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In: DAVIS, Horace B.

Para uma teoria marxista do


nacionalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 225-265.

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As Classes Sociais e a
Formação de Nações: Fanon,
Cabral e a Luta de Libertação Africana

É ao nos voltarmos para a África que sentimos mais aguda­


mente a falta de uma teoria adequada do nacionalismo.
Temos ali literalmentè dezenas de países com a indepen­
dência política já conquistada ou na iminência de ser obtida,
com um mínimo de integração e pouca consciência de si
mesmos como nações, buscando estabelecer uma existência
independente e (acima de tudo) autoconsciente num mundo
que não é muito cordial. Onde irão procurar uma orientação?

O Colonialismo e a Construção de Nações


O problema de construir nações foi, para os africanos, em
grande parte um problema de amalgamar e finalmente anular
tribos. A tribo é um grupo de parentesco, que inclui tipica­
mente um certo número de clãs ou gentes; tem, em geral, uma
língua comum e um ancestral putativo ou mágico, também
comum. Uma tribo pode consistir em apenas algumas cente­
nas de membros.1 Em condições econômicas primitivas, a
tribo pode crescer até que segmentos seus se tornem inde­
pendentes entre si, e mesmo lutem entre si. Mas uma cons­
ciência da origem comum pode persistir e em momentos de
crise as tribos com uma língua e tradição comuns com
freqüência unem forças para uma ação conjunta ante a
emergência.
A federação de tribos assim formada recebeu várias
denominações. J. S. Coleman, por exemplo, chamou a cada
um dos três grandes grupos supertribais da Nigéria de uma
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“ nacionalidade”, palavra ainda usada na Europa Oriental para
um grupo lingüístico que não é constituído como Estado-
nação. Mas a federação tribal africana não é o mesmo que
uma nacionalidade européia, embora tenha pontos seme­
lhantes. Os antropólogos franceses, falando dessas federa­
ções, recorreram à palavra ethnie, que também serve para
indicar um grupo étnico. AnthonySmith usa a mesma termino­
logia (ver A. Smith, 1971:162). O africanista soviético I.
Potehkin, encontrando o campo aberto, usou a palavra russa
narodnost e sugeriu que todas as tribos passam pelo estágio
narodnost para se tornarem nações (Potehkin, 1957-1958:
62).
Na verdade, certos autores tentam evitar a questão de
como uma tribo se transforma em nação, simplesmente
equiparando as duas categorias ou, talvez devamos dizer,
equiparando o tribalismo na África com o nacionalismo na
Europa (Argyle, em Gulliver, 1969:41-58). Mas essa aborda­
gem não se sustenta ante a questão do tamanho: uma nação
tem certo tamanho mínimo (ver ibid., Introdução, na qual o
organizador discorda de seu colaborador). Há também uma
diferença mais decisiva entre uma nação e uma tribo: a nação
é organizada à base de território, ao passo que a tribo é um
grupo de parentesco.
A fusão de tribos relacionadas numa federação pode
ocorrer sob a pressão militar, ou pela conquista. Assim, na
África do Sul, na década de 1820, Chaka, o chefe da tribo zulu,
procurou colocar todas as tribos de Natal sob seu controle.
Como A. T. Bryant disse:
Tribos independentes... deixaram de ser independentes, as famílias
governantes foram caçadas ou exterminadas, todas as tribos sem
distinção foram fundidas e juntas puderam ser chamadas de nação
zulu, tendo Chaka à sua frente. (Citado em Wallerstein, 1966:564).

Essa “ nação” ou império foi, na realidade, ampla: o exército


zulu que enfrentou os holandeses em 1838 tinha, ao que se
afirma, um milhão de guerreiros.
Também é possível que a federação de tribos se forme de
maneira pacífica. Os Fangs, que haviam sido derrotados e
dispersados pelos zulus na África Centro-Meridional, conser­
varam porém uma língua comum e ancestrais comuns. Em
certa altura, alguns líderes se reuniram para provocar o
reagrupamento dos Fangs. Sua arma não era a força militar,
mas o folclore.
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Cada um dos mais de 150 clãs Fang considerava-se
descendente de Adzap Mboga, a árvore trespassada de
Adzap. A princípio, preocupados com questões de exogamia
e outras complicações, os líderes do reagrupamento se
contentaram em reunir apenas seis clãs numa unidade, com
novo nome. Todo clã tinha uma lenda de migração, na qual a
árvore trespassada tinha uma posição importante. Essa lenda
foi revista e atualizada, e em sua forma revista chegou a todas
as aldeias da área Fang (Norte do Gabão e Sul dos Camarões).
As autoridades do Gabão e da Guiné Espanhola daquele
período (princípios da década de 1950) tinham conhecimento
do que estava acontecendo e teriam gostado de impedir que
seus povos súditos se reunissem, mas era demasiado tarde
(Fernandez, em Wallerstein, 1966:587-90). Os Fangs já se
haviam tornado uma federação tribal autoconsciente — em­
bora nesse caso a federação, ou ethnie, não se tornasse a
base de uma nova nação.
Quando uma única ethnie (usaremos esse termo para a
federação tribal) é bastante grande para constituir uma
nação, os velhos costumes não são postos de lado na mesma
proporção em que isso ocorre num Estado multitribal, e a sua
persistência pode dificultar o progresso. Os somalis são um
exemplo disso. A Somália era constituída de duas colônias, a
italiana e a britânica. A ethnie que habita a Somália é, na
verdade, tão ampla que inclui também grandes segmentos dà
população dos países vizinhos, Etiópia e Quênia. A uniformi­
dade mesma da cultura deu estabilidade à velha estrutura
tribal, na qual a linhagem é característica importante. As
rivalidades das várias linhagens foram um fator de complica­
ções na vida social e econômica; o nepotismo predomina.
Assim, a Somália continua longe de ser um Estado moderno e
integrado (Lewis, em Gulliver, 1969:359, passim). Foi em
parte sob a alegação de que a modernização não se estava
processando com a devida rapidez que um grupo militar
assumiu o Governo em 1969.
I. M. Lewis vai a ponto de argumentar que um Estado com
uma multiplicidade de tribos pode ter uma melhor possibilida­
de de conseguir uma cultura nacional unificadora e moderna
do que a Somália monocultural (ibid). Mas isso é levar a idéia
demasiado longe. Os desastrosos resultados da política
imperialista de dividir para reinar em outras colônias são
evidentes. E, mesmo na ausência de um controle imperial
direto, os atritos entre diferentes grupos culturais chegaram,
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em alguns casos, à guerra civil, como no caso da Nigéria, que-
foi devastada por uma guerra civil entre tribos em 1967-1970.
A organização tribal da sociedade africana também impõe
limites à aplicabilidade da teoria ocidental de classes. A tribo
não tem classes em sua organização interna; e, como ela era
a forma predominante de organização social na maior parte
da África até recentemente, talvez não seja de surpreender
que o mito de uma “África sem classes” tenha criado raízes.
Samir Amin, num artigo que merece ser melhorconhecido,
contestou essa idéia (Amin, 1963), observando que em mui­
tas áreas certas tribos mantinham outras em sujeição, disso
resultando um sistema de castas. Sempre que um excedente
econômico surgia, um grupo local dele se apropriava, institu­
cionalizando seu fluxo para as suas próprias/nãos. Segundo
Amin, grande número de camponeses na África Ocidental
trabalhavam em condições de semi-servidão. Em Fouta, na
curva do Níger e no Norte da Nigéria, esse número se elevaria
a milhões, segundo ele (ibid.:53).
Na África, a terra era habitualmente propriedade comum,
mas ainda há grandes variações na distribuição do gado
entre as famílias individuais. Os criadores de gado formavam
uma pequena aristocracia entre os mouros, os tuaregues e
certos fulas.
A comunidade aldeã sem classes que ainda se encontra
em certas áreas induziu muitos estudiosos do cenário africa­
no, diz Amin. Em algumas áreas, acomunidade aldeã já estava
em processo de decomposição já no século X. Os pequenos
Estados tenderam a formar e institucionalizar um sistema de
exploração (ibid.:51,54). Alguns dos Estados africanos ante­
riores à conquista baseavam-se na escravidão, e afirma-se
que muitos foram tão impiedosos na sua exploração quanto
os europeus que os substituíram.
O aparecimento dos europeus, o estabelecimento de
postos de comércio no litoral e o crescimento e difusão do
tráfico de escravos introduziram novos elementos de desi­
gualdade na África “sem classes” . Nas cidades que surgiram,,
a livre empresa trouxe em sua esteira o crescimento incipien­
te de classes. Os grupos étnicos tenderam a desenvolver
estruturas de classes.
A economia africana jamais desenvolveu o feudalismo no
sentido europeu. Quando os europeuscomeçaram a explorar
a África como fonte de matérias-primas e alimentos, recorre­
ram a vários tipos de trabalho forçado para reunir a mão-de-
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obra para suas minas e plantações. Mas esses trabalhadores
não eram servos. Não estavam presos ao solo; pelo contrário,
o objetivo do trabalho forçado era libertá-los do solo, no
interesse da exploração capitalista.
É tempo que os historiadores, marxistas ou não, deixem de
tentar enquadrar a África no leito de Procusto do desenvolvi­
mento europeu. A história africana deve ser estudada em
seus próprios termos. Ali, as nações surgiram como em outras
partes do mundo, mas as modalidades de sua evolução são
diferentes. Isso ocorre particularmente porque o desenvolvi­
mento africano foi deformado por forças externas, pelos
próprios europeus cuja evolução é vista, com tanta insistên­
cia, como modelo para os africanos “atrasados”.
Os apologistas do imperialismo apresentaram toda uma
série de argumentos especiosos para provar que ele foi
realmente benéfico para os povos dos territórios coloniais.
Específicamente, em relação à criação de nações, Martin L.
Kilson, Jr., argumentou que o colonialismo preparou caminho
para o aparecimento das nações de três modos: as potências
coloniais estabeleceram fronteiras políticas rígidas, propor­
cionando uma língua franca e uma cultura comum. Vamos ver
se tais alegações se justificam.
Com relação às “fronteiras políticas rígidas” estabelecidas
pelas potências coloniais, elas se mostraram rígidas em
certos casos apenas porque foram mantidas pelas forças
armadas dessas potências coloniais; mesmo depois da “ in­
dependência” , algumas das antigas colônias francesas con­
tinuaram a depender dos franceses para a proteção de suas
fronteiras. Taisfronteiras, disse Julius Nyerere, presidente da
Tanzânia, num discurso de 1963, são um “absurdo etnológico
e geográfico” . Os somalis, no “chifre” da África, conquistaram
sua independência em 1960. Verificaram então que seu
território não incluía áreas habitadas pelos somalis nos
vizinhos Etiópia, Djibuti e Quênia, áreas que passaram a
reivindicar. Nyerere, no discurso anteriormente mencionado,
não disse que a falta de unidade religiosa complicou o
problema de construir uma nação unificada em áreas como o
Sudão e o Chade, onde eclodiram guerras civis depois da
independência e que se arrastaram por muitos anos. A
religião foi um fator na guerra civil em grande escala na
Nigéria, em 1937-1940.
Mesmo quando a colônia possuía uma certa unidade
étnica, esta poderia ser perturbada pelas modificações nas
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relações de poder dos europeus. Os Camarões foram primei­
ro umacolôniaalemã, mas depois da Primeira Guerra Mundial
ela se dividiu, cabendo uma parte à França e outra à Inglater­
ra. Os desejos dos nativos não foram consultados. Eles
realizaram uma longa campanha pela reunificação, em parte
através de movimentos armados. Mas somente em 1961
conseguiram a criação do seu Estado, a República dos
Camarões.
A alegação de que a potência colonial proporcionou uma
língua franca deve ser julgada à luz do fato de que essa língua
podia modificar-se, como no exemplo citado acima.2Algumas
colónias já tinham uma língua franca própria, como na África
Oriental; o Swahili tornou-se a língua oficial da Tanzânia
pouco depois de sua independência, embora não seja uma
língua tribal e sim um híbrido importado, que ali deitara raízes
no período pré-colonial. O idioma da potência colonial conti­
nuou, na maioria das ex-colônias, à falta de melhor solução.
Se ele promove certa unidade ao novo Estado, também dá
uma grande vantagem aos imperialistas que procuram perpe­
tuar os privilégios europeus no sistema de neocolonialismo.
Quanto à “ cultura comum” que Kilson supõe terem ofere­
cido os europeus, devemos notar que duas das potências
coloniais, Bélgica e Portugal, não fizeram qualquer tentativa
de partilhar suas culturas com os colonizados. Pelo contrário,
procuraram manter a cultura européia longe dos povos
indígenas das colônias. As tentativas dos ingleses e france­
ses de substituir a cultura dos povos africanos pela sua deu
origem a algumas das acerbas denúncias contra todo o
sistema colonial.

A pretensão de Kilson de que o colonialismo preparou


caminho para o aparecimento de nações é totalmente errô­
nea. Pode-se argumentar, na verdade, que a interferência dos
europeus nos assuntos africanos adiou o desenvolvimento
de nações modernas e integradas.
O desenvolvimento dos povos africanos foi interrompido abruptamen­
te e sua civilização (que, em vários lugares, havia alcançado um nível
muito elevado) foi em sua maioria completamente destruída. Essas
nações foram mais tarde declaradas pagãs e selvagens, uma raça
inferior, destinada pelo Deus cristão a serem escravas dos europeus
superiores. (Da resolução sobre a questão negra, do Primeiro Con­
gresso Internacional da Liga Contra o Imperialismo e a Opressão
Colonial, realizado em Bruxelas, em 10-15 de fevereiro de 1927; citado

230
por Hodgkin, em Owen e Sutcliffe, 1972:100; para dados históricos, ver
Davidson, 1970.)

Na realidade, a instabilidade política deve ser esperada em


países que surgem do colonialismo, argumenta James
O’Connell, da Universidade Ahmadu Bello, na Nigéria. O
colonialismo, diz ele com acerto, transmitiu uma tradição
autoritária: modelou as instituições de poder de modo a
manter os privilégios e os interesses da potência colonial e de
seus cidadãos. Não levou em conta, por outro lado, as
relações de poder entre os grupos que assumiram o Governo
depois da independência, quando um período de confronta­
ção de forças teria de surgir (O’Connell, 1967:182-85).
Em algumas áreas, a exploração de uma tribo por outra
existia antes da chegada dos europeus, situação que perdu­
rou durante todo o período do colonialismo, para surgir com
força renovada no advento da independência. Por exemplo,
os belgas, quando assumiram a administração de Ruanda e
Burundi, na África Central, encontraram uma tribo minoritária,
os Tutsi, dominando uma maioria Hutu. Quando ocorreu a
independência, os Hutusevn Ruanda conseguiram o controle
do Governo; mas em Burundi os Tutsi sufocaram uma série de
revoltas dos Hutus e assassinaram milhares sem conta. Em
outras partes, antagonismos de classes que haviam existido
antes do colonialismo continuaram em todo o período colo­
nial. O’Connell considera o tribalismo como a luta competiti­
va pelos empregos na burocracia estatal.
Os imperialistas não só fizeram pouco para minorar a
hostilidade intertribal, como com freqüência a criaram. A
União Nacional Africana do Quênia (KANU) de Jomo Kenyatta
foi fundada sobre o princípio da unidade intertribal. Posição
muito diferente foi a da União Democrática Africana do
Quênia (KADU) que conservou o tribalismo no centro de seu
enfoque e na verdade o perpetuou (Mboya, 1963:66-67). A
KADU representaria, ao que se afirma, a abordagem britânica.
(Sobre o estímulo britânico ao tribalismo divisivo na Costa do
Ouro — Gana — ver James Miller e Aya, 1971:127).
No campo econômico, a que Kilson não dá ênfase espe­
cial, o imperialismo retardou e impediu a integração que,
como já vimos, é elemento essencial para a criação de uma
nação. As potências imperiais desenvolveram, tipicamente,
um considerável comércio de exportação, com importações
correspondentes, mas o comércio dentro da colônia conti­
nuou, na realidade, pequeno.3 As minas e plantações estão
231
/

mais intimamente integradas com a economia da “ metrópo­


le” e de outros países adiantados do que com a economia
interna das colônias, que continua descentralizada e em
grande parte não-atingida pela civilização ocidental. Assim,
na maioria dos novos Estados da África, o processo de
integração interna apenas começou.

A Teoria da Libertação Nacional: Frantz Fanón


Para ser útil, o marxismo deve ser uma doutrina viva, capaz
de modificações e atualizações. Aqueles que participaram da
luta pela libertação nacional desenvolveram conceitos que,
embora não necessariamente divergentes do marxismo tra­
dicional, não são idênticos a ele. Dois dos mais destacados
teóricos das lutas de libertação africana foram Frantz Fanón e
Amílcar Cabral, o primeiro um negro das Antilhas que lutou
pela independência da Argélia, e o segundo natural da Guiné
Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que ajudou a fundar o parti­
do da libertação de seu país, o Partido Africano da Indepen­
dência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Ambos foram socia­
listas revolucionários, Cabral era marxista, Fanón não. Fanón
usou algumas categorias pouco conhecidas dos marxistas;
Cabral, pensador mais agudo, embora reconhecesse o valor
do marxismo tradicional, também dele se afastou, em certos
momentos. Examinaremos a análise que cada um desses
lutadores fez, com algum detalhe.
Marx e Lênin, supondo que a revolução social ocorreria
primeiro na Europa, naturalmente supuseram também que o
proletariado europeu lideraria o resto do mundo no caminho
do socialismo. Fanón questionou esse conceito e rejeitou
toda a análise que coloca suas esperanças num proletariado
revolucionário e numa burguesia colonial antiimperialista.
Fanón estudou também o impacto psicológico do imperialis­
mo tanto sobre o colonizado como sobre o colonizador.
Fanón nasceu na Martinica, nas Antilhas, em 1925. Fre-
qüentou a escola em sua terra natal, e foi fortemente influen­
ciado por Aimé Césaire, o poeta antilhano. Césaire pregava
um orgulho da raça para os negros; o nacionalismo era, para
ele, uma consideração secundária (Fanón, 1967b:21 esegs.).
A Martinica não era especialmente consciente de reivindica­
ções políticas. Mandava deputados ao Parlamento francês, e
seus habitantes, inclusive Césaire e (a princípio) Fanón,
232
consideravam-se franceses ¡eais.4 Masa população francesa,
uma pequena aristocracia no alto da pirámide colonial, era
sempre mais ou menos racista, e o ressentimento da popula­
ção da Martinica contra os franceses aumentou muito em
1940, quando o Governo de Vichy mandou racistas e colabo­
radores nazistas para administrar a ilha.
Enquanto a guerra ainda se desenrolava, Fanón foi para a
França. Ele esperava “ encontrar algum sentido no contraste
chocante entre a sua própria auto-imagem e a maneira pela
qual os outros, especialmente os franceses, o viam”. Juntou-
se aos Franceses Livres e lutou valentemente, mas espan­
tou-se de encontrar entre eles a mesma consciência de cor
que havia sido tão evidente entre os membros do Governo de
Vichy.
Fanón continuou na França para estudar Medicina. Co­
nheceu ali negros da África que se empenhavam, como ele
próprio, na busca de uma auto-imagem com a qual pudessem
viver, e, embora viesse a discordar acentuadamente de
homens como Léopold Senghor (mais tarde Presidente do
Senegal) e Alioune Diop, da Présence Africaine, sempre teve
por eles uma grande consideração pessoal. Em Lião, ele
ligou-se a grupos trotskistas e absorveu um pouco da falta de
respeito deles pelo marxismo “oficial” . Aprendeu alguma
coisa sobre a exploração econômica e tornou-se socialista
revolucionário, embora não se considerasse marxista. Ainda
se considera francês. Em 1952, escreveu:
Nós (os negros) nos recusamos a ser considerados como “estranhos”;
participamos plenamente do drama francês... Eu sou francês... Inte-
resso-me pessoalmente pelo futuro da França, pelos valores france­
ses, pela nação francesa. (Fanón; 1967a:203)

Fanón saiu-se muito bem em seus estudos e ao ser diploma­


do deveria, de acordo com as regras do jogo, ter encontrado
uma posição na medicina institucional francesa, em alto nível.
Mas surgiram dificuldades, tornando-se evidente que eram
resultado de sua cor. Por fim, ele aceitou um posto de
encarregado de um hospital argeliano.
A especialização de Fanón era a Psiquiatria e ele a aplicou
ao estudo do problema dos dominados e dos dominadores.
Realizou uma série de estudos que mostravam como essa
relação envenenava a psique individual de ambos. Fanón
compreendeu que a superação do sentimento de inferiori­
dade que o homem branco instilou nele era, para o colonial
233
dominado, uma questão de grande importância. A princípio,
não ressaltou o efeito da participação num movimento nacio­
nalista (de libertação nacional) na criação do respeito próprio
do indivíduo. Em lugar disso, deu ênfase ao valor dos atos de
violência individual contra o opressor. A violência, disse ele,
tem um efeito catártico sobre a psicologia do indivíduo; tem
um valor positivo, em si mesma e por si mesma. Mas seu
estudo dos indivíduos não produziu provas que confirmas­
sem tal suposição (Gendzier, 1973).
Diferente da análise que Fanón faz da psicologia do
indivíduo, mas não necessariamente contrária a ela, foi sua
descrição da necessidade de violênciá de massa na revolu­
ção social, para que se realizasse qualquer coisa de sério:
A violência praticada pelos povos, a violência organizada e educada
pelos seus líderes, torna possível às massas compreender verdades
sociais e lhes dá a chave dessas verdades. Sem essa luta, sem esse
conhecimento da prática da açâo, tudo não passa de um desfile de
fantasias e do soar de trombetas. Não há nada, exceto um mínimo de
readaptação, umas poucas reformas na cúpula, um agitar de bandei­
ras; e, nas bases, uma massa indivisa, ainda vivendo na Idade Média,
marcando passo interminavelmente. (Fanón, 1967b:117)

A ênfase sobre a violência em Fanón, é claro, nos lembra


Sorel; mas Irene Gendzier, que estudou a obra de Fanón, não
encontrou nenhuma prova das ligações do seu pensamento
com o de Sorel, que de qualquer modo não foi um intérprete
autêntico das idéias da classe operária francesa, e muito
menos do colonialismo (Gendzier, 1973).
Ao analisar a defesa que Fanón faz da violência, os
pacifistas de classe média e outros que detestam o uso da
força devem lembrar que ela é experimentada diariamente
pelos pobres e oprimidos, pelos negros das sociedades
mistas dominadas pelos caucasianos, e dos coloniais, espe­
cialmente durante a guerra anticolonial. O membro típico do
grupo branco dominante nessas situações não tem consciên­
cia da violência empregada para manterseus privilégios, nem
da maneira discriminatória pela qual é aplicada. Fanón co­
mentaria, amargamente, em 1960:
Dentro em pouco teremos sete anos de crimes na Argélia, e nenhum
francês foi ainda condenado perante um tribunal francês pelo
assassinato de um argelino (Fanón, 1966:72).

Para uma: descrição da maneira pela qual os franceses


mantiveram seu regime repressivo, sob o disfarce da lei,
234
enquanto ao mesmo tempo torturavam os combatentes da
libertação em Paris, o leitor pode consultar A Gangrena (Alleg,
1960).
Uma série de acontecimentos, tanto dentro como fora da
Argélia, contribuiu para que diminuísse a lealdade de Fanon
para com a França e ressaltou o abismo entre seu pensa­
mento e o do marxismo “oficial” francês.
A debilidade e a vacilação do Partido Comunista da França
(PCF) frente ao colonialismo, depois da Segunda Guerra
Mundial, é um fato histórico. Em maio de 1945, depois que
irromperam motins nacionalistas no Departamento de Cons-
tantine, na Argélia, o PCF pediu a punição dos instigadores e
adotou uma firme posição contrária à independência argeli­
na. Também tentou manter o Vietnã dentro da União Fran­
cesa.
Em seguida, durante certo período iniciado em 1949, o
PCF estando fora do Governo, colocou-se na primeira linha da
oposição à guerra contra o Vietminh, o Secretário-Geral
Maurice Thorez saudou os portuários que se recusaram a
carregar armas destinadas à Indochina, e a sabotagem ferro­
viária foi ativamente estimulada. Ho Chi Minh enviou mensa­
gens de saudação e agradecimento (Caute, 1970:48-49).
Quando a paz chegou à Indochina, no que se relaciona
com os franceses, em 1954, a guerra de libertação colonial
irrompeu na Argélia, e dessa vez a hesitação do PCF foi
acentuada e prolongada. Pedia a “ paz”, mas não a indepen­
dência. Em março de 1956, os deputados comunistas vota­
ram a favor de poderes especiais que permitiam o Governo
agir, praticamente, como quisesse na Argélia. O PCF não se
manifestou a favor da independência argeliana até 1957. Em
contraste, pequenas organizações esquerdistas haviam exi­
gido sempre a independência daquele território. Por exem­
plo, Francis Jeanson, discípulo de Sartre e amigo de Fanon,
liderou uma rede de resistência favorável à Frente de Liber­
tação Nacional, que só em 1960 foi finalmente desmontada
pela polícia.5
Césaire ficou indignado com a atitude do PCF e o aban­
donou. Escreveu a Thorez sobre
algumas das falhas muito evidentes que observamos nos membros do
Partido Comunista Francês: seu assimilacionismo inveterado; seu
chauvinismo inconsciente; sua convicção — que partilham com a
burguesia européia — da superioridade do Ocidente em todos os
pontos; sua convicção de que a revolução tal como se desenvolveu na
235
Europa é a única possível e desejável, sendo a evolução que todo o
mundo sofrerá; resumindo, sua crença, raramente admitida mas real,
na civilização com C maiúsculo, no progresso com P maiusculo (note-
se sua hostilidade para o que chamam desdenhosamente de “relati­
vismo cultural”). (Citado em Owen e Sutcliffe, 1972:110)

O fato de ter sido aceito em França o tratamento inumano


dispensado aos coloniais, disse Césaire, significa que a
França — e isso se aplica a todo o continente europeu —
foi barbarizada pelo colonialismo; a humilhação do
homem como homem imposta à Europa branca por Hitler foi
apenas a aplicação, à Europa, do tratamento dado aos negros
no decorrer de muitos anos pelos orgulhosos europeus
brancos nas colônias (ibid.:111).
A idéia de que a classe operária nos países imperialistas é
o aliado natural dos povos coloniais remonta a Marx e Lênin.
Ainda era sustentada após a Segunda Guerra Mundial por
certos autores, com relação à França, se não aos países
anglo-saxões.
Césaire questionou essa crença. Revivendo uma idéia que
associamos antes com Sultan-Galiev, ele acusou os traba­
lhadores franceses de participarem na pilhagem dos países
coloniais. Os aliados naturais dos povos colonizados eram os
outros povos colonizados, escreveu ele:
Não há aliados por direito divino. Há aliados que são escolhidos por
nós pelo lugar, momento e natureza das coisas. E, se a aliança com o
proletariado francês é exclusiva, se tende a nos fazer esquecer ou
deixar de lado outras alianças necessárias e naturais, perfeitamente
legítimas e proveitdsas, se o comunismo impede nossas amizades
mais frutíferas, aquelas que nos unem (a nós, martinicanos) a outros
antilhanos, à África, então afirmo que o comunismo nos tem servido
muito mal, fazendo-nos trocar uma fraternidade viva pelo que corre o
risco de parecer a mais fria das frias abstrações. (Ibid.: 113)*

Para Fanón, também, havia chegado o momento crucial. Não


via mais utilidades nos europeus.7Renunciou ao seu cargo no
serviço médico e trabalhou por vários anos no movimento de
resistência argeliáho, principalmente a partir de bases em
Túnis.Escreveu artigos para o jornal El Moudjahid e também
concluiu vários ensaios, inclusive ò significativo estudo Os
Desgraçados da Terra, publicado em 1960. Faleceu em 1961.
Fanón é conhecido principalmente pelas suas violentas
diatribes contra o homem branco. (Ver artigos mais tarde
reproduzidos em Um Colonialismo Agonizante, 1965.) Sem­
pre manteve, porém, relações cordiais com os membros
236
brancos europeus do movimento de resistência argeliano.E a
posição do partido de independência argeliana, adotada em
Sumam em 1956, era de receber a cooperação de todos os
franceses que aceitassem seus princípios. Fanón atuou até
mesmo como porta-voz dessa política.
As principais contribuições de Fanón, que nos interessam
aqui, relacionam-se com o papel das várias classes na pro­
moção da revolução social em condições de colonialismo.
Fanón rompeu com a teoria então ortodoxa do marxismo,
segundo a qual o porta-bandeira da revolução seria o proleta­
riado, associado aos camponeses e liderado pelo Partido
Comunista.
Para Fanón, o proletariado não era uma classe revolucio­
nária. Os trabalhadores franceses, tanto na metrópole como
na Argélia, eram inimigos da luta de libertação argeliana
(Fanón, 1967b:65).8 Até mesmo os trabalhadores africanos,
embora fossem em sua maioria participantes do movimento
de libertação nacional, não eram uma força revolucionária, diz
Fanón (Fanón, 1966:47). Eram, ao contrário, um grupo mima­
do e privilegiado. Através de seus sindicatos haviam conse­
guido uma renda muito superior à média de todo o país, bem
como leis especiais que os protegiam. Assim, esses trabalha­
dores, e os movimentos nacionalistas de que participavam,
eram reformistas, na melhor das hipóteses. Significaria isso
que a revolução social que Fanón considerava essencial teria
de esperar até que os trabalhadores como grupo estivessem
preparados? Para Fanón, isso seria esperar um tempodema­
siado longo, seria adiar indefinidamente a revolução.
Fanón acreditava que a revolução se desenvolveria da luta
simultânea contra dois tipos de privilégios: o econômico e o
nacional. O grupo social que lideraria essa revolução seria
não o proletariado como tal, não os intelectuais (embora
também eles fossem necessários), mas os camponeses e
(nas cidades) o lumpenproletariado.
Tal como usado por Marx, o termo lumpenproletariado
referia-se aos proxenetas, prostitutas, gangsters, traficantes
de drogas e viciados, os elementos desmoralizados da socie­
dade que estão à venda pela oferta mais alta. Quando o
Exército de Libertação Nacional, que operava principalmente
no campo, foi derrotado e obrigado a transformar-se num
grupo guerrilheiro, introduziu-se nas cidades e conseguiu
estabelecer uma base no Casbah, o bairro muçulmano de
Argel.com uma população de cerca de 80.000 habitantes. Or-
237
ganizou ali uma força de choque de cerca de quatro mil
pessoas, em torno de um núcleo de lumpenproletários, des­
critos como “ bandidos de coração puro” (Ouzegane, 1962:
253-54).
É fora de dúvida que alguns dos lumpenproletários desmo­
ralizados foram realmente remoralizados, ou moralizados
pela primeira vez. A luta nacionalista provocou a regeneração
de alguns, e teve impacto psicológico significativo sobre toda
a comunidade. Tal fato não deve causar surpresa aos ameri­
canos, habituados que estão à idéia de que os Muçulmanos
Negros recuperaram muitos negros desesperados, alguns
mesmo na prisão, tanto antes como depois de Malcolm X, com
lemas nacionalistas negros.
Mas para Fanón foi uma infelicidade basear suas espe­
ranças, em grande parte, no lumpenproletariado. Os resulta­
dos militares do terrorismo urbano não foram grandes: os
terroristas foram rapidamente contidos pelos soldados fran­
ceses do General Massu. Fanón pode ter pretendido incluir
no conceito um grupo substancialmente maior, não só os
moradores de cortiços como os migrantes que se congrega­
vam nos bidonvilles nos extremos da cidade. Os membros
desse grupo, conhecidos dos estudiosos do cenário colonial
e semicolonial, são freqüentemente subempregados e estão
apenas a um passo da aldeia, à qual podem retornar a
qualquer momento (Caute, 1970:80; Fanón, 1966:109). Fa­
nón é bastante vago sobre esse ponto. Mas esses campone­
ses sem raízes, ou neo-urbanitas, constituem na realidade
um reservatório potencial de lutadores da liberdade.
Uma razão especial para dar ênfase ao lumpenproletaria­
do foi o fato de ter Fanón compreendido o perigo que
constituía para o movimento nacionalista. Se o lumpenprole­
tariado, tradicionalmente à venda, não fosse conquistado
para o serviço da revolução, bem poderia ser usado contra ela
(Fanón, 1966:109).
Fanón idealizou os camponeses, que forneceram a massa
dos lutadores da liberdade, na Argélia como na China e
Iugoslávia.9 Mesmo ele, porém, teve de admitir que os cam­
poneses não se integram no movimento enquanto os traba­
lhadores urbanos e os intelectuais não mostrarem o caminho
e os métodos. O fato de ter a primeira resistência armada na
Argélia surgido num ambiente rural deveu-se a circunstân­
cias especiais: as cidades eram tão policiadas que não seria
238
possível a um movimento militar organizado iniciar sua atua­
ção a não ser no campo.
Fanón erra, claramente, quando julga encontrara principal
fonte de poder revolucionário no camponês faminto.Quando
o movimento de reforma religiosa Badissia começou a espa­
lhar-se pelo Interior argeliano, em torno de meados do século
XX, e a agitação nacionalista seguiu sua esteira, forarh os
camponeses médios que responderam, enquanto os traba­
lhadores agrícolas e camponeses pobres se apegavam aos
seus homens santos tradicionais e resistiam aos reformado­
res (Wolf, 1969:229-30).
E possível que Fanón, ao descrever a classe que na sua
opinião lideraria a revolução, tivesse em mente não os
elementos desmoralizados, mas os desorganizados. Rosa
Luxemburg, em seu folheto A Greve Geral, o Partido e os
Sindicatos, escrito em 1906, concentrou suas esperanças
não nos sindicatos, pois estava convencida de que não
liderariam uma greve geral revolucionária, mas nos trabalha­
dores não-organizados, que julgava bastante numerosos e
potencialmente dotados de um espírito revolucionário es­
pontâneo suf iciente para realizar a tarefa. Na realidade, toda
a filosofia do sindicalismo pressupõe a possibilidade desse
levante semi-organlzado, semi-espontâneo. O pensamento
de Fanón está muito mais próximo de certos modelos ociden­
tais do que ele mesmo talvez tivesse consciência.
Fanón conseguiu, até certo ponto, superar a maldição que
pesava sobre a expressão “lumpenproletariado”, de modo
que Bobby Seale e Eldridge Cleaver o usaram sem desculpa
para referir-se à comunidade urbana negra nos Estados
Unidos (ver Worsley, 1972:230).
Fanón é importante para nossos objetivos, finalmente,
devido à sua crítica incisiva do nacionalismo “ burguês” tal
como se desenvolveu nas colônias e países ex-coloniais. Ele
observa que a classe média nas colônias não constitui uma
burguesia no sentido clássico. Ela não inclui industriais,
capitães de indústria, financistas. Não está empenhada na
produção (no sentido técnico marxista), na invenção ou na
construção. Vem principalmente dos setores do comércio,
agricultura, profissões liberais.
(Ela favorece o nacionalismo) a fim de transferir para mãos nativas
as vantagens injustas que são o legado do período colonial...(Ela
segue) a burguesia ocidental em seu caminho de negação e deca­
dência, sem ter mesmo passado pelo seu período de exploração e
invenção. (Fanón, 1966 :1 2 2 ,1 2 4 )
239
Escrevendo antes que a Argélia, ou a maioria das colônias
africanas, tivesse conquistado sua independência, Fanón
afirmou que a “ burguesia” nativa não construiria seus respec­
tivos países, não os industrializaria ou os lançaria no caminho
da prosperidade e progresso. Os nacionalistas “ burgueses” ,
disse ele, são literalmente inúteis. O poder continuará a ser
exercido pelos países metropolitanos, operando através de
seu instrumento escolhido, a nova “ burguesia” , e através do
exército e da polícia, por eles organizados e treinados. Fanón
previa que a África percorreria um caminho que faria dela uma
nova América Latina (/b/d.: 139-41).
A única maneira de criar uma alternativa ao Governo de
uma nova classe de exploradores nativos que trabalhavam
com os estrangeiros era, na opinião de Fanón, despertar a
consciência das classes até então sufocadas. Ele não tem
dúvida de que a guerra de libertação nacional desempenha
papel muito importante na criação dessa consciência
(/b/d.: 154).
Em toda a literatura do nacionalismo há poucos apelos
mais eloqüentes em favor do nacionalismo humanista que o
de Fanón. Ele rejeitou a cultura ocidental devido à sua atitude
para com os negros e povos coloniais em gerai. Divergindo
totalmente do espírito dos nazistas, que se opunham a toda
cultura, ele escreveu:
Quando o nativo ouve um discurso sobre a cultura ocidental, puxa a
faca — ou pelo menos se certifica de que ela está ao alcance da mão.
(Ibid.-.35)

A princípio, Fanon não julgou necessário descobrir nenhum


legado cultural africano (Caute, 1970:105). Mas em 1956
escreveu que “ o mergulho no abismo do passado é a condi­
ção e a fonte de liberdade” (Fanon, 1967b:43). Estabeleceu
uma distinção importante entre a cultura nativa tal como
existe realmente, depois que os colonialistas a degradaram e
perverteram, e a cultura nativa como se estava desenvolven­
do antes que os colonialistas a dominassem. Ele tinha a África
em mente, evidentemente, ao escrever:
A criação do sistema colonial não provoca, por si mesmo, a morte da
cultura nativa. A observação histórica revela, pelo contrário, que o
objetivo visado é antes de uma agonia continuada do que de um
desaparecimento total da cultura preexistente. Essa cultura, outrora
viva e aberta ao futuro, se torna fechada, fixada no status colonial,
colhida no jugo da opressão...

240
Testemunhamos, assim, a montagem de instituições arcaicas, iner­
tes, que funcionam sob a supervisão da opressão e são modeladas
como uma caricatura de instituições antes férteis...
Esses órgãos parecem materializar o respeito pela tradição, as
especificidades culturais, a personalidade do povo subjugado. Esse
pseudo-respeito equivale, de fato, ao mais completo desprezo, ao mais
desenvolvido sadismo. (Ibid: 34)

Para os nativos, uma parte importante do movimento naciona­


lista é, portanto, recuperar sua cultura, tal como era antes de
ser deformada — readquirir sua história. Fanon perguntou:
Têm a ascensão do nacionalismo e a derrubada do jugo
colonial um efeito rejuvenescedor sobre a psicologia da
população indígena? Levarão ao fim da alienação?
Sua própria resposta é que a alienação não deriva apenas
da opressão nacional, mas também da opressão de classe,
que não é necessariamente terminada pela libertação nacio­
nal. Fanon achava que o complexo de inferioridade dos
negros tinha origens econômicas; os negros haviam interna­
lizado essa inferioridade econômica. No fim, Fanon tomou a
posição de que a alienação em escala mundial tinha raízes
firmes na divisão imperialista do mundo em países pobres e
ricos, exploradores e explorados, governantes e governados
(Caute, 1970:32).10 Mas o início do respeito próprio não
precisa esperar o término da opressão de classe ou da
opressão nacional (Fanon, 1967b:21; Caute, 1970:64-65).
Fanon apresenta um modelo da maneira pela qual se pode
esperar o desenvolvimento de uma revolta nacionalista.
Embora o modelo pretenda ter aplicação geral, podemos
supor que ele tinha em mente a Argélia.
Primeiro, o movimento nacionalista deita raízes nas cida­
des, onde afeta as classes médias nativas e também o
proletariado: motorneiros, portuários, intérpretes, enfermei­
ras, e assim por diante. (Fanon também inclui os mineiros,
embora dificilmente possam ser considerados como urba­
nos.) Esse proletariado não é igual ao de Marx, que “ nada
tinha a perder, exceto as suas correntes” . O proletariado
colonial é, pelo contrário, uma classe mimada, que tem muito
a perder: salários superiores à média da renda nacional, e
legislação protetora.
As autoridades coloniais, enquanto isso, estabeleceram
seu domínio no interior, baseado na hierarquia tradicional dos
“ marabus, feiticeiros e chefetes habituais” .
241
Segundo, os comerciantes nativos da cidade, a jovem bur­
guesia, penetram nos distritos rurais com objetivos comer­
ciais. Encontram resistência dos elementos “feudais” (a pala­
vra é de Fanón), que formam uma cortina entre os jovens
nacionalistas ocidentalizados e a massa da população rural.
Os camponeses sem terras se dirigem às cidades e, não
encontrando empregos, se congregam em cortiços e bidon-
villes nos extremos da cidade. São parte do lumpenproleta­
riado.
Os colonialistas fomentam o antagonismo contra as cida­
des nos distritos rurais, que os partidos nacionalistas não
conseguiram penetrar. O tribalismo é fomentado e por vezes
levado até a fase da independência.'
Terceiro, os camponeses tomam conhecimento do movi­
mento nacionalista nas cidades e por vezes organizam seus
próprios levantes, como a famosa rebelião de 1947 em
Madagáscar. Os nacionalistas na área urbana são pressiona­
dos pelas autoridades. Dividem-se: alguns se passam para as
autoridades coloniais, enquanto os verdadeiros revolucioná­
rios são expulsos da cidade. Estes últimos se refugiam no
interior, onde os camponeses os acolhem bem.11 Os naciona­
listas urbanos começam a educar os camponeses. Durante
esse período, os levantes camponeses não são motivados
por qualquer programa comum, mas apenas por um vago
sentimento antiestrangeiro. É o período da espontaneidade.
Quarto, os camponeses adquirem gradualmente uma
consciência nacional; surgem líderes militares e resolvem
levar a luta às cidades. Surgem um programa e uma organiza­
ção nacionais. A rebelião encontra sua ponta de lança urbana
nos bidonvilles, entre o lumpenproletariado.
Quinto, os colonialistas contra-atacam e a revolta é rapi­
damente sufocada. Um período prolongado de educação e
organização camponesa tem início. A menos que as forças
rebeldes dediquem atenção especial ao lumpenproletariado,
este pode ser organizado como tropas de choque para os
colonialistas, como aconteceu no Congo, na Argélia e em
Angola.
Sexto, as autoridades coloniais podem fazer concessões,
embora preservando os seus privilégios mais importantes,
pela concessão de uma pseudo-independência (Fanón,
1966:88 e seg.).
Fanón não ressaltou suficientemente o fato de que as
divisões entre o explorador e o explorado na Argélia não
242
foram principalmente raciais, mas econômicas e culturais, e
mesmo religiosas. Os árabes que constituíam o grosso do
movimento de resistência não eram, afinal de contas, negros,
mas muitos eram muçulmanos, de modo que a revolta teve,
necessariamente, fortes conotações muçulmanas.
Além disso, a análise que Fanón faz da política da Argélia,
embora mencionando, é claro, a presença de grande grupo de
colonos franceses, não distingue a situação argeliana da
existente em outras colônias, tendo por base esse elemento,
embora, como Arghiri Emmanuel mostrou recentemente,
esse fator possa ser crucial. O elemento colonizador branco
não tem escrúpulo algum na defesa de seus interesses, a
ponto mesmo de criar um Estado independente, se houver
oportunidade, como na África do Sul e Rodésia. Esse elemen­
to também exerce surpreendente influência política no país
imperialista; devemos lembrar que os colonos argelianos
quase conseguiram derrubar o Governo da França, a certa
altura (Emmanuel, 1972:40).
Fanón também dedica pouca atenção a outro aspecto
característico da luta argeliana, ou seja, os trabalhadores
argelianos na França, que eram em número de 600.000. Eles
contribuíram de maneira significativa para a luta, com dinhei­
ro e trabalho, particularmente depois que o exército de
libertação da Argélia foi forçado a atravessar a fronteira para
o Marrocos e a Tunísia. Os argelianos na França também
organizaram manifestações de massa nas cidades f rancesas,
e ajudaram a transmitir à letárgica opinião francesa o fato de
que uma guerra colonial estava sendo travada praticamente à
sua porta. (Foi na França metropolitana, devemos notar, que
tomou forma o primeiro movimento nacionalista argeíiano
moderno: o Étoile Nord Africaine, formado em Paris em 1925.
Mais tarde, esse movimento transformou-se num grupo na­
cionalista conservador, que se opôs aos revolucionários
argelianos militantes, tanto na Argélia como na França metro­
politana, onde calcula-se que cerca de mil muçulmanos
morrerram na guerra de extermínio recíproco; ver Wolf,
1969:236.)
O modelo de Fanón é demasiado restritivo: seria realmen­
te surpreendente se encontrássemos todas as fases por ele
mencionadas, na ordem especificada, em qualquer país. Mas
antes de discutirmos a possibilidade de elaboração de um
modelo geral, vamos examinar a contribuição de outro impor­
tante pensador africano que, como Fanón, morreu jovem —
243
embora não tão jovem quanto desejariam seus assassinos
imperialistas. Referimo-nos a Amílcar Cabral.

A Teoria da Libertação Nacional: Amílcar Cabral


Um pioneiro, tanto na prática como na teoria, foi o enge­
nheiro hidráulico Amílcar Cabral, do pequeno país conhecido
antes como Guiné Portuguesa, depois como Guiné e hoje
como Guiné-Bissau, situado junto da República da Guiné, no
extremo sul da África subsaárica. Em Lisboa em 1948, Cabral
e um pequeno grupo de outros estudantes das colônias
portuguesas em África organizaram um grupo de estudos, o
Centro de Estudos Africanos, com a perspectiva de: 1) levara
civilização moderna aos seus países; e 2) como meio neces­
sário de realizar esse objetivo, livrar-se do domínio português
sobre seus países.
Cabral foi um dos apenas onze estudantes da Guiné que
se formaram em Portugal. Retornou à sua terra natal em 1952
e recebeu a incumbência de realizar um levantamento agríco­
la de todo o país. Esse trabalho ocupou-lhe dois anos, e levou-
o a percorrer todo o país, que tem aproximadamente o
tamanho da Suíça. Aprendeu a conhecer os camponeses
pessoalmente e a compreender-lhes a psicologia e os pro­
blemas.
Em 1956, em outra visita à Guiné, Cabral ajudou a fundar o
Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC).12 Esse grupo defendeu pacificamente a modificação
política e social, mas seus apelos não foram ouvidos. Resol­
veu, então, recorrer a “todos os meios possíveis, inclusive a
guerra” (Davidson, 1969:cap. 1).
A análise que Cabral faz da estrutura de classe da Guiné é
do maior interesse para os nossos propósitos. Ele distinguiu
apenas duas classes nas cidades propriamente ditas: os-
brancos (portugueses) e os africanos. Os primeiros incluíam,
além dos administradores, um pequeno grupo de trabalha­
dores ainda mais contrários às reivindicações dos africanos
do que alguns dos funcionários do Governo.
Quanto aos africanos, Cabral classificou todos os morado­
res das cidades como “ pequenos-burgueses” . Foram subdivi­
didos não tanto segundo sua relação com o processo produ­
tivo, mas pela sua atitude para com o movimento de indepen­
dência. Geralmente contrários eram os poucos altos funcio-
244
nários e certos membros das profissões liberais, um pequeno
grupo, na melhor das hipóteses, devido à política portuguesa
de restringir as oportunidades educacionais para os africa­
nos. No outro extremo, estavam os membros ativos do PAIGC,
e o restante — os incapazes de uma decisão — situado entre
esses dois grupos. Vê-se que a análise de Cabral é mais
política do que sociológica ou econômica (Cabral, 1969:56-
76).
A maioria dos 800.000 habitantes da Guiné vivia no
campo, e Cabral, embora consciente de que haviam resistido
aos portugueses por centenas de anos (a “ pacificação” final
só ocorreu em 1936), não esperava que os camponeses
assumissem a liderança da luta de libertação nacional. Cabral
e seu grupo, como marxistas revolucionários, buscaram ba­
sear seu movimento na classe operária. Mas surgiu então
uma dificuldade: não havia uma classe operária. Havia ape­
nas alguns milhares de assalariados, muitos dos quais eram
brancos e violentamente contrários aos objetivos do PAIGC.
“ Procuramos a classe operária”, escreveu Cabral mais tarde,
“e não a encontramos.”
Não obstante, o PAIGC concentrou seus esforços iniciais
nos trabalhadores nativos, relativamente poucos, e conse­
guiu organizar um sindicato entre os estivadores. Mas quan­
do estes entraram em greve por melhores salários e reconhe­
cimento sindical, em 1959, a polícia portuguesa disparou
contra eles, matando certa de 50 e esmagando o movimento.
Cabral, que estava em Angola, retornou à Guiné, e o PAIGC,
obrigado a operar na ilegalidade, resolveu modificar comple­
tamente sua tática.
Concluiu, então, que os trabalhadores eram em número
insuficiente e seus movimentos eram observados de perto
pela polícia, sendo-lhes portanto difícil liderara revolução.O
PAIGC dispôs-se por isso a organizar sistematicamente os
camponeses. Para treinar organizadores, foi criada uma
escola do partido em Conacri, na vizinha República da Guiné,
que acabava de conquistar sua independência da França.
Que programa teria atrativos para os camponeses? Não
havia problema agrário: a terra não era eScassa, não era de
propriedade privada (entrevista com Cabral, Guardian [Nova
York], 12 de janeiro de 1972). Mas os camponeses tinham
certamente reivindicações contra os senhores portugueses,
e tinham consciência da necessidade de introduzir modernos
métodos de cultivo. Decidiu-se, após discussão, que as
245
cooperativas seriam a melhor base para a organização da
vida econômica, e alguns dos primeiros recrutas do PAIGC
foram mandados ao exterior para estudar métodos de coope­
ração agrícola em lugares como a Tcheco-Eslováquia (David-
son, 1969:35).
Quem organizaria os camponeses? Podia-se recorrer.aos
assalariados urbanos e aos intelectuais — que foram usados,
é claro — mas seu número era demasiado pequeno. E
também não compreendiam, de início, a psicologia dos cam­
poneses. Foi então que Cabral e seus amigos descobriram os
neo-urbanitas.
Como Cabral os descreveu mais tarde, esse grupo —
chamado por ele de “Os Sem-Nome” — vivia nos limites de
uma cidade, não desmoralizado, mas também sem um traba­
lho regular, vivendo às custas de seus parentes pelo momen­
to, de acordo com um tradicional costume tribal. Eram alfabe­
tizados como grupo, e receptivos às novas idéias. Tinham
contato suficiente com o campo e podiam conversar com os
camponeses. Também tinham suficiente contato com a cida­
de para ter consciência de suas vantagens, das possibilida­
des que lhes oferecia a civilização moderna, e também os
obstáculos no caminho do progresso dos nativos (significan­
do isso especialmente os imperialistas, com seu desprezo
dos nativos africanos e suas práticas discriminatórias).13
Cabral propôs então usar esse grupo sem nome como ponta
de lançà de seu ataque. Entre 1961 e 1963, cerca de mil
jovens trabalhadores do partido foram treinados, em Conacri,
nos métodos e na filosofia social do PAIGC. Ali aprenderam a
necessidade não só de livrar-se dos portugueses, mas tam­
bém de reorganizar a sociedade, de realizar uma revolução
social. A luta nacional e a luta de classe eram uma só. Mas, nos
primeiros períodos, a luta nacional tinha prioridade.
Coerente com a idéia de que a consciência nacional deve
ser construída, Cabral ressaltou que qualquer movimento de
libertação bem-sucedido deve ser precedido de um renascj-
mento cultural, que proporcione uma base na tradição afri­
cana (não necessariamente da Guiné). O estudo intensivo
das origens culturais precedeu o período de doutrinação.
Cabral, como Fanón, considerava a libertação nacional como
um processo de restabelecer a história do povo de reco­
locar o povo no caminho do desenvolvimento independente,
do qual os colonialistas tentaram desviar a todo custo. Cabral
rejeitou a idéia de que os povos não têm história enquanto
246
não se distinguem em classes. A tribo Balante não tinha
classes, mas tivera uma história, disse Cabral, antes de ser
dominada pelo imperialismo.
Essa abordagem envolve uma rejeição de um dos dogmas
favoritos do marxismo, o de que a luta de classe é a força
motriz do progresso. Não é assim, diz Cabral; o nível das
forças produtivas é a verdadeira e permanente força propul­
sora da história (Cabral, 1970:4). Á implicação desse argu­
mento muito interessante é que a luta de classe serve para
adaptar o modo de produção à técnica atingida. Quando as
correntes sobre a produção são mantidas não só, ou princi­
palmente, pela exploração de classe, mas também pelo
domínio imperialista, então a remoção dessas cadeias não
será uma contribuição menor para aumentar o nível da
produção do que o rompimento dos liames da dominação de
classe.
A formulação de Cabral elimina uma dificuldade que
certos estudiosos viram na apresentação convencional de
Marx e Engels: Se a luta de classe é a força propulsora da
história, o que acontecerá'com o progresso na sociedade
sem classes? Cabral coloca sua fé na posteridade — e, na-
verdade, em que outro lugar colocá-la?
Cabral não formulou sua teoria da força propulsora da
história com cuidado e de forma completa. Por vezes refere-
se ao nivel das forças produtivas, por vezes ao modo de
produção, ou apenas às forças produtivas, como força pro­
pulsora (Cabraí, 1969:77,82; 1970:4). Mas seu significado é
claro: é o próprio povo, o povo em sua luta incessante por
melhores métodos de produção, que constitui a força propul­
sora. É essa, realmente, a principal suposição tácita, sem a
qual o Manifesto Comunista deixa de ter sentido.14
Cabral não nega que sob certas circunstâncias a luta de
classe pode ser a forca motriz da história. Ele simplesmente
nega que esta seja a única força motriz, ou mesmo a principal.
A educação dos camponeses não foi examinada como um
processo unilateral: foi um processo de tomar e dar. Eis como
o próprio Cabral o descreve:
Os líderes do movimento de libertação, recrutados em geral da
“pequena-burguesia" (intelectuais, amanuenses) ou das classes ope­
rárias urbanas (trabalhadores, motoristas, assalariados em geral),
tendo de viver cotidianamente com os vários grupos camponeses no
coração das populações rurais, passam a conhecer melhor o povo.
247
Descobrem nessas bases a riqueza de seus valores culturais (filosófi­
cos, políticos, artísticos, sociaise morais), adquirem uma compreensão
mais clara das realidades econômicas do país, dos problemas, sofri­
mentos e esperanças das massas populares. Os líderes compreen­
dem, não sem uma certa surpresa, a riqueza do espírito, a capacidade
de discussão racional e clara exposição de idéias, a facilidade de
entendimento e assimilação de conceitos, da parte de grupos popula­
cionais que ontem estavam esquecidos, se não desprezados, e que
eram considèrados incompetentes pelo colonizador e até. mesmo por
alguns nacionais. Os líderes enriquecem com isso sua cultura —
desenvolvem-se pessoalmente e se libertam de complexos, refor­
çando sua capacidade de servir o movimento em prol do povo.
Por sua vez, as massas trabalhadoras e, em particular, os campone­
ses, que são habitualmente analfabetos e nunca saíram dos limites de
sua aldeia ,ou região, em contato com outros grupos perdem os
complexos que os limitavam em suas relações com outros grupos
étnicos e sociais. Compreendem seu papel crucial na luta; rompem os
elos do universo da aldeia, para se integrar progressivamente no país e
no mundo; adquirem um volume infinito de conhecimentos novos,
úteis para sua atividade imediata e futura dentro da estrutura da luta; e
fortalecem sua consciência política assimilando os princípios da
revolução nacional e social postulados pelá luta. Com isso, tornam-se
mais capazes de desempenhar o papel decisivo de constituir a.
principal força do movimento de libertação. (Cabral, 1970; ver Fanón,
1966:150-54)

Cabral previu que a luta de classes surgiria tão logo fosse


vencida a luta anticolonial. Argumentou que a única classe
que estava em condições de tomar o poder e Organizar um
Gòvèrno independente era a que ele chamava de “ pequena
burguesia” , querendo com isso referir-se específicamente ao
grupo chamado, em geral, de intelectuais: pessoas das pro­
fissões liberais e a serviço do Governo, professores e escri­
tores e, depois da libertação, alguns trabalhadores e campo­
neses, todos impregnados de um sentimento de missão
nacional (Cabral, 1969:85).
Se essa classe seguisse seus interesses “naturais” , disse
Cabral, faria paz com o imperialismo e se estabeleceria numa
condição de neocolonialismo, como em outros países afri­
canos. “Trairia” a revolução e se tornaria oque elé chamou de
pseudoburguesia, significando isso, evidèntemente, agentes
dos imperialistas estrangeiros — intermediários e explora­
dores.
Que razão há para se acreditar que a vanguarda revolucio­
nária levará a luta até o socialismo, apoiada pelos campone­
ses e pela nascente classe operária? Cabral disse a estudan­
tes no Centro Frantz Fanón, em Milão, em 1964, que acredita­
va que a pequena burguesia revolucionária era honesta
248
(ibid:59). Mas, para que a vanguarda revolucionária cumpra
seu dever de depositária da consciência da humanidade, tem
a obrigação de não confiar nuns poucos indjvíduos corajosos,
mas de educar os elementos sem posses para que exijam o
socialismo, e fazer com que os “ pequenos-burgueses” inte­
lectuais não reneguem o compromisso dos primeiros líderes,
não transformem o que deveria ser uma comunidade socialis­
ta numa ditadura pessoal ou numa oligarquia que se autoper-
petua.
Cabral não mencionou nenhuma razão econômica muito
convincente pela qual a classe de líderes “ pequeno-burgue­
ses” do movimento nacionalista deva “suicidar-se” , como ele
diz, unindo-se aos trabalhadores e camponeses para introdu­
zir o verdadeiro socialismo. Mas citou Cuba como exemplo
para provar que isso é possível. Para Cabral, era uma questão
de liderança (ibid.:89-90). Essa decisão seria baseada em
motivos morais, e não estreitamente econômicos —- uma
perspectiva que não destoa de sua abordagem do marxismo.
É significativo o fato de que Cabral sugere haver, na
pequena burguesia, pessoas motivadas pelo “ patriotismo” ,
significando isso o antiimperialismo mais a reorganização
social. O patriotismo surge como o mais alto motivo possível,
dò ponto de vista de Cabral, ou pelo menos como parte desse
motivo. Assim, os elementos nacionalistas em seu pensa­
mento continuam interligados com os elementos socialistas
e morais de modo novo no marxismo, e muito sugestivo.
Cabral e Fanon concordam em sua baixa avaliação do
proletariado nos países imperialistas, mas atribuem papéis
muito diferentes, em todas as fases da luta de libertação
nacional, aos trabalhadores coloniais nativos. Essa diferença
deve-se claramente, em primeiro lugar, aos diferentes graus
de desenvolvimento da Argélia e da Guiné, respectivamente.
Enquanto os trabalhadores na Argélia haviam atingido um
certo grau de organização e certa legislação trabalhista
protetora, de modo que Fanon se podia referir a eles como
mimados e não-revolucionários, os trabalhadores na Guiné
não haviam conquistado qualquer concessão, e só tinham
suas correntes a perder; eram verdadeiros proletários, po­
tencialmente militantes e receptivos às idéias socialistas —
próximos da concepção que tinha Marx do proletariado.
Cabral não acreditava, porém, que os trabalhadores de­
senvolvessem sozinhos uma liderança revolucionária, e re­
torna ao conceito leninista de uma vanguarda revolucionária,
249
com uma diferença: a de que é uma vanguarda não só
socialista mas também nacionalista. Cabral abandona a
fraseologia leninista da vanguarda do proletariado, especial­
mente tendo em vista o fato de que quando essa vanguarda
se está formando, nas primeiras fases da luta anticolonial,
não há realmente um proletariado em lugares como a Guiné,
nem camponeses revolucionários também. A vanguarda re­
volucionária de Cabral é “firmemente unida, consciente do
verdadeiro significado e objetivo da luta de libertação nacio­
nal que deve liderar”. Ela comanda o movimento nos primei­
ros dias; mais tade, um proletariado em desenvolvimento e os
camponeses que adquiriram consciência podem exercer
vigilância sobre o movimento de libertação e fazer com que
siga o caminho da plena emancipação social.
Voltando novamente aos camponeses, Cabral tinha cons­
ciência da grande diversidade do caráter das várias tribos. Os
fulas, como sabia, tinham uma organização semifeudal, com
os chefes, nobres e figuras religiosas na cúpula, sustentados
pelos portugueses. Os artesãos e mascates itinerantes, no
meio; e os camponeses, na base. Entre os fulas, as mulheres
não são donas nem mesmo daquilo que- produzem. Em
contraste, os balantes, mais numerosos, não têm divisões de
classes e as mulheres possuem oque produzem. Os balantes
foram a espinha dorsal das forças revolucionárias.
A abordagem do PAIGC aos fulas se fez, no fim, com a
ajuda dos mascates itinerantes (ibid.:47).
A análise do PAIGC concluiu que a animosidade de uma
tribo contra outra não provocaria dificuldades maiores, e na
verdade a princípio isso não ocorreu, embora mais tarde, em
1974, surgissem informações de que os portugueses haviam
conseguido recrutar uma força de comandos entre as tribos
hostis aos balantes (New York Times, 19 de março de 1974).
Somente em fins de 1963 o PAIGC colocou-se em.oposi-
ção aberta ao regime e, quando o fez, pôde conseguir, dentro
de quatro anos, o controle de fato de dois terços da área da
Guiné. Não era uma força guerrilheira: administrava a terra
conquistada. Em 1967 0 Partido havia criado 159 escolas
com 220 professores e 14.386 alunos, e enviado 50 jovens de
ambos os sexos à Europa, para treinamento em vários seto­
res técnicos (Davidson, 1969:125). Havia criado clínicas e
hospitais, embora seu quartel-general continuasse sendo no
exterior, em Conacri. As armas foram obtidas principalmente
da Europa Oriental, em especial da União Soviética (Gibson,
250
1972:260). A independência foi conseguida em 1974. Mas
Cabral havia sido assassinado antes, em 1973, em Conacri.
O PAIGC teve um êxito destacado, como movimento
nacionalista. Mas a concentração nos lemas nacionalistas
tendeu a desviar a atenção dos objetivos socialistas, como
Cabral temia. O problema, agora, é realizar a revolução
socialista num país pré-industrial — uma tarefa gigantesca.
Mas sem a realização do objetivo nacionalista, o objetivo
socialista não poderia nem mesmo ter sido esperado.
A íntima ligação entre os objetivos socialistas e o movi­
mento nacionalista surge em outras colônias portuguesas na
África, Moçambique e Angola. São muito maiores do que a
Guiné, e na prolongada guerra de libertação era absoluta­
mente essencial que os guerrilheiros fossem capazes de
movimentar-se livremente de uma parte da área para outra,
sendo em todas bem recebidos. Assim, um senso de cons­
ciência nacional era uma condição necessária ao êxito. E,
mais, os camponeses (e trabalhadores) deviam ter, na opinião
de Cabral, um sentimento de participação, um interesse na
operação: tinham de sentir que era a sua guerra de libertação.
O envolvimento das massas de camponeses tinha de ser
provocado por um movimento realmente popular. As pessoas,
dele participantes precisavam sentir que o poder estava
passando às suas mãos — que não estavam simplesmente
trocando um grupo de exploradores estrangeiros por uma
elite nacional que continuaria as velhas instituições explora­
doras (entrevista com Cabral, Guardian [Nova York], 12 de
janeiro de 1972; Arrighi e Saul, 1973:378-405). Em particular
nas áreas onde os portugueses haviam tomado medidas
severas de represália à atividade guerrilheira, destruindo
aldeias e transferindo comunidades inteiras, a criação de
novas instituições, controladas pelo povo em base democrá­
tica, fez da guerra uma guerra popular.
Fora da Argélia e das colônias portuguesas, a liderança
dos movimentos de libertação nacional foi, em sua maioria,
não-socialista, embora não houvesse contra o socialismo o
mesmo preconceito que encontramos, por exemplo, nos
Estados Unidos. Alguns líderes, como Kwame Nkrumah, em
Gana, pregavam o socialismo, mas não o praticavam. Os
movimentos de libertação foram liderados por partidos polí­
ticos organizados nas cidades, baseados em várias associa­
ções voluntárias: algumas sociais, fundamentadas habitual­
mente em origem tribal; outras, econômicas, incluindo não só
251
os sindicatos (quando permitidos), mas também sociedades
mutuárias e de ajuda ao imigrante; e outras ainda políticas,
buscando reparação de certas injustiças evidentes (Roth-
berg, em Wallerstein, 1966:508-12). Os membros dos parti­
dos de libertação adquiriram consciência nacional na luta;
não tinham consciência de classe, nem antes nem depois da
concessão da independência.
Deve-se fazer uma exceção para a República da Guiné
(não confundir com a Guiné, ou Guiné Portuguesa, ou Guiné-
Bissau), que se tornou independente em 1958. Foi a única
entre as antigas colônias francesas que deixou a princípio a
zona do franco, criando sua própria moeda. O Governo
também assumiu o controle de grande parte da economia. As
idéias socialistas de liderança foram levadas até o interior: o
Governo, chefiado por um antigo organizador sindical, Sekou
Touré, realizou o feito notável de recrutar 1.800.000 pessoas
(de um total de quatro milhões) para o partido da independên­
cia, o Partido Democrático da Guiné (PDG).
Mas a ajuda desinteressada que teria sido necessária, do
exterior, para tornar um êxito a experiência da Guiné, não foi
prestada, embora algumás pessoas lhe tenham oferecido
seus serviços. O embaixador soviético foi acusado de interfe­
rência, e sua retirada foi pedida. Os auxiliares de Touré, não
imbuídos de qualquer ética igualitária, procuraram enrique­
cer-se. A má administração foi colossal. O programa agrícola
fracassou. Finalmente, a Guiné foi obrigada a retornar à zona
do franco, realizar um empréstimo para “desenvolvimento”
com o Banco Mundial, aceitando todas as restrições econô­
micas que isso implica, e em geral esquecer seus sonhos
socialistas.

Classe e Nacionalismo na África do Sul


Nos países africanos até agora estudados não há uma
classe social da qual se possa dizer que contribuiu exclusiva­
mente para a criação das novas nações: sem dúvida, a
burguesia não contribuiu para isso. Acreditamos que o mes­
mo ocorre em geral por toda a África, no que se relaciona com
os movimentos de libertação nacional: a formação de classes
é muito diferente daquilo que supõe a teoria marxista clássi­
ca, e por isso essa teoria não se aplica à situação. Há outro
aspecto da teoria marxista que mencionamos rapidamente e
252
sobre o qual faremos outros comentários: a atitude do prole­
tariado branco, dos assalariados da comunidade branca na
Africa, para com o movimento de libertação nacional.
Em geral, como se sabe, os assalariados brancos se
opõem às lutas de libertação. Não precisamos confinar-nos à
Argélia ou Guiné-Bissau para fazer essa generalização, ou
compreender-lhe as raízes. A União da África do Sul tem uma
classe de assalariados brancos bastante numerosa, total­
mente nacionalista-branca. Sua psicologia é de classe média.
Os assalariados brancos imitam o modo de vida da classe
média, e estão em processo de mobilidade social ascenden­
te. Aposição social está relacionada com o número de criados
(negros) que uma família tem. Assim, os assalariados brancos,
como trabalhadores em ferrovias, que ocupam o extremo
inferior da escala de rendas, têm mais criados do que famílias
de maiores rendas — é uma necessidade de status (Munger,
1967:26). Os assalariados realmente sobem na escala social;
não há barreiras óbvias, embora os caminhos de progresso
estejam bem definidos, e sejam poucos os atalhos (ibid.:27).
“A sociedade sul-africana não tem uma classe média autên­
tica. .. A classe, em seu sentido pleno, tornou-se sinônimo de
cor” \ibid:.32).
A força de trabalho branca depende da política para
manter sua posição privilegiada. Isso nem sempre ocorreu.
Os sindicatos brancos realizaram uma greve geral em 1922,
que foi esmagada pelos empregadores e Governo (a chama­
da Revolta do Rand). Os trabalhadores brancos voltaram-se
então para a ação política, aliando-se ao Partido Nacionalista,
que necessitava de uma base de massa. Essa aliança infeliz
pôde constituir um Governo em 1924, que adotou uma série
de medidas garantindo a posição da força de trabalho branca
contra a concorrência dos negros.
Os brancos que ocupam empregos estatais de menor
salário recebem um bônus especial de “custo de vida” que
eleva seus vencimentos ao nível considerado “ branco”. Há
salários mínimos para uma série de ocupações que, na
prática, são reservadas aos brancos. Na fixação de tarifas e na
concessão de contratos governamentais, as autoridades
discriminam em favor das indústrias e firmas que têm uma alta
percentagem de trabalhadores brancos. O Departamento do
Trabalho se ocupa da mão-de-obra branca e a protege contra
a concorrência dos negros. Finalmente, uma lei aprovada em
253
1926 reserva certas categorias de trabalho qualificado e
semiqualificado aos brancos (Davies, 1973:45).
Quando trabalhadores brancos desejam realizar um traba-.
lho que está nas mãos dos negros, podem tomar para si esses
empregos e o salário que lhes é pago é superior ao que os
negros recebiam. Isso ocorreu na década de 1930, quando
trabalhadores brancos reivindicaram o trabalho braçal nas
ferrovias do Governo (Munger, 1967:32).
O Partido Nacionalista sofreu um eclipse temporário nas
décadas de 1930 e 1940, mas as leis especiais de proteção
ao trabalho branco não foram revogadas. A partir de 1948, o
Partido Nacionalista vem governando a África do Sul. O Par­
tido Trabalhista desapareceu; a oposição é formada pelo
Partido Unido, apoiado principalmertte pelos brancos de
língua inglesa. A maioria dos trabalhadores brancos apóia o
Partido Nacionalista, embora alguns votem pelo Partido
Unido. Não existe hoje na África do Sul nenhuma organização
de trabalhadores brancos que seja progressista (Davies,
1973:55). As declarações aparentemente liberais do Conse­
lho dos Sindicatos da África do Sul (TUCSA) não devem ser
levadas a sério. Até mesmo o lema “salário igual para trabalho
igual” nada significa enquanto os negros estiverem realmen­
te afastados de todos os empregos desejáveis.
Há uma pressão contínua da maioria negra para que lhe
seja permitido educar-se, organizar sindicatos, ocupar em­
pregos qualificados e semiqualificados. Apesar de todos os
obstáculos colocados em seu caminho, em 1966 cerca de
três mil africanos já se haviam formado numa universidade,
enquanto 14.421 haviam sido aprovados no curso secundá­
rio. Apesar da oposição dos Afrikaners, tem havido certo
ingresso de negros no funcionalismo público, na polícia e no
setor educacional. O Governo também contratou mulatos e
africanos como carteiros, e para as ferrovias de propriedade
do Estado, para as empresas de ferro e aço, etc. A ampliação
da indústria abriu toda uma série de empregos semiqualifica­
dos, alguns dos quais tiveram de ser inevitavelmente ocupa­
dos por negros (Munger, 1967:33-35).
As barreiras legais ao emprego de africanos em ocupa­
ções qualificadas são contornadas de várias maneiras. Um
africano pode realizar trabalho qualificado numa pequena
oficina e receber um bônus por baixo do pano. Nas fábricas,
empregos qualificados são reclassificados como não-qualifi­
cados para que os africanos possam ocupá-los (com salários
254
menores). Os fabricantes de roupas localizam suas fábricas
perto das reservas africanas e com isso escapam ao teto
sobre o trabalho africano qualificado (ibid.:37).
Práticas como essas ameaçam, é claro, a aliança entre os
trabalhadores brancos, os empregadores e o Governo. Mas
este último ainda precisa de sua base trabalhista e eviden­
ciou disposição de ceder a quaisquer novas exigências da
força de trabalho branca, desejosa de maior proteção contra
a concorrência africana.
As tentativas realizadas pelos africanos para se protege­
rem, pela ação sindical, não encontraram apoio entre os
brancos. Os poucos sindicatos negros atuantes que foram
criados e filiados ao Conselho dos Sindicatos da África do Sul
foram expulsos em 1969.0 movimento sindical internacional
(o ICFTU) tem conhecimento da situação na África do Sul e o
considera um escândalo, mas é incapaz de influir na situação.
O Congresso dos Sindicatos Britânicos nada fez pelos ne­
gros e até mesmo orientou o TUCSA sobre a melhor maneira
de manter a posição privilegiada dos brancos (Davies,
1973:54).

Nacionalismo e Pan-Africanismo
Quando se tornou evidente, em princípios da década de
1960, que o fim do colonialismo britânico e francês na África
era iminente, os chefes dos novos Governos julgaram, a
princípio, ser possível, pela federação de seus vários esfor­
ços, criar uma unidade que tivesse força suficiente para
enfrentar as potências imperialistas em retirada. Muitos
desses líderes eram pan-africanistas antes de serem nacio­
nalistas. Nyerere disse:
O nacionalismo africano não tem sentido, é perigoso, ¿ anacrônico, se
não for ao mesmo tempo pan-africanismo. (Sigmund, 1972:293)

Kwame Nkrumah declarou:


A independência de Gana não tem significado a menos que seja
acompanhada pela libertação total da África (Mboya, 1963:207).

Nos primeiros tempos da existência independente de Gana,


Nkrumah dedicou à campanha em favor de úma federação
dos Estados africanos quase que o mesmo tempo reservado
255
à construção de Gana como nação à parte. Sentimentos
semelhantes aos citados acima foram expressos por chefes
de Estado com diferentes inclinações políticas, desde a
extrema direita até a extrema esquerda. O PAIGC em Güiné-
Bissau fixou como seu objetivo “a construção de uma nação
africana forte e progressista”, e não simplesmente uma confe­
deração. Os conservadors, Tom Mboya no Quênia e Hastings
Banda no Malaui, manifestaram sentimentos semelhantes.
À medida que se aproximava a independência das colô­
nias, não parecia haver razão para a criação de tantos
Estados diferentes como a princípio se projetara, e as propos­
tas para federações encheram o ar.
Por vezes, o objetivo buscado na federação era vantajoso
para os imperialistas, e havia a devida resistência ao movi­
mento, tanto interna como externamente, como no caso da
Federação Centro-Africana da Rodésia do Norte (Zâmbia),
Rodésia do Sul (hoje apenas Rodésia) e Niassalândia (Ma­
laui), de curta duração. Por vezes os chefes dos novos
Estados desejavam políticas muito diferentes; a Federação
Mali não poderia incluir Léopold Senghor, anticomunista, e
Sékou Touré, o socialista revolucionário. Quando este encon­
trou um chefe de Estado que partilhasse de suas opiniões,
Kwame Nkrumah, os dois países estavam separados por
centenas de quilômetros e não se podia pensar em uni-los.
De todas as federações propostas, a da África Oriental
parecia ter as melhores probabilidades de êxito. Quênia,
Tanganica, Uganda e Zanzíbar tinham uma língua comum
(Swahili) e o caminho para a união havia sido preparado no
período colonial pela criação de moeda e tarifas uniformes e
por um sistema de comunicações unificado. Os líderes,
especialmente Mboya, no Quênia, e Nyerere, na Tanzânia,
empenharam-se na federação, sendo que este último estava
disposto a adiar a independência de seu país, se isso contri­
buísse para a federação (Klein, 1971:349). Em 1967, Tanzâ­
nia, Quênia e Uganda estabeleceram um mercado comum e
uma união administrativa, chamada de Comunidade da África
Oriental, que opera quatro empresas independentes, com­
preendendo os serviços aéreos, ferroviários, portuários e de
telecomunicações da área. Mas a verdadeira federação con­
tinua distante. No fim, só se registrou uma unificação, a da
Tanganica e Zanzíbar, que se uniram para formar a Tanzânia
em 1964.
256
Nyerere continua a acreditar nas vantagens da federação;
deplora o nacionalismo como capaz de levar à balcanização.
Diz ele:
À medida que cada um de nós desenvolve seu próprio Estado, criamos
maiores barreiras entre nós mesmos. Solidificamos diferenças que
herdamos do período colonial, e criamos outras, novas. Acima de tudo,
desenvolvemos um orgulho nacional, que pode ser contrário ao
desenvolvimento de um orgulho pela África-(Nyerere, 1968:211)

Quando, depois de numerosas tentativas frustradas de fe­


deração regional, a maioria dos Estados africanos se reuniu
em Adis Abeba em maio de 1963 e criou a Organização da
Unidade Africana (OUA), a Carta adotada baseou-se na pro­
posição de que “ É direito inalienável de todos os povos
controlar seu próprio destino” . Os ‘‘objetivos essenciais”
foram formulados como sendo a “ liberdade, igualdade, justiça
e dignidade” (o grifo é nosso; texto em Sigmund, 1972:218).
Na fórmula clássica da Revolução Francesa, a “ dignidade” foi
considerada como incluída na idéia de igualdade; coube à
África mostrar esse ataque explícito ao racismo e a toda a
idéia, implícita na maioria das relações européias com a
África, que uma raça ou civilização tem superioridade inata
sobre a outra. A dignidade é uma contribuição africana para o
vocabulário mundial dos objetivos do nacionalismo.
Os objetivos políticos da OUA incluíam o apoio aos movi­
mentos de libertação nacional nas colônias ainda restantes,
para acabar com o colonialismo na África. O mecanismo
organizado para a realização desse objetivo exigia, como se
compreendeu, uma longa e difícil batalha contra um inimigo
teimoso; os portugueses e os colonos brancos na África do
Sul e Rodésia não cederiam facilmente. Um segundo objetivo
era solucionar as disputas entre os seus membros, e um
tratado à parte estabeleceu a Comissão de Mediação, Conci­
liação e Arbitramento.
A resolução sobre a cooperação econômica previa a
exploração de problemas econômicos como a livre troca de
mercadorias entre os países africanos e a adoção de tarifas
padronizadas para proteger a indústria africana, o estabeleci­
mento de uma zona de moeda africana, a coordenação de
programas de desenvolvimento e a criação de instituições
para toda a África — um banco de desenvolvimento e um
Instituto dé Desenvolvimento e Planejamento Econômico
(Potehkin, 1964:18-20). Infelizmente, alguns dos países ain­
257
da preferem operar através de seus antigos senhores impe­
riais e usar o acesso que tenham ao Mercado Comum
Europeu, do qual jamais poderão participar a não ser em
condições de inferioridade, quando participarem. Assim, a
resolução de 1963 ficou apenas no papel.
O argumento econômico contra a fragmentação (“ balcani-
zação”) é hoje tão válido quanto antes (ver Seidman e Green,
1968). Os Estados africanos não são complementares entre
si, não poderiam formar uma unidade econômica auto-sufi­
ciente; atravessam todos uma fase relativamente primitiva de
desenvolvimento econômico, e o comércio entre eles conti­
nuará reduzido ainda durante algum tempo. Há, porém, uma
excelente oportunidade para que cada um deles se especia­
lize e não repita os esforços do outro no comércio, ou, se mais
de um produzir determinado artigo, unificar sua capacidade
de comercialização e conseguir melhores preços para tais
artigos.
O Pan-Africanismo é, finalmente, um nome sob o qual se
poderia incluir não só a atividade econômica e política
comum, mas também a atividade cultural e de pesquisa,
semelhante ao que é feito hoje pelas Nações Unidas.
A Carta da OUA prevê a continuação da formação da África
como uma unidade cultural, através da educação e pesquisa.
A justificação da África como entidade histórica digna de
respeito sempre foi considerada como uma tarefa importan­
te, desde que W. E. B. DuBois convocou o primeiro Congresso
Pan-Africano, em 1900. (Um bom exame do movimento do
Congresso Pan-Africano desde 1900 até a fundação da OUA
encontra-se em Woddis. 1963:114-17). Algumas das alega­
ções feitas em nome da África foram, na verdade, exageradas,
mas não é necessário adotar tal processo para provar que a
África foi líder da civilização mundial num passado não muito
remoto. O homem que tem sido mais atacado por supostos
exageros tem sido Cheik Anta Diop (ver Diop, 1955; Balan-
dier, 1957). A afirmação de Diop, segundo a qual toda a
civilização derivou do vale do Nilo pode ter vindo de um
inglês, Grafton Elliot Smith (ver G. Smith, 1923). Mas nada na
literatura africana se pode comparar, pela sua audácia pouco
científica, às diatribes racistas que por mujto tempo foram
consideradas como ciência no Ocidente!
No momento, a unidade política efetiva da África continua
a ser o Estado-nação, com uma soberania limitada pelas suas
modestas condições políticas e econômicas.
258
O fracasso da OUA em tomar uma posição em favor do
autêntico movimento de libertação nacional em Angola, o
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), em
1975, suscita a questão de ser ele capaz de proporcionar
grande ajuda às várias nações membros na próxima luta
contra o neocolonialismo. A água não pode subir mais alto do
que a sua nascente.

A Atitude dos Sindicatos para com


a Libertação Nacional na África
A organização sindical na maioria dos países africanos
data apenas do século XX. Os incipientes sindicatos nas
colônias tiveram de aprender as técnicas de organização e
negociação coletiva onde elas haviam sido legalizadas. Eles
se voltaram, naturalmente, para os sindicatos de seus respec­
tivos países imperialistas, que responderam de maneira cor­
dial, e uma relação se estabeleceu entre eles. Os sindicatos
das colônias francesas eram, em sua maioria, filiados à
Confédération Générale du Travail (CGT) da França.15
Quando os movimentos de libertação nacional foram
organizados, os sindicatos coloniais deles participaram com
entusiasmo, embora não numa posição de liderança.16 A
relação entre eles e os partidos de libertação nacional variou.
Alguns movimentos sindicais tornaram-se parte integrante
do movimento nacionalista, como na Tunísia, Guiné e, mais
tarde, Tanzânia. No Marrocos, Nigéria e Camarões, os sindi­
catos, embora fortemente nacionalistas, estavam, na época
da independência, em desacordo com os respectivos parti­
dos nacionalistas, que haviam caído sob o controle de uma
elite antitrabalhista. Em geral, os sindicatos estavam, naquela
época, no auge de sua influência. Fanón, escrevendo em
1961, não teve dúvida de que a psicologia dos trabalhadores
e camponeses, que se haviam inclinado para a esquerda
durante os anos ¡mediatamente anteriores, continuaria a
mover-se ainda mais para a esquerda. Para outros, parecia
também que a revolução social estava começando (Geiss,
1965:30; Lynd, 1968:34-35). Mas não estava. Somente por
exceção, como ocorreu em Zanzíbar em 1964, os sindicatos
africanos foram parte de uma força revolucionária.
Os líderes dos sindicatos coloniais esperavam, natural­
mente, que os sindicatos metropolitanos com os quais esta­
259
vam em relações cordiais, simpatizariam com suas aspira­
ções de autodeterminação. Ficaram desapontados. Os sindi­
catos nos vários países imperialistas foram, na melhor das
hipóteses, um peso morto nos movimentos de libertação nas
colônias de seus respectivos países, embora não fizessem
objeções a verem as colônias dos países imperialistas rivais
se tornarem independentes.
A CGT francesa e o Congresso Britânico dos Sindicatos
(TUC) eram, em 1949, filiados à Federação Mundial dos
Sindicatos (WFTU), juntamente com as principais centrais
sindicais do mundo, exceto a Federação Americana do Traba-
Iho (AFL). Em 1949, várias centrais sindicais, inclusive o TUC
britânico, separaram-se da WFTU e juntaram-se à AFL na
formação da Confederação Internacional dos Sindicatos
Livres (ICFTU). Era uma organização anticomunista, mas
não necessariamente contra a independência das colônias.
O TUC britânico continuou a falar das virtudes da demo­
cracia e autodeterminação, mas não ajudou de maneira ativa
aos movimentos coloniais de libertação. O Quênia é um
exemplo de sua atitude. Durante a crise dos Mau Mau em
1954, quando a imprensa comercial envenenou a mente dos
trabalhadores e de outros no Ocidente com uma onda de
censuras à “violência dos Mau Mau’’, o ICFTU enviou um
representante, um canadense chamado Jim Bury, ao Quênia.
Nessa época, apenas os sindicatos continuavam a luta pela
independência, tendo todas as outras organizações sido
proibidas. Bury ajudou os sindicatos e a divulgar no mundo a
verdade sobre a situação no país. Foi ameaçado de deporta­
ção e salvo apenas pela intervenção de um enviado especial
do TUC britânico, S/r Vincent Tewson. Foi essa a ajuda do TUC
aos sindicatos do Quênia naquele período.
A AFL (depois de 1955, AFL-CIO) denunciou a falta de
conteúdo dos protestos demagógicos do TUC e ajudou a
destruir a influência inglesa nas nações africanas durante a
luta pela independência. Algumas das resoluções aprovadas
pela ICFTU pareciam bastante radicais (especialmente em
11957; ver Davies, 1966:197). A simpatia pelos movimentos de
libertação nacional estava de acordo com os objetivos do
Departamento de Estado, até certo ponto. Acreditava-se que
as colônias da França e Inglaterra, se independentes, seriam
de mais fácil penetração para o capital americano.
A CGT francesa estava sob liderança comunista, mas não
contribuiu de forma mais atuante para promover as reivindi-
260
cações de independência dos sindicatos africanos do que o
TUC britânico. Um exemplo disso foi a Tunísia, um dos vários
países onde ela tinha filiados no período anterior a 1950. Um
grupo de sindicatos, que colaboravam intimamente com a
organização nacionalista tunisina, o Partido Neo-Destour,
verificaram que sua organização filiada à CGT não estava
pressionando devidamente pelas suas reivindicações. Sepa-
raram-se da filiada da CGT e solicitaram admissão direta­
mente ao WFTU. Seu pedido foi rejeitado: disseram-lhes para
voltar à filiada da CGT. Ingressaram então na ICFTU em 1951.
A Federação Mundial dos Sindicatos perdeu todos os seus
associados africanos, que se retiraram da CGT em protesto
contra suas políticas pró-coloniais. Em 1957 várias das
centrais sindicais africanas, já então independentes de qual­
quer filiação internacional, decidiram criar uma federação
sindical regional africana. Formaram então a Union Générale
des Travailleurs D’Afrique (UGTAN), tendo à frente Sékou
Touré, da Guiné. A Federação Mundial, percebendo em que
direção soprava o vento, até mesmo assistiu na criação da
UGTAN e recomendou aos filiados com que ainda contava na
África que nela se inscrevessem. A UGTAN foi substituída
pela Federação Sindical de Toda a África, formada em Casa­
blanca em 1961.17
Quando as colónias inglesas e francesas se tornaram
“ independentes”, a AFL-CIO retirou-se da ICFTU e reiniciou
seus apelos diretos aos sindicatos africanos, usando todas as
seduções possíveis. Foi nessa época que os sindicatos
americanos ofereceram 200.000 dólares (talvez obtidos dis­
cretamente da CIA) para construir um grande centro sindical
no Quênia, para os sindicatos chefiados por Tom Mboya. O
apoio americano acabou por se tornar tão constrangedor a
Mboya que antes de sua morte ele dissociou-se publica­
mente de seus patrocinadores de além-mar. Na verdade, o
trabalhismo americano não fazia segredo do fato de que
estava colaborando com os empregadores e o Governo:
todos três contribuíram para o Instituto Americano de Desen­
volvimento do Trabalho Livre (AIFLD), criado para treinar
líderes que levassem os princípios do anticomunismo e do
sindicalismo “ profissional” ao Terceiro Mundo.
Foi tão clara e audaciosa a colaboração da AFL-CIO com
os imperialistas, para que tivessem lucros às expensas da
mão-de-obra colonial e neocolonial, que por vezes nos es­
quecemos de que o TUC britânico foi quem realmente iniciou
261
esse processo em algumas das áreas onde a AFL-CIO tornou-
se mais tarde atuante. Quando a Guiana ainda era uma
colônia inglesa, a indústria dominante era a do açúcar; os
cortadores de cana eram — e ainda são — a classe mais
numerosa de trabalhadores na colônia. OTUC inglês ajudou a
criar um sindicato patrocinado pela companhia, para os
cortadores de cana, e com isso sufocou o sindicalismo
autêntico na área, durante toda uma geração. O TUC também
colaborou com a AFL-CIO, a CIA e os serviços secretos e
ministérios do Exterior tanto dos Estados Unidos como da
Inglaterra, numa conspiração para derrubar o Governo de
Cheddi Jagan (eleito popularmente e de orientação socialis­
ta), substituindo-o pelo racista Forbes Burnham como primei­
ro-ministro da Guiana, quando esta se.tornava independente.
No processo, uma greve geral e quase uma guerra civil
arrasaram o país. Somente em 1975 duas prolongadas e
duras greves dos cortadores de cana forçaram finalmente
os plantadores de cana a realizar uma eleição para determi­
nar quem seria o agente de negociações dos trabalhadores, e
recçnhecer o sindicato por estes escolhido.
É evidente, a esta altura, que a proposição marxista
tradicional de que a força de trabalho “tende” a ser intemacio­
nalista não é correta. Na verdade, para grande desprazer de
certos marxistas, temos de observar que o trabalho organiza­
do nos países socialistas, também, segue a política externa
de seus respectivos países, mesmo quando o coloca em
oposição aos interesses do trabalho em algum outro país. A
solidariedade internacional dos trabalhadores torna-se, en­
tão, uma ironia amarga. Basta citar as ações dos líderes
sindicais soviéticos ao saudarem, de braços abertos, a dele­
gação nomeada pelo ditador militar Marcos para representar
os “sindicatos” filipinos no Congresso Mundial das Forças da
Paz, realizado em Moscou em 1973. Os sindicatos autênticos
nas Filipinas não foram sequer convidados e seus represen­
tantes não poderiam, de qualquer maneira, deixar o país.
(Marcos teve o surpreendente sucesso diplomático de obter
um tratamento favorável e o reconhecimento da União Sovié­
tica e da China Popular, ao mesmo tempo!)
Assim, era de esperar que os antimarxistas saudassem o
colapso do internacionalismo do trabalho como prova de que
o “ nacionalismo tem uma influência mais profunda sobre os
homens do que os interesses de classe” (King, 1973:256).
Todos sabem que as diferenças de classe desaparecem ante
262
o esforço nacional comum durante urna guerra, mas, quando
a crise passa, as diferenças voltam a afirmar-se. Os marxistas
têm razão ao acentuarem a importância da análise de classe
sobre a frente interna, mas correm o perigo de serem consi­
derados doutrinários se citarem autoridades de um período
anterior do movimento trabalhista para provar a existência,
hoje, do internacionalismo proletário.

Conclusão
A teoria marxista com respeito aos países subdesenvolvi­
dos deve explicar como o seu socialismo revolucionário e seu
nacionalismo revolucionário podem chegar a um país que
não tem um proletariado revolucionário ou uma burguesia
progressista. Na verdade, um país ao qual falte uma classe
operária ou uma burguesia seria, segundo a teoria marxista
tradicional, um campo pobre para o desenvolvimento do
socialismo ou do nacionalismo revolucionários.
Mas Lênin, embora reconhecendo que não podia haver
um movimento exclusivamente proletário num ambiente pré-
capitalista, ressaltou que, se as massas do povo fossem
realmente levantadas, poderiam realizar milagres (Lênin, CW,
XXX:153-54; XXXL242-43). Foram as contribuições de Fanon
e Cabral que mostraram como, em seu ambiente particular, as
massas podem ser levantadas, e quem poderá proporcionar-
lhes a necessária liderança.
Cabral aceitou a proposição de Lênin de que a liderança
da revolução Socialista deve vir de membros individuais da
intelectualidade. Fanon, embora menos explícito, não podia
deixar de aceitar essa idéia. Mas ambos questionaram expli­
citamente um dogma favorito do marxismo tradicional, o de
que a classe líder na revolução deve ser a dos trabalhadores
urbanos. Ambos negaram também que o proletariado euro­
peu pudesse proporcionar liderança, ou mesmo apoio, à
revolução antiimperialista.
A descoberta e utilização, por Cabral, do Grupo Sem Nome
(os neo-urbanitas, como os chamamos) deve ser conside­
rada como uma contribuição da maior importância.
O aparecimento de pensadores do Terceiro Mundo, como
Mao e os africanos, mostra que o centro de gravidade da
teoria nacionalista afastou-se da Europa. O problema da
263
exploração é mais agudo, e a necessidade de uma teoria
atualizada sobre como lutar é mais premente, nas áreas do
mundo há muito exploradas pela Europa (e, agora, pelos
Estados Unidos).

Notas

1É importante notar que a língua comum, ou a identidade de qualquer


aspecto característico da cultura, não promove a unidade da tribo. Essa
unidade é um fator moral na consciência de seus membros, e os símbolos
culturais do tribalismo são “abstrações da realidade cultural, não os seus
elementos básicos” (La Fontaine, em Gulliver, 1969:189-90). La Fontaine
refere-se, no caso, aos G isu, uma tribo da África Oriental. A mesma observa­
ção foi feita por Minogue, sobre a nação.
2Outros países africanos que ficaram com duas línguas francas foram a
Somália (inglês, italiano e também francês) e África do Sul, onde a população
de língua banto tem de falar o inglês e o Afrikaans (holandês modificado). Na
Somália, o árabe também era língua oficial.
3É difícil julgar as proporções que deve ter. Potehkin observa que o assunto
foi quase que totalmente ignorado (Potehkin em Wallerstein, 1966:570-71).
4Depois da guerra, Césaire saudou André Malraux, numa visita à Martinica,
com estas palavras: “Saúdo em vossa pessoa a grande nação francesa, à
qual estamos apaixonadamente ligados” (Caute, 1970:61).
5Para documentação sobre o PCF, ver Moneta, 1968.
6Manuel Bridier escreve:
Quando a classe operária está integrada na sociedade (como um todo,
ou numa ou outra de suas facções), quando acredita (certo ou errado)
na possibilidade de tomar o poder de dentro do Estado, então os
problemas da descolonização são colocados no segundo plano e
subordinados à estratégia nacional (Bridier, 1968:273).
7Fanon afirma claramente: “Todo francês na Argélia é um soldado inimigb”
(Fanón, 1967b:81).
®0 número de trabalhadores europeus na Argélia era de 300.000, dos quais
35.000 eram trabalhadores qualificados e 55.000 estavam relacionados
como braçais. Os outros trabalhavam na administração e direção (cerca de
50.000) ou nos diferentes tipos de serviços (cerca de 160.000) (Wolf,
1969:224). Evidentemente, esses trabalhadores eram parte importante do
quadro total.
®Nos países coloniais só os camponeses são revolucionários, pois eles nada
têm a perder, e tudo a ganhar. (Fanón, 1966:48).
A admiração de Fanón pelas qualidades positivas das massas camponesas
não era um simples sentimentalismo romântico. Ele observou, muito justa­
mente, que a lentidão dos não-instruídos em compreender as idéias dos
educados é.freqüentemente, provocada porestes, que usam um vocabulário
abstruso:
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Se falarmos a linguagem cotidiana... veremos que as massas compre­
endem rapidamente todas as nuanças de significado e aprendem
todos os truques do jogo... Tudo pode ser explicado ao povo, sob a
condição única de que realmente desejemos que ele compreenda.
(Ibid.: 151)
i°Para uma crítica marxista do conceito de alienação em Fanon, ver Zahar,
1974.
" N a China, segundo Jack Belden: “a guerrilha... levou com freqüência os
dirigentes comunistas à cabana do camponês, em busca de refúgio” (Belden,
1970:83-84).
120 PAIGC substituiu o Movimento para a Independência Nacional da Guiné
Portuguesa, que existiu entre 1954 e 1956 (Gibson, 1972:252).
13A idéia de que os camponeses que passaram algum tempo nas cidades e
voltam ao campo levam com eles a sofisticação política e um senso de
importância nacionalista não é nova, e não se limita à África. O mesmo
fenômeno foi observado na Ucrânia, num folheto publicado em 1919
(Mazlakh e Shakhrai, 1970:78-79).
14Como Lawrence Kaplan diz muito bem:
Marx entendia por progresso a expansão da capacidade produtiva
tanto da sociedade como dos seres humanos individuais, que levasse
finalmente a uma maior igualdade e liberdade, e à realização do
potencial humano. (Kaplan, 1973:xviii)
150 s sindicatos cristãos, que tinham sua própria internacional, também
desempenharam um papel nas colônias francesas, como ocorreu com a
Force Ouvrière, muito menor, cuja posição conservadora era comparável à
da Federação Ámericana do Trabalho.
1SA Federação Mundial dos Sindicatos não defendia, na época, a revolução
social, preferindo advogar uma política intermediária para o Terceiro Mundo,
o “caminho não-capitalista" democrático, pelo qual esperava que os países
em questão evoluiriam para o socialismo (Woddis, 1963; 1967:especialmen-
te 124-25; Cox, 1966:cap. 9).
17Anthony Smith, baseando-se provavelmente em Robert Davies, dá a
impressão de que certos movimentos sindicais eram antinacionalistas, mas
não é o que Davies diz (ver A. Smith, 1971:125; Davies, 1973:97).

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