6 Regional
SEGUNDA-FEIRA, 8 DE NOVEMBRO DE 2010
Victor Lamberto*
T
erminou a 8.ª edição
do Salone Interna-
zionale del Gusto,
que decorreu entre 21 e 25 de
Outubro em Turim, cidade que
se converteu, durante esses dias,
e uma vez mais, na capital dos
melhores alimentos tradicionais
e da melhor gastronomia popu-
lar. Este evento é organizado pelo
movimento Slow Food e celebra-
se de dois em dois anos em
simultâneo e em colaboração
com o Terra Madre, a grande
comunidade mundial do ali-
mento.
O tema deste ano foi “Alimen-
tos +/= Territórios – 2010,
uma nova geografia para o
planeta Terra”, evidenciando a
importância do território na
produção de alimentos de quali-
dade - através da comida cada
território exprime as suas carac-
terísticas peculiares e reconhecí-
veis. Assim, a presença das
numerosas e variadas regiões
presentes nos dois eventos orga-
nizou-se por espaços distribuídos
por regiões, cada qual apresen-
tando os seus produtos, projec-
tos e cozinhas.
O Salone del Gusto, que
decorreu no espaço da Lingotto
Fiere, enorme centro de exposi-
ções resultante da reconversão
da histórica e inovadora fábrica
da FIAT Lingotto di Torino
(1922-1982), atraiu aos mais de
900 stands de comida e bebida
artesanais de qualidade de todo
o mundo, à enoteca, aos labora-
tórios do gosto, às palestras à
mesa, às conferências, etc., um
número recorde de visitantes,
mais de 200.000, dos quais 30 %
provenientes de fora de Itália,
desde gastrónomos anónimos a
chefs de cozinha de renome
(www.salonedelgusto.it).
Pub.
O ALENTEJO NA CAPITAL DO GOSTO…
O Salone del Gusto…
Além dos pequenos produto-
res de qualidade presentes, foi
dada relevância à educação, com
ênfase no futuro da produção,
através do aumento da sua com-
preensão e do estímulo ao
debate, e na apresentação de
alimentos em risco de extinção
– cerca de 1/3 dos stands estavam
atribuídos a Fortalezas Slow
Food (projectos de apoio à pro-
dução de alimentos tradicionais,
de pequena escala, que correm o
risco de desaparecimento, e às
populações deles dependentes)
– 182 italianas e 106 não italianas,
uma das quais a do português
chouriço mirandês.
O Terra Madre, que contou
igualmente com a participação
destes projectos, decorreu no
adjacente Palasport Oval Lin-
gotto, construído para os Jogos
Olímpicos de Inverno de 2006,
e reuniu sectores da produção
alimentar de 150 países empe-
nhados na defesa e promoção
da produção que respeita o
ambiente, salvaguarda a diversi-
dade alimentar e advoga a justiça
social – comunidades de alimen-
tos, chefs, estudantes e académi-
cos, comunidades de aprendiza-
gem (www.terramadre.info)…
O Terra Madre…
A continuidade entre o Salone
del Gusto e o Terra Madre, que se
interligavam espacialmente atra-
vés de uma área de “comida de
rua” (street food), foi evidenciada
pela extraordinária participação
nas conferências, sobretudo das
que abordaram temas ambientais
e sociais (e.g. embalagens susten-
táveis, land grabbing) e nas ini-
ciativas educacionais (e.g. mais de
5000 adultos no “Slow Food
Educa” e de 1000 crianças no
curso de educação do gosto).
No Ano Internacional da Bio-
diversidade, o Terra Madre e o
Salone del Gusto constituíram um
espectáculo multicolor de alimen-
tos e tradições, músicas e artesa-
natos, ao longo de um oceano de
sabores e saberes impossível de
visitar e usufruir em três dias, com
espaços de exibição de produtos
integrantes da Arca do Gosto e de
Fortalezas Slow Food, de degus-
tação e, em muitos casos, de
preparação culinária… Uma
excelente representação do que é
a biodiversidade que, dada a sua
extensão, permitia, mesmo ao
visitante mais resistente e atento,
somente a recolha de algumas
recordações, imagens, sabores e
endereços para ulteriores contac-
tos!
Um stand de queijos franceses…
Nestes eventos de importân-
cia internacional, realizados
num dos países com mais pro-
dutos alimentares de qualidade
e eficaz valorização dos mesmos,
Portugal marcou presença com
uma delegação de elementos do
Norte, Oeste e Alentejo, em
representação de produtos úni-
cos, como os que integram a
Arca do Gosto do Slow Food - a
laranja de Ermelo, o chouriço
mirandês, a broa de milho de
Arcos de Valdevez, o feijão tar-
restre da Serra da Peneda e o
doce de escorcioneira.
O Alentejo esteve presente
com uma comitiva de três ele-
mentos, tendo participado no
Terra Madre e no Salone del
Gusto em representação do
projecto Educação do Gosto/
Slow Food in the Canteen da
escola EB1 de Canaviais
(Évora), um dos primeiros a
nível mundial, do doce de
escorcioneira, incluído na Arca
do Gosto, e dos enchidos sin-
gulares de A zaruja, candidatos
à entrada na referida Arca. A
presença do Convivium Alentejo
contou com dois chefs, Luís
Mourão (Hotel Convento do
Espinheiro) e Miguel Vaz Oli-
veira (Esporão), os únicos pre-
sentes na delegação portuguesa.
Estes dinâmicos chefs, membros
do nosso convivium, confeccio-
naram e deram a degustar à
imensa multidão presente no
Salone del Gusto, no stand do
chouriço mirandês, enchidos
singulares de Azaruja, nomeada-
mente a batateira de Azaruja,
assada e à Braz, e a escorcioneira
«eborense», sob a forma de doce
de colher e de raiz cristalizada,
sabores que deslumbraram os
exigentes degustadores e con-
duziram ao quase imediato
desaparecimento dos acepipes
preparados! Um evidente
sucesso, como se depreende, e
que importa desenvolver…
Os chefs Miguel Vaz Oliveira
e Luís Mourão na cozinha do
Salone del Gusto
Os enchidos de Azaruja e a
escorcioneira preparadas
para a degustação…
A terminar, refira-se que o
espaço Lingotto onde decorreu
esta Arca de Noé do alimento é
adjacente à antiga fábrica do pri-
meiro vermute, o Carpano Punt e
Mes (1786) infelizmente uma
raridade em Portugal, e onde agora
se encontra instalado o Museu
Carpano e a Eataly, organização
alimentar parceira do Slow Food
com extenso e fascinante espaço
de venda de produtos de elevada
qualidade – os ditos produtos
gourmet agora tão em voga em
Portugal…
A importância do Slow Food na
diário do SUL
defesa da alimentação “boa, limpa
e justa”, que é claramente eviden-
ciada pelo facto de promover, entre
outros aspectos, a troca de infor-
mação, a ligação com o mundo
alimentar, a aprendizagem nas suas
universidades e fundações, a pro-
tecção de sabores e saberes, a
organização da produção, sai refor-
çada pela exibição de produtos em
grandes escaparates, como o
Salone Internazionale del Gusto e
o Terra Madre…
Desejamos que a próxima par-
ticipação portuguesa, em 2012, seja
maior, e que o Alentejo esteja
presente com mais delegados,
projectos educativos, produtos
únicos da Arca do Gosto, chefs e
Fortalezas de alguns dos nossos
sabores… Para tal, o Convivium
Alentejo do Slow Food prosseguirá
no desenvolvimento de diversas
acções e projectos no nosso
extenso território, como sejam a
Educação do Gosto, a recuperação
e promoção da escorcioneira e dos
enchidos singulares de Azaruja, e
o envolvimento no próximo Terra
Madre Day, que terá lugar em todo
o mundo no próximo dia 10 de
Dezembro, à imagem do ano pas-
sado, quando contou com mais de
1000 eventos distribuídos pelos
cinco continentes…
Por fim, um sincero agradeci-
mento aos «produtores» que
cederam graciosamente as suas
iguarias únicas e aos chefs que as
confeccionaram nestas grandes
vitrinas do mundo dos sabores
Slow Food, que deslumbraram
uma vez mais com cenários que
terão que merecer a devida atenção
por parte dos portugueses interes-
sados, de alguma forma, na alimen-
tação!
“A variedade
é a alma do prazer”
(Aphra Behn, The Rover, 1677)
* gastronauta inquieto
leader do Convivium Alentejo
(Slow Food)
slowfoodalentejo@gmail.com