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12/09/2021 22:37 ConJur - A política nacional do meio ambiente aos 40 anos — Parte 2

AMBIENTE JURÍDICO

A política nacional do meio ambiente aos 40 anos


— Parte 2
15 de maio de 2021, 8h00

Por Ricardo Cintra Torres de Carvalho

Em artigo anterior [1] cuidei dos conceitos de "natureza", "equilíbrio", "sistema", "energia"


e da homeostase, a reação do sistema às mudanças no meio externo em busca da
manutenção da estabilidade anterior ou de uma nova estabilidade. A análise da política
nacional do meio ambiente, o nosso tema, implica na compreensão de alguns outros termos
que, usados com frequência, mas nem sempre com exatidão, podem nos ajudar a responder
à nossa pergunta inicial: por que o país que criou um dos mais avançados sistemas legais de
proteção ambiental do mundo continua em permanente conflito com o meio ambiente?

"Desenvolvimento" é o adiantamento, crescimento, aumento,


progresso; estágio social, econômico e político de uma
comunidade, caracterizado por altos índices de rendimento dos
fatores de produção, isto é, os recursos naturais, o capital e o
trabalho [2]. O "desenvolvimento" pode ser visto em outras
acepções: sequência ordenada de transformações progressivas
resultando num aumento do grau de complexidade do
organismo (desenvolvimento infantil); progressão que situa as
pessoas no centro do desenvolvimento, promovendo a
realização do seu potencial, o aumento de suas possibilidades e
o desfrute da liberdade de viver a vida que elas desejam, como
definido no Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (desenvolvimento humano) [3]; processo pelo qual ocorre uma variação
positiva das "variáveis qualitativas" (crescimento econômico: aumento da capacidade
produtiva de uma economia medida por variáveis tais como Produto Interno Bruto, Produto
Nacional Bruto), acompanhado de variações positivas das "variáveis qualitativas"
(melhorias nos aspectos relacionados com a qualidade de vida, educação, saúde,
infraestrutura e profundas mudanças da estrutura socioeconômica de uma região e/ou país,
medidas por indicadores sociais como o índice de desenvolvimento humano, o índice de

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pobreza humana e o Coeficiente de Gini (desenvolvimento econômico) [4]. O


desenvolvimento sustentável, por sua vez, procura satisfazer as necessidades da geração
atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias
necessidades; significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível
satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural,
fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies
e os habitats naturais, como definido no Relatório Bruntland em 1987, elaborado pela
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, caracterizado pela
sustentabilidade ambiental, econômica e sociopolítica [5].

Desenvolvimento, na acepção comum, está ligada a crescimento, aumento, progresso, em


que o fator econômico é o mais cogente e implica no uso crescente dos recursos naturais. A
contrapartida ao uso dos recursos naturais é a preservação, definida como "série de ações
cujo objetivo é garantir a integridade e a perenidade de algo; defesa, salvaguarda,
conservação"; "conjunto de práticas, como o manejo planejado e programas de
reprodução, que visa à manutenção de populações ou espécies"; "conjunto de ações que
garante a manutenção das características próprias de um ambiente; proteção
ambiental [6]"; "ato ou efeito de preservar, ação que visa garantir a integridade de
algo" [7]. É esse o comando do nosso arcabouço legal, um conjunto de ações, como se vê
no corpo do artigo em que diferenciei a "preservação" e a "conservação". A preservação é
um conjunto de ações deliberadas, conscientes, para a conservação ou melhoria de um
determinado ambiente, não o simples abandono de uma área por desinteresse ou por
dificuldade de acesso [8].

A LF nº 6.938/81 de 31/8/1981 dispôs sobre a política nacional do meio ambiente a partir


do artigo 8º, inciso XVII, alíneas "c", "h" e "i" da Constituição Federal de 1967, que
cuidavam da competência legislativa da União: normas gerais de defesa e proteção da saúde
(alínea "c"), jazidas, minas e outros recursos minerais, metalurgia, florestas, caça e pesca
(alínea "h"), águas, energia elétrica e telecomunicações (alínea "i"); e foi um avanço
considerável, pois a palavra "ambiente" não aparece em dispositivo algum dessa
Constituição, que refletia a visão ainda existente do desenvolvimento econômico e do
correspondente uso dos recursos naturais.

A lei trouxe a estrutura legal e conceitual que continua em vigor: os objetivos e definições
(artigo 2º a 5º), a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente e seus órgãos principais
(artigo 6º a 8º), os instrumentos a ser utilizados (artigo 9º, 17), o licenciamento das
atividades poluidoras ou degradadoras (artigo 10 a 12), a responsabilização dos infratores
(artigo 14 e 15). Três estruturas são as mais relevantes, duas não alteradas nesse período e
que dão sustento a extenso trabalho da academia, dos técnicos e cientistas e do Judiciário: a
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definição da política nacional em si e a responsabilização dos infratores; a terceira, que


passou por acertos e desacertos no período, inclusive a recente flexibilização constante do
Projeto de Lei nº 3.729/04 em discussão no Congresso Nacional, é o licenciamento
ambiental.

A política nacional do meio ambiente se desprende da posição subalterna ao interesse


econômico (proteger os recursos naturais para permitir a sua contínua exploração) para
assumir uma posição própria: tem por objetivo (artigo 2º) a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida visando assegurar, no país, condições
ao desenvolvimento sócio econômico, aos interesse da segurança nacional e à proteção da
dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: manutenção do equilíbrio
ecológico, considerando o meio ambiente um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; racionalização do uso do solo, do
subsolo, da água e do ar, planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais,
proteção dos ecossistemas, controle das atividades potencial ou efetivamente poluidoras,
estudo e pesquisa, acompanhamento da qualidade ambiental, recuperação das áreas
degradadas, proteção das áreas ameaçadas de degradação, educação ambiental em todos os
níveis. As definições (artigo 3º) de meio ambiente [9], degradação da qualidade
ambiental [10], poluição [11], poluidor [12] e de recursos ambientais [13] são ainda atuais e
utilizadas diuturnamente.

Após a Lei de Responsabilidade Civil em virtude de Danos Nucleares (LF 6.453/77), a


política nacional do meio ambiente marca o crescimento da consciência ambiental; a
percepção de que "há um problema a resolver" deu origem a uma extensa legislação: a Lei
de Criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente- Ibama (LF 7.735/89); a Lei dos
Agrotóxicos (LF 7.802/89) Lei de Recursos Hídricos (LF 9433/97); a Lei dos Crimes
Ambientais (LF 9605/98); a Lei da Política Nacional da Educação Ambiental (LF
9.795/99); a Lei do Sistema de Unidades de Conservação da Natureza (LF 9985/00); a Lei
da Biossegurança (LF 11.105/05); a Lei da Mata Atlântica (LF 11.428/06) a Lei da Política
Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/07); a Lei da Criação do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (Lei 11.516/07); a Lei da Política Nacional da
Mudança do Clima (LF no. 12.187/09); a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (LF
12.305/10); Lei de Acesso à Informação Ambiental (LF 12.527/11); a Lei sobre
Competência Administrativa em Matéria Ambiental (LCF 140/11); o Novo Código
Florestal (LF 12651/12), a Lei da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (LF
12.608/12); a LF nº 14.026/20 de 15/7/2020, que atualiza o marco legal do saneamento
básico e altera diversas leis; a política nacional de pagamentos por serviços ambientais (LF
nº 14.119/21 de 13/1/2021). Temos ainda a Lei Estadual de Mudanças Climáticas de São
Paulo (LE nº 13.798/09 de 9/11/2009). E, na esteira da nova consciência trazida pela LF nº
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6.938/81, o meio ambiente ganhou uma forma processual adequada para sua defesa, a Lei
da Ação Civil Pública (LF nº 7.347/85 de 24/7/1985) e tomou assento na Constituição
Federal, artigo 225, que assegura o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, cabendo a
todos defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Não nos faltam leis,
portanto.

A LF nº 6.938/81 criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente e seus órgãos principais


(artigo 6º a 8º), os instrumentos a ser utilizados (artigo 9º, 17), o licenciamento das
atividades poluidoras ou degradadoras (artigo 10 a 12). Os órgãos componentes do Sisnama
passaram por diversas alterações no curso dos anos. É composto por um órgão superior, o
Conselho de Governo, que assessora o presidente da República; um órgão consultivo e
deliberativo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), para assessorar, estudar e
propor ao Conselho de Governo diretrizes para as políticas ambientais e deliberar sobre
normas e padrões compatíveis com o equilíbrio do meio ambiente; órgãos executores, o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, para executar a política e as
diretrizes ambientais estabelecidas; órgãos seccionais, responsáveis pela execução das
políticas ambientais nos estados; e os órgãos locais, com atuação nos municípios.

Os instrumentos previstos na lei são variados (artigo 9º, 17): o estabelecimento de padrões
de qualidade ambiental, o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais, o
licenciamento e sua revisão das atividades poluidoras, incentivos a equipamentos e
tecnologias voltados à melhoria da qualidade ambiental, a criação de áreas protegidas,
estabelecimento da cadastros e sistemas de informações, penalidades disciplinares ou
compensatórias, instrumentos econômicos como a concessão florestal, servidão ambiental,
seguro ambiental, entre outros.

Desses instrumentos, um dos mais relevantes e dos mais contestados é o licenciamento


ambiental, regulamentado pela Resolução Conama nº 237/97 de 19/12/1997: procedimento
que analisa a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras ou que possam causar degradação
ambiental. A resolução define a competência federal, estadual e municipal e o
licenciamento trifásico: a licença prévia (LP), na fase preliminar do empreendimento
aprovando a localização, concepção, a viabilidade ambiental e as condicionantes a serem
atendidas; a licença de instalação (LI), que autoriza a instalação do empreendimento ou
atividade, com novas condicionantes; e a licença de operação (LO), que autoriza a operação
da atividade ou empreendimento após cumpridas as determinações anteriores e indica as
condicionantes da operação.
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As críticas se referem ao custo e ao tempo exigido para o licenciamento e, motivo de


discórdia entre os empreendedores e o órgão licenciador, as condicionantes e compensações
exigidas nos grandes empreendimentos e acabaram condensadas no PL nº 3.729/04, que
facilita e flexibiliza o licenciamento, acaba de ser aprovada pela Câmara Federal e está
aguardando o envio ao Senado Federal. São normas que causam intensa preocupação nos
estudiosos do ambiente e que, esquecendo os princípios da precaução, da prevenção e do in
dubio pro natura, permite degradações ambientais que pode tornar-se irreversíveis.

Finalmente, a LF nº 6.938/81 trouxe uma alteração profunda na responsabilização dos


infratores, que veremos em próximo artigo.

[1] ConJur — A política nacional do meio ambiente aos 40 anos

[2] AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Novo Dicionário Aurélio, 1ª Ed.


Nova Fronteira, Rio de Janeiro, s/data, pág. 453.

[3] Desenvolvimento humano — Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org), acesso em


11-5-2021

[4] Desenvolvimento econômico — Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org), acesso


em 11-5-2021

[5] Desenvolvimento sustentável — Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org), acesso


em 11-5-2021

[6] Vocábulo "preservação" in https://www.bing.com/search?


q=preserva%C3%A7%C3%A3o+significado&pglt=43&FORM=ANCMS9&PC=U531

[7] AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Novo Dicionário da Língua


Portuguesa, 2ª Ed. Nova Fronteira, 13ª reimpressão, 1989, pág. 1388.

[8] ConJur — Preservação e conservação não são sinônimos, acesso em 11-5-2021

[9] O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e


biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

[10] LF nº 9.938/81, artigo 3º, inciso II: "A alteração adversa das características do meio
ambiente".

[11] LF nº 9.938/81, artigo 3º, inciso III: "Poluição, a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança
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e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e


econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões
ambientais estabelecidos".

[12] LF nº 9.938/81, artigo 3º, inciso IV: "A pessoa física ou jurídica, de direito público ou
privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental".

[13] LF nº 6.938/81, artigo 3º, inciso V: "Recursos ambientais: a atmosfera, as águas


interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os
elementos da biosfera, a fauna e a flora" (redação da LF nº 7.804/89).

Ricardo Cintra Torres de Carvalho é desembargador do TJ-SP.

Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2021, 8h00

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