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O CONFORTO DO CONSERVADORISMO
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J. I. Packer

ma rosa chamada por outro nome, alguém disse, teria o mesmo doce perfume; da mesma forma,
um lodaçal com qualquer outro nome, teria o mesmo mau odor. Quando evangélicos chamam a si
mesmos de conservadores, será que há nesse conservadorismo alguma coisa mais do que estéril e
cego tradicionalismo? Muitos de nossos críticos pensam que não, e se eles estão certos, nós estamos com
um problema, pois o mero tradicionalismo é uma coisa legalista que mata; não oferece vida nem
esperança. O objetivo deste capítulo é explorar formas pelas quais esse tipo de tradicionalismo (ou
conservadorismo) pode apagar o Espírito Santo e causar paralisia e impotência na igreja. “Tradição e
Tirania”  é  o  título  que  eu  teria  proposto  se  me  pedissem.  Mas  “Conforto  do  Conservadorismo”  foi  o  título  
que me entregaram numa bandeja, e eu tiro o chapéu para a pessoa que o formulou; sua ambivalência de
cara inescrutável capta mais efetivamente os elementos do problema.
Essa ambivalência surge do fato de que conforto e conservadorismo são palavras de dois tons.
Ambas têm dois conjuntos distintos de associações que contrastam entre si — e não há melhor maneira de
começar nossa missão do que expor a coisa toda.

CONFORTO
Vamos começar com conforto (e isso não é uma piada). A palavra é tanto substantivo quanto verbo.
O verbo, que é primário, vem do latim confortare, significando “tornar   mais   forte”   no   sentido   de  
transmitir energia e decisão a alguém fim de que permaneça firme e mostre empreendimento sob pressão.
A Tapeçaria Bayeux capta a figura do Rei Haroldo falando a alguns britânicos sisudos a lutar bravamente
na batalha de Hastings, com a declaração de que, dessa forma, ele confortava sua tropa. A Bíblia
geralmente traduz conforto com palavras que carregam o sentido de revigoração e renovação de forças.
Podemos chamar esse tom de conforto cordial: é o tom número um.
Na linguagem comum de hoje, conforto sugere a idéia de prover apoio que deixe a pessoa
descansada e fisicamente relaxada, ou expressa simpatia que alivia a aflição e faz que as pessoas se
sintam mentalmente melhores. Esse tom podemos chamar de conforto de almofada: a curto e, em algumas
vezes, longo prazo também, ele irrita em vez de revigorar — esse é o tom dois.

CONSERVADORISMO
Agora, tome conservadorismo. Uma palavra relativamente moderna, com foco sociopolítico,
conservadorismo também tem dois tons ou significados, cada um determinado pelo seu uso.
Um tipo de conservadorismo é a decisão heróica de preservar algo visto na herança cultural como
de real valor: agarrar-se a tal valor e defendê-lo haja o que houver, e chamar aos da comunidade que estão
se desviando ou já se desviaram dele e podem na verdade, solapá-lo. Tal conservadorismo apela ao uso
responsável da inteligência e do julgamento crítico assim como à coragem de nadar, quando necessário,
contra a maré cultural a fim de salvaguardar o que é certo e precioso. Esse tipo de conservadorismo —
conservadorismo criativo, como me aventuro a chamar — talvez se prove ser a opção mais radical,
realista, inteligente, ousada e estimulante que o mercado de idéias tem a oferecer. Esse é o
conservadorismo tom um.
O outro tipo de conservadorismo, entretanto, é cego, obstinado, uma aderência turrona ao que é
velho e convencional só porque é velho e convencional, uma reação mental de ajoelhar-se expressando
nada mais respeitável ou responsável do que o preconceito que se recusa a examinar. Jesus observou que
ninguém,  depois  de  beber  vinho  velho,  deseja  o  novo,  “porque  diz:  O  vinho  velho  é  excelente”  (Lc  5.39).  
Ele estava expondo a psicologia desse tipo de conservadorismo, a saber, um desejo e de sentir-se bem

1
J. I. Packer é professor de teologia no Reuent College em Vancouver, British Columbia. Canadá.

[1]
sendo acalmado e massageado por um fluxo constante de coisas familiares. Esse é o conservadorismo tom
dois: uma síndrome nostálgica que esconde a cabeça com respeito ao futuro e busca somente agarrar-se
ao passado. Rotulo isso de “conservadorismo  carnal”,  uma  vez  que  a  inércia  da  mente  em  sua  essência  é  
alimentada pela carne e para o prazer da carne. Os dois tipos de conservadorismo existem: o primeiro é
digno de honra e o segundo é patético; o primeiro é algumas vezes tomado pelo segundo, e o segundo
algumas vezes engana a si mesmo pensando ser o primeiro.

O CONFORTO DO CONSERVADORISMO
Peço aos meus leitores que observem que, em meu título, ambos os substantivos são usados em seus
significados de dois tons, e eu os convido a refletir no seguinte par de fatos: (1) que esse imobilismo no
olhar para trás, quer exigido pelos líderes ou pela vontade dos próprios seguidores, ou ambos, pode em si
mesma fazer que as pessoas se sintam bem, seguras e sábias; (2) que esses sentimentos podem, de volta,
dispor as pessoas a se juntar a fim de impor o mesmo imobilismo sobre outros, na crença de que tal ação
preste um verdadeiro serviço aos seus recipientes. Isso pode acontecer tanto com figuras e movimentos
históricos quanto com códigos de conduta estabelecidos. Embora a pessoa responsável admita que seus
distintivos denominacionais, o professor de Bíblia predileto, instituições e padrões de comportamento
possam não ter por trás uma ordem direta da Bíblia, geralmente insistem que, para ser mais obediente a
Deus, devemos submeter nosso próprio processo mental àqueles que já fizeram a difícil decisão em nosso
lugar. Pressão dos pares e pressão de grupos são então exercidas, e as pessoas que agem como
reforçadores da necessária conformidade, aos quais chamo de “tradicioneiros”   acabam   se   tornando  
verdadeiros tiranos.
A  despeito  do  desdém  pela  “tradições  de  homens”,  a  insistência de muitos conservadores é exigir
que adultos aceitem tradições de fé e prática como crianças às quais se diz para fechar os olhos, abrir a
boca e engolir qualquer coisa de uma forma não muito madura: na melhor das hipóteses, isso conduz a
uma atitude de orgulho e preconceito e, na pior, ao ocultismo. Lembremo-nos de que o suicídio em
massa, em Jonestown, na década de 1970, foi produto de uma forma extremada desse tipo de
conservadorismo religioso que acabo de descrever.2 Contudo é, como veremos, nada mais, nada menos
que uma boa coisa indo para o erro, que torna tudo ainda mais triste. Ligado a isso eu observo, aqui e
agora, que ao criticar o abuso de poder que o tradicionalismo tirano pratica, não defendo qualquer modo
de anarquia, de indisciplina, de confusão de credo e doutrina e de caos moral que caracterizam grandes
segmentos do mundo cristão nestes dias. Pelo contrário, o meu propósito antes de terminar é demonstrar o
genuíno enriquecimento e a necessidade vital da ortodoxia cristã, recebida com responsabilidade sob
autoridade autêntica, e assim reafirmar o conforto do conservadorismo como um dos verdadeiros
segredos do cristão saudável e de uma igreja vibrante.

A NATUREZA DA TRADIÇÃO CRISTÃ


Já utilizei a palavra tradicionalismo como sinônimo do conservadorismo, e o farei novamente
dizendo o seguinte. É outra palavra de dois tons, como no próprio vocábulo tradição. Na igreja, como no
mundo, existem boas e más tradições, como também existe uma tradição que é cega e cegadora e outra,
que é sábia e esclarecedora, e precisamos saber discernir entre as duas. Debates antigos entre protestantes
e católicos romanos e ortodoxos orientais produziram mais calor do que luz, mas neste século o estudo
intensivo resultou num relato de tradição que focaliza a compreensão de seu papel positivo.3 Os principais
pontos desse relato são os seguintes:

2
Sobre Jonestown, veja de Mel White, Deceived (Old Tappan, N.J.:Revell, 1979)
3
A fim de examinar essa discussão, ver de D. T. Jenkins, Tradition and lhe Spirit (London: Faber, 1951); P. C. Rodger e L.
Vischer, ed. Reports of the Fowth World Conference un Faith and Order (London: SCM Press, 1964), pp. 50-60; F. F. Bruce.
Tradition Old und New (Grand Rapids: Zondervan, 1970); C. O. Buchanan, E. L. Mascall. J. I. Packer e Bispo de Willesden
(G. D. Leonard), Growing into Union (London: SPCK. 1970), pp. 29-39 e as seguintes obras católico-romanas: Vaticano II,
Constituição sobre Revelação (I964); G. Tavard, Holy Writ or Holy Church (New York: Harper, 1959); J. P. Mackay, The
Modern Theology of Tradition (London: Darton, Lonman & Todd, 1962); Tradition and Change in the Church (Dayton, Ohio:
Piklaum, 1968); e o simpósio protestante-católico, ed. J. Callahan e outros, Christianity Divided (London: Sheed & Ward,
1962), especialmente os artigos por J. R. Geiselmane Oscar Cullman.
A tradição caracteriza as comunidades. Ninguém pode dizer-se livre de tradições. Na verdade, um
modo certo de ser engolido pelo tradicionalismo é achar-se imune a ele. Muitas vezes as pessoas que mais
desprezam a tradição fogem disso reconhecendo o valor das tradições e insistindo que a prática humana é
baseada na Bíblia, embora seja-lhes difícil apresentar capítulo e versículo. A maior ameaça do
tradicionalismo nem sempre vem na forma de papas e cerimônias extrabíblicas; muitas vezes a forma
mais insidiosa de tradicionalismo é a recusa em afirmar o papel positivo da história e da comunidade na
formação do entendimento, da espécie que se recusa a chamar as tradições pelo que são, recusando-se
assim a confrontá-las com o padrão das Escrituras. Em vez disso, suas tradições se confundem com as
Escrituras, o que é um desastre.
Na igreja, como em outras comunidades, a tradição é melhor definida primeiramente como processo
de passar adiante e, secundariamente, como a soma daquilo que é passado. A teologia católica romana
distingue explicitamente entre o processo (traditio tradens) e o conteúdo (traditio tradita) da tradição.
Dentro dessa perspectiva, o Novo Testamento fala de passar adiante tanto a boa tradição (pastoral e
apostólica) quanto a má tradição (farisaica e filosófica). Veja Marcos 7.5, 8-9,13; 1 Coríntios 7.10;
11.2,23-26; Colossenses 2.6-10; 2 Tessalonicenses 2.15. Na igreja, o processo de transmitir a tradição
ocorre através de pronunciamentos eclesiásticos oficiais, catequização pastoral, pregação e ensino,
palavras e cânticos usados no culto, a ética de uma determinada congregação ou denominação, materiais
impressos e recursos dos meios de comunicações e intercâmbios pessoais entre o povo cristão. Todos os
órgãos formadores de opinião da igreja são empregados, e o processo ocorre o tempo todo. Se você acha
que os evangélicos estão imunes a isso, pense de novo. Desenvolvemos nosso próprio linguajar
(“evangeliquês”,   como   se   diz),   estilos   musicais,   livros   e   fitas   favoritos   e   até   mesmo criamos tradições
especiais sobre a forma de transmitir a mensagem cristã. Alguns que desprezam a tradição não
considerariam um dia completo ou uma reunião evangelística na igreja sem uma “apelo  para  decisão”,  no  
entanto essa foi uma tradição inventada por Charles Finney no meio do século passado. A questão não é
se temos tradições, mas se nossas tradições estão em conflito com o único padrão absoluto nessas
questões: as Escrituras Sagradas.
As tradições se iniciaram como atos contemporâneos. O que hoje é tradição nas igrejas começou
com atos contemporâneos de exegese, exposição e aplicação das verdades bíblicas, e deve ser entendido
como tal. A tradição deve ser vista como a igreja de ontem dando à igreja de hoje uma direção em
questões de fé e comportamento, direção oferecida como sendo sábia e baseada na Bíblia. Dentro dessa
abordagem, e com base na percepção comum de que tanto o Espírito de Deus como também o pecado
humano estão sempre trabalhando dentro da igreja, espera-se que as tradições cristãs sejam parcialmente
certas e parcialmente erradas. Porém, surgem diferenças específicas com respeito à autoridade dessas
tradições.
As igrejas Católica Romana e Ortodoxa, por um lado, dizem que certas partes da tradição geral são
guias infalíveis de fé e vida; no entanto, Roma coloca nessa categoria todas as doutrinas definidas por
concílios em junção com o papa. E com respeito a papas que falaram ex cathedra, os ortodoxos limitam a
infalibilidade às definições dos sete concílios ecumênicos que se reuniram antes do Grande Cisma de
1054. Por muito tempo supôs-se que a noção do século XIV, de que a Igreja Ocidental tinha tradições
orais que suplementavam as Escrituras, fora definida como verdade pelo Concilio da Contra-Reforma de
Trento, mas hoje não se vê assim; a idéia é apenas especulativa e poucos mestres católicos romanos dos
dias atuais a endossariam.4
O Protestantismo tradicional, por outro lado, conquanto afirme a infalibilidade da Escritura como
palavra inerrante de Deus para nossa instrução, nega que qualquer parte da tradição de exposição bíblica
da igreja seja infalível. Recebendo-a como ajuda para a compreensão da Bíblia, o protestantismo prova a
tradição pela Bíblia, colocando-a sob sua autoridade. Aqui, o princípio é o de que a Escritura infalível, e
não a supostamente infalível tradição, interpreta a Escritura infalível. A Bíblia não é um livro obscuro. O
que não está claro num trecho é elucidado por outras passagens mais explícitas, e em todas as questões
essenciais, o ensino bíblico prova ser claro e suficiente. A Escritura tem a última palavra sobre as_
tentativas humanas de declarar seu significado, e a tradição, vista como uma série de tentativas humanas,
tem papel ministerial e não magisterial. Em outras palavras, a tradição nos permite ficar sobre os ombros
de muitos gigantes que pensaram sobre a Bíblia antes de nós. Podemos concluir pelo consenso do maior e
mais amplo corpo de pensadores cristãos, desde os primeiros Pais até o presente, como recurso valioso

4
Ver Geiselman em Christianity Divided
[3]
para compreender a Bíblia com responsabilidade. Contudo, tais interpretações (tradições) jamais serão
finais; precisam sempre ser submetidas às Escrituras para mais revisão.
Aqui também abre-se uma gama de opiniões. Num extremo se encontram pensadores que
consideram muito da tradição como sendo sabedoria do Espirito Santo (muitas vezes focalizando um ou
dois períodos de tempo como a “era dourada”) a ponto da Escritura ser relegada a um papel de apoio. No
outro extremo se encontram aqueles que suspeitam da tradição como carregada de pecaminosidade e
mundanismo da igreja em vez de cheia de sua sabedoria, ao ponto de este ou aquele movimentos novos
serem considerados como a restauração da igreja — ou seja, um novo fundamento — saída de um estado
de corrupção impossível. Tais grupos representam suas comunidades como quem recuperou o
cristianismo neo-testamentário, recusando-se a ser poluídos com “tradições   dos   homens”.   Entre   esses  
extremos se encontram posições intermediárias. Mas as várias avaliações do valor de uma determinada
tradição baseiam-se na concordância de que o papel da tradição seja ministerial e não de autoridade
absoluta ou infalível.
Os cristãos se beneficiam e são vítimas da tradição. Todos os cristãos são ao mesmo tempo
beneficiados e vítimas da tradição — beneficiados pela recepção de verdades edificantes e sabedoria da
fidelidade de Deus vistas nas gerações passadas; vítimas que agora consideram comuns coisas que
precisam ser questionadas, tratando como absolutos divinos modelos de crença e costumes que deveriam
ser vistos como meramente humanos, provisórios e relativos. Todos nos beneficiamos com a tradição boa,
sábia e sã, e somos vítimas de tradições más, tolas e doentias. E  aqui  que  a  “última  palavra”  da  Escritura  
tem  que  separar  o  joio  do  trigo.  Assim,  o  apóstolo  Paulo  aconselha:  “Provai  todas  as  coisas.  Retende  o  
que  é  bom”  (1  Ts  5.21).
Não há nada, contudo, de errado quanto a ser formado, moldado, influenciado e dirigido na nossa
reflexão   pela   tradição.   Aprender   de   Deus   “com   todos   os   santos”   (Ef   3.18)   num   relacionamento   de  
comunhão é parte do propósito divino, e ser ajudado pelo passado cristão a compreender e conhecer a
Deus no presente é apenas a dimensão histórica desse propósito. Na verdade a abordagem impiedosa seria
tentar aprender de Deus como cavaleiro solitário que orgulhosamente ou impacientemente virasse as
costas para a igreja e sua herança: isso seria receita certeira para esquisitices sem fim!
O que temos de fazer é reconhecer que somos, muito mais do que reconhecemos, frágeis filhos da
tradição, boa ou má, e precisamos aprender a questionar, à luz das Escrituras, aquilo que até aqui
aceitamos sem perguntas. Examinar todas as coisas pela Escritura, enquanto retemos o que é bom,
conforme Paulo ordenou, é de fato o trabalho da vida e hábito vital que devemos seguir. A única
alternativa seria sermos escravizados à tradição humana na prática, tratando-a como se tivesse autoridade
divina como os fariseus fizeram antes de nós. Conquanto fosse loucura desprezar as crenças e práticas
aceitas pela comunidade, seria também irresponsável adotar as mesmas com devoção cega. Jamais deve-
mos  aceitar  a  idéia  que  diz  “Sou  apenas  leigo,  não  um  teólogo.  Vou  à  igreja e ouço o pastor e acredito
no  que  ele  diz”.  Isso,  a  propósito,  é  eco  direto  da  admoestação  de  Martinho  Lutero  aos  que  se  satisfazem  
com  a  “fé  implícita”— ou seja. uma fé que aceita obediente a palavra da igreja sem fazer perguntas.
Crer e fazer o que é aceitável numa comunidade não pode ser feito apenas porque é aceitável, sem
levar em conta se é bíblico. Isso não seria cristão.
Tradições seculares e religiosas do mundo se opõem e corrompem a tradição cristã. A tradição
cristã, oferecida como elucidação e aplicação da Escritura em sujeição ao seu juízo corretivo, enfrenta
oposição constante das tradições religiosas e seculares do mundo, que vez após vez o corrompe. Detectar
e contrapor-se às infiltrações não autênticas dessa espécie é tarefa permanente da igreja e do cristão
individualmente. O lema da Reforma, ecclesia reformata semper reformanda (igreja reformada sempre
reformando) expressa a consciência desse fato. Assim como a batalha contínua da igreja por manter a
verdade de Deus envolve metodologia e ideologia, ela envolve também uma luta de tradições em guerra,
e jamais acaba deste lado do céu.

OS BENEFÍCIOS DA TRADIÇÃO CRISTÃ


Em parte por ignorância de sua amplitude e riqueza, em parte pela veemência contra a idéia de sua
infalibilidade, e em parte por absolutizar alguns fatores de sua própria herança, conforme veremos, os
evangélicos muitas vezes deixam de tirar proveito da tradição como poderiam. Uma resposta completa a
tal negativismo não pode ser feita aqui, mas vale a pena especificar, embora brevemente, quatro
benefícios que o conhecimento da tradição podem proporcionar.
Raízes. Primeiro, ao conhecer a tradição o cristão descobre suas raízes. Obtemos visão, inspiração e
a satisfação de identidade ao descobrir as origens e apreciar a família da qual viemos. O soldado que
atenta às vitórias passadas de seu regimento sabe o padrão pelo qual deve se portar, e identifica-se com os
ideais estabelecidos, ganhando senso de identidade pessoal e vocação que não tinha antes. O efeito é
semelhante quando se sabe algo dos alvos e das realizações que distinguem a família de Deus sobre a
terra por quase dois milênios. Na igreja contemporânea há muito com o que os evangélicos não
conseguem se identificar e do que se sentem alienados; as estultícias dos crentes de hoje não são, porém,
a história completa, e a solidariedade consciente em relação à igreja mais forte, sábia, corajosa do passado
continua sendo um grande enriquecimento.
Realismo. Segundo, ao se conhecer a tradição o cristão obtém um senso de realidade.
Conhecimento do passado oferece uma vantagem para a avaliação do presente e liberta a pessoa de um
aprisionamento, de outra forma inexpugnável, à cultura e mentalidade de nossa própria era. Num sentido,
não se pode ver claramente qualquer aspecto de uma época, por mais que se examine, até que se esteja
fora desse período e se possa medi-lo por padrões não limitados a ele. O conhecimento da tradição cristã
através dos séculos e das culturas dá essa capacidade com relação a todas as questões que preocupam o
cristão dos dias atuais. Embora nunca consigamos ser absolutamente objetivos, podemos ser ajudados no
exame de nossas pressuposições contemporâneas pelos exames feitos em outras épocas.
Recursos. Terceiro, ao conhecer a tradição o crente adquire recursos. Anda com os gigantes e ganha
mais profunda sabedoria do passado do que nossos dias atuais podem oferecer. Nenhuma época
demonstra insight igual para com todas as verdades espirituais e todas as facetas da santidade, mas quem
examina a tradição encontra aberta diante de si a sabedoria de todas as épocas. Enxerga como os erros
intelectuais e morais de cristãos hodiernos foram confrontados quando surgiram no passado, pois a maior
parte deles já ocorreu antes. Aprende sobre as possibilidades da vida cristã e o poder da esperança cristã,
mais do que nossa era de pigmeu é capaz de ensinar. E por demais claro para se negar, o fato que a
cultura moderna se empobrece ao não focalizar sobre um senso histórico, mas não há razão para os
cristãos seguirem o mesmo rumo, e existe toda razão para que não sigam essa tendência do século.
Lembretes. Quatro, ao conhecer a tradição, o cristão recebe lembretes históricos. No Antigo
Testamento Deus muitas vezes diagnostica os fracassos de seu povo em viver conforme o compromisso
da aliança, como devido ao esquecimento da bondade e severidade de seus atos no passado, e lembretes
semelhantes muitas vezes são necessários na comunidade cristã. O conhecimento de como a igreja no
passado incorreu nos juízos disciplinares de Deus através da euforia estéril, da estagnação sonolenta, do
triunfalismo superficial e da corrupção moral e espiritual, e de como, em contraste, tem encontrado sua
bênção através da fidelidade, da humildade, da ousadia, e da integridade de coração, é muito salutar em
função das admoestações que nos fazem. Diz-se também que quem não aprende com a História está
fadado a repeti-la, e esse aviso é tão sério para nós, povo cristão, quanto para outros povos.

O ABUSO DA TRADIÇÃO CRISTÃ


Tendo apreciado o valor do conhecimento de nossa herança de fé e vida, estamos agora em melhor
posição para entender o falso conforto que o conservadorismo carnal oferece, examinar a forma particular
de tirania que ele gera.
Temos aqui um diagnóstico do que parece estar errado. E propositadamente colocado em termos
formais e estruturais ao invés de específicos e pessoais. Meu interesse é no tamanho e formato da
carapuça, e não em quem ela cabe ou se alguém a está usando no momento. Deixo com os leitores que
julguem por si mesmos se o conservadorismo carnal está crescendo nos seus próprios quintais; afinal de
contas, essa é sua preocupação, não minha.
A absolutização de formulações e modismos que são humanos, não divinos, é fonte do problema e,
por ser humano, é provisório e aberto a mudanças. O conservadorismo carnal trata tais tradições como se
viessem diretamente de Deus e portanto sacrossantas. Tradicionalistas em posições de liderança reforçam
suas posições nessa base. Assim as tradições tornam-se vacas sagradas, perante as quais todos têm de se
curvar, reverentes. Pressões tirânicas são postas sobre as pessoas para que elas se conformem, se

[5]
quiserem se ajustar, ou mesmo pertencer,  nessa  “comunidade  singularmente  espiritual”.  Onde  isso  ocorre,  
os interesses são seletivos e poucos, as mentes são estreitas e desconfiadas, e o conhecimento da tradição
cristã mais ampla, distinta desta que está erradamente destacada, é quase inexistente. Mas para alguns a
própria rigidez desse tradicionalismo desafiador  da  cultura  (“nós  ficamos  com  a  velha  religião  dos  tempos  
antigos”) têm seu apelo: vêem isso como fidelidade a Cristo e têm certeza de que ele aprova e abençoa,
ou não poderiam sustentá-lo. Entram na fila atrás dos tradicionalistas, admirando-os por sua
excentricidade ousada e sua ranzinzice, venerando-os como se fossem Deus (que não é de surpreender,
pelo modo autoritário como falam!). Tal mistura — liderança peremptória, distinções legalistas do grupo
que os membros recebem como oriundos de Deus e definidores de sua própria identidade, conformismo
da comunidade, crítica hostil e condescendente dos que estão fora do grupo, e confiança que só eles
constituem o remanescente de fiéis de Cristo — beira a seita. Edward James Carnell chocou muita gente,
uma geração, atrás ao descrever o fundamentalismo norte americano como “evangelicalismo virando
seita”.5 Entendemos o que ele quis dizer, quer concordemos ou não com sua censura, naquele tempo ou
agora.
Não é difícil encontrar amostras daquela síndrome. Há, por exemplo, aqueles que consideram que
apenas a versão King James (tradução da Bíblia aprovada pelo Rei Tiago da Inglaterra do século XVII) é
Bíblia; os que consideram apenas o Livro de Oração Comum da Igreja Anglicana como veículo para o
culto; os que cantam apenas hinos no estilo de Watts ou Wesley ou talvez Ira Sankey, ou talvez mais
recentemente os Gaithers ou outros compositores de cânticos de louvor. Os cinco pontos do calvinismo,
que eu mesmo afirmo, podem ser causa de discórdia em vez de conforto e segurança. Tais doutrinas como
o arrebatamento secreto e visões particulares de escatologia tornam-se laços mais fortes e acima do que é
essencial no Evangelho.
Num nível mais profundo, existe a mentalidade da palavra mágica, que insiste que verdades
reveladas só podem ser afirmadas através de vocábulos específicos. Lógicos e teólogos sabem que não
existe uma única fórmula para expressar determinada verdade, desde que se entenda o que se diz.
Contudo, surgem sempre formulações como parte da conversa dos que estão “por   dentro”   de   qualquer  
grupo, tornando-se um jargão, funcionando como taquigrafia, capacitando a comunicação de muito num
pequeno compasso. Isso pode ser ótimo em seu lugar, mas permanece o fato de que qualquer coisa que
for compreendida pode ser expressa em mais do que uma forma, e se você não consegue exprimir sem
usar uma determinada palavra ou fórmula, é prova que realmente não entende o conceito. Nas discussões
recentes sobre inerrância da Bíblia, por exemplo, parece que algumas pessoas não entendiam que
inerrância possa ser afirmada sem que se empregue a palavra mágica para isso, e que outros que criam na
plena verdade e confiabilidade da Escritura talvez escolham evitar a palavra por suas associações
infelizes. Não havia dúvida de qual grupo entendia melhor o que c inerrância! A mentalidade de palavras
mágicas chavões é sintoma do conservadorismo carnal, assim como a rejeição de cara de estilos culturais
e comportamentais em transição entre o povo cristão.
O conservadorismo carnal pode surgir e surge logo que um grupo cristão começa a valorizar alguma
coisa em sua tradição como o ideal de Deus, tratando sua própria visão aquilo como essencial para o
testemunho e fidelidade ao Senhor. Observa-se quando uma congregação tem feito (ou não tem feito)
determinada coisa por uma geração, essa coisa torna-se o foco do conservadorismo carnal, no momento
que uma mudança for sugerida: “Nós nunca antes fizemos desse jeito”. “Perderíamos nosso testemunho
cristão   se   permitíssemos   liberdade   nessa   área”.   Podemos   entender,   sabendo   como   certos   padrões  
determinados de vida na igreja dão um senso de estabilidade às pessoas mais antigas, que sentem que
nosso mundo em rápidas mudanças os está deixando para trás. Ao mesmo tempo, devemos nos entristecer
que eles procurem sua segurança nas estruturas imutáveis da igreja em vez de no relacionamento imutável
com Deus através de Cristo. Acham que devem saudar todos os pensamentos de mudança com um
negativismo chocado que pode obstruir e apagar o Espírito Santo.
Já começamos a ver que o conservadorismo carnal é uma misturança confusa. Há uma indisposição
de ver removidos os marcos de nosso terreno, medo de perder algo valioso, lealdade confusa mas
profundamente sentida para com rotinas não questionadas vistas como benéficas. Por trás disso há um
amor por poder, em tentar dizer aos outros que têm que andar na linha em vez de permitir que as pessoas
digam que você é que tem de mudar. Novamente por trás disso, há um senso de rigidez da religião em que
se domestica a Deus, recrutando-o a fazer o que nós queremos, do nosso lado, como que estivesse no

5
E. J. Carnell, The Case for Orthodox Theology (Philadelphia: Westminster, 1962), p. 113.
bolso, como um ratinho de estimação. O conservadorismo carnal é uma espécie irreligiosa de piedade por
demais difundida, e é extremamente debilitador.
A absolutização de um fator tradicional não precisa esperar uma ou duas gerações antes do
conservadorismo carnal construir em sua volta. Demonstro isso através de um exemplo.
Nos anos 60, que os britânicos chamaram de “swinging sixties” quando se abalou toda espécie de
inibição cultural ocidental, o movimento carismático, concentrado no batismo do Espírito Santo e línguas,
irrompeu nas igrejas mais antigas, espalhando-se como fogo. Os carismáticos sabiam, naturalmente, que o
povo fiel de Deus havia experimentado durante séculos do seu poder e amor sem essas características
distintivas, mas isso não impediu que houvesse cristalização imediata desses pontos distintos por parte do
conservadorismo carnal. Considere com cuidado a declaração seguinte:
Durante o auge do movimento carismático nos anos 70, assisti a Primeira Conferência
Internacional sobre o Espírito Santo em Jerusalém, como repórter.... Como não fosse
carismática, tornei-me o objeto de muitos testemunhos. As pessoas me apoquentavam (não há
outro jeito de descrever) sobre o falar em línguas. Uma senhora idosa em tudo mais encanta-
dora disse-me que Deus me havia enviado à conferência simplesmente para que eu
começasse a falar em línguas. Havia outros, não tão encantadores, que me repreendiam por
eu não me submeter ao Espirito Santo, por ser orgulhosa e defensiva. Essas pessoas queriam
exercer poder sobre meu relacionamento com Deus. Usavam toda tática espiritual para me
envergonhar, perturbar, e propelir a uma experiência que para elas era a marca do cristão.
Essas pessoas são culpadas de violência espiritual e assim, lealdade colocada no lugar
errado. O Deus errado estava em controle.6
Cheryl Forbes escreveu esse parágrafo para demonstrar como a santidade pode-se tornar em jogo de
poder e este é o único ponto que ela conclui da narrativa. Mas parece-me claro que o resto da mistura
enlodaçada também estava lá. Não quero com isso reprovar todo o movimento; dou este exemplo para
demonstrar uma situação específica. Na verdade, carismáticos com quem tenho amizade também hoje
consideram tal comportamento deplorável.
Devemos notar que, para os líderes, o contexto de conservadorismo carnal cria tentações especiais,
pois dá-lhes um papel de tradicionalista que coloca em suas mãos grande poder. Sabemos que pastores,
como um corpo, amam o poder, e sabemos como o desejo de controle total entra nas decisões dos que não
são pastores a fim de formar seus próprios “ministérios” independentes, nos quais não precisam responder
a nenhuma autoridade. Parece aos seus seguidores, que lideres comprometidos a manter como essenciais
a tradição que outros deixaram, são, exatamente por essa razão, pessoas de percepção superior e elogiados
“por   tomar   posição   firme”.   As   possibilidades   de   abuso   de   poder   quando   nos   encontramos assim, no
pináculo do venerado, são enormes, e não devemos nos surpreender quando ouvimos dizer de
tradicionalistas dessa espécie, que se vêem como acima da lei e dos outros seres morais.

O CONSERVADORISMO CRIATIVO E A TRADIÇÃO CRISTÃ


É um alívio sair do diagnóstico para a cura, e isso eu faço com imenso prazer. A cura para o
conservadorismo carnal (além do sacerdócio de todo crente, que deixo para Alistair MacGrath explanar
no próximo capítulo) é o conservadorismo criativo. O conservadorismo criativo utiliza-se da tradição, não
como autoridade final ou absoluta, mas como recurso importante colocado a nossa disposição pela
providência de Deus, a fim de nos ajudar a entender o que a Escritura está nos dizendo sobre quem é
Deus, quem somos nós, o que é o mundo ao nosso redor, e o que fomos chamados para fazer aqui e agora.
A verdadeira dificuldade em tomar decisões morais está em discernir os valores envolvidos: aqui a
tradição, que contém em si vastos argumentos, consenso e experiência cristãos, é sempre de grande
utilidade. Encontrar a grande convicção, contenção e conselho da tradição cristã é alimentar-se de formas
que os crentes dos dias atuais desconhecem. A maioria das igrejas evangélicas atuais necessita com ur-
gência de educação nessa herança, tendo como base que a consciência é cativa da Palavra de Deus. Só
podemos esperar que se torne questão de suma importância na próxima geração.
Honestidade na autocrítica. O que a busca do conservadorismo criativo requer de nós? Pelo menos
três coisas. A primeira é honestidade na auto-erítica. Dizem que Sócrates declarou que a vida não
6
Cheryl Forbes, The Religion of Power (Bromley: MARC Europa, 1986). p. 86.
[7]
examinada não vale a pena viver, e isso se aplica tanto à vida mental como à vida moral, para cristãos
tanto quanto para não crentes. A avaliação constante das coisas consideradas comuns, no que agora
entendemos sobre elas, junto com uma disposição de descobrir no que erramos e como mudar, é a
atividade de vida pela qual se inicia o conservadorismo criativo. Ironicamente, ao entendermos a tradição
talvez sejamos forçados a reconsiderar nossas próprias tradições mais recentes. Desta forma, a tradição
pode nos impelir a sair do tradicionalismo. O   apelo   “nunca   fizemos   dessa   forma”   pode   facilmente   ser  
contraposto  por  alguém  que  diga:  “Sim,  mas  milhões  de  crentes  através  dos  séculos   fizeram assim. Não
seria possível que você seja quem tenha entendido mal a Escritura  neste  ponto?”
Humildade no juízo particular. A segunda coisa que se requer é humildade no juízo particular.
Muitas vezes pessoas julgam erroneamente que a Reforma tenha ensinado o direito de juízo particular da
Escritura em termos do crente poder discordar da igreja, da Bíblia ou de qualquer autoridade externa, se o
coração o mover a isso. Na verdade, os reformadores ensinaram o dever do julgamento particular, no
sentido que nenhum adulto pode tomar sua fé de segunda mão, mas deverá se submeter à disciplina do
exame das Escrituras para verificar se as coisas são mesmo como se afirmam. A consciência do crente,
como dissemos acima e como Lutero declarou de forma memorável em Worms em 1521, é e têm de ser
sujeita à Palavra de Deus — a qual é o ensino de Deus sobre Ele mesmo e sobre nós. Humildade no juízo
particular quer dizer que continuamos a examinar as Escrituras até ficar claro o que Deus disse, proibindo
nosso intelecto orgulhoso de tirar conclusões sobre aquilo que o Deus da Bíblia deixa em aberto ou de
recusar-nos a aceitar ajuda da tradição cristã na interpretação das Escrituras sob a suposição de que um
estudante piedoso da Bíblia “se  vira”  perfeitamente bem sem essa ajuda.
Integridade na ação moral. O terceiro requisito é integridade na ação moral, ou seja, primeiro,
rejeição completa da conformidade com a multidão, mesmo a multidão cristã, como modo de vida, e uma
insistência auto-imposta de ter razões baseadas na Bíblia para os compromissos e as linhas de ação que se
tomem. O padrão de integridade cristã é a Bíblia, não o que a sabedoria humana legisla. Os evangélicos
freqüentemente são advertidos contra a pressão do mundo incrédulo, mas existe o perigo mais sutil de
uma espécie negativa de pressão dos pares cristãos, conhecido por nós e por muitos que deixaram suas
raízes  evangélicas,  como  “legalismo”.  O  fruto da integridade, fidelidade para com o que se crê, cresce da
raiz de integridade, o pensamento sério sobre o que devem ser essas crenças.
Para que as igrejas saiam do conforto falso do conservadorismo carnal no qual tantos evangélicos
estão atualmente presos, para a força verdadeira do conservadorismo criativo, seria necessário uma
verdadeira renovação da fé reformada, berço do cristianismo evangélico. Embora ela própria seja uma
tradição auto-consciente, não só respeita o seu passado como também insiste em auto-reforma contínua,
“de   acordo   com   a   Palavra   de   Deus”.   Se   vemos   tal   renovação,   as   declarações   espúrias   de   poder   serão  
vistas como realmente são, c a Palavra de Deus governará, para a glória do Deus cuja palavra ela é.
“Quem  tem  ouvidos,  ouça  o  que  o  Espírito  diz  às  igrejas” (Ap 2.7, 11, 17, 29; 3.6, 13,22).

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