ensino fundamental. In: MEC, SECAD. Orientações e ações para a
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SOUZA, Ana Maria Borges, CARDOSO, Teresinha Maria. Organização


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VEIGA, Ilma Passos Alencastro; VIANA, Cleide Maria Quevedo Quixadá.


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WITT, Maria Dirlane; PONICK, Edson (Coords.) Dinâmicas para o Ensino


Religioso. São Paulo: Sinodal, 2008.

396
GT3: CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS DO ENSINO RELIGIOSO

Coordenação:
Me. Henri Luiz Fuchs (UNILASALLE)
Dr. Remí Klein (Faculdades EST)

Ementa: Toda concepção metodológica reflete um determinado entendimento de


Ensino Religioso. Ao longo da história desta área de conhecimento diferentes
encaminhamentos metodológicos reafirmaram suas respectivas concepções. Com
a promulgação da Lei nº 9.475/1997, o Ensino Religioso visa assegurar o respeito
à diversidade cultural religiosa presente no Brasil. Neste sentido, este GT acolherá
pesquisas e relatos de práticas pedagógicas relacionadas às concepções e
encaminhamentos metodológicos do Ensino Religioso; procedimentos e processos
de ensino e aprendizagem em Ensino Religioso e, seleção e uso de recursos
didáticos e paradidáticos para esta área do conhecimento na diversidade cultural
religiosa.

Palavras-chave: Ensino Religioso; Concepções Metodológicas; Diversidade


Cultural Religiosa.
O FENÔMENO RELIGIOSO NO ENSINO RELIGIOSO: DESAFIOS
EPISTEMOLÓGICOS PARA DOCENTES NO ENSINO
FUNDAMENTAL

Anderson Ferreira Costa 1

Edile Maria Fracaro Rodrigues2

Resumo:
Este artigo tem a proposta de mostrar as dificuldades epistemológicas que o ensino
religioso apresenta aos profissionais que se aventuram em uma área de conhecimento tão
esquecida pelo poder público e desvalorizada no campo educacional. Torna-se, portanto,
necessário verificarmos e analisarmos a causa de tantos problemas para podermos então
refletir em que estrada percorrer rumo a valorização de uma disciplina que integra a
formação humana, e não meramente capitalista e liberal no sentido do mercado.

Palavras-chave: educação, ensino religioso, cultura, fenômeno religioso.

Introdução
O objetivo deste artigo é refletir sobre o fenômeno religioso como
conhecimento a ser estudado na disciplina de ensino religioso. Este tema é
necessário para a formação do cidadão, levando em consideração que a
dimensão religiosa do ser humano é algo de extrema complexidade, que
causa impactos significativos na sociedade brasileira e especificamente no
cenário religioso paraense. Para este estudo, é necessário pensarmos os
aspectos que compõem o fenômeno religioso, neste caso aspectos que
causam dificuldades na implementação da disciplina na escola como por
exemplo os fundamentalismos, a falta de formação dos professores,
questões como doutrina, ritos, ethos e tradições religiosas que acabam
sendo vistas a partir de conceituações de fé e não culturais. É exatamente
essa falta de conceituação que transforma o ensino religioso em espaço de

1
Aluno do Curso de Especialização em Metodologia do Ensino Religioso — Artigo
apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso — Faculdade Internacional de
Curitiba – FACINTER, 2011.
2
Professora orientadora TCC do Curso de Especialização em Metodologia do Ensino
Religioso da Facinter. Mestre em Educação pela Universidade Católica do Paraná
(PUCPR), Curitiba (PR), Brasil e-mail: edilef@gmail.com.
FONAPER

proselitismo e a geografia que será observada o fenômeno, que no caso


será na região de Marapanim.

Como é visto o Ensino Religioso em uma Escola Municipal de


Marapanim

Marapanim fica a 200 quilômetros de distância da capital do estado


do Pará, Belém. Tem cerca de 30 mil habitantes e pouco mais de 50
escolas contando as da zona rural e zona urbana. Existe apenas um
professor formado em Ciências da Religião que ministra a disciplina, outros
professores que ministram a disciplina não são formados na área e estão
ministrando as aulas por questão de carência. Marapanim é conhecida por
ser a terra do carimbo, ritmo musical que canta o cotidiano do pescador
ribeirinho, da amazônica. Essa dança possui claras influências africanas e
mistura com cultura de tradição cristã. Em um primeiro momento imagina-
se que, por conta de uma cultura ribeirinha diversificada, os professores
residentes na região tenham um pensamento mais contemporâneo sobre o
ensino religioso, entretanto, através de entrevistas esta hipótese cai por
terra e vimos que a tradição cristã é preponderante à tradição religiosa
africana, e que raízes culturais são esquecidas. Esse esquecimento é
percebido através dos comentários acerca do ensino religioso. Sobre a
escola, a atual diretora não permitiu que fosse divulgado nenhum dado
sobre a instituição e sobre os professores, apenas que fosse exposto o
pensamento sobre o tema em questão.
Nessa pesquisa qualitativa serão apresentadas ideias e autores que
vão subsidiar as reflexões para a análise de dados levantados por meio de
entrevistas sobre quais os conteúdos que o ensino religioso deve conter.
Para começarmos, vamos ver algumas entrevistas feitas com alguns
professores sobre o ensino religioso. A entrevista foi feita com dois
diretores, cinco professores.
As perguntas foram:
1. Você acha o ensino religioso uma disciplina importante na escola?
2. Quais conteúdos devem ser abordados nas aulas?
3. Qual a qualificação mais adequada dos professores para esta
disciplina?
4. Voce acha correto a disciplina ser facultativa ao aluno?
5. Você já ministrou a disciplina durante a sua carreira?

400
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Vamos ver as respostas:

Diretora 1:
1. A disciplina é importante na escola para que os alunos possam se
sensibilizar com o que está acontecendo no mundo, violência, o
homem cada vez mais afastado de deus, marginalidade, drogas,
tudo isso é importante ser trabalhado, e o ensino religioso é peça
fundamental para se combater estes males.
2. Acredito que conteúdos referentes a deus, a todas as religiões, à
paz, amor ao próximo que está tão devassado hoje em dia, e
principalmente à família que está tão desestruturada.
3. Teologia ou filosofia
4. É complicado, por que o ensino religioso não é uma disciplina
difícil, e por isso, de repente o aluno não passa, mas passa em
matemática? Fica complicado, por isso acho melhor deixar o
ensino religioso como está, que mal nenhum ele está fazendo.
5. Sim, quando era professora, ensinava pra quinta à oitava,
passava conteúdos relacionados a valores, como paz, amor,
família, solidariedade, meio ambiente. Nunca usei a disciplina para
doutrinar meus alunos na minha crença.
A diretora 1 tem 45 anos, e 20 de docência, é formada em pedagogia
e a cinco anos atua como diretora. Mora na região metropolitana de Belém
e tem cinco filhos, sua religião é cristã de denominação protestante
(pentecostal da Assembleia de Deus)

Vamos analisar agora o entrevistado 2.

Diretor 2:
1. Acho sim, acredito que a violência, as drogas e a prostituição
possam ser combatidas nos momentos das aulas, já que as outras
disciplinas estão mais preocupadas com seus conteúdos
específicos.
2. Deve ensinar sobre deus, que na verdade é um valor universal, e
se fugirmos disso, estaremos fugindo da própria realidade do
aluno. Pode ser o mais bandido da escola, mas se você falar de
deus pra turma você percebe que ele se comporta. Por isso não

401
FONAPER

há assunto mais pertinente. Se não for isso é melhor mudar de


nome.
3. Teologia, né?
4. Acho que deus não deveria ser uma opção de conhecimento e sim
uma obrigação, desde quando falar sobre a verdade é uma
questão de escolha?
5. Sim, sim, eu levava a bíblia pra sala de aula e lá lia um trecho e
explicava historicamente o que aquilo significava, os alunos
adoravam e realmente prestavam atenção.
O diretor 2 é católico, tem 32 anos e sete anos de docência, há dois
anos atua como diretor, tem um filho e é divorciado, sua formação é em
matemática.

A próxima entrevistada é uma professora que atua com a disciplina


na escola.

Professora 1
1. A disciplina é importante, mas acho que ela deveria falar somente
de deus, por que é a verdade máxima, esse negócio de falar
sobre outras religiões não leva a nada, pois, não é a realidade do
aluno.
2. Principalmente valores, que hoje em dia estão sendo perdidos,
ética e moral. Se formos perceber, no cristianismo todos estes
valores estão presentes, por isso, ensinar sobre Cristo é ensinar
sobre tudo isso que é importante.
3. Eu estudei teologia, sempre foi teologia.
4. Mesmo que não fosse, a gente teria a obrigação de passar os
alunos de ano por que não é uma disciplina difícil de se entender.
5. Atuo até hoje, e adoro o que faço, os alunos gostam a meu ver e
nunca tive problema com a disciplina. Acredito que o que estou
fazendo é um serviço para mim e para eles também, que muitas
vezes não conseguem ouvir uma palavra de conforto.
A professora tem 26 anos e é formada em teologia em curso de nível
médio certificado pela Assembleia de Deus. É formada em nível médio
pelo magistério e atua há cinco anos na docência.

402
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Professor 2
1. Eu acho que ela deveria sair da grade curricular e entrar no lugar
a educação ambiental, porque a religião é algo que não pode
partir da escola mas sim das igrejas, educação ambiental é algo
importante, os geógrafos são muito bons em trabalhar esse
assunto, mas não podemos trabalha-lo com maior dedicação por
conta dos assuntos que são muitos.
2. Deveria ensinar algum assunto que fosse geral pra todos, não
apenas para uma religião, como por exemplo, educação
ambiental, educação para o trânsito, enfim, algo que servisse para
a pessoa valorizar sua cidade.
3. Qualquer pessoa pode ensinar religião porque todos nós temos
religião.
4. Tem que continuar, por que ninguém pode ser reprovado por não
acreditar em determinada religião.
5. Não!
O professor em questão tem 35 anos, atua a dez anos como
docente, é formado em geografia pela FINOM, Faculdade do Norte de
Minas Gerais, não tem filhos e nem esposa, possui uma crença
independente de religiões.

Professor 3
1. Acho que é importante sim; os alunos precisam ouvir mais sobre
determinados valores como amor, paz e solidariedade.
2. Valores universais, pode até usar o exemplo de Jesus, é religião
mesmo, como amor, paz, união, família, deve falar sobre o perigo
das drogas e sobre moral e ética.
3. Teologia.
4. Acho que tanto faz, o que importa é o aluno aprender, se ele não
aprender não vai mudar muita coisa na vida dele.
5. Não.
O professor tem 29 anos, é docente de língua portuguesa, formado
pela Universidade Vale do Acaraú, UVA, ministra aulas há 4 anos. Católico
e catequista da igreja local.

403
FONAPER

Professor 4
1. É sim, até mesmo porque a religião é algo do ser humano, não
existe a possibilidade de não haver religião no mundo e se ela
está no mundo faz parte da realidade do aluno e deve ser
ensinada, não apenas uma, mas todas.
2. Deve ensinar sobre a história das religiões e sobre os valores
universais como paz, amor, família, solidariedade.
3. É ciências da religião, né?
4. Não vejo problema nisso, por que o ensino religioso não é uma
matéria que o aluno tem dificuldade em aprender.
5. Não.
Professor de 31 anos, formado em história pela Universidade Federal
do Pará e que ministra aulas há 6 anos, possui uma crença independente
de religiões.

Professor 5
1. É importante sim, existem muitas coisas que a escola fecha os
olhos, e o ensino religioso deve abrir, como as drogas, a
prostituição, a violência. Acho importante a gente falar mais de
Jesus, não pra converter, mas por que ele é um símbolo de paz,
amor, os ensinamentos dele tem tudo a ver com o que a gente
precisa pra nossa vida.
2. A vida de Jesus interessa a todos, assim como a páscoa, o natal,
a bíblia que é o livro mais lido no mundo, isso não pode passar
despercebido na escola.
3. Teologia, pastores e padres.
4. Acho que deus não deveria ser opcional, deveria ser obrigatório
para todos.
5. Sim.
Professora de Inglês, 43 anos, casada, dois filhos, é da Assembleia
de Deus e leciona há 15 anos.
Todas estas entrevistas nos levam a crer o quão devassado está o
conceito de ensino religioso dentro da cabeça dos próprios diretores,
professores e da comunidade escolar em geral, ao menos na escola em
que atuo. Podemos perceber que a maior parte dos pensamentos é de que
o ensino religioso é uma espécie de disciplina transversal, que ela não
possui uma epistemologia própria e nem uma referencial nacional, e

404
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sabemos que isso não condiz com a verdade. Os parâmetros curriculares


nacionais do Ensino Religioso foi formulado pelo FONAPER em 1998 após
uma reunião com o Conselho Nacional de Educação que deliberou a
responsabilidade do Fórum de legislar sobre o ensino religioso, e embora
não tenha uma dimensão legal sobre a disciplina, o Fórum Permanente de
Ensino Religioso tem sido até hoje o subsídio para milhares de professores
compromissados com um Ensino Religioso sem proselitismo na escola
pública e privada. Todas as respostas apresentaram desafios
epistemológicos à disciplina, incorporados à prática de sala de aula e ao
objeto próprio, mais importante em saber sobre o que pensam da
disciplina, é encontrar maneiras de superar os erros. Estes desafios
encontram-se na comunidade escolar e na formação do professor.

Religião como Cultura e os problemas para o Ensino Religioso


Segundo Frank Usarski (2002), religião constitui ―sistemas simbólicos
com plausibilidades próprias‖, podemos pensar religião como um
fenômeno universal, sem reducionismos teológicos, que é o que
caracteriza a teologia. Mas para estudarmos a religião e suas
―plausibilidades‖ precisamos entender o fenômeno religioso, que é o que
define a religião como uma produção simbólica universal e diversamente
manifesta no mundo. Para isso, a fenomenologia da religião é de
fundamental importância, pois, segundo Luiz Alves (2009, p. 49):

a fenomenologia das religiões...pretende construir um sistema de


análises das religiões que não perca de vista as complexidades
presentes nestas. Essa tarefa foi facilitada com a criação da ciência da
religião.

A ciência da religião procura estudar seu objeto de forma acadêmica,


científica e principalmente neutra, não a neutralidade que imaginamos que
possa existir, mas uma neutralidade exposta por Usarski (2002 p. 12):

Se um cientista for um ateu ou um indivíduo religioso será uma opção


particular, feita na sua vida privada. Mas quando exercer sua tarefa
profissional deve controlar e disciplinar as próprias preferências
ideológicas o tanto quanto possível. Nunca se consegue isso
totalmente. Mas isso não invalida a importância do ideal da
neutralidade, da objetividade.

405
FONAPER

A neutralidade também não é total em outras áreas de


conhecimento, pois, as ideias, sejam políticas e religiosas do pesquisador,
sempre podem influenciar, entretanto, isso não nega o fato da
responsabilidade de ser o máximo possível imparcial. Para estudar o
fenômeno religioso é necessário que se pense na gama de religiões que
fazem parte da nossa sociedade, nos impactos de influências que elas
causam nos diversos setores, políticos, de saúde pública e de sociedade
em geral.
Para esquematizar o estudo deste fenômeno é necessário que haja
observação de determinadas tradições religiosas e que seja construído um
discurso racional sobre elas para que possa ser transportado para a sala
de aula com a devida linguagem. O fenômeno religioso é assim a base
para uma nova epistemologia do ensino religioso, criando conceitos
universais e um pensamento mais abrangente sobre as diversas religiões
no mundo.
As religiões criam discursos, doutrinas, rituais e criam símbolos, tudo
isso faz parte do objeto da disciplina, mas para que essa nova
epistemologia no ensino fundamental possa acontecer, o ensino religioso
precisa passar por uma revolução, começando pela formação dos
professores. A formação dos professores é um grande problema
educacional brasileiro e que está longe de ser resolvido, principalmente
dentro do ensino religioso que não possui uma lei nacional específica que
legitime uma formação adequada para este profissional. Dentro desta nova
concepção a formação adequada está dentro das licenciaturas de Ciências
da Religião.
Para o estudo do fenômeno religioso é necessário estudar os
esquemas que compõe a religião como o mito, o rito doutrina, dogmas e a
história das tradições religiosas. À luz da fenomenologia de Hurssel,
pensador que ―proporcionou condições de realizar um estudo ordenado e
sistemático do fenômeno‖ (OLIVEIRA, et al. 2007) o conhecimento
religioso das tradições religiosas e das suas nuances faz que a religião
seja vista como um fator cultural como os autores Lilian Oliveira, Sérgio
Junqueira, Luiz Alves e Ernesto Keim em sua obra Ensino Religioso no
Ensino Fundamental afirmam:

Atualmente, considera-se como marco referencial a concepção de que


o fenômeno religioso se manifesta em uma cultura. É a cultura que

406
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

marca profundamente a maneira de ser e viver do ser humano. É ela o


leitmotiv de sua maneira de perceber-se, estar e agir no mundo.

Sobre cultura podemos citar o antropólogo Roger Keesing (1998) que


elaborou um conceito de cultura a partir de duas divisões. A primeira o
autor considerava a cultura como sistema adaptativo e a segunda divisão
chamada idealista que está subdividida em três aspectos, a cultura como
sistema cognitivo, como sistema estrutural e como sistema simbólico.
Dentre estas três abordagens o sistema estrutural tem em seu destaque o
antropólogo Claude Lévi-Strauss (2003), que acredita que a cultura seja
uma teia de interações e de relacionamentos, os teóricos da corrente
estruturalista defendem a idéia que a sociedade na verdade possui um
mesmo padrão cultural, apenas a manifestação é diferente.
Sobre religião e cultura podemos dizer que uma influencia a outra
como afirmam nossos autores já citados (Oliveira; Junqueira; Alves; Keim,
2007), ―a religião manifestou-se e manifesta-se em um universo cultural,
ora influenciando a cultura, ora sendo influenciada por ela. É impossível,
pois, querer entender a religião sem remeter-se à cultura em que ela está
inserida.‖.
Eis o eixo do estudo do fenômeno religioso a partir de uma formação
adequada, no caso as Ciências da Religião. O estudo da cultura nos faz
entender o quão importante é a interação social do ser humano na
construção de religiosidades e de doutrinas, ética e na construção do
sagrado.
Mas o que ensinar em ensino religioso? A criação de doutrinas,
crenças, dogmas rituais símbolos e o próprio ethos fazem parte do
fenômeno religioso, entretanto estudar esse objeto de estudo com
neutralidade é um desafio, a luz das várias áreas de conhecimento juntas
em uma só. O estudo no ensino fundamental deste objeto deve ser através
de uma linguagem acessível à realidade do educando.
A teologia, as ciências da religião, outras áreas de conhecimento das
ciências humanas estudam o fenômeno religioso. O estudo teológico deste
fenômeno é um estudo das características da religião a partir de uma outra
religião, isso quando não se estuda a idéia de deus, ou a própria divindade
pois, existem muitas teologias, e suas diferenças são tantas quantas o
numero de religiões espalhadas no mundo, por isso falar em teologia como
um subsídio para o estudo de fenômeno religioso seria mais adequado em
uma atividade doutrinal e não educacional.
407
FONAPER

Outras áreas de conhecimento como a filosofia ou a sociologia


podem estudar o fenômeno religioso, entretanto farão uma análise a partir
de suas bases, ou seja, será apenas um estudo filosófico ou sociológico.
Em ciências da religião, o pesquisador poderá estudar o fenômeno
religioso através de uma série de visões de conhecimento, que partem
deste a história até a psicologia da religião, e por isso terá uma análise
maior sobre o fenômeno porque terá o discurso de várias áreas de
conhecimento ao seu favor.
O fenômeno religioso analisa o discurso, tanto escrito quanto oral, e
reconhece a importância desses discursos como preponderantes para as
tradições religiosas. Estes discursos regulamentam a vida religiosa do fiel
e servem de apoio para as dificuldades da vida. Como exemplo, temos a
bíblia, alcorão, tanak, a tradição oral nas religiões afro-brasileiras e
religiosidade indígena dentre outras. A invenção da escrita proporcionou a
latência do fenômeno religioso na antiguidade criando-se os textos
sagrados. Essa latência pode ser comprovada através dos primeiros
escritos, que se referia à religiosidade dos grupos.

a primeira codificação foi a dos livros sagrados, que se constituem


num primeiro esforço de organização da experiência de fé, para que
as gerações futuras tivessem acesso a esse saber e, mais importante
de tudo, para que o conhecimento fosse preservado, não se perdesse
no tempo histórico e que o seu conteúdo não sofresse grandes
alterações. (ALVES, 2009, p.133)

Os textos sagrados vão definir as tradições religiosas como


instituição, ―o texto escrito passa a ser a base dos diversos saberes que
serão produzidos no interior da tradição religiosa, tais como: a doutrina, os
ritos, a moral, a simbologia etc. (ALVES, 2009)
Por isso, conhecer os textos sagrados das tradições religiosas é
importante para o estudo do fenômeno religioso levando em consideração
que muitos fenômenos desta natureza são justificados por conta da
literatura sagrada. O professor deve conhecer as diferentes literaturas para
basear o conhecimento de outros componentes do fenômeno como a
doutrina, a transcendência e o sagrado.
O que regulamenta a doutrina religiosa é o livro sagrado, mas como
analisar esse aspecto do fenômeno religioso no ensino fundamental?
Segundo ALVES (2009), doutrina é ―o conjunto de conhecimentos que
fundamentam a tradição religiosa‖. O desenvolvimento intelectual da

408
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

humanidade caminhou junto com o desenvolvimento institucional das


religiões e com a criação da escrita as interpretações destes textos gerou a
criação das doutrinas religiosas que vão regulamentar as normas e regras
do grupo religioso, dando nascimento a mais um fenômeno religioso, o da
normatização do sagrado. A vivência religiosa fica então condicionada à
doutrina religiosa.
Apesar dos textos sagrados, da doutrina religiosa existe outro
aspecto do fenômeno que dá vida à vivência religiosa, é o rito. ―O rito é
uma linguagem em gestos, por meio do qual o homem procura expressar a
sua total entrega a deus, como ser não só espiritual, mas também
corporal‖ (ALVES, 2009).
Os ritos são importantes para ver o invisível e entrar em contato com
a divindade de determinada tradição religiosa, um contato não apenas
teórico, e sim mais vívido, mais eficaz com o que a doutrina diz. Os ritos
podem ser divididos de acordo com a função. Ritos repetitivos são os
―estão ligados aos mitos primordiais‖ (ALVES, 2009), procuram explicar a
origem de alguma coisa, chamam-se assim por repetirem os gestos e
ações em ciclos durante o ano em datas determinadas. Os ritos de
passagem são os ritos que definem a situação do ser humano dentro da
sociedade e sua mudança dentro da mesma através de gestos e ações
simbólicas.
Ainda existem os ritos religiosos que possuem a função de ligar o ser
humano à divindade de determinado grupo religioso. Os ritos agrários
fazem uma ponte entre a fertilidade da terra e a fertilidade humana, as
tradições celtas possuem esses ritos com mais afinco, e finalmente os ritos
de coroação que são os gestos, cerimônias que legitimam o poder
temporal constituído a alguém.
O rito depende muito de seu significado simbólico e por isso, muitas
vezes há muita dramaticidade e outras vezes poucos gestos simbólicos.
Algumas vezes o rito está ligado ao mito, para manter a memória de
estórias passadas sempre viva no sentimento de fé dos fiéis.
Não existe rito sem símbolo, este último ―é uma apresentação ritual
da crença, posto que sintetiza no ritual religioso uma explicação da
realidade e as regras que irão normatizar o comportamento das pessoas
no grupo.‖(ALVES, 2009 pp 39)
De acordo com o autor, os símbolos podem ser classificados:

409
FONAPER

Emblema: É uma figura visual que representa uma ideia, um ser ou


elemento moral. Ex: bandeira para pátria.
Atributo: é uma imagem que representa o todo de alguma coisa,
essa imagem deve ser uma parte do que se quer representar. Ex: asa para
companhia aérea.
Alegoria: é o figurino, ou fantasia em forma humana ou animal ou
vegetal que representa heroísmo, qualidades e defeitos. Ex: a mulher
alada que representa a vitória.
Metáfora: é um elemento simbólico que compara dois seres ou duas
situações para medir intensidade. Ex: que doce de menina.
Analogia: é uma relação entre uma coisa e um fato, ou um ser e um
fato ou entre dois fenômenos, como por exemplo, a cólera de deus, faz
relação com a cólera do homem, uma doença devastadora, ou outro
exemplo o câncer cristão, relacionando o fenômeno cristão a uma doença
que mata a humanidade transformando essa tradição, portanto em uma
doença.
Síndrome: uma prévia do que pode ser mais perturbador ou
conflitante. Ex: o movimento pentecostal cresce agora, para dominar
depois.
Parábola: uma estória com fundo de lição moral. Ex: o sermão da
figueira de Buda.
Apólogo: é uma fábula com fundo de moral com a função a passar
determinado conhecimento por meio de situações imaginárias.
Estes recursos em que o símbolo se divide são usados pelas
religiões onde denotam diversas interpretações. Elas geram eficácia nos
ritos, que consequentemente geram a eficácia da religião e sua legitimação
junto ao fiél.
Diante de todo este contexto que cerca o fenômeno religioso, existe
a criação da ética, normas e condutas que orientam uma civilização.
Segundo Alves, a ética pode ser dividida em normativa, ―que indica os
princípios da conduta correta‖, e a metaética ―que norteia a fundamentação
e a aplicação de conceitos como certo e errado, bem e mal‖ (ALVES, 2009,
p. 67). A metaética está baseada nos pensamentos de Platão e Sócrates
que pesquisaram a natureza da bondade chegando ao resultado da virtude
para orientar uma boa vida. A maior parte das sociedades vêem a ética
como sendo um conjunto de regras que possuem o intuito de viverem em
harmonia. Dentro das comunidades religiosas a ética está atrelada ao

410
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sentimento de sagrado e a transcendência e na maioria das vezes entra


em contradição de viver em harmonia com outros grupos sociais. ALVES,
(2009), comentando Usarski diz:

as instituições religiosas racionalizadas, devido à sua força e


influencia na sociedade, tendem a produzir um discurso ético que
favoreça o equilíbrio e a estabilidade de todos... A influencia delas
reside na sua força moral e política e no acúmulo das experiências de
que são portadoras. Esse é o aspecto positivo da tradição. O aspecto
negativo é o risco do conservadorismo que afeta a tradição, tornando-
a resistente às mudanças históricas.

Dentro do fenômeno religioso existe uma infinidade de códigos de


conduta ética que devem ser seguidos pelos fiéis. Entre os judeus a ética
prega a unidade humana; no cristianismo a ética leva em consideração a
bondade e o cuidado com o mundo como criação de deus; entre os hindus
a ética varia de acordo com as castas e, por isso, não existe uma
igualdade natural entre os seres humanos, cada ser evolui a partir de seu
próprio estado encarnatório; na religião afro-brasileira a ética se preocupa
com a vivência em grupo e por isso o mais importante é a relação entre as
pessoas da comunidade e sendo assim o fiel deve pensar sempre no bem
da comunidade e a ele mesmo; a ética budista se baseia nas quatro
nobres verdades para a construção da paz e justiça, e por fim a ética
islâmica está associada ao alcorão sendo este livro a orientação ética dos
fiéis para o controle dos impulsos.
Dependendo das denominações religiosas entre as tradições, a ética
de uma pode ser também a ética de outra, e sendo assim este fenômeno
religioso acaba se tornando um trânsito entre as condutas éticas com
discrepâncias doutrinais que nem sempre ajudam a promover o diálogo
entre as crenças.
O fenômeno religioso aborda todas as características analisadas e
por isso é necessário que o professor tenha o conhecimento profundo
sobre estes fenômenos e tanto outros que permeiam a religião. A
complexidade deste fenômeno vai mais além da configuração religiosa,
passa por setores da sociedade afetados por doutrinas, ritos, símbolos,
mitos e éticas religiosas, como bem podemos observar na política e até
mesmo no futebol. Entretanto, a coisa se complica quando este fenômeno
atinge os limites do público e do privado. Pelo discurso forte, incentivador e
esperançoso a religião acaba expandindo-se para setores públicos com a

411
FONAPER

missão de crescer em numero de fiéis. Entretanto esse fenômeno é mais


observado nas religiões de salvação que possuem a ideia de expansão
como vitória transcendental, e o limiar para o fundamentalismo fica muito
tênue.
O fundamentalismo não deixa de ser um fenômeno também,
provocado por interpretações da literatura sagrada, por êxtase religioso
que acabam produzindo uma visão da realidade escatológica que
emergência uma solução divina de imediato. Pedro Lima Vasconcelos, em
sua obra Fundamentalismos (2008), faz uma análise do início deste
fenômeno que também pode ser religioso dentro dos Estados Unidos no
século XIX e início do século XX. Para o autor, o fundamentalismo
protestante é um claro exemplo do que ele chama de militância. Essa
relação de fundamentalismo com a militância se dá pela verdade absoluta
e também pela dimensão escatológica como diz Vasconcelos (2008, p.
138):

Esse quadro ilustra outro componente básico dos grupos


fundamentalistas em geral: a densidade escatológica que conferem a
seus atos e a percepção do caráter dramaticamente decisivo dos
eventos presentes e do que entendem serem desvios ou corrupções
da ordem estabelecida divinamente desde sempre.

O fundamentalismo se faz ouvir e ver e utiliza de diversas formas


para que isso aconteça travando luta política e religiosa para conseguir
impor doutrinas e a própria ética, prova disso, são as bancadas
evangélicas que travam batalha contra direitos de grupos considerados
oposição do sistema religioso protestante.
O fundamentalismo como um empecilho para tratar de questões
tabus dentro da religião é também um problema para o professor em sala
de aula, pois, o que fazer com alunos que não admitem conhecimentos
considerados tabus. Há que se pensar a relação entre conhecimento e
absorção deste conhecimento como verdade, liberdade de se questionar e
aceitar, mas o importante é que se deve ter o conhecimento para que se
possa criar um pensamento sobre. Negar o conhecimento a isso é negar a
diversidade religiosa, entretanto, o professor deve saber como passar
essas informações como não sendo verdades absolutas, mas possibilidade
de reflexão e aceitação das diferenças, esse é um desafio ao professor de
ensino religioso, não demonstrar doutrinação científica, mas incentivar o
pensamento racional no educando como habilidade de superar
412
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

questionamentos de diferença religiosa evitando juízos de valores e


discriminações.
Seja na política, seja na educação o fundamentalismo é um dos
grandes desafios para se ensinar sobre o fenômeno religioso. É necessário
que o professor entenda sobre este fenômeno para lidar com ele em sala
de aula, pois, educandos, pais e muitas vezes a própria direção da escola
podem agir tal como.
O problema do que ensinar sem doutrinar no ensino religioso está
ligado também ao currículo. É necessário pensar no que ensinar sem
causar proselitismo e abordar o fenômeno religioso em seus aspectos
históricos, psicológicos, filosóficos, sociológicos, antropológicos,
geográficos e fenomenológicos. Estes aspectos refletem um fenômeno
religioso com bases nas ciências humanas, transformando a disciplina em
uma área de conhecimento tão importante quanto qualquer outra.
Apesar de analisarmos o fenômeno religioso como sendo um campo
a ser estudado pelas ciências da religião, ele se difere do fenômeno
científico pelo fato de ele ser bem mais subjetivo do que os fatos
observáveis e mensuráveis. Assim como o fenômeno artístico, o fenômeno
religioso é algo que surge intimamente nos delírios e sonhos humanos e
externa-se na institucionalização religiosa, criando fatos que em essência
são religiosos. O estudo de fenômeno religioso requer uma identificação
própria, linguagem própria algo que o defina como diferente de outras
áreas. O docente de ensino religioso deve se ater de sua própria tradição
religiosa e abrir sua mente para outras tradições, aprender a observar os
fatos religiosos a partir de mensurações racionais e não amadoras e
confessionais, caso o contrário ele estará ensinando a sua própria doutrina
para os educandos. A produção de conceitos é muito importante para se
definir o fenômeno religioso como uma área própria, sobre isso Oliveira
(2009, p. 91) afirma:

em primeiro lugar, os conceitos fazem parte da nossa linguagem, a


qual está inserida em nossa vida concreta. Nesse sentido a linguagem
religiosa é contextualizada, de modo que não age com seriedade
quem emprega as palavras de outras ciências no ensino religioso sem
preparar os alunos e sem alertá-los para o feto de que existe uma
diferença entre a compreensão das outras ciências e a compreensão
do ensino religioso. É de fundamental importância compreender que
diverge o sentido do verbo acontecer quando empregado em uma aula
de química e em uma aula de ensino religioso. Não se trata de ir
contra a ciência, mas de admitir que há diferenças entre o

413
FONAPER

conhecimento empírico-científico e o conhecimento religioso, as quais


podem ser evidenciadas quando há referência a linguagem religiosa.
Esta pode utilizar as mesmas palavras e as mesmas estruturas
gramaticais que a linguagem científica, todavia, a compreensão e a
significação são completamente diferentes.

Utilizar o fenômeno para conceituar características do próprio


fenômeno é dar identidade e estrutura independente para o docente de
ensino religioso possa abordar com mais propriedade os temas
trabalhados em sala de aula. Não significa dizer que o método científico
não seja usado no estudo do fenômeno religioso, na verdade ele é base
para este estudo, mas difere na compreensão e significado dos resultados,
sobre isso podemos interpretar o que Mondin, citado por Oliveira, nos diz
(2008, p. 140):

a experiência religiosa se diferencia de todas as outras experiências


humanas, sobretudo pelo objeto ao qual se refere; e a diferença está
essencialmente no fato de que o objeto pertence a ordem
transcendente, ultraterrena.

Para pesquisar é necessário fazer a investigação como se


acreditasse que a experiência religiosa fosse verdadeira, é vestir a pele do
fato e observá-los com olhos fieis, é sentir para descrever e analisar com a
metodologia empírico-científica. Como apreciar uma canção sem deixar-se
levar? Como contemplar uma pintura sem antes fixar a mente em suas
cores e formas? Como esculpir sem algo a se sentir? Na religião acontece
a mesma coisa, como investigar a aparição de imagens de santos sem
procurar sentir a emoção de se acreditar na imagem? É necessário que o
cientista da religião saiba separar sua fé, de sua investigação, ou então, o
resultado de sua pesquisa não estará mais pautada no método científico,
mas sim no campo teologal. Podemos resumir com o que Oliveira (2008, p.
84) preconiza:

o primeiro passo para obter uma melhor compreensão do que a


religião pode ser, é deixar de pensar que a crença religiosa é
principalmente uma questão de sustentar que certas proposições das
tradições religiosas devam ser demonstráveis e, em vez disso
começar a encará-las como modo de vida.

Sendo assim o conhecimento científico serve como a arma, mas a


forma como se a usa é diferente quando se faz a investigação, não se
corta o fenômeno com essa arma, entra-se com ela no fenômeno, ela
414
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

passa então a servir como lanterna, iluminando o fenômeno por dentro e


destrinchando-se a vivência do fenômeno, sem o destruir.
Existem muitos desafios no campo da disciplina que precisam ser
superados, a formação dos professores, a criação de currículo baseados
nas ciências da religião, o proselitismo em sala de aula do professor, a
pesquisa do fenômeno religioso em um novo paradigma e a própria
construção do conhecimento sobre a religião como fenômeno. Todos estes
desafios podem ser superados através de uma política de valorização dos
profissionais de sua formação e da tomada do governo pela disciplina,
pois, e podemos dizer que isso também é um desafio, as igrejas cristãs
sentem-se responsáveis pela disciplina, promovendo encontros, criando
currículos e formando professores, o que é pior.

Considerações Finais
Não se pode culpar a disciplina, mas sim os responsáveis pela
educação pública que se ausentam da responsabilidade sobre a
justificativa de não intervir na formação religiosa de professores e
educandos na sociedade. Eis um dos maiores desafios dentro da
disciplina, deixar de ser vista como formação religiosa. O modelo das
ciências da religião propõe uma formação que adeque o pensamento do
cidadão para viver a diversidade religiosa e que mudanças de atitudes
discriminatórias aconteçam em todas as modalidades da sociedade, o
ensino religioso possui esta força de mudança, entretanto, diante de tantos
desafios, é necessário que haja vontade de transformação, e que todos
estes desafios sejam superados.
Os problemas do ensino religioso não se resolvem com sua
exclusão, mas sim com uma nova forma de pensar esta área de
conhecimento, a exclusão da disciplina do currículo brasileiro significa que
a educação brasileira não considera a diversidade religiosa significativa na
sociedade, quando sabemos que a religião é fator determinante na política,
nos temas tabus, em todas as esferas da sociedade, na exclusão de
pessoas, ou em alguns casos na liberdade de expressão e de culto, na
mudança de costumes de uma sociedade, na própria esperança de
cidadãos que vivem na linha da pobreza (fenômeno neopentecostal da
prosperidade) e que muitas vezes resultam em fundamentalismos e acaba
acontecendo o inverso de paz entre os seres humanos. O ensino religioso

415
FONAPER

é necessário na escola pública e laica, exatamente para aprendermos a


ser laicos em determinados lugares, nos momentos certos e em outras
circunstancias expressarmos nossa religiosidade sem interferir no
pensamento religioso de outras pessoas.

Referências

USARSKI, Frank. Constituintes da Ciência da Religião. São Paulo:


Paulinas, 2006.

ALVES, Luiz. OLIVEIRA, Lilian; JUNQUEIRA, Sérgio; ALVES, Luiz; KEIM,


Ernest. Ensino Religioso no Ensino Fundamental. Curitiba: IBPEX,
2009.

KEESING, Roger M. Teorias da Cultura, Revista Anual de Antropologia.


São Paulo: p. 45 - 56, 16 mar 1998 (Artigo).

STRAUSS. L. Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 2003.

VASCONCELOS. L. Pedro. Fundamentalismos. São Paulo:Paulinas,


2008.

416
ENSINO DO FATO RELIGIOSO: CONHECIMENTO PARA A
ACEITAÇÃO DO DIFERENTE

José Antonio Lages1, UMESP

Resumo
Esta comunicação apresenta os resultados parciais de uma pesquisa de doutorado sobre o
Ensino Religioso na Escola Pública, com um estudo de caso do projeto do Paraná. Dentre
os diversos modelos de ensino religioso nas escolas públicas adotados no Brasil,
destacaremos aquele que se aproxima muito do que Régis Debray chamou de ―ensino do
fato religioso‖. Que papel pedagógico exerce este modelo, tornando esta área de
conhecimento epistemologicamente possível, necessária e até indispensável no currículo
escolar? Essa parece ser a questão que deve ser enfrentada. Nossa hipótese é de que este
modelo de ensino religioso assume um papel fundamental para o reconhecimento da
diversidade e da afirmação do respeito para com o outro, principalmente frente ao
crescimento dos mais diversos fundamentalismos, contribuindo para a aceitação do
diferente, no contexto de uma educação focada na solidariedade.

Palavras-chave: Ensino do fato religioso; alteridade; aceitação do diferente; solidariedade.

Introdução
Propomo-nos nesta comunicação apresentar os resultados parciais
de uma pesquisa de doutorado sobre o ensino religioso na escola pública,
com um estudo de caso do projeto do Paraná. Iniciaremos fazendo uma
rápida resenha das vertentes ou modelos de ensino religioso adotados nas
escolas públicas do Brasil. Esta diversidade se explica pela própria
legislação, no caso a LDBEN (Lei 9394/96), que liberou aos sistemas de
ensino decisões sobre questões cruciais como objetivos, conteúdos,
avaliação e formação de professores.
Focaremos mais aquele modelo que procura ser aconfessional e não
proselitista, como transposição didática da(s) Ciência(s) da Religião para
os currículos escolares, muito próximo do que Règis Debray sugeriu para a
França, o ―ensino do fato religioso‖ em vez do ensino religioso.
Entendendo ser esta uma possibilidade ainda bastante complexa e

1
José Antonio Lages é mestre em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP)
e doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo
(UMESP). É membro do grupo de pesquisa Memória religiosa e vida cotidiana:
interpretações historiográficas e teológico-literárias coordenado pelo Prof. Dr. Lauri
Emilio Wirth. E-mail para contato: professorlages@gmail.com
FONAPER

incipiente, no entanto, mais condizente com uma visão de Estado laico e


mediador e com uma sociedade secularizada como a nossa.
Veremos que este modelo poderá assumir um papel fundamental
para o reconhecimento da diversidade e da afirmação do respeito para
com o outro, principalmente frente ao crescimento dos mais diversos
fundamentalismos. Além disso, pretendemos demonstrar que o estudo da
religião nos ambientes escolares é necessário, não só porque a religião
pode ser o mais despercebido instrumento de sustentação das mais
diversas formas de dominação do passado, mas, principalmente, porque
ela é uma referência para as resistências a diversas formas de dominação
do presente.
O que está em jogo é o lugar do ensino religioso no âmbito público.
Qual é a utilidade dos saberes religiosos para uma sociedade
secularizada? Essa parece ser a questão que deve ser enfrentada.
Buscaremos como referenciais teóricos nesta discussão autores como
Faustino Teixeira, Cristel Hasselmann, Danilo R. Streck, Jorg Rieger,
Edgar Morin e Jung Mo Sung.

A controvérsia do Estado laico e do ensino religioso na escola


pública
O ensino religioso na escola pública tem suscitado amplo debate em
toda a sociedade brasileira, desde a Constituição de 1988, que tornou a
oferta deste componente curricular obrigatória com sua matrícula
facultativa, e sua regulamentação pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, Lei 9394/96 modificada posteriormente pela
Lei n.º 9.475/97). Podemos sintetizar este debate que envolve organismos
do Estado, mas particularmente gestores e órgãos da área de educação,
confissões religiosas e setores acadêmicos, estabelecendo três grandes
modelos para este debate: 1º) os que não admitem, em hipótese alguma, o
ensino religioso na escola pública, escudados na defesa absoluta da
laicidade do Estado; 2º) os que admitem o ensino religioso na escola
pública como área de conhecimento, privilegiando a escolarização e não
os interesses das confissões religiosas, como uma transposição didática
da(s) Ciência(s) da Religião para os currículos escolares; 3º) os que
defendem o ensino religioso confessional, utilizando as contradições da
própria lei, quando a LDBEN prevê, por exemplo, o respeito à diversidade
cultural e religiosa da sociedade brasileira com o veto a quaisquer formas

418
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de proselitismo, mas, ao mesmo tempo, prevê também um órgão colegiado


integrado pelas confissões religiosas que deverá estabelecer os conteúdos
a serem ministrados em cada sistema de ensino.
Percebe-se que não existe hoje no Brasil um consenso em torno da
questão do ensino religioso nas escolas públicas. É um tema de extrema
complexidade, que envolve uma série de variáveis. Mas também não há
como trabalhar esta questão sem levar em conta as conquistas
republicanas do Estado laico, sobretudo a liberdade religiosa, bem como o
reconhecimento de uma afirmação cada vez mais decisiva da pluralidade e
diversidade religiosas no país. Nestas últimas décadas, o Brasil vem
passando por importantes deslocamentos no campo religioso e isso
recondiciona a visão da laicidade e, por consequência, o próprio
tratamento da questão do ensino religioso entre nós.
O debate do ensino religioso na escola pública frente à laicidade do
Estado permanece no Brasil preso a um forte viés político-jurídico. Aqueles
que são contrários a qualquer forma de ensino religioso na escola pública
justificam a sua posição na defesa radical do caráter laico do Estado
previsto na Constituição (art. 19) e em vários de seus dispositivos
relacionados à dignidade da pessoa humana (art. 1º, 3º e 4º), à igualdade
de todos perante a lei (art. 5º) e ao dever da família, da sociedade e do
Estado em relação às crianças e adolescentes (art. 227). A preocupação é
com a liberdade de consciência, de crença e de culto. (FISCHMANN, 2008
& DINIZ, 2010).
Assim, a discussão permanece no âmbito da lei e da ordem jurídica,
envolvendo interesses do Estado e das confessionalidades, e não abrange
a contextualização do ensino religioso na escola pública no âmbito
propriamente educacional e pedagógico, dentro de um processo de
escolarização voltado para os estudos de cultura e de uma formação para
a cidadania.
Ressalte-se que a proposta do ensino religioso como transposição
didática da (s) Ciência (s) da Religião é apenas uma possibilidade
colocada, que precisa de uma ampla discussão que propomos aqui apenas
iniciar. Nossa hipótese é que é possível o ensino religioso na escola
pública, como área de conhecimento curricular comprometido com a
formação geral do educando, inclusive com a construção de valores para a
sua cidadania, sem caráter confessional e sem objetivos proselitistas, com

419
FONAPER

respeito à laicidade do Estado, à diversidade cultural e à pluralidade


religiosa da sociedade brasileira.
Admitimos que é possível o estudo das tradições religiosas, e mais
que isso, o estudo do que se baseiam todas elas – ou seja a dimensão
transcendental da vida humana - como um área de conhecimento
configurada em um componente curricular no contexto do Estado laico. Os
que se colocam contra esta alternativa partem de um conceito fechado de
laicidade, entendida apenas como separação entre Estado e Igreja, sem
levar em conta a construção social/histórica deste conceito refletindo as
realidades próprias de cada sociedade nacional. Percebe-se que quase
sempre se apegam a um conceito militante, geralmente inspirado no caso
francês, que Demétrio Velasco chamou de laicidade de exclusão por
substituição (In DA COSTA, 2006: 16), mas que passa atualmente por
ampla revisão na própria França.
Se a religião é uma das falas ausentes (ou silenciadas) no discurso
acadêmico, na escola também o é, sem nunca ter sido. Sabemos que
todos os envolvidos no processo docente transmitem, conscientemente ou
não, ideias, valores e princípios aos educandos em todas as disciplinas.
Embutidas neste imaginário encontram-se as idéias religiosas ou contra
quaisquer religiões. Afinal, se a ciência não é neutra, a educação também
não o é.
Este debate possui algumas nuances interessantes. As duas
vertentes acadêmicas que reconhecem a laicidade do Estado brasileiro e
não admitem o ensino religioso confessional na escola pública não
dialogam entre si e este é um dos fatores que tem aberto grande espaço
para a vertente do ensino religioso confessional, como no caso dos
estados do Rio de Janeiro e Bahia.
Em nível de encontros, seminários, simpósios ou congressos
acadêmicos, não se observam os representantes destas duas vertentes
participando de mesas ou debates em defesa de suas posições. Apenas
um dos lados se faz presente (o que talvez se justifique exatamente pelo
pressuposto do silêncio/fala ausente da religião no âmbito acadêmico).
Existe, na verdade, um diálogo de surdos. Uma vertente procede como se
a outra não existisse. Não somente as palavras, como já dizia Bourdieu
(2009), mas também o silêncio tem muito a dizer.
De um lado, uma das vertentes, muito forte em nível das Pontifícias
Universidades Católicas; de outro, acadêmicos de algumas universidades

420
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

públicas e representantes do campo jurídico. A segunda tenta justificar


veladamente a posição da primeira afirmando que esta está ligada a
instituições da Igreja Católica. Camuflada nesta crítica pode estar a idéia
de que ―o religioso não pode estudar a religião‖ pela exigência de uma
neutralidade científica. Percebe-se, nas entrelinhas, certa tentativa de
colocar no mesmo barco a posição dos acadêmicos das PUCs e dos
defensores do ensino confessional.
Em alguns momentos em que parecem fazer certa concessão ao
ensino religioso não confessional na escola pública, os contrários a ele
admitem o estudo da religião dentro do sistema cultural como uma história
das religiões, Mas indagamos, por que não a sociologia das religiões? A
antropologia das religiões? A psicologia das religiões? Talvez se
aproximando do projeto do estudo da religião na transversalidade dos
conteúdos escolares, como alguns sistemas escolares encaminharam. Ou,
ás vezes, imagina o ensino religioso na escola pública reduzido ao ensino
da ética e da cidadania, função que deve estar presente em todas as
disciplinas, sendo, portanto, desnecessária uma disciplina específica para
isso, com o nome de ensino religioso.
O convencimento sobre a conveniência do ensino religioso na escola
pública se dá, pois, no âmbito geral de duas grandes questões. A primeira
é a da laicidade do ensino que exclui os conteúdos religiosos como
ameaça aos princípios fundantes do Estado Moderno. A segunda é a
fundamentação epistemológica desse ensino como área de conhecimento.
O convencimento sobre a primeira questão, sem levar em conta a
segunda, acaba por abrir espaço para as confissões religiosas assumirem
a condução do ensino religioso, uma vez que são detentoras, segundo a
própria concepção dada pelo Estado, dos conhecimentos religiosos (e até
a LDBEN consagra esta concepção quando passa para representantes de
confissões religiosas reunidos em um conselho a responsabilidade de
definição de conteúdos).
Até agora todos os esforços realizados para se construir uma prática
coerente dessa disciplina girou em torno da questão da confessionalidade
religiosa e da laicidade do Estado. É possível hoje pensar um modelo que
supere este impasse em nome da autonomia dos estudos de religião e da
própria educação? O convencimento que deve ser feito é, assim,
fundamentalmente de ordem epistemológica, ou seja, a demonstração do
estudo da religião como área de conhecimento que pode gozar de

421
FONAPER

autonomia teórica e metodológica, com todo o respeito aos sistemas laicos


de ensino, sem nenhum prejuízo de suas laicidades, muito pelo contrário, a
favor delas.
Há de se destacar ainda a função teleológica dos saberes religiosas
no âmbito escolar. Ensino religioso na escola pública para quê? Que papel
ele teria no currículo escolar? Todas as disciplinas são ensinadas nas
escolas com finalidades pedagógicas e possuem, portanto, crenças
embutidas em seus programas. A educação não é neutra, pois tem uma
função axiológica com base em princípios e valores a serem assimilados
pelos educandos. A educação funda-se numa teleologia: num tipo de
pessoa e de sociedade que se deve e se quer construir. Este é um objetivo
de toda a educação. A composição curricular é o meio a ser percorrido
para tal finalidade.
É consenso que a escola deve ensinar o conhecimento acumulado
pela humanidade no que diz respeito a todas as áreas da natureza, da
técnica e das humanidades, incluindo as mais diversas expressões da
cultura, como as linguagens, as artes. Mas não pode colocar a religião
como objeto de estudo? Justamente a religião que é a matriz de todas as
culturas e civilizações? Mesmo com a sua previsão legal e reconhecendo a
religião como um fenômeno que, em vez de seu desaparecimento previsto
pelos defensores da ―morte de Deus‖, pelo contrário, ocupa um lugar
público cada vez mais reconhecido, principalmente na América Latina,
África e Ásia?
A questão da laicidade permanece como o pano de fundo de toda a
controvérsia. Por isso, aprofundar nesta questão é essencial. Acreditamos
que a discussão do Estado laico frente ao ensino religioso na escola
pública é a porta de entrada do problema. E ela vem sendo feita por alguns
círculos acadêmicos em torno de Sueli Carneiro e Anna Cândida da Cunha
Ferraz, da USP, Débora Diniz, da UNB, Roseli Fischmann, da UMESP,
Daniel Sarmento, da UERJ, Luiz Antonio Cunha, da UFF e de muitos
outros.
Mas quando ela avança nas críticas de certas experiências
desenvolvidas em alguns sistemas estaduais de ensino, sua crítica enfoca
particularmente o que há de notório e flagrante descumprimento da lei e de
grave ofensa aos direitos fundamentais, no caso os estados do Rio de
Janeiro e Bahia, com o seu projeto de ensino religioso confessional.
Aquelas críticas passam ao largo de outras experiências como a do

422
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

FONAPER, do Paraná, de Santa Catarina e, de certa forma, do Rio


Grande do Sul, com perspectivas bem diferentes. Ou se discute estas
experiências, elas acabam sendo mal compreendidas e/ou mal
explicitadas.
Não há como desconhecer o fenômeno religioso na sociedade, os
enormes deslocamentos internos deste campo, sua presença e
intervenção cada vez maior no espaço público, independente de qualquer
regulamentação legal. Isso interessa às ciências sociais e, de modo
especial, às ciências da religião. Há de interessar também ao aprendizado
escolar, inclusive das escolas públicas, não somente no sentido de
informar sobre aquele fenômeno, mas de ter consciência de seu papel na
sociedade, de ter opinião sobre ele, de se posicionar como cidadão crítico
e consciente. O Estado laico, portanto, tem algo a dizer sobre os saberes
religiosos na escola pública.

Uma função teleológica para o ensino do fato religioso: uma proposta


em construção
No início da segunda parte deste trabalho, podemos lembrar aqui
uma discussão muito comum nos meios acadêmicos em torno do estudo
das religiões. Trata-se da proposta de alguns estudiosos da necessidade
de certo ―ateísmo metodológico‖ para se garantir a neutralidade do estudo
da religião do ponto de vista científico, em paralelo com o argumento de
que a religião deve estar ausente da escola pública, pois, também pelas
mesmas razões, a religião não caberia num ambiente de estudo das
diversas ciências. Diante do ―horror do invisível‖, esse procedimento
metodológico acaba justificando não uma perspectiva de neutralidade
objetiva, mas de ―militância antirreligiosa‖.
Não é preciso lembrar que esta visão pode ser encontrada não
apenas nos meios acadêmicos, mas em vários outros segmentos da
sociedade. Em alguns partidos de esquerda ou em tendências deles, em
alguns movimentos sociais e sindicatos, podemos encontrar uma postura
flagrantemente impermeável a qualquer crença religiosa e principalmente à
sua presença no âmbito público, como nas escolas. Talvez seja um
resquício de uma tradição marxista ortodoxa escudada no entendimento
tradicional da religião como ―ópio do povo‖.
Mas o interessante que em vários âmbitos políticos e acadêmicos
reconhecidamente distantes da questão religiosa, seja pela sua postura

423
FONAPER

filosoficamente ateia e/ou agnóstica, seja pela sua clara origem ideológica
marxista, começa-se a esboçar outra visão sobre o ensino religioso na
escola pública. Régis Debray, por exemplo, nos traz uma posição bastante
surpreendente, vinda de quem vem. Interessante relatório seu, de 2002,
propôs o ensino ―do fato religioso‖ ou ―do religioso‖ (l‘enseignement du
religieux) em vez do ensino religioso na escola pública francesa, buscando
uma aproximação ―descritiva, factual e nocional‖ das religiões em sua
pluralidade, sem privilégios e exclusividades. A preocupação de Debray,
ao fazer esta proposta, era com a ―incultura religiosa‖ dos estudantes das
escolas públicas de seu país, decorrente principalmente da ruptura das
identidades religiosas herdadas o que dificulta, para ele, a formação geral
dos estudantes.2
Sua proposta se aproxima do projeto do sistema estadual de ensino
do estado de São Paulo que nunca foi plenamente executado. O seu
encaminhamento não se daria através de uma disciplina específica, mas
através da ampliação do âmbito das disciplinas já existentes como
Filosofia, História, Geografia e Línguas. Os professores receberiam uma
preparação específica para ampliar a sua competência no manejo dos
assuntos relacionados à religião. Não há nesta proposta nenhuma ruptura
com a laicidade do Estado, na visão de Faustino Teixeira:

A inserção do estudo ‗do religioso‘ não significaria romper com a


tradição da laicidade francesa, mas passar de ‗uma laicidade de
incompetência‘ (o religioso, por construção, não nos interessa) a uma
‗laicidade de inteligência‘ é nosso dever compreendê-lo. (In SENA,
2007: 72-73).

Faustino Teixeira defende a possibilidade do acesso à reflexão


apropriada sobre o religioso na escola pública, levando-se em conta a
importância do fator religião na sociedade brasileira e de sua relevância
para a compreensão da nossa própria cultura. Segundo ele, ―as ciências
da religião constituem um canal importante para possibilitar este exercício

2
Sempre existiram crises de transmissão que hoje assumem, no entanto, uma mudança
profunda de natureza. Hoje elas são lacunas que representam verdadeiras rupturas
culturais que atingem a identidade social, a relação com o mundo e a capacidade de
comunicação dos indivíduos. Observa-se um remanejamento global das referências
coletivas, rupturas da memória (as sociedades atuais são cada vez menos sociedades
de memória e cada vez mais sociedades do imediatez), reorganização de valores que
questionam os próprios fundamentos dos laços sociais. E a religião, por mais que não
seja percebida, está no centro de todo este processo que é social, religioso, mas,
sobretudo, existencial.
424
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

reflexivo: de aperfeiçoamento da compreensão do religioso como ‗objeto


de cultura‘, ou fenômeno de cultura‖. (In SENA, 2007: 73)
As tradições religiosas são portadoras de um ―rico patrimônio
espiritual‖ que para Teixeira justificam o seu estudo no âmbito escolar
como área de conhecimento, mas, além disso, também um exercício de
maior aproximação existencial, um contato mais estreito com elas. Teixeira
avança ainda mais na concepção do ensino ―do religioso‖ em relação a
Régis Debray, afirmando:

E para isso, faz-se necessário também o aperfeiçoamento do ‗tato


religioso‘, que favorece a superação de uma certa mentalidade que
resiste em adentrar-se em esferas particulares da experiência
humana, limitando-se a reduzir o engajamento vivido pelo outro a uma
mera ‗rapsódia de observações exteriores e frias‘. Não há como
compreender o contexto histórico das religiões, desconectando-o da
‗espiritualidade‘ que o anima. (In SENA, 2007: 75).

Para Cristel Hasselmann (2006), diferentemente da teologia, a


ciência da religião trabalha de maneira meta-confessional e independente.
Isso significa que ela não toma partido a favor de uma determinada
religião, e suas reivindicações de verdade e suas pretensões
soteriológicas, nem de um conjunto delas que tenha a mesma matriz,
numa visão ecumênica. Seu objetivo é o entendimento de uma religião
abordada, mas não o consentimento com ela, o que seria um objetivo
teológico. Também é insignificante a convicção pessoal de um cientista da
religião sobre a existência ou não de Deus ou dos deuses. Pode-se
compará-lo com um tradutor simultâneo ou um guia turístico, com a
diferença de que ele desempenha o papel de um mediador entre diferentes
religiões. Por tudo isso, o docente devidamente preparado para o ensino
religioso, na visão de Hasselmann (2006), deve ser o cientista da religião,
e não o teólogo.
Danilo R. Streck3 defende a escolarização do conhecimento do
fenômeno religioso como instrumento fundamental para o reconhecimento
da diversidade e de afirmação do respeito para com o outro. Este respeito

3
Danilo R. Streck é doutor em Fundamentos Filosóficos da Educação pela The State
University of New Jersey, Estados Unidos (1977) e professor titular da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS), Brasil. Streck defende uma modalidade
de Ensino Religioso na escola pública que não é propriamente a que nós defendemos,
mas que tem uma larga tradição em alguns círculos ecumênicos, principalmente no Rio
Grande do Sul e que constitui hoje uma das referências principais nos encontros
acadêmicos sobre o tema.
425
FONAPER

seria mais que tolerância, seria, na verdade, a aceitação do diferente, o


conhecimento para a convivência, numa profunda relação de alteridade ―na
esperança de contribuir para uma educação que ajude as pessoas a
sentirem o mundo como sua casa (oikos) comum, em constante processo
de construção para que todos e todas nela tenham lugar.‖ (STRECK, 1998:
39).
Streck (1998) aponta a necessidade do ensino religioso na escola
pública na formação de crianças e adolescentes, em particular para fazer
frente ao crescimento dos mais diversos fundamentalismos4, inclusive
religiosos. Teixeira acrescenta ainda que ele é também necessário para o
―aperfeiçoamento do olhar e da escuta do mundo e da alteridade e o
respeito à sua dignidade, a percepção da riqueza e do valor de um mundo
plural e diversificado e a recuperação da força espiritual das religiões.‖ (In
SENA, 2007: 75-76).
Alguns pensadores que se incluem nos Subaltern Studies Groups
nos oferecem aportes interessantes nesta discussão. Jorg Rieger5 (2008),
por exemplo, afirma que o estudo da religião é fundamental, não só porque
ela foi a primeira sustentação das mais diversas formas de dominação
econômica, social, cultural e política do colonialismo moderno, mas
também porque ela é uma referência para as resistências locais a estas e
a outras formas de dominação contemporâneas relacionadas a questões
de raça, gênero, opções sexuais, religiosas, etc. Assim, não há como se
pensar em um projeto político-pedagógico sem considerar o imaginário
religioso de todos os envolvidos com o projeto pedagógico da escola
pública.
Sabemos que todos os impérios coloniais modernos foram
justificados religiosamente. Por este motivo o estudo crítico da religião é
crucial para investigações pós-coloniais. Rieger (2008) afirma que Walter

4
Existem fortes correlações existentes entre a ―volta do diabo‖ promovida por alguns
grupos fundamentalistas e as diversas modalidades de demonização do outro através
das quais se expressa em outras formas, não mais racionais, mas socialmente mais
perigosas, o sentimento de não se ter nenhuma responsabilidade pessoal no mundo
como ele é, nenhuma capacidade de agir sobre o seu futuro (a culpa é do diabo...).
5
Jorg Rieger é professor de Teologia na Perkins School of Theology (SMU). Ele aborda
geralmente em seu trabalho a relação entre política, a economia e a nossa atual crise
de uma perspectiva bíblica e teológica. Por mais de duas décadas Jorg Rieger se
esforça para reunir a teologia e as lutas por justiça e libertação que marcam nossa
época. Seu trabalho enfatiza a importância da teologia para a vida pública, utilizando
ferramentas de estudos culturais, teoria crítica, e estudos religiosos, e refletindo sobre o
abuso de poder em política e economia.
426
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Mignolo foi muito feliz quando apontou que o cristianismo se tornou o


primeiro desenho global do sistema mundial moderno/colonial, depois da
bem-sucedida expulsão dos judeus e árabes da Espanha e da conquista
das Américas. Para Rieger:

Como tal, o cristianismo tornou-se uma base ideológica importante


sobre a qual as estruturas coloniais de poder podiam ser construídas
Uma religião que identificou Deus que está ao lado dos poderes
coloniais, sejam eles os monarcas da Espanha e de Portugal, sejam
os corpos governantes mais amplamente constituídos, sejam as
tentativas dos Estados Unidos de ―civilizar‖ a América Latina pós-
colonial, deixou marcas para valer. Neste contexto, deixar de
considerar o elemento religioso seria fechar os olhos para um dos
motores do colonialismo. (RIEGER, 2008: 96).

Sabemos que desconsiderar o religioso leva a perder não somente a


oportunidade de retrabalhar uma parte importante da história colonial e
pós-colonial. E mais: nos leva a perder também um elemento importante
da resistência que continua em tempos pós-coloniais e chega até à
contemporaneidade. Em muitos casos, os saberes religiosos e a intimidade
com eles fornecem sementes de tal resistência.
Muitas pessoas nas margens de nosso atual império levantam
questões religiosas e são motivadas por elas – um fato que em algum grau
é reconhecido também nos Subaltern Studies Groups. Em muitos lugares
comunidades de fé têm se envolvido em resistir a estruturas coloniais,
conduzindo as suas vidas de modo alternativo. Rieger conclui que
―enquanto a história do colonialismo olha o cristianismo mais de perto, a
história da resistência exige um horizonte religioso muito mais amplo, que
inclui interesse por outras religiões e diálogo inter-religioso‖. (RIEGER,
2008: 101).
Assim, também numa perspectiva de formação para a tomada de
uma consciência e de uma atitude que Rieger chama de pós-colonial, o
ensino ―do fato religioso‖ na escola pública tem um papel a cumprir. Um
papel de preparar os alunos, a partir do estudo da(s) religião(ões), para
uma vida de resistência frente a toda onda de formas desumanizadoras da
vida, típicas da civilização pós-moderna em que vivemos.
Sabemos que aceitar o diferente não é apenas tolerá-lo. Mas
sabemos também que aceitar o diferente vai muito além de uma postura
neutra e indiferente. Ela exige uma profunda relação de alteridade que nos
leva a tomar a posição ativa de solidariedade. Resta saber, na linha de

427
FONAPER

raciocínio que adotamos até aqui, se estudar os saberes religiosos na


escola contribui para uma formação para a solidariedade? Acreditamos
que sim. Resistir às estruturas de dominação neocoloniais é uma postura
que exigirá um compromisso de solidariedade com os dominados ou
excluídos.
Já ouvimos falar muito que a escola deve preparar para a vida.
Entendemos que preparar para a vida signifique encontrar um sentido
último para ela. A educação escolar deve se pautar pela busca deste
sentido e isto supõe o discernimento entre os muitos mitos que povoam a
sociedade contemporânea, alguns que nos levam a uma postura de vida
humanizadora e solidária, outros, de vida desumanizadora e egoísta.
Este sentido último para a vida não pode prescindir da solidariedade
como um imperativo ético, como um valor, um movimento de ir ao encontro
do outro, reconhecendo-se no outro sua própria dignidade humana numa
profunda relação de alteridade. Solidariedade com o próximo e com os
excluídos e vítimas da lógica sacrificial da idolatria do mercado (GIRARD,
1990). A educação para a solidariedade seria o caminho para ―reencantar
a vida, ou seja, dar-lhe um sentido último, alcançar aquela situação em que
se conclui que a vida vale a pena de ser vivida‖ (SUNG, 2002),
independentemente de qualquer crença religiosa.
No contexto do projeto político-pedagógico da escola, todas as
disciplinas estão comprometidas com este objetivo. No entanto, os saberes
religiosos ocupam uma posição de excelência. A experiência religiosa faz
parte do acontecimento humano, com os fatos e os sinais que a
expressam e por isso tem grande importância para o conhecimento teórico
e para a tomada de uma posição diante da vida. Por isso, ela tem uma
grande contribuição a dar para uma educação para a solidariedade, na
busca de um sentido último para a vida.
Educar para a solidariedade é uma tarefa e um objetivo de todas as
disciplinas escolares, mas, uma tarefa tão especial como esta, precisa de
uma disciplina específica que sistematize as contribuições feitas por outras
e desenvolva temas e experiências que precisam de uma atenção
especial.

Morin, falando da necessidade de uma ciência antropossocial religada,


que concebesse a humanidade em sua unidade antropológica e em
suas dimensões individuais e culturais, reconhece que essa religação
ainda está fora do alcance das ciências e que por isso é importante
que o ensino de cada uma delas fosse orientada para a condição
428
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

humana. Isso inclui as ciências naturais, pois a condição humana é,


ao mesmo tempo, físico-químico-biológico-antropológico-social-
simbólica. (SUNG, 2006: 41-42).

Edgar Morin (2000) afirma que os saberes sobre os mitos e as


religiões seriam orientados para o destino mítico-religioso do ser humano.
De fato, as religiões, mitos e ideologias devem ser considerados em sua
ascendência sobre as mentes humanas, e não mais como
‗superestruturas‘. Morin (2000) chama essa disciplina ou ciência de
noologia e afirma que ela está ainda por ser construída. Mas, diríamos nós,
os trabalhos dessa área, que já existem, pelo menos no campo dos
saberes religiosos, precisam ser mais conhecidos e desenvolvidos. De
qualquer forma, uma nova ciência não submetida à totalitária racionalidade
ocidental.
O estudo escolar dos saberes religiosos pode desde já resgatar o
encanto por um sentido último da vida como quer Jung (2006). Para isso,
aquele discernimento dos mitos que povoam o nosso tempo há de passar
necessariamente pela dessacralização do mercado e pela crítica à idolatria
sacrificial do capitalismo. Esta será a porta de entrada para se posicionar a
favor de uma sociedade mais humana e solidária. Assim também será
possível reconhecer-se o papel do estudo das religiões no âmbito escolar
em uma sociedade marcada pela diversidade cultural, pluralidade religiosa
e receptiva à laicidade do Estado.

Considerações finais
Duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) sobre o ensino
religioso na escola pública estão para ser julgadas pelo Supremo Tribunal
Federal: a de nº 4439, focada na questão do Acordo Brasil-Vaticano, já
aprovado pelo Congresso (o que tem força constitucional) e a de nº 3268
sobre o ensino religioso confessional instituído nas escolas públicas do
estado do Rio de Janeiro. Vê-se, então, que se trata de uma questão
política relevante e que traz várias outras implicações para a sociedade
brasileira.
Mas a questão fundamental é: há necessidade de uma disciplina
tradicionalmente chamada de ensino religioso na escola pública? Este
trabalho pretendeu, na verdade, iniciar uma discussão que busque dar
uma resposta, ainda que parcial e provisória, a esta questão. Entendemos

429
FONAPER

que um projeto de ensino religioso que busque realizar a leitura


pedagógica da(s) Ciência(s) da Religião para a escola pública, como
pretende o Sistema Estadual de Ensino do Paraná, poderá ter grande
relevância para a educação. Ao finalizar este trabalho, podemos ressaltar
algumas preocupações e alguns questionamentos que permanecem e nos
obrigam a colocar esta modalidade de ensino religioso na escola pública
na agenda da sociedade.
O ensino religioso, como foi aqui colocado, contribui ou não para a
formação do ser humano por inteiro? Sabemos que a religiosidade faz
parte intrínseca da humanidade e que a educação parte do humano como
razão fundante, se insere permanentemente em suas estratégias e a ele
se destina em todos os seus objetivos. Por isso, há necessidade de tornar
mais clara a relação entre a educação e as religiões e indagar que papel
poderá exercer o ensino do religioso na formação dos educandos ao lado
das demais disciplinas da escola.
Esta disciplina na escola pública contribui ou não para a convivência
social? Sabemos que a escola prepara a pessoa para o convívio social e a
cidadania que a escola busca formar inclui informações teórico-
metodológicas, sensibilização artística, formação política e preparação
para a vida em sociedade. O ensino religioso poderá contribuir com a
formação da cidadania nesses diversos aspectos?
As tradições religiosas são portadoras de éticas que orientam e
disciplinam a vida de seus adeptos na convivência interna do grupo e na
vida social. Então, podemos também perguntar: o ensino religioso poderá
contribuir na explicitação de consensos éticos a partir das tradições
religiosas?
No dizer de Paulo Freire, a leitura de textos e a leitura da realidade
devem ser simultâneas para que, de fato, formem o cidadão crítico e
autônomo. Assim como se educam os olhares racionais, estéticos e éticos
nas diversas disciplinas, o olhar simbólico sobre a realidade pode receber
também receber um aporte do ensino religioso?
E por fim, o ensino religioso pode ter algum papel na integração do
conhecimento, já que os estudos atuais de epistemologia têm ressaltado a
fragmentação das ciências em suas diversas áreas, de forma a perder a
sua visão de conjunto? Os currículos escolares refletem também esta
fragmentação. A construção de currículos interdisciplinares é desejável,
mas ainda está longe de ser alcançada. O ensino religioso tem condições

430
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de contribuir com a necessária integração dos conhecimentos pela sua


natureza e objetivos? Ele tem condições de contribuir para a superação
desta fragmentação do conhecimento, da desumanização da ciência e da
construção de uma ética para todos os campos de conhecimento?
Todos estes pontos sobre o ensino religioso são pautas da educação
geral do cidadão. A educação laica para a cidadania não pode ignorar as
religiões, pela sua forte presença e função social. É preciso decodificar
criticamente as representações e práticas religiosas em nome da
convivência sempre mais construtiva entre as pessoas e grupos, educar
para a convivência social das diversidades confessionais, assim como tirar
das tradições religiosas valores que contribuam com a vida humana na sua
subsistência e convivência.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo:


Perspectiva, 2009.

DEBRAY, Régis. L'enseignement du fait religieux dans l'école laïque. Paris:


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DINIZ, Débora, LIONÇO, Tatiana & CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e


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Paulo: Factash Editora, 2008.

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Normen‖; Zwichen Ideal und Wirklichkeit. Disponível em
HTTP://fachverband-werte-und-normen.de/referate/unterrichtsfach.html
acessado em 01.06.2006.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o


pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
431
FONAPER

RIEGER, J. Libertando o discurso sobre Deus. Estudos de Religião


(UMESP), Ano XXII, jan/jul 2008, n. 34, pp. 84-104.

STRECK, D. R. Uma Educação Ecumênica: oito proposições sobre um


tema controvertido. Estudos de Religião (UMESP), Ano XII, julho/1998, n.
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SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Petrópolis: Vozes, 2006.

______. Conhecimento e Solidariedade. São Paulo: Salesiana, 2002.

TEIXEIRA, Faustino (org.). A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil: afirmação


de uma área acadêmica. São Paulo: Paulinas, 2001.

______. Ciências da Religião e ―ensino do religioso‖. In SENA, Luzia (org.).


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VELASCO, Demétrio. La construción histórico-ideológica de La laicidad. In


DA COSTA, Néstor (org.) Laicidad en America Latina y Europa:
repensando o religioso entre lo público y lo privado en el siglo XXI.
Montevidéo: CLAEH/PUERTAS, 2006.

432
POR UM ENSINO RELIGIOSO NÃO RELIGIOSO: DESAFIOS NO
CONTEXTO ESCOLAR

Daniela Crusaro (UNOESC)1

Josiane Crusaro (ASPERSC)2

Lindamir Teresinha Bianchi Crusaro (UNIGRAN)3

Resumo:
Ensino Religioso: área do conhecimento, que visa assegurar o respeito à diversidade
cultural religiosa brasileira pautando-se no estudo do Fenômeno Religioso e vedando-se
quaisquer formas de proselitismo (Cf. art. 33 LDB/1996). Diante dessa nova proposta
vislumbramos inúmeros avanços significativos que foram tecidos/elaborados para a
identidade do componente Ensino Religioso, mas, ao mesmo tempo, identificamos que
diante da insuficiência de profissionais habilitados para atuar no espaço escolar bem como
o imaginário de que Ensino Religioso é aula de religião e/ou valores humanos, muito se tem
a fazer no contexto atual para que as crianças brasileiras tenham a garantia de um Ensino
Religioso não religioso. Por isso, nos dispomos a relatar a prática pedagógica utilizada nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental em uma escola municipal de Faxinal dos
Guedes/Santa Catarina, em que as aulas de Ensino Religioso buscam propiciar a partir de
diálogos, interações e mediações, a compreensão sobre a pluralidade cultural religiosa
existente e importância das práticas alteritárias para a (con)vivência entre e na diversidade.

Palavras-chave: Ensino Religioso; prática pedagógica; diversidade religiosa.

Desafios para a garantia da aprendizagem


O professor enquanto educador e mediador do processo ensino-
aprendizagem é sujeito que precisa constantemente estudar, ler,
escrever/registrar, aperfeiçoar-se, participar de encontros e eventos que
dialoguem sobre a práxis pedagógica e desafios atuais para a garantia de

1
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina –
UNOESC Xanxerê. E-mail: danielacrusaro@hotmail.com.
2
Graduação no Curso Ciências da Religião - licenciatura em Ensino Religioso pela
Unochapecó (2012) e História pela Unoesc - Xanxerê. Professora de Ensino Religioso
da Rede Pública Estadual de Santa Catarina e Vice-secretária da Associação dos
Professores de Ensino Religioso do Estado de Santa Catarina – ASPERSC, Gestão
2011/2013. E-mail: josicrusaro@yahoo.com.br.
3
Acadêmica do Curso de Pedagogia - UNIGRAN. Professora do Ensino
Fundamental/Séries Iniciais da Rede Municipal de Ensino de Faxinal dos Guedes/SC. E-
mail: lindamircrusaro@hotmail.com.
FONAPER

uma educação com qualidade. Destacamos que é importante compreender


e entender que, nos dias atuais,

o trabalho do professor não consiste simplesmente em transmitir


informações ou conhecimentos, mas em apresentá-los sob a forma de
problemas a resolver, situando-os num contexto e colocando-os em
perspectiva de modo que o aluno possa estabelecer a ligação entre a
sua solução e outras interrogações mais abrangentes (DELORS:
2001, p.150).

Sabemos que vislumbrando os espaços escolares, identificaremos


inúmeras tendências e teorias pedagógicas, porém entendemos que
práticas permeadas pelo autoritarismo e submissão não propiciam/
favorecem o contato, o diálogo, as socializações entre os estudantes e
professores, por isso, a necessidade/urgência do professor educador,
utilizando da autonomia e das interações sociais no processo pedagógico.
Perrenoud (1999, p. 82), destaca que:

a maioria dos docentes foi formada por uma escola centrada nos
conhecimentos e sente-se a vontade nesse modelo. Sua cultura e sua
relação com o saber foram forjadas dessa maneira, e eles
aproveitaram tal sistema, pois seguiram uma longa escolaridade e
foram aprovados nos exames com sucesso.

Conforme a pedagoga e psicopedagoga Barbosa (2013, on-line) ―a


solução, com certeza, não é voltar à palmatória, ao uso dos grilhões, nem
mesmo das varas; precisamos pensar sobre esse aspecto da questão em
todas as instâncias da sociedade, e também na escola‖ de maneira que a
mesma venha ser espaço de aprendizagens, mas também de acolhida,
vivência e respeito para e com o outro.
Por isso, ressaltamos que o atual e futuro educador precisam de
competências e habilidades que desmistifiquem a prática do domínio e
submissão de corpos, favorecendo a integração de todos os estudantes,
não importando sua bagagem de aprendizados, mas entendendo que
somos seres em construção, sempre abertos para o novo/desconhecido.
Diante dessa perspectiva, em que o professor educador é
democrático e permite a comunicação, a escuta e o diálogo entre sujeitos -
como fonte de aprendizados - Weffort (1997) destaca que o ambiente
escolar, assim, se tornará favorável e propício à aprendizagem,
demonstrando e corroborando sua importância enquanto espaço social.
Defendendo essa ideia de educador mediador, Delors contribui ao afirmar:
434
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

a grande força dos professores reside no exemplo que dão,


manifestando sua curiosidade e sua abertura de espírito, e mostrando-
se prontos a sujeitar as suas hipóteses à prova dos fatos e até
reconhecer os próprios erros (2001, p. 150).

Por sua vez, o autor e educador Rubem Alves (1994, p. 12) nos faz
refletir sobre a vitalidade da educação e (re)lembra que, infelizmente, a
mesma ―[...] fascinada pelo conhecimento do mundo, esqueceu-se de que
sua vocação é despertar o potencial único que jaz adormecido em cada
estudante‖, estando o educador incumbido de resgatar e proporcionar o
prazer pelo aprender.
Alves segue ainda relatando que ―o prazer é uma experiência
qualitativa. Não pode ser medido. Não há receitas para suas repetições.
Cada vez é única, irrepetível‖, no processo ensino-aprendizagem; daí o
desafio constante de aproximar saber e sabor, aprendizagem e
encantamento, conhecimento e alegria (1999, p. 125).
E diante desse olhar, não podemos esquecer que embora cada
professor educador contribua na autonomia, aprendizagem e criticidade do
sujeito estudante, a escola precisa, urgentemente, ser ambiente/local:

[...] de felicidade, de satisfação, de diálogo, onde possamos de fato


desejar estar. Um lugar de conflitos, sim, mas tratados como
contradições, fluxos e refluxos. Lugar de movimento, aprendizagem,
trocas, de vida, de axé (energia vital) (ROCHA; TRINDADE: 2006, p.
55).

Para os gregos o termo escola foi concebido como local/espaço de


conhecimentos, de aventura, de liberdade para a construção de
aprendizagens e saberes. No contexto atual pensar nesse viés, requer
(re)pensar em estratégias e metodologias que propiciem e favoreçam a
inserção, e ao mesmo tempo, a permanência dos estudantes na escola,
para que ambos também atuem como protagonistas no processo ensino-
aprendizagem.
Por isso, enfatizamos aqui a tendência pedagógica crítico-social
que ―entende a escola como mediação entre o individual e o social [...]‖
numa perspectiva de assimilação e mediação dos conteúdos, onde o ser
mais experiente auxilia o menos experiente e o educador utiliza do diálogo
na relação com o estudante (FERNANDES: 2012, p. 20). De acordo com
Silva (2009, p. 249),

435
FONAPER

há muitos espaços e lugares, para a construção da dignidade em


nossa sociedade, porém, muitos deles não são aproveitados, ou
simplesmente ignorados como espaços ou lugares que promovem e
veiculam dignidade ao ser humano.

E as unidades escolares enquanto instituições/locais/ambientes de


aprendizagens, saberes e (con)vivência, podem/devem favorecer esse
encontro, pois são consideradas um ―[...] um fértil espaço para criar
relações de abertura e convívio respeitoso‖ (WITT; PONICK: 2008, p. 9).
Para o autor e pedagogo Martins Filho, faz-se vital também:

[...] pensar em um currículo para a diversidade que dialogue com os


vários campos disciplinares do conhecimento [...] em um sentido, de
expressar e ser promotor dos direitos sociais humanos [...] (2011, p.
78-79).

Diante disso, podemos expressar o desejo da escola trabalhar na


perspectiva da inter/trans/multidisciplinaridade elaborando e construindo
conhecimentos, tornando a prática pedagógica significativa, favorecendo o
convívio e a aprendizagem entre estudantes e educadores, tornando-os
sujeitos protagonistas, autônomos e críticos do espaço que habitam. Para
as autoras Veiga e Viana (2010, p.32), a partir desse enfoque, o professor
educador precisa preparar seus estudantes para

enfrentar as contradições sociais da conjuntura atual, [...] por meio de


práticas inovadoras e atraentes, [...] que ofereça e provoque no aluno
o desejo de adquirir e construir o conhecimento para responder aos
desafios da sociedade.

É preciso querer/desejar estar na escola, daí a necessidade da


mesma estar promovendo uma dinâmica de aprendizados e saberes,
proporcionando a acolhida às diversidades e ―[...] o entrelaçamento das
relações afetivas entre os atores [...]‖ que compõe tal ambiente (SOUZA;
CARDOSO: 2008, p. 94).
Por fim, reafirmamos que ―[...] a educação tem como objetivo a
formação de um cidadão‖, sujeito pleno para o exercício da cidadania, mas
também para o convívio social, bem como sensibilidade e responsabilidade
para as práticas alteritárias, (re)inventando o espaço que habita, tornando-
o ambiente de coexistência (REYES: 2009, p. 235).

436
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Ensino Religioso no cenário educacional: percursos para a garantia


da diversidade religiosa
Pensar o Ensino Religioso enquanto área do conhecimento da
educação básica (Cf. Resolução 04/2010 da CNE/CEB) desde o limiar da
história brasileira, propõe refletir as diferentes concepções e
entendimentos que o mesmo recebeu no processo e contexto educacional.
De acordo com Bortoleto e Meneghetti (2010, p. 66),

quando a temática do ER é abordada no conjunto de ações escolares


formais, há uma questão de fundo que está presente e que merece
atenção especial. Trata-se da distinção entre Ensino Religioso e
Catequese, isto é, trata-se de considerar as naturezas distintas de um
mesmo problema.

No Brasil, destacamos que o regime do Padroado (união entre Igreja


e Estado), que perdurou até 1889, definia a religião católica como oficial,
por isso desde a vinda dos padres jesuítas se educava de acordo com os
princípios cristãos, promovendo práticas de catequização e utilizando-se
do proselitismo. Assim, ressaltamos que

[...] o ensino religioso traz profundas marcas, por conta de um


imaginário formado durante quase cinco séculos e sustentado pelas
relações de poder e de saber das partes interessadas (CNBB: 2007, p.
26).

Na educação, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional (LDBEN nº 4024/61) enfatizava o termo Ensino Religioso, porém,
a prática pedagógica estava voltada ao caráter doutrinário, ao ensino da
tradição católica romana, ou seja, ao ensino da religião (FONAPER: 2000,
Caderno 1). A partir de 1970, com a nova LDBEN nº 5692/71, um novo
direcionamento foi concebido ao componente, substituindo-se o enfoque
catequético para o caráter ecumênico vivenciado as mudanças sociais e
políticas no período (CECCHETTI; THOMÉ: 2007).
Mas, avanços significativos - que proporcionassem novas lentes e
olhares para com o Ensino Religioso - ocorreriam somente a partir do final
do século XX através da LDBEN nº 9394/96 – com alteração do artigo 33
pela Lei nº 9475/97 que trouxe uma compreensão diferente acerca do
componente e seu objeto de estudo.
Os autores Bortoleto e Meneghetti (2010, p.71) destacam que ―[...] a
Lei nº 9475/97, em seu art. 33 da LDBEN nº 9394/96, corrigindo um

437
FONAPER

equívoco de compreensão dos termos confessional e interconfessional‖, foi


de suma importância, pois proporcionou assegurar o respeito à diversidade
cultural religiosa e vedar quaisquer formas de proselitismo.
Pozzer, Cecchetti e Riske-Koch vêm a confirmar que diante desse
novo enfoque, ―[...] criaram-se oportunidades de sistematizar o Ensino
Religioso como disciplina escolar que não seja doutrinação religiosa nem
se confunda com o ensino de uma ou mais religiões‖ (2009, p. 281).
E, nessa nova compreensão, Holanda confirma a relevância do
Ensino Religioso nas unidades escolares, pois:

respeitar a diversidade cultural religiosa, que transita no cotidiano


escolar, é permitir que todos os educandos tenham acesso ao
conjunto de conhecimentos religiosos, que integram o substrato das
culturas assumindo o compromisso de uma escola que proporcione o
respeito e a tolerância religiosa (2010, p. 60).

O FONAPER (2009, p. 35) enfatiza que ―todo o conhecimento


humano torna-se patrimônio da humanidade‖, assim o conhecimento
religioso também é, daí a necessidade deste estar disponível no espaço
escolar, proporcionando a partir das socializações o conhecimento e
respeito para com as escolhas, principalmente religiosas, de cada sujeito.
Diante das significativas mudanças que foram/estão sendo tecidas,
registramos que o Ensino Religioso, enquanto componente curricular,
propõe ―[...] desafiar educandos e educadores para diferenciados olhares e
leituras na perspectiva da construção de um outro mundo, melhor e
possível [...]‖ diante do exercício da acolhida, respeito e vivência perante a
diversidade predominante (DANELICZEN: 2007, p.239).
Assim, professores educadores, continuemos na luta incessante para
a garantia do componente Ensino Religioso - área do conhecimento - nos
espaços escolares, visto que, abordado nesse novo viés, permite a
reflexão sobre a prática da alteridade, da efetivação dos direitos humanos,
do respeito e (con)vivência para com os seres que habitam o planeta
Terra.

Ensino Religioso e atividades de aprendizagem:


relato de experiências pedagógicas
Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino
Religioso - PCNER de 1997, o Ensino Religioso é caracterizado como
componente curricular, considerado parte integrante da formação básica
438
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

do cidadão e veiculado a um conjunto de conhecimentos que buscam o


entendimento do fenômeno religioso e a compreensão das diferentes
formas de exprimir o transcendente.
O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, precisa ser administrado
nos horários normais das escolas e enquanto componente possui a
―função de garantir que todos os educandos tenham a possibilidade de
estabelecer diálogo‖ no intuito de disponibilizar e oportunizar o acesso ao
conhecimento onde este se dá através das pesquisas, estudos,
socializações, relatos, comparações e interações (FONAPER: 2009, p. 45).
Conforme as educadoras Oleniki e Daldegan (2003, p.29),

ao assumir o Ensino Religioso pela via do conhecimento, os


conteúdos deverão proporcionar o diálogo e a participação dos
educandos, por meio de um procedimento que gera a atitude de
alteridade em relação ao conhecimento religioso pessoal e o
entendimento do outro, contribuindo para que o educando possa
desenvolver-se sem preconceito e torne-se um cidadão que promova
a paz.

Diante desse olhar exposto pelas autoras, relataremos a prática


pedagógica utilizada no segundo ano (2º ano) dos Anos Iniciais – Ensino
Fundamental na Escola Municipal Santa Terezinha na cidade de Faxinal
dos Guedes/Santa Catarina. Fundada no ano de 1995, a mesma está
situada na Rua Presidente Dutra, número 22, centro e integra a Rede
Municipal de Ensino contando com 480 estudantes provenientes do centro,
bairros e interior (SANTA TEREZINHA, 2013).
Todos os professores educadores que atuam na unidade escolar são
habilitados, 95% são efetivos e os demais ocupam caráter temporário
(ACT). A direção e coordenação pedagógica são elencados/nomeados
através de acordos partidários políticos, mas identificamos que o espaço
escolar é permeado pelo bom convívio entre o grupo que a compõe.
Entendemos que devido à carência de profissionais habilitados na
área Ensino Religioso, ausência de materiais adequados nos espaços
escolares e, também, o entendimento que o componente foi recebendo no
decorrer do processo histórico, não raras às vezes, a aula acaba sendo
ministrada numa lógica de valores humanos e religiosos calcados numa
única tradição religiosa.
Embora saibamos que não há número suficiente de profissionais
habilitados nessa área, destacamos a importância dos cursos de formação

439
FONAPER

continuada – presencial e a distância; compreendemos que os mesmos


não suprirão todas as defasagens e dificuldades encontradas para
ministrar o componente, mas entendemos que permitirá aos professores
educadores novos olhares para com esta área da educação básica.
Frisamos ainda que o Ensino Religioso, bem como as demais
disciplinas que constituem área do conhecimento e integram os currículos
escolares, devem favorecer abertura à pluralidade cultural, permitindo-se
uma ―[...] pedagogia da diversidade e do respeito às diferenças‖ que
constituem e integram os seres vivos (ROCHA; TRINDADE: 2006, p.62).
Assim, no principiar do ano letivo, nas aulas de Ensino Religioso,
propusemos aos estudantes o projeto Nosso planeta é um presente! que
teve/tem inúmeros objetivos, mas em especial, a compreensão sobre o
cuidado e respeito para com a vida humana bem como com a natureza e
demais seres que integram este habitat.
Primeiramente confeccionamos um círculo e convidamos os
estudantes para auxiliar na pintura, tornando-o multicores, representando a
beleza que faz parte do universo. Foi maravilhoso! Várias mãos, cores,
toques, olhares, sorrisos, concentrações, atenções e registros. Ao término,
expomos a representação em um mural para darmos sequência ao
trabalho proposto.
Mas, o planeta não é vazio... Ele é representando pela diversidade
de pessoas! Assim, realizamos a atividade Meu/minha amigo(a) secreto(a)
é, que consistiu em registrar o nome num papel para que depois pudessem
ser distribuídos entre os estudantes. Assim, após cada um(a) retirar um
papel, ambos tiveram a incumbência ilustrar seu/sua amigo(a) secreto(a)
para depois ser revelado a turma.
Conforme relembra Silva (2007, p. 251) ―ir em direção, ao encontro
do Outro, percebendo-o face a face [...]‖ é uma tarefa que nos fazer
(re)conhecer, aprender e conviver com este outro/diferente, que faz parte
da nossa vida, entendendo que é a partir dele que nos tornamos pessoas,
pois não conseguimos (sobre)viver sozinhos. Por isso, foi tão bonito o
momento em que os estudantes foram apresentando suas ilustrações e
dialogando sobre as representações. Sem preconceitos e indiferenças
fomos entendendo que cada um(a) é diferente, único, singular.
Também aproveitamos no desenvolver do projeto para dialogar sobre
as diferenças físicas, econômicas, sociais, culturais, bem como as etnias,
religiões, ideias, gostos, escolhas que fazem parte da vida das pessoas. E,

440
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

buscando conhecer o que é do outro, principalmente no que compete a


escolha religiosa, cada estudante foi convidado a registrar em uma tarja
algo de bom que sua tradição religiosa ensina.
Todos os estudantes da turma declararam-se cristãos, - católicos e
evangélicos - e assim, anotaram a palavra no papel em branco. Quanta
coisa bonita se aprendeu! Cada estudante apresentou seu trabalho final e
aos poucos foram concluindo que não importa qual é a denominação
religiosa, pois todas ensinam a prática do bem, da vivência, do amor, do
perdão, do diálogo e da amizade.
Mas então, porque tanto ódio, guerras, (pré)conceito e intolerância?
Os estudantes foram instigados a pensar sobre isso e registrar em seu
caderno o motivo de tantas desavenças na humanidade. Apontaram que
dentre os fatores estavam o ―achismo‖, a falta de respeito, a ignorância,
pois o homem se considera melhor que seu semelhante quando de fato
não é.
No limiar do bimestre, pensamos nos demais seres vivos que
integram o planeta. Assim, contamos a história O reino das borboletas
amar-elas que abordava o tema preconceito; dialogamos sobre o contexto
atual bem como os desafios para um planeta diferente e melhor, onde
cada qual deve fazer sua parte. Ao término, realizamos a dobradura da
borboleta e cada qual coloriu representando a diversidade.
Posteriormente, fomos expondo os trabalhos ao lado do planeta que
ia ficando cada vez mais belo e diferente. Abordamos o tema Meio
Ambiente, interligando também as demais disciplinas que compunham a
grade escolar, analisando que ―a missão do ser humano não é estar sobre
as coisas e outros seres vivos, dominando-as, mas ficar ao seu lado,
cuidando deles, pois ele é parte responsável da imensa comunidade
terrenal e cósmica (ALMEIDA; ALMEIDA: 2007, p. 258).
Entendendo que a natureza é sagrada e que precisamos/devemos
cuidá-la, pois nossa vida depende da mesma, os estudantes trouxeram
copinhos descartáveis de iogurte para a sala de aula. Após seleção de
diversas imagens das pessoas que compõe nosso planeta, os estudantes
foram colando-as nos copos e ao redor passando papel verde.
Juntos, confeccionamos uma grande árvore entendendo que somos
nós que temos o poder de escolher qual futuro deixaremos para as
próximas gerações. Foi um momento impar e significativo, pois cada
estudante foi dando toques especiais para o resultado final; proporcionou

441
FONAPER

também o (re)pensar e a (re)flexão sobre nossas práticas cotidianas. Por


isso, o mural permanece na nossa escola, inacabado, porque depende de
nós qual o percurso a ser construído.

Considerações finais
Poder sorrir, encantar-se, emocionar-se, sonhar, acreditar... Só quem
é feliz sabe o que é felicidade! Por isso, lembramos os bons momentos
que vivemos, aprendemos e construímos. Juntos, unidos, distantes, mas
interligados pela mente, pelo desejo de aprender.
Só quem vive essa sensação sabe explicar o quão importante é ter a
garantia de um Ensino Religioso não religioso no espaço escolar, que
provoque para o contato, convívio, diálogo, escuta e respeito entre as
diferentes culturas que constituem nosso planeta.
Um Ensino Religioso que nos propunha refletir também sobre o
cuidado com a natureza, espaço sagrado/vital para nossa vivência/
existência que apela para a urgência das práticas alteritárias, da atenção e
responsabilidade para com os seres vivos.
Poder vislumbrar horizontes, olhar a partir de diferentes perspectivas,
caminhar novos percursos... Desafios esses que nos tornam sujeitos
humanos/cidadãos e nos sensibilizam para a vivência na diversidade que é
imensa e embeleza o planeta Terra. Portanto lembremos: As sementes de
esperança e mudança já estão lançadas! Estejamos unidos para, em
breve, colhermos os bons resultados!!

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445
ALTERIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA:
REFLEXÕES SOBRE O SER HUMANO

Marcely Carnieletto Gazoni1

Leonel Piovezana2

Resumo:
O trabalho tem por objetivo apresentar algumas reflexões e atividades sobre a alteridade e
diversidade cultural religiosa do ser humano. Ao trabalhar culturas, tradições religiosas,
reflexões de alteridade na disciplina de Ensino Religioso no Ensino Fundamental de uma
escola pública do município de Chapecó-SC, oportunizamos aos educandos o
reconhecimento e o respeito às diversidades individuais no ambiente escolar e na
sociedade. Ao direcionarmos nosso olhar para os sujeitos em formação observamos a
existência de vários estudos que apontam para a inclusão social e a valorização dos
indivíduos nas diversas disciplinas do currículo escolar. Ademais, procuramos estabelecer
pensamentos relevantes para a melhor compreensão da diversidade religiosa e cultural
existente no Brasil, destacando a inclusão social que está em evidencia nos dias atuais e
em todas as camadas da sociedade que abrange. Não haveria exagero em se afirmar que,
a religiosidade é plural e diversificada, e esta se apresenta nas matrizes religiosas
estudadas em sala de aula pelo professor de Ensino Religioso. Cabendo ao mesmo evitar o
proselitismo e possibilitar através dos estudos sobre a religiosidade brasileira que os
educandos possam se reconhecer como um ser único e diferente, para que o mesmo faça
tal reconhecimento em relação ao outro. Apresentamos assim, alguns elementos da cultura
e tradição religiosa pluralista brasileira. Através da atividade desenvolvida com os
educandos em sala de aula com o conceito essencial: Ser humano, Alteridade e
diversidade cultural religiosa, com o título: Eu sou eu! Que Legal!, obtêm-se uma
experiência única e satisfatória quando os educandos assimilam e compreendem a
alteridade, a coexistência, a inclusão e o (re)conhecimento da diversidade brasileira que
manifesta-se através da religiosidade das diferentes matrizes religiosas que trazem em seu
bojo os diferentes fenômenos religiosos que enriquecem a cultura brasileira.

Palavras-chave: Culturas, Tradições Religiosidade, Alteridade, Diversidade.

1 Graduada (Bacharel) em Teologia pela UNIASSELVI; Licenciada em Ciências da


Religião pela UNOCHAPECÓ; Acadêmica do 7º período de Licenciatura plena em
História pela UNOCHAPECÓ; Pós – Graduanda Especialização Lato Sensu em
Educação em Direitos Humanos e Diversidades: Uma abordagem Interdisciplinar.
Professora da Rede Pública de Santa Catarina, voluntária na rede colaborativa de
Ensino Religioso e de Cursos de formação continuada do Ensino Religioso para
professores da Educação Básica, pela UNOCHAPECÓ.
2 Professor Orientador. Doutor em Desenvolvimento Regional e coordenador do curso de
Ciências da Religião da Unochapecó.
FONAPER

Alteridade e Diversidade Cultural

Não haveria exagero em se afirmar que na disciplina do Ensino


Religioso temos a possibilidade de trabalhar com a coexistência e a
alteridade, direcionando um olhar para o outro como ser humano diferente
que traz em seu bojo toda uma cultura e tradição de vivência diferente da
nossa. Sendo assim, não somos todos iguais, pois temos modos diferentes
de ver e de viver a vida, nossas crenças, costumes, vestimentas, dialeto e
visões de mundo nos diferenciam e nos identificam como seres humanos
únicos, diante de uma sociedade pluralista em seus modos de vida em
relação ao outro. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Religioso:

O ser humano constitui-se num ser em relação. Na busca de


sobreviver e dar significação para sua existência ao longo da história,
desenvolve as mais variadas formas de relacionamento com a
natureza, com a sociedade e com o Transcendente, na tentativa de
superação da sua provisoriedade, limitação, ou seja, sua finalidade.
Dilema que o desafia de forma marcante diante da complexidade da
técnica, da industrialização, da urbanização, do racionalismo, da
secularização: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Perante
essas indagações, o ser humano desenvolve conhecimentos que lhe
possibilitam interferir no meio e em si próprio. (PCNs, 2009, p. 31)

Assim o ser humano, tem em si uma busca constante de


identificação dentro da sociedade na qual o mesmo está inserido. A
identificação e afirmação de ser alguém que tem valor muitas vezes leva-o
a desvalorizar o outro como ser humano, colocando em primeiro lugar os
bens materiais, na afirmação de que o Eu tem mais valor pelo que possui
do que pela vida que possui, ocorrendo assim uma negação de valores
éticos, morais, espirituais, e religiosos, negando assim a própria cultura e
tradição, de si mesmo e do outro. Com olhares nos bens materiais
ocorrendo uma inversão de valores e de identidade enquanto ser humano.

Desse modo, a ação humana consiste em tornar a Transcendência


sua companheira de todas as etapas de aventura como origem de
projetos, enquanto desejo e utopia. A recusa à Transcendência é
trágica para o ser humano, pois o torna resignado em sua
mediocridade. (PCNs,2009, p. 32)

Trabalhar O Eu e o Outro é necessário para que novos valores sejam


integrados na vivência do educando em sala de aula e na sociedade no

448
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

qual o mesmo está inserido, desta forma quando olhamos o lado espiritual,
valorizamos também o lado ético/moral, que não está incluído nos bens
materiais. Ter um olhar de sensibilidade com relação ao outro é
literalmente arrancar do meu Eu interior o egoísmo de que o mundo não
gira somente em torno de nós mesmos. Mas existe um colorido de valores
e significados que podem mudar o mundo, quando notados e valorizados
com respeito e dignidade no qual foram concebidos pela humanidade
conforme suas culturas e tradições que abarcam também os fenômenos
religiosos.

O Ensino Religioso necessita cultivar a reverência, ressaltando pela


alteridade que todos são irmãos. Só então a sociedade irá se
conscientizando de que atingirá seus objetivos desarmando o espírito
e se empenhando, com determinação, pelo entendimento mútuo.
Nessa perspectiva, o Ensino Religioso é uma reflexão crítica sobre a
práxis que estabelece significados, já que a dimensão religiosa passa
a ser compreendida como compromisso histórico diante da vida e do
Transcendente. E contribui para o estabelecimento de novas relações
do ser humano com a natureza a partir do progresso da ciência e da
técnica. (PCN, 2009, p. 33)

A atividade objetiva assim reconhecer-se como pessoa única e


repleta de possibilidades, situada em um mundo que pode ser descoberto
e compreendido. Aprender a lidar com os sentimentos e compreender que
ser pessoa é amar, ser amada e ter o seu espaço numa sociedade plural,
que traz em seu bojo um mundo de novidades no qual podemos
desabrochar e resplandecer para a vida, bem como sentir que o perfume
da flor que exala em torno de nós também pode ser do outro, quando
temos a sensibilidade de notá-lo com sua bagagem de experiência, que
nos ajuda a desenvolver nossa capacidade de refletir sobre o Outro.
Ao observarmos as mudanças paradigmáticas no cenário da
educação vemos a necessidade do reconhecimento e o respeito às
diversidades individuais dentro do ambiente escolar. Ao direcionarmos
nosso olhar para os educandos como sujeitos em formação de
conhecimento científico e ―profissionalizante‖ preparação para a vida,
observamos a existência de vários estudos que apontam para a inclusão
social e a valorização dos mesmos nas diversas disciplinas do currículo
escolar.
No Brasil, essa mudança de postura pedagógica tem estado voltada
para uma educação inclusiva que atenda a todos sem distinção, deste

449
FONAPER

modo o Ensino Religioso tem por objetivo e finalidade a inclusão social e


cultural das diferentes crenças religiosas que estão presentes em todo o
âmbito nacional, de uma forma geral as culturas religiosas tem sua história
e seus adeptos que estão presentes em toda a sociedade brasileira.
Desde modo, o art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394/96, alterado pela Lei n. 9475/97 esclarece que o ―Ensino
Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica
do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas
de Ensino Fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo‖.
Sendo assim, o espaço escolar, deve permitir as interações entre os
educandos e as suas diferentes culturas dentre as quais sua religião, como
forma de conhecimento e respeito praticando a alteridade.

Entende-se também que a Escola é o espaço de construção de


conhecimentos e principalmente de socialização dos conhecimentos
historicamente produzidos e acumulados. Como todo o conhecimento
humano é sempre patrimônio da humanidade, o conhecimento
religioso deve também estar disponível a todos os que a ele queiram
ter acesso. A Escola, por sua natureza histórica, tem uma dupla
função: trabalhar com os conhecimentos humanos sistematizados,
historicamente produzidos e acumulados, e criar novos
conhecimentos. (PCNs, 2009 p.34).

Nesse contexto, pensamos que o Ensino Religioso, como uma das


disciplinas do currículo escolar contribui para desmistificar o preconceito à
diversidade, através do respeito pelo diferente que são as diversas
religiões com seus costumes e rituais que nos trazem vivências e
experiências diversas para a sala de aula.
Assim, o Ensino Religioso tem por objetivo aguçar a capacidade de
respeitar o diferente que se apresenta nas diversas formas de cultuar um
transcendente com muitos nomes e significados diferentes para cada
cultura religiosa, que se fazem presentes tanto na escola, como na
comunidade e nas diferentes culturas étnicas do povo brasileiro.
O papel da escola tem sido árduo nos dias atuais, ao passo que o
mundo caminha cada vez mais para um desenvolvimento econômico e
tecnológico, o ser humano caminha cada vez mais para uma vida de
correria e desmotivação desenfreada.
A busca por uma vida melhor traz uma agitação cada vez maior, o
capitalismo encontra-se na sociedade atual, o anseio por uma vida melhor

450
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

e com mais conforto tem tomado o tempo e a atenção dos pais para com
seus filhos, que estão sendo educados por jogos eletrônicos de todas as
formas - o problema é que estes jogos eletrônicos, em sua maioria, vêm
instigando a violência, a criminalidade, o preconceito e uma vida
desregrada, com poucos objetivos e sensibilidade para com o Outro,
tornando nossas crianças e jovens em futuros adultos egoístas que não
buscam um relacionamento pessoal com o Outro, pois o sistema de
informação na qual vivemos hoje tem levado nossas crianças a um
relacionamento virtual e sem contato pessoal, logo é difícil que a criança
consiga envolver-se com o Outro de uma forma saudável, onde se possa
identificar o Outro como um ser que tem seus valores morais/éticos,
costumes e tradições religiosas diferentes da nossa, mas que tem sentido
de vida para o mesmo.

Assim, a concepção de mundo é a maneira como cada ser humano


compreende o mundo. A concepção de mundo assume o papel de
acolher ou rejeitar as respostas que se enquadram ou não na
compreensão que se tem do mundo. A tradição religiosa, a política, a
ideologia se apresentam como estruturantes da concepção de mundo.
Em algumas pessoas, a concepção de mundo se apresenta com muita
rigidez e inflexibilidade, noutras, mais aberta, e sem critérios de
julgamento. Em determinados momentos, a tradição religiosa aparece
como determinante da estrutura da concepção de mundo, noutros,
aparece a ideologia, a política ou a tradição e o contexto sociocultural.
(PCNs, 2009, p. 39)

Neste ínterim, em que se encontra a sociedade atual, a escola em


sua totalidade vem sofrendo mudanças e desfoco em seu papel de ensinar
aos educandos na apropriação dos conhecimentos científicos. Este papel
passou de ensinar para educar filhos de pais ausentes com seus
compromissos paternos. O Ensino Religioso busca em suas práticas
pedagógicas, construir uma educação voltada para a alteridade, buscando
entender e compreender o Ser Humano, como um ser único e diferente,
mas que demonstra seus sentimentos de relacionamentos com o Outro,
ainda que este seja diferente de seus costumes, valores sociais ou
familiares.
Portanto, a escola é um espaço onde os diferentes se encontram e,
ao mesmo tempo podem ser acolhidos, respeitados e dialogados para um
entendimento e conhecimento da diversidade cultural, na qual todos -
educandos, professores e sociedade - estão inseridos. Desta forma o
Ensino Religioso é essencial, pois este pode trabalhar as diversas
451
FONAPER

questões humanas na esfera histórica, antropológica e sócio-culturais.


Buscando um reconhecimento de identidades dentro do espaço escolar,
trabalhar o diferente situar o educando no mundo de hoje é importante
para que o mesmo possa desenvolver-se como um ser humano capaz de
inserir-se na sociedade com integridade e cidadania, na prática do respeito
e coexistência como experiências únicas que podem direcionar suas
ideologias políticas, éticas, morais e religiosas.

O Ensino Religioso é essencial interdisciplinar. Requer atividades


interativas que proporcionem não só pesquisa rigorosa, reelaboração
de dados, produção de formas literárias e artísticas do conhecimento
adquirido e reflexão, como também experiências significativas na
educação integral, pois nenhuma disciplina como o Ensino Religioso
lida com as questões humanas universais. Estas, por sua vez,
refletidas e dialogadas, podem iluminar questões particulares e
coletivas e se transformar em construção da sabedoria de vida, que
leva à cidadania e ao protagonismo na humanização e na
transformação da sociedade (CARNIATO, 2002 p.10).

Assim o trabalho realizado em uma das escolas estaduais de ensino


fundamental e médio da cidade de Chapecó teve uma observação prévia
onde se percebeu que os educandos são respeitosos com os colegas e
professora, mas agitados, ansiosos, elétricos e com muita disposição e
energia para aprender e relacionar-se com o Outro, porém, imaturos ainda
nesta percepção, pois a pré-disposição em valorizar mais o ter do que ser
acentua-se em determinados momentos, logo se buscou uma forma de
trabalho que pudéssemos amadurecer melhor as questões da reflexão do
ser humano através da alteridade e do mundo de diversidade no qual os
mesmos estão inseridos. Assim, a problemática Eu sou eu! Que legal!
Contribuirá para que reflitam sobre o Outro e o Eu, valorizar o ser e não
somente o ter, o trabalho com os educandos foi dividido em duas etapas e
o mesmo nos possibilitou uma experiência única diante de um mundo de
diversidade que a escola nos apresenta, a cada dia, a cada momento,
trabalhar a inocência e muni-la de instrumentos que promovam a paz, a
igualdade, a fraternidade, e o diálogo inter-religioso e cultural é uma
abertura para um mundo melhor e menos egoísta, levar os educandos a
um relacionamento pessoal na busca da observação do Outro como ele é
e de nos percebermos como somos, fará com que nossas crianças sejam
adultos sensíveis.

452
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Assim o trabalho desenvolveu-se na primeira etapa de uma forma


diferenciada, começando pela acolhida dos educandos com a música
―Segredo da felicidade‖, onde buscamos proporcionar aos mesmos um
momento para que eles ouvissem a música como forma de ―quebra gelo‖
entre educandos e professores para que pudéssemos juntos, estabelecer
um vínculo de relação em um momento de descontração e alegria
proporcionado pela música.
A temática trabalhada com os educandos ―EU SOU EU! QUE
LEGAL!‖, foi desenvolvida através da história ―O patinho feio‖, a leitura do
texto foi essencial para que os educandos fizessem um reconhecimento do
diferente, do excluído, do mais forte, do mais fraco, do belo, do feio, e da
forma como nós vemos o mundo e o outro, com seus costumes e tradições
religiosas, bem como vestimenta, culinária, dialeto, ideologia e posição
política. A dinâmica de reconstruir a história com as crianças fazendo sons
e movimentos da fazenda, da estrada, da lagoa. Por exemplo, imitar a
família de patos em que o pequeno cisne nasceu, imitar outros animais da
fazenda, assobiar e balançar o corpo ao som do vento, lutar contra a
tempestade, procurar proteger-se do frio, etc, levou-os a um momento de
alegria e diversão, marcante por assim dizendo, pois fez diferença na aula
marcando-os com a questão da inclusão social pelos olhos julgadores de
uma sociedade com padrões de beleza, de físico, de culturas e costumes
diferenciados dos padrões europeus estabelecidos desde a colonização do
Brasil.
As atividades foram sendo desenvolvidas conforme os educandos
assimilavam a temática, quando propomos que cada educando
desenhasse um patinho conforme seu gosto, de forma que possam ser
coloridos e diferentes um do outro e logo após compartilhassem com os
colegas, foi marcante, pois cada um liberou-se em momentos de risos e
alegrias por ver que cada um tem uma forma e um pensamento de cor e
modelo de pato, assim, começamos a trabalhar a inclusão e as diferentes
formas de tradições religiosas. Ao colar os patinhos no painel da
diversidade onde fora desenhado o lago da diversidade, cada educando
pode visualizar melhor as diferenças entre os próprios desenhos coloridos
que eles fizeram, logo ao verem o lago com todos os patinhos diferentes
eles mesmos começaram a falar dos diferentes tipos de patos, uns
grandes outros pequenos, cada um com sua cor, enfim o diálogo entre os
educandos foi notório, percebeu-se que os mesmos viram as diferenças

453
FONAPER

nos desenhos, porém salientamos que apesar das diferenças entre eles
todos eram patos.
Logo após o diálogo, foram coladas palavras de diferentes
significados, tais como: feio, bonito, preto, branco, bondade, maldade,
amor, ódio, paz, guerra, pequeno, grande, triste e alegre. E salientamos
que no mundo onde vivemos, essas diferenças existem e, o que, para um
é feio, para o outro, pode ser bonito e, assim com todas as demais
palavras. Logo que os educandos perceberam as palavras que estimulam
a guerra, o ódio e o preconceito perguntaram por que elas estavam no
lago, e com a explicação de que no mundo existem tais ações humanas,
os educandos tiveram a concepção de que as mesmas não deveriam fazer
parte do mundo na qual nós vivemos então as mesmas foram riscadas
como forma de protesto e indignação, pois a agressividade e o negativismo
não deveriam fazer parte do nosso mundo de inclusão e reflexão sobre a
alteridade e diversidade cultural.
Com os educandos entendendo sobre as questões da alteridade da
diversidade e da inclusão social trabalhamos com eles a dinâmica - A
dança das cadeiras: organizamos as cadeiras em círculos, três a menos do
que o número de crianças. Ao som de uma música, eles dançaram ao
redor do círculo, ao parar a música, todos disputaram uma cadeira. Os três
que ficaram de fora saíram da brincadeira e assim sucessivamente até que
restaram apenas três crianças.
Ao passo que as crianças iam saindo da brincadeira as mesmas
receberam um canetão para que eles escrevessem o nome em cartazes,
estes continham um desenho de carinhas de sentimentos, para que
pudessem expressar os sentimentos no ato da exclusão da brincadeira,
essas carinhas expressavam seus sentimentos em forma de desenho em
semblantes de alegre, triste, enraivecido, temeroso ou sereno. Após a
brincadeira concluída, abriu-se um momento de diálogo para que cada
criança explicasse o motivo do sentimento que a mesma escreveu seu
nome no semblante dos sentimentos. Todos puderam expressar seus
sentimentos, alguns com exaltação por terem sidos excluídos, outros
entristecidos e os que ficaram indiferentes puderam colocar suas
sugestões com relação à brincadeira, o momento foi tenso para algumas
crianças, pois a sensação de perda para alguns não foi agradável, o
sentimento de fracasso de derrota instigou o lado mais sombrio de
algumas crianças, estas expuseram vários motivos de sua perda, bem

454
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

como, dizer que o colega o empurrou derrubando-o da cadeira, de que o


colega não o respeitara e que não foi justo o resultado, este momento foi o
mais difícil com os educandos, pois a rivalidade acentuou-se em forma de
racismo, exclusão e brutalidade, bem como os que não se importaram com
os resultados dizendo que tudo não passava de uma brincadeira, e que
como o patinho feio os mesmos não deveriam estar brigando e sim
brincando.
Assim, a dinâmica das cadeiras foi refeita novamente como forma de
inclusão, os educandos que ficaram, colocaram três cadeiras na roda e
eles convidaram outros três colegas para que entrassem na brincadeira e,
estes três educandos convidados, foram convidando outros três e assim
por diante, até que todos estavam novamente na brincadeira. Com o final
da brincadeira refeita, o diálogo foi retomado, e foi impossível deixar de
perguntar o porquê, apesar de cada um ter uma cadeira para se assentar
os mesmos estavam ainda empurrando, correndo, tentando achar uma
cadeira. Os educandos não souberam responder a não ser que eles não
queriam ficar de fora da brincadeira, observou-se que mesmo que tivesse
cadeiras de sobra eles inconscientemente continuariam a brigar pelas
cadeiras, pois, a questão da disputa, da sensação de derrota, da exclusão
está bem presente na sociedade inclusive nas crianças de tenra idade.
Assim colocamos a musica ―Olhe eu Aqui‖ para que os mesmos ao
ouvirem pudessem sentir-se importantes, como eles são e lhes foi dito que
não havia motivos para agressividade e sentimentos de exclusão, pois,
todos, mesmo sendo diferentes, têm lugar e espaço no mundo para que
todos possam expressar sua cultura.
Assim, trabalhamos até um segundo momento, pois, ao trabalhar a
ideia de inclusão social, deixamos bem saliente as diferenças e as
diversidades existentes no mundo e no meio social em que vivemos,
trabalhamos a questão dos sentimentos dos educandos, relacionando com
a história do Patinho Feio e a dança das cadeiras. Além de trabalhar o
respeito mútuo, o respeito próprio e a questão de ser uma pessoa única no
mundo e de que não podemos ser substituídos.
Em um segundo momento, trabalhamos bem a questão cultural, ou
seja, as diferentes culturas religiosas existentes no mundo. Para
começarmos a segunda etapa, passamos para os educandos um texto
sobre o que é cultura. Com explicação e exemplos, os educandos
entenderam melhor o que significa cultura religiosa, passamos para eles

455
FONAPER

de forma clara e objetiva como cada cultura religiosa se comporta no


mundo e no meio social onde vivemos, salientamos ainda que em nossa
sociedade existem muitas culturas religiosas, porém nem sempre, temos
acesso a todas, logo não conhecemos todas, por isso, não podemos ter
preconceito de nenhuma. Com a leitura do texto e diálogo sobre as
diferentes culturas religiosas, os educandos fizeram um exercício sobre
cultura, e cultura religiosa. Então os educandos receberam um texto sobre
diversidade e uma atividade de caça-palavras para instiga-los à reflexão do
que é diversidade cultural e religiosa.
Foi passado para os alunos o slide da Tita: uma Coelha de uma
orelha só, no qual eles viram mais uma vez a diversidade que existe no
mundo, e como as pessoas podem se sentir por serem diferentes, tanto na
maneira de falar, vestir, comer e ter fé. Também foi passado para os
alunos um slide sobre povos africanos, onde ficou realmente bem saliente
a questão cultural, pois este povo diferente contrasta e muito com a
realidade de cada um, principalmente com a nossa cultura, o que fez com
que os educandos pudessem encantar-se com o diferente, a forma
diferente deste povo vestir-se, bem como a forma diferente dos mesmos
cuidarem da natureza como que fazendo parte dela, ou seja, a natureza
está intimamente ligada a cada ser que compunha tal tribo africana. Com o
diálogo sobre o que viram os educandos receberam uma atividade de
labirinto, para que os mesmos ajudassem o patinho encontrar o caminho
da diversidade.
Após esse momento, foi montado um painel das diversas religiões
que compõem o mundo, cada educando colocou em uma tarja de papel o
nome de sua denominação religiosa ou de uma denominação que os
mesmos ouviram falar ou visitaram com seus pais, a dinâmica foi
envolvente, pois, os educandos puderam relatar sobre algumas
experiências religiosas que tiveram com seus pais, tiveram a liberdade de
falar sobre sua denominação, o que os deixou alegres e entusiasmados
em poderem relatar o que faziam e como as crianças são tratadas em sua
denominação religiosa. Assim, desenhamos um globo e todos um a um
colaram suas tarjas com o nome de sua denominação, e foi acrescentado
ainda o nome de outras culturas e tradições religiosas que os mesmos não
conhecem ou nunca ouviram falar, bem como foi colada uma tarja em
branco sem nome o que chamou a atenção dos educandos que disseram
―como pode não ter religião ou não crer em Deus?‖, assim explicamos que

456
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

no mundo também tem lugar para os que não crêem em nada, e que cada
um tem direito de ter ou não uma religião.
Após apresentarmos para os alunos um slide, mostrando como
algumas religiões expressam-se em reverência ao seu Deus. O objetivo foi
mostrar que, cada povo e cultura religiosa, têm sua maneira e forma de
expressar-se ou de comunicar-se com seu Deus e assim, devemos
respeitar as diferentes formas de expressão ou comunicação com Deus.
Portanto, assim como o Patinho Feio era diferente dos demais animais da
fazenda, existem formas e religiões diferentes da nossa e; nem por isso,
essas se tornam feias ou más, mas devemos respeitar, por que dentro da
sociedade em que vivemos, temos semelhanças, mas temos diferenças na
forma de crer e adorar Deus ou Transcendente.
Como forma de avaliação e entendimento foi entregue para os
educandos uma atividade, onde cada criança deve ligar a figura
apresentada à religião correta. Fixando melhor o conhecimento adquirido
através do slide ―As diferentes formas de comunicação com Deus‖.
Foi dialogado com as crianças que, todos somos seres humanos
respiramos o mesmo ar, compartilhamos a mesma luz solar, chuva, os
benefícios alimentícios e outros que a terra produz, porém, somos
semelhantes e ao mesmo tempo diferentes em cor de cabelo, olhos, pele,
estatura, homem, mulher, pensamentos e da mesma forma vemos e
conhecemos ―Deus‖ que pode ser o mesmo mas que vemos de forma
diferente, logo podemos dizer. EU SOU EU, QUE LEGAL! Por que
ninguém é igual ao outro. Valorizando assim a si mesmo e o outro como
ser humano único e específico que não pode ser substituído por ninguém.
Ao finalizar o trabalho, tivemos a oportunidade de montar uma sexta
de balas de frutas, com cores diferentes e sabores diferentes, que foi
entregue a cada educando, mostrando que assim como as balas são do
mesmo tipo, ou seja, da mesma essência doce, as mesmas podem
apresentar formas, sabores e cores diferentes e que, apesar das
diferenças, a essência e o sabor são agradáveis. Portanto, o diferente só é
diferente e insípido quando a gente quer. No fim da atividade desenvolvida
com os educandos, foi tocando a canção ―Iguais‖ o que oportunizou que os
mesmos pudessem refletir mais uma vez sobre a alteridade e a
diversidade cultural religiosa bem como a reflexão sobre o ser humano.
Assim pudemos mais uma vez dialogar sobre a experiência de como
nos sentimos quando nos deixam de fora e não há lugar para nós? E

457
FONAPER

quando deixamos outras pessoas fora? Será que pensamos nos outros em
determinados momentos, ou pensamos somente em nós? Concluindo que
cada pessoa é única e existe para ser amada, para ser feliz, para amar e
fazer os outros felizes, e que é possível superar as diferenças sem ser
preconceituoso em uma vivencia de alteridade e coexistência, pois, no
mundo que é a fazenda, existe lugar para todos mesmo que este seja o
―Patinho Feio‖, pois em um determinado momento de nossa vida
encontramos nosso lugar, bem como o Outro, sem tirar o direito de
ninguém. Podemos dizer que todos nós temos muitas qualidades e somos
pessoas belas e importantes em sua forma diferente de ser e de viver a
vida que é colorida quando a mesma é respeitada, deste modo
aprendemos que as religiões ensinam que todas as pessoas merecem
amor e respeito por suas diferenças.

Avaliação dos Educandos


A avaliação é uma abordagem do conhecimento adquirido no período
de administração das aulas. O Ensino Religioso como área do
conhecimento visualiza articular, contextualizar, a permanente formação do
educando em uma sociedade onde as transformações são inevitáveis.
A avaliação tem como objetivo o registro de quais conceitos foram
apreendidos, como os educandos perceberam e se apropriaram dos
conteúdos e ideias e, observar o progresso de apropriação do
conhecimento elaborado para os educando, averiguando se os resultados
das ações e operações foram satisfatórios.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a avaliação é
um elemento integrador entre a aprendizagem do educando e a atuação
do educador na construção de conhecimento. A avaliação foi dirigida da
seguinte forma: a participação na brincadeira das cadeiras, a interação dos
educandos nos momentos do diálogo, a participação na construção dos
painéis, as atitudes que cada criança conseguiu viver durante as
atividades, como cada criança se sentiu no grupo expressando suas ideias
e sentimentos nos momentos das brincadeiras, como cada criança se
sentiu ao ser excluída, como cada criança se sentiu ao ser convidada para
fazer parte do grupo novamente, como cada um percebeu a importância de
conviver com o próximo e respeitar o diferente como um ser único, mas

458
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

que, está carregado de diferenças em sua vida bem como a fé, o Deus que
adora, o dialeto, a roupa, a culinária, e suas ideologias.

Formação Específica de Professores


Consideramos a partir desta experiência apresentada a necessidade
de mais projetos e consolidação da disciplina do Ensino Religioso nas
escolas de rede pública e privada em todas as séries. O desafio é grande,
pois, o mesmo aponta o caminho para o desenvolvimento de outros
projetos e produção de materiais didáticos específicos dos fenômenos
religiosos como um direito do aluno para sua formação básica, conforme
assegura a constituição de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-
se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
(CONSTITUIÇÃO, 1988, p. Web)

A docência da atividade do Ensino Religioso em todas as séries


depende de investimento público e privado. Faltam recursos didáticos,
livros e outros materiais específicos para elaboração de atividades, bem
como para a prática da docência no dia a dia dos professores, a falta de
professores capacitados na área ocasiona um desleixo ainda maior, o não
conhecimento correto da disciplina tanto por parte de professores como de
educandos confunde o Ensino Religioso com a catequese, o proselitismo,
a discriminação religiosa, e a ocupação das aulas do Ensino Religioso para

459
FONAPER

a realização de qualquer outra atividade, desprovendo assim o educando


de seu direito de ter sua aula de Ensino Religioso.

A garantia do Ensino Religioso se fundamenta na legislação. Mas,


que se priorize, principalmente, a qualidade humana, a competência
profissional específica. Isto exige a seriedade de um plano de
formação permanente das pessoas envolvidas com o Ensino
Religioso. (FIGUEIREDO, 1995. P. 99)

Quase todos os materiais utilizados foram desenvolvidos pela


professora. Os livros utilizados são de propriedades da mesma, os vídeos
foram baixados da internet, os slides foram produzidos pela professora. A
restrição se dá em torno de conseguir material didático-pedagógico para
trabalhar com os educandos, que ao contrario das demais disciplinas o
Ensino Religioso é um desafio a cada dia e uma vitória a cada atividade
elaborada e realizada com sucesso pelos professores que são autores e
construtores da história do Ensino Religioso de caráter não proselitista,
que apresenta a alteridade e o respeito ao diferente em sua forma de
crença e cultura religiosa dentro do fenômeno religioso, que abarca as
diferentes matrizes religiosas.

Considerações Finais
O desenvolvimento da atividade com a turma ocorreu de acordo com
o projeto, consideramos que as atividades e linguagem foram adequadas.
Aprendemos que praticar a docência é um desafio e nos arremete à
importância de saber trabalhar com os educandos de forma que possamos
prender a atenção dos mesmos em um assunto que lhes chame a atenção,
aprendemos, portanto, como é importante ensinar sobre a diversidade
cultural e os fenômenos religiosos na alteridade através da coexistência
em um mundo de diversidade que abarca o fenômeno religioso, na
formação de cidadães que promovam a liberdade de consciência e de
crença, ensinar a convivência na perspectiva dos direitos humanos, foi um
desafio.
Sabemos que contamos com pouco material didático, e as
elaborações das atividades é um desafio e uma realização para cada
etapa, a colaboração dos educandos sempre é muito importante para que
se possa alcançar os objetivos propostos nas atividades, portanto,
poderíamos contar com, mais recursos audiovisuais, além de material

460
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

didático atrativo e de boa qualidade, o que ajudaria numa melhor resposta


a prática da docência em Ensino Religioso.
De forma geral fomos bem recebidos pelos educandos que agiram
normalmente com nossa presença em sala de aula, ocorrendo uma
cooperação melhor entre educandos e professor, o movimento diferente no
início da aula causou excitação por parte de alguns. As brincadeiras
realizadas envolveram os alunos de uma forma que puderam ser eles
mesmos, expressaram suas ideias e atitudes, bem como dialogaram com
relação ao diferente que até então existia, mas que, ainda não havia sido
apresentado aos mesmos, a didática diferente e a temática causou
estranheza e alguns momentos, o diálogo e a introdução foram momentos
de reflexão pelos educandos que se deixaram envolver de uma forma
natural.
A faixa etária na qual a atividade foi desenvolvida tem muitas
curiosidades, percebemos o quanto elas vivenciam suas convicções
religiosas e culturais. Sabem manifestar suas crenças, acreditam com
facilidade, possuem espiritualidade religiosa e gostam de manifestá-la.
Ouvem com atenção o conteúdo proposto discorrem com seus olhos
detalhadamente cada material disponibilizado a eles, inteirando-se de tudo
o mais rápido possível, aprendem e assimilam o assunto com rapidez. A
atividade nos possibilitou um contato amplo com a realidade escolar tanto
de professores como dos educandos, o desafio é conseguir conhecer o
mundo em que os mesmos vivem. O Ensino Religioso possibilita a
convivência com as diferentes religiões e culturas de um modo geral, não
só a religiosa, mas que se estende desde etnias, costumes, dialeto,
vestimentas e ideologias.
A atividade levou os educandos, e a todos os que a vivenciaram, a
uma reflexão sobre o ser humano em uma abordagem de alteridade e
coexistência. Os resultados foram satisfatórios, pois pudemos observar
que os mesmos chegaram a um entendimento e raciocínio sobre culturas e
tradições religiosas dentro do contexto social e escolar no qual os mesmos
estão inseridos, pois quando trabalhado com os mesmos sobre o Eu e o
Outro estes tiveram a oportunidade de visualizar o diferente, como um ser
com direitos iguais que devem ser respeitados dentro de sua cultura e fé
religiosa.

461
FONAPER

Referências

BRASIL: (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional nº


9.394/96 –Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília/DF/BRA: MEC.

Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República


Federativa do Brasil de 1998.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
> acesso em 28/06/2012

CARNIATO, Maria Inês Nós protegemos a vida: 2º ano: professor/Maria


Inês Carniato- São Paulo: Paulinas, 2010. – (Coleção ensino religioso
fundamental). Editora Paulinas.

Diversidade religiosa <http://www.youtube.com/watch?v=lZuyqfmHJlM>


Acesso em 05/11/12.

Jornal Comunicação
<http://www.jornalcomunicacao.com/Secoes.asp?Pagina=5&Act=Proxima&
Secao=133> Acesso em 05/11/12

Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso / Fórum Nacional


Permanente do Ensino Religioso. São Paulo: Mundo Mirim, 2009.

Pensando o Ensino Religioso


<http://pensandooensinoreligioso.blogspot.com.br/2012/05/construindo-
arvore-dos-eixos-tematicos.html> Acesso em 05/11/12.

Regador <http://regador.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html>
Acesso em 05/11/12.

Santa Catarina. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto.


Currículo: ensino religioso. - Florianópolis: SED, 2001.

Sala de aula <http://piquiri.blogspot.com.br/2008/01/decorao-de-sala-de-


aula.html> Acesso em 05/11/12.

Cultura <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura> acesso em 24/11/2011

Sua Pesquisa. com Cultura


<http://www.suapesquisa.com/o_que_e/cultura.htm> acesso em
24/11/2011

462
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Diversidade Cultural <http://pt.wikipedia.org/wiki/Diversidade_cultural>


acesso em 25/11/2011.

463
A QUESTÃO ATUAL DO ENSINO RELIGIOSO COMO CAMPO
DISCIPLINAR: UMA PROPOSTA DE CONSCIENTIZAÇÃO PARA
A COMUNIDADE ESCOLAR

Terezinha de Souza Pacheco 1 - FCC

Neusa Maria de Souza Trindade2


Resumo:
A disciplina ensino religioso tem sido, por vezes, fator de resistência para seu efetivo
desempenho no meio escolar, ainda que sua premissa seja um conteúdo mais alinhado ao
conhecimento do fenômeno religioso e da sua historicidade. Grande parte dos atores que
constituem o contexto escolar não tem clareza sobre as mudanças que ocorreram com esta
disciplina e, por isso, muitos deles se mantêm em visões amparadas no proselitismo
religioso e, como tal, desconhecem os avanços na legislação (Lei n. 9.475/97), como
também a existência de um programa de ensino orientado para a compreensão do mundo
contemporâneo. Isto posto, o foco deste estudo é apresentar as influências que movem a
compreensão tendenciosa desse ensino pela comunidade escolar. Assim, a elaboração de
um projeto cultural religioso para expor os conteúdos da disciplina ensino religioso foi
realizada por meio de uma proposta pedagógica coordenada pelo professor de ensino
religioso envolvendo alunos, gestores e demais professores, incluindo a participação
indireta dos pais. Um dos objetivos foi refletir sobre este ensino nas perspectivas do
respeito à diversidade cultural, do conhecimento sobre as origens das diferentes religiões e
dos limites da legislação. Outra medida foi a aplicação de um dos instrumentos ―Associação
Livre de Palavras- ALP‖ em uma pesquisa realizada com 53 sujeitos do ensino fundamental
da educação pública. A base teórica contou com a análise de conteúdo (BARDIN, 1977)
que organiza categorias semânticas, as quais, com o suporte da teoria das representações
sociais idealizada por Serge Moscovici (1971), possibilitaram identificar alguns dos
estereótipos que esses sujeitos construíram a respeito dessa disciplina. Este estudo
pretende responder às perguntas: como desconstruir a compreensão proselitista dos atores
da Comunidade escolar? O nome da disciplina influencia a Comunidade escolar na
distinção do ―ensino religioso‖ do ensino da religião? A religião no contexto sociopolítico
representado nas Constituições Republicanas Brasileiras (CF1824; CF 1891; CF1934;
CF1937; CF1946; CF1967; CF1988) e o seu papel nas instituições escolares pode explicar,
de certa forma, a resistência sobre essa disciplina. As políticas de educação, além da
questão da formação docente, podem ser uma das dificuldades em adotar o novo conteúdo
do ensino religioso. Por fim, este trabalho oferece algumas sugestões de superação no
confronto das demandas que estão em jogo para que a disciplina ensino religioso seja,
eficazmente, compreendida e desenvolvida.

Palavras-chave: comunidade escolar, disciplina ensino religioso, representações sociais,


prática pedagógica.

1
Mestra em Educação pela UNISANTOS. Pesquisadora Associada da Fundação Carlos
Chagas, participando do CIERS-Ed (Centro Internacional em Representações Sociais e
Subjetividade – Educação). E-mail: tspacheco@uol.com.br.
2
Especialista em ―Propedêutica às Ciências Sociais‖ pela Fundação Educacional –
Coordenação de Extensão e Pós-Graduação CESSU. E-mail:
neusatrindade@hotmail.com.
FONAPER

Introdução
A hipótese de que a Comunidade escolar necessita de uma
conscientização a respeito da área Ensino Religioso (ER) na escola
pública tem como justificativa os desafios que se têm enfrentado e, que em
última instância, dificulta a boa implementação deste ensino nas escolas
públicas brasileiras. Acredita-se que a aproximação de todos os atores
escolares no conhecimento da relevância do ER como possibilidade de
ganho intelectual ajudaria a gerar uma nova interação escolar no sentido
de envolver outras disciplinas e, também, de valorizar a diversidade
religiosa construindo, assim, uma cultura de alteridade. Os alunos ao
aprenderem sobre temas, fatos religiosos no contexto da história da
civilização em que se tratam as diferentes culturas religiosas e suas
características podem, dentro desta lógica, fazer um paralelo com o que
ocorre na sociedade, na sua família e consigo mesmo. Nesta
intercomunicação, eles podem compreender a disciplina ER como
ferramenta de diálogo ao observar as intertextualidades que o tema
religião propicia nas obras de arte, na música, na arquitetura, na própria
organização sociopolítica do Brasil.
Hoje, encontra-se no sistema educacional um quadro de
desigualdade no funcionamento desta disciplina com abrangência em nível
nacional, estadual e municipal, o que dificulta a construção de sua
identidade. Estudiosos desta área (JUNQUEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2006)
têm apresentado pesquisas que mostram essas discrepâncias.
Uma tentativa de explicar tal situação é pautando-se primeiro na
legislação: a) Constituição Federal (CF) artigo 210, que aplica o caráter
laico e facultativo para a educação religiosa na escola pública; b) LDBEN
9394/96 artigo 33 sob a redação da Lei 9475/97 que coloca este ensino
como ―parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina
nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental...‖; c)
Resolução CEB 02 de 2 de abril de 1998 que insere a disciplina ER não na
base diversificada que é voltada para temas transversais (saúde,
sexualidade, trabalho, meio ambiente, entre outros), mas a situa como
área de conhecimento onde compartilham as disciplinas convencionais -
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Biológicas, entre outras.
Percebe-se que a disciplina ER instalada como área de
conhecimento, mas atrelada ao caráter facultativo traz uma intrínseca
incoerência, pois ela é a única disciplina que não exige participação
466
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

obrigatória do aluno. Isto implica maior conscientização de todos os


envolvidos para reconhecer, então, seu lugar epistemológico. Como
incentivar políticas públicas que supere tal contradição? Qual a eficácia do
ensino religioso nas escolas diante do caráter facultativo dessa disciplina?
Ponto candente é a questão da formação docente cujas disposições
legais oferecem lacunas quanto à qualificação deste professor. Assim, as
aulas de ER são atribuídas àqueles profissionais da área de Ciências
Humanas – história, geografia, sociologia. Na ausência desses, os demais
podem assumir a disciplina. O ER requer uma compreensão interdisciplinar
que passa por um esforço consciente de sua importância pedagógica. Os
professores de ER têm ao seu alcance os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Religioso - PCNER elaborados pelo Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso – FONAPER. São conteúdos
disciplinares sob os eixos temáticos ―Culturas e Tradições Religiosas‖;
―Textos e Livros Sagrados: orais e escritos‖; ―Teologias‖; ―Ritos‖ e ―Ethos‖
os quais garantem para este ensino a perspectiva do fenômeno religioso.
Certo que se deve considerar que alguns Estados como Paraná,
Santa Catarina, alguns municípios isolados do território brasileiro já
trabalham com professores especializados para o ER. Os investimentos
neste sentido não são suficientes para dar uma unidade no sistema
educacional relativo a este ensino. Portanto, um dos passos é conhecer o
que pensam os professores que convive com a disciplina ER.

Aportes teóricos
Para identificar as representações que os professores possuem
sobre E R, a Teoria das Representações Sociais - TRS desenvolvida por
Serge Moscovici (1971) vem contribuir na medida em que ela desvela
concepções, sistemas de valores, significados construídos pelos sujeitos.
As representações sociais são conhecimentos do senso comum.

Nas sociedades modernas somos diariamente confrontados com uma


grande massa de informações. As novas questões ou eventos que
surgem no horizonte social frequentemente exigem, por nos afetarem
de alguma maneira, que busquemos compreendê-los, aproximando-os
daquilo que já conhecemos, usando palavras que fazem parte do
nosso repertório. Nas conversações diárias, em casa, no trabalho,
com os amigos, somos instados a nos manifestar sobre eles
procurando explicações, fazendo julgamentos e tomando posições.
Estas interações sociais vão criando universos consensuais, no

467
FONAPER

âmbito dos quais as novas representações vão sendo produzidas e


comunicadas, passando a fazer parte desse universo não mais como
simples opiniões, mas como verdadeiras teorias do senso comum,
construções esquemáticas que visam dar conta da complexidade do
objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas. Essas teorias
ajudam a forjar a identidade grupal e o sentimento de pertencimento
do indivíduo no grupo (MAZZOTTI, 1994, p.61).

Portanto, uma das características da TRS pode ser entendida como ―um
processo cognitivo em que o sujeito se apropria da realidade em construção
para integrar ao seu sistema de valores‖ (JODELET, 1994). Esta teoria
permite interpretar os fatos porque ela tem o papel de orientar
comportamentos, atitudes e práticas sociais. Assim, este estudo, contou com
a participação de professores do EFII em uma pesquisa de Mestrado
(PACHECO, 2012) com o objetivo de conhecer as representações que esses
têm sobre ensino religioso. Uma análise do instrumento metodológico
Associação Livre de Palavras - ALP realizado com 53 sujeitos do EFII revelou
onde provavelmente estas compreensões estão ancoradas.
Uma dessas ancoragens pode estar presente no percurso histórico
do ER no Brasil. Sabe-se que a religião no contexto sociopolítico
representado nas Constituições Republicanas Brasileiras - CF1824; CF
1891; CF1934; CF1937; CF1946; CF1967; CF1988 – é um dos tópicos
debatido calorosamente desde a cisão entre a Igreja e o Estado. Esse
ensino no Brasil-colônia gozava da hegemonia cristã católica apostólica
romana e, portanto, a orientação era catequética e doutrinal. Porém, de
ensino da religião para ER laico, as mudanças se deram ao sabor dos
interesses políticos tal que em 30 de abril de 1931, pelo decreto nº 19.941,
o Governo de Getúlio Vargas, instituiu o Ensino Religioso nos cursos
básicos com exigência da justificação pelo aluno por sua opção facultativa.
As CF. 1934 e a CF. 1946 incluíram no artigo 153 e artigo 168,
respectivamente, um ensino que respeitasse a confissão religiosa do
aluno. No período ditatorial militar (1964-1985), também se manteve estas
prescrições para o ensino religioso relativizando, assim, a condição de
Estado laico. O que a História constata é que o enfoque para um Ensino
Religioso disciplinar definitivamente laico apoia-se na CF 1988 e nas Leis e
Diretrizes e Bases 4024/61, 5692/71 e a 9.394/96. Esta última, em seu
artigo 33 aprimorou-se com a redação de 22 de julho de 1997 sob a Lei
9.475/97:

468
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso.
Redação anterior - Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres
públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou
por seus responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu
responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos
preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades
religiosas; ou
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades
religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo
programa.

Este novo paradigma que se completa com o artigo 3º da Resolução


nº2/98 do Conselho Nacional de Educação e Câmara de Educação Básica
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental as
quais determina que os alunos tenham acesso a uma base nacional
comum em nível nacional e a uma parte diversificada. Elas podem ser
mais bem entendidas na classificação abaixo a seguir:

a) a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus


aspectos como:
1. a saúde
2. a sexualidade
3. a vida familiar e social
4. o meio ambiente
5. o trabalho
6. a ciência e a tecnologia
7. a cultura
8. as linguagens

b) as áreas de conhecimento:
1. Língua Portuguesa
2. Língua Materna, para populações indígenas e migrantes
3. Matemática
4. Ciências
5. Geografia
6. História

469
FONAPER

7. Língua Estrangeira
8. Educação Artística
9. Educação Física
10. Educação Religiosa, na forma do artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996.

O que está claro é que a disciplina ER ocupa uma posição curricular


autônoma o que comporta uma atenção rigorosa em sua estruturação
educacional quanto às políticas adotadas nas diferentes esferas
institucionais.

Fundamentação da proposta pedagógica


Para fundamentar este estudo, foi feito um recorte na pesquisa de
Mestrado (PACHECO, 2012) para analisar o contexto atual da disciplina
Ensino Religioso no campo da docência pelos dados apontados pelo grupo
de 53 sujeitos que participaram na pesquisa. Todos são professores do
Ensino Fundamental II composto pelas diferentes disciplinas: Matemática
= 11; Língua Portuguesa = 8; Arte = 6; Ciências = 6; Geografia = 6; História
= 5; Inglês = 4; Ed. Física = 4; Informática = 3. Os cinco professores de
Ensino Religioso atuam nas disciplinas de História (2); Geografia (1); Artes
(1); Matemática (1). Estes professores estão vinculados à Rede Municipal
da cidade de Santos/SP cujas escolas, ao todo 16, possuem na grade
curricular a disciplina ER. Foi importante conhecer a denominação religiosa
a que eles pertencem porque pode influenciar a visão que esses sujeitos
têm sobre ER.

Gráfico 1: Perfil dos professores do ensino fundamental II – denominação religiosa

470
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Este gráfico em que aparecem seis religiões mostra o contexto


pluralista da cultura religiosa que caracteriza o espaço escolar e, por
conseguinte, a sociedade. Estes dados também indicaram que a religião
cristã é predominante na população investigada.
O instrumento metodológico Associação Livre de Palavras - ALP
possibilita conhecer a relação que os professores têm com o objeto ER.
Eles, como sujeitos pesquisados, são convidados a evocar as primeiras
quatro palavras que lhes vierem à mente ao ouvirem alguns termos. Esses
termos são chamados de termos indutores, pois eles trazem à mente
representações ligadas ao termo, que são então expressas por palavras.
Os termos indutores selecionados foram: ensino religioso; ensino
religioso e currículo; ensino religioso e diversidade; ensino religioso
e escola. A ideia é que essa tarefa facilita a expressão, de forma
espontânea, das imagens relacionadas aos termos indutores.
Assim, foi solicitado da seguinte maneira: ―Escrevam as primeiras
quatro palavras que lhes vêm à mente quando digo ‗ensino religioso‘‖.
Após o término da escrita das quatro palavras, o pesquisador coloca o
segundo termo ―ensino religioso e currículo‖ e espera o tempo necessário
para que todos os sujeitos terminem de escrever, e, passa para o terceiro
termo ―ensino religioso e diversidade‖ e, por último o quarto termo ―ensino
religioso e escola‖.

O caráter espontâneo – portanto menos controlado – e a dimensão


projetiva dessa produção deveriam, portanto permitir o acesso, muito
mais fácil e rapidamente do que uma entrevista, aos elementos que
constituem o universo semântico do termo ou do objeto estudado. A
associação livre permite a atualização de elementos implícitos ou
latentes que seriam perdidos ou mascarados nas produções
discursivas (ABRIC, 1994b, apud SÁ, 1988, p. 91).

Para analisar as palavras ao cruzar dados como a frequência e a


ordem de evocação, utilizou-se o software EVOC (2000) de análise textual
foi elaborado por Pierre Vergès (1992) e popularizado após um trabalho
acadêmico realizado no campo das representações sociais. Com ele é
possível identificar os possíveis elementos centrais e periféricos das
representações que os sujeitos pesquisados possuem e observar como
esses elementos estão articulados.
O conjunto de palavras emitidas foi tratado dentro de categorias
semânticas orientadas pela análise de conteúdo (BARDIN, 1977) para

471
FONAPER

classificar unidades de vocabulário em itens de sentido como pressupostos


de interpretação.
As palavras mais frequentes tornam-se importantes, pois a saliência de
uma ideia pode ser observada e explicada pela frequência de aparição dessa
ideia nos discursos dos componentes de um mesmo grupo. A frequência de
evocação e a ordem média de evocação possibilita o levantamento dos
elementos centrais e periféricos das representações (SÁ, 1996).
O software gera uma tabela com quatro possíveis agrupamentos, ou
quadrantes. Para o primeiro termo indutor, as palavras com alta frequência
e prontamente evocadas foram apenas uma “Deus” e ocupa o primeiro
quadrante. Elas indicam os elementos constituintes do núcleo central da
representação. Elas foram as mais salientes pela alta frequência e pronta
evocação. As palavras altamente frequentes, mas pronunciadas menos
prontamente foram “Amor, Respeito, Valores‖ são do segundo quadrante.
Elas correspondem aos elementos periféricos da representação. As palavras
encontradas no 3º quadrante ―Crença, Espiritualidade, Ética, Religião” e
são palavras com baixa frequência, mas pronunciadas prontamente. E as
palavras “Conhecimento, Paz” foram as de baixa frequência e pronunciadas
não prontamente (quarto quadrante).
A palavra ―Deus‖ está no primeiro quadrante e indica sua
centralidade na representação desse termo. É possível dizer que a
representação está associada ao conceito de transcendente. A palavra
amor, no segundo quadrante, indica que este sentimento humano se liga à
ideia de um Deus. Já as palavras respeito e valores expressam que esse
ensino promove uma consciência cidadã.
No terceiro quadrante encontramos três possíveis significados. A
palavra crença tem a ver com fé, enquanto que espiritualidade nos remeta
à ideia de transcendência. A palavra ética já manifesta um sentido de
princípio que rege as relações sociais. Embora no último quadrante, a
palavra conhecimento indique uma referência à atual perspectiva deste
ensino, é a palavra paz que sobressai e pode ser interpretada como
expressando um desejo, uma expectativa de se alcançar esse estado de
paz. Os professores do fundamental II lidam com as questões do ensino
religioso mais fortemente, pois as escolas em que trabalham têm em seus
planejamentos de curso a proposta de desenvolver essa disciplina. Mesmo
que nem todos os professores lidem diretamente com ele, é possível que
exista uma proximidade com o tema. A palavra ―conhecimento‖ no último

472
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

quadrante é significativa, pois esse ensino, tal como prevê a legislação


vigente, deve trabalhar com conhecimentos sobre religiões.
Interessante observar que os demais termos indutores: “ensino
religioso e currículo”; “ensino religioso e diversidade”; “ensino
religioso e escola”. tiveram no primeiro quadrante, ou seja, como núcleo
central das representações dos sujeitos pesquisados as palavras
“Respeito e Valores”. Possivelmente, elas ocupam este quadrante
porque os sujeitos entendem que os conteúdos para este ensino devem
tratar de temas formativos, ou seja, que respaldam questões de
comportamento e de relacionamento que permeiam as discussões entre
gestores e professores. Essas seriam ideias sobre esse ensino enraizadas
nas culturas, nas tradições. Para a teoria do núcleo central, são ideias que
possuem um caráter de rigidez, que dificilmente se transformam. Estão
ligadas à memória coletiva, são consensuais e estáveis. Mudar o núcleo
central seria mudar a própria representação (SÁ, 1996).
Outro ponto de ancoragem pode ser encontrado na história desse
ensino no Brasil. Ele foi visto, até pouco tempo, como um momento de
formação catequética. Somente com o Parecer CNE/CBE no 2/98 este
ensino adquiriu um caráter disciplinar e foi considerado como uma área de
conhecimento, articulada com as outras áreas como Língua Portuguesa,
Geografia, História, etc. Portanto, possivelmente, os professores ainda têm
uma concepção de um ensino religioso ligado à catequese e à Igreja
Católica. O perfil dos sujeitos nos mostra que eles são, em sua maioria,
católicos. Portanto, a ênfase na catequese pode ser explicada por esse
maior número de sujeitos ligados à religião católica, que tem sua história
no Brasil vinculada ao ensino de uma específica religião no contexto
escolar.
Esta amostragem pode também refletir uma compreensão
tendenciosa dos professores sobre o ensino religioso na escola pública de
modo que uma proposta de conscientização do paradigma atual desse
ensino vem ao encontro dos professores, gestores e dos demais
participantes da instituição escolar para que a implementação desta
disciplina alcance sua verdadeira identidade.
Como, então, organizar uma proposta de conscientização para a
Comunidade escolar, de forma democrática, visando a uma
desmistificação em torno do ER como disciplina curricular da Educação
Básica? Quem é essa Comunidade escolar?

473
FONAPER

Proposta pedagógica
A ideia de elaborar uma proposta, com tal objetivo, tornou-se
premente frente à realidade retratada nas alegações acima sobre os
percalços que têm acompanhado a implantação do ER nas escolas
públicas. Ela deve ser direcionada aos professores, gestores, funcionários,
alunos e pais, imbuídos do propósito de um envolvimento responsável em
relação ao tema em si.
Por meio da realização de vários encontros tendo em vista as
diferentes posições dos pares que compõem a unidade escolar, optou-se
pela seguinte logística de distribuição, a qual se constituiria em vários
momentos:
- 1º momento: um encontro entre os professores de ER onde irão
discutir os PCNER1995 e demais materiais concernentes que tratam dos
conteúdos dessa disciplina com vistas a um trabalho interdisciplinar
abrangendo áreas afins para favorecer a integração de conteúdos.
Esse encontro poderá se prolongar mais do que os outros, uma vez
que estes profissionais é que estarão diretamente ligados ao trabalho, com
o ensino propriamente dito.
Todavia, é muito importante que os gestores (administrativo/
pedagógico) participem de todas as etapas, pois serão os facilitadores da
desburocratização dando apoio para essa nova e dinâmica visão de prática
escolar. Sabe-se que muitas variáveis interferem na condução de trabalhos
de vanguarda na escola, exigindo, inclusive, mudança na estrutura física e
adaptação do layout tradicional de cadeira uma atrás da outra para outras
disposições mais ―dialógicas‖. Ainda por serem os coordenadores desta
proposta, os professores de ER terão que ter bem claros os conceitos
estruturantes dessa disciplina para poderem intercambiar com os das
outras áreas afins.
Em termos ideais, esse trabalho deveria ser desenvolvido com todas
as áreas do conhecimento, pois é para o aluno que está na ponta do
sistema educacional que são envidados todos os esforços pedagógicos,
administrativos e legais. Enfim, tudo isso só fará sentido se o acesso à
reelaboração e produção do conhecimento pelo aluno permitir uma
compreensão mais globalizada do mundo no lugar de um ensino de
disciplinas estanques e sem comunicação que produz fragmentação do
saber de tal forma que o ensino tem se tornado sem significado e
desinteressante.
474
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Nesta atividade é Importante destacar alguns conceitos que fazem


parte do arcabouço teórico-prático da disciplina ER, os quais poderão
servir de fio condutor para o desenvolvimento dos temas pertinentes a
essa área curricular: Religião/ Religiosidade/ Espiritualidade/ Moral/ Ética/
Diálogo x Discussão/ Verdade/ Incerteza/ Condição humana/ Identidade
Planetária/ Preconceito/ Alteridade/ Respeito. A clareza dos conceitos que
envolvem os conteúdos dessa disciplina, após pesquisas e discussões,
será imprescindível para o confronto e o diálogo diante da diversidade
religiosa e cultural dos alunos que não tem sido levada em conta
transformando o ER em aulas de catequese e atividades esotéricas.
- 2° momento: um encontro dos professores de ER com os
professores das Áreas afins para compartilhar ideias, opiniões e troca de
experiências conduzindo à interação entre as áreas do conhecimento.
Esse encontro, coordenado pelos professores de ER, deve ser
pautado no trabalho conjunto entre ER e aquelas disciplinas cujos
conceitos estruturantes possam dar uma dimensão mais totalizadora e, os
conteúdos ou temas trabalhados, possam permitir ao aluno se conhecer
melhor, seu espaço, localizar-se na sua comunidade e começar perceber a
correlação dos conhecimentos. Com isso, sentir-se mais autoconfiante e
capaz de atuar e contribuir na transformação do mundo. Cada área
levantaria os conceitos, os temas centrais de suas disciplinas, sem,
contudo, fazer apenas uma justaposição, e sim, um trabalho que amplie os
horizontes de percepção do aluno, e que fiquem claras as possíveis
interligações entre os conhecimentos das múltiplas disciplinas.
Um ponto fundamental para o exercício da interdisciplinaridade e da
conscientização das novas concepções do ER é o diálogo que deve existir
numa perspectiva de horizontalidade permitindo aos professores,
sobretudo, os de ER e os alunos, a oportunidade de vivenciar,
substancialmente, os próprios valores os quais permeiam e fundem-se aos
próprios conteúdos dessa disciplina.
O fato de ER não ter uma ciência de referência, seus elementos
estruturais e conceituais vão se erigir a partir do conhecimento da história
das religiões que ao longo de toda trajetória da humanidade assumiu
diferentes modos de relação com o invisível, com o mistério. No princípio,
buscando explicação nos mitos, até chegar a formas mais complexas e
institucionalizadas. Segundo, Karen Armstrong (2.006, p.16), ―um dos
motivos pelos quais a religião parece irrelevante, hoje em dia, é que muita

475
FONAPER

gente não tem mais a sensação de estar cercada pelo invisível. Nossa
cultura científica nos educa para que concentremos nossa atenção no
mundo físico e material que está diante de nós‖.
3° momento: um encontro dos professores de ER com os pais dos
alunos. A presença dos demais professores seria interessante porque
demonstraria uma escola comprometida com a formação do aluno.
Esse encontro, por tratar de uma linguagem não acadêmica, pode
iniciar o diálogo a partir de um ditado popular. É muito comum ouvir:
―Religião e Política não se discutem‖. Este seria um bom tema como
sugestão para debate com os pais na expectativa de apontar as ideias
estereotipadas existentes em torno dessa disciplina. Sob a coordenação
dos professores de ER, os pais seriam encorajados a colocar suas
impressões com relação ao ER na escola.
O intuito, nesse momento, é perceber os níveis de aceitação e/ou
resistência dentro da disciplina ER, e em seguida os professores exporiam
o que preconiza a legislação atual do ER.

Considerações finais
Essa proposta de conscientização é audaciosa no sentido de propor
mexer na infra (física) e super (mental) estrutura da escola, descentralizar
o poder escolar propiciando uma experiência efetiva de autonomia dos
próprios sujeitos. Essa ousadia envolve muito mais competência, expõe
os pontos nevrálgicos da escola, valoriza a cooperação, resgata a
dimensão mais totalizadora do conhecimento, protagoniza o diálogo
dinamizando a comunicação, e dá mais significado ao conteúdo escolar.
Os ―Encontros‖ como estratégias de trabalho são importantes na medida
em que se abre um espaço de interlocução entre os participantes para que
as visões e os estereótipos, sejam aos poucos desconstruídos.
O que deve estar subjacente em todas as discussões, nesses
encontros, é o como proceder às mudanças necessárias diante do quadro
atual com suas contradições já diagnosticadas. Com referência à situação
legal, hoje o ER tem o seu lugar na Escola como componente curricular,
porém com opção facultativa para os alunos, deve ser laico e respeitar a
diversidade religiosa dos alunos e ministrada uma aula, uma vez por
semana, na maioria das escolas. Em face disso, cada sistema de Ensino
irá deliberar e formular seus conteúdos disciplinares.

476
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Enfim, o trabalho deve propor uma nova visão do ER na escola e


uma proposta metodológica de conscientização com os pontos levantados
acima levando em conta o caráter laico do Estado brasileiro. Dentro dessa
fisionomia, por que não sugerir a mudança do nome dessa disciplina com o
compromisso de investigar até que ponto a própria nomenclatura Ensino
Religioso tem contribuído para essa visão distorcida da disciplina,
confundindo o conceito de Religião com o conceito de Ensino Religioso.
Vale ressaltar que quando se quer uma mudança mais radical em busca
de práticas mais substanciais buscando envolver todo o fenômeno, não
basta mudar apenas o conteúdo, a mudança da forma também se faz
necessária. Como sugestão, alguns nomes: ―Ciências Religiosas‖,
―Civilizações religiosas‖, ―Estudo das religiões‖.

Referências

ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus. São Paulo: Companhia das


Letras. 2006.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, 1988.

_____. Decreto Nº. 19.941 - de 30 de Abril De 1931. Dispõe sobre a


instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal. Senado
Federal de Informações. Rio de Janeiro, 30 de abril de 1931.

_____. LDBEN n. 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional. Brasília, 1996.

_____. Lei 9.475. 22 jul. 1997. Brasília, 1997.

_____. Parecer 04/98 e Resolução 02/98. Câmara de Educação Básica.

FONAPER (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso).


Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. São Paulo:
Ave Maria, 1997.

JODELET, Denise 1994, Menin e Shimizu. Educação e representação


social: tendências de pesquisa na área – período 2000 1 2003.SãoPaulo:
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477
FONAPER

JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. & ALVES, Luiz Alberto. O contexto


pluralista para a formação do professor de ensino religioso. Revista
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MAZZOTTI, Alda Judith Alves, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: aspectos


teóricos e aplicações à Educação Em Aberto, Brasília, ano 14, n.61,
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MOSCOVICI, Serge . Representações sociais: investigações em


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SÁ, Celso. Pereira de. Núcleo central das representações sociais.


Petrópolis,RJ: Vozes, 1996.

PACHECO, Terezinha de Souza. A visão dos professores sobre o


Ensino Religioso: diversidade e interdisciplinaridade. Santos: Dissertação
de Mestrado. Universidade Católica de Santos, 2012.

VERGÈS, Pierre. L‟évocation de l‟argent: une méthode pour la définition


du noyau central d‘une représentation. Bulletin de psychologie, Paris,
Tomo XLV, 405, 203-209, 1992.

478
O ATEÍSMO NAS AULAS DO ENSINO RELIGIOSO

Narjara Lins de Araújo1 /UFPB

Resumo:
Este artigo aborda a problemática da falta de materiais didáticos que apresentem conteúdos
referentes ao tema relacionado ao ateísmo durante as aulas de Ensino Religioso. Sabe-se
que assim como se deve respeitar a opção religiosa dos sujeitos, é preciso o respeito aos
sujeitos não-religiosos considerados ateus e ateias que frequentam as aulas desta
disciplina. Este trabalho teve como objetivo geral verificar se existem materiais didáticos
que abordem o conteúdo voltado para o ateísmo em escolas públicas nas quais os alunos
da graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba- UFPB
realizam estágio. E, como objetivo específico, levantar a existência de alunos ateus/ateias
nessas escolas. Este trabalho faz parte de outra pesquisa maior que é de campo,
quantitativa e qualitativa, cujo procedimento metodológico foi por meio de um questionário
semiestruturado e com uma questão do teste de Associação Livre de Palavras de Coutinho
(2003). Os resultados mostram que existem alunos ateus/ateias nas escolas envolvidas e
na grande maioria delas não existem materiais didáticos que abordem o tema ateísmo.

Palavras-chaves: Ensino Religioso; ateísmo; materiais didáticos.

Introdução
Atualmente se tem consciência da diversidade de alunos (as)
religiosos (as) e não-religiosos (as) que ocupam as escolas públicas do
Brasil. Existem vários projetos de Leis como é o caso da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) que declara o respeito e inclusão das
características da diversidade cultural do povo brasileiro.
O Ensino Religioso é a disciplina que trabalha diretamente com as
questões que giram em torno dos fenômenos religiosos e
consequentemente o ateísmo. Já existem Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNER), criados pelo Fórum Nacional Permanente do Ensino
Religioso (FONAPER), que tenta abranger esta pluralidade religiosa dos
alunos (as). Devido à credibilidade do FONAPER esta proposta vem sendo
usada como base para os cursos superiores de formação de professores e
na construção do currículo escolar do ER. (BRANDENBURG, 2004, P.62)
Junqueira (2012) defende que o ER deve abordar a questão religiosa
a partir da Ciência da Religião, segundo ele, só assim será possível

1
Pedagoga e mestranda da pós-graduação em ciências das religiões na Universidade
Federal da Paraíba- UFPB. E- mail: narjaralins@hotmail.com
FONAPER

compreender todas as dimensões presentes que a religião infere na


sociedade, inseridas no cotidiano, posturas e discursos.
Houve um aumento das Instituições Superiores para a formação de
professores para atuarem no ER com bases na Ciência da Religião, cujo
objetivo era tratar o fenômeno religioso como característica cultural dos
povos e patrimônio da humanidade, passível de ser estudado e
pesquisado. (JUNQUEIRA, 2012)
Mas, e quando o assunto é a falta da religião? Como gerar o respeito
e o entendimento deste termo em meio a tantas culturas religiosas? Os
professores recebem formação específica para estes casos? E os
estudantes que estão em processo de formação inicial em cursos
superiores?
Este trabalho teve como objetivo geral verificar se existem materiais
didáticos que abordem o conteúdo voltado para o ateísmo em escolas
públicas nas quais os alunos da graduação em Ciências das Religiões da
UFPB realizam estágio. E como objetivo específico, levantar a existência
de alunos ateus/ateias nessas escolas.
Este trabalho faz parte de outra pesquisa maior que é de campo,
quantitativa e qualitativa, cujo procedimento metodológico foi por meio de
um questionário semiestruturado e com uma questão do teste de
Associação Livre de Palavras de Coutinho (2003).

O Ateísmo na Antiguidade
Na Antiguidade os Gregos e Romanos também viviam num ambiente
em que havia templos por todo o lado, os deuses adoravam as suas
moedas, o calendário ia de festival em festival religioso e os ritos religiosos
seguiam todas as grandes transições da vida. Por esse motivo, o ateísmo
nunca se tornou uma ideologia popular. (BREMMER, 2010, p.19)
O foco de ateísmo que existia nesta época, eram indivíduos
excepcionais que se encorajavam a dar voz a sua descrença, ou filósofos
corajosos que propunham teorias intelectuais sobre a origem dos deuses
sem que, normalmente, pusessem as suas teorias em prática e sem que
rejeitassem completamente as práticas religiosas. O que existia era um
ateísmo ―frouxo‖ ou a imputação de ateísmo aos outros para desacreditar.
(BREMMER, 2010, p.19-20)

472
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

É importante compreender que os cépticos e descrentes sempre


existiram na humanidade, e estavam sujeitos às circunstancias históricas.
Alguns períodos toleraram mais as pessoas consideradas ateístas, mas no
geral o ateísmo era visto como teorias aceitáveis sobre os deuses e a
origem da religião. (BREMMER, 2010, p.20)
Por isso, temos de prestar mais atenção aos diferentes períodos em
que o ateísmo de certo modo dissipou do jeito que os Gregos e Romanos
posteriores interpretam os seus antecessores e as razões pelas quais as
pessoas de uma dada época colocam o ateísmo aos contemporâneos que
tem conceitos religiosos diferentes dos seus. (BREMMER, 2010, p.19-20)
No período clássico houve um grande interesse pelo ateísmo, este
termo classificava aqueles pensadores e pessoas que negavam a
existência dos deuses. Publicações desta época são reescritas em edições
mais modernas, e nos fazem perceber de forma diferente os antigos
indícios gregos escritos no século XX. (BREMMER, 2010, p.20-21)
O ateísmo surge visivelmente na Grécia durante esse período, de modo
especial em Atenas, por volta do século V a.C. Ainda assim, o primeiro ―ateu‖
não foi desta região, ele veio a surgir por volta de c. 490-420, e era conhecido
como Protágoras, este foi muitíssimo respeitado ao longo de sua vida por
vários intelectuais da época, como, por exemplo, Platão.
Assim como Protágoras, outros intelectuais como Xenófanes (c. 570-
495 a.C) e Heráclito (c.500 a.C) tentaram introduzir novas ideias sobre o
divino, em vez de abolir completamente a ideia de divino. Mais tarde, no
século III d. C, Diógenes Laércio, por exemplo, veio a complementar esta
ideia revolucionária afirmando que ―o Sol era uma massa de metal ao
rubro‖ quebrando com a representação do Sol como o deus Hélio,
retirando assim a sua natureza divina. (BREMMER, 2010, p.22)
Bremmer (2010) afirma que a conexão entre ateísmo e a
especulação sobre a natureza dos céus é uma característica dos filósofos
considerados ateus nesta época. Platão descreve bem este pensamento
na Apologia:

Há um homem sábio chamado Sócrates que tem teorias sobre os


céus e que investigou tudo sob a terra, e que pode fazer o mais fraco
argumento derrotar o mais forte. São estas pessoas, senhores do júri,
os que disseminam estes rumores, que são os meus perigosos
acusadores, porque quem os ouve supõe que quem investiga tais
questões tem de ser um ateu. (BREMMER, 2010, P.23)

473
FONAPER

Neste, Platão esclarece que o filosofo Sócrates era um grande


sábio, que era discriminado por investigar além das bases filosóficas dadas
pela religião, outras filosofias, não tendo a ideologia religiosa como pura
verdade, sendo por isso considerado um ateu.
O filosofo Pródico foi bem mais radical afirmando que os deuses da
crença popular não existem, e as pessoas não sabem disso, mas o homem
primitivo, os frutos da terra e praticamente tudo o que contribui para a sua
existência. Continuou seu pensamento dizendo, que os primeiros conceitos de
deuses começaram a surgir quando o homem primitivo passou a chamar de
―deuses‖ aos elementos da natureza dos quais mais dependiam como o Sol e
a Lua, os rios e os frutos. Ou seja, para Pródico, houve um tempo sem
deuses, apesar de o homem já existir. E a ideia de religião só veio surgir,
posteriormente, com o início da agricultura. (BREMMER, 2010, p.24)
Bremmer (2010) relata que o filosofo Sísifo (415 a. C), o grego mais
esperto da mitologia, afirma que a religião foi inventada para assegurar o
bom comportamento dos seres humanos. E Crítias (450-403 a. C) relata
este pensamento, com a seguinte passagem:

Houve um tempo em que a vida dos seres humanos era desordenada,


semelhante a dos animais e regida pela força, não havendo
recompensa para o virtuoso nem castigo para o perverso. Depois,
penso que os seres humanos decidiram estabelecer as leis como
castigo de modo a que a justiça pudesse governar mantendo o Crime
e a Violência como escravos. E só castigavam quem continuasse a
fazer o mal. Então, dado que as leis restringiam os actos de violência
aberta, os homens continuaram a cometê-los em segredo; então,
penso, um homem sábio e esperto inventou para os mortais o medo
dos deuses, de modo a dissuadir os perversos, quando agem ou
dizem ou pensam algo em segredo (...). (BREMMER, 2010, P.26)

Sócrates (469-399 a.C) foi acusado pelos Atenienses de ―não


reconhecer os deuses que a cidade reconhece e de introduzir poderes
novos‖, colocando em dúvida os deuses tradicionais. Mas só após a morte
de Sócrates, já em Platão (c. 429-347) é que a palavra grega atheos, cujo
significado original é ―sem deuses, abandonado pelos deuses‖, realmente
ganha força e desgasta cada vez mais as crenças tradicionais, tornando os
―verdadeiros‖ ateus um fenômeno raro no mundo grego. (BREMMER,
2010, P.29)
Outro fato importante para a história do ateísmo na Antiguidade,
além da abertura para a liberdade intelectual, foi que os Gregos, Romanos,

474
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

pagãos e cristãos utilizaram do termo ―ateu‖ como forma de rotular os seus


inimigos. (BREMMER, 2010, P.32)

O Ateísmo na Modernidade
Na modernidade, período que predomina o ―desejo de um domínio
omniabarcante da realidade por meios racionais e\ou científicos‖ o teísmo
(a crença em deus) vai se perdendo, dando lugar ao ateísmo que passa a
ser uma característica desse período, estimulando os novos filósofos a
defenderem a necessidade de deixar para o passado os ideais culturais
religiosos até agora firmados. (HYMAN, 2010, P.40)
O termo ―ateísmo‖ vai sendo definido com menos limitações, como a
―crença de que Deus não existe‖, porém o entendimento desse conceito
vai depender da concepção de teísmo que se tenha. O que significa que
existirão tantas variedades de ateísmo quantas as variedades de teísmo.
Isto é, o ateísmo será sempre uma negação de uma forma particular de
teísmo. (HYMAN, 2010, P.41)
Mais especificamente o termo ateísmo neste período, se
caracterizava mais como uma negação da intervenção da providencia
divina e não uma negação da existência de Deus, ou seja, se assemelhava
a heresia e não uma negação sem rodeios do teísmo. Porém, esse
significado rapidamente vai se moldando e ficando cada vez mais parecido
com a definição que nos é mais familiar. Devido ao crescimento do
ateísmo a todos os níveis sociais, este ganha importância, não apenas de
todo um corpo de literatura, como também de políticas, sentenças judiciais
e preocupações sociais contra os ateus, pois estes passaram a ocupar o
centro da polêmica. O termo ―ateísmo‖ que até então era usado como uma
forma de acusação, só vem a surgir como termo de autodefinição, uma
declaração da nossa própria crença (ou ausência dela) no século XVIII
entre os intelectuais parisienses. (HYMAN, 2010, P.42)
Entre estes intelectuais, está Denis Diderot, o primeiro dos ateus,
não apenas cronologicamente, como também o primeiro e principal
defensor e influência. Seu argumento se baseava na física matemática de
Descartes e a mecânica universal de Newton. A partir daí, apresentou ―a
formulação inicial, mas definitiva‖ do ateísmo: ―o princípio de tudo é a
natureza criadora, a matéria na sua autoactividade, produzindo
eternamente toda a mudança e todo o desígnio‖. (HYMAN, 2010, P.43). O

475
FONAPER

ponto importante a ser destacado é que Diderot chegou a suas conclusões


ateias por meio da intensificação das ideias de Descartes e Newton, dos
quais dependiam os cristãos para defenderem seus conceitos de fé.
Devido o termo ateísmo estar ligado com a política revolucionária de
extrema- esquerda e com as ideias de Karl Marx, muitos intelectuais, entre
eles Huxley e os seus companheiros, que criaram um novo termo, o
―agnosticismo‖, que não representava um novo credo, mas um
desconhecimento metafísico; esse passa a disputar com o ateísmo como
disposição intelectual alternativa. (HYMAN, 2010, P.43)
Apesar de todo este tumulto em torno do ateísmo, ainda existiam
pessoas que lutavam para que este fosse aceitável e respeitável. Um que
teve grande destaque foi Charles Bradlaugh, por volta do século XIX, ele
foi o primeiro ateu explícito e confesso do Parlamento britânico, que lutou
para que o ateísmo se tornasse aceitável na sociedade civil, e pelo direito
dos ateus testemunharem em tribunal. (HYMAN, 2010, P.44)
O ateísmo só vai ganhar mais impulso no final do século XIX, quando
Friedrich Nietzsche e John Newman tomaram consciência que um novo
espírito que se agitava e que teria grandes conseqüências, ou melhor, que
―a impotência religiosa, ou o desinteresse, não permaneceria um fenômeno
privado ou isolado, que isso caracterizaria cada vez mais o intelecto
instruído da Inglaterra, França e Alemanha e que a sua influência acabaria
por se fazer sentir em todos os aspectos rotineiros da civilização‖. Porém,
isso só veio acontecer sessenta anos depois, marcando o período como a
―era do ateísmo‖ e só veio a se enraizar nos últimos quarenta anos do
século XX. (HYMAN, 2010, P.45)
Esse novo ateísmo tinha características distintas dos conceitos
anteriores, ou seja, algo de distintivo na negação contemporânea de Deus,
tanto no que se refere ao seu alcance como a sua instituição cultural. A
ligação do ateísmo com a modernidade, é que nesta última, houve um
afastamento de um comprometimento religioso baseado na tradição, mas
esse fato não gerou o ateísmo generalizado, pois o ateísmo era uma
confissão minoritária, junto a outras alternativas de ―espiritualidades‖, que
surgiam no mundo ocidental moderno. (HYMAN, 2010, P.46)
A concepção de Deus a qual o ateísmo moderno se opôs é aquela
que o ver como pertencente à mesma ordem ou qualidade dos atributos
humanos, pois para eles Deus estava num grau maior. (HYMAN, 2010,
P.56)

476
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Pode-se perceber a ligação da modernidade e do ateísmo, desta


forma com o ―fechamento‖ da primeira, o ateísmo e, consequentemente, o
teísmo mais moderno, sofrem transformações advindas do pós-
modernismo, podendo ainda regredir para formas mais medievais.
Independente de qualquer um, o destino do ateísmo está ligado ao da
modernidade. (HYMAN, 2010, P.59-60)

Ateísmo e Religião
De acordo com o argumento de Martin (2010, p.283), o ateísmo em
si não é uma religião. Porém, existem três religiões mundiais, isto é, o
jainismo, budismo e confucionismo, que são ateístas, ou melhor, a
negação da existência de um Deus teísta. O ateísmo não se opõe às
religiões teístas, mas depende do contexto histórico do qual foi construído.
Independente da definição dada ao ateísmo, este não tem as
exigências necessárias para ser uma religião, pois o ateísmo negativo, ou
seja, não ter uma crença em Deus ou em deuses, não tem qualquer uma
das características constitutivas de um conceito de religião. Já o ateísmo
positivo, ou seja, a crença de que não há Deus, nem deuses, de acordo
com algumas definições de religião também não é considerado uma
religião. (MARTIN, 2010, P.288)
De acordo com Martin (2010, p. 291), o argumento que o jainismo é
uma religião ateísta, não é totalmente verdade, pois este é ateísta apenas
em sentido restrito, devido aos seus deuses terem pouco poder e não
desempenhar qualquer papel no objetivo jaina da salvação. Ou seja, os
deuses poderiam ser eliminados do jainismo sem que se perda o essencial
desta religião. Então, apesar de o jainismo não ser considerado de fato
uma religião ateia no sentido lato, poderia ser ateia nesse sentido.
(MARTIN, 2010, P.291)
Já no caso do budismo, se existir realmente a crença nos deuses
devas, então este não é uma religião ateia no sentido lato. E apesar
desses deuses não terem um papel na via budista para a salvação,
encontrada nas Quatro Nobres Verdades e na Nobre Via Óctupla, faziam
parte da mundividência budista. Assim, como o jainismo, o budismo é uma
religião ateia positiva com base em argumentos racionais. Como se sabe,
a tradição intelectual budista faz uso de razões para não acreditar em um
Deus teísta. (MARTIN, 2010, P.295)

477
FONAPER

Assim como o jainismo e o budismo, existe desacordo entre os


estudiosos sobre se o confucionismo é uma religião ateia. Os estudiosos
jesuítas nos séculos XVII e XVIII argumentaram que, visto o confucionismo
ser basicamente um sistema ético, os seus seguidores poderiam ser
convertidos ao cristianismo sem abandonar as suas próprias perspectivas.
Estudiosos protestantes missionários posteriores, como James Legge
(1815-1897), argumentaram que apesar de o próprio Confúcio ser céptico
quanto à religião, a perspectiva tradicional do Céu que as pessoas comuns
tinham era o verdadeiro Deus da religião cristã. (MARTIN, 2010, p.296)
Mas será que realmente existem religiões ateias? A resposta é a
seguinte, apesar de existir algumas religiões ateístas no sentido estrito, o
ateísmo não é contra necessariamente a religião. De acordo com Martin
(2010):

(...) apesar de o jainismo, budismo e confucionismo não serem ateias


no sentido lato, parece possível eliminar qualquer Deus ou deuses
destas religiões sem grande conseqüências, pois não parece que a via
da salvação espiritual e a forma de vida especifica por estas religiões
fossem significativamente afetadas ao eliminar todos os deuses.
(MARTIN, 2010, p.299)

Porém, saber-se que um ateísta é contrário às crenças teológicas da


religião é coerente com outros aspectos da religião. Um ateísta pode
apreciar os rituais de uma religião teísta por razões estéticas sem
necessariamente defender que o código ético de uma religião teísta está
correto, mesmo rejeitando a idéia de que Deus a criou. (MARTIN, 2010,
P.299).

Contextualizando o Ensino Religioso no âmbito escolar


Acredita-se que as escolas precisem ter uma orientação racional, de
conhecimento e análise da situação religiosa, quer dizer, durante as suas
tarefas educativas deve-se refletir sobre a realidade a partir das
referências oferecidas pelas ciências sobre os mais diversos elementos
que dão forma a sociedade. De acordo com contexto o estudioso Passos
afirma que:

O ER assume, necessariamente, em suas definições curriculares, a


crítica ao conhecimento tecnicista que instrumentaliza o conhecimento
no domínio de algum aspecto restrito da realidade, a crítica ao

478
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

positivismo que coloca a ciência como a versão da verdade e a crítica


a neutralidade das ciências como abordagem definitiva da realidade.
(PASSOS, 2007, p.37 – 46).

Isto porque na contemporaneidade a educação tem assumido uma


concepção integral do ser humano, buscando superar teorias e posturas
que privilegiam o racional, ignorando dimensões como a religiosa em
relação ao desenvolvimento do educando e no processo de construção do
conhecimento.
Segundo Sena (2005), o Ensino Religioso na atualidade esta inserido
na perspectiva de ―uma educação integral, que considera o ser humano na
totalidade do seu ser, a religiosidade e suas diferentes expressões se
apresentam hoje como uma dimensão humana relevante, manifestando os
níveis mais criativos e profundos do ser humano‖.
Devido ao importante papel da religião dentro das sociedades
humanas como expressão da religiosidade, a educação nos dia de hoje:

Não pode omitir a educação da religiosidade e o estudo do fenômeno


religioso, objeto da disciplina de Ensino Religioso‖. Diante de
situações-limite, do inexplicável, como o sofrimento e a morte, surgem
perguntas existenciais para as quais a ciência não tem respostas.
Essa a razão pela qual assistimos hoje o retorno da sensibilidade ao
sagrado, a busca do misticismo de várias formas, a valorização do
mistério, a busca de espiritualidade. O fenômeno religioso se impõe
como um aspecto indissociável da vida humana, cujo estudo não pode
ficar fora da escola. (SENA, 2005)

Sabe-se que a principal função da instituição escolar é ―fornecer


instrumentos de leitura da realidade, capacitando o educando para
compreender melhor a si mesmo e ao mundo, e criar condições para a
convivência entre pessoas‖. (SENA, 2005)
Por este motivo, a inserção do Ensino Religioso no currículo escolar,
como disciplina e área de conhecimento, visa desenvolver a espiritualidade
presente no contexto espiritual ―preenchendo o vazio deixado por uma
educação com predominância quase exclusiva no racional, no
desenvolvimento científico e tecnológico do educando, deixando de lado as
razões e as finalidades últimas da existência‖. (SENA, 2005)
Partindo deste princípio, o Ensino Religioso visa desenvolver a
religiosidade através do conhecimento dos elementos básicos que
compõem o fenômeno religioso, partindo das experiências religiosas de
cada aluno.

479
FONAPER

O ensino religioso como área de conhecimento deve em seu fazer


pedagógico partir de conhecimentos produzidos, acumulados e
sistematizados historicamente de forma a possibilitar aos educandos
conhecer o passado e o presente numa perspectiva de criar novos
conhecimentos. (OLENIKI, 2005)
Ou melhor, o fazer pedagógico no Ensino Religioso acontece por
meio do serviço ao educando, no diálogo inter-religioso com o propósito de
gerar a informação, a interpretação do conhecimento acumulado, a
ressignificação de conteúdos e conceitos durante o processo de ensino-
aprendizagem, em relação às diferenças, diversidades e pluralidade, numa
ênfase histórica, que permite o entendimento de si e do outro, viabilizando
a formação do cidadão. (OLENIKI, 2005)
Qualquer área de conhecimento deve partir do ponto que ―ensinar
exige respeito aos saberes e experiências de vida dos educandos. Sendo
fundamental discutir com os alunos a razão de ser de alguns dos seus
saberes em relação com o ensino dos conteúdos‖; (FREIRE, 2011, P.31)
Logo, o Ensino Religioso que é reconhecido como área de
conhecimento constituirá um referencial estruturado de leitura e
interpretação da realidade a partir do seu foco de ação, do seu objeto de
estudo destacando os elementos essenciais pra garantir a participação dos
educandos como cidadãos na sociedade de forma autônoma. (OLENIKI,
2005)
Este referencial metodológico deve possibilitar a abertura para um
ato de ensinar que ―exija respeito à autonomia do ser do educando, e este
saber vai contra uma prática docente autoritária, que tira a liberdade do
aluno, para tanto é preciso desenvolver uma prática baseada no diálogo‖.
(FREIRE, 2003, p.59)
O ensino religioso como área de conhecimento será definido com
base no seguinte foco teórico: Tradições e Culturas Teologias, Textos
Orais e Escritos Sagrados, Ritos e Ethos; da adequação do teórico ao
contexto comunidade escolar e do exercício ou fazer pedagógico na
relação ensino aprendizagem junto aos educandos.
Segundo Oleniki (2005), este processo será efetivado pela releitura e
compreensão do religioso na sociedade de acordo com uma metodologia
que permite realizar a partir dos conteúdos programáticos: a observação
do fenômeno religioso em suas múltiplas dimensões, destacando-se desta
observação a análise da ação, falta ou parte dela em seu contexto, e em

480
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

suas relações para explorar e trabalhar os conceitos básicos do Ensino


Religioso; a informação enquanto aproximação de um aspecto do
conhecimento religioso a partir do qual se torna possível ao educando
ampliar seu conhecimento para construir instrumentos que possibilitem
referenciais de interpretação ou análise efetivando-se a ressignificação de
conceitos; reflexão como aspecto que oportuniza o confronto pedagógico
do conhecimento teórico com a prática.
É refletindo o fenômeno religioso dentro do contexto real do
educando que se efetua uma aprendizagem significativa, possibilitando a
construção de soluções para as dúvidas e problemas que surgirem
relacionados ao aspecto religioso. Ou seja, ―ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção, sua
construção‖ (FREIRE, 2005, p.24)
Pode- se descrever o procedimento metodológico do Ensino
Religioso como área de conhecimento a partir da caracterização do foco
teórico, do fazer pedagógico que se concentram em torno de objetivos e
conteúdos que remetem a metodologia de interação, entre os aspectos
historicamente construídos nas diferentes tradições religiosas e a sua
presença na cultura vigente. Sendo importante o tratamento metodológico
se concretizar na ação - reflexão - ação promovida pela observação -
informação - reflexão. (OLENIKI, 2005)
Isto é, no procedimento metodológico do Ensino Religioso assim
como de qualquer outra disciplina do currículo escolar é necessário:

Inserir o reconhecimento e a assunção da identidade cultural do


educando; só assim teremos o conhecimento dos seres inacabados
que somos. O próprio discurso teórico tão necessário para a reflexão
critica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a
prática. (FREIRE, 2011, p.39 e 42)

É preciso compreender que a linguagem do ensino religioso está


dentro da formação básica do cidadão e ―alicerça nos princípios básicos da
cidadania que se concretizam na formação integral do educando‖.
(HOLANDA, 2005)
Para tanto, pode-se tomar como parâmetro os princípios defendido
pelas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental e os princípios e
fins da Educação Nacional da lei nº 9.394/96 cujo principal fim é orientar as
escolas na elaboração de suas ações pedagógicas.

481
FONAPER

De acordo com a professora Holanda (2005) no caso do ensino


religioso esses princípios apresentam uma relação próxima com o campo
de atuação deste ensino, podendo expressar muito bem a linguagem que é
utilizada no desenvolvimento dos conteúdos, refletindo algumas questões
básicas da educação.
Se for ensino, continua a professora, ensina o quê? Na linguagem
pedagógica do ensino religioso, podem ser observados os seguintes
critérios e atitudes para a mudança e para a construção de valores, tais
como: a valorização das experiências religiosas previamente construídas
pelos alunos e alunas, favorecendo a capacidade de vivenciar uma relação
emancipada com as diferentes culturas, considerando os princípios éticos
da autonomia, da responsabilidade e do respeito ao bem comum; o
exercício da criatividade e do respeito à ordem democrática em sala de
aula, a partir da articulação dos conhecimentos, das discussões, debate e
do desenvolvimento com base nos princípios políticos, caracterizados
pelos direitos e deveres da cidadania e do respeito ao diferente que se
manifesta nas culturas e tradições religiosas; a criação de condições para
que cada educando(a) construa sua identidade, para saber acolher,
conhecer, conviver e aprender a ser, valorizando e respeitando o outro,
superando preconceitos que desvalorizam qualquer experiência religiosa,
tendo como referência os princípios estéticos da sensibilidade e da
criatividade.
E acrescenta, que esta linguagem tem sentido de busca, de
entendimento que responda às questões existenciais: Quem sou? De onde
vim? Para onde vou? Diante dessas indagações o ser humano desenvolve
competências para relacionar-se consigo, com a natureza, a sociedade e o
transcendente, definindo seu projeto pessoal e coletivo de vida.
No desenrolar dos eixos temáticos do ensino religioso e nos blocos
de conteúdos apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o
entendimento dessa linguagem destaca a interação entre quem aprende e
quem ensina para construção do conhecimento histórico cultural, devido à
importância de toda cultura. Sabe- se que essa linguagem estimula o
diálogo, a tolerância e a convivência pacífica com as manifestações
religiosas, respeitando a pluralidade cultural religiosa brasileira.
(HOLANDA, 2005)
De acordo com a nova redação do art. 33 da LDB, com a sanção da
Lei 9475/97, os sistemas de ensino terão maior responsabilidade na

482
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

definição de conteúdos para o ensino religioso, incluindo as características


como cultos, movimentos, grupos, filosofias de vida e outras que integram
uma sociedade pluralista, com as mais diversificadas tradições e
manifestações culturais presentes no Brasil. (FIGUEIREDO, 2005)
Os dois parágrafos contidos no art. 1º da Lei 9475/97 que destacam
a definição das responsabilidades, referentes aos conteúdos do ensino
religioso, são: ―§ 1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os
procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e
estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. §
2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do
ensino religioso". (BRASIL, 1997).
O processo de construção dos conteúdos para a disciplina de ensino
religioso deve ser feito segundo a atual LDB, por meio da autonomia,
incluindo o incentivo a participação da sociedade, especialmente da
comunidade educativa, de forma ampla, em todo projeto político-
pedagógico.
Segundo o professor Antonio Boeing (2005) para se concretizar o
Ensino Religioso destaca alguns aspectos fundamentais, tais como: as
contribuições das áreas afins, como a antropologia, psicologia, pedagogia,
sociologia, ciências da religião e teologias; a busca permanente do sentido
da vida; a superação da fragmentação das experiências e da realidade; o
pluralismo religioso; a compreensão do campo simbólico; e, a necessidade
de evitar o proselitismo.
Partindo desse contexto o Fórum Nacional Permanente do Ensino
Religioso (FONAPER) pensando na efetivação desta área do
conhecimento, definiu cinco eixos e os respectivos conteúdos: Culturas e
Tradições Religiosas - desenvolve os temas decorrentes da relação entre
cultura e tradição religiosa, tais como: a ideia Transcendente na visão
tradicional e atual; a evolução da estrutura religiosa nas organizações
humanas no decorrer dos tempos; a função política das ideologias
religiosas; e, as determinações da tradição religiosa na construção mental
do inconsciente pessoal e coletivo; Teologias - analisa as múltiplas
concepções do Transcendente, dentre os conteúdos destacam-se: a
descrição das representações do Transcendente nas tradições religiosas;
o conjunto de muitas crenças e doutrinas que orientam a vida do fiel nas
tradições religiosas; e, as possíveis respostas norteadoras do sentido da

483
FONAPER

vida: ressurreição, reencarnação, ancestralidade, nada; Textos Sagrados


e Tradições Orais - aprofunda o significado da palavra sagrada no tempo
e no espaço, com destaque para: a autoridade do discurso religioso
fundamentado na experiência mística do emissor que a transmite como
verdade do Transcendente para o povo; o conhecimento dos
acontecimentos religiosos que originaram os mitos e segredos sagrados e
a formação dos textos; a descrição do contexto sócio- político religioso
determinante para a redação final dos textos sagrados; e, a análise e a
hermenêutica atualizada dos textos sagrados; Ritos - busca o
entendimento das práticas celebrativas, por isso contempla: a descrição de
práticas religiosas significantes, elaboradas pelos diferentes grupos
religiosos; a identificação dos símbolos mais importantes de cada tradição
religiosa, comparando seu(s) significado(s); e, o estudo dos métodos
utilizados pelas diferentes tradições religiosas no relacionamento com o
Transcendente, consigo mesmo, com os outros e com o mundo; Ethos -
analisa a vivência crítica e utópica da ética humana a partir das tradições
religiosas, por isso considera: as orientações para o relacionamento com o
outro, permeado por valores; o conhecimento do conjunto de normas de
cada tradição religiosa, apresentado para os fiéis no contexto da respectiva
cultura; e, a fundamentação dos limites éticos propostos pelas várias
tradições religiosas. (Cf. FONAPER. Caderno Temático Ensino Religioso,
nº. 1, p. 31-32).
Tanto os eixos e como os conteúdos do Ensino Religioso foram
elaborados a partir da concepção de que a atuação do ser humano não se
limita às relações com o meio ambiente e as relações sociais, pois busca o
transcendente. Os eixos e conteúdos do Ensino Religioso contribuem para
que o ser humano inacabado, inquieto e aberto ao Transcendente. Já dizia
Freire:

É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a


educação como processo permanente. Mulheres e homens se
tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados.
Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a
consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É
também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos
inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a
esperança. ―Não sou esperançoso‖, disse certa vez, por pura teimosia,
mas por exigência ontológica. (FREIRE, 2003, p.58).

484
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O Ensino Religioso sempre foi desenvolvido dentro da doutrina


estabelecida pela religião católica romana deste os seus primórdios. Só na
legislação de 1997 foi que houve mudanças significativas no modo de
proceder com o Ensino Religioso.
O modelo aderido para o desenvolvimento do Ensino Religioso na
prática de sala de aula; a seleção e organização dos conteúdos; a
pedagogia utilizada e a formação dos professores que atuam nessa área
vão depender ―das condições legais, e, especialmente, da concepção que
se tenha desse componente curricular e da interpretação que se faz do
artigo 33 da LDB‖. (SENA, 2005)
Dependendo destas escolhas os modelos a serem seguidos podem
ser os seguintes: confessional- ofertado em coerência com a opção
religiosa do aluno ou do seu responsável e ministrado por professores
qualificados pelas respectivas entidades religiosas; o inter- confessional-
o ensino religioso passa a ser ministrado mediante um acordo estabelecido
entre os diversos grupos religiosos de confissões cristãs. Tem como
objetivo destacar o que é comum às diferentes Igrejas ou confissões e
respeita as características especificidade de cada uma e o conteúdo que
servira de base é fundamentado na Bíblia; supra- confessional-
ministrado nas escolas públicas, não aceita qualquer tipo de proselitismo
religioso, preconceito ou manifestação em desarmonia com o direito
individual dos alunos e de suas famílias de seguir um credo religioso ou
mesmo o de não seguir nenhum, garantindo o respeito a Deus, à
diversidade cultural e religiosa, e tomando como base princípios de
cidadania, ética, tolerância e em valores universais existentes em todas as
religiões; Disciplina curricular- nesse modelo o Ensino Religioso é visto
como área de conhecimento, a ênfase não é nas crenças ou religiões, mas
no seu objeto de estudo, o fenômeno religioso. Tem como principal
objetivo desenvolver o humanismo e o respeito às liberdades individuais e
a questão da tolerância para com os que explanam crenças diferentes a
favor da pluralidade étnica e cultural da nação brasileira.

Considerações Finais
Os resultados para as perguntas da pesquisa referentes à temática
deste artigo mostraram que existem sim alunos ateus/ateias nas escolas

485
FONAPER

envolvidas e na maioria delas não existem materiais didáticos que


abordem o tema e as questões referentes ao ateísmo.
As respostas para a pergunta: Existe algum material didático voltado
para alunos ateus\ateias na escola onde trabalha ou faz estágio? Foram as
seguintes, entre os 30 sujeitos entrevistados, 28 falaram que NÃO e
apenas 02 sujeitos falaram que SIM, que existem alunos ateus\ateias nas
escolas onde atuam.
E entre os dois que falaram SIM, foi pedido que respondessem qual
era esse material didático, as respostas foram às seguintes:
Sujeito 1 – ―Sim. O professor aborda as questões nos conteúdos‖
Sujeito 2- ―Sim. Através do processo em sala de aula. A respeito do assunto
ateísmo‖
Porém, nenhum dos 02 sujeitos que responderam SIM,
especificaram o material usado, apenas que a temática era abordada de
forma mais geral nos conteúdos das aulas.
Já para a outra pergunta, ou seja: Na turma de Ensino Religioso que
você faz estágio ou trabalha existem alunos (as) ateus/ateias? Dos 30
sujeitos entrevistados, 11 falaram que SIM; 14 falaram que NÃO e 05
afirmaram que NÃO SABEM, se existem alunos ateus\ateias nas escolas
onde atuam.
Os resultados mostram que apesar de existirem alunos ateus\ateias
nas escolas públicas da cidade de João Pessoa-PB, pouco é trabalhado
dentro de matérias didáticos mais específicos no contexto da disciplina
Ensino Religioso. Acredito que desenvolver estes materiais ajudariam a
desenvolver o respeito a esta opção não-religiosa de vida, como também
abriria espaço para que alunos com estas opções de vida se sentissem
incluídos neste contexto e pudessem refletir a cerca da diversidade do
mundo religioso.

Referências

BRANDENBURG, Laude E. A Interação Pedagógica no Ensino


Religioso. São Leopoldo RS: Sinodal, 2004.

BREMMER, J. O ateísmo na antiguidade. In: MARTIN, M. Um Mundo


sem Deus. Ensaios sobre o Ateísmo. Ed. 70, Lisboa- Portugal, 2010.

486
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


Religioso (PCNER). São Paulo: Mundo Mirim, 2009.

FONAPER. Caderno Temático Ensino Religioso, nº. 1, s/a.

OLENIKI, M. L. R.; DALDEGAN, Viviane Mayer. Encantar. Uma prática


pedagógica no Ensino Religioso. 2ª. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.

HYMAN, G. O ateísmo na história moderna. In: MARTIN, M. Um Mundo


sem Deus. Ensaios sobre o Ateísmo. Ed. 70, Lisboa- Portugal, 2010.

JODELET, D. (Org.) As representações sociais. Rio de Janeiro, Ed.UERJ,


1989.

JUNQUEIRA, Sérgio. A presença da religião nos processos educacionais.


In: HUFF, J, ARNALDO, E. e RODRIGUES, E. Experiências e
Interpretações do Sagrado: interfaces entre saberes acadêmicos e
religiosos. São Paulo: Paulinas, 2012 (Coleção ABHR, v.9)

MARTIN, M. Ateísmo e Religião. In: MARTIN, M. Um Mundo sem Deus.


Ensaios sobre o Ateísmo. Ed. 70, Lisboa- Portugal, 2010.

487
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS PARA O ENSINO
RELIGIOSO NO ENSINO MÉDIO EM SANTA CATARINA

Eliston Terci Panzenhagen - UNOCHAPECÓ1

Resumo:
Trabalho realizado no âmbito do curso Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino
Religioso - PARFOR/UNOCHAPECÓ. Objetiva estudar a possibilidade de uma proposta
metodológica para o Ensino Religioso (ER) no Ensino Médio (EM). De início, busca-se uma
compreensão introdutória do EM e seus indicadores no estado nos últimos anos, bem como
do ER enquanto área do conhecimento e componente integrante da base nacional comum.
Após, faz-se um levantamento sobre a presença do ER na matriz curricular do EM em
Santa Catarina. Posteriormente, realiza-se análise da legislação, tais como LDB 9.394/96,
CONAE-2010, PNE 2011-2020, Resolução CNE/CEB Nº 4/2010, Resolução CNE/CEB Nº
2/2012, que permitem visualizar perspectivas didático/metodológicas para o trabalho com o
ER nessa modalidade de ensino e apontam possibilidades.

Palavras-Chave: Ensino Religioso, Ensino Médio, possibilidades metodológicas.

Por uma discussão introdutória


Ao nos atermos a análise da realidade dos currículos escolares no
Brasil e de alguns de seus indicadores nas últimas décadas, ou mesmo no
último século, percebemos claramente que um grande debate faz-se
necessário, assim como, o ―chão de sala de aula‖ se apresenta como
problema de pesquisa cada vez mais intrigante e desafiador. Neste
sentido, conseguimos estabelecer uma conexão bastante intensa entre as
qualidades, os pontos críticos por assim dizer, e também as mudanças
necessárias na educação com uma questão muito simples (ou complexa)
que é o método (metodologia), ou seja, a forma pela qual conduzimos o(s)
processo(s) ensino aprendizagem, tendo ciência de que, métodos
(metodologias) derivam de uma concepção mais ampla que se desenvolve
acerca dos processos educativos e que influenciam sua prática, e também,
por sua vez, possibilitam o desenvolvimento de novas concepções.
Para Dmitruck (2012, p. 186)

1
Graduado em Filosofia – UNOESC/SC; Graduado em Ciências da Religião –
UNOCHAPECÓ/SC; Especialista em Filosofia – CELER FACULDADES/SC;
Especialista em Gestão Escolar – UFSC; Mestrando em Educação UNOCHAPECÓ/SC.
Email elistonp@unochapecó.edu.br
FONAPER

O método representa o ―caminho‖; define o ―o que fazer‖, as etapas a


serem vencidas para alcançar os objetivos propostos. As técnicas se
configuram como um conjunto de normas que orientam o ―como
fazer‖, da forma mais adequada e precisa possível. [...] Portanto,
pode-se afirmar que o método constitui um procedimento estratégico
geral que pode abranger inúmeras técnicas, isto é, procedimentos
específicos mesmo dentro das diversas etapas de um método.
(DMITRUCK, 2012, p. 186)

Compreendendo desta forma, que metodologia deriva de método,


esta nos remete a uma discussão ampla, ou seja, diante dos inúmeros
problemas pelos quais transita a educação brasileira, principalmente a
pública, percebemos que um descompasso entre políticas educacionais e
realidade educacional se desvenda, sendo que, em sua grande maioria
das discussões, a questão metodológica aparece como foco central. Digo
isto, partindo dos reclamos dos docentes, das notícias veiculadas na mídia
diariamente e da realidade cotidiana de sala de aula com que convivo e
com a qual convivem milhares de professores brasileiros bem como alunos
e famílias, uma vez que, são muitos os movimentos que envolvem novos
projetos, políticas, modelos, metodologias e porque não dizer, interesses e,
contraditoriamente, muitas vezes, raras preocupações que têm como
assunto principal a qualidade da educação brasileira; porém na realidade
concreta e prática, a maioria destes não passam de experiências isoladas,
modismos, movimentos circulares que nos dão a falsa impressão de
movimento, ou ainda, planos de governo ao invés de projetos de Estado.
Isto posto, não podemos querer insinuar e nem afirmar que a
educação pública brasileira seja um lamaçal do qual, portanto, também
fizemos parte. Muito pelo contrário, o interesse aqui é mostrar que existe e
se torna cada vez mais visível que a educação não necessita ou pelo
menos não sobrevive de falácias, de projetos e políticas que teoricamente
sejam exemplares, mas na operacionalização, na trama diária do processo
educacional que carece de investimento (de todas as ordens e esferas) de
apoio pedagógico e de uma compreensão mais qualitativa do que
quantitativa em relação à aprendizagem dos educandos, de forma que
possamos qualificar a organização metodológica do processo educativo e
da consequente construção do conhecimento e não conceber o educador
como uma espécie de marionete que esteja a serviço de ideologias
dominantes.
É sabido que a questão metodológica do trabalho pedagógico requer
fundamentação teórica, investimento em estrutura, formação e, além disto,
490
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

do estabelecimento de diversas parcerias, tanto que, o educador não é o


único responsável pelo trabalho pedagógico que desenvolve assim como a
escola não é o único espaço educativo. O trabalho pedagógico que a
escola desenvolve, bem como a metodologia do trabalho docente,
dependem de uma esfera mais ampla, emanando de determinada
concepção que se tenha de educação, do qual deriva toda a estruturação e
organização da(s) rede(s) e sistema(s) de ensino, e que, posteriormente
vão veicular determinada compreensão de mundo.
Por este motivo precisamos ao mesmo tempo em que falamos de
metodologia ou possibilidades metodológicas, falar da formação docente e
da necessária consciência crítica do educador. Esta consciência, por sua
vez, significa desenvolver a capacidade de ir além do nível individual em
que nos encontramos enquanto educadores, de compreender o contexto
que nos envolve e transpor a subjetividade particular para estabelecer,
gradativamente, uma compreensão global, de forma a perceber as
necessidades humanas, as relações em seus diferentes níveis e também
as formas pelas quais podemos transformar a partir do processo
pedagógico, pois:

Apesar de uma melhoria quantitativa ocorrida ao longo das últimas


décadas, principalmente no século XX, o sistema educacional
apresenta ainda hoje resultados que correspondem a um fraquíssimo
desempenho e alto grau de seletividade, evidenciado no ensino
fundamental a partir das altas taxas de evasão e repetência. (SANTA
CATARINA, 2006, p. 71)

Antes de prosseguir, é importante conceituar o que se compreende


por processo ensino aprendizagem, que pode ser considerado como
cenário ou palco onde se constroem ou desenvolvem os índices que neste
momento pretendemos analisar. Neste sentido, a Proposta Curricular de
Santa Catarina – Estudos Temáticos (2005, p. 5-6) contribui para
esclarecer, dizendo que:

O advento das novas tecnologias da informação e da comunicação


proporciona o repensar do processo ensino-aprendizagem. O ensino
circunscrito à sala de aula, pressupondo o domínio pelo professor de
uma determinada disciplina ou área do conhecimento, avança na
direção de um processo aberto de aprendizagem em que todos os
atores têm oportunidades quase infinitas de acessar bases de
informações e experiências que fluem de todas as partes do mundo
pela rede informatizada de comunicações. [...] A transformação dos
meios de comunicação leva necessariamente à mudança do processo

491
FONAPER

de ensino-aprendizagem. Não há como ser um bom professor, ditando


aos alunos trechos de uma apostila amarelada ou de um livro-texto
que não acompanha a dinâmica de renovação das informações que
fluem através das redes em permanente atualização. Essa mudança
atinge todos os níveis e modalidades de educação. Desde crianças,
as pessoas têm acesso a interações de alto conteúdo comunicativo.
Os jovens e as crianças de hoje são sujeitos de aprendizagem ativos e
rebeldes a uma prática pedagógica unidirecionada ao aluno. Cabe,
então, ao professor de sucesso, exercer o importante papel de líder e
facilitador do processo interativo de ensino-aprendizagem. As novas
tecnologias têm transformado todas as organizações contemporâneas,
inclusive a Escola. Por isso, torna-se necessário construir uma Escola
diferente, gerida de forma diferente e com um outro processo de
ensino-aprendizagem. O diferencial é sair do modelo autocrático,
pautado pela relação autoritária de comando e obediência, na qual um
manda e o outro obedece, um ensina e o outro aprende, para um
processo democrático de educação em que as pessoas interagem e
se comprometem de forma coletiva com os objetivos educacionais e
com a direção de futuro desejada. (SANTA CATARINA, 2005, p. 5-6)

Com base nesta compreensão de processo ensino-aprendizagem, e


ao observarmos índices que demonstram e avaliam a aprendizagem
escolar, percebemos que ainda é bastante difícil a uma escola conseguir
alcançar 50% do que é esperado pelos sistemas de ensino em termos de
avaliação, e desta forma, tem-se uma noção prévia do quanto ainda é
necessário avançar para uma reconfiguração dos processos educativos a
fim de que se alcance o sucesso do educando na escola.
Porém, também não cabe aqui culpar demasiadamente a escola por
todos os infortúnios dos quais é ou somos vítima. Sabe-se muito bem que
o rendimento escolar e a aprendizagem não são dadas ou construídas
unicamente na escola, ou como se, a escola fosse uma redoma de vidro,
dentro do qual resguardássemos nossos educandos de tudo que ele vive
ou viveria fora do contexto escolar. Neste sentido, cabe-nos compreender
como se dão as diferentes relações no contexto da escola, considerando
este como o lugar por excelência quando nos referimos a aprendizagem
sistematizada, ou seja, organizada dentro de um ritual pedagogicamente
organizado e estruturado, envolvido por diferentes espaços, tempos,
compreensões e conhecimentos, ou seja, o currículo escolar. Precisa-se
superar muito ainda e coletivamente crescer neste ambiente/espaço.
Por muito tempo, e por diversos motivos, o conhecimento científico,
por assim dizer, foi considerado como único conhecimento válido perante
os olhos dos currículos escolares e das academias. Ao mesmo tempo,
cabe lembrar que o conhecimento filosófico, o religioso, o mítico e o

492
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

conhecimento gerado pelo senso comum, foram e às vezes ainda são


considerados como inaceitáveis ou inválidos perante a ciência. Até aqui,
pouco se conseguiu tratar de assuntos filosóficos ou religiosos, por
exemplo, num viés fenomenológico nas escolas públicas brasileiras.
A ausência de disciplinas da área de ciências humanas nos
currículos escolares favorece uma prática de ensino aprendizagem que
não tenha como foco principal a contextualização, questionamento, ou
reflexão acerca da presença e da ação do ser humano enquanto produtor
e construtor do conhecimento e da sua própria realidade, com
responsabilidade. Ou seja, a construção de um ser pensante, seja em nível
de educador ou de educando, que se sinta integrante da realidade que o
compreende e responsável pela mesma, tem recebido grande contribuição
das disciplinas curriculares das ciências humanas.
Desta forma, podemos afirmar que a área de ciências humanas e
suas tecnologias, tem uma função de, na escola e na academia, propiciar
um conhecimento amplo e integrado sobre o ser humano. Com base no
que já dizia o próprio Sócrates ―Conhece-te a ti mesmo‖, vemos a escola
como um dos espaços de construção, inclusive de construção humana e
responsável do individual e do social. A análise e a reflexão de tudo que
nos cerca, é tarefa fundamental das disciplinas das áreas humanas e do
educador comprometido com sua prática. Igualmente, a presença destas
disciplinas, como já percebido em outras épocas da história brasileira,
podem caracterizar na escola uma ameaça às constantes práticas de
subordinação, opressão e desconstrução da identidade e da racionalidade
humana, seja por quaisquer dos aparelhos ideológicos que compõe a
realidade social brasileira e que buscam na escola espaço para
reprodução de verdades e ―in‖verdades cristalizadas no decorrer do tempo.
Partindo mais especificamente do Ensino Religioso, no Brasil este foi
motivo de diversos embates e discussões quanto a ser ou não componente
curricular do Ensino Fundamental e Médio. Diferentes grupos têm se
posicionado a partir de diferentes interesses e concepções de ER.
Atualmente essas concepções e interesses perduram e volta e meia vêm à
tona. Neste contexto, o FONAPER vem construindo uma concepção de ER
que, ao estudar o fenômeno religioso, aborda epistemológica e
pedagogicamente a diversidade cultural religiosa, sem proselitismo (Lei nº
9.475/97).

493
FONAPER

No entanto, muito mais do que garantir a presença do ensino


religioso na escola e o não proselitismo em sua prática de ensino, cabe-
nos discutir algumas questões fundamentais que ainda impedem um
processo de ensino aprendizagem pleno e eficiente no campo do Ensino
Religioso, de forma que o educando possa compreendê-lo enquanto
fenômeno universal e inerente à vida humana, independente de participar
ou não de uma prática confessional em suas comunidades onde vive, e
também compreender-se enquanto ser que vive, se relaciona, faz escolhas
e é responsável pelas suas opções.
Cabe-nos aqui, uma vez que se busca uma discussão acerca de uma
possibilidade metodológica do ER no ensino médio, reforçar a ideia da
escola e de educação como um espaço adequado para a discussão, o
debate, o crescimento coletivo, a proposição de novos conhecimentos e o
refutamento de outros que já não se adéquam mais ao tempo e espaço em
que vivemos. A educação e a escola, desta forma, precisam oferecer ao
educando uma possibilidade de interação, onde o sujeito cria e recria,
pensa, sugere, questiona e se afirma no mundo em que vive, de forma que
este mundo (espaço) não lhe seja hostil, ou seja, que o ser humano possa
viver num mundo pensado e construído por ele mesmo, que se percebe
detentor de direitos, deveres, responsabilidades e desafios.
Uma vez que o educador tiver uma compreensão da educação e da
escola enquanto uma oportunidade de construção e autoafirmação, este
necessariamente tratatrá com atenção o seu fazer e suas escolhas
metodológicas.
Educar para e na contemporaneidade com responsabilidade, porém,
nos traz outras tantas reflexões sejam de cunho físico, estrutural,
pedagógico, entre outros. Com base em tudo isso, podemos procurar nos
ater ao que nos enseja este trabalho, ou seja, qual a(s) possibilidade(s)
metodológica(s) do ER enquanto componente curricular para toda a
educação básica, a saber, também no ensino médio, nível de ensino em
que, na atualidade, este componente não é trabalhado em grande parte
dos estados brasileiros.

O Ensino Médio e o Ensino Religioso – Uma possibilidade!?


O Ensino Médio recebe diferentes conceituações e definições nos
diversos contextos em que se apresenta. É etapa integrante (final) da

494
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

educação básica. Segundo a Resolução Nº 4, de 13 de julho de 2010, do


Conselho Nacional de Educação, que define Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica:

Art. 21. São etapas correspondentes a diferentes momentos


constitutivos do desenvolvimento educacional: I - a Educação Infantil,
que compreende: a Creche, englobando as diferentes etapas do
desenvolvimento da criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a
Pré-Escola, com duração de 2 (dois) anos; II - o Ensino Fundamental,
obrigatório e gratuito, com duração de 9 (nove) anos, é organizado e
tratado em duas fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro)
anos finais; III - o Ensino Médio, com duração mínima de 3 (três) anos.

Se analisar de forma objetiva percebemos que o ensino médio é uma


etapa em que o educando tem idade por volta de 15 aos 18 anos, não
considerando fluxos de distorção série/idade. Subjetivamente falando,
podemos perceber esta fase da vida educacional como aquela em que o
educando tem possibilidade de sistematizar com mais facilidade e
maturidade os conhecimentos construídos. É a etapa final da educação
básica que deve, portanto, concluir o preparo deste educando para a vida
e consequentemente para o trabalho.
Para apresentar de forma breve alguns indicadores, o ensino médio
catarinense, segundo dados da Secretaria de Educação do estado de
Santa Catarina2, teve o melhor desempenho no IDEB (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica) em 2007 do Brasil e o segundo
melhor desempenho no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em
2008, considerando a média geral. Ainda cabe considerar que na rede
pública estadual de ensino de Santa Catarina, o Ensino Médio é a etapa
que mais tem percentagem de professores habilitados atuando em sala de
aula, em torno de 90% e das crianças e jovens catarinenses que
frequentam a escola, em torno de 15% estão matriculados neste nível da
Educação Básica, não considerando os matriculados na Educação de
Jovens e Adultos e a Educação Profissional.
No entanto, índices também mostram que a taxa de abandono dos
estudos no EM gira em torno de 8%, enquanto no Ensino Fundamental a
média é de 2%, e a taxa de reprovação nesta etapa (EM) é de
aproximadamente 10%. O ensino noturno, por sua vez, é o que lidera o
ranking de abandono no EM. É ainda importante frisar que cerca de 60%
2
Disponível em www.sed.sc.gov.br/secretaria/documentos/doc_download/1194-
indicadores-ideb-sc. Acessado em 23.ago.2013
495
FONAPER

dos jovens catarinenses com idades entre 15 a 17 anos estão matriculados


no EM e ainda cerca de 20% estavam matriculados no EF em 2012.
Quanto ao que demonstram estes índices, cabe-nos dizer que diante
destes e de muitos outros que juntos nos possibilitam uma compreensão
de ordem mais prática e estrutural da educação, surgem algumas políticas
públicas, conquistas legais e também se constroem e desenvolvem-se
estudos sobre novas possibilidades didático-pedagógicas/metodológicas
para minimização da distorção série/idade, da evasão escolar, repetência e
também para o sucesso do educando na escola, e ainda, para a
permanência deste na escola em jornadas escolares ampliadas e com
experiências diversificadas e diferenciadas.
Diante disto, urge discutir sobre qual o espaço e discussões os
currículos escolares tem ofertado para um processo ensino aprendizagem
que cause o necessário reencantamento da escola pública, em quaisquer
de seus níveis e etapas de aprendizagem. Temos buscado um processo
ensino aprendizagem que vá ao encontro aos anseios mais básicos do
educando enquanto ser humano, cidadão dotado de conhecimentos,
anseios, mas também de crises e necessidades? De que forma os
currículos escolares têm compreendido a formação de um ser humano
integral? Como têm sido trabalhadas as relações alteritárias na escola e
também entre as diferentes áreas do conhecimento e como estas têm
transitado e se organizado no chão da escola pública? A presença de
todas as áreas do conhecimento está garantida em todos os níveis da
Educação Básica conforme preveem as diretrizes curriculares nacionais
gerais?
Quando nos questionamos sobre questões como estas, parece-nos
que mais e mais fossos se abrem à nossa frente no campo educacional.
Um desses fossos aparece claramente quando ao mesmo tempo em que
os sistemas de ensino têm em suas metas a formação de um ser humano
integral, não ofertam e incentivam o trabalho de todas as áreas do
conhecimento em todos os níveis da Educação Básica, como no caso do
ER que não aparece no trabalho pedagógico do EM em Santa Catarina,
em nenhuma das formas ou possibilidades de organização curricular, tais
como, disciplinas, temas transversais, transdisciplinaridade,
interdisciplinaridade, eixos temáticos, entre outros.
Segundo a Resolução 04/2010 do CNE em seu Capítulo II –
Formação Básica Comum e Parte Diversificada:

496
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de


conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente,
expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras
do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no
desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e
corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da
cidadania; e nos movimentos sociais. § 1º Integram a base nacional
comum nacional: a) a Língua Portuguesa; b) a Matemática; c) o
conhecimento do mundo físico, natural, da realidade social e política,
especialmente do Brasil, incluindo-se o estudo da História e das
Culturas Afro-Brasileira e Indígena, d) a Arte, em suas diferentes
formas de expressão, incluindo-se a música; e) a Educação Física; f) o
Ensino Religioso. § 2º Tais componentes curriculares são organizados
pelos sistemas educativos, em forma de áreas de conhecimento,
disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especificidade dos
diferentes campos do conhecimento, por meio dos quais se
desenvolvem as habilidades indispensáveis ao exercício da cidadania,
em ritmo compatível com as etapas do desenvolvimento integral do
cidadão. § 3º A base nacional comum e a parte diversificada não
podem se constituir em dois blocos distintos, com disciplinas
específicas para cada uma dessas partes, mas devem ser
organicamente planejadas e geridas de tal modo que as tecnologias
de informação e comunicação perpassem transversalmente a
proposta curricular, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio,
imprimindo direção aos projetos políticos-pedagógicos.

Face ao exposto, percebemos que o ER constitui-se como área do


conhecimento e, portanto, parte integrante da base nacional comum,
considerada necessária para a formação integral do ser humano. Neste
sentido, cabe discutir amplamente sobre formação de professores,
pressupostos epistemológicos, possibilidades didático-metodológicas bem
como iniciativas para a concretização de tal realidade nas redes de ensino
nos diferentes estados em que isto ainda não é realidade concreta, de
forma que o ER no EM não seja apenas mais uma conquista legal, mas
sim, uma realidade didático/metodológica que possa contribuir para a
transformação de pessoas, realidades, contextos e situações.

Acenos Legais

Embora na história da educação catarinense possamos perceber que


o ER já tenha sido parte integrante do EM - antigo 2º grau (CARON, 2008),
o trabalho com o ER não é atualmente uma realidade no EM de SC, mas
pode se constituir como uma possibilidade através de diferentes
metodologias (além da organização disciplinar).

497
FONAPER

Segundo a LDBEN 9.394/96, art. 02 ―A educação, dever da família e


do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho‖. Já a CONAE (Conferência Nacional de Educação) 2010,
destaca a compreensão de que a ―educação é processo e prática
constituía e constituinte das relações sociais mais amplas‖ o que sinaliza
que o processo de formação se dê de forma contínua ao longo da vida, e
por isso, o documento sinaliza para algumas conquistas, tais como
inserção no Programa Nacional de Direitos Humanos da orientação para a
introdução da diversidade cultural-religiosa, políticas de desenvolvimento e
de ampliação de programas de formação para a diversidade cultural
religiosa, estudos acerca da diversidade cultural-religiosa nas licenciaturas
além da garantia de um ensino público que se paute na laicidade, sem
privilégio de rituais de determinadas religiões. (CONAE, 2010)
A Resolução Nº 4, de 13 de julho de 2010, em seu art. 11,
compreendendo que a escola é um espaço que recria e ressignifica,
propõe uma ―superação do rito escolar desde a construção do currículo até
os critérios que orientam a organização do trabalho escolar‖. A mesma
ainda afirma que

A organização do percurso formativo, aberto e contextualizado, deve


ser construída em função das peculiaridades do meio e das
características, interesses e necessidades dos educandos, incluindo
não somente os componentes centrais obrigatórios, previstos na
legislação e nas normas educacionais, mas outros, também, de modo
flexível e variável, conforme cada projeto escolar. (Art 13.)

No art. 14 a referida resolução contempla o ER como parte integrante


da base nacional comum da Educação Básica, e ainda, possibilita a
liberdade de organização destes conhecimentos nos sistemas educativos.
Além disto, prevê em seu art. 17 que 20% da carga horária anual do EM
deve ser destinada ao trabalho com projetos pedagógicos interdisciplinares
eletivos criados pela escola e escolhidos pelos estudantes.
Em relação à Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012, que define
diretrizes curriculares nacionais para o EM percebemos que a mesma
organiza este nível de ensino baseado em quatro grandes áreas do
conhecimento, entre elas as ciências humanas, o que não exclui nem dilui
componentes curriculares. Em seu art. 11, afirma que ―outros componentes

498
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

curriculares, a critério dos sistemas de ensino e das unidades escolares e


definidos em seus projetos políticos pedagógicos, podem ser incluídos no
currículo, sendo tratados como disciplinas ou em outro formato [...]‖. Em
seu título III, capítulo I, ao se referir ao PPP, esta resolução afirma que o
comportamento ético deve ser ponto de partida para o reconhecimento dos
direitos humanos e da cidadania, do respeito e do acolhimento da
identidade do outro, ainda fala da valorização e promoção dos direitos
humanos mediante temas relativos a gênero, identidade de gênero, raça e
etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros.
Diante destes acenos legais, podemos visualizar diversas possibilidades
pedagógicas e metodológicas para o trabalho com o ER e a inserção deste na
realidade curricular do EM. Percebemos uma legislação que se abre aos
poucos para a pluralidade e a valorização das diferentes áreas do
conhecimento, atribuindo grande valor ao Projeto Político Pedagógico das
unidades escolares como expressão da realidade e das vozes locais,
símbolos da manifestação da diversidade de pensamento e ação.
O que nos remete este estudo é a necessidade de constante luta.
Ainda há muitas discrepâncias em relação à oferta do ER ao que prevê
sua legislação específica no Ensino Fundamental, o que dificulta, de certo
modo, a ampliação da busca por espaço em outros níveis como, por
exemplo, o EM. Há inúmeras possibilidades, tanto na legislação como na
estruturação autônoma dos currículos escolares, sendo a autonomia desta,
muitas vezes nem reconhecida no contexto em que deveria se constituir e
se construir.
Considerando, portanto, que a formação de um ser humano integral,
o que está presente em todas as legislações, seja de forma objetiva ou
subjetiva, requer um processo educativo que compreenda o respeito à
diversidade cultural e religiosa do Brasil, os diferentes conhecimentos, e
ainda, considerando que o EM é etapa integrante da Educação Básica
onde, no entanto, o educando é capaz de sistematizar com mais eficácia
os conhecimentos construídos, não podemos apenas esperar uma garantia
na estrutura disciplinar para o ER no EM, para nos considerarmos
satisfeitos.
Porém, também não poderemos nos acomodar em concebê-lo,
perpetuamente, como uma transversalidade ―mal reconhecida‖ ou
indigesta para muitos. O ER é reconhecido enquanto área do
conhecimento e precisamos garantir, com luta cotidiana, sua

499
FONAPER

implementação e extensão para as demais etapas além do EF. É com o


trabalho e com metodologias coerentes, com connhecimento, com
iniciativas significativas que poderemos nos fundamentar para trabalhar
com o ER através da interdisciplinaridade, disciplinaridade,
transversalidade, trabalho por áreas do conhecimento, eixos temáticos,
projetos interdisciplinares, oficinas pedagógicas, e tantas outras
possibilidades que permitam fazer da educação um espaço de diálogo e
manifestação de dignidade humana.

Considerações finais
Neste trabalho buscou-se compreender que a questão metodológica
do trabalho docente é influenciada e diretamente influencia na construção
e elaboração de concepções e compreenções de mundo. Neste sentido,
buscou-se justificar a necessidade do trabalho com o ER no EM, etapa da
educação básica em que o educando desenvolve maior capacidade de
reflexão e ação. Para isto, uma vez que não se há abertura legal explícita
para o trabalho neste nível de ensino com este componente curricular,
buscou-se visualizar possibilidades e acenos legais para concretização de
lutas em prol de um ER que possa perpassar todos os níveis, desde o EF
até a conclusão do EM. Desta forma, percebeu-se que as possibilidades
existem e que, por muitas vezes, pouco conhecemos da legislação
pertinente e em função disto, não buscamos espaços e a ocupação dos
mesmos. O que se pode concluir é, dentre outros, a necessidade de
conhecimento na área, articulação docente para que o trabalho seja
possível, através de diferentes formas e possibilidades metodológicas,
numa escola democrática, autônoma e comprometida, construída com
muitas mãos, comprometida com a transformação do contexto em que se
insere e com a formação de um ser humano consciente e responsável.

Referências

BRASIL. Lei 9.475/97. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20


de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. 22 de julho de 1997. . Disponivel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9475.htm. Acesso em: 15 de
agosto de 2013.

500
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN


9.394/96. 20 de dezembro de 1996. . Disponivel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 15 de
agosto de 2013.

BRASIL. Resolução nº 2. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Ensino Médio. 30 de janeiro de 2012. . Disponivel em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com
content&view=article&id=17417&Itemid=866. Acesso: 16 de agosto de
2013.

BRASIL. Resolução nº 4. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais


para a Educação Básica. de 13 de julho de 2010. . Disponivel em:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_10.pdf. Acesso: 10 de
agosto de 2013.

CARON, Lurdes. Ensino Religioso em Santa Catarina: uma história em


busca de novos horizontes. Seminário Ensino Religioso, Gênero e
Sexualidade em Santa Catarina, 15, 16 de agosto de 2008. Disponivel em:
http://www.nigs.ufsc.br/ensinoreligioso/docs/mesas/
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CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Anais. Brasília: 2010.

DMITRUCK, Hilda (Org). Cadernos Metodológicos: diretrizes do trabalho


científico. 8. Ed. Chapecó: Argos, 2012.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação, Ciência e


Tecnologia. Proposta Curricular de Santa Catarina: Estudos Temáticos.
Florianópolis, IOESC, 2005.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação, Ciência e


Tecnologia. Modelos Diferenciados de Escolas. Florianópolis: IOESC,
2006.

501
MORTE E VIDA: DIFERENTES CONCEPÇÕES

Janete Ulrich Bachendorf (UNOCHAPECÓ)1

Marléte Arens (CELLER)2

Resumo:
A atividade de aprendizagem que ora apresentaremos objetiva compreender o conceito de
morte e vida. Refletir sobre as nossas ações e atitudes, reforçando o sentimento ético,
moral e religioso. Este artigo relata sobre atividades de aprendizagem desenvolvida, nos
Componente Curriculares de Ensino Religioso, Língua Portuguesa e Artes, em uma das
turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental, numa escola estadual do município de
Cunhataí - SC. Respeitando e considerando os saberes e as experiências dos educandos
buscou-se desenvolver através das atividades propostas conscientização do meu fazer, no
contexto social. Através desta dinâmica realizada em sala de aula, objetivamos analisar
sobre os reflexos e as possíveis consequências que poderão ser desenvolvidas através das
minhas ações e atitudes. Reconhecer a importância e a necessidade da integração do
diferente para as diferentes relações sociais.

Palavras-chaves. Morte; vida; conceito; conscientização.

Introdução
Morte, o fruto da vida!? Quando iniciamos a vida, já estamos com
nosso destino demarcado - futuro traçado. Há quem diz: ―Nascemos com
um prazo de validade‖. Neste sentido, podemos considerar que a morte
tem influência direta ou indireta na vida das pessoas. Todos nós seres
vivos somos mortais e é, portanto, notável a reação que cada ser humano
emite diante desta vivência.
Somos seres humanos, dotados de sentimentos, desejos,
necessidades, e vivemos confinados a esses sentimentos. Quem de nós que

1
Especialista em Mídias da Educação (FURG). Especialista em Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental (IDEAU). Graduada em Pedagogia com Habilitação:
Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental (UDESC). Acadêmica do Curso
de Ciências da Religião - Licenciatura em Ensino Religioso na Universidade Comunitária
Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ). Assistente de Educação na Rede Estadual de
Ensino de Santa Catarina e Professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na
Rede Municipal de Ensino de Cunhataí/SC. E-mail: janetebach@unochapeco.edu.br
2
Especialista em Língua Portuguesa (Faculdade de Ciências e Letras Plínio Augusto do
Amaral). Graduada em Letras com Habilitação em Português e Literaturas da Língua
Portuguesa (FAFI). Acadêmica do Curso de Artes Visuais - Licenciatura em Artes
(CELLER). Professora dos Anos Iniciais, Anos Finais Ensino Fundamental e Ensino
Médio na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina. E-mail:
marletearens@yahoo.com.br
FONAPER

já teve a experiência de vivenciar a perda de um ente querido, sabe a


simbologia, que isso pode representar. Sendo assim, o conhecimento da
experiência da morte é agregado em cada ser humano através de suas
próprias concepções e individualidades. Portanto, diante desta realidade é
fundamental respeitar as particularidades, aspirações, afetividades, entre
outras virtudes humanas, pois, são essas que enfatizam o sentimento
humano.
São os sentimentos, que movem o ser humano e solidificam a
estruturação da formação humana. Conforme Freire (1996, p.86): ―Ninguém
pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra‖.
Precisamos uns dos outros para interagir, relacionar, socializar, desenvolver
nossas habilidades, buscar uma compreensão sobre Deus3. Assim sendo, a
concepção de Morte e de Vida tem um significado diferenciado para cada
denominação religiosa. Assim, cada identidade religiosa busca refletir e
destacam a sua filosofia sobre Morte e Vida, influenciando deste modo,
mudanças na forma de pensar e agir de seus adeptos.
Como seres humanos, e na condição de seres humanos estamos em
constante processo de transformação. Podemos ser definidos como seres
magníficos, pois somos únicos e insubstituíveis. Um ser a ser. Na
natureza nada se perde, tudo se transforma, num contínuo ciclo de
reaproveitamento. Minha vida e minha morte estão conectadas a essa
rotatividade. Pois, somos sabedores, que alguns seres vivos, precisam ser
extintos para fornecer subsídios aos demais presentes e futuras vidas.
Parte da consciência de cada ser humano, de lutar e ou servir como
artífice de possíveis avanços em sua própria vida, principalmente em sua
comunidade. Segundo, significado da palavra religião, provém do latim
religiere, delegando a compreensão de atitude de religamento aos
fragmentos da vida, cabendo à religião oportunizar a reflexão sobre os
contextos que envolvem as dimensões da diversidade cultural existente na
humanidade.
O Ensino Religioso é parte integrante do currículo escolar brasileiro,
sendo amparado e assegurado por lei. Cada palavra descrita em seus

3
Deus (lat. Deus). Para o crente, Deus é o Ser transcendente e perfeito, criador do
Universo e, segundo os dogmas, responsável por tudo o que nele acontece
(Providência). Para o descrente, Deus é uma ilusão antropomórfica construída a partir
de uma extensão ao infinito das qualidades humanas, e cuja origem reside, segundo os
pontos de vistas, na necessidade de se ter segurança ou num estado da afetividade que
vai até a patologia. (JAPIASSÚ; MARCONDES 2008, p. 71).
504
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

decretos e leis foi efetuada através de muitas análises e debates. Neste


sentido, a disputa na formulação das leis para o Componente Curricular de
Ensino Religioso e sua aplicação perfazem a história do Ensino Religioso.
Perante essa extensão e intensidade, o Componente Curricular do Ensino
Religioso tem sua importância e uma contribuição significativa para contribuir,
não somente para o âmbito escolar, mas para a sociedade em geral.
O Ensino Religioso tem como o seu objeto de estudo o Fenômeno
Religioso, acionada ao contexto escolar a partir do relacionamento e
convívio social dos educandos. Portanto cabe, a arena escolar, analisar,
refletir, questionar e conscientizar sobre as questões polêmicas e
reverentes da nossa vida social.
Segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina: Implementação
do Ensino Religioso (2001, p. 11): ―É preciso, portanto, prover os
educandos de oportunidades de se tornarem capazes de entender os
momentos específicos das diversas culturas, cujo substrato religioso
colabora no aprofundamento para a autêntica cidadania‖. Neste
pressuposto, o desafio e a responsabilidade em muitas situações são
atribuídos à escola, que deverá ser significativo e estimulador, contribuindo
e satisfazendo às reais necessidades humanas de interesses pessoal ou
coletivo, sem caráter doutrinal ou proselitista.
Neste mesmo viés, foi ampliada numa escola estadual do município
de Cunhataí / SC, uma sucessão educativa entre os Componentes
Curriculares de Ensino Religioso, Língua Portuguesa e Artes. Na
oportunidade, a atividade de aprendizagem foi aplicada em uma das
turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental, no ano de 2013. Durante
o período de desenvolvimento das atividades foi observado e respeitado os
saberes e as experiências dos educandos. Buscou-se incrementar através
das atividades propostas a conscientização do meu fazer, no contexto
social. Através desta dinâmica realizada em sala de aula, objetivamos
analisar sobre os reflexos e as possíveis consequências que poderão ser
desenvolvidas através das minhas ações e atitudes.
O Ensino Religioso, como parte integrante da formação básica do
cidadão (Lei nº 9.394/97) e enquanto área de conhecimento da Educação
Básica (Resolução CNE/CEB nº 4/2010) tem como uma de suas
finalidades disponibilizar o conhecimento e assegurar o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo.

505
FONAPER

SER HUMANO: Ser para a Morte X Ser para a Vida


O ser humano é um ser de relações. Desde os tempos imemoriais o
homem demonstra em suas ações e atitudes em relação ao sentimento de
morte e vida. Nesta dimensão, a morte e vida simboliza a dimensão da
realidade, o limite de existência. A Proposta Curricular de Santa Catarina:
Implementação do Ensino Religioso (2001, p. 11) afirma: ―O ser humano
impactado e movido por esse sentimento centraliza seu viver, sua
realidade factual, nestas experiências, fontes para ele de uma realidade
absoluta e de emergência existencial‖. Logo, diante desta afirmativa acima
citada, podemos mencionar que o ser humano é caracterizado por seus
ideais. Assim sendo, impactar e mover induzem os sentimentos humanos,
que por sua vez, embelezam e caracteriza a nossa existência.
Neste cenário de alternativas, entre riscos e oportunidades, a morte e
vida caracterizam os limites e as possibilidades humanas. Conforme a
frase Sêneca, citada no site4: ―Nisto erramos: em ver a morte à nossa
frente, como um acontecimento futuro, enquanto grande parte dela já ficou
para trás. Cada hora do nosso passado pertence à morte‖. Tão logo, a
morte poderá ser representada por múltiplas distinções, revelam-nos os
limites, o de não ter mais. É uma realidade irreversível para a vida
humana. Desde outrora, até a nossa atualidade, buscamos uma tentativa
de justificar o fenômeno da morte.
A morte move com a estrutura humana, com a humanidade, e até o
momento nenhuma descoberta científica é capaz de livrarmos da morte.
Portanto, é preciso lembrar que nossa vida é um projeto frágil e provisório.
A morte não escolhe idade e nem poupa ninguém, é preciso reconhecer
que apesar de todo o avanço tecnológico e da própria medicina, como por
exemplo, todas as possibilidades de transplante, manipulação genética a
morte física continua sendo uma incógnita uma realidade presente de
nossa vida.
Os planos de vida são talvez a maior inspiração para lutarmos, no
sentido de recuperar ou retardar a morte, o mais que se possa. Segundo a
letra da música Epitáfio do Grupo Titãs, de Composição de Sérgio Britto
contribui dizendo:

4
http://pensador.uol.com.br/seneca_morte/ Acessado em 01/08/2013.

506
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Devia ter amado mais, ter chorado mais


Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração [...]

Traz uma mensagem de reflexão sobre o nosso dia a dia. E ainda


prosseguindo, com a letra da mesma música e autoria, segue
descrevendo:

[...] O acaso vai me proteger


Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos, trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos com problemas pequenos
Ter morrido de amor [...]

Outrossim, faz parte do viver, o morrer e do morrer viver. A


interpretação sobre a morte depende do olhar ou da criatividade de cada
ser humano. Neste contexto, para mim, a morte representa um significado
especial hoje, mas amanhã poderá ser interpretado com outra dimensão.
De qualquer forma, a morte não tem volta. A morte pode ser
caracterizada como o fim, o término, representa aquilo que não temos
mais, o nosso passado como por exemplo. Neste contexto, a morte pode
ser considerada como a nossa cara metade, nós vivemos com ela e por
ela, e muitas vezes não nos damos conta disto, pois são várias as
situações que a morte poderá se apresentar.
Diante desta complexidade, na qual, sobre a morte física, muitas
vezes ouvimos as pessoas de nossas relações, ou da sociedade afirmar
que a morte é a única certeza que realmente temos!. A morte é radical,
não deixa lacunas, para indagações. É uma experiência pela qual
devemos estar preparados, pois, para morrer, basta estar vivo.
O grande segredo da morte, só a nós será revelado, quando chegar
a nossa vez. A família, amigos, instituição escolar e/ou religiosa poderão
contribuir no intuito de conformar sobre as reflexões sobre a morte.
O homem não é somente produto do meio social onde se encontra
inserido, nem resultado dos ensinamentos transmitidos pela família ou
escola. O ser humano é um ser complexo, inacabado, em constante
507
FONAPER

processo de construção e desenvolvimento de nossa aprendizagem. A


aprendizagem é constituída ao longo da vida do ser humano, sendo
assimilado em todas as etapas e fases da vida do ser humano. A
aprendizagem além de ser um processo em constante construção é
efetivada nos ambiente que possibilitam a comunicação, interação,
envolvimento, participação e contribuição entre os envolvidos.
Os recursos didáticos tecnológicos são significativas estratégias para
assimilação, construção e socialização de conhecimentos. Reconhecer as
tecnologias como sendo ferramentas de aprendizagem, faz-se necessário
investir e tornar um referencial teórico, permitindo a modernização do
ensino nas escolas.
Todos nós fazemos parte e somos os agentes desta transformação,
ou melhor, somos nós os responsáveis por todas as conquistas obtidas. É
a função de cada um de nós, procurar uma solução, alternativa, que visam
superar esses obstáculos. Pois, em nossa atualidade, vivenciamos uma
sociedade que promove um direcionamento cada vez maior e desafiador,
na qual necessariamente enfrentamos e adaptamos as novas realidades.
A escola tem como função preparar os jovens para a vida social e de
formá-los criticamente aos meios para os quais eles se destinassem. ―A
educação como práxis mediadora no processo de
conservação/transformação de um modo de ver/fazer o mundo, o
conhecimento, o homem, a sociedade‖. (SANTA CATARINA, 1998, p.51).
Portanto, o educador deve transmitir além dos conhecimentos, as
convicções, estando atento, auxiliando ao seu esforço de não perder seu
senso autocrítico.
A educação se constitui em meio a relações de poder e de conflitos
onde não se podem incluir hábitos conservadores, cultivar tendências
conservadoras resignadas, mas pode fortalecer as disposições para
criticar, estimular o inconformismo e a inquietação, e incentivando o
desenvolvimento da capacidade questionadora.
Nos ambientes onde estamos inseridos o SER HUMANO: SER
PARA MORTE X SER PARA A VIDA está em um contínuo processo de
transformação e na condição de educadores somos os principais
responsáveis pelo processo de construção e socialização do
conhecimento, diante disto, devemos ter nossos objetivos bem claros e
definidos. Todos nós fazemos parte e somos os agentes da
transformação. A aventura de morrer ou viver está em nossas mãos.

508
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O passado, não existe mais, não há como modificar, portanto, está


morto. Mesmo permanecendo vivo em nossa memória. Só somos ―donos‖
do presente, do agora. E o futuro, desconhecemos, é incerto, talvez nem
obtenhamos e diante do futuro nada podemos fazer. Para Morin (2005 p.
65): ―A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar
a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar
cidadão‖. Somos educadores os responsáveis pela formação humana, pelo
processo de desenvolvimento do ensino e aprendizagem.

Relato da Atividade de Aprendizagem


As práticas educativas não devem ser entendidas como isoladas de
outras práticas sociais, elas são sempre partes de um todo com o qual se
integram na consecução de um fim comum. O sistema educativo é um
produto histórico, e só através da análise histórica se pode entender e
explicar por que, em cada momento, em cada sociedade a cada tipo de
regularizador de educação, que se expressa em tendências, formas,
padrões que impõem sobre os indivíduos e que são solidários e coerentes
com o conjunto de atividades e instituições da sociedade.
Considero relevante considerar que

As atividades de aprendizagem não ocorrem espontaneamente. Não é


possível pensar um processo de aprendizagem baseado que vão
surgindo, uma após outra, de acordo com os interesses manifestados
pelos alunos. O professor é responsável pela elaboração das
atividades e pela sua condução. Isso implica selecionar e
problematizar temáticas, apontar finalidades e criar motivos para os
alunos quererem abordar as temáticas escolhidas. Implica, ainda,
conduzir o processo de abstração/ concreção/ abstração, numa
perspectiva de apropriação/ elaboração de conceitos científicos. É
importante lembrar que essas atividades, para se constituírem em
atividade de aprendizagem, precisam despertar nos alunos a
vontade de realiza-las. Do ponto de vista do professor, serão sempre
apenas atividades de ensino. (SANTA CATARINA 2000, p. 23)

A presente atividade de aprendizagem aqui abordada foi


desenvolvida numa escola estadual do município de Cunhataí/SC. Essa
prática pedagógica foi desenvolvida nos Componentes Curriculares de
Ensino Religioso, Língua Portuguesa e Artes, com a turma da 8ª Série -
Anos Finais do Ensino Fundamental. Para desenvolver a atividade de
aprendizagem, foi utilizado o ambiente da escolar e o ambiente familiar do
educando. Tão logo essa atividade de aprendizagem foi planejada e
509
FONAPER

desenvolvida pela Professora Marléte Arens e pela Professora e Assistente


de Educação Janete Ulrich Bachendorf.
A atividade de aprendizagem desenvolvida proporcionou uma
reflexão acerca de nossa existência. Somos seres imperfeitos, e estamos
em constante busca de nossa perfeição, o absoluto. Assim sendo, lutamos
pela nossa plenitude, pela nossa satisfação e somos sabedores que nossa
existência é passageira. Através do tema ―Morte X Vida: Diferentes
concepções‖, procuramos analisar os reflexos e as possíveis
consequências que poderão ser desenvolvidas através das ações e
atitudes humanas de cada um. Para isso, nomeamos como objetivos
específicos: reconhecer a importância e a necessidade da integração do
diferente para as diferentes relações sociais.
A presente atividade de aprendizagem foi realizada no espaço
escolar e mais um período indeterminado para realização das atividades
extraclasses. No primeiro momento, realizado na sala escolar, e com
objetivo de introduzir a proposta do tema, foi efetivada uma conversa
informal, sobre o objetivo da atividade e do trabalho abordado com os
alunos da turma elegida.
Na sequência, convidamos os alunos para ir, na sala de Tecnologias
para assistir o filme entitulado: Morte e Vida Severina: em desenho
animado5. Após, as falas de interpretação, questionamentos, análises e
comentários, entre alunos e professores. E como atividade extraclasse, as
professoras sugeriram para os alunos pensar, refletir e rascunhar numa
folha a mensagem que o filme trouxe para sua vida.
Dando continuidade à atividade da aprendizagem, a Professora
Marléte citou para os alunos em sala de aula: ―A morte é vista como fim de
tudo. Porém, em vida, nos deparamos com inúmeras formas de morte:
morte da dignidade, dos direitos humanos, da ética, do respeito, da
solidariedade, da esperança, da autoajuda‖! A partir deste comentário,
propomos aos alunos representar através de palavras, textos e desenho
como a morte é encarada por eles. Inicialmente oferecemos uma folha
sulfite A4, a qual foi aconselhada dobrar ao meio, unindo assim, as bases
mais compridas. Assim sendo, rente à dobradura realizada,
recomendamos e mostramos para os alunos escrever com letra cursiva e
grande seu nome. Posteriormente, ainda com a folha dobrada, foi sugerido
realizar o recorte do seu nome, ou seja, a parte lateral e central, porém,
5
Morte e Vida Severina: em desenho animado (70 min). DVD TVescola vol.5.
510
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

com o cuidado de não romper com os limites da folha. Após dos recortes,
foi sugerido aos alunos escolher uma cor entre as cores disponibilizadas
dos papéis dupla face. Em seguida, foi recomendado para recortar esse
papel no tamanho aproximado de 24 centímetros de largura por 33
centímetros de comprimento, e solicitado para cada aluno permanecer com
três pedaços de papel com essas medidas. Continuando, foi aconselhado
aos alunos colar, cada pedaço do recorte do nome em cima, no centro, de
um dos papeis recortados e assim prosseguir com as demais partes do
nome.
Assim sendo, e continuando com a atividade de aprendizagem, as
professoras indicaram que cada aluno utilizasse a folha onde consta seu
nome e descrevesse sobre sua concepção de morte. Que sentido a morte
tem para mim?
Após o texto, as professoras recomendaram que se realizasse em
forma de desenho, partindo do ―miolo do nome‖, como se fosse o centro do
seu eu, ou seja, ―a sua coluna vertebral‖, ―o seu cérebro‖, cada um produziu
um desenho retratando um pouco de sua existência. E como atividade
extraclasse, ficou combinado que na outra colagem os alunos elegeriam
palavras, ou frases curtas que transmitiram o seu significado de morte.
No intuito de promover a socialização desta atividade de trabalho
para a comunidade escolar, a presente atividade de aprendizagem foi
exposta numa mesa, localizada no palco da área coberta da unidade
escolar, local visível a todos que circulam no ambiente escolar.

Avaliação da Atividade de Aprendizagem


Avaliar é uma tarefa a mais no cotidiano das pessoas. Toda a
existência do homem é pautada pela necessidade de uma reflexão sobre
seus atos, sejam estes bons ou maus. Situando a escola nesse contexto,
não se poderia negar a necessidade de sua avaliação, já que ela está
situada no seu dia-a-dia.
Assim sendo, a atividade de aprendizagem, desenvolvida neste
artigo, proporcionou uma reflexão acerca de nossa existência. Perante
essa atividade de aprendizagem, a atividade foi encarada, a primeiro
momento como não muito legal. Porém, com mais explicações e
comentários, teve boa aceitação. Todos realizaram com ânimo. Serviu

511
FONAPER

para cada aluno se conhecer um pouco mais e perceber quais são suas
fraquezas em relação a si, o seu ser.
Crescentes são os estudos sobre o tema e analisando historicamente
a avaliação, percebe-se que a mesma desempenhou papéis diferentes ao
longo dos tempos, os quais estiveram em consonância com aspectos
sociais, políticos e econômicos de cada etapa de desenvolvimento da
educação como atividade institucionalizada, assim conferindo-lhe novas
modalidades de definição e articulação de objetivos, conteúdos, métodos e
resultados para garantir o desenvolvimento continuado do processo de
ensino e aprendizagem.
Assim, percebemos que num primeiro momento a avaliação aparece
no processo de ensino e aprendizagem. A avaliação ocorre em todos os
momentos, servindo para retroalimentar o processo, não assumindo, um
caráter classificatório.
A avaliação é um processo contínuo; será promovida através da
contribuição, participação, organização, compromisso e comprometimento
do educando quanto à realização e entrega de atividades e atitudes
realizadas no ambiente escolar e social.

Considerações finais
A temática da atividade de aprendizagem ―Morte e Vida‖ objetivou
compreender o conceito de morte e vida. Refletir sobre as nossas ações e
atitudes, reforçando o sentimento ético, moral e religioso.
Esta atividade proporcionou um conhecimento maior dos alunos,
seus conceitos e atitudes perante a morte. Foi um momento de reflexão
acerca do ―meu eu‖. Quem sou? O que faço aqui? Para onde vou? E o
destino... existe? Quem traça os caminhos que devo trilhar? Existe um ―ser
superior‖ que estabelece minhas ações, induz as atitudes, indica o
caminho a seguir e determina o exato momento de deixar o meu espaço
que será ocupado por outro?
Morte: Fim ou começo?
Morte: Não somente o fim da carne, mas o fim dos valores?
Morte: Fim de tudo..., do eu carne, do eu ser, do eu mistério, do eu
direitos, do eu fé, do eu vida.
Neste sentido, o Componente Curricular de Ensino Religioso,
juntamente com os demais Componentes Curriculares têm muito a

512
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

contribuir, no sentido de esclarecer e conscientizar os alunos a repensar o


sentido da Morte e da Vida, assegurando o acesso ao conhecimento sobre
as diferentes perspectivas construídas nas culturas e tradições religiosas
ao longo da história da humanidade, presentes até os dias atuais.
Respeitar as concepções que cada um possui e buscar refletir sobre o meu
e o seu agir e pensar sobre essa questão um tanto polêmica.
Considerando o trabalho abordado, a partir da temática apresentada
nesta atividade de aprendizagem, conclui-se que este trabalho contribuiu
significativamente para a vida de cada um destes alunos que participaram
desta prática pedagógica. Cabe ao professor proporcionar ao aluno
oportunidades para analisar e refletir as questões do nosso dia-a-dia, do
nosso ser, dos quais estamos inseridos.
A educação deve ser a forma de conferir ao cidadão o gosto pela
vida em coletividade de criar o costume de agir em comunhão. O papel da
instituição familiar na educação ocupa espaço reduzido. Apesar de a
estrutura familiar ter um lugar privilegiado nas primeiras aprendizagens é a
instituição escolar que apresenta um interesse especial, por sua atuação
na coletividade, ou seja, na sua posição privilegiada na tarefa de
socialização e construção de conhecimentos.

Referências

BRITTO. Sérgio: Epitáfio. In: http://letras.mus.br/titas/48968/. Acessado


em 01/08/2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 165 p.

JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de


Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2008. 309 p.

MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o


pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 128 p.

SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto.


Currículo: ensino religioso. Florianópolis: SED, 2001. 60 p.

SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto:


Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino

513
FONAPER

Fundamental e Médio: Formação de docente para a educação infantil e


séries iniciais. Florianópolis: GOGEN, 1998. 160 p.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto.


Tempo de aprender: subsídios para as classes de aceleração de
aprendizagem nível 3 e para toda a escola. Florianópolis: DIEF. 2000. 72
p.

SÊNECA. In: http://pensador.uol.com.br/seneca_morte/ Acessado em


01/08/2013.

514
O ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR:
UM DESAFIO DIÁRIO

Janete Ulrich Bachendorf (UNOCHAPECÓ)1

Resumo:
Ensino Religioso: A educação escolar é compreendida como sendo uma prática social que
visa desenvolver a formação humana, bem como a conscientização para o exercício da
cidadania. Conforme consta na publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Religioso - PCNER (2009, p. 44): educação escolar como sendo um processo da
própria formação global do ser humano nos diversos níveis de conhecimentos, inclusive o
religioso. A educação escolar, assim como, o Componente Curricular de Ensino Religioso
têm muito a contribuir, pois, é uma das funções da comunidade escolar promover
oportunidades e acesso ao conhecimento, especialmente, no que se refere nas questões
de diversidade cultural e religiosa. É nesta dimensão, que o papel do profissional de
educação torna-se indispensável, além de proporcionar a diversidade das práticas
pedagógicas, desenvolver a mediação do processo de ensino e aprendizagem.
Fundamentado neste viés, venho socializar minha prática pedagógica desenvolvida nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em uma das escolas municipais do munícipio de
Cunhataí - SC.

Palavras-chave: Ensino Religioso; educação escolar; diversidade; aprendizagem.

Introdução
O componente curricular do Ensino Religioso no contexto escolar
visa destacar a sua importância, na formação básica do cidadão. Com a
finalidade de manter e garantir o Ensino Religioso nas escolas públicas de
Ensino Fundamental, esse componente curricular é assegurado por lei.
Essa disciplina escolar tem por propósito desenvolver o saber religioso,
sem proselitismo, fomentado o exercício da cidadania. Nesta dimensão, a
Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997, no art. 33 narra:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da


formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais

1
Especialista em Mídias da Educação (FURG). Especialista em Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental (IDEAU). Graduada em Pedagogia com Habilitação:
Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental (UDESC). Acadêmica do Curso
de Ciências da Religião - Licenciatura em Ensino Religioso na Universidade Comunitária
Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ). Assistente de Educação na Rede Estadual de
Ensino de Santa Catarina e Professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na
Rede Municipal de Ensino de Cunhataí/SC. E-mail: janetebach@unochapeco.edu.br
FONAPER

das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à


diversidade cultural religiosa no Brasil, vedadas quaisquer forma de
proselitismo.

Cabe ao Componente Curricular do Ensino Religioso ressaltar as


concepções de aprendizagem favorecendo o desenvolvimento intelectual
humano. Sendo assim, é de nossa responsabilidade respeitar a
diversidade religiosa. Conforme Oleniki e Daldegam (2003, p. 38), ―[...] a
ação do professor precisa ser de abertura com as múltiplas diversidades,
para encontrar elementos necessários que promovam a interação, a
releitura, o diálogo criativo e respeitoso entre os diferentes.‖ Outrora
tínhamos um ensino religioso voltado à doutrinação, hoje temos um ensino
religioso obrigado a abrir horizontes, discutir em paradigmas nacionais e
até mesmo internacionais. Tomar decisões, frente à educação escolar.
A Proposta Curricular de Santa Catarina: Implementação do Ensino
Religioso (2001, p. 11-12) relata que

A educação escolar, como um processo de desenvolvimento global da


consciência e da comunicação entre educador e educando, dentro de
uma visão de totalidade, é de competência da escola incluir, os vários
níveis de conhecimento: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o racional e
o religioso.

É função da comunidade escolar, ampliar os conhecimentos, a


promover reflexos quanto ao respeito às questões da diversidade cultural e
religiosa. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso
(2009, p.46) descreve o seguinte: ―Ensino Religioso, valorizando o
pluralismo e a diversidade cultural presente na sociedade brasileira, facilita
a compreensão das formas que exprimem o Transcendente na superação
da finitude humana e que determinam subjacentemente, o processo
histórico da humanidade.‖ Assegurar aos educandos a possibilidade de
estudar o fenômeno religioso é um dos principais objetivos do Componente
Curricular do Ensino Religioso.

Educação
A educação representa um fenômeno social, uma prática exercida,
um fazer social. A própria sociedade modela instituindo códigos de
linguagem, valores, diferenciando assim o que pode e o que não pode, o

516
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

certo e o errado, o bom e o ruim, entre outros atributos nas relações


humanas.
A educação reflete como uma arte difícil, a ser transmitida. É através
do processo de educação, que o ser humano é preparado para exercer o
exercício da vida e cidadania. Assim, constrói-se a base fundamental,
responsável pela constituição da personalidade do ser humano, enquanto
formação humana.
Para Morin, (2005, p. 65): ―A educação deve contribuir para a
autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a
viver) e ensinar como se torna um cidadão‖. Portanto, quanto menor o
educando, maior deverá ser o educador. Pois, a constituição da personalidade
e do conhecimento humano é iniciada a partir dos referenciais vivenciados.
Nesta perspectiva, a conduta humana é refletida nos meios onde estamos
inseridos e devemos considerar que faz parte, da nossa condição humana,
inovar e transformar. Inovar e transformar o eu, a minha concepção e
consequentemente o ambiente onde estamos inseridos.
Segundo o patrono2 da educação brasileira, Paulo Freire (1987, p.72)
afirma: ―O homem como um ser incluso, consciente de sua inclusão, e seu
permanente movimento de busca do ser mais.‖ Neste sentido, compreendo
que a busca do ser mais, é promover a inclusão da diversidade social,
valorizando as identidades culturais de cada sociedade ou grupo social.
Sendo assim, no intuito de dar atributos e apresentar derivações do próprio
conceito de inclusão o Componente Curricular de Ensino Religioso tem
muito a contribuir.
Nesta perspectiva, a Proposta Curricular de Santa Catarina:
Implementação do Ensino Religioso (2001, p. 09) proporciona:

[...] na educação escolar, oportunidade para que o educando descubra


o sentido mais profundo da existência; encontre caminhos e objetivos
adequados para a sua realização; e valores que lhe norteiem o sentido
pleno da própria vida, conferindo-lhe especial dignidade como ser
humano e respeito por si mesmo, pelos outros e pela natureza.

De acordo, com o que se apresenta na citação acima, exige-se um


profissional que corresponda com as necessidades de direcionar os
educandos, além de respeitar a pluralidade cultural e religiosa.

2 o
Art. 1 da Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012.
517
FONAPER

Para o educador Freire (1987, p.68): ―Ninguém educa ninguém,


ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados
pelo mundo.‖ Neste contexto, ateus e crentes, religiosos e não religiosos,
enfim, todos nós, aprendemos e somos aprendizes.
Tão logo, Pozzer (2007, p. 241) assegura: ―O ambiente escolar é o
local onde se encontram todas as diferenças possíveis.‖ Cada educando, é
portador de um conhecimento, sua denominação religiosa está presente no
aluno. Cabe à Unidade Escolar acolher esse aluno em sua totalidade e não
caracterizar como sendo mais um, a ser acolhido. Evidenciando, a
complexidade do professor Oleniki e Daldegam (2003, p. 39) afirmam: ―é
na prática pedagógica do professor que o educando encontra referenciais
para descobrir ou redescobrir as possibilidades de construir saberes que
viabilizam a cultura do respeito e a sustentabilidade da vida sem
preconceitos, exclusão, discriminação.‖ Somos seres humanos, em
constante processo de assimilação de conhecimentos. Cada um de nós,
expressa a sua concepção de divindade.
Assim, a autora Fioreze (2004, p.12) expõe

O Ensino Religioso educa para a vivência da religiosidade pessoal de


uma religião vivida em comunidade, reforçando a opção livre de cada
educando. Seu papel é de entusiasmar o ser humano na vivencia dos
valores universais, da vida, acima de qualquer filosofia, ideologia e
racionalidade, querendo o bem para si e para seus semelhantes. O
ser humano é crente por natureza. A crença e a vivencia da fé são
―inatas‖, são os pontos de partida inevitáveis na vida e na caminhada
da pessoa neste mundo.

Porém, o componente curricular de ensino religioso, visa uma


educação integral do ser humano. Nesse sentido, diante de todo aparato
tecnológico3, disponíveis em nossos lares, escolas, departamentos
públicos e sociais, enfim, difundidos pela comunidade onde estamos
inseridos, proporciona uma aproximação entre o processo de socialização
de informações entre as pessoas.

3
Aparatos tecnológicos: Televisor; rádio; telefone; jornal; revista; internet; livros; aviões;
automóveis; entre tantos outros recursos para comunicação, informação e locomoção,
objetivando a comunicação humana.
518
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Educação Escolar
Por educação escolar, cabe lembrar que o FONAPER (2009, p. 44)
tem citado que ela ―tem possibilitado historicamente o acesso ao
conhecimento produzido pela humanidade e ao mesmo tempo o
desenvolvimento do indivíduo enquanto pessoa, através de valores e
atitudes‖. É nas instituições de ensino, que a conscientização deve ser
incentivada. ―O objetivo de todo o educador, inclusive religioso, é tornar a
vida, mais humana à pessoa, à família, aos grupos e às comunidades‖
(CATÃO 2000, p.24). Neste sentido, todos nós temos a contribuir. Pois, o
processo de formação humana, não é função exclusiva da dimensão
escolar, mas sim, de todos nós, enfim, de todos os membros da
comunidade/sociedade.
Assim sendo, o FONAPER (2009, p. 44), entende que a educação
escolar é como: ―um processo de formação global da consciência e da
comunicação entre educador e educando, à escola compete integrar, dentro
de uma visão de totalidade, os vários níveis de conhecimentos: o sensorial, o
intuitivo, o afetivo, o racional e o religioso‖. O design da educação escolar
deve assumir um papel fundamental, juntamente com as tradições religiosas
de diferentes perspectivas, as quais têm muito a contribuir.
Neste viés, na Proposta Curricular de Santa Catarina (2001, p. 20)
afirma-se que ―Parte sempre do convívio social dos educandos, para que
se respeite a tradição religiosa que já trazem de suas famílias e se
salvaguarde a expressão religiosa de cada um‖. A religiosidade está
presente na vida de todos nós, podemos até dizer que ela está presente na
vida dos seres humanos desde, dos tempos imemoriais, ou seja, anterior
às civilizações. É através do processo educacional, que se constitui a
consciência humana. Para Vasconcelos (2010, p. 70), ―Muitas são as
formas de definir religião, porém todas remetem à ideia de encontrar com o
sagrado, dando sentido à vida‖. Pois, a vida é passageira, e como sendo
passageira, representa uma conquista a ser constantemente efetivada, por
cada um de nós. ―A busca do conhecimento é um processo constante na
incompletude de aprender, gerador de angústia‖, frisa a Proposta
Curricular de Santa Catarina (1998, p.51). Neste sentido, o ser humano
busca conhecimentos para superar as suas dificuldades e as limitações a
serem enfrentadas diariamente em seu cotidiano, e assim,
consequentemente, promove o progresso e desenvolvimento humano.

519
FONAPER

Diante das possibilidades inovadoras do ser humano, Costa (2001,


4
p.5) , nos convida para uma reflexão sobre seus questionamentos:
―Haveria algum referencial empírico que respondesse a existência do
divino?‖ Faz parte da natureza humana refletir, questionar e modificar os
nossos conceitos. Nós seres humanos, somos o que somos, porque
somos frutos da transformação. Vivemos questionando, refletindo e
suprindo de acordo com as nossas necessidades.
Nesta perspectiva, Alves (1994, p.77) afirma

De vez em quando alguém me pergunta se eu acredito em Deus. E eu


fico mudo, sem dar resposta, porque qualquer resposta que desse
seria mal entendida. O problema está nesse verbo simples, cujo
sentido todo mundo pensa entender: acreditar. Mesmo sem estar
vendo, eu acredito que existe uma montanha chamada Himalaia, e
acredito na estrela Alfa Centauro, e acredito que dentro do armário há
uma réstia de cebolas... Se eu respondesse à pergunta dizendo que
acredito em Deus, eu o estaria colocando no mesmo rol em que estão
a montanha, a estrela, a cebola, uma coisa entre outras, não
importando que seja a maior de todas.

Nesta perspectiva, é na integração social que aprendemos e somos


mediados em acordo com as palavras da Proposta Curricular de Santa
Catarina (1998, p.51): ―Os homens só se humanizam através das relações
sociais, daí a importância de estudar, analisar e refletir sobre estas relações‖.
Pois, é na família, na escola, nas denominações religiosas, nos grupos de
amigos, a televisão, a internet, são alguns exemplos, que poderão transmitir
conhecimentos e induzem a estímulos a ser seguidos. Em consonância com a
Proposta Curricular de Santa Catarina (2001 p.8-9):

Nesta compreensão, a disciplina de Ensino Religioso se aproxima da


concepção de religião a partir de um dos seus significados na
etimologia latina de releger que pode significar ―retomar, reler, tornar a
percorrer‖. A releitura do fenômeno religioso a partir do convívio social
dos educando, constitui objeto desta área de conhecimentos, na
diversidade cultural religiosa do Brasil, sem priorizar uma ou outra
expressão religiosa.

Para o ser humano, o convívio social é fundamental para o seu


desenvolvimento, e consequentemente o desenvolvimento da sociedade
onde se encontra inserido. A tecnologia avança, ao ser humano é
oferecido o desafio de permanecer em processo de ampliação de sua
4
http://seer.bce.unb.br/index.php/emtempos/article/viewFile/6751/5452. Acessado
em 07/01/2013.
520
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

humanização. Logo, o papel da educação, em especial do ensino religioso


é fazer a (re)ligação entre os diversos saberes. A realização da (re) leitura
da atualidade requer disponibilidade, esforço e dedicação do ser humano.
É por meio desta turbulência da era tecnológica, Schiavo (2008, p.73)
descreve que

O pluralismo religioso leva, portanto, à reativação de cada pretensão


de validade universal. A crise de hoje é de pluralismo, não de valores,
pois o pluralismo religioso é um desafio que abrange a todos,
especialmente as culturas e religiões mais institucionalizadas e com
abrangência universal. O diálogo depende do reconhecimento do valor
da diversidade, em que cada qual é ―outro‖ de alguém, e por isso
mesmo sua história é parte de nossa. A identidade não está sujeito,
mas no processo permanente relação com o diverso, diferente, o
―outro‖, só a aquisição da cultura da diferença, na afirmação da própria
identidade, poderá levar a um sadio pluralismo religioso.

É evidente que as mudanças sociais, culturais, religiosas e


educacionais, com o decorrer dos tempos provocam reações. Marilena
Chaui (2010, p. 183), em seu livro ―Filosofia‖ cita algumas críticas à
religião. Motivo que talvez impulsionou a origem e ou ramificações entre as
religiões. No entanto, atualmente nossas dificuldades são diferenciadas,
mas, não deixa de ter mais ou menos importância de que as barreiras que
se enfrentou outrora. No tempo atual, diante de uma situação cultural,
Schiavo (2008, p.74) aborda sobre alguns empecilhos que a era da
globalização cultural, aponta para o futuro da religião, numa sociedade
global.

Neste grande ―bojo cultural‖, o multiculturalismo é um conceito que na


sua origem carrega o sonho romântico de uma humanidade unificada,
na superação das diferenças culturais. Por isso, este conceito se
refere, politicamente, ao reconhecimento das minorias, como solução
aparente de governabilidade política. Do pluralismo cultural, fruto do
multiculturalismo, surge o interculturalismo, o encontro entre pessoas
e de culturas. Interculturalismo tem a ver com o equilíbrio entre
igualdades e diferenças, sendo de primária importância o
reconhecimento da diferença. De fato, é próprio da tendência
homogeneizante gerar conflitos e reações marcadas pelos
etnocentrismos, fundamentalismos e integralismos.

De maneira geral, não podemos negar os rumos dos parâmetros


tecnológicos, o desafio é analisar e desrolhar as situações que provocam o
enredo. A sociedade em geral, mais do que nunca requer competência,
comprometimento, participação de seus cidadãos, viabilizando alternativas

521
FONAPER

que supera os impasses contemporâneos. E quanto às religiões, como


sendo parte integrante desta sociedade, investindo em recursos que
satisfazem as necessidades locais.

Ensino Religioso
Segundo a autora Costa (2011, p.7): ―No âmbito religioso, nosso
conhecimento de Deus é dado por meio de parábolas. O crente se apega a
fonte de suas parábolas e lhe dá uma certa direção que o leva para fora da
experiência comum‖. Somamos conhecimentos, sabedorias, crenças,
mitos, enfim a educação é um processo amplo, gradual e progressivo.
Devemos promover uma educação coletiva, em comunhão, pois
ninguém é melhor ou pior, só temos conhecimentos diferenciados.
Tomando as palavras de Alves (1994, p. 61) quando afirma que: ―Qualquer
que seja o nosso canto, o Sol brilhará da mesma forma...‖, sejamos judeus,
cristão, islâmicos, ou ainda de qualquer outra denominação religiosa,
somos importantes, porque, somos peças raras, únicas e valiosas.
Vivemos no mundo, com esse intuito, o de ser diferente, e é através das
diferenças que se constrói o verdadeiro conhecimento.
Maria Fioreze (2002, p.13) afirma que: ―O que compete ao ―mundo
moderno‖ e às religiões é a observação do ser humano em seu todo,
abrangendo todas as pessoas, porque todas carregam dentro de si o
simbólico luminoso e o diabólico tenebroso que precisa ser modificado
diariamente‖. A religião deve assumir o papel de ligar e religar
transcendência.

Atividade de Aprendizagem
Como momento inicial, organizei na sala de aula um painel fixado na
parede com a problemática: Quem é Deus para você? Assim sendo, na
atividade introdutória, convidei os alunos para cantar o canto de integração
titulado ―Se você está feliz bata palmas‖.
Após o canto, convidei os alunos para deslocar-se até a sala de
Tecnologias para ouvir a história: ―Nicolau tinha uma ideia‖ de Ruth Rocha,
que foi projetada em slides no retroprojetor. A história mostrou que cada
um de nós, possui diferentes ideias, diferentes concepções, diferentes
conhecimentos, sobre o meio biótico e abiótico. Assim como o Nicolau,

522
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

somos tão diferentes uns dos outros, não é? Diferentes fisicamente,


socialmente, pensamos diferente, agimos diferente..., e olhe só, temos
ideias diferentes também sobre Deus. Uns pensam nele como luz, como
caminho, como amor, como vida, outros como alguém que está sempre
vigiando, outros ainda como uma força que está presente em toda a
natureza. Baseado neste entendimento, fiz o seguinte questionamento
para os alunos: ―E você, que ideia tem de Deus? Quem é Deus para
você?‖ Neste momento, muitos alunos contribuíram expondo suas ideias e
conceitos sobre Deus. Após, entreguei uma folha de ofício A4, em branca
para cada aluno onde sugeri fazer o contorno com a mão e no centro da
mão responder: O que é Deus para você? Após a escrita recortaram,
pintaram e colaram no painel em papel pardo previamente organizado e
exposto no mural móvel da sala de aula com a seguinte frase: Deus para
mim é... Ao colar a atividade, os alunos socializavam sua compreensão de
Deus.
Dando continuidade às atividades, assistimos na sala de
Tecnologia o documentário: Diversidade Religiosa e Direitos Humanos5, o
qual foi projetado em multimídia. Após exibição do documentário, explorei
os alunos oralmente baseando-me nos seguintes questionamentos: 1 - O
que quer dizer a frase: O Brasil é um país Laico? 2 - Somos livres para
escolher a nossa religião. Por quê? 3 - A pluralidade, construída por várias
etnias, culturas, religiões, permite que todos sejam iguais, cada um com
suas diferenças. O que isso significa? 4- Será que o meu Deus, meu
Transcendente é diferente daquele de outra cultura religiosa?
Após, elaboramos um painel coletivo com figuras e a seguinte frase
retirada do documentário: ―Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor
de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as
pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser
ensinadas a amar‖ (NELSON MANDELA). Orientei os alunos a recortar
imagens de revistas, jornais, livros, etc, que representem o conteúdo
exibido a partir de frases selecionadas previamente e colamos no painel.
Como atividade extraclasse, ficou combinado com os alunos registrar essa
frase em seu caderno e em seu contorno realizar colagem ou realizar
desenhos que identificam o dizer.

5
http://www.youtube.com/watch?v=g4mMruWwI8Y. Acessado em 26/02/2013.
523
FONAPER

Avaliação da Atividade de Aprendizagem


Pensando no compromisso com a qualidade da educação, a
avaliação assume dimensões amplas, abrangentes e passa a ter
características fundamentais. Para tanto é preciso ter clareza nos objetivos
que se pretende alcançar para, então, avaliar.
Outra característica importante é que a avaliação deve ser contínua,
diagnóstica e formativa, pois, ao avaliar o processo de aprendizagem, o
professor pode diagnosticar aspectos que precisam ser melhorados,
podendo, assim, intervir na própria prática. O processo requer a
participação e o envolvimento do professor e do educando, em todas as
atividades propostas e desenvolvidas tanto em sala de aula, como além
dela. Os registros servem para perceber e verificar o engajamento, a
participação e o processo de aprendizagem – necessidades e avanços.
Portanto, também no Ensino Religioso a avaliação tem de ser
planejada e articulada com os objetivos propostos no processo de ensino-
aprendizagem, ou seja, deve ser coerente com o que se pretende
alcançar. É muito importante destacar que a concepção de avaliação deve
estar vinculada ao objetivo principal da educação que é a formação de
pessoas autônomas, críticas e conscientes e, por consequência, ao projeto
político pedagógico da escola, que deve estar a serviço das aprendizagens
para a formação de indivíduos e cidadãos na sua integralidade.
Conforme descrito no caderno metodológico do Ensino religioso nº
11, a avaliação na educação, mas especialmente no Ensino Religioso tem
o objetivo de,

[...] além de alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica


como parte integrante e intrínseca ao processo educativo,envolve
outros aspectos: sociabilidade, afetividade, postura, compromisso,
integração, participação na expectativa da aprendizagem do aluno e
de sua transformação. No caso do Ensino Religioso isso se observa
nas atitudes de reverência para como transcendente do outro, de
respeito à alteridade ao direito do outro de ser diferente, o
desenvolvimento da capacidade de tolerância, assumindo sua
identidade pessoal com segurança e liberdade (FONAPER, p. 32).

Dessa forma, delineia-se que o conhecimento religioso, enquanto


patrimônio da humanidade necessita estar inserido na educação escolar e
deve atender aos anseios de conhecimento dos indivíduos que dela fazem
parte. E, como área de conhecimento, é preciso que o Ensino Religioso

524
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

proporcione o acesso aos conhecimentos como elementos para a


compreensão do fenômeno religioso.
Para isso, foi considerado o envolvimento dos educandos, seu
empenho, participação, contribuição, organização, respeito, interesse e
compromisso durante as aulas nos momentos do desenvolvimento das
atividades propostas. Será observada a expressão oral, em desenho e
também em escultura sobre a ideia que cada um faz sobre o
transcendente, momento de observação das diferentes ideias sobre o
transcendente produzido pelos colegas.
No final das aulas foi realizada uma auto – avaliação juntamente com
os alunos, deixando um tempo livre para que os mesmos expressem
primeiro oralmente e depois por escrito, o que foi bom, o que aprendeu, o
que poderia ter sido melhor, sugestões.

Considerações finais
Atualmente, praticamente todas as sociedades encontram-se
influenciadas pelos avanços das tecnologias. Esses avanços são visíveis
em todas as áreas de conhecimentos, interligando assim, as pessoas, as
sociedades, as nações, os continentes, ou melhor, um dos objetivos do
avanço tecnológico é a aproximação dos seres humanos. A imprensa
busca estimular a contribuição na integração e no relacionamento entre as
pessoas.
Devemos considerar que as exigências educacionais mudaram. Tais
mudanças são perceptíveis nas concepções, práticas e encaminhamentos
no campo educacional. Mudam as formas de abordagem por parte dos
educadores. Mas, qual é o papel do educando? Conforme Borges e Cols
(2003, p.34):

Certamente ele não será mais um mero espectador passivo do


conhecimento. Agora, cabe a ele o papel de produtor de
conhecimento, capaz de perceber o caráter transitório desse
conhecimento, pois ele não é eterno e está em constante
transformação. Em outras palavras, que perceba que o que importa
não é mais o conhecimento em si, mas como produzi-lo‖.

A educação, como qualquer outra instituição e ou entidade está


constantemente em processo de inovações, pois, passa por mudanças

525
FONAPER

históricas, conceituais e estruturais. A educação está relacionada aos


aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade.
Na educação, a utilização de recursos tecnológicos, para assim,
estar promovendo a aprendizagem. De acordo com Borges e Cols (2003,
P. 37): ―[...] a aprendizagem se dá através de atividades desenvolvidas
pelos participantes de uma equipe, de forma que haja colaboração e
cooperação entre eles, num processo de mútua complementação‖.
Como mediadores do processo de ensino-aprendizagem,
pretendemos construir uma sociedade justa, harmônica, onde ninguém
precise roubar para não passar fome, que não haja guerra ou qualquer
outra violência, seja verbal ou física. Almejamos uma sociedade onde reine
a fraternidade, a felicidade, o amor e a paz entre as pessoas. Como
educadora, busco contribuir e incentivar objetivando uma vivência em
comunhão, desfrutando e usufruindo de todos os momentos de nossa vida.
Procuro sempre comentar, que devemos ―saborear‖ com prazer e
dedicação, todos os momentos, de nosso cotidiano, pois, cada momento é
único, é eterno. Como exemplos, quero relatar o hábito, que muitas
pessoas possuem, ou melhor, a prática de tomar ―café da manhã‖,
devemos saber valorizar, curtir e vivenciar esse momento, pois, posso
realizar essa atividade todos os dias, mas, sempre será um novo
momento. Relembrando ainda, que muitas pessoas, que não têm pão pra
comer durante o dia inteiro, no entanto, para se alimentar precisam
implorar para ganhar de alguém uma migalha de alimento. Há também,
outra situação, como por exemplo, no caso de uma doença, e por esse
motivo, não conseguem mais se alimentar. Enfim, com esses exemplos,
pretendo sensibilizar e conscientizar das inúmeras oportunidades de que
temos e muitas vezes não valorizamos e ou ainda não damos por conta. O
processo de busca de felicidade, não está exposto no meio exterior, ao
meio ambiente, nos artefatos tecnológicos, mas sim, encontra-se em nosso
interior, depende exclusivamente de cada um de nós, basta cobiçarmos e
vivenciar com alegria os nossos momentos.
Assim sendo, todos nós, seres humanos, possuímos um paradigma e
referências para viver. Quando a família não sabe cumprir com seu papel,
a escola realiza a dupla missão, pois, o Ser Humano está em constante
processo de construção de conhecimentos, e do seu ―eu‖. Perante esse
processo de construção de conhecimentos, todo o conjunto deve interagir
e na carência ou deficiência de alguma parte a outra deve compensar,

526
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

pois, esta construção não permanece neutra aos fatos. Devemos utilizar os
recursos tecnológicos, inclusive a imprensa escrita e falada para transmitir
valores de natureza sadia, capaz de formar sujeitos protagonistas, com
parâmetros morais, com metas e objetivos a seguir. É necessário realizar
uma prevenção, evitando assim, que os estudantes não embarquem em
um naufrágio, ou seja, sem rumo, sem direção. Assim sendo, como pais,
comunidade escolar, ou cidadão, devemos ter uma diretriz para nossos
afazeres, isto significa uma tendência, para possibilitar a transmissão de
conhecimentos e valores. Porém, na culminância deste objetivo, todos os
recursos e alternativas farão a diferença.
Na condição de educadores, devemos estar constantemente em
processo de inovação e conscientizados da necessidade de estar
construindo alternativas que visam o progresso do processo de ensino-
aprendizagem, e quando este, estiver associada aos recursos
tecnológicos, e aos meios de comunicação a recompensa será significante
e gratificante.
No processo de construção e socialização de conhecimentos a
realização de oficinas, é fundamental, para que assim, sejam
concretizados as atividades práticas e consequentemente contribuem
positivamente no êxito escolar.
Enfim, o processo de ensino-aprendizagem é praticado com base em
inúmeras perspectivas, mas ainda, deverá passar por mudanças de
métodos, de conteúdos, de filosofia. No entanto, faz-se necessário a
escola repensar seu papel diante da sociedade e da realidade onde está
inserida; é necessário formar para a vida e só conseguirá tal intento se
interagir, com a sociedade, desenvolvendo a relação com a comunidade
vizinha e a integração de alunos, professores, funcionários e famílias.

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eternidade. Olho dágua. 1994.
..
BRASIL. Lei n° 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33
da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
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527
FONAPER

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528
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto.


Currículo: ensino religioso. Florianópolis: SED, 2001. 60 p.

SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto:


Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio: Formação de docente para a educação infantil e
séries iniciais. Florianópolis: GOGEN, 1998. 160 p.

SCHIAVO, Luigi. Síntese e perspectivas. In: MOREIRA. Alberto da Silva


e OLIVEIRA. Irene Dias de. O futuro da religião na sociedade global: uma
perspectiva multicultural. São Paulo. Paulinas, 2008. 182 p.

VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de ensino religioso. São


Paulo: Rideel, 2010.176 p.

529
GT4: IMAGINÁRIO SIMBÓLICO E ENSINO RELIGIOSO

Coordenação:
Dr. Carlos André Macedo Cavalcanti (UFPB)
Dr. Luzival Barcellos (UFPB)

Ementa: Nas vivências diversas do sagrado em religiões diferentes, o imaginário


é o elo profundo que deve aproximá-las, consignado em narrativas míticas
fundantes e símbolos aproximativos que convergem para a única universalidade
do humano. Há, então, uma razão aproximativa mesmo entre as religiões que
divergem e entram em conflito entre si: elas divergem na história humana, mas se
aproximam em suas cosmogonias fundantes. O diálogo entre as religiões deve
começar pelo conhecimento destas convergências. O Ensino Religioso pode
necessariamente refletir esta força convergente do imaginário religioso,
valorizando o aprendizado polifônico dos símbolos e dos mitos em experiências
vivas nas aulas da disciplina. Isto reafirma o nosso compromisso com a
Diversidade Religiosa! Este GT aceitará trabalhos que tratem de experiências
escolares de ensino, pesquisa ou extensão – inclusive universitárias! – com
símbolos, mitos, arquétipos e suas variações temáticas, desde que voltados para
o Ensino Religioso, naturalmente. Incluímos aí também as construções
acadêmicas sobre o tema deste GT.

Palavras-chave: Imaginário Simbólico; Ensino Religioso; Diversidade Religiosa.


A DIALÉTICA DO SAGRADO
NA RESOLUÇÃO DA TENSÃO DE CONHECIMENTO

Marco Antônio Teles da Costa, UCAM – AVM 1

Resumo:
Antagonismos cognoscência-religião se referem a posturas cartesianas, ideológicas e
politicas. Existe uma lacuna sobre o papel da religião na produção do conhecimento nas
diferentes culturas e uma recorrência na tensão entre cognoscência e religião. Este artigo
estuda o incremento cognitivo através da tensão entre os conhecimentos empírico e
mitológico no início da filosofia; com pesquisa pura orientada ao conceito de dialética do
sagrado. Os resultados apontam para uma intercessão entre dialética do sagrado e
conhecimento especulativo. A dialética do sagrado pode sinalizar uma via do papel religioso
na promoção do conhecimento nas diferentes culturas.

Palavras-chave: dialética do sagrado, tensão de conhecimento, religião.

Introdução
No estudo do papel da religião na construção do conhecimento, as
discussões do VII CONERE contribuem para o amadurecimento desta via de
pesquisa. Observa-se que entre os ramos do conhecimento, talvez o
conhecimento religioso seja um dos que mais se confronta com opiniões
antagônicas pouco embasadas. Tais opiniões antagônicas geram
preconceitos acerca da religião que poderiam excluí-la do protagonismo
social.
No discurso democrático alguns confundem laicidade com
antirreligiosidade. A laicidade é base para a liberdade de crença e não para a
exclusão de crença. Antagonizar a religião a partir do laicismo é uma
abordagem contrária à democracia. O Estado Laico é democraticamente útil,
mas um Estado antirreligioso seria autoritariamente castrador.
A democracia é o governo do povo pelos seus representantes. Os
religiosos representam 82% da população brasileira (IBGE, 2012). É,
portanto, democrática e socializante a representação dos sujeitos
religiosos no debate democrático. Isto não se confunde com uma
teocracia, pois tal consideração seria estender demais o conceito de
teocracia que requer uma consideração teológica e não ideológica. Para

1
Especialista em Ensino Religioso, UCAM – AVM, contato: marcotelesc@gmail.com
FONAPER

esta pesquisa, rejeitar a dialética entre o sagrado e o profano, seria uma


opressão à expressão simbólica do povo pela via religiosa.
Um exemplo possível de laicismo extremado e que contradiz o
próprio significado de liberdade de consciência e de crença está no
Documento Referência da Conferência Nacional de Educação 2014.
Embora o documento vise pautar-se pelo respeito as diferenças não há
menção objetiva ao direito de consciência e de crença.
No documento referência do CONAE 2014, etapa municipal, o termo
fundamentalismo, que é uma corrente teológica, é usado com o significado
de fanatismo e comparado até ao racismo (MEC: 2013, p.28). O mesmo
documento sugere explicitar ―critérios eliminatórios‖ para o Plano Nacional
do Livro Didático e para o Plano Nacional de Biblioteca na Escola que
poderiam excluir diversos livros sagrados importantes (MEC: 2013, p.36)
Numa visão mecanicista prévia, pensa-se que a religião é inferior à
ciência. Tal senso comum antagônico à religião é um grande equívoco. Um
dos argumentos para tal ponto de vista foca nos benefícios da ciência para
o progresso da humanidade. Ora, a ciência é articulação particular sobre
objetos muito delimitados. Por essa característica, o progresso científico é
muito mais técnico do que humano. A técnica é insuficiente para entender
a complexidade do todo num protagonismo com a realidade. A mera
opinião técnica é paralisante, mas o diálogo para o conhecimento requer
transcender a paralisia da técnica. Para essa transcendência, que é
democrática, é fundamental a diálogo religioso em sua linguagem
simbólica, transcendente e potencializadora de novos significados. Religião
é consciência em movimento.
Neste artigo, trataremos desse potencial religioso de transcendência
de significados que enriquece o conhecimento humano. Trataremos da
tensão de conhecimento e sua resolução a partir da dialética entre o
sagrado e o profano. Localizaremos nosso estudo no ambiente do
surgimento da filosofia grega, especialmente em Mileto, conforme a
opinião mais tradicional na história da filosofia (MATHEUS, 2006-2011).
Buscaremos verificar que o surgimento da filosofia pode ser mais do
que uma ruptura com a mitologia. Uma tensão do conhecimento foi gerada
pela comparação entre a explicação mitológica e verificações em loco das
navegações comerciais gregas na antiguidade. Tal tensão de
conhecimento foi resolvida formalmente com o surgimento da filosofia
(CHAUÍ, 2000; SANTOS, 1954). Entretanto, podemos dizer que

534
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

dialogicamente, esta tensão do conhecimento pode ter sido resolvida por


um diálogo entre o sagrado e o profano.
A base teórica para essa possibilidade é o conceito de hierofania e
dialética do sagrado propostos por Mircea Eliade (ELIADE, 2010) em
articulação com o conceito de aprendizagem sócio histórica de Vygotsky
(Lucci), o conceito amplo de religião de Paul Tillich (RODRIGUES, 2011) e
a mitologia grega.

Tensão de Pensamento e Dialética do Sagrado


Mircea Eliade buscava entender a religião como fenômeno complexo,
dando ao seu estudo um cunho científico a partir de uma visão ontológica
do fenômeno religioso que coincide com a história como identidade
humana (SILVA: 2007; BELTRÃO: 2009).
Eliade entendia o fenômeno a partir da ontologia (SOUZA, 2011). A
ontologia define o ser como aquilo que pode ser referido por seus
predicados a partir de Aristóteles, mas ocorre outra elaboração a partir
Leibniz que define o fenômeno como a parte perceptível e cognoscível do
ser. Refletindo sobre Deus só é possível conhecer o Ser Eterno pelos
fenômenos que resultam de nossa relação com Ele. Aristóteles define o
ser como aquele que não é um predicado, mas que é descrito pelas suas
qualidades. Este ser que não é um predicado, por causalidade, é
racionalmente o ser necessário, ou seja, Deus (CASTRO, 2008).
O fenômeno religioso é localizado historicamente no contexto
religioso e ultrapassa um evolucionismo religioso. É mais importante a
essência da religião como busca pelo transcendente em todas as culturas
e tempos históricos. (RODRIGUES, 2011).
Mircea Eliade deu à história da religião um caráter científico, porém
não reducionista, estudando-a em seus fenômenos e não a partir do lócus
de outras ciências. Na visibilidade objetiva dos fenômenos encontra-se
uma morfologia do sagrado, hierofanias. Esta abordagem respeita a
complexidade da religião sem depreciar sua importância cognitiva e
histórica (SILVA, 2007).
A religião é um fenômeno humano, para um rigor científico no estudo
da religião faz-se necessário partir dela mesma e não de outras ciências.
Eliade foca nas semelhanças morfológicas compartilhadas entre as

535
FONAPER

diferentes religiões para um estudo com vistas a complexidade da religião


nos fatos religiosos (ELIADE, 2010).
A abordagem histórica da religião feita por Eliade é atemporal, pois
considera a espiritualidade na percepção das formas do sagrado e do
profano no mundo imanente. O termo hierofania define esta percepção.
Eliade (2010) define a forma de estudo a partir das hierofania que são toda
forma de manifestação do sagrado no âmbito religioso; morfologias. A
hierofania é um conceito concreto como o céu, a terra, as águas, as pedras
sagradas que revestidos de sentido transcendente revelam objetivamente
a subjetividade da religião para um estudo científico (Idem.).
As hierofanias estão presentes nas manifestações morfológicas das
diferentes religiões como formas conceituais ligadas à natureza e propícias
ao sagrado. Estas formas podem relacionar-se aos céus, águas, terra,
pedras sagradas, lugares consagrados, o eco etc (ELIADE, 2010).
As hierofanias celeste, aquática e terrestre estão ligados ao culto da
fertilidade. É como se o céu fertilizasse a terra pela chuva. A hierofania
celeste remete aos conceitos de transcendente, eternidade, poder,
autoridade e masculinidade. As hierofanias terrestres, por outro lado, são
femininas e ambas as hierofanias são complementares no sentido último
que o homus religiosus dá à vida (ELIADE, 2010).
O Conceito de Sagrado é por definição uma oposição ao profano.
Profano é a natureza como realidade de ameaça constante à segurança
humana. O sagrado restaura o equilíbrio cósmico restaurando a segurança
a partir de centros cósmicos como um refúgio entre o caos (ELIADE,
1995). Jerusalém e Meca seriam exemplos de tais centros cósmicos,
assim como demais lugares sagrados e templos religiosos.
Pode-se explicar essa ruptura de tensão com a analogia a um tecido
estendido e pressionado constantemente no centro que acaba por romper-
se equilibrando a tensão. Sagrado e profano não coadunam mas não se
extinguem (RODRIGUES: 2011; ELIADE: 2010).
A dialética do sagrado é a ação dialógica decorrente da tensão
cognitiva entre o sagrado e o profano. Sagrado e profano são interativos
em suas relações transformadoras e conservadoras ao mesmo tempo. A
dialética do sagrado produz resoluções simbólicas que alcançam novos
saberes a partir de alicerces anteriores. A dialética do sagrado não é uma
construção sobre ―terra arrasada‖, mas uma construção no substrato

536
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

simbólico do sagrado entendido, nas palavras de Tillich, como sentido


último para a vida. (PAULA, 2011; ELIADE, 2010; SANTOS, 1995).

Tensão de Pensamento e Socio-Interacionismo


Abordaremos, também, a tensão de pensamento, dialética do
sagrado e aprendizagem a partir da teoria sócio histórica de Vygotsky.
Podemos perceber um comportamento religioso de aprendizagem pela
linguagem e pela tecnologia na resolução histórica da tensão de
pensamento. Para Vygotsky a linguagem é mediação de símbolos e seus
significados para conhecimento e apropriação consciente do mundo como
negociação desses sentidos com a alteridade (LUCCI, 2006).
Embora o sócio-interacionismo tenha caráter materialista, esta teoria
dialoga com a religião em sua multiforme linguagem, tecnologia sagrada e
relações sociais o que vincula Vygotsky sob as variáveis: conhecimento,
linguagem, tensão de pensamento, tecnologia e religião. Isto, obviamente,
partindo de uma articulação dialógica religionista e não reducionista o que
tangencia os conceitos de Mircea Eliade já citados.

A Tensão do Pensamento e a Dialética Grega


A partir das hierofania terrestres e do discurso mitológico a
humanidade situa-se no sagrado e, partindo dessa situação, os gregos
dialetizam sagrado e profano em busca da superação simbólica e
significante da tensão do conhecimento.
O próprio Sócrates constrói a sua busca pelo sentido filosófico a
partir de uma dialética do sagrado pessoal acerca do oráculo de Delfos.
Não entendendo o oráculo Sócrates testa os mais sábios para refutar ou
confirmar o oráculo. Sócrates se julga como alguém que igualmente não é
sábio, mas que pelo menos reconhece que não é sábio. A duplicidade da
anfibologia do oráculo foi fundamental no processo dialético do surgimento
da filosofia socrática (PLATÃO, 2011; GUIRALDELLI, 2011).
Sócrates exemplifica a especulação filosófica e a dialética do
sagrado pelo método da maiêutica ou refutação. Podemos propor, em
tese, que pela dialética do sagrado na tensão do conhecimento a religião
foi propedêutica ao conhecimento filosófico e mais racionalizado quanto ao
sentido da vida.

537
FONAPER

Podemos ilustrar também com o mito de Eco, da mitologia grega


(SALIS, 2006-2011). Eco, uma ninfa loquaz servia a deusa Hera e a distraia
com suas conversas durante as aventuras amorosas de Zeus. Hera percebe
este ardil de Eco e irrita-se com sua loquacidade. Como castigo, Hera
amaldiçoa Eco a sempre repetir as últimas palavras que ouvir.
Eco sobrevive com essa maldição até encontrar Narciso, o
personagem que dá nome ao conceito de narcisismo. Eco se apaixona por
Narciso e procura comunicar-lhe seu sentimento. Infelizmente, Eco pode
apenas repetir as últimas palavras de Narciso que a rejeita. Eco definha de
tristeza até desaparecer na natureza.
Observe que este mito pode ser entendido como uma explicação da
origem do Eco, também pode ser um alerta contra o uso de palavras sem
sabedoria, e ainda, pode trazer ensinamentos sobre as relações humanas
de doação e egoísmo, além de outras possíveis. O mito não é um discurso
fechado, portanto é um discurso que potencializa a transcendência do
conhecimento (SALIS: 2011; FRANCHINI: 2012).

A Tensão de Conhecimento e a Mitologia


Na mitologia grega o inicio é o Caos. Gaia, a deusa terra, gera o
próprio marido, Urano que representa o céu. Gaia e Urano geram os Titãs.
Com medo de perder o poder Urano prende os Titãs no ventre de Gaia que
propõe ao Titã Cronos que mate Urano e tome o seu lugar. Cronos casa-
se com Reia e repete o erro de Urano engolindo os deuses que nasciam.
Reia, assim como Gaia, faz um acordo com Zeus que mata Cronos e se
torna o deus soberano (FRANCHINI: 2012).
O feminino é mais importante que o masculino nesta cosmogonia.
Para Crescenzo (2012) a primazia do culto a terra gera um pensamento
humanista. A partir de estudos filológicos supõe-se que a religião ancestral
grega seria oriunda de regiões nubladas onde o céu fosse pouco visto em
relação a contemplação da terra e dos outros homens (GUTRIE, 1997).
Isto dá aos gregos uma inspiração diferente da maioria dos povos para os
quais a hierofania celeste enfatiza a noção de sagrado (ELIADE, 2010).
A religião grega destacava-se por seu humanismo. A terra era o
elemento hierofanico principal trazendo o sagrado para o ambiente mais
humano e menos transcendental. Não era raro que os deuses fossem mais

538
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

impiedosos e crueis que os homens (ELIADE: 2010, GUTHRIE: 1999,


CRESCENZO: 2012).

A Tensão do Conhecimento e a Paideia


A Paideia grega ensina através dos mitos a noção de equilíbrio
cósmico pelo cumprimento do destino quando o homem abre mão de seu
orgulho perante a determinação, mesmo que inicialmente incerta, dos
deuses. Assim a religião grega é uma ação social e linguística a ser
decifrada pelo homem o que condiz com a teoria de Vygostsky
(SALIS:2011, JAEGER: 1995).
A Paideia grega era a arte de formar o cidadão político com base
discursiva nos mitos em busca da excelência para respeitar a vida como
coisa sagrada. As fases dessa formação incluíam três etapas, a Paideia
que ensinava as crianças o conceito de verdade, a Psiquéia que focava no
conhecer a si mesmo e a mistagogia que era o estudo dos mistérios de
nível mais elevado (SALIS, 2011).
Os mistagogos eram sábios iniciados nos mitos da criação. Os
poetas cantavam o conhecimento do mundo na forma de augúrios
divinatórios e das poesias épicas. Os mistagogos (aquele que conduz pelo
mito) cumpriam seu papel educativo através do discurso em linguagem
mitológica baseada na hierofania terrestre (PARKER: 2011; SANTOS:
1995; CHAUI: 2000).
A valorização da verdade e da dignidade humana foram importantes
para a formação do pensamento especulativo grego. Os mistagogos eram
os mais treinados nesses conceitos e, portanto, eram as pessoas mais
capacitadas para lidar com a tensão do conhecimento presente na dialética
do sagrado entre a explicação mitológica e as histórias dos navegantes.
O teatro, como exemplo, estava ligado terapeuticamente à religião. A
tragédia grega, era a dialética do sagrado como aprendizagem socializada
através da catarse dos comportamentos socialmente indesejados. As
peças teatrais geravam um desequilíbrio cognitivo até uma zona limítrofe
criando o potencial para uma nova disposição mental (Salis, 2011).

A Tensão do Conhecimento e a Interação com a Tecnologia

539
FONAPER

Se tecnologia é ferramental que potencializa a capacidade humana,


o sagrado também gera tecnologia em seus cultos e templos o que
tangencia com a teoria socio-interacionista e a dialética do sagrado. Como
exemplos da proto-ciência magificada na antiguidade podemos citar o culto
ao deus Asclépio, da medicina do qual práticas terapêuticas utilizadas nos
templos foram adotadas por Hipócrates, pai da medicina e devoto de
Asclépio (SALIS: 2011; HEGEMBERG, 1998).
Alquimistas, que iniciaram os estudos que dariam na química
moderna, atribuíam a autoria de seus trabalhos ao deus Hermes
Trimegisto, por hereditariedade alegada, para fazer frente a escolas
filosóficas mais notórias e perpetuar suas descobertas (SCOTT, 1998).
Os astrólogos babilônios elaboraram calendários e calcularam
eclipses com precisão admirável para a época. Estudos precisos do céu
sobre o movimento das estrelas e o ciclo das estações significaram aos
babilônios uma noção religiosa do infinito e transcendente com certa
precisão matemática (CUMONT: 1912).
O culto a o deus Hefesto, ferreiro dos deuses inspirou Heron de
Alexandria a construir autômatos de madeira e cordas para o culto nos
templos além das primeiras turbinas e máquinas movidas a energia eólica
(PAPADOPOULOS, 2007).
Essa proto-ciência religiosa indica um desequilíbrio ótimo na
produção do conhecimento que a religião era incapaz de resolver. Fazia-se
necessário um agente histórico para promoção do nível de conhecimento.
Esse agente foi o pensamento especulativo filosófico que não substituiu a
religião, mas que encontrou nela uma alavanca.
A filosofia em sua busca humanista e racional promoveria
cognitivamente e simbolicamente a humanidade pela dialética do sagrado
numa aprendizagem sócio-interacionista. A própria noção de verdade, na
filosofia grega, requer o transcendente e requer o diálogo como interação
para busca da verdade.
A promoção cognitiva não implica uma promoção religiosa mas os
pontos de contato são alavancas cognitivas para uma atitude filosófica,
que complementa dialeticamente a religião em sua busca pela essência,
significado, composição e origem do mundo (CHAUI, 2010)
A complexidade no entendimento do sagrado como linguagem
transcendia a própria humanidade na religião grega. Como consequência a
especulação filosófica seria uma possibilidade de transcendência humana

540
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

propícia a uma cultura humanística. Poder-se-ia tomar outro caminho, mas


a dialética do sagrado em potência favoreceu o caminho da especulação
filosófica a partir da análise deste estudo.

A Tensão do Conhecimento no Encontro das Hierofanias


A religião busca respostas para o mundo que na vida camponesa
podem ser consideradas suficiente. Entretanto, na formação das polis
gregas de caráter mais sedentário e mercantil outros conhecimentos
práticos e úteis para sociedade são requeridos.
Quando as navegações comerciais exploravam o ambiente profano a
mitologia começa a ser contestada em comparação com a realidade
observada. Surge assim, uma nova necessidade cognitiva de explicação
do mundo. Localizamos aqui a tensão fundamental do conhecimento no
processo da dialética do sagrado (SANTOS: 1995; CHAUI: 2000). É este
processo dialético sacro profano nesta tensão de conhecimento que
passaremos a analisar a partir dos conceitos anteriormente abordados.
A filosofia não é um ―milagre grego‖ ela é fruto de um contexto. Os
gregos estavam no contexto certo e foram mais notáveis que outros povos
próximos no conhecimento especulativo (CHAUI:2000; SANTOS:1955).
Entretanto, não se pode negar absolutamente a influencia de outras
culturas na formação da filosofia. Na dialética do sagrado algumas
mitologias dialogaram e construíram ciência, mesmo que magificada como
dizia Max Weber (PAULA, 2011). A explicação mágica seria uma
convergência entre a proto-científica e a religião na antiguidade.
A alavanca cognitiva a partir do sagrado e do diálogo alcança seu
ápice com o surgimento das cidades gregas e as navegações comerciais.
A cidade de Mileto é considerada o berço da filosofia (MATHEUS, 2011).
Situada em região de comércio fervilhante entre a Palestina e o oriente,
além de mercadorias, seus comerciantes viram passar conhecimentos
como a escrita fonética vinda dos filisteus como grande salto na abstração
do pensamento registrando sons, pois antes o registro do conhecimento
estava sujeito a figuras e hieróglifos que dependiam do conhecimento de
cada umas das diversas figuras para leitura e escrita (CHAUÍ, 2000).
Os sábios da Grécia baseavam seu conhecimento em uma formação
religiosa importante, mesmo aqueles sábios menos religiosos. Tales de
Mileto, tradicionalmente tido como primeiro filósofo e matemático,

541
FONAPER

possivelmente estudou conhecimentos proto-científicos fundamentais com


astrólogos babilônios e sacerdotes egípcios. Os babilônios eram astrólogos
habilidosos devido a influencia da hierofania urânica na religião da
Mesopotâmia onde a visualização do céu era naturalmente facilitada
(CUMONT:1912; ELIADE: 2010).
Tales, partindo desses conhecimentos aprendidos com babilônios e
egípcios foi capaz de feitos como medir a altura da pirâmide de Gizé pela
projeção da sombra em própria altura além de prever colheitas imprevisíveis
para a época (MILLIES, LUCHETTA: 2008; MATHEUS, 2011).
Compartilhando da visão cíclica do cosmos, Tales concebe sua
teoria cosmológica onde a água seria o principio constitutivo de todas as
coisas. Tales foi provavelmente influenciado por ter vivido em lugares
como o Mediterrâneo e o Egito onde a hierofania das águas davam a nítida
impressão de sua ligação com a vida (MATHEUS, 2011). Ao propor essa
cosmologia, Tales dialetiza com o sagrado, pois propõe um meio termo
racional às cosmogonias mitológicas com diferentes explicações entre
gregos, egípcios e babilônios.
A dialética do sagrado ocorre, portanto, no processo de ensino
aprendizagem dos mistagogos, pela socialização nas cidades estado
gregas, religiosamente ociosas e ativamente mercantis.
Com o enriquecimento pelo comércio, os comerciantes disputavam
prestigio com a nobreza proprietária de terras através de patrocínios de
atletas e artistas nos eventos e competições públicas, como os jogos
olímpicos. O ambiente competitivo era marcante e os nobres se
destacavam pelo interesse pelas artes liberais e assuntos mais
especulativos e propícios à filosofia (CHAUI: 2000; SANTOS: 1955).
O mercantilismo diminui a importância do mito, tanto por uma disputa
entre as classes quanto pelo distanciamento das hierofanias do discurso
mítico a partir da vida urbana com menos contato com o campo e a terra
(SANTOS: 1995, ELIADE: 2010). Nessa mudança as hierofanias se
secularizam na busca objetiva de resultados e propostas práticas para vida
(CHAUI: 2000; SANTOS:1954)
Esse foco na vida prática e a tensão de pensamento predispõem a
aceitação do pensamento especulativo a partir de mistagogos (Santos:
1995) como Tales, que constroem um novo saber potencialemente
alicerçados na dialética do sagrado.

542
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A Resolução do Conhecimento pela Dialética do Sagrado


Filósofos como Tales são conhecidos como fisiólogos, pois dedicavam-
se ao estudo da natureza em forma, funcionamento e origem. Tal interesse
estava ligado a própria mistagogia que era muito marcada pela explicação do
mundo natural a partir das hierofanias. Portanto, uma proto-ciência e a
mistagogia são conhecimentos complementares no período.
Tales aprendeu com os religiosos egípcios e babilônios a medição e
previsão de colheitas, o calculo das estações e o movimento dos astros
(CRESCENZO, 2012; CUMONT,1912). Entretanto, a religião humanizada
grega com os cultos aos astros e animais das religiões egípcia e
babilônica, assim como Tales, estão no ponto de encontro das
representações simbólicas das hierofanias próprias destas religiões
(celeste, terrestre, aquática). Ao mesmo tempo em um período de tensão
de conhecimento o que é extremamente propício a dialética do sagrado.
Tales, como politeísta, nesse período de dialética do sagrado para
resignificação da vida declara que ―há deuses em todas as coisas‖
(MATHEUS, 2011), o que aponta para a possibilidade de entendimento de
que os deuses não estariam sujeitos a uma só hierofania ou a uma única
forma de conhecer. Assim, dialetizando com o sagrado Tales preserva
elementos religiosos da base mitológica, como a verdade e a busca pela
excelência, para articula-los com os elementos racionais como as bases da
matemática. Tales também é citado como o primeiro matemático
(CRESCENZO, 2012).
Sucessos utilitários da proto-ciência magificada que passava a ser
mais especulativa com o surgimento da filosofia garantiram a Teles e a
outros filósofos a possibilidade e elaborar o conhecimento especulativo
com apoio dos homens mais ricos e influentes das polis gregas (SANTOS:
1995). Com isso surgem escola filosóficas das quais, algumas se afastam
da religião, mas em geral mantém valores atrelados à religiosidade
mitológica a partir de uma síntese simbólica da tensão de conhecimento
através da ação da dialética do sagrado que no novo ramo de
conhecimento engloba a própria religião mas sem deprecia-la em
importância na busca de sentido para a vida.
A partir dessas considerações seria uma dedução possível que o
surgimento da filosofia tenha sido mais do que uma ruptura com a
mitologia. A tensão de conhecimento gerada a partir da mudança de
padrão comunitário agrário para urbano, das verificações das navegações
543
FONAPER

comerciais e do diálogo entre os conhecimentos religiosos e a proto-


ciência magificada são componentes propícios à aprendizagem social pela
dialética do sagrado.
De um ponto de vista dialógico, podemos intuir, em potência, que a
tensão entre conhecimento mítico e especulativo tenha sido resolvida por
um diálogo entre o sagrado e o profano na construção da sociedade grega.
Vinculando os conceitos de dialética do sagrado, aprendizagem sócio
histórica e o conceito amplo de religião aplicados ao período a resolução
da tensão de conhecimento pela via da dialética do sagrado é um processo
possível que poderia merecer um aprofundamento de estudos.

Conclusão
A partir desta pesquisa podemos inferir que o discurso religioso seria
fundamental para que as resoluções das tensões de conhecimento
ocorram de forma relevante para o individuo e a sociedade no campo dos
sentidos últimos para a vida que interceptam tanto a política, a ideologia e
o conhecimento especulativo. O discurso democrático deve revestir-se de
todo conteúdo de sentido último e transcendência presentes na religião
para que as tensões do conhecimento não fiquem presas em laços lógicos
que não produziriam resoluções significativas, mas que travariam o próprio
pensamento e mecanizariam a consciência social dos indivíduos como se
tal fosse possível.
A humanidade é mais do que mecânica e mesmo finita, dialoga com
o transcendente para se identificar enquanto humanidade no seu contato
com o infinito. Nesta possibilidade de contato com o infinito, com o
supremo, com o fascinante, o homem busca em si mesmo um sentido
supremo, fascinante e transcendente. A religião é o instrumento humano
por excelência para a transcendência. Portanto, em um diálogo que
proponha transformações é necessário que os centros sagrados discutam
a ruptura da homogeneidade ameaçadora do profano no discurso
simbólico a partir da centralidade do sagrado em diálogo com outros
conhecimentos.
A dialética sacro profana é uma forma de produzir conhecimento
qualitativo e quantitativo com significância global para visualizar a
realidade em suas múltiplas abordagens. Pois, sendo a realidade
conformada a partir de diversas camadas de consciência da forma e da

544
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

essência como preconiza o pensamento judaico, ainda, se tal realidade é


uma expressão do invisível como logos da realidade como pretendem
cristãos e outros credos, é fundamental para o progresso do
conhecimento, a participação ativa de sujeitos religiosos nos debates que a
sociedade venha a travar.
Além dos mitos na antiguidade podemos citar religiosos que
promoveram simbolicamente o sentido de humanidade como Pr. Martin
Luther King Jr., Mahatma Gandy, Madre Tereza de Calcutá que
encarnaram a dialética do sagrado em diferentes tensões de conhecimento
na modernidade. A vida destes personagens também poderia ser objeto de
estudo em linha de pesquisa semelhante. O assunto e os exemplos são
vastos para serem esgotados no âmbito deste artigo.
Enfim, assim como os gregos criaram a filosofia, outros
conhecimentos importantes podem ser criados a partir da religiosidade.
Precisamos abrir espaço para o diálogo entre o sagrado e o profano para o
progresso humano, pois parafraseando Charles Chaplin, no filme ―O
Grande Ditador‖ (1940) podemos dizer que mais que mecânicos somos
humanos.

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548
PROJETO CORPO SINCRÉTICO:
INSTALAÇÃO PERFORMATIVA COMO PERCURSO EDUCATIVO
EM AMBIENTES NÃO ESCOLARES

Wallace Wagner Rodrigues Pantoja1 - UNAMA

Resumo:
Partindo da hipótese de que o corpo, enquanto marca e matriz de significados – expressa
nossa historicidade e viabiliza nossa geograficidade religiosa, desenvolvemos um projeto
artístico denominado ―Corpo Sincrético: ‗A partir das 8‘ Instalações Performativas na
composição de Ewá, a orixá da síntese‖, com consequências educativas não previstas, mas
incontornáveis, na medida em que a proposta da instalação é o diálogo das religiosidades
não apenas dos que produzem a performance, mas dos que estão enquanto ―público‖,
provocados a participar e dialogar com a religiosidade estabelecida a partir dos corpos-
atuantes. Sem a primazia de uma instituição ou de um conjunto de dogmas estabelecidos, o
que está em jogo é como é possível instalar um sincretismo que, fenomenologicamente, flui
na relação/provocação que a performance motiva.

Palavras-chaves: Ewá, Performance, Sincretismo, marca/matriz, geograficidade.

O corpo – Da história religiosa à geograficidade sagrada


Dizer que o Brasil é um país de múltiplas tradições religiosas que se
relacionam historicamente é lugar comum, o que não é tão comum é
discutir a experiência das relações religiosas e em que contextos e que
condições elas se efetivam. Mais incomum ainda é interrogarmo-nos como
tais experiências relacionais se dão ao nível do cotidiano, nos pequenos
enfrentamentos diários, para além da discussão de diferentes ―tradições‖ e
como ocorrem as experimentações diárias das relações entre as
religiosidades brasileiras?
Obviamente, essa problemática supõe outra, para os fins do texto
aqui proposto: como tais experiências podem servir ao diálogo, para que
se estabeleça uma compreensão mútua dos indivíduos que vivem/viveram
diferentes trajetórias religiosas? Importante ressaltar que compreender não
significa concordar, mas se posicionar na condição de ―outro‖ sem deixar
de sermos nós, tendo em vista uma interpretação consistente possível.

1
Mestre em Geografia pela UFPA, Professor da Universidade da Amazônia, integrante do
Grupo de Pesquisa Sociedade Cultura e Identidade, atuando na linha de pesquisa
Geograficidades Amazônicas: espaço, identidade e política. E-mail:
wallacepantoja@unama.br.
FONAPER

Argumentamos que a experiência religiosa se dá no corpo, pensando


aqui não apenas como uma unidade material-biológica, mas, sobretudo,
como uma entidade cultural-simbólica, para além de uma extensão passiva
onde marcas religiosas (ou quaisquer outras) se fazem. O corpo –
enquanto paisagem – é matriz de significados sociais e coletivos
(BERQUE, 1999).
O coletivo ―Projeto Corpo Sincrético‖ se propôs a experimentar as
diversas religiosidades dos envolvidos construindo uma instalação
performativa que possibilitasse o partilhamento de vivências, memórias,
impressões religiosas, tendo como catalizador o corpo-paisagem,
construindo uma geograficidade (o espaço da performance) a partir da
posição relacional dos indivíduos e esta geograficidade servindo como
catalisadora do diálogo entre as diversas religiosidades – tanto dos
diretamente envolvidos no projeto, quanto, e aí está sua dimensão
educativa, do público que participa do mesmo, não como espectadores,
mas como atuantes na instalação.
Acreditamos com Ligiéro (2011, p. 267) que o ―performer [o indivíduo
que realiza a performance] deve criar o personagem a partir da sua própria
biografia. Aí estaria o material para criar a sua cena; define-se esta
estratégia artística como autoperformance‖, sendo assim, quando
enfatizamos a dimensão da religiosidade na produção da instalação
performativa, é a relação pessoal com o(s) sagrado(s) que queremos que
irrompa (ELIADE, 2001) através do corpo para que a vivência/reflexão
aconteça no espaço da instalação, estabelecendo assim uma
geograficidade (no caso aqui, religiosa) que se refere às:

[...] várias maneiras pela as quais sentimos e reconhecemos


ambientes em todas as suas formas, e refere-se ao relacionamento
com os espaços e as paisagens, construídas e naturais, que são a
base e recursos das habilidades do homem e para as quais há uma
fixação existencial (DARDEL apud NOGUEIRA, 2004, p. 214).

As histórias de nossas religiosidades nos marcam, nos atravessam,


mas podem ser provocadas ao encontro/diálogo/relação, quando
instalamos uma geograficidade que convoca os indivíduos a expressar o
que lhes fixa em sua existência, partindo da ideia seminal de Geertz (2001,
p. 115) que: ―[...] o mundo não funciona [e não existe humanamente]
apenas com crenças, mas dificilmente consegue funcionar sem elas‖.

550
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O “Projeto Corpo Sincrético: „A partir das 8‟ Instalações


Performativas na composição de Ewá, a orixá da síntese

Pensado por Rosilene Cordeiro, performer, atriz e pedagoga, o


projeto surgiu a partir de experiências bastante pessoais, uma trajetória de
vida que experimentou diversos contextos religiosos – cristãos (católico e
evangélico), Seicho-No-Ie, candomblé, umbanda – que culminaram numa
necessidade de pesquisa e expressão, haja vista que:

Ao encontrar-me em EWÁ com sua energia ancestral, lendo-a tão


somente, senti-me vasta e ao mesmo tempo tão restrita, apequenada
e margeada por signos que me reaproximam do terreiro, da pergunta
que move a pesquisa convidando-me a adentrar seu átrio por meio da
arte cênica performativa, pelas lentes do ritual, como um vulcão que
acabou de acordar entrando em erupção sem retorno. (CORDEIRO,
2013 A, s/p)

A partir dessa necessidade expressiva, um coletivo de profissionais


(atores-performers, diretores de teatro, cineasta, cenógrafo, figurinista,
roteirista, músico, geógrafo e um Babalorixá, sacerdote de candomblé) se
reuniu ao projeto proposto, para realizar uma série de vivências artísticas
com enfoque religioso, denominadas presentações2, objetivando
estabelecer um mapeamento das experiências religiosas em ato, onde o
coletivo envolvido envolve nessa geograficidade a platéia ou público como
sujeitos-atuantes a instalar(-se), numa adesão provocada, mas que se dá
de forma pessoal e espontânea, uma vez que os mesmos podiam interagir,
expressar, dialogar, experimentar no acontecer da instalação a sua
trajetória existencial religiosa íntima e/ou coletiva.
As (a)presentações foram denominadas de ―tratamentos‖ aludindo ao
corpo em processo de fazer-se. Importante ressaltar que o processo não
significa partir de uma aparência em busca de uma essência ao final dos
tratamentos, mas que a sucessão das aparências revelam a essência dos
indivíduos (SARTRE, 2003) em sua experiência de vida cotidiana ou,
nesse caso, em sua experiência sucessiva de encontro com os outros num
contexto posicional ou, se preferirmos, um intermundo – a instalação
performativa – que mediatiza as relações entre os indivíduos (MERLEAU-
PONTY, 1999), e o(s) corpo(s), enquanto habitantes não dissociados
2
Presentação é um termo cunhado por Ligièro, 2003, que no presente contexto refere-se
à manifestação artística performativa em questão como evento singular, único, portanto,
que se dá num presente passageiro, efêmero que jamais se repetirá.
551
FONAPER

desse intermundo, podem emitir e receber impressões, ser marca e matriz


de sentido, contrapor, refletir e (re)significar tendo em vista uma
comunicabilidade mútua que possa levar à compreensão de e com o(s)
outro(s) ao nível religioso.
Os tratamentos começaram em Abril de 2013 e seguem com
previsão de término do projeto em Outubro de 2013, e a metodologia de
ação pode inclusive servir de caminho para se pensar outras temáticas
possíveis em ambientes escolares e não-escolares.
1. São 8 tratamentos, denominados: o Corpo Foge, o Corpo
Vigia, o Corpo Comunga, o Corpo Trai, o Corpo Celebra, o
Corpo Veste, o Corpo Arte, finalizando com o Corpo Síntese
(CORDEIRO, 2013b). Para cada um dos tratamentos há uma
nova elaboração dos elementos utilizados no ―jogo
performativo‖ compositivo dos trabalhos da instalação,
agregando elementos considerados marcas significativas das
instalações anteriores;
2. A escolha da orixá Ewá, cultuada no Candomblé, como
entidade representativa da síntese e da integralização de
energias vitais é tanto pessoal, da performer e pedagoga,
como do coletivo que a ―abraçou‖ artística e esteticamente
por possibilitar um diálogo com as matrizes afro-brasileiras e
africanas tão ultrajadas em anos de exclusão em se tratando
de religiosidade e educação no Brasil (CORDEIRO, 2013b),
bem como possibilita produzir enfrentamentos/cumplicidades
com o público participante, que pode tanto realizar o exercício
do diálogo e compreensão, como produzir resistência e
negação, tendo em vista suas próprias matrizes religiosas;
3. A metodologia utilizada denominada ―produção de objeto
artístico junto e em separado‖ se deu em
momentos/movimentos distintos de organização dos
trabalhos compositivos. Foram propostos encontros
presenciais e virtuais. Nos primeiros seis encontros, os oito
integrantes do projeto deveriam dar conta do levantamento da
concepção poética estrutural na qual o trabalho seria
desenvolvido, agregando opiniões, discussões, sugestões,
refutações, para se chegar ao que seria cada presentação
posterior. Entre um encontro presencial e outro os artistas-

552
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

atuantes tinham por tarefa desenvolver uma parte da


investigação do tratamento proposto para o ‗corpo‘ seguinte,
sempre demandado pelo diálogo coletivo, constituído
problema balizador com vistas ao incentivo de estudo teórico
e experimentação prática por cada um compartilhando no
―todo‖;
4. O público é provocado à participação nos diversos
tratamentos, seja no convite ao envolvimento direto na
performance (que não supõe um conhecimento estrito de
atuação), seja por estímulo a fotografar, registrar em um
diário coletivo suas impressões, filmagens, por ocasião da
comunhão de alimentos preparados para a ceia coletiva que
acontece durante o trabalho, bem como nas rodas de bate-
papo posteriores com partilha e/ou audição de impressões
dos presentes;
5. As intervenções/impressões do público (que deixa de ser
espectador para ser participante, embora nem todos se
envolvam, algo previsto e respeitado) é canalizada para a
concepção e composição do tratamento seguinte, gerando
uma sinergia dialógica que não perde as
contribuições/compreensões anteriores.
6. Os materiais produzidos – imagens, vídeos, textos, desenhos
– são tanto veiculados por redes sociais, onde suscitam
novos debates e percepções, como são reunidos na página
do Projeto Corpo Sincrético e no Blog da atriz/performer
Rosilene Cordeiro, sendo creditados como produção coletiva.
Discutiremos agora, a partir dos materiais produzidos, a idéia
motivadora de ―síntese‖ no sincretismo a partir de Ewá – embora não se
esgote e não se restrinja a ela – bem como o processo educativo em um
ambiente não-escolar viabilizado pela performance.

Mapeando os corpos: a coetaneidade no lugar sacralizado


A geograficidade é um modo de ser na existência (DARDEL, 2011),
sendo assim há uma unidade entre ser humano, seu corpo, seus
sentidos/ideias e o espaço, tal concepção pode ser captada de diversas

553
FONAPER

formas, mas enfatizaremos aqui duas, intimamente ligadas ao projeto e


sua dimensão educativa: o mapa e o lugar.
Enquanto mapa, não pensamos simplesmente uma ―representação
gráfica‖ de um espaço delimitado. Há dois desdobramentos possíveis do
mapeamento que buscamos provocar, um ao nível ideal-individual, outro
ao nível concreto-coletivo. No primeiro caso falamos de ―mapas mentais‖
(TUAN, 1983; PETCHENIK, 1995; CLAVAL, 2007; entre outros), no
segundo caso falamos de algo mais complexo, que não pode ser
simplesmente representado, decalcado e sim vivenciado em ato, atingindo
quase uma ―irrepresentação‖ espacial (MASSEY, 2008).
No que se refere aos mapas mentais da religiosidade, buscamos
provocá-los como expressões individuais, haja vista que revelam o
conhecimento tácito, experimentado e internalizado pelos indivíduos na
sua relação imediata com o espaço (PETCHENIK, 1995). Nesse sentido,
mapas mentais foram produzidos, inclusive por crianças como mostra o
desenho a seguir:

Figura 1 – Desenho de uma criança (Sulamita, 9 anos) que partilhou o tratamento Corpo-
Comunga e fez o registro no caderno coletivo do projeto, Julho de 2013. Notar a clareza na
distribuição dos elementos principais da Instalação Performativa – velas, comida, pano
simbolizando a mesa, etc.

554
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O desenho foi produzido por uma criança no caderno coletivo do


projeto, embora outros desenhos também tenham sido produzidos por
diversos participantes. Não é apenas um desenho, é a percepção de
relações posicionais que instituem um lugar de encontro a partir da
performance, na medida em que a criança traça os indivíduos em ação e
expressa grandezas e palavras, como no caso EUA (EWÁ), há a
exteriorização de algo que a mobilizou, despertou sua atenção de alguma
forma não verbalizada, mas capturada, representada em mapa mental.
A criança consegue inclusive capturar a aproximação do público e
como ela própria acabou por contribuir com o projeto a partir de seu
―mapa‖. Vales ressaltar que a formação da criança é cristã, mas não houve
dificuldades em se relacionar com elementos do candomblé, claramente
expressos no tratamento em questão.
Sabemos, obviamente, que os mapas mentais são utilizados
amplamente como metodologia educativa em séries iniciais e em
pesquisas sobre percepção do espaço (LYNCH, 1999), porém, nos
interessa um mapeamento mental não apenas de uma extensão, mas de
um lugar e, claro, que evidencie tanto a materialidade capturada pelo
indivíduo, como sua compreensão simbólica do que a instalação
performativa evoca.
A outra acepção do mapeamento é, no limite, a sua própria negação.
Na medida em que a performance institui sua geograficidade, os
envolvidos – integrantes e público – passam a construir um jogo de
posições relacionais típico da performance, onde cada um estabelece
conexões com outros, trazendo suas memórias, histórias, vivências
religiosas através da fala, do canto, do corpo, de um objeto precioso,
provocando mudanças e novas conexões na instalação performativa. Aqui
o sentido de mapeamento como representação não cabe, o que temos é
uma cartografia de vivências partilhadas sem que se possa produzir uma
efetiva representação da mesma.

Quando o tambor toca meu corpo vibra, cada pedacinho do meu ser!
(Andréa Rocha, cristã, partilhando a preparação para o Corpo-
Comunga, onde a performance apresentou elementos cristãos,
orientais e do candomblé);
Para quem está de fora, como eu, reconheço elementos importantes
da religiosidade, mas sinto que falta uma história, um enredo mais
explicado. (Luís Otávio, católico, partilhando a performance o Corpo-

555
FONAPER

Vigia, onde emergiram elementos do paganismo, candomblé e


catolicismo, protestantismo).
É o encontro da dualidade entre Ewá e Oxumaré (Mateus Moura, sem
religião declarada, com experiências no Daime e Candomblé, no
caderno coletivo do Projeto Corpo Sincrético).
Percebo as energias aqui, uma confluência de energias muitas vezes
opostas que coabitam no mesmo espaço, o que é muito difícil, Ewá
partilhando com o Ogum [ancestral] não é uma coisa simples, são
energias muito diferentes (Nilson Saldanha, Babalorixá, partilhando a
performance Corpo Trai, onde despontaram elementos do catolicismo
popular, paganismo, candomblé, Seicho-no-ie).

As falas de alguns participantes – diretos e indiretos do projeto – dão


o tom dos tratamentos realizados: a) não há uma percepção apenas, há
múltiplas percepções da performance; b) a geograficidade estabelecida
convida os envolvidos a partilharem suas experiências com o grupo, sua
religiosidade mais íntima e, ao mesmo tempo, mais cotidiana, é
comunicada; c) há diversas camadas de entendimento e compreensão,
sem um controle que tente ordená-las hierarquicamente; d) não é possível
produzir uma representação efetiva, um mapeamento no sentido de
―colocar tudo em ordem sob a tutelagem de uma narrativa predominante
do período‖ (MASSEY, 2008, p. 123).
Essa necessidade de ordenação narrativa de um coletivo solapa a
própria realidade da vivência espacial dos indivíduos, acaba por negar a
possibilidade da multiplicidade de conexões não hierarquizadas (MASSEY,
2008). Ainda que a autora não discuta a questão da irrepresentação
espacial a partir do tema aqui exposto, sua discussão nos ajuda a
compreender o que propomos como possível sincretismo religioso,
realizado na coexistência dos múltiplos, ao que Massey (2008) definiu
como ―coetaneidade‖.
Além do mapeamento e irrepresentação, outro processo que
destacamos com importantes implicações educativas da religiosidade é a
instituição de um ―lugar‖, no sentido de estabilidade, afetividade e
familiaridade constituída (TUAN, 1983), o lugar é um ponto no espaço total
de onde nos situamos e nos reconhecemos, este processo de
reconhecimento é produzido na experiência enquanto continuum ―que
abrange as diferentes maneiras através das quais uma pessoa conhece e
constrói a realidade‖ (TUAN, 1983, p. 9). A experiência então é constituída
de sensações, percepções e concepções.

556
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Me senti a vontade aqui para vivenciar estas coisas, porque gosto de


algo que me desperte e me chame a atenção (Hugo Cordeiro,
partilhando a performance o Corpo-Comunga);
Não me surpreendi porque participo de rituais, vivo isso como algo
natural (Denis Bezerra, partilhando a performance o Corpo Comunga).
Estou completamente a vontade realizando a performance, quero ver
até onde pode ir isto! (Mailson Soares, integrante da instalação, em
reunião do projeto);
Esse projeto me deixa dúvidas, porque penso que é e não é o que
penso, quando tenho certeza que é por um caminho, aparece o
inesperado (Maurício Franco, integrante da instalação, partilhando a
performance o Corpo Foge);
Estou bem, aqui, com vocês, não preciso falar nada, só quero estar
(Cláudio Dídima, partilhando a performance o Corpo-Comunga,
quando a plateia abandonou a arquibancada onde ocorreu a
instalação performativa e entrou na mesma, sentando, deitando,
auxiliando nos movimentos, se alimentando).
Estou cuidando de vocês durante a performance, que é tanto o meu
papel de mulher quanto o meu papel no terreiro, o cuidado é o meu
motivador nesse tratamento (Rosilene Cordeiro, partilhando a
performance o Corpo-Trai).

As falas trazem impressões muito fortes sobre a instituição de um


lugar enquanto espaço de relações afetivas e sagradas, fundamental para
a produção da coetaneidade e diálogo inter-religioso. Os indivíduos nesse
processo tornam-se um coletivo, sem que isso acarrete uma massificação
ou anulação das individualidades ou mesmo das confusões e
conflitualidades, como também as falas explicitam.
Esta conflitualidade contradiz em parte o conceito de lugar a partir de Y-
Fu Tuan (1983, p. 198) ―[...] um mundo de significado organizado. É
essencialmente um conceito estático. Se víssemos o mundo como um
processo, em constante mudança, não seríamos capazes de desenvolver
nenhum sentido de lugar‖. Acreditamos que tanto a estabilidade quanto a
mudança, tanto o que é estático quanto o que é movimento compõe o lugar,
que não é fruto de uma concordância do coletivo, comporta conflitos, mas
conflitos estes construídos a partir de uma posição compreensiva e dialógica.
Cabe ainda ressaltar a fala de Rosilene Cordeiro no que se refere ao
―cuidado‖, que não podemos conceber apenas no sentido idealizado, mas,
sobretudo, em sentido existencial – o cuidado como uma abertura para o
mundo e para o outro, na medida em que nos reconhecemos como ser no
mundo, assumimos a atitude de dar conta de nossos atos e, ainda que isso
leve a angústia diante da pressão da existência, também possibilita um
557
FONAPER

retorno consciente a nós mesmos e a nossa voz, uma autenticidade que


não se pretende verdade universal, mas um viver para si e para o outro e,
de modo mais amplo, para o mundo, numa atitude libertadora que
atravessa o falatório cotidiano para instituir a conquista do universo
existencial (HEIDEGGER, 2012).
A partir do momento que tomamos para nós a responsabilidade de
nossa existência e nos direcionamos para o lugar e o mundo, há uma alegria
e uma completude fundamentais (HEIDEGGER, 2012). Interessante que após
os diversos tratamentos a sensação de completude e entendimento do
momento sagrado partilhado é evidente, tanto para os integrantes do projeto,
quanto para os que participam enquanto público-atuante.
Obviamente, nem todos constroem esta vinculação e este cuidado no
acontecer da instalação, já ocorreram casos de algumas pessoas
comprometidas com sua religiosidade específica abandonarem a
instalação quando a performance de Ewá inicia, porém, até mesmo esta
postura de não abertura é compreendida enquanto aspecto relevante do
projeto. Na fala de um dos integrantes ―Eu experimento com tranquilidade
o momento, mas minha irmã, que é católica fervorosa ia fugir na hora que
os elementos de candomblé se apresentassem‖ (participante do
tratamento Corpo-Comunga, em roda de bate-papo posterior).
A coetaneidade não é a coexistência dos múltiplos por conexões já
dadas, as conexões devem ser construídas numa atitude de abertura ao
outro, não mais pensado como inferior, atrasado ou estranho, mas diverso,
uma trajetória que tem sua própria historicidade e que pode dialogar com a
nossa, abrir determinadas conexões pode implicar em fechar outras
(MASSEY, 2008).

558
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Figura 2 – Fragmento do tratamento Corpo-Trai, realizado na Escola de Teatro da


Universidade Federal do Pará, Agosto de 2013. Notar que a instalação se constrói com
diferentes meios de expressão artística para viabilizar a construção de uma ―ambiência‖,
uma geograficidade que possibilite o entrecruzamento de trajetórias religiosas .

As implicações educativas e políticas da concepção e proposta


metodológica aqui encaminhada (mas não finalizada) são evidentes. O
espaço que emerge desta proposta-pesquisa se levanta contra um tipo de
―imaginação espacial‖ que produzimos onde o lugar é apenas uma
superfície na qual os outros, a partir de nossa concepção, esvaziados de
sentido, têm uma religiosidade menos verdadeira, antiquada ou pavorosa;
nós, carregando a história e nossas experiências ―atravessamos‖ os outros
que estão na superfície de um lugar qualquer.
Massey (2008, pp. 21-22) relata o encontro de Cortez, conquistador
espanhol, com os astecas na cidade de Tenochtitlán, onde o conquistador
em sua trajetória densa de significado, de sacralidade, de história,
atravessa o espaço – do seu ponto de vista – para tomar a cidade nativa,
como se os astecas estivessem paralisados a sua espera, sem história e
sem trajetórias próprias.

Tal espaço torna mais difícil ver, em nossa imaginação, as histórias


que os astecas também estavam vivendo e produzindo. O que poderia

559
FONAPER

significar reorientar essa imaginação, questionar esse hábito de


pensar o espaço como uma superfície? Se, em vez disso,
concebêssemos um encontro de histórias, o que aconteceria às
nossas imaginações implícitas de tempo e espaço? (MASSEY, 2008,
p. 23).

É justamente o exercício do encontro e do cuidado com a história


religiosa dos outros e com os outros que queremos levantar como
alternativa para se pensar o Ensino Religioso. Na cotidianidade, conceber
o encontro através da instalação performativa é um caminho de abertura
para essa possibilidade de existência que entende o corpo e o ser em
unidade com o espaço construído na relação com o diverso, o múltiplo e o
sincrético. Não há respostas prontas a este desafio, mas a pesquisa em
processo e a atitude desencadeada trazem elementos importantes para
pôr em debate nossas imaginações religiosas espaciais.

O Corpo-do-ser: ensino religioso como abertura para o cuidado com


o outro
Ao finalizar este texto, também é um percurso formativo, não significa
que o projeto encerra. Porém, como ainda estamos no processo de
construção do mesmo, cabe destacar algumas ideias-força que este texto
pretendeu explicitar, o que nos leva tanto a uma agenda de pesquisa como
ao amadurecimento de uma proposta metodológica consistente na
interface entre educação religiosa, arte e geograficidade inerente à
condição humana.
A performance ou o ato de performar ―[...] enquanto experiência total, é
provocador de transformações naquele que performa, ou seja, envolve todo o
entorno da vida cotidiana, como um processo ritualístico de passagem, um
movimento que se faz na crise de desencaixe social‖ (MIRANDA, 2010, p. 4).
Tal provocação se estende ao espectador-partícipe, no movimento que aqui
pretendemos realizar, estabelecendo relações a partir do cotidiano religioso
dos envolvidos em busca de um processo que, ao suscitar crises, promovem
uma abertura para repensarmos nossas posições e nossas imaginações
espaciais (MASSEY, 2008).
Tais imaginações espaciais estão, em grande parte, ligadas a nossa
religiosidade específica. Não pretendemos negar as individualidades ou
criar um sincretismo como ―caldo cultural‖, mas construir uma
espacialidade dialógica no ato de performar, que sempre se propõe como
ato coletivo neste caso.
560
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Na medida em que nosso corpo carrega tanto as marcas de nossa


historicidade e nossa religiosidade, também pode veicular matrizes de
significados quando assumimos o cuidado de expressar sentidos e
vivências num espaço construído para tal, construção essa que se faz na
relação e na posição dos indivíduos e existe durante um breve período de
tempo, mas com consequências nada desprezíveis para quem se propõe
vivenciar.
Esse cuidado na expressão de nosso corpo, também deve ser no
entendimento da expressão do outro, num jogo de posições que pode
liberar novas formas de compreensão e diálogo inter-religioso e, sendo
assim, estabelecer uma comunicação educativa não restrita e não excluída
da escola. Porém, o que cabe aqui é discutir a dinâmica relacional dos
indivíduos mais do que simplesmente os preceitos estabelecidos de tal ou
qual religião.
O teatro é amplamente reconhecido como recurso importante no
processo educativo, mas a performance oferece alternativas
imprescindíveis para a construção de uma comunicabilidade coletiva na
medida em que é fruto da construção dos indivíduos a partir do seu
material cotidiano e sem que haja uma necessidade de ―profissionalismo‖,
somado a diferentes níveis de participação, como demonstramos, aponta
importantes caminhos que podemos trilhar, sem pretender fechar um tipo
de linha de chegada ou objetivo específico a alcançar.
O que temos apresentado é abertura de nossas formas de conceber
a religiosidade na relação com os outros e seus espaços, em um encontro
de histórias que, ao se aproximarem, podem mudar nosso entendimento
acerca das religiões. Portanto, a questão que se coloca é simples e direta,
mesmo que não haja garantias ao final, o que existe é um percurso
possível e coletivamente partilhado a trilhar: e se tentássemos fazê-lo?

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562
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de Janeiro: Editora Vozes, 2003.

TUAN, Y. Espaço e Lugar. São Paulo: Difel, 1983.

563
SAMHAIN, HERANÇAS DE UM IMAGINÁRIO SIMBÓLICO
APLICADO AO ENSINO RELIGIOSO

Silas Roberto Rocha Lima1 (UFJF)

Resumo:
Halloween ou Samhain, data comemorada em várias culturas e credos, teve origem entre
os povos pagãos Celtas e o seu imaginário simbólico revela uma realidade que explica a
relação entre o mundo invisível, povoado por espíritos, fantasmas e deuses e o mundo dos
vivos. A partir de pesquisas para a disciplina Linguagens da Religião, do curso de
graduação em Ciência da Religião, analisaram-se os símbolos, mitos e arquétipos de
Samhain ao longo do tempo e na contemporaneidade. Nessa comunicação pretende-se
demonstrar qual a contribuição desse fenômeno para o Ensino Religioso, já que, de forma
ampla e polifônica, essas comemorações demonstram as relações presentes em várias
tradições religiosas sobre a questão da morte e de como ela é sentida e celebrada pela
―sociedade pós-moderna‖.

Palavras-chave: Samhain; Imaginário Simbólico; Ensino Religioso; Diversidade Religiosa.

Introdução
A ideia deste trabalho surgiu quando, como membro do GEP (Grupo
de Estudos Pagãos), fui convidado para ajudar a organizar um ritual de
Samhain. Seria celebrado através de um ritual pagão readaptado de
costumes celtas e com alguns elementos multiculturais wiccanos. O
festival seria comemorado na passagem da noite de 02 para 03 de
novembro, período considerado sagrado para os povos celtas. Data
correta seria 31 de outubro, mas por compromissos acadêmicos e
profissionais tivemos que executar o rito no fim de semana. Tal fato
demonstra o quanto o ritmo do mundo moderno, nos leva a transigir e a
nos adaptar, sendo muitas vezes, difícil seguir os ritmos naturais, que
governavam os povos do passado.
Um grupo bem heterogêneo se reuniu para celebrar um ritual de
inspiração ancestral pertencente a um povo, cuja história se perdeu no
tempo, teve seus mitos e símbolos imiscuídos pelos povos e nações
europeias. Dentro do grupo, havia pagãos praticantes, uma mãe de santo,

1
Membro do GEP (Grupo de estudos Pagãos) e Licenciando em Ciência da Religião na
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
FONAPER

espíritas, céticos curiosos quanto ao ritual, candomblecistas, todos com


motivações próprias.
O ritual da noite envolveu meditações, evocações a deuses e
espíritos, mesclando elementos tradicionais com práticas wiccanas, em
uma combinação de antigo e novo de modernidade e tradição. E cada um
viveu uma experiência diferente, alguns tiveram revelações, outros se
libertaram de seus pesos emocionais.
Houve música, dança, transes onde deuses falaram e festejaram
com os participantes do ritual. Diversidades convivendo e dialogando,
criando um mundo mágico e rico de símbolos e sentimentos. Desta
reflexão, vem a proposta de levar uma experiência culturalmente rica em
muitos sentidos para a sala de aula, onde poderá ser estudada, e
trabalhada a convivência, diferença e tolerância.

Origem de Samhain
Primeiramente, apresentarei um pouco de história sobre a origem
desta festa. Samhain era um Sabbath2, comemorado pelos povos celtas e
marcava o fim de ano em seu calendário. O ano Celta terminava no dia 31
de outubro, era considerado como o ―dia que não se contava‖3.
Celebrado à noite, era realizado em volta de fogueiras e marcava o
momento em que dois mundos se encontravam, tocavam e se misturavam,
permitindo o livre trânsito entre eles. Por esta razão, era uma noite de
vigília e cuidados, pois nem sempre quem fazia a travessia entre os
mundos conseguia voltar.4 Tem sido revivido e repassado por outras
culturas em uma sucessão de reedições de seu imaginário simbólico
sempre se adaptando, para enquadrar-se às realidades das sociedades
que o acolhiam.
Em seu arcabouço, o imaginário simboliza o retorno dos mortos, é o
período dos transes, dos êxtases e das possessões. Neste período, os

2
Sabbath são os oito grandes festivais celebrados pela maioria dos círculos pagãos ao
longo do ano.
3
―[...] momento misterioso que não pertencia nem ao passado, nem ao presente, nem a
este mundo nem ao outro.‖ (Oito Sabás para Bruxas de Janet e Stewart Farrar).
4
―Nessa noite também os espíritos dos amigos mortos procuravam o calor do fogo de
Samhain e a companhia de seus parentes vivos [...] ‗um retorno parcial ao caos
primordial... a dissolução da ordem estabelecida como um prelúdio à sua recriação num
novo período de tempo‘, como Proinsias mac Cana diz em Celtic Mythology‖(Oito Sabás
para Bruxas de Janete e Stewart Farrar)
566
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

vivos podem visitar o mundo dos mortos e vice-versa. É época de celebrar


os mortos, de rever parentes e entes queridos.
Tochas sinalizavam o caminho de quem voltava e era acolhido e, ao
mesmo tempo, serviam para afugentar os intrusos indesejados. Festas,
ceias, cantos, danças, tudo fazia parte deste ritual, ao mesmo tempo
sagrado e profano5. Havia alegria para acolher os que chegavam e tristeza
para os que partiam. Saudade sim, mas nunca desespero, pois sempre
haveria um Samhain para poderem ser revistas as antigas afeições.
Assim perdurou este imaginário rico e vibrante até a chegada do
pensamento, trazido pela principal vertente de então, a igreja Católica
Apostólica Romana. Esta detinha uma visão universalista e excludente, que
aceitava a sua verdade como sendo única e absoluta. Verdade esta, que
combatia o imaginário celta, usando de sua concepção abstrata de mundo e
divindade. O Deus católico não tinha imagem, nem forma, era imanente e
transcendente e, por isso, escapava ao alcance da imaginação humana. O
mundo dos mortos, para os católicos, era um enigma, um mistério oculto aos
olhos e ouvidos dos mortais. Qualquer um que discordasse disto era julgado
como um herege e condenado como um(a) bruxo(a).
No período do domínio clerical católico, mais especificamente por volta
do século IX, Samhain perdeu seu aspecto religioso para se tornar um festival
popular, que foi, aos poucos, sendo sacralizado e perdendo muito de sua
expressão corporal orgiástica original. A festa sagrada foi deslocada para o
dia 1° de novembro, tornando-se o ―dia de todos os santos‖6 e Samhain
tornou-se Halloween, uma festividade que acontece um dia antes da ―festa de
todos os santos‖ e, por isso, tem seu nome inspirado na expressão "All
hallow's eve", que significa a ―véspera de todos os santos‖.
A festa Halloween foi levada pelos irlandeses para a América do
Norte, onde se popularizou como uma festa profana, em que crianças
vestiam disfarces e máscaras e batiam as portas, exigindo guloseimas no
lugar de fazer alguma travessura contra o proprietário da casa. Com o
fenômeno do avanço mediático e grande influência estadunidense, esta
versão da festa foi exportada para os demais países. No Brasil, deu origem

5
―[...] Samhain era, por um lado, um tempo de propiciação, adivinhação e comunhão com
os mortos e, por outro, uma festa desinibida em que se comia e bebia e a afirmação
desafiadora da vida e da fertilidade à própria face da escuridão que se encerrava.‖ (Oito
Sabás para Bruxas de Janet e Stewart Farrar)
6
―O aspecto da comunhão com os mortos e com outros espíritos foi cristianizado como
Todos os Santos‖. (Oito Sabás para Bruxas de Janet Stewart Farrar).
567
FONAPER

aos bailes e festas, onde convidados se fantasiavam. Muitos cursos e


escolas de inglês ainda comemoram esta data dentro dos padrões usados
nos Estados Unidos.
Refletindo sobre a evolução dos fatos acima citados, podemos
observar que com a ruptura da hegemonia católica, este costume pagão,
em seu aspecto ancestral, volta a reviver em uma festa de aspecto
profano: Halloween, mas continua mantendo uma carga simbólica própria
de Samhain. Ela é reeditada para ser celebrada dentro de um contexto
secular, e desta forma, ressuscita o elemento orgiástico com as crianças
fantasiando-se de seus heróis e ídolos, inclusive sendo imitados por
adultos, que contagiados pelo espírito da época também se fantasiam.
Desta maneira, o ideal é incorporado pelo real por uma noite, e mais uma
vez, o invisível através do imaginário entra no mundo concreto e real.

Simbolismo de Samhain
Quanto aos símbolos de Samhain há uma citação que sintetiza muito
bem sobre quais são e suas razões de ser:
Na Magia tudo tem um símbolo, um por que. Mas os símbolos que
mais marcam Samhain é, sem dúvida a imagem da bruxa velha e feia
voando em uma vassoura a luz do luar, vestida de preto. Outros
símbolos são as máscaras de monstros, a abóbora enfeitada (Jack
O‘Lantern), o gato negro e os cães negros. Tudo isso vêm de
mitologias e simbolismos lendários.
A imagem da bruxa tal como descrita, vem da imagem da Deusa Celta
Cailleach, ou mesmo da greco-romana Hécate, trajadas em seu
aspecto ancião. O voar na vassoura é uma imagem metafórica de
práticas que as bruxas faziam para se protegerem da tortura durante a
inquisição. Mas o símbolo das Deusas, o trajar preto e vassoura
possuem significados para a própria bruxaria.
É na noite de Samhain que as bruxas se reuniam mais efetivamente,
pois esse era seu principal festival. O sinal de que a pessoa que se
aproximava era de fato pertencente a Velha Religião era dado por um
singelo movimento feito com a vassoura, por isso, as bruxas levavam
suas vassouras, chamadas por elas de Heskuvytas ou Besons. Sob a
influência das Deusas Negras, ou senhoras da morte, categoria da
qual fazem parte Cailleach e Hécate (e para além disso, na Alta-
Inquisição, apenas as matriarcas de uma família participavam de fato
das comemorações, reforçando a imagem da bruxa velha). O preto
simbolizava a noite e o luto pelas suas companheiras mortas ou
torturadas. As máscaras uniam a antiga tradição de trajar máscaras
para se parecer com os espíritos, assim como facilitava que elas não
fossem facilmente reconhecidas. Os Cães representam a guarda do

568
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mundo espiritual e acompanham as divindades citadas, assim como


os gatos eram mascotes das bruxas.
Desse modo, se tem grande parte dos símbolos justificados. Mas,
para, além disso, há toda uma mitologia que reveste as cores preto,
laranja e roxo, a vassoura, a abóbora, as máscaras, os cães:
verdadeiros símbolos de Samhain.
As cores: o preto simboliza o mistério, o luto, o desconhecido, o
mundo da morte. O laranja já indica o novo começo, o novo ano, a
nova vida, a perseverança. O roxo simboliza a magia, o véu mais
tênue, a passagem.
A vassoura: é o instrumento de limpeza, de purificação, representa
também o falo masculino, o elemento perpetuador. Por isso é comum
que cada participante carregasse a vassoura, para banir as más
energias, ser reconhecido como membro e para também perpetuar-se.
Os Cães Negros: são os grandes guardiões do mundo dos mortos,
regidos por toda divindade cuja morte seja um de seus poderes, e
chamado de Sinistros pela mitologia, são descritos como cães negros,
de pelagens grossas e tamanhos avantajados. Em gerais mansos e
sorrateiros, mas sua mordida tem o poder de ferir ou mesmo destruir a
matéria espiritual.
A abóbora ou Jack O‘Lantern: vem de uma mitologia medieval, que
conta que um homem, após condenado a morte por seus crimes teve
a entrada no céu negada pela alma pecaminosa, e a entrada também
negada no inferno por ter pregado peças no diabo, com isso foi
condenado a vagar eternamente na Terra e, para se guiar nas noites
escuras, ele construiu uma lanterna feita com abóboras. Os bruxos
apenas acrescentaram na lanterna as caras de monstros e afins.
As máscaras: acredita-se que os espíritos possam vagar pela Terra
nessa noite. Com isso as máscaras tem o poder de deixá-los mais à
vontade para rondarem entre os humanos, sem se preocuparem muito
com sua aparência ou, por conta da chacota humana, ficarem menos
tentados a assombrar. Acredita-se que os espíritos com o tempo
perdem sua forma humana adquirindo formas que, para nós podem
ser ou não amistosas, e isso para além de suas verdadeiras essências
de bondade ou maldade. Desse modo, usar máscaras seria uma
7
forma de se misturar com os espíritos.

Halloween uma releitura de Samhain


Quando as pessoas saem fantasiadas pelas ruas e brincando no
Halloween, revivem o período em que os viventes se fantasiavam para
facilitar a visita dos mortos. Ao colocarem as famosas lanternas em forma
de cabeça de abóboras em suas portas, remete aos tempos em que elas
eram usadas tanto para iluminar os caminhos dos mortos bem vindos,

7
Ávillys d‘ Avalon, Mundis Tempus; SAMHAIN 2012 Post Celebratio (02/11/2012)
569
FONAPER

quanto para afastar aqueles que não foram convidados. Este efeito
ambíguo das lanternas era realizado pela forma que se observa o seu
sorriso esculpido, se de um ângulo ela parecia sorrir convidativamente, por
outro ela expressava uma carranca ameaçadora que lembrava um pouco
aquelas usadas pelos ribeirinhos brasileiros do Rio São Francisco, para
afastar maus espíritos que habitavam as águas. No entanto, hoje, as
lanternas são meros enfeites sem significado mágico para o homem
contemporâneo pós-moderno.
Mas o Halloween, quanto ao seu efeito psicológico, faz emergir do
inconsciente, conteúdos há muito guardados e que, nesta noite, podem ser
expostos, confrontados, banidos ou exorcizados, o que estaria de acordo
com o espírito de Samhain.
Em uma declaração feita recentemente, 2009, o Vaticano condenou
o Halloween como uma festa perigosa portadora de vários símbolos e
significações ―anticristãs‖, isto é, pagãos. No Brasil, ainda é comum haver
pessoas que rejeitam a comemoração do evento por entendê-lo como uma
manifestação americanizada e, portanto, distante da nossa cultura, Enfim,
muito se comenta a respeito do Halloween, mas poucos trabalhos
acadêmicos examinam minuciosamente os significados e origens de tal
festividade no Brasil.
A importância do Halloween para o ensino religioso está no fato de
que resgata um conteúdo histórico de um povo que, apesar de ter sido
dispersado, ainda faz parte do ideário de nações principalmente europeias,
mas que chegaram ao Brasil através da colonização ou pela importação de
festas de origem estadunidense. A princípio, aceito como uma festa
profana, que visa apenas o entretenimento de crianças, jovens e adultos,
que têm sido nos últimos anos, com o crescimento dos movimentos neo-
pagãos no Brasil, resgatado o seu caráter religioso e místico.

Sala de aula: Através do Halloween conhece-se o Samhain


Trabalhar em sala de aula com os conceitos ocultos por trás da
mitologia de Samhain/Halloween é apresentar ao educando conceitos que
vão desde lendas até novas lógicas sobre a continuidade da memória e
das heranças, que o imaginário de um povo pode ter e passar às futuras
gerações. Apesar do racionalismo, consumismo e imediatismo do mundo
pós-moderno, ainda há espaço para as tradições, que antes eram

570
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

absolutas em sua influência, mas agora são referências do quanto à


humanidade como civilização caminhou, cresceu e evoluiu, mas também
daquilo que não pode ser esquecido e nem abandonado, sob a pena de
deixarmos de ser humanos.
O Halloween demonstra a possibilidade de ver a realidade sociocultural
como herdeira e formadora de heranças para o mundo que há por vir. O
homem, em sua atitude mais do que humana, cria e recria, apropriando-se
das ideias e dos fatos, sendo que o passado já não é tanto revelado, mas sim
interpretado. Se em uma época, algo pode ser considerado expressão do
sagrado, em outra não passa de mera prática profana. Não há uma verdade
imperante e sim verdades que devem dialogar e é, para isto, que um trabalho
sobre Halloween/Samhain deve ser desenvolvido. O educando deve ser
despertado para o fato de que existem situações pluri geradoras de
entendimentos, isto é, um ritual pagão pode sobreviver em uma festa profana,
e que aqueles que celebram a festa podem dialogar com aqueles que cultuam
esta data como sagrada, sem interferir para com o arcabouço identitário dos
indivíduos envolvidos. Assim se prepara o aluno para conviver com as
diferenças de forma tolerante e respeitosa.
Outra abordagem educacional seria trabalhar a questão da morte e
as maneiras de entendê-la: superação das perdas, vivenciamento da
saudade, etc. Abordar a questão de forma humanizada, usando uma festa
profana, pode permitir trabalhar questões e tabus religiosos sem despertar
as paixões confessionais que o aluno traz de casa. Samhain fala da morte
como parte da vida, fala de caminhos e escolhas daqueles que partiram e
podem voltar, tanto quanto daqueles que ficam, mas mantém seus entes
queridos vivos em sua memória e atos. O lamentar pode ter mais de uma
forma, uma delas é celebrar de maneira alegre aquele que parte, servindo
este processo como um momento de libertação da dor e do inconformismo
diante da inevitável separação.
A criança, o jovem, tanto quanto o adulto neste mundo imediatista
não perde tempo para enxergar o fim de sua jornada na terra, ―pois tempo
é dinheiro‖, então por que desperdiçá-lo preocupando-se com o inevitável:
a morte. Hoje, o consumo se tornou a resposta para as necessidades
espirituais e emocionais, mas qual o bem é durável nesta realidade onde
praticamente tudo é descartável ou tem prazo de duração? Vivemos um
tempo contado, eterno no instante vivido, mas sem compromisso com a
continuidade, seja para o passado, seja com o futuro.

571
FONAPER

Vivendo nesta realidade, onde a vida e a morte se encontram


separadas pela mentalidade racionalista e empírica, a estrutura do
imaginário estratificado sobre os mitos do passado ainda vivem em nova
roupagem, servindo para mostrar um caminho que irá reunir ambos os
mundos sem os entrechoques do universo religioso institucionalizado.
Trazer para a vida dos educandos a morte como fato natural, que pode ser
tratada de diferentes formas, sem ser necessariamente através de um luto
pesaroso, abre novas formas de viver a perda. Esta contribuição seria
interessante para a formação de cidadãos prontos para viver e conviver em
um mundo, onde traumas ou complexos geradores de conflitos e
dissensões teriam sido diminuídos por uma ação educativa que reconcilia
as realidades da vida e da morte.

Estratégias propostas para trabalhar o tema


Como levar Halloween para a sala de aula? Podemos usar de várias
estratégias de acordo com a faixa etária trabalhada.
Para crianças nos primeiros ciclos, a própria festa em sala com
fantasias ou máscaras, feitas pelas crianças e /ou responsáveis, pode ser
uma forma lúdica de associar aspectos positivos à data. Ler histórias de
fantasmas, buscando trabalhar a naturalidade e vivenciamento da morte
nestes encontros. Podem ser contadas lendas sobre seres fantásticos do
ideário infantil e mitológico brasileiro, africano ou celta. Atividades manuais
também são excelentes reforços para apreensão deste conteúdo.
Para jovens do ensino fundamental ou básico, poderia se trabalhar
com o conteúdo mítico e histórico existente sobre a origem e evolução do
Halloween em um trabalho multidisciplinar envolvendo literatura, história e
geografia, além de outras disciplinas afins. Nesta etapa, o jovem já pode
ser estimulado a refletir sobre a morte e seus reflexos na família e
sociedade e analisar a sua importância nas relações humanas. Uma festa
de Halloween pode também ser marcada com jogos típicos desta data e
brincadeiras, do tipo adivinhas e jogos de palavras que trabalham o
conceito da festa e seu conteúdo.
Quanto aos alunos do ensino médio, uma liberdade maior para
pesquisar e expressar seus conhecimentos e vivências relacionados à morte.
A pró-atividade do aluno deve ser estimulada com temas livres para a
pesquisa. O conteúdo e a abordarem de forma crítica da questão da morte e a

572
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sua ressignificação, dentro da história, que é vivenciada pelas várias culturas


e festivais, utilizando o Halloween como referência; busca ampliar o objeto de
estudo para além da mitologia Celta. Traçando, desta forma, um elo entre
fenômenos culturais diferentes em sua origem, mas semelhantes em sua
proposta e preocupação ontológica. Seria a realidade da morte vista por
culturas diferentes, mas movidas pelos mesmos motivos, respostas que
garantam a integridade da sociedade e de seus membros.
Deste panorama maior, podemos trazer o jovem para a sua realidade
imediata através de relatos pessoais espontâneos e informais. Produção
de textos sobre o tema e atribuindo aos jovens se organizarem para
montar uma festa de Halloween com os elementos que julguem
necessários. E desta forma, realizaria todo um ciclo de estudos em sala
sobre este tema de maneira completa e dinâmica, concluindo com uma
comemoração organizada pelos próprios alunos.

A estrutura mitológica de Samhain


Quanto à mitologia de Samhain, cabe uma citação que explica a
cosmogonia na visão Celta, visão esta, que poderia ser usada dentro da
sala de aula com algumas adaptações:
―A mitologia conta que nessa noite Cailleach, já poderosa e livre ao
aprisionar Brigit dentro de uma montanha, encontra seu Cetro mágico e
espalha com ele o frio e a morte pela terra, ensinando os homens lições
sobre solidariedade, irmandade e cuidado. Dizem também que nesse
momento ela fica perambulando pelas estradas e bosques testando o
coração dos homens, mostrando sua forma verdadeira (pele azul, cabelos
branco-esverdeados, um olho sobre a testa, dentes de lobo e garras de
urso) oferecendo a cada um deles um abraço e abrigo para o frio, àqueles
que fogem são por ela devorados, àqueles que enfrentam seu medo e
veem a dama por trás das aparências são acolhidos e abençoados, alguns
chegando ao coito com a Deusa, mas nesse momento ela se transforma
na mais bela das fadas revelando sua beleza interior. É também o
momento que Cailleach, segundo as mais antigas mitologias, prova da
primeira maçã nascida em Avalon (Ilha das Maçãs) fruto que dá a ela a
imortalidade e a divindade mesmo muito antes do surgimento de Danann.
Cailleach também é conhecida por testar o coração dos reis (líderes, nos
dias de hoje) será responsabilidade de suas más administrações o não

573
FONAPER

êxito das reservas e dos campos na superação do inverno (é culpa dos


líderes as catástrofes pessoais e públicas que acontecem nesse
momento), pois se acredita que todo líder que não tenha bom coração ou
boa regência desagrada a Deusa que o castiga através do povo, obrigando
que ele se sacrifique para que seu sangue acalme a fúria da Deusa (hoje
em dia, podemos colocar isso na imagem do líder que se retira). Essa
Deusa é conhecida pela ―bipolaridade‖, trás vida e morte e é a grande
regente de Samhain como soberana eterna sobre o mundo e sobre a vida
e a morte. Nas lendas gardnerianas seria ela a própria personificação da
Morte bem como a Senhora de seu mundo.
Temos ainda nas mitologias celtas, a Deusa Morrigan. Após a grande
batalha e a morte de seu amado CuChulainn, em sua face tríplice como
Morrigù (Morrigan, Macha e Badb), senhora dos caminhos, da morte, dos
espíritos mortos, da passagem e grande governante e guardiã do Mundo
dos Mortos ao lado de Gwyn Ap Nudd (Nuada, o mão de prata, filho de
Belenus (Belenos/Bel/Bilé) com Danann (Dana/Danu/Ana/Anann/Anu/Dôn)
e Rei das Fadas). Dizem que é nesse tempo que Morrigan peregrina pelos
cemitérios ensinando sobre a Morte e conduzindo os mortos para o
Submundo. É costume ouvir relatos de pessoas a verem vestida de negro,
branco ou vermelho escarlate perambulando pelos cemitérios, quase
sempre com a imagem de uma bela e melancólica jovem de longos
cabelos negros, pele branca como o luar e olhares profundos, às vezes,
ladeada por enormes cães negros e corvos. Enquanto Morrigù leva os
espíritos para o Submundo e abençoa os vivos com a Morte (através de
seu beijo e sopro – a imagem da bênção da morte como sendo a
verdadeira essência e sabedoria, a verdadeira paz e descanso prometidos,
a mais bela das passagens prometidas ao homem), Gwyn Ap Nudd recebe
os espíritos no Grande Saguão conduzindo-os pelos Reinos de Arawn, o
grande Senhor do Submundo. É Nuada que revelará suas essências aos
espíritos auxiliando-os a se desprenderem da forma física o mais rápido e
fácil, e ajudando-os a redescobrirem suas verdades para que possam
prosseguir retornar ou lá descansar. Enquanto isso, Arawn conduz os
espíritos revoltosos ao Pátio das Lamentações, onde eles poderão se
lamentar e sofrer sem prejudicar ou assombrar os vivos. Descrevem esse
pátio como um local onde os espíritos se mutilam e deformam pela dor e
saudade da terra, de onde, em geral, foram retirados de forma brusca e
fora de seu tempo. Revoltosos pela própria morte e ameaçando fazer o

574
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

caminho de volta são vigiados pelos grandes Sinistros (os cães negros) e
por outros seres do Submundo com poderes e capacidade de ferirem a
alma espiritual; e, segundo as lendas, seres em que Morrigan governa.
Paralelo, e ainda na lenda de Morrigan, dizem que ela também lava
os corpos dos espíritos assaltados (mortos de forma brusca e violenta)
para que eles sofram menos e para que se sintam acolhidos com o choro e
lamento dessa Deusa. Afirmam também ser possível vê-la em riachos
lavando corpos espectrais daqueles que morrerão de forma violenta ou na
batalha, já protegendo e anunciando a morte daquela pessoa. As lendas
morganianas se assemelham muito às lendas lilithianas nas mitologias
médio-orientais. ‖8
Nessa narrativa mítica, os Deuses acolhem os recém-falecidos e
governam o mundo dos mortos, trata-se de imagens icônicas contrapostas
à visão do Deus abstrato e impessoal do pensamento monoteísta. Estes
deuses possuem corporeidade e se fazem visíveis e sentidos em Samhain.
Eles são humanos em suas essências e muito próximos aos mortais. Os
deuses desafiam, testam, guerreiam com os homens e por estes, esta
cosmogonia pode ser trabalhada em partes e de forma progressiva,
respeitando a escala de aprendizagem de própria de cada faixa etária.

Conclusão
A partir deste trabalho, foi possível analisar e comparar dois rituais
distintos, mas que compartilham de um mesmo ideário, sendo, portanto,
um ritual herdeiro do outro. Descortina-se, neste breve estudo, um
universo novo de pesquisas a serem continuadas por estudiosos que
busquem desenvolver novas formas de diálogos inter-religiosos.
Encerro este trabalho, esperando ter conseguido demonstrar, pelo
menos, um pouco da importância de trazermos antigos ritos para os
estudos em sala de aula. Esta metodologia serve não apenas para
satisfazer uma curiosidade histórica ou acadêmica, porém também como
uma forma de conhecer parte da formação do imaginário humano.
O imaginário como forma de linguagem do rito religioso, pode
agregar as mitologias e as preservá-las ao longo do tempo, em estruturas
perenes guardadas no inconsciente coletivo dos povos e etnias, de onde

8
Ávillys d‘ Avalon, Mundis Tempus; SAMHAIN 2012 Post Celebratio (02/11/2012)
575
FONAPER

podem ser evocadas e recriadas, seja através de ritos sacros, seja por
meio de festas populares.
Estudando de forma reflexiva, este tema serve para alcançarmos o
entendimento da diversidade das crenças e pertenças, criando condições
de convivência entre as diversas manifestações religiosas, exercitando a
prática da alteridade e da tolerância.

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filosofia da imagem, 5ed; Ed DIFEL; Rio de Janeiro, 2011.

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576
GT5: DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS

Coordenação:
Dra. Kathlen Luana de Oliveira (FACOS e IMT/URI)
Dr. Luiz José Dietrich (PUCPR e GPEAD/FURB)

Ementa: O GT tem por objetivo oportunizar um espaço de debate e intercâmbio


de saberes e experiências que abordem a temática sobre direitos humanos,
especificamente sobre as violações, violências e situações de intolerância
religiosa. Saberes e experiências que podem ser investigados em espaços de
ensino religioso, formais, não-formais ou comunitários. Buscam-se trabalhos das
diversas áreas do conhecimento que proporcionem um mapeamento, uma
visibilização da problemática, juntamente com pesquisas que possibilitem
estratégias de superação, propostas de ação crítica e construtiva à uma educação
em direitos humanos que considere o direito à liberdade e à diversidade religiosa.

Palavras-chave: Diversidade Religiosa; Direitos Humanos; Ensino Religioso.


ENSINO RELIGIOSO:
DIREITO RECONHECIDO OU DIREITO NEGADO

Maria Lina Rodrigues de Jesus1 (UFES)

Resumo:
O objetivo do artigo é analisar se o Ensino Religioso é um direito reconhecido ou um direito
negado no espaço da escola. A metodologia de pesquisa foi revisão teórica. Para tal,
analisaram-se os principais documentos: A Constituição Federal de 1988 (CF/88), a
2
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) , a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), de n. 9.394/963³, e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o
4
Ensino Religioso (PCNER) . Nesse artigo, argumenta-se a relação do Ensino Religioso com
os Direitos Humanos, a partir das análises e reflexões decorrentes desses principais
marcos legais. Nesse conjunto, há reflexões acerca da diversidade religiosa e dos direitos
humanos, em um contexto permeado pelo multiculturalismo, laicidade, direitos humanos e
educação.

Palavras-chave: direitos humanos; educação; ensino religioso.

Introdução
O objetivo do artigo é analisar se o Ensino Religioso (ER), enquanto
componente curricular da Educação Básica é um direito reconhecido ou
um direito negado no espaço da escola. Embora, o ER no Brasil sempre
estivesse presente na Educação enquanto elemento do currículo, só
recentemente foi reconhecido como uma das dez áreas de conhecimento
integrantes da formação básica.
O ER, na Educação, sempre gerou controvérsias. De um lado, há os
que defendem sua importância na formação dos educandos, dessa forma
deve integrar ao currículo da escola básica. De outro, os que discordam,

1
Pedagoga Mestra em Teologia – Educação e Religião pela Escola Superior de Teologia
(EST). Contatos: marialinaj@hotmail.com. proexufes@gmail.com. Coordenadora da
Área Temática de Educação e Direitos Humanos da Pró-Reitoria de Extensão UFES.
* Este artigo é parte da Dissertação de mestrado intitulada Diretos Humanos, Educação e
Ensino Religioso.
2
ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
1948. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em:
12 out. 2012.
3
BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de Dezembro de 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 04 fev. 2012.
4
FONAPER. Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso. Parâmetros curriculares
nacionais: ensino religioso. 9. ed. São Paulo: Mundo Mirim, 2009.
FONAPER

argumentam que questões afetas à religião pertencem ao campo privado,


portanto, não devem ser assuntos do âmbito da escola e sim das famílias e
das religiões.
Outras questões se somam às discussões referentes à oferta ou não
do ER na escola, tais como: a laicidade do Estado, o interesse da igreja
católica, o multiculturismo religioso presente no Brasil e os direitos
humanos. Dessa maneira, é necessário revisitar a história do processo de
ensino-aprendizagem do ER na Educação, considerando os aspectos
políticos, sociais, culturais e os diretos humanos. Por conseguinte, analisar
os princípios e fundamentos das bases inspiradoras dos direitos humanos,
dos marcos legais e normativos, no âmbito da garantia e da oferta do
direito à educação. Diante disso, é importante considerar essas
dimensões, buscando elucidar se tal disciplina é ofertada enquanto direito
à educação ou é um direito negado.
É preciso, porém, conhecer a história do ER na Educação, buscando
dessa forma elucidar como se deu a construção da concepção do ER,
evitando assim, que os mesmos erros do passado se repitam no presente.
Reconhecê-la em suas raízes, é fundamental para compreender visões,
concepções e práticas educacionais. Desta forma, buscar construir um
novo paradigma, a fim de estabelecer espaços pedagógicos capazes de
romper com os velhos padrões, herdados do processo de colonização,
onde a cultura e os rituais dos povos indígenas e africanos além de serem
condenados eram reprimidos. Galeano5, sobre o ciclo da prata, afirma:

A espada e a cruz marchavam juntas na conquista e na espoliação


colonial. Para arrcancar a prata da América, encontravam-se em
Potosi os capitães e astecas, toureiros e apóstolos, soldados e frades.
Convertidas em bolas e lingotes, as víceras da rica montanha
alimentaram substancialmente o desenvolvimento da Europa.

Saviani6 explica, ―a pedagogia cristã, de orientação católica, gozou


de uma hegemonia incontrastável no ensino brasileiro‖. Para o autor,
desde 1549 os jesuítas com o subsídio da coroa portuguesa instituíram a
pedagogia brasílica, com base na ―Ratio Studiorum‖, só alterada com a

5
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980.p. 32.
6
SAVIANI, Dermeval. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira.
Campinas: Histedbr, 25 ago. 2005.p. 1-38. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_036.html>.
Acesso em:14 maio 2012.
580
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

expulsão destes em 1759 com as reformas pombalinas da instrução


pública. Para tanto, Anchieta logo veio a dominar a língua geral falada
pelos índios do Brasil cuja gramática organizou para dela se servir no
trabalho pedagógico realizado na nova terra a ―Civilização pela palavra‖.
A Pedagogia Tradicional se caracteriza por uma visão essencialista
de homem. Para essa vertente religiosa,

[...] tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança, a
essência humana é considerada, pois, criação divina. Em
consequência, o homem deve se empenhar em atingir a perfeição
humana na vida natural para fazer por merecer a dádiva da vida
7
sobrenatural .

Com a expansão do iluminismo e das ideias liberais ocorreu o


rompimento do Estado com a Igreja se instaurando o controle do Estado
na educação pública, tendo então a influência da pedagogia do
humanismo racionalista. Nos anos 20 é então que o movimento lança o
―Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova‖, em 1932, disputando passo
a passo o controle do espaço pedagógico com educadores católicos. No
movimento contra a Escola Nova, Saviani destaca o líder católico, Alceu de
Amoroso Lima, que defende a responsabilização da família, da Igreja,
como instituições naturais e sobrenaturais acima do Estado, na
organização do ensino e da educação nacional. Saviani esclarece, ―apesar
da influência da Escola Nova, boa parte das escolas normais e dos cursos
de pedagogia permaneceu sob o controle da Igreja‖,8 assim como
prorrogou-se o pensamento católico nos manuais usados pelas instituições
públicas. A pedagogia nova só galgou poder em 1947 na comissão que
elaborou o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Outro movimento de origem religiosa na educação é o Movimento de
Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de Educação de
Adultos, cujo ideário pedagógico mantém muitos pontos em comum com o
ideário da pedagogia nova, surgindo a ―escola nova popular‖, com
afinidades com a corrente denominada de ―teologia da libertação‖.
O Ensino Religioso realizado no Brasil nas décadas de 1930 a 1960
se relacionava exigência com a exigência da presença da igreja. Já em
meados da década de 80 até o momento atual, o empenho tem sido para

7
SAVIANI, 2005, p.6.
8
SAVIANI, 2005, p.13.
581
FONAPER

garantir o ER como parte integrante do processo ensino-aprendizagem


enquanto componente natural da escola.

O ER na História da Educação Brasileira


O ER em seu processo educativo tem sido marcado por práticas de
cunho confessional em diversos sistemas educacionais brasileiros9, um
modelo que persiste ainda nos dias atuais. Um ensino que negou e
desrespeitou às demais culturas religiosas por um período de mais de 500
anos. Modelo este que impossibilitou a igualdade de acesso dos
estudantes ao conhecimento de diferentes culturas religiosas e a vivenciar
de igual modo suas diferentes experiências. Consequentemente, isso
dificultou o diálogo intercultural e a vivências dos direitos humanos.
Na história da Educação, o ER sempre esteve presente como
componente curricular enquanto disciplina obrigatória na escola. Nos dias
atuais, a oferta é facultativa para os educandos10. Segundo os autores, o
ER, no regime imperial, aparecia no currículo oficial como credo oficial da
religião católica. Nesse sentido, para ensinar o conteúdo o pré-requisito
básico exigido aos ministrantes era o conhecimento da religião11. Tal
procedimento se fazia presente mesmo na ocasião da implantação da
República, onde as ideias modernas representavam parte das discussões
sobre a laicidade na escola. O programa de religião na forma confessional
permanecia presente tanto na escola como nos marcos legais.
O ensino público laico na história das constituições brasileiras vem a
aparecer pela primeira vez na Constituição de 1934. Já o ER como
disciplina nos horários normais das escolas oficiais brasileiras surge nas
seguintes leis gerais da educação: Lei n. 4022/61 e a Lei n. 5.692/71.
Quanto ao caráter optativo do ER, mediante matrícula facultativa, é
estabelecido desde as Constituições de 1934 até a de 1946.
No tocante à laicidade do Estado, grandes discussões surgem,
sempre que se discute a implementação ou a implantação do ER no
currículo. Trata-se inegavelmente de divergência de opiniões entre
lideranças religiosas, educadores e representantes da sociedade civil. A
temática da religião, para uns é considerada de foro da família ou das

9
Inclusive no Rio de Janeiro o ER é confessional.
10
JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira; HOLANDA,
Maria Ribeiro. Ensino religioso: aspectos legal e curricular. 1. ed. São Paulo: Paulinas,
2007.
11
JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007.
582
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religiões. No entanto, para outros, em se tratando do espaço da educação,


não deve ser oferecida no modelo confessional e sim ser abordada
considerando a dimensão pedagógica da disciplina enquanto área de
conhecimento.
Outro fato que se observa se refere ao não tratamento do tema do
ER, nas discussões dos organismos oficiais de ensino responsáveis pela
organização curricular (Conselhos de Educação), da mesma forma que as
demais disciplinas. Fato que contribui para o retardamento da efetivação
do ER na escola. Com isso, pouco se avança na perspectiva de uma
prática pedagógica sob a perspectiva dos direitos humanos.
O Ensino Religioso na Educação Recente
Em 1987 um grande grupo de educadores, representantes da
sociedade civil, religiosa, de instituições governamentais e não
governamentais, de diferentes âmbitos de atuação, impulsionou um
movimento na defesa do Ensino Religioso. Nessa perspectiva, uma
expressiva mobilização nacional foi estimulada, tendo com o efeito
produzido um número significativo de assinaturas, sendo a segunda maior
emenda apresentada ao Congresso Constituinte. Como consequência
desse processo, o conceito tradicional do ER é rompido, deixando para
trás o velho modelo confessional. Com a nova compreensão, novos
encaminhamentos têm sido buscados, no desejo de assegurar o respeito à
diversidade cultural religiosa, o acesso ao conhecimento religioso –
patrimônio da humanidade, e contribuído com o exercício da cidadania. O
que veio a exigir inovações nas práticas pedagógicas, nova definição de
seus conteúdos.12Com isso, a nova redação ao artigo 33 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9394/96 ficou da
seguinte forma:

[...] o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o
respeito à diversidade cultural religiosa no Brasil, vedadas quaisquer
13
formas de proselitismo .

12
FONAPER, PCNER, 2009.
13
BRASIL. Lei n. 9.475, de 22 de Julho de 1997.Disponível em:
<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/l9475_97.htm>. Acesso em: 04 fev. 2012. (grifos
da autora)
583
FONAPER

Fato importante para o ER no Brasil, tendo seu espaço acentuado na


história da educação, no âmbito da Educação Básica. Outro marco
significativo ocorreu com a organização dos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Religioso (PCNER), por parte do Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso (FONAPER). Trabalho exaustivo e fruto
de profundas reflexões, sobre os fundamentos históricos, epistemológicos
e didáticos. O documento dos PCNER apresenta o objeto de estudo, os
objetivos, os eixos organizadores e o tratamento didático desse
componente curricular. Tal documento foi entregue ao Ministério da
Educação (MEC), em outubro de 1996 e em 199714.
Nessa direção, a Resolução CNE/CEB n. 02, de 07 de abril de 1998,
estabelece que para a oferta do ER nas escolas caberá, aos sistemas de
ensino regulamentar os procedimentos de acordo com os §1º e o § 2º da
Lei n. 9.475/97: ―os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos
para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores‖ e ―ouvirão entidade
civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição
dos conteúdos do ensino religioso‖ 15. Nessa mesma resolução, art. 3º,
item IV determina que a disciplina do ER integre as dez áreas do
conhecimento que norteiam o currículo da educação brasileira, a saber:

[...] b) as áreas de conhecimento:


1. Língua Portuguesa
2. Língua Materna, para populações indígenas e migrantes
3. Matemática
4. Ciências
5. Geografia
6. História
7. Língua Estrangeira
8. Educação Artística
9. Educação Física
10. Educação Religiosa, na forma do art. 33 da Lei 9.394, de 20 de
16
dezembro de 1996 .

14
FONAPER. Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso. Parâmetros curriculares
nacionais: ensino religioso. 9. ed. São Paulo: Mundo Mirim, 2009.
15
BRASIL. Resolução CEB n. 2, de 7 de Abril de 1998. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb02_98.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2011.
16
BRASIL. Resolução CEB n. 2/1998.
584
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O reconhecimento do ER como área de conhecimento e parte da


base nacional comum em conformidade com as demais áreas, no aspecto
legal e epistemológico, é, sem dúvida, uma grande conquista. Embora,
exista uma enorme distância entre o que dizem as leis e o que acontece
nos espaços das escolas. Tal fato também se aplica no tocante ao
reconhecimento do ER como área de conhecimento. Isso decorre da
complexidade dessa temática e pela ausência da formalização institucional
de Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso por parte do
MEC.

O Ensino Religioso na Constituição Federal de 1988


A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer o princípio da
dignidade humana como um dos seus fundamentos, impulsiona a
formulação de politicas públicas para atender a ampliação dos direitos.
Com isso, a LDB, Lei n. 9394/96 em seu artigo 33 passa a vigorar com
nova redação de acordo com a Lei n. 9.475/97.
Sendo assim, cabem alguns questionamentos diante do quadro atual
do ER, tendo em conta a fragilidade de sua consolidação nos espaços da
escola. Como garantir a oferta de modo a atender a diversidade cultural
religiosa, e também aos não religiosos? Como os sistemas de ensino
organizarão o tratamento do ER sem a definição oficial de Diretrizes
Curriculares Nacionais que o orientem? E como será a seleção de
professores sem a articulação desses conteúdos nos cursos de graduação,
pós-graduação sem a oferta por parte das universidades públicas? E a
seleção dos livros didáticos? Como construir uma prática pedagógica
respeitosa, não proselitista, uma vez que os marcos legais e as práticas
pedagógicas na maioria das vezes foram objetos de práticas que
desrespeitam as diversidades culturais religiosas existentes no país - por
mais de 500 anos?
No que se refere ao perfil do professor do ER, de acordo com os
PCNER, o professor dessa disciplina deve ter formação específica e
continuada, sobretudo no que se refere ao conhecimento das
manifestações religiosas, ter clareza frente a sua convicção de: fé, de
consciência da complexidade das questões afetas às religiões, de ter
sensibilidade para as diversidades religiosas, de abertura para o diálogo,
da escuta e capacidade de fazer articulações a partir das demandas da

585
FONAPER

aprendizagem. Deve ser um mediador entre a escola e a comunidade na


resolução de possíveis conflitos.
Para atender às demandas da formação, os conteúdos básicos
recomendados pelos PCNER17 são: Culturas e Tradições Religiosas,
Escrituras Sagradas, Teologias comparadas, Ritos e Ethos.
Segundo Junqueira, Corrêa e Holanda18, atualmente o ER está
regularizado em 25 Estados, sendo que 18 legislações foram produzidas
pelos Conselhos Estaduais de Educação, e sete foram elaboradas pelos
Governos Estaduais (Assembleias Legislativas ou Governadores).
Segundo Junqueira, Corrêa e Holanda19, nas legislações de ensino,
sejam nacionais ou estaduais, se observa que, do ponto de vista curricular,
como área de conhecimento, há necessidade de maior clareza no tocante
aos fundamentos epistemológicos, antropológicos, filosóficos e
pedagógicos. Nas práticas cotidianas das diferentes realidades brasileiras
se observam várias contradições, como, por exemplo, a falta de
conhecimento dessa disciplina, ocasionando percepções, visões e atitudes
não condizentes com a especificidade e a complexidade desta área de
conhecimento. Para os autores, o que se pode inferir devido à maneira tão
diversa como tem ocorrida a inserção do ER na grade curricular, se deve
entre outros fatores à ausência de cursos de licenciatura que possibilitem a
formação de professores.
Outro fator importante se refere às normatizações para orientar a
oferta da disciplina. Tendo em vista que nem todas foram deliberadas
pelos Conselhos Estaduais de Educação e sim pelos Governos Estaduais
(Assembleias Legislativas ou Governadores), deixando transparecer a
fragilidade legal da orientação da oferta. Afinal, os conselhos de educação,
segundo o Artigo 10 da LDB, tem o papel essencial na discussão,
elaboração e avaliação da política educacional. Portanto, na implantação e
implementação da disciplina do ER nos sistemas de ensino, de acordo
com o art. 33 da LDBEN (9475/97). Os Conselhos Nacionais de Educação
(CNE), Conselhos Estaduais de Educação (CEE) e Conselhos Municipais
de Educação (CME) agem de forma colegiada, normativa e consultiva,
cujas atribuições são: interpretar, normatizar e assessorar a legislação

17
FONAPER. Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso. Parâmetros curriculares
nacionais: ensino religioso. 9. ed. São Paulo: Mundo Mirim, 2009.
18
JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007.
19
JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007.
586
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

educacional, visando o cumprimento da Lei nos sistemas de ensinos de


modo efetivo.
Certamente a normativa oriunda dos Conselhos de Educação
subsidiaria com clareza os pressupostos, fundamentos e princípios, na
sistematização, construção e solidificação do ER na escola. Por
conseguinte, garantiria a sua efetivação de acordo com os princípios
definidos na Constituição Federal, LDBEN e os Direitos Humanos.
Junqueira, Corrêa e Holanda20 ressaltam que para a implantação do
ER, mesmo sendo reconhecido como área de conhecimento e parte da
base nacional comum, falta a formalização de curso que oriente a
formação do professor/a. Isso porque, o ER na atual configuração
apresenta novos desafios a serem superados, desde sua ministração, a
exemplo as aulas de religião, a formação dos professores que exigia como
referência, o conhecimento da doutrina e a divulgação do núcleo religioso.
A formação de professores e o estabelecimento de conteúdos do
currículo na concepção da escola e na perspectiva das ciências da
religião21 ainda não foram regularizados legalmente por parte das
autoridades educacionais. Por essas razões se observa diferentes
concepções e propostas nas ofertas nas várias modalidades de ensino em
todo o país. Seguramente que sem definição e clareza de diretrizes
nacionais que orientem o processo de ensino-aprendizagem os educandos
poderão não ter acesso aos conhecimentos do ER e sim a continuação de
conteúdos que atendam a interesses outros que não os dos fins
estabelecidos da educação.
Diante disso, de acordo com os dados da pesquisa realizada no
período de1995 a 201022, os números revelaram um total de 106 propostas
de cursos em diferentes modalidades, e segmentos. Quanto às propostas
de cursos a serem implantadas, estas se apresentaram das seguintes
formas: Ensino Médio, Graduação, Extensão e Especialização. Desses, 90
20
JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007.
21
O Curso de Graduação em Ciências da Religião-Licenciatura em Ensino Religioso não
está vinculado a uma religião ou a uma teologia, mas às Ciências da Religião enquanto
aporte teórico que lhe oferece possibilidade de investigação das diversas manifestações
do fenômeno religioso na história e nas sociedades, ao mesmo tempo em que é regido
por princípios e fundamentos das Ciências da Educação, enquanto área de
conhecimento, levando em conta todas as áreas, subáreas e especialidades.
FONAPER. Propostas de diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação
em ciências da religião. Licenciatura em ensino religioso. Disponível
em:<http://www.fonaper.com.br/documentos_propostas.php>. Acesso em: 14 fev.2013.
22
JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007.
587
FONAPER

são na modalidade presencial e 16 na modalidade da educação à distância


ou semipresencial. Quantos aos cursos, em andamento, apontaram as
seguintes informações: 1 curso de Ensino Médio, na modalidade EAD, 21
cursos de graduação, sendo 7 bacharelados e 14 licenciaturas, desses 2
na modalidade EAD; 14 cursos de extensão, desses 5 na modalidade
EAD, 70 cursos de especialização, desses 8 na modalidade EAD.
Outro aspecto importante a ressaltar nessa pesquisa, é no âmbito da
formação quanto da disciplina, se refere ao acordo entre o Governo da
República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico
da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de
novembro de 2008. Foi a inesperada iniciativa por parte do Estado do
Vaticano com o Brasil, acontecimento que contribuiu tanto para o aumento
da indefinição do objeto de estudo do ER, como com a delimitação da
identidade do professor. Tendo em vista que o conteúdo do acordo sugere
e encaminha outra concepção de Ensino Religioso e consequente
organização curricular. O § 1º do Art. 11 do Acordo, ao apresentar o
Ensino Religioso como "católico e de outras confissões religiosas",
contrapõe o capitulo da Lei 9.475/1997, pois esta não orienta que o Ensino
Religioso seja de uma ou outra denominação religiosa23.
Outros aspectos importantes apontados por Junqueira, Corrêa e
Holanda24 se referem à indefinição legal para a formação de
professores/as, às diferentes formas de concepção e à denominação de
cursos nessa área. Estes se apresentam das seguintes formas: Ensino
Religioso, Educação Religiosa, Cultura Religiosa, Ciências das Religiões,
Ciências da Religião, Ciência da Religião e Teologia. Vê-se, pois, que essa
realidade leva ao questionamento sobre a formação: será que esses
cursos organizados de modos diferentes garantem uma base mínima para
os/as professores/as? Por conseguinte, as práticas pedagógicas são
coerentes com os objetivos da disciplina? Será que tais Instituições têm
privilegiado as demandas específicas e complexas do ER, no que se refere
à diversidade cultural religiosa, em atenção aos direitos humanos? E as
dimensões do multiculturalismo e os fundamentos do Estado laico? E a
ética do respeito à legitimidade do outro está sendo observada?

23
BRASIL. Documento Final. Conferência Nacional de Educação CONAE 2010.
Disponível em:
<http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/documento_final_sl.pdf>.
Acesso em: 14 mar. 2011.
24
JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007.
588
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Os Direitos Humanos nos PCNER


Elementos Históricos do Ensino Religioso na perspectiva dos Direitos
Humanos. No período de 1500 a 1800 o ER se apresenta de forma não
respeitosa para com a diversidade religiosa presente no país. Nesse
período o ER é o ensino da religião oficial, com o objetivo de evangelizar
os gentios e catequizar os negros, mediante acordo como com autoridades
políticas e religiosas de Portugal25.
Na segunda fase (1800 a 1964), o ER continua submetido ao Estado,
sendo ensinada na escola a religião da Igreja Católica Apostólica Romana.
Na implantação do regime Republicano – 1890 a 1930-, período em que o
ensino da religião passa por questionamentos, resultando na separação
entre Estado e igreja, o ensino continua sob a orientação da igreja católica.
De 1930 a 1937, denominado período de transição, o ER é admitido em
caráter facultativo, por meio do decreto de 30 de abril de 1931, em
decorrência da Reforma Francisco Campos26.
O ER na Constituição de1934 é assegurado conforme o artigo 153,
sendo de matrícula facultativa, ofertado nas várias escolas públicas nos
diversos níveis de ensino: primárias, secundárias profissionais e normais,
devendo ser ministrado em acordo com a confissão religiosa do estudante.
No Estado Novo, com a efetivação da Reforma ―Francisco Campos‖, O ER
perde seu caráter de obrigatoriedade de acordo com o artigo 133 da
Constituição de 193727.
No terceiro período republicano, de 1946 a 1964 o ER, é
contemplado como dever do estado, conforme o artigo 141 que assegura a
inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, e a livre expressão
dos cultos religiosos, desde que não contradigam a ordem pública e os
bons costumes.
Na terceira fase de 1964 a 1996, foram tempos acentuados por
grandes mudanças que conduziram para o fim do projeto característico de
um modelo de educação para um grupo privilegiado e o início de um
processo mais includente com maior universalização do ensino. Já no
período de 1964 a 1984, denominado período militar, momentos em que
avanços democráticos são interrompidos, o ER passa a ser obrigatório

25
FONAPER. Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso. Parâmetros curriculares
nacionais: ensino religioso. São Paulo: Mundo Mirim, 2009.
26
FONAPER. PCNER, 2009.
27
FONAPER. PCNER, 2009.
589
FONAPER

para a escola, e facultativo para o aluno, tendo esse o direito de optar pela
frequência ou não no ato da matrícula. Nesse período, o conceito de
liberdade passa pela ótica da segurança nacional28.
De 1986 a 1996, a escola é também um dos espaços sociais
marcado por rupturas com as concepções de educação, crises de
paradigmas, valores, fatos que acendem incertezas, mas também
assinalam novas perspectivas, novas visões de mundo, de pessoas, de
conceitos e valores. Nesse contexto, o ER buscou acompanhar tais
mudanças, procurando se inserir enquanto disciplina regular juntamente
com as demais. Assim, no processo constituinte, o ER integra o debate no
projeto de Lei de Diretrizes e Bases no Congresso Nacional que, mais uma
vez, é marcado por nova polêmica; de um lado, os que são contra a sua
permanência ou inclusão na educação e, de outro, os que são a favor29.
Nesse contexto, o ano de 1997, foi considerado um marco para o ER
no Brasil. Isso porque, pela Lei n. 9475/97, foi dada uma nova redação ao
artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei
de n. 9394/96. Primeiro artigo modificado na LDBEN. Outro fato marcante,
foi a organização dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso – PCNER, pelo Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso
(FONAPER). Esse documento foi resultado de um amplo processo de
reflexão sobre as bases históricas, epistemológicas e didáticas do ER. Tão
importante quanto analisar os elementos históricos do ER no decorrer do
processo educativo, como também analisar os diretos humanos no
PCNER.

Os Direitos Humanos nos PCNER


Objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso. O FONAPER, fundamentado na nova redação do artigo 33 da
LDBEN, Lei de n. 9394/96, elaborou os Parâmetros Nacionais Curriculares
do ER, objetivando ―[...] explicitar seu objeto de estudo, seus objetivos,
seus eixos organizadores e seu tratamento didático‖ 30. Essa proposta,
objetiva subsidiar a organização dos conteúdos dessa disciplina. Nessa
elaboração, foram considerados os aspectos históricos, epistemológicos e

28
FONAPER. PCNER, 2009.
29
FONAPER. PCNER, 2009.
30
FONAPER. PCNER, 2009, p.7.
590
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

didáticos, a fim de fomentar o debate e a compreensão acerca da


abordagem pedagógica do ER como área de conhecimento.
Assim, sob essa ótica, os PCNER apresentaram os seguintes
objetivos para implantação das atividades:

• proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o


fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no
contexto do educando;
• subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial,
em profundidade, para dar sua resposta devidamente informado;
• analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e
manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais;
• facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de
fé das tradições religiosas;
• refletir o sentido da atitude moral, como consequência do fenômeno
religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e
comunitária do ser humano;
• possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção
31
de estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor inalienável .

Os Direitos Humanos nos Eixos Organizadores do Conteúdo


Na análise do PCNER, foi possível identificar palavras que também
estão presentes na linguagem dos direitos humanos: valores e ética,
utopia, princípios, fundamento, política, ideologia, respeito, moral, cultura,
conhecimento, consciência, alteridade, liberdade, democracia, preconceito,
diálogo, conforme quadro 2.

Palavras encontradas no PCNER (eixos organizadores dos conteúdos - Culturas e


Tradições Religiosas, Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais Teologias, Ritos e
Ethos)
Noção de Direitos Humanos Ética, Utopia, Valor, Respeito, Cultura,
Noção de Dignidade Política, Moral, Princípios, Ideologia,
Noção de Dimensão Religiosa Fundamento, Alteridade, Liberdade,
Democracia. Preconceito, Diálogo,
Conhecimento, consciência.
Quadro 2 - Análise dos PCNER. Sistematização da pesquisadora.

Por meio da análise do PCNER percebe-se que todas as 17 palavras


estão presentes, ora de maneira mais direta, ora indiretamente, nas três

31
FONAPER. PCNER, 2009, p.47.
591
FONAPER

categorias de análise abordadas no decorrer deste trabalho. Nesse sentido é


possível constatar que estas se apresentam de modo interligado, ou seja, se
complementam. Fica evidente, diante desse quadro a indivisibilidade destas
categorias integrantes das dimensões do ser humano.
Refletindo sobre o significado das palavras, nos foi possível inferir
algumas considerações a partir do entendimento acerca dos direitos
humanos a serem fundamentados no reconhecimento de que todos os
seres humanos são iguais em dignidade. Entende-se que a dignidade
como a identidade humana, portanto é única. Esta, carregada de
memórias, permeadas de valores, emoções, sentimentos, sonhos,
sentidos, etc. Questões estas, de ordem política, ideológica e cultural,
constituídas de subjetividades valorativas, nascidas nas e das relações
humanas e culturas de todos os povos em diferentes épocas e lugares,
portanto, integrantes de cada indivíduo.
Diante disso, é importante considerar que os valores humanos de algum
modo emanam dos valores e sentidos das tradições culturais religiosas,
(transcendente) os quais se constroem e se reconstroem no decorrer da
história humana. Portanto, sendo a dignidade humana constituída de valores
humanos, aí estão também os valores das culturas religiosas.
Fica evidente, diante da análise realizada por meio do quadro, que os
PCNER contemplam em seus eixos organizadores dimensões das culturas e
tradições religiosas, considerando o fenômeno religioso na transposição
didática de seus conteúdos. Portanto, contemplam também os direitos
humanos. Desse modo, negar o ER no âmbito da educação é também
negar direitos humanos. Isso porque os direitos humanos são resultados
de lutas pelo reconhecimento e realização da dignidade humana, a qual
comporta a dimensão religiosa. Nesse sentido,

O despertar dessa compreensão se apresenta com uma das mais


importantes contribuições da escola na atualidade na participação
coletiva pela busca do término dos conflitos religiosos, violações dos
direitos humanos e desrespeito à liberdade de pensamento,
consciência, religião ou de qualquer convicção – construção de uma
cultura de paz – eliminação das ideologias, colonialismos e
32
discriminações .

Assim, se faz necessário promover os conhecimentos da diversidade


das culturas, pela vivência dos direitos culturais em conformidade com a

32
OLIVEIRA; CECCHETTI, 2010, p. 369.
592
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)33, artigo 27, item 1:


―Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de
seus benefícios‖. Esse direito foi reforçado no artigo 15 do Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais34, que reafirma o
direito de todo sujeito a participar da vida cultural.
Considerando que o exercício da cidadania requer conhecer os
direitos humanos. Os direitos culturais fazem parte desses direitos, seja no
âmbito pessoal ou coletivo, fora desse aspecto,

[...] tampouco a igualdade será alcançada enquanto houver a


ostentação (ainda que velada) de um credo específico no seio do
Estado, já que é nítida a opção constitucional brasileira, ao se criar e
se formatar um Estado laico, de se buscar a neutralidade religiosa e,
bem assim, concretizar o direito fundamental de liberdade em seu
35
sentido amplo .

Nesse entendimento, sendo a escola um dos espaços de encontro


de diferentes culturas, ela deve garantir o acesso aos conhecimentos,
vivências de todas as diferentes confessionalidades de fé religiosa ou
agnóstica, objetivando promover reflexões, diálogos acerca da diversidade
cultural, realizando assim os direitos humanos de forma plena.
Conforme verificado anteriormente, as palavras valores e ética,
utopia, princípios, fundamento, política, ideologia, respeito, moral, cultura,
conhecimento, consciência, alteridade, liberdade, democracia, preconceito,
diálogo, analisadas no quadro 2, estão na linguagem dos direitos
humanos, haja vista o entendimento atual acerca desses direitos no Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), na edição de 2008,
que afirma o seguinte:

33
ONU. DUDH, 1948.
34
OEA, Organização dos Estados Americanos. Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, 16 dez. 1996. Disponível em:
<http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direit
os%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf>. Acesso em: 12 out.
2012.
35
CUNHA, Bruno Santos. Estado e religião: implicações da laicidade do Estado nos
direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Revista Jurídica da Presidência,
Brasília, v. 11, n. 93, p.01-29, fev./maio, 2009. Disponível em:
<http://brunocunha.adv.br/publicacoes/estado_e_religiao_implicacoes_da_laicidade_do_
estado_nos_direitos_e_garantias_fundamentais_dos_cidadaos2009.pdf>. Acesso em:
10 out. 2012. p. 27
593
FONAPER

Uma concepção contemporânea de direitos incorpora os conceitos de


cidadania democrática, cidadania ativa e planetária, por sua vez
inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da
liberdade, da igualdade, da equidade e da diversidade, afirmando sua
36
universalidade, indivisibilidade e interdependência .

Considerações Finais
Diante da revisão de literatura observa-se que os direitos humanos
estão inseridos nos parâmetros do ER, em conformidade com os fins da
educação ―[...] inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho‖, conforme prevê a LDB.
Diante do exposto fica claro que ER e direitos humanos são
conteúdos que se complementam na e para a formação integral. Por
conseguinte, norteiam a formação para o exercício da cidadania. Diante do
estudo sobre o tema, constatei que os direitos humanos estão inseridos no
Ensino Religioso, nos principais marcos legais nacionais e internacionais
dos quais o Brasil é signatário, no entanto, nos dias atuais a oferta dessa
disciplina continua muitas vezes sendo um direito negado no espaço da
escola.

Referências

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Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

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Disponível em:
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 04 fev.
2012.

36
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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595
FONAPER

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Nacional de Educação de Educação em Direitos Humanos. Brasília:
Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério da Educação,
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596
DISCURSOS E PRÁTICAS:
A (IN)TOLERÂNCIA RELIGIOSA NO AMBIENTE ESCOLAR

Sueli Martins1 (UFJF)

Resumo
A análise, a partir de etnografia e discursos, da presença de religiões em escolas públicas
municipais da cidade de Juiz de Fora, a fim de interpretar o seu papel nesse ambiente, seu
reconhecimento ou não, e de que forma isso ocorre, é o foco desta pesquisa. O
mapeamento de violências e intolerâncias em alguns eventos nos ajuda a tipificar conflitos
e acomodações, porosidades e rupturas existentes e qual o papel dos gestores no seu
reconhecimento e enfrentamento, averiguando o ensino religioso como possível
instrumento que possibilite o diálogo, já que, nas escolas pesquisadas, essa disciplina
inexiste.

Palavras-chave: Escola pública; Intolerância; Diversidade Religiosa; Ensino religioso.

Delimitando a pesquisa
Para o presente artigo, elegemos a pesquisa em escolas que fazem
parte de uma região da cidade de Juiz de Fora até pouco tempo submersa
em um isolamento geográfico, que foi, lenta e gradualmente, dissipado,
retirando de sua comunidade o ―espírito protetor católico‖ que pairava
sobre seus habitantes. Na Cidade Alta, como é hoje em dia conhecida, as
famílias se encontravam nas festas promovidas pela Igreja Católica, e, de
tempos em tempos, feriado ou não, os familiares se visitavam.

Então nós tínhamos que ir à missa no dia de Santana. Era uma


questão de honra para minha mãe. Tinha uma história, para ela era
feriado. Dia de Santana, não interessava se caia em uma segunda,
para todo mundo, se alguém tinha que trabalhar, tinha que faltar
2
praticamente o trabalho... (Ivone) .

Matriarcas ditando as regras do convívio social, inclusive


influenciando os casamentos de seus descendentes.

A minha tia, por exemplo, não pôde se casar com o marido dela,
porque a minha vó não deixou, ele era luterano... Ela não se casou na
Igreja com ele por causa da religião dele e a minha avó era católica, e

1
Mestranda pelo PPCIR-UFJF. Orientador: Marcelo Camurça. Email:
suelimartins2009@gmail.com / Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior
2
Os professores tiveram seus nomes modificados a pedido dos próprios entrevistados.
FONAPER

dessas católicas assim, fervorosas, beatas mesmo, então não deixou


(Ivone).

Considerada zona rural, contava com a Igreja de São Pedro e outras


capelas espalhadas pelas redondezas, mas existiam ―outras‖ religiões
também. O cemitério, por exemplo, era (e continua sendo) dividido com a
Igreja Luterana, que se encontra a uns metros da escola. Frequentava-se a
Igreja Católica ou a Igreja Luterana, mas havia aqueles que não eram tão
boas ovelhas assim e ―desviavam-se‖, indo, por vezes, furtivamente, a
algum centro espírita ou mesmo em terreiros, que teimavam em
sobreviver, pois os batuques eram escutados em algumas noites – mas,
sempre que arguido, esse rebanho fugidio, se autodeclarava católico.

Porque quando criança né, para mim era tudo uma coisa só. A escola
e a Igreja era assim, era a comunidade que eu conhecia. As pessoas
que frequentavam a Igreja eram as pessoas, os meninos da minha
sala. A gente saía da escola para o ensaio de coroação. (...) Então a
gente sempre marcava os ensaios para depois da aula. Depois das
cinco. (...) Porque eram alunos da mesma turma... (Ivone).

A escola, única na época, foi construída ao lado da Igreja católica e a


ligação era mais do que física; eram tão intimamente ligadas que o
catecismo tornou-se uma continuação. Na saída das aulas, os alunos se
encaminhavam para a igreja e muitas vezes as crianças luteranas sofriam
discriminação, mas estavam ―acostumadas‖ a isso. Como só se oferecia o
ensino até a quarta série primária, quem desejasse continuar os estudos
procurava as escolas do centro da cidade, ou em bairros próximos, e os
que se diziam católicos tinham mais chance de estudar, o que fez alguns
luteranos se declararem católicos, às vezes.

Enquanto estudante do Adhemar, na década de 70 e 80, a gente tinha


aula de religião, especificamente o catolicismo... E depois não havia a
antiga quinta série, então a gente tinha que estudar no centro da
cidade, e eles faziam perguntas, e na época a gente observou que
tinha mais facilidade para conseguir vaga quem era católico, então a
gente marcava que era católico, que sempre foi católica, foi na Escola
da Comunidade... (Kátia).

A cidade cresceu. Escolas começaram a ser criadas para dar conta da


demanda que aumentava. A Universidade trouxe novas perspectivas, novas
gentes, novas escolas, novas religiões. Somente no final dos anos 1960 e
início dos anos 1970 surgiram, na região, pelo menos mais quatro escolas

598
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

municipais. No final dos anos 1980, o bairro começou a contar com as séries
finais do Ensino Fundamental, e no século XXI conta com uma escola pública
estadual, a única que oferece a opção do Ensino Médio.
As escolas pesquisadas são: Escola Municipal Doutor Adhemar
Rezende de Andrade (EMARA – 1911), Escola Municipal Santos Dumont
(EMSD – 1988) e a Escola Municipal Professor Augusto Gotardelo
(EMPAG – 2006)3. Alguns professores entrevistados estudaram ou
trabalharam nessas escolas em épocas distintas, o que nos dá uma visão
panorâmica do funcionamento das mesmas. É interessante aqui observar
o depoimento de um dos professores quando define os grupos que fazem
parte do corpo docente: ‖Cada escola constrói o seu formato, cada uma
segue uma direção diferente da outra, independente da gestão‖ (Abigail).
Para o presente estudo, vamos nos pautar em alguns pontos do calendário
escolar.

O calendário escolar
É notório que o calendário escolar segue uma linha cristã, e as
escolas, com exceções que configuram a regra, o seguem em suas festas
e comemorações, e a partir dele introduziremos as questões religiosas que
fazem parte do dia a dia escolar. Há um grande envolvimento em torno da
maioria dessas datas, podendo-se incluir também o Dia das Mães, São
Cosme e Damião e as Formaturas. Essas comemorações, apesar de
intrinsecamente ligadas à religião católica, não são percebidas como tal
pela maioria dos professores, não havendo preocupação com esse
aspecto. Segundo Campos (2005, p. 6), é ―interessante pontuar que os
calendários escolares das escolas públicas, resguardam feriados de
alguns santos e datas instituídas de modo a referendar a tradição católica‖.
Na EMARA, turno da manhã, durante dois anos, houve um desfile de
fantasias nos dias que antecedem ao carnaval. As crianças, enfileiradas na
quadra, observavam para votar na melhor fantasia. Não ocorreu nenhum
conflito, quer dizer, não ―a olhos vistos‖, muita coisa não é revelada. Na
EMSD há um ―baile‖ para os alunos do turno da tarde e constatamos uma
sutil diminuição dos alunos nesse dia; questionada sobre isso, uma
professora respondeu que isso sempre ocorria porque muitos pais não

3
As datas são de criação das escolas e a última foi criada em função dos conjuntos
habitacionais financiados por programas de governo municipal e federal.
599
FONAPER

mandam os filhos para a escola neste dia, por causa da religião, mas que
tudo estava bem porque somente os alunos que portassem bilhete
poderiam ―brincar‖ o carnaval (Flora). Questão resolvida: quem não quer
brincar que não venha à escola, simples assim.
No ano de 2012, antes da Páscoa, a EMARA exibia cartazes da
Campanha da Fraternidade, convidando para a celebração da sexta-feira;
estavam expostos em diversos locais, inclusive na sala dos professores. Além
disso, apesar de previsto no cardápio, não foi servida carne aos alunos, por
recomendação do vice-diretor. Nas escolas citadas, normalmente, nessa
época, os professores distribuem chocolates a seus alunos, fazem teatros
com a presença do coelhinho e, em algumas, falam sobre a data, seu
significado, passando até filme para as crianças. Em todas, sem exceção, foi
observado algum tipo de manifestação, em maior ou menor grau,
demonstrando que, de certa forma, a Páscoa é o momento em que se pode
unir os cristãos: católicos e evangélicos, históricos e pentecostais.
A festa junina tornou-se tradicional na maioria das escolas. Para definir
quem vai participar é só enviar um bilhete aos pais e quem tem o
consentimento dos responsáveis dança na quadrilha, como no carnaval. É um
momento em que todos os professores (alguns, por obrigação, trabalham em
momento alternado ao da festa, preparando-a) e toda a comunidade
participam (esquecemos, intencionalmente, aqui daqueles que não vão à festa
porque não gostam de festa. Será?). São colocadas as bandeirinhas, os
balões, tem canjiquinha, doces, pipoca e o casamento seguido da quadrilha,
tudo isso embalado por músicas de santos (será mesmo que os que não vão
não gostam de festas ou não gostam da festa junina?).
No Dia das Mães há uma inquietação, apresentações, confecção de
lembrancinhas e murais. Algumas escolas não comemoram o Dia das
Mães, mas sim o Dia da Família, pois na atualidade podemos constatar
uma nova configuração familiar4. A EMARA passou a comemorar o Dia da
Família com uma palestra e um lanche para os presentes. Com a nova
gestão, no ano de 2012, foi diferente: um vídeo do Padre Zezinho foi
apresentado à comunidade e após o Padre fez uma palestra que foi

4
Segundo CARMO (2007) não se trata mais da família tradicional, com pai, mãe e filhos.
Existem diversas configurações familiares – apenas um genitor, mães solteiras,
homossexuais com filhos, etc.

600
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

comentada por um professor: ―Fiquei pensando que se fosse para rezar


uma missa teria ido à Igreja‖ (Jeniffer).
O Dia de São Cosme e Damião é uma data que, apesar de não ser
comemorada pela escola, traz algumas questões a serem discutidas, pois,
nesse dia, muitos alunos não comparecem à escola, uns vão atrás dos
doces, outros nem saem de casa, alguns até vão, mas com muitas
recomendações de não aceitarem balas de espécie alguma. Para a
maioria dos professores não é justificável tal ausência, porém nada é feito
para tentar reverter esse quadro.

É um problema o dia de São Cosme e São Damião pros meninos que


são evangélicos. Por quê? Eles... As mães não deixam buscar a bala,
pegar a bala lá na rua, os outros podem. Então normalmente os outros
faltam à aula e eles não. Eles adoram balas, tanto quanto os outros.
Mesmo que você leve um saquinho e abra na frente deles e entrega a
bala, muitos não podem aceitar, porque não tem ordem de aceitar.
Porque é bala macumbada. Porque é coisa de santo (Ivone).

As formaturas são um caso à parte, algumas escolas a fazem, outras


não. Cultos ecumênicos, missas, às vezes no interior da escola, outras
dividindo a festa em várias, tentando contemplar a todos, mas invariavelmente
os agradecimentos são feitos primeiramente a Deus. Interessante observar
que, no ano de 2012, ao confeccionar o memorial da formatura da EMSD,
retiramos, propositalmente, qualquer referência ou agradecimento a Deus, o
que parece não ter sido notado. O único discurso que foi feito por uma aluna
assim iniciava: ―agradeço primeiramente a Deus...‖.
No Natal, normalmente, a escola fica enfeitada com Papai Noel, gorros
vermelhos, cartas de alunos com pedidos ao bom velhinho; as despedidas
das turmas ocorrem muitas vezes com um teatrinho. Presépios montados em
locais visíveis (EMARA) e auto de natal podem ser bem-vindos (EMSD).
Um fato ocorreu na EMPAG e merece ser descrito. Ao ser criada,
funcionou temporariamente em locais distintos, no próprio bairro e em uma
Igreja Metodista, local alugado pela Prefeitura; na época, o Pastor
reivindicou que, além do nome da escola, os funcionários fossem
contratados de acordo com a confissão religiosa, porém a combinação foi
feita pela metade: funcionários e direção sim, mas os professores
continuariam a seguir a lista de contratação.

Essa foi a única influência e a única coisa que ele pediu foi colocar o
nome do professor Gotardelo, por ser ele um professor e pastor

601
FONAPER

presbiteriano. (...) E por estar funcionando dentro da Igreja, pediu para


colocar como diretora pelo menos uma pessoa da igreja metodista,
habilitada, que fosse lá da igreja, que cuidasse melhor das
dependências(...) Foram os funcionários da cantina e a direção da
escola. Os professores a gente falou, me lembro que eu falei com ele
até, ―ó Pastor, isso aí a gente não pode prometer não, porque tem
concurso, então é quem tiver na lista do concurso que vai entrar, nós
não podemos escolher‖ (Dinorah).

Além das exigências, como preservação e manutenção do local, na


época do Natal, uma das professoras não pôde apresentar seu teatro com
os alunos por interferência do pastor,

A diretora da escola ouviu os ensaios, sabia que era aquela música


que ia cantar. Na antevéspera da apresentação a diretora e a
coordenadora me chamaram e me pediram que eu não cantasse a
música com as crianças, porque o Pastor disse, pediu, que lá era um
prédio da Igreja Metodista e que não ficaria bem cantar uma música
de Papai Noel, que Papai Noel era santo, é São Nicolau... (Ivone).

Diante do exposto, podemos observar a naturalidade com que as


festas e as comemorações, envolvendo a religião na escola, são tratadas,
principalmente no que tange ao catolicismo. O espanto é não fazer, não
comemorar, mas isso seria respeito à diversidade?

Um calendário diverso, um novo olhar...


A tentativa de ampliar o olhar sobre o que está naturalizado envolve
comprometimento e visão apurada, envolve também sofrimento e trabalho
árduo. Querer modificar é um bom começo, mas é necessário mais:
conhecer o ambiente em que se trabalha, conhecer a comunidade, estar
disposto a discutir, sair do mundo pré-estabelecido, colocar por terra
conceitos e pré-conceitos formados há gerações. Assim, buscando uma
postura que visasse à multiplicidade existente nas escolas públicas,
procuramos uma nova visão e a encontramos em uma escola situada em
outra localização, que não a do nosso objeto primeiro de pesquisa. Uma
quarta escola, onde a gestão atual, por ter trabalhado com a diversidade,
inclusive ministrando cursos, revelou-nos suas angústias e temores em
face de uma questão, para ela, relativamente nova: a religião e seus
desdobramentos na escola.

602
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Tranquilo. Gênero, sexualidade, homossexualidade e raça tá tranquilo.


Agora com relação à religião tá complicado... O que acontece, a gente
tem toda uma teoria, um estudo, formação, e aí quando chega na
prática, nada disso serve, e eu estou em crise; neste momento eu não
sei o que fazer, porque no cotidiano é tudo muito difícil. E aí eu já não
sei mais o que é religioso, o que é cultura, o que é tradição, e eu não
sei o que fazer com isso tudo (Eva).

Segundo o depoimento da gestora, a religião está arraigada, existem


mais embates, mais pluralidades, o que torna cada vez mais difícil
encontrar um consenso. Tentativas foram e continuam sendo feitas para
não afastar as pessoas das festividades da escola. O primeiro passo, a
partir da detecção do problema, foi a aplicação de um questionário sobre
qual a religião da família, o pertencimento de fato, sem a generalidade de
ser ―evangélico‖. Encontramos em Cavalcanti uma base para discutir o que
tem sido feito nessa escola:

É no chão da escola, na prática pedagógica de ensino-aprendizagem,


na relação professor-aluno, nos processos de avaliação, na utilização
dos recursos didáticos que o currículo se efetiva. À medida que o real
é vivo, é movimento, certamente a cena que se passa na escola e na
sala de aula não é a mesma prevista no roteiro (CAVALCANTI, 2011,
p. 175).

Interessante observar que a gestora preocupa-se em manter os


alunos dentro da escola nos dias letivos, mesmo que para isso seja
necessário reorganizar a agenda que estava cristalizada junto aos
docentes, enfrentando problemas e ―encarando de frente‖: não manda
bilhetes dizendo apenas que vai ter um evento, os seus são em forma de
questionários, e faz questão de computá-los, tentando atingir a todos.
Tarefa quase impossível, mas necessária, ―pois não se pode governar
apenas para a maioria‖...

(...) porque a democracia não é você estar acatando todos (...), mas é
o consenso, a maioria, não sei, mas esses conceitos estão todos
caindo por terra comigo, porque acatar a maioria, para mim, não está
me satisfazendo, porque ainda assim esses pais estão de fora, aí eu
tô desmerecendo essa minoria. Eu não sei o que fazer...(Eva).

Um dos pressupostos da cidadania é que o individual seja


ultrapassado e, para a eficácia da democracia, seria necessário o
reconhecimento do indivíduo com ―direitos e deveres universais que devem
ser respeitados e reconhecidos‖ sendo que privilégios podem vir a inibir a

603
FONAPER

―eficácia de um regime democrático‖ (TOLEDO e AMARAL, 2004, p. 15).


Os depoimentos revelam uma incapacidade de lidar com a religião no
espaço público a partir de um consenso, mas, mesmo assim, algumas
atitudes foram tomadas pela direção em conversas constantes com o
corpo docente e comunidade, visando à obtenção do reconhecimento do
cidadão com suas peculiaridades.
No carnaval, apesar de se falar sobre a festa e confeccionar
fantasias, o baile não ocorreu. ―Existe uma possibilidade de fazer o baile
no próximo ano, mas também ofertar uns dias de retiro espiritual para
aqueles que queiram, possibilidades‖ (Eva). Na Páscoa houve um
momento de reflexão com as crianças, ―onde se falou da ressurreição e da
partilha‖, o evento foi comemorado com um bolo, mas sem coelhinhos e
ovinhos e sem rifas de cesta de páscoa. Para a festa junina, está sendo
desenvolvida uma pesquisa para avaliar a participação da comunidade e a
festa pode vir a mudar de nome, sem músicas que falem de santos.

Porque a festa junina, ela acontece num dia letivo, e um dia letivo é
um dia para todo mundo, então se eu faço uma festa junina num dia
letivo e já tem um grupo que não vai participar por questões religiosas,
eu estou privando estas pessoas do direito delas de terem aula
naquele dia, de terem presença naquele dia. Então se eu mudo só o
nome não resolve, porque eles sabem que aquilo é uma festa junina,
que é uma festa que foi, que é tradicionalmente para os três santos,
mesmo que a gente não fale de santos... Aí esse ano o que a gente
pensou em mudar o nome, de usar as músicas que não falam de
santo (Eva).

O dia das mães não é mais comemorado nessa escola, mas o dia da
família. O Dia de Cosme e Damião, segundo a gestora, é um ―tormento‖;
além das crianças que não vão à escola para correr atrás dos doces, tem
aquelas que não vão para não receber esses doces e, ainda, alguns
membros da comunidade pedem para distribuir doces na porta da escola,
distintas manifestações. No Natal não ocorreram problemas, construiu-se
brinquedos de sucatas que foram entregues às crianças e até Papai Noel
esteve presente. Segundo a gestora, talvez os problemas não tenham
ocorrido ―porque não se prestou bastante atenção‖ (Eva). E esse não
prestar atenção é o comum, o ―normal‖ é ser católico e assim intolerância
ocorre, sem que seja visibilizada. É o que veremos a seguir.

604
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A (in)tolerância (in)visível
Interessante transcrever aqui alguns depoimentos que demonstram
intolerância, preconceito e também de ocultação da presença da religião
na escola por parte dos professores:

(...) mas os evangélicos ainda são muito radicais. (...) E são visões
completamente diferentes. Agora em todas uma coisa é comum: essa
perseguição mesmo. Que é muito serio. (...) Minha preocupação era o
não preconceito com relação às outras religiões, é uma coisa que eu
percebo que existe muito, principalmente com relação aos crentes, os
evangélicos (...) Agora, porque normalmente os evangélicos criticam
muito, por exemplo, a ideia de Maria, né? Você falar em santo com
eles... (Ivone).
Ele aproveitou bem isso, o espaço do tempo que ele ficou lá, para
trabalhar essa parte da religião, essa doutrina, e vários alunos foram
para a igreja dele. E eu percebi que ficou muito forte nos meninos um
preconceito enorme, uma homofobia muito grande (Fernanda).

Talvez tenhamos chegado aqui ao âmago da questão: a presença da


religião no espaço escolar é um fato. A presença do Ensino Religioso nas
escolas públicas municipais de Juiz de Fora ainda se discute, mas o
discurso está presente em todas as escolas e sempre a religião católica é
o centro, mesmo que o professor não professe essa fé. Negação,
aceitação, indiferença, evidência, ocultação, dissimulação. Lidar ou não
com essa presença pode fazer a diferença entre a intolerância e a
condescendência, o preconceito e o equilíbrio. Espera-se muito do
professor e mais ainda do professor de ensino religioso ―que seja uma
pessoa disponível ao diálogo e que seja capaz de articulá-lo. Que seja o
interlocutor entre Escola e Comunidade‖ (ALMEIDA, 2006, p. 30). E
Cavalcanti completa com uma questão problemática sobre a mudança de
postura dos professores...

Portanto, a mudança de paradigma que se pretende na disciplina


Ensino Religioso tem muito a ver com a formação e a prática do
professor e da professora dessa disciplina. E, sob esse aspecto, é
possível questionar até que ponto alguns professores e professoras de
Ensino Religioso estão dispostos, à maneira fenomenológica, de pôr
entre ―parênteses‖ as suas verdades, certezas e seguranças religiosas
em respeito a uma escola pública laica e culturalmente marcada pela
diversidade religiosa (CAVALCANTI, 2011, p. 176).

605
FONAPER

O que se vê na maioria dos discursos é que a religião, ou o ensino


religioso nas escolas, serviria para tentar aplacar a irritabilidade dos
alunos, a indisciplina e a violência.

E aconteceu uma experiência muito interessante nessa escola da


prefeitura em que havia uma indisciplina, e tava com uma indisciplina
muito grande e a coordenadora que estava lá naquele momento,
dentro de uma reunião pedagógica, numa reunião que eles fizeram, eu
não participei, eu só fiquei sabendo do fato depois, e que resolveram,
para acalmar as crianças, colocá-las todos os dias para rezar o Pai
Nosso, que é uma oração universal, e acharam, e concluíram que
estava uma beleza e que após isso os meninos começaram a ficar
mais calmos (Fernanda).

Justifica-se, assim, a presença de sinais religiosos, seja a partir de


símbolos ou orações, e isso acontece em todos os lugares.

O ER está sendo visto pelos profissionais da educação como recurso


para enfrentar os problemas de violência, indisciplina e conflitos na
escola, ou seja, como solução emergencial para o clima de
desagregação dos princípios de solidariedade e convivência social
que é fortemente sentido nas instituições escolares... Assim, as aulas
de religião, na prática, passaram a ser justificadas, por muitos
professores, como uma ferramenta a mais nessa luta pelo
fortalecimento do controle social e consequente preservação da
autoridade (CAVALIERE, 2007, p.8).

Para uma possível mudança, é necessária uma discussão aberta e


franca, que pode ser iniciada nos ambientes públicos e a escola pode ser
esse local. Brandenburg argumenta que é o ―processo do conhecimento
religioso a ser apreendido, aprendido e construído de forma coletiva‖ a
partir do ―desenvolvimento do respeito à diversidade‖ da ―relação entre
identidades e diferenças‖, da ―convivência respeitosa e alteridade‖ e da
―tolerância e resolução de conflitos‖ (BRANDENBURG, 2006, p. 58).

É, e entre os evangélicos a maioria é pentecostal. Assim, tem várias


igrejas, mas as que são radicais mesmo são as neopentecostais. (...)
O que eu fiz, eu convoquei alguns pais da escola, evangélicos,
notadamente, bem radicais até, na postura deles, e pedi para que eles
me falassem o que significava a Páscoa para eles, para a igreja deles,
pra gente entender o que era (Eva).

Quanto à questão da tolerância, é interessante citar Cunha quando


diz que essa palavra ―não me entusiasma‖. Segundo ele, essa palavra é
resignadora, discriminatória, exclusora, partindo de um centro para o

606
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

―outro‖. Num espaço onde tivéssemos uma inclusão geral, esse centro não
existiria, onde se tivesse alguma neutralidade religiosa, onde sua presença
se desse de forma equitativa (CUNHA, 2006, p. 26-8).
Mas a presença da religião no espaço público existe e persiste e
podemos averiguar que houve uma intencionalidade do Estado, talvez,
exceto nos primeiros anos da República brasileira, em assegurar que a
educação caminhasse lado a lado com a religião, nitidamente com a Igreja
Católica. Mas se somos um país laico, como isso foi possível, como a
religião se manteve nas escolas, e por que não houve um debate que
assegurasse às outras religiões o mesmo direito, o mesmo poder de
intervenção concedido à Igreja Católica?

A religião católica atribuía a si mesma a missão de formar os


indivíduos com a finalidade de salvar o Brasil... O que legitima a
presença da educação física, da história, da geografia, da matemática,
da biologia, da química, da física e deslegitima a inclusão do ensino
religioso? Não há legitimidade lógica. A legitimidade está fundada no
capital político dos grupos que defendem esses saberes (CAMPOS,
2011, p. 78-9).

Teorizando algumas questões


Nos períodos colonial e imperial, o Estado Brasileiro não admitia, em
seu território, outra religião que não fosse católica. Segundo Montero
(2011, p. 02), antes da República ―não havia (...) a percepção da existência
de outras religiões na sociedade brasileira‖. A separação entre a Igreja e o
Estado, em 1891, não significou a retirada dos privilégios concedidos ao
catolicismo, pois apesar de não mais ter o direito de professar o ensino
religioso nas escolas públicas5, continuou mantendo sob seu domínio
áreas muito importantes da sociedade brasileira como saúde, educação e
cultura. Podemos afirmar que sempre ocorreu uma colaboração recíproca
entre Estado e Igreja e isso pode ser constatado com a recente assinatura
do acordo bilateral com a Santa Sé, durante o governo de Lula6, e esse

5
Em 1934, foi introduzido, na Constituição, o princípio de colaboração recíproca, quando
a Igreja Católica reivindicou estar ao lado da nação: com isso recebeu o status de quase
oficial e as escolas voltaram a receber o ensino religioso confessional católico.
6
Acordo na íntegra: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/documentos/integra-do-
acordo-entre-o-brasil-e-o-vaticano/. Acesso em 09 nov 2011. Ver também:
GIUMBELLI, Emerson. O Acordo Brasil-Santa Sé e as relações entre Estado,
Sociedade e Religião. In: Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto
Alegre, ano 13, n. 14, p. 119-143, setembro de 2011.
607
FONAPER

privilégio pode ser averiguado, também, com a grande presença de


crucifixos e imagens cristãs/católicas em locais públicos. Segundo Oro
(2011, p. 235), até hoje o clero católico e muitos dos seus leigos ―pensam
e agem como se a Constituição previsse tratamento especial‖ à Igreja.
A hegemonia católica no Brasil, forjada por cinco séculos, conferiu-
lhe um status privilegiado mediante outras religiões. O catolicismo já
nasceu oficial, enquanto outras religiões tiveram que forçar sua aceitação e
somente a partir do século XX é que se consolidou uma ―dinâmica
pluralista e concorrencial‖, colocando em ―xeque a estreita identificação
entre catolicismo e nacionalidade brasileira‖ rompendo ―com modelo
hegemônico da relação inter-religiosa‖ que o autor chama de ―sincretismo
hierárquico‖ (MARIANO, 2011, p. 248).
Para Giumbelli (2004, p. 48), no Brasil, a presença da religião
católica sempre foi fonte de moralidade, ―um apoio e um sustento para
uma ordem cujos fundamentos estavam em outro lugar‖. O ensino religioso
na escola pública contribuiu para a fundamentação dessa ordem, ensino
este que, negado em 1891, incluído novamente em 1934, nunca mais saiu
dos textos constitucionais. Miranda também observa o predomínio cristão
nos espaços públicos, cujos grupos dominantes se apropriam desses
espaços, revelando uma característica da sociedade brasileira.
Atualmente, católicos e evangélicos são maioria absoluta dos professores
das escolas da rede pública, e a concorrência entre eles, sendo desigual,
faz com que se apropriem e façam uso desse espaço ―da forma que lhes
convém‖ (MIRANDA, 2011, p. 15).
O fato de um Estado declarar-se laico não redunda no fim das
disputas e conflitos religiosos em seu interior. No Brasil laico, inexistiu um
―princípio universalista e de tratamento igual e uniforme que abrangesse
todos os sistemas religiosos‖, fazendo com que determinadas religiões não
fossem reconhecidas, ou que pelo menos ―um sistema religioso fosse mais
legítimo que o outro‖ (MIRANDA, 2009/2010, p. 130). Essa ―legitimidade‖
faz parte de uma cultura democrática que elimina a ideia de racismo e
intolerância, devido à miscigenação e sincretismo, uma mentalidade cordial
da sociedade brasileira. Os símbolos religiosos, devidos à matriz católica,
foram dessa forma apresentados e ostentados no mundo público como
prova da não existência de conflitos e divergências entre os diversos
grupos religiosos.

608
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Por outro lado, um regime laico não significa a separação sumária


entre Estado e religião, onde a neutralidade colabora para a ordenação de
uma ordem plural de seus cidadãos, ao contrário, o Estado deve regular e
estabelecer regras de convivência entre as diversas religiões, inclusive
direitos e deveres, responsabilidades e obrigações de cada uma. Mesmo a
França, onde a laicidade atingiu seu limite máximo de separação entre
Estado e religião, onde a Igreja deveria ser colocada fora dos dispositivos
de formação dos futuros cidadãos, a partir dos anos 1970, vem sofrendo
um processo que Portier (2010) chama de reconhecimento, em que o
religioso volta a ter vez no espaço público com uma nova articulação de
igualdade, pluralidade, cidadania e identidade. Numa posterior lógica da
integração, iniciada nos anos 2000, a França procura integrar a religião e
comunidades étnico-religiosas. Além de reconhecer, torna-se necessário
integrar, e essa nova lógica requer uma ética comum, sem negar os
enraizamentos específicos. É necessário um diálogo aberto, transparente e
regular com as organizações, inclusive as religiosas, mas com a condição
de que as organizações respeitem os valores comuns europeus: ―os
direitos do homem, o Estado de direito, a democracia‖. Para tanto, além do
princípio já existente da neutralidade do Estado, a França lançou mão do
princípio da autonomia do sujeito, reconheceu as organizações religiosas e
também as identidades religiosas. Para o autor, ainda, é necessário que o
Estado construa uma política de coesão tentando reunir populações
marginalizadas em torno de uma ética comum da sociedade liberal, sem
negar os enraizamentos primeiros, integrar, mas respeitar as diferenças.
Na mesma linha podemos citar Habermas: ―A igual coexistência dos estilos
de vida não deve engendrar uma vida separada. Ela requer, ao contrário, a
integração dos cidadãos nos marcos de uma cultura constitucional
compartilhada‖ (PORTIER, 2010, p. 44). E essa coexistência requer a
ruptura das relações hierarquizantes que sobrevivem nas relações sociais
e interpessoais da sociedade brasileira, interagindo e comunicando no
espaço público, podemos produzir e transformar ―o que estamos sendo‖
(CALSA E LIMA, 2011, p. 3853).
Diante do exposto, fica claro que não se trata de excluir a religião do
espaço público, muito menos da escola, mas nesse ambiente a sua
discussão assume um papel complexo, devido à sua função no jogo social.
De acordo com Pieper (2012, p. 4), ―enquanto instituição estatal, ela se liga
ao princípio de abstenção sobre questões de ordem religiosa‖, mas ―como

609
FONAPER

responsável pela educação, insere-se na trama social, devendo estar


atenta ao que ocorre neste movediço campo, o que inclui a questão da
religião‖.
A laicidade, a partir desses pressupostos, de acordo com Domingos,
inclui o direito de escolher uma religião e o direito de não ter religião
nenhuma; inclui o reconhecimento de todas as religiões, mesmo as que
não são professadas dentro do território estatal; torna-se necessário incluir
todas na formação escolar. Umas não podem ter maior reconhecimento
que as outras, não se deve ignorar nenhuma, o número de fiéis não pode
ser levado em conta diante das políticas públicas, incluindo aí a política
educacional. Conflitos existirão e devem ser trabalhados no ambiente
escolar no sentido de reconhecimento do outro, no ―conhecimento da
diversidade, das diferenças e semelhanças e da interdependência entre
todos‖ o que contribuiria para a formação de um homem completo.

A construção da identidade passa pelo reconhecimento da


desigualdade, das injustiças, dos preconceitos, passa pelo
reconhecimento da história e da formação de cada um. Trabalho que,
em geral, não é feito nos cursos de formação de professores. Não se
percebe que nossas escolas precisam de um trabalho real e urgente
de construção da identidade (DOMINGOS, 2009, p. 58).

Algumas palavras finais


A religião nunca saiu do espaço público, como preconizaram os mais
severos defensores da laicidade, e do ambiente escolar muito menos;
apesar do aumento do número de fiéis de pertencimentos diversos, não
vemos, na maioria dos casos, uma postura de integração, e até mesmo o
calendário escolar é pautado numa visão católico-cristã. A prática de
mandar bilhete informando a atividade que será realizada não se
importando com a participação efetiva ou não da comunidade é uma
constante. Em raros locais, onde essa prática é questionada e tenta-se
adotar uma política de equidade, não se tem apoio, por vezes, até dos
próprios professores, e ainda não se tem uma prática política nesse
sentido.
No Brasil, temos uma política educacional em que o ensino religioso
sempre foi voltado para atender à demanda de uma maioria católica, e,
talvez, por isso, entre os professores da rede municipal de ensino de Juiz

610
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

de Fora, exista uma fala constante contra sua aplicação. Entretanto a


mudança do perfil do campo religioso brasileiro requer uma nova postura;
mesmo que não venha a ser implantada, uma discussão deve ser
introduzida a partir dos anseios dos professores, que, embora
contraditoriamente, reivindicando uma laicidade do Estado, continuam
agindo como se o cristianismo fosse fonte de legitimidade. Deve haver,
também, uma discussão de como acomodar os novos atores do cenário
nesse espaço, público, para que se sintam acolhidos e passem a
reivindicar seus direitos com propostas concretas mais adequadas aos
seus anseios.

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de 5 a 7 de julho de 2004. Disponível no n.14 da Revista HISTEDBR On-


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614
DIVERSIDADE RELIGIOSA E INTERCULTURALIDADE:
APORTES PARA UMA DECOLONIZAÇÃO RELIGIOSA NA
EDUCAÇÃO

Georgia Carneiro da Fontoura1

Lilian Blanck de Oliveira2 (FURB)

Resumo
A complexa e excludente sociedade contemporânea clama por olhares e leituras - saberes
e conhecimentos a contribuir de forma efetiva na construção de outros processos sociais e
educacionais, que atendam a diversidade cultural e religiosa do Brasil. Históricas
leituras/ações hegemônicas ocidentais, ocupadas em expandir territórios e dominar povos
sem considerar suas culturas e crenças, forjaram cartografias e práticas curriculares
permeadas por processos de dominação gerando exclusões e invisibilizações. O presente
texto busca compartilhar alguns referenciais com vistas à percepção e adoção de
olhares/leituras - tempos/espaços/lugares vitais, capazes de (pró)mover sujeitos e grupos
em suas diversidades, entre elas a cultural e religiosa no contexto da educação.

Palavras-Chave: Diversidade Cultural Religiosa; Direitos Humanos; Educação.

Palavras Iniciais
Os Direitos Humanos (DH) fruto da conquista pelas constantes lutas
sociais em nossa história, construídos com base na memória e ―compõe
nossa racionalidade de existência‖ (FLORES, 2002). Para Hanna Arendt
(1979), não são um dado, mas um construído, uma invenção humana em
constantes processos de construção e reconstrução.
No Brasil, a emergência das lutas emancipatórias e afirmações
tuteladas pelos DH clamam pelo reconhecimento das diferenças culturais,
entre elas as religiosas. Neste contexto de rico mosaico de culturas e
povos, ―a educação em Direitos Humanos constitui um lócus privilegiado
para articular direitos de igualdade e direitos à diferença, políticas de
igualdade e políticas de identidade‖ (CANDAU, 2009, p.81).
O presente artigo busca compartilhar alguns referenciais com vistas
à percepção e a(do)ção de olhares/leituras, que encaminham para a

1
Bacharel em Direito pela FURB/SC. Pesquisadora integrante do GPEAD/FURB.
gecfontoura@gmail.com
2
Pedagoga. Doutora em Teologia – Área: Educação e Religião (EST/RS). Docente
pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional
(FURB/SC). Líder do GPEAD/FURB. lilianbo@uol.com.br
FONAPER

construção de outras cartografias curriculares – tempos/espaços/lugares


vitais - capazes de (pró)mover sujeitos e grupos em suas diversidades,
entre elas a cultural e religiosa.

Diversidade Cultural e Interculturalidade


Para Candau (2008, p.46-47), ―a questão da diferença assume
importância e se transforma em um direito, não só pelo direito dos
diferentes serem iguais, mas o direito de afirmar a diferença em suas
diversas especificidades‖.
Desconstruir a padronização é lutar contra todas as formas de
desigualdades presentes na sociedade reconhecendo a diferença como
elemento da construção da igualdade. Para Santos (1997, p.122) ―temos
direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos inferioriza e
temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos
descaracteriza‖.
Nas últimas décadas do século XX, a cultura tornou-se conceito
estratégico para a definição de identidades e alteridades no mundo
contemporâneo, vasto campo de lutas e contradições na afirmação da
diferença e exigência de reconhecimento como fruto de intensos processos
de dominação, desigualdades e de exclusão produzidos pelo
desenvolvimento capitalista (SANTOS; NUNES, 2003).
Neste contexto, surge o multiculturalismo como uma forma política de
tolerância à diferença, no intuito de ―respeitar as diferenças integradas num
ambiente unitário que não as anule‖ (FLEURI, 2003, p.17).
Multiculturalismo, segundo Santos e Nunes (2003, p. 30),

[...] é um conceito eurocêntrico, criado para descrever a diversidade


cultural no quadro dos Estados-Nação do hemisfério norte e para lidar
com a situação resultante do afluxo de imigrantes vindos do sul para
um espaço europeu sem fronteiras internas, da diversidade étnica e
afirmação identitária das minorias nos EUA e dos problemas
específicos de países como o Canadá, com comunidades linguísticas
ou étnicas territorialmente diferenciadas. [...] um conceito de que o
Norte procura impor aos países do Sul um modo de definir a condição
histórica e identidade destes.

O reconhecimento das sociedades multiculturais abriu novas


perspectivas epistemológicas sobre o direito à diferença e compreensão
das relações entre culturas, confluindo numa série de concepções e

616
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

perspectivas ocasionando uma polissemia terminológica3. Neste trabalho


socializamos duas: a assimilacionista e a diferencialista apresentadas por
Candau (2009), base de diversas propostas nas sociedades hodiernas.
O multiculturalismo assimilacionista compreende a sociedade
multicultural – sentido descritivo – como um espaço em que não há
igualdade de oportunidades para todos. Há grupos que não tem o mesmo
acesso a determinados serviços, bens e direitos como os de outro grupo,
em geral os de classe média ou alta, brancos e com elevado grau de
escolarização. Uma política assimilacionista favorece que todos sejam
integrados e incorporados à cultura hegemônica. Contudo, não se modifica
a matriz da sociedade, assimilam-se os grupos marginalizados aos
valores, mentalidades e conhecimentos socialmente valorizados
defendendo a construção de uma cultura comum, deslegitimando saberes,
valores, línguas e crenças reproduzindo uma prática integracionista
adotada historicamente pelos estados nacionais (CANDAU, 2008, p.50).
A perspectiva diferencialista pauta-se no reconhecimento da
diferença para garantir espaços de expressão das diferentes identidades
culturais, como forma de manter suas matrizes culturais de base. Concebe
que ao enfatizar a assimilação se nega ou silencia a diferença. Em alguns
casos compartilha de uma visão estática e essencialista de formação das
identidades culturais, enfatiza o acesso a direitos sociais e econômicos,
privilegia a formação de comunidades culturais homogêneas com suas
próprias organizações constituindo verdadeiros apartheids socioculturais
(CANDAU, 2008, p.51).
O multiculturalismo traz contribuições na perspectiva do
reconhecimento da diversidade cultural, principalmente no que se refere à

3
O multiculturalismo aponta simultaneamente ou alternativamente para uma descrição e
projeto. Como descrição pode referir-se à ―existência de uma multiplicidade de culturas
no mundo‖, ―à co-existência de culturas diversas no espaço de um mesmo Estado-
nação‖ e ―à existência de culturas que se interinfluenciam tanto dentro como para além
do Estado-nação.‖ Como projeto, refere-se a um ―projeto político de celebração ou
reconhecimento dessas diferenças‖. Em sociedades multiculturais, há multiculturalismos
diversos. Por sua vez, o adjetivo ―intercultural‖ tem sido utilizado para indicar realidades
e perspectivas incongruentes entre si: há quem o reduz ao significado de relação entre
grupos ―folclóricos‖; há quem amplia o conceito de interculturalidade de modo a
compreender o ―diferente‖ que caracteriza a singularidade e a irrepetibilidade de cada
sujeito humano; há ainda quem considera interculturalidade como sinônimo de
―mestiçagem‖ (SANTOS; NUNES, 2003, p. 28; FLEURI, 2004, p.17).
617
FONAPER

política da diferença4. Todavia, sua proposta apresentou uma série de


críticas e riscos5: negação dos factíveis encontros e interações culturais de
forma a delimitar e reforçar as diferenças – ―guetificação‖; estímulo à
fragmentação da vida social; ausência de valores universais - forma
relativista de legitimar barbáries nos guetos sociais independentes;
diferentes grupos considerados objetos de estudo e não sujeitos; uma
nova forma de racismo negada, que respeita, mas não integra. Legitima
um conceito eurocêntrico com tendência a ser descritivo e apolítico
suprimindo os problemas das relações de poder, exploração,
desigualdades e exclusões; problemas estratégicos no emprego de
conceitos hegemônicos, eurocêntricos (SANTOS e NUNES, 2003;
OLIVEIRA, 2012).
Neste contexto, pertinente se faz a diferenciação entre diálogo
multicultural e diálogo intercultural realizada por Dussel e citada por
Damázio:

O primeiro exige a aceitação de certos princípios procedimentais


ocidentais que devem ser acatados por todos os membros da
comunidade, permitindo ao mesmo tempo a diversidade valorativa
cultural (ou religiosa). Politicamente isto significa aceitar o Estado
liberal multicultural, sem questionar que sua estrutura, tal como se
institucionaliza no presente, é a expressão da cultura ocidental e
restringe a possibilidade de sobrevivência de todas as demais
culturas. O diálogo intercultural, diferentemente, deve ser transversal,
isto é, deve partir de outro lugar, além do mero diálogo entre os
eruditos do mundo acadêmico ou institucionalmente dominante
(DAMÁZIO, 2008, p. 79-80).

A proposta intercultural surge como possibilidade de completar este


―vazio‖ deixado pelo multiculturalismo visando à transformação das

4
Para Boaventura de Souza Santos (2003), é importante que se distingam as formas
conservadoras/reacionárias do multiculturalismo das progressistas/inovadoras. Maior
aprofundamento em Santos (2003, p. 11).
5
Para aprofundamento, investigar: SIDEKUM, Antonio. Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí:
Ed. Ijuí, 2003; SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos
do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2003.; CANDAU,
Vera Maria. Direitos Humanos, Educação e Interculturalidade: as tensões entre
igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação. v.13 n.37. jan/abr. 2008. p.45-
185.; DAMÁZIO, Eloise da Silveira Petter. Multiculturalismo versus Interculturalismo: por
uma proposta intercultural do Direito. Revista Desenvolvimento em Questão. Editora
Unijuí. Ano 6. n. 12. jul./dez. 2008. p. 63-86. FLORES, Joaquin Herrera. Direitos
humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Revista Sequência: estudos
jurídicos e políticos. Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC. v.23 n.44, 2002.
p.9-30.
618
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

culturas por meio da interação e diálogo intercultural, em busca do


reconhecimento da diversidade cultural e étnica via saberes/
conhecimentos, que integrem as diversidades. Situa-se ―em confronto com
todas as visões diferencialistas, que favorecem processos radicais de
afirmação de identidades culturais específicas, assim como com as
perspectivas assimilacionistas, que não valorizam a explicitação da riqueza
das diferenças culturais‖ (CANDAU, 2008, p.51).
Nas atuais sociedades os processos de hibridização cultural são
intensos e mobilizadores de identidades abertas e em constante
construção. Condição fundamental de uma interculturalidade, que propõe
orientar processos permanentes e inacabados, com o intuito de abertura
de vias para uma construção democrática - cidadania intercultural, e não
apenas, uma convivência tolerante e pacífica dentro de um mesmo
contexto social.
Para Santos, enquanto os DH forem concebidos como universais
tenderão a operar como um ―localismo globalizado‖6, constituindo um
instrumento de ―choque de civilizações‖, na qual a abrangência global é
obtida à custa da legitimidade local. Este universalismo é herança de
matriz hegemônica da modernidade, onde apenas a cultura ocidental se
formula como universal. Para poderem operar sob via de uma concepção
emancipatória, como globalização contra-hegemônica é preciso aumentar
a consciência da incompletude cultural e, portanto a necessidade da
interação, e, nesta perspectiva ―os Direitos Humanos têm de ser
reconceitualizados como interculturais‖ (SANTOS, 2006, p. 441-442).
Para Walsh, educadora e pesquisadora equatoriana,

[...] a interculturalidade significa - em sua forma mais geral - o contato


e intercâmbio entre culturas em condições de equidade, em condições
de igualdade. Tal contato e intercâmbio não devem ser pensados
simplesmente em termos étnicos, mas a partir da relação,
comunicação e aprendizagem permanentes entre pessoas, grupos,
conhecimentos, valores, tradições, diferentes lógicas e racionalidades,
destinada a criar, construir e promover o respeito mútuo, e pleno
desenvolvimento das capacidades dos indivíduos e coletivos acima de
suas diferenças culturais e sociais. Em si, a interculturalidade tenta
romper com a história hegemônica de uma cultura dominante e outras

6
Santos (2006) distingue formas de globalização, o localismo globalizado - onde
determinado fenômeno local é globalizado, o globalismo localizado - impacto específico
das práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, sendo (des)estruturadas
e (re)estruturadas para responder aos imperativos transnacionais e o cosmopolitismo
espaço de interação transnacionais na defesa de interesses comuns.
619
FONAPER

subordinadas e, assim, fortalecer as identidades tradicionalmente


excluídas para construir, tanto na vida cotidiana como nas instituições
sociais, um com-viver de respeito e legitimidade entre todos os grupos
da sociedade. [...] Em si, a interculturalidade tem um papel - crítico,
central e prospectivo em todas as instituições sociais – de reconstruir
passo a passo sociedades, estruturas, sistemas e processos
(educacionais, sociais, políticos, jurídicos e epistemológicos) e de
acionar entre todas as relações, atitudes, valores, práticas,
conhecimentos e habilidades fundamentados em respeito e igualdade,
no reconhecimento das diferenças e da convivência democrática que,
que em si mesma é muitas vezes conflituosa (WALSH, 2009, p. 41-42,
7
tradução nossa) .

A interculturalidade alude a um tipo de sociedade emergente onde as


comunidades étnicas, grupos sociais, políticos e/ou religiosos se
reconhecem em suas diferenças e buscam mútua compreensão e
valorização. Supõe a busca de instâncias dialogais focada na aceitação e
colaboração entre as culturas como uma proposta teórica a responder
desafios de uma sociedade pluricultural válida para sentar as bases de
uma forma de convivência (ASTRAIN, 2003). Saber viver e saber
(con)viver se confluem diretamente como bases do reconhecimento da
diversidade cultural - condição de se (in)surgir, (re)existir e (re)viver8 -
práxis de humanização, descolonização e interculturalidade.

7
Como concepto y práctica, proceso y proyecto, la interculturalidad significa - en su
forma más general – el contacto e intercambio entre culturas en términos equitativos; en
condiciones de igualdad. Tal contacto e intercambio no deben ser pensados
simplesmente en términos étnicos sino a partir de la relación, comunicación y
aprendizaje permanentes entre personas, grupos, conocimientos, valores, tradiciones,
lógicas y racionalidades distintas, orientados a generar, construir y propiciar um respeto
mutuo, y un desarrollo pleno de las capacidades de los indivíduos y colectivos, por
encima de sus diferencias culturales y sociales. En sí, la interculturalidad intenta romper
con la historia hegemônica de una cultura dominante y otras subordinadas y, de esa
manera, reforzar las identidades tradicionalmente excluídas para construir, tanto en la
vida cotidiana como en las instituciones sociales, un con-vivir de respeto y legitimidad
entre todos los grupos de la sociedad. [...] En sí, la interculturalidad tiene el rol – crítico,
central y prospectivo em todas las instuciones sociales – de reconstruir paso a paso
sociedades, estructuras, sistemas y procesos (educativos, sociales, políticos, jurídicos y
epistêmicos), y de accionar entre todos relaciones, actitudes, valores, práticas, saberes
y conocimientos fundamentados en el repeto e igualdad, el reconocimiento de las
diferencias y la convivência democrática que, por la misma realidad social, es muchas
veces conflictiva (WALSH, 2009, p. 41-42).
8
Aprofundamento em: WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e Pedagogia
Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação
Intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro:
7Letras, 2009, p. 12-43.
620
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Diálogo Intercultural e outras epistemologias.


Segundo Fornet-Betancourt (1994), o diálogo intercultural pressupõe
sujeitos que se interpelam reciprocamente, não sendo esta possível numa
relação na qual o Outro9 é mero objeto de interesse ou pesquisa.
Condiciona também que, os sujeitos subalternizados se unam para romper
a divisão moderna entre sujeitos e ―objetos‖ de conhecimento. Trata-se de
forjar outros caminhos de produção do conhecimento via diálogo entre a
episteme moderna e outras epistemes. Isto se dá de tal forma que o
desenvolvimento de um pensamento crítico transdisciplinar não terá como
referência fundante a episteme moderna, mas as epistemes que foram
historicamente marginalizadas.

[...] a relação entre a cultura europeia e as outras culturas se


estabeleceu e, desde então, se mantém como uma relação entre
‗sujeito‘ e ‗objeto‘. Bloqueou, em consequência, toda relação de
comunicação e de intercâmbio de conhecimentos e de modos de
produzir conhecimentos entre as culturas, já que o paradigma implica
que entre ‗sujeito‘ e ‗objeto‘ não possa haver senão uma relação de
exterioridade. E tais desigualdades são percebidas como de natureza:
só a cultura europeia é racional, pode conter ‗sujeitos‘. As demais não
são racionais. Não podem ser nem almejar ‗sujeitos‘. Em
consequência, as outras culturas são diferentes no sentido de serem
desiguais, de fato inferiores por natureza. Só podem ser ‗objeto‘ de
conhecimento ou de práticas de dominação. Nessa perspectiva, a
relação entre a cultura européia e as outras culturas se estabeleceu e,
desde então, se mantém como uma relação entre ‗sujeito‘ e ‗objeto‘
(QUIJANO, 1992, p.443).

Podemos identificar aqui uma espécie de epistemicídio, ou seja, ―[...]


a destruição de algumas formas de saber locais à inferiorização de outras,
desperdiçando-se, em nome dos desígnios do colonialismo, a riqueza de
perspectivas presentes na diversidade cultural e nas multifacetadas visões
do mundo por elas protagonizadas‖ (SANTOS; MENEZES, 2009, p. 49).
Este ambiente é conflitante, todavia, é mais um conflito dialético do
que um conflito contraditório, pois reflete situações conflitantes concretas
9
O termo ―Outro‖ (com a inicial em maiúsculo) quer representar os ―Outros‖ e a
―Outra(s)‖, plural e feminino que, para Levinas (2005) representa aquele que não pode
ser contido, que conduz para além de todo contexto e do ser. O Outro não pode ser
reduzido a um conceito; é rosto, presença viva que interpela, convoca, desafia e
constrói. Maior aprofundamento: LEVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a
alteridade. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.

621
FONAPER

pela quais passa uma cultura no transcurso do seu desenvolvimento.


Assim, a dialética entre tradição e inovação forma parte do fluxo vital de
cada cultura, dependendo essencialmente da práxis de seus membros. A
transformação se dá no (re)contextualizar olhares/leituras de identidades,
singularidades e universalidades na multiplicidade de tradições, saberes,
religiosidades, organizações políticas e jurídicas.
Neste contexto, o diálogo é chave hermenêutica em possibilitar o
(des)ocultar de histórias de colonialismo, pressuposto no criar condições
para que os povos falem com voz própria. Segundo Fornet-Betancourt
(1994) ―deixar que o outro libere sua palavra‖. Para o autor, o diálogo
intercultural continua sendo,

[...] o desafio que historicamente estamos obrigados a assumir; porque


é – ao menos momentaneamente - a única alternativa que promete
nos conduzir à superação efetiva de formas de pensar que, de uma ou
outra maneira, resistem ao processo da argumentação aberta, ao
condensar-se em posições dogmáticas, determinadas somente a partir
de uma perspectiva monocultural. Resumindo: o diálogo intercultural
nos parece ser hoje a alternativa histórica para empreendermos a
transformação dos modos de pensar vigentes (FORNET-
BETANCOURT, 1994, p.19).

A interculturalidade se apresenta hoje como um tema paradoxal. Por


um lado com perspectivas da descolonização do saber, poder, ser e viver –
espaço/lugar de promoção de relações de interação entre sujeitos capazes
de construir processos de subjetivação plurais polissêmicos - formas de
reconhecimento da diversidade cultural e desconstrução de padrões
culturais coloniais modernos. Por outro lado, pode se insurgir como forma
de reeditar novas formas de sujeição e subalternização desconsiderando
contextos sociopolíticos de subalternização ou de adequação de forma
funcional as novas estratégias globalizantes de dominação (FLEURI;
COPPETE; AZIBEIRO, 2010).
A partir de uma análise comprometida dos DH, Flores aposta numa
racionalidade de existência, como modo de uma resistência ativa ao
discurso dominante, projetando um campo possível da práxis intercultural
como espaço/lugar de ―uma prática, pois, criadora e re-criadora de
mundos, que esteja atenta às conexões entre as coisas e as formas de
vida e que não nos prive de ‗outros ecos que habitem o jardim‘‖ (FLORES,
2002, p.30).

622
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A perspectiva intercultural, ao desvelar as estruturas sociais, políticas


e epistêmicas da colonialidade, em suas relações de poder enraizadas na
racialização, no conhecimento eurocêntrico e na inferiorização de alguns
seres humanos e suas respectivas culturas, busca desafiar e derrubar este
mecanismo. A descolonialidade do poder, do saber, do ser e da mãe
natureza é condição básica para a promoção de relações humanas e
igualitárias entre diferentes grupos socioculturais (OLIVEIRA, 2012). No
caso da América Latina, a exigência da interculturalidade faz parte de sua
história social e intelectual, como se pode perceber nas lutas ininterruptas
dos povos indígenas e afro-americanos em território latino americano,
particularmente na região andina. Desafios para a promoção de uma
educação intercultural em perspectiva crítica e emancipatória, que respeite
e promova os Direitos Humanos e articule questões relativas à igualdade e
à diferença integram a pauta em vigor.
Candau, dialogando com a proposta de Boaventura, faz
apontamentos nesta direção: a desconstrução do universo dos
preconceitos e discriminações; questionamento do caráter monocultural e
etnocêntrico na escola e políticas educativas; articulação entre igualdade e
diferença nos projetos e ações pedagógicas; valorização das diferenças
culturais; percepção dos processos de hibridização - novas identidades
culturais; promoção de experiências de interação sistemática com os
―Outros‖; empoderamento dos sujeitos e atores sociais; formação de uma
cidadania aberta e interativa; reconhecimento das assimetrias de poder
entre os diferentes grupos culturais; abordagem dos conflitos e promoção
de relações solidárias (CANDAU, 2008).
Para Santos, as novas conceituações dos DH ressaltam a
necessidade do diálogo intercultural e a partir deste a hermenêutica
diatópica que objetiva ―ampliar ao máximo a consciência de incompletude
mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um
pé numa cultura e outro noutra. Nisto reside seu caráter diatópico‖ (1997,
p. 116). Referenciais legais e teóricos identificam dimensões sobre a
temática no balanço crítico da Educação em Direitos Humanos na América
Latina, desenvolvido pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos
(IIDH), da Costa Rica (1990 a 1999). Após estudos de caso na Argentina,
Chile, Peru, Brasil, Colômbia, Guatemala e México concluiu-se a
necessidade de reforçar três dimensões da Educação em DH.

623
FONAPER

A formação de sujeitos de direito. Grande parte dos cidadãos latino-


americanos tem pouca consciência que são sujeitos de direitos. No caso
brasileiro, possuem visão de direito como dádiva, consciência de uma
cultura paternalista e autoritária. Outra dimensão é o favorecimento de
processos de emponderamento. Estes tem uma dimensão coletiva
envolvendo e favorecendo a organização de grupos sociais minoritários,
discriminados, marginalizados e atores sociais que, historicamente, tiveram
menos poder de influírem nas decisões e processos coletivos.
A partir destas dimensões tem-se o terceiro ponto: os processos de
mudança necessários para a construção de sociedades verdadeiramente
democráticas e humanas. Neste contexto é componente fundamental o
resgate da memória histórica – ―educar para o nunca mais‖ - romper com
uma cultura de silêncio e impunidade e construir a identidade de um povo
na pluralidade de suas etnias e culturas. Para tal, supõe a utilização de
metodologias ativas, participativas e linguagens diversas. Trata-se,
portanto de transformar mentalidades, atitudes, comportamentos,
dinâmicas organizacionais e práticas cotidianas de atores sociais e
instituições. Os processos de uma Educação em Direitos Humanos devem
favorecer processos de formação de sujeitos de direito, em nível pessoal e
coletivo e que articulem as dimensões ética, político-social e as práticas
concretas (CANDAU, 2010).
Uma educação que supere os limites da instrução pode produzir
espaços/lugares onde os sujeitos em formação tenham como se significar
politicamente - sujeitos capazes de reconhecer seus direitos, respeitar os
direitos e a cultura do outro (VIOLA, 2010). ―Tanto o que é ensinado como
o modo que é ensinado deve refletir os valores dos direitos humanos,
estimular a participação a esse respeito e fomentar ambientes de
aprendizagem nos quais não existam temores nem carências‖ (UNESCO,
2009, p.1). Deste modo, uma Educação em, para e com DH se dá em
tempos/espaços/lugares de (re)conhecimento da memória histórica; para a
formação de sujeitos de direitos em uma contemporaneidade de
desigualdades, invisibilizações e violações múltiplas; com direitos à
diferença e reconhecimento das identidades – dignidade humana.

624
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Diversidade Cultural e Religiosa, Direitos Humanos e Educação


O território brasileiro formado pela diversidade de saberes, vivências
e culturas dos povos originários, a partir do século XVI sofre diferentes
processos de colonização europeia e compartilha hediondas práticas de
escravidão para com os povos africanos. Sua construção histórica se dá
no (des)encontro de inúmeras manifestações, expressões, crenças,
movimentos e tradições religiosas formando configurações e identidades a
partir de convivências multiculturais. Esta diversidade é permeada por
diferentes cosmologias, onde o aspecto religioso se faz presente nos ritos,
mitos, símbolos, festas, celebrações, textos, crenças e doutrinas dos
grupos, por sua vez integrados nos demais campos sociais. (OLIVEIRA;
CECCHETTI, 2012)
Diferentes vivências integram o substrato cultural do povo brasileiro se
constituindo em fontes de uma riqueza ímpar de saberes/conhecimentos a
instigar, desafiar e subsidiar o cotidiano das gerações. Contudo, esta
construção apresenta traços históricos provenientes de relações de poder
desiguais tecidas em tempos/espaços/lugares de exploração e escravidão
para uns, liberdade e abundância para outros. Conduzidos por olhares/leituras
colonizantes construíram territórios a serem contestados - dimensões
culturais, econômicas e políticas de caráter eurocêntrico (MARKUS;
OLIVEIRA, 2010).
A transposição da compreensão religiosa eurocêntrica para o
território em conquista foi uma das metodologias utilizadas. A ―conquista
espiritual‖ concebia que o mundo imaginário indígena era demoníaco e
seus atos ―divinos‖ eram uma afronta à divindade cristã e como tal
deveriam ser destruídos. Segundo Galeano (2011, p. 31), ―a fanática
missão contra a heresia dos nativos se confundia com a febre, que nas
hostes da conquista, era causada pelo brilho dos tesouros do Novo Mundo,
[...] eles chegaram à América ‗para servir a Deus e a Sua Majestade, e
também por haver riquezas‘‖.
Tratava-se de uma colonização do imaginário dos dominados, como
fruto de uma repressão dos seus modos de conhecimento, crenças,
símbolos, significações à imposição de padrões dos dominantes, que
―serviram não somente para impedir a produção cultural dos dominantes,
mas também como meios muito eficazes de controle social e cultural,

625
FONAPER

quando a repressão imediata deixou de ser constante e sistemática.‖


(QUIJANO, 1992, p. 438).
Paulatinamente o colonizado passa então a assumir a identidade de
seu colonizador – matriz colonial e racista – através da imposição de uma
ordem política, econômica, racial e religiosa. Sob esta égide vai se
cartografando um novo território - geografia do poder eurocêntrico -
tempos/espaços/lugares onde as submetidas/resistentes novas
identidades históricas se ―somam‖ ao colonialismo europeu afirmando o
Ocidente como a geopolítica do conhecimento global.
Segundo Quijano (2005), a Colonialidade do Poder implica, ainda
hoje, na invisibilidade sociológica dos não-europeus em relação à
produção de suas subjetividades, memórias históricas, imaginários,
conhecimentos e identidades. Com isto se gera a subalternização de
saberes - destruição material e subjetiva dos povos colonizados tornando-
os culturalmente colonizados e dependentes no espaço de um modelo
epistemológico monocultural. Esta nova geopolítica do conhecimento
dissemina de forma naturalizada a nova estrutura de poder, ocultando todo
o processo de dominação, e disseminando a lógica da
racionalidade/modernidade, colocando todas as outras culturas numa
relação de subalternidade.
Menezes, corroborando a perspectiva de Boaventura de Souza
Santos, afirma que ―esta divisão radical entre saberes atribuiu à ciência
moderna o monopólio universal de distinção entre o verdadeiro e o falso,
gerando as profundas contradições que hoje persistem no centro dos
debates epistemológicos‖ (SANTOS apud MENEZES, 2008, p.6).
Desta forma, as diferenças culturais do resto do mundo em relação à
Europa, foram admitidas pela lógica colonial como desigualdades
hierárquicas onde a concepção do sujeito individual nega a totalidade
social, gera a ausência do ―Outro‖ excluindo a possibilidade de outros
―sujeitos‖ que não os da identidade europeia. A modernidade sob o
paradigma europeu de conhecimento racional apresentou-se como uma
continuidade a este ambiente excludente, aonde a ciência racional
invalidava os saberes do ―Outro‖. A colonialidade se sustentou e continua a
se sustentar, a partir da construção do imaginário epistêmico da
universalidade. A Colonialidade do Saber gera a persistência da
dominação epistêmica de matriz colonial de tal forma que, a epistemologia
eurocêntrica nos impede de ver o mundo a partir dos nossos olhos, do

626
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mundo que vivemos, anulando a diversidade epistêmica existente,


passamos a ver o mundo sob o eco de vozes alheias.
Historicamente, a educação escolar foi um espaço importante para a
divulgação e aplicação das políticas nacionais de homogeneização
preconizadas no Brasil, através da edição de materiais didáticos, processos
de formação de formadores, abordagens metodológicas, entre outros meios.
Assim, as discriminações praticadas com base em diferenças ficavam ocultas
sob o manto de uma igualdade não efetiva, espaço/lugar de vivências de
sofrimento e exclusão (MARKUS; OLIVEIRA, 2010).
No que se refere à diversidade religiosa, a escola, em um primeiro
momento, tornou-se instrumento fundamental do catolicismo no projeto
civilizatório-colonizador a difundir os preceitos tidos como únicos e
universais. O currículo e a organização do cotidiano escolar visavam
catequizar os sujeitos, de uma forma confessional, enfocando uma
verdade padronizadora e limitadora, negando quaisquer outras formas de
religiosidades. Deste modo, a escola pública ao afirmar uma religião como
única e verdadeira segregava as demais manifestações religiosas
(CECCHETI, 2012).
A Constituição de 1988 reconhece o caráter multiétnico e pluricultural
do povo brasileiro assegurando proteções e garantias ao pleno exercício
dos direitos culturais, vedando quaisquer formas de discriminação e
proselitismo. Com base nos princípios fundamentais, o componente
curricular de Ensino Religioso, historicamente de caráter homogêneo
(salvo algumas exceções)10, é (pró)vocado em sua gênese epistemológica
e metodológica pela Lei nº 9475/97, que altera e dá nova redação ao art.
33 da LDBEN desafiando a construção de um currículo e práticas
pedagógicas, que respondam as exigências legais e hodiernas.
No contexto escolar é possível identificar presenças e ausências
quando se trata de diversidade cultural e religiosa, produto de um longo
processo de seleção de elementos simbólicos hegemônicos, valorizando
apenas certos componentes da cultura ocidental moderna, onde
determinadas culturas e tradições religiosas são reconhecidas e
valorizadas, pelo currículo oficial ou real, em detrimento de outras,
exotizadas, silenciadas ou negadas. (CECCHETI, 2012).

10
FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino Religioso: perspectivas pedagógicas.
Petrópolis/RJ:Vozes, 1994.
627
FONAPER

A presença de diversas culturas, saberes e conhecimentos num sistema


educacional exige uma tomada de consciência na definição e
encaminhamento de outras diretrizes curriculares. Urge considerar e efetivar
mudanças nos pressupostos episte(me)mológicos buscando construir
propostas formadoras que conduzam a discussão, (re)flexão e encaminhem
processos e práticas formadoras e educativas, comprometidas com a
diversidade, num contexto marcado por desigualdades, singularidades e
diversidades. (MARKUS; OLIVEIRA, 2012, p. 262).
Este movimento exige (res)significar pensamentos, posturas,
imaginários e redefinir competências e práticas - decolonizar11 - de tal forma
que a práxis conduza à novas mentalidades, desafiando tempos e espaços
institucionais historicamente cristalizados, a fim de insurgir ―a capacidade da
educação para acolher a diversidade‖ (SACRISTÁN, 1995, p.82).
O estudo, pesquisa e diálogo para o (re)conhecimento da diversidade
cultural religiosa se apresenta como um dos elementos para uma
formação integral do ser humano nos diferentes tempo/espaços/lugares da
educação escolar, juntamente com os demais componentes curriculares.
Assume o compromisso de refletir, discutir, analisar e organizar critérios
que encaminhem vivências fundamentadas na ética e nos DH, que se
percebem e conjugam na e em alteridade com liberdade, justiça,
solidariedade e defesa do direito à diferença - referenciais para uma
educação diferenciada (OLIVEIRA, 2003).
Reconhecer a diversidade religiosa na cultura da escola, através de
uma educação em, para e com DH requer o desenvolvimento de
compreensões contextualizadas e diferenciadas de ser humana,
sociedade, cultura, escola e aprendizagem integrando a diversidade de
lógicas, conceitos e sujeitos, em exercícios de pesquisa e práticas
11
Decolonizar, de acordo com Walsh (2009) trata-se do rompimento com processos de
colonização e capitalismo. Não descolonizar, pois não se consegue desfazer ou
desmanchar todo um processo colonial, não há como fingir que a colonização não
existiu e apagar tudo que ela impôs. O que se busca é uma luta constante, uma
construção, a busca por alternativas, a fim de traçar um rumo novo para os povos.
Suprimir la "s" y nombrar "decolonial" no es promover an anglicismo. Por el contrario, es
marcar una distinción con el significado en castellano del "des". No pretendemos
simplemente desarmar, deshacer o revertir to colonial: es decir, pasar de an momento
colonial a un no colonial, como que fuera posible que sus patrones y huellas desistan de
existir. La intencion, mas bien, es señalar y provocar an posicionamiento —una postura
y actitud continua— de transgredir, intervenir, in-surgir e incidir. Lo decolonial denota,
entonces, un camino de lucha continuo en el cual podemos identificar, visibilizar y
alentar "lugares" de exterioridad y construcciones altemativas (WALSH, 2009, p. 14-15).

628
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

pedagógicas críticas e criativas, a fim de produzir rupturas e fragilizar


paradigmas padronizadores e homogeneizadores ainda presentes na
educação. Formar com e para o respeito, acolhida e interação com as
diferenças pressupõe aportes e práticas formadoras, que se pautem
essencialmente por e em exercícios de alteridade (CECCHETTI e
OLIVEIRA, 2009).

À guisa de uma conclusão


As diversidades (pró)vocam uma miríade de processos abertos,
plurais e complexos, que precisam ser articulados e pensados com/o
outros tempos/espaços/lugares - territórios coletivos de produção de
saberes. (Res)significar olhares/leituras/ação cristalizados cria
possibilidades12 históricas para a assunção de sujeitos de direitos, base
para se construir uma convivência social onde diferença e igualdade se
constituam em estratégias para enfrentar colonialidades para e na
construção de caminhos e práticas decolonizantes à uma sociedade
radicalmente diferente.
A interculturalidade, neste condão, é projeto político social e
epistêmico, que se apresenta como via a contribuir para uma
transformação estrutural - decolonização de mentes e corpos, seres e
saberes, sistemas e estruturas em processos tecidos em lutas e ações
contínuas. Lutas dirigidas a enfrentar construções sociais e imaginárias,
objetivas e subjetivas, nas sociedades e povos, como formas de um
(re)pensar a partir de outros parâmetros - tempos/espaços/lugares teórico-
metodológicos em construção.
Neste sentido, os referenciais de interculturalidade apresentam um
caminho de perspectivas episte(me)todológicas radicalmente oposto ao
historicamente posto – hegemônico, eurocêntrico e cristão – a partir do
diálogo e interação entre saberes/conhecimentos para, das e com as
diversidades. A efetivação de uma proposta de Educação em, para e com
DH em relação à diversidade religiosa detém a capacidade de (pró)vocar o
surgimento de outras cartografias culturais, sociais e políticas – traços a

12
Para Boaventura Santos ―possibilidade é o movimento do mundo‖ (SANTOS, 2004, p.
796).

629
FONAPER

abrir e transpor fronteiras na busca da construção de outros territórios -


(des)construção de subalternidades históricas.
Questionar e desafiar a percepção e adoção de outros
olhares/leituras/ações em processos, que relacionem diversidade cultural
religiosa e DH - (re)conhecer e empoderar os atores sociais na construção
de tempos/espaços/lugares escolares democráticos, plurais e inclusivos -
se apresenta como tarefa historicamente necessária e intransferível nas
sociedades contemporâneas.

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633
MEMÓRIA, TOLERÂNCIA E RESISTÊNCIAS: DISCUSSÕES
SOBRE RELIGIÃO E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Kathlen Luana de Oliveira1 (EST)

Resumo:
Entre posturas entusiasmadas, militantes, céticas, estagnadoras, no cenário brasileiro
contemporâneo, os direitos humanos têm agregado lutas emancipatórias, reivindicações de
justiça, de igualdade, de segurança, de cidadania, protestos contra todo e qualquer tipo de
violência, preconceito ou degradação da vida. Movimentos sociais, ações e políticas
governamentais, pesquisas acadêmicas confluem sob a direção dos direitos humanos,
principalmente, no período de redemocratização brasileira que se estende até os dias
atuais. E nesse contexto, sem assumir posturas apologéticas, cabe identificar como a
teologia e as religiões estão atreladas com a promoção dos direitos humanos. Claro, as
memórias de opressão, de intolerância, da conquista colonial não podem ser esquecidas.
Todavia, partindo da ambiguidade da religião, a compreensão de que as sociedades latino-
americanas e as possibilidades de construção dos Estados democráticos de direito não
podem prescindir do estudo das religiões e das teologias.

Palavras-chave: direitos humanos; teologia; pluralidade.

Introdução
A religião, ou as religiões, nem sempre se conjugaram com os
direitos humanos. Em outras palavras, em muitos momentos a religião foi
promotora da violência ao invés da vida. Todavia, houve momentos de
profunda defesa da liberdade, da justiça, da igualdade. E, esses momentos
precisam ser resgatados, trazido à memória. Isso não significa afirmar a
centralidade de instituições, mas antes o compromisso dessas instituições
de fé, a centralidade do fundamento Cristo. Nesse sentido, esse texto é um
ensaio e consiste em uma leitura do mundo, uma busca pela
compreensão, uma busca por possibilidades de pensar as relações
humanas sem o recurso à violência. Visualizando, nos direitos humanos, a
potencialidade da convivência. Logo, enquanto construções, os direitos
humanos são frutos de lutas emancipatória. As religiões, as teologias, não
são proprietárias dessas lutas, ou desse discurso, mas podem inserir-se ao
lado, na luta por justiça, igualdade, solidariedade, liberdade. Assim, os

1
Doutoranda em Teologia – Faculdades EST. Bolsista CAPES. Contato:
kathlenlua@yahoo.com.br
FONAPER

direitos humanos são analisados enquanto componentes do espaço


público, além de fronteiras institucionais.

Desejabilidade, conflituosidade, inevitabilidade e polissemia dos


direitos humanos
O século XX, marcado por guerras mundiais, amplia o alcance dos
direitos humanos. Especialmente, quando um Estado pode ser o maior
violador dos direitos de seus próprios habitantes ou ainda sobrepujar outros
Estados, os direitos humanos passam a ser pensados a nível internacional.
São os chamados direitos de solidariedade ou direitos dos povos que
compõem a terceira geração. A paz perpétua, como enfatizava Kant, ou o
direito à paz, o direito à autodeterminação, ao meio ambiente equilibrado,
conservação do patrimônio histórico cultural, o direito à informação e à
comunicação constituem-se como necessidade humana. A criação da ONU e
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção
Americana dos Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de San José
(1969) são marcos decisivos2. Além da internacionalização, o direito ao
desenvolvimento assume centralidade em um período onde nações – na
época, denominadas de terceiro mundo – passam a reivindicar autonomia
questionando as velhas amarras colonialistas. ―Lo que los inspira es la
revolución anticolonialista de los sesenta, por un lado, y la consciencia de una
mayor interdependencia y globalización mundial de otro‖3.
Justamente pelo fato dos direitos humanos não serem verdades
autoevidentes ou verdades prontas e dadas, Bobbio indica que os ―direitos
humanos são coisas desejáveis‖4. E, como desejáveis, os direitos humanos
merecem discussão, análise, questionamento, acréscimos como demonstra
as gerações de direitos humanos. Existe uma aprovação generalizada acerca
dos direitos humanos5. Há um sentimento de repulsa e aversão devido às

2
DORNELLES, João Ricardo W. O que são Direitos Humanos. São Paulo: Brasiliense,
2006, p. 32-44. A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem feita em
Bogotá (1948); a Declaração Universal dos Direitos aos Povos feita em Argel (1977)
também entram no processo de internacionalização dos direitos humanos.
3
ETXEBERRIA, Xabier. Etica de la diferencia: En el marco de la Antropología cultural.
2. ed. atual. Bilbao: Universidad de Deusto, 2000, p. 292.
4
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 4. reimpr. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 35.
5
BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos direitos humanos: Fundamentos de um ethos de
liberdade universal. São Leopoldo: Unisinos, 2000, p. 11.
636
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

experiências de barbárie, por isso multiplicam-se ―[...] reivindicações que


requeiram o estabelecimento de comprometimentos jurídicos tendentes a
possibilitar a vivência humana digna em um ambiente comum‖ 6.
Contudo, a desejabilidade não conduz a consensos ou a congruências
em fundamentação, em conceituação ou em reconhecimento desses direitos.
A aceitação geral não representa uma ação normativa. Como alerta Bielefeldt,
a ―inquestionável valorização dos direitos humanos na política e no direito
internacional [...] não deve levar à enganosa conclusão de que hoje realmente
eles sejam observados e respeitados‖7. Se, por um lado, o discurso dos
direitos humanos pode servir como um ―guarda-chuva‖ para toda
reivindicação humana, por outro lado, eles tornam-se cada vez mais
fragmentados. Nessa fragmentação, há o risco de se alicerçar os direitos
humanos em tradições específicas ou em interesses específicos e
especializados. ―O discurso especializa-se em jurídico, político, ético e
teológico, ficando cada vez mais difícil a harmonização de todos eles, a ponto
de corrermos o risco de perder a unidade na referência aos direitos
humanos‖8. Enfim, há o risco de ―[...] que, com o crescente reconhecimento e
com a valorização política, os direitos humanos ameaçam perder seu
contorno normativo e de conteúdo‖9.
Nesse campo de disputa, os direitos humanos perdem o horizonte de
comprometimento e tornam-se suscetíveis a posições fragmentárias,
estagnadoras e elitistas, assim denominadas por Carbonari. A
fragmentação provém de uma graduação dos direitos, logo, a importância
de cada direito surge quando convém ao interesse particular. A
fragmentação não pode ser confundida com prioridades ou necessidades,
pois estas são válidas e eficazes para se estabelecer planos de ação. A
posição estagnadora ora banaliza os direitos humanos apenas como
defesa das pessoas criminosas, com a intenção de invalidar todas as
outras dimensões e lutas de direitos, ora restringe os direitos humanos a
uma idealidade, exaltando os triunfos, esquecendo-se da atualidade e de
novas lutas. ―Pelas duas pontas, imobiliza: seja porque tocar no assunto

6
MÖLLER, Josué Emilio. A fundamentação ético-política dos direitos humanos.
Curitiba: Juruá, 2006. p. 13.
7
BIELEFELDT, 2000, p. 15.
8
BIELEFELDT, 2000, p. 17.
9
BIELEFELDT, 2000, p. 17.
637
FONAPER

compromete negativamente; seja porque tocar na ideia ‗estraga‘‖10. E a


visão elitista, que torna os direitos humanos discurso de especialistas,
ignora as pessoas que buscam sua cidadania, comumente, aquelas que
experimentam – de fato – a negação de sua dignidade11.
Todavia, esse fato não torna os direitos humanos menos desejáveis,
pois, em meio às discussões, os direitos humanos têm se tornado um
abrigo frente às preocupações humanas, um arcabouço de reclamações
contra a injustiça, contra os abusos nas relações de poder, contra a
violência. Nesse viés, ao mesmo tempo em que os direitos humanos
precisam ser movidos por essas reivindicações, eles não podem perder o
comprometimento e não poderiam ser considerados apenas sob interesses
particulares. Os direitos humanos não podem ser apenas um meio de
concessão de direitos, precisam ter como finalidade o horizonte de
participação na vida pública daquelas pessoas que reivindicam seus
direitos. Em outras palavras, toda pessoa que reclama para si direitos e
tem esses direitos efetivados, não poderia se contentar em apenas
―resolver‖ os seus próprios problemas.
O sentido da participação-comprometimento para a compreensão
dos direitos humanos é definida por Carbonari no seguinte tripé:
polissêmico, controverso e estruturante. A polissemia é resultado da
pluralidade de vozes que resistem a uma petrificação de um discurso de
direitos humanos, assim, apesar dos ―[...] acordos e consensos (como na
Conferência de Viena), isto não lhe dá um sentido único. É controverso,
pois abre espaço à discussão e debate, em geral, polêmicos. É
estruturante, pois diz respeito às questões de fundo que tocam a vida de
todos/as e de cada um/a‖12. Nesse tripé, percebe-se que os direitos
humanos se encontram em uma perspectiva de permanente tensão e
conflito. E, até certo ponto, essa conflituosidade possibilita uma avaliação
dos direitos humanos, ou seja, surgem protestos que revelam quando os
direitos humanos podem ser manipulados, ignorados, relativizados.
O comprometimento e o não contentar-se em satisfazer os direitos
particulares tornam-se fundamental em meio à violência crescente que

10
CARBONARI, Paulo César. Direitos Humanos: Sugestões Pedagógicas. Passo Fundo:
IFIBE, 2008, p. 33.
11
CARBONARI, 2008, p. 33.
12
CARBONARI, 2008, p. 33.
638
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

constantemente é ameaça à vida humana. Logo, os direitos humanos


emanam da necessidade, dizem respeito à vida, mas a compreensão de
vida precisa extrapolar a simples manutenção da existência. Vida não se
refere apenas à distância cronológica que separa o nascimento e a morte.
A vida deve ser compreendida como inter homines esse13, isto é, a vida é
estar entre as pessoas. Como no Antigo Testamento, o segredo da vida
não está no sopro que a sustenta, mas no encontro que o ser humano tem
enquanto este possui o sopro. É por isso que a morte, para os antigos
hebreus, significava, antes de tudo, a perda da comunhão com Deus e o
fim temporal da vida14 e ambas acarretavam no rompimento da comunhão
entre as pessoas.

Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio à


natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou
indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos.
Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os
homens vivem juntos. Mas a ação é a única que não pode sequer ser
imaginada fora da sociedade dos homens [...] e só a ação depende
15
inteiramente da constante presença de outros.

Se cada pessoa está na constante presença de outras pessoas, a


reclamação dos direitos humanos e a sua consequente busca de cidadania
provém de relações humanas injustas e opressoras. Contra a violência e a
desigualdade nas relações, os direitos humanos trazem esperanças,
possibilidades e argumentações na edificação da tolerância nas relações
humanas. Contudo, a violência é presença constante e que, a partir do
século XX, as gerações subsequentes têm experimentado a violência de
uma forma como não havia sido anteriormente. A geração contemporânea
herdou um mundo que já experimentou catástrofes de toda ordem, cuja
certeza é o medo de que o ser humano pode ser capaz de tudo, até de ser
autor da mais insana e eficaz violência.

13
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2007a, p. 15.
14
MOLTMANN, Jürgen. A Vinda de Deus: escatologia cristã. São Leopoldo: Unisinos,
2003, p. 96ss e WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São
Paulo: Loyola, 1975, p. 137-160.
15
ARENDT, 2007a, p. 31.
639
FONAPER

As teologias – comprometimento e resistência aos direitos humanos


As teologias também pertencem ao cenário de conflituosidade, de
polissemia e de controvérsias acerca dos direitos humanos. São trilhas
polêmicas que os direitos humanos enfrentaram em relação às religiões. A
origem moderna dos direitos humanos se constituiu em um contexto com
preceitos humanistas, racionalistas, agnósticos e até antirreligiosos. Por
isso não se pode estranhar a indiferença, a repulsa ou uma readequação
de certas religiões acerca dos direitos. Essa conflituosidade é
extremamente necessária e questiona a aprovação harmoniosa e a
aceitação unívoca dos direitos humanos. Há nações e religiões que
questionam a validade dos direitos humanos, mas argumentam sua
posição, envolvendo-se e somando-se, mesmo que indiretamente, à
polissemia da discussão.
Teólogos e filósofos islâmicos como Hassan Hanafi, Rachid
Ghannouchi, por exemplo, afirmam que os direitos humanos são
decorrentes de uma mudança de paradigma ocidental, o qual consiste na
substituição do teocentrismo para o antropocentrismo na modernidade. E,
para os pensadores islâmicos, tal mudança tem consequências que estão
sendo vivenciadas nos dias atuais e se referem ―ao relativismo moral, ao
niilismo e, finalmente ao endeusamento do poder‖16. Essa postura
perpassa tanto conservadores islâmicos como pensadores mais de
―esquerda‖, pois, o que Bielefeldt identifica, não seria uma crítica
propriamente dita aos direitos humanos, mas ao Ocidente. Afinal, no
pensamento islâmico, os direitos humanos são discutidos como
necessários, desde que subordinados a um paradigma teocêntrico. Isso,
muitas vezes, pode colocar os fiéis ou crentes em uma posição de
privilégios e os ―[...] direitos humanos perdem toda e qualquer concepção
de independência em relação ao direito divino‖17. E mesmo pensadores
não tão ortodoxos, como Bassam Tibi, não escapam da antítese entre
direito divino e direito humano, entre teocentrismo e antropocentrismo.
Essa argumentação de pensadores islâmicos – apesar da refutação dos
direitos humanos – não os exclui do diálogo. É uma posição contrária que

16
BIELEFELDT, 2000, p. 213.
17
BIELEFELDT, 2000, p. 215.
640
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

pode provocar mudanças, questionamentos e uma revisão crítica do que


se propõe como fundamento dos direitos humanos.
Essa polêmica não está restrita ao Islã. O catolicismo também
demorou a reconhecer os direitos humanos. Bielefeldt afirma que a Igreja
Católica (ICAR) resistiu, em geral, aos direitos humanos e, em particular, à
liberdade religiosa e, que, apenas a partir de 1965, com o Concílio
Vaticano II, os direitos humanos foram reconhecidos18. Porém, ainda
existem posturas, como a de Josef Punt, que consideram os direitos
humanos expressão de uma ideologia antropocêntrica constituída por
preceitos cristãos secularizados. Também, no protestantismo, os direitos
humanos encontram resistência como a de Max Stackhouse. Existem
compreensões de que os direitos humanos originaram da tradição
reformada e, apenas a partir dessa tradição, eles poderiam ser
adequadamente interpretados. Isto é, os direitos humanos deveriam ser
interpretados a partir de princípios bíblicos, fundamentados pela revelação
divina19. Já no hinduísmo, o pensamento de Raimundo Panikkar traz uma
perspectiva mais aberta. Com sua definição de ―cosmoteandrocentrismo‖,
ele propõe uma harmonia entre o cosmo, o ser humano e o divino para a
efetivação dos direitos humanos20.
No hinduísmo, o problema é que ele é visto como uma religião que
perpetua desigualdades com as castas. No confucionismo, o indivíduo
sucumbe ao coletivo. O budismo parece estar alienado às discussões
imanentes21. Tamanha dificuldade na aceitação dos direitos humanos
denota o quanto são frágeis os argumentos desses direitos. Por um lado,

18
BIELEFELDT, 2000, p. 215-216.
19
―Nos documentos da Federação Luterana Mundial acerca dos direitos humanos, de
1977, associam-se o reconhecimento da secularização dos direitos humanos com a
recorrência crítica aos ensinamentos de Lutero relativa aos dois regimentos, o profano e
o espiritual, nos quais se espelha a diferença entre Lei e Evangelho. Direitos Humanos
ganham força própria como Direito secular e recebem uma apreciação positiva pela
tradição reformista. [...] A necessária distinção entre fé e mundo não leva a uma
separação abstrata, pois a inalienável dignidade humana, protegida por direitos políticos
e jurídicos, também pode ser entendida e teologicamente desdobrada como expressão
divina que age antes de qualquer obra ou mérito humano. Como os direitos humanos
existem independentemente de qualquer fundamentação teológica – e exatamente
por sua feição secular -, eles se tornam parte irrenunciável da proclamação
cristã‖. BIELEFELDT, 2000, p. 230-231. grifo nosso.
20
BIELEFELDT, 2000, p. 215-217.
21
AMALADOSS, Michel. Pela Estrada da vida: Prática do diálogo inter-religioso. São
Paulo: Paulinas, 1995. p. 202.
641
FONAPER

as religiões não se apresentam contrárias aos direitos humanos, mas


buscam fundamentá-los a partir de seus próprios critérios, princípios,
tornando os direitos humanos um campo de disputa entre teocentrismo e o
antropocentrismo. Logo, os direitos humanos só seriam válidos desde que
recebessem uma nova fundamentação teológica. Todavia, é necessário
que os direitos humanos não estejam subordinados a uma visão autoritária
de Deus e até mesmo ―com uma legitimação teocrática de poder, o
pensamento referente aos direitos humanos é incompatível por princípio‖ 22.
Por isso, com a premissa de que os direitos humanos não são
invenções teológicas, não se pretende buscar uma re-fundamentação
teológica dos direitos humanos. Cabe analisá-los como instrumentos
políticos que dizem respeito a toda a humanidade. Por um lado, a validade
dos direitos humanos deveria permanecer intacta e deveria haver garantias
desses direitos a todos os seres humanos independente de sua
nacionalidade, religião, de sua condição econômico-social, de sua etnia.
Os direitos humanos ―[...] não devem depender da pluralidade humana e
devem permanecer válidos mesmo que um ser humano seja expulso da
comunidade política‖23. Por outro lado, a individualidade, a pluralidade não
pode ser dissolvida frente à construção humana da igualdade.
Também é possível encontrar na teologia/religiões propostas que
reiteram os direitos humanos. Michel Amaladoss indica a urgência de
ampliação da compreensão de direitos humanos e propõe que a visão de
direitos como invenção do Ocidente e decorrente do cristianismo seja
superada24. Jürgen Moltmann, por sua vez, trata dos riscos e dos limites
antropocêntricos dos direitos humanos25. Essas propostas de superação –
da delimitação ocidental, cristã e antropocêntrica – não ignoraram essa
influência, mas provocam a reflexão de que os direitos humanos não
podem sucumbir a essas tradições ou servir como proteção e garantias
apenas das pessoas ocidentais e cristãs. Nesse sentido, Sturla Stålsett,
refletindo sobre globalização, traz contribuições que permitem ver a
relação entre religião e direitos humanos além de posturas unilaterais.

22
BIELEFELDT, 2000, p. 217.
23
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: Anti-semitismo, imperialismo,
totalitarismo. 7. reimpr. São Paulo: Cia das Letras, 2007b, p. 331.
24
AMALADOSS, 1995, p. 201-202.
25
MOLTMANN, Jürgen. Direitos Humanos, Direitos da Humanidade e Direitos da
Natureza. Concilium, Petrópolis, n. 228, fasc. 2, 1990, p. 135-152.
642
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Stålsett indica que a religião na globalização (entendida como


desdobramento da secularização) passa simultaneamente por um
processo de relativização e de revitalização. A relativização provém da
consciência da proximidade das religiões outrora distantes, assim, ―las
nuevas experiencias de pluralidad religiosa [...] llevan a la conciencia de
que ‗mi‘ religión sólo es una religión entre muchas‖36. A própria religião se
relativiza. A revitalização provém da construção da identidade religiosa,
justamente no contato com religiões diferentes. ―Así la tradición religiosa se
revitaliza, toma nueva fuerza y relevancia. Religión forma parte esencial de
la identidad cuestionada bajo la presión de la globalización‖37.
Todavia, a revitalização da religião acontece de forma favorável ou
contrária à própria globalização. Logo, a religião pode ser pró-sistêmica,
anti-sistêmica ou ambas ao mesmo tempo, isto é, pode exercer a função
de integração, promovendo o sistema, ou pode ser fonte de resistência e
crítica, combatendo o sistema, sendo um espaço de alternativas ou ainda
ambos, pois pode combater certos aspectos e ser a favor dos que lhe
convêm38. Enquanto resistência, o fundamentalismo pode ser uma opção,
porém, Stålsett a considera uma resistência ilegítima, pois, além de se
fechar ao diálogo, pode-se recorrer à violência39. O papel da religião como
resistência é de fundamental importância à América Latina, onde a
exclusão, a injustiça, a corrupção dos partidos políticos fragmentam a
sociedade entre os privilegiados e os sem-direitos.

Ecumenismo: o compromisso das religiões com a resistência, com os


direitos humanos
A reflexão de Stålsett pode ser vista, por exemplo, no período de
ditadura no Brasil. Em 1964, setores religiosos apoiaram o golpe militar.
Porém, de outro lado, gradativamente, a Igreja fomentou resistência ao
regime devido às denúncias de tortura e às perseguições políticas. Como
expõe Solon Viola, ―a sociedade civil encontrou na Igreja o espaço que
precisava para organizar-se. ‗A massa, amorfa e disforme‘, em que o

36
STÅLSETT, Sturla. Religión en la globalización: integración o resistencia, 2004. p. 4.
(polígrafo)
37
STÅLSETT, 2004, p. 4.
38
STÅLSETT, 2004, p. 4.
39
STÅLSETT, 2004, p. 4.
643
FONAPER

Estado transformara a vida política brasileira encontrava um abrigo para


iniciar sua reorganização por meio de movimentos múltiplos e
setorializados‖26. Claro que, de um lado, a hierarquia da Igreja Católica
(ICAR) não apoiava militantes religiosos. Contudo, a existência dessa
militância contribuiu como base para o Movimento de Justiça e Direitos
Humanos, ―[...] uma corrente de militantes religiosos estruturados em
setores de diferentes Igrejas cristãs, entre elas a Igreja Católica, a
Luterana, a Presbiteriana e a Metodista, que passaram a fornecer uma
base de apoio tanto de infra-estrutura como de militância‖27.
No cenário mundial, o movimento ecumênico se articula a favor dos
direitos humanos. O CMI (Conselho Mundial de Igrejas), por exemplo,
criado no ano de 1948, vem se envolvendo na promoção dos direitos
humanos, os quais são vistos a partir da centralidade ―das lutas contra a
pobreza, a dominação colonial, os sistemas racistas e os regimes
militares‖28. Os movimentos ecumênicos não visam unicamente à
promoção de direitos humanos em relação à sociedade, mas também
assumem o compromisso de diálogo entre as religiões, pois conflitos
religiosos podem ser empecilhos para a construção da paz. ―Não existe
convivência humana sem ethos mundial das nações. Não há paz entre as
nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem o
diálogo entre elas‖29. Como expõe Etxeberria, a relação entre direitos
humanos e as religiões não é uma relação de exclusão. Contudo, é uma
relação que preserva uma distância, na qual os direitos humanos não são
propriedade nem exclusividade das teologias.

26
Viola menciona a participação decisiva de personalidades e de organizações da ICAR:
bispo Dom Adriano Hipólito, Dom Hélder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns movimentos
como o da Educação de Base (MEB), a Juventude Estudantil Católica (JEC), a
Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Operária Católica (JOC), as
Comunidades Eclesiais de Base (CEB‘s). VIOLA, Solon Eduardo Annes. Direitos
humanos e democracia no Brasil. São Leopoldo: Unisinos, 2008, p. 109; 107.
27
VIOLA, 2008, p. 122.
28
Na América Latina, o CLAI (Conselho Latino Americano de Igrejas) oferecia socorro às
pessoas vitimadas por conflitos. Também o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas
Cristãs no Brasil) é um organismo ecumênico que se envolve em campanhas contra a
violência e a favor dos direitos humanos. TEIXEIRA, Faustino; DIAS, Zwinglio Mota.
Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso: A arte do possível. Aparecida/SP: Santuário,
2008. p. 88ss. (Cultura & Religião)
29
KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial: Uma moral ecumênica em vista da
sobrevivência humana. São Paulo: Paulinas, 1993. p. 174. (Teologia Hoje)
644
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Derechos humanos y cristianismo no se confunden, pero pueden


potenciarse y plenificarse, desde la aceptación de los derechos por
parte del cristianismo – y de su contexto de secularidad y pluralidad –,
también desde la crítica creativa hacia las formulaciones concretas de
derechos que puede hacerse inspirándose en la tradición cultural
30
cristiana.

Para a teologia construída a partir da América Latina, as


reivindicações expostas nos direitos humanos não são estranhas.
Especialmente, os assim categorizados direitos humanos sociais,
econômicos, culturais e ambientais estão tão próximos de anseios
teológicos que parece difícil não enxergar correlações. Todavia, os direitos
individuais não foram ignorados historicamente, principalmente nos
períodos ditatoriais. Em momentos de extrema violência, a teologia não
esteve ausente no enfrentamento e na articulação de resistências. Nesse
sentido, cabe um destaque especial para o movimento ecumênico, o qual
tanto no contexto latino-americano como a nível mundial, tem há muito
entrelaçado o caminho da teologia com as reivindicações dos direitos
humanos.
Nessa perspectiva, não é exatamente uma novidade o envolvimento
da teologia ou da religião com os direitos humanos. Teixeira e Dias não
identificam a criação do CMI em 1948 como mera coincidência com data
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Semelhante confluência é
perceptível já em 1910, na Conferência Missionária de Edimburgo, na qual
a temática do direito à liberdade religiosa foi enfatizada. Em 1974, com a
realização da Consulta Internacional na Áustria sob o trema ―Os Direitos
Humanos e a Responsabilidade Cristã‖ e, em 1975, com a 5ª Assembleia
Geral realizada em Nairóbi, a luta contra a pobreza, contra a dominação
colonial, contra os sistemas racistas e os regimes militares destacam-se
como elementos centrais na promoção dos direitos humanos. Somado a
isso, a solidariedade ecumênica demarca que a responsabilidade começa
―em casa‖, ou seja, regionalmente e contra qualquer intolerância ou
violência religiosa.

No final dos anos setenta, com o recrudescimento dos atropelos


contra os Direitos Humanos na América Latina, o CMI [Conselho
Mundial de Igrejas] estabeleceu um programa especial para a região.

30
ETXEBERRIA, Xabier. Derechos humanos y cristianismo: Aproximación
hermenéutica. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999. p. 55. (Cuadernos Deusto de
Derechos Humanos; n. 4)
645
FONAPER

Duas iniciativas merecem destaque. A primeira referente ao papel


desempenhado pelo Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) ao
intervir, com apoio do CMI, nas regiões conflagradas da América
Central, seja no socorro às vitimas diretas dos conflitos, na criação de
condições de asilo para milhares de pessoas perseguidas ou
obrigadas a migrar de suas terras, no apoio às igrejas locais e a
líderes eclesiásticos ameaçados por suas atitudes de defesa da
dignidade dos filhos e filhas de Deus, seja no apoio à participação da
Igreja nos processos de diálogo e pacificação nos diversos países da
região, como foram os casos de Nicarágua, El Salvador e Guatemala,
e nos dias atuais, a difícil situação vivida pelo povo colombiano. A
segunda foi a criação de condições materiais, no final da década de
setenta, para que o projeto ‗Brasil: tortura nunca mais‘, coordenado
pelo Rev. Jaime Wright e patrocinado pelo então Cardeal de São
Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, pudesse ser desenvolvido. Por meio do
escritório de Apoio aos Direitos Humanos na América Latina, o
Conselho Mundial de Igrejas garantiu o financiamento total do projeto,
31
além de criar condições para a proteção de seus resultados.

Em 2011, um ato importante acerca da promoção dos direitos


humanos foi realizado no Brasil. Documentos mantidos nos arquivos do
CMI em Chicago e em Genebra foram entregues às autoridades
brasileiras. Esses documentos referem-se aos atos de tortura ocorridos
durante a ditadura militar, que, com o financiamento do CMI, foram obtidos
por meio de fotocópias clandestinas dos processos que estavam no
Superior Tribunal Militar entre os anos de 1970 e 1985. Trata-se de 7.000
páginas de documentação repatriada, que serão fundamentais ao trabalho
da Comissão da Verdade 32Esses documentos são memórias que não
podem ser apagadas e esquecidas33. E nisso, a ação do CMI fez a
diferença para que, nos próximos anos, se enfrente uma árdua batalha de
investigação dos crimes da ditadura, e, talvez, haja justiça aos
desaparecidos políticos. Os documentos serão utilizados para implementar
o ―Projeto Brasil: Nunca Mais Digital‖, que disponibilizará os documentos
para pesquisa e para o acesso público. O projeto é fruto de uma parceria
do Armazém Memória, Arquivo Público do Estado de São Paulo e
Ministério Público Federal e tem como apoiadores o Conselho Mundial de

31
TEIXEIRA; DIAS, 2008, p. 90.
32
ABREU, Raíssa. Entenda o projeto da Comissão da Verdade. Agência Senado. 18 out.
2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/entenda-o-projeto-da-
comissao-da-verdade.aspx>. Acesso em: 04 fev. 2012.
33
WORLD COUNCIL OF CHURCHES. WCC general secretary begins week-long visit
to Brazil. 14 jun. 2011. Disponível em: <http://www.oikoumene.org/en/news/news-
management/eng/a/article/8497/wcc-general-secretary-beg.html>. Acesso em 04 fev.
2012 .
646
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Igrejas, o Center Research Libraries, o Instituto de Políticas Relacionais e


a Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro.

Memórias dolorosas: quando a religião violou os direitos humanos


Um aspecto mais específico à América Latina, que precisa ser
considerado aqui, é o fato de que a epistemologia teológica possui uma
relação com a história de exploração e de conquista a qual está
intrinsecamente ligada à vinda da religião cristã a essas terras. Juntamente
com o cristianismo houve o projeto civilizatório aos moldes europeus.
Assim o modelo eurocêntrico de Modernidade (ideologia que caracteriza a
Modernidade como um fenômeno europeu) traz um modelo de ―mundial
modernidade‖, o qual consiste em uma visão planetária do acontecer
humano. Tal ideologia subjugou outras religiões, outras culturas, outras
visões de mundo e de ser humano. ―O fenômeno religioso oficial fica então
definido pela negação radical das antigas religiões que são demoníacas e
satânicas [...] e pela implantação violenta do ‗catolicismo‘‖.34
Nesse caso, a epistemologia teológica foi cúmplice do roubo de
riquezas, foi legitimadora da opressão. O poder se impôs através de
estruturas políticas, sociais e religiosas que subjugaram os povos que aqui
já estavam. O problema é que a dependência permanece ainda nos
tempos atuais, como se o pensamento autóctone não possuísse o mesmo
valor do pensamento europeu.

Sabe-se que desde o começo, quer dizer, desde o choque em 1492


com o qual começam a conquista e a colonização, América Latina e
Europa mantêm uma relação ―perturbada‖ pelas assimetrias de poder
que foi imposto pelo colonialismo europeu em todas as ordens; é uma
relação marcada por uma dialética de domínio e de opressão que
leva, para a parte latino-americana, a traumática experiência de
negação da alteridade e da conseguinte luta pelo reconhecimento,
como já mostra o famoso debate entre Ginés de Sepúlveda e
35
Bartolomé de Las Casas.

34
DUSSEL, Enrique. Sistema-mundo, dominação e exclusão: apontamentos sobre a
história do fenômeno religioso no processo de globalização da América Latina. In:
HOORNAERT, Eduardo (Org.). História da Igreja na América Latina e no Caribe
1945-1995: o debate metodológico. Petrópolis: Vozes; São Paulo: CEHILA, p. 39-79,
1995, p. 61.
35
FORNET-BETANCOURT, Raúl. Religião e Interculturalidade. São Leopoldo:
Sinodal/Nova Harmonia, 2007, p. 155-156.
647
FONAPER

Sob determinado aspecto, há ênfases argumentativas que


denunciam uma religião autoritária, que instaura uma relação de mando e
obediência irracional, ou de uma obediência inquestionável. As relações de
gênero, as relações entre diferentes etnias ainda demandam o direito de
dizer sua palavra, de traduzir suas próprias experiências. A religião e a
teologia não podem ser vistas de uma forma ingênua. Ainda há muita
desigualdade constituinte que historicamente explorou, hierarquizou
saberes e corpos.
Mesmo como veículo principal da fé libertadora anunciada por Jesus
Cristo, ela está condicionada a um determinado tempo, marcado,
sobretudo, por uma compreensão patriarcal da sociedade, do modo de ser
e de viver de um povo de um passado remoto. Por isso, é importante trazer
a contribuição da hermenêutica feminista da libertação, que visa resgatar o
corpo, o saber, o poder, enfim, a integridade do ser feminino como imagem
e semelhança de Deus, precisa cavar no texto e na vida daquelas que o
lêem, a experiência e vivência das mulheres daquela época, a partir de
uma desconstrução, de uma hermenêutica que suspeite de sua
canonização, interpretação, métodos, tradução, etc. – uma vez que o texto
é ―refém de interesses e relações assimétricas que subordinam as
mulheres‖.36
Sob os eixos do corpo (que foi oprimido), do saber (que foi
subestimado), do poder (que foi detido), a hermenêutica feminista procura
uma reconstrução: o resgate da participação das mulheres na história, no
rompimento do silêncio nas fontes, a partir de uma hermenêutica da
memória. Afinal, ―um texto patriarcal que justifica a discriminação da
mulher não pode ser normativo, porque é contrário ao espírito libertador do
evangelho‖.37 Após o rompimento do silêncio, há sim espaço para uma
construção de uma nova história, de uma nova interpretação; há sim
espaço para propostas que abarquem novas relações de gênero, novas
relações humanas. ―A revelação então se expressa na recriação do texto,
produto do encontro libertador entre os corpos dos textos e os corpos de
suas leitoras e leitores‖.38 O desejo último de todas aquelas e aqueles que

36
PEREIRA, Nancy Cardoso. Editorial : Pautas para uma hermenêutica feminista de
libertação. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, n. 25, p.5-10, 1996, p.
8.
37
PEREIRA, 1996, p. 9.
38
PEREIRA, 1996, p. 9.
648
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

se utilizam de uma hermenêutica feminista da libertação é a transformação


da própria Bíblia em ―terra fértil da palavra libertadora‖. Ampliar essa
possibilidade de busca por igualdade e libertação a todo grupo que sofre
opressão devido à etnia, sexualidade, posição social é um permanente
desafio das religiões cristãs.
Logo, como um ponto de partida norteador, é preciso que a teologia
entenda o papel que a religião pode exercer em determinados contextos,
em especial na América Latina:

[...] creio que podemos evitar o estéril debate entre os que lamentam o
excesso de religião e os que, contrariamente, deploram a sua falta,
salientando que os protagonistas desses discursos geralmente alojam-
se em espaços sociais muito heterogêneos, os quais atualizam
horizontes de produção de sentido muito diversos, onde não chega a
se processar um diálogo mínimo, mas apenas a eventual colisão de
39
enfadonhos e repetitivos monólogos.

Esperança e libertação: compromissos com a “vida boa”


Nessa direção, um elemento que merece ser destacado é a
esperança como componente da religião, das religiosidades e da teologia.
A esperança como parte do conhecimento pode sugerir uma atitude de
alienação ou de frustração frente ao presente. Por isso, a teologia (nesta
reflexão, a teologia cristã), também traz o elemento da memória de outras
experiências de outras pessoas em outros tempos. O ato de compreender
a história não é passivo, pois se escolhe e se seleciona o que se vai
estudar.40 Isso reflete também que a história é constituída de memórias
seletivas. Geralmente, ao se estabelecer os fatos mais importantes, se
opta em relatar os acontecimentos das pessoas que estavam no poder.
Dessa forma, por exemplo, quando se pensa em história política, são
lembrados grandes governadores, reis, presidentes; quando se pensa em
história da igreja, é relatada a história de intelectuais teólogos, ou a história
de pessoas que exerciam cargos de liderança, ou o período de padres,
pastores. Nesse viés, Moltmann afirma que a ―[...] história é sempre luta

39
LEWGOY, Bernardo. Religião e direitos humanos: cenários locais e globais de um
debate. In: FONSECA, Claudia et al. (Orgs.). Antropologia, diversidade e direitos
humanos: Diálogos interdisciplinares. Porto Alegre: UFRGS, 2004, p. 71-72.
40
BLOCH, Marc. Introdução à História. ed. rev., aumentada e criticada por Étienne
Bloch. Mem Martins: Europa América, 1997, p. 31.
649
FONAPER

pelo poder e pela supremacia sobre outras pessoas e sobre a natureza‖. 41


Diante dessa situação, a tarefa teológica assume um papel de articular o
não-dito, i.e., de procurar e proclamar a história suprimida dos anais
oficiais, a história dos impotentes e marginalizados pelo sistema; suas
lembranças e esperanças.
Entre a esperança e a lembrança, o ser humano é colocado em uma
epistemologia na qual não é ele o centro e o destinatário último do
conhecimento. O ser humano percebe que está vinculado a um
conhecimento além de si próprio. Esse conhecimento não tem fim com a
finitude da existência. ―Ao se lembrar e ao esperar, ele jamais estará
inteiramente dentro de si mesmo ou em seu presente; corre sempre atrás
dele ou o antecipa‖.42. Nesse caso, a epistemologia teológica propõe uma
nova compreensão acerca ―da história do ser humano e das coisas‖.43 O
conhecimento teológico torna-se crítico e está sempre preocupado com as
transformações das estruturas humanas de injustiça. Em outras palavras, a
autêntica reflexão teológica, uma autêntica ação das igrejas, tem o
compromisso com a promoção da dignidade vida e seu habitat.

[...] na presença da esperança, para o conhecimento, para os


conceitos e para a reflexão sobre a realidade, os conceitos teológicos
não podem se tornar juízos, os quais fixam a realidade naquilo que ela
é, mas tão somente juízos provisórios, os quais descobrem à
realidade suas perspectivas e suas possibilidades futuras. Conceitos
teológicos não devem fixar a realidade, mas ampliá-la pela esperança
e assim antecipar o seu futuro. Não devem arrastar-se atrás da
realidade, nem olhar para ela com os olhos de Minerva, mas iluminar a
realidade, mostrando-lhe seu futuro. Seu conhecimento não é
sustentado pela vontade de dominar, mas pelo amor ao futuro das
44
coisas [...] .

Algumas considerações
A teologia, sendo um saber que se dispõe ao espaço público, precisa
estar ciente de que algumas de suas posturas podem entrar em conflito
com outras tradições. Por exemplo, em se tratando de direitos humanos, a
teologia não poderia entrar em disputas acerca de Cristo ou da Trindade,

41
MOLTMANN, 2003, p. 151.
42
MOLTMANN, 2005, p. 42.
43
MOLTMANN, 2005, p. 53.
44
MOLTMANN, 2005, p. 53.
650
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

pois Cristo e Trindade não são comuns a todos, e a liberdade religiosa é


uma conquista que não pode ser revogada. Porém, se Cristo representa a
máxima da paixão de Deus e fundamenta uma relação de Deus para com
a humanidade, não é necessário impor Cristo; importa ser um saber que se
orienta por essa ―qualidade‖ de relacionamento com as outras pessoas.
Poder-se-ia afirmar que um saber voltado para uma ação em Cristo. Isso
não significa uma relativização do que atribui identidade à teologia cristã,
antes é o reconhecimento de que há diferenças humanas irredutíveis, e
essas diferenças não são motivo de separação, mas de relacionamento.

A teologia tem um papel inovador a desempenhar. A teologia não


pode desenvolver a relação com outras identidades simplesmente
afiando o seu instrumental conceitual e dialético, mas precisa cultivar
a arte de transpor fronteiras. [...] Transpondo as fronteiras e
comungando por sobre as fronteiras, os cristãos irão descobrir sempre
novas dimensões de sua identidade de fé. O futuro do cristianismo se
encontra nas zonas limítrofes. O encontro com novas identidades não
precisa significar ameaça para uma Igreja que se autocompreende
45
como universal por ser uma comunhão na diferença .

A pluralidade das religiões e do saber teológico se inserem na


discussão, considerando os direitos humanos a partir de suas implicações
políticas. As relações humanas e a convivência precisam ser pautadas
pela igualdade, por garantias de direitos, por uma nova compreensão de
poder, pela ausência da violência, pela preservação da pluralidade e
individualidade humana. Logo, houve trajetórias das religiões e do
movimento ecumênico que possibilitaram uma autêntica busca pela
libertação. Claro, houve trajetória em que as religiões se atrelaram, até
confundindo-se, com as estruturas civilizatórias, opressivas, exploradoras.
Todavia, cabe trazer passos de resistência e de luta por uma vida digna
também presente em muitas pessoas de fé. Cabe trazer memórias críticas,
mas que visualizem as ações que as igrejas e que o movimento ecumênico
desempenharam ao lado dos direitos humanos, ações que consolidam
uma responsabilidade pelo mundo comum.

45
WILFRED, Felix. Introdução: a arte de transpor fronteiras. Concilium. Petrópolis, n. 280,
1999. p. 11.
651
FONAPER

Referências

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654
GT6: EDUCAÇÃO E INTERCULTURALIDADE

Coordenação:
Dr. Antônio Sidekum (UCA/El Salvador)
Dr. Iuri Andréas Reblin (Faculdades EST)

Ementa: Diante de um mundo que se diz globalizado identificam-se tendências


que (re)produzem identidades subjugadas à lógica mercadológica, reduzindo as
relações humanas aos interesses do capital. A educação se torna instrumento de
reprodução deste pensamento impedindo, na maioria das vezes, o
desenvolvimento de processos interculturais, que permitem o intercâmbio entre as
identidades sem que haja a negação de alteridades. Este GT objetiva acolher
textos que contribuam com a reflexão e desenvolvimento de processos
educacionais em uma perspectiva intercultural, promovendo, defendendo e
reparando os direitos humanos fundamentais.

Palavras-chave: Educação; Interculturalidade; Alteridade.


O ENSINO RELIGIOSO E A DIVERSIDADE CULTURAL
RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO

Edina Fialho Machado (UEPA)1

Rodrigo Oliveira dos Santos (UFPA)2

Resumo
O presente trabalho parte da constatação de que a diversidade cultural religiosa na
Educação Brasileira se torna, a cada dia, mais evidente no componente curricular Ensino
Religioso, fazendo da educação e da escola pública um espaço de reconhecimento e
valorização das várias diferenças, que se desenvolvem no cotidiano escolar pelo estudo e
decodificação das diversas matrizes culturais que formaram e compõem a sociedade
brasileira. Para isso, lançamos o olhar sobre os PCNER desse componente curricular, em
especial o eixo organizador do conteúdo ethos, para localizar essa construção,
contextualizando-a com o pensamento educacional, que a nosso ver, precisa urgentemente
pautar sua práxis na alteridade e nos direitos humanos, de forma a assegurar as
identidades individuais e coletivas dos diversos sujeitos.

Palavras-chave: Interculturalidade; Ensino Religioso; Alteridade; Identidade; Diferenças.

Introdução
A temática que apresentamos neste texto, emerge de nossas
observações sobre as relações que estabelecemos cotidianamente na
sociedade atual e apontam para a necessidade cada vez mais latente de
aprendermos a viver juntos, pelo menos respeitosamente, enquanto não
conseguirmos viver afetuosamente e como sonhamos.
Nesses termos, o mesmo objetiva refletir sobre qual o lugar e o
tratamento que a educação escolar dedica às diferenças e aos diferentes.
Consideramos que para discutir o lugar que a alteridade e a identidade
ocupam na diversidade cultural religiosa, somos levados a refletir sobre os
desenhos curriculares das instituições educacionais que, infelizmente,
falam tanto de diversidade cultural, mas ainda não a compreendem e nem
1
Autora. Mestre em Educação, com ênfase em Formação de Professores; Pedagoga e
Professora Efetiva do Departamento de Educação Geral da Universidade do Estado do
Pará. Coordenadora Pedagógica da Escola de Educação Tecnológica do Pará Prof.
Anísio Teixeira. E-mail: edinafialho@yahoo.com.br
2
Coautor. Mestrando em Educação (PPGED/UFPA) na Linha de Pesquisa Educação:
Currículo, Epistemologia e História. Bolsista da CAPES. Líder do Grupo de Pesquisa em
Educação e Religião na Amazônia (GPERA). Bolsista da CAPES. Membro do grupo de
pesquisa em Filosofia, Ética e Educação (GPFEE/UFPA) e Hermenêutica, Antropologia
e Educação (GPHAE/UFPA). E-mail: naumamos@yahoo.com.br
FONAPER

a vivencia na maioria das escolas, pelo contrário, nelas ainda se têm


dificuldades em conviver, respeitar e aceitar as diferenças religiosas, já
que se fundamentam em paradigmas conceituais elitistas, seletivos,
discriminatórios e excludentes, com amparo em um modelo de gestão
centralizadora e descontextualizada.
Portanto, torna-se fundamental perceber a diversidade cultural
religiosa como desafio ao desenvolvimento de nosso conhecimento
pedagógico-didático e de nossa convivência com o meio humano. Os
currículos devem considerar que nos espaços escolares existem relações
de confrontos, consensos e conflitos vivenciados pelo ser humano, o qual
constrói sua história, se identifica ou não com o outro, assume seus
problemas, ou então foge deles.
Metodologicamente, o presente trabalho constitui-se em um estudo
bibliográfico, desenvolvido a partir das referências vinculadas a temática
em estudo para ampliar a visão e os dados sobre essas questões, por isso
buscamos aporte teórico em diferentes autores, selecionando os pontos
considerados importantes para compor o corpo do estudo, que tem
enfoque dialético e análise de abordagem qualitativa.
Os resultados indicam que a educação escolar, tem papel destacado
como instrumento propiciador para a efetivação de práticas inclusivas e
humanizadoras, todavia, nem sempre essas práticas se consolidam.

Viver na diversidade
Para compreender a temática central deste texto referente à
educação e diversidade cultural religiosa, torna-se basilar termos
consciência de que o mundo se constitui a partir de uma pluralidade no
qual os seres humanos são diferentes, porque a diferença, além de ser
uma questão natural, é também uma questão social. Nesse sentido, ―A
vida é feita de cores, sabores, sons, movimentos, cheiros, sabores,
encontros e desencontros, amores e dores, desejos, medos, planos e
sonhos, identidades e alteridades‖ (MACHADO, 2006, p.73).
O importante é compreender que a diversidade representa um
grande universo de diferentes e diferenças entre as pessoas, e entre os
grupos que compõem a vida em sociedade, portanto, a diversidade se
apresenta como um complexo e grande desafio a nossa inteligência e
capacidade de adaptação ao mundo humano.

658
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Estudar a diversidade significa ousar romper com velhos paradigmas


da modernidade que outrora viam as coisas de forma estanques e o ser
humano sem subjetividade; além de estabelecer uma nova perspectiva
emergente, no qual o ser humano tem o direito de expressar a sua
subjetividade e compreender a dos outros; significa compreender a história
da humanidade, percebendo as diferentes formas de relações que, ao
longo da evolução humana, os seres humanos vêm estabelecendo entre
si, considerando que ―estamos vivendo uma crise global profunda, onde o
vazio existencial e afetivo, provocado pela manipulação e desmandos,
favorece a miséria, a violência, a corrupção, o medo, a insegurança,
resultado da fragilidade das relações e dos valores humanos‖ (SAMPAIO,
2003, p. 52).
A presente afirmação nos coloca diante do imperativo de que é
preciso quebrar esta lógica perversa que nega e agride os diferentes; por
isso, é preciso analisar as conjunturas econômicas, políticas, sociais e
axiológicas, tendo em vista que elas influenciam as nossas relações na
sociedade contemporânea e globalizada, em que de certa maneira,
vivemos todos juntos por meio das informações que permitem a
comunicação entre povos e culturas, pois, apesar de vivermos juntos, as
diferenças não se apagam, já que a heterogeneidade está presente em
todas as situações, inclusive na prática de injustiças que teimam em
permanecer; porém, permanece também, a solidariedade e a justiça como
característica do homem que se sente parceiro do outro, que se faz
presença na diversidade, que reconhece o outro como igual, apesar das
diferenças, Oliveira (2003, p.52), ao interpretar, Freire argumenta que
―nessa relação comunicativa, ensinam a experiência de assumirem-se
como seres sociais e históricos como seres pensantes comunicantes
transformadores, criadores e realizadores de sonhos. Assumirem-se como
sujeito, implica a não negação ou exclusão do outro‖.
Na perspectiva da autora, pode-se afirmar que a diferença precisa ser
reconhecida, assim como considerada e respeitada nas relações entre as
pessoas, pois quando as diferenças não são respeitadas, elas podem ser
motivo de preconceitos e até de intolerância, porque o preconceito que
sentimos em relação ao outro, é uma das maneiras mais cruéis e, às vezes,
sutis de negar a diversidade, quer seja o explicito, ou o velado; quando se faz
piadas de mau gosto com o desejo deliberado de ferir, agredir, diminuir, ou
ofender em detrimento de cor, raça, nacionalidade condição social, grau de

659
FONAPER

escolaridade, deficiência física, idade, opção sexual, religião, entre outras.


Porém, essa não é a maneira mais correta de viver na diversidade, como se
percebe na afirmação de Touraine (1999, p.57):

Para viver juntos; permanecendo diferentes, respeitemos um código


de boa conduta, as regras do jogo social. Esta democracia
procedimental não se contenta com regras formais; ela garante o
respeito das liberdades individuais e coletivas, organiza a
representação dos interesses, formaliza o debate público,
institucionaliza a tolerância.

Tolerância é necessária no processo de globalização, evidenciado


através do desenvolvimento tecnológico que acelera as formas de se
processar e efetivar as informações, e no qual, globalizam-se também as
formas de aproximação das pessoas que cada vez mais procuram viver
em comunidades, associações e grupos identitários, mesmo que esses
sejam virtuais, é imprescindível a necessidade de aprendermos a fazer
escolhas dentro de critérios éticos, porque o que vemos, é a utilização das
mídias para agredir os diferentes ou até mesmo para forjar uma
aproximação com a intenção de ludibriar, de aproveitar-se do outro. O que
nos leva a crer que, mesmo correndo riscos, temos medo da solidão e
sentimos necessidade da pertença. Entretanto, ao rejeitarmos o diferente,
demonstramos que temos medo da aproximação, porque esta nos revela,
desvela, toma íntimos e nos enfraquece; por isso nos precavemos, nos
armamos, criamos autodefesas, o que poderá nos tomar anônimos
solitários em meio à multidão.
Na sociedade polissêmica existem diferentes objetivos e projetos
sociais, os quais podem ser de tolerância, de solidariedade, ou de
exploração e dominação como a história nos mostra nas sociedades
totalitárias, escravocratas ou capitalistas, nas quais o outro representa
apenas massa produtiva explorada e excluída dos bens materiais que
produz e subjugada humanamente pela cultura do dominador. Isso não
pode permanecer como está, pois é na diversidade que estão as
identidades e alteridades, elementos basilares que sustentam a
convivência com a diversidade, na qual, muitas vezes o sujeito é anulado,
como se percebe na afirmação a seguir de Melo (1986 apud CIAMPA,
2001, p. 22), ―E se somos todos Severinos, iguais em tudo na vida,
morreremos todos da mesma morte Severina‖, a qual demonstra a
anulação e conformismo do sujeito, que mais se parece com objeto, ou

660
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

então, um homem com uma identidade que é comum a todos, em que ele
aceita sua condição de miséria, de anonimato, como se ela fosse uma
predestinação.
O autor fala de alguém que se sente objeto de uma identidade
imutável, pronta e acabada, como se o seu destino estivesse traçado e ele
fosse impossibilitado de interferir no mesmo que já está determinado.
Todavia, na convivência com a diversidade as pessoas diferentes de nós
nos ensinam, nos fazem mudar, e nos possibilitam crescer eticamente
como pessoa e cidadão planetário. Infelizmente, não superamos o nosso
instinto de seletividade que leva à exclusão de milhares de diferentes em
decorrência de questões ideológicas, axiológicas, políticas, econômicas,
socioculturais, educacionais e que os submetem à segregação.
Acredito que por meio do exercício e da prática do amor universal, os
homens adquirem condições de viver a não indiferença aos problemas
sociais, pois o amor é o sentimento que nos faz ser responsável pelo outro,
a aceitar suas diferenças e a aprender com elas. Nesta perspectiva de
relação humana nos diz Freire (2004, p. 39) ―É preciso permitir ao ser
humano chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o
mundo, estabelecer com os outros, relações de reciprocidade, fazer a
cultura e a história‖. É a partir dessas bases que propusemos o repensar
em nossas práticas educativas para que elas sejam menos
discriminadoras e mais inclusivas.

Alteridade: o direito de sermos outros


Para compreender a questão educação e diversidade, é preciso
saber antes o que é alteridade, para isso, é necessário refletir sobre a
realidade atual na qual as mudanças acontecem em todos os campos da
vida humana, alterando nossa forma de viver e de se relacionar, porque o
ceticismo, o avanço científico e tecnológico, tem desenvolvido uma
mentalidade de certa forma hegemônica da classe dominante, a medida
que vem servindo para aumentar as práticas autoritárias de discriminação,
segregação, exclusão e dominação das minorias que não fazem parte
desses grupos, e assim, desrespeita a alteridade.
Neste item, discutimos o significado da palavra alteridade e a
necessidade de se respeitar os diferentes e aprender a conviver com esta
realidade; na sequência, questionamos o papel da educação escolar no

661
FONAPER

tratamento dado a alteridade. Alteridade significa ―caráter, ou qualidade do


que é outro‖ (FERREIRA, 2001, p.34). Alteridade: alter em latim, quer
dizer: identificar, valorizar, considerar, dialogar com o outro. Diz respeito
aos relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais.
Na relação ―alteritária‖, que é o oposto de ―autoritária‖, significa o modo de
pensar e de agir na qual as experiências particulares são preservadas e
levadas em conta sem que haja sobreposição, assimilação ou destruição
de um sobre o outro.
Este conceito nos abre caminhos para um novo olhar sobre o
diferente, pois ―a história tem evidenciado os momentos de erros grotescos
de homens contra outros homens, ao mesmo tempo em que nos aponta
gestos grandiosos de homens em favor da vida‖ (MACHADO, 2006, p.75).
Torna-se necessário mudarmos as posturas que afastam toda e
qualquer possibilidade de aceitação e convivência com o outro, do
contrário, estaremos condenando toda alteridade, já que, a convivência
humana exige envolvimento afetivo e reflexão sobre o que pensamos e
sentimos em relação ou outro e, como nos comportamos diante deles,
como comenta Arruda (2002, p. 136) ―urge reciclar o velho, achar uma
base científica que permita a valorização da alteridade para justificar a sua
incorporação‖.
A alteridade deve ser compreendida e vivenciada a partir das
relações sociais, considerando que é no exercício democrático que
podemos experimentar e compartilhar os prazeres e a as dores de sermos
―outros‖, completando-nos a partir das diferenças, colorindo o mundo, com
sua especificidade, uma identidade particular.
Dessa forma, sendo a sociedade formada de diferentes ―identidades‖
e diferentes ―outros‖, não podemos negar a existência desses outros, como
o fizeram os colonizadores europeus, os dominadores, e como o fazem até
hoje aqueles que não aceitam as diferenças, para quem o outro representa
sempre uma ameaça e por isso precisa ser combatido, ou então, o
considera inferior a si próprio e se acha no direito de subjugá-lo como se
fosse seu proprietário, ou ainda, ignorá-lo como a um estranho. Sobre isso,
Touraine (1999, p. 205) comenta:

O reconhecimento do outro só é possível a partir da afirmação que


cada um faz de seu direito de ser sujeito. O sujeito não pode se firmar
como tal, sem reconhecer o outro como sujeito. O reconhecimento do
outro como sujeito representa o reconhecimento da alteridade, do
direito que o outro tem de ser ele mesmo.
662
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Nesta perspectiva, Dussel (1977) apud Guareschi (2002, p. 157) faz


uma reflexão sobre a ―diferença‖ e a ―distinção‖ ao explicar: ―o outro‖ pode
estar presente no ―mesmo‖ de duas maneiras distintas: como ―di-ferente‖ e
como ―dis-tinto‖. Na primeira, o ―outro‖ é o ―di-ferente‖, do latim dis, que
significa divisão ou negação; e fere, que significa levar com violência,
arrastar. Neste sentido, o diferente é arrastado desde a identidade original,
e coloca-se como o ―oposto‖; é a ―dialética monológica‖. Na segunda, o
―outro‖ é o ―dis-tinto‖, de dis e tinguere, que significa tingir, pintar; também
é separado, é o outro, não arrastado para fora, mas possuindo sua
identidade e estabelecendo com o ―mesmo‖, relações de diálogo, é a
―analética dialógica‖, ―A analética é a passagem ao justo crescimento da
totalidade desde o outro para ―servi-lo‖ criativamente‖ (DUSSEL, 1977
apud GUARESCHI, 2002, p.158).
Torna-se importante uma revisão em nossos conceitos e o fim dos
preconceitos, do desejo de dominação e exploração, que não levam em
conta as necessidades dos outros, principalmente quando este outro
aparenta fraqueza ou ameaça a nossa segurança. É importante
compreender que cada um é particular e representa uma unicidade, uma
singularidade, e que estamos em constante transformação, é assim que
cada um constrói a sua história e toma-se uma identidade em constante
fazer-se, porque o ser humano se transforma por meio das relações que
estabelece com os outros, se reconhece e reconhece o outro como
sujeitos deste processo.
Efetivamente, o mundo globalizado e conectado pela tecnologia que
aproximam as distâncias, estabelece novas e diferentes formas de
convivências com os outros, e assim, tem feito de certa maneira, com que
todos possam viver um pouco juntos, conectados pelas informações que
chegam cada vez mais rápidas, mesmo sabendo que as informações nem
sempre nos aproximam, pois muitas vezes, elas também veiculam ideias
de rejeição ao diferente, como se ele representasse sempre um perigo
para nós, ou não merecesse nossa atenção e respeito, como destaca
Andrade (1997, p. 23): ―todas as criações da natureza são iguais. Todas as
ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais. Contudo, o homem,
bicho ou coisa. Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um
estranho. Ímpar‖.
Portanto, não podemos imaginar que o outro possa ter as mesmas
atitudes que eu, que o outro se expresse do meu jeito, que ele viva sua

663
FONAPER

vida igual a minha, simplesmente porque somos todos diferentes uns dos
outros, porém, são exatamente estas diferenças que tornam a sociedade
mais dinâmica e cheia de criatividade.

Identidade: quem tu és e quantas são?


Retomamos a discussão sobre identidade, da qual já abordamos no
início do texto, juntamente com a diversidade e a alteridade, já que uma
não existe desligada da outra, como refletimos neste trabalho. A reflexão
que apresentamos sobre identidade é como algo em construção,
fragmento, metamorfose, movimento holográfico, processo, pois a
identidade vai sendo construída ao longo de nossa existência, e se
modificando com ela, a partir das contingências e das conquistas da vida.
Nesta perspectiva, acreditamos que para fazer-se pessoa, construir-
se uma identidade, o ser humano precisa lutar contra tudo o que o impede
de ser ele mesmo, por isso, ele não pode aceitar-se como identidade
―coisificada‖, sem voz, sem vez e sem sentido na vida, pois o ser humano
precisa identificar-se consigo mesmo, desejar ser isso o que é hoje, e lutar
para ser melhor do que é neste momento, como se observa no poema de
Barros (1998, p.19):
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva, etc. etc.
Perdoai,
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

O poema mostra um ―eu‖ que não aceita sua condição de vida e


sonha em torná-la diferente, em ser outra identidade; e, por não aceitar
sua condição de ―coisa‖, sua vida rotineira e sem sentido, se propõe a
modificá-la. E por meio da luta, pela superação dessas contingências ele
vai tecendo, construindo, lapidando passo a passo a sua identidade
desejada. Portanto, a construção de sua identidade é também marcada
pela determinação e pelas oportunidades que cada um tem de ser ele
mesmo, posto que, ninguém, está pronto definitivamente como identidade,
porque ela vai se transformando de acordo com as experiências de nossa
vivência pessoal e social, como é possível identificar em Ciampa (2001,

664
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

p.122) ao afirmar: ―A Severina – baiana que virou budista – esconde ainda


a Severina – mãe e proprietária e anuncia a Severina que está virando
japonesa‖.
São múltiplos personagens que ora se conservam, ora se sucedem,
ora coexistem, ora se alternam, habitando a mesma pessoa em constante
transformação, porque o ser humano sempre busca a superação dos
problemas e de si mesmo, na luta pela perfeição e pelo desejo de ser
melhor, de construir-se. Em Ferreira (2001, p. 371) encontram-se algumas
explicações para identidade que ele define como qualidade de idêntico;
características próprias e exclusivas duma pessoa: nome, idade, sexo,
estado, profissão etc. Identificar = tornar idêntico. Determinar a identidade.
Comprovar a própria identidade. Perceber afinidades, ou compartilhar
sentimentos ou ideias com alguém.
Identidade para Ciampa (2001, p.141) é definida como uma categoria
científica, ao lado da atividade e consciência, central para a Psicologia
Social. É considerada como um processo ao qual o autor chama de
metamorfose, que descreve a constituição de uma identidade, que
representa a pessoa e a engendra. Para ele, a identidade é uma questão
científica e também deve ser vista como uma questão política, já que o ser
humano é político e exerce este direito ao escolher com quem quer se
relacionar, se comunicar.
Compreender a identidade como movimento, é romper com a ideia
de identidade como condição estática do ser humano, pronto e imutável; o
homem vive um constante movimento.
Nesse sentido, ratificamos a convicção de que os gestores da
educação escolar precisam perceber e valorizar o processo de construção
da identidade das pessoas, relacionando-o, considerando-o em seu
processo ensino-aprendizagem, e assim, proporcionar ao estudante, mais
possibilidade de superação de suas dificuldades, e de afirmação de sua
identidade. Para Ciampa (2001, p.198), ―o desenvolvimento da identidade
de alguém é determinado pelas condições históricas, sociais, materiais
dadas, aí incluídas, as condições do próprio indivíduo‖.
O autor nos diz que ninguém nasce com a identidade formada,
pronta, concluída, daí, pode-se concluir que, a identidade é construída
historicamente ao longo da vida, já que o ser humano é movido pelos
desafios que se apresentam em seu caminho, e por meio da luta pela
superação dessas contingências, ele vai tecendo, construindo, lapidando a

665
FONAPER

sua identidade. Portanto, a construção de sua identidade é marcada pela


determinação e pelas oportunidades que cada um tem, de ser ele mesmo.
Evidencia-se, dessa maneira, que para eu construir minha
identidade, precisamos nos diferenciar e se destacar do outro, e assim
fazer-nos perceber como identidade, uma singularidade que não se
estabelece sem que o outro esteja definido, tendo em vista, que são essas
diferenças que constroem o coletivo social no qual se formam ou anulam-
se as identidades e se constituem as alteridades. Ciampa (2001, p. 111)
mostra a possibilidades de não aceitação dessa condição de submissão,
na qual, Severina vai se transformando, é a metamorfose acontecendo
dentro dela, quando diz: ―tenho que lutar pra transformar aquilo, não deixar
mais aquilo acontecer de ruim‖.
O desabafo é uma identidade que expressa o seu ponto de vista, se
faz ouvir, não se conforma com sua condição e luta para sua superação, é
o homem recriando a si mesmo, definindo-se, identificando-se. Assim,
identidade não é matéria concluída, ou coisa fixa e nem linear; é
movimento, construção, fluxo, refluxo, olhares, saberes, dizeres, seres em
construção. É também possível falar de identidade, ao espantar-se,
chocar-se diante da tentativa de sua negação enquanto ser humano,
sujeito de si, cidadão, quando ele é visto como coisa, bicho, como nos
apresenta Bandeira (1996, p. 12), ―vi ontem um bicho, na imundice do pátio
catando comida entre os detritos; quando achava alguma coisa, não
examinava e nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era cão.
Não era gato, não era um rato; o bicho. Meu Deus, era um homem‖.
Para ser bicho, basta estar vivo, para ser humano é preciso mais do
que comer, é necessário ser tratado como humano, pelos humanos, e
sentir-se como tal. Para isso, torna-se imprescindível reformular nossos
conceitos e atitudes, quebrar velhos paradigmas de segregação e
exclusão, considerando que o preconceito e a discriminação são inimigos
da justiça e da democracia, sem a qual, é impossível estabelecer uma
sociedade de equidade.
É público que o homem pós-moderno vive um momento de crise de
identidade, sufocado por exigências, para as quais nem sempre está
preparado, principalmente, diante da dinamicidade com que as mudanças
acontecem em todos os setores da vida e afetam a convivência humana,
tornando-nos inseguros diante da realidade que nos exige sempre mais, e
mais angustiados com a ideia de futuro que está muito próximo, e para o

666
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

qual ele precisa estar preparado. Assim, mesmo avanços tecnológicos que
nos ajudam a viver e a nos comunicar com os outros, também nos
mostram que estamos vivendo no limiar da barbárie, do grotesco, e do
violento, que é contraditório à proposta de uma convivência mais
humanizadoras com a diversidade.
Hall (2005, p. 10) analisa a identidade definindo-a como fragmento;
ele trabalha três concepções de identidade: o sujeito do iluminismo, o
sujeito do socialismo, o sujeito pós-moderno. Para ele, o sujeito do
iluminismo é centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de
consciência e de ação. Já o sujeito sociológico, é o reflexo da
complexidade do mundo moderno, no qual a identidade do sujeito é
formada a partir das relações estabelecidas com as outras pessoas que
lhe transmitiam valores, sentidos e símbolos, que de alguma maneira, as
influenciam.
Na pós-modernidade, o sujeito é fragmentado, composto de várias
identidades que coexistem neste mesmo sujeito; algumas são até
contraditórias, outras ainda não resolvidas, e provisórias. A concepção de
Hall assemelha-se a de Ciampa sobre identidade, quando diz que o ser vai
construindo a sua identidade, a qual ele denomina de metamorfose e
dinâmica, que se move e se transforma mediante as contingências sociais
que fogem à linearidade, por isso o sujeito assume identidades diferentes
em diferentes momentos, todavia, a escola que temos ainda busca a
linearidade, e a uniformização das pessoas, dentro de uma visão distorcida
de compreender e conviver com a diversidade, como aponta Nóvoa (1995,
p. 73): ―as escolas são instituições de um tipo muito particular, que não
podem ser pensadas como qualquer fábrica ou oficina: a educação não
tolera a simplificação do humano (das suas experiências, relações e
valores), que a cultura da racionalidade empresarial sempre transporta‖.
Amparada por essa ideia e dos demais autores que fundamentam a
tessitura deste trabalho, defendemos a identidade como algo em
construção, e que necessita ser levado em consideração pela escola, a
qual trabalha com muitas identidades que convivem no seu interior e
precisam ser ouvidas, não apenas em sua intelectualidade e racionalidade,
mas na sua condição emociona e afetiva que o tornam a pessoa que é.

667
FONAPER

A escola como lugar das diferenças e espaço que deve ser dos
diferentes
Partindo da afirmação da referida seção e considerando a discussão
realizada até aqui, enfatizamos a contribuição do componente curricular
Ensino Religioso.
Segundo a legislação educacional, o Ensino Religioso, assegurado
no art. 210, § 1°, da Constituição da República Federativa do Brasil (1988)
e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei nº
9.394/1996, em especial, no art. 33, alterado pela Lei nº 9.475/1997, é
parte integrante da formação básica do cidadão, constituindo-se disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do país e vedadas
quaisquer formas de proselitismo.
O Ensino Religioso assume a compreensão de área do
conhecimento, de acordo com as Diretrizes Nacionais para o Ensino
Fundamental, conforme a Resolução CNE/CEB Nº 02/1998.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para Educação Básica, esse
componente curricular integra a base nacional comum, segundo o art. 14, da
Resolução CNE/CEB nº 04/2010, assegurando, nesses termos já citados, a
formação comum, sendo mais expresso a sua oferta no Ensino fundamental,
segundo a Resolução CNE/CEB nº 07/2010, reafirmando a oferta obrigatória
dessa disciplina em todas as modalidades do referido ensino.
Partindo disso, é no contexto desses dispositivos legais que
afirmamos a enorme contribuição que esse componente curricular vem, de
fato, a partir da sua área tomada para a formação de professores, as
Ciências da Religião (SENA et al, 2006; PASSOS, 2007; SOARES, 2010;
JUNQUEIRA, 2010, 2011), para abordar o estudo da religião na
diversidade cultural religiosa do país, sem proselitismo, confirmando, no
espaço escolar, a afirmação das identidades pautadas na alteridade,
conforme os eixos organizadores dos conteúdos, segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER, 2009).
Sobre esses aspectos, desenvolvidos nos cotidiano escolar,
podemos elucidar que

O conhecimento das alteridades religiosas é um objetivo educacional


sem o qual não se pode conhecer verdadeiramente as
particularidades e a totalidade que compõe nossa vida sempre mais
globalizada e, com maior razão, a lógica religiosa inerente a muitos

668
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

conflitos mundiais em franco curso ou, cinicamente, anunciados por


certos blocos de poder (PASSOS, 2006, p. 40).

Nesse sentido, o outro, com sua bagagem sociocultural, sua


cosmovisão e interação com o todo pode muito bem ser apresentando e
tomado não como ponto de partida, mas como uma construção em
conjunto, do eu com o outro, já que todos, de alguma forma contribuíram
com a constituição e formação sociocultural e político-econômico deste
país. Nisso posto, reafirmamos o valor majestoso que,

A diversidade religiosa deve ser reconhecida, não como expressão da


limitação humana ou fruto de uma realidade conjuntural passageira,
mas como traço de riqueza e valor, um valor que é irredutível e
irrevogável. A abertura ao pluralismo constitui um imperativo humano
religioso. Trata-se de uma das experiências mais enriquecedoras
realizadas pela consciência humana. Assegurar o respeito à
diversidade religiosa é garantir a integridade das diferentes tradições
religiosas e potencializar a perspectiva dialogal (TEIXEIRA, 2006, p.
76).

Considerações provisórias
Esse diálogo não se encerra por aqui, mas é muito bom poder
escrever sobre o valor e a importância que o outro deve ter em nossa vida,
de forma dialogal e relacional, uma que vez disso depende a manutenção
da espécie humana e de todo conhecimento produzido.
A educação como um todo, deveria acolher essa perspectiva desde a
formação inicial para afinal poder chegar até as escolas com um
tratamento reverenciador e tolerante ao dar voz e visibilidade ao outro, ao
diferente, como seus conhecimentos e visões, numa relação permanente
de partilha, solidariedade e fraternidade.
Nossa intenção se assenta nesse olhar que vislumbra essa
necessidade humana para a formação humana do cidadão de maneira
integral, permitindo a redução das barreiras, fronteiras, limites e restrições
impostas no processo educacional, no direito humano fundamental de
poder ser fazer melhores, partindo de aspectos fundamentais da existência
humana, desde sempre, com a elaboração do sagrado
transcendente/imanente, que sempre viu no outro, no próximo, um
caminho para o autoconhecimento de si e quem sabe do sentido último da
existência.

669
FONAPER

Referências

ANDRADE, Carlos Drummond. A palavra mágica. Rio de Janeiro: Record,


1997.

ARRUDA, Angela (org.) Representando a alteridade. 2. ed. Petrópolis,


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EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE E DA DIFERENÇA NO AMBIENTE ESCOLAR

Eliel Ribeiro da Silva (CEPR) 1

Resumo
O presente artigo se situa na temática intercultural da educação, focalizando a construção
da identidade e da diferença no ambiente escolar. O argumento central é o de que pensar e
viver uma educação no mundo atual passa pelo reconhecimento de que esta deve ser uma
educação multicultural que visa uma pluralidade e diversidade de sujeitos e de culturas,
criando contextos educativos que favoreçam a integração cooperativa de diferentes
sujeitos, assim como a relação entre os seus contextos sociais e o respeito às diferenças
culturais - elementos essenciais na construção da identidade do sujeito do ato educativo.
Assim, pretende-se situar o ambiente escolar como o espaço para que as pessoas
adquiram uma visão multicultural, considerando que nenhuma cultura é superior a outra. E
que fomente no educando a tolerância e o respeito ao outro, independente de sexo, cor,
gênero ou religião.

Palavras-chave: Educação intercultural; Diversidade cultural; Identidade.

Introdução
O presente artigo, que ora se situa na temática da educação
intercultural, pretende discutir aspectos interculturais na construção da
identidade e da diferença do aluno no ambiente escolar.
O debate sobre a diversidade cultural tem sido um dos principais
temas de discussão das ciências sociais. Uma vez que a diversidade
cultural é uma realidade cada vez mais visível. Já não se pode mais
pensar uma escola cuja cultura predominante seja a da elite e que esta
seja superior às demais. Pensar nisto significa ―manter posturas
resistentes à mudança, preconceituosas, limitadoras e descontextualizadas
em relação às exigências do mundo atual‖ (PADILHA, 2004).
Durante a Segunda Guerra Mundial, o mundo assistiu à perseguição
e, consequentemente, a morte de milhares de pessoas tidas como não
arianas. A partir de então esforços políticos foram feitos para construir uma
sociedade mais justa, solidária, onde a tolerância e o respeito ao outro seja

1
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão, Pós-graduação
em Língua Portuguesa pela Universidade Salgado de Oliveira e Mestrado em Ciências
da Educação pela Universidade da Madeira – Funchal, Portugal. E-mail:
profeliel@ig.com.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

o diferencial. A realidade pós-moderna elegeu como seu símbolo a


afirmação do diverso, fortalecendo a liberdade pelo diálogo, pela
convivência humana, pela aproximação das culturas. No entanto, o
racismo, a homofobia, a intolerância religiosa, entre outros, ainda é uma
realidade social presente, assim como no interior da sala de aula; com
roupagem nova, sendo denominado de ―novo racismo‖ ou ―racismo
cultural‖ (BADER, 2008).
Portanto, no combate à intolerância e ao preconceito, a escola se
constitui como um lugar privilegiado de encontro, de respeito mútuo, de
autonomia e de solidariedade voluntária. Será por excelência o lugar de
aprendizagem, da diversidade e da compreensão dos outros. Dessa forma,
fazer educação intercultural implica agir num espaço em que diferentes
culturas possam dialogar. E nesse contexto, o professor como elemento que
promove o diálogo, deve refletir sobre sua prática e projetar suas decisões no
reconhecimento das diversidades culturais no ambiente escolar.
Neste sentido, o presente artigo pretende apresentar a concepção de
uma educação intercultural, tendo como objetivos descrever a concepção
de cultura, compreender os desafios de uma educação intercultural no
ambiente escolar, bem como e a construção da identidade e da diferença,
situando o ambiente escolar como o espaço para que as pessoas
adquiram uma visão multicultural e intercultural da educação.

Uma questão prévia: concepção de cultura


Nos últimos anos, a concepção de cultura tem suscitado um
interesse crescente no seio da comunidade científica e particularmente
entre os teóricos da organização. A dimensão cultural passou a ser
considerada ―um elemento altamente relevante na compreensão da vida
das organizações‖ (TEIXEIRA, 1995, p. 73). Porém é difícil encontrar uma
significação precisa para a palavra cultura. Como assegura Padilha (2004,
p.182) ―em diferentes obras literárias ou cientificas, encontramos
definições variadas que se referem a contextos múltiplos, de acordo com
as épocas em que as concepções foram pensadas ou conforme a tradição
cientifica a partir da qual foram pensadas‖. Ainda segundo o autor, todos
os dias ouvimos falar em cultura da paz e do amor, cultura popular, cultura
de massa, culturas alternativas e de cultura como erudição.

674
FONAPER

Como se sabe, a palavra cultura é de origem latina. Deriva do verbo


colere (cultivar ou instruir) e do substantivo cultus (cultivo, instrução). Ainda
hoje se costuma usar a palavra cultura para designar o desenvolvimento
da pessoa humana por meio da educação e da instrução. Disso vêm os
termos culto e inculto, usados no jargão popular com uma carga de
preconceito e de discriminação, considerando uma cultura (especialmente
a letrada) superior às outras. Porém, não existem grupos humanos sem
cultura e não existe um só indivíduo que não seja portador de cultura.
O que se percebe é que no âmbito do contexto cultural, a palavra
cultura é não é unívoca, antes pelo contrário, é um termo vasto e
complexo, englobando uma grande diversidade de aspectos da vida dos
grupos humanos. Abrangendo, assim, uma vasta gama de conotações.
Nesse sentido, segundo Wallerstein (1998, p. 41, grifo do autor), ―em vez
de falar em cultura, podemos falar em culturas‖.
Ao admitir a presença de diferentes culturas entre diferentes pessoas
e grupos sociais e a existência de subculturas no seio de um mesmo
grupo, (Cuche, 1999) recusa a existência de uma cultura homogênea,
admitindo a existência de várias culturas que coexistem lado a lado. No
mesmo sentido vai a opinião de Edgar Morin (1999) que fala de cultura no
plural para dizer que a cultura só existe através das culturas.
Assim sendo, compreender o conceito de cultura é importante porque
determina e justifica o comportamento dos indivíduos nas relações e
interações que estabelecem entre si. A reflexão em torno da noção de
cultura é essencial para se encontrar a resposta mais satisfatória à
questão das diferenças entre os indivíduos.
Se refletirmos sobre a história da humanidade, veremos como a
cultura sempre serviu de referência para todas as decisões que tomamos.
Como diria Cuche (1999, p. 21) ―o homem é essencialmente um ser de
cultura‖. O que distingue as ―populações‖ humanas são as suas escolhas
culturais que estão na origem das soluções originais apresentadas para a
resolução dos problemas que se lhes deparam.
Para as Ciências Sociais, a cultura é o conjunto de crenças, regras,
manifestações artísticas, técnicas, tradições, ensinamentos e costumes
produzidos e transmitidos no interior de uma sociedade.
O antropólogo Malinowski ensina que a cultura compreende
―artefatos, bens, processos técnicos, ideias, hábitos e valores herdados‖.

675
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A aquisição e a perpetuação da cultura, portanto, é um processo


social, resultante da aprendizagem. Pois cada sociedade transmite às
novas gerações o patrimônio cultural que recebeu de seus antepassados.
Por isso, a cultura é também chamada de herança cultural.
Para Cuche (1999, p. 23), a noção de cultura aplica-se ao que é
―humano e oferece a possibilidade de concebermos a unidade do homem
na diversidade dos seus modos de vida e de crenças‖.
A primeira definição de cultura surge com Taylor, para quem cultura é
―aquele todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, leis, moral,
costumes e qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem
enquanto membro de uma sociedade‖ (PÉREZ GÓMEZ, 2004, p. 13).
O conceito de cultura, conforme acentua Cogo (2000), compreende
as ―diferenças internas às sociedades, aos indivíduos, muito além do que
poderiam imaginar os clássicos da antropologia‖. Pois no campo da
antropologia clássica, que prevalece a interpretação da cultura como uma
―complexa herança social, não biológica, de saberes, práticas, artefatos,
instituições e crenças que determinam a controvertida textura da vida dos
indivíduos e grupos humanos‖ (PÉREZ GÓMEZ, 2004, p. 13). A cultura
aparece como o contexto simbólico que rodeia de maneira permanente e
de forma mais ou menos perceptível, o crescimento e desenvolvimento dos
indivíduos e dos grupos humanos. Por isso, que a cultura é, em primeiro
lugar, a busca de conhecimentos sobre a natureza humana.
Em consonância com esta concepção, Franz Boas considera cada
cultura única, específica. Cada cultura é dotada de um ―estilo‖ particular
que se exprime, através da língua, das crenças, dos costumes, e também
da arte [...]. Este espírito próprio de cada cultura influi sobre o
comportamento dos indivíduos (CUCHE, 1999), e determina a forma como
cada indivíduo exprime os seus sentimentos e como relaciona as suas
observações (HOFSTEDE, 2003).
Ainda de acordo com Boas (1966 apud Cuche, 1999, p. 41) a
evolução da humanidade centra-se nas diferenças culturais. A diferença
entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial. ―Não há
diferença de natureza entre primitivos e civilizados, mas apenas diferenças
de cultura adquiridas, por conseguinte, e não inatas.‖ O que caracteriza os
grupos humanos no plano físico é a sua ―plasticidade, a sua instabilidade,
a sua mestiçagem.‖ (op. cit., p. 42).

676
FONAPER

Diante desta reflexão prévia, sobre a concepção de cultura, o mais


importante desta reflexão não é tanto o significado da palavra cultura, mas
os usos que dela podem ser feitos ou como a consideramos para os fins
de melhor compreendermos os fenômenos de socialização e educação
que têm lugar no ambiente escolar. Nesse sentido, concordamos com
Padilha (2004, p.194) quando afirma que ―a educação promove o encontro
entre pessoas e delas outras culturas com as quais estão [...] em
permanente contato e relação.‖ Portanto, a escola pode tornar-se um
espaço privilegiado de intercâmbio cultural de significados para estimular
uma educação intercultural.

Educação Intercultural: um desafio no ambiente escolar


Quando nos referimos aos diferentes significados de cultura, a
corrente interculturalista considera positiva a experiência da diversidade
cultural, o que comprova a riqueza da espécie humana. Tal corrente se
coaduna com as concepções e respostas educativas face à diversidade de
culturas presentes na escola que foram evoluindo, no plano teórico, ao
longo do tempo, e foram sendo influenciadas por movimentos sociais,
culturais e pedagógicos que se foram situando de forma diferente face à
questão da igualdade de oportunidades e ao papel da escola e dos seus
professores em face dessa diversidade.
Desde a fase do monoculturalismo - que apostava na valorização de
uma cultura homogênea, contemplando a cultura escolar um modelo
cultural único, passando pelo multiculturalismo que, privilegiando uma
cultura diversificada, procura combater as injustiças sociais num contexto
que ultrapassa os problemas relacionados com as minorias étnicas -, até a
ideia do intercultural foi percorrido um longo caminho. Carlinda Leite (2002,
p.136) refere que ―é na institucionalização de um discurso que defende o
direito de todos à educação e à igualdade de oportunidades que se
enraízam as ações educativas de resposta à multiculturalidade‖.
Para Candau (2012), a educação intercultural tem tido nos últimos
anos no continente latino-americano um amplo desenvolvimento, tanto de
ponto de vista dos movimentos sociais, quanto das políticas públicas e da
produção acadêmica.
Fica evidente que no âmbito do contexto escolar, a educação
intercultural é concebida hoje como um elemento fundamental na

677
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

construção de sistemas educativos e sociedades que se comprometem


com a construção democrática, a equidade e o reconhecimento dos
diferentes grupos socioculturais que a integram. Isto implica em dizer que a
educação intercultural deve construir identidades com base na afirmação
da cultura de cada um e que essas identidades devem estar abertas a
outras culturas. De acordo com Lagoa (1995) só é possível uma verdadeira
interação e troca de saberes (com pessoas diferentes) quando se constrói
uma identidade na qual se afirma e reconhece a sua própria cultura.
Nesse sentido, a educação que segue as linhas do pensamento
intercultural deve construir práticas que visem eliminar a hierarquização de
culturas, qualquer tipo de preconceito, seja por raça, cor, gênero ou
religião, fomentando no educando a tolerância e o respeito ao outro.
De igual modo, salienta Araújo (2008, p. 65), que ―a educação
intercultural visa o diálogo interativo entre as diferentes culturas como
efeitos ao nível do respeito de cada indivíduo pela sua cultura quer pela
cultura do outro.‖.
Pois a educação intercultural é constituída pela ―busca de criar
contextos educativos para que favoreçam a integração criativa e
cooperativa de diferentes sujeitos, assim como a relação entre seus
contextos sociais e culturais‖ (FLEURI, 1998 apud PADILHA, 2004, p. 236,
grifo do autor).
Ao explicar o significado de educação na perspectiva intercultural,
Fleuri cita as características de uma educação intercultural: integração,
cooperação, criatividade, respeito aos sujeitos do ato educativo,
relacionando-as à necessidade de se criar contextos sociais e culturais
para que a educação intercultural aconteça.
Assim, em nível das práticas educacionais, a perspectiva intercultural
propõe não somente novas estratégias de relação entre sujeitos e entre
grupos diferentes, mas também promove a construção de identidades
sociais e o reconhecimento das diferenças culturais.
No Guia de Educação Intercultural, a UNESCO elenca uma série de
temas nucleares para a Interculturalidade e a missão educativa em
contexto de diversidade: cultura e língua, cultura e religião, diversidade
cultural e patrimônio cultural, maioria e minoria culturais, multiculturalismo
e interculturalismo. No tocante à educação intercultural, a UNESCO
(2006) propõe três grandes princípios:

678
FONAPER

1. A Educação Intercultural respeita a identidade cultural do


aluno, mediante a oferta de uma educação de qualidade para
todos e culturalmente relevante.
2. A Educação Intercultural desenvolve em cada aluno o
conhecimento cultural, as atitudes e as competências
necessárias a uma participação ativa na vida da sociedade.
3. A Educação Intercultural garante a todos os alunos a
aquisição dos conhecimentos, atitudes e competências que
os capacitam a contribuir para o respeito, a compreensão e a
solidariedade entre indivíduos, grupos étnicos, sociais e
religiosos, e nações.

A esse respeito Sales e Garcia (1998, p. 38) consideram que a


educação intercultural,

Pode, mediante os mecanismos pedagógicos e escolares,


proporcionar uma interação dialógica entre culturas, num clima
democrático que defenda o direito à diversidade no marco da
igualdade de oportunidades, flexibilizando os modelos culturais que
transmitem na escola, de forma que os alunos possam dispor de uma
maior riqueza de conhecimentos e valores culturais, próprios e
alheios, enriquecendo crítica e reflexivamente não apenas o seu
desenvolvimento pessoal integral, senão propiciando sua
conscientização e ação social solidária.

Essa interação dialógica entre as culturas referidas pelas autoras,


certamente, tem sido um grande desafio para as escolas; principalmente
em promover a desconstrução de preconceitos e discriminações que
prejudicam, muitas vezes, as relações sociais e educacionais em que
vivemos. Sabemos que o preconceito no Brasil é visto, por boa parte da
população, como discriminação social. Além disso, a escola brasileira
carrega em seus currículos conteúdos que não valorizam a riqueza e a
pluralidade cultural existente no país, limitando-se a trabalhar com
conhecimentos científicos, visto como universais.
Diante desse cenário, salienta Padilha (2004, p. 228) que é preciso
que se pense um currículo ―associado à perspectiva da educação
intercultural, considerando sua associação a diversos fatores, textos e
contextos do cotidiano escolar e comunitário.‖.
Isto implica dizer que pensar o currículo intercultural significa o
profundo respeito à identidade étnica e racial, bem como o reconhecimento
ético dos elementos implícitos na dimensão estética e na complexidade
dessa construção. Dessa forma,

679
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

é possível afirmar que a perspectiva intercultural em educação não


pode ser dissociada da problemática social e politica presente em
cada contexto. Relações culturais e étnicas estão permeadas por
relações de poder. Dai seu caráter muitas vezes contestador, conflitivo
e mesmo socialmente explosivo (CANDAU, 2000, p.49).

Pois pensar e viver uma educação no mundo atual passa pelo


reconhecimento de que esta deve ser uma educação multicultural que visa
a uma pluralidade e diversidade de sujeitos e de culturas, criando
contextos educativos que favoreçam a integração cooperativa de
diferentes sujeitos. Não se pode negar que o multiculturalismo é uma
realidade social cada vez mais visível no ambiente escolar onde
professores e professoras devem estar atentos(as) ao desafio de
transformar uma ―escola monocultural‖ e elitista numa ―escola para todos‖
(LEITE, 2002). Nessa perspectiva, como defensor de uma educação
intercultural, Falteri, assinala que esta,

Começa somente quando se criam condições para a troca, quando se


estabelece uma relação de reciprocidade, quando, no reconhecer ―o
outro‖, nos tornamos conscientes da nossa própria cultura. Então
deixam de obvias s práticas quotidianas, as regras dadas como certas
e os autossomatismo da rotina; nos damos conta do qual é o saber-
fazer que transmitimos, quão etnocêntricas são as estruturas das
disciplinas nas quais nos formamos, quanta pedagogia implícita existe
na organização material da sala de aula (tempos, espaços, sistema
dos objetos), nas redes de relações e de papeis, nas formas de
comunicar (FALTERI, 1998, p.39).

Penso que tal desafio a que se refere Leite (op. cit., 2002) não é
nada fácil; ainda que a educação intercultural implique a confiança de que
é possível a construção de relações entre as pessoas, respeitando suas
diferenças, teremos, no ambiente da sala de aula, aqueles resistentes às
mudanças. Isto se deve em função de que a cultura docente é
fundamentalmente conservadora, pois ela compreende o conjunto de
crenças, valores, hábitos e normas dominantes.
Vera Candau (2003, p. 5-7) elenca alguns desafios que teremos de
enfrentar se quisermos promover uma educação intercultural, explicitando
cada um deles:
Desconstruir - Penetrar no universo de preconceitos e discriminações
presentes na sociedade brasileira. Esta realidade se apresenta entre
nós com um caráter difuso, fluido, muitas vezes sutil, e está presente
em todas as relações sociais. A ―naturalização‖ é um componente que
a faz em grande parte invisível e especialmente complexa. Para a

680
FONAPER

promoção de uma educação intercultural é necessário reconhecer o


caráter desigual, discriminador e racista da nossa sociedade, da
educação e de cada um/a de nós. Desenvolver estratégias nesta
perspectiva é fundamental.
Questionar o caráter monocultural e o etnocentrismo que, explícita ou
implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas educativas e
impregnam os currículos escolares. Perguntar-nos pelos critérios
utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares.
Articular - Articular igualdade e diferença: é importante articular no
nível das políticas educativas, assim como das práticas pedagógicas,
o reconhecimento e valorização da diversidade cultural com as
questões relativas á igualdade e ao direito à educação como direito
de todos/as.
Resgatar - Reconstruir os processos de construção das nossas
identidades culturais, tanto no nível pessoal como coletivo. Um
elemento fundamental nesta perspectiva são as histórias de vida e da
construção de diferentes comunidades socioculturais. Especial
atenção deve ser dada aos aspectos relativos à hibridização cultural e
à constituição de novas identidades culturais. É importante que se
opere com um conceito dinâmico e histórico de cultura, capaz de
integrar as raízes históricas e as novas configurações, evitando-se
uma visão das culturas como universos fechados e em busca do
―puro‖, do ―autêntico‖ e do ―genuíno‖, como uma essência pré-
estabelecida e um dado que não está em contínuo movimento.
Promover - Promover experiências de interação sistemática com os
―outros‖: para sermos capazes de relativizar nossa própria maneira de
situar-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido é necessário que
experimentemos uma intensa interação com diferentes modos de viver
e expressar-se. Não se trata de momentos pontuais, mas da
capacidade de desenvolver projetos que suponham uma dinâmica
sistemática de diálogo e construção conjunta entre diferentes pessoas
e/ou grupos de diversas procedências sociais, étnicas, religiosas,
culturais, etc.

Portanto, acreditando que a educação intercultural é possível, é


imprescindível que a escola reconheça de forma ativa e explicitamente os
valores das culturas existentes no âmbito da sala de aula. E que os
professores favoreçam a integração e a convivência das pessoas de modo
o respeito pela diversidade cultural existente em sala de aula seja a
máxima contra o preconceito e a discriminação.

Construção da identidade e da diferença no ambiente escolar


A identidade é um conceito que não comporta uma definição única.
As discussões que a envolve, assim como as que envolvem a diferença
estão hoje no centro da teoria social e da prática política. Porém tais

681
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

discussões sobre o conceito e identidade são importantes para examinar o


modo como a identidade se insere no ―círculo da cultura‖ bem como a
forma como a identidade e a diferença se relacionam com o discurso sobre
a representação (SILVA, 2000, p. 16).
O Brasil, segundo Fleuri (2003, p.23),

se constitui historicamente como uma sociedade multiétnica tomando-


se por base uma imensa diversidade de culturas. Reconhecer nossa
diversidade étnica implica ter clareza de que os fatores constitutivos
de nossas identidades sociais não se caracterizam por uma
estabilidade e fixidez naturais. As identidades culturais – aqueles
aspectos de nossas identidades que surgem de nosso pertencimento
a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, nacionais – sofrem
contínuos deslocamentos ou descontinuidades.

.Assim, a partir dos estudos culturais, os autores Woodward (2000),


Silva (2000) buscam, de diferentes maneiras, traçar os contornos no
tocante a identidade e a diferença.
Woodward (2000 apud Silva, 2000) trata a identidade como adquirida
através da linguagem e dos meios simbólicos. Ainda, destaca a identidade
como relacional, tendo em vista sua definição ser reproduzida através da
diferença e, consequentemente, pela exclusão.
Silva (2000) enfatiza a importância do processo de produção
discursiva e social da diferença e defende que identidade e diferença são
inseparáveis, interdependentes, mutuamente determinadas, e têm como
característica os resultados de atos de criação linguística, por isso, ficando
sujeitas às propriedades que caracterizam a linguagem – se ―a linguagem
vacila‖, ―a identidade e a diferença não podem deixar de ser marcadas,
também, pela indeterminação e pela instabilidade‖ (2000, p.80).
Silva (op. cit., p. 73) procura conceituar ―identidade‖ como
simplesmente aquilo que se é: ―sou brasileiro‖, ―sou negro‖, etc. Para ele a
identidade assim concebida parece ser uma positividade (―aquilo que
sou‖), uma característica independente, um ―fato‖ autônomo. Na mesma
linha de raciocínio, também a ―diferença‖ para ele é concebida como uma
entidade independente. Em oposição à identidade, a diferença é aquilo que
o outro é: ―ela é italiana‖, ―ela é branca‖, ―ela é mulher‖, ―ela é
homossexual‖, ―A identidade e a diferença têm que ser ativamente
produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo
transcendental, mas do mundo cultural e social‖ (SILVA, 2000).

682
FONAPER

Diante do exposto, acredito que a escola, mais uma vez, é o espaço


privilegiado na construção da identidade e da diferença das pessoas. Uma
vez que é no contexto escolar que os alunos encontram a possibilidade de
construir seu espaço, a partir das interações com outros. Portanto a nossa
identidade se forma a partir do processo de construção que se dá na
interação com o outro, com o meio em que vivemos, com o universo social
e cultural do qual fazemos parte.
Nesse sentido, esclarece Guerra (2012, p. 97), ―a educação não
pode ser uma tentativa de homogeneizar, pois as diferenças podem
interagir umas com as outras e o conflito oriundo delas não pode ser
ignorado‖. A problemática do processo de escolarização, presente em
Giroux (1997) e em Sacristán (2002 apud Guerra, op. cit., p.97), ―é o
contraste oriundo de uma cultura dominante e a diversidade de
manifestações que fazem obstáculos a ela [...].‖ Noutras palavras, a escola
é um espaço de convívio sociocultural que produz uma infinidade de
narrativas, estas autorizam / aprovam uma série de atitudes e valores
culturais ao mesmo tempo desaprovam e recriminam outros. Consoante
Giroux (1999 apud Guerra, op. cit., p.97), a noção de diferença pode ser
explorada através de uma pedagogia que dê voz ao aluno e não reduza o
comportamento humano a padrões determinantes, nem legitime apenas
um modo de ser. A noção da diferença tem desempenhado um papel
importante em tornar visível como o poder é inscrito de maneiras diferentes
em e entre as zonas de cultura, como as fronteiras culturais suscitam
questões importantes com respeito às relações de desigualdade, luta e
história, e como as diferenças são expressas de maneiras múltiplas e
contraditórias dentro dos indivíduos e entre grupos diferentes.
Portanto, para que a construção da identidade e da diferença
aconteça na escola, mais precisamente na sala de aula, é imprescindível
que ela faça concessões às novidades que vão se incorporando à regra
escolar, alargando seus limites para contê-las. Assim, cada escola, cada
ambiente pedagógico tem sua dinâmica própria e comporta diferenças,
apesar da força do ritualismo e dos processos de homogeneização que se
instituíram para conformar sua ação.
De acordo com Louro (1998), as relações pedagógicas que são
construídas na escola estão carregadas se simbolismos por meio das
quais as crianças aprendem normas, conteúdo, valores, significados, que
lhes permitem interagir e conduzir-se de acordo com o gênero.

683
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Assim, direcionar o olhar para a identidade e a diferença no contexto


escolar é instigá-las e, ao mesmo tempo, vê-las no plano da coletividade. É
compreender e respeitar o jeito de ser do outro, é respeitar as diferenças
raciais, culturais, étnicas e outras. É ser capaz de aprender com o
diferente, de conviver com o diferente.

Considerações Finais
Como podemos observar no decorrer deste trabalho, o panorama
teórico sobre a diversidade cultural e o interculturalismo no contexto
escolar estabelece que a pluralidade cultural, tão presente na escola, é
uma ferramenta imprescindível para o enriquecimento pessoal e social do
ser humano. Sendo assim, a educação intercultural, mesmo sendo uma
questão complexa, cheia de tensões e desafios, encontra-se na pauta das
discussões como uma educação para o reconhecimento do outro, que
valorize, através do diálogo, a cultura do outro. A perspectiva de uma
educação intercultural está orientada à construção de uma sociedade
democrática, plural, que articule políticas de igualdade com políticas de
identidade.
O nosso estudo aponta na direção de que a escola pode ser um
espaço que favoreça não só a socialização das informações e de
instrumentos culturais, mas também de relações humanas críticas e
solidarias. A escola, vista como uma instituição formadora de ideologia
precisa ter, portanto, um papel fundamental a desempenhar nas novas
politicas voltadas às minorias. Sabemos que a escola se configura em um
contexto extremante fértil para a construção de identidades e diferenças,
por disponibilizar em constituição várias formas de interação.
Nessa perspectiva, há que se salientar que somente uma prática
educacional baseada em processos interativos na qual os alunos se
constroem em sua historicidade, pode contribuir para a quebra da exclusão
e segregação do ser humano.
Assim sendo, trilhamos no contexto de uma educação intercultural
perspectivas que favorecem o respeito, a aceitação do outro como legítimo
sujeito, a cooperação de diferentes sujeitos, bem como a relação entre os
seus contextos sociais e culturais, constituindo o horizonte da educação
intercultural.

684
FONAPER

Portanto, finalizo com as palavras de Pardo (1996 apud Silva, 2000


p. 9) Respeitar a diferença não pode significar "deixar que o outro seja
como eu sou" ou "deixar que o outro seja diferente de mim tal como eu sou
diferente (do outro)", mas deixar que o outro seja como eu não sou, deixar
que ele seja esse outro que não pode ser eu, que eu não posso ser, que
não pode ser um (outro) eu; significa deixem que o outro seja diferente,
deixar ser uma diferença que não seja, em absoluto, diferença entre duas
identidades, mas diferença da identidade, deixar ser uma outridade que
não é outra "relativamente a mim" ou "relativamente ao mesmo", mas que
é absolutamente diferente, sem relação alguma com a identidade ou com a
mesmidade.

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687
ETNOJOGO UMA PROPOSTA CRIATIVA

Claudilene Christina de Oliveira - UFJF1

Rosana Castro de Luna Rezende - UFJF2

Resumo
Pensando no pluralismo da sociedade atual, o presente artigo pretende refletir sobre o
conceito de etnocentrismo, já que é essencial a prática de valores com vistas a educar para
a alteridade e para a responsabilidade social. Nessa sociedade multicultural, o problema da
intolerância salta os muros e interpõe-se no contexto escolar como um grande desafio, não
só para os professores de ensino religioso, mas também para os das demais disciplinas.
Nesse sentido, o objetivo desta reflexão é mostrar como os pilares da educação podem ser
uma tentativa de responder a esses desafios. Para tanto, o objeto deste estudo é a
desconstrução da prática etnocêntrica, usando, para isso, como metodologia, um recurso
didático, dinâmico e dialético. Dessa forma, essa proposta de desconstrução contribuirá
para a tentativa de superar a hegemonia cultural e para construir uma noção de equilíbrio
cultural.

Palavras-chave: Sociedade. Multiculturalismo. Etnocentrismo. Recurso Didático. Ensino


Religioso.

Introdução
Nessa sociedade multicultural, fervilham vozes e imagens que
intercambiam diferentes modos de ser, fazer e conhecer. Essa diversidade
de condutas desencadeia contundentes impasses entre o global e o local.
Impactada por diferentes modus vivendi, a humanidade vê-se
obrigada a rever valores e posições nos quais encontrava estabilidade seja
como pais, professores, gestores, seja como líderes religiosos. Sabe-se,
portanto, que esses momentos, além de virem acompanhados de
profundas angústias, desencadeiam conflitos, forçam a quebra de
paradigmas, requerendo não só respostas pontuais e previsíveis, mas
também novas perguntas, novas metodologias, assunção ética e novos
olhares.

1
Mestranda em Ciência da Religião – Universidade Federal de Juiz de Fora
claudilene_christina@yahoo,com,br
2
Mestranda em Ciência da Religião – Universidade Federal de Juiz de Fora
rosacalure10@yahoo.com.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Na educação, experienciar essa nova condição não é diferente, na


medida em que, de forma desafiadora, novas práticas devem ser
ressignificadas no sentido de contribuir para o desenvolvimento de uma
cidadania multicultural (TORRES apud PADILHA, 2004, p. 217).
Isso posto, o presente artigo pretende levar à reflexão, a partir do
segundo tópico, sobre o conceito de etnocentrismo e sobre a tentativa de
subsistir em uma sociedade multicultural.
Dessa relação, advém o aspecto abordado no terceiro tópico, que
trata da importância da retomada, pelo Ensino Religioso, dos pilares da
educação a fim de refletir como essas duas formas de pensar concebem o
ensino e a formação do cidadão na sociedade multicultural.
Finalmente, no quarto tópico, será apresentado um recurso didático
que possibilitará ao professor de Ensino Religioso abordar, de forma
dinâmica, em suas práticas pedagógicas, os seguintes aspectos: numa
perspectiva comparativa, temas particulares de doutrinas monoteístas e de
politeístas, além da hegemonia cultural, entre outros respaldados pela
Ciência da Religião. Sua proposta é demonstrar como um recurso didático,
devidamente teorizado, pode contribuir para o desenvolvimento de virtudes
multiculturais.
Certo é que essa perspectiva didática requer abertura para o trabalho
interdisciplinar e gestão positiva de conflitos, que sempre ocorrem quando
se lida com valores culturais cristalizados pela rotina e pela formação
etnocêntrica.

Etnocentrismo de subsistência em uma sociedade multicultural


Muito das crenças e valores que hoje são cultivados e ingenuamente
classificados como lógicos ou corretos, foram forjados ideologicamente e
perpetuados historicamente em função de visões teológicas e cientificistas,
que levaram a repudiar o outro e a enxergar o diferente como aberração,
inferior, ridículo, selvagem.
Ao longo da história, ―os preconceitos etnocentristas produziram
ideologias que tiveram como consequência ‗a negação do outro‘‖
(MENESES, 2000, p.9). Ainda segundo o filósofo, essa negação segue um
esquema a que ele chamou de matriz básica de diversas formas de
opressão entre sexos, raças e nações. Essa matriz considera que a
negação do outro pode ocorrer considerando-se três situações:

690
FONAPER

 O outro como representação de uma ameaça: quando se


pretende defender um modus vivendi por considerá-lo mais
lógico e correto que o do outro. Essa rejeição pode ser
levada às ultimas consequências em nome de uma pretensa
defesa daquilo parece verdadeiro, pensando-se em eliminar o
outro. Etnocídios e massacres exemplificam o
exarcebamento dessa defesa.
 O outro dominado e destituído de alteridade: quando a
rejeição ao outro vem acompanhada da intenção de dominá-
lo. Nessa dominação, embora transformar ou civilizar não
implique tirar a vida, ela extirpa ou reduz a
alteridade/diferença que constitui o outro, impondo-se o
modus vivendi do dominador. Exemplificam isso as ações de
colonizadores e o imperialismo romano.
 O outro discriminado em sua alteridade: quando sutilmente
se quer lidar com outro, conservando-lhe a alteridade como
pretexto para oprimi-lo e explorá-lo. Nessas circunstâncias, o
outro é menosprezado, escravizado, passando a ser
considerado um objeto privado de seus direitos. Exemplificam
isso as sociedades escravocratas.

Como se vê, essas diferentes formas de se proteger a supremacia de


uma raça, de um costume, de uma crença, enfim, de uma cultura,
entendida e defendida a partir do ponto de vista dos que dela comungam,
impregna as ações e os discursos de um preconceito etnocentrista.
Nessa sociedade multicultural, atitudes etnocêntricas não permitem
uma abertura para o diálogo, na medida em que os defensores de uma
suposta supremacia cultural e religiosa não enxergam, não ouvem e não
falam com o outro, consequentemente, não aprendem com esse outro.
Diante disso, questiona-se: como viabilizar uma prática educativa numa
sociedade multicultural impregnada por diversos discursos etnocêntricos?
Buber ensaia uma possível resposta:

A dimensão da relação, do diálogo, permite-nos caminhar na direção


de uma pedagogia do encontro, já que o mundo da relação e,
diríamos, o mundo do encontro, realiza-se nas esferas da vida com a
natureza, da vida dos homens com os homens e também da vida com
os seres espirituais (BUBER, 1974, p. 25).

No contexto de uma sociedade multicultural, essa perspectiva


desencadeia uma reflexão mais profunda quanto às dimensões didático-
metodológicas que possibilitem o aprender a conhecer, fazer, conviver e
ser, considerando-se a escola como um espaço de encontros culturais
mediado, preferencialmente, pelo professor de Ensino Religioso.

691
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Diante de qualquer questionamento quanto a eleger a disciplina de


Ensino Religioso, bem como seu respectivo docente como responsáveis por
esse desafio, deve-se considerar que as especificidades dessa disciplina
podem catalisar temas e conteúdos amparados pela Ciência da Religião e
pela Antropologia. Quase sempre, sem o devido valor nas escolas,
considerando-se a linguagem, o Ensino Religioso ativa um universo de
conceitos, levando o aluno a ver um sentido para si e para a vida.
Por outro lado, ressalta-se que, apesar de o peso maior desse
desafio recair nessa disciplina, as demais não podem, nem devem, se
eximir dessa missão, já que a função educativa que propõe refletir sobre
valores fundamentais não se restringe a uma área específica, pelo
contrário, deve ser exercida em sentido amplo. Tanto que o recurso
didático apresentado aplica-se às áreas de história, geografia, educação
artística, entre outras.
A religião pode-se tornar interessante para o aluno, ―quando
apresentada como uma referência de sentido para a existência do
educando e como um fator condicionante para sua postura social e
política‖ (SOARES apud PADILHA, 2010, p.178). Assim, entende-se que
um ensino que se pauta na contribuição cultural e religiosa e na riqueza da
espiritualidade humana abre-se ao diálogo com o outro de forma
respeitosa e ética.
Valorizando o pluralismo e a diversidade cultural da sociedade
brasileira, o Ensino Religioso facilita a compreensão das formas que
exprimem o Transcendente na superação da finitude humana e que
determinam, subjacentemente, o processo histórico da humanidade. Essa
compreensão não compactua com práticas etnocêntricas. Para Everardo
Rocha, antropólogo,

Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é


tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e
sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas
definições do que é a existência (ROCHA apud URIARTE, 1988, p.5).

Nesse contexto de sociedade plural, os cientistas da religião


conseguem perceber quão distante da realidade vivida se encontra esse
conceito. Diante disso, questiona-se: por que prevalecem outros modelos,
outros valores, outros modos de ser e crer? Talvez porque não se saiba o
que e como fazer. Em contrapartida, o não saber pode ser uma

692
FONAPER

consequência dos preconceitos etnocêntricos. Nesse sentido, até que


ponto poder-se-ia indagar se essa negação do saber ou do querer
aprender se manifesta pelo desinteresse em relação ao diferente?
Pensando por esse viés, o não saber, por ser um discurso aceitável,
legitima um discurso mantenedor do status quo.
Nesse sentido, para endossar uma educação religiosa no contexto
desta sociedade multicultural, os pilares da educação devem ser
compreendidos e absorvidos pelo professor para que sua ação pedagógica
reflita, não só o encaminhamento de uma política pública, mas também
uma opção ética, social, política e transformadora, que considera e
comporta a pluralidade cultural no modo de aprender a conhecer, fazer,
conviver e ser.

O diálogo promovido entre os pilares da Educação e o Ensino


Religioso
O século XX findou-se sob o expoente de graves dicotomias
individuais, sociais e ambientais, esse fato requer que se busque uma
nova consciência que contorne esses desafios. Faz-se necessário o
empenho por um novo modelo de ética racional que busque recuperar as
dimensões perdidas do humano por meio de uma relação dialogal que
reconheça a alteridade e a solidariedade como possibilidades de
redesenhar as fronteiras rígidas dessa tensão.
Todas essas mudanças de âmbito sócio-histórico-cultural trouxeram
consigo uma similar transformação dentro do contexto escolar. A
educação, que antes conduzia o homem segundo os desígnios divinos,
torna-se instrumento para aprimorar uma racionalidade capaz de
esclarecer mistérios humanos e materiais, confluindo numa vida melhor e
emancipatória, cujo eixo está no domínio e na utilização dos princípios
naturais. Para que haja essa realização, a escola retoma a cena como
sendo o recurso mais estratégico. Daí a necessidade da busca de
renovação, valorização e democratização de conhecimentos, métodos e
formas de aprender, levando-se em conta sempre a nova realidade de
expectativas seculares e racionalistas (GOERGEN, 2005, p. 59).
O atual momento histórico, apesar de afetar a nossa forma de
pensar, sentir e agir, define como tarefa formativa da educação a
deslegitimação das premissas de culturas enraizadas. Tal contexto de
transformações reflete diretamente sobre os valores que orientam a vida

693
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

individual e as normas sociais. Numa sociedade caótica, regida por um


turbilhão de informações e ausência de princípios norteadores, torna-se
imprescindível na capacitação dos alunos, uma proposta de
fundamentação ética com base na dialogicidade. Na prática, trata-se,
segundo Habermas citado por Goergen (2005, p. 79)(apud GOERGEN,
2005, p. 79), de assumir que, embora a tradição de valores e normas não
seja descartada nem inquestionável, ela permite interpretar e assumir as
transformações na perspectiva de processo e não de ruptura.
Corroborando essa concepção de Habermas, segundo Jacques
Delors, no livro Educação: um Tesouro a Descobrir (1998), transformar a
escola em elemento integrador entre a aprendizagem do aluno e a atuação
do educador, na construção desses conhecimentos, perpassa de forma
significativa pela proposta de parâmetros, segundo os quais a prática
pedagógica deve preocupar-se em desenvolver quatro aprendizagens
fundamentais, que serão para cada indivíduo os pilares do conhecimento:
aprender a conhecer – interesse e abertura para o conhecimento, que
verdadeiramente liberta da ignorância; aprender a fazer – coragem de
executar, de correr riscos, de errar mesmo na busca de acertar; aprender a
conviver – desafio da convivência que apresenta o respeito a todos e o
exercício de fraternidade como caminho do entendimento; aprender a ser
(o mais importante) – essência do papel do cidadão e o objetivo de viver.
Pode-se dizer, conforme Delors (1998, p. 89), ―que se trata de uma
bússola para navegar em meio ao mundo complexo‖. Nessa perspectiva,
segundo Tardif (2002),

Instituição social fundamental que se encontra situada no próprio


cerne do desenvolvimento das sociedades atuais, a escola se baseia,
em sua realidade cotidiana, no trabalho dos professores, os quais, em
suas interações concretas com os alunos, assumem as principais
missões dessa instituição.

A formação de professores voltada para as habilidades e


competências que privilegiem uma prática reflexiva, preparando os alunos
para superarem cada um dos desafios postos, deve desempenhar um
papel importante que lhes permita compreender e interagir, de forma
consciente, com a dimensão cultural, intelectual e científica moderna.
Adiante, será visto que o conceito de cultura adotado neste artigo, que é
antropológico, vai confrontar a ideia da cultura enciclopédica. Esta

694
FONAPER

proposta tem que legitimar as realidades não como autoridades técnicas,


mas revelando as dimensões éticas, sociais, pedagógicas e profissionais.
Diante disso, deve-se ressaltar que o investimento no apoio aos
docentes, principalmente do Ensino Religioso, é uma tarefa inadiável, já
que é necessário habilitar os professores nessas reflexões, para que os
mesmos possam conduzi-las com os alunos. Segundo Aragão (2013),

Diante do atual dilema dos grandes deslocamentos e


desenraizamentos institucionais, provocados pela diminuição da
importância das práticas religiosas públicas que tornam a religião uma
questão de escolha pessoal (...), é fundamental que se manifeste e
reflita sobre o dinamismo espiritual que está entre e para além das
religiões, mesmo daquelas expressões laicas e sem divindades (26º.
Congresso da Soter 2013 – ementa FT 7, ―Pluralidade Espiritual e
Diálogo Inter-Religioso‖).

Subsidiar a tarefa dessa disciplina utilizando os pilares apresentados


por Delors é uma tentativa metodológica de reforçar a proposta de se
construírem pressupostos

Que reflitam sobre a relação entre os valores éticos e as práticas


morais com as matrizes religiosas presentes na sociedade e na
cultura, apresentando a religião como uma referência de sentido para
a existência dos educandos e como um fator condicionante para sua
postura social e política (PASSOS, 2007, p. 8).

Ainda segundo Passos, trata-se de elucidar a problemática


metodológica, curricular e legal do Ensino Religioso, enfim, explicitar os
processos de constituição, identificação e interação das denominações
religiosas em seus diferentes contextos.
Em função disso e buscando, dentro da perspectiva da Ciência da
Religião, lançar novas luzes capazes de promover uma abordagem
metodológica que contemple questões desafiadoras de forma
multifacetada, deve-se partir de contextos reais de vivência e instigar cada
aluno, por meio de atividades integradoras e interdisciplinares, a buscar a
interpretação dessa realidade, com segurança, de sua origem até sua
finalidade.
A proposta dos pilares não consiste compartimentar cada formato de
visão de forma estanque. É necessário que sua compreensão e aplicação
na prática se deem de forma abrangente, conferindo uma moldura geral do
mundo e de sua existência, captada e aplicada de maneira consciente, em

695
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

qualquer situação desafiadora, em consonância com o proposto pelos


Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCN‘s).

Aprender a conhecer
Esse pilar propõe como desafio que o ―conhecimento‖ oferecido aos
alunos se dê na perspectiva de uma abertura para a descoberta do outro
não só de forma teórica, mas antropológica, considerando a importância da
religião, uma vez que ela apresenta as múltiplas dimensões humanas
(sociocultural, política, psicológica, etc.). Isso legitimará o conhecimento
necessário para se estabelecer um modus vivendi contemporâneo que
permita, de forma dialógica, promover a igualdade, respeitando as
diferenças.
Por ser considerado, simultaneamente, como um meio e uma
finalidade da vida humana, ―aprender a conhecer‖ visa antes de tudo ao
domínio dos próprios instrumentos de conhecimento. Essa relação é a
grande categoria do pensamento que fará o aluno pensar e saber
relacionar não só a essência abstrata e estática da realidade, mas também
a existência numa rede muito mais ampla que, na opinião de Boff (apud
LIBANIO, 2002, p. 31), trata-se da construção de um novo paradigma
fundamentado numa nova forma de diálogo com a totalidade dos seres,
superando, por meio da articulação máxima entre os possíveis extremos,
uma visão dualista. Esse pilar corrobora os PCN‘s do Ensino Religioso
segundo o qual

Conhecer significa captar e expressar as dimensões da comunidade


de forma cada vez mais ampla e integral. Assim, entendendo a
educação escolar como um processo de desenvolvimento global da
consciência e da comunicação entre educador e educando, à escola
compete integrar, dentro de uma visão de totalidade, os vários níveis
de conhecimento: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o racional e o
religioso (PCN do Ensino Religioso, 2006, p. 29).

Desse modo, pode-se dizer que utilizar o conhecimento do ponto de


vista pedagógico é um modo de garantir a formação necessária para que o
aluno, nessa relação dinâmica transitiva direta de valores e finalidades,
absorva o conhecimento para ultrapassar a mera informação e reprodução
de resultados científicos. Mais do que isso, ele deve carregar consigo uma
dinâmica prática, sem neutralidade, conduzindo a ações e engajamentos

696
FONAPER

diante dos fluxos da dinâmica social que envolve o aluno e que se


apresenta com inúmeras variações valorativas e optativas.
No mundo onde as incertezas passaram a dominar o espaço antes
pertencente à certeza dos dogmas e das verdades eternas, agora se vive o
desafio de abandonar esse dogmatismo. Na condição de formador
específico, o professor, principalmente o de Ensino Religioso, assume a
urgente missão de dar conta da responsabilidade social de evitar o
proselitismo e a doutrinação, garantindo a democracia e o
multiculturalismo. Trata-se então de oportunizar a liberdade de cada um
―compreender conceitos e referências resultantes dos avanços da ciência e
dos paradigmas do nosso tempo‖ (DELORS, 2001, p. 92).

Aprender a fazer
Indissociável do primeiro, segundo o autor, este pilar exige que os
educandos apresentem certa competência técnica combinada com um
comportamento social que o capacite a comunicar e trabalhar com os
outros além de gerir e resolver conflitos.
Ainda que não seja apresentado de forma muito explícita pelas
instituições de ensino, o conhecimento de maneira amplificada deseja
conduzir ao saber e este, por sua vez, ao fazer consciente, numa visão de
realidade ampliada e enriquecida por seus sistemas de ação que refletem
a maturidade da responsabilidade assumida de forma ética. Cabe
ressaltar, conforme Passos que

Ensina-se religião para se ter maior consciência de seu significado na


vida do indivíduo e, também, de sua função na sociedade. Discernir o
dado religioso e assumir posturas cidadãs perante suas manifestações
e relações com as diversas dimensões da vida humana é uma
habilidade essencial para a educação de indivíduos oriundos de
qualquer credo, ou mesmo sem nenhum credo. No mundo
globalizado, as diferenças culturais e religiosas misturam-se e
confrontam-se de maneira direta ou virtual – de ambas as formas reais
– na vida cotidiana e desafiam os cidadãos a terem sobre elas uma
visão e uma postura. Visão crítica, tolerância e relacionamento com as
alteridades hoje tão efervescentes, são pautas atuais indispensáveis
da educação para a plena cidadania. Edgar Morin confirma essas
finalidades éticas da educação e afirma tratar-se de uma tarefa para a
construção do futuro que seja capaz de rever os erros do passado. É
preciso rever as cegueiras do próprio conhecimento moderno
fragmentado e absolutizado, resgatar uma visão global do ser humano
inserido na natureza e na sociedade e preparar as gerações para a

697
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sobrevivência e convivência planetária (MORIN apud PASSOS, 2007,


p. 79).

Embora essas propostas não explicitem a necessidade da educação


religiosa, apresentam-se como uma possibilidade adequada para as
razões e urgências do Ensino Religioso escolar como forma de interligar os
saberes, respeitar as alteridades de forma globalizadora, relacionando com
os outros e com a natureza. Essa educação com visão totalizante ajudará
cada aluno na educação de sua dimensão religiosa.
Nesse sentido, os PCN‘s do Ensino Religioso (2006, p. 29) destacam
que nenhuma teoria sozinha explica completamente o processo humano: é
o diálogo entre elas que possibilita construir explicações e referenciais que
escapam do uso ideológico, doutrinal ou catequético.

Aprender a conviver
Este terceiro pilar é para Delors um dos maiores desafios da
educação. Trata-se da busca de uma alternativa adequada capaz de
superar uma narrativa histórica composta por heranças dominadoras,
forjadas a partir de ideologias dominantes, gerando violência, tensões e
conflitos. Na maioria das vezes, esses conflitos segregam e corroem tanto
as estruturas basilares das relações éticas quanto os valores capazes de
promover uma relação mínima de convivência.
Essa intransigência não só impõe domínios conflitantes, mas
também impulsiona, de maneira ostensiva, a prática de ações
fundamentalistas, integristas e de intolerâncias religiosas. Algumas dessas
heranças perpetuam-se, e outras emergem através da face sombria da
―individualidade‖ e da ―subjetividade‖, provocando discussões acadêmicas
que expressam a inquietude dos professores em relação a uma constante
tendência à exacerbada competição em busca do sucesso individual,
dentro ou fora do contexto escolar. Segundo Delors (2001, p. 97), é de
lamentar que a educação, devido a uma má interpretação da ideia de
emulação, contribua por vezes para alimentar esse clima.
A cultura contemporânea apresenta formas que incentivam a
banalização da vida por meio de um cuidado desmedido de si mesmo,
empobrecendo o sentido de comunidade. Ao expor seu profundo
entendimento a respeito da forma peculiar da modernidade, segundo
Renaut

698
FONAPER

O que define intrinsecamente a modernidade é, sem dúvida, a


maneira como o ser humano nela é concebido e afirmado como fonte
de suas representações e de seus atos, seu fundamento (subjectum,
sujeito) ou, ainda, seu autor: o homem do humanismo é aquele que
não concebe mais receber normas e leis nem da natureza das coisas
nem de Deus, mas que pretende fundá-las, ele próprio, a partir de sua
razão e de sua vontade (RENAUT apud LIBANIO, 2002, p. 63).

Nesse sentido, o conhecimento da dimensão religiosa que está no


substrato cultural, através do Ensino Religioso, pode contribuir para
superar essas pretensões racionalizadoras estagnadas em pólos
aparentemente opostos, mas com os mesmos padrões comportamentais
de segregação. Em outras palavras, deve-se articular, com profundidade,
uma proposta que faça os alunos assumir, de forma permanente, uma
postura reflexiva e harmoniosa diante do fenômeno religioso. Dessa forma,
estará contribuindo para a vida coletiva dos educandos na perspectiva
unificadora que, diante dos desafios e conflitos, vê a expressão religiosa
de modo próprio e diverso.
Ao articular e sistematizar as relações do humano com o
transcendente, o conhecimento religioso explica o significado da existência
humana, principalmente no que diz respeito à superação das
interpretações contraditórias emergidas através de respostas isoladas de
cada forma de expressão cultural, coletiva ou individual, permitindo, assim,
além de uma compreensão amplamente crítica do cidadão, o exercício da
tolerância. O exercício da vivência concreta em grupo favorece a aceitação
e o reconhecimento da alteridade.

Aprender a ser
O quarto pilar foi concebido mediante a preocupação da
desumanização do mundo relacionada com a revolução técnica, sob o
risco da alienação da personalidade.
Para Delors (2001, p.100), a fim de desenvolver talentos e estes
gerirem seu próprio destino, a educação é baseada no princípio
fundamental de contribuir para o desenvolvimento integral da pessoa,
precisando, para isso, desempenhar o papel essencial de conferir a todos
os seres humanos liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e
imaginação.
Esse imperativo requer, de forma consciente e significativa, a
superação da inércia que se apresenta como constantes obstáculos
699
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

oferecidos pelas dinâmicas contemporâneas, os quais configuram quadros


complexos e até desestruturadores dos diversos contextos:

Mais do que preparar os alunos para uma dada sociedade, o problema


será, então, fornece-lhes constantemente forças e referências
intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que os rodeia e
comportar-se nele como atores responsáveis e justos. Mais do que
nunca a educação parece ter, como papel essencial, conferir a todos
os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento,
sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver os
seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu
próprio destino (...). A diversidade das personalidades, a autonomia e
o espirito de iniciativa, até mesmo o gosto pela provocação, são os
suportes da criatividade e da inovação. Para reduzir a violência ou
lutar contra os diferentes flagelos que afetam a sociedade, os métodos
inéditos retirados de experiências no terreno já deram prova da sua
eficácia (DELORS, 2001, p.100).

Numa sociedade em que a relação entre os indivíduos busca


constantemente superar as exigências sociais que, muitas vezes,
estigmatizam os comportamentos individuais que representam a expressão
de uma cultura antropológica, a proposta de inovação social e econômica
deve incentivar a imaginação e a criatividade como formas de liberdade
humana, sem ameaçar o processo dialético que parte do conhecimento de
si mesmo à abertura em relação ao outro. Nesse sentido, a educação deve
promover uma viagem interior constituída de maturação contínua da
personalidade. Associada a uma construção social interativa, a educação
deve ser o meio para se realizar um processo individualizado.
Enfim, em qualquer ângulo da sociedade contemporânea, os critérios
de promoção fazem-se por meio da supervalorização de alguns aspectos
que, na maioria das vezes, privilegiam a minoria, referendando aos demais
uma situação de inferioridade. Nesse aspecto, emergem atualmente
diversas correntes que exacerbam o lado emocional do indivíduo: filmes e
programas impactantes exploram a sensibilidade buscando, por meio de
sensações fortes, promover o uso das drogas, reduzindo o ser humano à
irracionalidade. Esse contexto minimiza a importância do cultivo do
sentimento espiritualista, segundo João Paulo II (apud LIBANIO, 2002, p.
78-9):

Aprender a ser é uma resposta a esses extremos, procurando o


desenvolvimento integral, total, da pessoa humana: espírito e corpo.
Trata-se de uma dupla dimensão fundamental que leva em
consideração a inteligência, a sensibilidade, o sentido estético, a

700
FONAPER

responsabilidade, a espiritualidade e tantas outras realidades


constitutivas da pessoa humana. A dimensão social permanece
integrada fortemente, mas deve-se atentar para evitar o reducionismo
do ser humano à condição de um ser transformador da realidade
numa visão de promessa centralizadora que continue a devastar a
natureza com suas criações tecnológicas e industriais. Deve-se
ampliar a relação do binômio homem-cosmos que busque criar um
humanismo em que o ser humano se entenda em uma relação com
todo o cosmos e em que se coloque numa posição mais humilde de
uma melodia – embora original e maravilhosa – na sinfonia do
universo (JOÃO PAULO II Apud LIBANIO, 2002, p. 78-79).

Cabe ressaltar que, para garantir a eficácia significativa da resolução


de problemas suscitados ao longo do processo social, os quatro pilares da
educação não se concentram exclusivamente em nenhum período
específico da vida humana.

Etnojogo: uma contribuição didática para se pensar os caminhos para


a desconstrução do etnocentrismo
Considerando o conceito antropológico de cultura, entende-se que o
mesmo serve a uma pedagogia cujo objetivo, ao trabalhar o tema
etnocentrismo, seja alcançar, em longo prazo, bons resultados quanto à
desconstrução desse conceito. Em longo prazo por entender que isso
implica rever de forma crítica e reflexiva todo pensamento ocidental e seus
esquemas de referência (FALTERI, 1998, p.15).
Ao enfatizar esse conceito, entende-se que não há neutralidade,
portanto as práticas escolares tendem a ser etnocêntricas. Ao falar em
cultura, é preciso compreendê-la em diferentes ocorrências e saberes no
processo educacional, que se encontra impregnado de ismos que se
colocam como obstáculos ante as trocas culturais (PADILHA, 2004, p.178).
Nesse sentido, ao pensar o recurso didático do ETNOJOGO, cujas
motivações teóricas serão apresentadas, foi tomado o cuidado de, na sua
confecção, optar por um conceito estendido de cultura, para relacioná-lo
com a práxis educativa, segundo o qual,

(...) a cultura compreende o conjunto, socialmente significativo, dos


comportamentos, dos saberes, do saber-fazer e do poder-fazer
específicos de um grupo ou de uma sociedade, adquiridos por um
processo contínuo de assimilação e transmitidos à comunidade (...).
Esta formação e estruturação da cultura desenvolve-se, sobretudo,
por meio da conjunção complementar de três processos importantes:
as relações individuais e identitárias, as relações de alteridade e as

701
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

relações dos homens com o meio envolvente e com a sua própria


natureza (GONÇALVES apud PADILHA, p. 191).

Percebe-se que há certa complexidade em torno desse conceito.


Por esse motivo, o recurso didático apresentado defende o método
dedutivo como um caminho possível para a desconstrução do
etnocentrismo. Entende-se ainda que os professores, ao reconhecerem e
compreenderem esse conceito mais amplo de cultura, responderão, a
partir de uma práxis reflexiva, aos desafios colocados pelos pilares da
educação, uma vez que, na contemporaneidade, cingida por
manifestações culturais plurais, é necessário aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser com as diferenças
culturais sem negá-las ou hierarquizá-las.
Embora tanto alunos quanto professores precisem aprender a ser
menos prosélitos e preconceituosos, essa aprendizagem (que se refere à
dimensão do ser) só se efetivará se eles aprenderem a conhecer a cultura
do outro. Sem essas dimensões trabalhadas na sala de aula, dificilmente
se chegará à dimensão do aprender a conviver, estabelecendo relações
com o outro diferente, num processo de trocas, comunicando saberes e
crenças.
O recurso ETNOJOGO foi pensado e estruturado a partir dos
seguintes critérios:

a) Objetivo:
Refletir o etnocentrismo a partir de um recurso didático que possa
fazer uma crítica à ideologia dominante na sociedade e na própria cultura.
No sentido amplo, deseja-se falar de cultura e educação, teorizando sobre
práticas sociais etnocêntricas, a fim de que colabore para a desconstrução
das mesmas. Espera-se ainda que professores e alunos reflitam sobre
dimensões culturais relacionadas à ética, estética, filosofia, alteridade,
poder, saber-poder (PADILHA, 2004, p. 198).

b) Composição:
Um tabuleiro (colagem de imagens)
Caneta (para quadro branco)
Apagador

702
FONAPER

Fig. 1: tabuleiro de escolhas.

c) Dinâmica:
O professor divide a sala em grupo, cujo número de componente
será sempre flexível e a critério do professor, e exporá para os alunos a
seguinte situação fictícia:
O nosso planeta sofreu um grande abalo e as civilizações foram
dizimadas. Em contrapartida, uma nova chance de recomeço foi dada a
alguns homens pelos deuses de diferentes tradições religiosas. Esses
homens devem se reunir em conselho e, olhando para o tabuleiro, devem
escolher ideias, símbolos, personalidades, práticas, valores, entre outros,
que fundamentarão essa nova sociedade, considerando sempre a
contribuição de diferentes culturas.

Em grupo, os alunos listarão 10 itens e justificarão os cinco


primeiros.

703
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Em seguida, os grupos devem expor suas escolhas justificando-as. É


importante que o professor fique atento e comente as escolhas, não na
perspectiva do certo ou errado, mas na perspectiva da consideração por
saberes de outra cultura. Por exemplo, quando esse recurso foi aplicado a
um grupo de professores, muitos escolheram leis ambientais mais
rigorosas, deixando de lado a opção pela educação indígena, a qual lhe
possibilitaria ampliar o debate sobre culturas diversas.
Por último, depois de debatidas as escolhas, o professor apresentará
a seguinte reflexão de Heródoto escrita num cartaz criativo:

―Se oferecêssemos aos homens a escolha de todos os costumes do


mundo, aqueles que lhes parecessem melhor, eles examinariam a
totalidade e acabariam preferindo os seus próprios costumes, tão
convencidos estão de que estes são melhores do que todos os outros.‖
(Heródoto)

Como se pode perceber, o ETNOJOGO é tão dinâmico e flexível,


que está aberto à capacidade criadora e crítica dos professores, criando
um sem número de situações capazes de levar os educandos a perceber
que os seres humanos têm a tendência de priorizar os valores do seu
grupo, em detrimento dos valores do outro. Acrescenta-se ainda que a
proposta apresentada, neste Congresso Nacional de Ensino Religioso
2013 (CONERE), não se restringe a uma ideia formatada nesses moldes,
pelo contrário, ela pode ser adaptada a outras situações.
Acredita-se que esse recurso adotado pelo professor de Ensino
Religioso ou de outra disciplina aproxima-os, e a seus alunos, de conceitos
oriundos da Ciência da Religião tais como: etnocentrismo, cultura
antropológica, alteridade, diálogo inter-religioso, poder hegemônico,
autonomia, pluralidade, universalidade, entre outros.
Nessa perspectiva, o jogo pretende ser uma contribuição na
formação de profissionais inseridos em uma sociedade multicultural.
Pretende ser também um exercício simulado em torno das singularidades
culturais que serão apreendidas e consideradas a partir das escolhas e
argumentos utilizados pelos alunos, considerando que ele está ancorado
em uma realidade concreta, sensível e simbólica, ainda que fictícia.
Finalmente, o jogo objetiva, dialeticamente, contribuir para o
alargamento do conhecimento cultural do aluno e do professor bem como

704
FONAPER

para a problematização da hierarquização das culturas, levando-os a um


processo de desenraizamento de certezas que possibilita a abertura para a
convivência com o outro.
Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e ser
são pilares da educação, porém, num sentido mais amplo devem ser
considerados pilares de uma sociedade multicultural, em que a busca pelo
equilíbrio das culturas seja uma constante.

Considerações Finais
Diante das considerações sobre os pilares da educação, propostos
por Delors, e diante da proposta do ETNOJOGO, ressalta-se que, no
ambiente educativo, que sempre enfrenta constantes transformações,
devem ser estimuladas as potencialidades individuais, privilegiando as
reformas educativas quer seja na elaboração de programas quer seja na
definição de novas políticas pedagógicas capazes de gerir conflitos que se
contraponham aos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
Em síntese, não se devem circunscrever períodos particulares da vida para
buscar uma solução abrangente.
Em uma sociedade em constante transformação, a missão que cabe
à educação deve ser permanente e dirigida às múltiplas formas que
revestem os processos dinâmicos de que se compõe a vida humana.
Trata-se de um continuum educativo, coextensivo à vida, em todas as suas
dimensões. Enfim, como a sociedade ocidental vai de um
unilateralismo a outro, todas essas orientações tentam reabilitar as
dimensões menos valorizadas do ser humano.
Quando se compreende o distanciamento em relação aos desafios
impostos pela sociedade multicultural, buscam-se novas teorias ou
revisitam-se outras, a fim de que se jogue luz sobre o fazer educativo. O
importante é ter em mente que os conhecimentos teóricos e científicos
devem fundamentar a ação pedagógica, seja para inovação seja para
manutenção do que vem dando bons resultados.
O importante é a conscientização e assunção de que nem sempre o
professor sabe o que fazer nem a que método recorrer a fim de que suas
ações contribuam para formar um cidadão que aprenda a conhecer, a
fazer, a conviver e a ser. Empoderado desses saberes, esse cidadão

705
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sente-se livre para proclamar sua crença, seus valores, suas experiências,
seus saberes e, de igual forma, o outro para quem ele proclama esse eu,
sente-se livre para proclamar-se a si mesmo; ambos reconhecem que o
eu e o outro são mediados por determinações culturais, nem sempre claras
e precisas, nem por isso marcos estanques e imunes às trocas e
negociações.
Essa possibilidade de trocas e negociações interpessoais entre
indivíduos culturalmente determinados sinaliza para uma dialética
permanente, que se desenrola no círculo das culturas (FREIRE, 1998, p.
27). A percepção dessa dialética possibilita incorporá-la em um recurso
didático que sirva como instrumento de negociação de significados
culturais, tanto para professores quanto para alunos. A partir do potencial
cognitivo e social perceptível nos pilares da educação, podem-se formar
cidadãos com atitudes proativas, os quais podem ser levados, crítica e
dialeticamente, a rever pré-concepções etnocêntricas. O método lúdico
possibilita-os a conhecer, (re)interpretar, (re)construir e conviver, na
realidade plural, com a sua própria cultura e com a cultura do outro.

Referências

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Religioso. 26º. Congresso da SOTER. Belo Horizonte, MG: PUC MINAS,
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BUBER, Martin. Eu e tu. Tradução por Newton Aquiles Von Zurben. São
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MEC/UNESCO, 1998.

FLEURI, Reginaldo M. Educação intercultural no Brasil: a perspectiva


epistemológica da complexidade. In: Revista Brasileira de Estudos
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FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.


5ª. edição. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1995.

______ Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


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706
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São Paulo, SP: Editora Ave Maria, 2006, 8ª. Edição.

GOERGEN, Pedro. Pós-modernidade ética e educação. Campinas, SP:


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LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de


Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editores, 2009.

LIBANIO, João Batista. A arte de formar-se. São Paulo, SP: Edições


Loyola, 2002, 4ª. Edição.

MENESES, Paulo. Etnocentrismo e relativismo cultural algumas


reflexões. V. 27, nº. 88 págs. 245-254. Sínteses: Belo Horizonte, MG,
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PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta.


São Paulo, SP: Paulinas, 2007.

PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários


para a educação. São Paulo, SP: Cortez, 2004.

SACRISTÁN, J. Gimeno; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e


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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, 4ª. Edição.

URIARTE, Urpi M. Euro, etno e outros centrismos. In: Revista de


História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, ano 8, nº. 87, pág. 76-79,
dez/2012.

707
GT7: A RELIGIÃO E O ETHOS CONTEMPORÂNEO
NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO E DO ENSINO RELIGIOSO
NO BRASIL

Coordenação:
Dr. José Luiz Izidoro (CES-JF)

Ementa: O século XXI se caracteriza pela complexidade e pela composição


justaposta de paradigmas que norteiam e buscam compreender as diferentes
facetas da realidade. Estabelecem-se de maneira provisória os valores
fragmentados e instáveis nas sociedades contemporâneas, mas é,
inevitavelmente, o mundo que se apresenta e que o interpretamos. Também a
religião continua a existir e coexistir de maneira fragmentada e interativa em suas
experiências e livre das forças reguladoras e até mesmo institucionais de controle.
No âmbito da autonomia e da liberdade de escolhas e opções, as sociedades
contemporâneas tecem, no emaranhado dos tecidos socioculturais e religiosos,
sua teia como estratégia de espaços alternativos de sentido e de equilíbrio entre a
humanidade, a natureza e o cosmo, possibilitando a vivência das experiências
sagradas no âmbito pessoal e na articulação coletiva das subjetividades. O
fenômeno religioso estende-se pelos vários e diferentes tecidos socioculturais e
geo-humanos, produzindo sentidos, construindo sistemas simbólicos, forjando
ethos e possibilitando difusas discussões. É a partir da pluralidade religiosa, da
vivência das diferentes religiosidades e da diversidade de sua interpretação e
abordagens teórico-metodológicas na história, que somos instigados a uma
discussão interdisciplinar. A abordagem interdisciplinar possibilita os olhares
múltiplos para os temas e processos ligados à constituição da modernidade/pós-
modernidade e o ethos moderno, assim como o papel e o lugar da religião em
todo esse processo. Desse modo, a abordagem interdisciplinar torna-se um
método indispensável para o estudo e a pesquisa das religiões no âmbito da
educação e do ensino religioso no Brasil, objetivando o esclarecimento sobre a
liberdade de opções no âmbito das crenças religiosas e de seu campo
hermenêutico, assim como promovendo o exercício dos quadros de direitos e de
cidadania na construção da democracia. Este GT pretende contribuir com o
debate, promovendo o interesse pelo tema na academia e na sociedade.

Palavras-chave: Ethos contemporâneo; Religião; Educação.


ORA PRO NOBIS: MEMÓRIA E RELIGIOSIDADE DOS
CANTADORES DE LADAINHA EM MOCAJUBA PARÁ 1

Guilherme Luís Mendes Martins2

Resumo:
Este artigo pretende refletir a cerca da importância dos rezadores/cantadores de ladainha,
suas memórias, religiosidade, saberes, oralidade e identidade. Partindo do pressuposto que
os rezadores estão inseridos na vertente religiosa de catolicismo popular, procura-se
investigar através de uma pesquisa de campo e bibliográfica como se dá a organização do
grupo e o repasse de saberes no intuito de manutenção de sua tradição. Observam-se a
ausência de registros sobre tal grupo. Com isto deseja-se enfatizar a sua repercussão na
religiosidade no Município de Mocajuba, uma vez que os rezadores/cantadores são
contratados para fins de culto aos santos e por alma de parentes falecidos daqueles que
contratam a ladainha. Baseando-se nos estudos de Marcel Mauss que escreveu sobre a
prece, dentre outros autores, pretende-se contribuir com os estudos de Ciências da Religião
no contexto amazônico.

Palavras-chave: Catolicismo Popular, Ladainha, Contexto Amazônico.

Introdução
Este artigo tem o objetivo de discutir o catolicismo popular mais
especificamente as memórias dos grupos de ladainhas em Mocajuba-Pará.
Para compreender como se apresenta o Grupo de Ladainha será
necessário percorrer alguns elementos como: saberes, oralidade,
religiosidade, tradição, identidade, e como politicamente estes homens e
mulheres se constituem como parte de uma sociedade, uma vez que há
poucos registros sobre a ladainha no Brasil. Este estudo recorrerá a
autores como Halbawachs os quais trabalham com memória, bem como a
Marcel Maus que estudou sobre a Prece. E ainda autores que estudaram o
catolicismo popular: Pierre Sanchis, Heraldo Maués e Benedita Celeste.
Alguma literatura da Igreja Católica será utilizada para realizar um diálogo
entre o catolicismo oficial e o catolicismo popular. A fala de alguns

1
Artigo apresentado à disciplina de Introdução aos Estudos da Religião do curso de
Mestrado em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará sob orientação
do Prof. Dr. Saulo Baptista e do Prof. Dr. Manoel Moraes.
2
Mestrando do curso de Ciências de Religião da Universidade do Estado do Pará,
participa do Grupo de Pesquisa GERMA. E-mail: guigomendes@yahoo.com.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

cantadores/rezadores será pautada na entrevista realizada com Sr. Luís


Rocha, líder do grupo mais expressivo da cidade.

Catolicismo popular
O catolicismo popular como expressão religiosa é visualizado em
vários países do mundo. No contexto Europeu, especificamente em
Portugal este fenômeno é observado, uma vez que o catolicismo da Igreja
Oficial não se apresenta como uma única vertente. Neste sentido,
elementos oriundos das expressões populares estão presentes de modo
que desde a oficialização do cristianismo em Roma a Igreja também
incorpora elementos dos contextos socioculturais de outras confissões que
se sincretizaram neste processo histórico.
A literatura trovadoresca portuguesa apresenta tais narrativas
especialmente nas obras de Gil Vicente, pois ilustra um contexto religioso
ao apresentar um enredo da escatologia bíblica: julgamento final, paraíso,
purgatório e inferno. Entretanto muitos desses elementos são
ressignificados ao conter sátiras ao momento histórico vivido, personagens
com seus conflitos amorosos, suas orfandades afetivas, suas
necessidades econômicas. Simultaneamente à estas questões as
comemorações, festas, oralidade e tradições profanas convivem com
narrativas litúrgicas.
No Brasil, há inúmeras tradições que se apresentam como populares
e que se misturam com as tradições religiosas oficializadas. Para se
observar com profundidade estes fatos pode-se destacar: a organização
das manifestações religiosas é geralmente liderada por leigos; há uma
relação de controle, aceitação, ressignificação por parte de eclesiásticos
quando se relacionam com estes sujeitos. Estes por sua vez aceitam as
redes de relações com a Igreja Oficial ou decidem se organizar de modo
autônomo.
Cavalgadas, romarias, ladainhas, veneração a santos populares,
dentre outas expressões são exemplos claros no Brasil de como se dá
este processo de negação, negociação e controle entre leigos e
sacerdotes. O documento de Aparecida (2007, p. 29) ressalta sobre a
religiosidade popular quando diz:

712
FONAPER

Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel


tão nobre e orientador que a religiosidade popular desempenha
especialmente a devoção mariana, que contribui para nos tornar mais
conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus e de nossa
comum dignidade perante seus olhos, não obstante as diferenças
sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo.

Aqui se observa de como a Igreja vem repensando um diálogo maior


com a religiosidade popular. No documento de Aparecida, o qual contou
com a presença do Papa de então, Bento XVI, percebe-se uma
preocupação de reconhecer estas expressões de fé. O documento redigido
por bispos da América Latina, contou com a contribuição do Papa atual,
Francisco, em sua redação final, que na época era Arcebispo de Buenos
Aires. Daí se entende que este documento ainda ressoa nas organizações
paroquiais dentre outras esferas da instituição devendo traçar diretrizes de
diálogos entre o clero e as manifestações religiosas de cunho popular.
O catecismo da Igreja Católica (2000, p. 459) também ressalta:

Há necessidade de um discernimento pastoral para sustentar e apoiar


a religiosidade popular e, se foro caso, para purificar e retificar o
sentido religioso que embasa essas devoções e para fazê-las
progredir no conhecimento do mistério de Cristo. Sua prática está
sujeita ao cuidado e julgamento dos bispos e às normas gerais da
Igreja.

Numa esfera maior de orientação dentro da Igreja, o catecismo


redigido no período do pontificado do Papa João Paulo II apresenta vários
textos sobre religiosidade popular, no excerto acima, observa-se a
preocupação de um acompanhamento canônico no intuito de aproveitar o
que é sagrado e purificar o que é profano. Algo não muito simples. Uma
vez que as manifestações populares são uma simbiose de elementos
artísticos, profanos, religiosos, da cultura de um modo geral.
Na Amazônia, quando observamos uma festa religiosa, a
organização de um arraial, os círios e as ladainhas a presença de leigos é
maciça. Suas histórias e formas de religiosidade se entrelaçam, são os
grandes protagonistas. Características peculiares de um cristianismo que
se insere em um ambiente múltiplo. Saberes dos amazônidas que
ressignificam a forma de celebrar, espiritualidade e vida estão sempre
presentes. Cosmologias, formas de adoração e veneração tem um caráter
de comunitas, a regra social cotidiana suspensa e um novo clima de
relações se configuram.

713
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Pode-se dizer que o catolicismo popular no Brasil também recebe


elementos dos povos que aqui se estabeleceram, os índios possuem
saberes que a religião europeia também recebe influências, quando
observamos, por exemplo, as benzedeiras utilizando ervas pode-se dizer
aí há uma junção de pajelança e catolicismo que equaciona em uma
mística particular na região amazônica. Também podemos dizer que os
negros também contribuem com este catolicismo, uma vez que as formas
de narrativas, os cantos as performances do arraial são oriundos de um
catolicismo popular negro.
Assim como ressalta Mello Souza (2002, p. 132):

Contribuindo ainda mais para a alteração de tradições católicas e


sensibilidades estéticas europeias, os mocambeiros acompanhavam
sempre suas rezas e festas religiosas com danças realizadas em uma
construção ao lado da igreja – presente em todos os mocambos que a
pesquisadora francesa conheceu na região. Essa combinação de ritos
religiosos e danças ditas profanas é o padrão da maioria das festas
religiosas populares brasileiras, formadas a partir da colonização
portuguesa do território, onde os colonos encontraram indígenas e
para onde trouxeram africanos. Nesse encontro de povos, culturas,
religiões, formas de lidar com as coisas deste e do outro mundo, uma
variedade enorme de combinações ocorreram. As festas em torno de
reis negros, entre as quais estão as realizadas no Pacoval, são fruto
dessas combinações, presentes também na confecção de objetos
mágico-religiosos, como as imagens de santos que Coudreau achou
um sacrilégio serem assim chamadas.

Não se pode pensar num catolicismo popular no Brasil, sem a


presença da cultura negra e índia. O Arraial com os banguês, o mastro, as
comidas típicas. Esta é a particularidade principal desta religiosidade neste
país. Contrariando Gilberto Freire, que expressou uma harmonia entre as
raças, este arraial muitas vezes não é construído de modo ―harmônico‖,
mas há negociações para o seu estabelecimento, muitas vezes o
oficialismo português nega a festa negra, bem como em outros momentos
cede para evitar tensões maiores.

Manifestações do catolicismo popular em Mocajuba


Fazer memória do grupo de ladainha é antes de tudo identificar o
município de Mocajuba como um grande cenário do catolicismo popular.
Uma vez que neste município a presença de tiradores de reis, a festividade
de Nossa Senhora da Conceição, o antigo Auto das Pastorinhas, a prática

714
FONAPER

das benzedeiras são grandes modelos de religiosidade popular. Nestas


manifestações ocorreu/ocorre a presença de elementos que transcendem
o controle eclesiástico. Neste sentido, é necessário pontuar que os leigos
conseguem trazer para sua responsabilidade as formas de ritualização do
sagrado com elementos que a princípio podem parecer estranhos a
tradição oficial católica.
No caso dos tiradores de reis, ocorre um sistema de dádivas, pois ao
cantar as toadas estes cantadores são recompensados por parte daqueles
que recebem a visita dos mesmos através de dinheiro, ou alimentos. A
presença de bebidas, a alegria é presente. Estas visitas acontecem
geralmente no período do mês de janeiro, mês em que a Igreja Católica
rememora a visita dos reis magos ao menino Jesus. Hoje estes grupos já
não se apresentam no espaço urbano do município, todavia foram
presentes durante muitos anos na cidade e no interior.
A festividade de Nossa Senhora da Conceição se apresenta como
um grande exemplo desta religiosidade popular, uma vez que a presença
de fogos, as barracas de vendas, o parque de diversões, a presença de
bandas locais dão este tom para além do culto das missas durante o
novenário que acontece nos meses de novembro a dezembro.
As pastorinhas já não acontecem mais, entretanto marcaram a vida
de muitas jovens que desenvolviam um desempenho que lembra o campo,
entretanto sua dança é oferecida ao menino Jesus com oferenda de flores.
As benzedeiras são mulheres que transitam na fé católica quando
são catequistas e quando fazem as orações de cura de quebranto, mau
olhado, agregando saberes de pajelança amazônica como reforça Maués.
Acredita-se que a contribuição destes grupos é fundamental para
estabelecer uma identidade, rememorar tradições bem como enfatizar o
caráter laical de sua organização. Quebram-se também hierarquias, isto
significa dizer que se rompe uma religiosidade pautada em saberes
etnocêntricos. Pois ribeirinhos, agricultores, donas de casa, pescadores
são neste momento os grandes agentes de elaboração do sagrado.
É importante ressaltar que não se deseja minimizar ou maximizar o
conceito de catolicismo como bem frisou Sanchis ( 1883, p. 57):

Gostaria de não ser mal entendido. Longe de mim a ideia de opor uma
forma de cristianismo ―puro‖, vivido na velha Europa,
emblematicamente em Portugal, a um catolicismo brasileiro
―sincrético‖, fruto do transplante colonial... Bem sabemos hoje o

715
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

quanto as formas de cristianismo permaneceram mescladas, durante


séculos (...)

As contribuições da Antropologia da Religião reforça que não há


uma religião ausente do processo histórico. De fato, tanto as grandes
religiões como as que estão surgindo atualmente.

Grupos de ladainha em Mocajuba


Em Mocajuba a ladainha se dá através de uma organização variada.
Na família de Dona Coló, a reza é oferecida a São Benedito, santo de
devoção eleito pelos familiares e pelos vizinhos do bairro. Quantas
histórias, quantos encontros, quantos saberes que se coadunaram durante
estes anos de celebração de um santo que tem raízes profundas de
africanidade. Sendo ícone de identificação do povo, sua intercessão é
presenciada quando o povo se lança na oração ao santo cozinheiro como
meio de pedir soluções. Tal qual sua história narra mediante a feitura de
milagres. A reza instituída por Dona Coló aprendida junto a seus familiares,
agora é aprendida por filhos, netos, bisnetos em torno de Bené, apelido
carinhoso de intimidade para com o santo, e que segundo consta já
realizou milagres e intervenções curiosas. O dia de ladainha é dia de
reunião, festa e comida, dia em que os fiéis bebem da fonte do santo
popular.
Outras ladainhas são rezadas no interior, na ilha e no centro Uxizal,
São Benedito, Cantazal são espaços de ladainhas; as quais se
disseminam para a cidade, pois os antigos moradores destes locais, pela
necessidade de serviços como educação e saúde, mudam sua moradia,
entretanto trazem consigo sua identidade religiosa.
Neste momento é fundamental destacar que as irmandades de
santo, quer sejam de colonos portugueses ou de negros, tiveram um papel
fundamental para garantir a manutenção desta tradição. As irmandades
eram organizadas por famílias que se reuniam em torno de um santo e lhe
prestavam o culto da ladainha. Com o crescimento populacional a
construção de uma capela foi entendida como mais uma oferenda ao santo
e como espaço de acolhida dos fiéis. Além da novena a um santo também
a assistência a membros falecidos era um dos compromissos das
irmandades. Neste sentido ressalta Vainfas (1999, p. 12) assim como

716
FONAPER

ocorre hoje com os rezadores de ladainha que rezam pelas almas de


parentes falecidos dos contratantes.

(...) Quando falecia algum membro de alguma irmandade religiosa, era


comum que esta se disponibilizasse a realizar os desejos e pedidos do
morto para a preparação do ritual. A herança somente era liberada
após o cumprimento das disposições testamentárias (...)

As irmandades possuíam um caráter filantrópico. Os grupos de


Ladainha não deixam de manter este costume. A cada oração por um ente
falecido esta preocupação com a homenagem póstuma é visualizada no
canto da Ladainha.
Com o surgimento das comunidades cristãs, as irmandades passam
por um processo de sistematização dos saberes e apropriação da Igreja
Oficial gerenciando de modo mais próximo. Neste sentido as ladainhas
também são rezadas agora em língua portuguesa e com a presença de
sistema de sons instalados nas comunidades. Podem ser inclusive rezadas
nas missas em louvor a Maria, figura bíblica venerada na liturgia católica.
Além do culto particular.
Mantém-se, por outros grupos um processo permanência quanto ao
modelo antigo de ladainha. Neste caso, os leigos mesmo participando das
comunidades cristãs, sem cargos oficiais de coordenação em
comunidades e pastorais elegem a ladainha como principal atividade
religiosa. O processo em que um santo passa de um culto familiar para um
culto público é analisado por Maués ( 2005, p. 269):

Além do culto particular aos santos, que ser faz nas residências, existe
o culto público, que muitas vezes começa (...) a partir do culto a
santos de dono, que aos poucos vão ganhando dimensão pública, a
ponto de se tornarem padroeiros de uma determinada localidade, vila
ou cidade ou até regiões inteiras.

Na Amazônia é muito comum o processo de adesão do culto aos


santos católicos. E este processo se dá de forma que de uma família que
realiza as orações, pode futuramente contar com a adesão de toda uma
vila, cidade, ou até Estado.
O canto é articulado em língua latina, mesmo depois da
recomendação do Concílio do Vaticano II de que a língua vernácula de
cada país deveria ser empregada nas liturgias católicas. Percebe-se assim
uma elaboração particular do rito, de modo que os cantadores não tiveram

717
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

orientação para continuar cantando em latim, mas o fazem de maneira que


a língua passa a ter uma conotação espiritual e mágica, aqui magia não se
aplica de modo pejorativo, mas como elemento presente em todas as
religiões. Neste sentido, a Igreja recentemente no pontificado de Bento XVI
reconheceu a língua de sua origem recomendando a seus fiéis que
voltassem a utilizá-la se a comunidade quisesse ter missas em latim sob
orientação dos bispos locais de modo a estabelecer uma memória de
tradição com seu passado. A ladainha, portanto é algo presente até nas
indulgências atuais, pois se sabe que a presença da indulgência ainda
permanece na espiritualidade católica, agora como meio de reparar os
pecados após confessá-los assim destaca Aquino( 2007, p.75):

Com indulgências parcial são enriquecidas as ladainhas aprovadas


pela autoridade competente. Sobressai-se entre elas as seguintes: do
santíssimo nome de Jesus, do Sagrado Coração de Jesus, do
preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Santíssima
Virgem Maria, de São José e de todos os santos.

A igreja encontrou nas ladainhas uma prática desenvolvida por vários


cristãos, assim agregou ao cânone das indulgências. As orações
indulgenciadas são como que orações especiais, quando rezadas
garantem reparação das faltas cometidas. Para lucrar estas indulgências
deve-se rezá-las em estado de graça.
No grupo de ladainha o canto em língua latina não se dá tal como
acontece no canto gregoriano dos mosteiros. Também não existe a
preocupação de seguir um cânone escrito tal como fazem os cientistas ao
nomear uma planta e os eclesiásticos do vaticano ao publicar uma
encíclica papal. Nestes espaços se mantém um latim de modo que sua
pronúncia se assemelhe a única língua oficial cantada e escrita por vários
séculos de história da Igreja. No caso dos grupos, não se pode dizer que é
um latim inferior. A variação da fala acontece, pois não se tem aqui a
preocupação elaborar uma pronúncia padronizada. A fé, a reunião, o
mana, são elementos mais importantes que carregam um misticismo
dentro da liturgia da ladainha. Outro ponto é que geralmente o canto não
conta com um roteiro escrito, mas com uma dinâmica própria mantida
pelos puxadores aquele que lideram e iniciam as invocações.

718
FONAPER

No grupo composto pelos senhores Luís Rocha3 estabelece-se um


contrato com as famílias que convidam o grupo para rezar, a reza pode ser
para um santo, esta forma de devoção é muito comum na região assim
como encontramos em Cametá, como escreve Sousa (2012, p.31):

Assim, percebe-se essa troca entre o fiel promesseiro e o santo de


devoção, a quem cabe à obrigação de atender o devoto com o pedido
solicitado, o que é retribuído com o cumprimento da tarefa, ou seja, do
prometido, colocado como forma de ―pagamento‖ pela graça
alcançada. Essa prática de economia de troca de favores, entre
humano e a divindade, tonou-se um dos momentos mais esperados
pelos fiéis que participam da festividade de Santo, onde, a alternativa
da busca de uma graça através dos Santos se tornou a única, pois
muitos que procuram, principalmente, cura para doenças, são pessoas
que, geralmente, já vieram de outros tratamentos, como medicina
comum e não tiveram resultados esperados.

As famílias contratam a ladainha e preparam o ambiente, geralmente


a sala da casa, a capela da casa. Assim como nos ambientes das
congregações religiosas a capela é local mais importante e mais rico. Do
mesmo modo ao receber os rezadores, a organização exige uma
preparação especial. Convidam-se parentes, um bom lanche é preparado.
É um sistema de dádivas o qual não pode ser quebrado.
Neste aspecto seu Luís Rocha diz:

Reza-se para santo e para o defunto. Quando se reza para santo,


começa com o Dominus Inviatorium. Oferece para o santo e começa a
ladainha. Sendo que as mulheres só vão começar a responder depois
da invocação Deus filho redentor do mundo, em seguida tende
piedade de nós. Quando se reza por alma começam o baixo firme e o
tenor dizendo Kyrie Eleison e depois reza-se o que falta. Pode
acontecer de se fazer a ladainha durante nove noites para uma
festividade de um santo. Neste caso, se inicia com o Pai Nosso, Ave
Maria, Oferece para o santo e reza a ladainha.

Aqui um dos líderes da ladainha, expressa a diferença da reza da


Ladainha para santos e para defuntos, no caso da reza para um parente
falecido. A emoção é muito presente por parte dos familiares. No entanto é
o encontro dos amigos, a comida é farta. Onde a dor foi grande a amizade
dos familiares, vizinhos, amigos é bem maior. Nesta ladainha, além da
ladainha em latim, há orações em português e cantos, doutrinas cantadas
que revelam a condição da alma sufragada naquele momento.

3
Luís Rocha, ex-trabalhador rural aposentado, líder do grupo de Ladainha em Mocajuba.
719
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Ocorre também a reza da ladainha a pedido do contratante por


alma de algum parente falecido. Este grupo já teve oportunidade de gravar
um DVD, demonstrando o rito em uma família de um dos componentes do
grupo. O grupo é composto por homens e mulheres. Na louvação homens
começam e as mulheres continuam após a invocação Deus filho redentor
do mundo.
Outro grupo que é formado por Dona Antônia e suas filhas, estas
puxam e respondem e garantem o ramo feminino da ladainha. Iniciada na
localidade de Cantazal e trazida para a cidade por este matrona da família.
Hoje, com as retinas cansadas, já não realiza as rezas, entretanto é uma
das pioneiras na parte urbana do município.
Aqui convém ressaltar o elemento da prece conforme destacou
Mauss apud Menezes (2003, p.121) a prece é o ponto de convergência de
um grande número de fenômenos religiosos. Mais do que qualquer outro
sistema de fatos, ela participa da natureza dos ritos e da natureza da
crença.

Breves aspectos da memória do Grupo de ladainhha do seu Luís


Rocha
Dentre os grupos citados acima o grupo de seu Luís Rocha será o
recorte para estudo deste Artigo uma vez que é o grupo mais expressivo e
mais atuante e por estar em um contexto urbano possui desafios próprios
de grupos religiosos que insistem em continuar levando suas rezas
adiante. Numa entrevista realizada com seu Luís no dia... Para
Halbawachs segundo Hervieu-Lerger & Willaime ( 2009, p.220) ―(...) a
memória individual não é construída fora da memória de um grupo. As
condições sociais e culturais do presente comandam a mobilização-tanto
individual como coletiva- da lembrança‖.
Pinto (2007, p. 135) também reforça a questão da memória como
algo fundamental para valorizar as tradições uma vez que:

É possível se observar que, em várias regiões brasileiras está


ocorrendo a desestruturação de festas populares ou rituais sagrados e
profanos. Diversas tradições, como festas de santos padroeiros de
povoados negros, não estão conseguindo resistir às transformações
provenientes do tempo, da modernidade, que nas suas várias fases
terminam invadindo as organizações dos caboclos da Amazônia, ou
seu cotidiano, descaracterizando até mesmo os rituais mais sublimes
de suas festas.

720
FONAPER

Segundo Neves ( 1999, p. 1061):

Em decorrência o ato de relembrar insere-se dentre as possibilidades


múltiplas de elaboração das representações e de reafirmação das
identidades construídas na dinâmica da história. Portanto, a memória
passa a se constituir como fundamento da identidade, referindo-se aos
comportamentos e mentalidades coletivas (...)

Observando as origens humildes e vivência dos homens e mulheres


que compõem o grupo de Ladainha podemos dizer como Neto
contrapondo Beozzo ( 2002, p.29):

Oscar Beozzo, por exemplo, defende a substituição da expressão


―religiosidade popular‖ por ―práticas religiosas das classes populares‖,
da qual, salvo melhor juízo, julgamos lícito discordar, pois o autor
insiste em tê-la como exclusivo ―patrimônio de classes sociais
exploradas e oprimidas‖, (...) desconsiderando que as manifestações
de religiosidade popular independem de classe social.

Pois a apropriação dos saberes religiosos transita entre as classes


sociais. Uma vez que no caso da Ladainha, as famílias do centro da
cidade, também solicitam os rezadores da periferia para o centro da
cidade. Segundo Luís Rocha um dos dirigentes da ladainha, sua habilidade
começou com:

13 anos tirei pela primeira vez ainda com a voz trocando. Eu


acompanhava meus pais e avós no Cantazal, local onde eu nasci. Eu
acompanhava o grupo do seu Raimundo Mucura, certo dia me
comprometi em iniciar a reza na próxima vez que tivesse. Retornei
para casa pensando pelo caminho preocupado com o compromisso.
Mas cumpri o combinado. No dia da reza percebi que estavam me
zombando e passei um bom tempo sem rezar. Mas com o tempo
retornei ao oficio e não parei mais. Eu faço o baixo rasteiro e o baixo
firme. O baixo rasteiro é um tom abaixo do baixo firme ( este último é
quem primeiro puxa a ladainha).

Na organização musical do grupo cada cantor/rezador possui uma


tonalidade de voz com uma função específica. Segundo seu Luís, para a
harmonia do canto ser perfeita é necessário a presença de todos os
cantadores como ele descreve:

Os rezadores devem ficar na frente. Fica primeiro o contralto (Manoel


Costeira), depois o baixo rasteiro (Juscelino), depois o baixo firme
(Luís Rocha) é o que tira a reza, e por fim o Tenor (Evandro Queiroz).
Se falta algum dos membros sai descontrolada. Tem também o
Macico e o Armando (baixo firme). Às vezes faltam alguns

721
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

componentes. Tem vez que eu coloco um destes no meio das


pessoas (mulheres, jovens e crianças) para sustentar o canto.

Aqui aparece a organização da apresentação dos cantadores, para


que o canto possa ter uma harmonia. Assim os cantadores tem se
apresentado e mantido sua identidade de homens e mulheres que prestam
um serviço onde a falta de padres é frequente, pois os mesmos devem
atender muitas comunidades cristãs, tanto na cidade quanto na vila. Assim
a comunidade se reúne até mesmo com a presença de lideranças leigas
que depois de participar da missa das seis horas da manhã, completam as
horas com a ladainha à noite na casa de alguma família.
Segundo seu Luís não tem nome, não tem um roteiro escrito.
Entretanto, o roteiro já está memorizado, e não deixa de ser dinâmico, a
cada apresentação, acontece de modo diferente, como num mantra em
que dependendo do ambiente e de quem utiliza se dá um sentido de vida.
Assim são cantadores, rezadores e fiéis que no dinamismo da sua
expressão religiosa deixam na memória do povo uma vivência religiosa
marcada pela simplicidade e profundidade.

Considerações finais
As tradições religiosas existentes na região da Amazônia
Tocantina, mais especificamente na cidade de Mocajuba, despertam uma
consciência de que a religião é algo presente na trajetória da existência
humana. Todas as sociedades apresentam alguma forma de culto. Sabe-
se que as expressões de fé se apresentam de modo dinâmico fruto de um
tempo e um espaço específico.
Os rezadores/cantadores de ladainha pertencem a um grupo que
interage com uma comunidade organizada possuem influências de um
aspecto erudito uma vez que as ladainhas são rezadas em um catolicismo
oficial, no entanto, se ressignifica no espaço popular. Para identificar este
fenômeno, a memória do grupo é de fundamental importância, assim a
técnica da entrevista junto aos agentes envolvidos permite estudar de que
modo estes sujeitos se veem e observam o mundo ao redor.
Na apresentação na casa de Dona Rosa pode-se constatar que
mesmo numa família mais tradicional da cidade, o respeito pela devoção
também se dá num mesmo nível de quando é rezada em uma família
ribeirinha. Na área urbana os recursos, são maiores. O uso de som,

722
FONAPER

lanches mais sofisticados. No entanto, a reunião, a descontração, é


semelhante, constituindo a rede de relações típico da religiosidade
popular.

Referências

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Lorena: Cléofas, 2007.

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CNBB. Documento de Aparecida. Paulus/Paulinas. São Paulo, 2007.

HERVIEU-LERGER, Danièle. Sociologia e Religião: abordagens


clássicas./ Danièle Hervieu- Lèger, Jean Paul Villaime; [tradução Ivo
Storniolo].- Aparecida, SP: Idéias e Letras,2009. (Coleção Sujeitos e
Sociedade/coordenada por Brenda Carranza)

MAUÉS, Raimundo Heraldo. Um aspecto cultural do caboclo


amazônico: a religião. Estudos Avanaçados, Belém, 19 (53),2005. p. 259-
274.

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In: Sociologia da Religião. TEXEIRA, Faustino(org). Petrópolis. Editora
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religiosidade Popular. Revista de Ciências Humanas, da Universidade de
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Identidade. In: Simpósio Nacional da Associação Nacional de História.
(20:1999:Florianópolis) História: Fronteiras/ Associação Nacional de
História. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/USP: ANPUH, 1999.

PINTO, Benedita Celeste de Moraes. Memória, oralidade, danças,


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2007.

SANCHIS, Pierre. Arraial, a Festa de um Povo. As romarias Portuguesas.


(2ªd.) Lisboa, Publicações D. Quixote. 1983

723
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

SOUSA, Arodinei Gaia de. Irmandade Leiga na Amazônia. Os irmãos


devotos de São Sebastião de Belos Prazeres. NTC Produtora e Editora.
Cametá, 2012.

SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo Negro no Brasil: Santos e


Minkisi, uma reflexão sobre miscigenação cultural. Afro-Ásia, 28.
Senegal, 2002,pp. 125-146.

VAINFAS, Ronaldo. História do Brasil. Barsa Planeta. São Paulo, 2009.

724
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
E LAICIDADE DO ESTADO

Myriam Aldana1

Leonel Piovezana2

Resumo:
A hegemonia jurídica do terreno da sexualidade e da reprodução sempre foi disputada
pelas religiões e pelo poder político. No Ocidente, com a constituição dos Estados laicos
(século XVIII e XIX), deu-se a separação entre Estado e Igreja, sendo esta consignada em
suas Cartas Magnas. Mas a disputa em torno das normas que regem o exercício da
sexualidade e da reprodução continuou ao longo dos séculos XIX, XX e início do XXI,
constituindo-se ainda em tema de grande atualidade. Neste artigo abordamos a
interferência da Igreja Católica no Congresso Nacional na disputa de projetos de Lei sobre
Reprodução e Sexualidade na década de 90. Nele caracterizaremos três atores ligados à
Igreja Católica: o Grupo Paralamentar Católico, o Setor Família da CNBB e o Movimento
Pró-Vida, destacando sua organização e suas estratégias nesta disputa cuja arena foi o
Congresso Nacional.

Palavras-chave: Laicidade do Estado – Direitos sexuais e direitos reprodutivos – Igreja


Católica – Congresso Nacional

Introdução
A laicidade do Estado brasileiro é um tema próprio do início da
República (fim do século XIX) e que foi consignada na primeira
Constituição da nascente República dos Estados Unidos do Brasil (1891).
Mas a separação legal entre Igreja e Estado não estabeleceu os
mecanismos que a regem e, muito menos, garante a isenção do Estado da
influência das religiões, pois é próprio das instituições lutarem por sua
perpetuação. Isso não admite exceção ao tratar-se de instituições

1
Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC.
Professora do Mestrado de Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECO. Coordena o Grupo de estudos e
pesquisas de gênero- Fogueira. Membro do Conselho Consultivo de Católicas pelo
Direito de Decidir do Brasil. E-mail: aldana@unochapeco.edu.br
2
Doutor em Desenvolvimento Regional. Professor do Mestrado em Políticas Sociais e
Dinâmicas Regionais e de Educação da Unochapecó. Coordenador Geral das
Licenciaturais Intercultural Indígena e do curso de Ciências da Religião da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó (SC). E-mail: leonel@unochapeco.edu.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religiosas, mesmo porque estas, com certa facilidade, se consideram de


caráter divino, de origem transcendente e de duração eterna.
Esta problemática se complexifica ainda mais quando se trata de
temas como: reprodução humana e sexualidade, terrenos nos quais as
igrejas tiveram o domínio dos princípios e das normas que os regem ao
longo de muitos séculos. Partindo do princípio de fé de que Deus é a
origem da vida e que as religiões são as guardiãs dos desígnios divinos, as
instituições religiosas dominantes em cada nação conseguiram impor suas
convicções religiosas em forma de princípios e leis que regulavam o uso
da sexualidade e da reprodução humana.
Com o advento dos Estados laicos (séc. XIX), as instituições
religiosas encontraram diversas formas de continuar influenciando os
poderes do Estado para perpetuar sua influência decisiva em questão de
direitos sexuais e reprodutivos. Este estudo3 busca mostrar então, a
interferência da Igreja Católica - IC no Congresso Brasileiro no debate das
questões sobre Reprodução e Sexualidade na década de 90. Para tanto,
discorremos a respeito de dois mecanismos utilizados, então, por esta
instituição: a atuação do Grupo Parlamentar Católico – GPC e o Setor
Família da CNBB .
Este texto apresenta um recorte histórico, relativo à complexidade da
atuação do elemento religioso na arena da sociedade civil e sua
interlocução com o Estado. Por isso, ater-nos-emos aos atores da Igreja
Católica atuando sobre o Congresso Nacional na década de 90 para
interferir nas ações parlamentares que visavam outorgar mais direitos
sexuais e reprodutivos a brasileiros/as: uma delas, tratava-se da Proposta
de Emenda Constitucional PEC25/95 a qual propunha acrescentar no
artigo 5º da Constituição que dispõe sobre a defesa da vida, que esta se
inicia no momento da concepção. Outra, foi o Projeto de Lei PL20/91
relativo à regulamentação do aborto legal, que dispunha sobre a
obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde o SUS, de dar atendimento as
mulheres que decidiram interromper a sua gravidez nos dois casos
permitidos por lei, isto é no caso de estupro e de risco de vida da mãe.
Igualmente tramitava no Congreso a proposta de Lei nº 1.151/95 cujo

3 Este artigo foi extraído da tese de doutorado Sexualidade e Reprodução. Da natureza


aos direitos : a incidência da Igreja Católica na Tramitação do Projeto de Lei 20/91
– Aborto Legal e Projeto de Lei 1151/95 – União Civil Entre Pessoas do Mesmo
Sexo, elaborada entre os anos de 2002 e 2005.
726
FONAPER

objetivo principal era a legalização das uniões civis entre pessoas do


mesmo sexo.

Atuação da igreja católica no congresso nacional


As controvérsias da Igreja Católica em torno dos temas sexualidade
e reprodução têm uma história de séculos no Ocidente e de décadas no
âmbito legislativo nacional. Como ilustração, basta dizer que, já em 1949 o
deputado Monsenhor Arruda apresentava na Câmara Federal proposta de
lei no sentido de suprimir do Código Penal os dois dispositivos que
permitiam a realização do aborto legal (Rocha,1996) E, ―em 1980, quando
o deputado João Menezes apresentou um projeto de lei para ampliação
dos permissivos legais nos casos de aborto provocado: casos de anomalia
fetal e a situação de saúde da mulher gestante, a pressão da hierarquia
católica garantiu a rejeição do mesmo‖. (Rosado & Jurkewicz 1999, p.21)
Uma arena onde a Igreja Católica enfrentou a batalha pela
eliminação do aborto legal foi a Constituinte de 1986-1988: para a mesma,
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil- CNBB apresentou um
documento denominado: ―Por uma Nova Ordem Constitucional‖,
pontuando aspectos que desejava ver incluídos na nova Constituição
Federal4. No capítulo sobre Ordem Social, reiterava seus pontos de vista
sobre família e aborto: no item referente à promoção e defesa da vida,
registra que esta deve ser preservada desde o primeiro instante da
concepção, sendo considerado inaceitável o aborto diretamente
provocado. No item concernente à defesa dos direitos da família, o
documento se refere ao direito ao planejamento familiar segundo critérios
morais e a obrigação de educar e manter a prole (Rocha,1992).
No capítulo I da Constituição Nacional sobre Os Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos, no Art. 5o que trata da ―inviolabilidade do direito à
vida‖, a Igreja tentou introduzir o adendo ―desde a sua concepção‖. O que
impediria a realização do aborto nos casos permitidos por lei. Não havendo
conseguido seu intento, articulou-se no ano 1995 com os parlamentares
católicos, para apresentação no Congresso Nacional da Emenda
Constitucional, a PEC25/95. Esta propunha uma emenda ao artigo 5º da

4 Segundo depoimento de um assessor da CNBB (dado a nós em 1997), ―....durante o


período da Constituinte, a Igreja Católica trabalhou pela redemocratização do país e por
uma nova ordem social. (UCHOA:1997).
727
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Constituição para que a defesa da inviolabilidade da vida inicie-se no


momento da concepção.
A partir daí, o Congresso Nacional tornar-se-ia palco de uma renhida
batalha em torno desses temas. E, nesse processo, a Igreja contava com
uma estratégia diversa da utilizada durante o processo da Constituinte, ou
seja, a pressão da hierarquia católica nas bases eleitorais dos
parlamentares, e, também, com novos atores, como o Grupo Parlamentar
Católico- GPC, o Movimento Pró-vida e o Setor Família da CNBB.

O Grupo Parlamentar Católico - GPC


Na década de 90, a hierarquia da Igreja conta com um ator presente
no poder legislativo, o Grupo Parlamentar Católico – GPC. Segundo um
depoimento da assessoria política da CNBB5 os primeiros ensaios para a
formação de um grupo de parlamentares católicos aconteceram durante o
processo da Constituinte:

Havia, no Congresso, um pequeno grupo ecumênico que se


encontrava para ler e meditar a Palavra de Deus; não teve muita
expressão. (...) Nos últimos anos, vem se firmando lentamente um
grupo de Parlamentares Católicos, de vários partidos, que se reúne
periodicamente para rezar e refletir. Embora seja uma iniciativa deles
mesmos, tem recebido um acompanhamento espiritual-litúrgico da
Arquidiocese de Brasília... e da assessoria da CNBB. (...). Durante a
Campanha da Fraternidade/96, sobre Fraternidade e Política, o grupo
se propôs a fazer um estudo do texto-base. Também há o desejo de
se expandir através de grupos similares, formados por deputados dos
respectivos Estados.

Este grupo conta com um coordenador geral escolhido entre seus


fundadores. Em seu gabinete obtive a lista de 57 parlamentares que
figuravam na gestão 1990-1994 como membros do mesmo, além de 11
Senadores e o Vice-presidente da República, que participa desde o início
do grupo. ―O recrutamento dos membros na legislatura (1995-1998) foi
feito através de uma carta da coordenação do grupo aos parlamentares
que afirmavam em sua ―ficha pessoal‖ professarem a religião católica‖.
Das respostas obtidas junto aos parlamentares da legislatura 1995-
1998, ficaram cadastrados 114 Deputados e 17 Senadores. Apenas 06
mulheres pertenciam ao grupo, representando 10,5% do mesmo. Mas

5 O depoimento do assessor foi registrado por nós na sede da CNBB em 23/10/95.


728
FONAPER

representava uma porcentagem maior do que a do total de mulheres no


Congresso Nacional, pois neste, elas eram apenas 6,8%.
De acordo com cinco participantes do GPC por nós entrevistados, a
finalidade primeira do grupo é ―uma parada durante a agitação dos
trabalhos parlamentares... a gente para um instante e dedica aquele tempo
para Deus... O objetivo realmente é partilhar, rezar junto, celebrar a
eucaristia e meditar sobre os temas da igreja.‖.6
O mesmo se reúne costumeiramente uma vez por mês no café da
manhã. Às vezes têm encontros de reflexão de um dia inteiro.
Extraordinariamente, realizam seminários de dois dias de duração e
preparam atividades extras, como viagens de parlamentares católicos ao
Vaticano. É o que consta no depoimento de um parlamentar por nós
entrevistado:

Dentro dessa linha, além dos encontros normais de cada mês, nós
fizemos alguns encontros extraordinários, assim como um dia inteiro
de reflexão sobre temas diferentes (...). No último ano fizemos uma
o
viagem a Roma para participar do 1 Encontro de Parlamentares
Católicos com o Santo Padre. Estivemos lá nas catacumbas
celebrando a eucaristia, na Basílica de São Pedro e numa audiência
com o Papa; estivemos também ouvindo autoridades da Igreja a
respeito da problemática política do mundo inteiro, da questão da paz,
da justiça, da vida (...).Estamos programando também para o ano
2.000, ano do Jubileu, participar em Roma do encontro de 5.000
parlamentares do mundo inteiro. Então nós já estamos começando a
preparação (...)7

Além das atividades acima citadas, outros depoentes falavam de


convites da CNBB para participar de palestras sobre a Campanha da
Fraternidade e de outras ministradas por assessores da Conferência
Episcopal, ou ainda, pelo próprio bispo encarregado da linha da Pastoral
da Família. A maioria dos entrevistados afirmava não realizar atividades
relativas a articulações específicas sobre as votações de interesse da
Igreja Católica. No entanto, dois mencionaram que:

Além dessas atividades, há uma parte desse grupo que tem algumas
bandeiras aqui, que é a bandeira da família, da vida, nos leva a uma
luta muito grande aqui dentro do Congresso, de projetos abortistas, de
projetos que atentam contra valores cristãos, um deles é a
regulamentação do casamento de homossexuais, de gays. Tem o
projeto da Marta Suplicy, que suscitou uma discussão muito séria no

6 Deputado Federal Salvador Zimbaldi, do PSDB/SP


7 Deputado Federal Salvador Zimbaldi do PSDB/SP
729
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Congresso, a questão da pena de morte(...) Outras vezes, são temas


que mexem também com a igreja católica, em algum ponto concreto,
a gente sempre tem procurado estar ao lado dos valores cristãos
dentro do mundo da política (...)8

Com relação a esse aspecto da articulação para fechar posições em


determinadas votações, especificamente sobre o PL 20/91 do aborto legal
e o possível impacto do grupo nas votações, quase todos afirmavam que,
mesmo que se discutisse a temática, cada um votava de acordo com a sua
consciência:

No caso do PL20/91, a atuação dos membros do grupo teve impacto,


mas normalmente os deputados optam de acordo com a sua
consciência, com a sua fé; mas não há uma articulação dos deputados
para responder a isso... Eu, por exemplo, eu atuo mais em função da
orientação do partido, mas antes de tudo da minha consciência. Então
eu acho que a minha consciência, a minha fé, a minha família, o meu
compromisso político, a ética é que direcionam meu voto9.

Embora os membros do GPC se sintam atores individualizados nos


processos de votação, depoimentos de pessoas ligadas à CNBB veem
neles parte de uma nova estratégia adotada pela hierarquia católica nos
anos 90, como podemos perceber no depoimento de um dos assessores
políticos da instituição mais representativa da hierarquia católica nacional:

Com a mudança também da diretoria da CNBB, a gente percebeu que


houve uma tendência de desvincular isso (a assessoria aos
parlamentares) um pouco das assessorias nossas. Então, a atual
diretoria da CNBB preferiu dar mais força a esse aspecto
demasiadamente formal, institucional (...) acho que o Grupo
Parlamentar Católico nasce um pouco dessa perspectiva de maior
formalidade, como se a Igreja fosse influenciar enquanto instituição.
10

Este aspecto é reforçado pelos testemunhos de membros do grupo,


dando conta dos esforços feitos pela CNBB no sentido de influenciá-los na
defesa dos pontos de vista da Igreja. Para tanto, buscam ou são buscados
por algum setor da Igreja que lhes dá assessoria, como podemos verificar
em seus depoimentos: ―A maioria das nossas reuniões conta com a
presença do representante da CNBB, mas não somos organizados por

8 Deputado Federal Osmanio Pereira do PSDB/ MG e Deputado Salvador Zimbaue


PSDB/SP.
9 Deputado Federal Pedro Wilson, do PT/G0.
10 Entrevista com o Assessor Político da CNBB,1997.
730
FONAPER

ela‖(...) ―Temos recebido a visita de representantes da CNBB em nossas


reuniões, seja de um bispo ou de um padre assessor, embora a gente não
tenha que estar atrelado à CNBB (...)‖.11
Por outro lado, percebe-se que os deputados recebem apoio dos
Bispos ou sacerdotes das regiões, assim como de setores específicos da
pastoral católica. O subgrupo do GPC mais ligado à defesa dos interesses
da família busca assessoria do bispo encarregado da Pastoral da Família
dentro da CNBB.
O GPC conta com outro apoio importante citado por um membro em
depoimento colhido por nós no Congresso Nacional12: ―Fui convidado pelo
Vaticano que tinha uma reunião no Conselho Pontifício para a Família,
onde o Cardeal Trujillo é presidente; dele e de sua equipe recebemos
subsídios doutrinários para sustentar os pontos de vista da ortodoxia
segundo o Vaticano‖.
O mesmo congressista utilizou sua participação em outro evento
patrocinado pelo Pontifício Conselho para a Família a fim de apresentar a
importância das ações organizadas pelo Vaticano em nível mundial, em
torno da temática da dignidade da Família13. Vejamos parte do
pronunciamento do Deputado Severino Cavalcanti (PP/PE):

―Sr. Presidente, Sras. e Srs Deputados: convidado por sua Eminência


o Cardeal Alfonso Lopez Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho
14
para a Família , do Vaticano, participei, juntamente com o ilustre
15
Deputado Hélio Bicudo , representando a Câmara dos Deputados, no
Segundo Encontro de Políticos e Legisladores da América, realizado

11 Entrevistas realizadas com alguns membros do GPC


12 Entrevista já citada na apresentação do material empírico utilizado ao longo deste
trabalho.
13 O pronunciamento foi feito no Grande Expediente da Câmara dos Deputados no dia 2
de julho de 1996 e consta no Diário da Câmara dos Deputados, pp.18820-18823.
14 O Conselho Pontifício para a Família tem publicações periódicas e/ou avulsas que são
enviadas à Pastoral Familiar das Conferências dos Bispos de cada país. Suas
publicações têm o status de Documentos Pontifícios. O mesmo promove encontros
Internacionais e/ou continentais sobre Família, e atividades como: o Ano da Família, ou
o Encontro Mundial da Família, para os quais convida pessoas de todos os países ou
regiões do mundo, como já tivemos ocasião de falar acima. Ele também assume a
responsabilidade de representar a Santa Sé nas Conferências Internacionais
promovidas pela ONU para tratar de temas relativos à população, reprodução e
sexualidade. Já abordamos a participação do Vaticano nas últimas conferências da
ONU a esse respeito
15 Este mesmo deputado fora um dos signatários doa PEC 25/95 e seria um dos líderes da
postergação da votação no Plenário da Câmara dos Deputados do PL20/91 depois de
aprovado nas Comissões de Seguridade Social e de Constituição Redação e Justiça,
interrompendo sua tramitação rumo à transformação em Lei.
731
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

na Cidade do México, no período de 6 a 8 de junho, motivo pelo qual


venho hoje a esta tribuna prestar contas dos entendimentos obtidos a
partir daquele evento. O encontro teve como tema: A dignidade da
família e da vida na política e na legislação das Américas – Reflexões
16
à luz da Evangelium Vitae ‖.

Além da pressão da Instituição Igreja através da sua hierarquia, os


parlamentares ligados ao Grupo Parlamentar Católico confirmam outro tipo
de pressão exercida sobre os demais parlamentares, como vemos no
depoimento de um membro do GPC que foi enviado como representante
dos parlamentares católicos a uma reunião do Conselho Pontifício para a
Família no Vaticano. De regresso à Câmara dos Deputados, discursa
longamente sobre o evento do qual participou, defende a PEC25/95,
ameaçando de retaliação os que não votarem a favor:

o
A divulgação que está sendo feita da votação da PEC n 25/95, de
minha autoria, que pretendia incluir no texto da Constituição a
inviolabilidade da vida desde a concepção e rejeitada por esta Casa,
certamente terá efeitos nas próximas eleições municipais. Essa
divulgação que está sendo feita pelos movimentos pró-vida,
movimentos religiosos, espíritas e tantos outros servirá de referência
para as próximas eleições de outubro, quando elegeremos os
prefeitos que servirão de ponte para a renovação do Congresso
17
Nacional (...) .

Uma parlamentar, entrevistada a respeito da sua posição frente ao


Projeto de Lei sobre aborto legal - PL20/91 – que dispunha sobre a
obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde – SUS, dar atendimento aos
casos de aborto legal, denunciou formas de pressão, como esta:

Eles dizem assim: nós vamos publicar os nomes dos deputados ou


deputadas que votarem a favor do aborto, no caso, o aborto legal.
Eles fazem isso! Eu tive meu nome em muitas igrejas. A ponto de

16 Trata-se de uma encíclica publicada pelo Papa João Paulo II, em setembro de 1995. A
respeito do conteúdo da mesma voltaremos a falar no próximo capítulo, quando
analisarmos os fundamentos filosófico-teológicos dos argumentos utilizados pelos
protagonistas na construção dos DDRR e DDSS.
17 Encontramos aqui um link com dois elementos já utilizados em nosso texto: Um deles é
o apelo feito por representantes do Setor Família da CNBB, do Movimento Pró-vida, e
do Conselho Pontifício para a Família às bases eleitorais a fim de que votem somente
em candidatos ―se comprometam com a defesa da vida e da família‖ (Comunicado
Mensal, ano 46, no514, de setembro/97, p.1871. O outro elemento apareceu no
depoimento de um membro do GPC a respeito da ação da CNBB sobre os
congressistas por ocasião das votações de projetos relativos à sexualidade e à
reprodução: ―O critério da Igreja Católica sempre é intimidativo, no sentido de tirar votos
do parlamentar...‖
732
FONAPER

algumas mulheres me perguntarem: A senhora fez alguma coisa


contra a igreja? Eu vi seu nome lá, fixado na porta da igreja18

A importância dada pela Igreja à PEC/25 é testemunhada no


empenho que a sua hierarquia fez para convencer os parlamentares antes
da votação da mesma. Além de enviar à audiência no Congresso Nacional
o bispo presidente do Setor Família, D. Cláudio Hummes (26/10/95),
lançou, na mesma ocasião, um apelo veemente aos parlamentares pela
aprovação da PEC25 e pela rejeição dos projetos que se referiam à
descriminalização do aborto:

Preocupam-nos ainda outros projetos de lei em tramitação no


Congresso Nacional, que agridem a vida e a família... Por essas
razões, nós, bispos do Conselho Permanente da CNBB, reunidos em
Brasília de 26 a 29 de agosto, com a presente declaração fazemos
veemente apelo, em nome do Episcopado Nacional, aos Legisladores
do país, para que se oponham a estes Projetos de Lei e procurem, ao
contrário, reforçar a proteção à família e o apoio à vida, desde a sua
concepção até seu desfecho natural 19.

Além da participação dos representantes da Igreja e de outras


religiões nas Audiências do Congresso Nacional, seus grupos de ativistas
mobilizavam-se intensamente na conquista de votos a favor da PEC25 e
para intimidar os partidários do aborto legal, utilizando, para tanto,
argumentos de ordem religiosa, incluindo o crime contra ―inocentes‖ e a
consequente ―excomunhão‖ por parte da Igreja. Entre os instrumentos por
eles utilizados, encontram-se as ameaças de ―listas de deputados contra a
vida a serem divulgadas em todas as paróquias do país‖ a fim de servirem
de orientação aos fiéis nas próximas eleições, assim como manifestações
públicas ruidosas com o uso de terços (rosários), oratórios e cartazes com
ameaças de excomunhão a quem votasse contra a PEC25.

Considerações finais
A separação formal entre Estado e Igreja não se dá por decreto, ela
perpassa por todo o tecido social nas dinâmicas concretas que se dão
entre os governantes e as hierarquias eclesiais e ainda mais quando se

18 Rosado, Maria José. Gênero, religião e política no Brasil – A bancada feminina no


Congresso Nacional, mimeo, 2000, p.12
19 CNBB: Comunicado Mensal: julho/agosto/96, ano 45, nº 503, p.1775.
733
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

trata dos assuntos que as Igrejas consideram objeto direto do seu


interesse como é a vida sexual e reprodutiva.
No caso da Igreja Católica, constatamos que os instrumentos
utilizados por ela, para interferir nos Projetos de Lei que defendam seus
princípios de fé com relação ao exercício da sexualidade e da reprodução
humana e no combate às investidas dos atores sociais favoráveis à
despenalização do aborto, à liberdade no exercício da sexualidade de
todas as pessoas independente da sua orientação sexual, à união legal de
homossexuais, entre outros, têm se mostrado bastante eficazes, pois,
legalmente estes últimos não conseguiram avanços significativos no
aspecto jurídico. Isto mostra como a propalada laicidade do Estado em um
país onde há fortes e seculares instituições religiosas continua sendo um
desafio.
Segundo o sociólogo da religião Antônio Flávio Pierucci, fazendo um
balanço do peso cultural e político da Igreja Católica no Brasil ao longo dos
cinco séculos da sua presença no país, afirma:

(...) O catolicismo no Brasil não é apenas uma religião a mais, (...) é a


religião dominante no país, pois, além de constituir-se no esteio
ideológico da dominação colonial, ocupou posteriormente o status de
religião oficial do Estado e, ao perder juridicamente essa prerrogativa,
encontrou estratégias e instrumentos para permanecer ligada ao
poder público por vínculos jurídicos de subordinação e privilégios.
(PIERUCCI, 1978, p11)

E o autor explica que religião dominante se justifica pelas seguintes


razões: a primeira é de ordem numérica, ou seja, foi e continua sendo a
religião praticada pela maioria da população brasileira20. Mas não só se
impõe pelo número, pelas estatísticas, como também entrou nos
costumes, nas representações e na linguagem do homem comum, está
colado à cotidianidade familiar e social. Em outras palavras, o catolicismo
está impregnado na cultura brasileira. Outro motivo apontado por Pierucci
para a dominância do catolicismo no país seria o fato de sua hierarquia ter
pactuado – nem sempre tacitamente – com as classes dominantes e as

20 Nos primeiros três séculos, os católicos representavam quase 100% da população. Com
a exceção dos holandeses protestantes que invadiram o nordeste no século XVIII, foi
somente no século XIX que aportaram no país as primeiras levas de ―protestantes‖. Em
meados do século XX surgiram os ―movimentos de renovação evangélica‖ que
conseguiram alargar a base do ―protestantismo‖ brasileiro. Segundo o senso de 2000,
cerca de 80% dos brasileiros se definiram como católicos.
734
FONAPER

estruturas de poder que se sucederam historicamente no Brasil. E, um


terceiro motivo, é dominante ainda na medida em que, nalgum nível
simbólico, se amolda ainda hoje aos interesses religiosos das camadas
mais altas da população. (PIERUCCI, 1978, p.12 )
Nós acrescentaríamos outro aspecto que poderia reforçar os
argumentos acima: a Igreja Católica do Brasil tem uma organização
poderosa e capilar, atingindo todo o território nacional, contando com uma
hierarquia numerosa e atuante, mas também com uma elite do laicato bem
preparada para a ação evangelizadora. Os números presentes nos sites
da CNBB podem fornecer uma mostra do que significa a presença
institucional e numérica do catolicismo no Brasil.
Por outro lado, entre os lutadores a favor da ampliação dos direitos
sexuais e reprodutivos cresce a consciência da complexidade que envolve
a construção da laicidade onde o elemento religioso está significativamente
presente, não só na consciência das pessoas criadas numa cultura prenhe
de religiosidade, como também pelo fato das instituições religiosas
contarem com instrumentos de influência política no Estado, seja em forma
de hierarquias bem organizadas e com poder de barganha junto aos
legisladores e membros do executivo, seja em forma de organizações no
âmbito da sociedade civil, como os movimentos pró-vida, ou ainda, que
contam com Meios de Comunicação de Massa capazes de influenciar
decisivamente a opinião pública nacional. Todos estes elementos estão
presentes na realidade nacional, demonstrando que o processo da
laicização do Estado tem largos passos a percorrer e que as estratégias
dessa construção necessitam passar por profundas mudanças que levem
em conta a complexidade da presença do elemento religioso na cultura
dos grupos que podem influenciar no estabelecimento de novos direitos
sexuais e reprodutivos.

Referências
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 20 A, de 1991 (do Sr.
Eduardo Jorge e Sandra Starling). Brasília DF. Centro Gráfico do Senado
Federal. 1997.

_____ Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional nº


25 de 1995 (Deputado Severino cavalcanti). Brasília DF. Centro Gráfico do
Senado Federal. 1995

735
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

_____ Cavalcanti Severino. Grande Expediente Câmara dos Deputados


no dia 2 de julho de 1996 e consta no Diário da Câmara dos Deputados.
pp.18820-18823.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguisticas: O que falar
quer dizer. Tradução Sergio Miceli etal. 2º edição. São Paulo:
EDUSP,1998, 188p.

_____ O poder simbolico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:


Ed. Bertrand Brasil S. A 1989, 311p.

CONFERÊNCIA NACIONAL DE BISPOS DO BRASIL – CNBB.


Comunicado Mensal. Ano 44. Nº 44. Dezembro 1995.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições


Loyola,1996. 79p.

PIERUCCI, Antonio Flavio de Oliveira. Igreja: Contradições e


Acomodações. Ideologia do Clero Católico no Brasil. Cadernos
CEBRAP, Nº 30, Saõ Paulo: Editora Brasiliense,1978,83p.

ROCHA, Maria Isabel Baltar. Política demografia e parlamento. Tese de


doutorado do departamento de Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas- UNICAMP, São paulo,1992

_____ A questão do aborto no Brasil: O debate no Congresso Nacional .


In: Estudos feministas, Rio de Janeiro: CIEC/ECO/UFRJ. V 4 Nº 2, 1996
pp381-398

ROSADO, Maria Jose N. & SOARES Regina JURKEWICZ. Aborto: um


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VAGGIONE, Juan Marco. El aborto: las nuevas fronteras. In: RED


LATINOAMERICANA DE CATÒLICAS POR EL DERECHO DE DECIDIR.
Conciencia Latinoamericana. Edición Virtual. Vol.1 Nº 1 Marzo 2009.

VENNER, Fiammentta. L‟ Opposition a l‟abortement. Du lobby au


commando. Paris: Berg International, Editeurs,1995, 197p.

736
FONAPER

Entrevistas

Assessor Político da CNBB Padre Virgilio Uchoa.- Outubro 1997


Secretária do Setor Família –CNBB- Irmã Fernanda.- Outubro 1997
Assessor do Setor Família José Maria- Julho 20004
Presidente de Pro-Vida Humberto Vieira- Abril 1998
Membro da Coordenação de Prò-Vida- Abril 1998
Deputado do GPC Severino Cavalcanti- Outubro 1997
Deputado José Pimentel Outubro 1997
Deputado do GPC Pedro Wilson Outubro 1997
Deputado GPG – PT/PR------- Abril 1998
Deputado GPC- Salvador Simbaldi Outubro 1997
Deputado do GPC Osmanio Pereira Outubro 1997

737
A CONTRIBUIÇÃO DE JOHN LOCKE PARA A TOLERÂNCIA

Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek1, UFJF

Resumo:
O texto propõe apresentar a contribuição de John Locke para a compreensão do
conceito da tolerância entendendo-o como de primordial compreensão para o exercício
do ensino religioso numa sociedade plural. Nele, o leitor identificará que a tolerância
em Locke estava calcada numa base tríplice, a saber: o estado laico, a liberdade
individual como um bem inalienável e a noção de Deus, a religiosidade como doadora
do verdadeiro sentido da tolerância. Por fim, se observará que há um casamento tão
profundo entre o ethos contemporâneo e a noção de tolerância que não se pode
compreender a sociedade atual, nem prospectar uma futura sem que a tolerância seja
um valor ensinado, perseguido e vivido.

Palavras-Chave: tolerância, Locke, religião, futuro.

Introdução
A Idade Moderna teve em parte dos seus pensadores uma visão
refratária e pessimista quanto ao futuro da religião. Filósofos como Marx,
Nietzsche, Freud, não viam futuro para a religião. O problema dela era
justamente seu passado. O Iluminismo apresentava tal confiança nas
possibilidades do ser humano que não haveria espaço para pensar uma
divindade. Karen Armstrong afirmou que: ―Em meados do século XX a
maioria dos ocidentais achava que a religião nunca mais desempenharia
um papel de destaque nos acontecimentos mundiais. Fora relegada à
esfera privada,(...)‖ (ARMSTRONG, 2001, p.229). Contudo, no final do
século XX, os fundamentalistas mostraram o poder de atração da religião,
cujo grande exemplo foi a tomada do poder no Irã por Khomeini na década
de 70 (ARMSTRONG, 2001, p.353). Tais filósofos não se aperceberam de
que ―há uma vitalidade na fé‖ que faz com que a religião ressurja (SMITH,
2006, p.16).
Essa perpetuação possibilitou não só a existência, mas sobretudo a
tolerância para com a coexistência de diferentes credos. Sem dúvida,
dentre os muitos legados que a modernidade deixou para a humanidade a
noção de tolerância, especialmente a religiosa é um dos mais nobres. Isto

1
Aluno do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF.
Contato: sdusilek@gmail.com
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

porque conquanto o exercício da religião devesse por si só ensejar a


extensão da compreensão, da aceitação e do acolhimento do outro, não foi
assim que aconteceu ao longo da história. Em boa parte das sociedades
que não sofreram o impacto moderno, ainda que algumas tenham recebido
um ―vento modernizante‖, continua valer a defesa de certo tipo de
tolerância até que uma determinada crença se torne expressivamente
majoritária. Foi assim com a Igreja Católica ao longo da Idade Média na
Europa e, mais recentemente (século XIX) no Brasil. Igual postura teve os
Anglicanos na Inglaterra durante a Reforma, donde veio a inspiração de
Locke para abordar o assunto. A mesma coisa pode ser dita do mundo
islâmico. Via de regra, as culturas que não foram atingidas pela
modernidade adotam uma postura de intolerância religiosa.
Mais do que o desrespeito com o outro a imposição religiosa é uma
agressão àquilo que se convencionou como ―ethos contemporâneo‖. No
âmago de uma sociedade moderna está o valor da liberdade individual,
inclusive para escolha da opção religiosa. E isso pode ser vivido na sala de
aula.
Nenhuma aula precisa ser dogmática. Nenhuma cátedra religiosa
precisa impor uma convicção. A religião trata da consolidação, da
perpetuação dos valores de uma cultura. Ela representa o elo de explicação
das tradições que por sua vez ajudam o ser humano a se situar no mundo.
Nem sempre a religião consegue apontar para uma divindade, mostrá-la;
porém costumeiramente ela explica o mundo. Se os mistérios do céu
permanecem eclipsados, os da terra se tornam passíveis de racionalização.
Mas o que permite essa visão mais abrangente do ensino religioso, da
perspectiva da religião como fomentadora e mantenedora do ethos social?
É justamente a tolerância. Sem tolerância o ensino religioso se torna
proselitista. Numa terminologia grega, deixa de ser didaquê (ensino) e
passa a ser kerygma (pregação). Com a tolerância ele se torna
perpetuador dos valores de uma cultura, bem como instrumento
preponderante de conscientização do ser-no-mundo.
Visando essa compreensão que se procura apresentar nesse
trabalho a contribuição de Locke2 para fundamentar a tolerância,
especialmente a de cunho religioso. Profícuo representante do proto-
liberalismo inglês do século XVII, John Locke confinava a opção religiosa a

2
John Locke nasceu em Wrington, na cidade de Somerset na Inglaterra em 1632. Teve
formação religiosa puritana e foi médico formado por Oxford. Faleceu em 1704.
740
FONAPER

esfera do indivíduo. Nesse sentido, a prática religiosa é exercício da


volição. Segundo ele, ―nenhum homem pode ser forçado contra sua
vontade‖ (LOCKE, 1973, p.17), pois o próprio Deus ―não salvará os
homens contra a vontade deles‖ (LOCKE, 1973, p.18). A imposição que se
traveste de intolerância religiosa se desqualifica como via da
espiritualidade, pois nega pela sua atitude uma compreensão sobre a
divindade.
A escolha de Locke como pensador que dará base para as
postulações aqui apresentadas se deve a alguns fatores. Primeiro, porque
seu texto sobre a tolerância escrito durante seu exílio na Holanda em 1685
(MICHAUD, 1991, p.48), se tornou uma das mais ricas fontes para se
abordar a questão.
Segundo, porque o seu contexto era similar, quando se fala de
religião, ao Brasil. O contexto da Inglaterra era de maioria cristã, assim
como atualmente é aqui, com a diferença de que na época de Locke essa
maioria inglesa era protestante enquanto aqui permanece sendo católica.
Contudo destaca-se que havia uma pluralidade religiosa: lá mais
confessional; aqui mais expressiva em termos de diferença religiosa, visto
a nossa brasilidade ser marcada por um sincretismo. Foi Locke quem
explorou os méritos da tolerância numa sociedade pluralista na qual a
tarefa governamental era fazer avançar os interesses civis comuns
(commonwealth) da sociedade (SPELLMAN, 1997, p.23).
Terceiro, porque Locke, mesmo reconhecendo o papel e importância
da tolerância, era cético na sua consecução. Para ele tratava-se de um
ideal sem paralelo a realidade, até que na sua ida ao continente, à
Holanda3 mais especificamente, ele viu ser possível a coexistência de
diferentes credos (MILTON, 1997, p.15-6). Lá ele teve contato com Jean
Le Clerc e Phillipp Van Limborch, entre outros arminianos que já em 1610
defendiam a tolerância em questões religiosas (SPELLMAN, 1997, p.22).

A Tolerância Religiosa e o Estado Laico


Só é possível falar em tolerância religiosa quando o Estado assume
sua ―laicidade‖. Teocracias ou mesmo governos que assumem a religião
3
Possivelmente Locke teve contato com os Batistas uma vez que nascidos sob
perseguição e, por isso, tendo na Holanda o primeiro grupo formalmente reconhecido,
defendiam como princípios não só a autonomia do indivíduo e a separação
Igreja/Estado, como também lutavam pela liberdade religiosa.
741
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

―A‖ ou ―B‖ como oficial impugnam por princípio o exercício da tolerância.


Para que ela exista e floresça é necessário haver uma separação entre
Religião/Estado. Essa marca da modernidade, sua amplitude e pluralidade
religiosa representa um esteio para o Estado Laico (SCHLEGEL, 2009,
p.79). Essa amplitude pode ser ameaçada quando uma determinada
religião passa a ter primazia sobre as outras (SCHLEGEL, 2009, p.80).
Interessante que da coexistência e da adaptabilidade de uma confissão
religiosa ao contexto cultural onde está inserido altera-se para uma perda
da identidade religiosa, fornecendo pretexto a grupos mais radicais para
vivência de uma fé intransigente (SCHLEGEL, 2009, p.127). Ao invés da
acomodação cultural sinalizar a maturidade religiosa de um grupo, ela
acaba propiciando uma sensação de diluição de crenças e valores para
certos setores religiosos. O que está tentando ser esclarecido é que
justamente do bom-senso nasce o radicalismo religioso, a necessidade de
um resgate de uma origem pura, não ―contaminada‖. Paradoxalmente, ao
passo que o fundamentalismo quer romper com o efeito moderno de
coexistência, ele assume o discurso moderno quando apregoa um
isolamento e uma separação entre o sagrado e o secular.
É no mínimo curioso que na modernidade tardia encontrem-se
grupos religiosos querendo ressacralizar o mundo. Tais grupos, tidos como
fundamentalistas, representam uma reação ―contra a cultura científica e
secular que nasceu no Ocidente e depois se arraigou em outras partes do
mundo‖ (ARMSTRONG, 2001, p.12). Criam tensões uma vez que a
ideologia reinante é a de domínio, de poder. Não é a toa que educação e
religião encontram-se incrivelmente e diametralmente opostos em alguns
estados americanos. O ensino religioso e a própria educação em geral que
não assume o discurso fundamentalista protestante (no caso exemplar da
América) é completamente desprezado. Como bem dizia Rubem Alves ―a
pretensão de posse da verdade torna impossível a tolerância‖ (ALVES,
2004, p.117). Não é esse tipo de ensino religioso pretensioso, impositivo e
conversionista que se pretende exercer no Brasil.
Passando ao largo dessas questões identitárias, o filósofo inglês
defendia a tolerância religiosa em virtude de sua percepção sobre o papel
do Estado. Para Locke, o Governo ―commonwealth‖ deveria assegurar e
preservar os interesses civis dos homens (MICHAUD, 1991, p.49). Locke
chamava de bens civis a vida ―a liberdade, a saúde física e a libertação da
dor, e a posse de coisas externas, tais como terras, dinheiro, móveis, etc.‖

742
FONAPER

(1973, p.11). Para ele não cabia ao magistrado civil o cuidado das almas,
uma vez que tal tarefa não lhe fora outorgada por Deus (LOCKE, 1973,
p.11). Mesmo porque a salvação de uma alma, ou mesmo a sua perdição,
não podia ser resolvida por um decreto (LOCKE, 1973, p.12).
De igual modo Locke entendia que não cabia aos clérigos a
destituição da vida ou dos bens de um homem por conta de sua opção
religiosa. Para o pensador inglês os púlpitos eram locais que ―deveria
caber à pregação da paz, da tolerância (LOCKE, 1973, p.17). Nesse
sentido ele particularmente combateu o policiamento anglicano que forçava
a punição pelo governo civil de praticantes de cultos de outras
denominações (SPELLMAN, 1997, p.16). Para Locke estava claro tanta os
limites quanto a separação que deveria existir entre o governo e a esfera
pessoal/religiosa4. Inclusive em nível de competência das autoridades,
fossem elas civis ou ―religiosas‖. Nesse sentido Locke se alia com a melhor
tradição protestante a qual deixou um ―legado de tolerância com o
pensamento diferente e até mesmo divergente‖ (ALVES, 2004, p.11).
Uma vez desapegados de qualquer pretensão legitimadora, o espaço
do ensino religioso se abre para diferentes contribuições e olhares. Torna-
se uma oficina e não uma ―esteira industrial‖. À pluralidade de vertentes e
de contribuições, soma-se um espectro de possibilidades na percepção e
construção de valores, bem como na compreensão das tradições e do
ethos social.

A Tolerância como decorrência da liberdade individual


Locke entendia a liberdade individual como um bem civil. Cabia ao
governo a preservação desse inalienável bem. À existência da liberdade,
coadunava-se a presença da tolerância. Isso porque se diferentes
indivíduos, com percepções e cosmovisões diferentes (ainda que com
mesma base cultural), são livres em sua consciência, em seu pensamento,
eles se tornam responsáveis pela preservação da liberdade alheia. E a
liberdade do outro só pode existir se houver tolerância.
A finalidade da liberdade para Locke residia em melhor cumprir os
deveres morais (MICHAUD, 1991, p.66). Locke compreendia que a
4
Semelhante a Locke pensava o Duque de Saint-Simon, pertencente a corte de Luís XIV,
que apesar de sua crença e de estar historicamente situado logo após a grande
influência do Cardeal Richellieu sobre Luís XIII, ―mostra-se livre de preconceitos e
reprova toda perseguição e opressão em questões de fé.‖ (AUERBACH, 2011, p.370).
743
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

consciência moral era uma dádiva divina e como tal permeava a


humanidade como um todo. Sendo assim, antes do exercício da liberdade
tender para o caos social, o esforço individual para fazer o bem, para
observar no comportamento aquilo que era moralmente correto, devia ser
visualizado em todo ser humano. Dessa feita, a sociedade seria melhorada
com a prática voluntária e pessoal do bem.
Essa mesma liberdade abre espaço para a crítica, para a avaliação.
Tão importante quanto a busca por um ensino religioso que não dê espaço
para a intolerância, é manter a perspectiva crítica sobre o mesmo. A
tolerância vivida e ensinada deve ser avaliada, reestudada. Não se pode
ter, em nome da tolerância, uma proposta hermética de ensino religioso no
Brasil. É quando a ―tolerância‖ ganha perversamente as cores da
intolerância.
A tolerância religiosa é decorrência então da liberdade humana em
escolher sua crença. Locke repudiou o determinismo calvinista ao afirmar
que a humanidade e a salvação são escolhas humanas (SPELLMAN,
1997, p.97). Para o pensador, conhecimento e crença foram reduzidos ao
âmbito da alma individual (SPELLMAN, 1997, p.52). Cabe a cada um
definir aquilo em que crê. Assim Locke se expressava: ―Ainda mais,
mesmo Deus não salvará os homens contra a vontade deles.‖ (LOCKE,
1973, p.18). Essa afirmação pode parecer pacífica para um leitor
esclarecido do século XXI, mas havia uma cultura de que as conversões
pela força, pela espada, representavam uma obra que agradava a Deus
(AUERBACH, 2011, p.88).
Locke vai distinguir entre conhecimento geral (ou científico) e
conhecimento revelado, ou ainda entre crença (belief) e conhecimento
(knowledge). Para o pensador, o conhecimento tem por finalidade procurar
a verdade enquanto à crença cabe reconhecê-la e aceitá-la como tal. Em
ambos os casos a apropriação se dá pelo exercício da liberdade. O
indivíduo opta por aquilo que ele quer apreender.
O exercício da liberdade abre as portas para o futuro. É pela
liberdade que o novo, ou ainda o velho recauchutado, se firma como
possibilidade. A ausência de liberdade implica num mimetismo que reduz a
vida a uma reprodução não só do passado, como também das estruturas
que o sustentam, dando-lhe uma sobrevida (ALVES, 2004, p.131-6). A
religião exacerba então seu papel de preservação das tradições e dos
valores passando a coibir a crítica e a análise do conteúdo recebido. É

744
FONAPER

quando a religião se torna intolerante com os religiosos e com aqueles que


pensam a religião. Isso porque a via da intolerância é a da perpetuação e
reprodução do passado. E o risco da intolerância via fundamentalismo
religioso é cada vez mais presente. Dessa feita não há o que ser feito,
construído. Afinal, aquilo que é imposto encerra qualquer possibilidade.
Tudo foi dado. Encerra-se num mundo previsível demais para esse
contexto de modernidade tardia. No dizer de Locke: há um apego às
―ninharias‖ (LOCKE, 1973, p.18). São as questões menores que
inviabilizam a tolerância religiosa e o diálogo.

A Tolerância como Fruto da Religiosidade


Singular em Locke também é sua percepção da tolerância como fruto
da experiência religiosa. Para ele ninguém que tivesse uma experiência
com Deus podia sair desse encontro promovendo desencontros com seus
semelhantes. Em Deus, os diferentes pensamentos são harmonizados.
Para Locke essa experiência com Deus era sempre promotora de uma
abertura da consciência que conduzia a pessoa pela trilha da tolerância
religiosa.
Nesse sentido, o verdadeiro encontro com Deus implicava
necessariamente numa postura de tolerância com os demais credos. Para
Locke a base desta virtude estava na verdadeira noção de Deus
(SPELLMAN, 1997, p.83). Em seu contexto e conceito não fazia sentido
que os ―herdeiros da Reforma Protestante‖ que buscavam restabelecer a
centralidade de Cristo na adoração, o que implicava num resgate direto da
noção de Deus, segundo o que acreditavam, não aceitassem a adoração
de uma denominação diferente da sua. Para Locke, uma vez que eu tenha
uma religião, devo por isso aceitar a do outro. Voltaire, falando
posteriormente da realidade inglesa, vai afirmar que ―se houvesse uma
única religião na Inglaterra, o despotismo seria temível; se houvesse duas,
uma degolaria a outra; mas como há trinta, vivem felizes e em paz‖
(VOLTAIRE, 1973, p.17).
Contudo essa coexistência não passou despercebida pelo sarcasmo
de Voltaire. Tal deboche com a dificuldade de convivência entre religiosos
pode ser vista em sua comparação com a Bolsa de Valores. Lá haveria
mais respeito e cordialidade do que num espaço religioso, segundo
Voltaire (1973, p.17):

745
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Entrai na Bolsa de Londres, praça mais respeitável do que muitas


cortes. Aí vereis reunidos, para a utilidade dos homens, deputados de
todas as nações. O judeu, o maometano e o cristão negociam
reciprocamente como se pertencessem todos à mesma religião. Só é
infiel quem vai à bancarrota. O presbiteriano confia no anabatista, e o
anglicano, na promessa do quacre. Ao sair dessas assembléias livres
e pacíficas, uns vão à sinagoga, outros vão beber. Um vai ser batizado
numa grande cuba de água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Outro leva o filho para que lhe cortem o prepúcio e despejem
sobre sua cabeça resmungos hebraicos incompreensíveis. Outros vão
à sua igreja e, enchapelados, esperam a inspiração de Deus. E todos
estão contentes.

Essa dificuldade com o diferente, notadamente no campo religioso,


se dá pelo fato de todo líder religioso considerar que ele é ortodoxo,
sustentando que sua visão é mais correta do que as outras. E não só isso:
o pensador francês que nutria admiração por Locke destacou outro
empecilho ao diálogo: o fato de seus pregadores se detestarem
mutuamente (VOLTAIRE, 1973, p.17). Para Locke, ―toda igreja é ortodoxa
para consigo mesma e errônea e herege para com as outras‖ (LOCKE,
1973, p.15). Fato é que ―nenhuma religião pode ser útil e verdadeira se
não se acredita nela como verdadeira‖ (LOCKE, 1973, p.20). Isso porque
no bojo do sentimento religioso está a pretensão de verdade. A experiência
religiosa, como fonte legitimadora do conteúdo religioso para o indivíduo
faz com que ele não aceite o fato da divindade, por ser justamente divina,
absoluta, ter diferentes facetas. Estas são captadas por diferentes pessoas
em diversos contextos religiosos. Sendo assim, mesmo se julgando mais
correta que as outras, uma religião deveria reconhecer a grandeza da
divindade a ponto de perceber suas ―emanações‖ em outros arraiais. E em
assim fazendo promover a tolerância religiosa.
Religião implica em convite e não em força. O filósofo afirmou que
―nenhum homem pode ser forçado contra sua vontade‖ (LOCKE, 1973,
p.18). A própria noção de salvação segundo o Cristianismo aponta para a
paradoxal ação de um Deus Soberano que mesmo tendo todo poder se
auto-limita no convite que faz ao ser humano. Por conta deste princípio é
que ele defendeu que mesmo a igreja sendo perseguida, ela jamais
poderia ter uma atitude persecutória com quem quer que fosse (LOCKE,
1973, p.14). A religiosidade pode ser alvo de incompreensão e de
intolerância pelos de fora, mas jamais promotora de qualquer tipo de
inquisição pelo lado de dentro. Locke mesmo enfatizou que toda vez que
houve uma recusa da tolerância para com pessoas de opiniões diferentes,

746
FONAPER

houve disputas e guerras no mundo cristão (LOCKE, 1973, p.33). Exemplo


disso foi às campanhas por expansão do cristianismo baseadas na força,
nas armas, na imposição (LOCKE, 1973, p.10).
Quando se fala de convite se aborda a opção por livre escolha. É por
isso que no exercício da tolerância não há espaço para a sedição. Esta por
sua vez é filha da opressão (LOCKE, 1973, p.31). É da intolerância que
nascem os radicalismos. É da tentativa de obrigar a formatação de uma
pretensa uniformidade, inclusive religiosa, que advém a negação da
diversidade que a liberdade individual impinge e com isso a revolta. É na
interferência das ações que ocorre a sedição (MICHAUD, 1991, p.49). A
invasão da privacidade e da consciência é que produz rebeldia.
Se for da profunda experiência religiosa que se funda a tolerância é
nela também que reside seu limite. Locke, conquanto tivesse uma arguta
mente para seu tempo5, infelizmente também manifestou a limitação do
século XVII. Para ele a tolerância também tinha seus limites (MICHAUD,
1991, p.51). E a primeira fronteira era a do cristianismo. Para Locke a
tolerância devia ser observada entre cristãos. O contraste do culto com as
Escrituras era inaceitável. Assim, quando uma prática religiosa fosse
contrária ao ensino da Bíblia, cabia ao Magistrado a intervenção no
assunto religioso (MICHAUD, 1991, p.19). Somente nesse caso é que
governo e religião se encontravam numa desagradável interseção.
Exemplo disso foi seu posicionamento contrário a tolerância para com os
ateus (LOCKE, 1973, p.29). Apreende-se então que a tolerância com o
diferente era possível. Já com o divergente se tornava inaceitável no
pensamento ―lockiano‖. Conquanto as bases para o exercício da tolerância
sejam abrangentes no pensamento de Locke como pode ser percebido,
sua aplicação encontrava barreiras que naquela época pareciam
intransponíveis. É por isso que Michaud vai postular contrariamente ao que
vem sendo exposto aqui, que Locke estaria mais para a ―autoridade do que
para a tolerância‖ (MICHAUD, 1991, p.21). Não que o filósofo inglês não
tivesse essa noção de autoridade no seu pensamento, mas que tal fato
não invalidava sua visão e contribuição para a tolerância.
A segunda fronteira da tolerância é a injustiça social. Quando o
governo deixa de governar a violência acaba prevalecendo sobre o direito
(MICHAUD, 1991, p.45). A intolerância atravessa o universo religioso, a

5
Para se ter uma idéia, Isaac Newton lia os estudos que Locke escrevera sobre as Cartas
do Apóstolo Paulo, presentes na Bíblia Sagrada, no Novo Testamento.
747
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

partir do qual ela começou a ser construída, e atinge outras dimensões da


vida. Nessa situação a liberdade se torna preterida e a tolerância
inexistente, uma vez que toda a violência se constitui num desrespeito com
o outro. A violência suprime o exercício da liberdade individual pelo caráter
coercitivo que há no seu ato.
O terceiro limite é o da reparação inadequada. Uma vez que alguém
foi prejudicado, que se sentiu lesado, a reparação do erro precisava ser
proporcional ao dano. A ausência desta equidade para Locke ensejava a
intolerância (MICHAUD, 1991, p.46), uma vez que a expropriação por
possuir limite, replicava um limite para a tolerância também. Estas duas
últimas são fronteiras que escapam da dimensão religiosa, transcendendo-
a para a vida em geral.
O quarto limite da tolerância para Locke estava ligado à confusão de
papéis do governo. Para ele era possível que em algum momento o
indivíduo tivesse que exercer uma resistência civil não violenta (MICHAUD,
1991, p.51). Essa desobediência as leis era facultada no seu entender
quando a tolerância religiosa se encontrava ameaçada pela invasão do
espaço e universo religioso pelo magistrado. Nesse momento era para ser
intolerante com a Lei, desobedecendo-a sem que o clima ordeiro fosse
afetado. A esse exercício da intolerância mesmo que exercido em nome da
própria tolerância Locke chamava de ―tolerância ambiental‖6.
Interessante salientar que a própria noção de religiosidade agrava os
quadros de intolerância. A maior de todas as intolerâncias é aquela oriunda
da contemplação de uma perseguição feita ―em nome de Deus‖. Em
culturas que foram influenciadas pela modernidade o senso comum
passou a considerar intolerável a perseguição por motivos religiosos.
É impossível se pensar numa sociedade ocidental sem a herança da
tolerância. No ethos contemporâneo e na formação e transmissão dos
valores que sedimentam a cultura, não é possível se imaginar um grupo
social intolerante. Agride o senso comum perceber que em pleno século
XXI nações inteiras subsistem debaixo de sangrentas ditaduras. Ainda
mais quando tais governos se aliam a expressões religiosas.
Por isso mesmo que um dos focos do ensino religioso deve ser a
construção da tolerância, instrumentalizando-se para isso dos infelizes

6
Tal pensamento é bem divergente do movimento ―Black block‖ que defende a arruaça e a
depredação como legítima forma de protesto contra o sistema capitalista. Isso pode ser
observado nos recentes manifestos populares no Brasil.
748
FONAPER

casos de intolerância religiosa que permeiam a história da humanidade.


Seria como fomentar uma intolerância para com a própria intolerância.
Dessa feita resguardaria a tolerância como valor abrangente, não só
religioso, mas cultural e pessoal.
No bojo da tolerância, ainda mais de matiz religiosa está o amor.
Fosdick dizia que para a convivência com percepções diferentes era
necessário o ―espírito da tolerância e da liberdade cristã‖ (FOSDICK, 1978,
p.6). Mas, sobretudo isso era necessário o amor. Segundo o mesmo autor
as ―opiniões sobre determinados assuntos podem vir eivadas de engano,
mas o amor nunca se engana‖ (FOSDICK, 1978, p.6). Charles Eliot
inclusive defendia que o futuro da própria religião estaria ligado a sua
capacidade de enfatizar o amor como conceito e prática primordiais
(ELIOT, 1909, p.401-6). Amor ao próximo é valor cultural religioso que
precisa ser cultivado também na formação escolar das crianças de uma
nação.
Situações que busquem a contemplação da necessidade alheia, que
estimulem a desconstrução de uma cosmovisão intimista e egoísta, que
promovam a saída de um mundo restrito para a inserção num outro que se
apresenta como kósmos (universo), precisam ser estimuladas pelo
educador. Nesse sentido, debate de casos, leituras de livros e até mesmo
de textos considerados sagrados, exposição de fotos como as de
Sebastião Salgado7, filmes, testemunhos de experiências vividas e ainda
visitas a locais carentes pelo amanhã, pela esperança, podem ser usados
na tentativa de estimular o amor ao próximo. Desse sentimento, que é
atitude, brota a perspectiva de uma sociedade mais harmônica e de um
mundo em transformação.

Conclusão - O Futuro da Tolerância


Tolerância, assim como os demais valores, é ensinável. Há, como se
destacou, uma consciência moral que permeia a humanidade. E essa
consciência possibilita a formação e adoção de valores. Por isso que
Locke se preocupara em sua obra ―Some Thoughts Concerning
Education‖, de 1693, em descobrir um método apropriado que desse a
criança a possibilidade de um maduro uso da razão, uma vez que através

7
Fotógrafo mineiro com amplo reconhecimento pelo seu trabalho e pela sua capacidade
em capturar as mais fortes imagens da desgraça humana.
749
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

da educação o jovem podia se tornar digno e moral agente da salvação


(SPELLMAN, 1997, p.79). Necessário é compreender aqui que a idéia de
―salvação‖ em Locke não era somente ligada a uma prática religiosa.
Quando ele aborda esse assunto, o faz na perspectiva de que a salvação
implicava numa transformação tão radical da vida de uma pessoa que a
transportava para a trilha da prática do bem. É nesse sentido que o
indivíduo se tornava um agente moral, promotor daquilo que é correto.
Se quisermos, como sociedade, ter um futuro ele terá de passar pela
via da tolerância. Nenhuma forma de aniquilamento do outro é cabível de
aceitação. O caminho da tolerância é o caminho do futuro. Sua perspectiva
é a da inclusão. E só há inclusão quando a consciência da igualdade é
desperta. É formar uma oficina do saber. E como sabemos, é nas oficinas
que as construções, devido a seu caráter artesanal, acontecem. Se a
religião e seu ensino nos ajudam a olhar para o passado a fim de
compreendermos como os valores que hoje adotamos foram
recepcionados, a tolerância ajuda-nos a ter uma perspectiva, pois aponta
para o futuro.
Na multiplicidade de formas e substratos sociais que caracteriza a
sociedade da modernidade tardia, é imperativa a existência de um
caminho que não seja o do banimento do diferente, nem tampouco da
exclusão do discordante. Essa trilha é a da tolerância e o atalho para ela
chama-se amor.
Justamente por isso que Charles Eliot entendia que as formas de
perpetuação de uma religiosidade, que se perpetuava pelo medo e pela
culpa e que, portanto, se constituíam em constructos da intolerância
deveriam desaparecer ao longo do tempo pelo simples progresso do bom
senso. Para ele, uma religião calcada na autoridade e ―totemicidade‖ do
líder, nos ditos milagres e na culpa estava fadada a desaparecer (ELIOT,
1909, p.391-5). A religião do futuro era promotora do bem, mitigadora do
sofrimento humano (ELIOT, 1909, p.399). Sua mensagem central estaria
voltada para a esperança e para o amor (ELIOT, 1909, p.404). No bojo
dessa compreensão, está o desenvolvimento de uma tolerância não só
passiva que respeita o diferente, mas sobretudo engajada, ativa, a ponto
de não ser indiferente com aquele que é discrepante.
É buscando uma tolerância da incomodação que o ensino religioso
no Brasil deve mirar. O futuro da tolerância nesse país passa
necessariamente pelos bancos escolares. Na convivência com credos e

750
FONAPER

pessoas diferentes, bem como na explicação e exploração do


conhecimento a tolerância deve ser colocada em destaque. Ainda mais
pelo crescente apelo e penetração da mensagem fundamentalista no
contexto brasileiro. Só para ficar num exemplo, assim como crescem nas
estatísticas o percentual evangélico da população brasileira, cresce
também a aderência de uma religiosidade intolerante. Possivelmente
nunca o ensino religioso nesse país se fez tão necessário para também
discutir e elucidar essas questões.
O futuro da tolerância no Brasil está no ensino religioso dentro de
uma perspectiva educacional secular. Foi a tolerância que permitiu a
formação do ethos contemporâneo, notadamente o religioso. E continuará
a ser a tolerância que possibilitará o porvir. Afinal, ela é o futuro.

Referências

ALVES, Rubem. Dogmatismo e Tolerância. São Paulo: Edições Loyola,


2004.

ARMSTRONG, Karen. Em Nome de Deus: o fundamentalismo no


judaísmo, no cristianismo e no islamismo. Tradução: Hildegard Feist. São
Paulo: Companhia das Letras, 2001.

AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura


ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2011.

ELIOT, Charles W. The Religion of the Future. In: The Harvard


Theological Review, v.2, n.4, p.389-407, oct. 1909.

FOSDICK, Harry Emerson. ―Shall The Fundamentalists Win?‖ In: SHERRY,


Paul H. (Ed.). The Riverside Preachers. New York: Pilgrim Press, 1978,
p.27-38.

LOCKE, John. Carta Acerca da Tolerância. Tradução: Anoar Aiex. São


Paulo: Abril Cultural, 1973. p.7-35. (Coleção Os Pensadores).

MICHAUD, Yves. Locke. Tradução: Lucy Magalhães. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 1991.

MILTON, J. R. Locke´s Life and Times. In: CHAPPELL, Vere. The


Cambrigde Companion to Locke. Cambridge: Cambridge University
Press, 1997. p.5-26.

751
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

SCHLEGEL, Jean-Louis. A lei de Deus contra a liberdade dos homens.


Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

SMITH, Wilfred Cantwell. O Sentido e o Fim da Religião. São Leopoldo:


EST; São Leopoldo: Sinodal, 2006.

SPELLMAN, W.M. John Locke. New York: St. Martin‘s Press, 1997.

VOLTAIRE. Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas. 1ª Edição. Tradução


de Marilena de Souza Chauí Berlinck. São Paulo: Abril, 1973. (Os
Pensadores).p.7-63

752
GT8: ENSINO RELIGIOSO
E VALORES DO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Coordenação:
Me. Romi Márcia Bencke (UFJF)

Ementa: O debate sobre Ensino Religioso e valores do diálogo inter-religioso


insere-se na discussão sobre as transformações do papel social das religiões em
um contexto de pluralidade. Por muito tempo, argumentou-se que a secularização
contribuiria para o declínio da religião tanto na sociedade quanto na subjetividade
das pessoas. Esta teoria, no entanto, mostrou-se fragilizada. Embora, o processo
de secularização ainda esteja em curso, não há como ignorar o aumento
significativo da presença religiosa na sociedade. Portanto, é relevante que o
Ensino Religioso considere a mudança da compreensão da função social da
religião. Qual o papel da religião em um contexto de rápidas transformações? A
religião pode fazer-se política ao promover valores com fortes afinidades com a
promoção da paz, da não violência, do cuidado com o meio ambiente, do respeito
à autonomia e à liberdade de escolha das pessoas. A religião também pode
desempenhar um papel de reivindicação por mudanças sociopolíticas na medida
em que torna-se um agente questionador das relações sociais, humanas e
econômicas geradoras de desigualdade. O movimento inter-religioso
contemporâneo, fruto da modernidade, surge com a preocupação de promover
valores religiosos que não entrem em contradição com o processo de
modernização. Desde sua gênese, tem se envolvido com a promoção dos direitos
humanos e com a identificação de iniciativas religiosas capazes de contribuir para
relações não violentas. O movimento inter-religioso reconhece o diálogo como
instrumento legítimo de reconhecimento da diversidade como valor positivo. O
objetivo do GT é constituir um espaço de apresentação e discussão de pesquisas
empíricas e conceituais sobre a promoção de valores inter-religiosos no Ensino
Religioso.

Palavras-chave: Diálogo Inter-religioso; Ensino Religioso.


RELIGIÃO E ESTADO SECULAR EM DIÁLOGO: UMA NOVA
PROPOSTA DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O ENSINO
RELIGIOSO

Elenilson Delmiro dos Santos1 - UFPB

Resumo:
A historiografia nos mostra que as inter-relações entre identidade religiosa e história
contribuíram e continuam a contribuir no processo de formação social, cultural e política do
nosso país. Dessa forma, se torna impensável um Ensino Religioso, enquanto área do
conhecimento da educação básica, que não considere em sua ementa a religião no espaço
público e em suas implicações na ordem social. É nesse sentido, que o presente artigo tem
por premissa problematizar sobre a urgência de um Ensino Religioso, que não se prenda a
limitações de materiais didáticos que pouco contribuem para a reflexão da nossa verdadeira
realidade social, e sim, procure vislumbrar a religião a partir de sua ―nova‖ configuração
social. Metodologicamente, será utilizada como pesquisa a crescente literatura no campo
do Ensino Religioso, bem como a análise dos documentos que o normatizam.

Palavras-chave: Religião; Ensino Religioso; Estado; Diálogo.

Introdução
A construção teórica desta comunicação bem como os prévios
resultados iniciais aqui alcançados, no caso deste trabalho, não se deve a
iniciativa de nenhum grupo de pesquisa. Na verdade, o que se apresenta
nesta breve, porém, urgente reflexão, surgiu como fruto das observações
feitas nas disciplinas de estágio curricular V e VI, do curso de licenciatura
em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba – UFPB no
decorrer dos períodos letivos 2012.2 e 2013.1.
Portanto, o caráter reflexivo aqui proposto, que se constitui na
essência deste trabalho, começou a adquirir relevância a partir do
momento em que se percebeu que a proposta teórico-metodológica
contida no programa da disciplina da devida instituição2 de ensino, onde se
deu o estágio, limitava que o objeto religião fosse abordado pelos docentes
1
Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Graduando
do curso de Licenciatura em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba
- UFPB. Email: elenilsondelmiro@gmail.com
2
Considerando que o respectivo trabalho adota um caráter puramente reflexivo, o
consentimento dos gestores da instituição não se fez necessário como comumente
ocorre na necessidade de entrevistas ou coletas de dados. Desta forma, por uma
questão ética, opto por não citar o nome da instituição de ensino onde se deu a gênese
desta reflexão.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

da disciplina Ensino Religioso como um fenômeno quase que desprovido


de uma maior importância social e principalmente descontextualizada da
história, o que fere diretamente o PCNER (Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Religioso) em sua proposta pedagógica no que se
refere aos seus princípios estruturais.
Vale salientar que tais observações e análises não foram feitas sem
considerar que os professores que atuam frente a esta disciplina
geralmente são habilitados em outras áreas de ensino, que por sua vez,
por motivos emergenciais são postos frente a esta disciplina e passam a
atuar, em grande parte, relocados de suas respectivas áreas de habilitação
numa tentativa de suprir uma carência de professores qualificados para
esta disciplina. Vale salientar que, até bem pouco tempo atrás, no campo
do Ensino Religioso, ainda se discutia sobre os conteúdos teóricos para
esta disciplina, inclusive, sobre uma qualificação base para os profissionais
deste campo do saber3.
De fato, a questão que se apresenta sobre a aplicabilidade, ou não,
sobre o que diz o PCNER, se mostra bastante pertinente e necessário, o
mesmo pode se dizer sobre a qualificação inicial para os professores do
Ensino Religioso, porém, tais questões não se constituem o foco deste
trabalho. Na verdade, interessa-nos aqui, a partir destas duas questões,
que a meu ver, apenas servem como argumentos para os que são
contrários ao Ensino Religioso, aprofundar uma questão que tem se
mostrado bastante relevante na contemporaneidade, que é a
(re)aproximação entre Religião e Estado.
No trato do Estudo da Religião, enquanto fenômeno social, essa
retomada de diálogo com o Estado, não pode passar sem suscitar algumas
questões, que se forem negligenciadas ou se tratadas de uma forma
superficial ou até mesmo desprovida da sua real importância enquanto
conteúdo escolar, certamente ocasionará na abertura de uma grande
lacuna na história da nossa educação. Tamanha inocência, ou poderia
dizer negligência contra a educação, não se constitui apenas numa falta
grave contra o PCNER, mas a própria LDB em seu Art. 1º preconiza que: A
educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida

3
No que se refere à qualificação, tal lacuna começa a ser superada na medida em que as
Ciência(s) da(s) Religião(ões) passa a ser indicada por muitos pesquisadores, como é o
caso de João Décio Passos (2007) como sendo o modelo ideal, capaz de oferecer aos
professores uma base teórica e metodológica para a abordagem da dimensão religiosa,
articulando-se de forma integrada com a discussão sobre a educação.
756
FONAPER

familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e


pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Nesta perspectiva, serão considerados, ao longo deste trabalho, os
postulados de Paulo Freire (1921 – 1997) e Pierre Bourdieu (1930 - 2002),
por se tratarem de dois teóricos que elegeram o diálogo como essência da
prática docente, os quais deram e continuam a dar uma grande
contribuição para a educação brasileira, de maneira que suas ideias serão
de grande importância para a proposta deste trabalho que é conduzir uma
reflexão dentro de uma suposta retomada do Diálogo entre Religião e
Estado secular. Nesta complexa relação, no qual se percebe uma clara
construção epistemológica para o processo ensino e aprendizagem do
Ensino Religioso, Paulo Freire em sua hipótese, na qual defende que
ensinar exige apreensão da realidade (FREIRE, 1996, p.68) oferece um
caminho com grandes possibilidades. No trato da esfera Religião e Estado,
dentro de uma relação de poder político e poder religioso (BOURDIEU,
2007, p.69), Pierre Bourdieu sacramenta o fundamento deste trabalho.
A reflexão que se segue está estruturada em três momentos nos
quais procuro discorrer, em distintas situações, as relações de diálogos
existentes entre a Religião e o Estado. No primeiro momento, procuro
justificar a necessidade do Ensino Religioso por meio da legitimação do
seu próprio objeto de estudo, no caso, o fenômeno religioso. Para isso, a
análise de alguns referenciais teóricos, como é o caso de Rubem Alves e
Émile Durkheim, se constituem em fontes de grande respaldo para
legitimar a presença da Religião, enquanto fenômeno, no tempo presente.
No segundo momento, parto do pressuposto que o caráter facultativo
creditado ao Ensino Religioso, na verdade, oculta uma proximidade, muitas
vezes mascarada, entre Religião e Estado. Por fim, no terceiro momento,
finalizo com a apreensão do Diálogo, de certa forma paradoxal, existente
entre Religião e Estado e como esta relação está inserida num quadro de
interesses de grandes amplitudes que influencia diretamente nos
processos de mudanças do país, que por sua vez, não podem fugir ao
olhar crítico disciplinar do Ensino Religioso.

757
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A persistência da religião
O primeiro passo dado neste trabalho, numa tentativa de abordar a
análise aqui proposta, é deixar claro que qualquer interesse de discutir o
Ensino Religioso em seus conteúdos curriculares enquanto elementos de
uma ação educativa, contextualizada com a realidade social, dificilmente
não será suscitada a importância de começar a análise pela própria
substancialidade do objeto fenômeno religioso presente na religião , bem
como sua persistência numa sociedade dita secular, pois como afirma
Rubem Alves, ao contrário daqueles que imaginavam que a religião era um
fenômeno passageiro, em vias de extinção, sua universalidade e sua
persistência nos sugerem que ela revela ―um aspecto essencial e
permanente da humanidade‖ (ALVES, 2010, p.60).
Outro pressuposto teórico, no caso, Émile Durkheim já defendia de
uma forma conclusiva nas páginas introdutórias de sua clássica obra, As
formas elementares de vida religiosa, que a religião é coisa
eminentemente social (DURKHEIM, 2008, p.38). Considerando, ainda, que
para o referido pensador a ideia de religião é inseparável da ideia de
Igreja, isto nos leva a acreditar que a religião deve ser uma forma de
convívio eminentemente coletiva. De acordo com essa perspectiva, ao
trazê-la para o nosso contexto político, que certamente não é o mesmo do
autor, percebemos que apesar de o termo coletivo estar perdendo
significância no nosso tempo para o seu oposto, ainda é possível encontrar
momentos e situações de coletividade neste mundo secular, sendo assim,
a ideia de Religião ainda é atual.
Talvez seja o caso de pensarmos, como parece sugerir Alberto da
Silva Moreira em um de seus artigos, qual(is) o(s) papel(eis), função(ões)
ou lugar(es) das religiões nesses processos (MOREIRA, 2008, p.18). Com
certeza é uma questão que merece ser discutida e refletida, principalmente
pelas lideranças religiosas. Entretanto, seguindo a linha de reflexão deste
trabalho, entendo que o termo secularização4 necessite, em caráter de
urgência, passar por uma reformulação em termos conceituais, haja vista
que o que se percebe hoje é uma tentativa, até desesperada, de se
aproximar da religião.

4
Por secularização, adoto neste trabalho o conceito proposto por Alexandre Fonseca
(2011), no qual sugere o termo como ideia de época ou era.
758
FONAPER

A verdade, é que na mesma proporção que a sociedade se


transformou e foi buscando novos elementos que respondessem aos
avanços do nosso tempo, a Religião, por sua vez, não ficou parada no
tempo disposta a enfrentar os riscos de se prender a seus dogmas e
tradições, que pouco tem a oferecer numa sociedade que privilegia o aqui
e o agora. Coube a Religião encontrar alternativas que fossem capazes de
satisfizer aos anseios do novo tempo. É claro que se tratando de Religião
um ―alargamento das suas fronteiras para setores que até bem pouco
tempo eram considerados avessos ou impermeáveis ao religioso‖ (STEIL,
2008, p.11), pode acarretar em um sério risco para a permanência da sua
longínqua tradição.
A estas questões, acrescentamos o fato de que a descoberta do
sagrado na Religião não estar vinculado, tão somente, a templos, centro
de peregrinações, dogmas, doutrinas ou a orações, pelo contrário, traz em
sua essência toda uma construção simbólica que permite a este mundo
com todos os seus elementos estruturais e estruturantes, ou seja, profano,
ser compreendido como um possível espaço sagrado, desde que o próprio
homem seja capaz de transformar os elementos concretos existentes
neste mundo profano, em materializações do seu mundo invisível.

Uma coisa é apenas acreditar no suprassensorial; outra, também


vivenciá-lo; uma coisa é ter ideias sobre o sagrado; outra, perceber e
dar-se conta do sagrado como algo atuante, vigente, a se manifestar
em sua atuação. É convicção fundamental de todas as religiões e da
religião em si que também a segunda possibilidade é viável, que não
só a voz interior, a consciência religiosa, o discreto sussurro do
espírito no coração, o palpite e o anseio prestem testemunho a seu
respeito, mas que seja possível encontrá-lo em eventos, fatos,
pessoas, em atos de autorrevelação, ou seja, que além da revelação
interior no espírito também haja revelação exterior e interior. (OTTO,
2011, p.180)

Fica evidente, a partir das referências citadas que assim como tem
sido em toda a história da humanidade, na qual é fato inconteste a
presença de fenômenos religiosos como elemento imprescindível na
construção da própria história, a persistência do elemento religioso como
parte integrante de uma sociedade intitulada pós-moderna, mais do que
uma questão de foro íntimo é um fator de ação política, e que, portanto,
merece ser discutida e analisada dentro desta conjuntura. Sendo assim, a
legitimidade do objeto credencia a legitimidade do próprio componente, no
caso, o Ensino Religioso.
759
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Ensino Religioso, um ensino facultativo?


A obrigatoriedade do Ensino Religioso como componente curricular,
de caráter facultativo, estabelecida pela Constituição Brasileira de 1988, e
posteriormente promulgada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB 9.394 de 20 de Dezembro de 1996 (cujo texto fora alterado
pela Lei 9.475/1997) ocasionalmente criou um contraste entre as
constituições de 1891 e a mais recente de 1988, ao menos num primeiro
plano. De acordo com a constituição de 1891, na qual ficou determinada a
separação entre Igreja e Estado, no que se refere à educação foi dada
como sua primeira orientação que será leigo o ensino ministrado nos
estabelecimentos oficiais de ensino (PCNER, 2004, p.14). Ou seja, o
Ensino Religioso, seria de responsabilidade única das escolas
confessionais e não mais das escolas públicas.
Não podemos deixar de lembrar que naquele contexto de afirmação
de um novo regime, no caso, o republicano, além da oficialidade da
separação Igreja-Estado, entre outros, também foi um momento da história
marcado pelo triunfo do positivismo. Desta forma, o caráter científico e
lógico dos acontecimentos se tornou a nova moda de uma sociedade que
ansiava por respirar os ares da modernidade. Consequentemente, a
religião e a filosofia, pouco práticas e nada comprováveis, estariam
destinadas ao passado mais longínquo da humanidade (CORTELLA, 2007,
p.14). No entanto, no desenvolver da história percebe-se que não foi
exatamente isso o que aconteceu.
A reestruturação do país, iniciada com a proclamação da república
em 1890, ganhou contornos ainda mais evidentes na década de 1930, ou
seja, na era Vargas, principalmente com a promulgação da Constituição de
1934. Nesta Constituição, pode-se perceber que por trás dessas
reconfigurações estruturais de ordem políticas, uma questão foi se
moldando e refazendo-se de tal forma que a construção oculta dos seus
interesses quase consegue passar despercebido. Igreja e Estado
começavam a reatar os seus laços.
A esta retomada de interesses Pedro de Oliveira parafraseando Della
Cava classificou este momento de bom entendimento entre Igreja e Estado
como uma ―concordata não escrita‖ (OLIVEIRA, 1992, p.42). Neste
contexto, o que fica subentendido é que a perspectiva de um Estado laico,
necessariamente, não traz como condição uma ruptura definitiva com a

760
FONAPER

religião, mas que estas duas representações não precisam ocupar os


mesmos espaços para se conciliarem em seus próprios interesses.
Desta forma, antes de qualquer tentativa de buscar a compreensão e
o desenvolvimento do Ensino Religioso no país, em seu processo de
escolarização5, é importante termos em mente que por detrás de todo este
movimento existia, ou podemos dizer, ainda existe, distintas formas de
diálogos entre Religião e Estado o que me faz acreditar que a noção de um
Ensino Religioso facultativo, certamente, pode se dar apenas na redação
de um documento. Entretanto, segundo João D. Passos, o caráter
facultativo mantinha sua ligação com as confessionalidades, garantindo, ao
mesmo tempo, o direito à formação religiosa e a laicidade dos currículos
escolares como um todo (PASSOS, 2007, p.57). E ainda diz:

Essa ligação manteve uma continuidade entre as comunidades


religiosas e as escolas e reproduziu no interior destas as catequeses
das Igrejas que conquistavam espaço. Ainda que estejamos longe de
uma legitimação dessa prática, o modelo catequético ainda subsiste
em algumas práticas de ER e sustenta projetos advindos de Igrejas
cristãs e evangélicas (PASSOS, 2007, p.58).

No percurso desta relação dialogal a atribuição de um caráter


facultativo para o Ensino Religioso, na verdade, pode ser interpretado
como uma dessas atitudes, até mesmo porque como nos sugere Carlos
Roberto Cury talvez seja necessário compreender o Ensino Religioso
como sendo mais do que ele aparenta ser (CURY, 2004, p.184). Neste
caso, atribuir um caráter facultativo a um componente curricular pode ser a
forma mais estratégica de ocultar uma separação que na verdade nunca
aconteceu.

Estado e Religião: Diálogos contemporâneos


Se a premissa dita pelos teóricos da secularização em meados dos
séculos XVIII e XIX de que a Religião seria subjulgada pelo advento da
modernidade, ainda persistisse, certamente, hoje, sem desconsiderar as
motivações da época, não seria nenhum absurdo acadêmico contrapor
essa hipótese não confirmada. Como já foi discutido anteriormente, neste

5
O professor Sérgio Junqueira em sua obra o processo de escolarização do ensino
religioso no Brasil (2002), publicado pela editora vozes, oferece uma contribuição nesta
direção.
761
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

trabalho, é fato, que a própria modernidade em sua tendência totalitária,


tem proporcionado para as Religiões uma abertura para que elas próprias
consigam se inserir no atual contexto social incluindo, também, todos os
seus paradigmas, sejam eles de ordem política, econômica e cultural. E o
caminho que torna essa tarefa possível é a via do Diálogo.
É certo que o Diálogo em qualquer situação necessita de algumas
princípios ou critérios éticos para orientar as ações. Parar, ouvir e acima de
tudo refletir a partir do que foi dito, requer uma grande confiança e
aceitação do outro. Neste sentido, Faustino Teixeira indica que o autêntico
diálogo inter-religioso requer esse exercício positivo de envolver-se, o
quanto possível, na experiência religiosa do outro, de deixar-se habitar
pelo seu enigma e enriquecer-se com sua novidade (TEIXEIRA, 2012,
p.21). Apesar do sentido religioso da reflexão, a mesma não deixa de
oferecer uma valorosa contribuição para a nossa análise. O campo pode
ser distinto, mas, os interesses finais possuem semelhanças.
Diálogo, enquanto processo de maturação e construção de
conhecimentos, é um princípio que já está completamente inserido na
própria ―natureza‖ do Ensino Religioso. Este passa a ser ideologicamente
adotado como um meio de se despertar determinados valores como:
solidariedade, acolhimento e troca de conhecimentos entre outros. O mais
importante é reconhecer e praticar as disposições que tornam o diálogo
autêntico e proveitoso.
A partir dessa construção teórica, partimos para o caráter paradoxal
de nosso interesse. O Concílio Vaticano II por meio da Gaudium et Spes,
passa das condenações anteriores à disposição para dialogar. (LOPES,
2001, p. 14). Portanto, a Gaudium et Spes representa, ao menos para os
cristãos católicos, a passagem de uma Igreja que habitualmente abraçava
a sua condição institucional, ou seja, voltada para si mesma, para uma
Igreja que tende agora se inserir na realidade social e abrir-se para os
desafios advindos de um mundo secular.
Nestes novos tempos da modernidade, modernizar-se conforme a
nova conjuntura política, não foi uma opção e sim uma necessidade. Até
mesmo porque como toda instituição social, as Igrejas devem adaptar-se
aos novos contextos em que vivem os seus fiéis, a fim de mantê-los como
adeptos (NUNES, 2004, p.33). E é certo que o catolicismo tem enfrentado
este problema. Como consequência deste fato, o catolicismo deixou de ser
compreendido, apenas, como uma religião que se limita a viver de maneira

762
FONAPER

regrada tão somente pelos seus dogmas e histórico. O objetivo final não é,
apenas, a salvação espiritual de cada pessoa, é salvá-los do interesse
fortuito de outras entidades de expressões representativas da sociedade,
sejam elas religiosas ou civis e para isso uma parceria com o Estado se
constitui numa boa opção.
O compromisso com o Estado, muitas vezes transmitido como
compromisso social, ou seja, como compromisso com a sociedade civil se
torna para o catolicismo uma consequência e adaptação natural em prol da
fé cristã. Compete então, tentarmos entender que, o que está de fato se
articulando é uma íntima e complexa relação marcada por interesses e
tentativas de controle e hegemonia perante a sociedade. Tudo isto pode
até parecer, para os menos ávidos por história, uma grande novidade, mas
é fato que estamos nos deparando com uma novidade que é tão nova
quanto a própria história do Brasil.

A estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder


comanda, em cada conjuntura, a configuração da estrutura das
relações constitutivas do campo religioso que cumpre uma função
externa de legitimação da ordem estabelecida na medida em que a
manutenção da ordem simbólica contribui diretamente para a
manutenção da ordem política, ao passo que a subversão simbólica
da ordem simbólica só consegue afetar a ordem política quando se faz
acompanhar por uma subversão política desta ordem (BOURDIEU,
2001, p.69).

Portanto, o que procuramos apresentar de forma breve neste texto é


um tanto complexo. Na realidade empírica pode facilmente ser verificado
por meio da presença religiosa nos espaços públicos, através de pequenos
símbolos religiosos até situações mais concretas, como é o caso de líderes
religiosos ocupando cargos políticos em diversos espaços de
representação do Estado. O que não se pode confundir, no entanto, é a
presença de pessoas adeptas à denominações religiosas a serviço do
Estado com a ou uma religião influenciando nas decisões políticas do
Estado. Sendo assim, a religião pode cumprir um papel de mediação entre
dois elementos opostos: os fundamentalismos e os secularismos
(CIPRIANE, 2012, p.17).
Pode até parecer uma casualidade, mas a causalidade deste fato se
apresenta de uma maneira mais óbvia. E o óbvio está em percebermos
que a condição pós-moderna que impôs que a Religião se aproximasse do
mundo secular e deixasse de uma forma bastante evidente as suas

763
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

relações com o Estado. O mesmo pode ser dito sobre o Estado, na medida
em que esta mesma situação pôs em xeque a sua laicidade. Cria-se aqui
um conteúdo curricular para o Ensino Religioso, cujas consequências
advindas desta proximidade, agora declarada, podem proporcionar
situações que não podem deixar de ser discutida prioritariamente pelo
Ensino Religioso.

Considerações finais
A gênese deste trabalho, por tratar-se de uma análise focalizada, em
uma determinada realidade, com certeza difere em muito de outras
conjunturas nacionais, no entanto, considerando os debates que têm sido
promovidos pelo FONAPER (Fórum Nacional Permanente do Ensino
Religioso) em seus congressos e seminários nos últimos anos, concluímos
que determinadas questões abordadas neste trabalho podem não estar
presentes em outras regiões do território nacional.
Portanto, acredito que o objetivo final deste trabalho, que foi o de
chamar a atenção para vislumbrarmos através dos fatos recentes, no que
se refere ao envolvimento da Religião com o Estado, um campo de estudo
com grandes possibilidades de chegarmos a inúmeras conclusões,
principalmente quando discutida no âmbito das polêmicas que fazem parte
do Ensino Religioso. Para isso, a velha questão da secularização do
Estado pode, com certeza, apresentar-se sob novas configurações.
Outra situação que pode cair em descrédito, a partir da compreensão
da relação existente entre Religião e Estado, é o velho dito popular o qual
afirma que Religião e política não se discutem. Não apenas se discute
como pode se tornar elemento de aprendizagem na sala de aula.
Dessa forma, para o Ensino Religioso fundamentar-se teoricamente
e melhor contribuir com a educação em nosso tempo, não implica reduzir a
Religião a um mero aparato de conforto individual, ou a um aglomerado de
simplórias reflexões com base num passado distante, mas trazê-la
enquanto fenômeno que se manifesta na diversidade de expressões e
manifestações culturais e religiosas. O papel social desempenhado pelo
Ensino Religioso no tempo presente pode trazer consequências para a
sociedade muito além de outros campos do saber.

764
FONAPER

Referências

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BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo:


Perspectiva, 2007. (Coleção estudos)

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9.394/96. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

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STEIL, Carlos Alberto. (Orgs.). A religião no espaço público: atores e
objetos. São Paulo: Terceiro nome, 2012. p.15-27.

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docente. In: SENA, Luzia. (Org.). Ensino Religioso e formação docente:
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2007. p.11-20.

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retorno de uma polêmica recorrente. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n27/n27a12.pdf Acesso em: 03/08/2013

DURKHEIM, Émile. As formas elementares de vida religiosa. São


Paulo: Paulus, 2008. (Coleção sociologia e religião)

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painel de um debate. In: MOREIRA, Alberto da Silva; OLIVEIRA, Irene
Dias de. (Orgs.). O futuro da religião na sociedade global: uma
perspectiva multicultural. São Paulo: Paulinas, 2008. p.17-35. (Coleção
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NUNES, Maria José Rosado. O catolicismo sob o escrutínio da


modernidade. In: SOUZA, Beatriz Muniz de; MARTINO, Luís Mauro Sá.
(Orgs.). Sociologia da religião e mudança social: católicos protestantes

765
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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36.

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SANCHIS, Pierre. (Org.) Catolicismo: Modernidade e tradição. São Paulo:
Loyola, 1992. p.41-66.

OTTO, Rudolf. O sagrado. São Leopoldo: Sinodal, 2011.

PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta.


São Paulo: Paulinas, 2007. (Coleção temas do ensino religioso)

STEIL, Carlos Alberto. Oferta simbólica e mercado religioso na sociedade


global. In: MOREIRA, Alberto da Silva; OLIVEIRA, Irene Dias de. (Orgs.).
O futuro da religião na sociedade global: uma perspectiva multicultural.
São Paulo: Paulinas, 2008. p.7-16. (Coleção estudos da religião)

TEIXEIRA, Faustino. Buscadores do diálogo: Itinerários inter-religiosos.


São Paulo: Paulinas, 2012. (Coleção percursos e moradas)

766
ENSINO RELIGIOSO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NAS
ESCOLAS PÚBLICAS: UM DESAFIO A SER ENFRENTADO

Elivaldo Serrão Custódio (PPGDAPP/UNIFAP)1

Resumo:
O presente artigo tem por objetivo discutir sobre o desafio do Ensino Religioso (ER) e o
diálogo inter-religioso nas escolas públicas. Pretende-se apresentar sucintamente conflitos
existentes em torno de algumas discussões atuais. Contextualiza-se a trajetória do ER no
decorrer da história, a compreensão do pluralismo religioso, e o direito à liberdade religiosa
como liberdade de consciência, de crença, de culto. A tolerância nas diferenças bem como
a necessidade da alteridade. Aborda-se as questões sobre o novo horizonte do diálogo
inter-religioso das religiões, diante do pluralismo religioso. Finaliza-se com questões
práticas sobre o ER, nas escolas públicas, assegurando o respeito à diversidade religiosa e
garantindo a integralidade das diferentes tradições religiosas.

Palavras-chave: Ensino religioso; Pluralismo; Diálogo inter-religioso; Escola pública.

Introdução
No Brasil, não existe hoje um consenso em torno da questão do ER
nas escolas públicas. É um tema extremamente complexo, que envolve
uma série de variantes para sua abordagem. Não há como trabalhar esta
questão desconsiderando as conquistas republicanas do Estado Laico,
sobretudo a liberdade religiosa; bem como o reconhecimento de uma
afirmação cada vez mais decisiva da pluralidade religiosa no país.
O Brasil vem passando por importantes mudanças no campo
religioso nestas últimas décadas, e isto recondiciona o tratamento da
questão do ER. Há ainda aqueles que insistem na defesa de um ER
confessional nas escolas públicas, com garantia do controle doutrinal dos
conteúdos a serem ministrados e a seleção reservada de seus docentes; e
outros que defendem um ER não confessional, a ser ministrado por
docentes que manifestem conhecimento adequado e amplo para abordar a
história das religiões, suas bases antropológicas e a força espiritual das

1
Matemático, Teólogo, Especialista em Fundamentos da Matemática Elementar, Ensino
Religioso e Docência do Ensino Superior. Professor Efetivo da Rede Pública Estadual
de Ensino do Estado do Amapá. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito
Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá
(PPGDAPP/UNIFAP), Brasil. E-mail: elivaldo.pa@hotmail.com
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religiões, enquanto inspiradoras de práticas alternativas e conferidoras de


um fundamental horizonte de sentido para as pessoas (TEIXEIRA, 2006).
A crescente afirmação do campo de estudos em ciências da religião
hoje no Brasil vem, certamente, favorecer uma importante ampliação do
estudo do fenômeno religioso, de capacitação de profissionais
instrumentados para esta reflexão específica e de contribuição efetiva para
o enriquecimento pedagógico nesta delicada e fundamental área.
A Educação Escolar tem possibilitado historicamente o acesso ao
conhecimento produzido pela humanidade e ao mesmo tempo o
desenvolvimento do indivíduo enquanto pessoa, através de valores e
atitudes. Assim, entendendo a educação escolar como um processo de
desenvolvimento global da consciência e da comunicação entre educador
e educando. À escola compete integrar, dentro de uma visão de totalidade,
os vários níveis de conhecimento: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o
racional e o religioso (PCNER, 2009, p. 44).
O presente trabalho trata-se de um estudo exploratório de natureza
qualitativa que adotou a pesquisa bibliográfica, a análise documental e a
entrevista, como forma de investigação. O artigo insere-se no âmbito do
projeto de dissertação e tem como objetivo discutir sobre o desafio do ER
e o diálogo inter-religioso nas escolas públicas. A discussão inicia com
uma breve contextualização do ER na história da educação brasileira. Em
seguida, trata-se do pluralismo religioso como novo paradigma e, por
último, do ER e o diálogo inter-religioso nas escolas públicas: um desafio a
ser enfrentado.

Breve contextualização do ensino religioso na história da educação


brasileira

Ao realizar este estudo sobre o ER no Brasil, em busca de


fundamentos e de uma infraestrutura para a sua real efetivação hoje como
área de conhecimento é preciso considerar o contexto socioeconômico e
político-cultural em que esteve inserido nas sucessivas épocas: do regime
colonial ao regime republicano. A história nos revela a origem e a
proveniência de um conflito secular no sistema educacional brasileiro, qual
seja a inclusão e exclusão do ER como disciplina normal do sistema,

768
FONAPER

denominada ―educação religiosa‖ e legalizada como área de


conhecimento2.
No Brasil, a presença do ER nas escolas públicas não é objeto de
consenso democrático. Nos últimos 12 anos o ER no Brasil tem sido
novamente alvo de debates, não mais como nos períodos correspondentes
ao processo constituinte e à elaboração das leis ordinárias consequentes
das décadas de 1930 a 1960, mas quanto à compreensão de sua natureza
e papel na Escola, como disciplina regular do currículo.
O ER nas escolas públicas é uma constante nas constituições
federais e na prática escolar, com exceção do período que vai do Decreto
nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, de autoria de Rui Barbosa, que oficializa
a separação entre a Igreja e Estado, até o Decreto nº 19.941, de 30 de
abril de 1931, que reintroduz o ER nas escolas públicas.
No Brasil o ER é legalmente aceito como disciplina escolar e sua
trajetória inicia-se com a colonização portuguesa e tem sido marcada por
grande complexidade e teor polêmico, pois oculta uma dialética entre
secularização e laicidade no interior de diferentes contextos históricos e
culturais.
Segundo Junqueira e Wagner (2011, p. 18), o ER no Brasil nestes
500 anos está marcado pelo predomínio da presença e ação da Igreja
Católica Apostólica Romana. Nessa trajetória, passou por diferentes
concepções. Inicialmente, era compreendido como ensino da religião,
doutrina, educação pastoral, meio de evangelização e ER confessional. A
partir dos anos de 1970, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) nº 5.692/1971, artigo 7º, parágrafo 1º, o ER foi incluído
na grade curricular, tornando-se obrigatório nas escolas de ensino
fundamental e médio.
De acordo com a matéria de reportagem sobre religião na escola
pública publicada no site da Agência Brasil, intitulada ―Escolas de fé: a
religião na sala de aula‖ de autoria de Cieglinski, Konchinski e Leitão
(2011) a história do ER no Brasil teve seu início a partir de 1540, com a

2
ER como área do conhecimento porque integra um sistema de ensino escolar absorvido
e ampliado pela educação religiosa como área de conhecimento, sustentada por um
projeto político pedagógico. Tal projeto, orientado por diretrizes nacionais, estabelece
princípios para elaboração de propostas curriculares para os diferentes níveis de ensino
(CNBB, 2007, p. 28).
769
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

chegada da Companhia de Jesus3, vinda de Portugal, ordem esta que


passa a atuar na educação dos colonos e índios brasileiros. No período
colonial não havia ainda uma disciplina intitulada ―Ensino Religioso‖. O que
havia era o ensino da religião católica, que tinha um propósito estritamente
catequético.
No período colonial, a preocupação fundamental do governo de
Portugal era dilatar as fronteiras da fé e do império. Os reis de Portugal
procuravam estender a fé cristã nas colônias conquistadas. A implantação
de uma sociedade cristã, nos moldes da sociedade portuguesa da época,
era um dos objetos do projeto colonizador português (CURY, 2004).
A educação católica de caráter doutrinário permaneceu durante todo
o período colonial. Em 1824, a Carta Constitucional de 25 de Março
declarou, em seu artigo 5º, o catolicismo como a religião oficial do Império.
A primeira lei no período imperial sobre o ER é de 15 de outubro de 1827.
A lei manda criar escolas em todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos do Império. No final do Império, o ER perde espaço e é
substituído pela disciplina de educação moral e cívica. Outra mudança que
ocorre neste período se refere ao fato de os alunos não católicos serem
excluídos da obrigatoriedade de assistir aulas de ER de orientação católica
(RANQUETAT JR., 2007).
Somente em 1890, já no período republicano, o Brasil se torna um
país laico por meio de alterações na Constituição. O Decreto nº 119 – A,
de 07 de janeiro de 1890, separa a Igreja4 do Estado. A laicização do
Estado é consagrada na CF de 1891. Essa mudança teve impacto muito
grande na política educacional. Com a separação entre Igreja e Estado, o
ER foi retirado das escolas públicas. O artigo 72 §6º da Constituição
Federal (CF) de 1891 assim estabelecia: ―Será leigo o ensino ministrado
nos estabelecimentos públicos‖.
Em 1926, a partir de uma nova revisão constitucional, alguns estados
passaram a legislar de forma independente sobre o assunto, organizando
sua própria oferta de ER. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder
marcou-se uma nova fase de reformas educacionais no país.

3
No século XVIII já havia 17 colégios e seminários, 25 residências e 36 missões
controladas por esta organização (ALBUQUERQUE, 2004).
4
A Igreja Católica reagiu à separação. Exemplo desta reação está na Pastoral coletiva do
episcopado brasileiro de 1890, que procurava demonstrar os males que podem advir de
um Estado laico, divorciado da Igreja (MOOG, 1981).
770
FONAPER

Em 30 de abril de 1931 foi publicado o Decreto nº 19.941, que


reintroduziu o ER nas escolas públicas. Dizia o Decreto nº 19.941, em seu
artigo 1°: ―Fica facultativo, nos estabelecimentos de instrução primária,
secundária e normal, o ensino da religião‖. Já a CF do Estado Novo,
outorgada em 10 de novembro de 19375, menciona o ER nas escolas
públicas, mas com algumas modificações em relação à CF de 1934.
Em 1942 é formulada a lei orgânica do ensino secundário (Decreto-
Lei nº 4.244, de 9 de abril), preparada pelo ministro da educação Gustavo
Capanema. O artigo 21 faz alusão ao ER expressando que o ensino da
religião constituiria parte integrante da educação da adolescência, sendo
lícito aos estabelecimentos de ensino secundário incluí-lo nos estudos do
primeiro e do segundo ciclos. Além disso, os programas de religião e o seu
regime didático seriam fixados pela autoridade eclesiástica.
O ER nas escolas públicas, nas décadas de 1930 e 1940 do século
passado, teve grande importância estratégica, servindo aos interesses do
Estado e da Igreja. A presença do ER, Constituições Federais, Leis e
Decretos nacionais e estaduais, se devia em grande parte ao poder das
lideranças católicas que se avaliam aos dirigentes dos estados brasileiros,
sobretudo Getúlio Vargas. Em 1961 é publicado a primeira LBDEN nº
4.024/1961, que regulamentava o sistema educacional.
Na LDBEN de 1961, o ER nas escolas públicas era concebido de
forma confessional e ensinado, na maioria das vezes, por pessoas
vinculadas a denominações religiosas, já que não existia o profissional
com formação superior em ER e seria oferecido sem ônus para os cofres
públicos. Não há, na Constituinte de 1966-1967, grandes debates sobre o
ER nas escolas públicas; apenas a questão da remuneração dos
professores é que motivou alguns debates.
As Constituições de 1934 e 1946 e a LDBEN de 1961 referem-se a
um ER confessional. Além disso, o mesmo artigo 97 cala sobre a
remuneração dos professores que estabelece que este seja de matrícula
facultativa, e não de frequência facultativa, como afirmava a CF de 1934
(RUEDELL, 2005).
Em 1971 é publicada nova LBDEN, a Lei nº 5.692, de 11 agosto de
1971, faz referência ao ER nas escolas públicas no artigo 7º § único: ―O

5
Esta Constituição foi regida por Francisco Campos e ficou conhecida como ―Polaca‖, por
ser inspirada na Constituição Polonesa, de teor fascista.

771
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos


horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus.‖ A LDBEN
de 1971 difere da LBDEN de 1961, pois exclui a expressão ―sem ônus para
os cofres públicos‖ e não estabelece que o ER deva ser ministrado de
acordo com a confissão religiosa do aluno e estende o ER nas escolas
públicas para o 2º grau.
A partir do começo da década de 1970, o ER nas escolas públicas
passa por um processo de transformação, de redefinição. Em vários
estados brasileiros formaram-se grupos ecumênicos coma finalidade de
criar um programa interconfessional cristão de ER nas escolas públicas.
Nos anos de 1986-87, quando ocorreu a Assembleia Nacional
Constituinte, os debates, as discussões e mobilizações em torno da
inclusão de um dispositivo constitucional que garantisse o ER nas escolas
públicas foram acalorados, lembrando o que aconteceu na década de
1930. De um lado estavam os grupos religiosos, principalmente a Igreja
Católica e os grupos ligados a ela, argumentando a favor do ER nas
escolas públicas. De outro, os grupos secularistas, principalmente
associações de educadores, contra o ER nas escolas públicas e a favor da
escola laica (RANQUETAT JR., 2007).
Apesar da oposição6, a expressão exercida pelos grupos religiosos a
favor do ER nas escolas públicas surtiu efeito. O dispositivo constitucional
sobre o ER foi incluído na CF de 1988, que assim se refere em seu artigo
210 § único: ―O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental‖. O artigo constitucional afirma a facultatividade da matrícula,
de modo que o aluno não é obrigado a assistir as aulas de ER. A
obrigatoriedade está no oferecimento desta disciplina pela escola pública.
Em 1996, A LBDEN nº 9.394 em seu artigo 33, estabelecia que o ER
seria oferecido sem ônus para os cofres públicos. Sendo o mesmo de
caráter confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou
responsável, e ministrado por professores ou autoridades religiosas
preparadas e credenciadas pelas respectivas igrejas, podendo também ser
este ensino de caráter interconfessional, resultante de acordo entre as

6
Associações de Educação, como a Associação Nacional de Educação (ANDE), a
ANPED, bem como diversos professores universitários defendiam o ensino laico. A
posição de tais entidades e educadores lembrava a postura dos grupos laicistas das
décadas de 1920 e 1930.
772
FONAPER

diversas entidades religiosas, que se responsabilizaram pela elaboração


do respectivo programa. Tal dispositivo legal não agradou a Igreja Católica,
nem ao Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER)7, já
que o ER seria ministrado nas escolas públicas sem que houvesse o
pagamento dos professores da disciplina por parte do Estado.
Devido às fortes pressões lideradas pela Igreja Católica e pelo
FONAPER, foram apresentados ao Congresso Nacional três projetos de lei
que alteram o artigo 33 da LDBEN de 1996. O primeiro projeto foi
apresentado pelo deputado federal Nelson Marquezan, reiterando a
expressão ―sem ônus para os cofres públicos‖. O segundo projeto foi
apresentado pelo deputado federal Maurício Requião, mudando de forma
substancial o artigo da LBDEN, estabelecendo que o ER devia colaborar
com a formação básica do cidadão e vetava qualquer forma de
proselitismo e doutrinação, respeitando a diversidade religiosa brasileira.
Por fim, o projeto de lei de autoria do Poder Executivo, nº 3.043/1997, que
defendia a manutenção do texto da LDBEN, com algumas ressalvas
(JUNQUEIRA, 2002).
A nova redação do artigo 33 da LDBEN de 1996 foi sancionada em
22 de julho de 1997 pelo presidente da República Fernando Henrique
Cardoso, mediante a Lei nº 9.475/1997, onde estabelece em sua redação
que o ER é parte integrante da formação básica do cidadão, constituído
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do
Brasil, vedando qualquer forma de proselitismo.
Recentemente, o Conselho Nacional de Educação (CNE), através da
sua Câmara de Educação Básica (CEB), editou a Resolução nº 04, de 13
de julho de 2010, em que define as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) para a Educação Básica, em seu artigo 14, letra ―f‖ traz o ER
incluído na base comum da educação básica e como área de
conhecimento.

7
O FONAPER é uma sociedade civil de âmbito nacional, sem vínculo político-partidário,
confessional e sindical, sem prazo determinado de duração, que congrega, conforme
seu estatuto, pessoas jurídicas e pessoas físicas identificadas com o Ensino Religioso
escolar e se constitui em um organismo que trata questões pertinentes ao ER. Vale
registrar nesse momento seu importante trabalho em favor da construção de
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER) em 1997. O
documento, que não é oficial, sistematiza objetivos e conteúdos para a disciplina.
773
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Em 2008, por ocasião da visita do papa Bento XVI ao Brasil, o então


presidente Luiz Inácio Lula da Silva ratificou acordo com a Santa Sé8. O
Artigo II do documento reafirma a importância do ER – católico e de outras
confissões religiosas – para ―formação integral da pessoa‖. O documento é
um tratado internacional, reconhecido pela CF de 1988 que traz de volta a
polêmica confessionalidade do ER.
Esse posicionamento ―o ensino religioso, católico e de outras
confissões religiosas‖ contraria os esforços de se pensar o ER a partir da
pluralidade, pois não leva em conta a aqueles que não estão circunscritos
no âmbito institucional das confissões, como por exemplo, os grupos
denominados ―sem religião‖.
O texto do acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé foi
apresentado ao Congresso Nacional e iniciou o processo de tramitação em
13/03/2009. Em 26/08/2009, foi aprovado pela Câmara e foi enviado ao
Senado em 08/09/2009 sendo aprovado em 07 de outubro do mesmo ano.
Em 11/02/2010, o Presidente da República, promulgou o Acordo, publicado
no Diário Oficial da União pelo Decreto nº 7.107 no dia 12/02/2010.
Em reportagem especial a Revista Nova Escola Online na edição de
nº 04 de outubro/novembro de 2009, Fischmann explica que o acordo
aprovado no Senado, que estabelece obrigatoriedade do ER na rede
pública, fere a CF de 1988. O documento assinado pelo presidente da
República prevê vários privilégios para a Igreja Católica. O acordo
manifesta uma clara preferência por uma religião, o que obriga as escolas
a adotar uma determinada confissão, e isso é inconstitucional.
Atualmente essas discussões ainda são bastante comuns e tanto
polêmicas em diversos segmentos da sociedade brasileira, surgindo assim
vários questionamentos e pontos de vista diferentes a esse respeito, como
por exemplo, a crítica da Organização das Nações Unidas (ONU) pela
imposição do ER em escolas públicas brasileiras.
Diante desses argumentos e posições, percebe-se que a questão do
ER nas escolas públicas é uma discussão muito complexa. Entretanto,
acredita-se que essa disciplina seja indispensável e necessária na
formação do discente como cidadão atuante e participativo.

8
O acordo entre Santa Sé e o Brasil manteve a totalidade de seu conteúdo em sigilo até
que houvesse consenso entre as partes, o que aconteceu em novembro de 2008,
quando a Concordata foi assinada em Roma.
774
FONAPER

O pluralismo religioso como novo paradigma


A tolerância para o verdadeiro respeito à diversidade religiosa,
própria de uma sociedade pluralista, parece ser o grande desafio da
atualidade no plano da liberdade religiosa e da própria convivência social e
democrática, pluralista e mais humana.
O pluralismo religioso9 é um fenômeno incontestável desde o século
XX e traduz um dos mais fundamentais desafios para a teologia cristã.
Reconhecer o pluralismo como novo paradigma (KUHN, 1962). Para as
religiões significa recuperar o valor da pluralidade e a riqueza da
diversidade. A teologia das religiões ou do pluralismo religioso constitui um
campo novo de reflexão e seu estatuto epistemológico vai sendo definido
progressivamente. Trata-se de um fenômeno típico da modernidade plural,
que provoca a crise das ―estruturas fechadas‖ e convoca a ―sistemas
abertos de conhecimento‖ (BERGER, 1997, p. 45).
O reconhecimento e a abertura ao pluralismo de princípio não
ocorreram sem resistências e dificuldades. Sobretudo nestes tempos de
acirramento das identidades e de radicalização etnocêntrica, inúmeros
obstáculos são contrapostos ao esforço teológico de pensar o pluralismo
religioso de forma mais rica e aberta.
É tarefa importante o favorecimento da percepção da riqueza e do
valor de um mundo plural e diversificado. As religiões não são apenas
genuinamente diferentes, mas também autenticamente preciosas. Há que
se honrar essa alteridade10 em sua especificidade peculiar, reconhecendo
o valor da plausibilidade de um pluralismo religioso de direito ou de
princípio. A abertura ao pluralismo constitui um imperativo humano e
religioso (TEIXEIRA, 2006).
A diversidade religiosa deve ser reconhecida com traço de riqueza e
valor, um valor que é irredutível e irrevogável. Este desafio foi assumido
de forma viva pela teologia do pluralismo religioso e aparece agora como

9
Este é o termo hoje mais preciso para tratar a questão, embora tradicionalmente fala-se
mais em teologia das religiões.
10
A palavra alteridade, que possui o prefixo alter, do latim, significa colocar-se no lugar do
outro na relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação, e dialogar
com o outro, experienciando suas riquezas e limites. Na prática, alteridade se conecta
aos relacionamentos tanto entre os indivíduos como entre grupos culturais religiosos,
científicos e étnicos (RECH, 2009).
775
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

um caminho enriquecedor para a ampliação de horizontes da teologia da


libertação11.
Não é de hoje que a teologia cristã vem sendo colocada diante do
fundamental desafio do pluralismo religioso. Há, portanto, dificuldades e
obstáculos bem visíveis que obstruem a afirmação de uma reflexão
teológica novidadeira sobre o pluralismo religioso no âmbito da tradição
cristã, e em particular da tradição católico-romana (TEIXEIRA, 2007).
O momento atual exige, porém, uma outra perspectiva e
sensibilidade. Não há mais espaço no tempo do pluralismo religioso para
narrativas absolutizadoras e para linguagens desclassificadoras:

Em nenhuma outra época as pessoas tiveram tanto senso da


diferença dos outros, do pluralismo das sociedades, das culturas e das
religiões, bem como da relatividade que isso implica. Já não é possível
postular a centralidade da cultura ocidental, a supremacia de sua
perspectiva, ou o cristianismo como a religião superior, ou o Cristo
como o centro absoluto em relação ao qual todas as demais
mediações históricas são relativas. (HAIGHT, 2003, p. 385).

Com isso, há que superar a lógica do ―desencontro‖ em favor da


busca de uma nova relação dialogal; há que construir uma nova linguagem
de acolhida da alteridade, marcada pela delicadeza e cortesia, respeitosa
para com o patrimônio religioso dos outros; há que encontrar também um
novo entendimento teológico, que instaure uma nova forma de captar e
pensar o universo dos outros.

Ensino religioso e diálogo inter-religioso nas escolas públicas: um


desafio a ser enfrentado

O diálogo inter-religioso constitui neste início do século XXI um dos


desafios mais imprescindíveis para a humanidade. Tem-se falado
inúmeras vezes que a paz entre as religiões constitui condição
fundamental para a paz no mundo. Infelizmente, este horizonte de
fraternidade e diálogo encontra-se ainda bem distanciado. O quadro do

11
A teologia da libertação nasce por volta do ano de 1968 buscando uma dupla fidelidade:
ao Deus da vida e ao povo latino-americano. Nasce como uma nova maneira de fazer
teologia, entendida como uma ―reflexão crítica da práxis histórica à luz da Palavra.
Segundo a teologia da libertação, a ação salvífica de Deus está presente em todo
processo histórico que trabalha em favor da dignificação do ser humano. A dinâmica
reflexiva da teologia da libertação vem iluminada pela perspectiva do pobre e de sua
libertação (GUTIÉRREZ, 1975).
776
FONAPER

tempo atual é revelador de um espectro de violência e fascínio do mal. Tal


cenário revela-se ainda mais doloroso ao se perceber a presença e o lugar
da religião nos embates e conflitos contemporâneos. Desde as últimas
décadas tem-se verificado ―um surpreendente surto de violência
condicionada pela religião‖ (TEIXEIRA, 2002).
O difícil e arriscado desafio do diálogo inter-religioso consiste em
apontar e demonstrar a possibilidade de um horizonte de conversação
alternativa; de indicar que a violência religiosa não faz parte da essência
da religião, mas constitui um desvio ou traição do dinamismo mais
profundo que anima a relação do ser humano com o Absoluto. A
diversidade religiosa deve ser reconhecida não como expressão da
limitação humana ou fruto de uma realidade conjuntural passageira, mas
como traço de valor e riqueza (TEIXEIRA, 2002).
O ser humano é um nó de relações, não podendo ser compreendido
de forma destacada do outro com o qual se comunica. O diálogo constitui,
assim, uma dimensão integral de toda a vida humana. É na relação com o
tu, que o sujeito constrói e aperfeiçoa a sua identidade. O que conta no
diálogo é a reciprocidade existencial, o ―intercâmbio de dons‖, a dinâmica
relacional que envolve a semelhança e a diferença em processo rico de
abertura, escuta e enriquecimento mútuos. É neste contexto dialogal que a
identidade vai ganhando fisionomia e sentido, enquanto expressão de uma
busca que é incessante, árdua e criativa (JOÃO PAULO II, 1995).
Dentre a extensa variedade de formas de diálogo, situa-se o diálogo
inter-religioso com sua peculiaridade própria. Uma das condições mais
essenciais para o diálogo inter-religioso é a virtude da humildade. No
diálogo experimenta-se a consciência dos limites e a percepção da
presença de um mistério que a todos ultrapassa. O diálogo exige
humildade, abertura e respeito ao diferente.
O diálogo inter-religioso pressupõe convicção religiosa, exigindo de
seus interlocutores um empenho de honestidade e sinceridade, que
envolve a integralidade da própria fé. O diálogo verdadeiro é animado por
liberdade total, não podendo ser movido por oportunismos táticos. O
diálogo não pode exigir nada do outro, senão a disposição de ouvi-lo,
compreendê-lo e respeitá-lo.
A paz entre as religiões consiste em requisito essencial para a paz
entre as nações. O verdadeiro diálogo não pode ficar confinado na esfera
religiosa, mas deve abraçar todas as dimensões da vida, e se realizar

777
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

também com os não religiosos. Para tanto, deve ser globalmente


responsável e não pode admitir a continuidade do arbítrio, da violência e
do sofrimento injusto entre os seres humanos. Alimenta-se de um sonho
diferente, pontuado pela dinâmica da cooperação, do entendimento e da
paz.
As diversas igrejas e tradições religiosas encontram-se diante de
um desafio essencial para a humanidade neste início de século: respeitar a
diversidade e encontrar caminhos novos de diálogo, cortesia espiritual e
cooperação criadora. O pluralismo religioso não pode ser visto como um
mal ou simplesmente uma etapa conjuntural a ser superada pela vontade
―missionária‖ de complementação. A liberdade religiosa é um dos dados
mais importantes a ser respeitado numa sociedade que se pretenda
democrática, aberta e livre.
Com a crescente diversificação religiosa no Brasil e a afirmação de
um pluralismo religioso insuperável, há, certamente, que lançar novas
bases para a reflexão do ensino religioso na escola pública. Não há como
manter posicionamentos que defendam em âmbito público um ensino
confessional, embora no Brasil ainda persistam em casos específicos
modelos de ER nesta direção, cuja plausibilidade vem reforçada por fortes
lobbies confessionais12.
Pode-se também levantar questões sobre a pertinência de posições
sintonizadas com uma perspectiva mais laicista, que excluem qualquer
possibilidade do ensino religioso na escola pública13. Mas outros modelos
vêm sendo apresentados no Brasil, numa linha de maior respeito ao
pluralismo religioso, e podem ser aqui citadas às experiências do
FONAPER14.
Tendo em vista alguns posicionamentos apresentados do ER no
Brasil, o caminho apontado neste artigo busca uma perspectiva
equidistante seja com respeito à proposta de um ensino religioso
confessional, como de uma rigidez laicista que simplesmente exclui
qualquer possibilidade do ensino religioso na escola pública.

12
Veja por exemplo a situação do Estado do Rio de Janeiro, com a aprovação da Lei
3.459 promulgada pelo governador Anthony Garotinho em 2.000, que marca a
confessionalidade do ER nas escolas da rede pública de ensino.
13
Cf. FISCHMANN (2009).
14
Vale registrar nesse momento o importante trabalho do FONAPER em favor da
construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER).
778
FONAPER

Levando-se em conta a importância do fator religião na sociedade


brasileira e de sua relevância para a compreensão da própria cultura, não
há como excluir a possibilidade do acesso à sua apropriada reflexão na
escola pública. E as ciências da religião e da educação constituem um
canal importante para possibilitar este exercício reflexivo: de
aperfeiçoamento da compreensão do religioso como ―objeto de cultura‖, ou
fenômeno de cultura.
Para Guimarães (2003) a separação entre Igreja e Estado representa
uma conquista histórica que sempre esteve associada ao reconhecimento
da liberdade e da pluralidade espiritual. Garante-se, assim, a tolerância a
todos os cultos e inibem-se manifestações oficiais sobre a validade de
qualquer posição religiosa.
Em nosso país, a CF de 1988 contempla essa tendência e assegura
como inviolável a liberdade de consciência e de crença. Por outro lado, a
nova LDBEN explicita que o ER nas escolas de Ensino Fundamental é
parte integrante da formação básica do cidadão, tendo matrícula facultativa
e devendo ser multiconfessional, o que significa que todas as religiões
devem ter as mesmas oportunidades de estudo.
Há os que defendem que os estabelecimentos públicos não podem
servir de espaço para a pregação religiosa e os que argumentam que a
escola tem a obrigação de oferecer tal ensino dentro da proposta curricular
regular. Esse debate continua em curso e acaba potencializado pelas
diferentes interpretações da lei.
Percebemos que na história do ER brasileiro sempre houve grandes
conflitos existentes em torno das disputas sobre a presença do ER nas
escolas públicas bem como da discussão de sua grade curricular. A
LDBEN diz que o ER não pode ser proselitista. Apesar disso, legislações
de vários Estados – como a do Rio de Janeiro – afirmam que tem de ser
confessional. Diante disso, precisamos entender que os estudantes
brasileiros das escolas públicas têm liberdade de crença, como qualquer
cidadão brasileiro. Há tradições religiosas que pregam o monoteísmo,
outras o politeísmo e as que nem sequer se referem a uma figura divina.
Segundo Fonseca (2004) diante da maior diversidade religiosa
existente em nosso país passamos a conviver com novas situações
provenientes de nossa democracia. Não devemos temer um "retorno à
idade das trevas", mas compreender que a vida em uma sociedade

779
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

democrática pressupõe a presença de disputas e a busca de diferentes


desejos pelos mais variados setores de nossa plural realidade.
Neste contexto é que o papel do Estado precisa ser desempenhado
de forma clara e efetiva, atuando a partir de suas esferas de poder e ao
lado da sociedade civil organizada. O governo não deve favorecer nem
prejudicar qualquer grupo em particular, seja religioso, seja secular.
O ER escolar faz parte, hoje, da pauta de discussão de diversos
segmentos da sociedade brasileira. Ao ER se refere professores, teólogos,
gestores de unidades escolares, secretários de educação e demais
pesquisadores como disciplina que pode proporcionar o conhecimento do
fenômeno religioso, analisando e compreendendo as diferentes
manifestações do sagrado a partir da realidade sociocultural e pode
colaborar para a construção da cidadania, estabelecendo o diálogo inter-
religioso, o respeito às diferenças, a superação de preconceitos e a
promoção de relações democráticas e humanizadoras entre os grupos
humanos (CRUZ, 2010).
Por causa dessas grandes questões polêmicas, pesquisas recentes
e ações na Justiça questionam a inclusão do ensino religioso nas escolas.
Em seu site oficial, o FONAPER esclarece que apesar da obrigatoriedade
do ER, ainda não há uma diretriz curricular para todo o país que
estabeleça o conteúdo a ser ensinado, de maneira a garantir uma
abordagem plural sem caráter doutrinário. Outro problema é a falta de
critérios nacionais para contratação de professores desta área de
conhecimento. Hoje, o país conta com 425 mil docentes, formados em
diversas áreas.
O FONAPER defende a importância da disciplina nas escolas, mas
reconhece a necessidade de que se estabeleçam critérios claros sobre a
formação profissional para que os princípios constitucionais – laicidade do
Estado e obrigatoriedade do ensino religioso sem proselitismo – sejam
respeitados. Para o coordenador da Entidade uma pessoa sem formação
dificilmente conseguirá falar com base em um ponto de vista científico
sobre essa diversidade religiosa.
É fundamental inserir no interior do espaço educacional – nas aulas
do ER - o amplo respeito de que o saber que cada um carrega ao longo da
sua vida é de uma riqueza sem tamanho para o processo de formação do
estudante. A escola é a instituição especializada da sociedade para
oferecer oportunidades educacionais que garantam uma educação no

780
FONAPER

entendimento da diversidade das manifestações do sagrado, pois uma


escola laica deve proporcionar aos estudantes o acesso à compreensão do
mundo no respeito pela laicidade sem privilegiar, evidentemente, esta ou
aquela opção religiosa.
A função social da escola pública é o de promover uma abertura ao
diálogo inter-religioso, na busca do cultivo dos valores comuns a todas as
tradições, tendo por princípio a alteridade e o amplo direito à liberdade
espiritual. O ER na escola deve constituir-se numa concepção
antropológica e aberta à dimensão transcendental do ser humano, pois o
ato de educar para a vida é um processo e exige tempo e sabedoria.

Considerações Finais
No decorrer deste artigo, percebemos que desde o início da história
do ER no Brasil, as discussões e os diversos posicionamentos de sua
aplicabilidade nas escolas públicas vem se tornando cada vez mais
distante do ideal esperado. Percebeu-se que a LDBEN abriu uma grande
brecha e esta, por sua vez, ainda não totalmente regulamentada é objeto
de franca disputa não somente em âmbito federal, mas também nos
estados e municípios, com leis próprias que visam regulamentar a prática
do ER em suas escolas.
De um modo em geral, o que entendemos com toda essa
problematização é que o Brasil precisa avançar em muito na discussão
sobre a liberdade religiosa e o tratamento igualitário entre todas as
matrizes religiosas existentes no Brasil. E neste cenário, a intolerância
religiosa é considerada como umas das questões mais difíceis de serem
enfrentadas pelos educadores, pelas escolas e inclusive pelo espaço
universitário, cuja ausência de tolerância viola a dignidade da pessoa
humana, resguardada pela declaração dos Direitos Humanos.
Nunca se falou tanto em intolerância religiosa como hoje e, é fácil
verificar que a ideia de intolerância religiosa parte da visão que muitos têm
de que a sua religião é que é a verdadeira, e não abrem mão deste
padrão, não se dão a chance de conhecer as outras culturas, outras
religiões; contribuindo assim para o desrespeito com as demais religiões
existentes.
Com isso, perguntamo-nos se realmente será possível um ER sem
Proselitismo? Se entendermos a religiosidade como sendo uma autêntica

781
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

dimensão humana, onde essa necessidade seja a plena realização


humana, então será óbvio a necessidade de contemplarmos também este
aspecto na proposta de sua educação.
É grande o desafio do diálogo e do respeito mútuo quando se trata
de religião no cenário brasileiro. Alguns pontos cruciais como o preconceito
e o julgamento prévio, devem ser vencidos na mentalidade que vigora no
seio das religiões, para que seja possível uma convivência mais amistosa
e a existência de educadores capazes de atuar nesse delicado terreno,
sem violentar consciências.

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Suely Ribeiro Barra1 (UFJF)

Resumo:
O presente texto apresenta alguns desafios oriundos da pluralidade religiosa, a qual sempre
existiu, porém, nas últimas décadas tem ocupado os debates e ações no intuito de
conhecer e compreender suas características, riquezas, impactos e perspectivas sociais,
culturais e religiosas. Neste contexto marcado pela diversidade religiosa, um Ensino
Religioso que trate a pluralidade como elemento de aprendizagem pode contribuir
significativamente para o exercício do diálogo no contexto educacional e social.

Palavras-chave: Pluralidade; Diálogo; Ensino Religioso.

O que é afinal “realidade religiosa”?


Quando se fala em realidade religiosa, naturalmente colocam-se em
cena as grandes tradições religiosas, mas sem se esquecer dos outros
movimentos religiosos que tiveram ou não suas raízes em uma delas. A
primeira coisa que salta à vista é a ampliação incrível do mundo e isto,
logicamente, afeta esta realidade. Esta amplitude é tanto temporal quanto
espacial. Temporal porque até o início do século XIX a idade da
humanidade era estimada em seis mil anos pela maioria dos povos e até
teólogos. Esta dimensão fazia o mundo ser quase perfeitamente abarcável
e dominado pelos tempos bíblicos. Paulo inclusive chegou a ter ilusão de
haver chegado aos confins da terra, baseado na realidade de sua era. Hoje
já se sabe através de estudos paleontológicos que a vida tem pelo menos
um milhão de anos. A ampliação espacial não é menos importante que a
anterior em proporcionar um forte abalo no mundo religioso. Esta incipiente
realidade plural, moderna e tecnológica afeta de modo significativo o
diálogo inter-religioso que não pode acontecer sem ponderar sobre este
contexto espaço-temporal com dados reais e novos.
Nesse sentido é preciso refletir sobre o significado vital da religião e
as inúmeras manifestações do fenômeno religioso, sobre o que é realidade
religiosa e o sentido e a compreensão global da revelação divina além de
uma renovação conceitual. O importante neste contexto inédito é que cada

1
Doutoranda na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail:
suelyribeiro@uai.com.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

crente construa sua própria atitude perante a sua crença. Uma crença
construída sem que tenha um caráter realista e humano e que é aceita
somente porque outros disseram que Deus disse para aceitar não há de
convencer nem durar muito tempo.
Usa-se de forma rotineira a palavra realidade nos mais variados
contextos e nas muitas áreas de atuação e seu conceito parece tão óbvio
que se mergulha no cotidiano sem parar para pensar sobre o seu
significado real. Contudo sabe-se que o mais difícil de perceber é
justamente o que é mais óbvio! Reflexões e conclusões muitas vezes são
descartadas por serem ―óbvias demais‖ isto acontece em muitas áreas do
conhecimento humano inclusive no campo religioso.
Como se aplica este fenômeno na religião? Quando se lê algum texto
das Escrituras Sagradas, por exemplo, sem dar a devida atenção para o
que parece ser ―tão óbvio‖ pode acontecer uma percepção equivocada da
realidade. Como? Cite-se como exemplo uma escultura tradicional de um
gato neste contexto – escultura - o gato é real. É claro que o gato na
escultura não possui as mesmas qualidades de um gato que está vivo e,
no entanto ele existe ainda que de um modo diferente! O gato vivo é real e
a escultura é a representação deste real, porém isto não resolve a
questão, pois a escultura tem um ―segundo ‗nível‘ de realidade‖ 2 que são
as matérias usadas na sua feitura e que poderiam ser manipuladas de
outras maneiras conforme a sensibilidade de quem as usa. Quando se
trata de fatos humanos, culturais e sociais a complexidade aumenta. Qual
seria a realidade da vida de alguns personagens, narrativas e fatos bíblicos
que se infere a partir de uma série de dados existentes em uma tradução?
Certamente muitos pontos de vista surgirão e com a multiplicidade das
percepções as possibilidades de se chegar um pouco mais próximo do
Real (Deus) se apresentam. Infere-se que muita coisa boa pode advir de
um diálogo religioso legítimo que para sê-lo há de levar em consideração a
realidade religiosa dentre outras ponderações e, então a partir daí se
pensar no Ensino Religioso.
A realidade e principalmente a realidade religiosa são conceitos
extremamente complexos e que necessitam de um maior aprofundamento
filosófico. E não existe só uma realidade e só uma realidade religiosa,
porém muitas realidades. O ser humano não fica passivo diante de uma

2
De acordo com João Francisco Duarte Júnior existe um segundo nível de realidade. O
que é realidade, p. 9.
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situação, relatos e escritos. Ele, como ser reflexivo constrói ―seus


conceitos de realidade, a partir dos quais se exerce no mundo e se
multiplica alterando a cada momento a face do planeta. Os fenômenos
naturais, as coisas que ouve não são criações humanas, porém a forma de
percebê-las, de interpretá-las e de estabelecer relações com elas sim‖. 3 O
invulgar é que apesar de construir a sua realidade ele não percebe isto,
não se vê como o construtor que de fato é. Seres humanos na antiguidade
construíram uma narrativa a partir da narrativa de outros seres humanos e,
portanto falíveis, limitados e diversificados dentro de culturas diferentes e
distantes no tempo e no espaço. Não refletir sobre isto é se condenar a
uma visão equivocada e deteriorada. É basilar que se compreenda a
realidade de cada um como particular e pessoalmente construída assim
como também socialmente edificada e, portanto longe e ser absoluta, pois
que humana e assim permanentemente limitada e em constante mudança.
Isto não significa reduzir a religião à ética, porém, sem a ética inexistirá a
religião.
Fala-se aqui da realidade de cada ser humano que se faz visível pela
sua palavra. É ela que vai revelar à posteridade o que ele percebeu e
construiu. Esta sua realidade foi feita com a interpretação que ele fez do
que foi apreendido. Isto não quer dizer que ele ―cria‖ fenômenos ou fatos,
mas a sua forma de ver sim é criada por ele. Aí é que surge uma reflexão
severa e muito complexa entre esta realidade pessoal e a verdade
―universal‖, a verdade que vale para todos. O ser humano acredita nesta
verdade pessoal de uma forma honesta e fiel e a revela aos demais, pois
de fato crê nela. Através da palavra escrita ou falada estes conhecimentos
interpretados são compartilhados com os outros. Esta ―verdade‖ pessoal e,
portanto particular, auto-reconhecida, com presunção, como geral abre
possibilidades para uma ―disputa‖ entre as crenças e reforça a veemência
com que o fiel bem intencionado ou não defende a sua ―verdade‖ como
sendo a única que retrata a realidade de uma forma universal e válida para
todos. Sabendo que as mudanças advêm com as minorias e que por sua
vez necessitam da maioria para serem legitimadas depara-se aí com uma
construção complexa de uma realidade mutável. Tais realidades inclusive
a religiosa são construções humanas dinâmicas e sempre em
desenvolvimento. Assim em toda criação humana há a limitação e
impermanência que lhe é característica e disso não se pode descuidar.
3
João Carlos DUARTE JÚNIOR, O que é realidade, p. 12.
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Nesse sentido a atenção deve estar voltada para este fenômeno e suas
implicações no ensino religioso.
Vive-se hoje num mundo pluralista onde as religiões mundiais se
estabelecem e são conhecidas em quase toda parte e assim é improvável
que o Cristianismo ainda que reúna todos os seus esforços possa
recuperar a sua antiga hegemonia. Isto não seria bom ainda que fosse
viável. O pluralismo religioso se mostra presente na vida das pessoas em
suas famílias, nas escolas, na vizinhança de forma direta e também é
difundido através das televisões, dos filmes, na internet etc.
Os cristãos e adeptos de outras tradições religiosas estão
acostumados a pensar a religião como algo ―perene ligado às tradições
mais antigas e portador de uma verdade ancestral que não pode ser
modificada ou colocada sob suspeita. Qualquer inovação e surgimento de
uma nova religião, principalmente se seguir padrões muito diferentes
daquilo que considera comum, levanta logo uma suspeita de que se trata
de algo falso.‖ 4 Isto os leva à defesa muitas vezes ferrenha de princípios e
ao temor de perder a sua ―pureza‖ religiosa no contato com outras
situações de diversidade. Teme se aproximar e ser ―contaminado‖ ou até
de perder a fé.
Será que todas as religiões ―novas‖ ou as tradicionais são falsas e só
o Cristianismo é verdadeiro? Alguma coisa está acontecendo no campo
religioso no mundo inteiro que obriga um repensar nas maneiras de ver a
própria religião e as outras diferentes. Guerreiro vê como uma motivação à
mudança o que leva ao surgimento desses novos movimentos religiosos.
Uma religião itinerante que vai de um lugar para outro e tendo em vista
este fenômeno mais deve o ER ser pensado nos termos plurais da
contemporaneidade.
As religiões são riquezas que existem por razões variadas e uma
religião única, qualquer uma delas que o fosse seria uma situação de
extrema pobreza cultural e religiosamente inimaginável para John Hick5 e
para outros teólogos alinhados à hipótese pluralista. A ambigüidade
religiosa existente no universo implica em duas possibilidades de entendê-
lo e de vivenciá-lo dentro da liberdade humana – a religiosa e a não-
religiosa. O Universo pode ser vivenciado e entendido tanto como uma

4
GUERREIRO, Silas, Novos Movimentos Religiosos, p. 13.
5
John HICK com sua hipótese pluralista na qual sugere que todas as religiões são
caminhos da salvação e não há uma religião superior à outra.
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criação de Deus ou como uma criação espontânea, ou seja, como um


fenômeno produzido segundo as leis da natureza. Assim tanto os que
crêem em Deus como aqueles que se dizem ateus estão no mundo e com
eles devemos manter diálogo e todos devem estar dentro do planejamento
do Ensino Religioso.
Quaisquer crentes ou ateus que adotam uma posição religiosa ou
não em relação ao universo tal posicionamento lhes parece ser totalmente
racional uma vez que o experimentaram religiosamente ou ateisticamente.
Eles se entregaram com a confiança de que tiveram realmente uma
legítima experiência embasando nela as suas vidas e a sua fé. Esta crença
deve ser creditada ao princípio que tem sido chamado de ―a aproximação
crítica da confiança‖. Segundo este princípio é racional confiar em nossa
experiência exceto quando se tem alguma razão para duvidar dela. Hick
considera razoável aplicar este princípio à experiência religiosa embora ela
seja diferente da experiência sensorial. Quando se aplica o princípio da
―aproximação crítica da confiança‖ às religiões, se valida a pluralidade de
crenças religiosas inconciliáveis e esta situação aparentemente desviante
tem que ser devidamente apreciada por quem se preocupa com o ensino
religioso. John Hick fez afirmações sobre a universalidade da salvação
Hick e para tal estudou as várias tradições religiosas e como estas
religiões orientavam seus adeptos para que atingissem a salvação. Muitos
estudos sobre as religiões e vivências de situações plurais o levaram a
formular esta teoria em que existe uma única Realidade Última a qual Hick
denomina Real, pois por ser ilimitada não se tem na linguagem humana
um termo que de fato e adequadamente a denomine além do fato de que
sendo as culturas tão variadas e considerando serem as religiões produtos
culturais é racional que cada cultura tenha a sua forma particular de
designá-la.
O pluralismo religioso sempre existiu e cristãos conviveram com ele
consciente ou inconscientemente, porém só recentemente se tornou para
alguns crentes um fenômeno que deve ser pensado de forma construtiva e
não como um problema com uma solução a ser ―arranjada‖ a qualquer
custo. A diferença contemporânea é que este pluralismo se tornou, nos
dias atuais, consciente.
John Hick encarou o problema do pluralismo religioso de uma forma
não só teórica e intelectual, as suas afirmações sobre a universalidade da
salvação foram resultado do estudo das várias tradições religiosas com as

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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

quais mantinha contato direto para ajuda e orientação. Analisou as


comunidades não-cristãs existentes em sua cidade Birmingham,
religiosamente plural, e as várias dificuldades enfrentadas no cotidiano por
elas. Teve um contato pessoal com seus adeptos e como suas religiões os
orientavam para que atingissem uma vida mais inserta socialmente assim
como a salvação. Viu a mesma procura para uma transformação de sua
atual vida em uma vida melhor e mais perfeita nos moldes de seus
profetas. Hick caracterizou então a salvação como sendo um processo de
transformação traduzido pela expressão libertação/salvação. Esta
caracterização faz com que se veja um objetivo comum unanimemente
procurado pelas religiões ―novas‖, tradicionais e pelas ideologias, pois
todas que realmente se escudam em bons propósitos procuram
transformar os seres humanos em seres melhores e a partir deles uma
melhoria da sociedade como um todo.
As crenças, hoje se encontram e se conhecem cada vez mais e com
isso um interesse mútuo é despertado e se abre a oportunidade de
questionamentos sobre crenças doutrinais antes apenas aceitas e/ou
seguidas ou simplesmente ignoradas ou rejeitadas. Antes o conceito que
se formava das demais religiões não era através de um contato primário e
na maioria das vezes era cheio de inverdades e preconceitos e é isso que
não só motiva, mas torna necessária uma reinterpretação das doutrinas
religiosas em sua relação com as demais crenças. Nesse sentido a
abordagem dentro de uma sala de aula se torna mais complexa e difícil.
Temos muitas vezes dentro de sala múltiplas crenças religiosas e é
também evidente que na aldeia global em que o mundo hoje se tornou
muita coisa antes velada se torna clara e muitas vezes contundente
colocando à prova os conhecimentos anteriores. No presente a nuvem que
obscurecia as tradições religiosas dissipou e as colocou bem à mostra e
bem próximas uma das outras para o conhecimento geral. Não há dúvida
que o conhecimento sobre o outro que pensa diferente leva a um maior
entrosamento entre eles e a um aprendizado sobre cada um ao mesmo
tempo que fortalece a própria crença facilitando o convívio humano.
Hick embasa sua hipótese pluralista no estudo e na observação em
que se percebe em todas as religiões um ensinamento comum conhecido
como a regra de ouro. Na tradição cristã ela é conhecida como ―o amar ao
próximo como a si mesmo‖. Na medida em que as tradições religiosas
promovem essa atitude em seus adeptos podem ser consideradas como

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expressões de verdadeira fé segundo este autor. Tal efeito não implica


uma exclusividade moral, de uma única crença especialmente quando se
compara cada uma das grandes religiões do mundo. Todas elas parecem
ser tão eficazes para promover esta atitude em seus devotos. Não se tem
nenhuma boa razão para crer que qualquer uma das grandes tradições
religiosas tenha demonstrado um amor compassivo mais produtivo que a
outra. Qualquer pretensão de superioridade moral não pode ser validada
nem se justifica pela história religiosa. Em cada uma das grandes religiões
do mundo, tem havido más e boas ações realizadas por seus devotos em
nome de Deus.
A hipótese pluralista de Hick partiu inicialmente de uma reflexão
religiosa para manter sob tensão a ideia de um Deus de amor e um plano
universal de salvação. No desenvolvimento da hipótese o foco passou a
ser a ideia de que cada uma das religiões do mundo são as várias
respostas humanas condicionadas pelas respectivas culturas à Realidade
Última que ele chama de Real. O Real inefável, que não pode estar
definido e concentrado em nenhuma religião, por conseguinte nenhuma
religião está destinada a ser única a transmitir verdades que levem o ser
humano à bem-aventurança. Cada religião deve atuar como contexto onde
a salvação humana pode ocorrer. O que faz uma religião se destacar e se
legitimar, sem, contudo ser única é o caráter dos adeptos que produz, é o
resultado positivo de seu trabalho religioso nas comunidades em que atua.
Isto também não revela nenhuma diferença entre elas no sentido de
objetivar a melhoria de seus fiéis fazendo-os mais honestos ou que
revelem mais amor ao próximo. Todas as religiões e também algumas
ideologias ateístas têm um desempenho semelhante na vida da
humanidade e neste sentido nenhuma se apresenta acima das outras em
qualidades morais, espirituais ou práticas.
Ao perceber o Cristianismo como uma entre outras religiões e não
como o único e absoluto caminho para a salvação surge uma motivação
para se reinterpretar a crença cristã e a sua relação com as outras fés.
Sugere Hick, não sem razão, que a crença que cada um possui é em geral
um acidente do nascimento, ou seja, a sua crença é determinada
geograficamente. Por exemplo, uma região que foi ou é exitosamente
colonizada por cristãos ou por islâmicos ou por adeptos de outra fé serão
suas gerações seguintes cristãs, ou islâmicas ou de outras fés,
respectivamente. A tendência geral é essa e a criança é inserida na

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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religião de seus pais e a segue. A conversão ou como querem os islâmicos


a reversão de um adepto de uma grande tradição para outra acontece,
porém são fatos comparativamente raros e não fazem a regra, mas a
exceção. Sendo assim, na realidade a religião quase nunca é uma escolha
do crente, porém é étnica. Acontecem também os crentes ―itinerantes‖ que
vão de uma a outra religião sem se fixar em nenhuma.
Hick observou que em países onde uma grande religião já se fixou
ainda que haja um trabalho árduo de missionários cristãos, mulçumanos e
budistas a conversão de uma fé para outra é relativamente incomum. A
conclusão é que no geral cada uma das grandes tradições religiosas
inicialmente se expandiu geograficamente, ―convertendo uma região do
mundo a partir de seu mais primitivo estado religioso, e teria, portanto,
depois continuado em uma condição relativamente resolvida dentro de
limites mais ou menos estáveis.‖ 6Tais observações têm grande
importância em qualquer estudo sobre o ensino religioso.
Do ponto de vista de um modo de pensar ateu a hipótese razoável é
que a imaginação humana partindo de rudes e primevas fantasias criou
sofisticadas e metafísicas especulações as quais vieram a ser as grandes
religiões. Pensando o universo de forma religiosa ―a hipótese mais
razoável é que este retrato histórico das grandes religiões representa a
movimentação da divina auto-revelação para a humanidade.‖ 7 Para Hick
esta última resposta resolve a questão entre a variedade de crenças
religiosas mundiais e as crenças que elas professam. Isto significa,
seguindo sua sugestão, que uma informação racional que oportuniza a
auto-revelação divina acionada em direção à humanidade de diferentes
modos provoca diferentes respostas. Estas respostas ao Real que se deixa
revelar são devidas às diferenças culturais, étnicas, geográficas,
climáticas, econômicas, históricas, sociológicas que obviamente influem de
forma marcante em diferentes graus no tipo de resposta de cada povo.
Respostas que tomam cada uma as características próprias do lugar onde
acontecem e se desenvolvem no decorrer dos tempos. Em cada caso a
resposta advém de uma espiritualidade particular ou espiritualidades
herdadas que se desenvolveram geração após geração constituindo o que
são hoje e que se conhece como as tradições religiosas mundiais.

6
John HICK God and the Universe of faiths, p. 138.
7
John HICK God and the Universe of faiths, p. 138
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FONAPER

Cada um desses povos reagia com um tipo diferente de solução à


provocação divina: ―O Islã personificava a principal resposta dos povos
árabes para a divina realidade; o Hinduísmo, a principal (embora não
somente) resposta dos povos da Índia; o Budismo, a principal resposta dos
povos do Sul e Leste da Ásia e partes do Norte da Ásia; o Cristianismo a
principal resposta dos povos europeus e suas emigrações para as
Américas e Austrália‖.8 Com este raciocínio Hick quer tornar historicamente
inteligível e racionalmente aceitável o fato de ter ocorrido separadamente o
fenômeno da revelação divina nos diferentes ramos da humanidade, em
diferentes locais e épocas. Assim, logicamente, o fenômeno foi relatado de
forma diversa por seres humanos de diferentes culturas e interpretado por
mentalidades diferentes, e exteriorizado conforme a linguagem própria de
cada um o que embasa a sua hipótese pluralista e a sua razão de ser.
Quanto ao ser este pensamento teologicamente inteligível e aceitável
um dos argumentos de Hick é o questionamento sobre os livros sagrados -
Bíblia, Corão e Bhagavad Gitã – Serão estes livros a palavra de Deus?
Deus é pessoal ou não pessoal? O que dizem estas religiões é falso ou
verdadeiro? Houve ou não a encarnação do Verbo? Se o que o Islã diz é
verdade a conclusão seria que o que o Budismo diz é falso e vice-versa.
Eis que, assim se instala o conflito entre as reivindicações de verdade que
cada uma delas faz!
Hick adverte que toda referência feita pelos seres humanos ao Real
são insuficientes, pois são finitas como finitos são seus elaboradores. Uma
afirmação finita jamais poderá abranger uma realidade infinita. Assim,
nenhuma imagem ou elaboração feita é completa, sempre será em todas
as tradições finita e parcial nem poderá ser Real em si o definido pelo
pensamento humano que é incapaz de abrangê-lo. Nenhuma afirmativa
feita por qualquer uma das tradições religiosas sobre o Real será completa
e plenamente verdade. Hick entende que assim como as elaborações da
realidade absoluta divergem em suficiência da realidade absoluta em si,
estas construções parciais também diferem de uma cultura para outra
ainda que possam ser todas referentes à mesma Infinita Realidade única. 9

8
John HICK God and the Universe of faiths, p. 139.
9
Hick cita a parábola de Buda sobre um elefante que foi descrito por um grupo de cegos.
Cada cego tateia uma parte do animal e faz a descrição do que sente pelo tato para
descobrir de que animal se trata; as respostas foram as mais diferentes entre si e
diferentes da realidade total, mas cada um considerava a sua resposta a verdade total.
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Na sua hipótese Hick leva o leitor interessado a pensar sobre o fato de


poderem ser, provavelmente, muitas das narrativas da realidade divina,
apesar de suas imperfeições, verdadeiras, não uma verdade total, porém
uma parte da verdade. Usa a parábola do elefante de Buda para
exemplificar esta explicação.
Não obstante é necessário fazer duas colocações sobre esta
hipótese. Segundo Hick, em primeiro lugar - não se trata de elaborações
do transcendente (algumas delas ou cada uma delas) válidas ou
totalmente válidas e menos ainda igualmente válidas ou que representem
um genuíno encontro com Deus. Uma segunda consideração a ser
seriamente pensada é que a parábola dos elefantes é meramente uma
parábola e não sugere que as diferentes respostas dos homens cegos
sejam por analogia as diferentes respostas corretas de cada grande
religião para diferentes partes do divino. ―São mais exatamente os
encontros de diferentes perspectivas históricas e culturais, com o mesmo
infinito divino e como levam a diferentes posições de evidência dessa
realidade. As indicações disto estão mais claras na adoração e na
oração‖.10
Todas as grandes tradições têm o seu tratado teológico que é muitas
vezes de uma forma ampla diferente uma das outras, porém se forem
observadas suas orações, seus hinos e suas formas de adorar a Deus
afluem uma imbricação e uma confluência de crenças. Hick vê nesta
similaridade um indício forte de que são respostas para a mesma divina
realidade. Vê nesses encontros diferentes revelações dentro de culturas
diversas com sua própria filosofia, sua peculiar forma de expressar o que
sentiram dentro dos diferentes sistemas e organizações que através dos
tempos evoluíram a sua forma religiosa de pensar e agir dando origem ao
que se denomina hoje de religiões mundiais. Para Hick é a mesma
realidade infinita divina que está por trás de cada uma das tradições e o
que se passa com eles Cristãos, Hindus, Islâmicos, Judeus e outros
representa uma história secundária da evolução.
Há no contexto mundial contemporâneo a necessidade de uma
hipótese pluralista. Se houvesse apenas uma religião motivando apenas
um objeto intencional uma nova epistemologia da religião não teria lugar

Na verdade eram respostas certas em relação à parte que foi tocada, mas uma verdade
parcial. HICK, Good and Universe Faiths, p. 140.
10
John HICK, Good and Universe Faiths, p. 140.
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neste momento, porém a realidade é outra. Há muitas diferentes formas de


religião que testemunham diferentes divindades umas pessoais outras
impessoais. Para uma chamada ao tema Hick cita na história religiosa das
tradições teístas a existência de inumeráveis deusas e deuses
diferentemente nomeados e com características diferentes. Exemplificando
- Da tradição Hindu – Agni, Vayu, Surya, Aryaman, Aditi, Mitra, Indra,
Varuna, Brahma, Vishnu, Laksmi, Shiva, Kali, Ganesh; do Oriente Próximo
- Osiris, Isis, Horus, Re, Yahweh, Baal, Moloch, An, Enlil, Ea, Tiamat, Enki,
Marduk... na Europa parte Sul Zeus, Kronos, Hera, Apolo, Dionísio,
Hefestus, Poseidon, Afrodite, Hermes, Mars, Athena, Pan e muitos outros
nomes no Norte da Europa, na África, nas Américas e no resto do mundo.
Uma listagem que talvez atinja uma lista de telefone de uma cidade. O que
se pode dizer de tantos deuses e deusas? Será que todos existem? Será
preciso ter determinadas características para existir como Deus? Hick
responde ―não é possível dizer que todos os deuses nomeados e
particularmente não todos mais importantes existem – pelo menos não em
qualquer sentido simples e direto.‖ 11
Quando um naturalista, um ateu responde ao questionamento sobre
as religiões a sua resposta será a afirmação de que todas elas são
factualmente falsas, simples devaneios humanos. Porém o crente dirá que
é razoável o ser humano ter uma experiência com o Transcendente. Assim
a experiência religiosa é um fenômeno complexo, mas não é descartável.
As pessoas confiam em suas próprias experiências religiosas. Em todos os
casos não é possível tirar uma conclusão aparentemente simples, ou seja,
que todas as religiões são falsas exceto uma em particular que devido a
certas características está enquadrada dentro da verdade única por quem
nela crê.
Hick se propõe a encarar com ceticismo aqueles que afirmam que
todas as religiões são ―in totum‖ ilusórias exceto a que eles professam.
Mostra outra possibilidade qual seja a de apresentar as tradições religiosas
pós-axiais como formas diferentes, porém válidas para experimentar,
conceber e viver em relação à última divina Realidade que está muito além
de tudo o que se expressa e pensa a respeito Dela. Enfim uma realidade
que transcende a todas as diversas visões que são feitas relacionadas a
Ela.

11
John HICK, AIR p. 233.
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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

O que pretende o autor com sua hipótese é apresentar as demais


tradições religiosas como caminhos válidos para a salvação. Todas elas
propiciadoras da transformação salvífica, todas com a possibilidade de
transformar o ser humano em uma pessoa melhor. Caminhos que podem
tirar o ser humano de sua ególatra posição e levá-lo para uma centralidade
no Real. Dessa forma sugere que os adeptos do Cristianismo livrem-se de
sua ―pretensão‖ de terem o único meio através do qual o ser humano é
salvo - a mediação exclusiva concretizada na pessoa de Cristo.
O que ele vem escrevendo é uma hipótese que faz um quadro
possível do pensamento sobre vida religiosa da humanidade e de alguma
forma se resume nas palavras do místico mulçumano Jalaluldin Rumi, "As
lâmpadas são diferentes, mas a Luz que vem do além é a mesma‖. 12 Tais
esforços também teriam como efeitos positivos fazer com que os adeptos
de uma fé respeitassem os demais como seguidores de crenças válidas e
não como ingênuos fiéis a uma religião falsa ou inautêntica. Também
talvez consiga remover das pessoas a tentação de considerarem as
diferentes tradições como sendo ‗todas a mesma coisa‘ ou ‗todas
semelhantes‘ assim como impedir que as pessoas sejam seduzidas e
fascinadas por todas as diferenças mostradas pela fenomenologia da
religião.
A hipótese pode promover mais condições para o diálogo inter-
religioso e uma expectativa de aprender umas com as outras assim como
dar uma base para uma convivência em que cada tradição possa ser
enriquecida com o encontro com as outras. Tendo cada crença uma
diferente percepção humana do Real e sendo cada uma reconhecida como
um caminho válido de salvação nada mais conseqüente que esta
aproximação traga uma ampliação dos conhecimentos e que cada uma
possa ser capaz de ampliar sua própria visão religiosa pela tentativa de
olhar através de lentes que as outras desenvolveram.13
O problema, contudo surge quando uma tradição religiosa vê esta
sua verdade parcial como sendo a verdade universal e assim se considera
a única portadora da fé que ―salva‖. A dicotomia ―verdade parcial‖
diferente da ―verdade universal‖ vem trazer a perplexidade diante da
realidade de cada um e a realidade em si, analogamente, o Deus particular
de cada um e o Deus universal, Deus em si inefável, inacessível – a

12
Citado por Hick no livro An Interpretation of religions.
13
Retirado do site de John Hick.
796
FONAPER

Verdade universal. Esta compreensão destes dois níveis de realidade e


dois níveis de verdade abre espaço colocando em pauta o pluralismo
religioso, hoje presente no mundo todo.14

O diálogo entre as diversas fés e suas implicações no Ensino


Religioso da contemporaneidade

Quando se fala em diálogo inter-religioso não se pode deixar de lado


o pluralismo existente em todos os lugares desde sempre e hoje percebido
em tempo real por todos através dos meios de comunicação. Quando um
cristão participa de uma atividade dialógica, por exemplo, com a finalidade
de converter pessoas de outra fé, ele o faz convicto de que esta é a
vontade de seu Deus, manifestado em Jesus, o qual revelou de forma
original e insuperável os desígnios de Deus para os seres humanos. Se é
o próprio Deus que faz esta manifestação aos cristãos, as demais crenças
têm uma revelação secundária e parcial, preparatória e necessariamente
imperfeita! A revelação essencial e superior está no cristianismo para este
sujeito. Sendo assim, o cristão nada tem a aprender com as demais
crenças. O que acontece é que entre as várias religiões cristãs também
existe esta presunção de superioridade!
Partindo deste exemplo, mesmo que pessoalmente o cristão esteja
motivado e aberto ao diálogo, está necessariamente testemunhando ou
confessando a sua fé e, suas expectativas em relação ao encontro com o
outro se limitarão de maneira inevitável, esperando que este outro se
comprometa com a proposta cristã! Nesse sentido é indispensável ter
presente que se alguma das religiões ou ideologias se posicionar no centro
é evidente que as outras também tentarão ocupar esta centralidade e os
adeptos de cada uma ficarão com esta presunção de sua própria
centralidade original. Ter clareza quanto a estes lugares no discurso e nas
atitudes, é um dos critérios básicos para um professor de Ensino Religioso
se distanciar de forma efetiva de possíveis proselitismos e doutrinações.
Aqui nos aproximamos do ―coração vivo‖, do âmago da questão
dialogal porque afeta o cristão, bem como afetaria qualquer outro que se
colocaria no centro, segundo Hick. A pergunta emerge daí - O que pode
ser mudado no cristão na experiência deste tipo de diálogo com as
14
Para aprofundamento consultar João Carlos Duarte Júnior, O que é realidade.
797
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

religiões? Ao se permitir uma mudança significativa como resultado do


encontro com o não-cristão uma distinção talvez surja daí. É possível que
o cristão reflita e perceba a diferença entre o ―fenômeno histórico‖, o
Cristianismo e o Jesus real que viveu na Palestina e cuja vida envolta em
lendas e relatos assim como seus ensinamentos inspirou uma multidão
que queriam seguir seu exemplo e viver como se fossem seus discípulos.
Uma aproximação verdadeiramente útil que certamente provocará uma
nova reflexão sobre o Cristianismo ―criado‖ anos após a morte de Jesus.
Os que dialogam têm que estar conscientes que as questões da vida e da
morte e, sobretudo de Deus nunca poderão ser respondidas racionalmente
com absoluta certeza. É justamente por serem estas questões de tamanha
importância que os seres humanos se dispõem a tecer ideias a respeito
delas. Aliás, o que revitaliza e enriquece é o fato de cada pessoa ter a sua
particular ideia, não entendida como verdade definitiva, mas como
perspectiva que possibilita conhecer e se sentir bem. Eis a possibilidade de
uma variação ainda que pequena no seu modo de pensar aberta pelo
diálogo e que será proporcional à profundidade e extensão do seu
empenho na investigação histórica. A motivação para este diálogo não
deverá ser missionária, porém, deve ser/estar conectada às virtudes
humanas e espirituais, independente da pertença religiosa.
As religiões são respostas e significações dos seres humanos às
provocações dos mistérios e questionamentos da vida. Estas perguntas
devem ser aprofundadas não apenas particularmente, mas em um trabalho
conjunto de todas as religiões considerando os interesses mais nobres da
humanidade. Os escritos sagradas deixam de serem oráculos divinos e
passam a ser relatos humanos, declarações culturais de homens e
mulheres que experimentaram de diversas maneiras a presença divina em
uma variedade de situações históricas. Tal percepção favorece
sobremaneira a relação entre as crenças e o diálogo. A importância do
diálogo no Ensino Religioso é muito valiosa e vai depender de como os
sujeitos dialogantes se dispõem a realizá-lo. O diálogo para influenciar de
forma positiva o ensino deve se realizar fulcrado no pluralismo segundo a
hipótese hickiana já exposta de forma resumida no início desta
comunicação. Não vai ajudar se o encontro for feito na forma de
doutrinamento e/ou de proselitismo. Da mesma forma o objetivo do ensino
deve ser a promoção da melhoria do ser humano e em todos os sentidos.

798
FONAPER

O que há de mais forte e impulsionador que a fé? Por que não


aproveitar este elã em prol de algo verdadeiramente frutuoso?
Aquele educador que se propõe a lecionar ER tem que ter
conhecimentos básicos que dêem a ele uma visão crítica sobre as
manifestações do fenômeno religioso nas diferentes matrizes culturais, no
que diz respeito às verdades e à limitação humana do seu conhecimento e
da linguagem utilizada. Se ele não estiver ciente da limitação humana
talvez tenha a tendência a crer que há uma única crença verdadeira e as
demais são falsas! Ficará tentado a pensar que o diálogo e/ou o ER deve
levar uma dada fé aos discentes, concebida como verdadeira. Não se
consegue ensinar aquilo que não se sabe, daí ser de máxima importância
uma preparação adequada àqueles que se propõem à docência. Quando
se torna apto a encetar o ―legítimo‖ diálogo é possível estar preparado
também para a docência do ER. E este ―legítimo‖ refere-se ao
reconhecimento da sua validade para o enriquecimento mútuo dos
dialogantes sem que estes tenham de abrir mão das suas respectivas
crenças, ao respeito mútuo e empatia, ao não objetivar o proselitismo.
Perceber que são válidas as crenças e as ideologias que se preocupam
com a melhoria das condições de vida de todos os seres humanos em
todos os sentidos e são válidas porque agem seguindo a ―regra de ouro‖ e
se legitimam pelos bons frutos que produzem.
Através de observação e do trabalho de Inspeção Educacional
percebeu-se em escolas que ofereciam Ensino Religioso diferenciado a
presença de desânimo, desapontamento, desinteresse e até evasão dos
alunos nestas aulas. Por que aconteceu isto nestas aulas se o objetivo era
atender aos alunos que tinham as crenças cristãs diferentes? Será porque
o seu interesse estava voltado pela diversidade presente em sua vida e
afastada na sala? Pode servir como sugestão oferecer oportunidades em
que o aluno ouça colegas de crenças diferentes. Em que o diferente não
seja visto como uma ameaça que tenha que ser convertido ou revertido ou
até eliminado. E mais, oferecer ocasiões para que o diferente não seja
visto como inferior e/ou mostrar de fato as diferenças religiosas enquanto
conhecimentos escolares.
A preocupação do docente deve ser não só em despertar a
tolerância, mas também o respeito que toda religião ou ideologia atéia
merece. As pessoas muitas vezes se esquecem do laço mais forte e que

799
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mais equaliza que é o fato de todos pertencerem à raça humana, nada


mais do que isto – serem humanos.
Mais cedo ou mais tarde o educando entrará em contato com a
realidade religiosa plural da atualidade e pode ser que lhe seja injetado,
intencional ou não, o ―vírus‖ da intolerância e do preconceito. É de bom
senso que este conhecimento lhe seja dado de forma correta e verdadeira
sem querer sugerir esta ou aquela crença. Com base em uma concepção
que acolhe o diferente e suas diferenças, é possível pensar em
metodologias que proporcionem o (re)conhecimento do diferente na
comunidade que circunvizinha a escola. É muito possível que haja
diferentes religiões próximas à escola ou bairro que o discente reside ou
na própria instituição escolar. A maioria das crianças, adolescentes e
adultos receberam não uma educação religiosa no sentido que se quer dar
, mas uma doutrinação. Este ensino, catequese, escola dominical, ou seja,
lá qual seja o nome que seja dado a estas reuniões são geralmente uma
espécie de repetição das normas religiosas desta ou daquela crença ou
ideologia, quase nunca é uma reflexão sobre as religiões ou ideologias, é
uma ―educação religiosa infantilizada‖.
Com o passar do tempo, este tipo de formação não mais satisfaz,
pois a idade cronológica e os conhecimentos científicos aumentam
enquanto os religiosos parecem parar no tempo, perdendo seu sentido de
ser. A esperança, a lembrança de Deus ou a bem aventurança
especificidades da religião e da ideologia ficam abaladas ou se não
desaparecerem por completo. As conseqüências são facilmente
perceptíveis nas micro e macro estruturas sociais, pois o conhecimento
religioso da massa popular se torna desprezível e insignificante frente ao
conhecimento científico e tecnológico. O conflito surge e mormente leva à
procura de uma satisfação espiritual levando a aceitar a impermanência da
vida humana. A sociedade é necessária ao ser humano que, por sua vez,
precisa de um ―dossel sagrado‖.15

15
- Termo usado por Peter Berger no livro do mesmo nome.
800
GT9: A ESPIRITUALIDADE E A FORMAÇÃO DO EDUCADOR

Coordenação:
Dr. André Andrade Pereira (UFF)
Dr. Carlos Parada Filho (UFF)

Ementa: Esse GT se propõe discutir a importância da/s espiritualidade/s na


relação com a formação do educador. Entendendo que, antes de tudo, educar é
uma relação humana, a formação do educador envolve a formação de si mesmo,
num processo contínuo de autoconhecimento e despertar de suas próprias
potencialidades no caminho da auto-realização como pessoa humana e membro
de uma coletividade de buscadores. Viver, para seres inconclusos como nós, é
uma busca permanente que requer abertura a esse processo para atuar numa
relação verdadeiramente educativa.

Palavras-chave: Espiritualidade/s; Formação do educador.


A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE DO EDUCADOR
NA CONSTRUÇÃO DA ESPIRITUALIDADE
NO PROCESSO EDUCATIVO

Ana D‘arc Vieira Cândido 1 (SEDEC/PMJP)

Sidney Allessandro da Cunha Damasceno 2 (SEDEC/PMJP)

Resumo:
O presente trabalho analisa a dimensão dos significados e significâncias da espiritualidade
na relação com a religião e a religiosidade, em sua influência na formação docente no
mundo atual. Examina a importância de críticas e lições referentes à religião conforme as
concepções ideológicas de Ludwig Feurbach, Karl Marx, Sigmund Freud, Friedrich
Nietzshe, com grande influência no pensamento atual. Considera o reconhecimento das
necessidades sociais e a importância da ética no tocante a construção da espiritualidade no
processo educativo, vivenciado por meio das relações humanas, advindas de sua práxis. E
infere com as consequências dessa influência, na formação de cidadãos cônscios do valor
compreendido no equilíbrio, entre a racionalidade e a espiritualidade para a autorrealização
da pessoa humana e questionamentos a respeito da sistematização desse ensino.

Palavras-chave: Espiritualidade. Formação do Educador. Religião. Religiosidade.

Considerações Iniciais

O ser humano é um ser de dimensões que se inter-relacionam e


constituem a complexidade da pessoa, numa proporção que ainda pode-se
dizer ser pouco conhecida. Dentro dessa complexidade das dimensões
humanas a compreensão do homem como um todo – como não inexistente
de modo dividido, separadamente, isto é, em partes, como se fossem uma
independente da outra – é uma concepção que a cada dia mais tem uma
melhor aceitação.
Numa sociedade marcada pelo TER em detrimento do Ser
(ROCHA, 2004, p. 02), uma gama muito alta de expectativas envolve a
vida de várias pessoas. Expectativas às quais movimenta um materialismo
e um consumismo que faz com que o desenvolvimento humano seja

1
Licenciatura em Educação Religiosa – STBB – PB, Graduando em Pedagogia – UFPB –
PB, Professora de ER da rede pública municipal de João Pessoa.
anadarcpedagogia@gmail.com
2
Bacharel em teologia – FATIN - PE, Especialista em Ciências da Religião - FATIN – PE,
Professor de ER da rede pública municipal de João Pessoa. professorsacd@gmail.com
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

relegado a um segundo plano e/ou ignorado – numa visão de lutas pelas


conquistas, reduzindo quase tudo como se fosse uma seleção natural
respaldada pela égide da competitividade. Consoante Jairo Cardoso da
Costa (2010, p.10) ―Vivemos numa sociedade do consumismo,
imediatismo, que valoriza o ter em detrimento do ser, apregoado pelo
relativismo ético sem nenhum princípio‖.
Mediante esse contexto social de mundo globalizando-se que
necessita cada dia mais de rever seus conceitos e valores para deixar de
está refém de tantas ilusões encontra-se também a educação. A
educação pensada como tem sido como peculiar na dinâmica de formar a
consciência crítica e reflexiva no educando. Na busca pela transformação
da sociedade, viabiliza e tem nesse processo através da formação docente
um influente – e porque não dizer determinante – do futuro dessa
humanidade.
Esse influente que vem a ser nesse trabalho afirmado como a
espiritualidade – de acordo como se verá adiante, considerada como uma
condição inerente à pessoa – a qual deve encontrar-se atrelada também a
esse contexto das práticas pedagógicas e do reconhecimento e aceitação
da diversidade religiosa. O presente trabalho propõe o pensar a questão
da importância da espiritualidade do educador e a construção da
espiritualidade no processo educativo.
Portanto, apresenta primeiro em sua disposição, os aspectos positivo
e negativo da ideologia e a necessidade da compreensão do que significa
um conceito. Para em seguida examinar considerações e relações
referentes à religião (como também sobre deus) que influenciam até hoje a
humanidade. E situar historicamente a devida importância de tais críticas
conforme as concepções ideológicas de Ludwig Feurbach, Karl Marx,
Sigmund Freud, Friedrich Nietzshe, bem como as possíveis lições relativas
a tais argumentações.
Descreve, em seguida, a religiosidade e a espiritualidade. Na
consideração que necessariamente a espiritualidade não está como
examinada no decorrer do trabalho dependente da religião, nem da
religiosidade.
Aborda posteriormente, a condição Política Social da Educação
Brasileira, na perspectiva da conscientização da situação social (mantida
pelo sistema político) que envolve a educação no Brasil, para resaltar a
importância da consolidação das convicções pessoais do educador. Assim

804
FONAPER

como, examina que na formação pessoal, faz-se necessária na construção


da identidade profissional, a consideração de que a ética é parte na
formação da pessoa. No tocante a construção da espiritualidade no
processo educativo, vivenciado por meio das relações humanas, advindas
da práxis do educador.
E conclui com as considerações finais, sobre as consequências
dessa influência, na formação de cidadãos cônscios do valor
compreendido no equilíbrio, entre a racionalidade e a espiritualidade para a
autorrealização da pessoa humana. Construção essa que por meio das
práticas pedagógicas – imbuídas de relações humanas. E com o
questionamento relativo ao como sistematizar esse conhecimento.

Aspectos da Ideologia e do Conceito


Todavia, no tocante a religião, a religiosidade e a espiritualidade
observa-se uma grande variedade de compreensões do que elas vêm a
ser. Compreensões que algumas vezes estão determinadas por dada
ideologia. Baseado nos marcos da análise marxista, os estudos de
ideologia estabeleceram a ideologia como o conjunto das ideias que
formam, constitui uma doutrina – com o propósito de garantir o controle de
determinada classe dominante. Contudo, atualmente, através de estudos
antropológicos e sociológicos a ideologia tem sido pensada como
fenômeno associada à estruturação social que corrobora no simbólico
como disposições de condições naturais, sobrenaturais, universal,
indispensável.
Então, a ideologia pode ser de aspecto positivo ou negativo. No
aspecto positivo a ideologia é como uma representação global da
realidade, segundo a qual orientamos e organizamos a nossa vida. E
negativamente é como ilusão, máscara do saber, simulação da realidade,
mentira, falsa consciência, etc. (STRIDER, 1990). Desse modo, sendo a
ideologia o modo operante da cultura, o meio através do qual, o indivíduo
acessa a cultura, a ideologia resguarda as crenças, as concepções, as
exposições simbólicas de regras, normas, costumes e as valida na ordem
social.
Logo, a partir dessa compreensão percebe-se que a religião nutre a
cultura – a cultura na maneira de exprimir a religião. Não obstante pode-se
concluir que não são as culturas que geram a religião, mas é a religião que

805
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

gera a cultura. Assim como as cosmovisões e conceitos da imagem de


Deus, sobre o que é a religião, religiosidade e espiritualidade.
Daí ser elementar a consideração da importância de conceito.
Consoante Brennand e Rossi (2009, p. 284) citando Abbagnano (1999)
ponderam que o

conceito é entendido como todo processo que torne possível a


descrição, a classificação e a previsão dos objetos cognoscíveis. A
principal e fundamental função do conceito é a mesma da linguagem,
isto é, de propiciar a comunicação em termos universais. [...] Então
para haver diálogos (entendidos como diferentes formas de
linguagem), é preciso dominar os termos que vão permitir construir um
entendimento comum sobre os fenômenos que observamos ou que
estudamos.

Por isso o conceito tem o propósito de esclarecer, no sentido de tirar


as dúvidas, de trazer uma compreensão do significado. Embora existam
várias compreensões do que vem a ser a religião, a religiosidade e a
espiritualidade na história da humanidade e nas diversas áreas do
conhecimento, a seguir examina-se considerações a respeito de conceitos
relativos à religião, a religiosidade e a espiritualidade bem como algumas
relações das mesmas.

A Religião
A história, a filosofia, a Antropologia, a Sociologia e outras ciências
sociais no decorrer de suas existências registram a relação do ser humano
com manifestações de cunho religioso. Relacionada ao poder, agregada a
política e/ou a domínios sociais, a religião direta ou indiretamente
permanece em pleno século XXI relacionada com as Artes, as Ciência, as
Filosofias. Sendo analisadas em associações com a Medicina, a
Psicologia, as culturas, as sociedades e aqui com educação.
Segundo o dicionário on-line da língua portuguesa Aurélio descreve o
significado da palavra religião como: ―s.f. Culto rendido à divindade. / Fé;
convicções religiosas, crença: a religião transforma o indivíduo. / Doutrina
religiosa: religião cristã. / Tendência para crer em um ente supremo. /
Acatamento às coisas santas. / Fig. Coisa a que se vota respeito: o
trabalho era para ele uma religião‖ 3. Dentre os diversos tipos de religião

3
Significado de Religião. Disponível em:
http://www.dicionariodoaurelio.com/Religiao.html Acessado em: 28/08/2013.
806
FONAPER

encontram-se as religiões: animistas, naturais, ritualistas, místicas,


revelatórias, sacramentalistas, legalistas, racionais, sacrificiais, etc.
A palavra religião tem em sua etimologia o termo latino Re-Ligare,
que significa ligar com, atar, ligar novamente, com o divino, o sagrado, o
transcendente. Essa definição engloba necessariamente qualquer forma
de aspecto místico e religioso, abrangendo seitas, mitologias e quaisquer
outras doutrinas ou formas de pensamento que tenham como
característica fundamental um conteúdo Metafísico, ou seja, de além do
mundo físico. 4 Conforme Rubens Alves (1984, p. 5, 9)

É fácil identificar, isolar e estudar a religião como o comportamento


exótico de grupos sociais restritos e distantes. Mas é necessário
reconhecê-la como presença invisível, sutil, disfarçada, que se
constitui num dos fios com que se tece o acontecer do nosso
cotidiano. A religião está mais próxima de nossa experiência pessoal
do que desejamos admitir. O estudo da religião, portanto, longe de ser
uma janela que se abre apenas para panoramas externos, é como um
espelho em que nos vemos. Aqui a ciência da religião é também
ciência de nós mesmos: sapiência, conhecimento saboroso [...]

As esperanças do ato pelo qual os homens criaram a cultura,


presentes no seu próprio fracasso, são horizontes que nos indicam
direções. E esta é a razão por que não podemos entender uma cultura
quando nos detemos na contemplação dos seus triunfos
técnicos/práticos. Porque é justamente no ponto onde ele fracassou
que brota o símbolo, testemunha das coisas ainda ausentes, saudade
de coisas que não nasceram... E é aqui que surge a religião, teia de
símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizonte dos
horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de
transubstanciar a natureza. Não é composta de itens extraordinários.
Há coisas a serem consideradas...

Em suas considerações o autor destaca que ―a religião se nos


apresenta como um certo tipo de fala, um discurso, uma rede de símbolos‖
(Id. p. 10), porque como o ser humano não sobrevive através ―de artifícios
de adaptação física‖ é que o próprio homem cria a cultura e ―redes
simbólicas da religião‖ (Id. p. 13) e que mediante as respostas a questão o
que é a religião? Examina-se existir uma função entre as pessoas
envolvidas e suas lealdades (Id. p. 21). Ademais Rubens Alves conclui
considerando que

4
Religião e Religiosidade: Qual é a diferença. Disponível em:
http://edsonadjuntovalexo.blogspot.com.br/2013/03/religiao-e-religiosidade-qual-
diferenca.html Acessado em: 28/08/2013.
807
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A religião fala sobre o sentido da vida. Ela declara que vale a pena
viver. Que é possível ser feliz e sorrir. E o que todas elas propõem é
nada mais que uma série de receitas para a felicidade. Aqui se
encontra a razão por que as pessoas continuam a ser fascinadas pela
religião, a despeito de toda a crítica que lhe faz a ciência. A ciência
nos coloca num mundo glacial e mecânico, matematicamente preciso
e tecnicamente manipulável, mas vazio de significações humanas e
indiferente ao nosso amor. Bem dizia Max Weber que a dura lição que
aprendemos da ciência é que o sentido da vida não pode ser
encontrado ao fim da análise científica, por mais completa que seja.
(p. 53 - 54)

Considerando então uma sintetize a forte influência das críticas à


religião segundo a opinião de quatro pensadores que influenciam a ciência
com suas observações a respeito da religião, influenciando até os dias
atuais – entre tantos críticos que se empenharam numa censura violenta e
contestatória do fenômeno religioso e da magnitude do sagrado na
humanidade – em suas opiniões sobre a religião e Deus. Examina-se a
seguir algumas dessas críticas como também lições no que diz respeito ao
alcance das argumentações desses pensadores:

Ludwig Feurbach (1804-1872) - A ideia de Feuerbach consistia que


Deus é pura invenção e imaginação dos homens. Em meio ao
materialismo alemão Feuerbach sustentava que Deus era a projeção da
essência do homem de forma que ―a consciência de Deus é a
autoconsciência do homem‖ (BOCHENSKI, 1968). Segundo Feuerbach, a
religião foi criada pelo homem com a função de projetar as características
que o próprio homem tem de melhor e assim alimentar o seu sonho
chamado ―deus‖. Daí sua associação da religião e o sonho a problemática
da compreensão da religião. Considerando a religião uma ilusão do
homem e um produto do instinto de conservação, no qual ele torna o que
ele mesmo idealiza como ser humano para si (e como não consegue ser)
transfere para a pessoa do seu ―deus‖.
De certa forma em algumas observações Feuerbach faz sentido, tem
razão. Por exemplo, alguns discursos religiosos assumem um caráter
indutivo de fantasias e ilusões. Nossa sociedade se secularizou e os
valores significantes nas grandes decisões da vida foram marginalizados
em relação aos valores religiosos. Entretanto, a religião tem despertado a
humanidade de que o homem está além do social, político e científico, que
existem outras necessidades as quais são intrínsecas ao seu ser humano

808
FONAPER

e está proporcionalmente associada a sua religiosidade, mas não a crer


que o homem é o seu deus. (STRIDER, p.66-67, 74, 1990)
Karl Marx (1818-1883) - Karl Marx basicamente dá continuidade a
Feuerbach, destacando nessa projeção a alienação do homem religioso
pela religião, a qual deve levar em conta fundamentalmente os
condicionamentos sociais e políticos que dão origem as práticas da
alienação religiosa. Para Marx a religião é o gemido da criatura oprimida,
que protesta contra as suas misérias e opressões. Por que o homem é
alienado devido os resultados sofridos pelas organizações do Estado e da
Sociedade, que injustamente geram situações desumanas sobre sua vida.
Então, a religião surge como um sintoma e protesto contra o regime
econômico opressor. Sob essa condição de repressão Marx diz que ―a
religião é o ópio do povo‖. Logo, Marx eliminada as condições do
sofrimento do homem pela alienação econômica não haveria mais
necessidade de religião.
Há relações significantes entre as implicações econômicas e
religiosas nas culturas e no exercício da dominação. Alguns utilizam certas
formas religiosas como ópio do povo, gerando conformismos e misérias.
Todavia, Marx não estabeleceu, não definiu um conceito do que ele
mesmo considerava religião. Assim, embora haja criações religiosas
humanas, nenhuma substitui o Ser Absoluto que é o cerne da busca do
homem. (STRIDER, p. 68, 74, 1990)
Sigmund Freud (1856-1939) - Já o psicanalista Sigmund Freud
relaciona à alienação sócio-nevrótica a origem de Deus na interiorização
da imagem do Pai, sendo a fonte da religião relacionada a um parricídio no
início da humanidade que gera culpa no homem. Portanto, a religião seria
um modo de reação a angústia gerada pelos acontecimentos. Freud
considerava que pela via da normalidade o homem se sujeita ao real,
conformando-se assim com a realidade.
Dessa forma, como a religião ultrapassa o real, ela seria uma
neurose advinda da imaginação humana, uma neurose repressiva
universal oriunda no desamparo existencial da infância individual e infância
da humanidade. Para Freud, dos desejos (geralmente inconsciente) mais
antigos do homem – os quais o traumatizaram por não realizá-los – surge
às ilusões que dão forças as suas representações religiosas, as quais são
todas ilusões vazias. O axioma de Freud era que com a experiência, a

809
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

razão e a ciência iriam libertar o homem de suas ilusões e neuroses e a


religião, por consequência, perderia a sua vez.
O critério de normalidade de Freud está longe de se estabelecer nos
dias hodiernos. Não é possível se aceitar a anulação da imaginação no
homem. Motivo esse pelo qual Jung constata ainda na era de Freud que
sem religião viva o homem tornava-se neurótico e perdia o sentido da vida.
Sentido esse encontrado na razão da sua existência ser aceita e assumida
com a ajuda de forças espirituais que fluem na/da sua espiritualidade.
Destaca ainda que o préstimo de Freud tenha postergado o dizer de que a
religião é repressiva ou opressiva, porém a mesma é um suporte para o
homem rumo as suas dimensões. (STRIDER, p.70, 75-76, 1990)

Friedrich Nietzshe (1844-1900) - Por sua vez Friedrich Wilhelm


Nietzsche – em sua rebelião contra o meio cristão de seu tempo,
(NIETZSCHE, 2008) o qual em sua opinião teria desvirtualizado o homem
– é o arauto do homem novo, o super-homem que é proclamado
juntamente com a morte e/ou o assassinato de Deus. Assassinato esse
que deixa o homem desorientado, e, só tornando-se um homem forte,
depois da morte de Deus o homem seria livre e absoluto (seria o próprio
Deus).
Assim, assumindo o seu poder na realização de suas vontades,
poderia amar a si e superar o vazio deixado pela ausência de Deus. De
acordo com Nietzsche o velho Deus cristão morreu, por isso está
desacreditado e agora com ele fora de cena surge na terra o ―super
homem‖, totalmente independente do sagrado, do transcendente.
Admitindo também que a superação do homem pelo super-homem levaria
certo tempo, assim como, a destruição da sombra de Deus, as
consequências da fé desapareceriam com o passar do tempo.
Nietzsche desafiou a religião, gerando uma revitalização das formas
e conceitos religiosos ultrapassados. Considera-se o conceito chave de
Nietzsche sendo a ―vontade de poder‖, no qual ele utiliza a morte de Deus
como seu pré suposto pessoal para tratar da origem da religião e a forma
que ela interfere na vontade de poder do homem. Uma vez que a religião
nascia para Nietsche na negação do poder que o homem tem e devido ao
medo projeta esse poder para um deus. Ressaltando o contra senso de
Nietsche com o de que ―na medida em que o homem se torna forte, sem
religião, ele deve combater os fracos em vez de auxiliá-los‖. (NIETZSCHE,

810
FONAPER

2008) Premissa que também no dizer de Sartre não teria sentido porque ―a
existência clama por significado‖ (SARTRE, 1997).

A Religiosidade
A religiosidade é uma qualidade do indivíduo que é caracterizada
pela disposição ou tendência do mesmo, para perseguir a sua própria
Religião ou a integrar-se às coisas sagradas. Precisamos diferir o ser
possuidor de religiosidade, do religioso, que é fruto do sistema religioso.5
Onde essa reunião dos princípios éticos religiosos que caracteriza a
religiosidade é também uma produção humana segundo Ivan Aparecido
Manuel, que está situada na ―esfera da cultura, ou da superestrutura‖
(MANOEL, 2008, p. 1). O autor aprecia a importância do reconhecimento
que necessariamente a religiosidade não se manifesta através de ―religiões
institucionalizadas‖, destacando ainda que:

A religiosidade, na sua condição de característica exclusivamente


humana, revela um atributo humano de busca do sagrado, sem
especificar o que seja esse sagrado, tanto como fuga, quanto como
explicação para o real vivido, ou ainda mesmo para negociações e
entendimentos com a ou as divindades na procura de resoluções de
problemas cotidianos. Esse atributo humano não está referido a
nenhuma religião específica, e é um domínio mais pertinente aos
antropólogos e psicanalistas do que a historiador.

Por essa razão, as práticas da religiosidade, muitas vezes entendidas


como bruxaria, feitiçaria, ―espiritismo‖, nada mais são do que
manifestações não institucionalizadas da religiosidade e exatamente
por isso são sincréticas, livres e além de qualquer ortodoxia
dominante. (MANOEL, 2008, p. 2)

Portanto, embora a religiosidade continue sendo ressignificada e


reapropriada em variados contextos por todo o mundo, seguindo a
dinâmica que lhe é própria como maneira legítima de se atualizar, de
conservar suas práticas e costumes de influenciar a vida e a cultura das
pessoas. Ela não deve ser confundida com as atuais concepções do que
vem a ser a espiritualidade mesmo que haja (erradamente) algumas
relações construídas a esse respeito.

5
Religiosidade. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/religiosidade/
Acessado em: 28/08/2013
811
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A Espiritualidade
Pensada muitas vezes como outro extremo, a espiritualidade
também em detrimento dos próprios interesses dos vários sistemas sociais
e econômicos tem sido ignorada, desprezada e algumas vezes mesmo
negada, como sendo e tendo a importância devida. Consoante Rocha
(2004, p. 03) a dimensão espiritual entendida como a espiritualidade, não
tem em sua essência a dependência da religião ou de alguma forma de
religiosidade. De modo que mesmo que a religião abranja a dimensão
espiritual da pessoa a espiritualidade não é dependente da religião. Pois é
possível a existência da espiritualidade ainda que na ausência da religião,
da religiosidade. Também segundo a autora essa distinção se efetiva por
meio dos aspectos que determinam a religião – como a doutrina, os ritos,
as liturgias, etc. – ademais Rocha nega que a espiritualidade possa ser
ensinada.
Etimologicamente o sentido de Espiritualidade está relacionado ao
latim Spiritualis, sendo o que é próprio da respiração; sopro divino; próprio
do espírito ou a ele pertencente; desprovido de corporeidade; imaterial.
(HOUAISS, 2001). Pessini e Bertanchini (2006) identificam à etimologia da
palavra espiritualidade com o significado de sopro de vida como significado
de encontrar o próprio sentido da vida. Considerando a espiritualidade pelo
viés da procura da dimensão transcendente, uma rota em direção da força
suprema do universo.
De acordo com Ramon Penha e Maria Silva (2009, p. 213) ―a
espiritualidade tem sido o termo de conciliação entre a Ciência, Filosofia e
Religião, uma vez que a visão materialista de mundo já não fornecem mais
subsídios teóricos para a compreensão do mundo pós-moderno‖.
Enfatizam ainda os autores que ―existe um número bastante variado de
conceituações do termo espiritualidade na literatura mundial‖, ademais
apontam que há um ―descuido conceitual que tem levado autores a
confundir, propositalmente ou não, espiritualidade com religiosidade‖.
(Idem)
Jairo Costa (2010, p. 10) citando Yus e Maslow observa que:

a espiritualidade se refere à nossa verdadeira natureza, ou seja, o eu,


que está profundamente conectada com uma realidade espiritual
maior. Às vezes, conseguimos vislumbrar a conexão entre o eu e a
mais ampla realidade espiritual. MASLOW chama esse vislumbre de
―experiências culminantes‖. Na experiência culminante transcendemos

812
FONAPER

o ego e captamos um vislumbre de como as coisas são na realidade


[...] alguns dos que falam da espiritualidade pensam em um
sentimento mais metafórico que deísta; [...] usam a palavra para se
referir, simbolicamente, aos valores humanos, tais como a paz, a
justiça, o amor e a compaixão. (YUS, 2002:111-112).

Entretanto discorrem ainda Pessini e Bertanchini (2006) ser possível


que essa jornada a procura do sentido da existência inicie-se em alguma
religião e/ou dado dogma religioso e/ou sistema de crenças. Contudo, eles
afirmam que também pode ser possível tratar-se de uma construção
particular intrínseca a pessoa. Pois se observa que a vivência do ser
humano propicia no mais íntimo do seu ser a absorção do que e do com
quem ele interage. E como a espiritualidade resplandece é desenvolvida e
consolida-se, balizando a existência de quem a alcança, é crível que por
meio do relacionamento com uma pessoa espiritual seja possível à
absorção da espiritualidade como no processo de aprendizagem. Assim,
sob esse viés está relacionada à Espiritualidade nesse trabalho: o
entendimento do alinhamento das dimensões e do sentido da vida numa
relação equilibrada consigo e as pessoas.

Condição Política Social da Educação Brasileira


A educação é ao mesmo tempo universalizada por intermédio das
pesquisas e socializações das práticas didáticas e pedagógicas, bem como
dependente de um conjunto de aspectos aos quais nem um desses
aspectos configura-se mais importante do que as convicções pessoais
do educador. Convicções de um modo mais excelente do que uma
ideologia, as quais estejam acima – do como já discorrido anteriormente –
do conjunto das ideias que formam ou constituem uma doutrina associada
à estruturação social.
Por que é inadmissível que ainda exista em pleno século XXI uma
cultura de práticas pedagógicas centradas na educação como o propósito
de garantir o controle de determinada classe dominante, ainda que seja o
controle de uma pessoa, até mesmo o controle do educador. Como aponta
Costa (2010, p.9), ―uma educação que tem como princípio o amor não
deve dar lugar ao autoritarismo‖.
Não que se despreze o aspecto positivo da ideologia (uma
representação global da realidade, segundo a qual orientamos e
organizamos a nossa vida), nem que a ideologia não seja um requisito

813
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

para o educador, pois o desprezo da mesma só configura mais uma


redução da pessoa a um mero número em meio às massas (também de
educadores) que com suas práticas contribuem com trabalhos para manter
os domínios de respectivos sistemas políticos e econômicos dentro de
cada espaço geográfico.
Porém, é no contexto das convicções pessoais do educador que se
observa a necessidade do desvelar o que a espiritualidade é como suporte
para uma vida equilibrada. Uma vida a qual não seja o educador escravo,
nem vítima das piores situações que testemunha na educação, nem de
mediocridades entre políticos e sistemas econômicos, ou das
consequências avassaladoras que uma expectativa de um mundo
globalizado possa vender e negociar sobre a égide do consumismo
exacerbado.
A classe política constitui o grupo de controladores dos investimentos
na educação. Daí os salários dos educadores serem mantidos a
patamares baixíssimos, estando muito longe de um reconhecimento digno,
numa sociedade como a brasileira, como pessoas com o devido valor e
importância que representam.
A história aponta para uma sagacidade e demagogia de homens e
mulheres (leia-se partidos políticos) – os quais como declara a deputada
Cidinha Campos (PDT), ―ao gritar contra o que chama de canalhas
consagrados, deputados associados a uma camarilha, faz um discurso em
outro tom. Outro ritmo. Outra dimensão‖ 6 – que mantêm a educação refém
de seus interesses macabros.
Observa-se na prática que no Brasil a grande maioria dos políticos
trabalham no intento de manterem seus currais eleitorais. Sendo assim,
quanto menos pessoas bem educadas, críticas e reflexivas, mais fácil se
efetiva a manutenção da corrupção no Brasil que atinge o patamar de
cerca de R$ 69 bilhões de reais por ano. 7 Tais políticos que se revezam
nos poderes em todas as instâncias (municipais, estaduais e federais)

6
Eu quero falar dos que mamam. Disponível em:
http://www.gentedeopiniao.com.br/lerConteudo.php?news=88805 e vídeo
disponível em: www.youtube.com/watch?v=Lq2NIFXjQlQ Acessados em: 30/08/2013
7
Um estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec)
da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) revelou os prejuízos econômicos e
sociais que a corrupção causa ao País. O valor chega a R$ 69 bilhões de reais por
ano. Disponível em: http://sindjufe- mt.jusbrasil.com.br/noticias/2925465/o-preco-
da-corrupcao-no-brasil-valor-chega-a-r-69-bilhoes-de-reais-por-ano Acessado em:
30/08/2013.
814
FONAPER

mantêm também a desvalorização da educação e a determinação de


estagnar o magistério. Como felicita Ivone Boechat (2011) em sua reflexão
(Não faltam professores) revelando os dados que denunciam a realidade:

O Brasil tem as melhores faculdades de educação, elas têm conceito


bom perante os olhos do órgão que as avaliam. Transbordam
especialistas. Se abrissem inscrições para ingresso de professores,
em todo o território nacional, ao mesmo tempo, apareceria um milhão
de mestres para serem contratados: mas e o salário? Ufa! Milhares de
professores desistiriam das promessas centenárias de valorização da
profissão e da carreira, virariam as costas para a política pública, iam
preferir a privada [...] O Brasil não é um país pobre, é a 8ª economia
do mundo. Dados indicam que o Brasil investe 4,3% do PIB em
educação. E como ensinou D. João VI, o Brasil aplica 6,7 vezes mais
no ensino superior do que em nível básico [...] Numa amostra de 57
países… O Brasil ficou em 53º lugar. Numa escala de zero a 6, a
média obtida pelo País em 2009 equivale ao nível 2 em leitura, 1 em
8
ciências e 1 em matemática.

Portanto, com condições de trabalho cada vez piores, estruturas


caindo aos pedaços, infectados por insetos, bactérias, fungos, vírus, etc.,
alunos e mais alunos – na maioria das vezes crianças – sendo
aglomerados em espaços totalmente sem condições... Compreendendo
tais necessidades sociais do Brasil, as terríveis condições de trabalho, de
salário indigno, de ausência de respeito que determinam diretamente a
frustração da realização profissional e como apontam várias pesquisas,
que o número de professores diminui a cada dia:

[...] Contrapondo com essa valorização de outrora, a realidade de hoje


vem mostrar a queda no número de professores no Brasil. De acordo
com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), a educação básica brasileira (que inclui a
educação infantil, a especial, o ensino fundamental, o médio e a
educação de jovens e adultos), em 2007 havia 2.500.554 professores
em todo o território nacional. Dois anos depois, esse número caiu para
1.977.978.
Uma das causas é a desmotivação da categoria. Essa desmotivação
inclui os baixos salários, a superlotação nas salas de aula e as
péssimas instalações de trabalho nas quais os professores da rede
9
pública são forçados a trabalhar.

8
Não faltam professores no Brasil. Disponível em:
http://www.paralerepensar.com.br/ivoneboechat_naofaltamprofessores.htm
Acessado em: 30/08/2013
9
A educação no Brasil nunca esteve tão desvalorizada e parte disso é pelo não
reconhecimento do trabalho dos professores. Disponível em:
815
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Assim, é de fundamental importância ter consciência da situação


social (mantida pelo sistema político) que envolve a educação no Brasil.
Para que dentre as convicções pessoais do educador ele possa ter muito
claro que não se vence as lutas contra tais sofismas sem convicções que
possam no processo educacional sustentar suas práticas pedagógicas. A
espiritualidade é uma dessas convicções das quais o educador pode valer-
se, para que o mesmo, enquanto pessoa, não se permita ser degradado
por tais construções sofismáticas. Todavia, dentre essas convicções a
ética também deve ser uma dimensão presente nessa estruturação
pessoal.

A Ética
A palavra de origem grega ética é derivada de ethos – o que
apresenta o sentido dos costumes, dos hábitos das pessoas – e apresenta
em latim a palavra moral como correspondente semântica. Atrelada à
Filosofia, a Ciência e a vida de modo geral, por ser compreendida como
árbitra das concepções e preceitos que fundamenta a conduta de uma
pessoa e de uma sociedade. A ética vai determinar então o como à
vontade tácita, subjetiva da pessoa, vai fazer a sua escolha de conduta
mediante as normas estabelecidas. (CHAUÍ, 1996, p. 334-337) ―Logo, é
necessário educar nossa vontade, recebendo uma educação (formação)
racional, para que dessa forma possamos escolher de forma acertada
entre o justo e o injusto, entre o certo e o errado‖. 10
Conforme Marilena Chauí (1996, p. 339-355), o senso moral (a forma
como a pessoa avalia as circunstancias justo/injusto, bom/mau, etc.) e a
consciência moral (a assunção dos atos pessoais) são contribuintes diretas
no processo de formação da pessoa, da educação da vontade. Assim, a
ética convoca a pessoa a ser um sujeito ativo – ―agente moral‖ – que
assume a sua consciência e as responsabilidades de suas escolhas e atos
como consequências dela, a filosofia moral.

http://www.jornalmateriaprima.com.br/menu/opiniao/?id=108 Acessado em:


30/08/2013
10
O que é ética? Disponível em: http://www.brasilescola.com/sociologia/o-que-
etica.htm Acessado em: 31/08/2013
816
FONAPER

Considerações Finais
Destarte, assim como na formação pessoal, faz-se necessária na
construção da identidade profissional a consideração de que a ética é
parte na formação da pessoa no processo educativo. Construção essa que
por meio das práticas pedagógicas – imbuídas de relações humanas – que
dependem do reconhecimento e da aceitação em meio à tão considerável
diversidade de fatores (e obviamente a aceitação da divindade como
transcendente). Observa-se também que a espiritualidade pode estar para
as convicções pessoais do educador para que seja possível o próprio
educador em meio as suas práticas pedagógicas contribuir – sendo
cônscio da sua espiritualidade – com a construção da espiritualidade no
processo educativo na vida dos educandos.
Pois, sendo a identidade profissional um processo de construção ao
longo do exercício na profissão – que lida diretamente com as
necessidades sociais que envolvem as pessoas e o próprio sistema
educacional – a noção da espiritualidade no educador pode por ele ser
compreendida como parte e requisito na sua formação docente
estabelecendo fundamentos como o autocontrole, o autoconhecimento, o
discernimento, etc. No sentido de que o saber não atinge um significado
marcante para a vida de quem lida com o mesmo, quando não é fruto de
uma significante descoberta. Eis mais uma boa razão para se descobrir a
espiritualidade: vivenciar a sua significância.
Sem dúvida essa descoberta passa pela razão, por ser a razão uma
maneira de ordenar os fatos, de propor a compreensão, de organizar as
ideias a fim de sistematizar os pensamentos e socializá-los de forma
objetiva e consistente. Passa pela pesquisa, pela busca até poder
desenvolver a compreensão da espiritualidade, o entendimento do
alinhamento das dimensões e do sentido da vida numa relação equilibrada
consigo e as pessoas.
Ignorar a sustentabilidade como fôlego da vida – a espiritualidade –
que se mantém além dos determinantes científicos, como um mistério que
envolve a dimensão do ser humano constitui-se em sua magnitude (corpo,
inteligência, sentimentos, emoções, etc.) é restringir a vida, a lógica e a
materialidade. Conforme Costa (2010, p. 10) destaca:

817
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Para os educadores holísticos contemporâneos, trazer a


espiritualidade para a educação não significa injetar ensinos religiosos
no currículo; significa incentivar os estudantes a envolver seu mundo
com um sentimento de encanto pela análise, pelo diálogo e pela
criatividade.

Como cada pessoa se constitui em um ser exclusivo e singular,


encontra-se na espiritualidade um elemento fundamental para construção
do próprio sujeito. Uma vez que não se deve ignorar as relações que a
própria vida disponibiliza a uma mesma pessoa – como, por exemplo, filho,
cônjuge, pai, profissional, a mesma pessoa e de forma indivisível. Que
uma relação não deve desenvolver-se mais que outra em detrimento de
quaisquer uma das outras relações.
Proporcionando um equilíbrio que abrange a consciência do poder
estar plena e completamente em cada momento da existência, nas
relações pessoais, como quem é cônscio do valor compreendido nesse
equilíbrio. De ser uma pessoa que pensa, sente, raciocina, se expressa,
doa-se numa relação que vai além da lógica, porque abrange o Spiritualis,
a imaterialidade, o sentido contido na infinitude do sopro da vida.
Então, não se deve ignorar que a espiritualidade é uma construção
possível no processo educativo. Que é possível transmitir-se o como
alcançar esse equilíbrio na construção do processo educativo na vida do
ser humano através da práxis docente. O que ainda configuram-se
grandes questões nessa possibilidade é: como sistematizar esse ensino?
Como se transmitir o conhecimento que possa fazer da pessoa do
educador alguém que desenvolve uma espiritualidade e que transmite aos
educandos a temperança, a moderação e a prudência? (sem a convivência
com quem está espiritual?). Todas essas questões obviamente, numa vida
equilibrada e iluminada pela pesquisa em busca dos quatro pilares da
educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e
aprender a ser. 11

11
Educação um Tesouro a Descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional para a educação no Século XXI. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf Acessado em:
30/08/2013.
818
FONAPER

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820
ESPIRITUALIDADE: UM CAMINHO DE BUSCA E DESCOBERTAS
PARA O EDUCADOR

Daiane da Silva Barbosa - UNEB1

Laugrinei P. B. da Anunciação - UCB2

Resumo:
Este artigo buscará abordar o pensamento de Mário Sérgio Cortella acerca da
espiritualidade como resposta a um desejo forte de a vida ter sentido, de ir além das
situações e propostas de trabalho e compromissos diários. Explicitará sobre a
espiritualidade nos tempos atuais, considerando a transitoriedade em um terreno de
inúmeras descobertas e de análises profundas, pois esta se insere em algo intrínseco, e
que vai além da religiosidade. Nesta perspectiva podemos expor este contexto da
espiritualidade na vida cotidiana do educador, sendo importante fazer uma reflexão sobre a
sintonia que esta exerce no ofício (na prática docente). O artigo também discorrerá sobre a
tríade espírito, corpo e inteligência – conforme Jacques Delors, elementos preponderantes
nas relações pessoal e social.

Palavras-chave: Espiritualidade. Descoberta. Educador, Formação.

Espiritualidade: Conceitos e análises


O ser humano sempre buscou dar sentido a vida, transitando em
experiências no esoterismo, na religião e em filosofias de vida. Entretanto,
um elemento que se torna o cerne e/ou mola propulsora é a
espiritualidade. Esta é entendida como uma dimensão humana onde se
alcança a plenitude.
Mário Sérgio Cortella assinala que a espiritualidade é uma espécie
de resposta a um desejo forte de encontrar sentido à vida, de ela não se
esgotar naquele momento nem em um determinado trabalho. No que
concerne ao educador, a espiritualidade viria a ser uma mediação, quer
seja na aprendizagem do educando, mas também na integração deste na
sociedade. Assim, a espiritualidade é um caminho que dá sentido ao fazer.

1
Licenciada em Pedagogia: Docência e gestão em processos educativos – UNEB; Pós-
Graduada em psicopedagogia: Institucional, Clínica e hospitalar – FACCEBA. E-mail:
daiaws@yahoo.com.br.
2
Pedagoga – CESMAC/FECOM, Especialista em Ensino Religioso – UCB,
Psicopedagoga Institucional – UCDB, Especialista em Adolescência e Juventude –
UCB. E-mail: irmalau@gmail.com.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A palavra espiritualidade é originária do latim Spiritualis, tradução da


palavra grega pneumatikos, que significa ―de acordo com o espírito‖ ou
―cheio de espírito‖. Explicitar espiritualidade nos tempos atuais é transitar
em um terreno de inúmeras descobertas e de análises profundas, pois esta
se insere em algo intrínseco, vai além da religiosidade.
Anselm Grün3 (2008, p. 49) salienta que ―Espiritualidade não é um
caminho para fora da vida cotidiana. Quer, antes, nos conduzir para dentro
dela, a fim de que lá vivamos como pessoas espirituais, moldando a
convivência com os outros‖.
Diante do que foi exposto é importante diferenciar espiritualidade e
religiosidade, esta última é uma caracterização do que é religioso; sua
etimologia vem do latim ―religare‖ que significa ―ligar novamente‖. A
religiosidade tem ligações com as crenças designadas pelas religiões,
embasadas no divino e/ou sagrado. Segundo Mario Sérgio Cortella (2009)
a religiosidade é uma:

―...manifestação da sacralidade da existência, uma vibração da


amorosidade da vida. E também o sentimento que temos da nossa
conexão com esse mistério, com essa dádiva. Algumas pessoas
canalizam a religiosidade para uma forma institucionalizada, com ritos,
livros - a isso se chama "religião".

O sagrado é o centro que liga a religiosidade, através das religiões


com suas doutrinas, dogmas e ritos, além disso, o âmbito religioso amplia
ideias e desmistifica alguns conceitos que se refere à própria humanidade.
Diante disso, Cortella (2009) nos fala que:

―...a religião são uma recusa à ideia de que sejamos apenas o


resultado da junção casual de átomos, de que sejamos apenas uma
unidade de carbono e de que estejamos aqui só de passagem. Como
milhões de pessoas no passado e no presente, acho que seria muito
fútil se assim fosse‖.

Com base nestes conceitos é possível estabelecer ideias


concernentes à espiritualidade e à religiosidade, verificando o principal
elemento que os direcionam, a espiritualidade designada como um
convergente para plenitude, um sentido a vida e a religiosidade como um
integrador com o divino.
3
É monge beneditino e dirige a administração da abadia de Münsterschwarzach, na
Alemanha. Ministra palestras e cursos, e seus livros estão entre os anexos cristãos mais
lidos na atualidade.
822
FONAPER

Mario Sérgio Cortella ainda discorre que: ―a capacidade de olhar que


as coisas não são um fim em si mesmo, que existem razões mais
importantes do que o imediato. Que aquilo que você faz tem um sentido,
um significado‖ (2009). Encontrar o significado para o que envolve as
ações humanas trazem reflexões e criam-se direcionamentos para a vida.
Leonardo Boff (2008) tem sinalizado em muitos escritos e
pronunciamentos que ―O ser humano capta valores e significados e não
apenas fatos e acontecimentos‖, por isso ele destaca que a espiritualidade
―não é monopólio de ninguém, mas se encontra em cada pessoa e em
todas as fases da vida‖.
São inúmeras as análises e os conceitos acerca do tema exposto,
pois trazem um dimensionamento que é estruturado em algo que vai além
da matéria, se concentrando na imaterialidade, no espírito. Sendo assim
desdobra-se em algo profundo e íntimo que se alimenta do sentido ou
importância que a direcionamos. Boff (2008, p.52) explícita que:

―...alimentar a espiritualidade significa cultivar esse espaço interior, a


partir do qual todas as coisas se ligam e religam; significa superar os
compartimentos estanques e vivenciar as realidades; para além de
sua facticidade opaca e por vezes brutal, como valores, inspirações,
símbolos de significações mais altas‖.

Ao analisar a espiritualidade é possível direcionar e aprofundar os


anseios que esta representa e/ou significa, pois ao filtrar os elementos
preponderantes a esta, conseguimos estabelecer um olhar mais crítico e
reflexivo, pois neste campo da espiritualidade, é preciso ir no mais íntimo
de cada pessoa.
Muito ainda poderia ser aqui discorrido sobre espiritualidade.
Contudo, sabe-se que por mais que seja escrito ou dito, jamais esgotarão
os conceitos e as análises quando o assunto é espiritualidade. Fica aqui o
infinito e profundo desejo de buscar e ampliar os caminhos que conduzem
o desenvolvimento e o cultivo da espiritualidade.

A espiritualidade na vida do educador


Muito se fala dos sonhos e desejos do educador, bem como daquilo
que ele necessita para desempenhar a sua função com qualidade e
sentido. Opiniões diversificadas surgem no ambiente educacional, quando

823
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

se trata da dimensão transcendental, dos aspectos ligados à


espiritualidade.
Será que o que os educadores e as instituições educacionais estão
dando a devida atenção à espiritualidade? Ou será que há apenas espaço
– mesmo que às vezes distorcido e proselitista - para conhecimento,
demonstração e cultivo de religiosidade?
Não resta dúvida que a religiosidade exerce um papel importante na
formação do ser humano, no entanto, esta não poderá jamais desenvolver
o potencial intrínseco, existente em cada pessoa, e que é destinado à
espiritualidade.

Além disso, sabe-se que a pessoa pode ser religiosa, viver aspectos
da dimensão transcendental, sem, necessariamente, pertencer a uma
religião institucionalizada. Hoje, a religião não é mais o centro em torno do
qual se organizam todos os conhecimentos e todas as atividades
humanas, como acontecia antes, na Idade média, por exemplo. Contudo, a
religião oferece motivos de esperança e indica caminhos para que o ser
humano seja mais feliz. Ela é parte integrante da vida das pessoas e é
uma maneira de estabelecer uma relação com Divindades.
Alguns fenômenos atuais mostram este vazio de sentido: O
consumismo desenfreado, muito bem representado pelos ―templos
modernos‖, os shoppings centers. Consumir apenas como fruto da ilusória
impressão de preenchimento da existência e satisfação da saudade de
infinito que existe no coração humano. Outro fenômeno é o investimento
exagerado em eventos de diferentes áreas. O homem contemporâneo vive
de evento em evento, de show em show, de espetáculo em espetáculo...
Talvez seja isso um faz de conta, uma preparação e espera por algo, que
dê sentido e alegria aos seus dias.
Diante de tantas demandas que a vida contemporânea oferece,
corre-se o risco de supervalorizar o que deveria estar em segundo plano e
reduzir aspectos que são relevantes na convivência e na atuação dos
educadores.
Nota-se uma busca incessante por recursos e/ou elementos que
sejam eficientes na superação dos desafios que surgem no cotidiano.
Contudo, esta busca precisa considerar os aspectos espirituais, do corpo e
da inteligência, pois estes interagem entre si, criando uma base sólida para
a estrutura do equilíbrio humano, em seus aspectos internos e externos. O
educador no limiar do exercício das suas ações de trabalho consegue
824
FONAPER

contextualizar a sua espiritualidade, no seu gestual, pois a transcendência


emerge de forma simples e natural.
Nesta perspectiva, a espiritualidade na vida cotidiana do educador, é
importante, pois faz uma reflexão sobre a sintonia que esta exerce no
ofício (na prática docente). Delors (1998, p.99) afirma que:

A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa,


espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético,
responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo o ser humano deve
ser preparado, especialmente, graças a educação que recebe na
juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para
formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por
si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.

Através da tríade espírito, corpo e inteligência, podem-se estruturar


elementos preponderantes para os aspectos da espiritualidade criando
uma sensibilidade que amplia todo sensorial designado no convívio social,
no caso do educador nas relações entre eles e outros educadores e na
relação educador-aluno, espiritualidade auxilia no processo da ação.
O educador é o interlocutor do processo de aprendizagem do
educando. Para enxergar e trilhar tal caminho faz-se necessário reeducar a
ótica do nosso olhar sobre os educandos; retirar as ―traves‖ que impedem
de enxergar a beleza existente nessa fase da vida; desfazer antigas
imagens em que foram vistas apenas as mazelas ditas sobre as crianças e
os adolescentes e jovens nas escolas; reconsiderar, refletir e transformar
as ideias pré-concebidas e reproduzidas como verdades pela grande
maioria dos professores e funcionários das instituições escolares.
Eis o que diz Cortella (2004, p.17) sobre a educação do nosso olhar:

É imprescindível não recusar o encontro com a admirável presença de


um mistério que ultrapassa a mim mesmo, minha vida e este próprio
mundo, mas do qual, surpreendentemente, me percebo nele e dele
participo. E, mais ainda, sei e sinto não estar sozinho. Afinal, ser
humano é ser junto.

Ora, para possibilitar esse encontro é preciso mergulhar no contexto


escolar, deixando-se levar pelo olhar da humildade que faz ver no rosto de
adolescentes e jovens uma dignidade, valor que nem sempre é
reconhecido.

825
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Educação: Buscas e descobertas


A necessidade de dominar conhecimentos teóricos deve ser uma
realidade de várias instâncias da atual sociedade; contudo, no que diz
respeito às instituições educacionais, essa deve ser uma prática primordial.
Nessa perspectiva, parece óbvio: Cabem às instituições
educacionais ensinar? Esta questão não parece estar muito clara no
século XXI – período no qual a sociedade passa por um processo de
globalização, desenvolvimento acelerado da internacionalização do capital,
criando um ―novo cenário‖, caracterizado, entre outras dificuldades, pelo
desemprego e pouco investimento na educação.
Tendências pedagógicas também acabam ficando, neste contexto,
condicionadas aos ―modismos‖ na educação, deixando de primar por
fundamentos filosóficos e epistemológicos consistentes. Em decorrência
destas situações produzidas pelo processo histórico cresce a crise
presente na escola que afeta a prática docente.
Só faz sentido uma intervenção numa instituição de educação que
compreenda como tarefa central a transmissão do saber objetivo, de forma
a modificar a formação das consciências dos indivíduos que passam por
ela e, consequentemente, contribua para o processo de humanização dos
mesmos.
O que fazer para que ‗educandos‘ e ‗educadores‘, influenciados pelo
neoliberalismo social, do capitalismo selvagem e da crise política que o
mundo atravessa, possam realmente transportar para além dos muros da
escola, experiências de decisões democráticas? Até quando o professor
será o intocável, fator incoerente com o processo de
ensino/aprendizagem? O que fazer, então?
O mundo mudou, os alunos e a educação também. É necessário que
todo o processo educativo leve em conta a transdiciplinaridade4; tudo o
que contribui para uma completa educação do ser humano, tem mais
sentido do que aquela educação dividida ou fragmentada. Ou o agir

4
A transdisciplinaridade é uma abordagem científica que visa a unidade do
conhecimento. Desta forma, procura estimular uma nova compreensão da realidade
articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de
compreensão da complexidade. Além disso, do ponto de vista humano a
transdisciplinaridade é uma atitude empática de abertura ao outro e seu conhecimento
(FILHO, 2007 p. 36).

826
FONAPER

pedagógico é completo ou deixará muitas lacunas na formação do


educando.
Vê-se, por aí, situações gritantes onde se sente que a educação foi/é
falha. Há pessoas que vivem como se fossem apenas um corpo sem
espírito, sem emoção e sem sentido. Somos seres completos e por isso o
agir pedagógico deve estar voltado para o todo do educando, sem
desconsiderar nenhuma dessas dimensões.
Augusto Cury alerta para a necessidade de educar a emoção através
de um gerenciamento dos sentimentos. As palavras desse autor convidam
para uma reflexão em torno da valorização de Ser Humano, do sentido da
vida e da educação.

Gerenciar a emoção é o alicerce de uma vida encantadora. É construir


dias felizes, mesmo nos períodos de tristeza. É resgatar o sentido da
vida, mesmo nas contrariedades. Não há dois senhores: ou você
domina a energia emocional, ainda que parcialmente, ou ela o
dominará. (CURY, 2003).

Certamente, todos os educadores sabem que a educação tem por


missão, por um lado socializar e construir conhecimentos sobre a
diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar
consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres
humanos do planeta. (DELORS, 2003).
Quando se trata da educação de crianças, de adolescentes e jovens,
bem como dos adultos, as instituições escolares devem criar inúmeras
estratégias para que esta aprendizagem ocorra da melhor maneira
possível. Deve-se olhar a pessoa a partir dela própria, de sua afetividade,
de sua subjetividade, de sua intersubjetividade e de seu altruísmo.
Urge que, em todos os níveis e espaços educacionais, os
educadores e líderes levem em consideração alguns aspectos, como:
sentir o que se aprende, perceber, compreender, definir, argumentar,
discutir. Enfim, dar espaço ao que diz Assmann (1998, p. 29):

Uma sociedade onde caibam todos só será possível num mundo no


qual caibam muitos mundos. A educação se confronta com essa
apaixonante tarefa: formar seres humanos para os quais a criatividade
a ternura sejam necessidades vivenciadas em elementos definidores
dos sonhos de felicidade individual e social.

Quanto aos adolescentes e jovens, a educação formal produzida nas


escolas hoje, tem a ver diretamente com a sua proposta pedagógica, que
827
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

na maioria das vezes não é interessante. Suas propostas nem sempre


estão conectadas às aspirações juvenis.
Basta observar o comportamento da juventude nos ambientes
escolares para ter exemplos de comportamentos indiferentes e
insatisfeitos, demonstrando que de fato, a escola é um espaço
desinteressante para a maioria da juventude. Por outro lado, se
perguntarmos aos adolescentes e jovens se eles gostam da escola, muitos
deles responderão que sim. E, eles gostam mesmo! Gostam da
convivência com os colegas e amigos da escola, do momento de intervalo,
das atividades extraclasses, das conversas e brincadeiras nos corredores
e salas e de outras situações que somente na escola podem ser
vivenciadas.
Além disso, nem todas as escolas são desinteressantes para eles.
A escola que prioriza o ensino de qualidade, o respeito a todos, a
tolerância, as ações com regras claras e definidas previamente (inclusive
com os alunos) e que favorecem momentos de lazer, de alegria, de festa,
de convivência, tem lugar garantido na vida dos adolescentes e jovens.
Uma vez que, no atual contexto, prima-se pela valorização da própria
subjetividade, o educador precisa ter clareza do seu papel. Todo educando
rejeita a prática da imposição de autoridade; quanto aos adolescentes e
jovens tal rejeição é ampliada, apesar deles buscarem sempre dialogar
para um esclarecimento de posições com o educador, com as instituições
de ensino.
Constantemente os educandos se sentem ―injustiçadas‖5 nas
instituições educacionais. Quantas ideias e propostas são sugeridas por
eles e, no entanto, são desconsideradas e nem sempre ouvidas?
De fato, para estabelecer uma comunicação mais efetiva com os
educandos, é preciso fazer o percurso de dar direito de voz e vez a esse
público. Eles querem participar diretamente de tudo aquilo que faz parte da
sua vida. Entretanto, sabe-se que na prática isso não acontece com
frequência. Ainda se vê, em muitas realidades, uma prática educativa
centrada nas decisões dos educadores, com disfarçados sinais de
repressão que inibem e/ou impedem um processo educativo sadio e eficaz.

5
Palavra comumente utilizada nos ambientes educacionais pelos adolescentes e jovens,
quando as suas solicitações não são atendidas e, às vezes, quando eles não são
ouvidos e/ou considerados pelos adultos.
828
FONAPER

Outro aspecto considerado importante na educação é o processo


avaliativo. Apesar de estar mais voltada para a sala de aula, a avaliação
deve estar presente em todos os ambientes educacionais. Ao mesmo
tempo em que a avaliação é fundamental para a aprendizagem, também é
desafiadora em suas diversas formas de ser executada pelos educadores,
bem como é também diversificada a concepção das Instituições, dos pais
e/ou responsáveis pelo atual sistema de ensino.
Muito se fala e se discute, no entanto, pouco progresso pode ser
constatado em relação à avaliação. Há uma contradição entre as intenções
e o processo efetivamente aplicado, na busca de uma definição ou de um
posicionamento acerca da avaliação. Certamente tal contradição nasce da
autocensura gerada pelo descompasso entre uma imagem idealizada da
avaliação, encontrada em teorias atuais, e a realidade cotidiana das
escolas, condicionadas, estruturalmente, pelo sistema de promoção e
seriação e, conjunturalmente, pelas precárias condições concretas de
trabalho e pelas determinações superiores.
Por fim, sabe-se que todo processo educativo deve levar em
consideração as experiências bem como os conhecimentos que os
educadores e educandos trazem consigo. De acordo com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394/96, Artigos I, II e III, a
escola deve exercer um papel humanizador e socializador, além de
desenvolver habilidades que possibilitem a construção do conhecimento
como também dos valores necessários à prática da cidadania plena.
Para realizar tal função, é preciso levar em conta o cotidiano daquele
que ―aprende‖ e daquele que ―ensina‖, uma vez que cada um traz consigo
elementos intrínsecos à realidade escolar, que são relevantes dentro do
espaço de criação e recriação das relações estabelecidas no ambiente
escolar. Eles devem ser referência permanente na ação educativa.
Em 1988, a UNESCO gerou quatro premissas norteadoras para o
processo ensino/aprendizagem6 – aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser – que, em conjunto, buscam integrar
conhecimentos de diferentes componentes curriculares. Um ponto
significativo para a reflexão, neste momento, é a busca evidente da
dimensão social que a aprendizagem cumpre no percurso de construção

6
Os quatro pilares da Educação são conceitos de fundamento da educação baseado no
Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI, coordenada por Jacques Delors.
829
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

da cidadania, contribuindo como instrumento de compreensão e


intervenção na realidade em que vivem os educandos, assim como os
educadores.
As pessoas aprendem através da relação, das trocas que
estabelecem com os outros e com os objetos do conhecimento. Para que
haja aprendizagem, é necessário estabelecer vínculos, levando em
consideração os aspectos afetivos, cognitivos e sociais do indivíduo.
Para tanto, se faz necessário favorecer e promover o
desenvolvimento da consciência individual e global, isto é, a orientação
ostensiva do dever de respeitar e assumir a condição humana, trabalhar
para humanização, praticar a ética da solidariedade e da compreensão
como missão prioritária.

Considerações finais
A espiritualidade aqui discorrida trouxe reflexões diante do seu
conceito e da profundidade que a mesma evidencia, embasadas na
plenitude que se chega quando ocorre um estabelecimento real. A sua
contribuição na vida humana é importante, pois estabelece uma conexão
com o íntimo, com o interno e com a infinitude.
Nesta perspectiva, pode-se observar que a espiritualidade diferencia-
se da religiosidade que está ligada com o divino, que tem como ―fio
condutor‖ a religião. No entanto, foi possível verificar que a educação e
logo, o educador (espírito, corpo e inteligência), conseguem fazer um ―link‖
diante da dimensão espiritual, pois estes se convergem.
Ao relacionar elementos que aparentemente parecem distantes, se
consegue contemplar a beleza da espiritualidade. O educador que é o
mediador do processo educacional, na linha dos saberes, traduz seu
trabalho diante do seu olhar, estabelecendo uma relação educador-
educando.
Diante das transformações da sociedade, a emoção é um elemento
que suaviza as relações; com este pensamento o espiritual é percebido.
Leonardo Boff (2008) afirma que a espiritualidade vem de espírito e que
―que o ser humano é composto de corpo e alma ou de matéria e espírito‖.
Neste cenário onde as fontes de interação entre o externo e interno
se aproximam, pois é sabido que ambas exercem forças que se
complementam, consegue-se observar que o espiritual e o material

830
FONAPER

traduzem um olhar de sensibilidade único. Estabelecer esta amplitude


transforma o desempenho de qualquer exercício e/ou ofício, e na
educação este ―dueto‖ traz consigo uma estrutura mais profunda e
fecunda.
É preciso que os educadores repensem a sua prática pedagógica e
que também deem espaço à espiritualidade que se manifesta em uma rica
diversidade de crenças. É preciso passar por uma verdadeira
metamorfose, questionando o que se tinha aprendido para apropriar-se do
novo, do diferente. Somente com outro olhar, marcado pela sensibilidade,
espiritualidade e prazer, os educadores chegarão aos grandes mananciais
da aprendizagem.

Referências

ASSMANN, H. Reencantar a educação, rumo à sociedade


aprendente. Petrópolis, Rio de Janeiro: vozes, 1998.

BRASIL, (1996). Lei n.º 9.394/96, estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 20 de dezembro de
1996, seção I.

BOFF, Leonardo. Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária


http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/espiritualidade.htm. Acesso
em 06 de agosto de 2013.

______. Ecologia, Mundialização, Espiritualidade, Rio de Janeiro:


Record, 2008.

DELORS, Jacques. Educação: Um tesouro a descobrir. 8. Ed. Tradução


José Carlos Eufrásio. São Paulo: Cortez, Brasília: MEC/UNESCO, 2003.
Acesso em 06 de agosto de 2013.

CORTELLA, Mário Sérgio. A transcendência se mostra... Educamos


nosso olhar? Diálogo, São Paulo, n.34, p.14-17, Mai. 2004.

______. Mario Sergio Cortella: não adie seu encontro com a


espiritualidade. 2009
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/mario-sergio-cortella-
nao-adie-seu-encontro-espiritualidade-521429.shtml. Acesso em 07 de
agosto de 2013.

831
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de


Janeiro: Sextante, 2003.

ROCHA FILHO, J. B. Transdisciplinaridade: A Natureza Íntima da


Educação Científica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que


pensam, o que almejam – Pesquisa Nacional Unesco. São Paulo:
Moderna, 2004.

832
A ESPIRITUALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO DOCENTE

Monica Pinz Alves1 (Faculdades EST)

Resumo
O presente artigo integra a pesquisa de doutorado que reflete sobre as condições de bem-
estar na docência chamando a atenção sobre a questão da espiritualidade. A
espiritualidade é uma expressão da totalidade do ser humano enquanto sentido e busca
dinâmica da vida. Todo professor está envolvido com a educação e com o educar, e através
da sua atuação, pela relação que estabelece na sala de aula, o professor, ao ensinar,
exerce significativa influência sobre o aluno que aprende, levando-o a alterar, modificar e
transformar atitudes, ideias, habilidades e comportamentos, e assim faz com que sua
atuação ultrapasse, portanto, a simples transmissão de conhecimentos. A presente
pesquisa procura compreender como a dimensão da espiritualidade contribui e participa da
constituição identitária profissional de professores. A espiritualidade pesquisada no
presente artigo não se confunde e nem se reduz à prática de uma religião, mas sim no
contexto da dimensão do cuidado de si de um professor buscando destacar que
experiências de caráter espiritual ajudam a melhorar sua docência.

Palavras-chave: Docência – Espiritualidade – Professor – Cuidado de si

Introdução
Através da prática pedagógica já vivenciada e por meio dos estudos
que estou fazendo sobre educação percebo que há uma grande corrente
levando todos a refletirem sobre a espiritualidade. Não em relações às
questões religiosas, mas em busca a compreensão da nossa essência: o
espírito.
Refletindo sobre estas questões é possível afirmar que a educação
vai muito além do que se propõe hoje (conteúdo, conteúdo e conteúdo).
Nós educadores precisamos nos abrir para as novas exigências, não do
mercado de trabalho, mas na contribuição com a evolução humana. O
nosso papel é formarmos seres humanos, mas humanos na plenitude da
palavra, para vivermos em harmonia, para auxiliarmos nas transformações
pelas quais estamos passando.

1
Monica Pinz Alves – Mestre em Educação nas Ciências, Doutoranda em Teologia –
Área de Concentração Religião e Educação EST – São Leopoldo-RS Bolsista CAPES ,
Diretora do Centro Educacional Primeiros Passos e Professora na Faculdade Batista
Pioneira. E-mail: monicapinz@hotmail.com
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Deparamo-nos com educadores angustiados diante de certos


conflitos. Os mais comprometidos não esmorecem e buscam alternativas
para melhorarem a qualidade de suas relações. Devido as constantes
mudanças que ocorrem na sociedade mudam-se também os
comportamentos, exigindo, assim, a quebra de alguns paradigmas e a
busca de novas posturas.
A relação do professor com a sociedade, com a escola, com os
alunos e com os colegas depende fundamentalmente da maneira como
este professor se auto-define. Os problemas de conduta que implicam as
relações do professor consigo mesmo não são relações unicamente
subjetivas, porque, de acordo com elas, os resultados objetivos podem
aparecer negativamente ou positivamente.
Acreditar na educação é não fazer de sua atividade profissional mera
forma de ganhar a vida. É necessário também que o professor acredite na
pertinência dos conteúdos que leciona. Atitudes desta natureza propiciam
ao educando perceber que o mestre possui a convicção necessária para
educar. É grande a responsabilidade do educador como agente
influenciador de mentalidades em formação.
O presente artigo tem como proposta refletir sobre as condições de
bem-estar na docência com ênfase na espiritualidade. A espiritualidade é
uma expressão da totalidade do ser humano enquanto sentido e busca
dinâmica da vida.
Para compreender como a dimensão da espiritualidade contribui e
participa da constituição identitária profissional de professores basta refletir
sobre o educador, que além da sua formação inicial e acadêmica, sua
prática na escola, e sua permanente necessidade de formação, é uma
pessoa e possui uma relação com sua própria aprendizagem e constituição
como profissional, sendo esta imprescindível para sua constituição como
educador-mestre.
Entende-se a dimensão da espiritualidade do homem como a busca
de um ser ou uma força superior que lhe confere sentido à vida, por meio
da qual direciona suas ações sobre o mundo e sobre sua atuação nesse
mundo. Ao se perguntar sobre esses sentimentos que nutre em relação às
pessoas, ao seu desempenho na profissão e sobre sua própria condição
existencial como ser humano, o professor tem a possibilidade de perceber-
se em permanente construção de si.

834
FONAPER

A espiritualidade pesquisada no presente artigo não se confunde e


nem se reduz à prática de uma religião, mas sim no contexto da dimensão
do cuidado de si de um professor buscando destacar que experiências de
caráter espiritual ajudam a melhorar sua docência.

A espiritualidade
Observando o cenário educacional podemos ver que existe um
sentimento de mal-estar no que se refere à qualidade de vida dos
professores nos dias atuais. Destacadamente, a pessoa do professor, um
ser humano antes de tudo aquilo que o seu fazer social lhe denomina ser
(MOSQUERA,1978) é alcançada em seu desempenho profissional e
também vida pessoal. O professor, um profissional na formação humana,
para quem a sociedade pede que lhe ajude a preparar o cidadão para este
novo mundo (DELORS, 2006), mas que paradoxalmente não sabe dizer
muito bem como deseja ser este cidadão, encontra-se em meio às cada
vez mais rápidas mudanças nas quais tem que se movimentar para bem
desempenhar-se.
O professor encontra-se num movimento onde lhe é exigido uma
adaptação ativa, e é neste momento que ele depara-se com a essência de
sua prática. As mudanças aceleradas nos modos de produzir e expressar
conhecimentos, ele percebe o que permanece nesse cenário: o fato de que
as pessoas que estão sob seus cuidados de professor ainda se acercam
dele como alguém que pode fazer a diferença para melhor em suas vidas.
São vivenciadas situações que demandam do professor, que é também um
ser humano em permanente processo de construção e reconstrução de si,
posturas de orientação para ele próprio e para quem dele assim se
aproxima. Uma dessas pode estar ligada à dimensão da espiritualidade.
Ao falarmos sobre a espiritualidade é bom relembrar o que Rocha
(2004, p. 03) afirma quando se fala:

Em dimensão espiritual, ou espiritualidade, não nos referimos


necessariamente à religião ou ensino religioso. A nosso ver, embora
religião sempre envolva a espiritualidade e/ou a dimensão espiritual do
indivíduo, a dimensão espiritual e a espiritualidade nem sempre
envolvem uma manifestação religiosa.

A espiritualidade não envolve um conjunto de regras, rituais e


liturgias, também ela não é uma doutrina que possa ser ensinada, mas

835
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

nasce e se desenvolve no interior de cada indivíduo. A espiritualidade


determina a forma com que se vê a vida e como se lida com os problemas
que vêm imprevisivelmente.
Sendo assim, espiritualidade não é ―a exclusão da materialidade,
mas a relação ou união do homem todo – corpo e alma‖ (ZILLES, 2004, p.
13) – com o ser transcendente, Deus. São os meios que o homem
desenvolve para este fim e a manifestação do resultado obtido pelo
desenvolver desta espiritualidade no meio em que vive (família,
comunidade e a sociedade).
O importante é a educação contribuir para o desenvolvimento total da
pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético,
responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo o ser humano deve ser
preparado, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para
formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si
mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.
Da mesma forma não se espera que o professor em prol de sua
espiritualidade se torne um missionário, mas que tenha condições de
refletir sobre si, sua missão como educador, criador de opiniões e neste
processo considere o educando não como mero produto, mas como um
ser que pode influenciar o mundo ao seu redor.
Müller (2004, p. 08) assegura que viver com o espírito, é ser total, é
viver segundo a dinâmica da própria vida. É olhar de modo diferente tudo
na existência e como consequência construir sua própria imagem íntegra e
sua relação com tudo que o cerca.
Arruda (2005, p. 51-52) nos define espiritualidade como sendo ―a
qualidade do que é espiritual e espiritual é o que diz respeito ao espírito;
incorpóreo; místico, devoto; relativo à religião‖. Assim, para ele ―é a
essência do homem, é o seu ser, é a maneira de se comportar, agir e
pensar‖.
Os quatro pilares da educação estipulados pela Comissão
Internacional de Educação para o Século XXI e assumidos oficialmente
pela UNESCO a partir de 1996 temos nos levam a refletir quando 1)
aprender a conhecer é adquirir instrumentos da compreensão; 2) aprender
a fazer: para poder agir sobre o meio envolvente; 3) aprender a viver
juntos: participação e cooperação em todas as atividades humanas e 4)
aprender a ser: este nível requer a integração de todos os outros pilares da
educação, aqui se busca ―uma experiência global que leva a cabo ao longo

836
FONAPER

de toda a vida, no plano cognitivo e no prático, para o indivíduo enquanto


pessoa e membro da sociedade‖ (DELORS,1996, p. 90) .
O processo da educação que se requer para o Século XXI é muito
mais abrangente do que se tem colocado na formação docente, mas
embora ainda haja esta deficiência no processo de formação, as
competências são sempre requeridas dos profissionais.

Bem-estar
O educador é um mediador, seja consciente disso ou não. Um
mediador na aprendizagem do aluno, mas também na integração deste na
sociedade. Que tipo de mediação ele exerce? Esta pergunta está muito
relacionada com o tipo de espiritualidade que dá sentido ao meu fazer. Por
isso vamos chamá-la aqui "espiritualidade da mediação".
A espiritualidade da mediação começa no olhar do educador. O
aluno está aí, em frente, e o nosso olhar dirige-se a ele. Dizer "olhar" é
como dizer "o espírito" com que contemplamos os nossos alunos. A
espiritualidade do educador não se estabelece à parte do seu trabalho
como educador, mas justamente nele, ou mais exatamente, nas relações
que este realiza com os seus educandos.
Por isso é possível neste contexto pensar sua docência como um
testemunho da sua própria aprendizagem e assim surgirá um outro caráter
às ações pedagógicas. Boufleuer (2007) diz que o entendimento de
pedagogia sempre tem sido como uma ferramenta de condução, como
uma técnica, como uma estratégia, enfim, como um procedimento de
―transmissão‖ ou de ―produção‖, em que a pedagogia costuma ser uma
espécie de carroça que serve para carregar coisas de um lugar para o
outro, como ―abóboras‖ colhidas na roça da tradição cultural e cujo destino
deveria ser as cabeças das novas gerações.
Boufleuer e Fensterseifer (2008, p.7) salientam que:

[...] conhecer o aluno, saber de suas dificuldades e de seus interesses


é muito importante para um professor. Nada disso, no entanto,
dispensa o professor de ser testemunho vivo dos conhecimentos que
se propõe a ensinar.

O bom professor lapida-se para muito além do domínio de conteúdo,


do gostar de ensinar, de estar em sala de aula. O bom professor está
envolvido com a educação e com o educar, e através da sua atuação, pela
837
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

relação que estabelece na sala de aula, o professor, ao ensinar, exerce


significativa influência sobre o aluno que aprende, levando-o a alterar,
modificar e transformar atitudes, ideias, habilidades e comportamentos, e
assim faz com que sua atuação ultrapasse, portanto, a simples
transmissão de conhecimentos.
A relação da teoria com a prática é indispensável no processo de
ensino e aprendizagem. É preciso focalizar a figura do educador como
vínculo fundamental entre a tradição cultural a ser transmitida e a
aprendizagem do aluno.
Os pensadores Rousseau e Dewey afirmam que a educação deve
começar com a experiência, pelos sentidos, e não pela razão e que o
ensino que não respeitar a experiência torna-se enfadonho e sem
resultados. Mesmo diferindo quanto ao significado do conceito de
experiência, ambos os autores a valorizam. Rousseau, na sua obra Emilio,
define que o primeiro dever do educador é ―para consigo mesmo e que a
tarefa da educação natural repousa na educação do homem para si
mesmo e não para os outros‖ (ROUSSEAU, 1992, p.285).
Dewey faz a crítica à pedagogia tradicional, que estava centrada nos
conteúdos e no autoritarismo do professor, sendo que a sua convicção
acerca da educação ideal era ―a formação da capacidade de domínio de si
mesmo‖ (DEWEY, 1971, p.64).
A espiritualidade do professor vai além da renovação de conteúdos e
de professores tecnicamente preparados. A espiritualidade leva em conta a
dimensão da totalidade humana e deste modo contribui para o
desenvolvimento de todas as suas potencialidades, sejam profissionais,
intelectuais, emocionais, espirituais e sociais.
Sendo assim podemos afirmar que a espiritualidade se fundamenta
naquilo que qualificamos como a expressão formação na ação.
Participantes na sociedade e consequentemente da complexidade das
escolas os professores estão cientes que precisam dar respostas aos
desafios que estão muito além do que a competência para ensinar.
Consequentemente, pensadores e educadores estão preocupados e
percebem ser necessário e importante valorizar mais que os conteúdos e a
produção, a própria pessoa do educador.

A produção não material coincide com a produção espiritual, não é


outra coisa senão a forma pela qual o homem aprende o mundo,
expressando a visão daí decorrente de distintas maneiras. Eis por que

838
FONAPER

se pode falar de diferentes tipos de saber ou de conhecimento


(SAVIANI, 2003, p.7).

O foco está nos professores como referências de comportamentos,


valores e atitudes e quando esse vínculo torna-se positivo, é possível levar
conosco como modelo de conduta. O professor não está apenas em sala
de aula, ensinando apenas conteúdo escolar, ele ensina sobre a vida,
como lidar com os relacionamentos, ajudando a acreditar nos cuidados,
pois muitas vezes essa relação está permeada pela paciência e
benevolência.
O professor, a partir do seu jeito de lidar com os alunos, a forma de
cobrar o conteúdo e principalmente como reconhece o desenvolvimento
deles, reconhece-se no processo de aprendizagem que envolve professor-
aluno como parceiros de uma caminhada que leva em conta a
formação pessoal e profissional.

Cuidado de si
Foucault indica que o cuidado de si envolve o cuidado do outro. E é
sob esse ponto de vista que acreditamos ser a escola um dos espaços
para se problematizar as regras que governam professores, alunos e
demais profissionais da educação. Ao rever onde, quando, por quem foram
instituídos e a quem interessam tais regras de convivência é possível
construir outras que não se voltem contra os indivíduos, mas se coloquem
a favor deles, o que nos possibilita pensar e exercer relações sociais
baseadas na nossa experiência do cuidado de si.
Foucault, em seus últimos trabalhos, pensa em propiciar um tipo de
relação do indivíduo consigo mesmo que recuse a pressuposta
universalidade de todo o fundamento; que evite que as relações de poder
se cristalizem em estados de dominação; que se constitua sem recorrer a
uma verdade interior, dada de antemão à experiência e arraigada em uma
profundidade íntima e inacessível. Em outras palavras é colocar o sujeito
no centro da reflexão, mas um sujeito liberado dos atributos que lhe foram
dados pelo saber moderno, pelo poder disciplinador e normatizador.
A educação reduzida aos aspectos do ―o que‖ e ―como‖ educar
reflete em práticas discursivas que se estruturam nas instituições sob a
forma de esquemas de comportamento, atividades técnicas, métodos de
transmissão e difusão de conhecimentos, que ao mesmo tempo impõem e

839
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mantêm tais práticas discursivas. Já a educação centrada na pessoa


promove um processo voltado para a humanização, valoriza o pensar
crítico e criativo, construindo e transformando a subjetividade.
Para Foucault, essa subjetividade é o modo pelo qual o sujeito faz a
experiência de si mesmo em um jogo de verdade em relação consigo
mesmo.
Em seus trabalhos Foucault recupera da antiguidade grega algumas
interpretações para o cuidado de si e observa que, para Sócrates,
inicialmente, o cuidado de si significava ocupar-se de si próprio, pois isso
era essencial para todos aqueles que queriam se iniciar na arte de
governar. Posteriormente passou a considerar-se um mensageiro, enviado
por um deus, para lembrar aos homens que ―eles devem cuidar não de
suas riquezas, nem de sua honra, mas deles próprios e de sua própria
alma‖ (SÓCRATES, 1985, p.50).
O ideal na formação de professores não é o conhecimento de
teorias, métodos e práticas pedagógicas, mas sim o conduzir ao auto-
conhecimento, enquanto experiência de si, e produzir relações reflexivas
que tornam possível o sujeito que se constrói mediante o cuidado de si. Se
a educação, conforme Foucault (1996, p. 44), ―é uma maneira política de
manter ou de modificar a apropriação dos discursos‖, é nesse campo
político que devemos buscar o cuidado de si voltado para as
potencialidades do sujeito, e não de suas fraquezas, apontadas nos
exames e nas avaliações que medem simplesmente a quantidade de saber
apreendido.

Além disso, o cuidado de si implica também a relação com outro, uma


vez que, para cuidar bem de si, é preciso ouvir as lições de um
mestre. Precisa-se de um guia, de um conselheiro, de um amigo, de
alguém que lhe diga a verdade. Assim, o problema das relações com
os outros está presente ao longo desse desenvolvimento do cuidado
de si (FOUCAULT, 2004b).

É nesse sentido que não podemos tomar a educação como um


simples espaço de possibilidades para desenvolver ou aprimorar o
autoconhecimento, a autonomia, autoconfiança, mas sim entendendo por
experiência a relação que existe numa cultura entre diferentes campos do
saber, regras de conduta e formas de subjetivação, é possível construir
uma história na nossa formação como professores capazes de
experiências de si.

840
FONAPER

Considerando também que na teoria foucaultiana o poder não é


possuído, mas exercido, e está, portanto, presente em todas as relações, o
indivíduo exerce poder e é também centro de transmissão dele, e, por isso
mesmo, é capaz de gerar resistências e mudanças. Nesse sentido, a
formação de educadores voltada para a construção de um novo sistema
ético, de novas percepções e novos valores é uma alternativa mais do que
viável para a educação neste novo milênio.
A perspectiva estética presente nas análises foucaultianas propõe
rever continuamente os modelos e padrões estabelecidos na prática
docente para que possamos romper a circularidade das relações
saber/poder e, no nosso caso, também as relações saber-fazer que nos
constituem, bem como os demais sujeitos envolvidos na educação e
especialmente na formação de educadores.
A relação do ―eu consigo mesmo‖ não deixa de ser um processo pelo
qual individualmente devemos passar. Através das informações e
formações recebidas através do externo, seja da família, escola ou
sociedade, o sujeito necessita realizar experiências e relacionar-se com o
externo para assim conseguir definir sua relação consigo mesmo e
também realizar mudanças de hábitos e conceitos quando necessário for.
Entendendo essa relação existente com o saber percebemos que
este consequentemente implica uma atividade do sujeito, e este conceito
traz a veracidade do termo usado na língua alemã como ―innere
Einstellung‖2, é onde se marca uma "exterioridade" do mundo e do sujeito.
A relação mencionada aqui indica melhor que o sujeito se relaciona
com algo que lhe é externo, ou seja, que vem do externo. São sistemas
simbólicos, ou seja, a própria linguagem. De um lado o homem tem um
corpo com dinamismo e energia a ser despendida e reconstituída e do
outro lado há o mundo que tem uma materialidade, que pré-existe e
permanecerá independentemente do sujeito. Apropriar-se do mundo é
também apoderar-se materialmente dele, moldá-lo, transformá-lo.

2
A expressão ‖innere einstellung‖ é usada na língua alemã e podemos entendê-la como
―atitude interior‖. A maioria das pessoas não reflete sobre suas atitudes deixando-se
influenciar pelo meio externo. Para ter sucesso em algo que é almejado é preciso
primeiro acreditar em si mesmo para obtê-lo e ser ―senhor‖ sobre seus pensamentos e
atitudes.
841
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Considerações finais
É relevante que o educador esteja apto para resgatar a
espiritualidade na educação. Uma busca efetiva por uma espiritualidade
relevante trará melhorias consigo mesmo, com o transcendente (Deus) e
com o próximo. Esta transcendência, por exemplo, poderíamos
exemplificar no ser humano que sai de seu mundo interior para se
comunicar com o mundo externo no sentido vertical (com o transcendente)
e no horizontal, com as outras pessoas. Muitas vezes é necessário
transcender níveis quase intransponíveis como: limitações pessoais,
preconceitos, culturas e outras.
A verdadeira educação é aquela que contempla o ser como um todo
e na sua infinitude, uma educação holística. Uma vez que:

o ser humano é um ser inacabado, é um ser em construção, é um


devir. Ele não é apenas um ser de mudanças, ele nunca está pronto.
O inacabamento humano supõe que ele está ―fazendo-se‖ [...] que
ocorre em suas dimensões física, psíquica, mental e espiritual, tem
consequências diretas na vida social e cultural. (ARAUJO, 2005, p.
209).

Nesta construção do ser de modo integral a dimensão da


espiritualidade deve ser contemplada, pois ela é supradimenssão de todas
as outras dimensões humanas. Sendo assim, na formação docente se faz
necessário essa inserção curricular para que como geradores de opiniões
possam contribuir mais efetivamente para a mudança degradante que
perfaz a sociedade atual.
Inserir a espiritualidade como parte do seu currículo gera no docente
um compromisso consigo mesmo, com a instituição em que está ligado e
com os alunos. Mesmo se tratando de uma espiritualidade introspectiva
apenas, dissociada da ideia do transcendente (o divino). Porém, quando
associada com a presença no transcendente, todos os resultados
anteriormente obtidos sem esta realidade são enormemente maximizados.
Buscando um melhor relacionamento, o professor será tratado com
respeito e como educador, dando oportunidade ao diálogo. Existem quatro
elementos fundamentais para o ato de ensinar: o processo, a matéria, o
aluno e o professor, sendo esse último o fator decisivo na aprendizagem,
levando em conta a influência que exerce sobre a classe para ministrar as
aulas. O professor tem que estar sempre aberto às novas experiências,
aos sentimentos e aos problemas de seus alunos. É claro que a
842
FONAPER

responsabilidade da aprendizagem está ligada ao aluno, mas essa deve


ser facilitada pelo professor levando o aluno à auto realização.

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845
PROFESSOR COMO MEDIADOR DE APRENDIZAGEM
NO ENSINO RELIGIOSO

Nancy Pereira da Silva1 - (SEMED/SEDUC/AM)

Resumo:
A formação acadêmica é necessária para orientar e organizar o processo de ensino –
aprendizagem em todas as áreas, inclusive no ensino religioso, em uma perspectiva
cientifico-cultural. É preciso considerar as mudanças ocorridas nos últimos anos, pois o ser
humano em sua caminhada histórica tem estabelecido relacionamento com Divindades. Há,
no entanto, diferentes compreensões dos fenômenos religiosos, em que alguns valores
passam a ser negados em detrimento de outros. Faz-se necessário formar o educador
tendo acesso às culturas e às ciências da religião, a fim de compreender as diferentes
linguagens da experiência religiosa. Os meios formais de pesquisa e estudo expandem
esse auxilio que devem ser atrelados na busca desses saberes e devem estabelecer
situações de ensino e aprendizagem e com elas dialogar. Fazendo uma reflexão com fonte
de conhecimento para os avanços da construção de valores significativos na educação e
em sua formação, é essencial para um ensino eficiente.

Palavras-chave: Formação; Conhecimento; Fenômeno; Espiritualidade; Respeito.

Introdução
Estamos vivenciando uma época de grande avanço e rapidez com os
recursos tecnológicos e a disponibilização dos seus benefícios cada vez
mais sofisticados, os quais são usados nas mais diversas áreas de
conhecimento e de atuação na sociedade. Consequentemente, os
educandos tem acesso as mais diversas informações, pois elas permeiam
o ambiente escolar. No entanto, apesar de todas essas tecnologias, não
está ocorrendo uma interação adequada na busca e construção de
conhecimento tecnológico e valores transcendentais, pois a inserção dos
avanços no processo educativo nem sempre está atrelada a princípios
éticos.
Diante dessa realidade o papel do educador é fundamental para o
exercício de humanização com o uso das informações, pois algumas vezes
as mensagens da mídia transmitem valores contrários aos princípios éticos
e religiosos presentes nas culturas e tradições religiosas. Existem textos
ou comentários que descrevem informes com princípios de intolerância,

1
Licenciada em Ensino Religioso pelo Centro de Estudo Humano – CENESCH / Grupo
de Estudo. E-mail: nancysilva43@hotmail.com.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

preconceito, falta de respeito e em alguns casos ausência de


solidariedade, e tudo isso causado pela pouca articulação de educadores.
Isso ocorre devido a complexidade e a velocidade como acontecem
as transmissões e veiculações das informações, por isso é tão importante
o papel do educador como mediador, no intuito de possibilitar uma
contextualização das informações. No atual contexto histórico, faz-se
necessário resgatar, recriar certos princípios éticos pelos seres humanos,
pois, são constantemente bombardeados com informações sem qualidade
ou critérios, chegando de forma distorcida, impedindo o cultivo de
princípios de tolerância e acolhimento do outro nas suas escolhas, sejam
elas religiosas ou não.
É necessário ressaltar que o educador precisa ter conhecimento dos
assuntos apresentados e estudados pelos educandos, redirecionado a
utilização dos novos conteúdos em estudo, tendo uma prática docente
coerente, para um favorecimento na qualidade do processo ensino-
aprendizagem, pois infelizmente alguns docentes acreditam que essa
formação não se faz necessária, ou seja, a transmissão e construção do
conhecimento pode ser realizada de qualquer maneira. Com esse quadro
apresentado referente à educação, ressaltamos que no Estado do
Amazonas vem desenvolvendo uma reflexão sobre a utilização adequada
das informações e estudos apresentados e seus recursos na construção
nos processos educacionais.

Contextualização
É inegável a necessidade de profissionais habilitados para o Ensino
Religioso a fim de assegurar o estudo e respeito à diversidade cultural
religiosa. A problemática reside nas poucas iniciativas para a formação
inicial específica, de caráter científico. No entanto, há um esforço muito
grande para que os professores tenham uma formação específica em que
se procura oportunizar o acesso aos conhecimentos produzidos nas
culturas e tradições religiosas, para que possam ter coerência e ser
responsáveis enquanto educadores, para que sua função tenha uma
influência positiva na construção e desenvolvimento do processo ensino-
aprendizagem em vista de uma formação que trate dos conhecimentos
religiosos e não religiosos, específicos para a área do Ensino Religioso.

848
FONAPER

Enquanto objetivos, deve-se possibilitar aos educandos o


redirecionamento do acesso ao conhecimento religioso, por meio do
educador, como forma de intervenção na busca dos princípios éticos e
religiosos atrelados ao conhecimento cientifico no processo ensino-
aprendizagem; reconhecer que o conhecimento e as informações podem
favorecer e auxiliar de maneira coerente a construção de princípios éticos,
sejam eles religiosos ou não; mostrar que a ausência de uma formação
acadêmica/cientifica é fator que provoca o distanciamento entre uma
informação coerente, seus valores, diversidades e liberdade religiosa e,
além do mais, identificar a influência que o educador têm na construção de
valores e princípios éticos que possam contribuir com uma formação
adequada e coerente às necessidades do mundo contemporâneo.
Diante disso, emergem questões como: Quais são as principais
concepções abordadas em cursos de formação para estudar assuntos
relacionados à diversidade cultural e religiosa? Quais as dificuldades
apresentadas para a falta de tolerância com os valores e as escolhas
religiosas influenciadas de maneira errônea pela falta de conhecimento
cientifico?

Justificativa
Este texto pretende refletir a importância dos conhecimentos
epistemológicos na relação com os princípios e valores religiosos, os quais
não se reduzem à simples transmissão de saberes, mas também na busca
e construção de conhecimentos necessários à formação no processo
ensino-aprendizagem.
Neste aspecto é necessário ter formação inicial na área específica
para ter coerência ao trabalhar conceitos, procedimentos metodológicos e
atitudes que retirem dos educandos os conhecimentos prévios, com o
objetivo de gerar discussões favoráveis à reformulação do processo de
aquisição de conhecimentos, tendo como auxílio uma formação adequada.
Esse processo deverá ocorrer quando o educando for utilizar
conceitos ou procedimento que foram adquiridos ao longo do processo de
formação, pois os meios em que transitam as informações, nem sempre
tem o devido cuidado ao transmiti-las, sendo por vezes inadequadas,
distorcidas, preconceituosas que, em alguns casos, podem gerar
discriminação.

849
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Dessa maneira a mediação e interferência do educador são


primordiais para o processo de construção de conhecimentos articulados
de acordo com as situações de ensino-aprendizagem apresentadas no
âmbito escolar, tendo domínio do conhecimento científico. Assim, podem
ser bem utilizados, compreendidos em sua essência para uma formação
de um bom cidadão, que respeite as diferenças e reconheça o outro em
suas escolhas religiosas ou não.
Compreendendo a necessidade de construir os conhecimentos,
precisamos ter muito cuidado para evitar que as informações indevidas se
tornem verdades absolutas, sem uma base teórica sólida, nenhum
conhecimento histórico, distorcidas e sem nenhuma contribuição à
tolerância e ao respeito.

Fundamentação teórica relativa ao Ensino Religioso


A Lei nº 9.475, Art.33 de 22 de julho de 1997 legisla que o ―Ensino
Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica
do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental, o qual deve assegurar o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, sendo vedadas quaisquer formas de
proselitismo‖ (BRASIL, 1997).
Diante dessa legislação é pertinente salientar a importância do
Ensino Religioso como uma das áreas de conhecimento da educação
básica, pois, é direito dos estudantes ter acesso ao conjunto de
conhecimentos produzidos pela humanidade, através do estudo e pesquisa
do fenômeno religioso e suas inúmeras linguagens que se apresenta,
requerendo do componente curricular Ensino Religioso, articulação de
espaços e metodologias que despertem o interesse quanto a participação
nos estudos e pesquisas na escola.
Sendo participativo e tendo esse entendimento, tendo um real
comprometimento com o estudo do fenômeno religioso em suas diferentes
linguagens que encontramos o centro dos debates para pensar e repensar
o papel do Ensino Religioso nas escolas públicas brasileiras, pois há um
esforço em garantir este estudo na escola, refletindo sobre princípios e
valores morais, éticos e religiosos, a fim de reconstruir ou resignificar a
vida sócio-histórico-cultural no mundo contemporâneo.

850
FONAPER

Ao salientar estes pontos, objetivos precisam ser alcançado, pois


apesar de todo o esforço educacional, do empreendimento de formar e
construir certos valores sociais de cidadania nos planejamentos escolares,
há uma comprovação que não é mais suficiente para preencher as lacunas
da ausência de um modelo de transcendência a ser seguido ou mesmo de
um guia espiritual. Por isso, é necessário um esforço e planejamento para
implementar novas perspectivas para um Ensino Religioso que valorize a
identidade cultural e religiosa de cada educando, formando sujeitos
históricos capazes de reconhecer o valor do respeito às diferenças,
independente de sua crença religiosa ou mesmo, de não estar vinculado a
nenhuma denominação religiosa.
Afinal com tanta permissividade existente que possibilita o
enfraquecimento das leis do país que toleram atos legalizados de
imoralidade que diminuem a grave consequência espiritual resultante da
violação dos direitos e da própria formação do educando, pois é parte dos
direitos assegurados, portanto é imprescindível que os educadores
possam enriquecer e auxiliar as opções, com apresentação de estudos
sobre os vários fenômenos religiosos existentes na mais variadas religiões
e que haja um acompanhamento cuidadoso e detalhado desse trabalho
que enriquecerá seu trabalho enquanto professor.
É necessário relembrar que os princípios e valores religiosos
construídos nas culturas e tradições religiosas estão alicerçados aos
fundamentos de uma formação integral. Tais princípios e valores podem
auxiliar os educandos na avaliação e formação de seus próprios conceitos
sobre a importância e devida atenção à busca do conhecimento científico e
religioso que alimenta e completa o ser humano.
Desde os anos 70 e, principalmente dos anos 90, o Ensino Religioso
perdeu sua função catequética, sendo exigido que as aulas que visam
tratar da diversidade religiosa que constitui a sociedade brasileira, levando
ao debate e a discussão quanto ao papel da religião, cuja mediação não
passa pelo vínculo religioso ou de uma confissão religiosa, mas, com um
caráter acadêmico, viabilizado por meio da ética e do conhecimento
cientifico proveniente das ciências da religião e da educação, tendo
sempre uma fundamentação epistemológica da importância do Ensino
Religioso no currículo, para que junto com os educandos se possa
construir conceitos e valores para minimizar suas angústias frente a
ausência de referenciais.

851
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Há um entendimento que o homem é um ser espiritual, tornando-se


literalmente um ser participativo do contexto histórico onde está inserido ou
de uma comunidade, de um grupo familiar e que traz consigo uma herança
de valores, que precisam ser avaliados e analisados dentro do contexto
escolar, conforme a necessidade podem ser aprimorados e melhorados.
Neste aspecto, o professor de Ensino Religioso desempenha seu papel de
mediador do conhecimento. É evidente que a mudança será gradativa e
processual, mas é possível com reflexão e debate sobre cidadania,
refletindo sobre os modelos de práticas do Ensino Religioso nas escolas
em épocas passadas e as exigências legais e contextuais da atualidade, a
fim da efetivação de uma prática educativa legítima e comum no currículo
e na vida dos educandos de ensino fundamental.
É um desafio importante para os professores de Ensino Religioso, a
fim de que possam reconhecer a profundidade das diferenças que serão
realizadas para a legitimidade de sua prática pedagógica e cuidados ao
expressar suas opiniões pessoais e conhecimento sobre o fenômeno
religioso estudado no âmbito escolar. Para que exista harmonia e respeito
pelas diferenças de credo entre os alunos, familiares e educadores, a
disciplina tem de desenvolver um conhecimento cientifico que contemple
as diferentes religiões existentes e tratar numa perspectiva mais geral as
escolhas religiosas que tem como objetivo uma orientação espiritual para a
vida pessoal.
O presente trabalho aborda a temática da formação acadêmica do
educador, que deve ter como finalidade a contribuição de maneira
significativa para a melhoria da inserção de profissionais da educação com
disposição para construir de maneira efetiva princípios éticos e valores
religiosos no ambiente escolar. O interesse pelo tema surgiu após a
observação das práticas docentes que apontam fatores de distanciamento
entre as partes envolvidas no processo ensino-aprendizagem, sem a
qualificação didático-pedagógica para a interação com o conjunto de
conhecimentos religiosos produzidos pela humanidade e vivenciados pelos
estudantes.
Nos tempos modernos a aquisição de conhecimento da atual
sociedade é o mundo das comunicações, que está unificando a
humanidade, transformando-a, como se costuma dizer numa ―aldeia
global‖. Estamos vivendo em uma nova era de cultura que proporciona a
percepção da importância que tem o alcance dos meios de comunicação e

852
FONAPER

sua influência nem sempre positiva, pois com o desenvolvimento


tecnológico ocorreu um afastamento dos princípios éticos e valores
religiosos. No entanto, em sua caminhada histórica, o ser humano sempre
teve como fundamentos, valores relacionados à ética, o respeito, a
tolerância e compreensão de que esses princípios são escolhas e decisões
pessoais.
O auxílio do educador para uma formação integral no Ensino
Religioso perpassa pelo conhecimento que visualize um horizonte de
busca e significado para a vida, como forma de desenvolvimento da
personalidade e como expressão da cidadania.

A religiosidade é uma das características mais marcantes do povo


brasileiro. Ela se manifesta de múltiplas maneiras como decorrência
de um lado das diferentes religiões praticadas na sociedade brasileira
e, de outro, como parte do modo de ser de muitos indivíduos ainda
que não professem uma religião em especial. (CORREA, 2008, p.
149)

O distanciamento dos princípios éticos e valores religiosos são


consequências das mudanças sociais e religiosas que tem surgidos com o
esquecimento, distanciamento e falta de reconhecimento da dimensão
transcendental do humano. Essa busca é de caráter individual, bem como
a vivência de uma religiosidade. Houve um significativo aumento de
violência, falta de solidariedade, pois o homem foi mudando seus valores e
seu relacionamento com sua realidade, devido a ausência de
direcionamento que ocorre nas práticas pedagógicas, onde o educando
chega angustiado, sem referenciais por vezes, frequentando uma escola
reprodutora de modelos monoculturais de educação, centrada em
experiências didático-pedagógicas homogeneizantes.
Essa é uma postura que precisa ser repensada, com profissionais da
educação abertos, promotores de uma cultura de diálogo e comunicação
entre os grupos sociais e religiosos que compõem a comunidade humana;
não proselitistas, mas que promovam o reconhecimento da diversidade
religiosa, não somente nos documentos e programas de ensino, mas,
sobretudo, em seu cotidiano, no sistema de valores que a rege o cotidiano
escolar e social, nas atitudes e comportamentos de quem compartilha o
saber e fazer pedagógico.
Para uma ética da coerência, faz-se necessário questionar as bases
da estrutura social e organizacional das comunidades, colocando os

853
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

valores religiosos ou não em discussão ou até mesmo realizando uma


abertura e articulando a essência desse conhecimento, que dão sentido,
razão e importância à existência humano. Para isso, a formação, pesquisa,
estudo e conhecimento do fenômeno religioso são necessários, para
auxiliar e esclarecer dúvidas e dar sustentação ao educador para realizar
tais discursões em sala de aula.
A formação, ciência e as técnicas podem ser consideradas fontes
para a busca do conhecimento religioso, criando assim uma nova visão da
realidade, e junto com os valores éticos podem descrever que as
mudanças ocorridas podem ter todo potencial com seus avanços da
modernidade. Para isso precisam de referimento ético para com a
religiosidade e valores religiosos, com coerência podem tornar a
humanidade mais justa e humana.
No contexto da cultura moderna se faz urgente uma formação que
possibilite ao educador desenvolver metodologias com base e teor
científico, fazendo uso do conhecimento que está ao seu alcance utilizando
de forma racional tanto a busca de conhecimento empírico quanto
transcendental, para que ocorra uma reflexão crítica, que retome as raízes
da profunda relação entre a dimensão corpórea com a transcendental.
Segundo Barsotti, o mistério da revelação do Outro, denominado
Deus, está no fato de que:

[...] do seu silêncio infinito, da sua solidão eterna, Deus transborda na


criação através da sua palavra que chama. Uma palavra vem
comunicada a nós através da criação, mas depois a Palavra se faz
pessoal e é dirigida ao homem, é carregada de intencionalidade [...]. A
palavra já estabelece um encontro: não só diz que homem não é
indiferente a Deus, mas revela que aquilo que se refere ao homem
interessa Deus diretamente, tem a ver com a santidade divina.
(BARSOTTI, 1973, p. 26)

Portanto, sonhar outros mundos e comunidades requer o


estabelecimento de relações saudáveis, em que o uso de diferentes
instrumentos possam auxiliar na reflexão dos princípios éticos e valores
religiosos, necessários para a socialização econstrução do conhecimento.
Sendo assim, o educador passa a ser um elemento de articulação na
busca e desenvolvimento dos valores religiosos, agindo com respeito e
tolerância em relação aos indivíduos que diferem entre si em suas
escolhas de um viver (ou até mesmo a ausência) religioso ou ético.

854
FONAPER

Para isso se faz necessário a mediação do educador a fim de que


possa exercer essa influência positiva junto aos educandos,
desenvolvendo respeito, solidariedade para que o estudo dos
ensinamentos presentes nas culturas e tradições religiosas, possam ser
recebidas e compreendidas de maneira tal que as abordagens feitas
possam formar consistência nas visões religiosas apresentadas.
Frente aos casos de negação da dimensão transcendental do
humano, faz necessário a presença e porque não a influência direta, mas
imparcial do educador, articulando de maneira coesa a complexidade das
informações recebidas, e nem sempre tão tolerante com os valores e
escolhas religiosas pessoais, para isso o educador precisa ter cuidado ao
direcionar aquisição e divulgação dos saberes, pois no mundo da
educação é necessário uma boa articulação ao favorecimento dessas
informações, que é de extrema importância e inclui o âmbito escolar.
E o desenvolvimento profissional dos professores é objeto de
reflexão para que os mesmos possam ter alternativas de valorização de
sua formação docente baseada no uso das técnicas, numa perspectiva de
reconhecimento de sua capacidade de aprendizagem e atualização de
elementos teóricos para uma discussão de questionamentos direcionados
para o ensino aprendizagem adequadas às faixas etárias dos educandos
com objetivos e formações diferenciadas nos seus níveis.
Dentro do contexto de pós-modernidade há com certeza espaço para
variedade e diversidade de comunicação, e dentro do consenso religioso é
necessário que se articule de maneira coerente a sua função para a
valorização dos saberes religiosos, para que não ocorra de maneira
nenhuma a falta de respeito e intolerância, pois esses valores e escolhas
são sempre pessoais e algumas vezes diferem entre si.
Observando o imenso universo educacional e a influência sistemática
de invenções e novidades técnicas que estão revolucionados as
características e modos de aquisição dos conhecimentos, percebemos que
está ocorrendo uma incidência na sociabilidade e relacionamento do viver
cotidiano. Um dos desafios decorrentes é o afastamento entre os seres
humanos causando pela intolerância e falta de respeito frente a liberdade
de escolhas, e algumas vezes o próprio educador não busca essa
aproximação.

855
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

[...] o novo relacionamento entre ciência, filosofia, fé e teologia deverá


ser rigoroso, sereno e construtivo para valorizar os elementos úteis
para elaborar uma verdadeira cultura científica. Portanto, a reflexão
crítica deverá aprofundar as razões pelas quais três séculos de ciência
moderna favoreceram o desenvolvimento de um cientificismo
ideológico, ao invés de uma verdadeira cultura científica. (TANZELLA,
1982, p.323)

O progresso do nível das informações tem urgência de compreensão


que seu papel tem limites e que ela deve ser somente um suporte no
desenvolvimento para outras atividades do indivíduo, afinal estamos
envoltos numa infinita rede dos mais variados modelos de fé, também
possuímos vários tipos de contatos e grupos sociais que auxiliam uma
interação, seja na comunidade, no trabalho, em espaços de entretenimento
familiar. Não podemos mais viver isolados religiosamente falando. É
preciso aprender a conviver com tantas outras formas de religiosidades
existentes.
A formação de educadores para o Ensino Religioso traz vantagens
que são indiscutivelmente notáveis para o progresso e aquisição de
conhecimentos relacionados a diversidade religiosa. Podem acrescentar
aspectos importantes para o desenvolvimento dos educadores, com
instrumentos interativos para que a busca seja dentro do atual contexto de
sociedade, onde os princípios e valores éticos e morais das diferentes
culturas e tradições religiosas contribuam para uma maior sensibilidade e
responsabilidade perante o outro.
Portanto, o respeito pelas escolhas religiosas do outro necessitam de
atitudes de tolerância e respeito, e nesses aspectos os educadores podem
e devem ser os grandes articuladores. É preciso uma mudança, um olhar
de sensibilidade, uma atenção cuidadosa com relação a área Ensino
Religioso, pois profundas são as transformações ocorridas no modo de
viver do humano.
Para isso, o educador também precisa ter competência, habilidade,
conhecimento e prática dessa renovação cultural e religiosa, ter uma
formação inicial acadêmica sólida que possa oferecer com segurança
novos caminhos a serem trilhados pelos educandos, usando de maneira
sábia e coerente novas alternativas para “como ir” ao mundo de cada
contexto cultural e religioso.
Faz-se necessário compreender que os princípios éticos e os valores
religiosos podem auxiliar no diálogo de respeito às diferenças e a

856
FONAPER

diversidade de opiniões, de escolhas e saberes religiosos, abrindo novos


caminhos ou quem sabe também resgatando valores para que os
educandos contribuam com a construção de uma nova cultura e
conhecimento religioso com o uso adequado das informações recebidas.
Devemos ter as ciências como aliadas na comunicação e aquisição
de conhecimentos que possam ultrapassar as possibilidades de nossa
visão e imaginação, pois há uma grande expansão de religiosidade. Não
tem nenhum sinal de estagnação ou mesmo de retorno ao passado,
existem novas fronteiras culturais e religiosas que estão se abrindo,
evoluindo de forma assustadora inclusive. Diante disso, é necessário que
educador estude, organize e tenha consciência de que é preciso integrar a
busca dos conhecimentos considerando os valores religiosos de cada
estudante, cultura e tradição religiosa.
Certamente algumas questões precisam ser trabalhadas com os
educadores que tem a oportunidade e o desafio na formação e
construções de valores religiosos numa cultura exclusivamente virtual, que
deve ter como finalidade entrelaçar crenças, códigos e cultos. Percebe-se
na atualidade a necessidade de reação para que a presença de princípios
éticos e religiosos contribua significativamente no diálogo e na cultura
tecnológica.
Está havendo uma grande mudança cultural e religiosa processada
com uma velocidade surpreendente com sequência de dados que
transportam essas mudanças e escolhas religiosas sem nenhum cuidado.
É necessária uma reflexão sobre isso, pois muitas vezes o ser humano é
bombardeado com tanta informação que nem é capaz de processá-las de
maneira coerente, para que ele mesmo possa fazer suas escolhas do lugar
adequado para frequentar e partilhar suas escolhas religiosas.
Afinal, é parte do ser humano buscar uma comunhão particular com
divindades, isto é parte da história humana. Na atualidade essa comunhão
se faz necessária em sua essência, pois com a inversão de certos valores
e a fragmentação do modelo tradicional de família, alguns educandos
refletirão sobre os princípios éticos e valores religiosos ou não somente no
ambiente escolar.
Que os saberes epistemológicos possam ser fundamentos para uma
pedagogia eficaz para uma prática educativa que melhore a qualidade do
processo ensino aprendizagem, a fim de que a distância entre os demais
saberes e os religiosos sejam encurtadas e que o educador saiba ter

857
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

coerência e responsabilidade para contextualizar as informações


recebidas, possibilitando aos educados compreenderem o que realmente é
importante, que seus princípios sejam baseado no respeito e solidariedade
ao próximo, respeitando-se a liberdade religiosa e os seus princípios.
Para Vygotsky (1925),

todo aprendizado é necessariamente mediado – e isso torna o papel


do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto
por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à
escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo próprio
aluno.

Para isso é necessário que haja professores de Ensino Religioso que


sejam capazes de superar estereótipos, preconceitos e a hierarquização
cultural, historicamente enraizados e possam ter interesse em combater a
―invisibilidade‖ das diferentes culturas e religiosas presente no espaço
escolar, que sejam audaciosos para irem além de uma concepção
folclórica, assimilacionista e superficial das expressões culturais e
religiosas, que ultrapassem padrões de leitura exclusivos da própria
cultura, para compreender o ―ser‖ em relação com ―outrem‖.
Que educadores possam utilizar o diálogo e a discussão como meios
em suas práticas educativas, que se atualizem e assumam a pesquisa
como estratégia de formação, para que apreendam os saberes
epistemológicos, filosóficos e religiosos e com ética auxiliem o
conhecimento cientifico na melhoria e compreensão do Ensino Religioso.

Considerações finais
Um novo ambiente cognitivo está sendo estruturado, devido ás
transformações e reconstrução da concepção do Ensino Religioso. Que as
novas possibilidades de reformular as relações entre estudantes e
professores possam contribuir com seus saberes, valores e experiências
na complexa tarefa de melhorar a qualidade de ensino e a busca do
desenvolvimento dos valores humanos.
Portanto, a prática não deve ser baseada apenas na racionalidade de
técnicas, pois estamos todos cercados de conhecimentos religiosos, com
consciência que devemos ampliar a busca de fundamentos
epistemológicos, facilitando as escolhas em confrontos reais nas suas
ações cotidianas, para que possam contextualizar os conhecimentos e

858
FONAPER

suas funções dando suporte aos educandos na atualização e significação


dos saberes.
É importante o domínio dos saberes, pois com o acesso contínuo por
parte dos educandos a amplitude de saberes e informações acessadas
quanto ao conhecimento religioso também são bem maiores, obviamente
que nem sempre as informações são coerentes. Diante de tal fato, faz-se
necessário que o educador atue de forma efetiva na intervenção destas
informações com segurança, conhecimento e coerência.
Somos transmissores de conhecimentos e temos como dever auxiliar
de maneira coesa o acesso às informações que às vezes vêm atreladas à
preconceitos de ideias errôneas, dando aos educandos a liberdade de
escolher de forma coerente suas opções religiosas. Encontramos, em
alguns momentos, no ambiente escolar a única alternativa coerente para
essa ajuda.
Na atualidade as formas estruturais de organizações sociais estão
distorcidas, sem nenhuma base teórica ou histórica e algumas vezes as
informações são pouco convencionais e até histéricas, pois há negação de
valores e princípios éticos. Portanto, cabe à escola conceder essa
informação de maneira adequada e coerente, de forma que contribua de
maneira eficaz no processo de ensino aprendizagem.

Referências

MORO, Celito. Fé e cultura: Desafios de um diálogo em Comunicação.


São Paulo: Paulinas, 2010.

PUNTEL, Joana T.: Comunicação: Diálogo dos saberes na cultura


midiática. São Paulo: Paulinas, 2010.

GUERREIRO, Silas (organizador): Os estudos das religiões: Desafios


contemporâneos São Paulo: Paulinas, 2003 (Coleção estudos de ABHR).

OLIVEIRA, Pérsio Santos. Introdução à sociologia: Ensino Médio,


volume único: São Paulo: Editora Ática, 2010.

DEMO, Pedro. Questões para teleducação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

859
GT10: CONHECIMENTOS E RELIGIOSIDADES INDÍGENAS
E O ENSINO RELIGIOSO

Coordenação:
Dr. Leonel Piovezana (UNOCHAPECÓ)
Me. Teresa Machado da Silva Dill (UNOCHAPECÓ)
Mestrando Gilberto Oliari (UNOCHAPECÓ)

Ementa: Discutir conhecimentos indígenas no que se refere à religiosidade e


crenças no interior de suas terras. Conhecer suas manifestações espirituais,
religiosas antes do contato com matrizes europeias e africanas. Debater sobre os
processos de revitalização de rituais tradicionais e importância desses para o
ensino religioso. Proporcionar debates em torno de questões relativas à
diversidade religiosa e da presença de muitas igrejas de diferentes credos e
matrizes culturais que atuam no interior das terras indígenas. Problematizar para
compreensão nos processos de ensino religioso, questões que debatam a noção
de tradicional, territorialidade, religiosidade, povos e grupos sociais, etnia,
considerados tradicionais, uso de recursos naturais e manejo coletivo da natureza
e esta no contexto sociocosmológico e da necessidade do ensino religioso no
interior das escolas indígenas.

Palavras-chave: Conhecimentos Indígenas; Religiosidades Indígenas; Ensino


Religioso.
RITUAL DO KIKI: UMA CELEBRAÇÃO DE VIDAS

Avalcir Rita Ferrari (UNOCHAPECÓ)1

Rosinei Pedrotti Ferrari (UNOCHAPECÓ)2

Leonel Piovezana (UNOCHAPECÓ)3

Resumo:
O Ritual do Kiki foi objeto de estudo com a realização de pesquisa bibliográfica, oral e de
campo, realizada na Aldeia Kondá com índios Kaingang, localizada a 15 quilômetros da
cidade de Chapecó, estado de Santa Catarina. Estudo que teve por objetivo aprofundar
conhecimentos sobre a cultura kaingang e a experiência vivenciada do principal ritual
sagrado da etnia: o Kiki. A pesquisa proporcionou vivências, experiências e possibilidades
de novos conhecimentos. O ritual do kiki é uma festa tradicional da cultura indígena
kaingang e foi realizada em maio de 2011. É uma festa sociocosmológica e de interação
das pessoas que vivem numa sociedade dual: Kamé e Kairú com os espíritos que voltam à
aldeia dos vivos. Assim, vivos e mortos festejam juntos. Os Kaingang tomam o Kiki, bebida
sagrada que representa: beber o morto e simboliza a passagem, a ida para uma outra
dimensão de felicidade e paz. Após o cerimonial de todo o do ritual, o nome dos falecidos
são liberados, podendo ser nominados para outras crianças. Uma vez feito o ritual e o Kiki,
os familiares não mais se referem aos mortos uma vez que os mesmos passaram para um
novo plano de paz. O ritual é marcado pela reciprocidade entre as metades Kamé Kairú.

Palavras–chave: kaingang; Kiki; Ritual.

Introdução
O kiki é um ritual religioso tradicional da cultura indígena kaingang e
que há mais de 10 anos não vinha sendo realizado. ―O último aconteceu
em abril de 1998, na Terra Indígena Xapecó‖ (PIOVEZANA, 2010, p.182).
Em maio de 2011 esse ritual foi realização na Terra Indígena Kondá,

1 Graduada em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso pela


Universidade Comunitária de Chapecó – (UNOCHAPECÓ). Atualmente Professora de
Ensino Religioso na Rede Municipal e Rede Estadual de Chapecó/SC, nas séries
iniciais e finais do ensino fundamental. Cursando especialização em Educação em
Direitos Humanos: uma abordagem interdisciplinar. E-mail:
avalcir@unochapeco.edu.br.
2 Graduada em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso pela
Universidade Comunitária de Chapecó – (UNOCHAPECÓ). Atualmente Professora de
Ensino Religioso na Rede Municipal e Rede Estadual de Novo Horizonte/SC, nas séries
iniciais e finais do ensino fundamental. Cursando especialização em Educação em
Direitos Humanos: uma abordagem interdisciplinar. E-mail: rosinei@unochapeco.edu.br.
3 Dr. em Desenvolvimento Regional e professor orientador e titular dos mestrados em
Educação e Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Unochapecó. Coordenador do
curso de Ciências da Religião pelo PARFOR da Unochápecó.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

abrangendo comunidades da região sul do Brasil. O ritual se caracteriza


como um momento único, inédito, pois cada celebração é diferente e
guiado de forma sociocosmológica, a partir das observações e indicações
sentidas pelos rezadores ou Kuiã. São momentos significativos e
educativos para crianças e jovens, pois o kiki é um elo com os
antepassados e representa a libertação desses para outro plano de paz.
Oportunidade essa de encontro dos parentes dos três Estados do sul do
Brasil, SC, PR, RS, proporcionando momentos de conhecimento e de
reencontros de familiares.

A partir da década de 1940, com a intensificação da presença do


Serviço de Proteção aos Índios no interior das TIs kaingang, o ritual do
Kiki foi gradativamente abandonado. As pressões ―civilizatórias‖
condenavam, ao mesmo tempo, as beberagens que marcavam as
etapas festivas do ritual e a articulação intercomunitária necessária à
realização do Kiki. A mais forte, ou melhor, a mais visível expressão
da religiosidade kaingang foi fortemente combatida. Igualmente
combatidos foram os xamãs kaingang, muitos tiveram suas casas
queimadas e foram obrigados a abandonar suas terras ainda na
década de quarenta e cinquenta. Os xamãs, a quem os Kaingang
chamam de Kuiã, demonstram, como no Kikkikoi, um profundo
conhecimento e uma perigosa (aos olhos ―civilizadores‖) capacidade
de manipulação da relação entre Natureza, Cultura e Sobrenatureza.
(TOMMASINO; FERNANDES, 2001, p. 02).

No oeste do Estado de Santa Catarina, sudoeste do Paraná e


noroeste do Rio Grande do Sul habitam a grande maioria dos povos
Kaingang e, por estarem localizados na parte ocidental do Brasil
meridional, região que só é reconhecida como potencial de exploração
econômica nos meados do século XX, passa a ser disputada pelos
Estados da Federação.
Os Kaingang, desprovidos de informações e de apoio legal foram
perdendo seus espaços, seus territórios, sendo obrigados ao tutoramento
do governo sob o poder de 'coronéis' local. Suas terras foram loteadas por
empresas colonizadoras e lhes sobraram algumas áreas denominadas de
reservas, onde a condição para a proteção foi tornar-se cristãos católicos
pacificados. Os que não aceitaram tal submissão foram denominados de
bugres e sujeitados à caça pelos então chamados de bugreiros,
contratados pelas empresas e/ou mandatários interessados nas colônias,
também conhecida tal atrocidade por 'limpa da terra', cujo objetivo era
eliminar todo obstáculo que impedisse a segurança e bem estar dos

864
FONAPER

imigrantes. Entenda-se como obstáculo a natureza: matas, quedas d'água,


animais selvagens e indígenas não pacificados, dominados.

Os kuiã (xamãs), efetivamente, não se ocupam apenas da cura, mas


também do conhecimento, da capacidade de ―ver e saber o que é que‖
(como diz um Kaingang da TI Rio da Várzea/RS). Segundo o
estudioso do xamanismo kaingang Robert Crépeau (1997), o poder do
kuiã é adquirido através dos ‗companheiros‘ ou guias animais. Para
iniciar a relação como ‗companheiro animal‘ o aspirante a kuiã deverá
ir ao ―mato virgem‖, cortar folhas de palmeira e confeccionar
recipientes onde colocará água para atrair o ‗companheiro‘. Alguns
dias mais tarde o iniciante deverá retornar à mata virgem e saberá
qual animal bebeu a água preparada. Se ele próprio beber e se
banhar com esta água ele passará a ter o animal como ‗companheiro‘
e guia. O poder do kuiã depende do tipo de ‗companheiro animal‘ que
ele possui. Os mais fortes, que tem o mig (gato do mato; tigre) como
guia, poderão trazer à vida pessoas cujos espíritos foram seduzidos
pelos mortos, viajando para o Numbé (lugar intermediário entre o
mundo dos vivos e o mundo dos mortos) (TOMMASINO;
FERNANDES, 2001, p. 02).

O ritual do KIKI é uma forma de revitalizar a cultura Kaingang e


segundo seus Kuiã, de educar suas crianças e jovens para o caminho
correto da vida que é tida como uma só coisa em todas as coisas, ninguém
é melhor que ninguém. Natureza e pessoas são dotadas de sentido, de
ser, de caminhos e sabedorias, com 'almas', sentimentos. O ritual garante
territorialidade, possibilita às pessoas se sentirem no todo da natureza da
vida sobre a terra. É uma relação de poder empoderante que só se explica
quando se respeita a vida e todas as criaturas da terra como intra-
integrantes.
Como pesquisadores e educadores de Ensino Religioso escolar, foi
fundamental e importante a realização dessa pesquisa, pois nos subsidiou
nas práticas pedagógicas desta área de conhecimento da educação
básica. Desde a sua origem, década de 1930 vem modificando suas
concepções, o que possibilita reflexões e pesquisas para práticas
pedagógicas inovadoras e em favor da vida.
Na trajetória do Ensino Religioso foram elaborados diferentes
métodos para o estudo de conteúdos a serem utilizados no
desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem. Uma proposta diz
respeito aos eixos temáticos do Ensino Religioso, (encontrados nos
PCNER) (art. 33 da Lei nº 9475/97 que dá nova redação ao art. 33 da Lei
nº 9394/96), essa é uma forma de ajudar a desenvolver as aulas, ou seja,

865
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

são os caminhos dados para respeitar e valorizar as diversidades


encontradas na sala de aula e na sociedade.
Um dos eixos abordados neste artigo diz respeito aos Ritos que de
acordo com os PCNER (2002, p. 36). ―Ritos é a série de práticas
celebrativas das tradições religiosas formando um conjunto de: rituais,
símbolos e espiritualidade‖ (PCNER,2002,p. 36).
Segundo Fonaper (S/D, p. 14) ―o rito fundamenta toda a realidade e
define a organização da vida. É fonte de memória e conhecimento. Assim,
não só atualiza passado como também ajuda a modificar o presente‖.
Segue afirmando que:

Os povos indígenas têm também suas regras e suas tradições. Muitas


delas possuem um sentido religioso, pois o espiritual está muito
presente em sua vida. Assim, existem os ritos, isto é, as normas
religiosas que lhes acompanham as várias fases da vida, como a
gestação, o nascimento das crianças, sua passagem para a vida
adulta, o casamento e a morte. [...] Nesses rituais, a comunidade
procurava se comunicar com os espíritos criadores e preservadores
do mundo. Reverenciava a alma dos mortos, conjurava os espíritos
maléficos e exaltava a possibilidade de viver de acordo com o
exemplo dos antigos. (FONAPER, S/D, p.14).

O ritual do kiki é de fundamental importância para os povos


indígenas da cultura kaingang, pois é a representação e encontro da vida
nos diferentes planos entre os Kaingang. É uma oportunidade dos espíritos
voltarem à aldeia dos vivos. Assim vivos e mortos festejam juntos.
Veiga, (2006, p. 179-180) afirma que:

esse ritual é marcado pela reciprocidade entre as metades: os


rezadores das seções da metade Kamé devem rezar pelos mortos das
seções da metade Kanhru e vice-versa. Os nomes pessoais,
retomados no kiki (Kikikoi), são patrimônio das seções.

Kamé e Kairu são duas metades completamente diferentes, mas que


se complementam. Elas estão presentes desde tempos mais antigos. Curt
Nimuendajú, em 1913, já teria escrito que o sol é Kamé e a lua é Kairu.
Esta relação de troca e complementariedade entre as metades existe
até hoje, talvez não com o mesmo rigor do passado, mas no início deste
século XXI os casamentos são orientados para se fazer com a metade
oposta. A criança herda do pai a metade. Todos os filhos e filhas de um
Kamé serão também Kamé. É pertinente e importante essa reafirmação de
separação entre as metades Kaingáng.
866
FONAPER

Veiga (2006, p. 180) ainda coloca que:

Os Kamé são considerados possuidores de espírito mais forte e, por


isso, sempre tomam a frente nas cerimônias relacionadas aos mortos,
em especial no ritual do Kiki. Os Kairu liderariam nas questões
políticas e nas guerras.

―O Kiki, também denominado kikoia ou Kikikói, tem sido considerado


por diferentes pesquisadores como o principal ritual da cultura Kaingang.
Esse ritual foi observado pela primeira vez, em 1933, na TI Palmas (PR),
por Herbert Baldus (1979), que o denominou ―culto aos mortos‖‖. (NACKE,
2007, p. 36).
Nacke (2007, p. 36) destaca que:

O sentido do ritual é promover a quebra de relações entre os mortos e


os vivos, possibilitando a incorporação destes ao mundo dos mortos.
A realização do ritual depende de fatores como a existência de mortos
nas duas metades, e da solicitação expressa por parte dos parentes
dos indivíduos mortos para que o ritual se efetive. Cumpridas estas
condições, as diferentes etapas do ritual ocorrem de Janeiro a Junho,
tendo como ponto culminante os meses de abril e maio.

Neste caso podemos dizer que o ritual do Kiki só acontece por


solicitação das duas metades Kamé e Kanhru, quando esses tiverem
pessoas já falecidas durante o ano e anos anteriores.
Percebemos o quanto é relevante para a cultura Kaingáng o ―culto
aos mortos‖. O culto é o ritual do Kiki ou Kikikoi, embora autores
Kaingang, como Pedro Kresó, e também os membros da comunidade,
preferem falar em festa do Kiki. O Kiki é a bebida alcoólica ingerida durante
a celebração, vários autores apontam que a única comunidade que vinha
praticando a festa era a da Terra Indígena Xapecó e em 2012 estamos
vivenciando essa da TI Kondá que contam com a participação de
rezadores da região. O ritual só se realiza com rezadores de diferentes
Aldeias como que num processo de integração, confraternização.
Os preparativos para o ritual ocorrem no inicio do inverno devido à
abundância de alimentos, como o pinhão, o milho, o mel, e principalmente
frutas que são dessa época do ano. A bebida é feita numa mistura de mel,
água, ervas, milho e algumas frutas.
Devido à devastação que a natureza vem sofrendo, há falta de
alguns componentes para a mistura na formação da bebida do kiki, como a
melgueira, formando a uma mistura de água, cachaça e açúcar. Porém, no
867
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

ritual do kiki da cultura kaigang na Aldeia Kondá, observou-se que somente


foram utilizadas ervas medicinais, água e mel.
O processo do ritual é marcado pela reunião dos rezadores em torno
de três fogos acesos, em dias diferentes, no terreno do organizador,
chamado de ―praça da dança‖ ―praça dos fogos‖. O início de toda a
cerimônia é simbolizado pela colocação de ramos verdes nas sepulturas
dos falecidos em questão.
Na cultura kaigang os ensinamentos e procedimentos são
repassados oralmente de geração a geração, portanto, percebemos que
na nova geração kaingang, muitos desses ensinamentos não foram
apropriados, o que dificultou a realização do ritual no decorrer dos anos.
Segundo Piovezana (2010, p.183),

[...] aspectos culturais e sentimento de pertencimento étnico estão


mais presentes nas pessoas acima dos cinquenta anos de idade. São
poucos os jovens, mesmo universitários, que sabem contar a história
de seu povo e reviver momentos culturais próprios.

Para Nacke (2007, p. 37.),

[...] as rezas e os procedimentos rituais não foram repassados para os


mais jovens. Outro problema identificado pelos rezadores diz respeito
ao medo e receio que envolve a realização do Kiki. Para muitos o Kiki
realizado nos dias de hoje ‗não é completo‘, por causa disto, afirmam,
muitos morrem após o ritual.

Percebemos que durante o ritual do Kiki da TI Kondá muitos jovens e


crianças participavam de forma quase que isolada, distante e
envergonhados. Poucos eram os que estavam nas danças e participando
ativamente do ritual. Segundo informações de pessoas da comunidade,
aqueles jovens que estavam participando, serão os futuros rezadores ou
Kuiã, ninguém os indica, eles sentem, nascem com esse dom, são
especiais.

Permissão para participar do Ritual


Conforme entrevista concedida pelo Cacique da Aldeia Kondá,
residem nessa terra cerca de 170 famílias. Destaca também que o ritual do
Kiki, está acontecendo pela primeira vez na comunidade e que há anos
não é realizado pelos Kaingang. ―Os Kaingang da Aldeia Kondá residem a

868
FONAPER

15 km da sede do município de Chapecó, entre as localidades de


Gramadinho e Praia Bonita‖ (NACKE 2007, p. 76).
Num primeiro momento da celebração do Kiki, foram construídas
quatro casas, feitas de madeira e capim. Para os Kaingang, essas casas
são locais sagrados, construídas por indicação sociocosmológico/
espiritual, que guiam os Pajés. Nestes espaços se alojam os pajés do
Estado do Paraná, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e da Aldeia
Kondá, durante a semana do ritual do Kiki. Também, nessas casas, são
realizadas reuniões entre os pajés e seus ajudantes, que são pessoas
indicadas por eles para auxiliar nos rituais.
A casa principal serve para alojar os Pajés e nela são realizadas as
reuniões com lideranças espirituais. É um local sagrado e simboliza o
encontro, a comunicação com os mortos das metades Kamé e Kairu. São
alojadas as pessoas pertencentes às famílias dos Pajés, referenciada
pelos Kaingang como Oca, onde ficam durante o ritual.
É um local sagrado, símbolo da relação estabelecida entre
sociedade, natureza e sobrenatural, pode-se dizer que acontece neste
local o xamanismo. O grupo fica a maior parte do tempo observando de
forma interativa o ritual, sem sair do interior da casa.
Nessa casa, as relações e a sociocosmologia/espiritual acontecem
da mesma forma que as dos Kamés. O que diferencia no ritual são os
encaminhamentos e sinais dados pelos guias através das observações e
atenção às coisas da natureza, que dão vida, sentido e movimentos ao
ritual.
As casas dos kamé e dos Kairú são locais de encontros para
tomadas de decisões a partir dos sinais dados, observados na natureza ou
no meio social que indicam os procedimentos dos rituais.
Essas casas são resultado de escolhas sociocosmológicas, onde um
mês antes do ritual do kiki (Kikikói) em que celebram a passagem dos seus
mortos para um plano maior, para ‗vida eterna‘ no entender da sociedade
cristã ocidental, ―são demarcadas como local apropriado através de muita
reza e de uma sincronia com a natureza‖ (PIOVEZANA, 2010). Num
determinado momento da celebração os sinais aparecem aos guias
avisando se está tudo bem ou não e indicando os procedimentos a seguir.
Relatamos um aviso que aconteceu durante a escolha do local para
a realização do ritual do Kiki. Um gavião sobrevoa o espaço entre as
árvores, numa mata próximo a Aldeia e se assentou em uma das árvores.

869
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Nesse momento os Kuiã rezadores, distribuídos na mata a procura do local


para o ritual, compreenderam que estava tudo bem e que podiam realizar
o ritual ali. Esse processo de procura demora dias e muita atenção,
reflexão e sensibilização.
Um dos Kuiã comentou que os pássaros preservam a mata e eles
também, por isso é que fazem isso, pedem permissão no local e com o
local. Segundo os Kaingang, para realizar o ritual do Kiki, é necessária a
derrubada de uma madeira, pinheiro de Araucária que deverá ser cortada
(20) vinte dias antes da realização do ritual e que para isso deverá ser
cortada na presença dos pajés das localidades participantes, que rezam,
pedem permissão para a derrubada.
De acordo com Piovezana, (2010, p. 190), ―a araucária também é
considerada uma árvore sagrada para os Kaingang, responsável pelo
fornecimento do pinhão que serve de alimentação em época de inverno‖.
Cada Pajé faz a sua reza a sua maneira usando colar específico,
simbolizando um guia.
O pinheiro deverá ser de Araucária e ‗macho‘ que não produz pinhão,
pois o pinhão é um dos alimento fundamentais para a dieta alimentar dos
Kaingang no período de março a agosto de cada ano.

Preparações para a Festa do kiki


Para a preparação da bebida do Kiki é feito um cocho com madeira
do pinheiro de Araucária. Dentro desse cocho são colocados vários tipos
de mel, água e muitos tipos de ervas medicinais. Esse mel com as ervas
são colocados vinte dias antes da festa, isso para fazer fermentação.
Devido às dificuldades para encontrar a matéria prima para a fermentação
do Kiki e a locomoção de Pajés, houve atrasos e o processo ocorreu em
dez dias.
O Cocho ou local onde foi feito a bebida para o ritual do Kiki ou
Kikikói, que simboliza ‗beber o morto‘ e nesse ritual é igual a libertá-lo, é
esculpido com uma cavidade para comportar aproximadamente 250 litros
da bebida.

870
FONAPER

Símbolos – Kamé e Kairu


As marcas no rosto e no corpo dos Kaingang representam e
simbolizam as suas metades ou como dizem 'nossas caras metade‘ kamé
e Kairú. A marca kamé é representada com formato de riscos compridos. A
marca Kairú de forma circular preenchidas.
De acordo com Nacke (2007, p.35),

os kaingang, como outros grupos da família linguística Macro – Jê,


organizam sua sociedade em metades exogamicas, denominadas
kamé e kairu, que mantem entre si relações assimétricas e
complementares, e se subdividem em secções. A cada uma dessas
metades corresponde uma ― marca‖- pintura facial usada durante o
ritual do Kiki -, que explicita a qual das metades o individuo pertence.
Além destas marcas, riscos para os kamé e pontos para os kairu, o
pertencimento do individuo a uma dessas metades ocorre pelo nome
atribuído à criança quando nasce.

Os Kaingang pintam seus corpos com significados para o ritual do


Kiki. Cada metade tem sua pintura exclusiva. Tradicionalmente a pintura é
feita com carvões. A pintura dos Kamé é feita com lascas de pinheiro
queimadas e depois umedecidas. As do grupo Kairu são feitos com
madeira sete sangria. A coloração fica, portanto, assim definida: Kamé,
preto; e Kairu, vermelho. Saber as diferentes partes complementares é
essencial para se compreender o ritual do Kiki, onde cada metade fica.

Relatos do Ritual do Kiki.


O ritual religioso do kiki da TI Kondá teve início por volta das 06:00
horas que, para os rezadores, o horário não é o linear da sociedade não
indígena, a natureza é que determina o tempo. Com os corpos cobertos
por pinturas das marcas kamé (traços) e kairu (bolas), representando e
identificando as metades de cada Aldeia. No ritual do kiki, cada metade
tem suas rezas.
Cantando, dançando e rezando, o grupo se posiciona ao redor do
cocho onde está fermentando a bebida. O pajé pega um galho e começa a
fazer sua reza, passando as folhas pelo cocho, num ritual que purifica a
bebida deixando-a livre dos maus espíritos e não possibilitando a
chegada dos mesmos.
Começam a dançar ao redor do cocho, com rezas e cantos, com
alguns instrumentos de boca e alguns batuques de mão, emitindo sons
871
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

para o ritual. Todos os instrumentos utilizados pelos participantes foram


confeccionados por eles. Os sons parecem chamar os espíritos, que
segundo o Pajé ―eu falo com os espíritos da mata pedindo para eles
sabedoria e proteção‖. Além disso, o ritual religioso do kiki é realizado para
afastar os maus espíritos dos mortos.
No dia do ritual do Kiki, as pessoas das metades que participam do
ritual são purificadas pelo Pajé que lhes joga água misturada com muitas
plantas medicinais, tida como purificadora, que permite aos mesmos beber
o Kiki.
Nesse ritual os mortos de cada metade que participam são libertados
e seus nomes são dados para pessoas batizadas nesse dia. A partir dessa
celebração aos mortos não são mais chamados e nem comentados.
Marcas:

kanhru. Kamé

Para fazer a marca no rosto, ou seja, o símbolo em forma de risco ou


em forma de bola é usado uma tinta na cor preta que retiram da natureza,
colhida sete dias antes da celebração final. A tintura precisa ser de uma
árvore especial que só os pajés sabem. Essa madeira é queimada, é feito
o carvão e aí colocam água para liberar a tinta. Essa marca serve para
caracterizar cada o grupo e deve ser respeitada por todos, se alguém
invadir o grupo do outro é expulso do local.
Após marcar os rostos dos indígenas Kaingang e para distinguir
quem é Kamé ou Kairu, os mais velhos iniciam as orações e as danças em
volta do cocho e em seguida são chamados os demais membros da
comunidade para participar.
O cocho também é um símbolo, dentro dele fica a bebida que é
chamada de Kiki, onde fazem todo o ritual de bênção e de purificação das
pessoas. A árvore simboliza o remédio, através da reza, ela fica ungida.
O ritual serve para os espíritos se encontrarem com os seus
ancestrais, antepassados e reaproximar aqueles que estão perdidos.
Nesse momento é que se dá o encontro com os mortos.
No momento que é feito o ritual, três cruzes são colocadas sobre o
cocho. Uma cruz grande e duas pequenas. Nas cruzes pequenas são
marcados os símbolos de quem é Kamé e Kairú. No entanto, uma cruz

872
FONAPER

com pintas pretas arredondadas simbolizando os Kairú e outra com pintas


em preto, compridas, simbolizando o Kamé. Essas duas cruzes simbolizam
os mortos dos dois lados.

Ritual do Cemitério
Ao término do ritual, com rezas e danças em volta do cocho, os
Kaingang se direcionam para o cemitério levando a cruz grande e as duas
cruzes pequenas. As cruzes são fincadas no interior central do cemitério.
A cruz grande fica entre meio as duas pequenas. A cruz maior representa
os Pajés. A cruz é uma herança do Cristianismo ocidental que para os
Kaingang simboliza seus mortos.
Segundo Veiga (2006, p. 189) ―as cruzes são feitas de madeira e
pintada com a marca do falecido (pontos para os mortos Kairú, riscos para
os mortos Kamé). É possível que a cruz seja um elemento sincrético,
proveniente do enterro cristão‖.
Para chegar até o cemitério é feita uma procissão, onde os kaingang
acompanham. Os primeiros que seguem na frente são os kaingang que
levam as cruzes. Somente as pessoas das metades kamé e Kairú podem
levar as cruzes. Os demais participantes que se fazem presente
acompanham logo atrás, até a chegada ao cemitério.
Na chegada, os primeiros a entrar no cemitério são os Kaingang com
as cruzes, logo em seguida os demais acompanham em volta das cruzes,
como ato simbólico.
Durante o ritual no cemitério observou-se que as pessoas mais de
idade ficam ao redor das cruzes em forma de círculo, logo atrás os demais
Kaingang: Kamé e Kairú que fazem suas rezas para os mortos das duas
metades.
A cruz maior é colocada entre meio as duas cruzes pequenas
durante o ritual no cemitério. Logo após o ritual, os primeiros a saírem do
cemitério são os Kamé e depois os Kairú.
Para Veigas (2006, p. 189) ―o grupo Kamé sempre deve partir
adiante dos Kairú, pelo motivo sempre evocado, de sua ―maior força‖.
Portanto, os Kamé saem do cemitério, em seguida os Kairú e se
direcionam até o local que está o cocho com a bebida do Kiki. Antes de
iniciar a tomar a bebida é feito um momento de agradecimento para todos
que ali estão.

873
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Após o ritual no cemitério, fez- se o ritual do banho de remédios. Foi


colocada em uma bacia uma quantidade de água com folhas de
gramechinga. Em outra vasilha, colocam água e também uma quantidade
de folhas esmagadas com as mãos, pelo Pajé, intercalando com rezas.
Os rezadores possibilitam a participação dos presentes, assistentes
do ritual, para que pudessem receber as bençãos e beber do Kiki. O Pajé
conduz o ritual e abençoa as pessoas que em seguida são liberadas para
beberem o Kiki depositado em um balde ao lado do cocho. A água com
ervas que serve para lavar as pessoas significa tudo de bom e ajudam
para dormir com tranquilidade. ―Significa a purificação e expulsão dos
espíritos maus‖.
Conforme Piovezana (2010, p. 200), ―a prática da cura através do
uso de ervas medicinais e de benzimentos é uma atividade sagrada e
muito praticada pelos kaingang‖.
Na hora que acaba o ritual com o banho de ervas, o Pajé com auxilio
dos demais Kaingang das metades Kamé e Kairú, retiram o plástico que
fica sobre o cocho em que está depositada a bebida do kiki e nesse
momento, pega uma madeira, começa a cortá-la em pedacinhos, jogando-
a na bebida. A pessoa purificada pode beber o Kiki e para isso deve pegar
junto a bebida, um pedacinho da madeira, deve chupá-la com goles,
significando 'berber o morto'. Logo após o ritual é encerrado e todos
seguem andando pelos caminhos e arredores das casas feitas
especialmente para o ritual do Kiki.

Considerações finais
O estudo proporcionou muitas vivências, experiências e
possibilidades de novos conhecimentos, pois presenciamos um dos rituais
mais importantes da cultura kaingang, prática que estava se perdendo e
com o ajuda de alguns professores/pesquisadores puderam de certa forma
revitalizar o ritual, mostrando aos kaingang jovens a importância dessa
festa, dessa celebração, enfatizando um modo de ser, ver e viver.
Piovezana (2007, p.105) destaca que, ―a Constituição Federal
reconhece as populações indígenas, sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições (art.231)‖.
Portanto, é preciso enfatizar que os direitos constitucionais devem
ser garantidos a todos os cidadãos, oportunizando e auxiliando na busca

874
FONAPER

constante de reviver momentos significativos e importantes para suas


vidas.
Este estudo possibilitou conhecer e respeitar a diversidade cultural,
servindo de subsídios para as aulas do ensino religioso escolar.
Além da pesquisa de campo na aldeia, utilizamos livros bibliográficos
para o levantamento de dados das simbologias e rituais para
compreendermos melhor essa cultura.
O acompanhamento na celebração final do Kiki, fez-nos crescer,
respeitar a diversidade religiosa existente na sala de aula, no ambiente
escolar e na sociedade.
Portanto, foi de grande importância vivenciarmos o ritual religioso da
cultura kaingang, pois, nos proporcionou experiências significativas como
educadores e pesquisadores no âmbito da diversidade religiosa.
Comparando com os relatos de outras celebrações do KIKI,
concluímos que cada ritual é único, específico, não perdendo sua intenção,
sua finalidade, mas que acontecem não de forma linear. São guiados pelos
sinais, pela vida espiritual / sociocosmológica que os rezadores identificam
e seguem com rigor.
Percebemos jovens engajados e bem concentrados no processo
todo da celebração, que segundo alguns participantes indígenas serão os
futuros rezadores, dom que emerge naturalmente.

Referências

FONAPER (S/D) caderno temático nº 05. Ensino Religioso capacitação


para um novo milênio: Ensino Religioso e o fenômeno religioso nas
Tradições Religiosas de Matriz Indígena.

PIOVEZANA, Leonel. Território Kaingang na Mesorregião Grande


Fronteira do Merco Sul. Territorialidades em confronto. Tese, 2010.

NACKE, Anelise [et al] Os Kaingang no Oeste Catarinense: tradição e


atualidade. Chapecó: Argos, 2007

PCNER - Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Religioso, 2002.

VEIGA, Juracilda. Aspectos fundamentais da cultura


Kaingang: Campinas, SP; Curt Nimuendajú, 2006. Disponível em:

875
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

http://seer.cfh.ufsc.br/index.php/sceh/article/viewFile/144/193. Acesso
dia 13 de agosto de 2013, as 21 e 30 min.

Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/290,


acesso dia 13 de agosto de 2013, as 21hs e 27min.

TOMMASINO, Kimiye. FERNANDES, Ricado Cid. Povos Indígena do


Brasil. Kaingang. Ritual e Xamanismo.
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/290. Acesso em
11/09/2013

876
INOVAÇÃO PEDAGÓGICA PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM
CULTURAS INDÍGENAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Leonel Piovezana1

Luciano Jaeger2

Ediana M. M. Finatto3

Resumo
Na História da Educação do Brasil sempre há a tentativa de promover um ensino instigante
e inovador, uma vez que cotidianamente se apresentam novos desafios à prática do
Educar. Constantemente percebemos o caráter multicultural que as sociedades
contemporâneas apresentam e isso tem instigado para a efetivação das mudanças nas
práticas educativas, ou seja, novos desafios educacionais se fazem sentir. Quanto mais nos
apropriamos de elementos para a prática das habilidades necessárias para enfrentar essas
mudanças, percebemos que ainda estamos engatinhando neste processo e que há muito
por mudar para de fato efetivarmos as mudanças desejadas para a educação. Nesse
sentido, ocorrem permanentemente inovações seja nas tendências pedagógicas ou nas
ações de natureza política pública do Estado. As quais entre todas as mudanças
necessárias buscam possibilitar a inclusão de segmentos sociais ainda excluídos dos
processos educativos, ou dizendo de outro modo, incluídos, mas sob os padrões da cultura
dominante dificultando assim o processo de aprendizagem e permanência destes grupos
sociais nas instituições educativas. Permitir que novos espaços educativos se efetivem é
uma possibilidade de agregar grupos populacionais que antes não se percebiam como
merecedores de tais políticas públicas. Portanto, apresentamos este estudo, o qual versa
sobre o contexto da educação na política de inclusão educativa em culturas indígenas
tendo como referência a experiência de um curso de licenciatura intercultural superior em
andamento no interior da Terra Indígena Xapecó. O curso é inédito no Brasil por estar
acontecendo integralmente na aldeia e possibilitando a participação efetiva de alunos e
comunidade. Um dos objetivos é o de revitalizar a cultura e a língua materna, propósito
importante e que assegura territorialidade, bem como a permanência dos jovens na
comunidade rural, com trabalho e educação juntos a seus familiares. A língua, o poder, a
verdade e o pertencimento inferem diretamente aquilo que marca a cultura indígena. Assim,
promover educação qualitativa e inclusiva em culturas diversificadas implica, sobretudo, em
rever e ressignificar não tão somente os métodos e práticas pedagógicas, mas, sobretudo,
implicar-se com as novas propostas educativas, inovadoras que dialoguem com a
diversidade cultural. Vemos constantemente a busca pela qualidade de ensino, alteram-se
e inovam-se diversos programas, iniciativas e eventualmente são excluídos procedimentos
considerados prejudiciais ao bom andamento da aprendizagem. Esse processo de
mudança objetiva instaurar a escola de qualidade social centrada no estudante e na

1 Professor da Unochapecó. Coordenador Geral dos cursos de Licenciatura Intercultural


Indígena. Doutor em Desenvolvimento Regional e Professor dos Programas de
Mestrado em Educação e Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais.
leonel@unochapeco.edu.br.
2 Professor da Unochapecó. Coordenador do PIBID. Mestre em Filosofia.
jaeger@unochapeco.edu.br
3 Mestranda em Educação pela Unochapecó. Professora da Rede Pública Estadual de
Santa Catarina. ediana@unochapeco.edu.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

aprendizagem. Pois numa época onde diversas ciências apresentaram seus objetos de
estudo é de suma importância dizer que necessitamos reavaliar os nossos métodos e
teorias quando nos ocupamos com os conceitos de inclusão no âmbito específico da
educação. Apresentamos como conclusão que a metodologia e oferta do ensino superior no
interior de uma terra indígena em alternância com a Universidade garante a formação de
90% dos alunos matriculados, num período de cinco anos.

Palavras-chave: Educar; Empoderamento; Língua; Diversidade Cultural.

O Educar intercultural
O debate em torno de uma educação na atualidade circunscreve
predominantemente a qualidade de ensino que é realizada no meio
escolar. Nesse sentido, os protagonistas nodais se ocupam de vários
expedientes para constantemente realizar avaliações acerca do
desempenho e objetividade que se espera alcançar nas escolas através da
aprendizagem. A partir do alcance dos resultados, através de diversas
tendências pedagógicas, se postula ressignificar os métodos, os conteúdos
e as práticas até então utilizadas, com o propósito de alcançar novos
caminhos para despertar o aluno ao conhecimento. Em nome da qualidade
do ensino são alterados e inovados diversos programas, iniciativas e
eventualmente excluídos procedimentos considerados prejudiciais ao bom
andamento da aprendizagem. E, sobretudo, como é inato à natureza
humana aparecem conflitos neste processo tão instigante que consiste em
promover a formação da pessoa humana individual, palavra esta que
corresponde o que os gregos chamavam de ―Paidéia‖ e que os latinos
denominavam de humanitas (ABBAGNANO, 2000). Esta educação do
homem com as suas boas artes implicava a poesia, a filosofia, a retórica e
o distinguia de todos os outros seres animais.
Se no contexto da História da Educação brasileira já tivemos
metodologias e tendências pedagógicas que concebiam o aluno enquanto
um mero receptor e reprodutor do conhecimento e o professor aquele que
autoritariamente impunha o saber, atualmente o processo ensino
aprendizagem cada vez mais vem concebendo o educar como dar a
(alguém) todos os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento de sua
personalidade. E nesse sentido não se permite mais uma forma de
aprendizagem autoritária e excludente, pois estamos inseridos em um
momento histórico de relativizações de Tempo e Espaço, valores e
saberes e compete ao professor profetizar, cuidar para que a ―Paidéia‖
878
FONAPER

aconteça numa dimensão complementar, inovadora e instigante enquanto


um cultuar e não meramente um cultivar a realidade.
Por isso, formar professores numa cultura diversa é apostar nos
conhecimentos e educação cultural dos educandos como possibilidade de
uma preparação docente para o acontecer de processos de ensino
aprendizagem e culturais nos seus discentes. Esse processo envolve
questões intrínsecas, somente perceptíveis àqueles que assumem a
condição de pertencimento no educar e inferem ações que procuram
atingir um alto grau de desenvolvimento espiritual como cultivar-se,
aperfeiçoar-se, que exige acompanhamento integral de educar.
Assim, a escola parece ser um local onde se estabelece uma nova
concepção de apreensão do conhecimento e do mundo, se diferenciando
dos métodos dos saberes místicos e do senso comum. Mas será ela isso
mesmo? Se for sim, como então inserir novas e antigas culturas sem
discriminação, com conteúdos e práticas qualitativas respeitando-se aquilo
que se determina enquanto tempo e espaço conforme os signos das
próprias culturas diversas? Em outras palavras, é possível na comunidade
escolar promover uma política de educação inclusiva, sem desconstruir
aquilo que se apresenta enquanto diverso e que para muitos se denomina
de algo ruim? É possível planejar um ensino hermenêutico à uma
comunidade indígena e com consentimento?
A partir da educação em culturas indígenas se percebe que existem
muitos desafios a serem superados, visto que historicamente se
condicionou a estas culturas um olhar pejorativo acerca de sua condição
existencial, bem como de suas possibilidades de aprendizagem. Contudo,
recentemente notamos uma importante mudança de perspectiva e de
concepção: estas culturas são potencial e realmente muito interessantes e
fortes e passam atualmente por um momento, ao menos, alentador
enquanto reconhecimento de suas potencialidades.
Contudo, para que de fato aconteça o educar numa dimensão
complementar, inovadora, íntegra e cativante é vital que se reconheça que
os principais personagens desta trama são os próprios indígenas. Eles são
os principais autores e atores que realmente farão a mudança de suas
realidades, de seus tempos, espaços e valores.
Para que tal procedimento ocorra é vital que eles próprios devam
ser reconhecidos enquanto força de poder, ou seja, nesse momento ímpar
de inclusão de diversidade culturais em processos de ensino

879
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

aprendizagem, é nodal que os indígenas sejam empoderados. E esse


movimento de reconhecimento é recíproco, isto é, concomitantemente a
condição de que os mesmos precisam ser empoderados, é vital que se
empoderem enquanto agentes destas mudanças. Caso contrário,
estaremos fazendo nada mais do que aquilo que Paulo Freire denominava
de ―educação bancária‖ onde nesta prática se desconhecem as realidades
específicas de uma determinada cultura, bem como se legitimam apenas
os interesses de um grupo assistencialista de ensino.
É nítido que o esforço para alcançar um conhecimento com
qualidade ultrapassa a esfera da relação pais, alunos e comunidade
escolar. Os métodos e tendências pedagógicas são sempre,
necessariamente, movimentos que devem ser revistos com frequência. Em
verdade, o propósito de retirar a humanidade da condição de menoridade,
se inaugura, historicamente, há aproximadamente cinco séculos antes do
nascimento de Cristo e demarca o contexto denominado clássico, local
onde denominamos a gênese, o começo, o berço do pensamento e
conhecimentos ocidentais da educação.
Deste modo é notória a defesa de uma perspectiva de aprendizagem
social e somente se o aluno for acolhido numa dimensão de totalidade, a
saber, numa acepção holística onde a sua aprendizagem está inserida na
totalidade de todas as demais dimensões do humano. A isso,
especificadamente, é o que denominamos no ensino aprendizagem em
culturas indígenas como o acontecer. Assim a escola de qualidade social
tem sua centralidade no estudante e na aprendizagem.
Este acontecer já se identifica no começo do pensamento ocidental
onde se localiza um conjunto de postulados atribuídos, em especial, ao
exercício que os filósofos realizavam em suas formas, ora peripatéticas,
ora formais de ensino. Isso evidencia que era função da filosofia promover
o conhecimento daquilo que se apresentava na dimensão mundana,
denominado de ―cosmos‖, através de métodos e teorias que se
distanciassem daqueles praticados pela tradição mitológica. Ora, é bom
lembrar que a mitologia não era desprovida de uma forma, modo ou
método de apreensão e promoção do conhecimento. O que se efetivava
era, sobretudo, uma desconfiança dos saberes obtidos, até então,
enquanto verdades. A verdade deveria passar pela rigorosidade metódica,
o que não era vigente até aquele momento, considerando, ainda, que ela
não era considerada causal. Desta forma, a origem de tudo, segundo os

880
FONAPER

filósofos, não incide naquilo que a narrativa mística propunha, dado que
ela não sustentava atenção especial àquilo que se apresentava para além
da natureza, ou seja, não ostentava uma perspectiva metafísica enquanto
possibilidade do conhecimento e jamais se apresentava tendo como
pretensão alcançar a alethéia (verdade) pela causa do ser.
É importante lembrar que o nosso problema no processo ensino
aprendizagem e de educação que propomos em culturas indígenas incide,
justamente, em (re) considerar aquilo que se apresenta como verdadeiro.
Ou seja, serão acolhidas verdades que não pertencem a uma cultura? É
possível promover sentido e qualidade de ensino relativizando as
proposições verdadeiras enquanto falsas e vice-versa? O que é verdadeiro
numa cultura indígena deverá sempre ser verdadeiro ou há possibilidades
de contingências?
Assim, percebemos que a educação Escolar Indígena é uma
modalidade de ensino, de responsabilidade do Estado e que deve atender
alunos da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Ensino Médio) tanto no ensino regular, como na modalidade de Educação
de Jovens Adultos. Foi instituída como categoria de Escola Indígena no
Estado de Santa Catarina pela Lei 12.449 de 10 de dezembro de 2002.
Além desta lei, há uma legislação específica, que garante as populações
indígenas, organização e métodos próprios de aprendizagem. A Educação
Escolar Indígena é integrada à Coordenação de Projetos Institucionais/
SED/DIEB e às Gerências Regionais que possuem Educação Escolar
Indígena.
Os referenciais são os Parâmetros Curriculares Nacionais para as
escolas indígenas e a Proposta curricular do Estado de Santa Catarina
(1998) que contempla o ensino intercultural, específico, bilíngue e
diferenciado para a educação escolar. Estes referenciais partem do
princípio de que a construção de uma proposta pedagógica baseada na
maneira como os indígenas vêem o mundo e o uso do idioma materno em
seu processo de aprendizagem, são fundamentais para o êxito da escola
indígena. Não basta incluir a noção de diversidade cultural (a visão
indígena de pensar o mundo) numa ou noutra disciplina, mas é preciso
levar em conta a diversidade que se expressa também ou ainda mais, no
diálogo interpessoal em sala de aula e na troca de experiências em que
são comunicados valores, crenças, aptidões e comportamentos.
(GERED/CHAPECÓ, 2012)

881
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

De acordo com pesquisas já realizadas se percebeu que o maior


problema está na formação de professores indígenas que ainda é
deficitária, no sentido de pessoas disponíveis para estudar, fazer curso
superior, justificado pelo acesso restrito às universidades e limitação das
possibilidades econômicas.
Ora, se na antiguidade houve a singularização da tradição mística
pela busca de um caminho alternativo, é necessário dizer que esse
caminho foi realizado através de um conjunto de ações verossímeis às
exigidas aos que se propõe educar na cultura indígena. Nestas ações
alternativas e diversas da época clássica se aprimorou, em especial, o uso
da linguagem. Nesse sentido, o cuidado com o uso da linguagem foi não
tão somente um problema conduzido por Aristóteles para se distinguir
proposições verdadeiras das falsas, mas, sobretudo, alcançar o
conhecimento verdadeiro, essencial e eterno.
Eis o propósito da ―Paidéia‖ que valida apenas o conhecimento
superior, filosófico e metafísico, tão necessário para superação da
condição de menoridade, expressão kantiana onde o homem é
responsável para seguir a sua própria razão e não se deixar enganar pelas
crenças, tradições e opiniões alheias. Assim, é necessário se referir à
linguagem com muito mais atenção do que aquela utilizada pela tradição
mística. Como se supõe, é a linguagem o principal instrumento para que se
exercite o saber reflexivo e através dela é que se alcança aquilo que
passaremos a denominar ciência.
A lógica ocupa um lugar nobre nesse espaço inaugural de
pensamento ocidental e de conotação científica, pois é ponto central para
que se efetivem consistentemente os novos caminhos do saber, em
especial aqueles que se apresentam como ciência. É ela, que eleva as
explicações primárias acerca do mundo, bem como do conhecimento
causal do mesmo. Evidentemente, a lógica não consegue almejar tais
resultados enquanto um exercício racional independente, visto que a
complexidade da natureza científica ou da relação linguagem e mundo é
demasiadamente presente. Contudo, é possível assegurar que o estudo da
lógica proporciona o raciocínio correto, ou seja, as pessoas que se
exercitam através do uso lógico têm alta probabilidade de raciocinar
corretamente.
E qual é o uso predominante de discurso que utilizamos em sala de
aula? Faz sentido os modos de linguagens que estamos utilizando nos

882
FONAPER

espaços escolares diversificados ou será que a lógica, a racionalidade e os


caminhos do ensino formal não são eficazes para o alcance de resultados
em culturas distintas como a dos povos autóctones?
Nesse sentido há de se admitir que, vivemos uma época de inúmeros
desafios à prática de uma educação alternativa e diferenciada em culturas
diversas. Se, por um lado, temos como pressuposto o lugar de um saber
tradicional, clássico e de um já reconhecimento histórico, de outro, existem
possibilidades que se intensificam enquanto um lugar definitivo de uma
nova perspectiva de educação. Estas possibilidades certamente demarcam
uma nova época onde o território da educação transita numa relação de
teoria e prática singular, ainda a ser descoberta, como podemos a seguir
acompanhar uma experiência desta natureza.

Um Curso Superior em andamento no interior da Terra Indígena


Xapecó
Verificamos que no sul do Brasil os povos indígenas compõem a
porção social, econômica e culturalmente marginalizada da população.
Neste cenário de diversas dificuldades, a educação indígena constitui-se
em grande desafio, pois enseja a inserção qualificada dos indígenas nos
processos de desenvolvimento regional. Vejamos a condição do curso de
Licenciaturas Intercultural indígena do programa de Desenvolvimento do
Ensino Superior para a Formação de Professores.
O curso está em andamento e é inédito no Brasil por estar
acontecendo integralmente na aldeia e possibilitando a participação efetiva
de alunos e comunidade.
Como resultado parcial, dos 60 alunos que iniciaram o curso em
agosto de 2009, estão frequentando a oitava fase e em suas áreas
específicas, 56 (cinquenta e seis) estudantes. O curso terminará com a
formação dessa turma em julho de 2014, completando cinco anos, ou seja,
dez semestres. Todos os processos pedagógicos, propostos no PPC –
Projeto Político Pedagógico do curso foram construídos com professores
universitários, lideranças indígenas, comunidades e representantes de
entidades regionais como Secretarias Municipais e Estaduais de Educação
e áreas acadêmicas. Pelas experiências e relatórios dos cursos superiores
da região que tiveram alunos indígenas ingressos nas Universidades,
apenas 8% conseguem terminar e realizar a formatura. A evasão acontece
principalmente devido as reprovações por frequência e pela dificuldade de

883
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

locomoção da aldeia até a universidade, fatores estes, não justificados


quando da oferta dos cursos superiores no interior de uma Terra Indígena.
O Curso de Licenciatura Intercultural Indígena conferirá aos
concluintes o título de Licenciado numa das quatro áreas do conhecimento,
a saber: Línguas, Artes e Literaturas; Pedagogia; Ciências Humanas e
Sociais; Matemática e Ciências da Natureza. Os cursos têm como missão
formar professores para atuarem na educação escolar Indígena,
produzindo e garantindo a apropriação do conhecimento universal e
específico da etnia, contribuindo para o desenvolvimento cidadão.
A Licenciatura tem por objetivo geral a formação e a habilitação de
professores indígenas para o exercício docente na educação infantil,
ensino fundamental e em disciplinas específicas do ensino médio,
conforme a área de terminalidade em que fizer opção.
Enquanto Universidade, este Curso de Licenciatura Intercultural para
a formação de professores é de extrema relevância, dado que interage de
modo propositivo e participativo na formação desse novo agente de
produção e reprodução cultural denominado professor indígena. Se é na
universidade que se constitui um espaço privilegiado de interlocução com a
diversidade cultural, então, naturalmente, este curso se justifica, pois as
comunidades indígenas identificam-se enquanto protagonistas da
diversidade cultural da civilização contemporânea.
Por fim, este Curso de Graduação atende a demanda existente das
comunidades, das Terras Indígenas Xapecó, Chimbangue, Pinhal, Imbu,
Palmas e Condá, localizadas nos municípios de Ipuaçu e Entre Rios,
Chapecó, Seara e Abelardo Luz do Estado de Santa Catarina, com uma
população de aproximadamente 12.000 pessoas e das quais 2.400 são
estudantes do Ensino Básico.
Nessa região existe a Escola de Formação Específica de Ensino
Médio: Escola Indígena Estadual Cacique Vãinkrê, localizada no município
de Ipuaçu, sede da T.I. Xapecó, com uma média de 25 estudantes
egressos/ano, desde 1990.
Piovezana (2007) coloca que analisando a trajetória da educação
escolar indígena no Brasil são consideradas cinco fases distintas: a
primeira fase, correspondente ao período colonial, a educação indígena
estava ligada à Igreja Católica visando à conversão religiosa e ao
aniquilamento da cultura indígena, o que se deu até 1900. Na segunda
fase tem-se a criação do Serviço de Proteção ao Índio - SPI (1910-1967)

884
FONAPER

cuja política de ensino, revelou uma preocupação com a necessidade de


adequação da escola indígena às particularidades de cada um dos grupos.
O funcionamento destas escolas era até então, idêntico ao das
escolas rurais e diante de insucessos passou-se a refletir sobre a questão
da adequação do ensino indígena adaptado ao grau de ―aculturamento‖,
mesmo não considerando viável a adoção do ensino bilíngue.
Na terceira fase, ocorreu a substituição do SPI pela FUNAI
(Fundação Nacional Indígena) e tem início a atuação do Summer Institute
of Linguistc (SIL) que visava a conversão dos indígenas ao protestantismo,
tendo inclusive, transcrito para diferentes línguas indígenas textos
religiosos extraídos da bíblia.
A atuação destes diferentes órgãos se pautava no princípio
integracionista do Estado brasileiro para com essas populações, unificando
assim os diferentes grupos e instituições. A FUNAI por sua vez, tornou o
ensino bilíngüe obrigatório através do Estatuto do Índio, em 1973. Tratava-
se, teoricamente, de respeitar os valores tribais.
O objetivo do SIL de conversão dos indígenas à religião protestante,
foi objeto de polêmica junto à FUNAI, o que resultou no rompimento do
convênio entre a FUNAI e o SIL, em 1977. Apesar das discussões, o SIL
continuou atuando, embora com alterações. Propunha então, um caráter
mais científico e menos religioso transformando-se em ―Sociedade
Internacional de Linguística‖, a que possibilitou a reativação do convênio
em 1983. Mesmo fundamentando-se em programas respaldados pela
ONU, não só sua ideologia continuou embutida nos textos, como também
a FUNAI continuou apoiando esta entidade – republicando seus textos
ainda em 1990.
Mais de cinquenta missões religiosas entre protestantes e católicas
atuavam nesse período, acelerando convênios com o governo brasileiro,
caracterizando assim a famosa ―educação missionária‖, que não teve êxito,
pois marcava uma ruptura com a tradição indígena.
Na quarta fase essa educação escolar contou com a participação de
Organizações não-governamentais: Comissão Pró-Índio (CPI/SP – 1977),
o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI – 1980),
Operação Anchieta (OPAN – 1969) e o Conselho Indígena Missionário
(CIMI – 1972), que atuavam paralelamente à política indigenista oficial.
Acrescidas a essas, os indígenas criaram suas próprias organizações,
ocorrendo o I Encontro de Educação Indígena Escolar, em 1979, do qual

885
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

resultaram documentos e propostas. É nesse contexto que ocorreram


muitas discussões que foram geradoras de novas reflexões que acabaram
por culminar nas inovações da Constituição de 1988.
A quinta fase, iniciada na década de 80, corresponde ao momento
atual, e neste se destaca o fortalecimento do movimento indígena, que
possibilitou a articulação dos professores indígenas em torno da
elaboração de filosofias e diretrizes básica. Esse processo tem mostrado o
quanto os índios podem articular-se na construção de uma escola
diferenciada.
A Constituição Federal reconhece às populações indígenas, sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições (art. 231). Além
disso, assegura a estas comunidades o uso de suas línguas maternas e os
processos próprios de aprendizagem (art. 210), o que é reforçado pelo
artigo 164, § 2º da Constituição do Estado de Santa Catarina. ―O ensino
fundamental regular será ministrado em Língua Portuguesa, assegurada
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas
e processos próprios de aprendizagem‖.
A partir de 1991, no Decreto Presidencial nº 26, é atribuída ao
Ministério da Educação a função de ―coordenar as ações referentes à
educação indígena‖ e este, por sua vez, atribui o desenvolvimento destas
ações às Secretarias Estaduais e Municipais. A partir da Portaria
Interministerial 559 é regulamentada a competência do MEC e instituído o
Comitê de Educação Escolar Indígena (Portaria nº 60/92 e nº 490/93),
levando em consideração grande parte das reivindicações dos povos
indígenas com respeito à educação escolar.
Deste modo, estamos afirmando que é viável e possível utilizar os
recursos da linguagem tradicional como a lógica, mas, sobretudo, é
necessário valorar aquilo que pertence à condição específica cultural no
processo de aprendizagem para que a qualidade do ensino seja alcançada
através de uma linguagem que se traduza em sentidos. Isso favorece a
percepção do mundo num processo de tornar o conhecimento e a
aprendizagem compreensíveis no âmbito universal. Diz Hermann (2002, p.
24) que ―ao inserir-se no mundo da linguagem, a hermenêutica renuncia a
pretensão de verdade absoluta e reconhece que pertencemos às coisas
ditas, aos discursos, abrindo uma infinidade de interpretações possíveis‖.
Assim, a escola é um local onde se pode promover a aprendizagem
à cultura indígena desde que os alunos sejam reconhecidos enquanto

886
FONAPER

transformadores e detentores de poderes. E para alcançar resultados


seguros acerca de algo deve prevalecer tanto o âmbito lógico de ensino,
como se deve ceder espaço à contingência, à subjetividade efêmera e ao
erro, bem como mencionado anteriormente, as concepções teóricas e
metodológicas devem valorizar o estudante. Assim, possivelmente
alcançaríamos o êxito, almejado por todos aqueles que se propõe elevar a
condição de sabedoria em espaços e tempos distintos com observações
do Plano Nacional de Educação previsto na Lei n. 10.172/2001.
As sociedades indígenas, particularmente do Estado de Santa
Catarina, as culturas Kaingang, Xokleng e Guarani, traduzem de forma
singular a vivência de processos históricos diferenciados, sendo
portadoras de tradições culturais específicas que veem sendo revitalizadas
e encontram ressonância e poder nos processos de educação que vem
acontecendo no interior de seus territórios.
Assim vamos entendendo que não tem sentido, portanto, representar
as culturas indígenas e a própria figura do ―índio‖ de forma homogênea,
folclorizada, a-histórica e preconceituosa. É preciso superar a forma
padronizada e estereotipada de um ―índio‖ com cocar, vivendo em oca,
andando nu, sem formação superior, comendo raízes, vivendo da caça e
da pesca... os índios são diversos de nós, mas também diversos entre si
(GRUPIONI, 1994, p.14).
Nesta perspectiva, a escola indígena específica e diferenciada é
construída a partir do diálogo, do envolvimento e do compromisso dos
grupos indígenas como sujeitos do processo e promove o resgate de
elementos fundamentais no processo de definição da identidade, como os
ritos, danças, festas tradicionais [...] (Documento dos professores das
áreas indígenas de Xapecó e Toldo Chimbangue). Destaca-se, também, a
força da tradição oral para a manutenção da memória e a importância do
saber dos mais velhos, que detêm grande parte da história e dos valores
do grupo.
Deste modo, elementos pedagógicos como conhecimentos,
planejamento, avaliação, calendários, distribuição espaço temporal,
regimentos e outros deverão respeitar o processo educacional próprio de
cada etnia. Já o processo de definição/encaminhamentos destas
diferenciações ocorre através de reuniões pedagógicas nas regiões,
contato direto com as escolas, capacitação de professores, reuniões do

887
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

NEI (Núcleo de Educação Indígena) e discussões com a própria


comunidade.

Respeito à diferença na diversidade cultural


A diversidade cultural indígena tem se ampliado à medida que as
sociedades indígenas vêm ocupando outros espaços políticos e culturais
que lhes permitam consolidar-se enquanto diferentes.
Assim, o valor não está no isolamento, mas na composição política,
econômica e cultural que os povos são capazes de fazer e que, via de
regra, tem promovido o desenvolvimento humano.
São as diferenças, na amplitude do termo, que possibilitam aos seres
se modificar e modificarem as coisas, de alterarem a si mesmos e a
realidade na qual vivem. Portanto, não podem ser compreendidas
enquanto deficiência, atraso ou déficit.

O respeito que se deve às culturas não deve se exercer em detrimento


do princípio da justiça entre as pessoas e ...a identidade cultural não
deve se tornar nem um rótulo nem uma marca suscetíveis de constituir
obstáculo ao desenvolvimento da identidade individual (p.138).
(SANTA CATARINA, PC, 1998, p. 93).

Questões que na elaboração do projeto pedagógico dos cursos


superiores para o povo Kaingang foram e estão sendo consideradas e
programam cada vez mais sérias reflexões para o campo do currículo, no
sentido de definir os critérios com os quais se efetuará as escolhas para
efetivar uma prática pedagógica que possibilite o trato equânime entre os
diversos sistemas de referências e valores, numa perspectiva que isso
tudo acontecerá com maior êxito quando os autores e atores serão os que
se encontram nos processos de formação. Estes são empoderados e farão
a diferença nos processos socioeducativos e culturais de seu povo ou
grupo de pertencimento.

Alguns autores apontam a possibilidade de aprendizagem simultânea


de mais de uma língua, sem que uma prejudique o processo de
aprendizagem da outra ou cause maiores dificuldades, desde que
ambas estejam presentes no cotidiano da criança. (SANTA
CATARINA /PC, 1998, p 93-94)

Como a maioria dos estudantes universitários indígenas são


remanescentes Kaingang, revitalizar a cultura e aprender a língua é um
888
FONAPER

propósito muito importante e que assegura territorialidade. O bilinguismo


acontece de diferentes formas, caracterizando uma heterogeneidade
sociolinguística. Esta situação explica as realidades linguísticas como
sendo: o monolinguismo, ou seja, quando os indivíduos ou falam somente
a língua portuguesa ou falam somente a língua indígena; o bilinguismo
passivo, onde o indivíduo entende, mas não fala uma das línguas; o
bilinguismo ativo, onde o indivíduo fala e entende duas ou mais línguas.
Estas situações justificam um ensino necessariamente bilíngue para o
realizar de uma educação cidadã cultural/específica. (SANTA CATARINA,
1998)
Como instrumento de poder e de pertencimento, bilinguismo na
educação escolar proporciona aos grupos indígenas uma proteção
necessária contra a exploração pelos não índios, reconhecendo e
valorizando a organização social, a língua, os valores, os
etnoconhecimentos, a história, enfim a dinâmica sociocultural necessária
para manutenção da identidade étnica diferenciada incentivando a
dignidade, auto-estima e um maior grau de independência associado à
graduação superior para o magistério.
O ensino superior no interior da Aldeia indígena, acontecendo do
local para o regional e universal é uma realidade que vem somando numa
construção intercultural, com muitos acertos e com as proposições de que
o acontecer mais específico se dará pelos egressos, atores então de uma
educação específica, intercultural, bilíngue e diferenciada.

Considerações finais
A partir do que foi apresentado inferimos: pode a escola ser um local
onde se estabelece uma nova concepção de apreensão do conhecimento
e do mundo? A resposta é afirmativa deste que ela não esteja adequada
apenas à tradição clássica, por exemplo, que postulava um uso de
racionalidade capaz de tornar o conhecimento sistematizado, apenas
lógico formal. Embora existam regras formais e tradicionais de ensino, ele
de fato será relevante quando também adotar outras formas e expressões
da linguagem presentes em culturas distintas como a dos indígenas. Todos
estes ideais mantidos arduamente no âmbito escolar têm por remetimento
a formação de um homem educado, político, racional e, sobretudo,
reflexivo.

889
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Deste modo, o que circunscreve o diálogo sobre a qualidade em


Educação é algo aparentemente simples: sabemos o que estamos
propondo enquanto conhecimento e aprendizagem? Ao que parece o
termo qualidade por si só não nos esclarece muito, pois além de ter muitos
significados conflituosos é conveniente salientar que:

[...] em Educação, não podemos esquecer que existem interesses


(frequentemente) conflituais e que ambos os lados podem desfraldar a
bandeira da qualidade para se auto justificarem. Por exemplo, o que é
qualidade para um professor pode não o ser para os pais dos alunos
ou ainda para a gestão da escola. Falar em qualidade não resolve o
problema (RODRIGUES, 2006, p. 12).

Assim, o desafio é imenso, pois numa formação indígena, foram


estabelecidas diversas relações conformes vimos com professores
universitários, lideranças indígenas, comunidades indígenas e
representantes de entidades regionais e áreas acadêmicas da
Universidade.
Numa época onde diversas ciências apresentaram seus objetos de
estudo é de suma importância dizer que necessitamos reavaliar os nossos
métodos e teorias quando nos ocupamos com os conceitos de inclusão no
âmbito específico da educação. É notório que estamos numa época de
inovações, de transformações temporais e existenciais que afetam
diretamente o campo do raciocínio humano e por isso é urgente que
tenhamos cautela, na aprendizagem.
Nessa época de carecimento de sentidos e de distanciamento ao que
se apresenta enquanto lógico, é indispensável que se reconheça o novo
tempo e espaço o qual estamos inseridos para que o conhecimento nas
escolas ultrapasse o tempo de duração de consumo ou o de queixa, a
saber, de um lugar que não lhe concedeu o bastante. Caso contrário,
daremos razão ao chefe indígena Tuiavii de Tiavea, das ilhas Samoa, que
comentava: O Papalagi4 não Tem Tempo (...) correm como desesperados
como se estivessem possuídos por demônios, e por onde quer que
passem causam danos, provocam desastres e grande alarde porque
perderam o tempo deles. (DE MASI, 2001, p.19).

4 Papalagi se refere a aquele que não é indígena.


890
FONAPER

Referências

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Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

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892
RELIGIOSIDADE INDÍGENA:
REFLEXÕES SOBRE OS POVOS KAINGANG

Gilberto Oliari1

Resumo:
O presente ensaio tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre a religiosidade
presente na cultura indígena. Com isso procuro estabelecer alguns pensamentos relevantes
para a compreensão destacando que não podemos estudar a religiosidade indígena em
comparação a outras (tal como fizeram os colonizadores) e também a presença de diversas
religiões (igrejas) dentro das terras indígenas. Apresentam-se alguns elementos da cultura
Kaingang tais como: ritual do Kiki, casamentos, divisão entre os grupos Kamé e Kainhru,
etc. Através de pesquisa bibliográfica apresentam-se também alguns mitos da cultura e da
religiosidade desse povo.

Palavras-Chave: religiosidade indígena, Kaingang, rituais, mitos;

Considerações iniciais
Pensar e mesmo escrever sobre religiosidade indígena, nos faz
pensar no próprio conceito de religião que construímos ao longo do tempo.
Isso quer dizer que ao olharmos para as tradições religiosas indígenas,
não podemos comparar com a religião a qual eu pertenço, pois os índios
se relacionam de forma muito diferente com o sagrado. Existem relatos
dos colonizadores que afirmavam que ‗os índios não tem religião‘, pois ao
comparar com a religião que eles traziam em sua identidade, nada se
aproximava.
Para abordar a religiosidade indígena partimos de um estudo
fenomenológico, buscando refletir os fundamentos que movem o sujeito
que acredita. Essa abordagem (fenomenológica) explora o sentido do fato
religioso, sua significação para o ser humano específico que expressou ou
expressa esses fenômenos religiosos (CROATTO 2010). Para tanto é
necessário sempre ter em vista as considerações históricas do fato para

1
Graduado em Filosofia pela UNOCHAPECÓ. Especialista em História Regional pela
UFFS. Graduando em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso pela
UNOCHAPECÓ. Mestrando em Educação pela UNOCHAPECÓ. E-mail:
gilba@unochapeco.edu.br.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

compreender seu contexto cultural e vivencial, e poder entender melhor o


que as estruturas (mitos, ritos, etc.) significam.
Ao tratarmos da religiosidade ou de costumes indígenas é importante
salientar e perceber que existe uma significativa diversidade de povos e
culturas indígenas. Por isso é difícil traçar uma visão geral e única sobre os
povos indígenas, exige muita cautela. Algo que estranheza e indignação, é
quando se utiliza, no sul do país, por exemplo, imagens ou transmissão de
costumes dos povos indígenas do norte/nordeste do país (não
desmerecendo a importância que cada povo tem), e se esquece do índio
que muitas vezes bate a nossa porta para oferecer artesanatos, ou plantas
medicinais para o consumo.
Diante disso, podemos dizer que a religiosidade indígena hoje, em
muitos lugares do país (tal como do oeste de Santa Catarina), encontra-se
muito miscigenada, ou misturada, visto que nas aldeias se encontram
grupos de igrejas pentecostais de várias denominações, igreja católica, e
ainda rituais como o Kiki ou pajelança próprios da tradição indígena, como
tentativa de preservação da tradição.
Muito do que relato e observo neste ensaio é feito através da leitura
de pesquisas já realizadas, visto que: ―abordar a religião Kaingang também
é difícil, pois os índios são muito reservados e cautelosos, dificilmente
revelam os seus rituais e seus mistérios religiosos especialmente para
alguém não índio‖ (ORO, 2013, p. 118). Por isso se justifica a metodologia
utilizada para este ensaio, que é estritamente bibliográfica.
Esse ensaio pretende apresentar algumas reflexões sobre quem
são os indígenas desta pesquisa; apresento algumas reflexões sobre a
religiosidade indígena e a ligação com o mundo Kaingang e, ainda,
algumas considerações sobre a importância dos mitos na manutenção da
cultura.

Quem são os índios que tratamos neste ensaio?


Os primeiros habitantes indígenas da região oeste de Santa Catarina
foram denominados de Kaingang por volta de 1882, por Telêmaco Borba.
Esse nome foi utilizado para designar os índios que não eram guaranis de
São Paulo, Paraná etc. Foram chamados também de ―coroados‖ devido ao
corte de cabelo em forma de coroa. Estes tem linguagem do tronco
linguístico Macro Gê (NOTZOLD, 2003).

894
FONAPER

Suas sociedades são organizadas em metades exogâmicas,


denominadas de Kamé e Kainhru (relato presente nos mitos que trago
mais adiante). Além de serem herdadas, essas marcas são visíveis através
de pinturas no corpo feitas com tinta natural. Essa divisão societária rege
toda a aldeia, pois desde o nascimento até o ritual dos mortos precisa
respeitar essa divisão. Os nomes indígenas provêm do acervo de nomes
disponíveis na metade do pai, que idealmente só será utilizado após a
liberação que acontece no ritual do kiki (NACKE, 2007).

No passado, a existência de um extenso território com recursos


naturais variados e abundantes garantia a subsistência do grupo.
Neste sentido, a caça, a coleta e a pesca constituíam as atividades
mais importantes. O cultivo de diferentes espécies de milho, feijão,
morangas e amendoim, em roças de pequena dimensão, através da
técnica da coivara, complementavam os recursos disponíveis na
natureza (NACKE 2007, p. 39).

Pode-se dizer que os índios dessa região, viviam (talvez) como as


diferentes tribos que aprendemos na escola, ou mesmo as que temos
notícias. De forma bem abrangente no que tange a sobrevivência, pois a
caça, a coleta, a pesca e poucas plantações, também eram as formas de
subsistência dos Guaranis, Xoclengue, etc. Essa era a manutenção da
vida indígena antes da chegada dos colonizadores, que acabaram com
esse modelo de subsistência, implantando por todos os lugares onde
passaram formas diferentes de se relacionar com a sobrevivência,
principalmente com o desenvolvimento da ideologia do acúmulo.
Este território (oeste catarinense) passou por inúmeros conflitos de
terra até se a chegar a um consenso sobre as suas fronteiras, sendo um
exemplo a Guerra do Contestado (1912-1916). Primeiramente Argentinos e
Brasileiros, disputavam a ‗posse‘ sobre essas terras, resolvida essa
questão Paraná e Santa Catarina demoraram a entrar em um acordo.
Ninguém pediu aos índios a quem de fato a terra pertencia. Para não haver
mais conflitos, resolveu-se ‗colonizar‘ a região, daí para frente cada vez
mais as populações indígenas foram diminuindo e perdendo boa parte de
suas raízes culturais. Aldeamentos inteiros foram dizimados e/ou
transferidos para outros lugares, tudo em nome do ‗progresso‘ que
chegava à região.

Na medida em que a colonização avançou, foi necessário criar


aldeamentos indígenas, em vista da liberação das terras e também

895
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

para se evitarem conflitos. Este processo ocasionou uma das mais


radicais rupturas no modo de viver e de produzir a subsistência destes
povos (MARCON 1994, p. 89).

Sendo assim, havendo tão grande ruptura nos meios de


sobrevivência dessas populações, os povos se viram obrigados a mudar
inclusive sua forma de se relacionar com a terra. Muitos deles foram para a
cidade, lá viveram debaixo de barracos de lona em terrenos baldios,
muitos se entregaram aos vícios como o da cachaça. A exclusão de um
povo, herdeiro da terra, em nome da manutenção do ‗poder nacional‘ sobre
as terras.
Hoje, após muitos conflitos em nome de seus direitos, os indígenas
que ainda sobrevivem moram em terras indígenas, que foram decretadas
pelo Governo Federal. Nessas terras, estão retomando aos poucos
aspectos de sua identidade:

A recuperação da terra garantiu a estes poucos Kaingang a


perspectiva e a possibilidade de se reproduzir como grupo étnico
diferenciado, não obstante o preconceito e a discriminação que
continuam sofrendo por parte da sociedade regional (NACKE,
BLOEMER 2007, p. 65).

Haja visto, que talvez nunca mais se possa viver como viviam os
antepassados, hoje muitos indígenas que vivem nas terras trabalham nas
empresas frigoríficas da região. Os jovens, alguns estudam em escolas
indígenas, outros estudam em escolas não indígenas. O mais importante é
que em cada índio que vemos falando sua própria língua o Kaingang,
podemos perceber que ainda existe uma centelha de cultura étnica que
ainda resiste, mesmo na realização de rituais como o kiki e no casamento,
seguindo alguns resquícios trazidos na memória dos mais antigos.

Considerações sobre a religiosidade indígena


Podemos dizer que a religião permeia todos os âmbitos da vida dos
povos indígenas. Constantemente pode-se perceber isso, desde o simples
gesto de confeccionar um artesanato quanto pelo fato de utilizar plantas
para curar doenças. existe no fundo um sentido religioso. ―É muito difícil
perceber a profundidade e a extensão do domínio religioso de um povo,
pois a dimensão religiosa está incorporada ao universo simbólico da
cultura‖ (BENINCÁ, 1994, p. 215). É importante lembrar que falamos aqui

896
FONAPER

sobre a religiosidade natural dos indígenas, e não das diversas igrejas que
estão presentes nas aldeias.
Toda a riqueza da tradição religiosa indígena é transmitida através
da oralidade, os velhos contam aos mais novos aquilo que aprenderam
dos antepassados. A religiosidade não possui livro sagrado escrito. A
aproximação com a religiosidade indígena é essencialmente indireta,
baseada muito mais numa espécie de disponibilidade geral para ouvir e
aprender tudo o que lhe cair nos ouvidos e em seguida tentar extrair algum
sentido daquilo. É difícil, qualquer pesquisador dizer que vai às fontes da
religiosidade indígena e a encontrará em livros e textos escritos, para
aprender algo é preciso ter disponibilidade para ouvir.
Isso nos faz refletir sobre uma série de contextos e de figuras que
estamos acostumados perceber em várias religiosidades. Se levarmos em
conta o quanto algo escrito pode ser ‗congelado‘ não podendo ser alterado,
nas tradições orais isso não existe (ou existe com menos intensidade), pois
cada um que conta, vai transmitir aquilo que ficou armazenado em sua
memória, muitas vezes vai acrescentar a sua percepção sobre aquilo que
foi ouvido. Pode-se dizer que o conhecimento que encontra-se em
processo de transmissão, passa pelo que podemos chamar de atualização
constante.
Podemos nos perguntar diante da tradição indígena: quais são os
dogmas? Quem são os especialistas em textos sagrados? Qual é a
ortodoxia presente? Qual é o referencial imutável? E aí nos damos conta
que não há dogmas, não há um especialista em livros sagrados, não há
ortodoxia, não existe um referencial imutável e que talvez seja por isso que
facilmente se descriminam as religiosidades indígenas. ―O fato de não
explicitarem uma doutrina teológica harmônica, não significa que não
fossem religiosos‖ (BENINCÁ 1994, p. 218) se levarmos em conta isso,
poderemos talvez até refletir sobre o processo de catequização indígena
na chegada da colonização, mas isso não aprofundarei, pois não é o foco
desta pesquisa.
Vale ressaltar que é difícil compreender a religião do outro sem falar
a sua língua, isso vale para todas as tradições religiosas. Não só
compreender a religiosidade, mas também construir junto um processo
educacional.

897
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Sua religião, porém, está ligada ao seu universo simbólico. Viviam


errantes nas matas do sul, por isso seus rituais estavam vinculados às
necessidades básicas e respondiam às permanentes ameaças das
forças da natureza (raios, trovões, tempestades, secas, enchentes,
etc.) não controláveis por eles (BENINCÁ 1994, p. 218).

Muitas religiões que temos notícias surgem emaranhadas no


contexto de símbolos que possuem, pois o símbolo reflete diretamente a
vida dos sujeitos daquele espaço. Esse simbolismo é a linguagem principal
do fenômeno religioso, pois o símbolo é capaz de manter-se não revelado
em sua identidade, mantendo assim um ar de misterioso e grandioso por
detrás de si, capaz de manter os sujeitos arredios e crentes de ser um
sinal sagrado das divindades.
A noção de divindade nas tradições religiosidades indígenas pode
variar de acordo com os locais. Em algumas sociedades indígenas tem-se
a ideia de uma entidade suprema, uma espécie de Deus oculto que tudo
sabe e coordena. Já em outras, encontra-se um panteão de deuses, no
entanto sem organização hierárquica. ―Há deuses e espíritos que
governam o mundo e a natureza: a chuva, a fecundidade do solo, a guerra.
Há espíritos bons e espíritos maus; [...] que vivem e animam tudo o que
existe‖ (ORO, 2013, p. 116). Podemos dizer que as populações indígenas
são politeístas e enoteístas, acreditam em vários deuses e nas suas
próprias divindades, o que não implica dizer que elas pensem que o Deus
do branco não exista, pelo contrário, todas podem existir.
O rito fundamenta toda a realidade e define a organização da vida. É
fonte de memória e conhecimento, assim, não só atualiza o passado como
também ajuda modificar o presente. Muitas das regras e tradições
indígenas possuem um caráter religioso, pois o espiritual está bastante
ligado a sua vida. ―Os rituais mais utilizados pelos kaingangs pertencem ao
domínio da defesa contra as forças do mal [...] Os rituais estabelecem a
luta das forças do mal no domínio do corpo‖ (BENINCÁ, 1994, p. 225).
Essa luta em busca de proteção se revela na cura das doenças, no ritual
do kiki (que representa a liberação das almas dos mortos para outro
plano), e em vários outros.
Existe uma crença fortemente arraigada que fundamenta todas as
atividades da vida. A crença de que se houver qualquer transgressão da
tradição, poderá sofrer castigos divinos. ―Em sua visão religiosa, há um
dualismo acentuado: sagrado/profano, puro/impuro, bem/mal.
Transgressões de tradições podem incidir em perigo de sacrilégios e atrair
898
FONAPER

castigos. Pois tudo é produzido pelas forcas invisíveis‖ (ORO, 2013, p.


116). Essa crença dualista direciona todos os atos dos habitantes da
aldeia, pois como toda a natureza possui uma divindade imanente, toda a
vida pode estar sendo ‗vigiada‘. Por isso muitas vezes percebemos o
cuidado com os animais e a própria integração da vida humana com a
natureza, pois o descuido pode trazer castigos para todo o grupo de
indígenas.
Para os povos indígenas, tudo o que existe possuí alma: os animais,
as plantas, as pedras, os rios e os lagos. Os espíritos estão por toda a
parte, mas é necessário saber se comunicar com eles para que orientem a
tribo nos momentos importantes. O responsável pelo contato é o pajé, que
também conhece as ervas e seus poderes. O pajé é a figura mais influente
da aldeia. É ao mesmo tempo líder espiritual e médico, pois os índios
acreditam que as doenças são do corpo e da alma. O pajé interpreta
sonhos, defende a tribo dos maus espíritos, indica o melhor lugar para
caça e para pesca, etc. Geralmente é um dos membros mais velhos e
sábios da tribo.
Perceptivelmente hoje, muitos indígenas não vivem mais tão
serenamente esses traços de religião natural (por assim se dizer). O que
se percebe é um sincretismo que reúne traços advindos das diferentes
etnias brancas a que tiveram contato. Duas frentes de influência podem
ser destacadas: a primeira trazida pela catequização jesuítica, trazida
pelos freis por ocasião do inicio dos aldeamentos; a segunda trazida pelos
caboclos (posseiros da Guerra do Contestado), que aprenderam aspectos
religiosos de um catolicismo popular trazidos pelos monges do Contestado
(BENINCÁ, 1994).
Podemos perceber a marcante presença da cruz (símbolo cristão) no
ritual indígena do kiki, no casamento percebemos todo o aconselhamento
feito pelo pajé e pelos índios mais velhos e depois o casamento rezado
pelo padre ou ministro da igreja cristã. ―A partir do seu comportamento
religioso, podem-se entrever sinais da sua tradição Kaingang, sinais do
catolicismo romano e do catolicismo popular brasileiro‖ (BENINCÁ 1994, p.
222), ou seja, a complexidade cultural que vai se estabelecendo, por um
lado enriquece sua forma de celebrar, por outro lado empobrece as forças
da tradição cultural ‗original‘.

899
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Mitologia e os mitos da cultura indígena Kaingang


Muito presentes nas culturas de tradição oral, os mitos representam
a transmissão das respostas formuladas dentro da existência do grupo
étnico. ―O mito é o relato de um acontecimento originário, no qual os
deuses agem, e cuja finalidade é dar sentido a uma realidade significativa‖
(CROATTO, 2010, p. 209), através do mito se narram, como as coisas
surgiram, por que eles surgiram e qual o fim último de cada uma delas.
Geralmente os mitos são relatos recheados de símbolos, que servem
como ilustração do que se pretende dizer sobre o principio ou o fim.
Os mitos surgem para dar significação para a vida do povo. ―Tudo
que é significativo para um povo, precisa ser originado pelos deuses. Pois
bem, o mito é o relato dessa origem divina das coisas e das instituições‖
(idem, p. 219), por isso que o mitos possuem as divindades como
personagens principais, muitas vezes transcendentes e distantes da vida
das pessoas (e aí se lermos o início do texto sagrado do cristianismo a
Bíblia, perceberemos a figura de uma divindade que tudo cria e dá a vida a
tudo).
Na religiosidade indígena, poderemos perceber que existe uma
proximidade muito maior destes mitos com a realidade da natureza. ―Os
Kaingang, porém, possuem manifestações capazes de responder as
interrogações que sua cultura lhes possibilitava formular‖ (BENINCÁ, 1994,
p. 217), sendo assim, as explicações, ou narrações estarão também ao
seu campo de domínio, ao campo daquilo que se tem conhecimento.
Abaixo destacamos alguns mitos do povo Kaingang, recolhidos
através de pesquisa bibliográfica.
O Surgimento do povo Kaingang
Segundo os mais velhos (Kofa), na terra ainda não existia o ser
humano. Certo dia, bem de manhazinha quando o sol estava
nascendo, a terra se abriu formando um buraco e nasceu um grupo,
olharam e viram o arredondado do sol e deram ao grupo ao nome de
Kamé. À tarde, quando o sol estava se pondo, a terra tornou-se a se
abrir formando outro buraco e nasceu outro grupo, que olharam e
viram os raios do sol e deram o nome de grupo de Kanhru. Esses dois
grupos se uniram e estão vivendo até hoje e por isso que o povo
Kaingang tem a cor da terra (NOTZOLD & MANFROI, 2006 p. 26).
O surgimento do kiki
Antigamente houve uma guerra entre os índios, onde dois índios se
perderam na mata, uma Kamé e um Kanhru. Eles andaram muito,
então um pediu para descansar e eles sentaram. Logo após eles
ouviram um aviso que um deles iria morrer, um dos jamré convidou o

900
FONAPER

outro para fazer bastante flechas, pois previam o perigo. Seguiram por
muito tempo até que o mig fer (cobra de asa) veio e grudou no Kanhru
e o devorou deixando só seus ossos. O Kamé ficou sozinho e então
disse que iria matar o bicho em nome do seu amigo. O Kamé
confeccionou um cesto e colocou resto de seu amigo e o levou. Fez
uma casa de folha de palmeira para esperar o mig fer. A casa era bem
fechada, ele fez apenas o lugar por onde iria atirar no bicho, depois de
pronto assoviou e o bicho veio pelas árvores em sua direção e então
ele atirou no olho do mig fer e o matou, aí ele pensou que seria um
casal e assoviou novamente e veio a fêmea e atirou e matou. Ele
tornou a assoviar e não veio mais nada, após perceber que não havia
mais nada, Kamé abriu um buraco e enterrou jamré Kanhru e fez um
fogo ao lado e começou a cantar. He ni ke,e – ele estava ali/ he ni ke,e
– ele estava ali/ há taj já – ele o matou. Então o Kamé seguiu sua
viagem sozinho na mata, e veio um aviso dizendo a ele que estava
perto de sua aldeia, para ele subir em uma árvore bem alta que ele
veria a aldeia. Após subir na árvore na árvore ele desceu, seguiu e
encontrou uma marca em uma árvore que os índios usavam para se
localizar na mata, foi aí que então escutou o canto do galo e chegou a
sua aldeia. Após a chegada anunciou o fato para seu povo e convidou
eles para rezar em memória de seu jamré. Após as rezas e cantos
originou-se a festa do kiki ou ritual dos mortos (NOTZOLD &
MANFROI, 2006, p. 29).

Segundo Croatto (2010) a recitação dos mitos está rodeada por três
condições: somente algumas pessoas, especialmente os mais velhos
podem narrar os mitos; eles devem ser contados em lugares considerados
sagrados; só podem ser recitados em tempos especiais, como durante a
noite, nas festas etc. Parece-me que de fato entre os Kaingang a narração
mítica é muito respeitada:

Os velhos continuam exercendo papel primordial na manutenção das


antigas práticas culturais. São eles, os velhos e as velhas que
conhecem o acervo de nomes indígenas, as plantas curativas que
chamam de ―remédio do mato‖, a alimentação outrora praticada, a
confecção dos artesanatos, os cânticos e a língua Kaingang. É através
deles que os mais jovens aprendem como era a vida dos Kaingang
quando narram fatos de um passado, por vezes não muito distante
(NOTZOLD, 2004, p. 83-84).

Ser Kaingang significa ainda pertencer ao grupo, desde o


nascimento, não importa se a cultura vai sendo revista, e alterada com o
passar do tempo.

Ser Kaingang é simplesmente ser Kaingang do nascer ao morrer,


substituindo hábitos que traziam a morte antecipada de seus recém-
nascidos banhados no leito dos rios por sistemas mais eficazes de
preservar-lhe a cultura através da vida que se inicia com o parto. A
substituição de um hábito por outro, não faz com que percam a
901
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

qualidade adquirida ao nascer, a de ser Kaingang (NOTZOLD, 2004,


p. 85).

Considerações finais
Pode-se concluir dizendo que a religiosidade indígena, por mais que
tenha passado por inúmeros obstáculos e transformações, ainda
permanece viva dentro da cultura desse povo tão sofrido. Pode-se
observar que o uso da língua nativa ainda é importante, pois com isso
pode-se manter o mistério da vida, envolto por palavras que muitas vezes
tem significado apenas para eles, mas que permanecem na memória de
quem vive e sente a expressão dessa religiosidade.

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903
RELIGIOSIDADES MACUXI
E A PERSPECTIVA PARA O ENSINO RELIGIOSO

Manoel Gomes Rabelo Filho1 - UNICAP

Resumo:
Este artigo visa a compreender as diversas manifestações religiosas do povo indígena
Macuxi e a seu entendimento como fenômeno religioso para o seu estudo no Ensino
Religioso. São demonstradas diversas manifestações culturais que não estão associadas
diretamente à religiosidade, mas que em última análise, podem ser interpretadas como
fenômeno religioso devido ao sentido dado à espiritualidade, a um mundo espiritual e às
manifestações transcendentes. Vê-se neste sentido que do conjunto das manifestações
observadas e pesquisadas possuem uma maturidade religiosa e que elas têm apresentado
abordagens unicamente culturais e folclóricas, mas servem como fonte para entender as
religiosidades e suas identidades religiosas.

Palavras-chave: Religião; Identidade; Macuxi; Fenômeno Religioso; Espiritualidade.

As manifestações religiosas indígenas brasileiras


Os povos indígenas no Brasil foram orientados de que suas
manifestações religiosas eram consideradas indesejadas, tanto pela Igreja
Católica, que através dos missionários que faziam o trabalho de
catequização, quanto pelo Estado, que tinha como religião oficial o
catolicismo romano. Para a colônia era importante o trabalho de
aldeamento promovido pelos missionários, pois nem todos os colonos
tinham a forma considerada correta para o trato com os povos indígenas.
Acredita-se que desde a colonização as manifestações religiosas dos
povos indígenas são consideradas magia, bruxaria, superstição, todas
definições para indicar um erro ou desvio de conduta de suas diversas
manifestações.
Os povos eram considerados selvagens por não ter religião e
rebeldes por não acreditarem no que era dito sobre o mundo ocidental,
mas como possíveis portadores de uma religião monoteísta. Esses povos

1 Mestrado em Ciências da Religião, Funcionário Público e atuando como Professor da


Secretaria de Educação e Desporto do Estado de Roraima na função de Coordenador
do Ensino Religioso do Estado de Roraima. Participa no Grupo de Pesquisa: Religião,
Identidade e Diálogos e atua na Linha de Pesquisa Identidades Religiosas da UNICAP.
E-mail: mgrabelo@bol.com.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

eram considerados bárbaros, gentis e inocentes pela pressuposta


ausência de regras morais. Não foram encontradas quaisquer formas de
crenças, idolatrias do paganismo, como se viu entre Incas e Astecas (Cf.
POMPA, 2003). 2
As regras impostas aos povos indígenas brasileiros, tanto advindas
do poder religioso quanto do poder colonial, sustentam em todas as suas
formas a dissociação de uma possível existência de quaisquer
manifestações religiosas, incluídas aí, as culturais e as linguísticas.
A região amazônica que era muito cobiçada tanto por portugueses e
espanhóis, que disputavam outras áreas fronteiriças da região sul –
disputas regionais das áreas que hoje são Uruguai e Paraguai – quanto
por franceses, ingleses e holandeses para estabelecimento de suas
colônias na região. (HOONAERT, 1992).
Na Amazônia o processo de catequização dos indígenas leva um
golpe com a abolição da administração temporal dos jesuítas na metade
do século XVIII, em alvará do dia 7 de julho de 1775, do Marquês de
Pombal:

Abole …inteira e absolutamente o poder temporal dos missionários de


qualquer religião, por incompatível com as obrigações do sacerdócio,
e altamente contrário à boa ordem e administração da justiça, como já
fora decretada na Lei de 12 de setembro de 1663, nele inserta e
suscitada, e consequentemente dando nova forma ao governo
temporal dos índios, determinou que nas vilas fossem preferidos para
juízes ordinários, vereadores, e oficiais de justiça os índios naturais
delas e dos seus distritos, sendo idôneos, e que as aldeias
independentes das vilas fossem governadas pelos seus respectivos
principais que teriam por subalternos os sargentos-mores, capitães,
alferes e meirinhos de suas nações; recorrendo as partes, quando se
sentissem gravadas, aos governadores e juízes na forma das leis e
ordens já expedidas [...] (HOONAERT, 1992, p. 221).

Para o Estado português não representou muita coisa, pois os


missionários jesuítas poderiam ser substituídos por outros ou por
administração secular. Isto certamente significou o crescimento de novas
formas de opressão da política pombalina. Ao mesmo tempo que houve ―a

2 Cristina Pompa (2001, p. 41) ao analisar a visão que os colonizadores tinham a respeito
dos Tupinambá, destaca que não haver crença entre eles: ―Já Pero Vaz de Caminha,
poucos dias depois do 'achamento', declarava que '...eles, segundo parece não tem
nem entendem nenhuma crença'. Também pouco tempo depois de sua chegada, o
padre Manuel da Nóbrega […] afirmava categoricamente: 'é gente que nenhum
conhecimento tem de Deus, nem ídolos' e, em sua Informação de terras do Brasil,
reforçava a afirmação, dizendo que 'esta gentilidad a ninguna cosa adora'.‖
906
FONAPER

rápida decomposição da ordem social do Regime das Missões […] pela


prática administrativa de Pombal e Mendonça Furtado no Estado do
Maranhão, está expressa na sucessão de conflitos que marcaram o fim do
domínio religioso nessa região.‖ (HOONAERT, 1992, p. 222).
Essas visões apontavam para uma destruição tanto do modo de vida
dos indígenas que precisavam, na visão do colonizador português e do
Estado brasileiro durante muito tempo, ser inseridos na sociedade
nacional.
O discurso passa a ser a integração para que os povos indígenas
não ficassem à margem da sociedade. Até o final do século XX essa
atitude era produto do processo de colonização e do tipo de
desenvolvimentismo implementado no Estado brasileiro, a partir das ideias
de progresso, com foco no capitalismo liberalista comercial, influenciados
pela ideia de progresso Norte-americano.
Os elementos religiosos vêm da cultura destes povos, tais como os
ritos de passagem, entendido como a cerimônia da passagem dos
indivíduos de uma situação para outra na sociedade, ou de um mundo
cósmico a outro; os ritos de gestação e nascimento que podem ser
definidos por uma série de ações com finalidades específicas para ser bom
chefe de família, para ter dentes fortes e caçar e pescar; os ritos de
iniciação da passagem do jovem para a vida adulta, para torná-lo guerreiro
ou tornar os filhos sadios e bem conformados, podem-se incluir nestes
ritos a separação, a transição e a incorporação; Os ritos de casamento nos
quais os pais podem escolher o cônjuge; o rito funerário que é um rito de
passagem podendo representar que o morto vive numa vida no além-
túmulo. (MELATTI, 1993, p. 120-121). Julio Cezar Melatti destaca ainda
que o rito não é necessariamente um culto, que sustente alguma forma
reverência a alguma divindade, mas que existe entre os indígenas
brasileiros rituais específicos de culto, como entre os antigos Tupinambá.
(Ibid., p. 129).
Para entender as manifestações indígenas brasileiras que envolvem
elementos culturais e que, sobretudo, constituem também manifestações
religiosas, basta-nos destacar como Michel Meslim aponta como principais
aspectos para que uma atividade social se constitua em religião. As
Religiões referem-se a todas ―as atividades religiosas do homem que vive
em sociedade‖. Elas são sempre vividas pelos fiéis, fazem referência a
uma realidade superior para o controle do cotidiano em que vivem.

907
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Representa o meio pelo qual os humanos se definem no mundo e para os


seus semelhantes e oferece sentido no qual os fiéis buscam informações.
Funciona como um modelo para o mundo e do mundo. Constituem modelo
de ação e explicação ao darem resposta às três ameaças que pesam
sobre os humanos – o sofrimento, a ignorância e a injustiça (MESLIM,
1992, p. 21).
Ao discorrer sobre a religião dos Tupinambá, o antropólogo Alfred
Métraux reconhece elementos de crença e rituais desta tribo chamando-as
de conjunto de ideias religiosas. O referido autor destaca que os mitos
demonstram uma linhagem de heróis-civilizadores e o processo de criação
do mundo por um conjunto de metamorfoses que transformam o mundo
aos serem paulatinamente construídos. Por outro lado, Métraux admite
uma religião comum da família túpica:

Em resumo, pode-se admitir como certo que, na religião primitiva


comum a todos os membros da família túpica, existia a crença em um
ente poderoso criador do universo e pai da humanidade, o qual
revelou o cultivo da mandioca. Esse ―super-homem‖, após lutar contra
aqueles a quem cobrira de benefícios, retirou-se para uma espécie de
paraíso terrestre, estância de mortos e de alguns vivos favorecidos.
Em sua qualidade de mago, o mencionado herói-civilizador teria criado
outras criaturas secundárias, geradas por suas transformações.
(MÉTRAUX, 1979, p. 17).

Em relação aos Tupinambás, Mércio Pereira Gomes informa que:

tinham crenças e rituais como em outras religiões, buscavam


explicações especiais para os fenômenos incontroláveis da natureza,
temiam elementos sobrenaturais e usavam de mecanismos mágicos
para interceder pela ajuda às suas dúvidas e sofrimentos (GOMES,
1991, p. 55).

Sobre essas discussões a respeito das relações entre religião e


outras representações, Marc Augé informa que no entendimento de Paul
Mercier falava-se de religião, de magia; agora estudam como crenças e
técnicas de manipulação do mundo e do homem ―que só adquirem sentido
em relação a um conjunto mais vasto: toda a concepção do mundo e da
sociedade que cada grupo humano constrói‖. Os antropólogos aos poucos
perceberam que os ―primitivos‖ possuíam um sistema integrado, com
lógica própria, ―que explica e justifica aos seus olhos todas as instituições e
todos os comportamentos deles – pelo menos os comportamentos 'ideais'‖

908
FONAPER

(AUGÉ, 1974, p. 13). Para Marc Augé (1974) esta coerência, pelo menos
em sentido virtual das representações, não é reconhecida.
Tradicionalmente a distinção entre magia e religião é que a magia é o
meio pelo qual os humanos agem sobre o mundo, e a religião é a ação
sobre o mundo pela mediação da oração da vontade do divino, mas Augé
contesta esta distinção afirmando que:

os sistemas religiosos, esforço de compreensão do mundo, tendem a


proporcionar-lhe os meios para agir sobre ele; quanto aos rituais
―mágicos‖ e as crenças na feitiçaria, exprimem tanto como a religião, a
organização do mundo, uma vez que os limites da suposta eficácia
das acções mágicas ou de feitiçaria correspondem muitas vezes a
campos sociais definidos com exactidão (AUGÉ, 1974, p. 13).

Augé não nega que exista coerência no conjunto das representações


e afirma que Griaule,

quis demonstrar que uma análise minuciosa das mitologias, das


cosmologias, das filosofias africanas revela a existência de sistemas
notavelmente coerentes e eminentemente compreensíveis. Os factos
religiosos apresentados, na maioria dos casos, em fragmentos, vão
buscar a sua unidade e a sua significação aos sistemas de
pensamento que os penetram (AUGÉ, 1974, p. 15).

A coerência dos sistemas religiosos defendido por Marc Augé é em


parte uma interpretação em comparação a outros sistemas. Na
compreensão dessa relação é que se pode observá-lo como um sistema,
não de forma completa, mas de forma menos virtual. Os elementos que
constituem as ―diferentes práticas, da sua representação e justificação,
ultrapassa os limites de todos os discursos explícitos da sociedade sobre si
própria […]‖ (AUGÉ, 1974, p. 16).
Entende-se que a vida completa dos povos indígenas estão
permeadas das manifestações religiosas. Os elementos culturais e sociais
estão unidos ao que se configuram como religiosos, como fenômenos
religiosos, são realidades que envolvem os humanos e o mundo com a
função de demonstrar o seu lugar, a sua posição e o conjunto de suas
coisas sagradas. Estes elementos, apresentados aqui como uma
amplitude e de forma resumida, possibilitam responder a possibilidade de
que grande parte das manifestações rituais presentes em suas culturas,
também podem ser denominadas de religião, visto que os povos indígenas
intuem seres espirituais e possuem a noção de uma vivência religiosa,

909
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

para responder aos desafios encontrados pela cultura e tradições


indígenas. Estas condições apresentadas revelam uma importante fonte
para estudo das religiões indígenas no Ensino Religioso.

O contexto cultural e religioso dos Macuxi


Os índios Macuxi, originários da região do Rio Branco, atual Estado
de Roraima, são de origem linguística Caribe, tiveram as terras ocupadas
por ingleses, holandeses e espanhóis vindos do norte. Lembrando que os
Macuxi são apenas uma das muitas etnias que vivem na região –
Taurepang, Ingaricó, Wapixana, Sapará – hoje denominada de Terra
Indígena Raposa Serra do Sol. Do lado brasileiro os Macuxi estão no
Estado de Roraima concentrando-se mais no Nordeste. Seu idioma é o
Macuxi do qual grande parte deles são falantes. Eles tiveram seu contato
com o mundo do homem branco ao Norte através dos ingleses e
espanhóis no século XVIII, e talvez um pouco antes disso com os
holandeses e, ao sul, com os portugueses a partir do séc. XVII, de forma
esporádica e em 1830 com o estabelecimento da fazenda Boa Vista no Rio
Branco.
O contexto da convivência com os Macuxi, notadamente com a
permanência dos portugueses no século XVIII, foi traçada por dificuldades
da colônia do Maranhão e Grão-Pará e justificou a escravização desse e
de outros povos da região amazônica. Havia, no entanto, dificuldades para
a manutenção escravocrata, pois o Estado português, com sua campanha
civilizatória, tinha os planos de um projeto político que apoiava a
evangelização e a redução em aldeamentos (FARAGE, 1991). Com estes
planos, as religiões indígenas da região eram relegadas a meras
manifestações que deveriam ser alteradas com o tempo por um processo
de imposição da Cristandade Ocidental.
Do final do século XIX à metade do século XX, os colonos da região
do Rio Branco, mudam de ideia em relação à implantação de uma
economia agrícola e aumentam o número de fazendas, no que chamavam
de terra de ninguém. Além do uso da mão-de-obra barata havia a
ocupação progressiva da terra indígena. O gado passa a substituir as
moradias dos índios que, de boa índole cediam as terras sem perceberem
as dificuldades enfrentadas. ―O branco vai entulhando de gado o terreiro

910
FONAPER

do índio. A roça deste último, onde vicejam o milho e a mandioca, vai


sendo devastada.‖ (AMÓDIO, 1990, p. 8).
As conquistas físicas e culturais das invasões das terras indígenas
de Roraima, fizeram os povos conquistados a abandonar parte suas
tradições. Os brancos por outro lado imaginam ser de cultura superior, fato
que ―progressivamente, as culturas indígenas são descaracterizadas,
investindo nesta transformação todos os níveis da vida social: economia,
estrutura social etc.‖ (Ibid., 1990, p. 24).
O fenômeno religioso configurado como religiosidades Macuxi
constitui-se de um conjunto de manifestações religiosas associadas à
cultura desta tribo. Veem-se em algumas manifestações denominadas
culturais, em sentido folclórico, vários aspectos que pode ser caracterizado
como religiosos, visto que estão sempre associados aos espíritos, seres
mitológicos, Kanaimés e bichos3.
Torna-se difícil perceber onde estão as diferenças entre a
manifestação religiosa e a manifestação cultural entre os Macuxi, visto
aquilo que se manifesta em forma de rito, em geral, referenciam a algo de
sobre-humano. Ambas estão imbricadas, muito intimamente associadas. A
separação destes dois aspectos são impossíveis e categorizá-los
separados dificulta e na maioria das vezes mutila o sistema cultural-
religioso presentes tanto entre os Macuxi como os povos vizinhos. Verifica-
se esta proximidade em muitas manifestações ditas culturais e que com
frequência estão associados a elementos espirituais: ―A crença da panela
de barro na cultura macuxi sempre foi passada de pai para filho sempre
sendo uma forma de educação e que esses conhecimentos ainda [são]
seguido[s], não como era antes.‖ (MARQUES, 2012a). O elemento
configurado como herança cultural, ―de pai para filho‖, representa a
afirmação de que este ―conhecimento‖ dado por eles passaram por
gerações e que são considerados verdadeiros. Foram as antigas gerações
que informaram tal sabedoria, o que representa, neste sentido, que tanto a
cultura quanto o fenômeno religioso dos Macuxi obedecem à uma
ancestralidade e à consanguinidade, no sentido até se reconhecer a sua
identidade como povo. Na continuação ao texto de Elder Marques (2012a)
há um relato de como se faz uma panela de barro e que aspectos são
exigidos para sua elaboração:

3 Na tradição dos Macuxi os bichos são tipos de espírito que pode causar males e
incomodar.
911
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Segundo [o] senhor Aurino de 54 anos, falante da língua


macuxi, do povo macuxi, para se fazer a panela de barro exige
habilidade e conhecimento tradicional porque tem que pedir
permissão do dono da terra. A pessoa tem que ter corpo
aberto, corpo curado. Além de seguir uma norma existente na
cultura. A pessoa que tem filho novo nem inventa de tirar o
barro da terra, nem fazer a panela porque a criança fica tufada
e começa a se torcer, sua frio e chora muito, custa andar, por
isso faz mal para criança, e para curar isso só com a presença
benzedor ou um pajé. Eu sempre falo isso aqui porque eu já vi
acontecer quando morava na Mirandinha.4 (MARQUES, 2012).

O dono da terra é interpretado como o espírito guardião que a


protege, bem como o que está contido nela. A própria terra representa este
espírito e ela é o espírito. A vida da terra é a vida desse espírito. Esta
permissão a ser pedida ao dono da terra exige uma espécie de purificação,
ter o corpo aberto e curado, e em algumas condições não são permitidas,
como ao pai de filho novo, afim de não passar doenças para a criança.
Observa-se que uma simples elaboração de uma panela de barro é
constituída de diversas normas que devem ser seguidas para que tudo
corra bem. De um lado a permissão dada pelo espírito da natureza (terra)
e de outro as condições daquele que tira o barro que não pode estar com o
―corpo aberto‖ e nem ter filho novo. Existem diversas interpretações que
constituem os elementos religiosos que implicam em mudanças na vida da
aldeia e da natureza, existem as regras que não podem ser quebradas.
Acontecendo isto as doenças e outros males possíveis podem acontecer,
dependendo da gravidade da quebra das regras. Exige-se a presença do
rezador para curar a pessoa que desobedeceu o interdito.
Em condições bem semelhantes, os Macuxi da Aldeia Canta Galo,
afirmam que quando a mulher está menstruada fica impedida de tomar
banhos nos rios, riachos e igarapés. O dono da água deve ser respeitado,
visto que o sangue é considerado impuro. Deve-se salientar que esta
impureza não é da mulher, mas do sangue. Em condições normais não há
impedimento para se tomar o banho em rios. Se acontecer de esses
interditos serem contrariados, exige-se a presença do benzedor (rezador)
ou do pajé para sua cura.
Quando se vê Macuxi com vestimenta de palha, um cocar na cabeça,
arco e flecha na mão, uma pintura triangular ou outras formas vermelhas

4 Mirandinha é uma Aldeia Macuxi da região brasileira, ao Norte de Roraima.


912
FONAPER

(feitas com urucum), preta ou azul (feitas do jenipapo), algo vai acontecer.
Pode significar motivo de muita alegria nas comemorações pelo
aniversário, fartura, casa nova. Pode ser o ritual do Parichara, uma festa
típica da grande colheita, ou ainda algum outro tipo de manifestação
política. (MAKUXI, 2012b). O Parichara é uma ritual de agradecimento pela
fartura da roça, feito com danças e cantos tradicionais. Nestas
manifestações acredita-se que há puramente uma manifestação cultural
dos Macuxi. No entanto, a forma como é feito o ritual e em relação ao
objetivo a quem é dirigido, certamente existem elementos que podem ser
justificados pelas crenças religiosas aos quais os Macuxi estão envolvidos.
Basta perguntar a quem é dirigido esse agradecimento, entre as repostas
podem surgir Deus, Makunaimî,5 os espíritos. O foco principal da festa do
Parichara pode ser religioso, visto que, ao que tudo indica, os elementos
religiosos estão presentes.
As características identitárias dos Macuxi são representadas por
suas manifestações culturais. Tais manifestações; constituídas pelas
comidas e bebidas, costumes, danças, cantos, língua, mitos, formas de
produzir e caçar os alimentos, a produção artística; resvalam em suas
manifestações religiosas. O fato de se usar a pimenta na damorida, que é
um moqueado de carne ou peixe com pimentas bem ardosas, pode ser
respondida por um outro costume: na passagem de jovem para adulto,
quando o menino Macuxi está muito preguiçoso, os pais passam pimenta
no ânus dele, de manhã cedo. Eles dizem que o menino corre para tomar
banho no riacho e fica mais esperto para a caça e a pesca. Então pode-se
sugerir que para o Macuxi a pimenta é tanto o alimento com poderes de
força para suportar a vida, no sentido de ser o alimento mais forte do dia e
pode ser servido no almoço, quanto uma espécie de remédio para curar e
o menino se tornar um bom caçador, pescador e trabalhar na roça. Esse
dois exemplos de manifestações envolvendo a culinária e um rito,
possivelmente de passagem, coloca poderes na pimenta que não há em
outros alimentos, somente nela. O poder alimentar da pimenta para ficar
forte e não morrer magro, que no entender do Macuxi de Canta Galo é
fruto de feitiço, e o poder despertar o jovem, torná-lo adulto, na perspectiva
de buscar os alimentos para si e sua família. Importante agora é saber

5 O Makunaimî, em Macuxi e Macunaima, em português, é o herói mitológico de diversos


mitos do povo Macuxi, é interpretado como aquele de deu origem ao povo, um ancestral
e considerado Deus em algumas manifestações.
913
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

quem promove este poder, é somente o alimento? São questões em


aberto que necessitam maiores esclarecimento através de pesquisas.
As bebidas como o caxiri, o aluá, o pajuaru e o mocororó e outros
sucos de frutas são bebidos em diversas festas. Em cada época existem
alguns tipos de alimentos que estão mais presentes na natureza. No caso
do caxiri e do pajuaru são bebidas feitas com mandioca vinda da
agricultura. Elas são usadas nas festas de Parichara, as quais se
acompanham com as danças tradicionais para agradecer a boa colheita. O
caxiri é cozido e não possui teor alcoólico, mas o pajuaru é fermentado e
possui teor alcoólico. Tanto a dança quanto o uso das bebidas exige um
ritual e em cada ritual possuem suas significações espirituais.
A expressão Aleluia é uma manifestação de cunho cristão
sincretizados com partes da pajelança. Ela surgiu entre os Macuxi e teve
maior desenvolvimento como uma religião entre os Ingaricó e os
Taurepang. Para grande parte dos Macuxi é considerada uma dança,
como eram cultivadas na Aldeia de Canta Galo, na década de 1990. Esta
manifestação religiosa desenvolveu-se a partir da cosmologia dos Ingaricó
junto a elementos que se configuram como transcendentes para a solução
da mortalidade dos humanos. (Cf. ABREU, 1995). No Aleluia se fazem os
pedidos e agradecimentos aos diversos ―donos‖ da natureza, ainda que
também um profundo respeito ao Banco (é a figura Jesus Cristo para o
Cristianismo).
O idioma Macuxi é considerado fonte de poderes que, quando se
rezar nesta língua, obtêm-se mais saúde, mais proteção e melhores
benefícios para a comunidade. Os Macuxi entendem que as rezas
realizadas em português perdem a força da eficácia, tornam-se, portanto,
meras palavras sem o alcance necessário para a saúde do doente ou da
solução dos problemas da comunidade. Além dele ser o transmissor da
herança cultural da tradição, tem significado mais expressivo e se constitui
de uma força transcendente realizadora que possibilita maiores bonanças.
Os mitos, na cultura Macuxi, possuem a função justificadora do modo
de vida das comunidade indígenas. Eles se constituem de um processo
interpretativo da vida social desse povo, sejam do ponto de vista moral,
social e religioso. Neles estão muitas respostas dos comportamentos
sociais e podem refletir o contexto e a realidade vivida do povo.
A agricultura; especialmente pela produção da mandioca, da
macaxeira e da batata; serve para o consumo interno. Da mandioca faz-se

914
FONAPER

a farinha, o beiju e a tapioca, produtos essenciais na culinária dos Macuxi.


Para relacionar a questão da produção agrícola para fins espirituais e
religiosos, volta-se à fonte primeira de onde vêm esses produtos, a terra,
que em geral é configurada como a mãe espiritual dos Macuxi. Ela é
representada como a produtora da vida, através da agricultura e da
espiritualidade.
A produção artística de diversos tipos de cestos que servem como
recipientes, tipitis, jamaxins, diversos tipos de peneiras para peneirar goma
(fécula da mandioca) e a massa da mandioca para fazer a farinha. Esses
produtos são elaborados com palhas de buriti, uma palmeira que produz
um fruto comestível, que possui folhas para várias utilidades, inclusive para
cobrir as casas, e ainda com Jacitara, um fio de uma palmeira que é
retirado com o miolo da planta. Com possibilidade remota, mas acredita-se
ser possível um encaminhamento da produção artística e sua articulação
com a espiritualidade. As artes produzidas pelos Macuxi são feitas e
ensinadas pelos mais velhos. Sempre que existe algo na tradição tanto
para a produção quanto para o ensino dos mais novos, o que eles chamam
de antigos, fazendo referência às pessoas mais velhas e à tradição dos
antepassados. Durante a produção artística há um poder de concentração
muito grande. Em muitas aldeias Macuxi a tradição da produção destas
artes são pré-requisitos para obter um bom casamento. Percebe-se que ao
produzirem as artes, observando um Macuxi, ficam extasiados,
absolutamente concentrados como se tivessem em transe durante essa
elaboração.
Assim como aconteciam nas danças, no passado, em referência à
diversas formas de pedidos aos espíritos, aconteciam na caça, quando se
pediam e ainda pedem licença ao espírito – às vezes denominado o dono
– da caça para se tornar bom caçador. Há alguns interditos na cultura
Macuxi que protege o meio ambiente. Em épocas bem determinadas não
se pode pescar ou caçar. Observa-se que essas atitudes culturais ajudam
a proteger a fauna. Existem os pedidos dos rezadores (Tarenpokon) ao
suplicarem permissão para comer a carne de jacaré em épocas não
permitidas, somente nos casos em que essa carne seja indispensável para
alimentar a família.
O caso dos mitos é o que possui uma configuração religiosa ainda
maior no que se refere às explicações da vida dos Macuxi. Neles está

915
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

explicada a origem do povo Macuxi, das plantas, das serras, da luta entre
irmãos, dos animais.

Articulação dos elementos da religião indígena Macuxi a outros


contextos
As religiões indígenas representam pequena parcela, cerca de
0,03%, em relação às outras manifestações religiosas no Brasil (Cf.
CENSO 2010, 2013). Ainda que tenhamos a noção de que no ensino
religioso são omitidas estas manifestações, existe a necessidade, por força
de lei, e por força do reconhecimento da diversidade religiosa, do
conhecimento destas formas diferenciadas de religião.
Existem possibilidades de um conhecimento mais profundo destas
manifestações, a partir do reconhecimento vindo do Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) no meio educacional. Em
termos acadêmicos já houve um grande avanço com a criação de cursos
de licenciaturas e bacharelados de ciências da religião e mais
especificamente aqueles que tem habilitação no Ensino Religioso.
No meio acadêmico os cursos de pós-graduação têm cada vez mais
se ampliado, inclusive com ofertas de 3 doutorados no Brasil em ciências
da religião. Observa-se que os estudos das religiões indígenas nos cursos
de ciências da religião são poucos, mas que nos últimos anos tem-se
intensificado, de forma que é importante fazer uma descrição destes
trabalhos, incluindo dissertações de mestrado e teses de doutorado da
área. Serão descritos, mesmo que de forma resumida, como esses
trabalhos tratam da questão das religiosidades indígenas, após isto, será
apresentado alguns comentários sobre a relação destes trabalhos com o
Ensino Religioso e à condição específica das manifestações religiosas
Macuxi. 6
Almir B. da Silva (2011), em dissertação apresentada à UFPB, foca
as crenças e práticas religiosas da aldeia Potiguara de São Francisco na
Paraíba. Ele identifica três denominações religiosas, a indígena tradicional,
a católica e a evangélica. A indígena é repassada de pai para filho desde
os tempos imemoriais sendo caracterizada por benzeduras, rezas, cânticos

6 Apresentou-se apenas alguns trabalhos recentes sobre a temática indígena dos cursos
de Ciências da Religião. Vale lembrar que há um extenso número de trabalhos em
outros cursos, notadamente, em áreas das ciências humanas e sociais. Aqui não
faremos referência a eles, mas que representam trabalhos com valor acadêmico
reconhecido.
916
FONAPER

e a toré. Estas são fundadas na crença e reverência dos espíritos das


matas, cachoeiras, furnas e dos ancestrais. A católica fundada no
cristianismo, mas por vezes recriadas e ressignificadas. E a indígena
evangélica com base no culto cristão a Deus, mas com aberturas para as
práticas religiosas indígenas tradicionais. O autor destaca não existir
fronteiras religiosas muito precisas entre os Potiguara.
João P. de Rezende Junior (2010), em dissertação defendida na
Universidade Presbiteriana Mackenzie, denominada Discursos de
pertencimento: do infanticídio indígena aos caminhos da identidade. Teve
como caminho analisar histórias e discursos identitários em relação ao
infanticídio e como objetivo identificar as interações simbólicas e sociais,
as representações, e a repercussão do contato com missionários
protestantes. Seu trabalho faz referências à tribo Suruwahá em Tapuá-AM,
fornecendo informações sobre a ideia de multiculturalismo.
Karen A. Arriagada Valdivia (2008), disserta, em Sahagúne as festas
agrícolas mexica: em busca de um sentido, sobre rituais antigos das festas
mexica, povo indígena localizado no planalto central mexicano. Tem por
objetivo analisar o método estruturado pelo missionário franciscano
Bernardino de Sahagún para descrever estas festas. A autora aprofunda
as festas do ciclo agrícola do frei Bernardino em algumas vintenas do
calendário. São as festas dedicadas às deidades da chuva, aos montes
eminentes, as deidades do milho e dos mantimentos, a mãe dos deuses e
o deus do fogo.
Francisca Jaqueline de Souza Viração (2012) expõe, em dissertação,
sobre a igreja reformada Potiguara (1625-1692): A primeira igreja
protestante do Brasil, defendida na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Sua intenção é analisar as mentalidades do protestantismo da igreja
reformada do século XVII absorvidas pelos Potiguara ao se aliarem aos
holandeses no Brasil. Discorre sobre como o protestantismo ajudou no
estabelecimento de relações entre holandeses e potiguaras e defende a
ideia de que os indígenas participavam da administração da colônia e
ainda evangelizaram outras tribos.
Jane Rodrigueiro (2007) analisa as relações de contato entre os
Cocama da Amazônia peruana e os missionários jesuítas no século XVII.
Há destaques para os conflitos étnicos, a comunicação entre a nação e os
jesuítas e alianças de etnias. No sentido que a autora retrata não há
passividade dos índios em relação à conquista espiritual espanhola, mas

917
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

uma teia de negociações em que os missionários atendiam diversos


anseios da nação indígena.
Elber Borges da Costa (2011) examina a prática missionária do
pastor Metodista Scilla Franco entre os Kaiowá e Terena no Mato Grosso
do Sul que desenvolveu uma pastoral de convivência. Elber Costa
destacou pontos negativos da colonização europeia e a atuação dos
metodistas em MS. Dá informações acerca da Missão Tapeporã bem como
o nascimento do GTME (Grupo de Trabalho Missionário Indigenista) e seu
trabalho. O autor procura indicar temas para a práxis missionária numa
perspectiva ecumênica.
Em ―Paraíso terrestre‖ ou ―Terra sem mal‖? dissertação de mestrado
de Elaine Terezinha Alves de Miranda Carvalho (2006) defendida na
Universidade Metodista de São Paulo, pretende entender o universo
mental, simbólico e religioso dos povos do Brasil à época do encontro dos
europeus com o Novo Mundo. Foi feita análise de cronistas, que omitiam a
religiosidade desses povos. Para a autora a dimensão do sagrado está
presente nas sociedades indígenas permeada pelos campos sociais e
políticos. Existem as crenças religiosas e as crenças em outras forças do
mundo: as profecias, benzeções, afastar males, cura e feitiços. Tem o
propósito de abordar crenças e religiosidades indígenas no Brasil do
Século XVI. Elege ―profeta-caraíba‖ como personagem principal que
conduz a tribo a terra sem mal.
O trabalho de Ezilene Nogueira Ribeiro (2011) propõe-se apresentar
o cristianismo batista em Belém do Pará nos séculos XIX e XX através da
imigração de Eurico Nelson, um sueco batista que viveu a sua fé no
contexto da forte herança indígena da Amazônia. Foi analisada a sua
atividade religiosa com foco na implantação da Igreja batista no contexto
urbano.
A dissertação sobre a representação social do Kanaimî, do Pia'san e
do Tarenpokon nas Malocas do Canta Galo e Maturuca, de nossa autoria,
pretende demonstrar os diversos significados desses três personagens
dentro de uma perspectiva religiosa. Os temas tratados são a violência do
Kanaimî, as rezas e Pajelanças do Tarenpokon e do Pia'san
respectivamente (RABELO FILHO, 2012).
Os focos desses trabalhos são a questão indígena e suas diversas
manifestações religiosas. O trato com a questão religiosa indígena derivam
de uma comunidade específica ou de um grupo social mais amplo

918
FONAPER

respondendo a diversas questões: a convivência das tradições indígena,


católica e evangélica e as benzeduras, rezas e cânticos; infanticídio
relacionados à identidade; festas agrícolas; deuses da natureza; absorção
do protestantismo pelos índios; contatos com missionários, ecumenismo,
mentalidade dos europeus em relação aos índios; profecias, benzeções,
afastamento de males, cura e feitiços; representações sociais de
personagens indígenas. Essas temáticas apresentadas pelos trabalhos
demonstram uma variedade de temas e em alguns trabalhos estão
presentes a pluralidade religiosa, em outros a originalidade da religião
indígena apresentada e noutros ainda as formas com as quais as
manifestações religiosas praticam seus rituais.

Considerações finais
Para os Macuxi pode-se verificar, no conjunto dos temas discorridos,
semelhanças em especial em relação às formas rituais e à diversidade das
manifestações religiosas. Os trabalhos aqui apresentados interpretam
religiões em diversos povos, o que para o Ensino Religioso é um desafio
tentar articular e ao mesmo tempo formular uma proposta para o
conhecimento destas manifestações. Reconhecer a dificuldade não
impede de tentar uma breve elaboração. O recurso aqui usado pretende
dar clareza na interpretação da multiplicidade, informando um caminho
possível para o diálogo e dando fundamentos para a compreensão das
identidades religiosas. As religiosidades indígenas focam algo presente,
mas subjetivo, escondido e ao mesmo tempo manifestado, na medida em
que os sistemas religiosos são interpretados e demonstrados.

Referências:

AMÓDIO, Emanuele, et. al. Índios e brancos de Roraima. Coleção


histórico-antropológica nº 2. CIDR – Centro de Informação da Diocese de
Roraima. Boa Vista: 1990.

AUGÉ, Marc, Introdução. In: AUGÉ, Marc. et al. A construção do mundo:


religião, representações, ideologia. Lisboa: Edições 70, São Paulo: Martins
Fontes, 1974.

919
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

AUGÉ, Marc. et al. A construção do mundo: religião, representações,


ideologia. Lisboa: Edições 70, São Paulo: Martins Fontes, 1974.

FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas do rio


Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil: Ensaio sobre um


holocausto e sobre uma nova possiblidade de convivência. Petrópolis:
Vozes, 1991.

HOORNAERT, Eduardo. Historia da igreja na amazônia. 1. ed.


Petrópolis: Vozes, 1992.

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. 7a. ed. São Paulo: Edunb;
Brasília: HUCITEC, 1993.

MESLIM, Michael. A experiência humana do divino: Fundamentos de


uma antropologia religiosa. Tradução Olando Reis. Petrópolis: Vozes,
1992.

MÉTRAUX, Alfred. A religião dos Tupinambás e suas relações com as


demais tribos Tupi-Guaranis. 2a. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, Editora Universidade de São Paulo, 1979.

POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, tupi Tapuia no


Brasil Colonial. Bauru, SP, EDUSP, 2003.

Teses e dissertações

ABREU, Stela Azevedo de. Aleluia: o banco de luz. Campinas: SP, 1995.
Dissertação (Mestrado),
Curso de Mestrado do Departamento de Antropologia, Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, 1995.

CARVALHO, Elaine Terezinho Alves de Miranda. “Paraíso Terrestre” ou


“Terra sem Mau”?, São Bernardo do Campo: SP, 2006. Dissertação
(Mestrado), Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião,
Universidade Metodista de São Paulo, 2006.

RABELO FILHO, Manoel Gomes. Representação social do Kanaimî, do


Pia'san, do Tarenpokon nas Malocas Canta Galo e Maturuca. Recife:

920
FONAPER

PE, 2012. Dissertação (Mestrado), Mestrado em Ciências da Religião,


Universidade Católica de Pernambuco, 2012.

COSTA, Eber Borges da. Tapeporã – caminho bom: Análise da prática


missionária de Scilla Franco entre os índios Kaiowá e Terena no Mato
Grosso do Sul – 1972 a 1979. São Bernardo do Campo: SP, 2011.
Dissertação (Mestrado), Faculdade de Humanidades de Direito, Pós-
graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo,
2011.

REZENDE JUNIOR, João Pires de. Discursos de Pertencimento: do


infanticídio indígena aos caminhos da identidade. São Paulo: SP, 2010.
Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-graduação em Ciências da
Religião, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2010.

RIBEIRO, Ezilene Nogueira. Euroco Alfredo Nelson (1862-1939) e a


inserção dos batistas no Belém do Pará, São Bernardo do Campo: SP,
2011. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Humanidades de Direito, Pós-
graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo,
2011.

RODRIGUEIRO, Jane. Tensão e redução na várzea: as relações de


contato entre os Cocama e jesuítas na Amazônia do século XVII, 1644-
1680. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado), Mestrado em Ciências da
Religião, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.

SILVA, Almir Batista da. Religiosidade potiguara: tradição e


ressignificação de rituais na aldeia São Francisco. Baia da Traição – PB.
João Pessoa: PB, 2011. Dissertação (Mestrado), Centro de Educação –
CE, Programa de Pós-graduação em Ciências das Religiões, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa 2011.

VALDIVIA, Karen Alejandra Arriagada. Sahagún e as festas agrícola


mexica: em buca de um sentido. São Paulo: SP, 2008. Dissertação
(Mestrado), Mestrado em Ciências da Religião, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

VIRAÇÃO, Francisca Jaqueline de Souza. Igreja Reformada Potiguara


(1625-1692): A primeira igreja protestante do Brasil. São Paulo: SP, 2012.
Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-graduação em Ciências da
Religião, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo: 2012.

921
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Sites:

MAKUXI, Alex. Índio Educa. Cultura. Quando nos pintamos. Disponível


em: <http://www.indioeduca.org/?p=1782>, Acesso em 11out. 2012.

CENSO 2010: NÚMERO DE CATÓLICOS CAI E AUMENTA O DE


EVANGÉLICOS, ESPÍRITAS E SEM RELIGIÃO. Comunicação Social –
29 de junho de 2012. IBGE, Disponível em:
<http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&i
dnoticia=2170>, Acesso em: 28 jun. 2013.

922
GT 11: CONHECIMENTOS E RELIGIOSIDADES AFRICANAS
E AFRO-BRASILEIRAS E O ENSINO RELIGIOSO

Coordenação:
Dr. Marcos Rodrigues da Silva (PUC-SP)
Me. Obertal Xavier Ribeiro (UNIGRANRIO)

Ementa: Este GT se propõe discutir conhecimentos africanos e afro-brasileiros no


que se refere à sua cultura e religiosidade. A África e suas religiões. As religiões
ancestrais e os cultos domésticos. As manifestações religiosas e espirituais
trazidas pelos escravos presentes nas religiões e na religiosidade brasileira.
Territórios, territorialidades e a religiosidade africana e afro-brasileira e suas
interfaces com a educação e o Ensino Religioso.

Palavras-chave: Conhecimentos africanos e afro-brasileiros; Religiosidades


africanas e Afro-brasileiras; Ensino Religioso.
ESTÁGIO DE DOCÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA
ENVOLVENDO ELEMENTOS ESSENCIAIS E INDIVIDUAIS DA
UMBANDA

Adenize Vieira de Jesus (UNOCHAPECÓ)1

Daiane Waltrick (UNOCHAPECÓ)2

Ediana M. M. Finatto (UNOCHAPECÓ)3

Resumo:
Este relato apresenta os trabalhos realizados durante estágio de docência do Curso de
Ciências da Religião da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó –
Habilitação em Ensino Religioso. O tema escolhido foi Umbanda: história, sincretismo e
orixás. Iniciamos o estágio dividindo as turmas da oitava série matutino e vespertino em
dois grupos. Fixamos frases e saudações relacionadas à umbanda nas portas das salas e
no interior das mesmas. Cada aluno recebeu um crachá com o seu nome e com um espaço
para preencherem com o nome do orixá protetor de cada um. Direcionamos
questionamentos aos alunos acerca da umbanda, sobre as palavras e os conceitos que
ouvem no dia a dia relacionados a ela. Entregamos para cada estudante texto explicativo: A
origem de uma religião genuinamente brasileira. Com esse texto desenvolvemos algumas
atividades. Para reforçar o conhecimento, aplicamos a atividade com palavras e
significados alternados. Aplicamos as oficinas com atividades diversas. Procuramos
contemplar os sete principais orixás. Em uma sala diferenciada os alunos realizaram a
socialização das atividades e assistiram ao ―Hino da Umbanda‖.

Palavras-chave: umbanda; orixás; sincretismo; religião afro-brasileira; conhecimento.

No decorrer do processo evolutivo os seres humanos foram


desenvolvendo diversas características e constituindo sua identidade, quer
dizer, absorveram nesse processo características próprias, as quais
fortalecidas por práticas diárias e relações sociais originaram diferentes
particularidades. Estas ocorreram em diversos âmbitos e contribuíram para

1
Especialização em Ciências Sociais e da Religião pela Universidade do Oeste de Santa
Catarina (SC). Professora da rede estadual de Santa Catarina Acadêmica do sétimo
período do Curso de Ciências da Religião pela Universidade Comunitária da Região de
Chapecó – Unochapecó (SC) adenize07@yahoo.com.br
2
Acadêmica do sétimo período do Curso de Ciências da Religião pela Universidade
Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó (SC) daianewaltrick@yahoo.com.br
3
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó –
Unochapecó (SC). Acadêmica do sétimo período do Curso de Ciências da Religião da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó (SC)
ediana@unochapeco.edu.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

a formação humana e religiosa, como encontramos nas palavras de


ESPÍRITO SANTO (2002, p. 30):

Ao longo da História, a religião esteve presente em quase todas as


organizações sociais e culturais e teve um papel fundamental para
que os seres humanos se situassem no mundo, garantindo sua
sobrevivência e desenvolvendo sua cultura.

Ao desenvolver cultura própria os grupos étnicos vão se fortalecendo


enquanto seres possuidores de individualidades, mas na medida em que
as sociedades se desenvolvem, essas características muitas vezes vão
cedendo lugares para a construção de outros elementos. Assim, ocorre um
reordenamento das relações humanas e um dos fatores desse
reordenamento que nos instiga a pesquisar e construir conhecimentos é o
fator religioso.
Dentre as religiões que se constituíram desde a chegada dos
europeus em mil e quinhentos em terras brasileiras, percebe-se uma
especificidade imbricada em cada uma das religiões. Uma religião que
muito nos encanta e nos convida através da problematização da
diversidade a conhecê-la, é a umbanda, religião esta que pode ser
caracterizada como genuinamente brasileira.
Curiosidades acerca da umbanda são percebidas em diálogos com
alunos em sala de aula, assim como em outros espaços, portanto, isso
despertou-nos o interesse em buscar elementos que nos deem suporte
para possibilitar um conhecimento mais elaborado acerca da mesma.
Sabemos que as respostas para esses inúmeros questionamentos
em relação a essa religião não se encontram prontos. Mas através de
críticas, acumulação de saberes e investigação, buscaremos enriquecer
nossa visão e oportunizar uma nova percepção da realidade no sentido de
que muitos ―mitos‖ relacionados a ela possam ser desconstruídos.
Portanto, para nos aprofundarmos nesse tema tomamos como ponto inicial
a definição do termo Umbanda e a história de sua estruturação enquanto
religião no Brasil. Para isso utilizamo-nos das palavras de BIRMAN (1985,
p. 25-26) a qual aborda a umbanda como sendo um:

agregado de pequenas unidades que não formam um conjunto


unitário. Não há, como na Igreja Católica, um centro bem estabelecido
que hierarquiza e vincula todos os agentes religiosos. Aqui, ao
contrário, o que domina é dispersão. Cada pai de Santo é senhor no

926
FONAPER

seu terreiro, não havendo nenhuma autoridade superior por ele


reconhecido.

Nessa mesma linha de pensamento, buscando compreender a


umbanda, apontamos como definição aquilo que MACHADO (2003, p.43)
durante a construção de seu conhecimento utilizou para defini-la:

A Umbanda é uma religião sincrética por formação seja por suas


raízes afro (representadas pelo candomblé), seja por suas raízes
europeias (Igreja Católica e espiritismo Kardecista), seja por suas
raízes indígenas (a figura do pajé, representado pelo ―Caboclo‖,
utilização de plantas específicas, entre outros), em diferentes ocasiões
e dependendo da região com maior ou menor grau de influência desta
ou daquela parte. Por isso, podemos observar sua diversidade e
capacidade de adaptação e sobrevivência.

Ao falarmos da umbanda no Brasil, principalmente de suas raízes,


início e expansão em todo território nacional e até fora dele, como religião
afro-brasileira, não podemos deixar de lado o contexto do espiritismo na
época, o qual permeava preconceitos entre os próprios membros da
religião Kardecista. Os médiuns que incorporassem caboclos e pretos
velhos não eram aceitos na mesma mesa em que eram incorporados
espíritos que, em vida tinham tido poder aquisitivo maior e reconhecimento
social elevado.
Zélio Fernandino de Morais (1908) foi considerado como ―louco‖ por
várias vezes, por ter comportamentos estranhos. Seus pais perceberam
que o jovem possuía atitudes diferentes das consideradas ―normais‖,
utilizando expressões não usadas cotidianamente, modificando inclusive o
timbre da sua voz. Isso ocorreu repetidas vezes, o que ocasionou uma
preocupação maior dos pais, pois além dessas mudanças passou a ter
―ataques‖. Diante dessa preocupação foram em busca de auxílio para
contornar este problema e o que lhes pareceu mais oportuno para o
momento foi procurar ajuda médica/psiquiátrica. Porém após alguns dias
internado em observação, por um médico de confiança da família e que
gerenciava o hospital diagnosticou que o quadro do jovem não era de
loucura.
Entretanto, nada lhe trazia a cura tão desejada, as circunstâncias
pioraram, passou um determinado tempo paralisado sem conseguir andar.
Sua mãe, ainda preocupada foi em busca de respostas para aquilo que via
e não entendia procurou uma benzedeira que incorporava um preto velho

927
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

chamado tio Antônio. Essa entidade se aproximou intervindo de Zélio e


disse que possuía mediunidade e devia praticar a caridade. A partir deste
momento as aflições da família Morais começaram a ser aliviadas.
O pai de Zélio por ter lido algumas obras do espiritismo levou o filho
até a Federação Espírita em Niterói, a qual era conduzida pelo Médium
José de Souza. Zélio recebeu o passe e nesse instante foi tomado por uma
força incontrolável. Nesse instante foi tomado por manifestações de
caboclos e pretos velhos, os quais eram chamados pelo alto escalão
kardecista carioca, de baixo espiritismo ou atraso espiritual. O médium que
coordenava a sessão pediu severamente que as demais entidades se
retirassem do local, dialogando apenas com a entidade que se manifestava
no rapaz dizendo:
Sr. José: Quem é você que ocupa o corpo deste jovem?
Espírito: Eu sou apenas um caboclo brasileiro.
Sr. José: Você se identifica como um caboclo, mas vejo em você
restos de vestes clericais.
Espírito: O que você vê em mim são restos de uma existência anterior.
Fui padre meu nome era Gabriel Malagrida e, acusado de bruxaria fui
sacrificado na fogueira da inquisição por haver previsto o terremoto
que destruiu Lisboa em 1775. Mas, em minha última existência física,
Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo brasileiro.
Sr. José: E qual é o seu nome?
Espirito: Se é preciso que eu tenha um nome, digam que eu sou o
caboclo das sete encruzilhadas, pois para mim não existirão caminhos
fechados. Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as
famílias e que há de perdurar até os fins dos tempos (LINARES, 2010,
p. 22).

Na tentativa de conhecer a entidade e até mesmo se precaver deste


espírito que estava se manifestando em um corpo tão jovem sem o mínimo
de experiência divina ou terrena, indaga o médium com intuito de afastá-lo
ou fazê-lo desistir da ideia de fundar mais uma religião, pois segundo ele já
teria religiões suficientes, sem necessidade de mais uma. Assim
respondeu o caboclo das Sete Encruzilhadas:

Deus em sua infinita bondade,estabeleceu na morte o grande


nivelador universal. Rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se
tornam iguais na morte, mas vocês homens preconceituosos, não
contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar
estas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte [...].
(LINARES, 2010, p. 23).

928
FONAPER

Neste país riquíssimo em diversidade cultural, com ideários políticos


e religiosos, toda religião merece respeito, compreensão e acima de tudo
conhecimento por parte daqueles que não as praticam.
Através das leituras realizadas compreendemos que a umbanda teve
início no Brasil no início do século XX, no estado do Rio de Janeiro,
especificamente no município de São Gonçalo no dia 15 de novembro de
1908, quando o jovem orientado pelo caboclo das Sete Encruzilhadas
fundou a primeira tenda (centro) de Umbanda chamada Nossa Senhora da
Piedade. Hoje localizada em outro endereço no município de Cachoeira de
Macacú, RJ, localidade de Boca do Mato em meio à natureza.
A Umbanda da mesma forma que outras religiões, possui rituais,
simbologias e hierarquias, aspectos entrelaçados por diferentes práticas,
mas que apontam para um mesmo objetivo. Ela procura desconstruir
estereótipos que contrariam as acusações a que é submetida, a qual é
considerada como seita mágica ou diabólica. Ao não se enquadrar nesses
padrões estipulados por olhares de intolerância e construídos pelas igrejas
detentoras do poder durante a escravidão, ela rebate todos os
subconceitos a que é submetida, no momento em que faz suas práticas
utilizando-se da bondade.
A compreensão acerca dessa e de outras religiões e a sua influência
no desenvolvimento humano e social tem períodos e épocas distintas. Na
atualidade urge um comportamento novo para podermos conviver com
essa diversidade religiosa e cultural. Nesse sentido, BOFF (1999, p. 27)
frisa que devemos incorporar ―Uma nova ética a partir de uma nova ótica‖.
Precisamos, portanto, desenvolver em cada um a essência humana, a qual
nos direcionará para princípios, valores e atitudes que apontarão caminhos
para solucionar conflitos interpessoais e existenciais. Desenvolver a
essência humana sem levar em consideração outros elementos dificultaria
o processo, emerge aqui uma consciência desse desenvolvimento como
aponta BOFF (1999, p.28) ―[...] nascer do cerne essencial do ser humano
[...].‖ caso contrário ela ―[...] não terá seiva suficiente para dar
sustentabilidade a uma nova florada humana com frutos sadios para a
posterioridade.‖ Produzir frutos sadios exige-nos muita cautela, no entanto
devemos ter cautela no tratamento dado a cada religião, pois cada uma a
seu modo possui seu habitat e seu nível de desenvolvimento e não
podemos exigir que em tudo haja práticas comuns, pois cada uma
constitui-se agregando, segundo BOFF (1999, p. 55) ―[...] elementos

929
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

básicos para iluminar a essência humana e fundamentar o ethos para um


novo tempo.‖
Como bem nos lembra Andrade (2009, p.108),

[...] o brasileiro é marcadamente religioso e isso se reflete em sua vida


cotidiana, na capacidade de expressão de múltiplas formas de fé
religiosa, de modo que suas condutas e crenças religiosas constituem
parte fundamental do ethos da cultura brasileira.

Sabendo que a cultura brasileira foi se construindo, queremos


através das diferentes linguagens esclarecer que ―é possível [...] haver
semelhanças culturais, mas jamais culturas idênticas‖ (Kadlubitski, 2010,
p.35). Desta maneira, abordar sobre a umbanda é possibilitar uma
desconstrução de tabus e preconceitos que permeiam a sociedade.
O estágio foi pensado e elaborado no sentido de instigar e provocar
discussões em espaços até então carentes de debates sobre a diversidade
religiosa. Discutir sobre a umbanda no espaço escolar poderá contribuir
para a elaboração de novos conhecimentos relacionados à pluralidade
religiosa, a qual cotidianamente apresenta-se na vida dos alunos.

Problematização
A escolha dessa temática partiu da necessidade que sentimos
enquanto acadêmicas e professoras de sala de aula em esclarecer
constantes dúvidas e indagações dos alunos diante do mistério
relacionado aos rituais umbandistícos que causam arrepios, estranhezas e
medos. Estes são contruídos e repassados de geração em geração numa
sociedade permeada por preconceitos e fundamentada basicamente no
senso comum.
Portanto, abordar esse assunto em sala de aula contribuirá para
adquirir novos conhecimentos que poderão colaborar também na
construção de uma sociedade mais igualitária, onde as diferenças não
sejam vistas como motivo de negação do outro, mas que contribuam para
estabelecer relações de paz e respeito.
Vivendo em espaços de grandes desigualdades, percebe-se que
nem sempre é fácil lidar com a diferença, pois ela está em toda parte.
Diante disso selecionamos alguns elementos da Umbanda para discutir e
aprofundar pontos específicos dessa religião que instiga os alunos a

930
FONAPER

diferentes questionamentos. Esta, então, tornou-se nosso objeto de estudo


e aplicação do estágio.
Em razão dessa particularidade compreendemos que, enquanto
professoras, temos o dever de discutir e orientar os educandos através da
busca do conhecimento científico que embasa o fenômeno religioso
umbandista, a fim de evitar a naturalização dos fatos, passando a aceitá-
los como verdadeiros.
Na certeza de que seria impossível realizar um estudo completo e
acabado sobre a Umbanda, elaboramos atividades a serem desenvolvidas
no estágio. Para tanto, selecionamos alguns elementos que constituem
esta religião com o objetivo de ampliar os conhecimentos dos alunos em
relação ao tema proposto.

Objetivos
Objetivo Geral
 Proporcionar (compreender) uma abordagem significativa
acerca da cultura e religiosidade umbandista
Objetivos específicos
 Conhecer alguns aspectos da história da umbanda;
 Compreender os orixás como elemento constitutivo da
Umbanda;
 Apresentar as principais lendas dos orixás;
 Identificar o orixá protetor de cada aluno;
 Aguçar a curiosidade acerca de alguns adereços místicos
da umbanda;
 Confeccionar guias e amuletos referentes aos orixás;

Ações e Operações
Primeiro dia: Separação dos alunos e dos estagiários
O desenvolvimento do estágio ocorreu com alunos da oitava série da
EEB Valesca C. R. Parizotto, na cidade de Chapecó. Os alunos foram
organizados em duas turmas tendo como responsáveis para a condução

931
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

das atividades propostas, cinco estagiários em cada turma. As turmas


foram previamente separadas, mediante análise de diário de classe.
Foram fixados na porta e no interior de cada sala cartazes com
frases e saudações relacionadas à umbanda.
A palavra axé foi afixada em ambas as portas, contendo o seu
significado: energia, energia vital. Já no cartaz exposto no interior da sala a
palavra central era saravá, que tem como significado salve, bem vindo, boa
sorte, a paz esteja contigo... Ao redor da palavra saravá estava a
saudação a cada orixá a qual será trabalhada nas oficinas. A disposição
das carteiras na sala foi em forma de meia lua.

Atividades do primeiro dia


Com as turmas divididas iniciamos as apresentações dos estagiários.
Em seguida a dinâmica de apresentação dos alunos, na qual eles
tiveram que dizer uma palavra (adjetivo = qualidade, característica) que os
identificassem utilizando a primeira letra do seu nome. Ao se apresentar o
aluno recebeu um crachá com o seu nome, o qual foi usado durante o
período do estágio. Abaixo do nome havia um espaço para preencher com
o nome do orixá protetor de cada aluno.

Sondagem do conhecimento dos alunos:


perguntas, curiosidades e brindes
Após a apresentação questionamos os alunos acerca da umbanda, o
que ouvem e entendem sobre ela. Nesse momento anotamos no quadro
as respostas e em seguida os alunos foram instigados a construir o
conceito da turma. O mesmo foi escrito em uma cartolina e fixado na
parede.
A atividade seguinte teve como objetivo identificar o conhecimento
dos alunos sobre temas abordados pelo estágio. Os acadêmicos
encaminharam a atividade utilizando uma caixa preta que continha:
brindes, curiosidades, e palavras específicas da umbanda e que devem ser
conceituadas pelos alunos. (Anexo I).

932
FONAPER

Vídeo sobre sincretismo – 2 minutos e 38 segundos


Os acadêmicos passaram um vídeo para introduzir o assunto que
falava sobre o sincretismo religioso e a valorização das diferenças
religiosas. Através deste, foi feita a discussão sobre as dúvidas e
compreensão que os alunos tiveram do mesmo.

Texto: A origem de uma religião genuinamente brasileira


Entregamos um texto explicativo com o seguinte título: ―A origem de
uma religião genuinamente brasileira‖ (Anexo II). Durante a leitura
indicamos algumas palavras que deveriam ser destacadas no texto. As
mesmas palavras estavam impressas.
As folhas com as palavras impressas foram deixadas em cima da
mesa do professor. Cada aluno apanhou uma folha e colou no quadro,
relacionando palavra e significado, montando dessa maneira um glossário
(Anexo III).
Uma cópia dessa mesma atividade foi entregue aos alunos com
palavras e significados alternados, as quais foram recortadas e montadas
por eles no caderno de Ensino Religioso.

Produção avaliativa do primeiro dia


A turma foi dividida em grupos de três alunos, entregando para eles
cartolinas, revistas, tesouras, colas, lápis, giz de cera. Pedimos para que
representassem através de acróstico, poesia, uma notícia de jornal etc., o
que aprenderam no dia.
Para finalizar ouvimos a música ―Saravá, Saravá‖, de Martinho da
Vila.

Segundo dia:
OFICINA: 1- aconteceu em 2 salas
OFICINA – 2 e 3 - aconteceu em 3 salas (duas salas com 3
estagiários cada e uma sala com 4 estagiários. Em cada sala havia um
fundo musical relacionado ao tema umbanda.

933
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Oficina 1: Estudo e identificação dos orixás protetores


A primeira oficina consistiu na identificação do orixá protetor de cada
aluno através de sua data de nascimento. A turma assistiu a um vídeo
explicativo sobre o surgimento dos orixás principais da umbanda (11min).
As mesmas características abordadas no vídeo foram disponibilizadas em
cópia impressa aos alunos. (Anexo IV). Após o vídeo, houve o momento de
socialização (Anexo V). Em seguida foi feito o cálculo para identificar o
orixá de cada aluno. Foi projetado o quadro contendo a numerologia dos
orixás para os alunos identificarem o seu orixá correspondente (Anexo VI).
Ao identificar o orixá, cada aluno escreveu o nome do mesmo em seu
crachá e procurou em material impresso disponibilizado, as características
de seu orixá, as quais foram registradas no caderno de Ensino Religioso.

Oficina 2: Confecção de guias e chaveiros


Tendo identificado o orixá e copiado suas respectivas características,
os alunos foram encaminhados para outras salas. Neste local cada aluno
confeccionou com miçangas uma pulseira (guia) relacionada ao seu orixá.
Assim aconteceu também com o amuleto (chaveiro) aromatizado. Para tal,
cada aluno recebeu um pedaço de TNT com a cor do seu orixá amarrando-
o com um cordão, formando assim um chaveiro, foi entregue a cada aluno
uma argola para tal confecção.

Oficina 3: Representação de Oferendas


Cada grupo de orixá montou um prato de oferenda relacionada ao
seu protetor com gravuras de frutas disponibilizadas pelos acadêmicos, as
quais foram pintadas e em seguida organizadas no prato da oferenda.

Socialização
Em uma sala diferenciada e preparada com motivos relativos à
umbanda, os alunos foram levados para realizar a socialização das
atividades e compartilhar os novos conhecimentos. Foi assistido o ―Hino da
Umbanda‖. Para finalizar as atividades os alunos retornaram na divisão
inicial, em duas salas onde refletiram e reconstruíram, nos mesmos passos
da atividade inicial, a definição de umbanda da turma. Tal atividade
consistiu em perceber se os alunos conseguiram reformular as ideias que
possuíam sobre a umbanda baseadas apenas no senso comum.

934
FONAPER

Para finalizar, cada aluno fez um relatório individual sobre o estágio.


OBS: Tivemos como atividades extras: cruzadinha, caça-palavras e jogo
da memória.

Tempo
As oficinas foram desenvolvidas em 20 horas/aula, com duração de 1
hora e 15 minutos cada oficina.

Recursos
Sala ambiente (sala de vídeo)
Aparelho de DVD e projetor de mídia;
Cds
Aparelho de som
Folha A4
Caneta
Cola
Lápis de cor
Lápis
Tesoura
Revista
Computador
Xérox
Grampeador
Cartolinas;
Miçangas
Fita 3m:
Fio de silicone (para as pulseiras):
Essências líquidas
Pratos laminados
Algodão (de bolinhas):
Tnt
Argolas de alumínio para chaveiros;
Fio dourado;
Canetinha:
Folhas de papel cartão;
Máquina Fotográfica Digital;

935
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Avaliação
A concepção de avaliação que utilizamos teve como critérios
considerar o processo global que abrange desde o início da discussão da
temática até os momentos finais de socialização dos conhecimentos
adquiridos. Portanto, não nos limitaremos a uma avaliação individual e
numérica que pode não expressar o real entendimento do aluno sobre o
tema abordado.
Considerando o que trabalhamos na disciplina de Ensino Religioso
temos como pressuposto inicial a alteridade, o respeito pela diversidade e
pela capacidade cognitiva diferenciada de cada aluno, como se encontra
explicitado nos PCNER (2010, p.46) ―O Ensino Religioso, valorizando o
pluralismo e a diversidade cultural presente na sociedade brasileira, facilita
a compreensão das formas que exprimem o Transcendente [...]‖.
A avaliação foi coletiva, feita através da atividade realizada no final
do primeiro dia (produção de cartaz com imagens e palavras) e de outra
atividade proposta ao final do segundo dia, sendo ela um quadro
comparativo do conhecimento prévio sobre o tema da umbanda e o
adquirido ao final do estágio.
A avaliação foi contínua considerando o interesse, a participação e o
envolvimento na execução das atividades propostas, ou seja, englobou
todos os momentos proporcionados pelos estagiários para a discussão do
tema umbanda.

Referências

ANDRADE Maristela Oliveira de. A Religiosidade Brasileira: o pluralismo


religioso, a diversidade de crenças e o processo sincrético. CAOS –
Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Paraíba, n. 14, p.106-118,
set./2009.
-
BIRMAN, Patrícia. O que é umbanda. São Paulo: Abril Cultural:
Brasiliense, 1985.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra.


9. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. 199 p.

ESPÍRITO SANTO, Eliton. Mergulhar na totalidade. In: MARTINI, Antonio


(org.) O Humano, lugar do Sagrado. 7ª ed. São Paulo: Olho d‘água,
2002.

936
FONAPER

GENUINA UMBANDA [on line]. Disponível em <


www.genuinaumbanda.com.br >. Acesso em 20 mai 2013.
KADLUDITSK, Lídia. Diversidade cultural na formação do Pedagogo.
2010. 150 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Curitiba – PR, 2010.

LINARES, Ronaldo Antonio. Iniciação à Umbanda. São Paulo: Madras,


2010.

MACHADO, Sandra Maria Chaves. Umbanda Reencantamento na Pós-


modernidade? Goiânia, 2003, p. 135.

PCNER – Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. São


Paulo: Mundo Mirim, 2010.

SOCIEDADE ESPIRITUALISTA GUERREIROS DA LUZ [on line]. Terreiro


Tio Antonio. Disponível em <
www.terreirotioantonio.com.br/index.php?option=com...id... > Acesso em
20 mai 2013.

Anexos
Anexo I

PALAVRAS PARA SONDAGEM


CANDOMBLÉ
MACUMBA
SARAVÁ
ZÉLIO FERNANDINO DE MORAIS
SINCRETISMO
EXUS
PRETO VELHO
CABOCLOS
XANGÔ
ORIXÁS
TERREIRO
OXALÁ
UMBANDA

937
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

CURIOSIDADES
1) Por que as entidades de umbanda usam o fumo?
As folhas da planta chamada ‖fumo‖ absorvem e comprimem em
grande quantidade o prana vital (força de sustentação) enquanto estão em
crescimento, cujo poder magnético é liberado através das golfadas de
fumaça dadas pelo cachimbo ou charutos usados pelas entidades. Essa
fumaça libera princípios ativos altamente benfeitores, desagregando as
partículas densas do ambiente.

2) Por que as entidades usam ervas verdes?


Por que cada erva (principalmente a arruda, o alecrim, a sálvia, o
guiné, manjericão e a espada de Ogum) possuem agregados em sua
vitalidade elementos astro magnéticos que desmagnetizam e desintegram
elementos etéricos densos e negativos presentes na aura dos consulentes.

3) Por que dos pés descalços na umbanda?


Nos atendimentos os médiuns tornam-se os ―pára-raios‖ de muitas
energias densas deixadas pelos socorridos. Somos fonte condutora de
correntes elétricas e pelos pés descarregamos nosso excesso negativo.
Solas emborrachadas bloqueiam esse fluxo.

4) Por que do uso de bebidas alcoólicas nos trabalhos de Umbanda?


Não há necessidade de ingestão de bebidas, mas seu uso externo se
faz porque o álcool volatiza-se rapidamente, servindo como condensador
energético para desintegrar miasmas pesados que ficam impregnados nas
auras dos consulentes além de agir como elemento volátil de assepsia do
ambiente.

5) Porque a Umbanda não faz milagres?


Porque religião nenhuma o faz. Porque o milagre está dentro de
você, meu irmão, e se faz à medida que muda as tuas atitudes, reformula
teus pensamentos e põe em prática tua fé no Criador. Se alguém te
prometer o milagre, fuja! Ali está um caloteiro tentando te enganar.

938
FONAPER

6) Porque o uso das vestes brancas na Umbanda?


Pois essa cor é irradiante, não absorvendo, pois as energias
negativas tanto de ambientes quanto de pessoas, bem como é uma cor
que simboliza limpeza, higiene, pureza, paz, humildade, simplicidade, além
de propiciar aos médiuns uma sensação de ―leveza‖. Tudo deve ser
simples, com conforto e praticidade. Lembre-se que os Guias Espirituais
são humildes, portanto, desprovidos de vaidade.

7) O que é o passe?
O passe é uma transfusão de energias, alterando o campo celular.

8) O que é um congá?
É o lugar onde são colocados os assentamentos ou imãs dos Orixás
e falanges. É ele o centro da imantação de um templo, pois é dali que
emanam todas as vibrações através de seus imãs.

9) Quem coordena a cerimonia da umbanda?


São os médiuns mais experientes e com maior conhecimento,
normalmente fundadores do terreiro. São os que coordenam as
sessões/giras e que irão incorporar o guia-chefe, que comandará a
espiritualidade e a materialidade durante os trabalhos.

Anexo II

A Origem de uma Religião Genuinamente Brasileira.


O objetivo das religiões é religar o homem a Deus, cada uma de uma
forma diferente, pois diferentes são as culturas, não existem religiões
melhores que as outras.
Umbanda não é uma seita religiosa, Umbanda é religião, portanto
tem seus fundamentos próprios. Inquestionavelmente, como todas as
outras correntes religiosas, a umbanda tem sim seu lado místico e mágico
e por isso desperta tanta curiosidade entre os leigos.
A Umbanda foi fundada aqui no Brasil dia 15 de Novembro de 1908,
pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do seu médium Zélio
Fernandino de Moares. Ela nasceu da mistura de diversas crenças, veio da
cultura afro, somada aos costumes indígenas tupiniquins, além é claro do

939
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sincretismo católico. Absorveu ainda influências orientais, Kardecistas e


místicas, uma verdadeira imbricação de culturas.
Pai Zélio Fernandino de Moraes foi quem registrou em cartório a
primeira tenda Umbandista em 1908, sua casa, a Tenda de Umbanda
Nossa Senhora da Piedade, não tocava atabaques, mas estes
instrumentos do Candomblé foram incorporados a religião e hoje é difícil
encontrar terreiro de Umbanda que não os possua em seus rituais. Isso
veio da influência de nossos queridos Pretos Velhos, entidades que se
manifestam na Umbanda e que foram em vida, escravos de tempos
antigos em nosso País. Estes negros escravos, trazidos da África eram
adeptos do Candomblé, de diversas nações diferentes, e a Umbanda,
ainda sem um código específico e singular, administra seus templos
individualmente através das orientações de seus guias patronos, ou seja,
quem determina certos fundamentos em uma casa de umbanda é o guia
espiritual chefe desta casa, daí a forte influência dos rituais de nação
trazidos por nossos queridos Pretos Velhos.
Outra prova desta forte influência e que também explica a entrada da
cultura europeia através da religião Católica, é o sincretismo dos Orixás
(que vieram da África) com os santos católicos. Nossos antepassados
negros, enquanto escravos, não podiam adorar Orixás e, portanto,
adoravam santos católicos para não contrariar seus senhores, mas na
verdade, quando um negro rezava para São Jerônimo, por exemplo,
estava em seu íntimo louvando a Xangô.

Anexo III
GLOSSÁRIO
UMBANDA - Umbanda é uma religião brasileira formada através de
elementos de outras religiões como o catolicismo ou espiritismo juntando
ainda elementos da cultura africana e indígena. A palavra é derivada de
―u´mbana‖, um termo que significa ―curandeiro‖ na língua banta falada na
Angola, o quimbundo.

OXALÁ - é o mais importante e alto de todos os deuses de Yorubá,


representa o começo, o princípio do todo, o equilíbrio positivo do universo.
É o orixá da compreensão. É o pai da paz, da união, da fraternidade entre
as pessoas. Ele determina o fim da vida, com a certeza do dever cumprido,
940
FONAPER

que a morte deve ser enfrentada com naturalidade como as demais


situações da vida, porque ela é parte da natureza.

CABOCLOS - São entidades, espíritos de índios brasileiros e Sul


Americanos, que trabalham na caridade como verdadeiros conselheiros,
nos ensinando a amar ao próximo e a natureza, são entidades que tem
como missão principal o ensinamento da espiritualidade e o encorajamento
da fé, pois é através da fé que tudo se consegue.

PRETOS VELHOS - São espíritos de velhos africanos que foram


trazidos para o Brasil como escravos e que trabalham na Umbanda como
símbolos da fé e da humildade. Seus trabalhos são de ajudar aqueles que
estão em dificuldade material ou emocional. Sua paciência em escutar os
problemas e aflições dos consulentes, fazem deles as entidades mais
procuradas na Umbanda, são chamados de Vovôs e Vovós da Umbanda.

EXUS - Não é orixá, não detem regência de reino ou força da


natureza, no entanto não rege coroa de médium. É mensageiro de orixá.
São entidades em evolução, seu trabalho é dirigido para resolver os
problemas da vida sentimental e material. Costumam trabalhar com velas,
charutos, cigarros, bebidas fortes, punhais em seus pontos riscados,
pembas brancas, pretas e vermelhas. Devido ao seu temperamento forte e
alegre costumam atrair bastante os consulentes, principalmente pôr que
quando falam que vão ajudar certamente o farão.

TERREIRO - Casa religiosa de cura espiritual que pratica o bem e o


amor ao próximo, com referência "OLORUM" DEUS e sua manifestação
dos orixás através de guia de luz, o terreiro de umbanda é denominado
"casa que recebe luz" ou "casa dos orixás".
ORIXÁS Ori = Coroa; Xá = Luz. A palavra Orixá quer dizer “Coroa
Iluminada”; “Espírito de Luz”. O princípio mais evoluído existente em
nosso sistema, manifestado através das forças da natureza.

XANGÔ - Orixá da justiça e do conhecimento, equilíbrio das forças


de um modo geral, ligadas a questões de Justiça. Sincretizado no Rio de
Janeiro com São Jerônimo tem o seu dia comemorado em 30 de setembro.

941
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Este Orixá é vaidoso, violento e atrevido. Gosta de festas e


comemorações. É o Orixá do raio e do trovão, o seu elemento é a pedra.

SINCRETISMO Fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas,


com reinterpretação de seus elementos, fusão de elementos culturais
diversos, de culturas distintas ou de diferentes sistemas sociais.

ZÉLIO FERNANDINO DE MORAES – foi um médium brasileiro. É


considerado o anunciador da Umbanda.

SARAVÁ - assim como axé, sela conversas e têm conotação


positiva. Saravá também pode significar "salve" ou "viva", por influência
africana no idioma português do Brasil.

MACUMBA - antigo instrumento musical de percussão, espécie de


reco-reco, de origem africana, que dá um som de rapa. Utiliza-se também
como designação genérica dada a vários cultos sincréticos praticados
comumente no Novo Mundo e em geral fortemente influenciados por
religiões a exemplo de Candomblé, cultos ameríndios bem como outras
crenças.

CANDOMBLÉ - é uma religião derivada do animismo africano onde


se cultuam os orixás, Voduns, Nkisis dependendo da nação. Sendo de
origem totêmica e familiar, é uma das religiões afro-brasileiras praticadas
principalmente no Brasil, pelo chamado povo do Santo, mas também em
outros países como Uruguai, Argentina, Venezuela, Colômbia, Panamá,
México, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha.

942
Anexo IV
NOME DEFINIÇÃO REINO COR ELEMENT DIA DA PLANET CARACTERÍSTIC OBSERVAÇÕ
O SEMAN A AS DOS SEUS ES
A FILHOS

OXALÁ SENHOR
DOS ORIXÁS

OXOSS Orixá da mata. verde terra. quinta- Júpiter meio fechados, * Sincretizado
I saúde, (todos os feira. gostam de viver no Rio de
prosperidade, tons e no seu próprio Janeiro com
força, energia branco). meio. Gostam de São
(ligada a Os tons de contemplar a Sebastião, tem
saúde), verde natureza. o seu dia
farmacopéia variam de Geralmente são comemorado
(farmácia), acordo pessoas em 20 de
nutrição É o com a desconfiadas, janeiro.
―caçador‖ do origem do mas que quando * Outras
Axé. Caboclo. confiam são formas de
Representad amigos fieis. grafia
o pelos Trabalhadores
encontradas:
Caboclos e incansáveis. Oxossi e
Caboclas. Oxosse.

OGUM Orixá da Orixá vermelha e fogo. terça- Marte são persistentes, * Sincretizado
energia sem branco. feira tem no Rio de
(ligada a reino temperamento Janeiro com
atitude), específic forte. São Jorge,
perseverança o, que Determinados e tem o seu dia
, vencedor de atua na batalhadores. comemorado
demanda, defesa em 23 de abril.
persistência, de todos
tenacidade, os reinos.
renascimento
(no sentido
de
capacidade
de se
reerguer).
A Energia de
Ogum está
em todos os
lugares.

XANGÔ Orixá da pedreira. marrom, ar e terra. quarta- Mercúrio Rigidez de


justiça e do cinza e feira pensamento, tem
Força da
conhecimento ainda o grande senso de
natureza
(estudo de roxo. justiça, são
que rege:
maneira pessoas
trovão.
geral), metódicas,
equilíbrio das equilibradas e tem
forças de um facilidade no
modo geral, estudo.
ligadas a
questões de
Justiça.
Sincretizado
no Rio de
Janeiro com
São
Jerônimo,
tem o seu dia
comemorado
em 30 de
setembro.

OMOLU Orixá de calunga preta e terra. Sábado Saturno Pessoas Orixá da


transformaçã pequena branca em fechadas, que transição para
o energética, (cemitéri proporções passam por a vida astral.
de toda o). iguais. grandes Senhor dos
energia transformações segredos da
produzida de na vida, vida e da
forma natural normalmente morte. Mestre
ou artificial, ligadas a perdas. das Almas.
quer dizer, a São protegidos Se Exu é o
energia contra qualquer grande
natural é toda tipo de magia. A manipulador
aquela mediunidade é das forças de
emanada da aguçada desde magia, o Sr.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

natureza ou muito jovem. Omulu é o


do nosso Mestre.
próprio Quando
pensamento desencarnamo
e a artificial é s tem sempre
a fabricada um enviado de
(oferendas). Omulu do
Ele nosso lado,
transforma por isso é que
tudo e ele sempre diz
descarrega que temos que
para terra. resgatar a
nossa dívida;
temos que agir
efetivamente
para
resgatarmos o
nosso Karma.

IANSÃ Orixá dos Não tem amarelo ar, água e quarta- Mercúrio Mudança de
ventos, raios reino ouro e fogo feira pensamento (jogo
e específic branco (horas de cintura),
tempestades. o, atua pares facilidade de falar,
Responsável nos até às de se comunicar,
pelas fenômen 16:00h) de interagir.
transformaçõ os da Pessoas
es, natureza. geralmente
(mutações e bastante flexíveis
mudanças) (abertas) as
ligadas às novidades e
coisas mudanças.
materiais,
fluidez de
raciocínio e
verbal. Orixá
intimamente
ligada aos
avanços
tecnológicos.
Grande
guerreira.

IEMANJ Orixá dos Mar. azul claro, Água Sexta- Vênus dinheiro com
Á mares, das céu ou feira facilidade (quando
águas branco não tem,
salgadas. transparent aparece), não
Responsável e. aparentar a idade
pelos bens que tem, "espírito"
materiais, maternal, gosta
grande do poder.
provedora e
mãe.
Senhora da
Calunga
Maior(mar),
portanto
grande
absorvedora
de energias
negativas.
Traduz a sua
vibração em
paz e
harmonia.
Protetora da
família, dos
laços
familiares.

OXUM Orixá do Cachoeir Azul royal Água Segund Lua Docilidade,


amor, da a a-feira sensibilidade
harmonia e (choram com
da concórdia. facilidade),
Equilíbrio místicos.
emocional.
Senhora das
águas doces,
rios e
cachoeiras.

944
FONAPER

Anexo V
ORIGEM DOS ORIXÁS
Não se sabe com certeza se os orixás já tiveram uma forma humana
definida, pois os contos e lendas africanos que nos chegaram contam
histórias variadas de um tempo que conta mais de 10.000 anos de
histórias dos orixás.
Não se sabe se alguns reis africanos e suas esposas, e até
guerreiros e guerreiras, pela sua honra, atuação em batalhas, sabedoria,
condução de suas terras e de seu povo, acabaram sendo retratados como
orixás, ou deles tomaram seus nomes. O que se sabe é que Oxalá foi um
rei de Elejibo; Xangô, rei de Oió; Exú e Oxóssi, reis de Ketu. Uma outra
hipótese é que existiram em forma física e foram elevados a Orixás pelos
seus feitos, tornados divindades vivas que ultrapassaram o tempo e o
espaço.
Em várias formas de umbanda temos a crença que nascemos com
uma parte do Orixá dentro de nós. Um Orixá principal e 3 Orixás
acessórios.
A ―incorporação‖ de um Orixá na Umbanda se dá através de uma
forma de energia emanada diretamente do Orixá e captada pela parte dele
que nos habita. Essa forma de energia manifesta em nossos corpos
durante as giras se chama ―Falangeiro de Orixá‖, aquele que trabalha e
atua em nosso mundo físico na representação do Axé do Orixá.
As oferendas e obrigações aos Orixás são de grande importância
dentro de várias vertentes da Umbanda, pois serão revertidas em energias
positivas essenciais para seus médiuns e para a própria casa.
É de conhecimento que os médiuns devem, anualmente, ofertar aos
seus Orixás suas comidas e demais elementos pertinentes a eles
(podendo inclusive utilizar o ritual cruento, desde que este seja parte da
cultura ritualística da casa) com o intuito de fortalecer essa relação entre o
médium e os Orixás.
Da mesma maneira, de tempos em tempos, estipulados pelos guias
chefes da casa, os médiuns devem se submeter a rituais específicos para
fortalecimento de seu Orí, dar potencialização a suas capacidades
mediúnicas, fortalecer gradativamente a ligação médium-orí-orixá, a
aglutinar as energias vibratórias entre o médium-orí-orixá-guias, para o
preparo do sacerdócio.

945
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Anexo VI
NUMEROLOGIA DOS ORIXÁS
Você deve ter em mãos, com absoluta certeza a sua data de nascimento e
fazer a soma individual de cada número. Ex: 13.05.1940 - Soma-se, então,
1+3+0+5+1+9+ 4+0 = 23. Procure então, na tabela abaixo, quem é seu
respectivo orixá.

Soma dos números HOMENS MULHERES

De 1 a 20 (com exceção do
Oxalá Yemanjá
14 e 17)
14 ou 17 Ogum Yansã
De 21 a 29 (com exceção do
Ogum Yemanjá
26 e 28)
26 Oxossi (Odé) Yansã *
Oxossi - Yansã - Yansã - Yemanjá -
28
Yemanjá Oxossi **
De 30 a 33 Xangô Oxum
34 ou mais Oxalá Yansã

* Mulheres com numerologia 26 devem evitar ter mais que dois filhos.
** Para a mulher com numerologia 28, o Orixá Maior só se define após ter filhos:
Sendo estéril ou até 2 filhos é Yansã; tendo 3 ou mais filhos é Yemanjá.

946
BEBÊS ABAYOMIS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA
PARA O ENSINO RELIGIOSO NAS SÉRIES INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dina Carla da Costa Bandeira (UEPA)1

Elane Queiroz Carneiro Ribeiro (UEPA)2

Resumo
O presente trabalho socializa o resultado de uma ação pedagógica que buscou contribuir
para o fortalecimento de práticas de formação continuada de professores que atuam nas
séries iniciais de uma escola pública de ensino da rede estadual de Belém-PA, por meio da
realização de uma oficina pedagógica em que se deu a construção de bebês Abayomis.
Objetivou-se um novo olhar acerca do fenômeno religioso e sobre a prática dos professores
para com o trato na disciplina Ensino Religioso: suas manifestações religiosas, seus ritos,
suas paisagens e símbolos, suas relações culturais, sociais na escola. A necessidade de se
realizar essa proposta surge no sentido de estabelecer um diálogo com os docentes para a
melhoria de suas práxis, difundir e incutir valores preparando seus alunos para o
estabelecimento de posições éticas e de respeito às expressões e manifestações religiosas.

Palavras-chave: formação de professores; relações étnico-raciais; diversidade religiosa.

Introdução
Este estudo é oriundo de uma atividade pedagógica realizada com
professores atuantes nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º
ano) de uma escola pública de Ensino Estadual de Belém-PA. Decidiu-se
desenvolver esta ação na instituição em que trabalha uma das autoras
deste artigo por perceber a falta ações voltadas com os temas de Ensino
Religioso e com a História e Cultura Afro-Brasileira.
A intenção foi sensibilizar os educadores participantes de forma a
mostrar que as atividades nas aulas da disciplina Ensino Religioso deverão
contemplar um olhar para a diversidade religiosa e ao mesmo tempo
poderão ser ministradas de forma lúdica, visto que a mesma disciplina

1
Assessora Pedagógica da Universidade do Estado do Pará- UEPA do curso de
Licenciatura em Ciências da Religião Professora da rede pública de Ensino Municipal do
Município de Magalhães Barata- Pará. E-mail: carlacosta18@yahoo.com.br.
2
Pedagoga, Especialista em Educação Ambiental e Gestão Escolar, Professora da
Secretaria de Estado de Educação do Pará, Graduanda do Curso de Ciências da
Religião da Universidade do Estado do Pará- UEPA E-mail: elane.queiroz@ig.com.br
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Ensino Religioso, constitui ―parte integrante da formação básica do


cidadão‖ (BRASIL, 1996).
Ademais, em Santana (2006, p.43), o ―próprio sentido da religião é o
de promover a paz‖ e desta forma entendemos que as atividades
pedagógicas a serem conduzidas nas escolas deverão se voltar para uma
perspectiva em favorecer a ―possibilidade do diálogo, do respeito e
valorização das diferentes culturas que compõem a formação da
sociedade brasileira‖ (SANTANA, 2006).
Por certo, o direito a educação entendida como um processo de
desenvolvimento humano, como expresso nas Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos (EDH) enfatiza em seus princípios que a
escola poderá trabalhar no sentido do enfrentamento dos preconceitos e
das discriminações, garantindo assim que diferenças não sejam
transformadas em desigualdades.
Coerentemente com esses princípios os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Religioso evidenciam, ampliando a visão sobre o
Ensino Religioso e, sobretudo com o objetivo de ―proporcionar o
conhecimento dos elementos básicos que compõe o fenômeno religioso, a
partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando‖
(PCNER, 2009, p.47).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino religioso assim
também objetiva:

subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial,


em profundidade, para dar sua resposta devidamente
informada;analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e
manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais;
facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de
fé das tradições religiosas; refletir o sentido da atitude moral, como
consequência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da
resposta pessoal e comunitária do ser humano; possibilitar
esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de
estruturas religiosas que têm na liberdade o seu valor inalienável
(PCNER, 2009, p.47).

Por certo, escolas que reconhecem a construção de saberes dentro


destes objetivos poderão ter mais êxito com seu alunado e promover uma
educação nos moldes do direito pleno.
Outro documento que também colabora para a superação de práticas
discriminatórias, diz respeito à Lei 10.639/2003 que trata do ensino
obrigatório de história e Cultura Afro-brasileira no currículo oficial da
948
FONAPER

educação básica. Sobre essa lei temos observado que apesar de sua
regulamentação a implementação da mesma tem se dado de forma muito
lenta e quase que imperceptível junto aos docentes.
Registra-se ainda que, ao incorporar no material pedagógico o trato
para com as questões raciais no ambiente escolar de forma
transversalmente ao processo de aprendizagens, estaremos promovendo
uma educação antirracista. Sob esta perspectiva é que inserimos essa
ação objetivando contribuir para o desenvolvimento e implementação de
novas posturas docentes e discentes frente à temática por meio da
construção de bebês abayomis priorizando a temática étnica-racial.

A contribuição do Ensino Religioso como prática docente na


erradicação da Intolerância Religiosa e o Racismo
Conforme Prandi ―é nas religiões afro-brasileiras que estão
registradas a presença decisiva e a diversidade da contribuição negra na
sociedade brasileira‖. Complementando a contribuição dessas religiões, o
blog Diversidade Religiosa por sua vez, destaca que ―O Brasil é um país
que possui uma rica diversidade religiosa. Em função da miscigenação
cultural, fruto dos vários processos imigratórios, encontramos em nosso
país diversas religiões...‖. (DIVERSIDADE RELIGIOSA, 2011)
Diante dessas assertivas como o professor irá trabalhar o Ensino
Religioso pensando em seus fundamentos, didática, metodologia,
conteúdo dentro da diversidade religiosa contribuindo para a erradicação
da intolerância religiosa e o racismo?
Para responder essa questão reporta-se ao presente para
compreendermos como está acontecendo o Ensino Religioso nas escolas.
Robson Stigar (2009) analisa sobre o que vem sendo feito no Ensino
Religioso no Brasil:

pode-se observar o Ensino Religioso fazendo história por caminhos


diferenciados: o caminho da confessionalidade, o caminho da
interconfessionalidade, o caminho da história das religiões, o caminho
da axiologia e também o caminho da própria religiosidade em si
mesma como uma forma de fomentar o ecumenismo (STIGAR, 2009).

O Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso – FONAPER em


artigo intitulado ―Entre os muros da escola‖ revela que também ainda
existe a falta do trabalho com a diversidade religiosa nas escolas, ―ao
949
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

mesmo tempo em que prega a neutralidade, o Estado não anulou certas


representações devotas‖ (FERREIRA, 2012).
Para Silva (2011), diversas são as maneiras de lidar com a
diversidade no ambiente escolar, dentre os quais o carnaval, as festas
juninas e o ciclo natalino verificando para isso privilégios da presença de
símbolos religiosos em detrimento de outros, os católicos em detrimento
dos afro-brasileiros, por exemplo.
Diante do exposto percebe-se que alguns estudos apontam ainda a
falta da prática de um trabalho voltado à diversidade religiosa. Isso mostra
a negação da contribuição das religiões afro-brasileiras ignorando o que
prega a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9.394/96:

Art. 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

III – pluralidade de ideias e de concepções;

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância

Art. 26 § 4º - O currículo da educação estabelece dentre outros


aspectos, que ―o ensino levará em conta as contribuições das
diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígenas, africana e europeia.

Art. 26 A – Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino


médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena (BRASIL, 2008; 2003, art. 3º e 26).

[...] estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e


dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira; o
negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as
suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes
à história do Brasil.

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante


da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo (BRASIL, 1996, art. 33).

Percebe-se que essa problemática em certas escolas é fruto do


contexto histórico a que foi introduzido o Ensino Religioso no Brasil:

O Ensino Religioso como componente curricular introduzido no


período Republicano brasileiro, a partir de 1931, pelo Decreto N.º
19.941, no Governo de Getúlio Vargas. Passou desde então, a ser

950
FONAPER

profundamente questionado no cenário Republicano de um país laico,


especialmente porque a disciplina foi introduzida na perspectiva do
ensino de uma religião. Ministrada durante todo o período Colonial e
do Império brasileiro quando uma única instituição religiosa era
financiada pelo Estado (JUNQUEIRA, 2008, p.53).

Neste período o Ensino Religioso era ministrado de forma


confessional regido de acordo com a religião da família do aluno e quem
ministrava essa disciplina eram professores orientados de acordo com as
igrejas ou entidades religiosas. No ensino interconfessional as várias
entidades religiosas tinham a responsabilidade de elaborar o programa que
compõe o ER.
Esses modelos concebem o ER sempre a partir das Comunidades
Religiosas e não a partir da escola. Dessa forma, a Lei 9475/97 alterou o
texto da LDB e fez constar que o ER é ―parte integrante da formação
básica do cidadão e sendo assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo‖ (LDB
9475/97, art. 33).
Para explicar melhor sobre o que é Ensino Religioso vale a pena
destacar o que diz os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso (PCNER), em 1997, veio aderir ao conhecimento do fenômeno
religioso com a contribuição didática:

O Ensino Religioso visa a proporcionar o conhecimento dos elementos


básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências
religiosas percebidas no contexto dos educandos, buscando
disponibilizar esclarecimentos sobre o direito à diferença, valorizando
a diversidade cultural religiosa presente na sociedade, no constante
propósito de promoção dos direitos humanos (PCNER, 2009, p.08).

Este documento revela que o Ensino Religioso não abre espaço para
o trabalho dentro dos modelos apresentados anteriormente, e sim para
ajudar o educando a compreender como as diversas manifestações
religiosas interferem na realidade humana.
Vale ressaltar que conforme orientam as Diretrizes do Ensino
Religioso, que o professor terá como ponto de partida dos conteúdos de
uma tradição religiosa desconhecida para, em um segundo momento,
estudar uma tradição religiosa conhecida dos alunos.
Para uma compreensão maior destaca-se a atual Constituição
Brasileira para a percepção do modo como aborda o tema religião em seu
art. 5º e art. 216.
951
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Art. 5º
VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL,
1988, art. 5º e 216).

A atual constituição brasileira mostra que se vive em uma sociedade


pluralista, que se expressa no Estado não-confessional e laico, que
garante os direitos fundamentais de liberdade religiosa e de expressão
religiosa. E assegura as formas de expressão, e religião é uma forma de
expressão, a do sagrado.
Assim, o professor deverá ampliar o horizonte de possibilidades de
compreensão do sagrado, viabilizando, ainda, uma melhor compreensão
social e cultural da diversidade religiosa, dado marcante da sociedade
brasileira.
Como diz Alves (1987, p.5), ―religião é tapeçaria que a esperança
constrói com as palavras, e sobre estas redes as pessoas se deitam. É.
Deitam-se sobre palavras amarradas umas nas outras.‖, percebe-se aqui
que religião é o traçamento de muitas linhas, cruzamentos complexos, aqui
entram as lutas, carências, histórias das pessoas. E isso é conhecimento
humano é patrimônio da humanidade e deve fazer parte de todos.
Tanto a Constituição Brasileira quanto a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional definem o Ensino Religioso como área de
conhecimento de modo que não seja doutrinação religiosa ou o ensino de
uma ou mais religiões e sim objetivando a compreensão da busca do
transcendente e do sentido da vida, que dá critérios e segurança ao
exercício responsável de valores universais, base da cidadania.
952
FONAPER

A leitura dos dispositivos atuais legais mostra esta disciplina


enquanto área de conhecimento, de forma a analisar a conjuntura religiosa
existente. Diferente de como a surgiu. Nesta perspectiva procura assumir
uma identidade escolar, pois o sentido da lei está em garantir que a escola
garanta aos alunos o acesso ao conhecimento religioso e não instituir
formas de religião. Cabe à escola se apropriar do conhecimento religioso
com fundamentos epistemológicos, antropológicos, sociológicos e
históricos, uma vez que todo conhecimento humano é um patrimônio da
humanidade e deve ser disponibilizado a todos os cidadãos, e o
conhecimento religioso, assim como os outros tipos de saberes, também é
um patrimônio da humanidade e está presente no cotidiano da sociedade.
A implementação das Diretrizes Curriculares subsidia os professores
de Ensino Religioso na sua prática educativa, com vistas ao respeito à
diversidade cultural e religiosa, sem proselitismo, desenvolvendo o respeito
à alteridade, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
Assim, como área de conhecimento, o Ensino Religioso tem como
objeto de estudo o fenômeno religioso e o entendimento dos fundamentos
desse fenômeno que o educando constata a partir do convívio social.
Percebe-se aqui que em sua essência antecede a qualquer opção
religiosa.
Pensar o Ensino Religioso dentro desse modelo fenomenológico
requer uma grande responsabilidade para o profissional que atua nesta
disciplina, pois cabe a ele ser um articulador desse debate frente à
diversidade das religiões dentro da escola.
Ângela Maria Ribeiro Holanda (2011) enumera várias temáticas a
serem trabalhadas na Religião de Matriz Africana contribuindo para o
debate da importância dos negros em nossa sociedade: Ritos e crenças
das tradições religiosa africanas; Simbologia religiosa africana; Divindades
africanas; O idoso na religião africana; Papel dos orixás no mundo;
Sincretismo religioso; A presença da mulher na cultura africana; Diálogo
inter-religioso; Locais de culto africanos; Ritos e rituais africanos; Danças
africanas; Oralidade africana; Líderes religiosos na matriz africana;
Processo de iniciação na matriz africana; Os cultos afrobrasileiro e
alagoano; Expressões afrodescendentes; Intolerância religiosa.
Desse modo, esse profissional tem um grande desafio a enfrentar,
resgatar as distorções históricas acontecidas em nosso país durante

953
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

muitos anos em que as aulas de Ensino Religioso aconteciam com viés


confessional e contribuir com práticas que ajudarão a mudar a forma de
ministrar as aulas.
Para isso é importante que o professor de Ensino Religioso esteja
preparado de modo a compreender esta disciplina na perspectiva da
reflexão a respeito do pluralismo religioso e da diversidade cultural e
religiosa.

Abayomi: preservando identidades ensinando o respeito à


diversidade religiosa
O conhecimento das diversas religiões e compreensão das culturas
que se manifestam na sociedade brasileira não é tarefa tão fácil para os
educadores que atuam nas séries inicias. Neste sentido, formações
continuadas se fazem relevantes para que os docentes possam refletir
sobre suas práticas e poder trabalhar com seus alunos acerca do
fenômeno religioso em um olhar crítico, preservando acima de tudo a
dignidade e direito de existência de cada manifestação cultural-religiosa.
Diante disso, é que propomos o trabalho oficineiro para com a
construção de bebês abayomis de forma participativa e ativa na construção
do processo de aquisição de seus conhecimentos, valorizando a marca da
diversidade. A respeito destes bonecos bebês, destacamos que seu
significado Abayomi quer dizer encontro precioso , visto que abay tem
significado encontro e omi, precioso. Sua origem iorubá tem relação com a
artesã Lena Martins da cidade de São Luis do Maranhão, mais
particularmente do movimento de mulheres negras.
Dessa maneira, propomos por meio da ação um ensinar brincando
com a construção do bebês abayomis de forma lúdica e prazerosa de
forma a contribuir para novas situações pedagógicas por meio da disciplina
ensino religioso. Nesta ação participaram todos os professores que atuam
na escola nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Inicialmente, o projeto abordou a legislação acerca do tema, em que
apresentamos a lei nº 10.639/2003, as diretrizes para o ensino religioso e
as Diretrizes nacionais para educação em direitos humanos. Tudo num
processo dialógico com os docentes de maneira interdisciplinar entre o
ensino religioso e a temática étnico-racial.

954
FONAPER

Realizamos estudo de um artigo3 como material de apoio objetivando


o aprofundamento teórico do tema, em que avaliamos a aprendizagem dos
participantes, por meio de narrativas sobre as relações étnico-raciais.
Em um segundo momento, apresentamos vídeos que mostram a
história das bonecas de nós abayomi, sua importância enquanto proposta
lúdica para se trabalhar a temática étnica-racial pela via da disciplina
Ensino Religioso, confeccionando desta feita com os docentes
participantes os bebês abayomis.
Por último, realizamos avaliação da oficina enfatizando que a Escola
não é apenas uma ―instituição que reproduz relações sociais e valores
dominantes, mas é também uma instituição de confronto, de resistência e
proposição de inovações‖ (VEIGA, 2003, p. 277).

Considerações Finais
O desenvolvimento da oficina na escola da rede pública de ensino
Fundamental foi de extrema relevância para os docentes participantes
tendo em vista que as discussões e a prática da construção dos bebês
abayomis possibilitaram um repensar ao trabalho na disciplina ensino
religioso tendo como enfoque as relações étnicas raciais. Percebemos
ainda a ausência de conhecimento mais cuidadoso para com o trato da Lei
nº10.639/2003 por parte dos docentes, apesar da mesma ter sido
implementada no ano de 2003.
Outro aspecto que causou surpresa por parte dos ouvintes quando
mencionamos apresentar a proposta de se trabalhar o ensino religioso por
meio dos bebês abayomis foi o conhecimento deste.
Destacamos que durante a execução da ação houve uma relevante
demonstração de interesse, não somente dos participantes de como
trabalhar o lúdico no ensino religioso articulado as relações étnicas raciais
quanto à construção dos bebês abayomis, visto que este momento
consistiu em ―criar voz quando o silencio predomina sobre o que é
importante abordar‖ (NUNES, 2006, p.155).
Outrossim, demonstramos com base em Sena(2007) que a escola
por ser um espaço social de formação e ao mesmo tempo informação

3
PACÍFICO, Tânia Mara. Racismo e aprendizagem escolar. Disponível em:
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/517-2.pdf >. Acesso
em 24 set 2013.
955
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

precisa se dar ao desafio de se trabalhar o ensino religioso sem o uso do


proselitismo e/ou intolerância religiosa.
Desse modo, faz-se necessário mais ações voltadas para a formação
continuada dos profissionais desta escola, na contribuição com
fundamentos teóricos-metodológicos para a docência em Ensino Religioso
como também para o ensino da temática História e Cultura Afro-Brasileira.

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958
ENSINO RELIGIOSO E RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS:
CONFLITOS E DESAFIOS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO AMAPÁ

Elivaldo Serrão Custódio (PPGDAPP/UNIFAP)1

Eugenia da Luz Silva Foster (UNIFAP)2

Resumo:
O presente artigo tem como objetivo discutir alguns aspectos relativos à inclusão das
Religiões de Matriz Africana (RMA) na disciplina Ensino Religioso (ER) na educação pública
do Amapá. Faz-se uma análise da compreensão e dimensão da inserção no ER das RMA,
bem como suas relações dentro do espaço escolar. Trata-se do resultado preliminar de um
estudo exploratório de natureza qualitativa que vem adotando a pesquisa bibliográfica e a
análise documental como forma de investigação no âmbito da Dissertação de Mestrado. A
discussão inicia-se com alguns indícios da influência da cultura negra na formação social do
Brasil e no Amapá. Em seguida, trata-se das considerações sobre racismo, preconceito,
discriminação e intolerância religiosa contra as RMA. E por fim, faz-se uma breve incursão
pelo desafios e conflitos que envolvem a questão da inclusão das RMA no ER na educação
pública no Amapá.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Religiões de Matrizes Africanas. Educação Pública.


Amapá.

Introdução
Há no contexto brasileiro um lugar especial para a religião, pois ela
faz parte da formação de nossa cultura, da constituição dos valores
familiares, dos diferentes jogos da moral, das articulações políticas, dos
meios de comunicação, etc. Não há dimensão da vida no Brasil que não
esteja de alguma forma sendo tangenciada pela religião (MAGALHAES;
PORTELLA, 2008, p. 15-16).
A escolha das RMA como enfoque principal deste trabalho não
significa que este estudo desvalorize as outras religiões. O fato é que
sempre se percebeu preconceitos contra as RMA pelos sistemas de
ensino, assim como grande proselitismo de predominância da hegemonia
1
Matemático, Teólogo, Especialista em Fundamentos da Matemática Elementar, Ensino
Religioso e Docência do Ensino Superior. Professor Efetivo da Rede Pública Estadual
de Ensino do Estado do Amapá. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito
Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá
(PPGDAPP/UNIFAP), Brasil. E-mail: elivaldo.pa@hotmail.com
2
Doutora em Educação com pós-doutorado em Educação pela Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UERJ). Professora do curso de Pedagogia e do Mestrado em Direito
Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá. E-mail:
eugenia.luz@hotmail.com
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

católica no ER escolar, bem como um volume muito insignificante de


estudos e material escrito publicado sobre tal temática. Escrever sobre
religião e em especial sobre as RMA significa, portanto, reiterar nosso
compromisso de tentarmos compreender e interpretar esta grande
experiência religiosa e cultural que é nosso país.
Neste sentido, para combater e superar manifestações de racismo,
preconceito e discriminação, além de propor mudança efetiva
comportamental na busca de uma sociedade democrática e plural, como
resultado de um processo histórico de lutas, foram apresentados desde o
início do século XXI, novos marcos legais, como por exemplo, a Lei nº
10.639/2003, no tocante à diversidade cultural. Vale ressaltar que os novos
marcos legais não surgiram do nada. São o resultado de lutas históricas e
de pressões do Movimento Negro por uma educação mais includente e
não racista.
Percebe-se no dia a dia comportamentos preconceituosos explícitos
e sutis contra as RMA. Assim, entende-se que essa discussão deva ser
revista e ensejar debates e ações que visem fomentar Políticas
Educacionais (PE) que garantam a aplicabilidade das leis, mesmo porque
a disciplina de ER constitui-se hoje, como área de conhecimento cuja
oferta é obrigatória e de matrícula facultativa nos currículos das escolas
públicas do Brasil.
O aprofundar-se no conhecimento da história das RMA suscitou a
compreensão e ênfase de sua inclusão no ensino-aprendizagem como
forma de combater o preconceito, a prática do racismo e a discriminação
no âmbito do ER. Além disso, por ser de caráter obrigatório, com previsão
legal na Constituição Federal (CF) de 1988, faz-se necessário respeitar a
diversidade cultural religiosa brasileira, não se podendo deixar de
contemplar todos os segmentos religiosos historicamente rejeitados no
processo de escolarização da disciplina.
Com o propósito de contribuir com esta temática, este texto tem o
objetivo de discutir alguns aspectos sobre a o ER e as RMA na educação
pública do Estado do Amapá. Trata-se de um estudo exploratório de
natureza qualitativa, no âmbito da pesquisa de mestrado que vem
adotando a pesquisa bibliográfica, a análise documental e a entrevista
como forma de investigação.
A discussão inicia-se com alguns indícios da influência da cultura
negra na formação social do Brasil e no Amapá. Em seguida, trata-se das

960
FONAPER

considerações sobre racismo, preconceito, discriminação e intolerância


religiosa contra as RMA. E por fim, faz-se uma breve incursão pelos
desafios e conflitos que envolvem a questão da inclusão das RMA no ER
na educação pública no Amapá.

Alguns indícios da influência da cultura negra na formação social do


Brasil e no Amapá
Acredita-se que a presença do negro na formação social do Brasil foi
decisiva para dotar a cultura brasileira dum patrimônio mágico-religioso,
pois entende que os cultos trazidos pelos africanos deram origem a uma
variedade de manifestações que aqui encontraram conformação específica
através de uma multiplicidade sincrética que resultou do encontro das
matrizes negras com o catolicismo do branco, bem como do encontro das
religiões indígenas e posteriormente com o espiritismo kardecista
(PRANDI, 1995).
Felinto (2012, p. 11), ao tratar dos povos africanos trazidos da África
explica que ―os diversos povos africanos desembarcaram no Brasil (...)
trouxeram consigo seus costumes, línguas, valores, deuses e crenças‖. É
importante salientar que misturas, identificações e intercâmbio são
frequentes nas religiões afro-brasileiras e constituintes delas. Não só as
africanas, mas todas as religiões são instituições dinâmicas que se
transformam de acordo com as circunstâncias socioculturais advindas de
fora.
No contexto da história da educação brasileira, percebe-se que a
população negra, não tinha o direito a nenhum outro tipo de aprendizagem,
a não ser aquela necessária para o exercício de atividades de suas
funções laborais. Dessa forma, como resultado do processo de escravidão
o negro foi impedido de participar da escola de aprender a ler e escrever
em todo o período colonial e imperial, a não ser o negro doméstico, que
pelo interesse e comodidade de seus senhores, era-lhe proporcionada
uma educação de primeiras letras.
Se em nossa sociedade está presente de modo inegável a herança
cultural deixada pelos africanos, deve ficar claro o reconhecimento da
cultura africana. E isso desse ser visto e feito de forma natural, como algo
que está presente em nosso cotidiano, como uma tradição que já existe e
que, portanto, deve ser resgatada, levando os alunos a percebem que,

961
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

assim com a cultura europeia, a cultura africana também possui seu valor
(PEREIRA, 2012, p. 53).
Numa sociedade como a nossa, na qual predomina uma visão
preconceituosa, historicamente construída, a respeito do negro e, em
contrapartida, a identificação positiva do branco, a identidade estruturada
durante o processo de socialização terá por base a precariedade de
modelos satisfatórios e a abundância de estereótipos negativos sobre os
negros.
No contexto religioso afro-brasileiro, as complexidades das RMA
ainda são de difícil compreensão para a sociedade, pois a análise dos
dados referentes ao censo realizado no ano de 2000 e 2010, em que se
propaga pelas informações contidas na página oficial do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), reconhece-se tão-somente o
Candomblé e a Umbanda como religiões representativas do universo
religioso afro-brasileiro, inclusive ressaltando a preferência religiosa
católica.
Vale ressaltar que a importância dessas religiões de origem africana
no Brasil não pode ser medida simplesmente pelo tamanho de seus
contingentes3, mas pela sua participação na formação da cultura nacional
não religiosa, com presença marcante na literatura, no teatro, cinema,
televisão, nas artes plásticas, na música popular, sem falar do carnaval e
suas escolas de samba, da culinária originária da comida votiva e,
sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo.
Afirmar a existência de apenas dois modelos de RMA no Brasil é
desprezar e até mesmo ignorar as produções acadêmicas sobre o tema,
que reconhecem a pluralidade religiosa, como exemplo: Tambor-de-mina
do Maranhão; Xangô de Recife; Batuque no Rio Grande do Sul; todas de
grande expressão nacional; além de outras como Catimbó, Jurema,
Pajelança (COSTA NETO, 2010). Em relação ao Amapá, Videira (2013, p.
316), explica que a RMA mais cultuada em Macapá e no Estado do Amapá
é a Umbanda.
Compreender a dimensão da inserção das RMA no ER, bem como
suas relações dentro do espaço escolar, seja por questões identitárias de
descendentes de escravizados africanas e africanos constitui o
rompimento com um paradigma em voga desde a colonização ibérica,

3
Segundo dados do Censo do IBGE de 2010, cerca de 588.797 (0,3%) habitantes se
autodeclararam adeptos a religião de Umbanda e Candomblé no Brasil.
962
FONAPER

marcada por valores de uma religião tradicionalmente católica ―na qual se


nasce sem necessidade de adesão ou escolha‖ (CURY, 1988, p. 13).
A história dos negros no Amapá nesse momento merece especial
atenção, pois é necessário conhecer um pouco de sua trajetória histórica
para podermos compreender como se desenrolou o processo
discriminatório ao longo dos anos. Segundo Morais (2009), os negros
africanos chegaram no Amapá em 1749.
Ressalta o autor (op. cit.), que os negros chegaram ao Amapá
oficialmente no ano de 1751 através de Mendonça Furtado, então
governador do Maranhão e Grão-Pará. O governador pretendia colonizar
da melhor maneira possível as terras amapaenses por isso importou
famílias de colonos portugueses que habitavam a Ilha dos Açores e foi
através dessas famílias que muitos escravos foram trazidos para o Amapá.
Em seguida, Macapá recebeu famílias vindas do Rio de Janeiro,
Pernambuco, Bahia e Maranhão que também trouxeram muitos escravos
(MORAIS, 2009, p. 49).
Segundo Nunes Filho (2009, p. 227), com o advento das Vilas de
Macapá, assim como de Mazagão e Vistosa de Madre de Deus, houve
uma migração significativa no século VXIII e os primeiros escravos
africanos chegaram ao Amapá com o surgimento do Tratado de Utrecht.
Com a construção da Fortaleza de São José em Macapá, a presença do
negro era constante.
Em Macapá, com a abolição dos escravos, os governantes se
sentiram incomodados pela cotidiana presença dos negros na capital
amapaense e por isso, decidiram transferi-los, segregá-los e excluí-los
para a periferia de Macapá. Atualmente, esta periferia é o bairro do
Laguinho, onde até hoje moram descendentes dos escravos, os
afrodescendentes, que continuaram mantendo uma tradição baseada na
cultura africana (MORAIS, 2009).
O governo de Janary Nunes no Amapá4 contribuiu de forma
significativa para o enfraquecimento da cultura negra no Estado. Em nossa
visão, bem como na visão de outros autores, houve nesse período, em
especial na Capital do Estado, o primeiro saneamento étnico do centro da
cidade, quando os negros tiveram que deixar suas casas para que fosse

4
Capitão Janary Gentil Nunes nomeado em 29/12/1943 no Rio de Janeiro pelo
Presidente da República Getúlio Vargas. Chegou a Macapá no dia 25/01/1944.
963
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

viabilizada a construção de conjuntos residenciais para assessores do


Governo Territorial e outros funcionários.
Segundo Maciel (2001), era de se esperar uma reação negativa das
pessoas contra o remanejamento. Todavia, aconteceu de forma pacífica,
pois não houve por parte dos moradores e das lideranças, resistências
aparentemente. Isso só foi possível devido a cooptação das lideranças
negras partidárias da política de Janary.
Além dessas situações, percebe-se também que houve um grande
movimento repressivo das manifestações culturais africanas a partir da
chegada dos padres italianos do Pontifício Instituto das Missões
Estrangeiras (PIME). Esses religiosos por razões preconceituosas
encaravam o Marabaixo5 como macumba, folclore, ocasião para bebidas,
orgias e outras manifestações da influência do diabo, jamais como legítima
manifestação religiosa da alma popular.
Portanto, concorda-se com Videira (2013, p. 34) quando expressa
que embora o esfacelamento da cultura negra no Estado do Amapá esteja
atrelado a diversos fatores - apesar das resistências do movimento negro
local - a inclusão da cultura afroamapaense no currículo da educação
básica deve ter atenção especial, não somente no conteúdo programático,
mas, sobretudo, dentro Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas,
com a efetiva participação e diálogo entre professores(as), corpo técnico-
pedagógico, gestão, educandos e seus familiares para a consecução
desse projeto de formação coletiva construído com a ajuda de várias
mãos.

Considerações sobre racismo, preconceito, discriminação e


intolerância religiosa contra as religiões de matrizes africanas.
As RMA sempre foram vistas pela sociedade branca dominante de
forma discriminatória: inicialmente como feitiçaria e manifestação
demoníaca, depois como prática criminosa e finalmente como índice de
patologia psíquica, de doença mental. Desde o início da colonização, os
africanos foram considerados pela Igreja Católica como seres sem alma,

5
É hoje uma manifestação cultural popular afroamapaense, nascendo assim das
diferentes etnias que foram transportadas de suas terras de origem para o Brasil. É uma
mistura de dança, religiosidade e ancestralidade africana que tem orgulho,
determinação e resistência. É ainda, um ritual que compõe várias festas católicas
populares em oito comunidades negras da área metropolitana de Macapá e Santana no
Estado do Amapá.
964
FONAPER

próximos aos animais, que, portanto poderiam ser escravizados e tratados


como coisas, como ―peças‖.
A discriminação das RMA é bastante observada por Mariano (2007),
em seu trabalho intitulado ―Demonização dos cultos afro-brasileiros‖. O
autor ao desenvolver um argumento sobre a longa história de perseguição
aos cultos afro-brasileiros nos remete ao papel desempenhado pela Igreja
Católica em demonizar toda e qualquer prática religiosa advinda do
Continente Africano.
Com isso, entende-se o simples fato de considerar as RMA como
prática demoníaca não se constitui somente em intolerância, mas também
como uma forma de disputa no mercado religioso, pois a caracterização da
outra tradição religiosa como errada, ligada ao mal e demoníaca, como
campanha para atrair e converter adeptos, é uma prática recorrente em
diferentes culturas.
Observa-se que o preconceito está inserido na sociedade brasileira
através do cotidiano dos indivíduos, sendo altamente prejudicial para a
população negra, tanto nas relações sociais (família, escola, bairro,
trabalho e etc.) quanto aos meios de comunicação. O preconceito é um
fator importante para a expansão da discriminação étnica, visto que um
indivíduo preconceituoso não aceita de maneira positivamente, o contato
com negros na vida social.
Cabe lembrar que assim como racismo está presente nas relações
sociais, não é diferente no interior das escolas. Sua expressão no
ambiente escolar é multifacetada, amparando-se na negação dos
costumes, tradições e conhecimentos africanos e afro-brasileiros. O Brasil
vive uma situação singular, pois a discriminação pautada na cor e o
racismo são uma realidade inegável (CAVALLEIRO, 2000, 2001; FOSTER,
2001, 2004; COELHO & COELHO, 2010; MUNANGA, 1999, 2006;
SCHWAREZ, 1993).
Em se tratando do racismo no Amapá, Foster (2004, p. 207-208)
explica que a invisibilidade dos negros no Amapá, não se resume somente
aos aspectos físicos. Ela também se manifesta em termos simbólicos. A
autora acredita que principalmente, no âmbito educacional, essa
invisibilidade ganha corpo e forma nas ausências e critérios do negro nos
currículos escolares e nos discursos distantes da prática. Em relação a
discriminação racial na educação Costa, Luciano (2010, p. 46) entende
que:

965
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Superar o problema da discriminação racial na educação não é


colocar capoeira, cabelo com trancinha ou feijoada no currículo; pode
até passar por isso, mas deve antes passar pelo compromisso dos
educadores de tentar qualificar os seus alunos negros para as
mesmas posições ocupadas pelos alunos oriundos dos outros
segmentos étnicos.

Ninguém nega o fato de que todos nós gostaríamos que o Brasil


fosse uma verdadeira democracia racial, ou seja, que fôssemos uma
sociedade em que os diferentes grupos étnico-raciais vivessem em
situação real de igualdade social, racial e de direitos. No entanto, os dados
estatísticos sobre as desigualdades raciais na educação, no mercado de
trabalho e na saúde e sobre as condições de vida da população negra,
revelam que tal situação não existe de fato (GOMES, 2006, p. 56).
De acordo com as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), a sociedade brasileira é constituída por diferentes etnias, devendo-
se, por isso mesmo, respeitar os diferentes grupos e culturas que a
constituem, combatendo o preconceito e a discriminação. Portanto, o
grande desafio da escola é:

[...] investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza


representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio
sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos
que compõem a sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser local de
diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e
respeitando as diferentes formas de expressão cultural (BRASIL,
2000, p. 32).

Concorda-se com Fiorillo (2003, p. 205) quando afirma que ―[...] o


racismo não se caracteriza somente pela discriminação, mas sim em razão
da violação de direitos que essa discriminação possa gerar‖. O racismo
como bem observou D‘Adesky (2001), nega valor, mérito e dignidade a
alguém por causa de seu pertencimento a um grupo determinado ao qual o
autor chama de ―etnia‖.
Neste sentido, a eliminação do racismo é uma responsabilidade
também da escola e deve estar incluída em seus objetivos. Mas, é um
desafio a ser enfrentado e que esbarra em uma série de dificuldades, em
nível educacional como por exemplo, a bagagem racista que os
professores carregam como fruto de sua própria formação, a omissão em
relação ao problema, entre outros.

966
FONAPER

O surgimento do racismo atual é um resultado das teorias


evolucionistas do século XIX, que influenciaram diversas áreas do
conhecimento, como a Biologia e as Ciências Sociais. Pois, a conceituação
de igualdade entre os homens, ia de encontro com a afirmação da
existência de uma hierarquia racial entre os homens, denominado de
racismo científico.
Os conceitos do racismo científico foram repassados de geração em
geração, e o resultado foi que acabaram por se expandir por toda
sociedade contemporânea, o que de certa forma, justificou e manteve as
práticas racistas, disseminando o preconceito e fortalecendo a
discriminação, manifestada ao povo negro. Muniz Sodré (2000), referindo-
se ao racismo, aponta a existência de um imaginário racista na sociedade
brasileira e afirma ser o imaginário uma categoria importante para se
entender muitas das representações negativas do cidadão negro.
Este argumento revela-nos que o racismo é um problema que
também está atrelado a toda uma longa história e pode estar sendo
realimentado sutilmente, através das memórias e das narrativas que
penetram na escola. O racismo apresenta-se como uma ideologia que
permite o domínio sobre um grupo, por exemplo, judeu, negro ou
muçulmano, pautado apenas em atributos negativos imputados a cada um
deles.
Assim, o racismo atribui a inferioridade a uma raça e está baseado
em relações de poder, legitimadas pela cultura dominante (MUNANGA,
1996). De maneira prática, o racismo se apresenta no Brasil através de
uma leitura comparativa, quantitativa e qualitativa, presentes nas
desigualdades sociais e nas suas consequências no cotidiano das
populações negra e branca (OLIVEIRA, 2003).
Além do racismo, temos o preconceito, resultado do racismo,
manifestado como uma atitude de hostilidade nas relações interpessoais
(CROCHIK, 1995). Contudo, o preconceito racial no Brasil está baseado
em atitudes e comportamentos negativos, ou em outros casos, atitudes
supostamente positivas contra os negros manifestadas por outros
fundamentos e não no conhecimento sobre a causa negra. Assim, o
indivíduo negro não é reconhecido pelo o que é, mas pelo o que é
atribuído (HASENBALG, 1981, p. 01).
Nesse panorama, as RMA sempre foram vistas como cercadas de
mistérios, seus ritos não são conhecidos pela grande maioria da

967
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

população, o que por certo contribui para o processo de intolerância


religiosa, uma vez que seus mitos são preservados e retransmitidos de
geração em geração.
Portanto, concorda-se com Foster (2001, p. 68-69) quando explica
que analisar a questão do racismo e a discriminação racial na escola não é
tarefa das mais simples Em virtude da complexidade do problema e das
várias tentativas realizadas pela escola para escamotear o problema racial,
toda a aproximação ao universo escolar que traga preocupações dessa
natureza constitui uma experiência melindrosa e bastante delicada.

Ensino religioso e religiões de matrizes africanas na educação


pública do Amapá : considerações preliminares
O ER, garantido no art. 210, § 1°, da CF de 1988 e no art. 33, da Lei
de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/1996,
alterado pela Lei nº 9.475/1997, é parte integrante da formação básica do
cidadão, sendo assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil. Logo, sendo a religião uma das expressões da diversidade cultural,
a disciplina ER, ao trabalhar conteúdos consubstanciados sobre as RMA,
apresenta-se como essencial para a compreensão das várias
manifestações de vivências religiosas no contexto escolar, cujo
conhecimento deve promover a tolerância e o convívio respeitoso com o
diferente e o compromisso político com a equidade social no Brasil.
A tolerância para o verdadeiro respeito à diversidade religiosa,
própria de uma sociedade pluralista, parece ser o grande desafio da
atualidade no plano da liberdade religiosa e da própria convivência social e
democrática, pluralista e mais humana.
Videira (2013), em sua pesquisa de doutorado intitulado ―Batuques,
folias e ladainhas: a cultura do quilombo do Cria-ú em Macapá e sua
educação‖, defendida na Universidade Federal de Fortaleza, nos relata
que embora seu objeto de pesquisa não estivesse relacionado diretamente
à disciplina ER, percebeu em alguns momentos que o ER trata-se de um
campo de saber complexo porque os professores em sua maioria fazem
apologia a suas religiões individuais e os conteúdos que ministram são
proselitistas6 e por isso, marginalizam e demonizam as RMA.

6
Por proselitismo entendem-se expressões de dogmatismo que resultam em
discriminação social, cultural ou religiosa. O proselitismo parte da certeza de uma
verdade única no campo religioso e ignora a diversidade.
968
FONAPER

Sendo assim, ao enfatizar as RMA é fundamental inserir no interior


do espaço educacional – nas aulas do ER - o amplo respeito de que o
saber que cada um carrega ao longo da sua vida é de uma riqueza sem
tamanho para o processo de formação do estudante.
A capacidade que o professor de ER deve ter para realizar
interlocuções com as demais áreas do currículo é fundamental para a
definição da identidade do ER. Não se trata mais de voluntariado para as
aulas de religião, mas de um profissional com formação acadêmica ―capaz
de enfocar o fenômeno religioso como construção sociocultural e como
construtora de valores éticos‖ (MENEGHETTI; WASCHOWICZ;
JUNQUEIRA, 2002, p. 52).
Lamentavelmente, a escola brasileira parece instaurar uma ação
pedagógica insuficiente no que se refere ao trato da diversidade religiosa.
Causa preocupação observar que nas escolas públicas brasileiras,
profissionais contratados e/ou efetivos que estão nas salas de aula, à
frente dos processos de gestão e de coordenação pedagógica, praticam
abertamente ou de forma sutil, a negação do direito à liberdade religiosa, o
desrespeito e a discriminação em relação aos estudantes adeptos as RMA
e de outras religiões cuja base não é a judaico-cristã.
Diniz, Lionço e Carrião (2010) ao analisarem livros didáticos católicos
para o ER, verificaram que as obras desrespeitam a CF, burlam a própria
lei do ER, discriminam religiões afrodescendentes e representam um
retrocesso em importantes conquistas de educadores e educadoras
preocupados (as) com a diversidade religiosa do país. Ao analisarem em
âmbito nacional as referências textuais, imagens, símbolos, orações,
trechos sagrados e músicas, demonstraram que as religiões afro-
brasileiras não são apresentadas sequer como religiões, mas como
simples tradições ou denominações religiosas na maior parte dos livros.
Há uma violação expressiva do direito a igual representação para a
promoção da diversidade cultural e justiça religiosa. Nossas autoras (op.
cit.) constataram que a presença do cristianismo é de 65% contra 3% das
religiões afro-brasileiras em tais livros didáticos que tratam do ER escolar.
Portanto, essa questão é uma situação crítica que precisa ser revista e
discutida no âmbito das PE para o ER escolar já que a CF de 1988 declara
a laicidade religiosa no país.
No Amapá, verificou-se, por exemplo, que a Secretaria de Estado de
Educação (SEED) mesmo com promulgação da Resolução do Conselho

969
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Estadual de Educação - CEE/AP nº 14/2006, que dispõe sobre a oferta do


ER no nível fundamental do sistema educacional do Estado, tem ignorado
a participação das entidades civis constituídas pelas diferentes expressões
religiosas no currículo da disciplina ER, tal como prescrito no § 2º do Art.
33 da Lei nº 9.394/1996, alterado pela Lei nº 9.475/1997.
Observa-se que em alguns Estados da Federação, inclusive no
Amapá, entidades formadas por algumas igrejas cristãs que, em trabalhos
articulados com as Secretarias de Estados da Educação, respondem pelo
ER, deixando de lado assim, importantes representações locais como as
entidades de matrizes africanas.
A nosso ver, todas as denominações religiosas, sem exceção, devem
se constituir juntas, em uma entidade civil reconhecida pelos sistemas de
ensino para elaborar propostas de um ensino religioso mais plural,
humanizado e que possa atender todas as particularidades locais. Parece-
nos que a SEED não está considerando em sua totalidade o grande valor
cultural que tais sociedades religiosas representam para a história e
identidade do povo amapaense.
Ao dedicar todo o oitavo capítulo de seu livro ―Educação nos terreiros
e como a escola se relaciona com crianças de candomblé‖, sobre o ER nas
escolas públicas, baseado em observações diretas, Caputo (2012) observa
uma imposição do desvalor dos cultos afro-brasileiros, particularmente do
candomblé, ao mesmo tempo uma pretensão de legitimidade do
cristianismo. Relata a autora que, ao contrário do que se poderia pensar, a
aliança católico-evangélica contra os afro-brasileiros não se limita somente
ao tempo e ao espaço da disciplina ER. Muito mais do que isso, ela
permeia todo o currículo e mal esconde seu racismo.
E essa prática de ―exorcizar demônios e perseguir as práticas
religiosas dos negros, diabolizando-as, eram formas utilizadas pelos
europeus para aplicarem seus modelos de dominação política e ideológica
sobre as categorias sociais subalternas‖ (SODRÉ, 2010, p. 42). Já
expressava o Museu Afro-Brasileiro em seus trabalhos dizendo que:

Demoníacos, criminosos, loucos: assim têm sido considerados os


praticantes de religiões de matriz africana no Brasil, desde o início da
colonização. O Brasil, país majoritariamente negro, mas que se
representa como branco; país profundamente marcado pelas culturas
africanas, mas que valoriza e legitima apenas o legado cultural
europeu, considerado o único relevante e necessário à socialização,

970
FONAPER

portanto o único a constar no currículo escolar (MUSEU AFRO-


BRASILEIRO, 2006, p. 10).

Ainda que muitas mudanças tenham ocorrido nas últimas décadas,


mesmo hoje é possível se deparar com uma série de preconceitos que
põem em risco a seriedade das religiões afro-brasileiras. Leigos se opõem
a falar delas sem conhecê-los minimamente. Recorrem a surrados
estereótipos que, além de reforçar preconceitos, não têm validade
sociológica, antropológica nem tampouco religiosa. Empregam definições
preestabelecidas desprovidas de fundamentação e contextualização
histórica (FELINTO, 2012, p. 19).
Na escola, muitas vezes a matriz africana é ignorada, embora esteja
claramente presente, inclusive, na identidade de nossos alunos, o que
torna imprescindível um diálogo mais constante entre essa cultura e a vida
escolar. Parece-nos que a ideia de se incluir a religiosidade africana como
um componente curricular que resgate a memória da população negra, ou
de se incluir medidas de ação afirmativa nas PE que venham a solucionar
as distorções e as desigualdades secularmente produzidas, não é bem
vista por muitos.
A escola é o lugar privilegiado para apreender as diferenças e
possibilidades de transformação. O papel da escola é desconstruir o
conhecimento produzido pela cultura dominante e ajudar a construir outro
saber (COELHO, W.; COELHO, M, 2010, p. 81-85). Uma maneira de o
aluno conhecer a cultura africana presente em nossa sociedade é ele
próprio se reconhecer dentro dessa cultura, uma vez que a ignorância em
relação ao continente africano e sua cultura tem sido a propulsora do
crescimento do preconceito racial e cultural (PEREIRA, 2012).
Em prol da diversidade religiosa, do respeito e da boa convivência
entre ―iguais e diferentes‖ é necessário desconstruir certas pré-noções
difundidas oralmente e através de poderosos meios de comunicação de
massa que perseguem as religiões afro-brasileiras. Cabe, sobretudo, aos
educadores, mas não apenas a eles, discutir a importância dessas
religiões na formação da cultura e da sociedade brasileira.
Assim, na discussão da inclusão das RMA no processo de
aprendizagem na disciplina ER, é pertinente uma reflexão sobre PE que
promovam o reconhecimento das mesmas como forma de combate à
prática do racismo e, consequentemente, a valorização da cultura africana.

971
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Considerações Finais
De um modo em geral, o que entendemos com todas essas questões
é que o Brasil precisa avançar em muito na discussão sobre a liberdade
religiosa e o tratamento igualitário entre todas as matrizes religiosas
existentes no Brasil. E neste cenário, a intolerância religiosa é
considerada, atualmente, uma das questões mais difícil de ser enfrentada
pelos educadores, pelas escolas e inclusive pelo espaço universitário, cuja
ausência de tolerância viola a dignidade da pessoa humana, resguardada
pela declaração dos Direitos humanos.
Dentro da concepção de Políticas Públicas de Estado e de Governo,
é necessário que se faça uma releitura das PE excludentes das RMA no
processo de construção da disciplina e na formação de docentes
capacitados (as) para reconhecer as identidades dentro das diferenças
culturais, pois se percebe que boa parte das dificuldades encontradas a
respeito do tratamento dado as RMA no ER, se encontra, em parte, na
incapacidade de se entender a religião como um objeto de estudo.
Sendo a religião uma das expressões da diversidade cultural e a
religiosidade um patrimônio cultual imaterial da humanidade a disciplina
ER, ao trabalhar conteúdos consubstanciados sobre as RMA, apresenta-se
como essencial para a compreensão das várias manifestações de
vivências religiosas no contexto escolar, cujo conhecimento deve promover
a tolerância e o convívio respeitoso com o diferente e o compromisso
político com a equidade social no Brasil.
No tocante ao Estado do Amapá, em que pese nossa iniciativa de
pesquisa sobre as políticas de inclusão das RMA no ER, não se localizou
estudos com relação direta ou menção a participação no processo de
ensino-aprendizagem destas. Obviamente faz-se necessário um estudo
aprofundado sobre esta questão, mesmo porque as pesquisas de Foster
(2004, p. 213) e outros, têm apontado que ―o Amapá é considerado um dos
estados mais negro da Amazônia‖. E, portanto, essa questão merece
atenção especial. Segundo a autora, embora na atualidade percebam-se
movimentos emergentes e em expansão em torno do resgate e da
valorização da cultura negra, é ainda um esforço restrito, sem maior
visibilidade.
Sendo assim, é preciso repensar a formação de professores de ER
no Amapá, é preciso refletir sobre esta dimensão por meio de propostas
curriculares de atividades que permitam a compreensão da dinâmica e das
972
FONAPER

relações que ali se estabelecem. Portanto, acredita-se que a consolidação


de PE para as relações étnico-raciais no Amapá no que tange a inclusão
das RMA no ER escolar amapaense, é pertinente, pois falar de RMA é
valorizar a história dos negros no Amapá, é conhecer um pouco da
realidade do povo amapaense que com suas lutas e conquistas
contribuíram significativamente para a valorização, para o desenvolvimento
e a autoestima do povo amapaense.

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976
DESAFIOS DO ENSINO DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Fabiano Aparecido Costa Leite

Resumo:
Na iniciativa do ensino religioso na escola pública, uma das tarefas mais desafiadoras para
o professor é introduzir no meio social brasileiro, majoritariamente cristão, os fenômenos
religiosos afro-brasileiros. Cercados de contestações sociais, culturais e religiosas, estas
expressões do sagrado encontram frequentemente resistências de alunos, pais, docentes e
a própria direção da escola. Este artigo descreve o retrato cultural que a sociedade
brasileira esteve e está inserida e a partir desse, contextualiza os desafios para que as
religiões afro-brasileiras possam ser introduzidas como matéria do conhecimento dentro do
currículo escolar do ensino religioso das escolas públicas e consequentemente o
acolhimento dos seus religiosos no meio social.

Palavras-chave: Afro-brasileira, religião, ensino religioso

Introdução
A religiosidade brasileira formou-se durante mais de 300 anos com
as trocas culturais e reelaboração da visão do sagrado entre três grandes
grupos: indígenas, portugueses e africanos. Embora outras culturas
também contribuíram neste processo, esses três modelos de religiosidade,
inclusive heterogêneas em si, foram fundamentais para dar corpo ao que
Bittencourt Filho determinou como ―matriz religiosa brasileira‖1.
O primeiro processo de ensino sistemático no Brasil, quanto da
colonização portuguesa ocorreu com os Jesuítas através da catequese na
tentativa de aculturar os indígenas que habitavam o continente antes da
ocupação portuguesa. Quando na época do império o ensino religioso
gozava também de direitos constitutivos, sendo uma das disciplinas
formais mais antigas do Brasil:

Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações


de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções
mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os
princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica
romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para

1
BITTENCOURT FILHO, J. Matriz religiosa brasileira. Petropolis: Koinonia, 2003. p. 31-
81.
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.2 (grifo


nosso)

O catolicismo apostólico romano, no viés português, era a religião


oficial do império e nesse contexto era esperado que interessasse ao
estado e a igreja lecionar a visão cristã católica de moral e religião, não
permitindo a outras religiões, ou mesmo outras vertentes do cristianismo,
receber esta mesma autorização.
Durante todo o período em diante paulatinamente as diversas
religiões firmaram-se como aceitas ou reconhecidas, cada uma em um
dado momento na história. Atualmente o Brasil se instituiu como um estado
laico, o que não o torna um estado antirreligioso, pois a religiosidade pode
ser mantida e praticada por seus cidadãos assegurada na constituição
federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] VI - é inviolável
a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
3
aos locais de culto e a suas liturgias;

O caminho da laicidade no ensino religioso nas escolas públicas


ocorreu gradualmente. Sobreviveu como matéria obrigatória na maior parte
do tempo da construção do Brasil como nação até a atualidade em
diferentes visões, versões e leis e chega na constituição de 1988 com a
seguinte redação:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino


fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina


dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. 4

2
BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Planalto. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-15-10-1827.htm>. Acesso em: 22 out.
2012.
3
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 out.
2012.
4
Idem.
978
FONAPER

A constituição de 1988 mantém o ensino religioso, mas remove a


possibilidade exclusiva da religião cristã católica. Passa-se a
responsabilidade de identificar as necessidades desse ensino para a LDB
que através da lei nº 9.475/96 dá até o momento a última redação sobre o
ensino religioso nas escolas públicas:

Art. 1º O art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a


vigorar com a seguinte redação:
"Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante
da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso."5

A federação confirma de um lado a necessidade do ensino religioso,


definindo-a como ―parte integrante da formação básica do cidadão‖, mas
ao mesmo tempo o torna facultativa, ou seja, fica a cargo dos pais dos
alunos confirmarem se permitem ao estado fornecer esta disciplina aos
seus filhos. Na mesma direção remove a possibilidade de proselitismo,
mas entrega para os estados e municípios a responsabilidade de criar e
administrar ―o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil‖.
O estado brasileiro mantém sua convicção da necessidade da
religiosidade do indivíduo, mas repassa a responsabilidade da realização
para as esferas estaduais e municipais em conjunto com a sociedade civil
organizada, e com isso, recebem o desafio atual do ensino religioso: como
realizar a ponte entre um ensino religioso de respeito à diversidade dentro
de uma estrutura religiosa brasileira que é dominada pelo exclusivismo?
Embora o artigo 33 da lei n° 9.39 reelabore o ensino religioso no
Brasil como um fator de fortificação da fé escolhida pelo aluno, rejeitando o
proselitismo, e ao mesmo tempo encoraja a convivência harmoniosa entre
os religiosos das diversas religiões, confirmando a diversidade cultural e
religiosa, torna-se um desafio para a transposição didática do professor do

5
BRASIL.Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Planalto. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm>. Acesso em: 22 out. 2012.

979
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

ensino religioso e uma oportunidade para os fundamentalistas de todas as


vertentes religiosas reafirmarem seus ideais.

Transposição didática
O termo transposição didática é formado em 1975, pelo sociólogo
Michel Verret e mais tarde rediscutido por Yves Chevallard no livro ―La
Transposition Didactique‖ que define os processos que ocorrem na
transformação do saber cientifico para o saber escolar6.
Esse saber científico sofre transformações para chegar ao estudo
escolar, necessita converte-lo e simplifica-lo para ser objeto possível
dentro da sala de aula. Essa transformação é parte integral das ciências
das religiões quando deslocada para o ensino religioso, ratificando a
necessidade do saber escolar ser diferente do saber científico. O
fundamentalismo religioso pode neste sentido camuflar-se de transposição
didática e servir-se desta condição para criar processos contrários aos
propósitos da lei que estabelece o ensino religioso nas escolas públicas
em respeito à diversidade cultural e religiosa.
Os parâmetros curriculares nacionais são orientações, bases para a
formulação da transformação da passagem do saber científico para a sala
de auto, e cabe em última instancia aos professores e pedagogos através
dos seus planos de aulas contribuírem para esta transposição; não se trata
apenas do exercício de interpretação do estudo científico que tem a
intenção exclusiva de comprovar, mas de criar mecanismos que
transformar esta comprovação em saber coletivo. Em última instância o
professor é que detém a capacidade de ensino e de acordo com sua visão
ética estabelece os critérios reais de com os PCNs serão conduzidos.
Veremos a seguir como a ética no ensino religioso passa para alguns
professores fundamentalistas por uma dualidade: se a ética profissional é
parte integrante do seu caráter, sua ética religiosa destina-se a ocupar um
lugar de destaque podendo ser, inclusive, a justificativa para a não
realização plena da lei sobre o ensino religioso. O problema ocorre em
vários níveis, dentre eles destacamos também a direção da escola, quando
esta só aceita o professor do ensino religioso que esteja alinhado com sua
confissão religiosa.

6
POLIDORO e STIGAR, Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VI, 27, São
Paulo: Paulinias 1 p
980
FONAPER

Fundamentalismo
O Fundamentalismo foi originalmente formado em 1895, até que em
1900 a 1915, foi publicada uma série de volumes com o titulo The
Fundamentals: A Testimony to the thush (Os princípios fundamentais: Um
testemunho da verdade)7. Não iremos neste artigo nos aprofundar neste
tema por não ser o aspecto central do mesmo. Mas citamos Leonardo Boff
para darmos continuidade do problema do fundamentalismo dentro da
nova ótica do ensino religioso no ensino publico:

Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver uma


doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu
espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história,
que obriga a contínuas interpretações e atualizações exatamente para
manter sua verdade essencial. Fundamentalismo representa a atitude
8
daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista.

O fundamentalista acredita que as suas verdades são únicas, nega


veementemente a possibilidade de um diálogo e sugere um monólogo
onde a sua interpretação da doutrina deve ser sempre apreciada como
absoluta e que o intuito é desmistificar todas as outras formas de pensar
para compreenderem o quão longe da verdade estão e que por isso
necessitam ser convertidas à verdadeira realidade de Deus.
Uma das formas mais comuns de exercer o fundamentalismo é
negando a possibilidade do outro, transferindo para esse um estado de
objeto equivocado e desmerecedor. Transforma o outro em uma fonte de
problemas de toda sorte e julgar-se o único capaz de ter autoridade e
legitimidade divina para promover a destruição da diversidade em prol da
tentativa de unanimidade da verdade do seu próprio e exclusivo ponto de
vista.
No ensino religioso o fundamentalista é um dos maiores obstáculos
enfrentados para adentrar no pluralismo religioso, e não só apenas
pensando o professor propriamente dito, mas também a direção da própria
escola e os alunos e pais dos alunos.

7
PANASIEWICZ, R. Pluralismo religioso contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2007. p.
59.
8
BOFF, L. Fundamentalismo: A globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro:
Sextante, 2002. aqui 25.
981
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

A visão das religiões afro-brasileiras


Não existe possibilidade de fazer um ensino religioso pluralista que
respeite a diversidade cultural religiosa do Brasil sem recorrer ao estudo
das religiões de matrizes africanas. Mas mesmo sendo uma importante
matriz religiosa e cultural, impregnada na vida cotidiana do brasileiro,
desde seu princípio até a atualidade ela vem sendo sistematicamente
demonizada e ridicularizada, que desde bem antes de Nina Rodrigues,
mas sintetizado claramente nesse, uma visão já impregnada na sociedade
majoritariamente cristã a visão do negro e da sua religiosidade:

Em matéria de conversão das raças inferiores às crenças religiosas


das raças superiores o negro baiano não podia exceção à regra geral.
Aqui na Bahia como em todas as missões de catequese dos negros
da África, sejam elas católicas protestantes maometanas, longe do
negro se converter ao catolicismo é o catolicismo que recebe a
influencia do fetichismo(...) Torna-se digno de nota como os negros
fetichistas se revelam por esta forma incapazes, não direi de
compreender, mas de aceitar o mistério do Deus uno e trinodos
cristãos.9

Esta situação percorreu durante toda a história da religiosidade


brasileira. O branco cristão como detentor de uma religiosidade pura,
verdadeira, evoluída. Já o negro com sua religiosidade marcada pelas
suas raízes africanas detentor de uma religiosidade fetichista, anímica,
demoníaca, falsa e selvagem:

Assim, no ministério de libertação, a destruição dos ídolos, das


parafernálias usadas na Umbanda e no espiritismo, passa a ser uma
demonstração objetiva de renúncia a Satanás e suas obras. Não
importa se as imagens são de santos católicos. A própria cristandade
transformou os icons e a iconografia em iconolatria. Ainda hoje apesar
de toda a abolição de imagens que ocorreu na Igreja Católica
Romana, há muita racionalização para continuar na idolatria.10

Diversas denominações cristãs, históricas e pentecostais, tentam


ampliar esse quadro demonizador das religiões afro-brasileiras, declarando
urgência na conversão dos adeptos das religiões afro-brasileiras e outras
religiosidades:

9
RODRIGUES, N. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2006. 107-11.
10
ITIOKA, N. Os Deuses da Umbanda. São Paulo: ABU, 1993. aqui 205.
982
FONAPER

Seja Luz para as etnias em trevas: Hoje, mas de 220 etnias


(estrangeiros) estão representando seus povos de origem aqui mesmo
junto de cada um de nós. Tantos desses estão aprisionados a
costumes e crendices. Africanos, Árabes, Chineses, Ciganos,
Hispânicos e Japoneses necessitando e carecendo conhecer a
verdade do evangelho de Jesus. 11

Esse processo de adequação exclusivista de religiosidade para suas


próprias crenças e costumes forja um fundamentalismo dentro da
comunidade confessional trazendo como efeito colateral a incapacidade de
alteridade e diálogo. A monossemia, parte fundamental do discurso
religioso, é expandida para além das suas fronteiras e tenta permear
outros discursos religiosos não só para sua autoafirmação, mas para a
destruição da possibilidade da pluralidade.
Conforme Schwarcz12 as questões raciais no Brasil sempre foram
relevantes para dar fim à cultura do negro, como tentativa de políticas de
eugenia no Brasil iniciadas no fim do século XIX. A ideia de expurgar o
negro da sociedade brasileira provocou na população, que já tinha
reservas quanto às religiões afro-brasileiras a cristalização da não
aceitação das suas práticas religiosas.
Esse processo de alijamento da cultura africana pode ser
evidenciado observando-se o comportamento quanto a religiões orientais
como o Budismo, que através do panteísmo negando a existência de um
Deus, não é vista por diversos grupos leigos como agente satânico, mas
sim com certa curiosidade e aceitação e o Espiritismo, movimento religioso
iniciado na Europa e que crê na comunicação com seres espirituais
falecidos é visto com reservas e incômodo, mas parcialmente tolerado e
permitido dentro da esfera pública.
As religiões de matriz africana, entretanto, são abertamente
contestadas e colocadas como o mal encarnado, demoníacas e perversas,
corrompendo os ideais morais de outras religiões, que neste processo
elaboram as características dessa matriz religiosa não a partir da sua
teologia, mas da teologia de terceiros que condenam e enfatizam a
urgência em serem removidas para o bem da sociedade brasileira13.

11
BARROS, A. M. D. Em um Brasil em trevas, seja LUZ. Número 1350. ed. Vitoria:
Primeira Igreja Batista Jardim Camburi, 2012. aqui NI.
12
SCHWARCZ, L. M. Nem preto nem branco muito pelo contrário. São Paulo:
ClaroEnigma, 2013.
13
LEITE, F. A. C. Eu, Deus e Irene - A autor no discurso religioso da Umbanda. Vitoria:
FUV: Dissertação de Mestrado, 2013. p. 35-47.
983
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Ensino religioso das religiões afro-brasileiras


Existe uma parte da população brasileira que professa uma
religiosidade que tem na África suas grandes identidades. O Candomblé,
Catimbó, Tambor de Mina e a Umbanda são exemplos de religiões que
compartilham essa identidade africana e recebem de alguns segmentos
cristãos, maioria absoluta da população brasileira, o processo de
demonização, repulsa ou primitivismo espiritual. A escola não está fora
desse contexto, pois ela faz parte da esfera pública e compartilhar e se
molda a todos os processos culturais do Brasil.
A maioria da população brasileira é cristã e temos o entendimento
que essa proporção se retrata também na escola14 e o desafio do
professor religioso (ou religioso professor?) é duplo: necessita realizar a
transposição didática do ensino religioso, principalmente da matriz
africana, de forma a permanecer o mais isento e imparcial possível para
assim respeitar a diversidade cultural e religiosa brasileira e ao mesmo
tempo não abrir mão de suas convicções religiosas.
Fica a cargo do professor a transposição didática, cabendo a ele
também elaborar os caminhos necessários para apresentar as religiões
que não são da sua crença, em especial, mas não único, as de matriz
africana, porém estudos sobre o mal-estar dos professores revelam os
desafios dos mesmos:

―As atitudes dos professores perante as dificuldades da profissão


resultante da mudança social traduzem uma evidente crise de
identidade e o enfrentar desta crise conduz a diferentes tipos de
reações.‖15

As reações do professor do ensino religioso que se encontra


pressionado entre seu próprio proselitismo e sua interpretação
fundamentalista da fé podem produzir diversos movimentos na sala de
aula, citaremos alguns que entendemos ser mais recorrentes quanto às
religiões de matriz africana, mas não acontecem isoladamente e podem

14
Não existem números oficiais das religiões praticadas pelos professores do ensino
religioso das escolas publicas, por isso utilizaremos a correspondência proporcional da
religiosidade geral do Brasil do senso do IBGE como ponto de partida para nossas
analises.
15
PICADO, L. Ser Professor: do mal-estar para o bem-estar docente. Portal da Psicologia,
p. 5, 25 abr. 2009. Disponvel em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0474.pdf>.
Acesso em: 25 out. 2012.
984
FONAPER

variar em intensidade e em percentagem de acordo com as características


da personalidade do professor do ensino religioso:

Superficialidade
Neste modelo, o professor não estuda o assunto a fundo, repassa as
informações básicas dos ritos, mitos e crenças não se atentando as
características de cada religião, como se as religiões afro-brasileiras fosse
apenas expressões culturais e seus Orixás, inquices e voduns, seres
mitológicos e que, não há variações entre as diversas religiões de matriz
africanas, como se a visão religiosa de cada não fossem importantes para
o ensino religioso.

Ignora a religiosidade afro-brasileira


Neste modelo o professor faz menção rápida entre alguns trabalhos
realizados ao acaso apenas para fazer cumprir a determinação formal da
lei e se dá por satisfeito de ter que entrar em assunto tão incômodo para
ele. Nesta abordagem, sugere que a quantidade de adeptos dentro da
sociedade, do entorno da escola ou da própria classe de aula é mínima ou
nula, baseado neste argumento, não entende ser necessário abordar este
tema ou qualquer um ligado à religiosidade que não entenda como a
maioria representativa da comunidade.

Proselitismo
Neste modelo o professor utiliza-se da visão comparada para
estabelecer seu ponto de vista em relação a essas religiosidades, seja com
gestos, articulação da voz ou simplesmente discursos fundamentalistas
escondidos dentro de textos escolhidos ou elaborados com o intuito de
―revelar os verdadeiros fundamentos dessas religiões‖ através do próprio
conceito da transposição didática. Algumas vezes, utiliza-se inclusive do
próprio fundamentalismo dos alunos, permitindo que eles se expressem
com preconceito e diminuição das outras religiões, algumas vezes
concordando ou algumas vezes estimulando que se faça tais observações.
Outro processo comum neste sistema é estabelecer conceitos morais que
percorram especificamente uma religião em si, como o caso da

985
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

sexualidade, que não é discutida dentro de um processo transversal, mas


elaborado dentro de uma ótica cristã específica.

Respeito da pluralidade
Neste modelo o professor dá à religiosidade afro-brasileira e outras
correntes religiosas minoritárias no Brasil (Islamismo, Espiritismo,
Budismo, etc) a equiparação didática, seja no formato, na observância da
alteridade, no respeito mútuo entre as diferentes religiões e enriquece o
conhecimento de uns e insere no contexto social a religiosidade de outros.
Os alunos são estimulados a entender os aspectos sociais, culturais
e religiosos do outro, são convidados e estabelecer diálogo, a não
concordar, mas acolher o diferente. O intuito passa a ser não converter o
pensamento, mas introduzir o outro na sua plenitude. A escola tem o papel
transformador, ele nuca deverá ser isenta, o que não lhe cabe é o papel de
convencedora.

Considerações finais
Quanto o professor está preparado para reafirmar suas crenças ou
reorganizá-las e realizar uma transposição didática que leve em conta sua
responsabilidade como professor ou como religioso que professa sua fé?
Quanto a formação dos professores para o ensino religioso se preocupa
com esse tema, conduzindo o profissional para o estudo da religião,
inclusive a sua, enquanto fenômeno?
O estudo das religiões africanas, nos cursos que ministramos, é a
matéria que mais ruboriza os professores, seja pela incapacidade de saber
se comportar diante de uma sociedade que não está interessada em
mudar seu comportamento e visão perante esta religiosidade, seja pelo
pouco conhecimento desta matriz religiosa e leve introdução que recebe
das instituições que os formam.
Podemos identificar estes dados no caso emblemático do Exu que
dependendo da ótica ou da religiosidade, pode ser um Orixá, um servo do
bem a serviço da espiritualidade ou simplesmente o demônio16. Neste
sentido todas essas formas de identificação com esse controvertido ser
16
(PRANDI, R. Exu, de mensageiro a diabo. Disponivel em:
<http://www.institutocaminhosoriente.com/images/Exu,%20De%20Mensageiro%20A%2
0Diabo%20-%20Reginaldo%20Prandi.pdf>. Acesso em: 15 out. 2012.)
986
FONAPER

estão a princípio corretas, por isso a forma de abordagem, o palco


estabelecido e a enunciação proferida pode revelar de forma decisiva
como o fundamentalismo religioso estará a serviço do próprio professor, o
despreparo com o tema trará impacto negativo sobre o conhecimento
destas religiões ou como a transposição didática assegurada por uma
formação competente e ampla pode ser valorizadas para criarmos uma
sociedade mais justa mais pluralista e mais igualitária.
Novamente os desafios sociais passam pela sala de aula, e o
professor, mais uma vez se vê como peça fundamental para moldarmos a
capacidade de convivermos pacificamente entre as diversas formas de
religiosidade no Brasil.
Entendemos que muitos professores, sendo comparados a Jesus por
um aluno cristão, ficaria alegre com o elogio, mas esse mesmo professor
sendo comparado a Xangô por um aluno que professa as religiões afro-
brasileiras sentir-se-ia incomodado? Se sim, ainda temos muitos desafios a
serem superados.

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SCHWARCZ, L. M.Nem preto nem branco muito pelo contrário. São


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988
RELIGIOSIDADE AFROBRASILEIRA
E O TRATO PEDAGÓGICO NO ENSINO RELIGIOSO

Alysson Brabo Antero - UEPA1

Resumo:
Esta comunicação aborda uma das mais expressivas manifestações culturais e religiosas
do Amapá: o ciclo do Marabaixo. Compreendo religião enquanto sistema simbólico
(GEERTZ,1978) e movimentos religiosos de matriz africana enquanto formas de
manifestações afrodescendentes, que comunica, perpetua e desenvolve tradições
ancestrais. A partir de uma investigação bibliográfica em pesquisas já realizadas sobre
Marabaixo temos por objetivo mostrar os diversos elementos que se relacionam e
compõem o ciclo (ancestralidade, oralidade, circularidade, ludicidade) como princípios
importantes dentro da matriz religiosa afro-brasileira e, subsidiar o trabalho pedagógico no
Ensino Religioso. A elaboração de estudos a cerca dessa expressão religiosa, representará
um passo a mais em direção ao respeito à diversidade religiosa no Amapá.

Palavras-chave: Marabaixo, religiosidade, ensino religioso.

Introdução
O desejo de pesquisar sobre o Ciclo do Marabaixo surgiu a partir de
duas fontes de motivação: minha experiência como professor de Ensino
Religioso e a Lei 10.639/2003.
Estudos educacionais demonstram que uma das melhores formas de
conseguir envolver os alunos nos estudos é trabalhando temas atuais e
que fazem parte do seu dia a dia. Como professor de Ensino Religioso em
Macapá desde 2006, procuro trabalhar com meus alunos o combate ao
preconceito religioso, o respeito e a valorização a todas as formas de
manifestações religiosas, sem proselitismo e garantindo a liberdade dos
mesmos. No município de Macapá a expressão ―Marabaixo‖ pode significar
um bairro, uma linha de ônibus e uma manifestação ligada à população
afrodescendente. Visualizei nesse evento, então, uma forma em potencial
para trabalhar a religiosidade de matriz africana nas aulas de Ensino
Religioso.
Concomitante a isso, a segunda motivação em querer aprender mais
o Marabaixo no Estado do Amapá, está ligado a Lei 10.639/03 e mais

1
Mestrando em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião da Universidade do Estado do Pará – UEPA. Membro do Grupo de Pesquisa
Religiões de Matriz Africana na Amazônia – GERMAA. E-mail:
alysson.edu@hotmail.com
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

recentemente o Estatuto da Igualdade Racial de 2010 que estabelece a


inclusão no currículo escolar a temática ―História e Cultura Afro-brasileiras‖
e outras providências. Reconhecido como uma manifestação
genuinamente de cor, acredito que o Ciclo do Marabaixo pode ser utilizado
como recurso no resgate histórico da contribuição do negro na constituição
do Estado do Amapá, bem como, elevar a autoestima de alunos
afrodescendentes através da valorização dessa tradição que se mantém
viva e pujante chegando a nossos dias como símbolo de resistência,
identidade, esperança, amor e religiosidade (CANTO, 1998).
Devido o Ciclo de Marabaixo ser considerado pela maioria dos
estudiosos como a mais autêntica manifestação negra do Amapá e por
julgar-se que esta manifestação está carregada de sentidos simbólicos que
dão significado, orientação e força aos seus participantes viverem em um
mundo em que faça sentido, (ROMANIO, 2009), estabeleceu-se investigar
e analisar os diversos elementos e princípios de matriz religiosa africana
presente no Ciclo e o trato pedagógico no Ensino Religioso.
Tendo em vista este objetivo, optou-se conceituar religião enquanto
sistema simbólico (GEERTZ, 1978) e movimentos religiosos de matriz
africana enquanto formas de manifestações afrodescendentes que
comunica, perpetua e desenvolve as tradições herdadas de nossos
antepassados.
Acredita-se que a elaboração de estudos a cerca do Ciclo do
Marabaixo, além de ampliar o conhecimento disponível sobre esse
movimento afro-amapaense, contribuirá para uma maior valorização da
herança da população negra e afrodescendente na formação histórica e
cultural da sociedade amapaense, subsidiará profissionais de Ensino
Religioso e, representará um passo a mais em direção ao respeito e à
diversidade religiosa no Amapá.

A presença Negra nas Terras do Cabo Norte


Localizado geograficamente na região norte do Brasil o atual Estado
do Amapá ao longo de sua história, recebeu diversos nomes: Terras dos
Tujucus, por conta da grande presença de índios dessa etnia; Nueva
Andaluzia, denominação espanhola ao se referir a Amazônia incluindo o
Amapá; Guiana Brasileira, para se contrapor a Guiana Francesa; Terra do
Contestado, em virtude da disputa franco-lusitana; Capitania do Cabo

990
FONAPER

Norte, por parte de Portugal, Território Federal do Amapá, quando


desmembrou-se do Estado do Pará em meado do século XX; e, Estado do
Amapá, pela constituição de 1988.
Segundo Fernando dos Santos (1994), as terras que hoje compõem
o Amapá foram extremante disputadas por várias nações europeias e a
presença de africanos em solo amapaense se deu trazidos inicialmente por
ingleses, franceses e holandeses. Pereira (2008) citando Vicente Salles,
afirma que a presença negra nas terras do Cabo Norte data do século
XVII, introduzidos por holandeses e ingleses. Já sob a liderança de
Portugal, a inserção do negro ocorreu a partir do século XVIII.
Fernando Canto (1998) expõe que até o ano de 1738 havia nesse
território apenas um destacamento militar português. Em 1751, inicia-se
um processo de colonização, coordenado pelo então governador do Grão-
Pará: Francisco Xavier, a mando do governo de Portugal que determina a
criação de vilas e povoamentos em suas colônias. Em 1758, é fundado a
Vila de São José de Macapá.
Para Verônica Luna (2011), a lógica de fundação de vilas e
povoamentos a partir do governo Português visava dentre outros objetivos
conter o avanço de outras nações sobre o território e ao mesmo tempo
―manter o controle dos de dentro a partir das decisões dos que estão fora‖
(p. 34), esse raciocínio invisibilizou a presença de nativos e negros como
indivíduos que construíram o lugar.
Conforme a região do Cabo Norte ia sendo povoada pelos europeus,
sobretudo pelos portugueses, levas de negros provenientes de diversas
etnias trazidos de províncias brasileiras e de colônias portuguesas
estabelecidas na África iam construindo esse território, nesse processo, o
contato de negros de diferentes etnias e nações foi inevitável. Para Luna
(2011), o trânsito e possivelmente as troca de informações entre negros
fugitivos (até de outras colônias, chamados por ela de trânsfugas,
provenientes da Guiana Francesa e Holandesa, principalmente) era
comum.
Luna (2011) argumenta como os nativos rejeitavam aceitar a
condição de submissão que o projeto de povoamento previa e com a
construção da Fortaleza de Macapá (maior fortificação portuguesa na
Amazônia), a vinda de africanos para as terras do Cabo Norte foi
intensificada.

991
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Em terras estranhas, europeus e africanos entram em contato com


as populações autóctones e, como em toda colônia de Portugal a religião,
católica foi imposta como oficial, sendo que índios e negros deveriam se
converter ao cristianismo. Apesar disso, manifestações religiosas com
predominância indígena e africana conseguiram sobrevir e na atualidade
são vistas como formas de resistências da ancestralidade de índios e
negros. O Sahiré, o Batuque e o Marabaixo são demonstrações dessa
sobrevivência no Estado do Amapá.

Significado do termo Marabaixo


Quanto à denominação do termo Marabaixo não há unanimidade,
entretanto, expomos três explicações mais correntes sobre o significado
dessa palavra.
Uma das explicações diz que o termo Marabaixo tem origem árabe
(marabit) que significa sacerdote do Malês2. Argumenta-se que das 160
famílias que se estabeleceram em Nova Mazagão (o termo faz referência a
Mazagão na África, colônia portuguesa conquistada pelos Mouros no
século XVIII), vieram negros provenientes de nações circunvizinhas de
Mazagão (África) especificamente do Império Sudanês que desde o século
XVI já vinha sofrendo as influências do Islamismo, (CANTO, 1998).
Outra argumentação faz referência aos porões dos navios que
atravessavam o Atlântico cheios de negros, mar a baixo, (PEREIRA,
1951). Por fim, há quem defenda que o termo alude aos negros que
desciam os rios da Amazônia em canoas a cantar, (R. NEGRÃO, 1990).

Descrição sucinta do ciclo do Marabaixo


O Ciclo do Marabaixo consiste em um evento cíclico anual, realizado
em homenagem aos santos da tradição católico-romana, praticado no
município de Macapá e Mazagão, além de várias comunidades rurais do
Estado, como Curiaú, Maruanum, Cunani, Lagoa dos Índios, Torrão do
Matapi, dentre outras. Basicamente, o santo homenageado e o período de
realização do evento são as diferenças dos Marabaixos realizado no

2
Malê, forma de culto que surge na África Ocidental do entrechoque do islamismo com as
religiões nativas, a partir do século XVI (CANTO, 1998, p. 19). É considerado também
um grupo étnico influenciado pelo islã.
992
FONAPER

perímetro urbano e rural. Em comum, se mantém a dança, o mastro, os


cânticos, as ladainhas, os tambores e as missas.
Sobre o Ciclo do Marabaixo realizado especificamente no Município
de Macapá, o evento acontece em paralelo ao calendário pascal da igreja
católica, tendo a duração de aproximadamente de 60 a 75 dias. O festejo é
realizado em cinco pontos diferentes da Capital, cada um coordenado por
um grupo específico: bairro Laguinho, Grupo Raimundo Ladislau; bairro
Santa Rita, Grupo Berço do Marabaixo; bairro Jesus de Nazaré, Grupo do
Pavão; bairro Santa Rita, Grupo Marabaixo da Favela, e bairro Central,
Grupo Azebie.
No bairro do Laguinho, (onde se concentra a maior parte das
pesquisas) o Ciclo do Marabaixo do Grupo Raimundo Ladislau
homenageia a Santíssima Trindade e o Divino Espírito Santo começando
no Domingo de Páscoa na Igreja de São Benedito que fica dentro do bairro
e segue para casa do festeiro, onde se realiza o primeiro Marabaixo. Após
alguns meses, no qual se intercalam missas, marabaixos (danças), corte e
levantação de mastros, novenas, bailes dançantes e cortejos pelas ruas do
bairro o evento termina com o Domingo do Senhor: último dia e
encerramento do Ciclo.
Eis os momentos principais do festejo no bairro do Laguinho no
município de Macapá:
Domingo de Páscoa (Marabaixo da Ressurreição): após irem à
missa, os participantes, pela parte da tarde, se reúnem na casa do festeiro
para dançarem Marabaixo (1º Marabaixo).
Sábado do Mastro: cinco semanas após a páscoa, no sábado, pela
manhã, os participantes reunidos na casa do festeiro vão ao Curiaú3 para
cortação do mastro do Divino Espírito Santo e da Santíssima Trindade.
Domingo do Mastro: pela manhã, os participantes dançando,
cantando, soltando fogos de artifícios e com bandeiras da Santíssima
Trindade e do Divino Espírito Eanto vão onde os mastros estão cortados e
os carregam para a casa do festeiro. (2º Marabaixo até as 0:00 horas)
Quarta da Murta: na primeira quarta-feira após o domingo do mastro,
os participantes tendo a frente a bandeira vermelha do Divino Espírito
Santo, percorrem as principais ruas, entre o local da quebra da murta e a

3
Comunidade remanescente de quilombo distante da capital do Estado do Amapá 10 km.
Terra e território de negros, patrimônio cultural, lugar de memória, festas, fé e trabalho.
(VIDEIRA, 2013)
993
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

casa do festeiro, e, vão quebrar a murta para enfeitar o mastro no dia


seguinte. (3º Marabaixo até o amanhecer do dia seguinte)
Quinta da Hora: em frente casa do festeiro, pela manhã, depois de
terem cavado um buraco, enfeitam o mastro do Divino com os galhos de
murta e bandeira em sua extremidade e o erguem.
1º Baile dos Sócios do Divino Espírito Santo: ainda na quinta feira a
partir das 21 horas até 4 horas do dia seguinte é realizada uma festa
dançante.
Novenas ao Divino Espírito Santo: depois do 1º baile, iniciam-se as
novenas em homenagem ao Divino Espírito Santo e a Santíssima Trindade
na casa do festeiro.
2º Baile dos Sócios do Divino Espírito Santo: passados alguns dias a
partir das 21 horas até 4 horas do dia seguinte é realizado outra festa
dançante.
Domingo do Divino Espírito Santo: os participantes vão à missa na
igreja de são Benedito; após a missa, um café da manhã é oferecido à
comunidade na casa do festeiro.
Murta da santíssima Trindade: os participantes tendo a frente dessa
vez bandeira azul da santíssima Trindade, percorrem as principais ruas,
entre o local da quebra da murta e a casa do festeiro e vão quebrar a
murta para enfeitar o mastro no dia seguinte. (4º Marabaixo até o
amanhecer do dia seguinte)
Levantação do mastro a Santíssima Trindade: pela manhã com o
mastro enfeitado com as murtas e com a bandeira do Santo ao topo o
erguem ao lado do mastro do Divino.
1º Baile dos Sócios a Santíssima Trindade: no dia seguinte da
levantação do mastro a Santíssima, realiza-se a primeira festa dançante
partir das 21 horas até 4 horas do dia seguinte.
2º Baile dos Sócios a Santíssima Trindade: passados alguns dias
realiza-se a partir das 21 horas até 4 horas do dia seguinte o segundo baile
da Santíssima.
Domingo da Santíssima Trindade: há realização de uma missa pela
manhã na igreja de São Benedito seguido de café da manhã na casa do
festeiro.
Corpus Chistus: realiza-se o 5º Marabaixo.

994
FONAPER

Domingo do Senhor: este é o ultimo Marabaixo4. Os participantes


reunidos na casa do festeiro, dançam até 18:00h, quando param para
derrubar os mastros da Trindade e do Divino, escolhem o festeiro do
próximo ano e, em seguida, recomeçam a dançar e cantar ladrões5 de
Marabaixo até tarde da noite em meio a muita alegria por estarem
perpetuando uma tradição deixada pelos nossos antepassados.

Religiosidade afrobrasileira e o trato pedagógico no ensino religioso


Inicia-se esse tópico partindo do pressuposto que nas terras do Cabo
Norte, (assim como no extenso território brasileiro) se desenvolveram
inúmeros movimentos culturais e religiosos de origem africana, como: o
Batuque – dança afro-religiosa praticada principalmente nas comunidades
rurais do Estado. Geralmente é realizado para homenagear algum santo
da tradição católica, padroeiro da localidade. O Zimba – dança de matriz
africana parecida com o batuque e praticado principalmente no município
de Calçoene. O Sahiré – manifestação ligada à liturgia católica com
movimento e colorido das procissões. Esta teve influência preponderante
de elementos indígenas e na atualidade é realizado apenas no Município
de Mazagão, sem forte expressão popular. E o Marabaixo, considerado
pela maioria dos estudiosos a mais autêntica manifestação negra do
Amapá.
O Ciclo do Marabaixo em Macapá, conforme já se viu, é um evento
anual que ocorre paralelo ao calendário pascal da igreja católica, no
entanto, a ele não se restringe. Considera-se que o Ciclo, praticado na
Capital do Estado do Amapá, numa espécie de bricolagem amálgama
elementos e símbolos que hora se aproximam das religiões de matriz
africana noutro ao catolicismo. Diante disso, a partir do trabalho de Videira
(2009), buscou-se identificar princípios e componentes presentes nessa
manifestação que, de alguma maneira, expressa traços da matriz religiosa
africana no Amapá e como esses elementos podem ser trabalhados
didaticamente pelo professor de Ensino Religioso em turmas do 6º ao 9º

4
Nos dias em que ocorrem Marabaixo, é possível ver a presença de crianças, jovens
adultos e idosos. A presença de mulheres no decorrer de todo festejo é majoritária. Nos
dias de Marabaixo a maioria exerce a função de dançadeira e grande parte vai vestida
de saia comprida de chita, sandálias baixa e blusa branca com uma toalha ao ombro.
Em alguns momentos é possível ver algumas mulheres puxando os cânticos e tocando
as caixas de Marabaixo.
5
São versos ―roubados‖ das histórias e dramas da vida real da comunidade que viram
canções.
995
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

ano. Vale ressaltar que não temos a pretensão de trazer uma proposta
perfeita do ponto de vista técnico-pedagógico, antes, apresentamos
maneiras de abordar no ensino religioso os princípios da religiosidade afro-
brasileira, tais propostas podem ser ajustadas, testadas e alteradas de
acordo com a manifestação religiosa, contexto sociocultural e realidade da
escola e outros fatores.

Princípio da Ancestralidade
Objetivos: perceber a ascendência africana do Marabaixo; valorizar o
legado do povo negro e afro-brasileiro e reconhecer o caráter secular
dessa tradição afro-amapaense.
Recurso Didático-pedagógico: TV – Vídeo
Carga Horária: a definir
Comecemos então pelo princípio da ancestralidade, fato evidenciado
por Videira (2009) no Ciclo do Marabaixo de Macapá,

A ―Nação Negra‖, como é intitulado o bairro do Laguinho por seus


moradores, recebeu a Dança do Marabaixo como herança de seus
pais, avós e familiares em geral, que, por sua vez receberam de seus
ancestrais africanos, como enfatizam os mantenedores e brincantes
para o fazerem com alegria, orgulho e respeito e ainda reverenciar a
história, seus santos, seus antepassados, sua crença, seus símbolos
e legar toda essa riqueza cultural e históricas às futuras gerações (p.
99).

Percebe-se pelo descrito que a ancestralidade é um princípio


presente nessa manifestação. Pelo termo, entende-se o respeito e o valor
que as atuais gerações atribuem ao passado que remete à África. O Ciclo
realizado hoje é uma tradição como uma ascendência histórica afro-
brasileira. Sua manutenção representa uma prática religiosa
historicamente ligada à população de maioria negra em Macapá, que vem
mantendo vivo os lamentos, o orgulho e a fé de nossos ascendentes de
origem africana.
A partir da exibição de trechos de um vídeo sobre o Ciclo do
Marabaixo o professor oportuniza aos alunos que expressarem
verbalmente o que é o ciclo do marabaixo e, no diálogo com eles,
demonstra e contextualiza a ascendência africana dessa tradição, destaca
seu caráter secular e ao mesmo tempo valorizar o legado dos negros
trazidos da África que suportaram os momentos hostis decorrente da

996
FONAPER

escravidão e a bravura dos seus descentes que diante da marginalização


ao qual foram submetidos, nunca desistiram de buscar dias melhores,
sendo seus festejos uma forma de resistência e manutenção da memória,
da origem que remonta a África. Como aprofundamento do assunto o
professor, (indicando as fontes na biblioteca da escola ou nome do site na
internet) pode solicitar que em grupos os alunos façam pesquisas sobre a
origem desse festejo afro-brasileiro.
Como atividade o professor pode desafiar os alunos a fazerem uma
linha do tempo do Marabaixo. Objetiva-se que os alunos percebam o
caráter secular do ciclo e a ascendência africana que essa tradição afro-
amapaense representa.

Princípio da Oralidade
Objetivos: compreender a oralidade como uma das maneiras de
transmitir conhecimentos religiosos e respeitar o conhecimento dos mais
velhos.
Recurso Didático-pedagógico: Depoimentos de atores sociais do
Marabaixo (se possível, convidar para estarem na aula hora da aula)
Carga Horária: a definir

Noutro momento a autora destaca outro princípio, ligado a


ancestralidade, a saber, a oralidade:

O Marabaixo é uma dança afrodescendente em que dançam adultos,


jovens e crianças entre homens e mulheres. Não há limites de
participantes e se aprende a dançar e a tocar dançando e tocando na
comunidade luguinense. Em alguns casos as pessoas mais antigas
sentam com as crianças para ensinar-lhes sobre a tradição, seus
princípios e sentidos. O conhecimento sobre a dança e a história do
Marabaixo é transmitido por meio da oralidade pelos mais antigos aos
mais jovens (p. 101).

As expressões religiosas de matriz africana não possuem um texto


base como as religiões do livro (judaísmo, cristianismo e islamismo). O
conhecimento, a tradição, a história é repassada oralmente de geração
para geração. A oralidade então é outro princípio presente no Marabaixo
conforme pode ser depreendido do texto citado. As gerações mais velhas
através da voz, da memória, da dança, da música ensinam as mais novas.

997
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Esse ensinamento ocorre na vivência da tradição, isto é, nos momentos


ritualísticos que compõem o Ciclo do Marabaixo.
À medida que crianças e jovens se envolvem, eles aprendem a
valorizar cada momento do Ciclo como parte integrante de suas histórias
de vida. Diante disso, a oralidade no Marabaixo além de mostrar uma
identidade étnica, relembra o passado, dá sentido ao presente e abre
perspectiva para o futuro (OLIVEIRA; MORI, 2011).
Nesse aspecto o professor de Ensino Religioso convida um dos
protagonistas do Ciclo do Marabaixo para visitar a escola e ter um
momento de diálogo com alunos, relatando sua trajetória de vida, sua
participação no ciclo e expondo as dificuldades e os aspectos pedagógicos
práticos de como os ensinamentos sobre o Marabaixo são repassados.
Esse momento proporcionará aos alunos a valorização da sapiência
dos mais velhos, reconheçam a importância do princípio oralidade,
―colocado em segundo plano na modernidade‖ (BRASIL, 2010, p 221) e ao
mesmo tempo ―compreenderem as tradições orais como expressão mais
antigas da religiosidade, as quais oferecem, em linguagem simples e
sábia, o essencial do sentido da vida‖ (CARNIATO, 2001, p 52).
Ao final os alunos são desafiados a fazerem um texto relatando o
que aprenderam com o princípio da oralidade, presente também no ciclo
do Marabaixo. Objetiva-se uma maior valorização e respeito dos
conhecimentos dos mais velhos e que compreendam que a oralidade foi e
ainda é uma das maneiras de transmitir conhecimentos, inclusive de cunho
religioso.

Princípio da Circularidade
Objetivos: perceber o princípio da circularidade presente no
Marabaixo e noutras manifestações afro-brasileiras. Conhecer as
vantagens desse princípio: igualdade, ausência de hierarquia, transmissão
de energia positiva.
Recurso Didático-pedagógico: excursão a um dos momentos do ciclo
(na impossibilidade, mostrar vídeo do Marabaixo, em que circularidade
possa ser visualizada).
Carga Horária: a definir

Outro elemento descrito pela autora no Ciclo do Marabaixo é a


circularidade
998
FONAPER

6
Figura 1 – Princípio da Circularidade no Ciclo do Marabaixo

A roda tem um significado muito grande, nela não há hierarquia,


todas as pessoas podem se ver e transmitir energias positivas. A roda está
presente em várias manifestações afro-brasileiras: na capoeira, no samba,
no tambor de crioula, na umbanda, no Candomblé e também no Marabaixo
do Estado do Amapá. Tendo os tocadores de caixa e as cantadeiras ao
centro, em volta forma-se um grande círculo onde crianças, adultos e
anciões põem-se a dançar e cantar num clima de muita alegria por está
perpetuando uma tradição deixada pelos nossos antepassados.
No encaminhamento didático o professor pode como primeiro passo
para abordar o princípio da circularidade mudar a disposição das cadeiras
em sala de aula de fila indiana para uma forma circular e mostrar com o
circulo opõe-se a hierarquia, iguala a todos, permite a fluidez de energia.
Noutro momento mostrar esse princípio na prática através de uma
excursão dos alunos a um dos momentos do Ciclo do Marabaixo. No
retorno a sala de aula oportunizar aos educandos expressarem suas
impressões e pontos de vistas sobre o que viram.
Como atividade os alunos podem ser desafiados para em dupla
responderem aos seguintes questionamentos: em quais manifestações
culturais e religiosas o princípio da circularidade pode ser visto. Esse
princípio pode ser usado na escola? Em quais ocasiões? O que o princípio
da oralidade proporciona ao grupo que dele utiliza?

6
VIDEIRA (2009, p. 106).

999
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

Rufar dos Tambores


Objetivos: Minimizar as expressões estereotipadas que se tem do
toque das caixas de Marabaixo e compreender e valorizar a importância
das batidas dos tambores nos festejos afro-brasileiros
Recurso Didático-pedagógico: Som estéreo/CD player (se possível,
percussão ao vivo)
Carga Horária: a definir
O rufar dos tambores é outro elemento que concorre para definir o
Marabaixo como símbolo de expressão da religiosidade afrodescendente.
Videira (2009) expõe,

Na dança do Marabaixo o ritmo é marcado e ditado pelas caixas... o


toque se dá da seguinte forma: a baqueta que é tocada com a mão
esquerda chama: ‗ta...ta‘ e a baqueta que é tocada com a mão direita,
responde ‗tum...tum‘. As duas partes juntas viram o toque:
‗tá...tá...tá...tum...tum‘ (p. 109).

Tocadas por homens e mulheres o som da caixa de Marabaixo é um


dos principais elementos que faz esta manifestação ser associada às
matrizes africanas, incluindo as religiões de terreiro. Muito embora,
segundo Decleoma Pereira (2008), alguns participantes rejeitem essa
associação. Esta autora, valendo-se do depoimento de uma marabaixista
adepta de religiões de terreiro, explica que os atabaques e tambores nas
religiões de terreiro têm fundamento, ou seja, são tocados com um
propósito: intermediar, atrair os orixás. Esse fundamento, não existe no
Marabaixo, em que as caixas são tocadas com o fim de louvar e agradecer
ao santo homenageado e ao mesmo tempo animar os participantes.
Videira (2009), entretanto, não desassocia o tambor de Marabaixo com
princípios semelhantes às religiões de terreiro: ―Os tambores africanos são
vivos e servem para chamar os espíritos dos antepassados‖ (p. 99).
Discordância a parte, o fato é que o toque de tambores presentes no Ciclo
do Marabaixo expressa traços da religiosidade afrodescendente.
O encaminhamento didático do componente soar dos tambores pode
ocorrer por meio do áudio do tocar das caixas de Marabaixo. Aqui a
presença de um tocador com sua caixa e baqueta pode ajudar os alunos a
se aproximarem desse elemento e a desmitificar para não dizer
―desdemonizar‖ o rufar dos tambores de Marabaixo. A musicalidade

1000
FONAPER

através dos cânticos e rufar dos tambores são expressões da religião afro-
brasileira, tidas por algumas pessoas como algo ruim e até diabólico, mas
através de uma abordagem valorativa e de respeito nas aulas de Ensino
religioso o aluno pode aprender a respeitar e até tocar caso a escola se
proponha a desenvolver um projeto com grupos locais que desenvolvem
atividades de resgate e valorização do rufar dos tambores afro-brasileiros.
Como atividade, os alunos em grupo, serão desafiados a
confeccionar através de materiais recicláveis caixa de Marabaixo para
serem expostas nas amostras pedagógicas ou outros eventos análogos
da escola.

Princípio da Ludicidade
Objetivos: compreender os momentos lúdicos e religiosos do
Marabaixo como parte de um só ritual. Orgulha-se de conhecer, presenciar
e participar de uma tradição que se manteve viva em meio a tantas
perseguições e intempéries.
Recurso Didático-pedagógico: Execução da dança do Marabaixo,
acompanhada apela percussão ao vivo dos tambores e ao som de muitos
ladrões (catingas). Na impossibilidade da presença de um grupo TV –
Vídeo.
Carga Horária: a definir

Por fim, queremos destacar outro elemento presente no Marabaixo


que o identifica com a religiosidade afro-brasileira, a ludicidade. Vejamos o
que Videira (2009) traz sobre isso

O festejo do Ciclo do Marabaixo é dividido em duas partes: o lado


religioso e lúdico. O primeiro envolve as ladainhas – nove para cada
santo (Divino espírito santo e Santíssima Trindade), rezadas em latim
popular, missas oferendas e promessas. O segundo é composto da
dança propriamente dita, regado a gengibirra, cozidão (comida típica),
cantigas, dança e instrumento de percussão (VIDEIRA, 2009, p. 101 -
102)

Apesar da divisão proposta pela autora, sabe-se que para os


participantes, o momento lúdico não ocorre como elemento à parte do
Ciclo, ou seja, não há uma dicotomia religioso-profano, antes, a presença
de elementos religiosos com lúdicos faz parte do mesmo ritual, reza e
festejos acontecem harmonicamente. Diríamos então que a ludicidade é
1001
Anais do Congresso Nacional de Ensino Religioso

parte intrínseca ao Ciclo do Marabaixo, e o caracteriza como expressão da


religiosidade de raiz africana, afinal, ―O que aqui se propõe não é a
oposição, nem dualismo, nem mera identificação; mas descoberta gradual
da dimensão religiosa presente em toda experiência humana, pessoal ou
comunitária. Esta dimensão dá sentido novo a todos os setores da vida e
suas manifestações‖ (GRUEN, 1994, p. 117).
Nesse aspecto o profissional de Ensino Religioso apresenta aos
alunos alegria, descontração, brincadeira e a dança como parte inerente a
expressão religiosa afro-brasileira, presente também no Marabaixo.
Quanto mais os alunos conhecem sobre os princípios presentes no
Marabaixo, mais saberão respeitar, valorizar e até participar do festejo,
enquanto tradição cultural e religiosa que nos identifica enquanto afro-
brasileiros dando-nos sentido a nossa existência.

Cada comunidade religiosa possui sua maneira de apresentar e


representar o Transcendente no qual acredita, tem fé; essa maneira é
muito importante porque ―da força‖ às pessoas para enfrentarem suas
dificuldades e também gerar unidade entre os membros da
comunidade (ROMANIO, 2009, p 68).

Como sugestão de atividade os alunos divididos em dois ou três


grupos fariam painéis com representações do ciclo com uma breve
explicação na parte inferior do Painel.

Conclusão
Diante da possibilidade de olhares que o fenômeno do Marabaixo
permite-nos fazer, tentou-se nesse artigo realizar uma breve descrição
dessa manifestação, além de identificar e analisar princípios e elementos
de matriz religiosa africana presente no Ciclo que o torna (ao lado das
religiões de terreiro) símbolo de expressão religiosa afro-brasileira no
Amapá, dignos de serem abordados nos contextos educativos da disciplina
Ensino Religioso.
Mesmo com toda exterioridade católico-romana foi possível perceber
que no Ciclo do Marabaixo, há inúmeros princípios e elementos
(ancestralidade, oralidade, circularidade, toque dos tambores, ludicidade)
que o associam às matrizes religiosas africanas, o que o torna um legítimo
representante da religiosidade afrodescendente no Amapá.

1002
FONAPER

Considera-se assim, que o Ciclo do Marabaixo realizado em Macapá,


traz na sua essência princípios e elementos que o identificam com a matriz
religiosa africana, e que podem receber um tratamento didático-
pedagógico tornando-os além de apresentáveis aos alunos enquanto
componentes dignos de serem conhecidos, valorizadores e respeitados,
tais princípios podem ser usados pala elevar a autoestima dos alunos
afrodescendentes, valorizar seu pertencimento étnico-racial e se
orgulharem de sua ascendência africana.
Concomitantemente, acreditamos, conforme Geertz (1978) que todos
esses componentes imbricados no Ciclo do Marabaixo atuam como
sistemas simbólicos que modelam o comportamento de seus participantes
(re)criando seus ethos e (re)definindo suas visões de mundo, alterando o
panorama do senso e comum e como última consequência lançando luz
sobre sua existência.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Orientações e ações para educação


das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD, 2010.

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