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Introdução

O fracasso do socialismo como princípio de


ordenamento social é hoje evidente para
qualquer pessoa sensata e informada — o que
exclui, é claro, os socialistas. Estes, porém,
insistem que o malogro coletivista foi um mero
acidente histórico, que a teoria é
fundamentalmente correta e que pode funcionar
no futuro, se presentes as condições apropriadas.
Tentarei demonstrar nesse texto, recorrendo na
medida das minhas limitações aos ensinamentos
da escola austríaca de economia, que
absolutamente não é esse o caso, que a teoria
econômica (para não falar dos fundamentos
filosóficos, éticos, sociológicos e políticos!) do
socialismo é insustentável em seus próprios
termos, e que ipso factoos resultados calamitosos
constatados pela experiência histórica são, e
sempre serão, uma consequência inevitável de
uma ordem (rectius: desordem!) socialista. Não é
preciso enfatizar a importância de se ter plena
consciência da natureza perniciosa dessa corrente
política e de suas funestas implicações, uma vez
que em nosso país um poderoso movimento
totalitário está muito próximo de tomar o poder.
O erro dos clássicos
O núcleo do pensamento econômico
socialista está na concepção do valor como
decorrente do volume de trabalho necessário
para a produção das mercadorias, e isso não só
em Marx como também em outros teóricos como
Rodbertus, Proudhon etc. Essa teoria do valor
constitui a premissa elementar da qual a mais-
valia e a exploração são deduzidas.
Marx, como se sabe, não inventou a teoria
do valor-trabalho. Ela foi exposta bem antes por
Adam Smith e David Ricardo e, dada a autoridade
desses mestres, ganhou foros de ortodoxia. É
difícil entender como esses dois pensadores
notáveis, cujas descobertas foram realmente
magníficas, puderam fracassar tão cabalmente
justamente na questão crucial do valor. Talvez
por causa dos avanços das ciências naturais, que
estavam revelando propriedades antes
insuspeitadas nas coisas, eles imaginaram que era
mais “científico” considerar o valor também como
um atributo da coisa.
Vários pensadores antes de Smith já tinham
tido o insight correto: o valor das coisas depende
da avaliação subjetiva de sua utilidade. O valor
está na mente dos homens. Hoje se sabe que os
filósofos escolásticos e os primeiros economistas
franceses, Cantillon e Turgot, haviam concebido
uma teoria econômica superior em muitos pontos
a dos clássicos britânicos, sobretudo quanto ao
valor. Smith e Ricardo, porém, puseram a
economia na pista errada com uma teoria do
valor falaciosa e, nesse aspecto, causaram um
grave retrocesso no pensamento econômico.
Mas não por muito tempo. Enquanto Marx
e outros pensadores socialistas faziam da teoria
objetiva do valor a pedra fundamental de sua
doutrina, diversos estudiosos já haviam
constatado o desacerto dessa teoria e,
independentemente, buscavam alternativas. Em
todo caso, não seria exagero afirmar que Marx foi
um economista clássico ortodoxo e que seus
mestres, Ricardo em especial, podem ser
considerados os fundadores honorários
involuntários do socialismo “científico”. Por
ironia, o “revolucionário” Marx foi um
conservador extremado em teoria econômica,
enquanto que os economistas “burgueses”
austríacos empreenderam uma verdadeira
revolução nesse campo científico.
A redescoberta da subjetividade do
valor
Vários economistas, entre eles o austríaco
Carl Menger, chegaram basicamente à mesma
conclusão que seus esquecidos antecessores pré-
clássicos: o valor é subjetivo. A teoria subjetiva
do valor — ou teoria da utilidade marginal —
resolve o problema satisfatoriamente, sem deixar
lacunas. O valor nada tem a ver com a
quantidade de trabalho empregada na produção
da coisa, mas depende de sua utilidade para a
satisfação de um propósito de uma determinada
pessoa. A utilidade decresce à medida que mais
unidades de um dado bem são adquiridas, posto
que a primeira unidade é empregada na função
mais urgente segundo a escala de valores de cada
um, a segunda unidade exerce a função
imediatamente menos urgente etc.
Para um sujeito que já tem uma televisão,
por exemplo, ter outra já não tem a mesma
urgência — dito de outra forma, as TVs são
idênticas, exigiram a mesma quantidade de
trabalho na sua produção, mas não têm o mesmo
valor. Cada indivíduo tem uma escala de valores
diferente, e o que é valioso para um pode não
valer nada para outro. Até para o mesmo
indivíduo a utilidade — e daí o valor — de um
determinado bem varia no tempo.
Isto posto, é fácil verificar que os preços
refletem a interação entre ofertantes e
demandantes, cada um com sua respectiva escala
de valores. Compradores e vendedores potenciais
expressam suas preferências no mercado,
condicionadas por suas valorações pessoais e
intransferíveis, e dessa interação surge uma razão
de troca, um preço, que vai variando para igualar
oferta e procura ao longo do tempo, de modo que
em um determinado instante todos os que
valoram o que querem adquirir (no caso a TV)
mais do que o que se propõem a dar em troca (no
caso um preço monetário x) conseguem comprar
o produto.
O fabricante de TVs, segundo Marx,
primeiro fabrica o produto e da quantidade de
trabalho por unidade sai o valor e,
consequentemente o preço. Isso é precisamente o
inverso do processo real. Na verdade, o
fabricante inicialmente faz uma estimativa de um
certo preço que ele espera que atraia
compradores e esgote o estoque — compradores
que valorem mais a TV do que o dinheiro
correspondente ao preço. Em seguida, ele calcula
o custo de produção aos preços correntes e, se for
suficientemente inferior à receita final prevista, aí
sim ele contrata e combina os fatores de
produção para obter o produto. Não é pois o
trabalho ou de modo geral o custo de produção
que determina o valor e o preço. É justamente o
contrário: o preço projetado determina o custo de
produção.
O emaranhado de falácias marxistas
Visando definir o valor com mais rigor do
que Ricardo e levar a teoria às suas últimas
consequências lógicas, Marx acaba demonstrando
involuntariamente a invalidade das proposições
pertinentes. Como seus antecessores, Marx
distingue entre valor de uso e valor de troca.
Para ele, as trocas só ocorrem quando coincide a
quantidade de trabalho empregada no que se dá e
no que se recebe. Só há troca, pois, nos termos
marxistas, quando há coincidência de valor, que
por sua vez é função do volume de trabalho
despendido. Ocorre que essa linha de raciocínio
logo esbarra em um obstáculo insuperável: o
trabalho é heterogêneo. Na ausência de
homegeneidade, não há como tomar o trabalho
como unidade de conta e medida de valor. Marx
tenta superar o problema com os conceitos de
trabalho “simples” e trabalho “complexo”, fixando
uma proporção entre eles, mas falha totalmente.
Como os preços flutuam, Marx decreta que essas
variações são ilusórias; o real é um certo “preço
médio” que equivale ao valor, que equivale ao
volume de trabalho despendido na produção do
bem.
Ao procurar fugir da rede de falácias que vai
tecendo, Marx incorre em uma óbvia petição de
princípio que até hoje engana os ingênuos: a
medida do valor seria a quantidade de trabalho
“socialmente necessário” para a produção de
determinada mercadoria. Ora, só podemos saber
o que é “socialmente necessário” investigando o
que leva os indivíduos que compõem uma
sociedade a valorar uma coisa o suficiente para
que sua fabricação seja “socialmente necessária”.
Por que são produzidos mais CDs de axé do que
de música clássica? Por que o pagode é mais
“socialmente necessário” do que a música
erudita? Porque há muito mais gente que gosta
de pagode do que os que preferem música
erudita.
Fica claro que o que foi dado como provado,
que o valor depende da quantidade de trabalho
“socialmente necessário”, é precisamente o que se
necessita provar. O que é “socialmente
necessário”? É aquilo que os indivíduos desejam.
Sendo assim, é evidente que temos que procurar
o valor das coisas nas preferências individuais,
não no custo de produção. Ademais, o trabalho
não é o único fator de produção. Marx
evidentemente sabe que o trabalho sem o fator
terra — os recursos naturais — é inútil e vice-
versa. Ele assevera que só o trabalho humano
cria valor, pois a natureza é passiva.
Mas se o trabalho isolado é incapaz de criar
valor, o que nos impede de afirmar que o valor
depende da quantidade de recursos naturais
“socialmente necessários” à produção disso ou
daquilo? E, como toda produção demanda
tempo, por que não pode ser o valor definido
como a quantidade de tempo “socialmente
necessário” para a fabricação de uma mercadoria?
Nessa ordem de idéias, mais lógico seria conceber
o valor como função da quantidade de trabalho,
terra, tempo e capital “socialmente necessários”
para a produção de um bem. No fim das contas, é
isso mesmo que Marx faz no vol. III de O Capital,
relacionando o valor ao custo de produção,
contradizendo sua própria concepção do valor-
trabalho exposta no vol. I.
Para a teoria subjetiva, todavia, não há
mistério e não há exceções: o “valor de troca” não
é função do trabalho ou do custo de produção, e
jamais pressupõe igualdade de valor. Se eu dou
tanto valor ao que me proponho a trocar quanto
ao que me é oferecido, simplesmente não troco.
Só há troca quando os valores são diferentes,
quando cada parte quer mais o que recebe do que
o que dá. O contrato de trabalho não foge à
regra. Cada contratante valora mais o que dá do
que o que recebe, logo não há exploração. De
fato, provando-se a falsidade da teoria do valor-
trabalho, invalida-se inexoravelmente a
exploração e a mais valia, e todo o edifício teórico
deduzido dessa teoria desaba como um prédio de
Sergio Naya.
Ademais, baseando-se na “lei de ferro dos
salários”, segundo a qual sempre que a
remuneração do trabalho subisse acima do nível
de subsistência os “proletários” aumentariam a
sua prole, trazendo os salários de volta para o
nível de subsistência original, Marx assegurou
que o capitalismo engendrava a miserabilização
crescente do proletariado. Trata-se de uma tese
contraditória em seus próprios termos, vez que se
a tendência fosse a de que a remuneração do
trabalho permanecesse estagnada num patamar
de miséria não haveria uma miserabilização
“crescente”, e sim uma “miserabilidade
constante”.
Na verdade, o padrão de vida dos
trabalhadores não cessou de aumentar nos países
capitalistas avançados, o que é o resultado
natural da liberdade individual de maximizar a
utilidade — o valor — nas trocas livres,
voluntárias e mutuamente benéficas travadas no
que se chama economia de mercado. A
consequente acumulação de capital investido per
capita em grau maior do que o aumento
demográfico da força de trabalho torna o
trabalho cada vez mais escasso em relação ao
capital — e os salários reais cada vez mais altos.
Marx, como é comum entre os intelectuais,
odiava a divisão do trabalho. Mas foi o
aprofundamento da divisão do trabalho que
permitiu o aumento da produtividade do
trabalho e o consequente aumento do poder
aquisitivo real dos salários. O “alienado” operário
que aperta parafusos na linha de montagem é
recompensado pelo fato de que a produtividade
do seu trabalho é tal que lhe permite adquirir
produtos antes sequer existentes e ter um padrão
de vida muito superior ao artesão autônomo do
passado que controlava todo o processo de
produção.
Marx acreditava que a livre concorrência
levaria a uma superconcentração do capital. Na
verdade, a concorrência força sem parar a
redução de custos e preços, resultando em uma
melhor utilização de recursos escassos e os
liberando para emprego em novas linhas de
produção. Marx não distinguiu o capitalista do
empreendedor. Na realidade, capitalista é todo
aquele que consome menos do que produz —
que poupa. Hoje, nos países civilizados, os
trabalhadores são capitalistas e suas poupanças
reunidas em grandes fundos de pensão e
investimentos capitalizam empresas no mundo
todo. O empreendedor é todo aquele que
vislumbra um desequilíbrio entre a valoração
corrente de custos e preços futuros de um
produto qualquer, e enxerga nele uma
oportunidade de oferecer aos consumidores
coisas que eles valoram mais do que o seu custo
de produção. A figura do empreendedor é
insubstituível — o estado não pode exercer esse
papel. Isso os comunistas (e não apenas os
comunistas!) puderam verificar na prática, para
sua tristeza.
No sistema de Marx, como vimos, as trocas
pressupõem igualdade de valor entre os bens
negociados. Acontece que, como demonstrado
acima, as trocas pressupõem precisamente o
contrário: desigualdade de valor. Ou não há
troca alguma. Assim, se a realidade se
comportasse como na teoria de Marx, não haveria
trocas. Na realidade, ninguém trabalharia sequer
para si mesmo, posto que tal atividade envolve
uma substituição de um estado atual considerado
pelo agente como insatisfatório por um estado
futuro reputado como mais satisfatório. Quer
dizer, até o trabalho autônomo envolve uma
troca e valores desiguais. O mundo de Marx seria
povoado por seres autárquicos, autísticos e
estáticos. Um mundo morto. Não admira que os
regimes socialistas sofram invariavelmente de
uma tendência para a completa estagnação e
paralisia da atividade econômica.
A lei da preferência temporal
Outra descoberta fundamental, feita por um
discípulo de Carl Menger chamado Eugen von
Bohm-Bawerk, relaciona-se com a influência do
tempo no processo produtivo. Ele percebeu uma
categoria universal da ação humana: as pessoas
dão mais valor a um bem no presente do que o
mesmo bem no futuro, posto que o tempo é
escasso, e logo é um bem econômico. Os
indivíduos ao agirem elegem determinados fins e
quanto mais cedo puderem alcançá-los, melhor.
Partindo desse axioma, ele obteve a
explicação definitiva do fenômeno do juro, e
mais, que o juro nas operações de crédito
financeiras é um caso especial de um fenômeno
geral. A produção demanda tempo; do início da
produção até a venda do produto há uma
demora, sem falar no risco de o produto não ser
vendido. Ocorre que ninguém quer esperar até
que a venda ocorra para receber sua parte no
total — isso se a venda realmente acontecer, e o
preço for recompensador. Os proprietários dos
fatores de produção — os trabalhadores, os
proprietários do espaço alugado, os fornecedores
de insumos, os donos dos bens de capital —
querem receber logo sua parte sem partilhar dos
riscos. Dito de outra forma, eles preferem bens
presentes a bens futuros. Mas os bens presentes
sofrem um desconto. Daí receberem menos
agora do que receberiam no futuro. Ficam livres
do risco, que é assumido pelo empreendedor e
pelos poupadores que lhe outorgaram seus
recursos.
A parcela que um determinado trabalhador
agrega ao produto final — o valor do produto
marginal, como dizem os economistas — pode ou
não ser remunerado integralmente. Há
frequentemente casos em que o trabalhador
recebe mais do que produziu, quando o preço
não cobre os custos, o que não tem explicação
pela teoria marxista. O capitalista paga a mais-
valia ao proletário! O que é certo é que na
economia de mercado há forças operando
incessantemente para igualar o salário ao valor
do produto marginal. Tanto o lucro quanto o
prejuízo são sinais de desequilíbrio. Os prejuízos
significam que os compradores não valoram um
determinado bem mais do que o dispêndio
mínimo corrente para produzi-lo. Os
trabalhadores estão recebendo mais do que o seu
trabalho produz. O empresário tem que reduzir
custos para reduzir o preço do seu produto, ou
quebra.
O lucro significa que os consumidores
valoram um dado bem a um dado preço mais do
que o custo de produzi-lo. Os trabalhadores estão
recebendo menos do que o valor do produto
marginal. Isso quer dizer que os compradores
querem mais desse produto. O retorno alto atrai
a concorrência, o que aumenta a demanda por
fatores de produção — trabalho incluso — e faz
cair o preço pelo aumento da oferta do produto.
A taxa de lucro baixa e os salários tendem a
igualar o valor do produto marginal, descontada a
taxa social de preferência temporal — o juro.
Marx nunca compreendeu — ou não quis
compreender — que o empreendedor é um
preposto dos consumidores e que são estes quem
determinam indiretamente o nível de
remuneração dos fatores de produção — salários
inclusos. A tarefa dos empreendedores é
satisfazer os caprichos dos consumidores. Nessa
função ele deve assumir riscos pois o futuro é
sempre incerto. Nota-se, pois, o absurdo da
condenação da produção “para o lucro” pelos
marxistas vulgares e sua veneração pela produção
“para o uso”. Sucede que toda produção sempre
tem por fim o consumo, i.e., o uso. A produção
não é um fim em si mesmo, e sim um meio para
se alcançar um fim: o consumo. O lucro e as
perdas monetários são sinais fundamentais que
orientam os empresários a organizar
eficientemente a produção de modo a satisfazer
os usos mais urgentemente desejados pelos
usuários (pressupondo-se a ausência de
privilégios concedidos pelo governo aos
produtores em detrimento dos consumidores,
tais como tarifas, monopólios, subsídios, licenças
etc).
A lei da preferência temporal exerce um
papel determinante no processo produtivo. Se
todos os proprietários de fatores (os empregados
donos de sua força de trabalho, os fornecedores
de insumos, o proprietário do espaço onde a
fábrica ou loja se situa, os capitalistas) decidissem
partilhar do risco e aguardar até a efetiva venda
do produto final total para então dividirem pro
rata a receita total, todos eles seriam
empreendedores. Como, porém, o ser humano
prefere o mesmo bem agora ao futuro (que é
sempre incerto), surge a necessidade social de
que um indivíduo, ou grupo de indivíduos
reunidos (empresa), exerça essa função
empreendedorial, que é absolutamente
indispensável para o progresso da sociedade.
O empreendedor, assim, paga agora aos
proprietários de fatores com bens presentes em
troca de receber os mesmos bens (dinheiro) no
futuro, correndo o risco de não receber. Esse
desconto dos bens presentes em termos de bens
futuros, como já assinalado, é o que se chama de
juro.
A impossibilidade do cálculo econômico
no socialismo
Tendo demonstrado satisfatoriamente que a
crítica marxista ao capitalismo é inteiramente
equivocada, resta empreender por nosso turno a
crítica ao sistema socialista, conforme idealizado
por Marx, seus sucessores e outras correntes
socialistas. Esse sistema exige a propriedade
pública dos meios de produção — terra, trabalho
e capital — e o consequente planejamento
central de todas as atividades econômicas.
A primeira objeção que vem à mente é a
questão dos incentivos: quem planeja e quem
obedece às ordens do planejador ou
planejadores? Quem determina o padrão de
remuneração dos serviços e que padrão é esse?
Numa sociedade que se presume igualitária, a
remuneração deve ser igual para todos os tipos de
trabalho? Nesse caso, o neurocirurgião terá o
mesmo incentivo para exercer suas funções que o
lixeiro? Segundo os marxistas, cada um contribui
para a coletividade segundo as suas
possibilidades e recebe de um fundo comum
segundo suas necessidades. Já é possível até aqui
imaginar a complexidade do problema.
Pois um discípulo de Bohm-Bawerk, Ludwig
von Mises, foi mais além, atingindo a raiz do
problema do socialismo, que é ainda mais
profunda do que a complicação dos incentivos
permite vislumbrar. Mises descobriu que a
atividade econômica em uma economia complexa
depende de um cálculo prévio que leve em conta
os preços monetários dos fatores de produção.
Impossível esse cálculo, impossível a atividade
econômica.
Ocorre que, em uma sociedade socialista
pura, todos os fatores de produção pertencem a
um único dono: o estado. Sem propriedade
privada, os fatores de produção não são trocados
e, logo, não têm preço. A escassez relativa dos
fatores de produção e seus usos alternativos fica
oculta e o planejador central inexoravelmente é
levado a agir às cegas. Mises admitiu, para
argumentar, que a questão dos incentivos não
apresentasse nenhum obstáculo, que todos se
empenhassem diligentemente em suas tarefas.
Ou seja, postula-se que a natureza humana seja
aquela que os teóricos socialistas quiserem que
ela seja, não o que ela de fato é. Mesmo assim, na
ausência de preços para os fatores de produção, o
cálculo econômico é impossível e a atividade
econômica se torna caótica, vez que não se pode
discernir entre os vários tipos de combinação de
fatores aquele que é o mais econômico.
Dado um determinado estado de
conhecimento tecnológico, sempre existem
inúmeras maneiras de se empreender um projeto
econômico qualquer, digamos uma siderúrgica,
mas somente se a escassez relativa dos fatores de
produção for expressa em preços monetários será
possível escolher dentre as soluções técnicas
possíveis aquela que é mais econômica, ou seja, a
que representa os menores custos em relação ao
preço futuro do produto final, e só assim será
possível avaliar ex ante se o projeto sequer é
economicamente viável no momento.
Como nada disso é a priori possível em uma
sociedade socialista, todos os empreendimentos
tocados pelo estado não passam de um
gigantesco desperdício de recursos que mais cedo
ou mais tarde leva ao colapso econômico. A
experiência comunista comprovou tudo isso,
muito embora não tenha nunca existido uma
sociedade socialista realmente pura. A URSS
podia usar o sistema de preços do mundo
capitalista como referência e copiar seus métodos
de produção, e um florescente e gigantesco
mercado negro supria até certo ponto as
monumentais falhas do planejamento estatal.
Mesmo assim, a economia soviética sempre foi
um caos. Funcionou por algum tempo graças ao
uso sistemático do terror como “incentivo”. Mas
o terror não pode durar para sempre. Quando
arrefeceu, foi-se o incentivo e a economia
comunista anquilosou rapidamente e morreu.
A natureza dispersa do conhecimento
A crítica de Mises publicada em 1920 causou
consternação na intelligentsia socialista. Ao
menos o desafio foi levado a sério e muitas
respostas foram aventadas. Nos anos 1930, alguns
economistas socialistas (Oskar Lange, Abba
Lerner) formularam a teoria do “socialismo de
mercado”, baseada nas idéias do economista do
século XIX Léon Walras, que concebeu um
método de equações matemáticas capazes de
permitir a compreensão do estado geral de
equilíbrio de uma economia. Tudo o que se fazia
necessário, pois, era outorgar certa autonomia
aos gerentes das unidades produtivas de modo
que igualassem o preço do produto ao custo
marginal para que o comunismo funcionasse tão
bem como o capitalismo.
Muitos economistas liberais eminentes,
como Joseph Schumpeter e Frank Knight,
aceitaram a validade dessa solução e se
convenceram de que não havia obstáculos
econômicos ao socialismo. Ainda outro
economista austríaco, contudo, Friedrich Hayek,
discípulo de Mises, desenvolveu certos aspectos
implícitos na análise de seu mestre para refutar a
“solução” socialista. O esquema walrasiano
padece de um defeito fatal: é estático. O
conhecimento técnico, os recursos e as
informações são considerados dados no sistema.
Hayek argumentou que o conhecimento é
disperso na sociedade e a sua utilização racional é
levada a efeito por cada indivíduo traçando seus
próprios planos segundo circunstâncias
personalíssimas e intransferíveis. O mercado
coordena esses planos espontaneamente,
sobretudo por intermédio do sistema de preços,
de forma muito mais racional e útil do que um
planejamento central poderia esperar fazer. O
planejamento central implica a supressão dos
planos individuais. Os indivíduos tornam-se
instrumentos do planejador central, mas esse não
pode ter jamais a esperança de coordenar a
produção racionalmente. O estado de equilíbrio é
uma quimera que não tem lugar no mundo real,
dinâmico por natureza, e o conhecimento, as
oportunidades e a informação nunca estão
“dados”. Ao contrário, estão sendo
incessantemente criados e ampliados através das
iniciativa individuais e suas interações.
Mesmo assim, Mises e Hayek foram tidos
como refutados e relegados ao ostracismo pela
comunidade dos economistas. Mises morreu
esquecido em 1973, mas Hayek viveu o suficiente
para rir por último quando o comunismo
soçobrou e todas as análises de ambos se
revelaram certas. Ele morreu em 1992, após
testemunhar a queda do Muro de Berlim e o
colapso soviético.
Conclusão
Provar que na economia de mercado não
existe mais-valia nem exploração, todavia, não é o
mesmo que dizer que a exploração não existe.
Existe. Ela ocorre quando somos forçados a dar
alguma coisa em troca de nada, como no caso dos
tributos recolhidos pelo estado. O estado é a
máquina perfeita de exploração. E o marxismo,
por conferir um poder absoluto ao estado, é o
veículo insuperável da exploração sistematizada.
A doutrina socialista por ser
intrinsecamente falsa leva inevitavelmente a uma
perversão e inversão do sentido das palavras,
como notou Orwell — por ironia ele mesmo um
socialista convicto. Liberdade é escravidão e
escravidão é liberdade; democracia é ditadura e
ditadura é democracia; cooperação voluntária é
coerção e coerção é cooperação voluntária. O
estado socialista é dono de tudo, o que traduz a
triste realidade de que os que comandam o
governo são os senhores implacáveis, os
proprietários absolutos dos comandados.
Socialismo é mais do que uma restauração da
escravidão; é seu aperfeiçoamento e culminância.
Vale lembrar ainda que a análise acima vale
para qualquer espécie de socialismo, seja o
comunismo (socialismo de classe), nazismo
(socialismo de raça) ou fascismo (socialismo de
nação).
Tudo o que foi exposto aqui é conhecido há
décadas. Contudo, pouca gente sabe pois
a intelligentsia de esquerda bloqueia a sua
divulgação. É uma vergonha, pois uma das
tarefas principais dos intelectuais — os que se
dedicam ao estudo das idéias — deveria ser
justamente a de esclarecer a sociedade a respeito
das idéias certas a serem adotadas para o bem
comum, e advertir do perigo de se aceitar teorias
erradas. Mas não é isso que acontece,
infelizmente.
Parece que os intelectuais sofrem de uma
propensão irreprimível para o socialismo,
certamente porque nele vislumbram a chance de
empalmar o poder absoluto em causa própria.
Em termos marxistas, o próprio marxismo não
passa de ideologia, a falsa consciência, que uma
classe — a intelligentsia — difunde em função de
seus próprios interesses. Essas falsas idéias se
propagam e iludem — alienam — as futuras
vítimas da classe “revolucionária”. É um dever
inadiável de todo cidadão consciente denunciar
esse esquema podre, desmascarar a falácia
socialista e esclarecer a opinião pública na
medida de suas possibilidades.

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