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NOVO CÓDIGO FLORESTAL DE GOIÁS: PROTEÇÃO OU DIZIMAÇÃO DO BIOMA

CERRADO?

Suelena Carneiro Caetano Fernandes Jayme


Promotora de Justiça
Coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente

Nos próximos dias o Governador Marconi Perillo deverá


encaminhar à Assembleia Legislativa uma minuta de projeto de lei
do novo Código Florestal de Goiás, elaborado pelo Grupo de
Trabalho de Reforma da Lei Florestal de Goiás, coordenado pela
Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos-SEMARH.
Em linhas gerais, há uma reprodução dos dispositivos do Código
Florestal Federal (Lei nº 12.651, de 25.05.2012), aprovado em meio
a muitas polêmicas, 12 vetos da Presidente Dilma Roussef, medida
provisória com 32 modificações em relação ao texto aprovado
originalmente no Congresso Nacional e conversão em lei com
alterações de dispositivos (Lei nº 12.727, de 17.10.2012).
Tantas são as inconstitucionalidades, que três ações diretas
de inconstitucionalidades (ADIN’s) foram propostas pela
Procuradoria Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal
no mês de janeiro último.
O Ministério Público de Goiás já encaminhou por escrito ao
Conselho Estadual do Meio Ambiente o posicionamento de que, como a
minuta do novo Código Florestal de Goiás reproduz os dispositivos
do Código Florestal Federal, o MP-GO acolhe na íntegra os termos
das três ADIN’s propostas, que questionam dispositivos da referida
Lei Federal.
As ações consideram inconstitucional a forma como o novo
código trata as ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE-APP's, a redução
das áreas de RESERVA LEGAL, além da ANISTIA para quem causou
degradação ambiental.
Segundo estudos técnicos que subsidiaram a propositura das
ADIN's, de uma forma geral, as normas questionadas estabelecem um
padrão de proteção inferior ao existente anteriormente, havendo
clara inconstitucionalidade e retrocesso ao reduzir e extinguir
áreas antes consideradas protegidas por legislações anteriores,
fragilizando as áreas de preservação permanente, cuja existência é
justificada pelo cumprimento do conjunto de funções ambientais
vitais que exerce.
O maior absurdo da novel legislação federal e reproduzida na
íntegra na minuta estadual está na redução das metragens das APP’s
para apenas 5 (cinco) metros ao longo de um mesmo curso d'água,
independentemente de sua largura, variando de acordo com o tamanho
da propriedade.
Ou seja: o proprietário de área de até 1 (um) módulo fiscal,
será obrigado a recompor a faixa de apenas 5 (cinco) metros,
enquanto o proprietário de área superior a 4 (quatro) módulos
fiscais será obrigado a recompor as faixas marginais de 20 (vinte)
a 100 (cem) metros.
Embora exista todo um arcabouço técnico e científico que
demonstre a importância para a sociedade das APP’s, pois que uma
mata ciliar atua na estabilização das margens, evitando erosão, o
que resulta em proteção não só à qualidade ambiental, mas à saúde
e vida da população, sob o argumento de “relevância social”
aprovou-se esse dispositivo a nível federal, o que está
reproduzido na minuta do projeto de lei.
Ora, ao invés de autorizar a ocupação dessas áreas de risco
pela população, já muito ameaçada e prejudicada pelos desastres e
catástrofes, o Poder Público deve assumir a obrigação de implantar
programas de pagamento pelos serviços ambientais pela preservação
das mesmas.
Outra verdadeira aberração da minuta de proposta do novo
Código Florestal Estadual é a possibilidade de compensação de área
de RESERVA LEGAL em propriedade FORA DO ESTADO DE GOIÁS.
Isto representa a dizimação total do pouco que ainda resta do
nosso Cerrado, considerado o “berço das águas”, por abrigar
nascentes das três principais bacias hidrográficas da América do
Sul: Bacia do São Francisco, Bacia do Amazonas e Bacia do Prata,
bem como uma rica biodiversidade.
Uma terceira heresia da minuta ocorre quando deixa de
considerar como APP as VÁRZEAS, situadas fora dos limites
previstos como faixas marginas. As veredas são fitofisionomias do
Cerrado, caracterizadas pela presença da palmeira buriti e pelo
afloramento do lençol freático, sendo as principais áreas de
recarga de aquíferos. Não considerá-las como de preservação
permanente legitima as ocupações, com impactos no nível dos
aquíferos.
Além disso, a Procuradoria Geral da República também questiona
a anistia daqueles que degradaram áreas preservadas até 22 de
julho de 2008. O novo código exclui o dever de pagar multas,
impede a aplicação de eventuais sanções penais e da obrigação de
recompor o que foi degradado. “Se a própria Constituição estatui
de forma explícita a responsabilização penal e administrativa,
além da obrigação de reparar danos, não se pode admitir que o
legislador infraconstitucional exclua tal princípio, sob pena de
grave ofensa à Lei Maior”.
Enquanto a comunidade internacional efetiva a renaturalização
dos cursos d’água como uma das formas de combater o aquecimento
global e buscar a sustentabilidade e a qualidade de vida da
população, no Brasil surgem leis que fragilizam os instrumentos de
proteção ambiental, afrontando diretamente o estabelecido
inclusive na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC-Lei nº
12.187/2009).
Esses são breves apontamentos, não esgotando o tema. Se
durante a tramitação legislativa não houver uma efetiva e ampla
participação dos diversos atores sociais envolvidos, ao Ministério
Público de Goiás não restará outra alternativa se não a
propositura das ações judiciais já manejadas a nível federal, o
que acarreta incertezas, instabilidades e insegurança jurídica a
todos.

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