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1 - LINGUAGEM, INTERAÇÕES E CONSTITUIÇÃO DA

SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA
A palavra linguagem nos remete a muitas outras palavras. Segundo o
dicionário Houaiss, linguagem é “qualquer meio sistemático de comunicar idéias, os
sentimentos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais”. A partir desta definição,
podemos concluir que todos estamos envolvidos com a linguagem de uma maneira
direta. Pesquisando o tema “linguagem” no Dicionário de Citações Nova Fronteira,
encontramos a seguinte frase, dita por Nobert Wienar: “A linguagem é um jogo
conjunto, de quem fala e de quem ouve, contra as forças da confusão.”

A situação descrita a seguir pode ajudar a compreender a frase de Wienar:

Rosa e Helena são duas professoras que trabalham na mesma escola.


Quando Rosa vai visitar sua mãe, após a aula, pega uma carona com Helena.
Sabendo que Helena faz a mesma trajetória todos os dias, Rosa pergunta:

– Helena, tem carona hoje?

– Não, responde Helena. Rosa, então, pega a sua bolsa e se dirige ao ponto
de ônibus. No meio do caminho, é interrompida pelas seguintes perguntas:

– Aonde você vai? Você não ia de carona comigo?

Rosa responde que iria de ônibus, pois a amiga havia avisado que “não tinha
carona”. Helena, ao ouvir as palavras de Rosa começa a rir e explica: eu disse que
eu não tinha carona, que não tinha ninguém para ir comigo, que tinha lugar no carro
para você. As duas riem do ocorrido e caminham em direção ao carro.

O mal-entendido entre as professoras estava relacionado à interpretação que


cada uma estava dando para a situação. Nesse sentido, é na comunicação que, ao
compartilharmos nossas interpretações sobre o mundo, criamos um código que
orienta as relações entre as pessoas. Cabe destacar que essas interpretações se
constroem a partir das experiências vividas pelos indivíduos e da situação em que
se dá a comunicação.

Ao longo dos anos, muitos estudiosos de diferentes áreas do conhecimento


vêm se dedicando ao fenômeno da linguagem. Teremos contato com alguns deles
nessa unidade.

As situações de interação a partir da linguagem fazem parte do cotidiano das


instituições de Educação Infantil. Deste modo, é importante que pensemos um
pouco sobre como se dão os processos que contribuem para que as crianças se
apropriem da língua e quais são as oportunidades que podemos criar na escola para
que ela seja um espaço do uso e do contato com diferentes linguagens produzidas
historicamente.

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Voltando às definições expostas anteriormente, podemos dizer que a
linguagem se constitui nas relações sociais, nas interações entre as pessoas.

Para melhor compreender como esse processo se dá, vamos conhecer a


história de Nicolau? Esta história faz parte da obra da escritora paulista Ruth Rocha.

NICOLAU TINHA UMA IDEIA


“Era uma vez um lugar onde cada pessoa só tinha uma idéia na cabeça. João
tinha uma idéia assim: #######
Maria tinha uma idéia assim: *********
Pedro tinha uma idéia desse jeito: !!!!!!!!!!!
E Manuela tinha uma idéia desse jeitinho: +++++++++
Um dia apareceu um homem chamado Nicolau.
A idéia de Nicolau era assim: ????????
Logo que Nicolau chegou, foi procurar João.
E contou sua idéia a ele.
E João ficou com duas idéias na cabeça: # ? # ? # ?
João contou a idéia dele para Nicolau.
E Nicolau ficou com duas idéias na cabeça. ## ? ## ? ##
Aí, Nicolau foi contar sua idéia para Maria.
E Maria ficou com duas idéias na cabeça. ****?*****?
E contou a Nicolau a idéia dela.
Nicolau ficou com três idéias na cabeça. ???****###???****###
Nicolau falou com Pedro,
Com Manuela
E uma porção de gente mais.
Nicolau ficou cheio de idéias.
E as idéias de Nicolau começaram a se misturar
Umas com as outras e a formar Muitas outras idéias.
Então, as pessoas começaram a achar que era
Muito divertido ter muitas idéia na cabeça.
Começaram a procurar Nicolau para ele
Contar as ideias que ele agora tinha.
E todo mundo foi ficando com uma porção de idéias na cabeça.
Aí, cada um resolveu trazer os filhos para o Nicolau contar suas idéias.
Nicolau teve que arranjar
Um lugar grande, onde
Ele pudesse contar às Crianças as suas idéias.
E naquele lugar, agora, todo mundo tem Uma porção de idéias.
Como você, que também conversa com os outros,
Ouve as idéias deles e aprende uma porção
De ideias na escola.”
Ruth Rocha

A linguagem é um sistema simbólico que se constitui socialmente. A


construção de uma língua que pudesse favorecer a comunicação e expressão dos
homens só foi possível devido ao equipamento anatômico e neurofisiológico
adaptado aos órgãos do aparelho fonador e ao sistema nervoso central que os seres

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humanos têm. Mas o que faz com que essa estrutura funcione é o fato de sermos
seres essencialmente sociais. Até mesmo a formação deste equipamento anatômico
só foi possível porque o homem é um ser social. As necessidades de comunicação
entre os seres humanos, motivadas pelas necessidades de sobrevivência dos
grupos humanos, fizeram com que, ao longo do processo de evolução da espécie
humana, o aparelho fonador fosse se aprimorando, o que permitiu, por sua vez, uma
comunicação cada vez mais eficaz.

Nos primeiros meses de vida, não existe, por parte do bebê, a intenção de
se comunicar. Sua interação com o meio é, nesse período, movida por fatores
biológicos, instintivos. Entretanto, à medida que os primeiros sons dos bebês são
motivos de comemorações para os adultos, que são capazes de encontrar sentidos
em balbucios e sílabas soltas – um “ma-ma” é entendido como mamãe, o “a-a-a”
como água e outros tantos significados vão sendo atribuídos aos sons e aos gestos
– isto vai motivando o bebê a se comunicar, inserindo-o na língua utilizada por
aqueles que o rodeiam. Assim, as crianças vão se apropriando, progressivamente,
dos modos de comunicação próprios da cultura na qual elas estão inseridas.
Portanto, somente na interação, quando os signos e significados culturais vão sendo
internalizados, é que se inicia uma relação entre linguagem e consciência.

Quando a mãe vem em ajuda da criança e nota que o seu movimento indica
alguma coisa, a situação muda fundamentalmente. O apontar torna-se um gesto
para os outros. A tentativa mal-sucedida da criança engendra uma reação, não do
objeto que ela procura, mas de uma outra pessoa. Conseqüentemente, o significado
primário daquele movimento malsucedido de pegar é estabelecido por outros.
Somente mais tarde, quando a criança pode associar o seu movimento à situação
objetiva como um todo, é que ela, de fato, começa a compreender esse movimento
como gesto de apontar. (...) O movimento de pegar transforma-se em gesto de
apontar.

O encontro entre a linguagem e a consciência é considerado, pelos


estudiosos do tema, como o momento de maior impacto no curso da constituição do
pensamento. É quando objetos são transformados em signos, num movimento de
apropriação em que os signos vão deixando de fazer parte do mundo externo,
ganhando significados nos processos psicológicos individuais. O resultado deste
processo é a construção da linguagem e, conseqüentemente, uma nova qualidade
das interações da criança com o meio.

É através da linguagem que compartilhamos conhecimentos, valores,


regras de conduta, experiências adquiridas pelos homens ao longo da história, entre
tantas outras coisas. A linguagem é responsável pela formação da subjetividade, ou
seja, é através da linguagem que vamos nos constituindo como seres humanos,
participantes da cultura na qual estamos inseridos. A capacidade de adquirir uma
língua constitui uma das singularidades do ser humano.

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Embora seja também um meio de comunicação, a linguagem não pode ser
reduzida a essa função, pois é um todo complexo que envolve o homem no contexto
em que ele vive, já que, à medida que estamos nos constituindo na linguagem,
também construímos o mundo com as linguagens que produzimos.

Quando o bebê nasce, seu pensamento evolui, inicialmente, sem a


linguagem. Mas, como já vimos, a função social da fala já é apresentada ao bebê
desde os primeiros meses de vida pelas pessoas com as quais ele se relaciona.

Nos primeiros meses de vida, a criança possui um pensamento pré-


lingüístico e uma linguagem pré-intelectual.

O que essa afirmação significa? Se considerarmos que no início o


pensamento do bebê evolui sem a linguagem, encontraremos o sentido do termo
pré-lingüístico: antes da aquisição da linguagem. A linguagem pré-intelectual é a
linguagem de que o bebê faz uso antes de adquirir a língua utilizada por seu grupo
social. São os balbucios e as outras estratégias que ele utiliza para chamar a
atenção daqueles que estão à sua volta.

Vygotsky considera que, por volta dos dois anos, as curvas do pensamento
pré-lingüístico e da linguagem pré-intelectual se encontram e se unem, iniciando um
novo tipo de organização do pensamento e da linguagem. Nesse momento, o
pensamento torna-se verbal e a fala, racional. A criança descobre, ainda que
difusamente, que cada coisa tem seu nome. A fala começa a servir ao intelecto e os
pensamentos começam a ser verbalizados. Ainda, de acordo com Vygotsky, os
significados das palavras são formações dinâmicas, que se modificam e evoluem à
medida que a criança se desenvolve, de acordo com as várias formas pelas quais o
pensamento funciona.

Tudo que estudamos até aqui mostra a importância, para o desenvolvimento


infantil, de um espaço que valorize as interações e o uso da linguagem e a
necessidade de considerar, no planejamento das atividades nas instituições de
Educação Infantil, o papel da linguagem na formação da subjetividade. É importante
criar, nessas instituições, espaços e situações em que as crianças possam estar
significando o mundo ao redor, formando e transformando conceitos.

Quem observa crianças pequenas realizando alguma atividade se surpreende


com o fato de que elas falam muito enquanto executam suas ações: contam o que
estão fazendo e o que pretendem fazer, fazem comentários sobre o que estão
achando da atividade que realizam sem ter a intenção de se comunicarem com
outras pessoas. Falam para si mesmas.

Para Jean Piaget, psicólogo suíço essa fala “para si mesmo” seria uma fala
egocêntrica, sem intenção comunicativa, que desaparece à medida que a criança vai
se socializando. Entretanto, Vygotsky oferece uma outra explicação para a fala que
Piaget denomina egocêntrica, considerando-a um importante meio para

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compreendermos a relação entre pensamento e palavra e como o sujeito (ou a
consciência humana) vai se construindo na linguagem.

A seguir, descrevemos uma cena ocorrida em uma turma de crianças de 5


anos:

A professora propõe que as crianças, sentadas em círculo, contem uma


história a partir das imagens de um livro. As crianças vão passando as páginas e
cada uma conta uma parte da história. Enquanto isso, a professora, sentada em sua
mesa, recorta folhas de cartolina. A cada criança que conta, a professora, sem tirar
os olhos de sua tarefa, comenta sem muito entusiasmo: “muito bem”. Quando o livro
chega às mãos de uma menina, ela diz: “então, o tubarão saiu voando...” A
professora interrompe e pergunta: “tubarão voa?” A menina, então, tenta dar
continuidade à história, mas não consegue.

Como podemos analisar a situação descrita no quadro acima, considerando o


que afirma Vygotsky sobre a função da linguagem na construção do pensamento
pela criança? E com relação à mediação da professora, o que você teria a
comentar?

Os sentidos produzidos na relação entre pensamento e linguagem


possibilitarão ao indivíduo compreender o mundo e as relações que vivencia, assim
como os papéis que desempenha nestas relações.

Como os sentidos não estão prontos, acabados, mas se alteram ao longo da


vida, a experiência é fundamental na reelaboração dos conceitos que construímos. É
a capacidade de ressignificação que torna a vida tão dinâmica e o conhecimento
algo provisório, que está sempre marcado por novas descobertas.

As palavras pronunciadas podem adquirir significados de acordo com nossa


interpretação. Entretanto, tais interpretações dependem, por sua vez, de nossas
experiências, adquiridas nas relações que estabelecemos com os outros.

Quando a criança fala para si mesma em sua fala interior, reproduzindo, em


princípio, os padrões de relação significativa com os outros, está construindo sua
consciência e constituindo-se enquanto sujeito. Esse processo é possível no
momento em que as relações interpessoais são transformadas em intrapessoais,
permitindo assim a construção mais delicada da sociedade, que é a consciência
humana.

Percebemos, portanto, que é no plano social, nas relações interpessoais, que


vamos nos constituindo enquanto pessoas. Isso aponta a importância que o outro,
ou seja, as outras pessoas, assumem em nossas vidas, assim como o papel das
instituições de Educação Infantil de promoverem oportunidades de interação entre
as crianças e entre elas e os adultos. Quanto mais ricas e diversificadas forem as
experiências vividas pela criança, maiores serão suas possibilidades de
compreender o mundo e se expressar sobre ele.

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2 - RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO
INFANTIL

O termo educação tem um sentido muito amplo; onde há, educação formal e

informal. O aluno tanto aprende dentro da escola, como fora dela. A educação

formal é aquela que se adquire nas instituições de ensino; que tem regras e educa o

homem para viver em sociedade. Segundo Bock (2004, p, 261).


Ao transmitir a cultura e, com ela, modelos sociais de comportamento
e valores morais, a escola permite que a criança “humanize-se”,
cultive-se, socialize-se ou, numa palavra eduque-se. A criança,
então, vai deixando de imitar os comportamentos adultos para aos
poucos, apropriar-se dos modelos e valores transmitidos pela escola,
aumentando, assim, sua autonomia e seu pertencimento ao grupo
social.

Já a educação informal, é aquela adquirida no cotidiano, na comunidade, na

convivência com o outro, e principalmente no ambiente familiar. Porém, é visível um

grande descaso que há por parte de alguns pais com a educação de seus filhos e a

vida escolar dos mesmos; pois esses pais vêm fazendo da escola um depósito de

crianças, na qual são deixadas pela manhã e só retornam para o ambiente familiar á

noite, devido á falta de tempo destes por causa da jornada de trabalho e


competitividade social. Essa falta de tempo faz também com que os pais deixem de

participar ativamente do contexto escolar de seus filhos, deixando toda

responsabilidade em cima da escola e dos professores. Bock (2004, p, 250).


Em todas as classes, as crianças estão indo mais cedo para as
instituições educacionais. Os motivos são os mais diversos, sendo
que um deles deve ser ressaltado: a entrada da mulher no mercado
de trabalho quer para garantir a renda familiar, quer como projeto de
vida profissional.

Porém, vale deixar claro, que a escola (creches ou pré-escolas), não pode ser

vista como um depósito de crianças, pois não é; ela é um lugar onde a criança irá se

preparar para ser alfabetizada no futuro. Por isso, a educação infantil deve ser

respeitada e levada a sério, principalmente pela família, pelos pais, proporcionando

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a essa criança, muito carinho, alimento, uma boa saúde, um ambiente de paz, na

qual ela possa viver com sua família. Todos esses itens colaboram para um bom

desempenho escolar. È nessa fase que a criança está com a mente fresca, pronta

para receber bons ensinamentos. A educação infantil é a fase mais importante no

desenvolvimento cognitivo da criança, pois é nela que a criança começa a sua vida

escolar. Como está expresso na LDB s(Leis de Diretrizes e Bases da educação)

9394/96, art.29.:
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de
idade (SIC!), em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e comunidade.

No processo escolar da criança de educação infantil, a participação da família

é fundamental para o bom desenvolvimento da aprendizagem da mesma. A família

pode começar ajudando a criança a fazer suas tarefinhas de casa, valorizar os

trabalhos realizados por ela, e incentivando-a a usar sua criatividade por meio de

recursos específicos para sua idade, sendo esses recursos; folhas de papel, lápis de

cera, em fim, objetos que a criança possa manusear livremente e soltar sua

imaginação, podendo também, desenvolver sua coordenação motora fina, usando,

por exemplo, a massinha de modelar. O Antropólogo Carlos Brandão (2001,p, 9).


Não há uma única forma nem um único modelo de educação; a
escola não é o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o
melhor; o ensino escolar não é a única prática, e o professor
profissional não é seu único praticante.

A educação infantil é oferecida em creches para crianças de 0 a 3 anos, e em

pré- escolas para crianças de 4 a 5 anos. È nessa fase que a criança conhece e

aprende, através de materiais didáticos – pedagógicos e métodos específicos; as

vogais, o alfabeto, a fazer o seu nome, conhecer as cores, em fim, conteúdos

específicos para esse público. Além desse aprendizado, ela começa a se

desenvolver intelectualmente, sem contar que na escola as crianças têm contato

umas com as outras, esse contato também acontece em casa, na comunidade, em

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fim, no dia a dia. E essa convivência desenvolve o lado social, a afetividade pelo

próximo e ajuda no seu aprendizado. Segundo Bock (2004, p, 265).


A escola não deve ser pensada como fortaleza da infância, como
instituição que enclausura seus alunos para melhor prepará-los. È
preciso articular a vida escolar com a vida cotidiana; articular a vida
escolar com os acontecimentos do dia-a-dia da sociedade.

Existem pais que pensam que a escola deve se encarregar sozinha de efetuar

o processo educacional da criança, sendo que a educação só ocorre quando escola

e família se unem por um mesmo objetivo, se essa união não acontecer, a escola

educa e os pais deseducam. A escola deve se comunicar com a família diariamente;

e essa comunicação deve ser feita através da agenda escolar, bilhete e até mesmo

pelo caderno da criança, cabe ao docente escolher a melhor forma, porém, a família

por sua vez, deve ficar atenta a essa comunicação e fazer a correspondência da

mesma. De acordo com Içami Tiba (2006 p.152):


A escola precisa alertar os pais sobre a importância de sua
participação: o interesse em acompanhar os estudos dos filhos é um
dos principais estímulos para que eles – alunos – estudem. È
importante a participação dos pais nas reuniões escolares que todos
os meios para convocá-los são válidos: recados na agenda,
correspondência, telefonemas,e-mails ou mesmo o sistema “boca a
boca”.Cada escola pode utilizar o meio que julgar mais suficiente.

Falar de família atualmente é muito complexo, pois não há mais nos dias de

hoje,aquele modelo de família nuclear,onde o pai era o que mantinha a casa e a

mãe, quem cuidava dos filhos e zelava pela harmonia do lar. O que se vê hoje é

uma diversidade de família, ou seja, modelos de família, onde o pai está cada dia

perdendo sua posição de mantenedor do lar ao se igualar com a mãe devido às

conquistas femininas que levaram essa “mãe”, a entrar no mercado de trabalho.

Com essa igualdade, muitas vezes o homem vai perdendo (em alguns casos),

o seu papel na família, sendo a mãe que passa a assumir o mesmo, devido a vários

fatores, um deles é a mulher ter que assumir a maternidade como produção

independente.

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As crianças de antigamente são diferentes das crianças de hoje. Antes as

crianças tinham outra educação; era uma educação mais rigorosa, na qual o

respeito pelos pais, pelos mais velhos, era o que prevalecia; as crianças eram

educadas para obedecer, seja aos pais, seja aos professores, em fim, eram

disciplinadas. Já as crianças de hoje, não são mais educadas como antes, pois os

pais estão deixando a desejar neste sentido, devido à correria do dia a dia que eles

vêem tendo por causa da jornada de trabalho e também devido aos novos valores

que constituem a sociedade, como por exemplo: a mídia, recursos tecnológicos

diversos, Internet, e o convívio com a escola, família, amigos; todos esses exemplos

funcionam como espelho, contribuindo para a formação dos valores éticos etc.

Se o meio ao qual a criança está inserida muda, a postura desta criança

diante do meio também muda e transforma. Com isso, não se pode dizer que a

educação de antigamente deve ser praticada pelos pais e professores sobre a

criança da mesma forma dos tempos atrás. O tipo de família atual é diferente da

composição familiar do passado.

A FAMÍLIA COMO MEDIADORA

A família não deixará de ser a célula mater da sociedade. Através dela, dos

valores que ela transmite, é que se pode formar cidadãos de bem. Quando uma

criança nasce e cresce numa família bem estruturada, onde prevalece o respeito, o

afeto entre si, onde os pais ensinam seus filhos a respeitarem o próximo e a se

comportarem no ambiente extra familiar, com certeza esses pais não terão

problemas futuros com os mesmos. Todos esses ensinamentos se refletirão

futuramente, fazendo dessas crianças cidadãos de caráter.

Essa substituição só poderá ocorrer se realmente o aluno não tiver a

presença de seus pais, da família materna ou paterna que venha substituir os

mesmos. Entretanto, se a escola perceber que os alunos têm família e esta, não

está participando, colaborando com seu dever, que é fornecer um acompanhamento

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para a melhor realização do ensino, a escola deve tomar providências, acionando o

Conselho Tutelar, por exemplo.

O Conselho Tutelar é um órgão público e existe em 35 regiões da cidade e

tem a função de zelar pelos direitos da criança e do adolescente, como estão

estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os conselheiros são

pessoas da própria comunidade, que têm o papel de porta-voz e atuam junto a

órgãos e entidades, para garantirem os direitos da criança e do adolescente. Estes

conselheiros são escolhidos através do voto da comunidade, onde são eleitos 5

membros com um mandato de 3 anos. 

O Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), é um conjunto de normas do

ordenamento jurídico brasileiro que foi criado para defender a integridade da criança

e do adolescente. Ele foi estabelecido pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. De

acordo com o artigo 19 cap. 03 do ECA, a criança e o adolescente tem direito a

convivência familiar e comunitária:


Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre
de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Dessa forma, não cabe somente a família complementar um apoio

educacional; precisa também proporcionar um crescimento saudável para a criança.

Como o artigo acima citado mostrou, é necessária uma educação sem vínculos com

produtos entorpecentes. A criança da mesma forma que se espelha no professor,

ela se espelha mais ainda nos pais e retém características dos mesmos. Quando se

fala em ambiente saudável, significa dizer que no contexto que a criança convive,

ela precisa de fatores que proporcionem atitudes positivas.

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3 - A FAMÍLIA E A ESCOLA: DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO
MUNDO CONTEMPORÂNEO
Sandra Veralúcia Marques Martins

Helenice Maria Tavares

A família não consegue proporcionar sozinha o desenvolvimento pleno


das crianças. A educação é um direito de todos e apesar de termos teóricos como
Durkheim (1978), Freire (1996) e Gadotti (2004), que falam sobre este assunto, não
temos uma cartilha específica, que possa ser o livro de cabeceira das mães para
ensinar as melhores formas de orientar nossos filhos no mundo. A educação dos
filhos diante de todas as transformações sofridas pela sociedade no mundo
contemporâneo pode interferir no desenvolvimento infantil? Diante de todas as
mudanças sofridas pela primeira instituição social responsável pela educação
infantil, buscamos apontar a relevância da participação da família e da escola no
desenvolvimento infantil.

O homem é um ser que precisa do outro para viver, ele nasceu para viver em
grupo, o que o leva a buscar sempre uma melhor forma de relacionamento com os
outros. O conceito de educação vem sendo discutido há muito tempo. Muitos
autores falaram sobre este tema que é de suma importância para a transformação
da sociedade.

A educação não é uma forma de treinar o aluno para que ele seja capaz de
exercer uma atividade, é principalmente uma possibilidade de fomar pessoas
autônomas, através de todos o processo do qual ele faz parte como sujeito:

Educação não é só ensinar, instruir,


treinar, domesticar, é, sobretudo
formar a autonomia do sujeito
histórico competente, uma vez que, o
educando não é o objetivo de ensino,
mas sim sujeito do processo, parceiro
de trabalho, trabalho este entre
individualidade e solidariedade.

A educação é acima de tudo problematizadora, está intimamente ligada à


realidade, ao contexto social em que vivem o professor e o aluno e onde o ato de
conhecer não está separado daquilo que se conhece:

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Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção. Quando entro em uma sala de aula devo
estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade,
às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser
crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que
tenho – a de ensinar e não a de transferir
conhecimento.

Apesar de diferentes formas de pensar sobre a educação, percebe-se que


educar é uma forma socialização e de produção de conhecimento, através da qual o
homem está sempre em busca de uma melhor forma de conviver com o outro.
Segundo Gadotti (2004), a educação primitiva era marcada pela tradição, culto aos
mais velhos e rituais de iniciação. Não havia uma educação formal e intencional e
sim uma prática baseada em imitações e oralidade, limitada ao presente imediato.

Nos dias atuais a educação continua enfrentando desafios, porém pode ser
considerada como principal recurso para enfrentarmos a nova estruturação do
mundo, em que são formados indivíduos competitivos, requerendo cada vez mais
um perfil diferenciado de professores. Os alunos não se satisfazem mais com aquele
modelo de educação bancária, mencionado por Freire (1996), em que o professor,
detentor do conhecimento, tinha a incumbência de transferi-los aos seus alunos,
como se fosse um depósito.

A escola tem um papel importante na socialização da criança, na promoção


do conhecimento social e no desenvolvimento das capacidades cognitivas,
influenciando na compreensão que elas têm do mundo social. Para que ela se
desenvolva é necessário que se socialize, satisfazendo suas necessidades e
assimilando a cultura da sociedade em que vive. Para o processo de socialização,
as crianças precisam aprender o que é correto no meio em que elas estão inseridas,
aprendam e respeitem os valores morais desse meio.

A escola precisa considerar toda a bagagem de vida trazida pelos alunos,


buscando sempre práticas pedagógicas que dêem prazer, fazendo com que esses
alunos sintam vontade de ir para a escola, de viver aquele momento novamente,
pelo prazer promovido no ambiente. A escola é uma das instituições que têm maior
influência sobre as crianças.

Todos os processos educativos necessitam de uma participação ativa dos


pais, para que as crianças sejam estimuladas e consigam atingir o desenvolvimento
apropriado para cada faixa etária. Para que todos estes desafios sejam superados, é
necessária uma união entre a escola e a família.

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Percebemos que as práticas de educar e cuidar são indissociáveis, que se
complementam. Não podemos separar o corpo e mente, e sim articular o processo
das práticas como um único. Cuidar da criança é uma ação complexa que envolve
diferentes fazeres, gestos, precauções, atenção, olhares. Refere-se a planejar
situações que ofereçam à criança acolhimento, atenção, estímulo, desafio, de modo
que ela satisfaça suas necessidades de diversos tipos e aprenda a fazê-lo de forma
cada vez mais autônoma.

Quando a criança percebe que está sendo cuidada, começa a se sentir


segura e aos poucos vai adquirindo autonomia para tentar fazer sozinha aquilo que
fazia com auxílio de alguém, até o momento em que se torna independente,
cuidando de si mesma.

Ao fazê-lo, a criança desenvolve sua afetividade, motricidade, imaginação,


raciocínio e linguagem, formando um autoconceito positivo em relação a si mesma.
Para cuidar das crianças, precisamos dar atenção a elas, considerando o seu
processo de crescimento e desenvolvimento. Não é somente garantir a
sobrevivência, é necessário que haja um vínculo entre quem cuida e quem é
cuidado.

Através das relações de cuidado, o professor consegue perceber as


expressões das crianças, passando a identificar quais são as suas vontades e
necessidades, estreitando os vínculos entre as partes.

A família e a escola são instituições responsáveis por desencadear os


processos evolutivos nas pessoas. A família é uma estrutura social básica, na qual
as pessoas convivem por um longo tempo, é com ela que a crianças têm suas
primeiras experiências de aprendizagem, que muitas vezes acontecem em forma de
treino e acabam influenciando também no seu comportamento.

Ainda segundo os autores a aprendizagem acontece o tempo todo, dentro e


fora da escola e em vários níveis de consciência. O conteúdo ensinado em sala de
aula muitas vezes pode ser esquecido, mas as relações vividas, serão lembradas.
Os valores ou conteúdos aprendidos inconscientemente têm mais probabilidade de
permanecer.

Da mesma forma acontece na família, que é a base na formação dos


conceitos da criança, se as experiências vividas por elas forem negativas seu
autoconceito será negativo, bons momentos vividos, terão como conseqüência a
formação de conceitos positivos em suas vidas. O que é vivido pela criança vai
influenciar no que ela vai aprender e no tipo de pessoa que ela vai se transformar.

Os autores ressaltam ainda que o professor deve conhecer as etapas do


desenvolvimento do aluno, estar atento às suas atitudes, sabendo o que elas são
fora da escola e em que tipo de família elas vivem. Ao respeitar o aluno enquanto
ser humano, o professor o ajudará a se transformar em um sujeito responsável,

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capaz de resolver seus próprios problemas, sendo assim, agente de seu processo
de aprendizagem.

Moreno e Cubero (1995) relatam estudos realizados em que foram


identificadas a existência de quatro diferentes dimensões em relação ao
comportamento dos pais: a primeira delas, em relação ao grau de controle, com pais
que se afirmam através do poder ou da retirada de afeto, em caso de
desobediências ou maus comportamentos das crianças, ou pela indução, método
através do qual as crianças são obrigadas a refletir sobre suas atitudes.

A segunda se refere à comunicação entre pais e filhos. De um lado, alto


índice de comunicação entre as partes, muita conversa e explicações sobre
qualquer punição e do outro pouca interação, pais que simplesmente estabelecem
regras, sem nenhum tipo de diálogo ou cedem às solicitações dos filhos diante de
choros e queixas, sem falar sobre o problema.

A terceira dimensão revela aspectos em relação ao grau de amadurecimento.


Muita exigência, cobrança de dedicação excessiva ou de forma oposta, os pais que
não acreditam na competência dos filhos, não acreditam que eles sejam capazes de
executar determinadas atividades.

Por fim, segundo os autores, mas não menos importante, temos a questão do
afeto na relação, pais que se dedicam e demonstram interesse, preocupando-se
com o bem estar dos filhos. O afeto pode influenciar todas as outras dimensões de
comportamento dos pais, as decisões tomadas e apresentadas de forma afetiva,
serão recebidas pelos filhos de uma forma diferente daquelas apresentadas de
forma rancorosa, sem demonstração de nenhum tipo de carinho.

Ainda segundo os autores, com a combinação das quatro dimensões de


comportamento foram diferenciados três tipos de pais. Os autoritários que cobram o
máximo de seus filhos, não exercem nenhum tipo de diálogo, exigem obediência e
utilizam o castigo para punir e disciplinar os filhos, com um alto grau de controle. Os
filhos deste tipo de pais normalmente apreensivos, pouco alegres, irritam-se
facilmente e não manifestam expressões de afeto.

Os pais permissivos, que não exigem muito em relação ao amadurecimento


do filho, existe muito diálogo e afeto na relação, não castigam, permitem que a
criança decida sobre o seu comportamento diário, cujos filhos podem ter problemas
no controle dos próprios impulsos, na tomada de decisões, ser imaturos e possuir
baixa auto estima, normalmente são alegres.

Para Moreno e Cubero (2005) os pais democráticos são afetivos, dialogam


muito com seus filhos e exigem deles certo grau de amadurecimento e
independência. São crianças interativas, independentes e carinhosos, persistem nas
tarefas iniciadas, tem uma auto estima elevada, são mais independentes e possuem
valores morais interiorizados.

14
Diante de todo este estudo, evidencia-se que o melhor tipo de relação entre
pais e filhos deve ser regado por muito amor, diálogo e carinho, respeitando os
limites de suas capacidades, o que estimulará a criança ainda mais em seu
desenvolvimento cognitivo.

Nossa sociedade tem vivido grandes mudanças, em diversos aspectos, como


políticos, econômicos e culturais. A família também tem passado por modificações.
Resgatando um pouco da história, a família burguesa se limitava a pai, mãe e filhos,
sendo que o pai era o responsável pelo sustento e a mãe cuidava da casa e dos
filhos, devendo obediência ao seu marido. O casamento era indissolúvel e
normalmente ligado a negócios. A mulher da sociedade contemporânea faz parte do
mercado de trabalho e já não tem mais o mesmo tempo para cuidar dos seus filhos,
dividindo esta tarefa com a escola.

O adulto é considerado um mediador no desenvolvimento da criança, dando-


lhe instrumentos para a aquisição do conhecimento. A sociedade contemporânea
passou por inúmeras transformações nas relações de trabalho, do homem e da
mulher, o que refletiu na estruturação da família. A mulher foi inserida no mercado
de trabalho e acabou perdendo o controle do seu tempo, principalmente no que diz
respeito à dedicação aos filhos, à função educativa dentro da família. A família tem
um papel importante no desenvolvimento das pessoas, é com ela que acontecem as
aprendizagens básicas, que são necessárias para o desenvolvimento autônomo
dentro da sociedade. Apesar de ter muita influência, a família não consegue definir
todas as características cognitivas da criança. Algumas são desenvolvidas a partir
das experiências vividas pelas crianças, outras dependem da carga hereditária ou
de fatores alheios à vontade da família.

A família funciona como uma rede de influências recíprocas entre todos que
fazem parte dela. O estilo de comportamento dos pais gera efeitos sobre o
desenvolvimento social e da personalidade da criança.

Independente de seu estilo de comportamento, os pais devem participar da


administração escolar, contribuindo nas decisões mais relevantes, como por
exemplo, a construção do projeto político pedagógico. A gestão escolar participativa
vem se caracterizando a partir da consideração de que um ambiente institucional
escolar é formado, na realidade, por várias pessoas, que precisam estar em sintonia
para alcançar os objetivos educacionais.

Não podemos simplesmente terceirizar o processo de educação, a família


precisa caminhar junto à escola, participando ativamente de toda a construção do
conhecimento da criança, para que ela sinta-se fortalecida e capaz de resolver
sozinha os seus problemas, transformando-se assim em adultos criativos e
conscientes do seu papel na sociedade.

15
A união da família e da escola poderá contribuir para o desenvolvimento pleno
das crianças, quando as partes agirem coerentemente na condução do processo
educativo.

É importante que haja muito amor e dedicação de ambas as partes, muita


sintonia nos valores e pensamentos, o que proporcionará segurança às crianças,
garantindo uma aprendizagem significativa.

16
4 - O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO

A educação infantil como política pública, no Brasil, é bastante recente, pois


foi somente a partir da promulgação na Constituição Federal de 1988 que a
educação da criança de 0 a 5 anos de idade passou a ser considerada como um
direito não só da criança, mas também de sua família.

Este novo estabelecimento legal propiciou o desencadeamento de políticas


públicas correlatas e gerou novas necessidades estruturais e conjunturais no
contexto da educação no Brasil, principalmente, por se tratar de um segmento da
sociedade que exige um atendimento bastante diferenciado do dispensado ao
público do ensino fundamental ou médio.

É neste contexto que se fundamenta este estudo que tem como objetivo
analisar a importância de um espaço bem organizado e apropriado para o
atendimento escolar da criança de 0 a 5 anos de idade. Assim, buscou-se investigar
até que ponto a organização espacial pode contribuir, de maneira qualitativa, para o
trabalho pedagógico do professor no contexto da educação infantil.

Desse modo, este estudo buscou analisar uma instituição de educação infantil
para identificar se o seu espaço funciona como fator facilitador do processo ensino e
aprendizagem, ou seja, se possibilita o desenvolvimento de ações pedagógicas com
qualidade e eficiência. Neste sentido, Canton (2009, p.22) assinala que o espaço
não é uma construção fria, ou seja, apenas paredes, pisos e escadas, mas “uma
tapeçaria sonora, visual e tátil”, que pode influenciar positivamente, ou não, quem o
ocupa, o que depende de sua funcionalidade e estética.

Para a realização deste estudo, foi desenvolvida uma pesquisa exploratória


com abordagem qualitativa, em uma instituição de educação infantil localizada no
campus da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina, Paraná.

O principal instrumento de pesquisa foi uma observação, que foi realizada nas
dependências da instituição, nos dias 04 e 06 de maio de 2012, com a devida
autorização prévia da direção do estabelecimento, e complementada com registros
fotográficos. A análise dos resultados teve como base os Parâmetros Curriculares
de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil (BRASIL, 2006).

17
5 - A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

As relações humanas sempre se dão em um lugar e são essas ações que


determinam os espaços. A noção de lugar diz respeito à localidade física,
determinada, com um endereço, com uma situação no mundo, já o espaço é algo
mais abstrato, que é criado, reproduzido. Assim, um mesmo lugar pode ser espaço
para diferentes finalidades, em momentos diferentes. Neste sentido, Heidegger
(2006, p. 138) assinala que o lugar se apresenta como origem para o
estabelecimento de espaços, ao afirmar que “lugares são coisas que propiciam cada
vez mais espaços”.

Para Frago e Escolano (2001, p.61-62), o “espaço se projeta ou imagina; o


lugar se constrói”, assim, toda atividade humana “ocupa um espaço e um lugar”.
Desse modo, tanto o espaço como o lugar são realidades socialmente construídas.
Segundo os autores:

O espaço jamais é neutro [...]. O espaço comunica, mostra, a quem sabe ler,
o emprego que o ser humano faz dele mesmo. Um emprego que varia em cada
cultura; que é um produto cultural específico, que diz respeito não só às relações
interpessoais _ distâncias, território pessoal, contatos, comunicação, conflitos de
poder _ , mas também à liturgia e aos ritos sociais, à semiologia das disposições dos
objetos e dos corpos – localização e posturas -, à sua hierarquia e relações (FRAGO
e ESCOLAO, 2001, p.64).

Assim, os espaços são determinados pelos indivíduos que buscam


desenvolver atividades em um lugar estabelecido. A educação, como atividade
humana espontânea ou formal, sempre teve seu lugar e seu espaço, pois, como
assinala Faria (1999, p. 76), “a pedagogia faz-se no espaço e o espaço consolida a
pedagogia”.

No contexto da educação infantil, é fundamental que se leve em consideração


que, conforme Piaget, apud KRAMER, (2000, p. 29), “o desenvolvimento resulta da
combinação entre aquilo que o organismo traz e as circunstâncias oferecidas pelo
meio”, pois é o meio que propicia a interação com os espaços instituídos e com as
pessoas que deles fazem parte.

Já para Vygotsky, apud Davis e Oliveira, (1993, p.56), o ambiente é fator


fundamental para o desenvolvimento, podendo estimulá-lo ou reprimi-lo, pois o ser
humano só cresce e aprende em um espaço que possibilita interações e que
desperte a curiosidade. Nesse sentido, Horn enfatiza que:

É no espaço físico que a criança consegue estabelecer relações entre o


mundo e as pessoas, transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem
emoções [...] nessa dimensão o espaço é entendido como algo conjugado ao
ambiente e vice-versa. Todavia é importante esclarecer que essa relação não se

18
constitui de forma linear. Assim sendo, em um mesmo espaço podemos ter
ambientes diferentes, pois a semelhança entre eles não significa que sejam iguais.
Eles se definem com a relação que as pessoas constroem entre elas e o espaço
organizado (HORN, 2004, p.28).

Desse modo, o espaço físico destinado à educação infantil deve possibilitar a


criação de espaços circunstanciais, ou seja, destinados a diferentes atividades, o
que propicia a geração de espaços subjetivos por parte das crianças, cada qual com
sua individualidade.

Conforme Fornero (1998), o lugar onde se estabelece uma instituição de


educação infantil se traduz como um espaço que se estrutura com base em quatro
dimensões: a física, que compreende a questão predial; a relacional, que se dá pela
interação entre os diferentes sujeitos; a funcional, que diz respeito à utilização do
espaço disponível; e a temporal, que está relacionada à organização do tempo, ou
seja, à organização das ações no ambiente.

Assim, o espaço físico funcional é apenas um dos fatores importantes para o


desenvolvimento infantil, pois este será improdutivo se nele não forem efetivadas
ações que propiciem estímulo, interação, criatividade, curiosidade e organização.

Segundo Moura (2009), os arranjos espaciais, nas instituições de educação


infantil, devem priorizar o estabelecimento da interação criança/adulto e
criança/criança, o que se dá de diferentes formas: pelas relações professor/aluno;
pelos conceitos pedagógicos eleitos; pela seleção dos materiais e disposição do
mobiliário; e pelas atividades desenvolvidas.

Desse modo, o desenvolvimento infantil resulta do concurso de diferentes


instâncias que compõem o espaço institucional. Estas instâncias, que devem se
concretizar de forma orquestrada, possibilitam desenvolvimento integral das
crianças, o que compreende os aspectos individual, social e cognitivo.

Conforme Moura (2009), a organização do espaço deve possibilitar à criança


o acesso fácil a seus objetos, que devem ser personalizados, e a participação na
tomada de decisões, o que propicia a construção de sua identidade pessoal.

Além disso, o espaço deve ser organizado de modo que a criança possa
desenvolver competências e habilidades, tais como:

Apagar e acender luzes, manusear mochilas e lancheiras, amarrar os próprios


sapatos, comer sozinha, usar o banheiro, resolver seus conflitos, lavar as mãos,
entre tantas outras, são atividades que as crianças podem e devem aprender a
realizar sozinhas desde pequenas. O espaço necessita ser planejado de tal modo
que possibilite o desenvolvimento dos movimentos corporais, da estimulação dos
sentidos e das competências linguísticas e cognitivas; além de possibilitar a
formação de valores sociais (MOURA, 2009, p. 25).

19
Para Montagner (2007, apud MOURA, 2009, p.25), o espaço, na instituição
infantil, deve também possibilitar a movimentação das crianças, pois esta “é
essencial ao desenvolvimento e à aprendizagem da criança. Os espaços devem ser
repletos de opções de atividades, de forma que canalizem os excessos de possíveis
agressividades entre as crianças”.

Outro ponto importante, nos espaços da educação infantil, é a viabilidade de


momentos de interação social e de privacidade. Nesse sentido, Moura (2009)
assinala a necessidade de espaços para o isolamento e para a realização de
atividades coletivas. Além disso, as crianças devem poder se movimentar sem correr
risco de qualquer natureza.

Kowaltowski e Pina (2001) ressaltam ainda que, geralmente, inúmeros


problemas são encontrados nos prédios escolares, entre eles, o tamanho das salas
de aula que, muitas vezes, não comporta o número de alunos, e a falta de espaços
para bibliotecas, laboratórios, educação física e artes. Tais fatores acabam por
inviabilizar a prática pedagógica, conforme o que estabelecem os documentos legais
que orientam a educação, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e as
Diretrizes Básicas para a Educação do Estado do Paraná (1997).

Além desses problemas, há, ainda, a questão da falta de acessibilidade, o


que inviabiliza o acesso de alunos com necessidades especiais. Estas e outras
deficiências presentes nos edifícios, segundo Kowaltowski e Pina (2001), obrigam os
diretores a realizar adaptações de ambientes, o que, de modo geral, não produz
resultados satisfatórios. Neste sentido, Rampini lembra que:

Ainda hoje há escolas, principalmente as de pequeno porte, que funcionam


em lugares que não foram construídos para tal, como antigas residências, que são
adaptadas para o ensino, o que nem sempre produz bons resultados. É comum
encontrarmos professores desenvolvendo seu trabalho em lugares que eram,
anteriormente, quartos de dormir, cozinhas ou salas diversas, e isso pode ter
consequências na aprendizagem do aluno, pois o espaço pode influenciar tanto
como um elemento estimulador quanto indesejável ao processo de ensino
(RAMPINI, 2003, p. 17).

Ao refletir sobre a relevância de um espaço adequado para o


desenvolvimento de uma educação infantil de qualidade, Moura (2009, p.44) ressalta
que fatores como “a limpeza, a higiene, a luminosidade, a ventilação, as instalações
elétricas seguras”, além de janelas seguras e ausência de quinas ou superfícies
escorregadias são fundamentais em um estabelecimento que atende os pequenos.
Para a autora:

As salas de aula, por exemplo, precisam ser amplas, ventiladas, iluminadas,


tranquilas e divididas em áreas minimamente isoladas. O banheiro precisa ser anexo
à sala de aula e deve estar equipado com vasos, cestos de lixo e pia na altura das
crianças. Os materiais, equipamentos e mobiliários precisam ser escolhidos

20
pensando na possibilidade de um ambiente flexível, que permita transformações de
acordo com os objetivos e as necessidades das crianças e do professor. [...] Os
materiais devem ser apresentados em áreas de atividades próprias. Por exemplo,
giz de cera e lápis de cor na área de atividades; livros, na área de leitura. Devendo
ser tudo de fácil acesso às crianças, estando os materiais dispostos em recipientes
de manejo apropriado a elas (MOURA, 2009, p. 44)

Conforme orientações da Secretaria de Educação Básica (BRASIL, 2006), o


mobiliário e/ou equipamentos devem possibilitar o fácil acesso das crianças a seus
objetos pessoais, que devem ser identificados, e as cadeiras e mesas devem ser
leves, o que facilita sua deslocação e propicia um ambiente onde todos podem
realizar com autonomia suas atividades.

Conforme o documento (BRASIL, 2006, p. 29), o mobiliário deve ser escolhido


“em função de sua resistência, durabilidade e segurança” e, se possível, apresentar
“cores e formas geométricas diferenciadas (quadrado, círculo, retângulo)”. Os
banheiros devem proporcionar autonomia de uso pelas crianças, assim, os
equipamentos desse espaço devem ser adaptados ”às proporções e alcance” das
mesmas, além de ter piso antiderrapante principalmente nas áreas próximas aos
chuveiros. É fundamental também que exista um banheiro conjugado a cada sala de
aula (BRASIL, 2006).

Quando a escola atende crianças de 0 a 1 ano, o espaço, conforme


recomendação legal (Brasil, 2006, p.11), deve permitir que os pequenos
engatinhem, rolem, ensaiem os primeiros passos, brinquem, interajam, alimentem-
se, tomem banho e repousem. Assim, o documento recomenda que o espaço “esteja
situado em local silencioso, preservado das áreas de grande movimentação e
proporcione conforto térmico e acústico”. Esse espaço deve compreender:

a) Sala de repouso;

b) Sala para atividades;

c) Fraldário;

d) Lactário;

e) Solário.

Estes locais, conforme os Parâmetros Básicos de Infraestrutura para


Instituições de Educação Infantil (BRASIL, 2006), devem ter piso não escorregadio e
de fácil limpeza, paredes claras, portas largas e com visores e janelas com abertura
mínima de 1/5 da área de piso, o que permite boa ventilação e iluminação natural.

Em relação ao refeitório, o documento estabelece:

[...] o refeitório deve [...] possibilitar a socialização e a autonomia das


crianças. Recomenda-se que seja articulado com a cozinha, contando com

21
mobiliário móvel, que viabilize diferentes organizações do ambiente. Deve seguir o
dimensionamento de 1m2 por usuário e capacidade mínima de 1/3 do maior turno
(de acordo com a Portaria no 3.214, de 08/06/1978, da medicina e segurança do
trabalho NR – 24), uma vez que não é necessário nem recomendável que todas as
crianças façam as refeições ao mesmo tempo (BRASIL, 2006, p.22).

Além disso, o documento recomenda que o refeitório esteja localizado no


andar térreo, tenha piso antiderrapante e de fácil limpeza, seja arejado e bem
iluminado e tenha exaustores.

No que diz respeito à lavanderia, o documento estabelece:

A lavanderia deve ter acesso independente da cozinha, contemplando tanque;


local para máquina de lavar; secadora, quando necessária e possível; varal;
bancadas para passar roupas; prateleiras e armários fechados, em alvenaria. Suas
dimensões devem ser compatíveis com o número de crianças atendidas pela
instituição (BRASIL, 2006, p. 25).

Deve haver, também, um lugar separado para depositar o lixo, que deve ser
de fácil acesso para a coleta, mas distante de locais de circulação das crianças.

Desse modo, os espaços com um todo devem concorrer para a qualidade do


ensino/cuidado ofertado, ou seja, devem propiciar conforto, interação/socialização e
desenvolvimento físico/emocional/cognitivo.

22
6 - O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
O QUE PROPÕEM AS NOVAS DIRETRIZES NACIONAIS?

Uma coisa é certa: a Educação Infantil está em grande movimentação: ao


lado da expansão de matrículas, embora ainda em número insuficiente para o
alcance das metas do Plano Nacional de Educação de 2001, tem havido significativa
mudança na forma como hoje se compreende a função social e política desse nível
de ensino e a concepção de criança e seu processo de aprendizado e
desenvolvimento. Novas propostas didáticas e pontos de vista renovados sobre o
cotidiano das creches e pré-escolas têm se apresentado nos encontros da área,
convidando os educadores a repensar seu trabalho junto às crianças e famílias.
A inclusão, a partir da Constituição Federal de 1988, de creches e pré-escolas
no sistema de ensino, formando com o Ensino Fundamental e o Ensino Médio a
Escola Básica, apesar de já ter provocado avanços na área de Educação Infantil,
como a elevação do nível de formação dos seus educadores, necessita de
instrumentos que articulem o trabalho pedagógico realizado ao longo destas etapas,
sem impor o modelo de uma etapa à outra.
Nessa posição se colocam as novas Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Infantil que representam uma valiosa oportunidade para se pensar como e
em que direção atuar junto às crianças a partir de determinados parâmetros e como
articular o processo de ensino-aprendizagem na Escola Básica.
As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs)
foram elaboradas a partir de ampla escuta a educadores, movimentos sociais,
pesquisadores e professores universitários, que expuseram suas preocupações e
anseios em relação à Educação Infantil, considerando já haver conhecimento
consistente acerca do que pode fundamentar um bom trabalho junto às crianças.
Elas destacam a necessidade de estruturar e organizar ações educativas com
qualidade, articulada com a valorização do papel dos professores que atuam junto
às crianças de 0 a 5 anos. Esses são desafiados a construir propostas pedagógicas
que, no cotidiano de creches e pré-escolas, deem voz às crianças e acolham a
forma delas significarem o mundo e a si mesmas.
Dada a importância das Diretrizes como instrumento orientador da
organização das atividades cotidianas das instituições de Educação infantil, iremos
apresentar alguns de seus pontos básicos. Dialogar sobre as Diretrizes e aproximá-

23
las da prática pedagógica pode ajudar cada professor a criar nas unidades de
Educação Infantil, junto com seus colegas, um ambiente de crescimento e
aperfeiçoamento humanos que contemplem as crianças, suas famílias e a equipe de
educadores.

24
7 - AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO
INFANTIL

O Parecer CNE/CEB nº 20/09 e a Resolução CNE/CEB nº 05/09, que definem


as DCNEIs, fazem, em primeiro lugar, uma clara explicitação da identidade da
Educação Infantil, condição indispensável para o estabelecimento de normativas em
relação ao currículo e a outros aspectos envolvidos em uma proposta pedagógica.
Eles apresentam a estrutura legal e institucional da Educação Infantil – número
mínimo de horas de funcionamento, sempre diurno, formação em magistério de
todos os profissionais que cuidam e educam as crianças, oferta de vagas próximo à
residência das crianças, acompanhamento do trabalho pelo órgão de supervisão do
sistema, idade de corte para efetivação da matrícula, número mínimo de horas
diárias do atendimento – e colocam alguns pontos para sua articulação com o
Ensino Fundamental.
A versão institucional proposta nas Diretrizes se contrapõe a programas
alternativos de atendimento englobados na ideia de educação não-formal. Lembra o
Parecer CNE/CEB nº 20/09 que nem toda Política para a Infância, que requer
esforços multisetoriais integrados, é uma Política de Educação Infantil. Com isso,
outras medidas de proteção à infância devem ser buscadas fora do sistema de
ensino, embora articuladas com ele, sempre que necessário.
Em segundo lugar, as Diretrizes expõem o que deve ser considerado como
função sociopolítica e pedagógica das instituições de Educação Infantil. Tais pontos
refletem grande parte das discussões na área e apontam o norte que se deseja para
o trabalho com as crianças.
A questão pedagógica é tratada pensando que, se a Educação Infantil é parte
integrante da Educação Básica, como diz a Lei nº 9.394/96 em seu artigo 22, cujas
finalidades são desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores, essas finalidades devem ser adequadamente
interpretadas em relação às crianças pequenas. Nessa interpretação, as formas
como as crianças, nesse momento de suas vidas, vivenciam o mundo, constroem
conhecimentos, expressam-se, interagem e manifestam desejos e curiosidades de
modo bastante peculiares, devem servir de referência e de fonte de decisões em

25
relação aos fins educacionais, aos métodos de trabalho, à gestão das unidades e à
relação com as famílias.
Por outro lado, as instituições de Educação Infantil, assim como todas as
demais instituições nacionais, devem assumir responsabilidades na construção de
uma sociedade livre, justa, solidária e que preserve o meio ambiente, como parte do
projeto de sociedade democrática desenhado na Constituição Federal de 1988
(artigo 3, inciso I). Elas devem ainda trabalhar pela redução das desigualdades
sociais e regionais e a promoção do bem de todos (artigo 3 incisos II e IV da
Constituição Federal). Contudo, esses compromissos a serem perseguidos pelos
sistemas de ensino e pelos professores também na Educação Infantil enfrentam
uma série de desafios, como a desigualdade de acesso às creches e pré escolas
entre as crianças brancas e negras, ricas e pobres, moradoras do meio urbano e
rural, das regiões sul/sudeste e norte/nordeste. Também as condições desiguais da
qualidade da educação oferecida às crianças em creches e pré-escolas impedem
que os direitos constitucionais das crianças sejam garantidos a todas elas. Todos os
esforços então se voltam para uma ação coletiva de superação dessas
desigualdades.
Em terceiro lugar, as Diretrizes partem de uma definição de currículo e
apresentam princípios básicos orientadores de um trabalho pedagógico
comprometido com a qualidade e a efetivação de oportunidades de desenvolvimento
para todas as crianças. Elas explicitam os objetivos e condições para a organização
curricular, consideram a educação infantil em instituições criadas em territórios não-
urbanos, a importância da parceria com as famílias, as experiências que devem ser
concretizadas em práticas cotidianas nas instituições e fazem recomendações
quanto aos processos de avaliação e de transição da criança ao longo de sua
trajetória na Educação Básica. Vejamos cada um desses pontos.

26
8 - OS OBJETIVOS GERAIS E A FUNÇÃO SOCIOPOLÍTICA E PEDAGÓGICA
DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

As novas DCNEIs consideram que a função sociopolítica e pedagógica das


unidades de Educação Infantil inclui (Resolução CNE/CEB nº 05/09 artigo 7º):
a. Oferecer condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos
civis, humanos e sociais;
b. Assumir a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e
cuidado das crianças com as famílias;
c. Possibilitar tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças
quanto à ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;
d. Promover a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de
diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às
possibilidades de vivência da infância;
e. Construir novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas
com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento
de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional,
lingüística e religiosa.
Nessa definição, foram integrados compromissos construídos na área em
diferentes momentos históricos, mas articulados em uma visão inovadora e
instigante do processo educacional. Não só a questão da família foi contemplada,
como também a questão da criança como um sujeito de direitos a serem garantidos,
incluindo o direito, desde o nascimento, a uma educação de qualidade no lar e em
instituições escolares.
O foco do trabalho institucional vai em direção à ampliação de conhecimentos
e saberes de modo a promover igualdade de oportunidades educacionais às
crianças de diferentes classes sociais e ao compromisso de que a sociabilidade
cotidianamente proporcionada às crianças lhes possibilite perceber-se como sujeitos
marcados pelas ideias de democracia e de justiça social, e apropriar-se de atitudes
de respeito às demais pessoas, lutando contra qualquer forma de exclusão social.
A colocação dessa tarefa requer uma forma de organização dos ambientes de
aprendizagem que, na perspectiva do sistema de ensino, é orientada pelo currículo.

27
28
9 - A VISÃO DE CRIANÇA E SEU DESENVOLVIMENTO

Um conjunto de representações, valores e conceitos que expressam alguns


pontos de consenso na área em relação à criança e ao papel do professor face aos
processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças está por trás das
orientações defendidas pelas Diretrizes.
A criança, centro do planejamento curricular, é considerada um sujeito
histórico e de direitos. Ela se desenvolve nas interações, relações e práticas
cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de
diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere. A maneira
como ela é alimentada, se dorme com barulho ou no silêncio, se outras crianças ou
adultos brincam com ela ou se fica mais tempo quietinha, as entonações de voz e
contatos corporais que ela reconhece nas pessoas que a tratam, o tipo de roupa que
ela usa, os espaços mais abertos ou restritos em que costuma ficar, os objetos que
manipula, o modo como conversam com ela, etc. – são elementos da história de seu
desenvolvimento em uma cultura.
A atividade da criança não se limita à passiva incorporação de elementos da
cultura, mas ela afirma sua singularidade atribuindo sentidos à sua experiência
através de diferentes linguagens, como meio para seu desenvolvimento em diversos
aspectos (afetivos, cognitivos, motores e sociais). Assim a criança busca
compreender o mundo e a si mesma, testando de alguma forma as significações que
constrói, modificando-as continuamente em cada interação, seja com outro ser
humano, seja com objetos. Em outras palavras, a criança desde pequena não só se
apropria de uma cultura, mas o faz de um modo próprio, construindo cultura por sua
vez.
Outro ponto importante em relação à aprendizagem infantil considera que as
habilidades para a criança discriminar cores, memorizar poemas, representar uma
paisagem através de um desenho, consolar um coleguinha que chora etc., não são
fruto de maturação orgânica, mas são produzidas nas relações que as crianças
estabelecem com o mundo material e social, mediadas por parceiros diversos,
conforme buscam atender suas necessidades no processo de produção de objetos,
ideias, valores, tecnologias.
Assim, as experiências vividas no espaço de Educação Infantil devem
possibilitar o encontro de explicações pela criança sobre o que ocorre à sua volta e

29
consigo mesma enquanto desenvolvem formas de sentir, pensar e solucionar
problemas. Nesse processo, é preciso considerar que as crianças necessitam
envolver-se com diferentes linguagens e valorizar o lúdico, as brincadeiras, as
culturas infantis. Não se trata assim de transmitir à criança uma cultura considerada
pronta, mas de oferecer condições para ela se apropriar de determinadas
aprendizagens que lhe promovem o desenvolvimento de formas de agir, sentir e
pensar que são marcantes em um momento histórico.
Quando o professor ajuda as crianças a compreender os saberes envolvidos
na resolução de certas tarefas – tais como empilhar blocos, narrar um
acontecimento, recontar uma história, fazer um desenho, consolar outra criança que
chora, etc. – são criadas condições para desenvolvimento de habilidades cada vez
mais complexas pelas crianças, que têm experiências de aprendizagem e
desenvolvimento diferentes de crianças que têm menos oportunidades de interação
e exploração.
O impacto das práticas educacionais no desenvolvimento das crianças se faz
por meio das relações sociais que as crianças desde bem pequenas estabelecem
com os professores e as outras crianças e que afetam a construção de suas
identidades. Em função disso, a preocupação básica do professor deve ser garantir
às crianças oportunidades de interação com companheiros de idade, dado que elas
aprendem coisas que lhes são muito significativas quando interagem com
companheiros da infância e que são diversas das coisas de que elas se apropriam
no contato com os adultos ou com crianças já mais velhas.
À medida que o grupo de crianças interage, são construídas as culturas
infantis. Além de reconhecer o valor das interações das crianças com outras
crianças e com parceiros adultos e a importância de se olhar para as práticas
culturais em que as crianças se envolvem, as DCNEIs ainda destacam a brincadeira
como atividade privilegiada na promoção do desenvolvimento nesta fase da vida
humana.
Brincar dá à criança oportunidade para imitar o conhecido e construir o novo,
conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia se aproxime ou
se distancie da realidade vivida, assumindo personagens e transformando objetos
pelo uso que deles faz. Na brincadeira de faz-de-conta se produz um tipo de
comunicação rica em matizes e que possibilita às crianças indagar sobre o mundo a
sobre si mesmas e por à prova seus conhecimentos no uso interativo de objetos e

30
conversações. Através das brincadeiras e outras atividades cotidianas que ocorrem
nas instituições de Educação infantil, a criança aprende a assumir papéis diferentes
e, ao se colocar no lugar do outro, aprende a coordenar seu comportamento com os
de seus parceiros e a desenvolver habilidades variadas, construindo sua Identidade.
O campo de aprendizagens que as crianças podem realizar na Educação
Infantil é muito grande. As situações cotidianas criadas nas creches e pré-escolas
podem ampliar as possibilidades das crianças viverem a infância e aprender a
conviver, brincar e desenvolver projetos em grupo, expressar-se, comunicar-se, criar
e reconhecer novas linguagens, ouvir e recontar histórias lidas, ter iniciativa para
escolher uma atividade, buscar soluções para problemas e conflitos, ouvir poemas,
conversar sobre o crescimento de algumas plantas que são por elas cuidadas,
colecionar objetos, participar de brincadeiras de roda, brincar de faz-de-conta de
casinha ou de ir à venda, calcular quantas balas há em uma vasilha para distribuí-las
pelas crianças presentes, aprender a arremessar uma bola em um cesto, cuidar de
sua higiene e de sua organização pessoal, cuidar dos colegas que necessitam ajuda
e do ambiente, compreender suas emoções e sua forma de reagir às situações,
construir as primeiras hipóteses, por exemplo, sobre o uso da linguagem escrita, e
formular um sentido de si mesmo.
As instituições precisam conhecer a comunidade atendida, as culturas plurais
que constituem o espaço da creche e da pré-escola, a riqueza das contribuições
familiares e da comunidade, as crenças e manifestações dessa comunidade, enfim,
os modos de vida das crianças vistas como seres concretos e situados em espaços
geográficos e grupos culturais específicos. Esse princípio reforça a gestão
democrática como elemento imprescindível, uma vez que é por meio dela que a
instituição também se abre à comunidade, permite sua entrada, e possibilita sua
participação na elaboração e acompanhamento da proposta curricular.
A gestão democrática da proposta curricular deve contar na sua elaboração,
acompanhamento e avaliação, tendo em vista o Projeto Político-pedagógico da
unidade educacional, com a participação coletiva de professoras e professores,
demais profissionais da instituição, famílias, comunidade e das crianças, sempre que
possível e à sua maneira.

31
10 - AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Para orientar as unidades de Educação Infantil a planejar seu cotidiano, as


Diretrizes apontam um conjunto de princípios defendidos pelos diversos segmentos
ouvidos no processo de sua elaboração e que devem orientar o trabalho nas
instituições de Educação Infantil. Dada sua importância na consolidação de práticas
pedagógicas que atendam aos objetivos gerais da área, eles serão aqui
apresentados em detalhes. São eles:
 Princípios éticos – valorização da autonomia, da responsabilidade, da
solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes
culturas, identidades e singularidades.
 Princípios políticos – garantia dos direitos de cidadania, do exercício da
criticidade e do respeito à ordem democrática.
 Princípios estéticos – valorização da sensibilidade, da criatividade, da
ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
Para apontar formas de operacionalização destes princípios, o texto do Parecer
das Diretrizes remete à adoção de uma série de medidas voltadas a garantir certos
objetivos e certa metodologia no trabalho didático. Vejamos:
a) Cabe às instituições de Educação Infantil, de acordo com os princípios éticos:
 assegurar às crianças a manifestação de seus interesses, desejos e
curiosidades ao participar das práticas educativas;
 valorizar suas produções, individuais e coletivas;
 apoiar a conquista pelas crianças de autonomia na escolha de brincadeiras e
de atividades e para a realização de cuidados pessoais diários;
 proporcionar às crianças oportunidades para:
o ampliar as possibilidades de aprendizado e de compreensão de mundo
e de si próprias trazidas por diferentes tradições culturais;
o construir atitudes de respeito e solidariedade, fortalecendo a auto-
estima e os vínculos afetivos de todas as crianças, combatendo
preconceitos que incidem sobre as diferentes formas dos seres
humanos se constituírem como pessoas.

32
b) Para a concretização dos princípios políticos apontados para a área, a instituição
de Educação Infantil deve trilhar o caminho de educar para a cidadania, analisando
suas práticas educativas de modo a:
 promover a formação participativa e crítica das crianças;
 criar contextos que permitam às crianças a expressão de sentimentos, ideias,
questionamentos, comprometidos com a busca do bem estar coletivo e
individual, com a preocupação com o outro e com a coletividade;
 criar condições para que a criança aprenda a opinar e a considerar os
sentimentos e a opinião dos outros sobre um acontecimento, uma reação
afetiva, uma ideia, um conflito.
 garantir uma experiência bem sucedida de aprendizagem a todas as crianças,
sem discriminação, e lhes proporcionar oportunidades para o alcance de
conhecimentos básicos que são considerados aquisições valiosas para elas;

c) O trabalho pedagógico na unidade de Educação Infantil, em relação aos


princípios estéticos deve voltar-se para:
 valorizar o ato criador e a construção pelas crianças de respostas singulares,
garantindo lhes a participação em diversificadas experiências;
 organizar um cotidiano de situações agradáveis, estimulantes, que desafiem o
que cada criança e seu grupo de crianças já sabem sem ameaçar sua auto
estima nem promover competitividade;
 ampliar as possibilidades da criança de cuidar e ser cuidada, de se expressar,
comunicar e criar, de organizar pensamentos e ideias, de conviver, brincar e
trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar soluções para os problemas e
conflitos que se apresentam às mais diferentes idades;
 possibilitar às crianças apropriar-se de diferentes linguagens e saberes que
circulam em nossa sociedade, selecionados pelo valor formativo que
possuem em relação aos objetivos definidos em seu projeto político
pedagógico.
Os princípios expostos devem sustentar as práticas de Educação infantil e
privilegiar aprendizagens como ser solidário com todos os colegas, respeitá-los, não
discriminá-los e saber por que isso é importante, aprender a fazer comentários

33
positivos e produtivos ao trabalho dos colegas, a apreciar suas próprias produções e
a expor a adultos e crianças o modo como as fez.
Na integração dessas metas, “a proposta pedagógica das instituições de
Educação Infantil deve ter como objetivo principal promover o desenvolvimento
integral das crianças de zero a cinco anos de idade garantindo a cada uma delas o
acesso a processos de construção de conhecimentos e a aprendizagem de
diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, ao
respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e interação com outras crianças”
(Resolução CNE/CEB nº 05/09, art.8º).
Nessa direção as práticas cotidianas na Educação Infantil devem:
 considerar a integralidade e indivisibilidade das dimensões expressivo-
motora, afetiva, cognitiva, lingüística, ética, estética e sociocultural das
crianças, apontar as experiências de aprendizagem que se espera promover
junto às crianças e efetivar-se por meio de modalidades de experiências que
assegurem as metas educacionais de seu projeto pedagógico.

34
11 - PLANEJAMENTO DA AÇÃO PEDAGÓGICA

O objetivo aqui é: Conhecer diferentes tipos de planejamento e maneiras de


organizar previamente as ações, tendo em vista a intencionalidade educativa e a
continuidade do trabalho pedagógico. O planejamento é um recurso para lidarmos
com os desafios do nosso cotidiano: como organizar o trabalho se temos poucas
mesas ou mesas demais para um espaço que não é grande? Como contar histórias
se temos poucos livros? Como escutar todos se temos muitas crianças? Como
valorizar os momentos imprevistos e que despertam interesse nas crianças? Como
trazer a cultura, os saberes legitimados, para o planejamento? Como fazer da rotina
algo significativo e prazeroso? Abrindo espaço numa sala pequena, Alice
precisava de espaço para atividades mais movimentadas, principalmente em dias de
chuva. Para as 20 crianças com as quais trabalha, cinco mesas estavam disponíveis
na sala, porém ocupando um espaço precioso. Após discutir com outras professoras
e com a coordenação, Alice optou por ter na sala apenas três mesas. Isso a
desafiou a pensar em atividades diversificadas no seu planejamento. Quando um
grupo está nas mesas, desenhando, por exemplo, outro grupo está brincando com
fantoches, jogos, ou outros materiais. O novo espaço abriu novas possibilidades de
movimento para o grupo, tão importante para as crianças de 3 anos.

Além de pensar em alternativas como as de Alice, é importante que o


planejamento envolva a participação das crianças, como temos afirmado. No
planejamento devem estar claras nossas intenções e devemos ter atenção para as
idéias e emoções das crianças. Ao mesmo tempo, o planejamento deve garantir a
relação com áreas do conhecimento e a cultura.

Outro ponto importante é o quanto o planejamento pode nos ajudar a garantir


a diversidade de experiências no dia-a-dia. Se não registramos e organizamos o que
vamos fazer, corremos o risco de propor sempre jogos ao grupo e menos histórias;
ou o contrário, contamos sempre as mesmas histórias. Ou, ainda, oferecemos
sempre materiais parecidos. Enfim, planejar é garantir alternância, variabilidade,
consideração das diversas dimensões e necessidades das crianças (ficar em grupo,
ficar só, dormir, conversar, ler, brincar, desenhar).

PLANEJAMENTO GUIADO PELO CALENDÁRIO LETIVO: Nestes casos, os


temas a serem trabalhados com as crianças relacionam-se com as datas festivas:

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Páscoa, dia das mães, dia das crianças, São João, Natal, entre outras. Geralmente,
o(a) professor(a) faz seu planejamento buscando mostrar a importância dessas
datas, fazendo objetos, desenhos, festas que as celebrem. Com certeza, as datas
festivas são importantes marcos de nossa vida social e momentos de integração
entre família e instituição. Mas quando o planejamento focaliza essas datas de forma
pré-concebida, o que acontece? Geralmente, os temas do trabalho se encontram
determinados, antes do encontro entre educador(a) e crianças. Afinal, no mês de
maio trabalhamos com o tema “mãe”, em junho com a festa junina, e assim por
diante... Pouco espaço se abre para temas que possam nascer da experiência do
grupo.

Por outro lado, essas datas são dominadas pela mídia e pelo impulso ao
consumo: comprar presentes, ter coisas novas, consumir objetos sempre novos. É
preciso muita atenção para não reproduzir com as crianças e famílias essas práticas
que valorizam mais o ter do que o ser. Assim, mais do que pensar o que vamos
comprar para nossa mãe no “dia dela”, seria interessante pensar o que queremos
dizer a ela, como podemos fazer algo para ela: um café da manhã, um bilhete, um
desenho. Muitas vezes, as instituições consideram importante trabalhar
exaustivamente as datas festivas e com isso não consideram outros interesses e
possibilidades de trabalho com as crianças. Festejar o dia do pai, por exemplo, pode
ser algo pensado de forma diferente, junto com as crianças. O planejamento ajuda a
garantir isso.

Ao mesmo tempo, é importante planejar ou prever como será a atividade,


levando em conta as situações de crianças que vivem numa família em que o pai é
ausente, crianças que moram com os avós ou que tenham um padrasto que ocupa
esse lugar de pai. Em casos como estes, as crianças poderiam escolher alguém
especial para levarem nesse dia de brincadeira. Se, por um lado, temos a
oportunidade de fazer atividades que tragam a família para a escola, por outro, é
fundamental estarmos sensíveis à situação de cada criança.

PLANEJAMENTO POR ATIVIDADES: Neste caso, geralmente, as atividades


são entendidas e realizadas com um fim em si mesmas, ou seja, no cotidiano são
previstos momentos para que a criança desenhe, modele, recorte e cole, ouça
histórias e brinque, por exemplo. Todas essas atividades são fundamentais, com

36
certeza. No entanto, podemos perguntar: como se considera a continuidade entre
elas? O desenho se relaciona com a história, ou o recorte e colagem têm a função
de produzir algo coletivo? Ou são atividades desconectadas entre si, que acabam
funcionando como se fossem um pacote, um produto, que a criança tem de
consumir, uma coisa que o(a) professor(a) decidiu que é assim e pronto.Então as
crianças têm de cumprir, mesmo que não as interesse naquele momento?

PLANEJAMENTO POR ÁREAS DO CONHECIMENTO: Nesta concepção,


por exemplo, uma pesquisa sobre os bichos é vista como atividade de ciências,
enquanto a exploração de jogos de montar, atividade de matemática. Com certeza, é
importante que as diferentes áreas do conhecimento sejam focalizadas no dia-a-dia
com as crianças, mas será preciso uma atividade para cada área?

Na verdade, quando trabalhamos com atividades específicas para


determinada área, muitas vezes tornamos artificial e mecânico o contato com o
conhecimento. Esse contato pode ser significativo e intenso se pensamos que, numa
pesquisa sobre animais, diferentes domínios do conhecimento estão em jogo
(relação com diferenças e semelhanças: a matemática; relação com regra e com
imaginação: a arte; entre outras relações). Embora aparentemente esse tipo de
organização pareça dar à Educação Infantil um caráter pedagógico, a ênfase recai
sobre os conteúdos e não sobre a relação da criança com a produção do
conhecimento.

Atualmente, o trabalho com projetos tem surgido como uma interessante


forma de lidar com temas que nascem da experiência com as crianças, de diferentes
áreas do conhecimento e de diversas atividades, num movimento de produção de
sentido coletivo. O (a) professor(a) pode propor um tema ou este pode partir de um
interesse das crianças. O tema pode estar relacionado ao campo da ciência, da
literatura, às experiências sócio-afetivas do grupo ou a outros campos (exemplos: o
fundo do mar, nossos segredos, enigma, poesias, a história da vida das nossas
mães). O tema pode inspirar experiências com várias linguagens e vá- rias
dimensões do saber. Por exemplo, num projeto do fundo do mar, podemos tanto
pesquisar nos livros científicos quanto conhecer e cantar músicas do mar, ou ainda
fazer nosso próprio mar com sucata, dentre outras possibilidades.

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Pensar o planejamento institucional como possibilidade de prever e organizar
ações visando a articulação da Educação Infantil com o Ensino Fundamental.
Depois de focalizarmos alguns aspectos fundamentais do ato de planejar o trabalho
diário com as crianças, tipos de planejamento diferentes, tanto das atividades como
das rotinas, vamos falar um pouco sobre a importância da continuidade entre a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental no planejamento institucional. No Brasil,
há diferentes experiências de passagem da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental, mas, de modo geral, percebemos uma grande falta de articulação
entre os dois segmentos. Na Educação Infantil há espaço e tempo privilegiados para
o brincar e para a produção plástica (desenhos, pinturas, modelagens).

No Ensino Fundamental, geralmente, privilegiam-se o conhecimento


sistematizado (da ciência, matemática etc.), as atividades de leitura e escrita, entre
outros. É como se terminasse o tempo do brincar e do prazer e se iniciasse o tempo
do dever. Proporcionar diálogos entre os dois segmentos é um desafio. É importante
que as crianças percebam coerência e continuidade entre as propostas nos dois
contextos. Por um lado, seria importante despertar os(as) professores(as) do Ensino
Fundamental para a relevância do cuidado, da acolhida e da brincadeira, presentes
no trabalho com as crianças até 6 anos. Por outro lado, como deixar de fora da
Educação Infantil os conhecimentos sistematizados, considerando-os de forma
significativa, ligados à vida das crianças? Será que o lugar do conhecimento é
somente depois?

Enfim, professor(a), depois de percorrermos esta unidade, é importante que


você se lembre das seguintes idéias: - O planejamento é um recurso que nos ajuda
a garantir a presença da diversidade, da escuta e participação das crianças no dia-a-
dia. - Não planejamos nosso trabalho sozinhos, mas com a participação das
crianças e dos(as) colegas da instituição, para que possamos nos organizar,
atendendo diferentes demandas: acolhida de todas as crianças, atenção às suas
particularidades e trabalho com a cultura e com os conhecimentos sistematizados. -
O planejamento pode assegurar a presença dos conhecimentos sistematizados no
dia-a-dia. - O planejamento precisa garantir a realização de atividades significativas,
a continuidade entre as atividades e a abertura de nossos planos às intervenções
das crianças e de suas famílias. - É importante planejarmos também os momentos
de alimentação, sono e higiene, a fim de assegurar que não sejam mecânicos, frios,

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marcados pela espera e pela passividade. - O planejamento deve englobar o
presente e o futuro das crianças, garantindo relações com o Ensino Fundamental.

12 - A AVALIAÇÃO E A CONTINUIDADE DOS PROCESSOS DE


APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS

Na Educação Infantil a avaliação da aprendizagem é instrumento de reflexão


sobre a prática pedagógica na busca pelo professor de melhores caminhos para
orientar as crianças, conforme ele pesquisa que elementos podem estar
contribuindo, ou dificultando, as possibilidades de expressão da criança, sua
aprendizagem e desenvolvimento.
As DCNEIs consideram que a avaliação deve ser processual e incidir sobre
todo o contexto de aprendizagem: as atividades propostas e o modo como foram
realizadas, as instruções e os apoios oferecidos às crianças individualmente e ao
coletivo de crianças, a forma como o professor respondeu às manifestações e às
interações das crianças, os agrupamentos que as crianças formaram, o material
oferecido e o espaço e o tempo garantidos para a realização das atividades.
Conhecer as preferências das crianças, sua forma de participar nas
atividades, seus parceiros prediletos para a realização de diferentes tipos de tarefas,
suas narrativas, e outros pontos pode ajudar o professor a reorganizar as atividades
de modo mais adequado ao alcance dos propósitos infantis e das aprendizagens
coletivamente trabalhadas. Ele poderá então fortalecer, ou modificar, a situação, de
modo a efetivar o projeto político pedagógico de cada instituição.
A avaliação deve se basear na observação sistemática dos comportamentos
de cada criança, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano, com
utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios,

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fotografias, desenhos, álbuns etc.), feita ao longo do período em muitos e
diversificados momentos.
A documentação dessas observações e outros dados sobre a aprendizagem
da
criança devem acompanhá-la ao longo de sua trajetória da Educação Infantil e ser
entregue por ocasião de sua matrícula no Ensino Fundamental, para garantir uma
atenção continuada ao processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança e
compromissada em apontar possibilidades de avanços.
Para garantir a continuidade dos processos de aprendizagem das crianças,
devem ser criadas estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição
vividos pela criança quando de seu ingresso na instituição de Educação infantil,
considerando a necessária adaptação das crianças e seus responsáveis às práticas
e relacionamentos que têm lugar naquele espaço, e visar ao conhecimento de cada
criança e de sua família pela equipe da Instituição, de suas mudanças de turmas no
interior da instituição, e sua transição da creche para a pré-escola, e desta para o
Ensino Fundamental.

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13 - GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA

Gestão democrática, gestão compartilhada e gestão participativa são termos


que, embora não se restrinjam ao campo educacional, fazem parte da luta de
educadores e movimentos sociais organizados em defesa de um projeto de
educação pública de qualidade social e democrática.

Apesar de as lutas em prol da democratização da educação pública e de


qualidade fazerem parte das reivindicações de diversos segmentos da sociedade há
algumas décadas, essas se intensificaram a partir da década de 1980, resultando na
aprovação do princípio de gestão democrática na educação, na Constituição Federal
art. 206.

A Constituição Federal/88 estabeleceu princípios para a educação brasileira,


dentre eles: obrigatoriedade, gratuidade, liberdade, igualdade e gestão democrática,
sendo esses regulamentados através de leis complementares.

Enquanto lei complementar da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional (LDB nº 9.394/96) estabelece e regulamenta as diretrizes gerais
para a educação e seus respectivos sistemas de ensino. Em cumprimento ao art.
214 da Constituição Federal, ela dispõe sobre a elaboração do Plano Nacional de
Educação – PNE (art. 9º), resguardando os princípios constitucionais e, inclusive, de
gestão democrática.

A elaboração do PNE, conforme exposto nos textos legais, visa a elucidar


problemas referentes às diferenças socioeconômicas, políticas e regionais, bem
como às que se referem à qualidade do ensino e à gestão democrática. O PNE trata
dos diferentes níveis e modalidades da educação escolar, bem como da gestão, do
financiamento e dos profissionais da educação. Esse plano, aprovado em 2001 pela
(Lei nº. 10.172/2001), traz diagnósticos, diretrizes e metas que devem ser discutidos,
examinados e avaliados, tendo em vista a democratização da educação em nosso
país. Frigotto (2000), ao discutir o papel da educação, afirma a especificidade dessa
prática e, ao mesmo tempo, destaca sua articulação às relações sociais mais
amplas e a contradição subjacente a esse processo.

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O mundo do trabalho teve sua lógica alterada e a educação, sobretudo a
qualificação profissional, passou a enfatizar a aquisição de conhecimentos e
habilidades cognitivas e comportamentais. Tais alterações interferem nas políticas
educacionais, redirecionando o pensar e o fazer político-pedagógico, o que
certamente traz implicações para a gestão escolar.

De forma articulada à discussão da democratização da gestão escolar, é


fundamental recuperarmos, nos textos legais – sobretudo na Constituição Federal,
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96) e no PNE – o
respaldo para a implementação de processos de gestão nos sistemas de ensino e,
particularmente, nas unidades escolares.

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA

Os termos “administração da educação” ou “gestão da educação” têm sido


utilizados na área educacional ora como sinônimos, ora como termos distintos.
“Analisar a gestão da educação, seja ela desenvolvida na escola ou no sistema
municipal de ensino, implica em refletir sobre as políticas de educação. Isto porque
há uma ligação muito forte entre elas, pois a gestão transforma metas e objetivos
educacionais em ações, dando concretude às direções traçadas pelas políticas”
(BORDIGNON; GRACINDO, 2004, p.147). A gestão, se entendida como processo
político-administrativo contextualizado, nos coloca diante do desafio de compreender
tal processo na área educacional a partir dos conceitos de sistemas e gestão
escolar.

GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA

Trata-se de uma maneira de organizar o funcionamento da escola pública


quanto aos aspectos políticos, administrativos, financeiros, tecnológicos, culturais,
artísticos e pedagógicos, com a finalidade de dar transparência às suas ações e atos
e possibilitar à comunidade escolar e local a aquisição de conhecimentos, saberes,
ideias e sonhos, num processo de aprender, inventar, criar, dialogar, construir,
transformar e ensinar. (BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Básica. Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares. Gestão da
educação escolar. Brasília: UnB/ CEAD, 2004).

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No âmbito educacional, a gestão democrática tem sido defendida como
dinâmica a ser efetivada nas unidades escolares, visando a garantir processos
coletivos de participação e decisão. Tal discussão encontra respaldo na legislação
educacional.

Apesar da superficialidade com que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional (LDB) trata da questão da gestão da educação, ao determinar os princípios
que devem reger o ensino, indica que um deles é a gestão democrática. Mais
adiante (art. 14), a referida lei define que os sistemas de ensino devem estabelecer
normas para o desenvolvimento da gestão democrática nas escolas públicas de
educação básica e que essas normas devem, primeiro, estar de acordo com as
peculiaridades de cada sistema e, segundo, garantir a “participação dos profissionais
da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”, além da “participação
das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”.

Nesse sentido, a gestão democrática da educação requer mais do que


simples mudanças nas estruturas organizacionais; requer mudança de paradigmas
que fundamentem a construção de uma proposta educacional e o desenvolvimento
de uma gestão diferente da que hoje é vivenciada. Ela precisa estar para além dos
padrões vigentes, comumente desenvolvidos pelas organizações burocráticas.

Essa nova forma de administrar a educação constitui-se num fazer coletivo,


permanentemente em processo, processo que é mudança contínua e continuada,
mudança que está baseada nos paradigmas emergentes da nova sociedade do
conhecimento, os quais, por sua vez, fundamentam a concepção de qualidade na
educação e definem, também, a finalidade da escola. (BORDIGNON, G.;
GRACINDO, R. V. Gestão da educação: o município e a escola. In: FERREIRA, N.
S. C.; AGUIAR, M. A. da S. Gestão da Educação: impasses, perspectivas e
compromissos. São Paulo: Cortez, 2004, p.147).

A construção da gestão democrática implica luta pela garantia da autonomia


da unidade escolar, participação efetiva nos processos de tomada de decisão,
incluindo a implementação de processos colegiados nas escolas, e, ainda,
financiamento pelo poder público, entre outros.

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A gestão democrática é entendida como a participação efetiva dos vários
segmentos da comunidade escolar, pais, professores, estudantes e funcionários na
organização, na construção e na avaliação dos projetos pedagógicos, na
administração dos recursos da escola, enfim, nos processos decisórios da escola.
Portanto, tendo mostrado as semelhanças e diferenças da organização do trabalho
pedagógico em relação a outras instituições sociais, enfocamos os mecanismos
pelos quais se pode construir e consolidar um projeto de gestão democrática na
escola.

A democratização da gestão é defendida enquanto possibilidade de melhoria


na qualidade pedagógica do processo educacional das escolas, na construção de
um currículo pautado na realidade local, na maior integração entre os agentes
envolvidos na escola – diretor, professores, estudantes, coordenadores, técnico-
administrativos, vigias, auxiliares de serviços – no apoio efetivo da comunidade às
escolas, como participante ativa e sujeito do processo de desenvolvimento do
trabalho escolar.

A gestão democrática implica um processo de participação coletiva. Sua


efetivação na escola pressupõe instâncias colegiadas de caráter deliberativo, bem
como a implementação do processo de escolha de dirigentes escolares, além da
participação de todos os segmentos da comunidade escolar na construção do
Projeto Político-Pedagógico e na definição da aplicação dos recursos recebidos pela
escola.

Nesse sentido, para a efetivação da gestão democrática na escola, devem ser


observados os seguintes pontos básicos: os mecanismos de participação da
comunidade escolar e a garantia de financiamento das escolas pelo poder público.

Para que haja a participação efetiva dos membros da comunidade escolar, é


necessário que o gestor, em parceria com o conselho escolar, crie um ambiente
propício que estimule trabalhos conjuntos, que considere igualmente todos os
setores, coordenando os esforços de funcionários, professores, pessoal técnico-
pedagógico, alunos e pais envolvidos no processo educacional.

44
MODALIDADES DE ESCOLHA DE DIRIGENTES ESCOLARES NO BRASIL E O
PAPEL POLÍTICO PEDAGÓGICO DO DIRETOR NA ESCOLA

As discussões acerca das modalidades de escolha de dirigentes escolares no


Brasil vêm, a partir da década de 1980, adquirindo papel significativo nos estudos
realizados pelos pesquisadores interessados na democratização da educação e da
escola. Entre esses estudos, situam-se aquelas abordagens que indicam que a
modalidade de escolha influencia no processo de democratização da gestão escolar.

Pretendemos aqui indicar e discutir as modalidades de escolhas de dirigentes


escolares existentes no Brasil, as implicações de cada modalidade, sua importância
no processo de democratização da gestão escolar e o papel político-pedagógico do
diretor na escola, particularmente, num processo de gestão democrática.

Em relação à escolha de diretores, as formas ou propostas mais usuais na


gestão das escolas públicas têm sido:

a) diretor livremente indicado pelos poderes públicos;

b) diretor de carreira;

c) diretor aprovado em concurso público;

d) diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos;

e) eleição direta para diretor.

Ao analisar as modalidades, podemos afirmar que a livre indicação dos


diretores escolares pelos poderes públicos se identificava com as formas mais
usuais de clientelismo. O critério de escolha era o favorecimento, sem considerar a
competência ou o respaldo da comunidade escolar. Essa lógica eliminava qualquer
candidato que se opusesse à força do prefeito ou governador. Permitia a
transformação da escola em espaço instrumentalizador de práticas autoritárias,
evidenciando forte ingerência do Estado na gestão escolar.

Já o diretor de carreira – modalidade pouco utilizada – tinha acesso ao cargo


vinculado a critérios como: tempo de serviço, merecimento e/ou distinção,
escolarização, entre outros. Representa uma tentativa de aplicação no setor público
da tese meritocrática, alijando também a participação da comunidade escolar na
escolha de seu dirigente.

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A modalidade de acesso por concurso público nasce como contraponto à
indicação política. Vários interlocutores têm defendido essa forma de ingresso, por
transparecer objetividade na escolha por méritos intelectuais. Por entendermos que
a gestão escolar não se reduz à dimensão técnica, mas configura-se como ato
político, consideramos que essa modalidade valoriza demais as atividades
administrativas e burocráticas e secundariza o processo político-pedagógico, mais
abrangente. A defesa do concurso público de provas e títulos é bandeira a ser
empunhada e efetivada como forma de ingresso na carreira dos profissionais da
educação. Mas a prática tem mostrado que não é a forma mais apropriada de
escolha de dirigentes escolares. Além de desconsiderar a participação da
comunidade escolar, possui limites, como a transformação de diretores em “donos
da escola” que fica condenada a ter uma gestão identificada com a pessoa do
dirigente até sua aposentadoria.

A indicação por meio de listas tríplices, sêxtuplas ou a combinação de


processos (modalidade mista) consiste na consulta à comunidade escolar, ou a
setores desta, para a indicação de nomes dos possíveis dirigentes, cabendo ao
executivo ou a seu representante nomear o diretor dentre os nomes destacados e/ou
submetê-los a uma segunda fase, que consiste em provas ou atividades de
avaliação de sua capacidade cognitiva para a gestão da educação.

Tal modalidade tem duas vantagens: um mandato temporal definido e a


participação da comunidade escolar no início do processo. Entretanto, como cabe ao
executivo deliberar sobre a indicação final do diretor, corre-se o risco de ocorrer uma
indicação por critérios não político pedagógicos, com uma suposta legitimação da
comunidade escolar, em nome do discurso de participação/democratização das
relações escolares.

As eleições diretas para diretores, historicamente, têm sido a modalidade


considerada mais democrática pelos movimentos sociais, inclusive dos
trabalhadores da educação em seus sindicatos. Mas ela não está livre de uma
grande polêmica. A defesa dessa modalidade vincula-se à crença de que o processo
conquista ou retoma o poder sobre os destinos da gestão. A eleição direta tem sido
apontada como um canal efetivo de democratização das relações escolares.

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Trata-se de modalidade que se propõe valorizar a legitimidade do dirigente
escolar como coordenador do processo pedagógico no âmbito escolar. Em que
pese aos limites que se interpõem no curso dessa modalidade, fruto da cultura
autoritária que permeia as relações sociais e escolares, a eleição para dirigentes se
configura em uma modalidade a ser problematizada e avaliada, articulada ao
estabelecimento de premissas e princípios básicos, visando à democratização da
escola. A participação dos servidores nesse processo é fundamental para a escola e
para a constituição de sua identidade.

O processo de eleição de diretores é muito variado nos estados e municípios


que o adotam. O colégio eleitoral pode incluir toda a comunidade escolar ou ser
restrito a parte dela, com diferentes ponderações para o voto dos professores,
funcionários, estudantes e pais. Em alguns casos, há definição legal e operacional
para o andamento e a transparência do processo, como data, local, horário, regras
de propaganda e de debates. Em outros, a comissão eleitoral se incumbe de
regulamentar as diferentes etapas da eleição. É fundamental garantir a participação
de todos e ter consciência de que a eleição não é a panaceia para todos os
problemas da escola. Há que se cuidar de não transpor para a escola os vícios das
eleições gerais, como o “voto de cabresto” e as “trocas de favores”. Portanto, além
da melhoria dos processos de escolha de diretores, há que se garantir a
institucionalização e o fortalecimento de outros mecanismos de participação
colegiada na escola, como os conselhos e assembleias escolares.

Embora as eleições se apresentem como um legítimo canal na luta pela


democratização da escola e das relações sociais mais amplas – não sendo o único,
é necessário compreender os vícios e as limitações do sistema representativo numa
sociedade de classes, assentada em interesses antagônicos e irreconciliáveis. Por
isso, não consideramos a eleição, por si só, garantia da democratização da gestão,
mas referendamos essa modalidade enquanto instrumento para o exercício
democrático. A forma de provimento no cargo pode não definir o tipo de gestão,
mas, certamente, interfere no curso desta. Assim, visualizar a eleição como ação
terminal é incorrer no equívoco de se negar o caráter histórico do processo, pois a
eleição deve ser um instrumento associado a outros na luta pela democratização
possível das relações escolares.

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A ideia básica é a da gestão como um processo de idas e vindas, construído
por meio da articulação entre os diferentes atores, que vão tecendo a feição que
esse processo vai assumindo. A gestão democrática é a expressão de um
aprendizado de participação pautado pelo dissenso, pela convivência e pelo respeito
às diferenças, em prol do estabelecimento de espaços de discussão e deliberação
coletivos.

Dessa forma, quaisquer políticas direcionadas para a democratização das


relações escolares devem considerar o contexto em que elas se inserem. As
necessidades daí decorrentes e as condições objetivas em que elas se efetivam
serão o diferencial no processo de gestão que se quer efetivar. Quanto maior a
participação, maiores são as possibilidades de acerto nas decisões a serem
tomadas e efetivadas na escola.

Outro aspecto fundamental refere-se à noção de gestão como resultado de


ações coletivas. É totalmente diferente uma decisão do diretor de uma decisão do
colegiado. Estamos acostumados com a lógica de gestão centrada na figura do
gestor, do diretor de escola. A efetivação da gestão democrática implica ações
compartilhadas que resultem na participação de todos, contrariando a lógica cartorial
e hierárquica vigente na gestão das escolas. Não se muda a cultura escolar sem o
trabalho coletivo, mas com discussões conjuntas e a busca de resolução dos
problemas, de modo participativo.

Nessa ótica, pensar um novo cenário para a escola implica a articulação de


três noções fundamentais: eficiência, eficácia e efetividade social. De fato, a escola
tem de ser eficiente, mas o que significa ser eficiente? Eficiente em relação a quê? A
mesma questão se coloca para eficácia. O que é uma escola eficaz? A noção de
efetividade social, ou seja, de garantia de acesso e de permanência, com qualidade
social para todos, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, é que vai indicar
as respostas a essas questões.

Assim, eficiência, eficácia e efetividade social da escola revelam a


compreensão e o alcance da função social da educação e da escola que a
comunidade escolar quer. A democratização da escola não é uma via de mão única.
Existem várias possibilidades e alternativas para a sua implementação, resultantes

48
dos embates e das várias possibilidades políticas desencadeadas coletivamente
pelos diferentes atores em cada unidade escolar.

Assim, a gestão da escola configura-se em ato político, pois requer sempre


uma tomada de posição política. Exige um posicionar-se diante das alternativas. A
gestão escolar não é neutra, pois todas as ações desenvolvidas na escola envolvem
atores e tomadas de decisões. Nesse sentido, ações simples, como a limpeza e a
conservação do prédio escolar, até ações mais complexas, como as definições
pedagógicas, o trato com situações de violência, entre outras, indicam uma
determinada lógica e horizonte de gestão, pois são ações que expressam
interesses, princípios e compromissos que permeiam as escolhas e os rumos
tomados pela escola.

As eleições escolares, tanto para os cargos de dirigentes como para compor


os colegiados, são canais de participação e de aprendizado político da gestão
democrática, compreendida como construção de cidadania, de luta política, que não
se circunscreve aos limites da prática educativa, mas vislumbra a transformação das
relações sociais autoritárias da sociedade.

Para sintetizar, diríamos que o processo de democratização da escolha de


diretores tem contribuído para se repensar a gestão escolar e o papel do diretor e do
conselho escolar. A democratização da gestão por meio do fortalecimento dos
mecanismos de participação na escola, em especial do conselho escolar e da
escolha de diretor, pode apresentar-se como uma alternativa criativa para envolver
os diferentes segmentos das comunidades local e escolar nas questões e nos
problemas vivenciados pela escola.

Entendemos que a eleição para dirigentes é um importante instrumento no


processo da autonomia e da democratização da escola, por favorecer o
envolvimento da comunidade escolar nas discussões do cotidiano da escola e a sua
participação no processo de tomada de decisão.

49
14 - AUTONOMIA DA UNIDADE ESCOLAR: SUAS CONDIÇÕES INTERNAS E
EXTERNAS

Quando falamos em autonomia, logo nos vem à ideia de independência, de


liberdade; logo pensamos na possibilidade de fazermos aquilo que queremos e que
entendemos ser o melhor para nós, num determinado momento. Apresentaremos e
discutiremos agora os conceitos de autonomia, abordando aspectos relativos à
autonomia da unidade escolar, às formas de autonomia e às suas dimensões na
instituição educativa.

CONCEITOS DE AUTONOMIA
o Faculdade de se governar por si mesmo; direito ou faculdade de um
país se reger por leis próprias; emancipação; independência; sistema
ético segundo o qual as normas de conduta provêm da própria
organização humana. (HOLLANDA, 1983, p. 136)
o A autonomia é uma maneira de gerir, orientar as diversas dependências
em que os indivíduos e os grupos se encontram no seu meio biológico
ou social, de acordo com as suas próprias leis. (BARROS, 1998, p. 16)
o A autonomia é a possibilidade e a capacidade de a escola elaborar e
implementar um projeto político-pedagógico que seja relevante à
comunidade e à sociedade a que serve. (NEVES, 1995, p. 113)

Ao discutir a autonomia da escola, Veiga (1998) destaca quatro dimensões


consideradas básicas para o bom funcionamento de uma instituição educativa e que,
segundo ela, devem ser relacionadas e articuladas entre si:

o Autonomia administrativa – consiste na possibilidade de elaborar e gerir


seus planos, programas e projetos.
o Autonomia jurídica – diz respeito à possibilidade de a escola elaborar
suas normas e orientações escolares em consonância com as
legislações educacionais, como, por exemplo, matrícula, transferência
de alunos, admissão de professores, concessão de grau.
o Autonomia financeira – refere-se à disponibilidade de recursos
financeiros capazes de dar à instituição educativa condições de
funcionamento efetivo
o Autonomia pedagógica – consiste na liberdade de propor modalidades
de ensino e pesquisa.

Você pode perceber a importância de se compreender as dimensões da


autonomia e o quanto elas estão articuladas entre si. Essa ênfase na autonomia da
unidade escolar não é aleatória. Está pautada na crença de que cada escola tem

50
suas especificidades e, como tal, requer projetos e ações pensadas e elaboradas no
seu interior pelos segmentos que a compõem.

Nessa perspectiva, conhecer as leis que regulamentam o sistema de ensino,


ou a sua estrutura organizacional, não é suficiente para uma compreensão clara da
realidade escolar, tendo em vista que a escola é um universo específico cuja
realidade, assim como a ação de seus agentes, só pode ser compreendida a partir
do conhecimento do que é vivenciado no seu cotidiano.

Ao discutir sobre a unidade escolar, Silva (1996) recomenda duvidar das


intenções declaradas ou avaliações feitas por aqueles que dirigem o sistema,
distantes que estão da realidade da escola, pois, para compreender o seu
funcionamento, é essencial que se veja o que concretamente acontece na unidade
escolar. Sendo assim, para que haja mudanças significativas no ensino, é
fundamental que a escola constitua-se “no lugar estratégico de mudança do sistema
escolar”, à medida que esse é o local onde se concretiza o que é planejado
globalmente para o ensino aprendizagem.

Nesse sentido, ele enfatiza que a unidade escolar é o lugar onde se


concretiza o objetivo máximo do sistema escolar, ou seja, o atendimento direto de
seus usuários nas relações de ensino aprendizagem. É nela que as metas
governamentais são atingidas ou não, e que as políticas educacionais se realizam
tal como o previsto ou sofrem distorções.

OS MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO E A GESTÃO DEMOCRÁTICA

As escolas e os sistemas de ensino precisam criar mecanismos para garantir


a participação da comunidade escolar no processo de organização e gestão dessas
instâncias educativas.

Está estreitamente ligada à identidade, à função social, à clientela, à


organização curricular, à avaliação, bem como aos resultados e, portanto, à
essência do projeto pedagógico da escola. (VEIGA, 1998, p. 16-19)

51
A participação só será efetiva se os agentes que compõem a comunidade
escolar conhecerem as leis que a regem, as políticas governamentais propostas
para a educação, as concepções que norteiam essas políticas e, principalmente, se
estiverem engajados na defesa de uma escola democrática que tenha entre seus
objetivos a construção de um projeto de transformação do sistema autoritário
vigente.

Assim, entendemos que a democratização começa no interior da escola, por


meio da criação de espaços nos quais professores, funcionários, alunos, pais de
alunos etc. possam discutir criticamente o cotidiano escolar. Nesse sentido, a função
da escola é formar indivíduos críticos, criativos e participativos, com condições de
participar criticamente do mundo do trabalho e de lutar pela democratização da
educação em nosso país.

É necessário ter em mente que a democratização da gestão educacional não


ocorrerá sem uma compreensão mais ampla da função política e social da escola,
lócus privilegiado da educação sistematizada, e da sua importância no processo de
transformação da sociedade, à medida que ela se compromete com a função de
"preparar e elevar o indivíduo ao domínio de instrumentos culturais, intelectuais,
profissionais e políticos" (RODRIGUES, 1987, p. 43).

A escola, no desempenho dessa função, precisa ter clareza de que o


processo de formação para uma vida cidadã e, portanto, de gestão democrática
passa pela construção de mecanismos de participação da comunidade escolar,
como: Conselho Escolar, Associação de Pais e Mestres, Grêmio Estudantil,
Conselhos de Classes etc.

A escola, no cumprimento do seu papel e na efetivação da gestão


democrática, precisa não só criar espaços de discussões que possibilitem a
construção do projeto educativo por todos os segmentos da comunidade escolar,
como consolidá-los como espaços que favoreçam a participação.

Para que a tomada de decisão seja partilhada e coletiva, é necessária a


efetivação de vários mecanismos de participação, tais como: o aprimoramento dos
processos de escolha ao cargo de dirigente escolar; a criação e a consolidação de
órgãos colegiados na escola (conselhos escolares e conselho de classe); o

52
fortalecimento da participação estudantil por meio da criação e da consolidação de
grêmios estudantis; a construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico da escola;
a redefinição das tarefas e funções da associação de pais e mestres, na perspectiva
de construção de novas maneiras de se partilhar o poder e a decisão nas
instituições. É nessas direções que se implementam e vivenciam graus progressivos
de autonomia da escola.

Toda essa dinâmica deve ocorrer como um processo de aprendizado político,


fundamental para a construção da gestão democrática e, consequentemente, para a
instituição de uma nova cultura na escola.

Nesse sentido, a democratização da gestão escolar implica a superação dos


processos centralizados de decisão e a vivência da gestão colegiada, na qual as
decisões nasçam das discussões coletivas, envolvendo todos os segmentos da
escola num processo pedagógico. A partir dele, vai ser efetiva a autonomia da
unidade escolar.

A gestão democrática, no sentido lato, pode ser entendida como espaço de


participação, de descentralização do poder e de exercício de cidadania. Nesse
sentido, reafirmamos a necessidade de instituir processos de efetiva participação
política: a gratuidade do ensino; a universalização da educação básica e superior; o
planejamento e a coordenação descentralizados dos processos de decisão e de
execução; o fortalecimento das unidades escolares por meio da efetivação da sua
autonomia; a articulação entre os diferentes níveis de ensino; a definição coletiva de
diretrizes gerais para a educação nacional; a exigência de planos de carreira para o
magistério público; a vinculação de verbas para a educação; a democratização das
formas de acesso, permanência e gestão.

Todos esses itens vinculam-se ao princípio de gestão democrática, à medida


que conferem à educação nacional o papel de um dos instrumentos de promoção do
exercício de cidadania, a ser assegurada por meio de mecanismos de participação
ativa dos segmentos da sociedade civil nas instâncias consultivas, deliberativas e de
controle social da educação.

Construir uma nova lógica de gestão que conte com a participação da


sociedade e dos atores diretamente envolvidos com a prática pedagógica, implica

53
rever o modelo adotado pelos sistemas públicos, cuja estruturação e funcionamento
são até hoje característicos de um modelo centralizador.

A autonomia pedagógica e financeira e a implementação de um Projeto


Político-Pedagógico próprio da unidade escolar encontram vários limites no
paradigma de gestão escolar vigente, destacando-se entre eles: a) centralização das
decisões; b) entraves ao estabelecimento de princípios de organização colegiada da
gestão e do trabalho pedagógico; c) Projeto Político Pedagógico restrito ao
atendimento das determinações das secretarias de educação, não acarretando
mudanças significativas na lógica autoritária da cultura escolar; d) formas de
provimento nos cargos dirigentes dissociadas da comunidade local e escolar.

A gestão democrática implica, portanto, a efetivação de novos processos de


organização e gestão, baseados em uma dinâmica que favoreça os processos
coletivos e participativos de decisão. Nesse sentido, a participação pode ser
implementada e realizada de diferentes maneiras, em níveis distintos e em
dinâmicas próprias no cotidiano escolar.

A participação, portanto, não se apresenta de maneira padronizada. É uma


prática polissêmica, que apresenta diferenças significativas quanto à natureza, ao
caráter, às finalidades e ao alcance nos processos de aprendizagem cidadã. Isso
quer dizer que os processos de participação se constituem, eles próprios, em
atitudes e disposição de aprendizagem e de mudanças culturais a serem
construídas cotidianamente. A participação é um processo complexo, que envolve
vários cenários e múltiplas possibilidades organizativas. Ou seja, não existe apenas
uma forma ou lógica de participação. Várias dinâmicas se caracterizam por um
processo de participação tutelada, restrita e funcional; outras, por efetivar processos
coletivos, inovadores de escolha e decisão.

Entre os mecanismos de participação que podem ser criados na escola,


destacam-se: o conselho escolar, o conselho de classe, a associação de pais e
mestres e o grêmio escolar.

CONSELHO ESCOLAR

O conselho escolar é um órgão de representação da comunidade escolar.


Trata-se de uma instância colegiada que deve ser composta por representantes de

54
todos os segmentos da comunidade escolar e constitui-se num espaço de discussão
de caráter consultivo e/ou deliberativo.

Ele não deve ser o único órgão de representação, mas aquele que congrega
as diversas representações para se constituir em instrumento que, por sua natureza,
criará as condições para a instauração de processos mais democráticos dentro da
escola. Portanto, o conselho escolar deve ser fruto de um processo coerente e
efetivo de construção coletiva.

A configuração do conselho escolar varia entre os estados, entre os


municípios e até mesmo entre as escolas. Assim, a quantidade de representantes
eleitos, na maioria das vezes, depende do tamanho da escola, do número de
classes e de estudantes que ela possui.

CONSELHO DE CLASSE

O conselho de classe é mais um dos mecanismos de participação da


comunidade na gestão e no processo de ensino-aprendizagem desenvolvido na
unidade escolar. Constitui-se numa das instâncias de vital importância num
processo de gestão democrática, pois "guarda em si a possibilidade de articular os
diversos segmentos da escola e tem por objeto de estudo o processo de ensino, que
é o eixo central em torno do qual se desenvolve o processo de trabalho escolar"
(DALBEN, 1995, p. 16).

Nesse sentido, entendemos que o conselho de classe não deve ser uma
instância que tem como função reunir-se ao final de cada bimestre ou do ano letivo
para definir a aprovação ou reprovação de alunos, mas deve atuar em espaço de
avaliação permanente, que tenha como objetivo avaliar o trabalho pedagógico e as
atividades da escola. Nessa ótica, é fundamental que se reveja a atual estrutura
dessa instância, rediscutindo sua função, sua natureza e seu papel na unidade
escolar.

ASSOCIAÇÃO DE PAIS E MESTRES

55
A associação de pais e mestres, enquanto instância de participação constitui-
se em mais um dos mecanismos de participação da comunidade na escola,
tornando-se uma valiosa forma de aproximação entre os pais e a instituição,
contribuindo para que a educação escolarizada ultrapasse os muros da escola e a
democratização da gestão seja uma conquista possível.

15 - SISTEMATIZAÇÃO E REGISTRO DAS ATIVIDADES REALIZADAS

A organização do trabalho pedagógico na educação infantil se reveste de


significados distintos. Sua finalidade educativa considera o trabalho voltado para
situações reais de aprendizagem, com propostas contextualizadas e significativas,
de modo a ampliar as vivências e as experiências das crianças, que são
diversificadas e 3 dependem do contexto cultural e social em que se inserem, bem
como das interações com outros sujeitos, adultos e crianças.
Consiste no ato de pensar em ações intencionais, planejadas,
compartilhadas, que privilegiem as diferentes linguagens (oralidade, leitura, escrita,
artísticas, movimento), o pensamento lógico-matemático, as relações naturais e
sociais, a valorização do jogo e da brincadeira, em que, num processo interativo, as
crianças construam a sua identidade, a autonomia e se apropriem dos
conhecimentos socialmente produzidos. A dialogicidade, a observação e a escuta do
professor constituem instrumentos que viabilizam a proposição de conhecimentos
significativos que contemplem a realidade, respeitem a diversidade cultural, ampliem
as vivências e experiências infantis.
O registro é uma forma de articular a própria prática, em que o agir
permanente e a sua sistematização possibilitam a interlocução sobre o que se
registra e o que é realizado.
Zabalza (1994) investiga os registros realizados pelo professor na forma de
diários, aos quais atribui o sentido de expressar o pensamento do professor, em que
ele “expõe-explica-interpreta a sua acção quotidiana” (ZABALZA, 1994, p. 91). No
entanto, os professores que adotam o registro na forma de diário, como instrumento
de análise e reflexão de sua prática docente, parecem pouco expressivos, pois das
professoras entrevistadas, nenhuma delas registra seu cotidiano profissional na
forma de diário.

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Quanto ao ato de escrever, o mesmo autor ressalta que “o próprio facto de
escrever sobre a própria prática, leva o professor a aprender através da sua
narração. A narração constitui-se em reflexão” (ZABALZA, 1994, p. 95).
Guarnieri (2001) diz que “registrar impressões, interpretações pessoais,
emoções, desconfortos, alegrias e, sobretudo, o ato de realizar a releitura desse
registro, parecem desencadear nas professoras uma visão mais aguçada do seu
universo de trabalho” (GUARNIERI, 2001, p. 8).
Para Warschauer (1993), o registro pode tornar-se um instrumento valioso ao
professor porque “o retrato do vivido proporciona condições especiais para o ato de
refletir” (WARSCHAUER, 1993, p. 61) e dá embasamento para as reflexões do
professor sobre sua atividade docente. O registro do percurso diário da prática
docente possibilita, em sua leitura, tomar certo distanciamento do que foi realizado,
revê-lo e dar novos direcionamentos ao trabalho, constituindo um instrumento
reflexivo.
O professor de Educação Infantil necessita mais do que nunca ressignificar
seu papel frente à sociedade acadêmica, desmistificando a velha máxima que
professora de crianças de zero a seis anos são meras cuidadoras e que o papel de
ensinar destina-se aos demais professores.
Em face das transformações que a Educação Infantil vem sofrendo,
principalmente a partir da década de 1970, quando aumentou o número de estudos
e pesquisas nessa área, de acordo com Sousa (1996), sabe-se que há inúmeras
discussões a respeito da dimensão do educar e cuidar na Educação Infantil.
Para atender as necessidades infantis, essas duas dimensões precisam aliar-
se, como relatado por Bujes no documento organizado pelo Movimento Interfóruns
de Educação Infantil do Brasil (2002).
Percebe-se na Educação Infantil, um caráter “assistencialista”, muitas vezes
restrito ao cuidado em relação às necessidades básicas da criança, como higiene e
alimentação. É necessário aliar os aspectos educacionais e assistenciais, ou seja,
aliar o educar e o cuidar.
Cerisara (1999) afirma que toda instituição social cumpre a tarefa de educar.
As instituições de Educação Infantil têm o desafio de educar e cuidar, sem
dicotomizar esses dois aspectos, uma vez que a formação da identidade e
personalidade da criança nos primeiros seis anos de vida torna a Educação Infantil
relevante para a aprendizagem das crianças.

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E, se a Educação Infantil, interfere e fundamenta a aprendizagem e a
educação de cada ser humano, pergunta-se: que tipo de profissional é necessário
para promover situações de aprendizagem sistemáticas e fundamentais para a
formação do sujeito?
Faz-se mister repensar o papel do profissional que atua com crianças da
Educação Infantil, pois estes, como afirma Nicolau (1990) podem “estimular ou
bloquear as buscas infantis”, bem como podem considerar “as tentativas infantis
como erros ou como parte de um processo construtivo” (p.209). Dessa forma, a
competência do professor é condição essencial para a qualidade educativa na
Educação Infantil. Portanto, este professor, para que possa criar situações
adequadas de trabalho, além de conhecer as etapas do desenvolvimento da criança,
necessita ter noções de como esta constrói o conhecimento, precisa ser um
pesquisador em contínuo processo de atualização, conforme afirma Sousa (1999).

O desenho da criança como forma de registro na Educação Infantil

A Educação Infantil é o segmento da educação básica destinada a atender


crianças de zero a seis anos de idade. As instituições que atendem essa faixa etária
são instituições que atuam de uma forma diferente dos demais centros
educacionais, uma vez que seus alunos estão aprendendo a conhecer,
experimentar, lidar com suas emoções, sentimentos, frustrações, ou seja, estão
aprendendo a formar suas opiniões acerca do mundo que os rodeiam. Essa
instituição tem também a função de desenvolver os aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Neste segmento de ensino, o aprender ocorre de forma lúdica que, segundo
Weiss (2002), significa: “(...) processo de jogar, brincar, representar e dramatizar
como condutas semelhantes na vida infantil” (p.71). Essas atividades lúdicas
ocorrem na Educação Infantil por meio das brincadeiras direcionadas e também das
brincadeiras livres. Segundo Barbosa no livro organizado por Parolin (2009).
Na Educação Infantil, as crianças se convertem em sujeitos ativos do
processo de aprendizagem quando despertadas para o prazer e a responsabilidade
de aprender. Essa atitude participativa é o ponto de partida indispensável para a

58
capacidade de pensar, discriminar, cooperar e ter a habilidade de se adaptar às
novas exigências do grupo e do meio.
Por acreditar em tais afirmações, buscou-se criar para a criança um
instrumento que respeitasse essas características das fases de aprendizagem e
também que possibilitasse a cada uma delas registrar seus conhecimentos de forma
espontânea. Por esse motivo o registro no diário do aluno será realizado por meio de
desenhos, uma vez que esse recurso é o início do processo de registro escrito, no
qual a criança exprime suas aprendizagens e apresenta algo significativo desse
momento de descobertas.
Na testagem prévia com 50 crianças de Educação Infantil, escolhidas
aleatoriamente em duas escolas, pode-se perceber desenhos desde a fase da
garatuja até o desenho estruturado que indica diferentes fases do desenvolvimento
infantil, conforme as imagens abaixo:

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Esse desenvolvimento progressivo do desenho implica mudanças
significativas desde a passagem dos rabiscos iniciais, ou seja, da garatuja (a ação
sobre a superfície do papel, podendo ser desordenada ou ordenada) para
construções cada vez mais elaboradas dos primeiros símbolos que podem ser
formas definidas que apresentam maior ordenação e podem estar se referindo a
situações de aprendizagem concretas em sala de aula.

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Diário da professora e do aluno

Em diferentes escolas de Educação Infantil é possível encontrar professores


que
realizam um registro diário das atividades, bem como do desenvolvimento dos
alunos nas situações propostas. Esses registros possibilitam ao professor refletir
sobre sua prática pedagógica, sobre a aprendizagem dos alunos, avaliá-los e
autoavaliar-se.
Zabalza (2004) desenvolveu uma pesquisa em que os professores foram
convidados a registrarem o cotidiano escolar. Ao analisar os registros nos diários,
ele caracterizou os diferentes relatos, observou a relevância desse instrumento para
o desenvolvimento de pesquisas educacionais, sugerindo que o Diário de Aula seja
aplicado com os alunos, entre outros aspectos.
O registro da ação docente e discente nos diários contribui para promover a
participação reflexiva da professora de Educação Infantil enquanto agente produtor
de
conhecimento e pesquisadora; conhecer o seu processo de aprendizagem;
reconhecer a importância da formação e atuação reflexiva para a formação de um
aluno com autoria de pensamento.
Numa nova cultura de aprendizagem, o professor não mais ensina. Ele é
quem ensina e quem aprende. O uso do Diário de Aula como instrumento de
pesquisa cria uma oportunidade do professor tornar-se um sujeito reflexivo, um
pesquisador de sua prática. Ao registrar e analisar o diário, a professora tem a
possibilidade de rever sua ação em sala de aula, bem como perceber, por meio do
diário do aluno, se o tema trabalhado foi significativo e propiciou uma aprendizagem
significativa para a criança.
Desta forma, o professor tem a oportunidade de tomar consciência de sua
ação,
observar, a partir do relato feito no seu diário, a presença de aspectos como:
atitudes dos alunos, atividades desenvolvidas, desafios encontrados, conquistas
realizadas, entre outras possibilidades.
Há estudos realizados com crianças desde o nascimento até os nove anos,
examinando a relação entre as primeiras experiências e suas posteriores

61
disposições ou competências para aprendizagem. O aspecto de melhor prognóstico
foi a qualidade das interações que tiveram com os pais, e mais fortemente com seus
cuidadores e professores de pré-escola. Assim, enfatiza-se a relevância da atuação
do professor nessa etapa da escolarização, bem como a importância do seu papel
de pesquisador contínuo.
Quando as crianças fizeram o registro no Diário do Aluno foi visível o
interesse
demonstrado ao aprenderem sobre as teorias que abordam a extinção dos
dinossauros. Os comentários das crianças e os desenhos justificaram que o
momento foi significativo, provocou os aprendizes e permitiu a aquisição de novos
conhecimentos, num clima de descontração, conforme observado no desenho
retirado do diário dos alunos de 5 e 6 anos

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